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TRATADO DE LEPROLOGIA<br />
VOLUME I
TRATADO DE LEPROLOGIA<br />
Organizado pelo SERVIÇO NACIONAL DE LEPRA<br />
Diretor: DR. ERNANI AGRICOLA<br />
Prefacio do Ministro GUSTAVO CAPANEMA<br />
VOLUME 1:<br />
Tomo 1 – HISTÓRIA DA LEPRA NO BRASIL E SUA<br />
DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA.<br />
Dr. FLAVIO MAURANO<br />
Tomo 2 – ETIOLOGIA E PATOLOGIA.<br />
VOLUME II:<br />
Drs. ABRAÃO ROTBERG<br />
LUIZ MARINO BECHELLI<br />
Tomo 3 – CLÍNICA<br />
Drs. LUIZ MARINO BECHELLI<br />
ABRAÃO ROTBERG<br />
FLAVIO MAURANO<br />
Tomo 4 – DIAGNÓSTICO<br />
Drs. LAURO DE SOUZA LIMA<br />
NELSON DE SOUZA CAMPOS<br />
Tomo 5 – TERAPÊUTICA<br />
Drs. LUIZ MARINO BECHELLI<br />
ABRAÃO ROTBERG<br />
FLAVIO MAURANO<br />
VOLUME III:<br />
Tomo 6 – EPIDEMIOLOGIA<br />
Drs. NELSON DE SOUZA CAMPOS<br />
LUIZ MARINO BECHELLI<br />
ABRAÃO ROTBERG<br />
Tomo 7 – PROFILAXIA<br />
Drs. NELSON DE SOUZA CAMPOS<br />
LUIZ MARINO BECHELLI<br />
ABRAÃO ROTBERG
M. E. S. SERVIÇO NACIONAL DE LEPRA D.N.S.<br />
TRATADO<br />
DE<br />
LEPROLOGIA<br />
2ª EDIÇÃO<br />
VOLUMEI<br />
RIO DE JANEIRO – BRASIL<br />
1950
Direitos autorais reservados ao<br />
Serviço ao Nacional de Lepra.
<strong>Apresentação</strong> <strong>da</strong> 2ª Edição<br />
O “Tratado de Leprologia” publicado pelo Serviço Nacional de<br />
Lepra em 5 volumes, foi constituido pelas monografias premia<strong>da</strong>s em<br />
concursos promovidos em 1942 e 1943, os quais abrangeram os diversos<br />
capítulos do estudo <strong>da</strong> leprologia.<br />
Foi tal o êxito obtido com essa publicação que em pouco tempo<br />
teve esgota<strong>da</strong> a sua edição pelos inumeros pedidos de técnicos nacionais e<br />
estrangeiros, obrigando êste Serviço a promover a sua reedição, o que<br />
agora é feito.<br />
Em virtude <strong>da</strong>s características próprias <strong>da</strong>queles concursos, as<br />
diferentes monografias constituintes do Tratado não possuiam a sequência<br />
natural de uma obra dessa natureza, muito embora obedecessem seus<br />
autores às diretrizes traça<strong>da</strong>s pelas instruções reguladoras baixa<strong>da</strong>s pelo<br />
Serviço Nacional de Lepra. Dado o natural entrelaçamento de alguns<br />
assuntos, houve repetições de matéria em volumes diversos e distribuição<br />
não bem ordena<strong>da</strong> de vários capítulos.<br />
Sem modificar a essencia do texto primitivo, procurou-se, nesta<br />
segun<strong>da</strong> edição, corrigir as falhas acima cita<strong>da</strong>s e suprimir os temas<br />
abor<strong>da</strong>dos mais de uma vez, ao mesmo tempo que se imprimiu uma<br />
sequência mais lógica <strong>da</strong> matéria. Varias ilustrações foram elimina<strong>da</strong>s por<br />
eserem redun<strong>da</strong>ntes e a bibliografia de ca<strong>da</strong> tomo, em ordem alfabética e<br />
numera<strong>da</strong> de acôrdo com a citação no texto, coloca<strong>da</strong> no final do<br />
respectivo volume.<br />
A fim de atualizar os aspectos mais importantes <strong>da</strong> leprologia<br />
foram incluidos alguns novos capítulos sôbre conhe-
– 6 –<br />
cimentos surgidos após a publicação <strong>da</strong> 1.ª edição, bem como a moderna<br />
legislação que regula o combate à lepra no Brasil.<br />
Com essas modificações, fica o Tratado reduzido a 3 volumes,<br />
com a seguinte organização:<br />
VOLUME I<br />
Tomo 1 – História <strong>da</strong> Lepra no Brasil e sua distribuição<br />
geográfica.<br />
Tomo 2 – Etiologia e patologia.<br />
VOLUME II<br />
Tomo 3 – Clínica.<br />
Tomo 4 – Diagnóstico.<br />
Tomo 5 – Terapêutica.<br />
VOLUME III<br />
Tomo 6 – Epidemiologia.<br />
Tomo 7 – Profilaxia.<br />
Rio de Janeiro, 1950.
Prefacio <strong>da</strong> 1.ª Edição<br />
Duas Palavras<br />
A campanha nacional contra a lepra já encontrou bases seguras e<br />
rumos promissores. Tendo conseguido reunir uma plêiade de mestres e<br />
técnicos <strong>da</strong> matéria e mobilizar os recursos indispensáveis aos serviços<br />
essenciais, o <strong>Ministério</strong> <strong>da</strong> Educação e <strong>Saúde</strong> imprimiu ao<br />
empreendimento a segurança e a eficiência que poderiam permitir as<br />
nossas presentes condições de fortuna e cultura. Não houve<br />
improvisação. Também não houve empirismo. O Govêrno Federal partiu<br />
de iniciativas singelas e isola<strong>da</strong>s para chegar, depois de longo e paciente<br />
esfôrço, a uma sistematização de trabalhos em todo o país.<br />
O armamento antileproso está constituído e oferece, na sua já<br />
extensa rêde de dispensários, leprosários e preventórios, os instrumentos<br />
que tornam possível o levantamento de um censo geral e seguro, uma<br />
vigilância sanitária satisfatória, o tratamento dos casos de doença<br />
verificados, com internamento dos doentes contagiantes, o resguardo <strong>da</strong>s<br />
crianças sãs surpreendi<strong>da</strong>s em convívio com leprosos, a assistência<br />
material e moral às famílias de doentes internados.<br />
Essa obra não podia ser realiza<strong>da</strong> sòmente pelo Govêrno Federal.<br />
Ao <strong>Ministério</strong> <strong>da</strong> Educação e <strong>Saúde</strong> teria que caber a função dirigente e<br />
coordenadora, função que o Serviço Nacional de Lepra, criado em 1941,<br />
exerce com esclarecimento e eficiência exemplares.
– 8–<br />
Os govêrnos estaduais por um lado, e, por outro lado, as<br />
instituições particulares, reuni<strong>da</strong>s na Federação <strong>da</strong>s Socie<strong>da</strong>des de<br />
Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra, prestam ao Govêrno<br />
Federal uma cooperação tão constante, tão vigorosa, tão cheia de boa<br />
vontade, tão fértil em resultados animadores, que a campanha<br />
antileprosa se tornou ver<strong>da</strong>deiramente nacional e atingiu a um nível de<br />
organização que faz honra ao nosso país.<br />
Essa auspiciosa situação longe está, porém, <strong>da</strong> fase final de<br />
liqui<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> endemia. Esforços decisivos ain<strong>da</strong> são indispensáveis. E’<br />
preciso empreendê-los, continuá-los, redobrá-los.<br />
E já agora, se há uma lacuna a preencher na nossa organização<br />
antileprosa, esta diz respeito à pesquisa científica. Contamos sem dúvi<strong>da</strong><br />
com estudiosos e investigadores de merecimento. Mas o trabalho<br />
realizado, embora notável sob vários aspectos, não apresenta ain<strong>da</strong> os<br />
resultados essenciais à inclusão do problema <strong>da</strong> lepra, entre nós, no<br />
número dos problemas colocados em têrmos definitivos de planejamento<br />
e solução.<br />
O Serviço Nacional de Lepra empreende agora a organização de<br />
um Instituto, destinado a incentivar, promover e coordenar pesquisas<br />
científicas sôbre a lepra, visando, do ponto de vista <strong>da</strong> aplicação, a<br />
finali<strong>da</strong>des de natureza tanto sanitária como médica. Trabalhos<br />
preliminares de natureza científica vão sendo realizados, como<br />
preparação a êsse esfôrço de maior envergadura.<br />
Entre êsses trabalhos inclui-se a organização e publicação do<br />
presente TRATADO DE LEPROLOGIA, obra com a qual a inteligência e<br />
a cultura de alguns investigadores brasileiros prestam serviço de<br />
importância decisiva não só à nossa campanha antileprosa mas também<br />
ao esfôrço de todos os demais países na luta contra a lepra.<br />
Rio de Janeiro, 1944.<br />
GUSTAVO CAPANEMA<br />
Ministro <strong>da</strong> Educação e <strong>Saúde</strong>.
<strong>Apresentação</strong> <strong>da</strong> 1.ª Edição<br />
A bibliografia nacional sôbre leprologia, afora as<br />
publicações esparsas em revistas técnicas especializa<strong>da</strong>s,<br />
ressentia-se, até então, <strong>da</strong> falta de um compêndio onde<br />
estivessem reunidos os conhecimentos clássicos do mal de<br />
Hansen e as aquisições modernas do estudo dessa<br />
enfermi<strong>da</strong>de.<br />
A inexistência de livros nacionais com objetivo<br />
didático e a dificul<strong>da</strong>de <strong>da</strong> aquisição de obras estrangeiras,<br />
fizeram com que o Serviço Nacional de Lepra incentivasse a<br />
feitura de monografias sôbre os diferentes assuntos <strong>da</strong><br />
especiali<strong>da</strong>de, solicitando, para isto, a colaboração de todos<br />
os técnicos em leprologia do país, através um vasto<br />
programa de concursos anuais.<br />
Seu objetivo era, inicialmente, publicar essas<br />
monografias a fim de colocar ao alcance de todos os<br />
clínicos uma obra nacional, de manuseio prático, que lhes<br />
oferecesse a possibili<strong>da</strong>de de adquirir os conhecimentos<br />
mais modernos <strong>da</strong> infecção leprótica.<br />
Logo, porém, que foi aberto, em 1942, o primeiro<br />
concurso que versou sôbre o tema “Diagnóstico Clínico,<br />
Laboratorial e Biológico” ficou decidido enfeixar-se em<br />
forma de Tratado, os diversos capítulos <strong>da</strong> leprologia, onde,<br />
ao lado do caráter prático de divulgação, se fizesse ao<br />
mesmo tempo o aperfeiçoamento, em mais larga escala, dos<br />
médicos que exercem funções especializa<strong>da</strong>s nos vários<br />
setores de profilaxia <strong>da</strong> lepra existentes em tô<strong>da</strong>s as<br />
Uni<strong>da</strong>des Federa<strong>da</strong>s.
– 10 –<br />
Nesse sentido, o Serviço Nacional de Lepra apressouse<br />
em instituir, em 1943, mais 4 concursos abrangendo os<br />
temas: “História <strong>da</strong> Lepra no Brasil e sua distribuição<br />
geográfica”, “Etiologia e patologia”. “Clínica e<br />
terapêutica” e “Epidemiologia e Profilaxia”, que assim<br />
vieram completar, juntamente com a primeira monografia<br />
premia<strong>da</strong>, os 5 volumes que compõem êste Tratado.<br />
Ao concretizar êsse plano, o Serviço Nacional de<br />
Lepra se rejubila pelo brilho alcançado por esta iniciativa,<br />
interessante no seu aspecto original e patriótica na sua<br />
finali<strong>da</strong>de, vendo converti<strong>da</strong> em reali<strong>da</strong>de uma <strong>da</strong>s suas<br />
grandes aspirações: proporcionar aos que se dedicam à luta<br />
contra a lepra no Brasil uma obra de grande valor<br />
científico, que vem colocar o nosso país entre os que<br />
caminham na vanguar<strong>da</strong> do combate ao mal de Hansen,<br />
infelizmente entre nós uma endemia de grandes proporções.<br />
Nessa apresentação fica consignado o agradecimento<br />
muito particular devido ao Serviço Especial de <strong>Saúde</strong><br />
Pública, organização manti<strong>da</strong> pelo <strong>Ministério</strong> <strong>da</strong> Educação<br />
e <strong>Saúde</strong> do Govêrno do Brasil e pelo Instituto de Assuntos<br />
Inter-Americanos do Govêrno dos Estados Unidos, e<br />
representado pelos Drs. M. G. Saunders, E. H.<br />
Christopherson, Servulo Lima e Charles W. Wagley, que,<br />
fiel ao princípio <strong>da</strong> sã política de Boa-Vizinhança e de<br />
íntima cooperação com os poderes públicos brasileiros no<br />
setor sanitário, muito concorreu para a publicação desta<br />
obra.<br />
É um dever de justiça ressaltar o apôio dispensado<br />
pelo Sr. General George C. Dunham, autor de interessante<br />
obra sobre medicina preventiva e muito ligado às questões<br />
de saúde pública.<br />
Finalmente não se pode deixar de registrar a alta<br />
visão e elevado descortino do Ministro <strong>da</strong> Educação e<br />
<strong>Saúde</strong>, Dr. Gustavo Capanema, idealizador <strong>da</strong> organização
– 11 –<br />
em Tratado <strong>da</strong>s Monografias premia<strong>da</strong>s, e que com<br />
ardoroso interêsse, profundo senso patriótico e acentuado<br />
desvêlo pela cultura nacional, prestigiou, desde a primeira<br />
hora, a tarefa que o Serviço Nacional de Lepra acaba de se<br />
desincumbir, contribuindo assim para o desenvolvimento de<br />
uma <strong>da</strong>s mais humanitárias realizações do programa<br />
médico-sanitário do Govêrno Getúlio Vargas – a extinção<br />
<strong>da</strong> lepra no Brasil.<br />
Rio de Janeiro, 1944.
TRATADO DE LEPROLOGIA<br />
TOMO 1<br />
HISTÓRIA DA LEPRA NO BRASIL E SUA<br />
DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA<br />
DR. FLAVIO MAURANO<br />
Médico do D. P. L. de São Paulo
Introito<br />
A História <strong>da</strong> Lepra no Brasil e sua distribuição geográfica – eis<br />
um dos temas propostos no Concurso de Monografias, instituído pelo<br />
Serviço Nacional de Lepra. Realmente, o antigo problema nacional <strong>da</strong><br />
lepra não havia ain<strong>da</strong> merecido uma publicação – apesar de já<br />
existirem alguns trabalhos alusivos ao assunto, quase sempre, porém,<br />
de caráter regional. Inúmeros são os fatos dignos de registro na<br />
história <strong>da</strong> lepra em nosso país, conhecidos em certos Estados e<br />
ignorados em outros. Ora êsses conhecimentos não deixam de<br />
representar eleva<strong>da</strong> soma de experiência para várias regiões afeta<strong>da</strong>s<br />
pelo mesmo problema.<br />
A história é a mestra <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, ela é, em última análise, a<br />
experiência acumula<strong>da</strong> pelo tempo afora, e a lepra, questão complexa e<br />
árdua, muitas vêzes desalentadora, não prescinde dessa experiência.<br />
De nossa parte, procuramos coordenar as referências históricas<br />
acérca <strong>da</strong> lepra no Brasil, de modo a <strong>da</strong>r uma visão de conjunto, sem<br />
entrar em pormenores dispensáveis e fastidiosos.<br />
Afigurou-se nos mais interessante, considerar o assunto sob<br />
quatro aspectos principais:<br />
1.°) Epidemiologia histórica, isto é, a origem <strong>da</strong> lepra no<br />
Brasil, a sua disseminação, os fatôres que a influenciaram – e a<br />
distribuição <strong>da</strong> lepra no país e em ca<strong>da</strong> um dos Estados.<br />
2.°) À guisa de história científica, uma resenha dos estudos<br />
feitos em nosso país a respeito do morbo leprótico. Infelizmente nessa<br />
parte, a exigui<strong>da</strong>de do tempo não nos permitiu apresentar a extensa<br />
bibliografia nacional existente sôbre o assunto, que aliás, por si só,<br />
constituiria matéria vastíssima.
– 16 –<br />
3.°) Vi<strong>da</strong> e costumes dos doentes de lepra – do seu quadro físico<br />
e moral – dos preconceitos e do comportamento <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de com<br />
relação aos hansenianos.<br />
4.°) A história <strong>da</strong> luta contra a lepra nas diversas fases políticas<br />
<strong>da</strong> Nação e a assistência dispensa<strong>da</strong> aos doentes, por parte <strong>da</strong>s<br />
autori<strong>da</strong>des, dos filântropos e do povo. Nesta última parte, o primeiro<br />
capítulo é destinado à ação oficial no período colonial e imperial e a<br />
cooperação particular durante êsse mesmo período, abrangendo o<br />
seguinte até 1930 mais ou menos. O segundo capítulo, relativo aos<br />
últimos anos do período imperial e a todo o período republicano, até o<br />
advento do Estado Nacional, correspondendo à fase científica ou<br />
precursora <strong>da</strong> campanha atual.<br />
Foi nesse período, que em vários Estados do Brasil, os cientistas<br />
começaram. a ter ação na campanha contra a lepra, pois até então as<br />
providências eram toma<strong>da</strong>s, segundo a intuição <strong>da</strong>s autori<strong>da</strong>des, não<br />
obedecendo a orientação técnica dos médicos. O terceiro capítulo é<br />
reservado ao período que estamos vivendo, cheio de realizações, mercê<br />
do Estado Nacional, inaugurado por GETULIO VARGAS. Fazemos,<br />
também, menção à magnífica ativi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Federação <strong>da</strong>s Socie<strong>da</strong>des de<br />
Assistência aos Lázaros e Defesa contra a Lepra, verifica<strong>da</strong> em todos os<br />
Estados <strong>da</strong> União, colaborando sempre com as Socie<strong>da</strong>des locais,<br />
destina<strong>da</strong>s ao mesmo fim.<br />
Insistimos em lastimar a absoluta falta de tempo, que não nos<br />
permitiu apresentar um quadro sôbre o estado atual <strong>da</strong> campanha contra<br />
a lepra no Brasil, e em ca<strong>da</strong> um dos Estados.<br />
A história é a mestra <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, repetimos o conhecido aforisma.<br />
Possa, destarte, a história <strong>da</strong> lepra no Brasil, desven<strong>da</strong>ndo as reali<strong>da</strong>des<br />
do passado, trazer alguma contribuição à redenção higiênica de nossa<br />
queri<strong>da</strong> pátria.
CAPÍTULO I<br />
ORIGENS DA LEPRA NO BRASIL<br />
1 - A lepra não acometia os indígenas. 2 - O papel dos<br />
africanos na introdução <strong>da</strong> lepra no país. 3 - A introdução<br />
<strong>da</strong> lepra pelos portugueses.<br />
1. Os autores que têm abor<strong>da</strong>do a questão <strong>da</strong> origem <strong>da</strong> lepra no<br />
Brasil, foram levados a responder, invariávelmente, aos quesitos<br />
relacionados com o papel representado, na origem <strong>da</strong> lepra, pelas três<br />
raças que, inicialmente, povoaram o país.<br />
Haveria leprosos entre o elemento humano existente antes <strong>da</strong><br />
descoberta do país, ou essa moléstia foi introduzi<strong>da</strong> pelos escravos<br />
africanos ou pelos colonizadores europeus?<br />
Tudo faz crer que os indígenas, primitivos habitantes do país, não<br />
eram acometidos de lepra e desconheciam a moléstia. A nosso ver, a<br />
inexistência de um vocábulo na língua dêsses autóctones, que se refira<br />
insofismàvelmente à lepra é um dos argumentos mais poderosos a favor<br />
dessa crença.<br />
Os indígenas não tinham em seus idiomas, nenhuma palavra<br />
referente à lepra, ao contrário de todos os povos atingidos por essa<br />
moléstia.<br />
Segundo Maurano (1) os vocábulos – miritg e miraib – traduzido<br />
por lepra, o primeiro é lepra ou bexiga – o segundo conforme o<br />
vocabulário <strong>da</strong> Língua Brasílica, cuja autoria parece de Anchieta, por<br />
certo não significava a hansenose. O próprio Anchieta refere-se em suas<br />
Cartas a uma “indígena que” morrera rápi<strong>da</strong>mente de “lepra mortal”. Ora,<br />
sabemos perfeitamente que a lepra nunca é ràpi<strong>da</strong>mente mortal, e a idéia<br />
que nos dá a designação de Anchieta é a de uma moléstia agu<strong>da</strong> grave,<br />
com manifestações cutâneas e de êxito letal que poderia ser a própria<br />
varíola, tão comum entre os indígenas, naquele tempo.<br />
F– 2
– 18 –<br />
Mesmo os médicos, muito depois de Anchieta, empregavam o<br />
têrmo lepra, para designar moléstias, que na<strong>da</strong> tinham que ver com a<br />
ver<strong>da</strong>deira lepra, moléstia causa<strong>da</strong> pelo bacilo de Hansen. Assim é, que o<br />
grande médico José Pinto de Azeredo, citado por Maurano, define em seu<br />
“Lexicon”, ain<strong>da</strong> inédito, existente no Instituto Histórico e Geográfico<br />
Brasileiro, a lepra como “pele áspera com crostas brancas, furfuráceas, e<br />
greta<strong>da</strong>, e algumas vêzes pruriginosa”, o que não é leprose, como hoje a<br />
conhecemos.<br />
Mesmo posteriormente, o grande Bernardino Antônio Gomes (1) no<br />
seu interessante ensaio dermográfico não confere à lepra o significado que<br />
hoje tem. Nesta obra, lepra é elefantiase dos gregos.<br />
No Paraguai, onde o guarani é ain<strong>da</strong> falado pelo povo, informounos<br />
o Prof. Recalde, profundo conhecedor do idioma, que a lepra é<br />
chama<strong>da</strong> de “mbá asy vai” isto é “doença feia”, denominação não<br />
específica dessa moléstia, não passando de um neologismo criado para<br />
designar uma moléstia que os ameríndios antes não conheciam.<br />
Contudo, êsse não é o único argumento a favor <strong>da</strong> ausência de<br />
lepra entre os índios. O testemunho dos primeiros advenas, entre os quais<br />
cronistas e sacerdotes de reconhecido valor e a quem não faltava o<br />
espírito de observação, como provam seus escritos, é de suma<br />
importância.<br />
Antes <strong>da</strong> descoberta, o Brasil era uma terra lendária e é natural que<br />
ao chegarem, os recém-vindos tivessem curiosi<strong>da</strong>de de verificar a<br />
reali<strong>da</strong>de do que se imaginava a respeito de suas coisas e habitantes. Se<br />
acaso vissem leprosos, tê-los-iam registrado <strong>da</strong>do o impressionante facies<br />
leonino. No entanto, a moléstia jamais foi descrita pelos navegadores ou<br />
pelos padres que vieram catequizar os selvícolas.<br />
Haviam contudo observado que “esta terra era muito sã para ser<br />
habita<strong>da</strong>, e mesmo a melhor que se podia achar”. Nunca haviam ouvido<br />
dizer que alguém morresse de febre. Seus habitantes morriam, “sómente<br />
de velhice”. (Padre Manoel <strong>da</strong> Nóbrega, citação de Maurano).<br />
“Os habitantes eram limpos, robustos e formosos como melhor não<br />
podiam ser”. (Pero Vaz de Caminha, citação de F. Maurano). As<br />
moléstias existentes, como por exemplo a bouba, eram menciona<strong>da</strong>s. Não<br />
se referiam à lepra e quando o faziam, era apenas para comparação. É o<br />
que se depreende de Vespúcio, Gan<strong>da</strong>vo, Gabriel Soares de Souza, Lery,<br />
Evreux, Thevet, Laet, Lafitau, Abbeville, Stade, citados por Maurano.<br />
Êste fato foi também confirmado pela Comissão
– 19 –<br />
Rondon e também observado em Patagônia, Terra do Fogo e na<br />
Cordilheira dos Andes. É também o que dizem os Missionários.<br />
E para servir de fêcho decisivo, resta ain<strong>da</strong> a declaração categórica<br />
do célebre médico batavo – Guilherme Pison, aqui vindo no século XVII,<br />
na época do príncipe de Nassau, que afirmava a inexistência <strong>da</strong> lepra e <strong>da</strong><br />
sarna em nosso país, embora êstes “vitia cutanea” fossem observados no<br />
Egito e noutras regiões quentes. (1)<br />
Existe outro argumento favorável a inexistência <strong>da</strong> lepra nos índios<br />
na época do descobrimento, aquêle que afirma que os selvícolas isolados<br />
e fora <strong>da</strong> civilização, não apresentam lepra. Sòmente no indígena<br />
civilizado, tem sido observa<strong>da</strong> tal infecção. (1)<br />
2. Quanto aos africanos aqui introduzidos, sob o regime de<br />
escravidão, para trabalhar na agricultura, a insistência de que êles tenham<br />
introduzido a lepra é, por assim dizer, um ver<strong>da</strong>deiro lugar comum, não<br />
só aqui, como fora do Brasil, nas Guianas e nos Estados Unidos.<br />
Nas Guianas, Schilling afirmava que a lepra acompanhou os<br />
negros na América e os indígenas sòmente eram acometidos por esta<br />
moléstia se “cum Aethiopobus corpora sua miscent, aliarumve verum<br />
comercio junguntur”. Outros autores pensavam <strong>da</strong> mesma forma, e, entre<br />
nós, Antônio Alves Machado e o Professor Silva, endossavam-lhe o modo<br />
de pensar (1) . Bem antes, o cirurgião licenciado Manuel Santos, ao<br />
descrever as epidemias de Pernambuco nos princípios do século XVIII, e<br />
Melo Morais Filho, referiam-se igualmente ao papel dos africanos na<br />
introdução <strong>da</strong> lepra no Brasil.<br />
No entanto, o Prof. Juliano Moreira, discor<strong>da</strong> dêsse pensamento<br />
geral e dá, como argumento, a inexistência de endemia leprosa nos<br />
Estados Unidos, onde a introdução dos escravos africanos foi enorme.<br />
Acrescenta ain<strong>da</strong>: existiria a lepra, antes do tráfico, nos países africanos<br />
que forneceram escravos à América? Conclui dizendo que as narrativas<br />
dos viajantes não aludem à existência <strong>da</strong> lepra entre as raças selvagens do<br />
continente africano.<br />
Segundo Lucrécio, é sabido que a lepra é de velho registro na<br />
África. A lepra endêmica nas margens do Nilo, era conheci<strong>da</strong> como em<br />
parte nenhuma. Os núbios a teriam levado ao Egito, e <strong>da</strong>í introduzido a<br />
outras partes. Os maometanos, que nunca se esqueceram de levar o<br />
Alcorão aos
– 20 –<br />
infiéis durante as viagens de comércio entre os povos africanos, levavamlhes<br />
também, quando leprosos, a moléstia de que eram portadores.<br />
O Sudão fortemente islamizado, é a prova do contato com os<br />
africanos do norte, onde a lepra é antiga. Dêste país provieram muitos<br />
escravos para o Brasil, especialmente para a Bahia, onde continuavam não<br />
poucos a professar a religião de Maomé e eram chamados de “mussulmi”.<br />
(1)<br />
Vinham porém, escravos negros de todos os pontos <strong>da</strong> Costa <strong>da</strong><br />
África, ocidente e oriente, onde a lepra parece não ter existido ou era de<br />
introdução recente. (1)<br />
Seja como fôr, o argumento mais importante que se pode talvez<br />
opôr à crença <strong>da</strong> introdução <strong>da</strong> lepra pelos africanos no Brasil é o de<br />
serem êstes escravos de difícil introdução, particularmente quando<br />
doentes <strong>da</strong> pele. Ninguém, quando se tratava do próprio interêsse, haveria<br />
de aceitar em sua lavoura, engenho ou casa, um escravo em que a lepra se<br />
manifestasse, ao menos abertamente. Os compradores de escravos tinham<br />
experiência a respeito <strong>da</strong> sua quali<strong>da</strong>de, como acontece hoje com os que<br />
negociam com animais. Examinavam-nos, nos pontos que eram expostos<br />
à ven<strong>da</strong>, parte por parte, e rigorosamente a pele, para verificar se êles<br />
estavam ou não atacados de males incuráveis. (1)<br />
Tal como hoje existem manuais para tratamento <strong>da</strong>s moléstias do<br />
gado ou aves, havia-os para as enfermi<strong>da</strong>des dos negros. Por êles podiamse<br />
conhecer os defeitos dos negros de todos os países a fim de os recusar.<br />
Entre outras coisas, a pele devia ser lisa, não oleosa, de uma bela côr<br />
preta, isenta de manchas, de cicatrizes, e de odor demasiado forte. (1)<br />
Também médicos militares examinavam, a bordo, os escravos para<br />
permitir-lhes o desembarque, como atestam alguns documentos dos<br />
princípios do século XIX em Santos. (1)<br />
Submetidos os negros a duras contingências e trabalhos, é de se<br />
crer que êsse fato permitisse maiores facili<strong>da</strong>des de alastramento do mal.<br />
Ou, então, é possível que a observação sôbre a extensão <strong>da</strong> lepra entre<br />
êles, não passasse de mera impressão. Em ver<strong>da</strong>de, verifica<strong>da</strong> a moléstia,<br />
os negros escravos eram abandonados à sua sorte, pois aos amos, não<br />
convinha tão perigosos serviçais. Não lhes restava mais, que recorrer à<br />
esmola, <strong>da</strong>ndo assim a impressão de que a moléstia era comum entre êles.<br />
3. Há mais concordância entre os autores, em atribuir a<br />
introdução <strong>da</strong> lepra pelos portuguêses. Um médico português afirma sem<br />
rebuços em sua tése, que hoje, não restam
– 21 –<br />
dúvi<strong>da</strong>s, “que os portuguêses introduziram esta moléstia no Brasil em<br />
1496, como a haviam introduzido na Madeira, onde era desconheci<strong>da</strong><br />
antes <strong>da</strong> chega<strong>da</strong> dos portuguêses”... (Aleixo Guerra, citado por<br />
Maurano).<br />
Não falta base histórica à esta afirmação de que os portuguêses<br />
tenham introduzido a lepra no Brasil, pois enquanto a lepra se extinguira<br />
no continente no século XVI, época do descobrimento e <strong>da</strong> primeira<br />
colonização dêste país, ela existia na Ilha <strong>da</strong> Madeira, nos Açôres,<br />
possessões marroquinas e nas Índias Portuguêsas (Carvalho, citado por<br />
Maurano).<br />
Os colonos, entre os quais por certo não poucos doentes de lepra,<br />
vinham dessas possessões e possìvelmente, do próprio continente, cuja<br />
endemia leprosa antiquíssima se extinguira no século XVI e se tornara<br />
mais freqüente no século XVII, como nô-lo fazem entrever as referências<br />
mais extensas sôbre a moléstia feita pelos luminares <strong>da</strong> medicina do<br />
tempo: Almei<strong>da</strong>, Carreira e Samedo.
CAPÍTULO II<br />
DISSEMINAÇÃO DA LEPRA NO BRASIL<br />
1 - Em que época foi introduzi<strong>da</strong> a lepra no Brasil?<br />
2 - Influência dos fatôres econômicos e sociais na<br />
difusão <strong>da</strong> lepra. 3 - Marcha <strong>da</strong> lepra no território<br />
brasileiro, e a influência <strong>da</strong>s migrações internas. 4<br />
- Lepra de origem estrangeira. 5 - Extinção ou<br />
redução <strong>da</strong> endemia leprosa em certas regiões<br />
brasileiras e ressurreição de antigos fócos. 6 -<br />
Influência do elemento afro-brasileiro na<br />
propagação <strong>da</strong> lepra. 7 - O elemento europeu e a<br />
lepra. 8 - Os atuais meios de comunicação e a<br />
difusão <strong>da</strong> lepra. 9 - Irregulari<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />
disseminação <strong>da</strong> lepra no Brasil.<br />
1. A falta de documentos, torna difícil, senão impossível,<br />
precisar-se a época <strong>da</strong> introdução <strong>da</strong> lepra nas regiões onde,<br />
primitivamente, foram observados os primeiros fócos. Não pudemos<br />
conseguir a tese de Aleixo Guerra, menciona<strong>da</strong> por Augusto <strong>da</strong> Silva<br />
Carvalho (2) , na qual o Autor dá o ano de 1496, como <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> introdução<br />
<strong>da</strong> lepra no Brasil, e não sabemos em que documentos êste autor se<br />
baseia para tal afirmação.<br />
Também não foi possível averiguar o fun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> afirmação<br />
de Silva Lisbôa, mencionado por Marques Pinheiro (3) a respeito <strong>da</strong><br />
introdução <strong>da</strong> lepra no Rio, talvez nos últimos anos do século XVI.<br />
Não obstante, é lógico acreditar-se que a lepra, desconheci<strong>da</strong><br />
pelos habitantes primitivos do país, tenha sido introduzi<strong>da</strong> pelos novos<br />
colonos, e seguido seus passos, onde quer que êstes se locomovessem<br />
ou fixassem.<br />
A lepra, diz Jeanselme (4) acompanha o homem como uma<br />
sombra, e se desloca com êle. No Brasil, a lepra deve ter trilhado a rota<br />
<strong>da</strong> colonização, moléstia essencialmente
– 23 –<br />
humana como é, e transmiti<strong>da</strong> pelo contágio. Nenhuma outra teoria pode,<br />
ao que se sabe, explicar sua difusão. Não está provado que animal<br />
doméstico ou <strong>da</strong>ninho exista como vector. Mesmo que se admita<br />
alimentação. deficiente ou clima favorável na gênese <strong>da</strong> endemia, êstes<br />
dois fatôres não bastariam por si sós para explicar a sua origem.<br />
Pode ser que a lepra se tenha introduzido no país por vários<br />
pontos. Essa hipótese, é, em ver<strong>da</strong>de, a mais provável, pois vários eram os<br />
focos endêmicos registrados no país, dos fins do século XVII até por volta<br />
do meiado do século seguinte.<br />
2. Êsses focos, muito distantes uns dos outros, correspondiam às<br />
ci<strong>da</strong>des mais importantes, política ou econômicamente cita<strong>da</strong>s na época.<br />
Tô<strong>da</strong> a Colônia, experimentava então notável progresso. A agricultura e o<br />
comércio floresciam no país. Pernambuco era o mais importante centro<br />
açucareiro do mundo; a Bahia, capital <strong>da</strong> Colônia; e o Rio de Janeiro, por<br />
tal forma progredia, e tão grande era a sua importância, que se tornou a<br />
séde do Govêrno. São Paulo, iniciava o desenvolvimento de sua<br />
agricultura, abandonando o espírito aventureiro que provocara a conquista<br />
de Minas Gerais, Goiás e todo o Sul do país. Minas Gerais e Goiás<br />
acabavam de transpor uma fase de excepcional importância que lhes dera<br />
a exploração do ouro e dos diamantes. (5)<br />
Qual seria a relação entre a importância dêsses centros e a<br />
presença <strong>da</strong> endemia leprosa? Não resta dúvi<strong>da</strong>, que o desenvolvimento<br />
agrícola, industrial e a mineração, determinaram circunstâncias<br />
favoráveis, ontem como hoje, ao progresso <strong>da</strong> endemia. Estas<br />
circunstâncias provocariam a maior condensação humana, sua maior<br />
fixidez, e portanto, menor mobili<strong>da</strong>de, assim, maior promiscui<strong>da</strong>de entre<br />
doentes e sãos, cujo contágio seria favorecido pela precarie<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />
higiene <strong>da</strong> época.<br />
Deveria também ter contribuído, o maior afluxo de gente de fóra,<br />
possìvelmente, menos resistente, e ain<strong>da</strong> de leprosos que a necessi<strong>da</strong>de<br />
obrigava a esmolar, de preferência em lugares de maior abastança.<br />
Ao contrário, parece que a endemia se amaina, ou se extingue, nos<br />
lugares onde estas ativi<strong>da</strong>des entram em declínio, justamente por faltarem<br />
as condições menciona<strong>da</strong>s para o seu alastramento. Deixam de chegar<br />
advenas, sem imuni<strong>da</strong>de, ao passo, que os habitantes tradicionais vão se<br />
imunizando, tornando o terreno humano esterilizado, de maneira a<br />
determinar, no transcurso do tempo, o que os autores
– 24 –<br />
chamam de “lepra velha”, caracteriza<strong>da</strong> pelo aumento de formas <strong>da</strong><br />
moléstia de caráter neural – índice de extinção ou abran<strong>da</strong>mento.<br />
Estas foram as impressões de F. Maurano (1) , quando de seu<br />
estudo epidemiológico retrospectivo, <strong>da</strong> endemia leprótica no Estado<br />
de S. Paulo, tomando como ponto de referência documentos antigos,<br />
até então inéditos. Verificou, por exemplo, que em certas ci<strong>da</strong>des que<br />
tiveram grande importância na época colonial, se não houve a extinção<br />
<strong>da</strong> lepra, pelo menos, foi grande a sua redução.<br />
3. Introduzi<strong>da</strong> a lepra, provàvelmente, por diversos pontos <strong>da</strong><br />
costa brasileira, correspondentes aos principais centros <strong>da</strong> Colônia,<br />
teria a infecção acompanhado a marcha <strong>da</strong> colonização. Admitindo-se<br />
a sua presença, já nos primeiros colonizadores, são racionais as<br />
seguintes conjecturas: De Pernambuco, um dos mais antigos centros<br />
<strong>da</strong> agricultura usineira, teria a moléstia se estendido à Paraíba e<br />
Alagoas, devido ao desenvolvimento dessas regiões, pelas ativi<strong>da</strong>des<br />
agrícolas e ao Ceará, Maranhão, Pará e Amazonas, pela ocupação<br />
dessas regiões procedi<strong>da</strong> por gente vin<strong>da</strong> do foco inicial.<br />
De Pernambuco, onde a lepra fôra registra<strong>da</strong> na segun<strong>da</strong> déca<strong>da</strong><br />
do século XVIII, como veremos adiante, e <strong>da</strong> Bahia, onde o foi na<br />
segun<strong>da</strong> metade dêsse mesmo século, assolando tanto a Capital<br />
como o Interior a endemia teria acompanhado os pastores, que de<br />
ambas as regiões partiram rumo do S. Francisco até Minas Gerais, e <strong>da</strong><br />
Bahia para o Ceará, Piauí e Maranhão, durante todo o tempo que<br />
levaram para criar a vi<strong>da</strong> pastoril nessas regiões, <strong>da</strong> última metade do<br />
século XVII à primeira do XVIII. (1674 - 1774).<br />
De S. Paulo, onde a lepra é menciona<strong>da</strong>, já quando se<br />
esvanecera a miragem aurífera e seus habitantes estavam abandonando<br />
os hábitos aventureiros, a infecção teria acompanhado os bandeirantes.<br />
Êstes haviam penetrado nas Minas, em Mato Grosso e Goiás, e<br />
chegando até o Piauí, onde fun<strong>da</strong>ram muitas vilas pela Serra Acima,<br />
no Sertão de Taubaté, atual zona de Minas Gerais, e no Sul, pelo<br />
Sertão ou por mar, no Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul até a<br />
colônia do Sacramento.<br />
Podemos também admitir, que a lepra tenha surpreendido fases<br />
ulteriores a essa expansão colonizadora, determina<strong>da</strong> pela posse <strong>da</strong><br />
terra, pela corri<strong>da</strong> às minas e pela expansão do gado para o Interior,<br />
Norte e Sul.<br />
(6)
– 25 –<br />
De S. Paulo, teria provindo a lepra para os Estados do Sul,<br />
segundo alguns autores, seja pelos primeiros desbravadores dessas regiões<br />
que constituem os Estados vizinhos, seja, mais tarde, por intermédio de<br />
doentes de lepra que <strong>da</strong>li partiam para esmolar naqueles Estados. Apesar<br />
de Cassiano Tavares, na informação <strong>da</strong><strong>da</strong> ao Dr. J. L. Magalhães (7) , não<br />
aludir claramente à origem paulista <strong>da</strong> lepra no Paraná, nô-lo faz entrever,<br />
quando diz que a moléstia foi introduzi<strong>da</strong> naquele listado em 1816, por<br />
leprosos vindos do Norte, para esmolar. Segundo êste Autor, a facili<strong>da</strong>de<br />
dêstes doentes de obterem esmolas fêz com que êles se fixassem em<br />
Castro, no lugar em que está assenta<strong>da</strong> a ci<strong>da</strong>de de Tibagí.<br />
Aludindo ao fato do clima do Paraná não ser propício à difusão <strong>da</strong><br />
lepra, afirmava que essa moléstia existia justamente na estra<strong>da</strong> que de S.<br />
Paulo deman<strong>da</strong>va o Rio Grande do Sul, na via percorri<strong>da</strong> pelos primeiros<br />
habitantes, nas planícies dos Campos Gerais.<br />
A leste, Curitiba, era reuni<strong>da</strong> a outras povoações, até o mar,<br />
contendo metade de sua população, e a oeste, Guarapuava e Palmas,<br />
embora com população bastante cresci<strong>da</strong>, não apresentavam doentes<br />
dessa enfermi<strong>da</strong>de.<br />
O Dr. Santiago (8) supõe que a lepra em Santa Catarina tenha<br />
seguido a antiga rota que vai do Norte a Sul, passando por três pontos<br />
distintos, que são Mafra, ao Norte, Garibaldi, município de Lages, ao<br />
Centro, e Santa Cecília, município de Curitibanos, ao Sul, mais ou menos<br />
paralela à faixa litorânea, acompanhando as migrações de enfermos que<br />
foram semeando o mal em sua passagem. A moléstia expandiu-se por<br />
vários Estados, inclusive a faixa litorânea.<br />
É provável que regiões brasileiras povoa<strong>da</strong>s por gente de diversas<br />
partes do país, tenham recebido a lepra por vários caminhos como Minas<br />
Gerais, que descoberta pelos paulistas, recebeu grande massa de<br />
forasteiros de todos os pontos do Brasil e Portugal. Segundo Calmon (5)<br />
“ os baianos navegando o S. Francisco entre Rio <strong>da</strong>s Velhas e Joazeiro<br />
(1698) explicando assim a concentração rápi<strong>da</strong> no norte de Minas dos<br />
aventureiros saídos <strong>da</strong> Bahia. Por aquêle lado, a penetração dos<br />
“Cataguás” se filiava ao descobrimento do Piauí (1674), a fun<strong>da</strong>ção <strong>da</strong>s<br />
povoações de Barra e Rio, Prêto (1698) e às bandeiras que a Casa <strong>da</strong><br />
Tôrre mandou até Carinhanha, de combate aos índios acroás, que<br />
imigraram para os Goiáses”. (8)<br />
“O ouro do Caeté atraía em poucos anos milhares de homens”.
– 26 –<br />
“Das ci<strong>da</strong>des, vilas, recôncavos e sertões do Brasil são brancos,<br />
pardos e pretos; e muitos índios de que os paulistas se servem. A<br />
mistura é de tô<strong>da</strong> a condição de pessoas: homens e mulheres; moços e<br />
velhos; pobres e ricos; nobres e plebeus, seculares, clérigos e religiosos<br />
de diversas instituições (Antonil) ”.<br />
Não era de estranhar que a lepra entrasse por muitas partes.<br />
O Amazonas naturalmente deve ter recebido a lepra do Pará,<br />
onde abun<strong>da</strong>va nos princípios do século XIX. As relações entre Belém,<br />
Santarém e Manaus eram intensas nessa época, <strong>da</strong>do o desenvolvimento<br />
do comércio. (9)<br />
É possível que a lepra se tenha espalhado pelo país, de um ponto<br />
a outro, em virtude <strong>da</strong>s comunicações que se faziam com certa<br />
regulari<strong>da</strong>de entre pontos diferentes, geralmente por mar e por terra. (5)<br />
Segundo Calmon essas comunicações se faziam a<br />
miúde, por mar, entre Pernambuco e Bahia antes <strong>da</strong><br />
abertura do caminho do S. Francisco (1590) e a Bahia e as<br />
capitanias do Sul, favoreci<strong>da</strong>s pelas correntes e ventos, de<br />
modo que raramente se fêz, por terra a viagem para Ilhéus,<br />
Pôrto Seguro e Espírito Santo, núcleos de abastecimento,<br />
pelas farinhas e madeiras, <strong>da</strong>s frotas d’El-Rei; entre o Rio<br />
e S. Vicente cuja navegação era também constante, pela<br />
varie<strong>da</strong>de de abrigos que havia no litoral e a regulari<strong>da</strong>de<br />
dos ventos, o mesmo sucedendo até a Ilha de Santa<br />
Catarina.<br />
Por terra, no Sul, a Serra do Mar tornou<br />
independentes os movimentos de expansão, de Santos<br />
para Paranaguá e Laguna e <strong>da</strong>í à Colônia do Sacramento, e<br />
de S. Paulo à Itú, para as Missões e o rio Paraguai.<br />
Ao Norte, o S. Francisco tornou-se via preferi<strong>da</strong> a<br />
partir de 1700 para as viagens entre o Nordeste e o<br />
território mineiro.<br />
Além <strong>da</strong> possível disseminação <strong>da</strong> lepra pelas comunicações<br />
regulares entre várias regiões brasileiras, atribui-se às migrações<br />
internas no território nacional papel importante na origem e incremento<br />
<strong>da</strong> endemia aos Estados fornecedores de imigrantes.
– 27 –<br />
Afirma Souza Araujo (9) que os nordestinos que iam à Amazônia,<br />
voltavam freqüentemente leprosos. Dos 1.436 leprosos fichados no<br />
Amazonas, de 1922 a 1932, 373 ou sejam 26% eram cearenses e 51 do<br />
Rio Grande do Norte. Dos 2.052 leprosos fichados no Pará, de julho de<br />
1921 a 31 de dezembro de 1932, 273, ou sejam 13,30% eram também<br />
cearenses e 151 do Rio Grande do Norte.<br />
Medeiros Dantas (10) diz que os diversos fócos <strong>da</strong> Paraíba não<br />
passavam de 20 anos e quase todos se prendiam ao Amazonas, de onde<br />
se originaram, e acha mesmo, “que a lepra em terras paraíbanas não está<br />
muito recua<strong>da</strong> no tempo”, e que antes <strong>da</strong> emigração do nordestino para o<br />
Amazonas, era ela raríssima, conforme o testemunho de médicos <strong>da</strong>quela<br />
época.<br />
Segundo A. <strong>da</strong> Matta (11) o primeiro leproso registrado em Manaus,<br />
a 24 de fevereiro de 1908, quando <strong>da</strong> inauguração do Umirisal, foi um<br />
ex-seringueiro J. P. N., cearense, de 23 anos, que esmolava no mercado<br />
público; permaneceu nove anos no Asilo, falecendo a 23 de julho de<br />
1917.<br />
4. Podemos admitir, que não só em nosso país a lepra foi leva<strong>da</strong><br />
de um ponto ao outro pelas correntes migratórias, como tamb.m foi<br />
introduzi<strong>da</strong> pelas fronteiras de países limítrofes. Assim pensa Von<br />
Bassewitz (12) a respeito <strong>da</strong> lepra no Rio Grande do Sul. Êste Estado,<br />
deve ter recebido, além do contágio dentro do país, o proveniente <strong>da</strong>s<br />
zonas cisplatinas, <strong>da</strong>do o contato ininterrupto com os habitantes dêsses<br />
países. Samuel Uchôa, é de opinião que a lepra do Amazonas procedia,<br />
principalmente, <strong>da</strong>s repúblicas limítrofes, e em particular, <strong>da</strong> Colômbia.<br />
(9)<br />
5. Fato interessante na epidemiologia <strong>da</strong> lepra no Brasil é a<br />
referência que se faz ao desaparecimento, por longo tempo, <strong>da</strong> endemia<br />
leprótica na Bahia, tão grave na época colonial, conforme assinalava o<br />
Conde <strong>da</strong> Cunha. (3)<br />
A extinção, nesse caso, deve ser entendi<strong>da</strong>, não como<br />
desaparecimento, mas sim, como grande redução dos casos <strong>da</strong> moléstia, e<br />
conseqüente per<strong>da</strong> de seu caráter endêmico, pois, realmente, por muito<br />
tempo, a lepra se tornou muito rara naquela região.<br />
A freqüente afirmação de que foi graças às severas disposições do<br />
regulamento do Hospital dos Lázaros e ao rigoroso isolamento seguido<br />
até mais ou menos, 1860, O. Torres (6) , que se deve o desaparecimento <strong>da</strong><br />
endemia lepró-
– 28 –<br />
tica naquele Estado, parece ter fun<strong>da</strong>mento, pois nenhuma outra condição<br />
favorável houve ali, diferente <strong>da</strong> Europa que na I<strong>da</strong>de Média, registrou<br />
notável declínio <strong>da</strong> lepra, justifica<strong>da</strong> porém, pela melhoria do nível de<br />
vi<strong>da</strong> em geral.<br />
Teria havido tal rigor em todo o Estado? Se o isolamento não se<br />
houve com o rigor necessário, e na insuficiência <strong>da</strong>s razões invoca<strong>da</strong>s<br />
para explicar a evolução epidemiológica <strong>da</strong> lepra, não teria, o referido<br />
declínio, provindo do aumento de resistência do organismo humano<br />
contra a causa patogênica, ao fim de vários séculos, estabelecendo-se a<br />
vacinação espontânea <strong>da</strong> população? Vem a favor dessa suposição a<br />
existência dos “cagots” (13) ou, descendentes de leprosos, que por muitas<br />
gerações mantêm estigmas de degenerescência. Sua história evidencia que<br />
na França e na Espanha a doença se modificou, com o decurso dos<br />
tempos, a ponto de perder o caráter contagioso. Concor<strong>da</strong> com essa<br />
consideração a presença de grande número de doentes provindos de focos<br />
antigos de São Paulo, constituído de casos neurais, tal como acontece nas<br />
Filipinas e noutros países onde a moléstia é antiga. Neste particular,<br />
Medeiros Dantas (10) observou em Catolé do Rocha, fóco existente há<br />
cêrca de meio século e considerado como o mais antigo <strong>da</strong> Paraíba, o<br />
predomínio <strong>da</strong> lepra nervosa sôbre outras formas <strong>da</strong> moléstia.<br />
É de se notar, entretanto, a observação de que em populações <strong>da</strong><br />
mesma raça, nas mesmas regiões e com os mesmos costumes, a doença<br />
começa quando já se <strong>da</strong>va por extinta em outros pontos; isto só poderá ser<br />
explicado pela falta de imuni<strong>da</strong>de dessas populações, que provàvelmente<br />
não se beneficiaram com a vacinação produzi<strong>da</strong> por ataques anteriores <strong>da</strong><br />
moléstia.<br />
Outros foram os pontos do país, onde o fenômeno <strong>da</strong> extinção <strong>da</strong><br />
lepra, ou a sua notável redução, se fizeram notar, como por exemplo, a<br />
região serrana de Santa Catarina, principalmente o município de Lages.<br />
Segundo Santiago (8) , Campos Novos, Curitibanos, Cravinhos,<br />
Irarópolis e Mafra, foram outrora importantes focos de lepra, e hoje<br />
entretanto, estão em franca extinção. Tal extinção talvez se possa,<br />
segundo este autor, atribuir à alimentação varia<strong>da</strong>, sadia e forte, ao clima<br />
frio e sêco ou talvez a questão decorrente do próprio declínio natural<br />
através do tempo.<br />
Como Maurano (1) teve oportuni<strong>da</strong> de verificar, em certos focos do<br />
Estado de S. Paulo, a redução ou extinção
– 29 –<br />
<strong>da</strong> endemia parece ocorrer nas regiões decadentes, observando-se sua<br />
pronta ressurreição com a volta <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des agrícolas ou industriais.<br />
O aparecimento e a expansão <strong>da</strong> lepra deve estar condiciona<strong>da</strong><br />
contudo à existência de um foco, para se reacender.<br />
O sertanismo -colonização, que se processou no Brasil<br />
acompanhando a introdução do gado – nos dá a impressão de não ter sido<br />
favorável ao desenvolvimento <strong>da</strong> lepra, ao menos no Nordeste, visto ser<br />
ali, naquele território brasileiro, onde menos a lepra assola a população.<br />
Talvez se possa atribuir às circunstâncias bem diferentes <strong>da</strong>s que se criam<br />
para a agricultura: menor fixidez ao sólo, hábitos mais higiênicos e mais<br />
simples de seus pastores, que vivem mais ao contacto com a natureza, e<br />
talvez, a não participação nestas ativi<strong>da</strong>des do escravo negro ou do colono<br />
europeu, êste, em geral, por não estar afeito em sua terra de origem, a êsse<br />
mister, e aquêle, por não se <strong>da</strong>r bem com êste gênero de vi<strong>da</strong>.<br />
6. A introdução do elemento africano, segundo a maioria dos<br />
autores, deve ter representado papel importante na difusão <strong>da</strong> lepra no<br />
Brasil.<br />
Deixando de lado a questão já discuti<strong>da</strong> <strong>da</strong> introdução <strong>da</strong> lepra,<br />
provin<strong>da</strong> <strong>da</strong> África, por intermédio do escravo o que consideramos<br />
admissível, não resta dúvi<strong>da</strong> quanto à sua participação no incremento <strong>da</strong><br />
moléstia.<br />
A grande freqüência <strong>da</strong> lepra entre os escravos negros do Brasil<br />
era afirma<strong>da</strong> e admiti<strong>da</strong> por muitos autores, entre os quais Wappaus (1).<br />
Para Valverde era incontestável<br />
(14) a influência dos africanos na<br />
propagação <strong>da</strong> moléstia, visto que Azevedo Lima, verificara dentre os<br />
1.937 doentes entrados no Hospital do Rio de Janeiro, em 90 anos: 480<br />
negros <strong>da</strong> Costa <strong>da</strong> África; 413 pretos crioulos; 308 mulatos e 204<br />
portuguêses.<br />
No Maranhão (9) de 1870 a 1878, dos 98 doentes internados no<br />
antigo hospital, 44 eram negros, 46 mulatos e apenas 8 brancos.<br />
Souza Araujo (15) observou o mesmo fato, fazendo o histórico do<br />
Asilo de Tocunduba no Pará.<br />
Em Mato Grosso, diz o historiador Virgilio Correia (16) que o<br />
Governador Oeynhausen se impressionara com o alastramento <strong>da</strong> lepra<br />
entre os escravos, e <strong>da</strong>í se haviam originado as medi<strong>da</strong>s tendentes a<br />
fun<strong>da</strong>r o Hospital dos Lázaros de Cuiabá.
– 30 –<br />
(17)<br />
Segundo Rossas os principais fócos de lepra no Maranhão<br />
correspondem justamente à região coloniza<strong>da</strong> por elementos lusoafricanos,<br />
que do núcleo insular primitivo, se irradiaram pelo vasto<br />
estuário continental adjacente, subindo o curso dos rios para o interior. A<br />
Baixa<strong>da</strong> Maranhense, foi denomina<strong>da</strong> por Nina Rodrigues, de “zona<br />
leprosa”. O interior, colonizado por vaqueiros portuguêses, servidos por<br />
indígenas, não apresenta lepra sob aspecto endêmico. O reduzido número<br />
de casos faz prever a recente introdução <strong>da</strong> moléstia naquela zona.<br />
Não há dúvi<strong>da</strong> nenhuma, que êsses escravos foram durante os três<br />
primeiros séculos, os elementos que alimentaram a endemia. Talvez por<br />
provir de territórios onde a lepra não grassasse, como documentou<br />
fun<strong>da</strong><strong>da</strong>mente Juliano Moreira, e por isso, eram indivíduos menos<br />
resistentes e mais suscetíveis de contrair a moléstia em virtude <strong>da</strong> falta de<br />
imuni<strong>da</strong>de. Neste caso, se teria reproduzido com a lepra no Brasil e no<br />
resto <strong>da</strong> América, o mesmo que aconteceu na Europa, com referência à<br />
tuberculose ao tempo <strong>da</strong> guerra mundial. Os africanos alí chegados<br />
contraíam a moléstia sob uma forma mais grave e mais letal, do que os<br />
europeus, <strong>da</strong><strong>da</strong> a vacinação natural a que estavam submetidos. Êstes,<br />
graças à antigui<strong>da</strong>de <strong>da</strong> moléstia, ofereciam maior resistência.<br />
Contudo, Rendu, não poude confirmar esta crença generaliza<strong>da</strong>, <strong>da</strong><br />
participação do negro na propagação <strong>da</strong> lepra quando verificou o<br />
movimento do Hospital dos Lázaros <strong>da</strong> Bahia, de 1787, <strong>da</strong>ta de sua<br />
fun<strong>da</strong>ção, a 1842. Embora verificasse absoluta maioria de leprosos no<br />
elemento negro ou mestiço, (484 negros, 276 mulatos, 270 brancos), não<br />
representavam êstes a maior percentagem, uma vez relacionados com o<br />
número de habitantes. (F. Maurano).<br />
Maurano, procedendo uma averiguação ao censo realizado por<br />
ordem do General Oeynhausen, na antiga Capitania de S. Paulo, verificou,<br />
contra to<strong>da</strong> expectativa, e mesmo contra a crença geral, que em muitas<br />
vilas, a percentagem de doentes era maior na população livre (50%) do<br />
que na escrava. Apenas em Itapetininga, observou-se uma diferença a<br />
favor <strong>da</strong> maior incidência na população escrava.<br />
Contudo a impressão <strong>da</strong> maior incidência <strong>da</strong> lepra entre os<br />
africanos, seus descendentes ou mestiços não deixaria de ter cunho de<br />
ver<strong>da</strong>de atendendo aos seguintes fatos:
– 31 –<br />
1.º) Ao grande contingente do elemento africano e mestiço que<br />
nos fins do século XVIII, representava pouco menos <strong>da</strong> metade <strong>da</strong><br />
população brasileira. (1)<br />
2.º) A exposição ao público mais freqüente de negros, ou<br />
mestiços leprosos <strong>da</strong><strong>da</strong> a humilde condição social e econômica, que os<br />
obrigava, uma vez doentes, a esmolar e a se recolherem nos asilos<br />
existentes.<br />
7. Tem-se considerado o elemento europeu como uma <strong>da</strong>s causas<br />
de aumento <strong>da</strong> incidência <strong>da</strong> lepra no país. Em S. Paulo, por exemplo,<br />
para onde se encaminhou a imigração em maior escala, e onde são<br />
freqüentes os casos de italianos, e seus descendentes leprosos, conjeturouse<br />
ser êste elemento muito propenso a contrair a morféa.<br />
O mesmo aconteceu com os alemães que imigraram em época<br />
anterior. J. Maria Gomes (1) , observando a alta incidência <strong>da</strong> lepra nos<br />
municípios de Guarei, Angatuba e Tatuí, diz que é devi<strong>da</strong> a colonos<br />
alemães. Chegados ao Brasil em 1824, contrairam a lepra nos antigos<br />
focos de Limeira e Piracicaba. Êstes mesmos colonos fun<strong>da</strong>ram em 1846<br />
o povoado de Guarei, para onde certamente levaram o mal.<br />
Diz J. M. Gomes: “Nestes colonos prussianos, provindos de um<br />
país sem lepra, o contacto com os nativos foi-lhes nefasto. Infectados,<br />
desenvolveram formas graves e contaminantes que a escassez de meios de<br />
comunicação isolou naquele município, e os limítrofes vieram a sofrer por<br />
causa do intercâmbio comercial, a propagação <strong>da</strong> moléstia”.<br />
Para Santa Catarina e Rio Grande do Sul, imigraram em número<br />
considerável ilhéus e canários, provindos de focos intensamente<br />
flagelados pelo mal lazarino e von Bassewitz (12) acha que nos assiste o<br />
direito de presumir nova importação <strong>da</strong> lepra por seu intermédio.<br />
Souza Araújo (18) , observou que no Paraná, a percentagem dos<br />
colonos poloneses, alemães e austríacos doentes era assombrosa. Em uma<br />
ci<strong>da</strong>de, de 10 leprosos, 2 apenas eram nacionais.<br />
Von Bassewitz (12) no Rio Grande do Sul, considera que os alemães<br />
vindos de seu país natal, indene de lepra, não deviam ser incriminados<br />
como introdutores <strong>da</strong> moléstia no Brasil, pois que alemães genuinos e<br />
seus descendentes, vindos de Santa Catarina e Paraná apresentavam a<br />
lepra em proporções assustadoras.<br />
Êste autor acha que <strong>da</strong> Itália devem ter vindo alguns casos, pois<br />
vira três <strong>da</strong>s regiões do Sul: Calábria e Sicília.
– 32 –<br />
Tivemos ocasião de examinar uma velha leprosa de forma<br />
nervosa mutilante, que nos afirmou já ter as atrofias e garras em sua<br />
terra natal, Grana<strong>da</strong>, na Espanha, antes de vir para o Brasil.<br />
Segundo von Bassewitz (12) , o Rio Grande do Sul recebeu<br />
diversos casos de lepra, procedentes <strong>da</strong> Península Ibérica, França,<br />
Rússia e Países Balcânicos. Entre seus clientes, contava com cinco<br />
portugueses, dois espanhóis, um francês, um russo e um grego, que,<br />
inquestionàvelmente tinham saído doentes de seus países de origem. Da<br />
raça mongólica, <strong>da</strong><strong>da</strong> a fraca imigração, apenas um chinês.<br />
Somos de parecer que a questão <strong>da</strong> influência <strong>da</strong> imigração<br />
européia sôbre a endemia leprótica, está sujeita às mesmas<br />
considerações que expendemos a respeito dos africanos – seria questão<br />
imunobiológica e não racial.<br />
8. O maior número de estra<strong>da</strong>s de ferro e rodovias, vem<br />
facilitando a flutuação <strong>da</strong>s populações, e a conseqüente disseminação <strong>da</strong><br />
lepra. E ’ o que se pode observar em São Paulo e Santa Catarina.<br />
Elementos de focos relativamente fechados, vão formar novos focos em<br />
lugares até então indenes, ou, aumentar os já existentes.<br />
9. Entretanto, por um, ou por outro meio, o fato é que a lepra<br />
alastrou-se por todo o país, atingindo-o em to<strong>da</strong> a sua extensão. Alguns<br />
Estados, foram mais castigados do que outros, como Espírito Santo, Rio<br />
de Janeiro, Distrito Federal, Minas Gerais, S. Paulo e Paraná.<br />
No Amazonas, no Pará e no Maranhão, desde há muito que se<br />
verifica a marcha <strong>da</strong> infecção.<br />
Já no Nordeste a disseminação é relativamente escassa.
CAPITULO III<br />
DISTRIBUIÇÃO DA LEPRA NO BRASIL E EM CADA<br />
UMA DAS SUAS UNIDADES FEDERADAS<br />
1 – Distribuição <strong>da</strong> lepra no Brasil através dos<br />
tempos e na atuali<strong>da</strong>de. 2 – Amazonas. 3 – Pará. 4<br />
– Maranhão. 5 – Piauí. 6 – Ceará. 7 – Rio Grande do<br />
Norte. 8 – Paraíba. 9 – Pernambuco. 10 – Alagoas.<br />
11 – Sergipe. 12 – Bahia. 13 – Espírito Santo. 14 – Rio<br />
de Janeiro. 15 – Distrito Federal. 16 – São Paulo. 17<br />
– Minas Gerais. 18 – Paraná. 19 – Santa Catarina.<br />
20 – Rio Grande do Sul. 21 – Mato Grosso. 22 –<br />
Goiás. 23 – Acre.<br />
1. A lepra no Brasil. é moléstia antiga, achando-se irregularmente<br />
espalha<strong>da</strong> por todo o país. É possível que ela já tenha três séculos e<br />
meio de existência, embora as primeiras notícias do Rio, <strong>da</strong>tarem de<br />
1698. Na opinião do Prof. Terra, a introdução <strong>da</strong> moléstia dera-se<br />
anteriormente, no ano de 1600. Realmente, quando pela primeira vez se<br />
registrou a lepra, ela já constituía endemia.<br />
As notícias mais antigas sôbre a lepra, são as que se referem às<br />
providências toma<strong>da</strong>s pelos governadores em certas capitanias e aos<br />
atos filantrópicos em outras, como veremos mais adiante.<br />
A endemia foi assinala<strong>da</strong> pela primeira vez no Rio, nos fins do<br />
século XVII; <strong>da</strong>í por diante, em outras regiões, até a segun<strong>da</strong> metade do<br />
século XIX, a lepra já havia sido assinala<strong>da</strong> como endemia grave no<br />
Pará, Maranhão, Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro, Minas Gerais, S.<br />
Paulo e Mato Grosso. No Rio, o governador Artur de Sá Menezes<br />
(1697) vira leprosos às dezenas, no sítio, onde hoje é S. Cristovão (1) .<br />
Nessa mesma ci<strong>da</strong>de, segundo o Conde <strong>da</strong> Cunha (3) , os doentes eram<br />
encontrados em todo os logradouros públicos. Na Bahia, os doentes<br />
orçavam em perto de 4.000 segundo o mes-
– 34 –<br />
mo Conde <strong>da</strong> Cunha. Em São Paulo o Morgado Mateus (1) afirmara que<br />
a moléstia se declarava “com grande fôrça”.<br />
Hardy e Labarraque, citados por Magalhães (7) consideravam o<br />
Brasil como o país mais assolado pela lepra, baseando-se na opinião de<br />
cientistas que aqui estiveram tais como Sigaud, Rendu, Lallemant,<br />
Dun<strong>da</strong>s, Tschudi e outros. Segundo êsses autores o mal era freqüente<br />
nas províncias pantanosas de Mato Grosso, Minas e São Paulo. Supunha<br />
Tschudi, tão freqüente a morféia nos limites <strong>da</strong>s províncias de Minas<br />
Gerais e S. Paulo, que não existia uma família, sequer, que não fôsse<br />
afeta<strong>da</strong> de lepra. Entretanto Sigaud e Rendu nunca afirmaram tal fato,<br />
segundo Magalhães. Evidentemente, havia exagêro e falta de base nessa<br />
afirmação, pois não havia estatística perfeita, tanto <strong>da</strong>qui conto de outros<br />
países. Alguns dêstes autores mencionados, não tendo percorrido todo o<br />
país, souberam que a lepra aumentava nos lugares que visitavam e<br />
julgaram o todo por uma parte. (7)<br />
As referências feitas posteriormente, em na<strong>da</strong> se tornaram mais<br />
animadoras. Estabeleceu-se, infelizmente, a crença de que o Brasil, era<br />
um dos países mais assolados pela lepra.<br />
Em 1833, o Barão de Iguarassú,<br />
(1) informava ao Conselheiro<br />
Bernardo Pereira Vasconcellos: “V. Excia. sabe o estrago que em sua<br />
própria província faz esta terrível enfermi<strong>da</strong>de sôbre famílias inteiras...”<br />
“Iguais, senão mais aterradoras, são as notícias orais que nos<br />
trazem os paulistas, os maranhenses, os piauianos e quase todos os<br />
habitantes provincianos...”<br />
A não ser um recenseamento para a Capitania paulista, que<br />
compreendia os atuais Estados de S. Paulo e Paraná, ordenado pelo<br />
Visconde de Oeynhausen<br />
(1) , em 1820, nunca foi feito um<br />
recenseamento geral de leprosos no país.<br />
As primeiras estimativas foram, segundo Souza Araujo (19) , as de<br />
Otávio de Freitas, Adolfo Lutz e Fernando Terra que calculavam em<br />
5.000, 10.000 e 12.000, respectivamente, o número de doentes de lepra<br />
no país. Seguiram-se as de Valverde (1921), Sergio de Barros Azevedo<br />
(1922) também citados por Souza Araujo (19) que estimavam os doentes<br />
do Brasil o primeiro em 15.000 e o segundo entre 13 a 15.000.<br />
Eduardo Rabelo e Barros Azevedo (20) em 1923 comunicaram à<br />
Conferência Internacional de Lepra, em Strasbourgo, que, em um<br />
recenseamento em curso, haviam sido fichados 7.224 doentes.<br />
Segundo Belisário Pena (1926) (21) , o Brasil teria 33.500 leprosos,<br />
o que <strong>da</strong>ria 1,1 por mil habitantes.
– 35 –<br />
De 1921 a 1927 estavam recenseados em diversos serviços de lepra<br />
no país, 12.730 leprosos, segundo O. <strong>da</strong> Silva Araujo, inspetor <strong>da</strong><br />
Profilaxia <strong>da</strong> Lepra (citação de Souza Araujo). (19) .<br />
Ernani Agrícola, Diretor dos Serviços Sanitários dos Estados, em<br />
1936, informava haver no Brasil, mais de 30.000 leprosos, ou seja 0,7 por<br />
1000. (Citação de Souza Araujo). Ain<strong>da</strong> em 1936, Souza Araujo (19)<br />
verificava a existência de 24.233 doentes fichados e 10.134 isolados.<br />
Entretanto, estimava em 48.440 leprosos para 48.797.874 habitantes. Não<br />
incluia nessa estimativa os 2.178 casos do Estado de Goiáz, de cuja<br />
existência só tomou conhecimento após o término de seu trabalho.<br />
Acrescentados mais êsses números, o índice seria de um doente para ca<strong>da</strong><br />
1.000 brasileiros, o que aliás, o autor considera como cálculo otimista.<br />
Em recente trabalho, Barros Barreto computa em 35.605 os<br />
doentes de lepra no Brasil, com a seguinte distribuição por Estados: Acre<br />
400, Amazonas 1.250, Pará 4.000, Maranhão 1.130, Piauí 200, Ceará 764,<br />
Rio Grande do Norte 171, Paraíba 200, Pernambuco 700, Alagoas 100,<br />
Sergipe 89, Bahia 30, Espírito Santo 1.011, Rio de Janeiro 547, Distrito<br />
Federal 1.246, Minas Gerais 8.700, São Paulo 10.545, Paraná 1.069,<br />
Santa Catarina 654, Rio Grande do Sul 800, Mato Grosso 500, Goiáz<br />
1.219. (22)<br />
Em outros países, os cálculos sôbre o número de doentes, são os<br />
seguintes, segundo Muir:<br />
PAÍSES Mínimo Máximo<br />
China............................................................. 1.000.000 1.500.000<br />
Índia............................................................... 500.000 1.000.000<br />
Império Britânico exceto Índia e África.... 15.000 30.000<br />
África............................................................. 500.000 1.000.000<br />
América do Sul............................................. 100.000 150.000<br />
Europa........................................................... 6.000 10.000<br />
Outros países................................................ 100.000 150.000<br />
TOTAL......................................................... 2.221.000 3.840.000
– 36 –<br />
Daremos a seguir, a distribuição <strong>da</strong> lepra nas diversas regiões do<br />
país, apresenta<strong>da</strong> por Barros Barreto com a seguinte observação: “com a<br />
ressalva de não serem êsses <strong>da</strong>dos completos e representarem apenas<br />
estimativas”: (23)<br />
REGIÃO NORTE: – 2,05 por 1.000<br />
Território do Acre<br />
Amazonas<br />
Pará<br />
Maranhão<br />
REGIÃO NORDESTE: – 0,20 por 1.000<br />
Piauí<br />
Ceará<br />
Rio Grande do Norte<br />
Paraíba<br />
Pernambuco<br />
Alagoas<br />
Bahia<br />
Sergipe<br />
REGIÃO CENTRO: – 1,13 por 1.000<br />
Espírito Santo<br />
Rio de Janeiro<br />
Distrito Federal<br />
Minas Gerais<br />
Goiáz<br />
São Paulo<br />
Mato Grosso<br />
REGIÃO SUL: – 0,49 por 1.000<br />
Paraná<br />
Santa Catarina<br />
Rio Grande do Sul.<br />
2. AMAZONAS: – Já em 1822, doentes procedentes de Santarem,<br />
se achavam internados no Asilo de Tocunduba do Pará (9) .No entanto, por<br />
volta de 1852, não se considerava endêmica a moléstia no Amazonas,<br />
segundo Lourenço <strong>da</strong> Silva Araujo Amazonas, citado por Magalhães (7) .<br />
Havia então, casos isolados, três ou quatro em Manaus, recolhidos em<br />
uma pequena casa situa<strong>da</strong> fora <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. A lepra existia, desta forma, no<br />
Baixo Amazonas e não no Alto; contudo, em 1860, um inspetor de saúde<br />
propunha ao Govêrno Provisória
– 37 –<br />
a “feitura de uma casa onde se tratassem os leprosos do Silves no Baixo<br />
Amazonas”. (9)<br />
Segundo Souza Araujo (9) quando A. <strong>da</strong> Matta, em 1889 chegou ao<br />
Amazonas para clinicar, a lepra era relativamente rara, e dez anos depois<br />
começou a aumentar, tornando-se ca<strong>da</strong> vez mais freqüente. Êste<br />
facultativo recenseou em parte do Estado, mais tarde de 1922 a 1933,<br />
1.436 leprosos. Os focos principais no Amazonas em 1922 eram segundo<br />
Samuel Uchôa, citado por Souza Araujo: Manáus, Manacapurú, Fonte-<br />
Boa, Humaitá, Manicoré, S. Felipe, Coarí, Labréa, Tefé, Antimari,<br />
Co<strong>da</strong>jás e S. Gabriel. (9)<br />
Em 1936 (15-9-36) Carvalho Leal, Diretor <strong>da</strong> <strong>Saúde</strong> Pública<br />
informou a Souza Araujo, que calculava o número de doentes em 5.000<br />
dos quais eram 1.486 fichados e 500 isolados. (19)<br />
Souza Araujo (19) opina que o total dos doentes de lepra nêsse<br />
Estado, seria em 1936 apenas o dôbro dos até então recenseados, isto é, de<br />
2.972, (visto o recenseamento contar 14 anos) e estimou o total de<br />
leprosos para o Amazonas em 3.000.<br />
Para uma população de 483.256 habitantes (1935) o Amazonas<br />
teria o índice de 6,20 por mil, segundo Souza Araujo (24) o mais alto do<br />
Brasil, e muito mais alto que do chamado fóco do sul, cujo índice <strong>da</strong>do<br />
por êsse autor é de 1,62 para o Estado de Minas Gerais, e que segundo<br />
Orestes Diniz é de 1,12 por mil.<br />
3. PARÁ: – Desde o início do século XIX, a lepra já era<br />
endêmica no Pará (Artur Viana, citado por Souza Araujo) (19) . Fôra<br />
importa<strong>da</strong> pelo regimento português “ditto do Extremôr”, segundo revela<br />
uma <strong>da</strong>s cartas endereça<strong>da</strong>s pelo Conde dos Arcos ao Governador de<br />
Portugal (citação de Aguiar Pupo). (25)<br />
Segundo um médico, que prestara informações a Magalhães (7) por<br />
volta de 1882, a lepra se tornara então mais freqüente que há cinquenta<br />
anos atrás, havendo o maior número de doentes na Capital, Santarem,<br />
óbidos, Cametá, Vigia, na vasta bacia do maior rio do mundo. Era rara,<br />
entretanto, nos pequenos povoados e na ci<strong>da</strong>de, enquanto que nas<br />
malocas, no mato e nas selvas, era totalmente desconheci<strong>da</strong>.<br />
Por volta de 1890, Nina Rodrigues, citado por Souza Araujo (19) ,<br />
considerava o Pará o maior fóco, em ativi<strong>da</strong>de, no Norte.<br />
Souza Araujo (19) , recenseando com rigor os leprosos do Pará<br />
(1920-1921), fichou, em quase um ano e meio 1.354
– 38 –<br />
leprosos e calculou em 3.000 o total dos doentes, o que foi considerado<br />
como demasiado pessimismo.<br />
Até 1936 (30-10-936) estavam fichados 3.965 doentes dos quais<br />
3.085 no município <strong>da</strong> Capital, e 880 no Interior (Souza Araujo).<br />
Segundo informações que obtivemos do Serviço Nacional de<br />
Lepra, estavam fichados até junho de 1943, 4.987 doentes.<br />
As estimativas dos Drs. Augusto Pinto e Antonio Periassú, eram<br />
de 5.000 e 6.500 respectivamente.<br />
4. MARANHÃO: – A lepra no Maranhão é de antiga <strong>da</strong>ta, pois<br />
em 1826, como veremos na última parte dêste trabalho, o Conselho<br />
Provincial informava ao Governo a existência, de muitas pessoas ataca<strong>da</strong>s<br />
de lepra, na Provincia.<br />
Era freqüente na Baixa<strong>da</strong>, às margens do Pin<strong>da</strong>ré, Mearim e<br />
Itapicurú (Magalhães) (7) e Nina Rodrigues, calculava em 300 o número<br />
dos doentes, considerando a endemia grave, por volta de 1882.<br />
Em uma publicação de Souza Araujo (19) encontramos as seguintes<br />
informações: em 1918 haviam sido recenseados 382 doentes (M.<br />
Rodrigues Machado); em 1919 existiam 100 doentes na Capital<br />
Maranhense (Raul de Almei<strong>da</strong> Magalhães, relatório do Chefe <strong>da</strong><br />
Profilaxia Rural) e em 1922 estavam matriculados 349 doentes (Salvio<br />
Mendonça).<br />
Em 11 anos, de 1922 a 1933, o Serviço de Profilaxia <strong>da</strong> Lepra e<br />
Moléstias Venéreas, sob a direção do Dr. Salvio Mendonça registrou<br />
1.023 doentes. Excetuados os falecidos ou mu<strong>da</strong>dos (175) reduziam-se a<br />
848. O Dr. Salvio Mendonça calculou-os em 1.500 (citação de Souza<br />
Araujo). (19)<br />
Em 1935 (28-11-935) existiam, segundo Souza Araujo (19) 1.130<br />
doentes fichados no Maranhão.<br />
Em 1940, o censo preliminar feito pela Inspetoria <strong>da</strong> Lepra desde<br />
1939, segundo Rossas (17) acusava a existência de 1.200 doentes, <strong>da</strong>ndo a<br />
incidência de 1 por 1.000, sendo a população do Estado de 1.200.000<br />
habitantes.<br />
Segundo êste autor, sessenta por cento dos casos de lepra eram de<br />
forma fecha<strong>da</strong>, permitindo concluir pela existência de certa imuni<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />
população isola<strong>da</strong> e não permeia<strong>da</strong> de elementos alienígenas. Foram<br />
encontrados doentes em 59 dos 65 municípios. No grupo de 32<br />
municípios do litoral e baixa<strong>da</strong> foram recenseados 859 leprosos numa<br />
população de 597.908 almas, ou seja mais de 1,5 por mil. No sertão,
– 39 –<br />
em 33 municípios foram contados 341 doentes em 592.215 habitantes, ou<br />
um índice endêmico de 0,50 por 1.000.<br />
Predominava a lepra no Norte do Estado. Êste número de doentes<br />
deve representar 2/3 do total, segundo Rossas. Admitidos assim 1800<br />
doentes, com otimismo, conferir-se-ia ao Maranhão um índice endêmico<br />
de 1,5 por mil habitantes.<br />
Segundo informações que obtivemos do Serviço Nacional de<br />
Lepra, estavam fichados neste Estado até junho de 1943, 1.298 doentes.<br />
5. PIAU1: – A lepra era considera<strong>da</strong> rara nêsse Estado,<br />
Magalhães, 1882. (7)<br />
De 1923 a 1933 verificou-se a existência de 24 casos “abertos”; 27<br />
casos estavam internados no asilo de leprosos de Parnaíba. Em 1936<br />
estavam fichados 92 doentes, dos quais 52 se achavam internados, Souza<br />
Araujo. (19)<br />
Segundo Souza Araujo, o número de leprosos do Estado, excederia<br />
4 a 5 vezes mais ou menos ao dos fichados nessa época, isto é, uns 250.<br />
Até junho de 1943, estavam fichados nêsse Estado, 183 doentes<br />
conforme <strong>da</strong>dos que obtivemos do Serviço Nacional de Lepra.<br />
6. CEARÁ: – Segundo Magalhães (7) , a lepra não era endêmica no<br />
Estado do Ceará. Havia casos isolados na Província, e conheciam-se 12<br />
em Fortaleza.<br />
Segundo o historiador cearense, o Barão de Stu<strong>da</strong>rt, citado por F.<br />
de Araujo (26) , a história <strong>da</strong> lepra nêsse Estado partiria de 1867 isto é,<br />
quando foi identificado o primeiro lázaro. Tratava-se de um escravo<br />
importado do Sul, pertencente à família Bezerril. Entretanto o Dr. Firmino<br />
José Doria, informava a J. L. Magalhães (7) que tinha conhecimento <strong>da</strong><br />
morféia no Ceará desde o ano de 1862.<br />
Em 1918, eram conhecidos 82 leprosos (19) ; no quinquênio 1915-<br />
1920, já subia a 180 doentes (27) . Em 1925 Amaral Machado estimava o<br />
total entre 600 e 800, (27) e nêsse ano, já existiam fichados 428, graças à<br />
intensificação do censo por Barbosa Lima. (27)<br />
O Serviço de Saneamento Rural identificou segundo F. de Araujo,<br />
de 1919 a 1930, 400 lázaros. (26)<br />
A. <strong>da</strong> Justa, em 1929 segundo Souza Araujo (19) , revendo o censo<br />
de Barbosa Lima, calculou em 500 o número de leprosos. Mais tarde êste<br />
mesmo autor, em 1932, elevou sua estimativa para 882 doentes (28) <strong>da</strong>ndo<br />
como fichados 436
– 40 –<br />
acrescentando-lhes mais um quarto dos <strong>da</strong> Capital e mais o dôbro sôbre o<br />
do Interior. Em 1936, A. <strong>da</strong> Justa, elevou ain<strong>da</strong> a mais a sua estimativa<br />
calculando em 1.000 o número de doentes. Para êsse cálculo dobrara o<br />
número líquido de doentes (781 leprosos fichados e 246 internados no<br />
Leprosário “Antonio Diogo”), mencionado no relatório do Delegado<br />
Regional ao Diretor dos Serviços Sanitários dos Estados (19) . Até 1940<br />
estavam fichados pela Diretoria de <strong>Saúde</strong> Pública do Ceará, a partir de<br />
1932, 1.299 doentes, dos quais haviam falecido 364, 316 encontravam-se<br />
em Fortaleza; 332 no interior e estavam isolados apenas 287. (26)<br />
Souza Araujo (24) apresentou os seguintes <strong>da</strong>dos referentes a 1937<br />
para o Ceará: doentes fichados 781, hospitalizados haviam falecido 364,<br />
316 encontravam-se em Fortaleza; 332 habitantes.<br />
A estatística publica<strong>da</strong> por V. Porto (29) revela que os municípios<br />
mais assolados são a Capital com 172 casos, e a seguir Jaguaribe 99, e<br />
Sobral 81. Outros municípios com mais de 40 doentes registrados são:<br />
Baturité 46; Maranguape 45; Quixadá 43. Com mais de 30: Aracatí 38 e<br />
Cascável 37. Com mais de 20: S. Gonçalo 28; Ipú e Quixeramobim 27<br />
ca<strong>da</strong>; Pacatuba 24; Acaraú 22 e S. Francisco com 20. Mais de 10 doentes:<br />
Crato, Camocim, Iguatú, 19 ca<strong>da</strong>; Canindé e Icó 18 ca<strong>da</strong>; Barbalha 16;<br />
Aquiraz e Granja 15 ca<strong>da</strong> uma; Pacotí 14; Soure 12; Missão Velha,<br />
Mora<strong>da</strong> Nova 11 ca<strong>da</strong> uma; Pereiro com 10. Menos de 10: Lavra e<br />
Senador Pompeu, 9 ca<strong>da</strong>; Santana, Varzea Alegre e Viçosa, 8 ca<strong>da</strong>;<br />
Itapipoca, Maria Pereira, Tauá e União, 7 ca<strong>da</strong>; Araçoiaba e Umburetama,<br />
6 ca<strong>da</strong>; Ipueiros, Massapé, Miriti, Santa Quitéria, 5 ca<strong>da</strong>; Cachoeira,<br />
Pedra Branca, S. Benedito, S. Mateus, 4 ca<strong>da</strong>; Crateus, Guarani, 3 ca<strong>da</strong>;<br />
Afonso Pena, Assaré, Brejo Santo, Campo Grande, Palma, 2 ca<strong>da</strong>; Baixio,<br />
Campos Sales, Ibiapina, Independência, Pentecoste, Saboeiro, S. Pedro,<br />
Tamboril com apenas 1 ca<strong>da</strong> e em Ubajara e Cedro, nenhum.<br />
Segundo <strong>da</strong>dos fornecidos pelo Serviço Nacional de Lepra<br />
estavam fichados no Ceará, até maio de 1942, 1.445 doentes.<br />
7. RIO GRANDE DO NORTE: – A lepra era considera<strong>da</strong> rara no<br />
Estado, na penúltima déca<strong>da</strong> do século passado. Eram conhecidos focos<br />
de lepra em Canabrava e dois na Ribeira, constituídos por famílias e 2<br />
casos na Capital. (7)
– 41 –<br />
Parece que o hábito do nordestino de voltar de tempos em tempos<br />
à sua terra natal, e a crise <strong>da</strong> borracha do Amazonas, fazendo-os regressar<br />
definitivamente, tenham sido um fator de incremento <strong>da</strong> incidência nêsse<br />
Estado.<br />
Por volta de 1926 a lepra já estava alarmando as autori<strong>da</strong>des e<br />
desde o ano de 1933 (Fevereiro 20) haviam sido fichados no Estado, 181<br />
leprosos, dos quais não existiriam mais de 120, segundo Varella Santiago,<br />
citado por Souza Araujo (19) . Fazia-se então, uma estimativa de 150<br />
doentes para o Estado. No entanto, Silvino Lamartine, encarregado do<br />
censo de leprosos no Interior informava a Souza Araujo (19) existirem<br />
isolados em Natal 125 doentes, computando em mais de 250 casos os<br />
existentes no Estado. Segundo Souza Araujo (19) é aceitável esta<br />
afirmativa, visto ser considerado perfeito o censo alí praticado por<br />
médicos, os mais exigentes.<br />
Eis os <strong>da</strong>dos de Souza Araujo sôbre a lepra nêste Estado em 1936:<br />
doentes fichados 182, hospitalizados 142, estimativa 250, índice 0,27<br />
(população do Estado 901.404 habitantes). (24)<br />
Segundo informações do Serviço Nacional de Lepra, estavam<br />
fichados em junho de 1943, 381 doentes.<br />
8. PARAÍBA: – Por volta de 1882, a lepra era rara nêsse Estado,<br />
então Província. Havia na costa, casos isolados. (7)<br />
Quarenta e cinco anos depois, (1927), foram registrados apenas 29<br />
doentes, segundo censo publicado pela Inspetoria <strong>da</strong> Lepra. (19)<br />
Em 1933, as autori<strong>da</strong>des sanitárias estimaram em 200 o número de<br />
leprosos e eram conhecidos 121 doentes dos quais 64 na Capital e o<br />
restante no Interior. (19)<br />
Souza Araujo, estimava em 300 o número de doentes em 1937, o<br />
que <strong>da</strong>ria o índice de 0,18 para os 1.612.910 habitantes. (24)<br />
Medeiros Dantas (10) , contratado pelo Govêrno do Estado em 1937,<br />
para fazer o recenseamento, percorreu quase todos os municípios,<br />
registrando 50 doentes no Interior, em menos de um ano. Apenas<br />
registrou quatro doentes na zona do Brejo, de onde os naturais quase<br />
nunca emigram graças a fertili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s terras.<br />
Encontrou o seguinte número de doentes por municípios: Araruna<br />
6; Antenor Navarro, Catolé do Rocha e Pombal, 5 ca<strong>da</strong>; Cabedelo 4;<br />
Campina Grande, Guarabira, Picuí,
– 42 –<br />
Jatobá, 2 ca<strong>da</strong>; Alagoa Grande, Espírito Santo, Souza, Santa Rita, 1<br />
ca<strong>da</strong>.<br />
Não foram encontrados doentes em Guité, Caiçara, Itabaiana,<br />
Alagoa do Monteiro, Esperança e Areias.<br />
De 13 municípios não foi levantado o censo. Em resumo,<br />
estavam fichados 70 em todo o Estado, sendo 50 no Interior e 20 na<br />
Capital. Medeiros Dantas, admite que realizado o censo completo não<br />
passará de 200 o número de doentes em todo o Estado. (10)<br />
Em 1943, estavam fichados 112 doentes alí, segundo<br />
informações que obtivemos do Serviço Nacional de Lepra.<br />
9. PERNAMBUCO: – A lepra existe de longa <strong>da</strong>ta em<br />
Pernambuco, desde o começo do século XVIII, pois em 1714, foi<br />
fun<strong>da</strong>do alí um hospital para lázaros, como veremos mais adiante, onde<br />
entraram no prazo de quase um século 1.440 leprosos (1789-1880). (19)<br />
Parece que a lepra em Pernambuco não se incrementou por longo<br />
tempo. O Dr. J. Aquino de Fonseca, considerava a lepra “não pouco<br />
freqüente”, em 1846. O Dr. Cosme que clinicou muitos anos alí, por<br />
volta de 1882, considerava a moléstia, rara, ou não endêmica. (7)<br />
Mais tarde, em 1933, estavam fichados 457 morféticos ain<strong>da</strong><br />
vivos, resultado de 10 anos de recenseamento (1922-1932) praticado pelo<br />
Dr. Francisco Clementino, então inspetor <strong>da</strong> Profilaxia <strong>da</strong> Lepra por parte<br />
do D. N. S. P. (30). Nessa época, o Diretor <strong>da</strong> <strong>Saúde</strong> Pública do Estado, Dr.<br />
Lessa de Andrade e o Prof. Jorge Lobo, estimavam em 1.350 e 2.000 o<br />
número de doentes do Estado, respectivamente. (19)<br />
Em 1936, figuravam 1.000 doentes para êsse Estado, na<br />
estatística do Ministro Capanema, e o Dr. Necker Pinto, Diretor Geral<br />
<strong>da</strong> <strong>Saúde</strong> Pública calculava em 1.200 o seu número, existindo 928<br />
fichados dos quais 361 haviam morrido ou abandonado o Estado. (19)<br />
Souza Araujo (17) , em 1937, estimava em 1.500 o número de<br />
leprosos do Estado de Pernambuco, <strong>da</strong>ndo um índice de 0,43 por mil<br />
(população 3.428.927 habitantes). Dêsses, 217 estavam hospitalizados e<br />
597 eram residentes.<br />
Segundo <strong>da</strong>dos que obtivemos do Serviço Nacional de Lepra,<br />
estavam fichados até maio de 1943, 1.305 doentes.<br />
10. ALAGOAS: – Não era freqüente a lepra em Alagoas por<br />
volta de 1882. Calculava-se em 40 o número de doentes. Havia casos<br />
isolados. Em Penedo, à margem direita do Rio S. Francisco havia 6<br />
doentes. O Dr. Ronaldsa,
– 43 –<br />
antigo clínico, informara ao Dr. Magalhães, que a lepra não desenvolvia<br />
no límite ocidental, no Centro <strong>da</strong> Província, e às margens do Rio S.<br />
Francisco, tanto no baixo, como no alto, até Cabrobó. (7)<br />
Depois, durante mais de 10 anos, afirma Souza Araujo (19) ,Alagoas<br />
figurou como tendo apenas 23 leprosos.<br />
O Dr. Lages Filho, (1933) calculou (31) em 200 o número de<br />
leprosos do Estado, estimativa essa, que Souza Araujo endossa, apesar de<br />
parecer-lhe muito baixa para 1.400.000 habitantes do Estado. Assim o<br />
índice seria de 0,14.<br />
Segundo informações presta<strong>da</strong>s pelo Serviço Nacional de Lepra,<br />
havia 100 doentes fichados em junho de 1943.<br />
11. SERGIPE: – Raríssimos eram os casos de lepra nêsse Estado<br />
por volta de 1882, segundo Magalhães (7) . Existiam alguns casos isolados<br />
em Itabaiana e Estância. Nesta última ci<strong>da</strong>de, 2 irmãos eram doentes. Ao<br />
morrerem, a progenitora adoeceu também. Informou um facultativo a êste<br />
autor, que nunca soubera de caso algum de lepra às margens do S.<br />
Francisco.<br />
Durante muito tempo, Sergipe figurou nas estatísticas, apenas com<br />
8 doentes, até mesmo 1933, quando prestaram informações a Souza<br />
Araujo (19) . Em 1934, o censo atingira a 89 doentes. Souza Araujo, admitia<br />
em 1937, uma estimativa provisória de 200 doentes, que <strong>da</strong>ria um índice<br />
de 0,35 (população do Estado 595.312 habitantes). (24)<br />
Segundo <strong>da</strong>dos por nós obtidos do Serviço Nacional de Lepra, em<br />
maio de 1943, estavam fichados 72 doentes.<br />
12. BAHIA: – A Bahia é um exemplo de redução <strong>da</strong> endemia<br />
leprosa de certas regiões do Brasil.<br />
De grande número de leprosos que devia haver nesta região, nos<br />
meiados do século XVIII, a ponto de levar o Conde <strong>da</strong> Cunha a pensar na<br />
existência de 4.000 doentes, passava-se a falar, mais tarde, em rari<strong>da</strong>de<br />
dessa moléstia, como se depreende <strong>da</strong>s informações que prestaram vários<br />
médicos a J. L. Magalhães (7) .Segundo êsses facultativos alguns de longa<br />
clínica, a lepra não era observa<strong>da</strong> nem no Alto S. Francisco, em em todo o<br />
Interior, desde Capim Grosso até Carinhanha. Não haviam sido<br />
observados casos em Monte Alto, Caetité, Rio <strong>da</strong>s Contas, Maracas.<br />
Mesmo nas costas de Itaparica e Itapoan, lugares de há muito<br />
considerados de eleição <strong>da</strong> endemia, os casos iam diminuindo como na<br />
Capital.
– 44 –<br />
Havia casos sòmente em alguns pontos do litoral e nas fronteiras<br />
com Minas Gerais onde o número era sensivelmente maior. Em Lençóis,<br />
alguns doentes eram mineiros. (7)<br />
No entanto o mal de Hansen, nunca deixou de existir nêsse Estado,<br />
embora em número relativamente reduzido, pois que no espaço de um<br />
século, de 1787 a 1890, entraram 1.411 leprosos (19) , e em 1890, Nina<br />
Rodrigues, citado por Souza Araujo (19) , estimava em 250 a 300 doentes e<br />
em 1933, Otávio Torres (8) estimava-os entre 150 a 200, enquanto que o<br />
Dr. Magalhães Neto, calculavá-os em 400, multiplicando por 5 o número<br />
de 80 leprosos fichados.<br />
Mais tarde, em 1935, o Prof. Otávio Torres (8) estimava em 300 o<br />
número de leprosos, e existiam segundo o Dr. Edgard Santos, em 1936,<br />
115 doentes fichados e 61 hospitalizados (19) . Nêsse mesmo ano, o<br />
Governador do Estado, Cap. Jurací Magalhães, estimava em 500 o<br />
número de leprosos disseminados pelo Estado, ou fôsse, dizia êle, os<br />
hospitalizados de então multiplicados por 8 ou 10, isto é, de 520 a 650.<br />
A estimativa de Souza Araujo, (500 doentes) <strong>da</strong>ria para a Bahia,<br />
um índice de 0,10 em 4.720.757 habitantes, o mais baixo do Brasil.<br />
Segundo informações que obtivemos no Serviço Nacional de<br />
Lepra estavam fichados na Bahia, em maio de 1943, 180 doentes.<br />
Refere Otávio Torres, (6) que há alguns focos na Bahia, entre os<br />
quais Valença, Camamú, <strong>Saúde</strong> e certas locali<strong>da</strong>des do São Francisco e<br />
outros no Sul do Estado, limitrofes ao Estado de Minas Gerais.<br />
13. ESPIRITO SANTO: – Neste Estado a Lepra foi sempre<br />
considera<strong>da</strong> rara. Havia poucos casos isolados, por volta <strong>da</strong> penúltima<br />
déca<strong>da</strong> do século passado. (7)<br />
Foram registrados de 1922 a 1927 pela Inspetoria de Profilaxia <strong>da</strong><br />
Lepra, por conta do D.N.S.P. apenas 22 leprosos dos quais, 13 eram do<br />
Estado. (19)<br />
Dessa <strong>da</strong>ta em diante, o censo foi feito por conta do Estado, e sob<br />
a direção do Dr. Pedro Fontes. Êste diretor, que estimara em 600 a 650 o<br />
número de doentes em 1933, (1 por mil), informou haverem sido fichados<br />
de 1929 a 1936, 655 doentes. (19)<br />
Souza Araujo (19) , em 1936 considerando como perfeito o censo<br />
dêsse Estado, sugeriu adicionar 50 % aos 655 doentes calculados em 1933<br />
para uma estimativa razoável de 928 doentes.
– 45 –<br />
Segundo informações que obtivemos em 1943, até maio dêsse ano,<br />
estavam fichados nêsse Estado 1.299 leprosos.<br />
14. RIO DE JANEIRO: – Ao tempo de Magalhães (7) , a lepra era<br />
considera<strong>da</strong> rara nêsse Estado. Não constava que a lepra se incrementasse<br />
em parte alguma. Conheciam-se então: um caso existente há 30 anos em<br />
Paratí, e outro em Angra dos Reis.<br />
Na vertente <strong>da</strong> serra para S. Paulo, eram comuns os casos e nos<br />
límites do Rio de Janeiro com Minas Gerais havia sido notado maior<br />
número de casos. Os doentes eram procedentes quase todos de Minas<br />
Gerais.<br />
Entretanto, Souza Araujo (19) , verificou que entre os internados do<br />
Hospital Frei Antonio, desde os primó rdios, centenas eram do Estado do<br />
Rio.<br />
Paes de Azevedo, citado por Souza Araujo (19) , recenseou em<br />
Saquarema, Cabo Frio, etc., 90 leprosos.<br />
Em 1933, o Dr. Augusto Mesquita, estimava em 800 o total dos<br />
leprosos e em 1935, Ernani Agrícola, informou a existência de uma<br />
estatística de 295 casos, que um ano depois subiu a 400 (até 30 de<br />
setembro de 1936). (Citação de Souza Araujo). (19)<br />
Em 1938, Souza Araujo (24) avaliava em 1.150 os doentes de lepra<br />
do Estado. O índice seria de 0,49 por mil (população 2.326.546<br />
habitantes).<br />
Segundo <strong>da</strong>dos que obtivemos do Serviço Nacional de Lepra,<br />
estavam recenseados até dezembro de 1942, 1.079 doentes.<br />
Em 1942 foram fichados pelos censitaristas do Serviço Nacional<br />
de Lepra em diferentes municípios o seguinte número de doentes: Angra<br />
dos Reis, 26 doentes; Rezende 16; Cabo Frio, 17; Valença, 14; Campos,<br />
12; Barra Mansa, 10; Vassouras, 7; Barra do Piraí, 6; Paraíba do Sul, 5;<br />
Petrópolis, Terezópolis, 4 ca<strong>da</strong>; Saquarema, Itaboraí, 3 ca<strong>da</strong>; Araruama,<br />
2; São Pedro <strong>da</strong> Aldeia, 1; Capivarí, Rio Bonito, 1 ca<strong>da</strong>. (32)<br />
15. DISTRITO FEDERAL: – A lepra deve existir no Distrito<br />
Federal há perto de três seculos e meio, segundo a afirmação do Professor<br />
Terra, de que ela já existia desde 1600 (33) nos fins do século XVII, já<br />
constituia séria ameaça, motivo porque a Câmara do Senado representara<br />
ao Governador (1697) com o propósito de abrigar os doentes como<br />
veremos mais adiante.
– 46 –<br />
Os cálculos dos números de doentes por época são os seguintes:<br />
1763 – 200 (Conde <strong>da</strong> Cunha) (3) , 1897 – 300 (Azevedo Lima, citado por<br />
Souza Araujo (19) , 1919 – 450 a 500 (Terra). (34)<br />
Teve-se a impressão de que a lepra diminuira no Distrito Federal<br />
pois que o primeiro cálculo, do Ouvidor-Geral <strong>da</strong> Comarca, João Alves<br />
Simões, em 1740 dera um número superior a 300 para uma população<br />
de 50 a 60 mil habitantes, isto é, um índice de 5%. Em 1927, para uma<br />
população de 1.650.498 habitantes, o total de doentes atingira apenas a<br />
761, índice de 0,4 %. Êste recenseamento foi feito de 1921 a 1927 na<br />
Inspetoria de Profilaxia <strong>da</strong> Lepra, sob a direção de Silva Araujo.<br />
Haviam sido fichados 1.607, dos quais faleceram 313, abandonaram a<br />
Capital 381, desaparecidos com destino ignorado 56, ficando reduzido o<br />
número de leprosos conhecidos e localizados em 761. (15)<br />
No entanto o número de doentes de lepra em 1938 computado<br />
em 1.200 e após cui<strong>da</strong>doso inquérito e revisão procedidos por J. Mota e<br />
Moura Costa (35) registraram-se 1.507 doentes localizados na ci<strong>da</strong>de, dos<br />
quais 636 internados e 871 em seus domicílios, o que prova, segundo<br />
êsses autores, o alarmante desenvolvimento <strong>da</strong> endemia.<br />
Em 1927 eram conhecidos 761 doentes; em 1934, 1.000; em<br />
1938, 1.200; em 1941, 1.507; em 1943 até Maio, 1.740. Segundo J.<br />
Mota (35) têm havido em menos de dez anos aumento de 50 % e em 2<br />
anos, apenas 20 %, constituindo a capital do país, um foco de lepra em<br />
franca ativi<strong>da</strong>de. Dos 1.740 doentes acham-se isolados 718, dos quais<br />
87,3 % de formas contagiantes.<br />
Segundo informações recebi<strong>da</strong>s pelo Serviço Nacional de Lepra,<br />
estavam fichados no Distrito Federal até maio de 1943, 2.830 doentes.<br />
16. SÃO PAULO: – A endemia de lepra nêste Estado também<br />
é antiga. O Morgado Mateus, como veremos mais adiante, já fazia<br />
alusão ao incremento que observara por volta de 1765, a ponto de tomar<br />
algumas providências entre as quais solicitara preces públicas e<br />
man<strong>da</strong>ra levantar uni hospital que não foi construido, por achar que a<br />
lepra se havia atenuado. No entanto verificou depois que se iludira<br />
quanto a esta diminuição. O visconde de Oeynhausen, solicitou em 1820<br />
a tô<strong>da</strong>s as autori<strong>da</strong>des que verificassem o número de leprosos.<br />
Notificaram então a existência de 538 doentes em 24 vilas <strong>da</strong> Capitânia<br />
(inclusive o Paraná). O índice era altíssimo, variava nas diversas<br />
locali<strong>da</strong>des de 0,99
– 47 –<br />
por mil a 0,21 relativamente mais alto na zona <strong>da</strong> Serra Acima, hoje<br />
Central do Brasil.<br />
Em 1851, a estatistica revelou 849 doentes, variando o índice<br />
conforme as locali<strong>da</strong>des de 4 a 0,1 por mil; em 1874, 466 e por fim em<br />
1886-1887, 373.<br />
Em 1907, calculáva-se o número de doentes em 2.000, em 1912<br />
em 2.625. Em 1913 Emílio Ribas, avaliou o número de leprosos de 106<br />
dos 171 municípios em i 711, <strong>da</strong>dos obtidos por intermédio de médicos e<br />
prefeitos.<br />
Em 1914, Belmiro Valverde, avalia em 2.037 os doentes do Estado<br />
baseado nos cálculos de Vampré e J. Cassio de Macedo Soares e outras<br />
informações. Esta cifra era resultado do acréscimo de 10 % de casos<br />
omissos e de 500 doentes nômades aos 3.257 doentes que apurara<br />
percorrendo 162 dos 211 municípios do Estado. Os <strong>da</strong>dos são os<br />
seguintes: em 1923, 4.115 (Benigno Ribeiro), em 1925, 9.000 (H. G.<br />
Paula Souza); em 1926 – 10.640 (Belizário Pena), em 1927 – 8 a 10.000<br />
(J. Maria Gomes) e 3.711 (Aguiar Pupo), considerando sòmente os<br />
leprosos com nome completo e moradia certa do censo de Benigno<br />
Ribeiro. (1)<br />
O Departamento de Profilaxia <strong>da</strong> Lepra em trabalho sistemático,<br />
ininterrupto por todo o Estado, fichou desde sua fun<strong>da</strong>ção até 31 de julho<br />
de 1943: 22.169 doentes. Apresentamos a seguir os <strong>da</strong>dos fornecidos por<br />
aquêle Departamento:<br />
Dados do Arquivo do D.P.L. em 31 de julho de 1943.<br />
Doentes observados:<br />
Tuberculóides............................................................... 1.013<br />
Nervosa......................................................................... 8.687<br />
Tuberosa........................................................................ 2.504<br />
Mixta.............................................................................. 9.965<br />
________<br />
TOTAL.................................................................... 22.169<br />
Doentes Internados:<br />
A. C. Santo Ângelo..................................................... 1.863<br />
Sanatório Padre Bento............................................... 871<br />
A. C. Pirapitinguí.......................................................... 2.570<br />
A. C. Cocais................................................................. 1.939<br />
A. C. Aimorés............................................................... 1.340<br />
_______<br />
TOTAL................................................................... 8.583
Falecimento:<br />
Altas:<br />
– 48 –<br />
Doentes internados.................................. 4.634<br />
Doentes não internados.......................... 1.332<br />
______<br />
TOTAL............................................. 5.966<br />
A. hospitalares......................................... 2.260<br />
A. condicionais........................................ 1.735<br />
______<br />
TOTAL......................................... 3.995<br />
Altas definitivas........................................ 261<br />
Recambia<strong>da</strong>s........................................... 781<br />
Tratamento avulso................................... 2.470<br />
Postos........................................................ 1.999<br />
Isolamento domiciliar.............................. 71<br />
A incidência <strong>da</strong> lepra em S. Paulo varia de 0 a mais de 3 a 4 por<br />
mil conforme os municípios.<br />
17. MINAS GERAIS: – A lepra é endemia antiga em Minas<br />
Gerais, e êste Estado foi sempre considerado como o de S. Paulo, um dos<br />
pontos que apresentaram sempre maior incidência de lepra. Esta era a<br />
opinião, segundo Magalhães (7) , de viajantes e médicos como Southey,<br />
Paula Candido, Saint-Hilaire e Moncorvo de Figueiredo.<br />
Os atos filantrópicos realizados em Minas ao tempo Colonial e as<br />
providências que várias autori<strong>da</strong>des solicitaram no tempo do Império,<br />
testemunham a veraci<strong>da</strong>de dessa opinião.<br />
No entanto, muito longe desta crença foram os informes prestados<br />
a Magalhães (7) por diversos médicos, naturais ou residentes na Província,<br />
onde clinicavam. Tal crença era exagera<strong>da</strong>, pois os doentes segundo eles,<br />
em sua maioria, não eram de Minas e a lepra abun<strong>da</strong>va mais nos limites<br />
de S. Paulo, e à margem do Sapucai “era o domínio mais considerável <strong>da</strong><br />
morféa”.<br />
Em 1917, faz-se em Minas Gerais o primeiro censo que figura na<br />
tese do Dr. Couto e Silva (36) , por meio de inquéritos aos presidentes <strong>da</strong>s<br />
Câmaras Municipais, graças à iniciativa de Zoroastro de Alvarenga,<br />
<strong>da</strong>ndo em resultado 601 doentes.
Barracas de lázaros à beira de um riacho e de uma estra<strong>da</strong> de ro<strong>da</strong>gem no Estado de S. Paulo. Assim vivia grande porte dos<br />
doentes nesse Estado antes <strong>da</strong> construção dos modernos e confortáveis asilos ali existentes atualmente. (Forneci<strong>da</strong> pelo Departamento<br />
de Profilaxia <strong>da</strong> Lepra de S. Paulo).
Leprosos nômades no Estado de S. Paulo, antes <strong>da</strong> construção dos modernos asilos-colônias ali existentes. (Fotografia<br />
forneci<strong>da</strong> pelo Departamento de Profilaxia <strong>da</strong> Lepra de S. Paulo).
– 49 –<br />
Em 1931 o Prof. Aleixo (37) calculou em mais de 10.000, Aguiar<br />
Pupo (38) em 10 a 12.000, Belisário Pena (38) em 12.000, Raul de Almei<strong>da</strong><br />
Magalhães (38) (1939) em 8.751, Souza Araujo (24) estimava em 1937,<br />
14.000 o número de leprosos em Minas Ge rais o que <strong>da</strong>ria um índice de<br />
1,62 para uma população de 8.598.140, muito próxima <strong>da</strong> de S. Paulo,<br />
calculado na base de 14.000 doentes, também.<br />
Segundo informes que recebemos do Serviço Nacional de Lepra o<br />
número de doentes fichados neste Estado era de 11.062 até maio de 1943.<br />
Os recenseamentos feitos ùltimamente revelaram o seguinte<br />
número de doentes por municípios:<br />
ZONA A: – Belo Horizonte 529 (2,43); Bomfim 184 (6,10);<br />
Divinópolis 68 (3,48); Betim 121 (5,83 %); Itaúna 81 (2,10); Pará de<br />
Minas 78 (2,19); Sete Lagoas 66 (1,63); Conselheiro Lafayete 61 (1,12);<br />
Santa Luzia 55 (2,30); Pedro Leopoldo 53 (1,74); Brumadinho 43 (2,89);<br />
Nova Lima 40 (2,02) ; Paraopeba 40 (2,61); Caran<strong>da</strong>í 31 (1,23) ; Mateus<br />
Leme 33 (2,38); Santa Barbara 30 (0,77); Sabará 27 (2,72); João Ribeiro<br />
23 (0,75); Belo Vale 21 (1,47); Santa Quitéria 18 (1,29); Ouro Preto 18<br />
(0,42); Itabirito 17 (1,35); Congonhas do Campo 15 (2,70); Cordisburgo<br />
14 (0,54); Jaboticatubas 13 (0,46); Rio Espera 3 (0,25); Lagoa Doura<strong>da</strong> 5<br />
(0,49); Rio Piracicaba 4 (0,35); Lagoa Santa 4 (0,47) e Pequí 2 (0,22). (39)<br />
ZONA B: – Oliveira 136 (3,57); Bom Sucesso 90 (3,63); Campo<br />
Belo 86 (2,73); São João del Rey 80 (1,50); Lavras 65 (1,23); Itapecerica<br />
50 (1,04) ; Andrelândia 44 (1,97); Candeias 48 (3,97); Perdões 39 (2,43);<br />
Cláudio 34 (1,89); Aiuroca 30 (1,47); Bom Jardim 29 (3,00); Carmo <strong>da</strong><br />
Mata 25 (2,24); Liber<strong>da</strong>de 24 (1,41); Passa Tempo 19 (1,27); Prados 18<br />
(1,79); Santo Antônio do Amparo 18 (1,93); Dores dos Campos 17 (2,68);<br />
Rio Preto 15 (0,48); Francisco Sales 15 (1,51) ; Rezende Costa 13 (1,52);<br />
Tiradentes 4 (0,78). (40)<br />
ZONA H: – (Sul de Minas, com 19 municípios); Carmo do Rio<br />
Claro 91; Boa Esperança 87; Guape 76; Três Corações 37; Campos<br />
Gerais 32; Varginha 24; Alfenas e Nepomuceno, 20 ca<strong>da</strong>; Machado 19;<br />
Eloi Mendes 14; Areado 14; Paraguassú 11; Serra Negra 11; Cabo Verde<br />
10; Gimirim 8; Carmo Cachoeira 9; Divisa Nova 7; Serrania 4; índice<br />
1,49 por 1.000 habitantes. (41)<br />
F. – 4
– 50 –<br />
ZONA N: – Santa Rita 40; Itajubá 36; Paraisópolis 32; Lambarí<br />
28; Campanha 27, S. Gonçalo do Sapucaí 26; Brazopólis 25; Cachoeira<br />
21; Baependí 20; Caxambú 19; Pedra Branca 17; S. Lourenço, Delfim<br />
Moreira e Cristina, 14 ca<strong>da</strong>; Conceição do Rio Verde 13; Itamonte,<br />
Sapucaí Mirim, 12 ca<strong>da</strong>; Sole<strong>da</strong>de, Silvestre Ferraz e Maria <strong>da</strong> Fé, 11<br />
ca<strong>da</strong>; Pouso Alto, Caxambú, Virginia, 8 ca<strong>da</strong>; Cambuquira 7; Passa<br />
Quatro 4. índice geral 0,97 por 1.000 habitantes. ( 42 )<br />
ZONA I: Botelhos, Campestre, Poços de Cal<strong>da</strong>s, Parreiras,<br />
Jacutinga, Ouro Fino, Monte Sião, Bueno Brandão, Pouso Alegre, Bor<strong>da</strong><br />
<strong>da</strong> Mata, Silvianópolis, Cambuí, Camanducaia, Extrema, População de<br />
407.330 habitantes, 412 doentes. ( 43 )<br />
18. PARANÁ: – As primeiras notícias <strong>da</strong> lepra no Paraná, são de<br />
Tavares Bastos, citado por Magalhães (7) que aludem à vin<strong>da</strong> de leprosos<br />
do Norte para esmolar e que se fixaram em Castro, Tibagí e Rio Negro,<br />
constituindo fócos de moléstia.<br />
Segundo documentos publicados por Maurano ( 1 ), o governador<br />
Capitão General Visconde de Oeynhausen, em 1820, solicitando<br />
informações na então Capitania de S. Paulo, de que o Paraná era parte,<br />
sôbre o número de leprosos, foi cientificado <strong>da</strong> existência de 30 doentes<br />
em Curitiba, 14 em Castro e 6 em Vila Nova ao Príncipe e Santo Antonio<br />
<strong>da</strong> Lapa.<br />
A moléstia, tempos depois existia em menor escala do que em S.<br />
Paulo, segundo o Presidente Zacarias de Goes e Vasconcelos (1855).<br />
Limitadíssimo era o número de doentes na Capital, e Tibaí, figurava,<br />
como tendo o maior número, cerca de 40 a 50 segundo um médico que<br />
informara a Magalhães, por volta de 1882. (3) Walfrido de Figueiredo,<br />
computava entre 40 e 50 os morféticos do Paraná em 1882, e Moysés<br />
Marcondes informava a Souza Araujo (19) que a lepra já era endêmica em<br />
1855 nos Campos Gerais, ao longo <strong>da</strong> estra<strong>da</strong> dos tropeiros que<br />
atravessava o Paraná, de S. Paulo ao Rio Grande do Sul.<br />
De 1917 a junho de 1919, Souza Araujo (44) estimou de 600 a 800 o<br />
número de doentes. Percorreu quase todo o Estado, em inspeção sanitária<br />
e entre doentes fichados ou de que soubera a existência apurara 380 casos.<br />
A zona menos infesta<strong>da</strong> era o litoral, havendo uma dezena de leprosos nos<br />
municípios <strong>da</strong> marinha. Curitiba era um foco sério. Havia 13 doentes no<br />
Lazareto.
– 51 –<br />
“Verificou a média de 6 casos nos municípios dos Campos Gerais.<br />
O município do Rio Negro que tinha mais de 30 leprosos, com a<br />
separação do Contestado, ficou com metade de seu território e metade de<br />
seus leprosos”.<br />
A parte Norte, era a mais infesta<strong>da</strong> de todo o Estado: o enorme<br />
município de Tibagí contava aproxima<strong>da</strong>mente 40 leprosos; no Piraí mais<br />
de 30, Jaguaraiva 23 (informaram existir, neste, mais 16), e em<br />
Tomazinha e S. José <strong>da</strong> Boa Vista <strong>da</strong>tavam de mais de 30 anos.<br />
Jaboticabal tinha 20 leprosos, dos quais metade deles era de origem<br />
paulista. Os demais municípios tinham número menor de leprosos. No<br />
Jataí e S. Pedro Alcântara nenhum. Jacarézinho, Ribeirão Claro e<br />
Platinópolis apenas uns 15 casos. No Ipiranga vários casos de lepra. Em<br />
Ibituva e Prudentópolis não eram conhecidos casos de lepra. Na Zona Sul<br />
margeando a Estra<strong>da</strong> de Ferro São Paulo-Rio Grande do Sul, segundo<br />
informações, os casos eram relativamente raros. Em Palmas existia meia<br />
duzia de leprosos conhecidos e em Porto União, 2. Em Porto Mojoli e Foz<br />
do Iguassú observara 4 casos de lepra tuberosa.<br />
De todos os municípios do Paraná o mais infestado era o de<br />
Garapuava, de território imenso, que tinha cerca de 100 casos e onde se<br />
cogitava <strong>da</strong> construção de um leprosário.<br />
No segundo censo, publicado em 1921 por Souza Araujo (19) o<br />
número era de 494 leprosos.<br />
Luiz Medeiros (45) diretor do leprosário São Roque, em 1929<br />
estimou o número de doentes do Paraná entre 650 e 700.<br />
Até 1934 o número de fichados atingia a 1.009, segundo relatório<br />
do Dr. Aureliano de Moura, diretor do leprosário, mencionado por Souza<br />
Araujo (19) que estimou o total entre 1.200 e 1.300, ou 1,5 por mil.<br />
Sòmente de Curitiba, 120 casos foram isolados no leprosário.<br />
Sôbre uma estimativa de 1.500, Souza Araujo (24) dá um índice<br />
para o Paraná de 1,2. Havia em 1937, 392 doentes hospitalizados.<br />
Segundo informações que obtivemos do Serviço Nacional de<br />
Lepra, estavam fichados no Paraná, até junho de 1943, 1.845 doentes.<br />
19. SANTA CATARINA: – Magalhães (7) em 1882, informava que<br />
em Santa Catarina a lepra aparecia na Capital, Ribeirão, Cubatão, Tijucas,<br />
Itajaí, S. Francisco, Laguna e Tubarão, e não se incrementava, "si é que<br />
não diminuia no litoral": S. Miguel, Porto Belo, Penha, Itajaí, Barra<br />
Velha, Parati, S. Francisco e mais para o Centro: Joinvile, S. Bento,<br />
Brusque, Alto Tijucas, Alto Biguassú; no Sul: São José, En-
– 52 –<br />
sea<strong>da</strong>s, Garopaba, Laguna, Tubarão, Araranguá; acima <strong>da</strong> Serra: Lages,<br />
Curitibano, Campos Novos, S. Joaquim <strong>da</strong> Costa <strong>da</strong> Serra.<br />
As estimativas existentes para o número de leprosos de Santa<br />
Catarina são as de Ferreira Lima (*), em 1917; 100 doentes; de Carlos<br />
Correia (19) em 1927: 500 doentes e de Souza Araujo, em 1937, 1.336<br />
doentes, dôbro dos fichados em 1935. (19)<br />
O número de doentes fichados era de 90 em 1924; 106 em 1925;<br />
688 em 1935 (em 27 municípios) (19) . A estimativa de 1.340 doentes para<br />
1937 <strong>da</strong>ria um índice de 1,13 na população de 1.179.886 habitantes. (24)<br />
Estimado pelo Govêrno Federal a cifra de 1.336 doentes para o<br />
Estado, em 1936, uma comissão censitária até 1941 verificou a existência<br />
de 393 leprosos e 18 suspeitos perfazendo o índice de 0,34 por mil.<br />
Menos de um terço dêsses doentes eram lepromatosos e o resto casos<br />
neurais ou mistos. Assim se distribuiam:<br />
Laguna 67; Florianópolis 33; Tubarão, 26; Lages 25; Itajaí 23;<br />
Palhoça 20; Curitibanos 19; Canoinhas 16; Araranguá e S. José, 14 ca<strong>da</strong>;<br />
Mafra 12; Itaiopólis 11; Porto União 10; Biguassú 8; Campos Novos,<br />
Cruzeiro, Tijucas, 7 ca<strong>da</strong>; Blumenau 6; Campo Alegre e S. Francisco 5<br />
ca<strong>da</strong>; Imaruí, Concordia, Jaguaruna, Joinville, Orleans, 4 ca<strong>da</strong>; Brusque,<br />
Crissiuma, Gaspar, Rio do Sul, 3 ca<strong>da</strong>; Caçador, Harmonia, S. Bento, 2<br />
ca<strong>da</strong>; Bom Retiro, In<strong>da</strong>ial e Xapecó, 1 ca<strong>da</strong>. (8)<br />
Entretanto para se avaliar aproxima<strong>da</strong>mente o problema <strong>da</strong> lepra<br />
no Estado, diz Polidoro Santiago: "dá-se-lhe de maneira pouco otimista a<br />
estimativa de 650 a 700 leprosos".<br />
Segundo informações que obtivemos no Serviço Nacional de<br />
Lepra, estavam fichados até junho de 1943, 618 doentes.<br />
20. RIO GRANDE DO SUL: – A lepra deve ter sido rara no Rio<br />
Grande do Sul, segundo a opinião geral, e parece, de incremento recente.<br />
Sôbre a sua rari<strong>da</strong>de, manifestaram-se vários médicos ao inquérito<br />
de Magalhães (7) . Conheciam-se sòmente casos isolados, sempre com<br />
mais de um membro na mesma fa-<br />
__________________<br />
(*) Araujo, H. C. S. – A lepra e as organizações anti-leprosas do Brasil em 1936.<br />
Op. cit. (19). O Dr. Ferreira Lima, Diretor <strong>da</strong> Higiene do Estado, procedeu um inquérito<br />
em 1917, em diversos municípios. Em 12 havia 62 morféticos, sendo mais infetados<br />
alguns <strong>da</strong> Serra.
– 53 –<br />
milia. Não haviam sido observados casos em Jaguarão, vila de Arroio<br />
Grande, Herval e Canguassú.<br />
Os números de doentes conhecidos desde 1915 são os seguintes:<br />
30 na Capital em 1920; 116 casos em 1927 por Von Bassewitz (12) ; 164<br />
em 1933 e 1.000 leprosos ativos em 1934 segundo Maya Faillace (46)<br />
(índice de 0,33 por mil). Souza Araujo (19) 1.500 em 1937. (1.000 ativos<br />
de Faillace e 500 "inativos"). Belmiro Valverde, segundo Souza Araujo<br />
(19) já em 1921 aludia ao progresso <strong>da</strong> lepra no Rio Grande do Sul.<br />
Segundo êle esta moléstia se tornara mais freqüente do que ha dez anos.<br />
Na mesma ordem de idéias, Faillace (46) considerava a marcha <strong>da</strong> lepra no<br />
Estado em franco progresso nos últimos decênios.<br />
1.752 pessoas se haviam tornado leprosas. 811 <strong>da</strong>s quais faleceram<br />
no espaço de 10 anos. Duas terças partes dos municípios sulistas tinham<br />
leprosos conhecidos.<br />
Em 1939, segundo Leoni<strong>da</strong>s Soares Machado (47) assim estavam<br />
distribuídos os doentes: Porto Alegre 61; Vacaria 28; Palmeira e Cruz<br />
Alta, 18 ca<strong>da</strong>; Cai, José Bonifácio 12; Lagoa Vermelha 14; Santo Angelo<br />
15; Nova Hamburgo, Prata, S. F. de Paula, 10 ca<strong>da</strong>; Santa Cruz, 11;<br />
Carazinho 9; Passo Fundo 7; Caxias, Ijuí, Itaquí, Santa Maria, 6 ca<strong>da</strong>;<br />
Júlio de Castilhos, Santiago, S. Leopoldo, S. Luiz Gonzaga, Sole<strong>da</strong>de, 5<br />
ca<strong>da</strong>; Bom Jesus, Candelária, Pelotas, S. Borja; Cachoeira, Santo<br />
Antonio, 3 ca<strong>da</strong>; Osório 6; Taquara 8; Alegrete 4; Farroupilha, Guaporé,<br />
Lageado, Rio Grande, Santa Rosa, 2 ca<strong>da</strong>; Dom Pedrito, Estrela, General<br />
Câmara, Jaguarão, Montenegro, Quaraí, São Francisco de Assis, São<br />
Jerônimo, 1 ca<strong>da</strong>.<br />
Alfredo Chaves, Ar Parado, Arroio do Meio, Arroio Grande, Bento<br />
Gonçalves, Bagé, Caçapava, Camaquã, Encantado, Encruzilha<strong>da</strong>, Flores<br />
<strong>da</strong> Cunha, Garibaldi, Getúlio Vargas, Gravataí, Guaiba, Herval, Irdi,<br />
Jaguarí, Lavras, Livramento, Pinheiro Machado, Piratiní, Rio Pardo,<br />
Rosário, Santa Vitória, S. Gabriel, S. José do Norte, S. Lourenço, S.<br />
Pedro, S. Sepé, S. Vicente, Sobradino, Tapes Taquarí, Torres, Triunfo,<br />
Tupanciretã, Uruguaiana, Venâncio Aires, Viamão, O. Segundo as<br />
regiões: Missões 57 casos. Planalto Médio 62. Planalto Nordeste 56.<br />
Encosta <strong>da</strong> Serra 77. Depressão Central 72. Campanha 4. Serra do<br />
Sudeste 4. Litoral 8 casos.<br />
Em 1939, dos 86 municípios, existiam leprosos em 45, num total<br />
de 350 doentes.<br />
Embora a incidência não fôsse uniforme, encontrava-se lepra no<br />
Centro e nos 4 pontos cardiais do Estado.
– 54 –<br />
Não obstante se encontrar a lepra na maioria dos municípios <strong>da</strong><br />
Zona <strong>da</strong> Encosta <strong>da</strong> Serra (região dos municípios para onde afluíram os<br />
imigrantes) era nos municípios <strong>da</strong>s fronteiras com a Argentina (Missões)<br />
e com Santa Catarina (Planalto Médio e do Nordeste) que se encontrava a<br />
maior incidência <strong>da</strong> lepra.<br />
Em maio de 1943, segundo informações que obtivemos do Serviço<br />
Nacional de Lepra existiam 859 leprosos fichados no Rio Grande do Sul.<br />
21. MATO GROSSO: – Apesar de se repetir com freqüência, que a<br />
lepra era rara neste Estado, segundo Magalhães (7) e Belmiro Valverde (19) ,<br />
o número de leprosos não devia ser desprezível na época colonial visto ter<br />
sido construído para êles, um hospital em Cuiabá.<br />
O fato é que, pelo menos, recentemente, a lepra constituia, no dizer<br />
de Alberto Novis (48) , Diretor de <strong>Saúde</strong> Pública do Estado, em 1934, o<br />
mais grave problema médico social; e assumia ali “assombrosa<br />
proporção”. Segundo êste autor, o número de leprosos seria de 3 por<br />
1.000 habitantes. Assim a estimativa de Novis seria de 1.305, segundo<br />
Souza Araujo. (19)<br />
Alcindo Figueiredo (19) estima em 900 o total de leprosos<br />
disseminados pelo Estado em partes iguais no Norte, Centro e Sul. A<br />
estimativa de Souza Araujo, em 1937 era de 900 doentes dos quais 209<br />
fichados, 58 hospitalizados. O índice seria de 2,0 sôbre 435.346<br />
habitantes.<br />
Segundo informações que obtivemos do Serviço Nacional de<br />
Lepra, estavam fichados até março de 1943, 486 doentes.<br />
22. GOIÁZ: – As indicações que existem a respeito <strong>da</strong>. lepra em<br />
Goiáz são favoráveis à impressão de que ela reinaria com intensi<strong>da</strong>de<br />
nesse Estado, ao menos ao tempo em que Magalhães (7) solicitou informes<br />
(1882). Era encontra<strong>da</strong> em todo sul na alta proporção de 1 por mil e no<br />
Norte, sobretudo em Santa Maria de Taquaritinga, esta cifra era maior.<br />
Mesmo em 1844 Faivre (citado por Souza Araujo) que fôra estu<strong>da</strong>r as<br />
águas de Cal<strong>da</strong>s Novas, encontrara ali para mais de cem leprosos.<br />
A lepra existe hoje em alta proporção neste Estado. A relação do<br />
Departamento de Administração Municipal, recebi<strong>da</strong> por Souza Araujo<br />
(19) em 1937, <strong>da</strong>va um total de 2.178 em 55 dos 56 municípios do Estado.<br />
E note-se que foi um recenseamento feito por alguns leigos e se referia<br />
somente aos casos graves, declarados.
– 55 –<br />
Bela Vista, Goiáz, Inhumas, Itajaí, Palmeira, Pedro Afonso, Rio<br />
Bonito, Santa Rita <strong>da</strong> Parnaíba e Trin<strong>da</strong>de, eram os municípios que<br />
tinham 100 ou mais doentes.<br />
O índice é de 3,4, segundo Souza Araujo (24) ,um dos mais altos do<br />
Brasil.<br />
Em recenseamentos recentes, o Serviço Nacional de Lepra informa<br />
que estavam fichados até dezembro de 1942, neste Estado, 1.154 leprosos.<br />
23. ACRE: – Relata Souza Araujo (19) , que em 1928, o Dr.<br />
Damasceno Junior, Diretor <strong>da</strong> Higiene do Acre, o informara haver<br />
recenseado pessoalmente 54 leprosos, sòmente no Rio Iaco, um dos cinco<br />
médios cursos de água que banham o município de Purús, incluindo os 18<br />
encontrados em Sena Madureira, capital dêsse Município, proporção<br />
eleva<strong>da</strong> para o número de almas que habitam o município.<br />
Êste médico, dirigindo o pequeno leprocômio que ficava a 14 kms.<br />
de Rio Branco, pretendia amplia-lo para nele abrigar os leprosos acreanos<br />
do Rio Branco, Xapuri e Purús. Sabia-se <strong>da</strong> existência de muitos leprosos<br />
nos seringais. Havia 60 doentes em Juruá, registrara 68 casos em 1927, e<br />
mais 8 em 1931, não sendo êstes os únicos.<br />
Em Xapuri, 8 foram isolados, havendo entretanto conhecimento de<br />
outros doentes que viviam abrigados, pelas margens dos rios e estra<strong>da</strong>s.<br />
Os casos somavam ao total 234, número que o Dr. Damasceno<br />
considerava elevadíssimo para o território.<br />
Tendo o Acre 100.000 habitantes e 234 leprosos (segundo<br />
informes do Dr. Damasceno Junior) multiplicou Souza Araujo por 3 o<br />
total conhecido, visto a extensão <strong>da</strong> endemia, estimando em 700 o total<br />
dos leprosos do território. Êste número <strong>da</strong>ria um índice de 5,4 para os<br />
129.181 habitantes em 1937, segundo Souza Araujo. (24)
CAPÍTULO IV<br />
EVOLUÇÃO DOS ESTUDOS SÔBRE A LEPRA<br />
1 - BERNARDINO ANTONIO GOMES (pai), iniciador dos<br />
estudos sôbre a lepra no Brasil. 2 - Os fun<strong>da</strong>dores <strong>da</strong><br />
Socie<strong>da</strong>de de Medicina do Rio de Janeiro, hoje Academia<br />
Nacional de Medicina, e a lepra, especialmente o DR.<br />
FAIVRE. 3 - Estudos posteriores de GÓES DA SIQUEIRA, NINA<br />
RODRIGUES, AZEVEDO LIMA, J. LOURENÇO MAGALHÃES e<br />
LUTZ. 4 - Desenvolvimento posterior dos estudos sôbre a lepra.<br />
1. O início dos estudos a respeito <strong>da</strong> lepra no Brasil <strong>da</strong>ta dos<br />
primeiros anos do século passado, precedendo o renascimento científico<br />
que esta moléstia iria ter no primeiro quarentênio do mesmo século,<br />
graças a DANIELSSEN. A lepra, diz JEANSELME (49) passara por um longo<br />
periodo de regressão desde o fim do século XVI ao começo do XIX.<br />
Nêsse período, apenas cirurgiões navegadores dos países exóticos, como<br />
VARANDAL, de Montpellier (1620) e WILLIEN TEN RHINE, nas Índias<br />
Holandesas e SCHILLING, no Surinão, se interessaram pelo assunto. (49)<br />
Igualmente, o iniciador entre nós, dos estudos sôbre a moléstia<br />
foi o grande BCRNARDINO ANTONIO GOMES (pai) (50) que era cirurgião<br />
<strong>da</strong> Arma<strong>da</strong> Real, quando aqui aportou pela primeira vez em 1798.<br />
Êste notável cientista português, que acompanhou D. MARIA<br />
LEOPOLDINA, quando de sua vin<strong>da</strong> para o Brasil, escreveu notável obra<br />
dermatológica, única <strong>da</strong> época, em português, intitula<strong>da</strong> “Ensaio<br />
dermosographico ou succinta descripção <strong>da</strong>s doenças cutaneas com<br />
indicação dos respectivos remedios”. O trabalho foi dedicado à mesma<br />
soberana, era composto de 171 páginas e alcançou duas edições. Nêste
– 57 –<br />
livro, o autor registrou o que conhecia na época a respeito de moléstias<br />
cutâneas, enriquecendo-o com a sua experiência.<br />
Nessa obra (51) verifica-se que a ciência do tempo já admitia o que<br />
hoje chamamos de lesões elementares cutâneas que, segundo<br />
BERNARDINO ANTONIO GOMES, seriam “afecção cutânea predominante e<br />
característica” sob a qual se reuniam “em ordem as molestias cutaneas<br />
caracteriza<strong>da</strong>s por essas lesões”.<br />
A lepra ou elefantiase, que pertencia à 8. a ordem caracteriza<strong>da</strong><br />
pelos “tubercula” (tuberculos) (*) mereceu dêste autor especial atenção,<br />
visto ser êle talvez, o cientista que mais conhecia a moléstia em sua<br />
época. Percorrera varios hospitais de lázaros <strong>da</strong> Metrópole e do Brasil e<br />
adquirira experiência que poucos teriam naquele tempo.<br />
Vinham aliás, de longe seus estudos dermatológicos, desde a<br />
primeira vez que viera em 1797, iniciando-os com o estudo <strong>da</strong>s boubas.<br />
Naquele tempo, a lepra era confundi<strong>da</strong> com outras molestias e<br />
vice-versa. Reinava confusão quanto aos nomes <strong>da</strong>dos à moléstia, por<br />
diversos autores em países e épocas diferentes; em parte devido às<br />
traduções impróprias. A palavra elefantiase, para LUCRÉCIO, era a lepra e<br />
para os árabes a elefantiase pròpriamente dita. A lepra dos gregos era<br />
diferente <strong>da</strong> lepra dos árabes, esta última com o sentido atual. Em<br />
diversos países, tinha denominações diversas a moléstia que no Brasil era<br />
morféa. A imperfeição do diagnóstico e, sobretudo, o desconhecimento<br />
do bacilo causador <strong>da</strong> infecção, sua patogenia e clínica, eram os motivos<br />
<strong>da</strong> confusão com outras moléstias, como a sífilis, a elefantiase, pelagra,<br />
sarna e escorbuto.<br />
Nos hospitais de lázaros, segundo Bernardino Antônio Gomes, não<br />
só leprosos estavam internados, mas outros doentes de diferentes<br />
moléstias cutâneas. (51) .<br />
“Em que confuzão não fica”, dizia BERNARDINO ANTÔNIO GOMES,<br />
– “o que consultando pela primeira vez as Obras, p. ex., dos Arabes,<br />
encontra descripta com o nome de Lepra a enfermi<strong>da</strong>de que os Gregos<br />
tinhão já, e muito melhor descripto com o nome de Elephantiasis, e acha<br />
depois em<br />
__________________<br />
(*) GOMES, BERNARDINO ANTONIO (Op. cit.) – “A Elephantiase, Mal de S.<br />
Lazaro. Tuberculos Varios em figura e grandeza, frequentemente como avelãs, duros,<br />
quasi insensiveis, precedidos de dormencia cutânea parcial, e acompanhados de<br />
depelação na cara e nas extremi<strong>da</strong>des, e d ' ulcesa superficial indolente no septo do<br />
nariz. Situação quasi exclusiva na cara, orelhas e extremi<strong>da</strong>des. Duração de muitos<br />
anos”. Página 15.
– 58 –<br />
alguns dos mesmo Arabes o termo Elephantiasis designando huma<br />
diversa enfermi<strong>da</strong>de? Quanto maior não será a confuzão quando<br />
consultando outros Autores, e já dos modernos, encontra aquele termo<br />
Lepra tomado em hum sentido tão diverso ou tão vago que he quasi hum<br />
synonimo de enfermi<strong>da</strong>des cutâneas, pois na<strong>da</strong> menos quer dizer Lepra<br />
Herpética, Lepra Scabiosa, Lepra Maculosa, Lepra Elephantiaca, etc.”...<br />
(51) .<br />
Alguns médicos pensavam possível a transformação de outras<br />
moléstias em lepra.<br />
Mas não resta dúvi<strong>da</strong> que certos e determinados sintomas eram<br />
bem conhecidos desde os tempos mais recuados, haja vista as descrições<br />
em que há um misto de drama e medicina, como a de GORDON. (1) .<br />
Entre as manifestações bem conheci<strong>da</strong>s, estavam o aspecto leonino<br />
do rosto e as perturbações <strong>da</strong> sensibili<strong>da</strong>de, sobretudo a falta de<br />
sensibili<strong>da</strong>de. Em atestados médicos antigos MAURANO (1) verificou<br />
referências a “isquecimento <strong>da</strong>s extremi<strong>da</strong>des” e “manchas sem<br />
cençações”, solicitando alguns médicos, nêsses casos, a separação dêstes<br />
pacientes para que os sãos não se contaminassem.<br />
2. Depois de BERNARDINO ANTÔNIO GOMES, a lepra não deixou<br />
de interessar os cientistas mais notáveis.<br />
Os fun<strong>da</strong>dores <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de de Medicina do Rio de Janeiro, hoje<br />
Academia Nacional de Medicina, quase todos têm os seus nomes ligados<br />
direta ou indiretamente, a estudos sôbre a lepra.<br />
Êste interêsse partira de FAIVRE, um dos fun<strong>da</strong>dores – incumbido<br />
que fôra – a convite do govêrno Brasileiro, por intermédio do Marquês de<br />
Barbacena e do presidente de Goiáz, de estu<strong>da</strong>r as águas de Cal<strong>da</strong>s Novas<br />
sob o ponto de vista terapêutico.<br />
Êste médico, para lá transportando-se, encontrou inúmeros<br />
leprosos, para mais de 100, atraidos pela fama <strong>da</strong>s águas.<br />
FAIVRE, observou os doentes, coligiu <strong>da</strong>dos e chegou a praticar 14<br />
autopsias de leprosos.<br />
As memórias foram envia<strong>da</strong>s ao Ministro do Império juntamente<br />
com uma carta, em que êle propunha uma série de medi<strong>da</strong>s higiênicas a<br />
fim de evitar o desenvolvimento <strong>da</strong> morféia. O Ministro levou-as à<br />
Academia Imperial de Medicina, em 1844, que nomeou o Dr. DE SIMONI,<br />
para relator. Discuti<strong>da</strong>s e aprova<strong>da</strong>s, o Dr. PAULA CANDIDO apresentou-as<br />
em relatório ao Cons. MANUEL ALVES BRANCO, Ministro do
– 59 –<br />
Império. Nêsse relatório, propunha-se, para solução do problema <strong>da</strong> lepra,<br />
“uma boa estatística” e a lei do sequestro não só para separar os doentes<br />
dos sãos, como os cônjuges, a fim de evitar a procreação de uma prole<br />
morfética e a perpetuação de uma geração doente, pois, grande número de<br />
doentes eram talvez de origem herditária. (7) .<br />
Outro fun<strong>da</strong>dor <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de de Medicina do Rio de Janeiro, Dr.<br />
JOAQUIM CANDIDO SOARES DE MEIRELLES, escreveu sua tese em Paris,<br />
em 1827”, “Dissertation sur I’histoire de I’elephantiase”, ensaiou o uso <strong>da</strong><br />
joanesia e escreveu sôbre “o paralelo entre as duas especies de morféa”.<br />
(1)<br />
.<br />
3. Até por volta <strong>da</strong> primeira déca<strong>da</strong> dêste século não poucas<br />
foram as teses, tanto do Rio como <strong>da</strong> Bahia, que dissertaram sôbre a lepra<br />
e, nêsse longo período de quase todo o último meiado do século e a<br />
primeira déca<strong>da</strong> do seguinte, destacaram-se, por seus estudos, vários<br />
cientistas: Prof. GÓES SIQUEIRA, na direção do Hospital de Lázaros <strong>da</strong><br />
Bahia, que estudou o guano e o assacú (52) ; o Dr. AZEVEDO LIMA na<br />
direção do hospital dos lázaros do Rio, que ali instalou um laboratório de<br />
microbiologia e anatomia patológica, em 1894 (3) , combateu a<br />
hereditarie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> lepra e fêz estudos sôbre a terapêutica dessa moléstia, e<br />
RAIMUNDO NINA RODRIGUES, que se interessou pelo problema no<br />
Maranhão, na Bahia e todo o Norte (1886-1890). (9) .<br />
Notáveis foram também, no último vintênio do século passado, os<br />
estudos de JOSÉ LOURENÇO DE MAGALHÃES, o primeiro a considerar o<br />
problema <strong>da</strong> lepra, sob o ponto de vista nacional. Escreveu sôbre o<br />
assunto várias obras (53 a 58) .<br />
Apesar de anticontagionista, MAGALHÃES, preconizando medi<strong>da</strong>s<br />
sanitárias a ser executa<strong>da</strong>s com humani<strong>da</strong>de, é o precursor <strong>da</strong> campanha<br />
contra a lepra em nosso país, embora a sua ação não tenha conseguido a<br />
repercusão que teria mais tarde EMILIO RIBAS. (1) .<br />
Outro cientista notável que se interessou pela lepra foi LUTZ<br />
(1888), que publicou trabalhos sôbre microbiologia, clínica e<br />
epidemiologia (1) .<br />
4. De 1910 em diante tornam-se muito freqüentes as publicações<br />
sôbre a lepra. A endemia incrementava-se no país e o problema <strong>da</strong> lepra<br />
tornava-se ca<strong>da</strong> vez mais árduo. Os médicos não ficavam indiferentes,<br />
estu<strong>da</strong>ndo-a e solicitando medi<strong>da</strong>s necessarias às autori<strong>da</strong>des para refrear<br />
o mal. Esta fase, 1910 até 1930, mais ou menos, caracterizou, graças ao<br />
interêsse havido pelos cientistas, a campanha que
– 60 –<br />
chamaremos de científica. A época anterior, por assim dizer empírica, não<br />
era nortea<strong>da</strong> pelos médicos, então mais inclinados a considerar a moléstia<br />
como hereditária e, portanto, sem perigos para a coletivi<strong>da</strong>de.<br />
O problema não passava de uma questão de amparo aos infelizes, e<br />
nessa missão, desempenharam papel mais destacado que os médicos, as<br />
autori<strong>da</strong>des e os filantropos.<br />
Na fase científica se começou a <strong>da</strong>r maior realce às questões<br />
profiláticas. A teoria contagionista deixou de ser discuti<strong>da</strong>, pois a<br />
pesquisa do germen <strong>da</strong> moléstia foi se tornando ca<strong>da</strong> vez mais rotineira e<br />
as observações confirmavam amplamente o contágio.<br />
Na capital do país, como em todos os Estados, não faltaram<br />
cientistas que liderassem o movimento, solicitando as medi<strong>da</strong>s<br />
necessárias para resolver o problema. O precursor dêste movimento como<br />
já foi dito, fôra J. L. MAGALHÃES, porém, sua palavra não encontrou éco<br />
nas esferas oficiais, pois as autori<strong>da</strong>des não haviam ain<strong>da</strong> encarado, com<br />
o devido interêsse e necessária decisão o problema <strong>da</strong> lepra. Sòmente<br />
quando o número de cientistas que batalhavam em prol de uma solução<br />
para o problema se avolumou, e a voz de RIBAS repercutiu, é que<br />
começaram a produzir os primeiros resultados, mais concretos, como<br />
veremos adiante. Contudo essa ação continua até nossos dias, pois a<br />
questão persiste e as soluções vão sendo <strong>da</strong><strong>da</strong>s à medi<strong>da</strong> que vão surgindo<br />
outros aspectos mais sociais do que profiláticos. Entretanto, as medi<strong>da</strong>s<br />
básicas, já toma<strong>da</strong>s em grande parte, asseguram a saúde pública.<br />
A fase precursora <strong>da</strong> campanha, empreendi<strong>da</strong> pelos médicos logra<br />
algum resultado concreto, mas só depois de 1930 verificam-se como<br />
veremos, as grandes realizações anti-lepróticas do novo regimen<br />
instituido por GETULIO VARGAS.<br />
No período que estamos vivendo, notável também é o<br />
desenvolvimento científico dos estudos sôbre a lepra, cujo vulto<br />
colocaram nosso país ao nível dos que mais estu<strong>da</strong>m a moléstia, de modo<br />
a ser considerado um grande centro leprológico mundial.<br />
Institutos científicos destinados a êsses estudos, como os existentes<br />
no Rio de Janeiro e S. Paulo, cursos nas Universi<strong>da</strong>des brasileiras como<br />
em Minas e Rio de Janeiro, os trabalhos regulares e cientificamente<br />
orientados em grande número de organismos destinados à campanha<br />
contra a lepra, originaram a vasta literatura brasileira sôbre o assunto.
– 61 –<br />
Não nos sendo possível publicar a bibliografia completa de ca<strong>da</strong><br />
autor, não só por tratar-se de trabalho demasiado extenso, como também<br />
por não dispormos de tempo necessário para a tarefa de tão grande vulto,<br />
<strong>da</strong>do o curto espaço de tempo que dispomos, indicamos aos interessados<br />
os seguintes trabalhos: (*)<br />
Bibliografia Dermatológica Brasileira – Prof. Fernando Terra (59) .<br />
Bibliografia Brasileira Antiga sôbre Lepra – Flavio Maurano (1) .<br />
Índice e Catálogo Médico Paulista. (1860-1936) – J. Maia (61) .<br />
Revista Brasileira de Leprologia. Coleção completa de 1933 a<br />
1943. (61) .<br />
Sumários Bibliográficos – Fornecidos mensalmente pela<br />
Bibliotéca do Departamento de Profilaxia <strong>da</strong> Lepra de São Paulo.<br />
__________________<br />
(*) NOTA – Em 1944 foi publicado o “ Indice Bibliográfico de Lepra ” (1500-1943)<br />
por iniciativa <strong>da</strong> Sra. Luiza Keffer, em 3 substanciosos volumes, contendo to<strong>da</strong>s as<br />
fichas bibliográficas existentes na modelar Biblioteca do Departamento de Profilaxia<br />
<strong>da</strong> Lepra, de São Paulo, obra de consulta obrigatória para todos os estudiosos <strong>da</strong><br />
leprologia.
CAPÍTULO V<br />
AS ÁGUAS MINERAIS GABADAS NO<br />
TRATAMENTO DA LEPRA. O CHARLATANISMO<br />
EM RELAÇÃO À LEPRA NO BRASIL<br />
1 - Águas minerais. 2 - Charlatanismo.<br />
1. Poucas foram as águas gaba<strong>da</strong>s no Brasil como úteis no<br />
tratamento <strong>da</strong> lepra.<br />
A primeira menção encontra<strong>da</strong> é a referente à agua de certa<br />
fazen<strong>da</strong>, em Mariana, cujo dono assegurava com fatos que mencionava,<br />
terem a virtude de “curar chagas invetera<strong>da</strong>s e a lepra”. A secretaria do<br />
Reino, interessa<strong>da</strong> no assunto ordenou ao governador <strong>da</strong> Capitania que<br />
man<strong>da</strong>sse “ fazer por pessoa inteligente um exame chimico” e recomendou<br />
que enviassem para “a côrte algumas garrafas, hermèticamente fecha<strong>da</strong>s<br />
<strong>da</strong> mesma água, para ser ali também analiza<strong>da</strong>”. (62) .<br />
Sôbre águas minerais, propriamente ditas, apenas existe a menção<br />
que já fizemos, no 1.° Capítulo desta parte, sôbre Cal<strong>da</strong>s Novas de Goiáz.<br />
2. Ao terminar esta resenha histórica, dos estudos brasileiros,<br />
façamos uma breve nota sôbre o charlatanismo e a lepra no Brasil.<br />
Os leprosos têm sido freqüentemente assediados pelos charlatães.<br />
“ Não passava, por assim dizer um ano em que não aparecesse algum<br />
charlatão ou especulador apregoando-se como curador e descobridor de<br />
um remédio” dizia o Dr. CLÁUDIO LUIZ DA COSTA (63) , enviado pela<br />
Academia Imperial de Medicina para verificar em Itapetininga (S. Paulo)<br />
o tratamento praticado pelo célebre CARLOS PEDRO ETCHOIN, nos<br />
lazaretos que fun<strong>da</strong>ra naquela vila. Na<strong>da</strong> era ver<strong>da</strong>de, de tamanha bulha<br />
que se fizera em tôrno <strong>da</strong>s curas propa-
– 63 –<br />
la<strong>da</strong>s a êste impostor. Um ano antes aparecera em Santos, “<strong>da</strong>ndo ao<br />
público espetáculos de fogos diamantinos e sombrios” (1844) (1) .<br />
Em Recife, várias vêzes apareceram charlatães, informava o Dr.<br />
COSME DE MAGALHÃES (7) ,que, <strong>da</strong>do o pequeno número de morféticos alí<br />
existentes, não puderam trabalhar.<br />
Em 1902, em Sabará, conta ORSINI (64) , um charlatão chamado<br />
ARAUJO, sob falsa alegação de haver-se curado de lepra, mediante uma<br />
fórmula secreta, atraía para as suas supostas curas inúmeros doentes;<br />
chegando mesmo as autori<strong>da</strong>des municipais a oferecer-lhe um contrato.<br />
Êste ato não se realizou em virtude do alto preço exigido pelo charlatão,<br />
que mais tarde teve de abandonar a ci<strong>da</strong>de, graças à campanha de um<br />
jornal.<br />
Em Maceió, Manoel Borges de Mendonça (2) por volta de 1854<br />
tornou-se famoso e adquiriu grande clientela em virtude de um específico<br />
que dizia soberano no tratamento <strong>da</strong> lepra.<br />
Mas, diz CARVALHO (2) , quem levou a palma a todos os<br />
curandeiros brasileiros foi D. Maria Luiza de Brito SANCHEZ, que durante<br />
muitos anos tratou de leprosos. O tratamento (publicado com minúcia por<br />
CARVALHO) consistia, em síntese, no emprêgo de herva silvina, nos<br />
tubérculos cauterizados sob a forma de banho a vapor, ao lado de<br />
vomitórios, laxante e uma dieta especial.<br />
No Estado de S. Paulo, numerosos foram os charlatães, segundo F.<br />
MAURANO (1) .Êles, ou recorriam ao uso de drásticos, que deshidratando o,<br />
indivíduo ou debilitando-o, ocasionavam o murchecimento dos lepromas<br />
e empalidecimento <strong>da</strong>s lesões, ou então, tratando de formas benignas <strong>da</strong><br />
lepra, em que as lesões, de acôrdo com a própria evolução, aparecem<br />
bruscamente e rapi<strong>da</strong>mente desaparecem (reação tuberculóide ou lepra<br />
tuberculóide reacional), produzindo-se cura aparente.<br />
Os específicos alardeados, ou eram plantas cujo segredo fôra<br />
revelado, segundo propalavam, por índios, ora eram preparados<br />
farmacêuticos com títulos pomposos, indígenas (Tupi-zamoa) ou pseudo<br />
científicos (Mosto-Serum).<br />
Certos e não poucos charlatães preferiam recursos naturistas, como<br />
banhos de contraste. O doente, depois de um banho muito quente,<br />
passava, imediatamente, para uma banheira de água gela<strong>da</strong>.<br />
Êses banhos chamados – <strong>da</strong> foca – deram grandes lucros a um<br />
charlatão em São Paulo, e provocaram grande
– 64 –<br />
interesse por parte dos doentes. Certo pseudo-taumaturgo em São Paulo,<br />
chegou a convocar “meetings” em praça pública, os quais, parece, nunca<br />
se realizavam. Escrevera um livro em que profetizava a que<strong>da</strong> <strong>da</strong><br />
medicina ocidental, por certo, em benefício de seu processo que consistia<br />
na ação milagrosa dos eflúvios do fogo (1) .<br />
Proviam-se os curandeiros de aparelhos para seu trabalho. Um<br />
dêles “animalizava os fluidos” e “curava a lepra” e outro “ pretendia<br />
restabelecer os pontos iso-elétricos do sangue e tecidos”. Houve quem<br />
empregasse a saliva de pessoas novas cujo dom seria o de transformar a<br />
lepra em eczema, e também, o sangue do doente em vidro bem arrolhado<br />
– para o preparo de uma “ vacina morta ” , ao lado de uma cédula de<br />
50$000. (1) .<br />
Pode-se dizer que o charlatanismo na lepra tem sido a lepra <strong>da</strong><br />
própria lepra. Em geral, o doente na esperança de cura rápi<strong>da</strong>, é<br />
fàcilmente sugestionado de modo a se tornar êle próprio esteio de<br />
semelhantes especuladores <strong>da</strong> infelici<strong>da</strong>de alheia. Tais exploradores,<br />
quando coibidos em suas ativi<strong>da</strong>des pelas autori<strong>da</strong>des sanitárias, não raras<br />
vêzes, têm recorrido aos governadores, expondo suas queixas e se<br />
apresentando como vítimas <strong>da</strong> inveja de médicos ou <strong>da</strong> incompreensão<br />
dêstes. (1) .<br />
Em tempos mais recuados, em que reinava mais incerteza quanto à<br />
curabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> lepra, os charlatães insinuavam-se ou se faziam insinuar<br />
junto às maiores autori<strong>da</strong>des para delas conseguir apôio oficial e<br />
freqüentemente recursos pecuniários, a título de auxílio para o<br />
prosseguimento de suas curas. (65) .
GOMES FREIRE DE ANDRADE – CONDE DE BOBADELLA<br />
Benfeitor dos Leprosos – Brasil Colonial<br />
(Reprodução a crayon)
Cap. ANTONIO DE ABREU GUIMARÃES (1787). – Este filântropo legou bens<br />
(vinculos do Jagoára) para a fun<strong>da</strong>ção de várias instituições dentre as<br />
quais o Hospital de Lázaros de Sabará. (Extraí<strong>da</strong> <strong>da</strong> “ Santa Casa de<br />
Sabará ” , de autoria de Zoroastro Passos).
CAPITULO VI<br />
USOS E COSTUMES<br />
1 - Lepra, causa de infelici<strong>da</strong>de individual e de<br />
desajustamento social; medi<strong>da</strong>s contra os doentes no<br />
Brasil. 2 - Leprosos mendigos isolados ou em bandos. 3 -<br />
Aldeiamentos e asilos para leprosos. 4 - Hospitais para<br />
hansenianos. 5 - Leprosos no exercício de ativi<strong>da</strong>des<br />
comuns. 6 - Crenças populares a respeito <strong>da</strong> lepra e dos<br />
doentes de lepra no Brasil. 7 - Situação social dos doentes<br />
de lepra no Brasil.<br />
1. Nenhuma moléstia tem sobrepujado a lepra, pelo tempo a fóra,<br />
como causa de infelici<strong>da</strong>de e de desajustamento social. Moléstia que se<br />
manifesta de maneira duradoura na pele, alterando profun<strong>da</strong>mente a face,<br />
de modo a prejudicar o que mais de perto toca a vai<strong>da</strong>de humana, torna<br />
seu portador um indivíduo asqueroso e repugnante. Na sua marcha<br />
invasora através do organismo, vai acarretando uma série de perturbações<br />
graves, desde as mutilações extensas até a cegueira completa. Contudo, a<br />
vitali<strong>da</strong>de orgânica, às vezes por longo tempo não se ressente dessa ruina<br />
exterior, e o doente, vivendo quase sem grandes transtornos, a não ser<br />
uma ou outra manifestação agu<strong>da</strong>, sofre mais moral do que fisicamente.<br />
E’ que a doença – interpreta<strong>da</strong> até como castigo divino – representa,<br />
desde tempos imemoriais, ver<strong>da</strong>deiro estigma social, preconceito êste,<br />
ain<strong>da</strong> hoje persistente. A lepra é considera<strong>da</strong> mais do que uma Moléstia:<br />
um opróbrio, uma condenação por um mal que a vítima não cometeu. Da<br />
crença de sua contagiosi<strong>da</strong>de e incurabili<strong>da</strong>de, nasceu o medo de contraíla<br />
e sofrer todos os males, dentre os quais, possivelmente, o de ficar<br />
estigmatizado. Daí a repulsa que ela causa e o rigor observado para com<br />
êsses réprobos sociais. Diz A. CARVALHO:<br />
“Os leprosos tinham de trazer a cabeça coberta e an<strong>da</strong>r<br />
calçados para não infecionarem os caminhos, passar à beira <strong>da</strong>s<br />
estra<strong>da</strong>s e avisar <strong>da</strong> sua passagem<br />
F. – 5
– 66 –<br />
por meio de campainhas ou matracas para que os sãos se<br />
afastassem e não corressem risco de contaminar-se.<br />
Era-lhes proibido ir lavar as suas roupas em lavadouros<br />
comuns ou às ribeiras utiliza<strong>da</strong>s para esse fim.<br />
Sofriam castigos se entravam nos moinhos e pa<strong>da</strong>rias e<br />
tocavam nos generos alimenticios expostos e quando pretendiam<br />
designá-los nas ven<strong>da</strong>s e mercados por quererem adquiri-los,<br />
tinham de faze-lo tocando-os com uma vara longa de que an<strong>da</strong>vam<br />
munidos.<br />
Não podiam (nem mesmo os cagots) exercer qualquer<br />
profissão em que manuseassem alimentos, roupas ou outros<br />
objetos, que tivessem de ser utilizados pelos sãos e muito<br />
especialmente era-lhes ve<strong>da</strong>do o ofício de carniceiros.<br />
Era-lhes defeso comerem ou dormirem com pessoas sãs e<br />
servirem-se nas tabernas e estalagens.<br />
Durante um tempo foi proibido aos leprosos casarem-se,<br />
quando um dos conjuges era são.<br />
Depois <strong>da</strong> morte dos leprosos que viviam fóra <strong>da</strong>s gafarias<br />
estranjeiras, as suas casas, moveis e roupas eram queimados e os<br />
filhos, se eram sãos, ficavam em muitos lugares a cargo <strong>da</strong>s<br />
comuni<strong>da</strong>des.<br />
Em muitos países os leprosos que pelo facto <strong>da</strong> doença se<br />
consideravam mortos civilmente, não podiam pleitear justiça,<br />
contratar, vender, her<strong>da</strong>r nem testar.<br />
Para que a população no meio <strong>da</strong> qual viviam se precavesse<br />
contra os gafos, eram estes obrigados a uma indumentaria especial.<br />
Não só deviam an<strong>da</strong>r calçados, mas tinham de trazer uma atadura<br />
ou pano em volta <strong>da</strong> cabeça, que demais devia ser coberta por<br />
chapéo de escarlatina ou capuz igual a manta ou capa com que<br />
além <strong>da</strong> túnica ou habito, se cobriam, tudo pardo, castanho ou<br />
negro.<br />
No chapéo ou no fato eram, em muitos paises, obrigados a<br />
trazer um bocado de pano algumas vezes branco, azul e mais<br />
frequentemente vermelho, cosido na manga ou no peito em forma<br />
de mão, de L ou doutras, ou uma taboa pequena cosi<strong>da</strong> em logar<br />
bem visivel do fato.<br />
Os filhos de leprosos não podiam ser batisados como as<br />
outras crianças pelo risco de poluirem as águas <strong>da</strong> pia baptismal –<br />
a criança era afasta<strong>da</strong> de maneira que a água lustral lança<strong>da</strong> na<br />
cabeça não caisse na pia.
– 67 –<br />
Os leprosos não podiam ser enterrados nos cemiterios<br />
comuns e muito menos entrar nas igrejas e estar em contacto com<br />
as pessoas sãs; a prática do culto para esses infelizes era propicia<strong>da</strong><br />
fóra do templo em que havia pulpitos externos, galilés ou absides e<br />
mesmo pias externas de água benta. (CARVALHO, A. S.: Historia<br />
<strong>da</strong> Lepra em Portugal, Porto, 1932, Pág. 10 e seguintes).<br />
Entretanto no Brasil, como em Portugal, não foi observado êsse<br />
rigor, com relação aos doentes. A não ser o seu isolamento natural pela<br />
repulsão que eles provocavam, não houve entre nós, outros hábitos<br />
sistemáticos e tradicionais contra êsses infelizes. Antes tendia-se a olhálos<br />
com pie<strong>da</strong>de e auxiliá-los na sua desdita.<br />
Os administradores públicos, salvantes algumas raras edili<strong>da</strong>des<br />
que dispunham de posturas ou leis quasi anódinas de polícia de leprosos,<br />
se portaram sempre com muita brandura para com êles, e no apêlo que<br />
faziam tanto ao povo como às Camaras ou a seus subalternos, havia<br />
sempre a nota de pie<strong>da</strong>de. Um presidente provincial de S. Paulo, por<br />
exemplo, sugeria, no caso de serem toma<strong>da</strong>s medi<strong>da</strong>s enérgicas para a<br />
reclusão de leprosos, se poupassem os doentes que tivessem família, a fim<br />
de não sofrerem a violência de ser arrancados do seu seio e privados dos<br />
desvelos <strong>da</strong>s pessoas que lhes eram mais caras e pelos quais se expunham<br />
ao contágio (1) . A lei mais antiga que conhecemos com referência à<br />
coibição de exercício de certas profissões que punham em contacto com o<br />
público, pessoas doentes de lepra, é a de 1848, de Vila Nova de Formiga,<br />
Província de Minas Gerais (62) .<br />
Em 1862, em São José do Barreiro (Provincia de São Paulo), tô<strong>da</strong><br />
e qualquer pessoa, afeta<strong>da</strong> de moléstia contagiosa, ou asquerosa, não<br />
poderia empregar-se na ven<strong>da</strong> de qualquer gênero, que permitisse<br />
contagiar aos compradores. A multa seria de 20$000 e si fôsse escravo o<br />
infrator, paga-la-ia quem o empregasse (1) . Em S. Sebastião (S. Paulo) (1)<br />
em 1836 outra lei proibia, a para<strong>da</strong> nessa vila, de doentes vindos de outros<br />
lugares, sob pena de expulsão e internamento no hospital de leprosos<br />
existente na Provincia.<br />
Várias posturas paulistas impediam que os doentes esmolassem na<br />
ci<strong>da</strong>de, ou determinavam certos dias para êsse fim (1) .
– 68 –<br />
Curiosa é uma vereança paulista de 1760 em que a Câmara<br />
requeria o despejo de uma cigana leprosa, porque se banhava em um rio,<br />
cujas águas serviam às lavadeiras e para fins domésticos. Êsse rio ia<br />
alcançar o Jardim Botânico, hoje <strong>da</strong> Luz (1) . Em Brotas, também no Estado<br />
de São Paulo, a Câmara (1912) man<strong>da</strong>ra queimar ranchos de morféticos à<br />
beira de um riacho, em que as lavadeiras faziam seu mister. Essa medi<strong>da</strong>,<br />
entretanto, só foi leva<strong>da</strong> a efeito mais tarde.<br />
Tô<strong>da</strong>s essas determinações não passavam de atos esporádicos,<br />
realizados localmente, quase nunca cumpridos, mas nenhum código ou lei<br />
expressa existia no Brasil para aplicação sistemática em todo o país. Os<br />
próprios regulamentos ou estatutos dos hospitais de lázaros do Rio (3) e <strong>da</strong><br />
Bahia (66) em que se nota muito rigor, a preocupação de seus autores não<br />
visava outro fim que não a profilaxia. Atribue-se ao grande rigor do<br />
regulamento <strong>da</strong> Bahia, executado até 1860, mais ou menos, segundo O.<br />
TORRES (52) , a extinção ou melhor, a atenuação por longo tempo, <strong>da</strong><br />
endemia que era deveras grave alí nos tempos coloniais.<br />
2. Em razão <strong>da</strong>s circunstâncias crea<strong>da</strong>s para o doente de lepra<br />
evitado ou repelido pelos sãos e, não raras vêzes até pelos seus familiares,<br />
e na impossibili<strong>da</strong>de de prover à sua subsistência com o seu próprio<br />
trabalho, que lhes era geralmente defeso, recorriam, os hansenianos,<br />
habitualmente, à mendici<strong>da</strong>de. São freqüentíssimas as referências aos<br />
leprosos mendigos no Brasil. Pode-se dizer que em quase todos os<br />
Estados e em tô<strong>da</strong>s as épocas, surgia alarme tô<strong>da</strong>s as vêzes que um<br />
leproso aparecia esmolando e parece mesmo, que a simples presença<br />
dêsses desgraçados era o bastante para se exagerar seu número pelo pavôr<br />
que eles causavam. Daí provinham a maioria <strong>da</strong>s medi<strong>da</strong>s toma<strong>da</strong>s para<br />
abrigá-los, ou outras disposições mais enérgicas.<br />
De alguns exemplos mais antigos, veremos que foi a presença de<br />
inúmeros lázaros esmolando no Salvador, que determinou a construção do<br />
Hospital dos Lázaros (6) . Tempos depois verificou-se o mesmo fato em S.<br />
Luiz do Maranhão por volta de 1826, cujo Conselho <strong>da</strong> Provincia, sob a<br />
presidência de PEDRO JOSÉ DA COSTA BARROS, pedia ao Govêrno<br />
Imperial, reparo e aumento do Lazareto de Bomfim, à custa de certas<br />
contribuições impostas no Alvará do Regimento para os provedoresmóres<br />
<strong>da</strong> Saude, que deviam ser adeantados pela Tesouraria <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> e<br />
não arreca<strong>da</strong><strong>da</strong>s. (9) .
– 69 –<br />
Esmolavam os doentes de lepra tanto nas ci<strong>da</strong>des, em pontos de<br />
grande movimento, às portas <strong>da</strong>s igrejas, dos cemitérios, como nos<br />
mercados e estra<strong>da</strong>s. (1) .<br />
Onde os leprosos tomaram hábitos particularmente típicos foi no<br />
Estado de São Paulo e nos Estados limítrofes.<br />
Quem viveu em alguma ci<strong>da</strong>de do Estado de S. Paulo ou Minas<br />
deve lembrar-se ain<strong>da</strong> <strong>da</strong>s turbas repugnantes de doentes mutilados ou<br />
deformados, irmanados pela desgraça comum e que, montados sôbre<br />
magras alimarias, iam ron<strong>da</strong>ndo de casa em casa, de ci<strong>da</strong>de em ci<strong>da</strong>de, à<br />
procura do pão quotidiano com a esmola pública.<br />
Pelas ruas <strong>da</strong>s vilas e nas estra<strong>da</strong>s, aos domingos e dias santos, eis<br />
como o major coman<strong>da</strong>nte de Bragança os via, em bandos, já em 1822,<br />
nessa vila “a pedirem esmolas”, e o povo “falto de reflexão” os deixava<br />
entrar pelas suas casas e muito principalmente nas ven<strong>da</strong>s e “Cazas de<br />
mulheres fadistas”. (*) .<br />
Proviam-se, a miudo de uma caneca, em que bebiam e usavam<br />
para recolher as moe<strong>da</strong>s que os vian<strong>da</strong>ntes lhes <strong>da</strong>vam. Freqüente era<br />
também vê-los, como na I<strong>da</strong>de Média, de bordão, apontando nas ven<strong>da</strong>s<br />
as mercâncias que desejavam comprar. Tal era o pavor, que a esmola lhes<br />
era joga<strong>da</strong> à distância.<br />
Êsses leprosos ambulantes adquiriam certos hábitos peculiares aos<br />
ciganos. Berganhavam seus animais, utensílios, roupas, e não raras vêzes,<br />
até mulheres. Amasiavam-se freqüentemente com mulheres doentes e<br />
mesmo com sãs. Estas, via de regra, acompanhavam seus maridos nas<br />
peregrinações intermináveis. (1) .<br />
Os leprosos em bandos acorriam às grandes festas religiosas que se<br />
realizavam no Interior do Estado. Pirapóra, no Estado de São Paulo, pelo<br />
seu célebre santuario, era o maior centro de atração dêsses infelizes, a<br />
ponto de celebrizar-se neste particular. Os doentes vinham de todos os<br />
recantos do Estado e mesmo de Minas Gerais, depois de longas travessias,<br />
abarracavam-se alí, superando às vezes, em número, a mais de uma<br />
centena. Formavam um, dois, ou mais arranchamentos. Ficavam de<br />
distância em distância, pela estra<strong>da</strong>, à espera <strong>da</strong>s esmolas dos romeiros e,<br />
à passagem dos<br />
__________________<br />
(*) Documento inédito publicado por F. MAURANO, em História <strong>da</strong> Lepra em S.<br />
Paulo. Op. cit., pág. 176.
– 70 –<br />
veículos, gesticulavam desespera<strong>da</strong>mente, fazendo praça de suas chagas e<br />
do estado em que se encontravam. Dizia um escritor: (67)<br />
“Ha nessa exposição bíblica de réprobos, especimens de<br />
todos os graos, dos que ain<strong>da</strong> não têm visivel o estigma do mal,<br />
aos que já se desagregam, placa por placa, como múmias egípcias<br />
milagrosamente anima<strong>da</strong>s de rígidos movimentos”.<br />
“Não entravam no burgo. No último dia <strong>da</strong>s festivi<strong>da</strong>des<br />
recebiam uma ordem, e então, se aproximavam do rio. Alí ficavam<br />
de cócoras, exibindo suas deformi<strong>da</strong>des, diante <strong>da</strong> população<br />
aterra<strong>da</strong>. Fin<strong>da</strong> a festa, êles entravam na ci<strong>da</strong>de e assistiam à missa<br />
campal à beira do rio”.<br />
Os leprosos esmoleres chegavam, no Estado de S. Paulo, a<br />
angariar boas somas de dinheiro, nos últimos tempos antes <strong>da</strong> sua<br />
reclusão nos grandes asilos fun<strong>da</strong>dos há uma dezena de anos.<br />
Um doente informou que suas férias iam até 200 mil-réis diários,<br />
estimulando, assim, os seus caprichos e vai<strong>da</strong>des; tinham cavalos de altos<br />
preços, esmera<strong>da</strong>mente arreiados, as orgias que promoviam duravam<br />
certas vêzes dia e noite, bebiam à vontade e chegavam mesmo a ter a<br />
preferência de certas mun<strong>da</strong>nas, indiferentes à moléstia e ávi<strong>da</strong>s pelo<br />
dinheiro. (1) .<br />
Os leprosos amb ulantes costumavam armar barracas, geralmente<br />
nos arredores <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de ou vila, às margens <strong>da</strong>s estra<strong>da</strong>s, e próximos a<br />
riachos, onde pudessem lavar suas roupas e prover-se <strong>da</strong> água necessária<br />
para a cozinha e outros misteres; alí pousavam ou demoravam certo<br />
tempo, levantando-as ao sair.<br />
3. Havia contudo, em algumas vilas ou ci<strong>da</strong>des do Maranhão (9) ,<br />
em Minas Gerais, segundo SIGAUD, citado por MAGALHÃES (7) e no<br />
Estado de São Paulo (1) arranchamentos, choupanas ou casas onde se<br />
instalavam os doentes. No Maranhão, em Viana e Anajatuba eram<br />
sórdi<strong>da</strong>s as choupanas. O bispo D. Manuel Joaquim Silveira achou “os<br />
doentes cobertos de andrajos e dormindo sôbre giráos guarnecidos de<br />
palha em pequeninas choças dispersas pelo mato”. (9) .<br />
Conta ROSSAS (17) que de 1826 a 1919 tiveram origem as aldeias de<br />
leprosos, no interior maranhense, em S. Bento,
– 71 –<br />
Viana e Anajatuba, <strong>da</strong>s quais ain<strong>da</strong> perduram duas em Anajatuba.<br />
Em S. Paulo, em tempos mais recuados, havia aldeiamento no<br />
rocio <strong>da</strong>s povoações, ou à margem <strong>da</strong>s estra<strong>da</strong>s, onde os leprosos viviam<br />
em completa ociosi<strong>da</strong>de à espera <strong>da</strong> esmola que os vian<strong>da</strong>ntes lhes<br />
atirassem. (1) .<br />
Mais tarde, nesse Estado, a partir de 1900 começaram a surgir em<br />
muitas ci<strong>da</strong>des paulistas, asilos para o abrigo dos doentes, construidos em<br />
geral, por socie<strong>da</strong>des locais, que atendiam, embora precàriamente, às<br />
vítimas de uma moléstia, perante a qual as autori<strong>da</strong>des não manifestavam<br />
sinão apática atitude. (1) .<br />
Convém notar que às vezes eram os próprios doentes que<br />
levantavam os asilos com recursos procedentes <strong>da</strong>s esmolas.<br />
Em geral, êsses asilos situavam-se às margens de estra<strong>da</strong>s que<br />
ligavam várias ci<strong>da</strong>des do interior, em lugares menos freqüentados,<br />
distando poucos quilômetros dos centros urbanos e constavam de grupos<br />
de casas de tijolos, taipas ou madeira, cobertas de telha ou sapé,<br />
semelhantes a casas de colônias de fazen<strong>da</strong>, raras delas com certo<br />
confôrto, a maioria, no entanto, em muito más condições higiênicas.<br />
Algumas muito estraga<strong>da</strong>s e quase em ruinas. Muito poucas tinham<br />
instalações sanitárias. Na maioria os doentes lançavam os dejectos e os<br />
detritos em terrenos baldios ou ribeirões, os quais serviam às populações<br />
(1) .<br />
Não havia regulamentos para êsses abrigos, exceptuando-se os de<br />
Campinas e Piracicaba. (1) .<br />
Os doentes gozavam de ampla liber<strong>da</strong>de, vivendo em<br />
promiscui<strong>da</strong>de de sexo, i<strong>da</strong>de e mesmo com pessoas sãs. Saíam para<br />
esmolar de ci<strong>da</strong>de em ci<strong>da</strong>de, <strong>da</strong>ndo vazão ao seu espírito de aventura.<br />
Quando pousavam definitivamente, era porque a moléstia já os<br />
tornara incapazes de viajar, ou porque iam, aniquilados, fin<strong>da</strong>r seus<br />
últimos dias.<br />
Os doentes recebiam nos asilos, visitas de amigos e parentes, de<br />
enfermos nômades ou de outros asilos. Promoviam festas em companhia<br />
de sãos. Os negociantes ambulantes não temiam em lhes oferecer as suas<br />
mercadorias. Seu mobiliário era rudimentar e em más condições.<br />
Dormiam por vêzes, no chão, em esteiras ou colchões. Em alguns asilos<br />
havia capela. Em um outro havia pequenas culturas ou mingua<strong>da</strong>s<br />
criações de galinhas e porcos. (1) .
– 72 –<br />
Em regra, não havia pessoal são empregado nesses asilos, mas, nos<br />
raros que os tinham, seu número era limitado. Alguns zeladores sãos<br />
moravam com suas esposas e filhos menores. Em regra, o mais respeitado<br />
dos doentes assumia a direção do abrigo.<br />
A assistência médica era feita em alguns abrigos, limitando-se,<br />
porém, ao tratamento <strong>da</strong>s intercorrências.<br />
Em geral êsses asilos eram fun<strong>da</strong>dos por socie<strong>da</strong>des locais que<br />
haviam conseguido certo patrimônio por meio de subscrições públicas ou<br />
contribuição de sócios.<br />
Outras vêzes eram as próprias edili<strong>da</strong>des (Campinas, Jaboticabal)<br />
que tomavam a si a tarefa de construí-los e mantê-los. A maioria dos<br />
asilos fun<strong>da</strong>dos por socie<strong>da</strong>des particulares, contava com subvenções<br />
municipais e estaduais.<br />
Não raro, as socie<strong>da</strong>des que haviam creado êsses abrigos se<br />
dissolviam, e os asilos subsistiam. Em Mogi-Mirim (São Paulo) os<br />
doentes construiram suas próprias casas.<br />
Havia, também, alguns asilos no interior do Estado de São Paulo,<br />
constituidos de bons e grandes prédios como os de Rio Claro e Campinas<br />
que, apesar de singelos, contavam com relativo confôrto.<br />
4. Em diversas <strong>da</strong>s principais ci<strong>da</strong>des brasileiras do tempo<br />
colonial e monárquico foram fun<strong>da</strong>dos, como veremos mais adiante,<br />
hospitais destinados aos doentes de lepra, alguns dos quais subsistem,<br />
como os do Rio e Bahia, porém, melhorados e dentro de suas finali<strong>da</strong>des.<br />
No Maranhão e em S. Paulo já não existem mais os antigos e tristes<br />
hospitais de lázaros, cuja existência foi um rosário de privações.<br />
Realizando na medi<strong>da</strong> dos recursos, a assistência satisfatória a<br />
pequena parte dos necessitados, alguns dêsses hospitais em constantes<br />
dificul<strong>da</strong>des e completamente inadequados, não passavam, infelizmente,<br />
de méros depósitos de doentes, apesar do título que possuiam. A<br />
impressão dos viajantes e <strong>da</strong>s pessoas que os visitavam era quase<br />
unânime. Havia falta de qualquer confôrto, e às vezes, do mais essencial.<br />
Dramática era a vi<strong>da</strong> do hospital de Gavião, de São Luiz do Maranhão,<br />
segundo observou SOUZA ARAUJO (9) em 1933.<br />
Reinava ali completa indisciplina. Os doentes freqüentavam as<br />
meretrizes <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, ou as recebiam no asilo. Inacreditável o espírito<br />
supersticioso de certas mulheres <strong>da</strong> classe média, que iam ao hospital,<br />
para ter relações com os morféticos afim de cumprir promessas. Os<br />
doentes esmolavam nas ruas <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de e por sôbre os muros do cemitério.
– 73 –<br />
Em barracas cobertas de palhas, cêrca de 20, algumas de<br />
casais com certa limpeza; outras de leprosos mutilados, onde a<br />
promiscui<strong>da</strong>de de doentes, porcos e cães ia a ponto de comerem<br />
juntos no mesmo recipiente. (9).<br />
Os doentes, por dispositivos regulamentares, no Rio e na Bahia.<br />
eram obrigados a recolher-se aos hospitais ali existentes.<br />
No Rio (3) a violência era emprega<strong>da</strong> de fato, si houvesse<br />
relutância.<br />
No <strong>da</strong> Bahia (66) nenhuma escusa evitaria o recolhimento e uma vez<br />
internados, os doentes não sairiam, "ain<strong>da</strong> que fôsse para cobrar dívi<strong>da</strong>s<br />
ou ajustar contas". Segundo O. TORRES, essas disposições foram<br />
cumpri<strong>da</strong>s com rigor, até 1860, mais ou menos, pois em 1823, havendo<br />
fugido um grande número de doentes do hospital pediram-se providências<br />
à capitães de mato para a captura dêsses evadidos. (68) .<br />
No Rio, em 1815, foi modifica<strong>da</strong> a obrigatorie<strong>da</strong>de de reclusão,<br />
permitindo-se às pessoas de recursos se tratarem em suas casas. (3) .<br />
Para serem admitidos, os doentes deviam ter seu diagnóstico<br />
confirmado, afim de evitar a internação de pessoas que não padecessem<br />
de lepra.<br />
Na Bahia (66) bastava a confirmação do médico-cirurgião; no Rio (3)<br />
submetia-se o indivíduo a uma junta composta do médico e cirurgião do<br />
hospital <strong>da</strong> Saude e de outro <strong>da</strong> Relação. Decidia o diagnóstico a<br />
plurali<strong>da</strong>de de votos, ou o voto decisivo do Ministro-Presidente.<br />
5. Os leprosos de recursos, ou os que podiam trabalhar<br />
misturavam-se, e ain<strong>da</strong> se misturam, com os sãos em tô<strong>da</strong>s as suas<br />
ativi<strong>da</strong>des exceto nos Estados em que a profilaxia já está sendo executa<strong>da</strong><br />
em sua plenitude.<br />
Em tô<strong>da</strong> a parte, nos seringais do Acre (9) nas fazen<strong>da</strong>s, nas<br />
pequenas e grandes ci<strong>da</strong>des, surpreendem-se leprosos exercendo misteres<br />
de tô<strong>da</strong> a sorte, mesmo os que mais exigem o isolamento. Segundo<br />
MAURANO, TSCHUDI, passando por S. Roque, em 1866, almoçara em uma<br />
estalagem cuja dona sofria de lepra no grau mais avançado. (1) .<br />
Documentos falam de oficiais militares, sacerdotes e pessoas de<br />
famílias abasta<strong>da</strong>s, atacados de lepra, exercendo os seus misteres.<br />
ALEIJADINHO, o célebre escultor de Vila Rica, pensam varios<br />
médicos, teria sido um caso de lepra. Perdera todos os artelhos, não<br />
podendo an<strong>da</strong>r senão de joelhos. Os dedos <strong>da</strong>s
– 74 –<br />
mãos se atrofiaram, curvaram-se, cairam, restando-lhe alguns côtos, quase<br />
sem movimentos. Varias vêzes, o creado lhe cortou os dedos<br />
gangrenados, com um formão. De outra feita, êle próprio o fazia. Tinha<br />
nevralgias fortíssimas que o assoberbavam e suas pálpebras em ectropion<br />
mostravam a parte interior (lagoftalmo?). (64) ..<br />
Freqüentemente, há referências a escravos leprosos. Em regra, seus<br />
amos os abandonavam, visto se tornarem perigosos serviçais, não<br />
obstante o valor que representavam antes <strong>da</strong> moléstia. Alvitrava-se que,<br />
quando internados, deviam ter suas despesas pagas pelos seus senhores<br />
como se depreende de um ofício do asilo de Tocunduba, em 20 de julho<br />
de 1823, à Junta Governativa Civil do Pará. (15).<br />
Não era raro, entretanto, que escravos fugidos de seu cativeiro,<br />
procurassem os acampamentos de morféticos, fazendo-se passar por<br />
doentes, segundo observou ZALUAR na província de S. Paulo. (1) .<br />
Uma postura municipal paulista de 1862 (Serra Negra) multava os<br />
senhores que abandonavam seus escravos doentes ou os permitissem<br />
esmolar. (1).<br />
6. Embora não tenha deixado rastos na toponímia e no<br />
vocabulário do Brasil a lepra é bem presente nas crenças <strong>da</strong> tradição<br />
popular.<br />
Ao contrário do que se passou em Portugal (2) não houve no<br />
Brasil locali<strong>da</strong>des que parecessem dever sua denominação à lepra.<br />
Sabe-se sòmente <strong>da</strong> existência de uma capelinha denomina<strong>da</strong><br />
Santa Cruz dos Lázaros em São José dos Campos, São Paulo (1) e<br />
de um dos arrabaldes de Salvador, que antigamente chamou-se dos<br />
Lázaros. (9) . Em São Paulo, ain<strong>da</strong> existe uma rua denomina<strong>da</strong> S.<br />
Lázaro. (1) .<br />
Essas denominações se devem, na Bahia, por ter existido ali<br />
um pequeno lazareto quando D. Rodrigo de Menezes, governador,<br />
chegara àquela ci<strong>da</strong>de em 1784 e em S. Paulo, por ter existido o<br />
antigo hospital dos Lázaros já desaparecido. A praça dos Lázaros<br />
no Rio de Janeiro, prende-se ao mesmo fato.<br />
Tambem os vocábulos pejorativos oriundos nas gafarias<br />
não tiveram éco no Brasil. Na Europa, os leprosos, como os<br />
ciganos, constituiam grupos à parte, obrigados ao nomadismo,<br />
circunstância propícia à formação de gíria propria, que depois<br />
passava a fazer
– 75 –<br />
parte <strong>da</strong> giria <strong>da</strong>s classes postas à margem <strong>da</strong> lei, tal a dos<br />
delinqüentes.<br />
Alguns vocábulos de nossa lingua parecem guar<strong>da</strong>r tal<br />
origem. E' o caso de “malandro” que por sua vez se origina do<br />
italiano “malandrino” e do francês “malandrin” que tinha o sentido<br />
de “voleur” <strong>da</strong> i<strong>da</strong>de média. Os doentes chamavam-se<br />
“malandriosi”. Por aí se vê a ligação entre êstes termos que<br />
reconhecem origem única quanto à forma e ao significado que se<br />
modificou, sem perder o carater pejorativo <strong>da</strong> expressão.<br />
Entre nós parece que se deu o contrário. Enquanto que na<br />
Europa os vocábulos destinados aos leprosos passaram a ser<br />
usados como significado pejorativo e mais amplo, perdendo<br />
mesmo seu significado inicial, como no caso de “lazzarone” e<br />
“cafone” na Italia; (o primeiro, aumentativo de “lazzaro” no<br />
significado de indivíduo <strong>da</strong> populaça e o segundo também<br />
aumentativo de “cafo” no significado de gente grosseira, do<br />
campo, ambas as palavras originais significando leproso), no<br />
Brasil, o vocábulo “camunhengue” com o significado paulista de<br />
morfético, parece derivado do afro-negrismo “camumbembe” que<br />
no nordeste significa, indivíduo <strong>da</strong> ralé do povo, homem de ínfima<br />
condição.<br />
O mesmo acontece com o vocábulo “jarerê”,<br />
provàvelmente do tupi-guarani “jarê”, sujeira, especialmente <strong>da</strong>s<br />
pessoas e animais, segundo RECALDE. A. DA SILVA encontrou êste<br />
vocábulo com a acepção de moléstia cutânea que deixa a pele<br />
encaroça<strong>da</strong> e vermelha e que pode ser “miudo” e “graudo” ou “dos<br />
brabos”.<br />
E' curioso, e parece que vocábulos doutos, de significado<br />
amplo, passaram a ser usados, com corruptela, a designar êsses<br />
doentes. A expressão “macuteno”, usa<strong>da</strong> em Minas e São Paulo,<br />
deve provir de mal cutâneo e “estributo” ou “estributado” de<br />
escorbuto, ou escorbutado ou mesmo – o male – de mal, moléstia.<br />
O povo conhecendo a moléstia pela experiência deriva<strong>da</strong> <strong>da</strong><br />
observação freqüente dos casos, pelo menos dos mais notáveis, procurava<br />
explicá-la atribuindo-a ao uso de certos alimentos existentes com fartura<br />
nos logares onde a endemia grassava. Assim incriminava-se a carne de<br />
porco, o pinhão, em Minas Gerais; o peixe, o mel, certas frutas –<br />
sapucaias, bananas e o caraguatá, em outros lugares.<br />
A moléstia era conheci<strong>da</strong> como morféa e os doentes eram<br />
chamados de morf éticos, lazaros ou lazarentos, os têr-
– 76 –<br />
mos mais usados em todo o Brasil. Aqui nunca se usaram as<br />
denominações <strong>da</strong><strong>da</strong>s em Portugal a êsses doentes, de gafos, e a doença de<br />
gafeira.<br />
O povo acreditava no efeito de certas ervas medicinais, bulbos ou<br />
frutos como por exemplo o an<strong>da</strong>uçú, a sapucainha, o inhame, o cajú, etc.<br />
A respeito dos doentes de lepra correm certas len<strong>da</strong>s em nosso<br />
país. Uma delas, atribui<strong>da</strong> aos próprios doentes, refere-se à suposição <strong>da</strong><br />
cura <strong>da</strong> molestia, desde que ela seja transmiti<strong>da</strong> a sete pessoas. Na China<br />
existe uma crença semelhante, motivo por que as mulheres leprosas<br />
chinesas recorrem à prostituição para conseguir a sua cura.<br />
Conta-se em S. Paulo, e GRAÇA ARANHA registra na sua "Viagem<br />
Maravilhosa", que os leprosos, certa feita, invadiram uma ci<strong>da</strong>de do norte<br />
do Estado, penetraram nos cafés, hoteis, cinemas, procurando passar o<br />
mal à população. Esta reagiu à bala e os leprosos morreram ou<br />
deban<strong>da</strong>ram. Na estra<strong>da</strong>, encontraram uma criança na porta de uma casa,<br />
avançaram para ela e cairam-se de denta<strong>da</strong>s, até sangrar e esfregaram nas<br />
feri<strong>da</strong>s as suas chagas...", ou que "os leprosos fingindo-se mortos na<br />
estra<strong>da</strong>, esperavam que os viajantes descessem para verificar, e os outros<br />
escondidos no mato avançariam para passar-lhes o mal".<br />
Evidentemente exagera<strong>da</strong>s, estas passagens não são admissiveis,<br />
julgando-se a impossibili<strong>da</strong>de de um grupo de doentes praticar tais atos<br />
em ci<strong>da</strong>des devi<strong>da</strong>mente policia<strong>da</strong>s e em que êles não representariam uma<br />
força para se contra-pôr à grande maioria <strong>da</strong> população.<br />
Outra len<strong>da</strong> é que os doentes de lepra proferem anátemas eficazes,<br />
por exemplo, o que deseja ver a propria moléstia no seu antagonista. (1) .<br />
7. A vi<strong>da</strong> a que os doentes de lepra eram obrigados a levar e os<br />
costumes que adquiriam evidenciam que êstes infelizes, mais do que<br />
doentes, constituiam uma classe ou casta social posta à margem <strong>da</strong><br />
socie<strong>da</strong>de. Mas felizmente, as idéias científicas e sociais vão se<br />
modificando. A lepra, desde a época pasteuriana, com a descoberta do seu<br />
agente causal, e com os melhores conhecimentos <strong>da</strong> sua patologia,<br />
começou a ser trata<strong>da</strong> tão só como moléstia. Assim, foi-se libertando esta<br />
classe tão infeliz do aspecto mais cruel de sua desdita, que é o estigma<br />
social, a que estavam submetidos desde as mais remotas éras.
CAPÍTULO VII<br />
A AÇÃO OFICIAL NO PERÍODO COLONIAL E<br />
IMPERIAL E A CONTRIBUIÇÃO PARTICULAR<br />
DESDE A ÉPOCA COLONIAL ATÉ OS NOSSOS DIAS<br />
A) AS MEDIDAS OFICIAIS TOMADAS NO PERÍODO<br />
COLONIAL. – 1 - A lepra, grave problema brasileiro a<br />
partir dos fins do século XVII. 2 - No Rio de Janeiro. 3 - Na<br />
Bahia. 4 - Em S. Paulo. 5 - Em Mato Grosso.<br />
B) AS MEDIDAS OFICIAIS TENTADAS NO PERÍODO IMPERIAL<br />
– 1 - Em S. Paulo. 2 - Em Minas Gerais. 3 - No Maranhão. 4<br />
- No Amazonas. 5 - O interêsse do General FRANCISCO<br />
JOSE' DE SOARES D ' ANDRÉA, pelo problema <strong>da</strong> lepra no<br />
Pará e em Minas Gerais. 6 - Apreciação sôbre a ação<br />
oficial nêsse período.<br />
C) ASSISTÊNCIA PARTICULAR AOS DOENTES DE LEPRA NO<br />
BRASIL – Filântropos, sacerdotes, associações religiosas e<br />
leigas.<br />
D) Breve notícia histórica sôbre os mais antigos hospitais<br />
de Lázaros no Brasil.<br />
A) AS MEDIDAS OFICIAIS TOMADAS NO PERÍODO<br />
COLONIAL<br />
1. A lepra grave problema brasileiro a partir dos fins do século<br />
XVII. – A partir dos fins do século XVII, a lepra foi se tornando um<br />
problema iniludível no Rio de Janeiro. Dai por diante, começou a<br />
preocupar o povo nos principais centros do país. O interêsse <strong>da</strong>s<br />
autori<strong>da</strong>des, deu em resultado inúmeras providências oficiais e os<br />
primeiros atos filantrópicos.
– 78 –<br />
No Rio, quando em 1698 o Governador ARTUR S. E MENEZES<br />
expoz a situação <strong>da</strong> endemia ao Conselho <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de, pedindo um<br />
Hospital ao Rei de Portugal, a situação era grave. Êste Governador<br />
referira-se às dezenas de leprosos existentes em São Cristovão. (69) .<br />
Sessenta anos depois, em 1763, a endemia em na<strong>da</strong> cedera, pois o<br />
Conde <strong>da</strong> Cunha levava à presença de Sua Magestade,<br />
“o grande perigo em que esta Ci<strong>da</strong>de (do Rio) se acha,<br />
causa<strong>da</strong> pelo mal contagioso <strong>da</strong> morféa, porque já não há rua, nem<br />
praça, onde se não encontrem leprosos, nem também ribeiro ou<br />
fonte em que êles não se banhem, e por esta causa tô<strong>da</strong>s as águas<br />
estão infecciona<strong>da</strong>s, e to<strong>da</strong> essa grande terra no risco de a devorar<br />
esse tremendo fogo, que em todo o Brasil se tem ateado”. (3).<br />
Na Bahia o problema não era menos grave, conforme as<br />
informações conti<strong>da</strong>s nêste mesmo ofício do Conde <strong>da</strong> Cunha, ao se<br />
referir ao perigo que representava a lepra para a ci<strong>da</strong>de do Rio. Declarava,<br />
nesse documento, que em razão de não se terem separado os primeiros<br />
lázaros na Bahia, o contágio era grande no tempo que êle viera de Angola.<br />
As medi<strong>da</strong>s que solicitara para o Rio de Janeiro destinavam-se,<br />
justamente, a evitar maior propagação <strong>da</strong> moléstia nessa ci<strong>da</strong>de, como<br />
acontecera na Bahia. Pretendia, pedindo providências, eximir-se, como<br />
governador zeloso, de tamanha culpa de incúria.<br />
Os doentes perambulavam em grande número, dormindo nas ruas<br />
e nos adros <strong>da</strong>s Igrejas<br />
. (70).<br />
Parece, entretanto, não haver concordância entre as afirmações do<br />
Conde <strong>da</strong> Cunha a respeito <strong>da</strong> promiscui<strong>da</strong>de dos enfermos, e a referência<br />
do Conde dos Arcos, sôbre a existência, em 1762, de um pequeno<br />
lazareto, no arrabalde de “S. Lázaro”, onde por muitos anos eram<br />
recolhidos os doentes, segundo SILVA LIMA, citação de SOUZA ARAUJO.<br />
(9)<br />
Em Pernambuco, a lepra também já era problema médico-social de<br />
relevância, desde os primeiros anos do século XVIII, tanto que em 1714<br />
(9)<br />
e não mais tarde, segundo certos autores, já havia sido fun<strong>da</strong>do um<br />
hospital, que chegou até nossos dias. (9)<br />
Em Minas Gerais desde 1787 grassava a lepra tendo um<br />
filântropo doado terras em Sabará para a construção de um hospital de<br />
Lázaros. (71) .
– 79 –<br />
Em S. Paulo, DOM LUIZ ANTONIO DE SOUZA E MOURÃO, Morgado<br />
de Mateus, impressionou-se com o grande número de doentes que<br />
encontrara nessa Capitania de que fôra administrador, de 1765 a 1775. (1) .<br />
Em Mato Grosso (16) , o número dos leprosos devia ser grande em<br />
1775, tanto que um filântropo, de Vila Bela, deixou um legado para a<br />
construção de um hospital para lázaros.<br />
No extremo Norte, a lepra se tornou problema agudo já nos<br />
princípios do século XIX, pois, segundo A. VIANA, Belém estava<br />
mina<strong>da</strong> de doentes naquele tempo. (Citação de SOUZA ARAUJO). (9)<br />
Em vista do perigo em que se achavam as várias ci<strong>da</strong>des do país<br />
pela ameaça do incremento <strong>da</strong> lepra, as várias autori<strong>da</strong>des locais <strong>da</strong><br />
Colônia tomaram diversas providências para buscar e promover o<br />
adequado remédio para tão lastimável situação.<br />
2. NO RIO DE JANEIRO – Destarte, no Rio de Janeiro, o Senado<br />
<strong>da</strong> Câmara e o Governador fizeram diversas tentativas para conseguir o<br />
auxílio do Reino. Em 1697 (3), êste Senado representou ao Rei de Portugal,<br />
pedindo um lugar particular e separado para a cura dos lázaros,<br />
propondo a antiga Igreja de N. S. .<strong>da</strong> Conceição, hoje residência<br />
episcopal, para internar os muitos doentes existentes na capital, iniciativa<br />
essa não leva<strong>da</strong> avante, porque D. Pedro II de Portugal (*) man<strong>da</strong>ndo<br />
saber dos oficiais, um ano depois “a ren<strong>da</strong> que hão <strong>da</strong>do para o sustento<br />
deste hospital e a forma que se obrigam a fazê-la certa” foi informado <strong>da</strong><br />
falta de recursos <strong>da</strong> Câmara, pois sua séde “para não cair'' estava ''com<br />
pontaletes por fora” sem haver com que se edificasse, além de dever<br />
2.000 cruzados. (**)<br />
Em 1740 (**) em vereança de 23 de maio, representou-se ao<br />
Govêrno novamente, solicitando a construção de um lazareto “ain<strong>da</strong> que<br />
pobre”.<br />
A representação teve confirmação do Ouvidor João Alves Simões,<br />
que se referiu à existência de leprosos, em<br />
__________________<br />
(*) Carta Régia de 20 de Outubro de 1698, opud MARQUES PINHEIRO, F. B. –<br />
Irman<strong>da</strong>de do S. S. <strong>da</strong> Freguezia de N. S. <strong>da</strong> Candelaria, etc. Op. cit., pág. 107.<br />
(**) Carta Régia de 20 de Outubro de 1698, apud, MARQUES PINHEIRO, F. B. –<br />
Irman<strong>da</strong>de do S. S. Sacramento <strong>da</strong> Freguezia de N. S. <strong>da</strong> Candelária, Op. cit., pág.<br />
248.
– 80 –<br />
número superior a 300, número êsse muito elevado para a época, porém<br />
testemunhado pelos médicos convocados para tratar do assunto pela<br />
diligência do Ouvidor. Nessa representação, sugeria-se que do subsídio do<br />
imposto criado para as obras do encanamento <strong>da</strong>s águas <strong>da</strong> Carioca –<br />
Aqueduto – que passaram <strong>da</strong> Câmara para a Fazen<strong>da</strong> Real, se tirasse<br />
30.000 cruzados e na informação o Ouvidor solicitava também, o<br />
excedente de 30.000 cruzados sobre o donativo do povo de 800.000<br />
cruzados, destinados a ocorrer às despesas dos casamentos reais. Êste<br />
Ouvidor sugeria ain<strong>da</strong> a criação de uma contribuição real ''São Lázaro" e<br />
que o dinheiro <strong>da</strong> Companhia de Vinhos do Alto Douro, a ser restituído à<br />
Ci<strong>da</strong>de, fôsse aplicado na construção do lazareto. (3)<br />
O governo metropolitano pediu informações ao Conde de<br />
Bobadella, as quais, MARQUES PINHEIRO acredita terem sido boas, porém,<br />
o certo é que a idéia não foi avante. (3)<br />
Em 1740, o Dr. EUZEBIO FERREIRA foi enviado ao Rio de Janeiro,<br />
por D. João V, para opinar sôbre o problema <strong>da</strong> lepra. Êste, em relatório<br />
declarou que o número de doentes era pequeno e que não havia<br />
necessi<strong>da</strong>de de hospital para os mesmos. (69)<br />
No ano seguinte, dois médicos, DRS. RRANCISCO TEIXEIRA e JOSÉ<br />
RODRIGUES FRÓES, redigiram na côrte o primeiro regulamento para<br />
combater a lepra no Brasil (69) e talvez, em Portugal. (*)<br />
Segundo SOUZA ARAUJO (24) nêsse regulamento considerava-se a<br />
lepra moléstia contagiosa, estabelecia-se o tratamento dos doentes,<br />
considerando como curáveis os casos incipientes, determinava-se o<br />
isolamento dos leprosos, segundo o seu sexo e condição social, em asilos<br />
especiais; recomen<strong>da</strong>va-se a segregação dos filhos de doentes e rigor na<br />
seleção dos imigrantes africanos; instituia-se uma alimentação apropria<strong>da</strong><br />
aos doentes, recor<strong>da</strong>va-se a confusão possivel <strong>da</strong> lepra e a sífilis e<br />
promulgavam-se outras medi<strong>da</strong>s.<br />
Êste regulamento foi remetido, ao então Governador do Rio de<br />
Janeiro, Capitão General GOMES FREIRE DE ANDRADE, conde de<br />
Bobadela.<br />
__________________<br />
(*) Em relação a Portugal, escreve J. BARROS, citado por CARVALHO: "nos<br />
monumentos legislativos, quer de direito comum, quer municipal, não se acham<br />
preceitos atinentes à polícia dos lerosos''. CARVALHO, S. A. – ''História <strong>da</strong> lepra em<br />
Portugal'', Porto, 1932. Pág. 13.
– 81 –<br />
Mas, tô<strong>da</strong> essa série de providências em na<strong>da</strong> resolvia o problema,<br />
e parece mesmo que o Conde de Bobadela, sem esperanças mais de uma<br />
providência oficial tomou a si a iniciativa e mandou construir à sua<br />
própria custa pequenas habitações toscas ou choupanas, sitas no Campo<br />
de São Cristovão a pequena distância do Convento, lugar considerado<br />
afastado, onde os leprosos já há muitos anos se agrupavam. (69)<br />
Falecendo o Conde de Bobadela em 1763, por intervenção do Frei<br />
BENEDITO ANTONIO DO DESTERRO, os enfermos passaram a ser cui<strong>da</strong>dos<br />
pela Irman<strong>da</strong>de de N. S. <strong>da</strong> Candelaria. A pedido do Conde <strong>da</strong> Cunha e<br />
com autorização do Rei D. José, foram os doentes removidos <strong>da</strong>s casas<br />
construí<strong>da</strong>s pelo Conde de Bobadela para o Convento dos Jesuitas,<br />
próximo <strong>da</strong>quelas, e então deshabitado em consequência <strong>da</strong> ordem de<br />
expulsão, determina<strong>da</strong> pelo Marquês de Pombal àqueles religiosos.<br />
O regulamento instituido em 17 de Fevereiro de 1766 contem<br />
dispositivos perfeitamente de acôrdo com a moderna profilaxia <strong>da</strong> lepra.<br />
Esta foi a origem do Hospital Frei Antonio ain<strong>da</strong> existente na Capital <strong>da</strong><br />
República.<br />
3. NA BAHIA – Em 1762, o Conde dos Arcos projetou construir<br />
na Bahia, um Asilo melhor do que o que alí encontrara, entretanto, não o<br />
conseguiu por falta de meios. (72) Só mais tarde, em 1784, o Governador<br />
General D. RODRIGO JOSÉ DE MENEZES, que era filho do Marquês de<br />
Marialva, fi<strong>da</strong>lgo <strong>da</strong> Casa de Portugal, removeu os leprosos que alí<br />
encontrara, para a fortaleza do Barbado, e <strong>da</strong>lí fê-los internar a 21 de<br />
Agôsto de 1787, no Convento dos Jesuitas, vago pela expulsão dos<br />
mesmos e arrematado em hasta pública por seis contos, quantia essa,<br />
consegui<strong>da</strong> por êle com esmolas. Instituiu um regulamento tão perfeito,<br />
que poderia ser aplicado até hoje, quase integralmente. (6)<br />
4. EM SÃO PAULO – Em São Paulo, o governador Capitão<br />
General D. LUIZ ANTONIO BOTELHO MOURÃO, Morgado de Mateus, que<br />
já enviara uma carta ao Marquês de Pombal, primeiro Ministro do Rei,<br />
revelando a situação grave <strong>da</strong> endemia leprosa na Capitania por êle<br />
administra<strong>da</strong>, ordenou o isolamento dos doentes de tô<strong>da</strong>s as vilas, e rogou<br />
ao Vigário Capitular man<strong>da</strong>sse fazer preces públicas em tô<strong>da</strong>s as<br />
freguezias. (1)<br />
F. – 6
– 82 –<br />
Havia determinado também, a construção de um lazareto em<br />
Parnaíba, às margens do Tieté, por meio de esmolas arreca<strong>da</strong><strong>da</strong>s por<br />
pedidores aos domingos e dias santos.<br />
Na correspondência troca<strong>da</strong> com os juizes vereadores e mais<br />
oficiais <strong>da</strong> Câmara de Jacareí, nota-se a linguagem enérgica emprega<strong>da</strong> na<br />
determinação de isolar os morféticos, pois, em caso contrário, dizia o<br />
Morgado de Mateus: “procederey contra V. Mes. naqueles meyos que me<br />
parecerem mais justos em matéria de tanta necessi<strong>da</strong>de e importancia”. (1)<br />
O Morgado Mateus que chegára mesmo a man<strong>da</strong>r serrar madeiras<br />
para a construção de casas que serviriam de lazareto, deixou de levar<br />
adiante o seu projeto, pois que, pensava já não ser isso mais necessário<br />
“por se ter aplicado mais êste ascoute por estas partes” graças às medi<strong>da</strong>s<br />
que havia tomado. (1)<br />
O Morgado de Mateus se iludira a respeito <strong>da</strong> diminuição <strong>da</strong><br />
moléstia. Em outra carta ao Marquês de Pombal (28 de março de 1770)<br />
afirmava que apesar de atenuado o mal de S. Lázaro por algum tempo,<br />
depois <strong>da</strong>s medi<strong>da</strong>s toma<strong>da</strong>s, o mesmo voltará, declarando-se em muitas<br />
pessoas e em diferentes partes “tristíssimo s sintomas desta voracíssima<br />
queixa, para a qual se não pode descobrir remédio. Deus, pelo puríssimo<br />
leite que recebeu <strong>da</strong> Virgem Maria Nossa Senhora, permita abran<strong>da</strong>r o<br />
maligno influxo <strong>da</strong>s Estrelas para que não fira mais este povo” (1)<br />
Outros governadores <strong>da</strong> Capitania não ficaram indiferentes ao<br />
problema <strong>da</strong> lepra.<br />
O Capitão General e provedor <strong>da</strong> Santa Casa de Misericórdia,<br />
ANTONIO MANUEL DE MELO E CASTRO MENDONÇA (1799) fêz votar uma<br />
mesa<strong>da</strong> de 1$600, ou diária de mais de tostão a ca<strong>da</strong> um para o sustento<br />
dos morféticos em suas residências, enquanto não se fizessem<br />
arranchamentos para a sua reclusão. (1)<br />
O governador FRANCA E HORTA, arremata um terreno num<br />
subúrbio de S. Paulo, a antiga Olaria, entregando-o à Santa Casa, para<br />
nele ser construido, à custa de subscrições públicas, entre as pessoas mais<br />
notáveis, o antigo e famoso Hospital dos Lázaros <strong>da</strong> Capital de S. Paulo.<br />
(1)<br />
Outra, acompanha<strong>da</strong> de um mapa de freqüencia <strong>da</strong> moléstia nos<br />
asilos de “Serra Acima” que hoje correspondem às ci<strong>da</strong>des <strong>da</strong> Estra<strong>da</strong> de<br />
Ferro Central do Brasil, dizia <strong>da</strong> gravi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> situação, pois o número de<br />
295 doentes, caso não fôsse exato, o seria para mais.
– 83 –<br />
Muitas pessoas ocultavam seu mal. Era de autoria do grande<br />
Marechal de Campo, AROUCHE TOLEDO RONDON, que com grande visão<br />
dos problemas nacionais de povoamento dizia: – “Se o aumento <strong>da</strong><br />
povoação no Reino do Brasil tem merecido a attenção de El Rey Nosso<br />
Senhor para procurar novos colonos, porque não deverá merecer a Raça já<br />
existente, que se vai aniquilando com este contagioso flagelo”. (1)<br />
OEYNHAUSEN fêz um inquérito, enviando uma carta circular a<br />
tô<strong>da</strong>s as vilas, cabeças de estra<strong>da</strong>s, que partiam de S. Paulo; esta carta<br />
deveria ser envia<strong>da</strong>, como o foi, a tô<strong>da</strong>s as vilas do interior e litoral, no<br />
território que compreendia os atuais Estados de S. Paulo e Paraná.<br />
Solicitava a verificação, a mais exata possível, do número de doentes<br />
existentes nos diversos distritos, afim de serem toma<strong>da</strong>s as necessárias<br />
providências para isolá-los e socorrê-los. (1)<br />
As cartas e mapas recebidos por OEYNHAUSEN constituem valioso<br />
acervo cujos <strong>da</strong>dos importantís simos foram publicados por F. MAURANO<br />
(2)<br />
. Poude êsse autor fazer um ver<strong>da</strong>deiro estudo epidemiológico<br />
retrospectivo <strong>da</strong> endemia no Estado de São Paulo nos derradeiros anos do<br />
regime colonial. (1)<br />
5. MATO GROSSO – Em Mato Grosso, o Governador<br />
Oeynhausen, preocupado com o mal que se alastrava entre os escravos,<br />
apressou-se em organizar a “Real Casa Pia de S. Lázaro”. Encontrára um<br />
precioso legado de Manoel Fernandes Guimarães, falecido em 1775, de<br />
valor superior a sessenta contos, que atenderia as despesas de mais vulto.<br />
Além disso, conseguiu aprovação <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de superior fazendo-se<br />
procurador e andou angariando donativos. (73)<br />
Diz um historiador, que só numa viagem de Cuiabá a Vila Bela,<br />
com cêrca de 100 léguas de distância, arrolou 266 ½ oitavos de ouro, 124<br />
bois, 6 poldros, 230 alqueires de feijão, 11 de arroz. (1)<br />
Transferiu-se o crédito existente de dotação testamentária para o<br />
Erário Real, verificando que a referi<strong>da</strong> dotação testamentária constava de<br />
obrigações, pelas quais respondiam mais de 60 devedores, em geral<br />
dedicados à agricultura e criação, e que não tinham pressa em sal<strong>da</strong>r seus<br />
débitos, embora os garantissem com haveres suficientes. (1)<br />
Oeynhausen, concebeu e executou um plano em conseqüência do<br />
qual a Real Fazen<strong>da</strong>, tomou por empréstimo a dívi<strong>da</strong> existente,<br />
escritura<strong>da</strong> à conta de Guimarães, e em compensação fêz-se credora dos<br />
devedores <strong>da</strong> herança. Desta
– 84 –<br />
forma, os devedores sal<strong>da</strong>ram seus débitos com gêneros por êles<br />
produzidos. (1)<br />
Assim foi construído o Hospital S. João dos Lázaros de Cuiabá,<br />
inaugurado a 25 de abril de 1816. (1)<br />
Êstes são os atos principais verificados no Brasil Colônia. Por êles<br />
se verifica que não poucos governadores possuiam visão do problema e<br />
faziam o que podiam para pôr côbro à situação alarmante determina<strong>da</strong><br />
pela moléstia. Si não se quizer reconhecer qualquer valia como ação<br />
profilática, resta, no entanto, à mostra, o espírito humanitário que os<br />
animava amparando essa classe de doentes, infelizes por muitos títulos.<br />
B) AS MEDIDAS OFICIAIS TENTADAS NO PERÍODO COLONIAL<br />
Os apêlos que, no tempo do Império, os presidentes provinciais<br />
faziam às Câmaras Legislativas de diversas provincias, solicitando<br />
medi<strong>da</strong>s para combater a lepra, são provas de que a lepra não diminuia de<br />
intensi<strong>da</strong>de no país, mesmo nas províncias que possuiam hospitais de<br />
lázaros, como São Paulo e Pará. (1)<br />
1. EM SÃO PAULO – Em 1825, o Conselho Provincial de S.<br />
Paulo solicitava a creação de 3 asilos na província de S. Paulo, e a<br />
extensão ao asilo <strong>da</strong> Capital, dos benefícios estatuídos ao hospital dos<br />
lázaros <strong>da</strong> côrte do Rio de Janeiro. As vilas de Serra-Acima eram grandes<br />
fócos, tanto que em 1852 foram registrados 819 morféticos.<br />
Nessa mesma província os apêlos eram reiterados à Câmara<br />
Legislativa, fazendo ver aos seus membros a necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> creação de<br />
um ou mais hospitais na província, pois os lazaretos existentes eram<br />
completamente inadequados. O hospital dos lázaros <strong>da</strong> Capital era por tal<br />
forma impróprio, destinando-se a 20 doentes no máximo, que o govêrno,<br />
certa vez, tendo autorizado por lei a se lhe <strong>da</strong>r regulamento, êste não foi<br />
feito, por desnecessário e mesmo a Santa Casa Casa deixou de solicitar o<br />
auxílio governamental.<br />
De todos os presidentes provinciais de S. Paulo, merece destaque o<br />
Conselheiro Saraiva. Mercê de sua iniciativa foi vota<strong>da</strong> uma lei, em 1855,<br />
creando um lazareto para 200 morféticos mendigos, na Fazen<strong>da</strong><br />
Sant’Anna ou em outro ponto mais conveniente.<br />
Êste presidente de S. Paulo, considerando a lepra moléstia muito<br />
dissemina<strong>da</strong> na Província, e no propósito de
– 85 –<br />
<strong>da</strong>r execução a uma lei que man<strong>da</strong>ra fazer um regulamento policial e<br />
sanitário, indicou o Dr. Ernesto Benedito Ottoni para estu<strong>da</strong>r a questão.<br />
Em brilhante relatório publicado por MAURANO (1) , o Dr. Ottoni<br />
recomen<strong>da</strong>va, antes de tudo, dentro dos ditames <strong>da</strong> higiene, a construção<br />
de um hospital. Muito do que hoje se está fazendo entre nós, está nele<br />
previsto. Assim a plurali<strong>da</strong>de de leprosários para servir a várias zonas <strong>da</strong><br />
província; a necessi<strong>da</strong>de de serem os hospitais de fácil acesso e sob a<br />
administração oficial, o tipo mais adequado de alojamentos, que lembram<br />
os atuais “Carvilles”, o trabalho dos doentes em função de tratamento.<br />
Além disso, fêz considerações muito judiciosas sôbre a curabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />
lepra, a contagiosi<strong>da</strong>de, a hereditarie<strong>da</strong>de, o casamento entre doentes, a<br />
necessi<strong>da</strong>de de estudos sôbre tratamento. Dispôs a respeito as atribuições<br />
do pessoal são, necessário, a disciplina dos doentes, visitas, penali<strong>da</strong>des a<br />
ser impostas e sua separação, segundo as formas, enfim, sôbre a<br />
concessão de altas.<br />
A Província prestaria uma dotação anual e o Govêrno, de acôrdo<br />
com a primeira autori<strong>da</strong>de eclesiástica, promoveria a aquisição de<br />
esmolas em benefício do estabelecimento em todos os municípios onde<br />
não existisse uma instituição semelhante.<br />
Entretanto, o orçamento apresentado pelo engenheiro que levantara<br />
a planta do edifício excedia <strong>da</strong> consignação de trinta e seis contos e<br />
também os recursos <strong>da</strong> província, e não estando revoga<strong>da</strong> a lei, o<br />
presidente, que sucedeu ao Conselheiro Saraiva, o Dr. José Joaquim<br />
Fernandes Torres, ao abrir a Assembléia Legislativa em 1858, teceu<br />
considerações pouco favoráveis a respeito. “O lazareto não comportaria<br />
todos os doentes <strong>da</strong> Província, seria difícil e de grandes sacrifícios e nem<br />
mesmo fácil seria, isolar os doentes. Aumentar-se-ia mais uma desgraça,<br />
tirando-lhes a liber<strong>da</strong>de. Melhor seria a construção de pequenos asilos,<br />
auxiliados pelo Govêrno, para acorrer às maiores necessi<strong>da</strong>des dos<br />
morféticos, afim de que não vagassem pelas praças públicas, esmolando.<br />
A lepra já se tratava, e segundo os mais célebres autores, não era na<strong>da</strong><br />
contagiosa. Decrescia com a civilização, higiene e melhor alimentação.<br />
Assim fôra na Europa. Quando lá aparecia um caso, era tratado a<br />
domicilio si tivesse meios, em caso contrário, ia às enfermarias comuns, e<br />
ninguém temia o contágio”.<br />
“O mesmo acontecerá entre nós” acrescentava, mas infelizmente<br />
como todos nós sabemos, perto de um século depois, is so não aconteceu...
– 86 –<br />
2. MINAS GERAIS – Em outras províncias foi no Império que se<br />
cogitou de tomar medi<strong>da</strong>s pela primeira vez.<br />
O Visconde de S. Leopoldo (64) , ministro de Estado dos Negócios<br />
do Interior, em 1826, em ofício ao Dr. Francisco Pereira Apolonio,<br />
presidente <strong>da</strong> província de Minas Gerais, pedia informações sôbre “qual o<br />
número aproximado dos morféticos existentes, e si havia algum prédio<br />
rústico e de proprie<strong>da</strong>de nacional que pudesse ser convertido em<br />
Lazareto, e não havendo, qual seria o sítio mais apropriado para a mora<strong>da</strong><br />
de tais enfermos; tendo-se em atenção, não só a locali<strong>da</strong>de, mas também<br />
as águas, ares e terras, afim de ser comprado pela nação, que meios<br />
pecuniários se podiam haver para a edificação e manutenção dêsse<br />
hospital”.<br />
O presidente de Minas respondeu que havia na província<br />
“aproxima<strong>da</strong>mente 100 leprosos e que, nesta ordem, não poderia eluci<strong>da</strong>r<br />
si homem algum era abastado, e que todos aqueles de quem se tem notícia<br />
são ver<strong>da</strong>deiramente pobres”.<br />
3. MARANHÃO – No Maranhão (17) em 1826, em Sessão do<br />
Conselho Provincial de julho dêsse ano, requereu o Barão de Pin<strong>da</strong>ré “que<br />
se edificassem dois ou mais hospitais para se recolherem os lazarentos<br />
escravos e livres, etc.”. Dois mêses depois, pedindo o Conselho<br />
providências, o Govêrno Imperial informava “haver aqui muitas pessoas<br />
ataca<strong>da</strong>s de morféa”.<br />
Em 1830, o presidente provincial consegue <strong>da</strong> Câmara, a<br />
instalação de uma pequena casa, situa<strong>da</strong> atrás do Cemitério <strong>da</strong> Santa<br />
Casa, à rua do Passeio, que se tornou Hospital de Lázaros, funcionando<br />
até 1869, subvencionado pelo govêrno, e mais tarde, outro presidente<br />
provincial mandou edificar o hospital que foi o célebre “Asilo do Gavião”<br />
em 1869. (9)<br />
4. AMAZONAS – Por fim, no Amazonas, em 1889, seu<br />
governador comprou um terreno à margem do Arroio Grande (hoje sede<br />
de Matadouro Público), e o entregou à Santa Casa para ser fun<strong>da</strong>do um<br />
lazareto destinado aos doentes de lepra, que an<strong>da</strong>vam vagando pelas ruas<br />
<strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. Uma vez creado, com o nome de “Lazareto Barão de Manáus”,<br />
teve duração efêmera. (9)<br />
5. O interêsse do General FRANCISCO JOSÉ DE SOARES<br />
D’ANDRÉA, pelo problema <strong>da</strong> lepra no Pará e em Minas Gerais – Digno<br />
de admiração nêsse período político, foi o general Francisco José de<br />
Souza Soares D’Andréa, Barão de Caçapa, pelo seu interêsse na luta<br />
contra a lepra, tanto no
– 87 –<br />
Pará, onde foi seu primeiro presidente, como mais tarde em Minas Gerais,<br />
onde também chefiou o govêrno.<br />
No Pará (9) um dos seus primeiros atos, em 1838, foi man<strong>da</strong>r fazer<br />
a estatística dos leprosos de Belem, “um mapa demonstrativo do mal <strong>da</strong><br />
morphéa”, de cujo serviço incumbiu a Santa Casa, que por sua vez<br />
confiou a pessoas leigas, tais como inspetores de quarteirão. O censo<br />
revelou a existência de 79 doentes para uma população de mais de 13.000<br />
habitantes. Além do censo, adquiriu a Fazen<strong>da</strong> do Pinheiro para sede de<br />
um novo leprosário que aliás nunca foi criado. Mandou um memorial à<br />
Assembléia e solicitou uma lei de profilaxia a qual sancionou.<br />
Em Minas Gerais (64) quando presidente, D’Andréa, pedia a<br />
atenção e o interesse <strong>da</strong> Assembléia Legislativa Provincial para a solução<br />
do grave problema: “si alguma província está na necessi<strong>da</strong>de de ter um<br />
bom hospital de lázaros, é sem dúvi<strong>da</strong> esta de Minas Gerais pela<br />
imensi<strong>da</strong>de de vítimas que tem dêste flágelo”.<br />
A lei n.° 148 de 6 de abril de 1839 permitia a creação de um<br />
hospital de cari<strong>da</strong>de em ca<strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de ou vila que não tivesse êste<br />
benefício; “mas nem isso é negócio para já, pois depende <strong>da</strong> cari<strong>da</strong>de<br />
pública, que nem sempre é fervorosa, nem deve esperar-se ou querer-se<br />
que tais hospitais sejam tão amplos que possam ter separa<strong>da</strong>mente os<br />
lázaros. Se fôsse possível ter um bom hospital de lázaros em ca<strong>da</strong><br />
comarca, seria isto bastante, mas não são desejos que se realizem nestes<br />
tempos mais próximos; e como é melhor um que nenhum, proponho que<br />
autorizeis a criação, e consigneis uma quantia anual e invariável para êsse<br />
fim”.<br />
“O hospital de lázaros deve ser estabelecido em lugar ameno e<br />
próximo desta capital, ou em geral <strong>da</strong> séde <strong>da</strong> administração <strong>da</strong> Província,<br />
para poder ser visitado pelas primeiras autori<strong>da</strong>des dela”.<br />
“Deve ter espaço de terreno destinado a jardim ou horta, em que os<br />
homens que não tiverem ofício possam empregar-se em cultivar algumas<br />
cousas, para regalo mesmo dos enfermos. Deve ter oficinas separa<strong>da</strong>s<br />
para homens e mulheres, em que ca<strong>da</strong> um possa empregar-se em alguma<br />
cousa útil em seu proveito ou <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de, por que enfim a ociosi<strong>da</strong>de<br />
deve ser bani<strong>da</strong> dêste estabelecimento”.<br />
“Podem haver anexos a êste hospital casas separa<strong>da</strong>s, com tô<strong>da</strong> a<br />
decência e tô<strong>da</strong>s as comodi<strong>da</strong>des convenientes para que pessôas de<br />
melhor condição possam aí recolher-se, querendo, sem se lhes restar<br />
senão a casa, ou mesmo sendo-
– 88 –<br />
lhes estas aluga<strong>da</strong>s, segundo a experiência mostrar que convém”.<br />
“Não podendo ser o fim dêste hospital desde já ou por que a todos<br />
quantos estão afetados deste mal, porque isto seria hoje impossíível, e<br />
talvez inconveniente ou impraticável em todos os tempos, deve contudo<br />
servir para se recolherem, por vontade ou por fôrça, êsses que an<strong>da</strong>m<br />
mendigando, ou que, por uma vi<strong>da</strong> deboxa<strong>da</strong> e licenciosa, só servem para<br />
generalizar ain<strong>da</strong> mais êste flagelo”.<br />
“Deve servir, e muito, um hospital de lázaros bem montado para<br />
ser entregue ao saber e habili<strong>da</strong>de de alguns facultativos que, à custa de<br />
esforços e tentativas, possam ain<strong>da</strong> descobrir algum meio de curar esta<br />
enfermi<strong>da</strong>de ou de prevenir a sua propagação”.<br />
6. Apreciação sôbre a ação oficial nesse período – Nêsse longo<br />
período em que alguns presidentes provinciais evidenciaram seu espírito<br />
de alta visão, nenhum ato concreto e de valia se executou para refreiar o<br />
mal que grassava livremente, não obstante algumas leis promulga<strong>da</strong>s e<br />
não leva<strong>da</strong>s adiante. (*)<br />
J. L. Magalhães, atribue à tendencia existente naquele período em<br />
se considerar a lepra, mais como enfermi<strong>da</strong>de hereditária do que<br />
contagiosa, a menos solicitude havi<strong>da</strong> para com o seu problema,<br />
relativamente ao periodo colonial.<br />
Contudo, não se pode deixar de reconhecer que no tempo do<br />
Império êsses governadores não se negavam, quando solicitados, de<br />
auxiliar os hospitais existentes e aos doentes, (como por exemp lo, os que<br />
vagavam no Município de Bananal), seja diretamente, como na época<br />
Colonial por meio de subvenções, seja indiretamente, como no Amazonas<br />
e em S. Paulo, por meio de loterias e multas.<br />
Chegavam mesmo a auxiliar médicos, como o cirurgião LAGARDE,<br />
que oferecia um método que lhe parecia seguro para a cura <strong>da</strong> lepra, e até<br />
mesmo, a charlatães como no caso de Pedro Etchoin, que estabelecera um<br />
lazareto em Itapetininga.<br />
Outros achavam que se man<strong>da</strong>ssem vir médicos hábeis <strong>da</strong> Europa,<br />
ou do Rio, para estu<strong>da</strong>r a moléstia e coligir informações sôbre clima,<br />
água, alimentos, hábito e vi<strong>da</strong> dos<br />
__________________<br />
(*) Uma lei mineira de 10 de Abril de 1845, criava um “Hospital de S. Lázaro<br />
para o tratamento dos enfermos de elefantiase” em VEIGA, X. J. O.: “Efemérides<br />
Mineiras” (1664-1897). Vol. 1. Abril e Junho, Ouro Preto, 1897, pág. 47.
– 89 –<br />
doentes, além de outras circunstâncias; seriam conheci<strong>da</strong>s as causas,<br />
habilitando as autori<strong>da</strong>des a tomar medi<strong>da</strong>s higiênicas convenientes.<br />
C) A ASSISTÊNCIA PARTICULAR AOS DOENTES DE LEPRA NO<br />
BRASIL<br />
A sorte dos leprosos, não deixou indiferente o povo brasileiro,<br />
caridoso por índole.<br />
Filântropos, sacerdotes, associações religiosas ou leigas, e o povo<br />
em geral, desemp enharam relevante papel na assistência aos doentes de<br />
lepra, durante o longo tempo em que as autori<strong>da</strong>des não faziam obra<br />
decisiva e completa. Não obstante o interêsse e a iniciativa de algumas<br />
delas, em assistência aos doentes de lepra, durante o longo tempo em<br />
regra, as medi<strong>da</strong>s oficiais, quando acaso leva<strong>da</strong>s adiante, traduziam<br />
apenas, atos fragmentários, isolados, sem a devi<strong>da</strong> inter-relação e a<br />
necessária continui<strong>da</strong>de; ineficazes em suma, tanto para ca<strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de<br />
como para a nação.<br />
FILANTROPOS – Na época colonial vários foram os legados e<br />
doações destinados expressamente à construção de asilos para doentes de<br />
lepra.<br />
Segundo SIGAUD, citado por MAGALHÃES (7) , “um filântropo,<br />
cujo nome não menciona, fêz construir, em 1771, na serra do Coraça, em<br />
Minas Gerais, um asilo que denominou “Nossa Senhora Mãe dos<br />
Homens” mais tarde transformado em casa de educação”. Entretanto<br />
Orsini nos afirmou que “Coraça” nunca foi asilo de leprosos No ano de<br />
1787, Antonio Abreu Guimarães, negociante português de vastos recursos<br />
pecuniários, legou um vínculo, chamado de Jagoára, que em parte se<br />
destinava à construção de um hospital para lázaros, em Sabará. Êste<br />
hospital só foi inaugurado em 1883, pouco mais de um século depois, e<br />
ain<strong>da</strong> existe. (71)<br />
Ain<strong>da</strong> em Minas Gerais, segundo MAGALHÃES, em 1802,<br />
Manuel Jesus Fortes e outros, fun<strong>da</strong>ram o hospital de lázaros de S. João<br />
d’El Rey, que constava de uma enfermaria anexa à Santa Casa. (7)<br />
Em Mato Grosso, em 1775, Manuel Fernandes Guimarães, de Vila<br />
Bela, lega em testamento, cem mil cruzados para um hospital idêntico,<br />
que aliás, só foi construido em Cuiabá, muito mais tarde, em 1815, graças<br />
ao governador Visconde de Oeynhausen. (16)<br />
E’ o atual hospital S. João dos Lázaros dessa ci<strong>da</strong>de.
– 90 –<br />
Em Piracicaba, também mercê <strong>da</strong> cari<strong>da</strong>de de Manuel Ferraz de<br />
Arru<strong>da</strong> Campos, fundou-se um asilo em 1887. (1)<br />
2. SACERDOTES – O sacerdócio brasileiro, pode honrar-se<br />
também de seus ilustres e caridosos representantes, na história <strong>da</strong> lepra no<br />
Brasil.<br />
No longinquo ano de 1714, o padre Antonio Manuel, condoendose<br />
de alguns lázaros <strong>da</strong> povoação <strong>da</strong> Freguezia do O’, “que vira como<br />
brutos pelos campos” trouxe -os, recolhendo-os em sua própria casa, no<br />
local em que hoje se acha o Colégio S. José. Foi a origem do hospital de<br />
Lázaros de Pernambuco. (9)<br />
No Maranhão, o provincial Frei Antonio de Sá, levanta um<br />
hospital na ponta do Bomfim, o qual, em 1785 foi transformado em<br />
hospital de variolosos. (9)<br />
Em S. Paulo, um padre ituano, Antonio Pacheco <strong>da</strong> Silva,<br />
construiu à sua própria custa, o asilo que foi o hospital dos Lázaros de Itú<br />
e onde exerceu sua profun<strong>da</strong> e piedosa cari<strong>da</strong>de, o padre Bento Dias<br />
Pacheco. (1)<br />
3. ASSOCIAÇÕES RELIGIOSAS – Das associações religiosas<br />
merece destaque a ação <strong>da</strong>s Santas Casas de Misericordia de várias<br />
ci<strong>da</strong>des brasileiras.<br />
No Pará, a Santa Casa instalou o Asilo de Tocunduba, em 1815,<br />
atendendo um pedido do Nobre Senado <strong>da</strong> Câmara. Anos antes, em 1804,<br />
solicitára ao Conde dos Arcos, para êsse fim, permissão régia para um<br />
plano de loterias. (74) Manteve êste asilo até 1932, em colaboração com o<br />
Estado. (9)<br />
No Amazonas, em Manaus, até 1905, os doentes eram recolhidos<br />
em cômodos do antigo hospital, e mesmo quando removidos para o<br />
Umirisal, em 1906, continuaram sob a direção e manutenção <strong>da</strong> Santa<br />
Casa. (11)<br />
No Maranhão, a Santa Casa de S. Luiz manteve os dois asilos que<br />
ali existiam, o de S. Luiz e o de Gavião (9) , êste último em colaboração<br />
com o Govêrno do Estado e a Socie<strong>da</strong>de Beneficente que o administrava.<br />
(75)<br />
Em Pernambuco o hospital de Santo Amaro, foi a princípio,<br />
mantido pela Santa Casa de Olin<strong>da</strong>, mais tarde, pela de Recife. (9) Em<br />
Minas Gerais, na ci<strong>da</strong>de de S. João d’El Rey, a Santa Casa desde 1806,<br />
mantinha uma enfermaria anexa ao Hospital. (7)<br />
Em S. Paulo, a Santa Casa, em 1802, incumbiu-se <strong>da</strong> construção<br />
do antigo hospital de Lázaros <strong>da</strong> Capital, cujo terreno fôra arrematado por<br />
um governador, também pro-
– 91 –<br />
vedor <strong>da</strong> Santa Casa. Êste hospital foi mantido até a sua extinção em<br />
1904, sómente com interrupção de 1856 a 1879. (1)<br />
Extinto êsse hospital, a Santa Casa construiu outro em um<br />
arrabalde <strong>da</strong> Capital, o antigo e célebre “Hospital de Guapira”, que deixou<br />
de existir com a inauguração do “Asilo Colônia Santo Ângelo” para cuja<br />
construção, a aludi<strong>da</strong> Santa Casa de Cari<strong>da</strong>de teve papel saliente.<br />
O mesmo fato verificou-se com os hospitais de lázaros de Itú e<br />
Piracicaba, que após a morte de seus fun<strong>da</strong>dores, passaram a ser<br />
administrados pelas Santas Casas locais.<br />
Na Bahia, o hospital “D. Rodrigo José de Menezes”, em 1894, foi<br />
entregue à Santa Casa, sendo em 1912, devolvido ao Estado. (52)<br />
Em Mato Grosso, o hospital S. João dos Lázaros, passou também à<br />
administração de uma associação idêntica. (76)<br />
O hospital de Lázaros de Sabará, para cuja fun<strong>da</strong>ção um<br />
benemérito deixara um legado desde 1789, só foi inaugurado em 1883<br />
pela Santa Casa local. (71)<br />
A irman<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Candelária do Rio de Janeiro, tutela desde a sua<br />
instalação no prédio atual, o antigo “Hospital Frei Antonio” (69) ain<strong>da</strong> hoje<br />
ali existente.<br />
Anteriormente, o benemérito Conde de Bobadela dera à Ordem de<br />
Santo Antonio a incumbência de cui<strong>da</strong>r dos lázaros, internados nas toscas<br />
e pequenas casas que man<strong>da</strong>ra construir à sua custa.<br />
Em S. Paulo, de 1856 a 1879, uma associação religiosa – a<br />
Irman<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Conceição e S. João Batista, zelava pelo antigo Hospital de<br />
Lázaros <strong>da</strong> Capital. (1)<br />
Em Goiáz, a Igreja Cristã Evangélica, mantem, atualmente, nas<br />
ci<strong>da</strong>des de Catalão e na Ilha Bananal, dois pequenos asilos. (19)<br />
4. ASSOCIAÇÕES CIVIS – Não menos relevante foi a ação <strong>da</strong>s<br />
socie<strong>da</strong>des organiza<strong>da</strong>s pelo povo para amparar as necessi<strong>da</strong>des dos<br />
doentes de lepra.<br />
Em S. Paulo, grande foi o número de socie<strong>da</strong>des organiza<strong>da</strong>s a<br />
partir de 1900 até por volta de 1930, que, em sua maioria, fun<strong>da</strong>vam<br />
asilos ou mantinham os existentes, alguns, com certo confôrto, como os<br />
de Rio Claro. (1)<br />
No Acre, a Santa Casa de Rio Branco, em 1931, instalou o<br />
“Lazareto Souza Araujo”. (75)<br />
Destas socie<strong>da</strong>des, três merecem, em S. Paulo, destaque especial.<br />
Uma é a Associação “Santa Terezinha do Menino Jesus” a pioneira no<br />
Brasil <strong>da</strong>s Socie<strong>da</strong>des destina<strong>da</strong>s a
– 92 –<br />
amparar filhos dos doentes de lepra, cuja realização é o “Asilo Santa<br />
Terezinha do Menino Jesus” fun<strong>da</strong>do em 1927 em Carapicuiba, próximo<br />
à ci<strong>da</strong>de de S. Paulo. Na sua efetivação teve papel saliente Dona<br />
Margari<strong>da</strong> Galvão. (1)<br />
Outra foi a Associação Protetora de Morféticos, socie<strong>da</strong>de de<br />
carater religioso, fun<strong>da</strong><strong>da</strong> em 7 de março de 1917 por elementos de<br />
destaque <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de paulistana por sugestão do Dr. José Carlos de<br />
Macedo Soares, mordomo do Hospital de Guapira de 1916 a 1920, e<br />
encabeçado pelo Arcebispo de S. Paulo, D. Duarte Leopoldo, e por<br />
influência de Emílio Ribas.<br />
Esta associação propunha-se a socorrer os morféticos asilados ou<br />
não, amparar as famílias dos internados, proteger-lhes os filhos, prestar<br />
assistência judicial, metodizar os esforços <strong>da</strong> cari<strong>da</strong>de, fazer propagan<strong>da</strong><br />
higiênica e auxiliar a Santa Casa nas mesmas finali<strong>da</strong>des.<br />
Concretizou sua ação, como veremos mais adiante, doando<br />
terrenos à Santa Casa, para nêles se construir o “Asilo Colônia Santo<br />
Ângelo”.<br />
Afinal, a Socie<strong>da</strong>de de Assistência aos Lázaros e Defesa contra a<br />
Lepra, fun<strong>da</strong><strong>da</strong> em 1926, por Dona Alice de Toledo Tibiriçá em S. Paulo,<br />
cuja ativa propagan<strong>da</strong> contribuiu bastante para chamar a atenção do povo<br />
para o problema <strong>da</strong> lepra, no Estado de S. Paulo. Fun<strong>da</strong>ndo outras<br />
socie<strong>da</strong>des congêneres em várias ci<strong>da</strong>des de São Paulo mais tarde partia<br />
dela a idéia <strong>da</strong> federação de outras socie<strong>da</strong>des existentes ou a ser cria<strong>da</strong>s<br />
no Brasil, hoje reali<strong>da</strong>de concreta como veremos em outro capítulo.<br />
Em outros Estados, a partir de 1927, fun<strong>da</strong>ram-se várias<br />
socie<strong>da</strong>des, tô<strong>da</strong>s elas destina<strong>da</strong>s a amparar os leprosos.<br />
Em três Estados, estas socie<strong>da</strong>des crearam leprosários. No Acre, a<br />
Socie<strong>da</strong>de Pró-Lazareto “Souza Araujo” fundou em 1931 em Cruzeiro do<br />
Sul um hospital homônimo (9) e o mantem com a cooperação <strong>da</strong> Santa<br />
Casa local.<br />
No Ceará (*) a “Socie<strong>da</strong>de Promotora e Mantenedora do<br />
Leprosário” tendo como membros destacados o capitalista Cel. Antonio<br />
Diogo de Siqueira, que fêz um donativo de 100 contos, Mons. Tabosa,<br />
Vigário Geral <strong>da</strong> Arquidiocese. Dr.<br />
__________________<br />
(*) Em 1915 pensou-se construir um leprosário em Porangaba (município de<br />
Fortaleza). O Arcebispo de Fortaleza D. Manuel <strong>da</strong> Silva Gomes teria contribuido com<br />
10 contos, o Cel. Benjamin Barroso, Governador, prometeu 6 contos, a idéia não se<br />
efetivou e o dinheiro reverteu para os flagelados <strong>da</strong> seca. ARAUJO, F. – A lepra no<br />
Ceará (resumo histórico). Fortaleza, 1941.
– 93 –<br />
Francisco Amaral Machado, Chefe do Saneamento Rural e Dr. Morais<br />
Correia, advogado, desenvolveu grande ativi<strong>da</strong>de para a construção do<br />
leprosário de Canafístula, o qual recebeu os primeiros doentes em 9 de<br />
agosto de 1928. (26). Êste hospital chama-se hoje “Antonio Diogo”, em<br />
homenagem ao seu bemfeitor, e tem a capaci<strong>da</strong>de de 195 doentes. Foi seu<br />
Diretor Dr. Antonio <strong>da</strong> Justa, que sempre tratou dos leprosos,<br />
independente de honorários.<br />
No Estado do Piauí, a Associação Beneficente fêz construir um<br />
leprosário em Parnaiba, em 1931, sob a direção técnica do Dr. Mirocles<br />
Vera. (75)<br />
Nesses mesmos Estados, e em outros, a ação <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des<br />
consistia em amparar os doentes de lepra, quer construindo-lhes asilos,<br />
quer auxiliando suas construções, mantendo-os depois. Dirigia os já<br />
existentes, man<strong>da</strong>ndo fazer melhoramentos em obras, tais como pavilhões<br />
de diversões, enfermarias, oficinas, igrejas, etc.<br />
Algumas socie<strong>da</strong>des, cui<strong>da</strong>ram também, de amparar as famílias,<br />
zelando e mantendo os filhos dos doentes, construindo preventórios e<br />
escolas profissionais ou granjas agrícolas, e por fim, concedendo-lhes<br />
pensões e auxílios.<br />
A tabela que segue, enumera tô<strong>da</strong>s as socie<strong>da</strong>des que existiram no<br />
Brasil, destina<strong>da</strong>s ao amparo dos doentes de lepra, bem como as que ain<strong>da</strong><br />
existem e seus atos principais. Grande parte dessas informações, exceto as<br />
que têm indicação bibliográfica própria, encontramo -las na publicação <strong>da</strong><br />
Sra. America Xavier <strong>da</strong> Silveira.
Uni<strong>da</strong>de<br />
Federa<strong>da</strong><br />
Data <strong>da</strong><br />
fun<strong>da</strong>ção<br />
Acre 1931<br />
Amazonas<br />
Pará 20/3/32<br />
– 94 –<br />
Nome <strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de Fins e serviços<br />
Associação Pró-Lazareto<br />
“Souza Ara-ujo”<br />
Damas Protetoras do<br />
Leprosário<br />
Liga Contra a Lepra.<br />
(Belém). (A receita<br />
provém, além <strong>da</strong>s<br />
mensali<strong>da</strong>des dos sócios,<br />
do impôsto estadual<br />
de 100 réis por<br />
quilo de carne consumi<strong>da</strong><br />
no Pará.<br />
Maranhão 5/11/31 Socie<strong>da</strong>de Beneficente<br />
do Maranhão.<br />
Piauí 1931 Associação Beneficente<br />
de Parnaíba.<br />
Ceará<br />
Rio Grande<br />
do Norte<br />
1927<br />
Comissão Construtora<br />
do Leprosário, tomou o<br />
nome de Socie<strong>da</strong>de<br />
de Assistência aos Lázaros<br />
e Defesa contra<br />
a Lepra.<br />
Comissão Pró<br />
Leprosário<br />
Funciona em cooperação com a<br />
Santa Casa; foi fun<strong>da</strong>dora do<br />
Asilo de Leprosos de Cruzeiro do<br />
Sul.<br />
Construiram o Pavilhão São<br />
Lázaro” com 20 quartos e instalação<br />
elétrica em Paricatuba,<br />
dispendendo para tanto 25 contos.<br />
Angariaram periòdicamente<br />
donativos para os doentes do<br />
leprosário.<br />
Custeava as despesas do Asilo<br />
Tocunduba e o Asilo Santa Terezinha,<br />
êste fun<strong>da</strong>do com a cooperação<br />
<strong>da</strong> Santa Casa em<br />
6/1/31. – Construiu Carvilles no<br />
Lazarópolis <strong>da</strong> Prata. – Auxiliou a<br />
construção do Asilo de Leprosos<br />
no Araguaia, denominado hoje<br />
Frei Vilanova.<br />
Dirigiram e mantiveram o antigo<br />
Hospital do Gavião. Estava a seu<br />
cargo a criação dos filhos sãos<br />
dos doentes do Gavião.<br />
Fundou e manteve o Asilo de<br />
Leprosos de Parnaíba.<br />
Fundou o Leprosário “Antonio<br />
Diogo”. Em 29 de março de 1930,<br />
foi fun<strong>da</strong><strong>da</strong> a Créche Silva<br />
Araujo. A enfermaria Samuel de<br />
Uchôa, do leprosário Antonio Diogo,<br />
foi construi<strong>da</strong> quase só com o<br />
produto de esmolas.<br />
Para construir o leprosário inaugurado<br />
em 1929 (14/1) e a Escola<br />
Profissional “Pereira Carneiro”,<br />
graças ao donativo <strong>da</strong> firma<br />
homônima salineira de Mossoró<br />
(1931).
Uni<strong>da</strong>de<br />
Federa<strong>da</strong><br />
Bahia<br />
Data <strong>da</strong><br />
fun<strong>da</strong>ção<br />
1933<br />
– 95 –<br />
Nome <strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de Fins e serviços<br />
Socie<strong>da</strong>de Bahiana de<br />
Assistência aos Lázaros<br />
e Defesa Contra a<br />
Lepra. Socie<strong>da</strong>de<br />
Acadêmica Protetora<br />
do Lázaro.<br />
Alagoas 1934 Liga Alagoana de<br />
Combate à Lepra.<br />
Distrito<br />
Federal<br />
Rio de<br />
Janeiro<br />
Minas<br />
Gerais<br />
21/6/28 Socie<strong>da</strong>de de Assistência<br />
aos Lázaros e<br />
Defesa contra a Lepra.<br />
Associação Pró-<br />
Leprosos. Fun<strong>da</strong><strong>da</strong> no<br />
Colégio Ben-net.<br />
19/5/33 Socie<strong>da</strong>de Fluminense<br />
de Assistência aos<br />
Lázaros e Defesa<br />
contra a Lepra<br />
(Niterói). – Soc. Ass. aos<br />
Lázaros e Defesa<br />
contra a Lepra (S.<br />
Gonçalo).<br />
Socie<strong>da</strong>de Mineira de<br />
Proteção aos Lázaros<br />
e Defesa contra a<br />
Lepra. (sob a<br />
Presidência de D.<br />
Berenice<br />
Prates).<br />
Martins<br />
Socie<strong>da</strong>de de<br />
Assistência aos Lázaros<br />
de Varginha.<br />
Socie<strong>da</strong>des: Oliveira, S.<br />
João DelRey, Alfenas,<br />
Varginha, Itaúna, Alvi-<br />
Serviços prestados aos lázaros do<br />
Hospital D. Rodrigo de Menezes.<br />
Construiu oficinas e fêz outros<br />
melhoramentos nesse Hospital.<br />
Cuidou de construir um preventório<br />
em Aguas Claras.<br />
Construiu uma granja agrícola<br />
para filhos de doentes em i<strong>da</strong>de<br />
juvenil, inaugura<strong>da</strong> em 16/5/33,<br />
em terreno doado pelo prefeito<br />
de São Salvador. Promoveu<br />
festivi<strong>da</strong>des.<br />
Criou e manteve o Dispensário<br />
“Alice Tibiriça”.<br />
Pensões à família de internados<br />
no Curupaití e outros donativos.<br />
Festas e presentes aos internados<br />
e crianças doentes. – Construiu<br />
pavilhão de mulheres e crianças<br />
em Curupaití (1935). – Instalou o<br />
Preventório “Recanto Feliz” (1936).<br />
– Promoveu regularmente festivais<br />
pró Lázaros.<br />
Campanha para construção do<br />
Preventório Vista Alegre em São<br />
Gonçalo.<br />
Construiu e mantém o Preventório<br />
S. Tarcísio (1932), em<br />
Betim, com lotação para 200<br />
crianças. Construiu uma Capela<br />
na Colônia Santa Isabel. Construiu<br />
e mantém o Aprendizado<br />
Técnico Profissional de Belo<br />
Horizonte para 100 crianças.<br />
Mantém o Educandário “Olegário<br />
Maciel”.
Uni<strong>da</strong>de<br />
Federa<strong>da</strong><br />
Minas<br />
Gerais<br />
São Paulo<br />
(3)<br />
Data <strong>da</strong><br />
fun<strong>da</strong>ção<br />
12/12<br />
1915<br />
– 96 –<br />
Nome <strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de Fins e serviços<br />
nópolis, Nova Lima,<br />
Curvelo, Formiga, Bom<br />
Sucesso, Araxá, Leopoldina,<br />
Rio Branco,<br />
Ponte Nova, Carangola,<br />
Cataguazes,<br />
Bambuí, Palmas, Rio<br />
Pardo, Raul Soares, Paraisópolis,<br />
<strong>Saúde</strong>, Palmeira,<br />
Cláudio, Uberaba,<br />
São Gotardo.<br />
Socie<strong>da</strong>des de Muriaé,<br />
Ubá e Patrocinio.<br />
Socie<strong>da</strong>de de Assistência<br />
aos Lázaros e<br />
Defesa contra a Lepra.<br />
(Juiz de Fára).<br />
ANGATUBA. - Soc. S.<br />
Lázaro.<br />
AVARÉ. - Socie<strong>da</strong>de<br />
“João Leal de<br />
Carvalho”.<br />
1926 BAURÚ. - Associação<br />
Pró-Morféticos.<br />
23/1/16 BEBEDOURO. - Associação<br />
“Obreiros de<br />
Cari<strong>da</strong>de”.<br />
24/6/11 BOTUCATÚ. -<br />
Socie<strong>da</strong>de de Assistência<br />
aos Morféticos.<br />
16/5/09 CASA BRANCA. -<br />
Associação Protetora<br />
dos Inválidos e Leprosos.<br />
6/1/916 DESCALVADO. - Associação<br />
Beneficente<br />
dos Morféticos.<br />
1916 ESPIRITO SANTO DO<br />
PINHAL. - Associação<br />
Beneficente dos Morféticos.<br />
Construiram pavilhões na Colônia<br />
Santa Izabel.<br />
Mantém famílias de doentes. –<br />
Construiu um pavilhão de<br />
diversões na Colônia Santa Isabel.<br />
– Mantém o Educandário “Carlos<br />
Chagas”.<br />
Mantinha abrigos de doentes de<br />
lepra.<br />
Mantinha abrigos de doentes de<br />
lepra.<br />
Mantinha abrigos de doentes de<br />
lepra.<br />
Fundou um Asilo de doentes de<br />
lepra.<br />
Mantinha um asilo de doentes de<br />
lepra.<br />
Construiu um asilo para doentes<br />
de lepra.<br />
Mantinha um asilo para doentes<br />
de lepra.
Uni<strong>da</strong>de<br />
Federa<strong>da</strong><br />
São Paulo<br />
(3)<br />
F. – 7<br />
Data <strong>da</strong><br />
fun<strong>da</strong>ção<br />
– 97 –<br />
Nome <strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de Fins e serviços<br />
24/8/28 GUARATINGUETÁ. –<br />
Assistência São Lazaro<br />
12/9/25 GUAREÍ. - Associação<br />
''Asilo de Morféticos''.<br />
30/4/05 ITAPETININGA. -<br />
Socie<strong>da</strong>de<br />
Beneficente S. Lázaro.<br />
ITAPIRA. - Associação<br />
''Damas de Cari<strong>da</strong>de''.<br />
13/4/11 ITARARÉ. - Socie<strong>da</strong>de<br />
Protetora de Lázaros<br />
de Itararé<br />
ITATINGA. - Ass. Beneficente<br />
de Morféticos.<br />
15/3/05 JUNDIAÍ. - Associação<br />
Protetora de Marféticos.<br />
1912 LIMEIRA. - Socie<strong>da</strong>de.<br />
MOGI DAS CRUZES.<br />
Socie<strong>da</strong>de.<br />
1926 MOGI MIRIM. -<br />
Associação Auxílio dos<br />
Mendigos.<br />
PRESIDENTE PRUDENTE.<br />
- Assistência Social aos<br />
Mendigos.<br />
16/8/05 RIO CLARO. -<br />
Socie<strong>da</strong>de ''Amparo<br />
aos Leprosos''.<br />
7/6/907 SÃO CARLOS. -<br />
Associação Protetora<br />
dos Lázaros ''Vila<br />
Hansen''<br />
S. LUIZ PARAITINGA.<br />
Socie<strong>da</strong>de.<br />
S. MIGUEL ARCANJO. -<br />
Socie<strong>da</strong>de S. Lázaro.<br />
Socorria doentes de lepra.<br />
Mantinha asilo para doentes de<br />
lepra.<br />
Idem.<br />
Socorria doentes de lepra.<br />
Mantinha asilo para doentes de<br />
lepra.<br />
Idem.<br />
Idem.<br />
Socorria doentes de lepra.<br />
Idem.<br />
Socorria os doentes de lepra.<br />
Fundou e manteve um bom asilo<br />
para doentes de lepra.<br />
Mantinha um abrigo para<br />
leprosos.<br />
Socorria os leprosos.<br />
Idem.
Uni<strong>da</strong>de<br />
Federa<strong>da</strong><br />
São Paulo<br />
Mato<br />
Grosso<br />
Goiáz<br />
Data <strong>da</strong><br />
fun<strong>da</strong>ção<br />
– 98 –<br />
Nome <strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de Fins e serviços<br />
26/6/02 SOROCABA. – Associação<br />
Filantrópica Sorocabana.<br />
16/2 TATUÍ. - Socied. Beneficente<br />
dos Morféticos.<br />
1913 TIETÉ. - Socie<strong>da</strong>de Protetora<br />
dos Morféticos.<br />
1928 SANTOS. – Assistência<br />
aos Lázaros e Defesa<br />
contra a Lepra.<br />
BAURU. - Liga S. Lázaro<br />
de Baurú.<br />
SÃO PAULO<br />
1917 Associação Protetora<br />
dos Morféticos.<br />
1913 Associação Santa Terezinha.<br />
1926 Socie<strong>da</strong>de de Assistência<br />
aos Lázaros e<br />
Defesa contra a<br />
Lepra.<br />
Socie<strong>da</strong>de de Defesa<br />
contra a Lepra.<br />
(Campo Grande).<br />
Liga Feminina Pró Lázaro<br />
de Cuiabá.<br />
1937 Associação<br />
''Leprosário Helena<br />
Bernard''.<br />
Fundou e manteve um asilo.<br />
Construiu e manteve um asilo.<br />
Socorria leprosos.<br />
Construiu o pavilhão ''Santista'' do<br />
Asilo Colônia Santo Ângelo.<br />
Interessou-se pela construção do<br />
Asilo Colônia ''Aimorés''.<br />
Doou terras para a construção do<br />
Asilo Santo Ângelo.<br />
Fundou o Preventório Santa Terezinha.<br />
Fez intensa propagan<strong>da</strong> e<br />
auxiliou internados. Construiu<br />
oficina e instalou gabinete de<br />
Radiologia em Santo Ângelo.<br />
Interessou-se pela construção do<br />
Leprosário alí existente e recentemente<br />
inaugurado.<br />
Fornece roupas, mantimentos e<br />
remédios aos internados do<br />
Hospital São João dos Lázaros de<br />
Cuiabá.<br />
Promoveu quermesse para a<br />
construção de pequenas casas,<br />
enfermaria e laboratório nesse<br />
hospital.
Uni<strong>da</strong>de<br />
Federa<strong>da</strong><br />
Rio Grande<br />
do Sul<br />
Pernambu<br />
co<br />
Data <strong>da</strong><br />
fun<strong>da</strong>ção<br />
– 99 –<br />
Nome <strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de Fins e serviços<br />
1924 Socie<strong>da</strong>de Sul Rio –<br />
Grandense de<br />
Assistência aos Lázaros<br />
e Defesa contra a<br />
Lepra.<br />
Socie<strong>da</strong>de Pró<br />
Leprosário Rio<br />
Grandense. –<br />
(Fun<strong>da</strong><strong>da</strong> pelo padre<br />
Rick).<br />
1926 Socie<strong>da</strong>de Assistência<br />
aos Lázaros e Defesa<br />
contra a Lepra.<br />
Auxiliou a construção <strong>da</strong><br />
Leprosário de Emergência.<br />
Forneceu agasalhos de inverno<br />
aos Lázaros.<br />
Deu à Socie<strong>da</strong>de Sul Rio<br />
Grandense de Ass. aos Lázaros e<br />
Defesa contra a Lepra, um<br />
terreno para construção de um<br />
Preventório. Em 1933 essa<br />
Socie<strong>da</strong>de tinha 300 contos. A<br />
construção não se efetuou por<br />
dificul<strong>da</strong>des então surgi<strong>da</strong>s.<br />
Auxiliava doentes internados por<br />
intermédio <strong>da</strong> Santa Casa.<br />
__________________<br />
(1) Leprosários do Brasil. Rev. de Combate à Lepra, Rio de Janeiro, 7:56-57, 1942.<br />
(2) Revista de Combate à Lepra. Rio de Janeiro, 7: 19, 1942.<br />
(3) MAURANO, F. – História <strong>da</strong> Lepra em S. Paulo. São Paulo, op. cit., pág. 59.<br />
D) BREVE NOTÍCIA HISTÓRICA SÔBRE OS MAIS ANTIGOS<br />
HOSPITAIS DE LÁZAROS NO BRASIL<br />
Já vimos que os mais antigos hospitais de lázaros do Brasil foram<br />
fun<strong>da</strong>dos no tempo colonial, no Rio, Bahia e São Paulo, sendo que apenas<br />
um dêles, foi fun<strong>da</strong>do no tempo do império (Maranhão) como resultado<br />
<strong>da</strong>s medi<strong>da</strong>s toma<strong>da</strong>s pelos governadores.<br />
Em S. Paulo, Mato Grosso e Pará, as autori<strong>da</strong>des secun<strong>da</strong>ram a<br />
iniciativa de filântropos e instituições de cari<strong>da</strong>de, representa<strong>da</strong>s pelas<br />
Santas Casas.<br />
Resultante <strong>da</strong> iniciativa estritamente particular, fundou-se no<br />
Império, o hospital de Sabará em Minas Gerais, como veremos no<br />
capítíulo referente a êsse hospital.<br />
Façamos uma breve resenha <strong>da</strong> existência dêsses mais antigos<br />
asilos do país.
– 100 –<br />
Rio de Janeiro: HOSPITAL FREI ANTONIO.<br />
Êste hospital teve origem, como já nos referimos, com a<br />
transferencia dos doentes recolhidos <strong>da</strong>s pequenas casas toscas, man<strong>da</strong><strong>da</strong>s<br />
construir pelo Conde de Bobadela, para o Convento dos Jesuítas, então<br />
vago pela expulsão <strong>da</strong>queles religiosos, graças à intervenção do Frei<br />
Antonio do Desterro, ao interêsse do Conde <strong>da</strong> Cunha, que obteve do<br />
Govêrno <strong>da</strong> Metrópole o referido edifício, que foi oficializado como<br />
hospital em 1766. (3)<br />
Daí por diante, êste hospital serviu de abrigo aos lázaros até os<br />
nossos dias, sòmente com duas interrupções: uma quando êste hospital<br />
serviu para acantonamento do batalhão de Caçadores, <strong>da</strong> divisão de<br />
Portugal, que guar<strong>da</strong>va El Rey D. João VI, por ocasião de sua vin<strong>da</strong> ao<br />
Brasil, na época napoleônica, tendo os lázaros sido transferidos para a ilha<br />
<strong>da</strong>s Enxa<strong>da</strong>s. Outra vez, em 1823 (69) quando foram os doentes mu<strong>da</strong>dos<br />
para a Ilha do Bom Jesus, donde pela falta de acomo<strong>da</strong>ções, foram afinal<br />
retirados por decreto de 25 de Agosto de 1832 e restituidos ao primitivo<br />
estabelecimento. (3)<br />
O Hospital foi muito melhorado e ampliado durante sua longa<br />
existência de quase três séculos. Situado no bairro de S. Cristovão,<br />
composto de dois an<strong>da</strong>res, tendo um corpo central e do lado, quatro<br />
pavilhões. Há nesse hospital, cinema, teatro, salões de recreio, pequeno<br />
campo de futebol, jardim, farmácia, laboratório, sala cirúrgica, etc. (77)<br />
Para a sua manutenção, o Conde <strong>da</strong> Cunha, estabelecera em 1765 o<br />
impôsto real de S. Lázaro em que ''tô<strong>da</strong>s as casas ou cabeças de família do<br />
terceiro estado o povo desta ci<strong>da</strong>de e seu têrmo, devem pagar, ca<strong>da</strong> mês,<br />
um vintém; as pessoas que tiverem privilegios de nobreza, dois vintens e<br />
as outras cujos donos tiverem o fôro de fi<strong>da</strong>lgos, quatro vintens” (3)<br />
Além disso, tinha os fôros dos terrenos do campo, doados pelo<br />
príncipe regente, D. João, em nome de Dona Maria I, e a chácara do<br />
Coronel J. Brum. Hoje conta com os rendimentos de seu patrimônio<br />
proveniente de prédios doados, legados e o auxílio do Governo. (3)<br />
Bahia: HOSPITAL D. RODRIGO JOSE’ DE MENEZES<br />
Êste hospital, como já vimos, foi fun<strong>da</strong>do por D. Rodrigo José de<br />
Menezes, em 1787; está localizado na Baixa <strong>da</strong>s Quintas, na ci<strong>da</strong>de de<br />
Salvador e apresenta-se como se fôra o próprio convento de antanho, que<br />
pertenceu aos Jesuitas,
– 101 –<br />
expulsos por ordem do Marquês de Pombal. Nêsse convento vivera o<br />
Padre Vieira em companhia do Padre Gabriel Soares, escrevendo seus<br />
famosos sermões. (70) Compõe-se de duas alas laterais, ligados por uma<br />
central, sendo que a direita foi tô<strong>da</strong> construi<strong>da</strong> com cimento armado. No<br />
primeiro pavimento há um grande salão, sala do diretor, administração,<br />
salas de curativos e do enfermeiro, enfermaria e sala de refeições e<br />
compartimentos sanitários para homens.<br />
No pavimento térreo, salão de refeições, enfermaria, quarto para o<br />
enfermeiro e compartimento sanitário para mulheres. No pavimento térreo<br />
<strong>da</strong> parte central, está localiza<strong>da</strong> a capela. No início, o hospital era mantido<br />
por um imposto de 20 rs. por alqueire de cereais vendido pelo Celeiro<br />
Público, impôsto pesado na época, segundo O. TORRES (52) e mais, pela<br />
ren<strong>da</strong> <strong>da</strong> ven<strong>da</strong> de hortaliças, capim, lenha, lavagem de roupas do hospital<br />
de Cari<strong>da</strong>de, pelo legado deixado por um bemfeitor (16$000), Pedro<br />
Rodrigues Bandeira, e os fôros de algumas porções de terreno.<br />
Contudo, sempre houve necessi<strong>da</strong>de de dotações orçamentárias do<br />
Govêrno para a sua manutenção. Segundo NINA RODRIGUES (52) por ali<br />
passaram 1411 doentes, desde a sua fun<strong>da</strong>ção até 1890.<br />
Foi seu diretor o ilustre professor de patologia geral <strong>da</strong> Facul<strong>da</strong>de<br />
<strong>da</strong> Bahia, José Góes <strong>da</strong> Siqueira, que introduziu tais melhoramentos no<br />
hospital que foi o mesmo considerado modêlo e visitado por todos os<br />
médicos estrangeiros que passavam pela Bahia. Éste professor estudou aí<br />
o assacú e o guano. (52)<br />
Depois dessa época, faltam notícias até fins do século XIX. (52)<br />
Em 1894, o Govêrno do Estado entregou o hospital à<br />
administração <strong>da</strong> Santa Casa, <strong>da</strong>ndo-lhe uma subvenção e mais o uso <strong>da</strong>s<br />
ren<strong>da</strong>s do cemitério <strong>da</strong>s Quintas e dos terrenos aforados.<br />
Em 1912, o provedor <strong>da</strong> Santa Casa, devolveu ao Govêrno o<br />
hospital e mais outras casas de Assistência que administrava, com seus<br />
patrimônios grandemente diminuídos, pela cessão de suas terras a<br />
terceiros. E' que o Estado faltara ao pagamento <strong>da</strong>s despesas de sol<strong>da</strong>dos e<br />
presos doentes, recolhidos ao Hospital de Santa Isabel. (52)<br />
Em 1915, o professor Gonçalo Muniz, conseguiu introduzir alí,<br />
alguns melhoramentos.<br />
Em 1929, o hospital estava em más condições higiênicas, quase<br />
em estado de ruina. Após um grande movimento em benefício de sua<br />
reforma o Dr. Barros Barreto remodelou-o,<br />
(78)
– 102 –<br />
passando então a denominar-se ''HOSPITAL D. RODRIGO JOSE’ DE<br />
MENEZES''. Sob a direção do Professor Otávio Torres, deixou de ser o<br />
que era, um simples depósito de doentes. Em 1937, abrigava 50 doentes.<br />
Os doentes trabalham em diversos oficios e criam animais domésticos. As<br />
crianças estu<strong>da</strong>m. Existe, para recreio dos internados, ban<strong>da</strong> de música,<br />
orfeão e bilhar. (*)<br />
S. Paulo: HOSPITAL DOS LÁZAROS DE S. PAULO (1)<br />
Em 1802, a Santa Casa de Misericórdia construia o antigo<br />
''Hospital dos Lázaros de S. Paulo'', à custa de esmolas, em terreno<br />
arrematado pelo Governador Franca e Horta, no bairro de Olaria, lugar<br />
então considerado afastado. Êste hospital era extremamente modesto e sua<br />
longa existência foi <strong>da</strong>s mais árduas, segundo MAURANO em seu<br />
completo histórico sôbre o mesmo, o qual é acompanhado de diversos<br />
documentos inéditos. Foi mantido, desde a sua fun<strong>da</strong>ção, pela Santa Casa,<br />
com auxílio do Govêrno. Lutou sempre com falta de numerário, vivendo<br />
quase que sem patrimônio, a solicitar insistentemente por auxílio direto e<br />
loterias, tanto no tempo Colonial como no Imperial.<br />
Pelos diversos relatórios <strong>da</strong>s Comissões nomea<strong>da</strong>s pela Câmara de<br />
1835 a 1839, para inspecionar os hospitais, asilos e cadeias, póde-se<br />
concluir, como deveria ter sido lastimável a situação.<br />
O hospital era péssimo e de aspecto desagradável, seu abandono<br />
era tal, e tantas as privações que sofriam os doentes, que chegavam a<br />
vender suas próprias roupas, ficando quase nús. Não tinham camas nem<br />
cobertas. Não havia serviço médico e nem sacerdote. Um relatório <strong>da</strong><br />
época. referindo-se ao cirurgião <strong>da</strong> Câmara, dizia: ''a mais de 2 anos que<br />
alí não xega''. Pensaram, muitas vêzes em mudá-lo para outros locais,<br />
construindo prédio melhor, o que entretanto, não conseguiram, limitandose<br />
os melhoramentos a várias reparações. De 1856 a 1879 foi<br />
administrado pela Irman<strong>da</strong>de de N. S. <strong>da</strong> Consolação e S. João Batista,<br />
que segundo um presidente provincial, não cumprira as suas finali<strong>da</strong>des.<br />
__________________<br />
(*) Em 17 de abril de 1949 os doentes ali internados foram transferidos. para o<br />
novo leprosário ''Colônia Aguas Claras'' sendo o hospital definitivamente fechado.<br />
(Nota do S. N. L.).
– 103 –<br />
Em 1875, o provedor Francisco Martins de Almei<strong>da</strong>, iniciou um<br />
movimento, para que a Santa Casa tomasse o encargo de zelar pelo<br />
hospital, atendendo à deshumana situação dos doentes. Dirigiu ao povo<br />
um manifesto no qual pedia auxílio para os infelizes internados, e, para<br />
reparar o edifício em ruinas. Não obstante a nova direção, o asilo<br />
continuou nas mesmas condições, apesar de alguns melhoramentos<br />
introduzidos. O Dr. França, em 1898, no seu parecer dizia: “visitei todos<br />
os comodos desta casa, que semelha um dos círculos infernais ”.<br />
Em 1900, as condições haviam melhorado, segundo informa J. L.<br />
Magalhães. O hospital não era o mesmo de outrora, quando os doentes<br />
viviam à discrição, freqüentando tabernas onde jogavam e provocavam<br />
rixas. O mordomo impuzera disciplina e ordem e as esmolas e donativos<br />
tinham o fim a que eram destinados.<br />
Segundo Benedito Sant'Ana, filho do último administrador e que lá<br />
passou a infância, haviam uma oficina de marcenaria em que se<br />
fabricavam móveis, um estábulo com 3 vacas e uma boa horta que<br />
chegava para fornecer à Santa Casa.<br />
––––––––<br />
O prédio então constava de um corpo na frente, no sentido<br />
transversal, em que estavam localiza<strong>da</strong>s dispensa, depósito, W. C.,<br />
banheiro, cozinha, escritório, um quarto e consultório.<br />
Dois corredores atravessavam êste corpo que <strong>da</strong>va para o pomar e<br />
recreio <strong>da</strong>s mulheres e outro para um páteo interno.<br />
No sentido longitudinal dois corpos: do corpo <strong>da</strong> frente, um do<br />
meio, constituido <strong>da</strong> cozinha, quarto, W. C., refeitório de mulheres,<br />
dormitório de mulheres e dormitório de homens. Outro corpo partia do<br />
consultório e continha, 2 alcovas com corredor e a rouparia.<br />
A seguir, refeitório de homens, sacristia, capela e oficina. Entre<br />
êstes dois corpos longitudinais havia um longo páteo. Ao lado do<br />
primeiro corpo longitudinal havia 2 recreios, um para homens e outro para<br />
mulheres.<br />
Havia serviço médico, e o primeiro médico-diretor foi o Dr. J.<br />
Lourenço Magalhães, talvez o pioneiro <strong>da</strong> atual campanha contra a lepra.<br />
Fazia os exames de mu co e <strong>da</strong> sensibili<strong>da</strong>de do paciente e praticava o<br />
tratamento com preparados cujas fórmulas eram manti<strong>da</strong>s em segredo.
– 104 –<br />
Os doentes não tinham diversões. Tocavam violão e bebiam mate<br />
em profusão, pois certo número de doentes era constituido de alemães ou<br />
seus descendentes, vindos de Santa Catarina.<br />
A freqüencia de internados, de 1831 a 1899, oscilava entre 3 e 35<br />
no máximo.<br />
Com o progresso e desenvolvimento intenso de S. Paulo, o local<br />
onde estava localizado o asilo, atualmente bairro <strong>da</strong> Luz, tornou-se central<br />
e povoado, verificando-se logo a necessi<strong>da</strong>de de sua transferência.<br />
Assim, em 1901, o Govêrno desapropriou o terreno do asilo, e a<br />
Santa Casa obrigou-se a transferir o hospital para o subúrbio de Guapira.<br />
Alí foi construido o não menos célebre hospital de Guapira, para onde<br />
foram removidos os doentes do hospital que havia desaparecido.<br />
Estado de S. Paulo: HOSPITAL DOS LÁZAROS DE ITÚ<br />
O padre ituano, Antonio Pacheco <strong>da</strong> Silva, condoído <strong>da</strong> sorte dos<br />
lázaros que abun<strong>da</strong>vam em Itú, e querendo evitar o alastramento do mal,<br />
construiu em 1806, á sua própria custa, em chácara de sua proprie<strong>da</strong>de,<br />
um hospital para lázaros.<br />
Para isso, além <strong>da</strong> permissão, pediu ao governador Franca e Horta,<br />
trabalhadores que êle remuneraria e uma “derrama de fogos à semelhança<br />
do que se fazia no Rio”. Os documentos, inéditos, dos quais um dêles não<br />
transcrito, a respeito <strong>da</strong> fun<strong>da</strong>ção do hospital, foram publicados por<br />
MAURANO, em trabalho sôbre o assunto. (1)<br />
Assim se exprimia o governador sôbre a petição do padre Antonio<br />
Pacheco <strong>da</strong> Silva: “Ordeno q'em nome do Principe Regente Nosso Senhor<br />
lhes fação ver quanto a quella tão Pia acção toca comprazer seu tão<br />
Augusto como Piedozo Coração, Segurando-lhe <strong>da</strong>minha parte que<br />
eulevo tudo a prezença do mesmo Senhor afim delheser presente q'nesta<br />
Capitania ain<strong>da</strong> existem Paulistas, que seguindo os Sentimentos dos seus<br />
Antepassados tanto se esmerão emfazer servissos ao Estado e ao<br />
Publico”.<br />
Atendendo ao apêlo do Governador congregaram-se na Câmara o<br />
juiz presidente, os oficiais, o capitão mór, a nobreza e o povo, que, de<br />
comum acôrdo, concor<strong>da</strong>ram em contribuir com a quantia de 20 rs. pos<br />
pessoa de “confição” excéto os mendigos.
– 105 –<br />
O padre Antonio Pacheco <strong>da</strong> Silva solicitava também uma<br />
provisão ao Bispo D. Mateus, para ser edifica<strong>da</strong> uma capela.<br />
A manutenção do hospital a principio se fez com esmolas e a ren<strong>da</strong><br />
do patrimônio doado pelo Padre Antonio Pacheco <strong>da</strong> Silva, que o tutelou<br />
até 1820. Constava de uma pequena casa e pasto contiguo. O padre<br />
Antonio Pacheco <strong>da</strong> Silva <strong>da</strong>va-lhe ain<strong>da</strong> um suprimento.<br />
Com a morte do Padre Antonio, passou o hospital para a<br />
administração <strong>da</strong> Câmara Municipal de Itú, e a seguir, para a Irman<strong>da</strong>de<br />
<strong>da</strong> Santa Casa (1839).<br />
O hospital dos Lázaros de Itú viveu sempre com grandes<br />
dificul<strong>da</strong>des, enfrentando os maiores sacrifícios e em condições precárias.<br />
Recebeu pequenos auxílios dos govêrnos provinciais, passando por<br />
diversas reformas; chegou muitas vêzes ao estado de ruina, razão porque,<br />
deixou de funcionar de 1878 e a 1885. Compunha-se de duas grandes<br />
enfermarias ca<strong>da</strong> uma delas, com 5 ou 6 janelas e uma porta de entra<strong>da</strong>.<br />
Numa extremi<strong>da</strong>de ficava a capela. Existia um cemitério, onde atualmente<br />
existe o túmulo do grande sacerdote, Padre Bento Dias Pacheco, que<br />
passou 40 anos, a maior parte de sua existência, tratando e confortando os<br />
doentes ali internados.<br />
Êsse asilo, só deixou de existir em 1929, quando seus doentes<br />
foram removidos para o “Asilo Colônia Santo Angelo” que acabava de<br />
ser construido nas vizinhanças <strong>da</strong> Capital Paulista.<br />
Mato Grosso: HOSPITAL DE S. JOÃO DOS LÁZAROS DE CUIABÁ<br />
Já vimos neste mesmo capítulo que em 1755, um filântropo de<br />
Vila Bela deixara um legado para construção de um hospital de lázaros, e<br />
como meio século depois, em 1815, conseguiu fundá-lo o Visconde de<br />
Oeynhausen, então governador <strong>da</strong>quela provincia.<br />
Onze anos antes, em 1803, outro governador <strong>da</strong> província, Caetano<br />
Pinto de Miran<strong>da</strong> Monte Negro, pedira autorização ao <strong>Ministério</strong>s dos<br />
Negócios Ultramarinos, para aplicar aquêle legado, não o conseguindo,<br />
entretanto, por motivos vários. (79)<br />
Em 1937, Ernani Agrícola (76) ,visitando-o, assim o descreveu:
– 106 –<br />
“O estabelecimento dista 3 quilômetros <strong>da</strong> capital. A entra<strong>da</strong> do<br />
leprosário há um prédio destinado à residência do zelador e onde é<br />
prepara<strong>da</strong> a refeição para os doentes. Fica situado a 250 metros do<br />
edifício principal. Na zona doente há um grande edifício com dois corpos,<br />
sem comunicação interna, é o velho hospital dos lázaros. Na parte anterior<br />
estão aloja<strong>da</strong>s as mulheres e crianças e na posterior, os homens. Ao lado<br />
esquerdo de quem entra, está a capela, e atrás desta, se acham 15 casas<br />
rusticas construi<strong>da</strong>s pelos mesmos doentes. Não há esgôto e a agua é<br />
retira<strong>da</strong> do poço. Não há no estabelecimento nenhum cômodo para o<br />
exame e tratamento dos doentes.<br />
As condições são precárias e não pode ser considerado um<br />
hospital, mas sim um depósito de hansenianos. O estabelecimento<br />
pertence à Santa Casa, que recebe do Estado auxílio de 60 contos anuais”.<br />
Pernambuco: HOSPITAL DOS LÁZAROS<br />
O Hospital dos Lázaros de Pernambuco, teve sua origem na<br />
própria casa do Padre Antonio Manuel, onde êle recolhera alguns<br />
leprosos, atual igreja de Sole<strong>da</strong>d e Colégio São José. Depois de uma série<br />
de crises, mu<strong>da</strong>nças e transformações, segundo SEBASTIÃO GALVÃO (9) o<br />
hospital a partir de 1878, ficou definitivamente (80) instalado onde se acha<br />
atualmente, a meio caminho de Recife a Olin<strong>da</strong>, no Distrito de Santo<br />
Amaro.<br />
Em seu testamento, dizia o Padre Antonio Manuel, que dois<br />
beneméritos haviam doado aos leprosos uma casa melhor que a sua. (9)<br />
Até 1860, foi êsse hospital mantido pela Santa Casa de Olin<strong>da</strong>,<br />
passando desde então para a instituição homônima de Recife, visto aquela<br />
ter sido extinta. (9)<br />
De 1860 a 1880, ingressaram no hospital 1.440 leprosos dos quais<br />
faleceram 940. (9)<br />
O hospital está situado em amplo terreno ajardinado, foi muito<br />
melhorado, graças à Socie<strong>da</strong>de Pernambucana de Assistência aos Lázaros<br />
e Defesa contra a Lepra. (75)<br />
Em 1932, abrigava 203 leprosos.<br />
Afirma Dona América Xavier <strong>da</strong> Silveira, em sua publicação de<br />
1938 (75) , que de 1926 a esta parte, vultosos melhoramentos têm sido ali<br />
realizados pelo Dr. Francisco Clementino, secun<strong>da</strong>do pela Socie<strong>da</strong>de de<br />
Assistência aos Lázaros e Defesa contra a Lepra.
– 107 –<br />
Serviram no hospital durante 40 anos, as religiosas <strong>da</strong> Ordem de<br />
Sant’Ana de Roma. (*)<br />
Minas Gerais: HOSPITAL DOS LÁZAROS DE SABARÁ<br />
O Capitão Antonio Abreu Guimarães, como já dissemos, legou o<br />
vínculo de Jagoára, para a construção de um hospital de Lázaros em<br />
Sabará. Jagoára, foi o nome administrativo <strong>da</strong>do à reunião dos bens<br />
deixados no Brasil, em 1787 (81) ,e que era constituido por várias fazen<strong>da</strong>s.<br />
Porém, só em 1804, procurou o Cel. Francisco Abreu Guimarães,<br />
cumprir a vontade do benemérito instituidor. Encarregou então a Ordem<br />
Terceira do Carmo, de Sabará, de aplicar, em seu devido fim, o referido<br />
patrimônio. Êstes, por sua vez, só em 1855 cui<strong>da</strong>ram <strong>da</strong>s primeiras<br />
providências no sentido. (71) Depois de várias controvérsias, adquiriu-se a<br />
chácara do Tenente Coronel Candido <strong>da</strong> Silva Guimarães, à margem<br />
direita do Rio dos Velhas, um quilômetro abaixo <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de, onde foi<br />
construido o Hospital dos Lázaros pela importância de 6 contos, sendo<br />
inaugurado a 31 de março de 1883. (71)<br />
Atualmente, destina-se a hospitalizar, em seções separa<strong>da</strong>s,<br />
leprosos sentenciados, loucos ou indisciplinados, remetidos <strong>da</strong>s atuais<br />
colônias do Estado de Minas. Sua capaci<strong>da</strong>de é unicamente para 100<br />
enfermos, e consta de um pequeno pavilhão com oficina, administração,<br />
gabinete do diretor e consultório médico; um pavimento cujo centro tem<br />
um refeitório; um pavilhão manicômio ao lado anterior com seis<br />
habitações separa<strong>da</strong>s por um corredor, um pavilhão para criminosos e<br />
indisciplinados; 14 quartos; um pavilhão para loucos furiosos e uma<br />
capela. (32)<br />
Pará: HOSPITAL DE LÁZAROS DE TOCUNDUBA<br />
A Santa Casa de Belém foi a fun<strong>da</strong>dora do Asilo para doentes de<br />
lepra de Tocunduba, em 1815; sua inauguração oficial deu-se em 1816. O<br />
hospital teve início com a a<strong>da</strong>ptação de um telheiro de olaria, em terras<br />
situa<strong>da</strong>s às margens do Igarapé Tocunduba (15) , doado pelos extintos<br />
religiosos mercenários, que as haviam aforado perpètuamente, desde<br />
1746. (9)<br />
__________________<br />
(*) NOTA – Esse hospital foi definitivamente fechado em 28 de agosto de 1941<br />
com a transferência dos doentes para a Colônia de Mirueira.
– 108 –<br />
Em 1933, êsse asilo consistia de 3 pavilhões para homens dos<br />
quais um, foi inaugurado em 1815, casa de mulheres, casa de<br />
administração, capela, escola e casas para famílias, dispostas em ruas.<br />
Foi mantido de 1816 a 1932, pela Santa Casa em colaboração com<br />
o Estado, quando foi entregue à Liga de Defesa contra a Lepra do Pará. (9)<br />
De sua história pudemos destacar as seguintes passagens: Em<br />
1815, por aviso do Príncipe Regente D. Pedro, foram concedi<strong>da</strong>s cinco<br />
loterias anuais de 16 contos ca<strong>da</strong> uma, não leva<strong>da</strong>s avante. (9)<br />
Em 1838, o hospital foi requisitado pelo Govêrno, para a exata<br />
aplicação <strong>da</strong> verba que lhe era destina<strong>da</strong>, mas a administração oficial não<br />
deu resultado, voltando, por isso, novamente à Santa Casa em 1839. (9)<br />
Em 1914 o governador Dr. Enéas Martins, mandou construir uma<br />
nova enfermaria, com 30 leitos, para aliviar a superlotação do hospital. (9)<br />
Em 1921, e depois em 1924, Souza Araujo introduziu vários<br />
melhoramentos. (9)<br />
Dessa época até 1928 a assistência médica esteve a cargo ao<br />
Serviço de Saneamento Rural, voltando então novamente para a<br />
administração <strong>da</strong> Santa Casa. (9)<br />
Foram construí<strong>da</strong>s mais tarde a casa <strong>da</strong> administração, capela,<br />
escola, e melhoramentos notáveis nos três antigos pavilhões. (9)<br />
Em 1822, haviam internados 22 doentes; em 1847, 61; em 1848,<br />
77; de 1848 a 1880 a média variou de 70 a 80 doentes. (9)<br />
De 1879 a 1921 entraram 1.226 e faleceram 883, em 1936 havia<br />
188 doentes. (9)<br />
Maranhão: HOSPITAIS DE LÁZAROS<br />
Existiram em S. Luiz, dois hospitais de Lázaros, que se sucederam.<br />
O primeiro, como já citamos em capítulo anterior, foi fun<strong>da</strong>do em<br />
1833, por solicitação do Presidente Provincial e até 1869, funcionou a<br />
cargo <strong>da</strong> Santa Casa. (9)<br />
O segundo, também man<strong>da</strong>do edificar pelo Presidente Provincial,<br />
Desembargador Ambrósio Leitão <strong>da</strong> Cunha, em 1869, em terrenos <strong>da</strong><br />
Santa Casa, fronteiriço ao cemitério do Gavião. Essa providência foi<br />
toma<strong>da</strong> por se julgar impraticável qualquer reparo no primitivo Asilo, do<br />
qual os leprosos saiam à noite para esmolar.
– 109 –<br />
Souza Araujo, visitou êste segundo hospital, no quarteirão “Madre<br />
de Deus” e assim o descreve:<br />
“Como asilo de leprosos é uma <strong>da</strong>s peiores cousas que já vi no<br />
mundo! E’ sórdido, tétrico o ambiente. Alí reina a miséria, a indisciplina e<br />
o vício! Vi alí casos avançadíssimos do mal destruidor. Os doentes em<br />
sua maioria deitados em rêdes ou pelo chão, tendo ao lado o prato de<br />
comi<strong>da</strong>. As salas são imun<strong>da</strong>s e cheias de moscas. O estabelecimento<br />
constava de um grande pavimento central em ruinas e uma varan<strong>da</strong> na<br />
frente. À esquer<strong>da</strong> um dormitório para homens e outro para mulheres.<br />
Além dêsse velho casarão havia cêrca de 20 barracas de residência<br />
particular, a maioria de palha; havia alguma limpeza nas dos casais.<br />
Outras eram de leprosos mutilados, onde a promiscui<strong>da</strong>de dos doentes,<br />
porcos e cães ia ao ponto de comerem no mesmo recipiente.<br />
Reinava completa indisciplina: os doentes saiam quando queriam,<br />
sobretudo à noite, frequentando os prostíbulos e para esmolar.<br />
O pavilhão central está na praça Cel. Alves Junior e a rua principal<br />
chama-se Cel. João Marques.<br />
Atrás <strong>da</strong>s barracas existe um pequeno mato em terreno íngreme<br />
onde os doentes vão fazer as suas necessi<strong>da</strong>des fisiológicas. Os porcos e<br />
as galinhas de sua creação comem as fézes ali espalha<strong>da</strong>s.<br />
Havia na praça um grupo de 3 latrinas com fossas simples,<br />
man<strong>da</strong><strong>da</strong>s construir pelo Dr. Costa Rodrigues. Não sei porque os doentes<br />
as entupiram”.<br />
“O asilo é dirigido pela Socie<strong>da</strong>de Beneficente. Na gestão <strong>da</strong> Santa<br />
Casa fazia as visitas clínicas aos asilados, o Dr. Domingos Xavier de<br />
Carvalho, depois o Dr. Salvio Mendonça, que foi ali agredido e insultado<br />
pelos enfermos”.
CAPITULO VIII<br />
A FASE CIENTÍFICA INICIAL DA CAMPANHA<br />
CONTRA A LEPRA NO BRASIL. OS CIENTISTAS E<br />
AS AUTORIDADES SANITÁRIAS NO IMPÉRIO E NO<br />
PRIMEIRO TRINTÊNIO REPUBLICANO<br />
1 - EMILIO RIBAS e o despertar científico <strong>da</strong> campanha<br />
contra a lepra no Brasil. 2 - Os pioneiros <strong>da</strong> campanha<br />
nos diversos Estados brasileiros. 3 - Creação do<br />
Departamento Nacional de <strong>Saúde</strong> Pública em que, pela<br />
primeira vez, se incluem, entre as ativi<strong>da</strong>des sanitárias de<br />
carater nacional, as que se referem à profilaxia <strong>da</strong> lepra.<br />
4 - Os feitos mais culminantes em resultado de medi<strong>da</strong>s<br />
oficiais nesta fase. 5 - No Amazonas. 6 - No Pará. 7 - No<br />
Maranhão. 8 - No Ceará. 9 - No Rio Grande do Norte. 10 -<br />
Em Minas Gerais. 11 - Em São Paulo. 12 - No Paraná.<br />
1. EMILIO RIBAS e o despertar científico <strong>da</strong> campanha contra a<br />
lepra no Brasil. – A endemia leprosa no Brasil, <strong>da</strong>tava aproxima<strong>da</strong>mente<br />
de três séculos, e pouca coisa, ou quase na<strong>da</strong>, se havia feito para atalhar a<br />
sua expansão no sentido exato de profilaxia. A maioria dos hospitais e<br />
asilos, então existentes, teria como finali<strong>da</strong>de abrigar reduzido número<br />
dêsses infelizes, e não demonstravam sua função principal – a profilaxia<br />
<strong>da</strong> moléstia.<br />
A lepra campeava livremente por todo o Brasil, multiplicando o<br />
número de suas vítimas, até que, em vários Estados começaram as<br />
autori<strong>da</strong>des sanitárias, cientistas e médicos a chamar insistentemente a<br />
atenção do Govêrno para o problema. Mas, de to<strong>da</strong>s essas vozes, foi a de<br />
Emilio Ribas que calou mais fundo.
– 111 –<br />
Êste ilustre cientista, diretor do Serviço Sanitário de São Paulo,<br />
que já estabelecera nas notificações compulsórias de moléstias<br />
infecciosas, a lepra ulcera<strong>da</strong>, e comissionara o Dr. Vampré, para um<br />
estudo <strong>da</strong> endemia no Interior do Estado em 1912, fêz no Primeiro<br />
Congresso Sul-Americano de Dermatologia e Sifiligrafia do Rio, em<br />
1918, conferências memoráveis, segui<strong>da</strong>s de intensa repercussão em todos<br />
os meios científicos do país. (1)<br />
A luta contra a lepra dependia, segundo êle, essencialmente, do<br />
isolamento humanitário, já pôsto em prática pelos noruegueses.<br />
Êsse isolamento, deveria ser feito em asilo-colônias, onde os<br />
doentes pudessem ter a devi<strong>da</strong> assistência, próximos a zonas de fácil<br />
acesso, dos centros populosos e cultos, de modo a permitir as pesquisas<br />
científicas e a assistência moral <strong>da</strong> família.<br />
A vi<strong>da</strong> dos doentes no Asilo-colônia deveria ser semelhante à dos<br />
sãos, com distrações, confôrto e trabalho. “A socie<strong>da</strong>de, que tira a êsses<br />
doentes a liber<strong>da</strong>de, tem o dever imperioso de assegurar-lhes o bem estar<br />
material e tudo o que possa atenuar a cruel<strong>da</strong>de de sua sorte” e “o trabalho<br />
há de mitigar a desventura dêsses doentes, <strong>da</strong>ndo-lhes a imagem <strong>da</strong> vi<strong>da</strong><br />
passa<strong>da</strong> e forçando-os a abandonar a mendici<strong>da</strong>de; despertará nos<br />
leprosos a consciência do próprio valor pessoal ” são sentenças que<br />
merecem ser lembra<strong>da</strong>s, sempre pelos que se dedicam à solução do<br />
problema <strong>da</strong> lepra.<br />
Aconselhava a ação conjunta do Estado, dos Municípios, e <strong>da</strong> ação<br />
particular como garantia para a fun<strong>da</strong>ção urgente dêsses estabelecimentos.<br />
Ao lado <strong>da</strong> creação de asilo-colônias, havia necessi<strong>da</strong>de de<br />
decretos dos poderes competentes, facilitando a profilaxia do mal, <strong>da</strong><br />
notificação compulsória de lodos os casos de lepra.<br />
Isolar-se-iam os leprosos pobres, permitir-se-ia o isolamento<br />
domiciliário de pessoas de posse, sob vigilância e dentro dos preceitos de<br />
higiêne. Os doentes deveriam comunicar a mu<strong>da</strong>nça de residência para<br />
efeito de vigilância e desinfecção, observando rigoroso asseio em suas<br />
residências. Proteger-se-iam as famílias dos leprosos indigentes e seus<br />
filhos seriam isolados, prontamente para lugar convenientemente<br />
a<strong>da</strong>ptado e onde se criariam livres <strong>da</strong>s fontes de contágio. Também deverse-ia<br />
impedir a importação de casos de lepra do estrangeiro.
– 112 –<br />
2. Os pioneiros <strong>da</strong> campanha nos diversos Estados brasileiros. –<br />
Contudo, si a voz de Ribas foi a que mais repercutiu pelo Brasil inteiro,<br />
justiça seja feita à pleiade de outros cientistas, que, com a mesma intenção<br />
patriótica e humanitária, nunca esmo receram, insistindo na necessi<strong>da</strong>de de<br />
se fazer uma perfeita profilaxia <strong>da</strong> lepra, defendendo a saude <strong>da</strong>s<br />
populações. Dentre êles, cumpre destacar, como pioneiros os Drs.<br />
Lourenço Magalhães e Oswaldo Cruz, graças à campanha sistemática, por<br />
meio de valiosas publicações e propagan<strong>da</strong> pelos jornais.<br />
Apesar de anticontagionista, Magalhães preconizou a confecção de<br />
um recenseamento perfeito dos leprosos, o isolamento condigno dos<br />
doentes e um regime adequado. (7)<br />
Oswaldo Cruz em 1913 aconselhava o isolamento dos leprosos na<br />
Ilha Grande.<br />
No Amazonas, A. <strong>da</strong> Matta, na direção <strong>da</strong> Higiene do Estado<br />
propunha, já em 1907, a transformação do Umirisal em asilo-colônia e,<br />
em 1915, iniciou a campanha contra a lepra, pela imprensa.<br />
(11) Na<br />
quali<strong>da</strong>de de Presidente <strong>da</strong> Assembléia Legislativa sugeriu em 1919, um<br />
projeto para se fun<strong>da</strong>r um leprosário, que foi aprovado e convertido em<br />
lei. (9)<br />
No Ceará, o Dr. José Lino <strong>da</strong> Justa, (26) inspetor de higiene, em<br />
1899, chamou a atenção dos poderes públicos para o grave problema.<br />
No Pará, graças a Cipriano Gurjão e Aben-Athar (1914-1918)<br />
Souza Araujo e Rutowicz (1921-1926)<br />
(25) muitos esforços foram<br />
empregados para resolver o problema <strong>da</strong> lepra. Neste Estado, Souza<br />
Castro apresentara em 1912 um projeto à Câmara dos Deputados,<br />
instituindo diversas medi<strong>da</strong>s de profilaxia <strong>da</strong> lepra. (9) Em 1917, fêz-se<br />
uma campanha para construção de um leprosário (Govêrno de Lauro<br />
Sodré), cuja pedra fun<strong>da</strong>mental foi coloca<strong>da</strong> em 1920, porém a obra não<br />
foi prossegui<strong>da</strong>.<br />
No Maranhão, Rodrigues Machado (1918), Salvio Mendonça e<br />
Amaral Mattos (25) mais tarde interessaram-se pelo problema.<br />
No Paraná, igualmente, Souza Araujo, apresentou ao 1.°<br />
Congresso Médico Paulista o seu programa, propugnando pelo isolamento<br />
insular dos doentes. Êste assunto foi amplamente discutido, prevalecendo<br />
a argumentação de Emilio Ribas, que era favorável ao isolamento em<br />
locais mais accessíveis.
HOSPITAL DOS LÁZAROS DO RIO DE JANEIRO<br />
São Cristovão – Distrito Federal<br />
Facha<strong>da</strong> principal<br />
HOSPITAL DOS LÁZAROS DE S. SALVADOR – BAHIA<br />
Fun<strong>da</strong>do por D. Rodrigo José de Menezes em 1781. Auxilia<strong>da</strong> pela<br />
“Socie<strong>da</strong>de Baiana de Assistência aos Lázaros”.
HOSPITAL DOS LÁZAROS – Recife. Fun<strong>da</strong>do em 1789. Foi melhorado pela<br />
dedicação do Dr. Clementino e pela Socie<strong>da</strong>de de Assistência aos Lázaros.
– 113 –<br />
Projetou naquele Estado um “lazarópolis” em Piraquara, que<br />
embora convertido em lei, não chegou a ser executado. (44)<br />
No Rio de Janeiro, em fins de 1915 e princípios de 1916, reunirase,<br />
por iniciativa <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de Médica, uma comissão de Profilaxia <strong>da</strong><br />
Lepra, constitui<strong>da</strong> dos delegados <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des científicas promotoras,<br />
de que fêz parte entre outros, Adolfo Lutz.<br />
Entretanto, os principais debates foram dirigidos para a questão <strong>da</strong><br />
transmissão <strong>da</strong> moléstia, ficando prejudica<strong>da</strong> a questão profilática,<br />
pròpriamente dita. (69)<br />
Nessa mesma ci<strong>da</strong>de reuniu-se de 8 a 15 de outubro o 1.°<br />
Congresso Americano de Lepra, sob a presidência do inolvidável Carlos<br />
Chagas, aprovando as seguintes conclusões técnicas:<br />
F. – 8<br />
1.° Recensear os leprosos em ca<strong>da</strong> Estado.<br />
2.° Recolher as diferentes legislações anti-lepróticas em vigor.<br />
3.° O contágio sendo elemento decisivo na lepra, abrir para<br />
combatê-la, colônias para leprosos.<br />
4.° Estas colônias devem atender a tô<strong>da</strong>s as exigências <strong>da</strong><br />
humani<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> ciência moderna.<br />
5.° Plano uniforme <strong>da</strong> luta, aplicado simultâneamente em todo o<br />
território nacional.<br />
6.° Permitir em certas condições, o isolamento domiciliário.<br />
7.° Fazer com que os doentes sejam tratados pelos métodos mais<br />
recomendáveis. O Congresso preconiza o uso de ésteres<br />
chaulmôogricos sem os considerar, to<strong>da</strong>via, como terapêutica<br />
definitiva.<br />
8.° Fazer pesquisas para encontrar um medicamento de ação<br />
pronta e segura.<br />
9.° Tornar obrigatório para os estu<strong>da</strong>ntes de medicina o estudo <strong>da</strong><br />
lepra.<br />
Estão em vigor atualmente as seguintes disposições:<br />
a) Notificação obrigatória dos leprosos e dos que com êles vivem.<br />
b) Recenseamento.<br />
c) Isolamento obrigatório, no domicílio, se a sua permanência aí<br />
não constitue perigo, a juizo <strong>da</strong> <strong>Saúde</strong> Pública e, nos casos<br />
contrários, em colônias agrícolas, sanatórios ou hospitais com<br />
ampla assistência médica periódica e social.
– 114 –<br />
d) Vigilância sanitária dos doentes isolados em domicílio e <strong>da</strong>s<br />
pessoas que os cercam (exame clínico e bacteriológico).<br />
e) Vigilância dos casos suspeitos até que se deci<strong>da</strong>m.<br />
f) Assistência pecuniária aos doentes isolados em domicílio.<br />
g) Proibição de mu<strong>da</strong>r de residência sem prévia autorização <strong>da</strong><br />
autori<strong>da</strong>de sanitária.<br />
h) Interdição do aleitamento materno aos filhos de leprosos e<br />
afastamento imediato dêles em preventórios especiais.<br />
i) Interdição <strong>da</strong> entra<strong>da</strong> de leprosos estrangeiros.<br />
Na Bahia, desde 1926, o Professor O. Torres, dissertava na sua<br />
cadeira de patologia geral sôbre a lepra. O interêsse que despertou deu<br />
origem à fun<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> “Socie<strong>da</strong>de Acadêmica Protetora dos Lázaros”, que<br />
promoveu festivais em benefício dos leprosos até 1933, quando deixou de<br />
existir. (6)<br />
3. Criação do Departamento Nacional de <strong>Saúde</strong> Pública.– Estas<br />
ativi<strong>da</strong>des pelo Brasil afora, traduzindo nova mentali<strong>da</strong>de, em relação à<br />
lepra, culminaram em 1920, com a organização do Departamento<br />
Nacional de <strong>Saúde</strong> Pública, graças ao Professor Carlos Chagas, criandose,<br />
pela primeira vez no Brasil, dentro <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des sanitárias nacionais,<br />
uma que se dedicasse à lepra (Decreto n. 16.300 de 31 de dezembro de<br />
1921, artigos 133 a 183. (35)<br />
A legislação referente à lepra constante dessa reforma, representou<br />
então um grande progresso no combate à endemia. Passou a ser encarado<br />
como um problema sanitário complexo, cuja solução exigia todo um<br />
sistema de medi<strong>da</strong>s profiláticas: recenseamento de doentes, medi<strong>da</strong>s para<br />
efeito de isolamento nosocomial ou a domicílio, tratamento, vigilância<br />
dos que não ficavam internados, o exame sistemático dos comunicantes, a<br />
preservação <strong>da</strong> prole do leproso e a educação sanitária. Essas<br />
providências não tar<strong>da</strong>ram a produzir resultados concretos, tanto na<br />
criação de leprosários, proventórios, organismos centrais para a<br />
orientação <strong>da</strong> campanha, como para despertar a conciência do povo, no<br />
tocante à gravi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> endemia e o interêsse em cooperar com os poderes<br />
públicos.<br />
Foi então cria<strong>da</strong> a Inspetoria de Profilaxia <strong>da</strong> Lepra e Moléstias<br />
Venéreas, com vasto programa de ação em todo o país. De início, teve a<br />
direção do Prof. Eduardo Rabelo,
– 115 –<br />
em segui<strong>da</strong> passou à orientação do Dr. O. <strong>da</strong> Silva Araujo, que procurou<br />
estender a campanha profilática que se iniciava, a todo o território<br />
nacional, através <strong>da</strong> então Diretoria do Saneamento Rural, fazendo a<br />
União uni acôrdo com os diversos Estados, a fim de se proceder o<br />
recenseamento e tomar outras medi<strong>da</strong>s.<br />
A instalação dos Serviços de Profilaxia Rural, foi nessa fase, fato<br />
de grande importância na história <strong>da</strong> lepra de vários Estados como,<br />
Amazonas, Pará, Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba,<br />
Pernambuco, Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, Paraná e Santa<br />
Catarina.<br />
Mas o perfeito e amplo programa <strong>da</strong> Inspetoria de Profilaxia <strong>da</strong><br />
Lepra e Moléstias Venéreas, não pôde ser realizado com a necessária<br />
continui<strong>da</strong>de. Devemos entretanto reconhecer, os úteis e bem orientados<br />
serviços realizados por Oscar <strong>da</strong> Silva Araujo, que em extenso e<br />
minucioso relatório, segundo Motta, conseguiu despertar a consciência<br />
sanitária do país com relação à lepra, tornando possível o estudo <strong>da</strong>s<br />
formas dissimula<strong>da</strong>s <strong>da</strong> moléstia, então quase completamente ignora<strong>da</strong>s,<br />
bem como <strong>da</strong>s formas tuberculóides, conheci<strong>da</strong>s por limitado número de<br />
especialistas.<br />
A Inspetoria de Profilaxia <strong>da</strong> Lepra, que se iniciara sob os<br />
melhores auspícios e com entusiasmo, perdeu, infelizmente, grande parte<br />
de sua eficiência, em virtude de fatores diversos.<br />
Nos Estados, como no Maranhão, por exemplo, estabelecera-se<br />
segundo ROSSAS (17) o que Munir chamava de “política vacilante de<br />
profilaxia <strong>da</strong> lepra, em que os planos melhor elaborados, pelos melhores<br />
técnicos, fracassam irremediàvelmente”.<br />
Naquele Estado, a construção do leprosário de S. Luiz fôra inicia<strong>da</strong><br />
em 1920. Suspensa várias vêzes, foi finalmente abandona<strong>da</strong> em 1927, em<br />
ruínas, após grandes despesas. (9)<br />
No Amazonas, o leprosário de Paredão fôra condenado, depois de<br />
construido com todo o capricho antes de receber o primeiro doente. (9)<br />
No Distrito Federal, segundo J. MOTTA (35) :<br />
“<br />
a organização profilática falha tornava inoperante a legislação<br />
avança<strong>da</strong> existente. Essa organização constava de uma repartição<br />
central para a verificação de diagnóstico e registro dos casos<br />
notificados e dois pavilhões de madeira, obtidos por empréstimo,<br />
pessima-
– 116 –<br />
mente instalados, em terrenos do antigo hospital de S_ Sebastião e<br />
nos quais se abrigavam, desde 1925, sem higiene e sem conforto,<br />
150 doentes.”<br />
Uma circunstância favorável, cria<strong>da</strong> pelo aparecimento de um<br />
surto de febre amarela, motivou a remoção dos doentes <strong>da</strong>lí, para internar<br />
os amarelentos. O Dr. J. MOTTA, na chefia do I. P. L. em 1928,<br />
interessado na sorte <strong>da</strong>queles infelizes doentes de lepra, a<strong>da</strong>ptou em<br />
poucas semanas, algumas velhas construções e um pavilhão abandonados,<br />
para sanatório de tuberculosos na Fazen<strong>da</strong> de Curupaiti, em Jacarepaguá,<br />
onde abrigou cerca de cinqüenta leprosos. Esta foi a origem do atual<br />
hospital-colônia de Curupaiti.<br />
Depois <strong>da</strong> revolução de 1930, a Inspetoria de Profilaxia <strong>da</strong> Lepra e<br />
Moléstias Venéreas, ficou virtualmente sem função e em 1934, foi extinta<br />
pela reforma Washington Pires e Barros Barreto. Os serviços no Distrito<br />
Federal passaram a ser feitos em alguns centros de saude, sem um<br />
organismo que coordenasse as suas ativi<strong>da</strong>des e estabelecesse a necessária<br />
articulação. (35)<br />
4. Os feitos mais culminantes em resultado de medi<strong>da</strong>s oficiais<br />
nesta fase. – Vejamos os atos oficiais mais culminantes <strong>da</strong> história <strong>da</strong><br />
lepra, ocorridos nos diversos Estados <strong>da</strong> União, durante esta fase, que<br />
chamaremos de precursora ou científica.<br />
5. AMAZONAS – O inspetor A. Matta (11) solicitou ao Dr.<br />
Samuel Uchôa, Chefe do Serviço de Saneamento Rural, a criação de um<br />
leprosário e êste sugeriu e obteve do governador Dr. Rego Monteiro, os<br />
terrenos e prédios do “Instituto Afonso Pena” em Paricatuba, à margem<br />
direita do Rio Negro, a duas horas de Manáus, que foram vendidos<br />
posteriormente ao Govêrno Federal (1923) para nêles ser instalado um<br />
leprosário.<br />
(11) O interventor Alfredo Sá, determinou a sua instalação,<br />
construindo ain<strong>da</strong> outras repartições, porém, havendo surgido dúvi<strong>da</strong>s<br />
quanto à localização, o Governador Dr. Turiano Meira, submeteu o caso à<br />
Socie<strong>da</strong>de de Medicina e Cirurgia, que opinou pela não inconveniência.<br />
(11)<br />
No Govêrno de Efigênio Sales, êsse prédio passou a servir<br />
novamente de Imigração e escolheu-se um terreno – o Paredão, a jusante<br />
de Manáus – a 9 kms (via fluvial), situado à margem esquer<strong>da</strong> do Rio<br />
Negro, próximo à confluência deste com o Rio Solimões, (9) e <strong>da</strong> ilha de<br />
Marapatá,
– 117 –<br />
onde se construiu o leprosário com todo o capricho (1929). O Dr. Aquiles<br />
Lisboa, nomeado diretor, condenou-o, entretanto por motivos que Souza<br />
Araujo diz “insubsistentes”. (9)<br />
Abandonando o “Paredão” depois de grandes despesas, resolveu o<br />
Governador transferir os leprosos em número de 171, de Umirisal (*) para<br />
a hospe<strong>da</strong>ria de Imigração de Paricatuba (1930). Êste hospital<br />
“Leprosário Belisário Pena” está hoje com a lotação de 500 doentes. (**)<br />
Em 26 de abril de 1929, por iniciativa do Dr. Matta, fundou-se no<br />
bairro <strong>da</strong> Cachoeirinha, uma créche, destina<strong>da</strong> a recolher os filhos dos<br />
lázaros de Umirisal, que desde 1922, vinham sendo entregues à cari<strong>da</strong>de<br />
<strong>da</strong> benemérita Dona Maria do Carmo de Jesus, residente no bairro de S.<br />
(11)<br />
Raimundo. Em homenagem à esposa do governador do Estado, o<br />
referido abrigo recebeu o nome de “Creche Alice Sales”.<br />
Esta créche, hoje chama-se “Abrigo Menino Jesus” e recebe<br />
auxílio <strong>da</strong> Prefeitura e do Govêrno do Estado. (75)<br />
6. PARÁ – Pelo consórcio do Serviço de Saneamento Rural com<br />
o Estado (1920) foram introduzidos melhoramentos no velho Asilo de<br />
Tocunduba; fundou-se o primeiro dispensário anti-leproso, que em 1922<br />
teve sede mais apropria<strong>da</strong>, passando a denominar-se “Instituto<br />
Terapêutico de Lepra”, o primeiro dispensário federal anti-leproso. Souza<br />
Araujo, encarregado pelo Govêrno <strong>da</strong> União para dirigir e organizar os<br />
serviços fêz aí todo o recenseamento.<br />
Nesse Estado, Souza Araujo, instala o primeiro leprosário federal<br />
tipo colônia, na proprie<strong>da</strong>de agrícola “Instituto Santo Antonio do Prata”,<br />
que era educandário destinado aos filhos dos indios <strong>da</strong> região do Rio<br />
Guamá, cedido quase gratuitamente pelo Governador do Estado<br />
(Governador Souza Castro). (9)<br />
__________________<br />
(*) Na passagem dos serviços contra a lepra para o Serviço de Saneamento<br />
Rural (1921) concentraram no Umirisal os doentes existentes em um albergue volante<br />
(bairro <strong>da</strong> Cachoeirinha, próximo à Vila Americana ou Linha de Tiro) criado pela<br />
Superintendência de Manáus. (ARAUJO, H. C. S.: Contribuição à épidemiologia e<br />
prophylaxia <strong>da</strong> lepra no Norte do Brasil, op. cit., pág. 174). O Umirisal fôra fun<strong>da</strong>do pelo<br />
Governador Afonso de Carvalho em 1908, nas vizinhanças do hospital de variolosos, no<br />
terreno homônimo, à margem esquer<strong>da</strong> do Rio Negro. (ARAUJO, H. C. S., op. cit., pág.<br />
173); foi melhorado e ampliado pelo Dr. A MATTA. Constava de duas ruas; um largo,<br />
dezenas de casinhas (48), barracões para oficina, capela e dispensário. (A. MATTA, op.<br />
cit., pág. 249).<br />
(**) Leprosários do Brasil, Rev. de Combate à Lepra. Rio de Janeiro, 7 de<br />
março, 72, 1942.
– 118 –<br />
Esta colônia está situa<strong>da</strong> no município de Igarapé-Assú a 21 kms.<br />
<strong>da</strong> sede do Município (*) e a 120 <strong>da</strong> capital. (9) Estavam ali isolados, em<br />
1942, 979 doentes. (*)<br />
7. MARANHÃO – Em 1921 foi criado o Serviço de Profilaxia <strong>da</strong><br />
Lepra e Doenças Venéreas, custeado pela União, e em 1922, foi instalado<br />
em S. Luiz o dispensário de profilaxia <strong>da</strong> lepra e doenças venéreas, sendo<br />
nomeado inspetor sanitário rural Salvio Mendonça.<br />
Em 1920, o Govêrno Federal adquiriu o sitio Sá Viana, no<br />
continente, que havia sido anteriormente adquirido pelo Estado, pela<br />
influência de Raul de Almei<strong>da</strong> Magalhães, a poucos minutos <strong>da</strong> capital,<br />
para sede do leprosário São Luis, cuja construção se iniciou em 1 de<br />
fevereiro do mesmo ano.<br />
Depois de várias interrupções em sua construção e enormes<br />
despesas, o grande prédio foi completamente abandonado por ter sido<br />
considerado inadequado, visto ser um asilo-hospital e não um asilocolônia.<br />
8. CEARÁ – Em 1923, cogitara-se do problema <strong>da</strong> lepra no<br />
Ceará, chegando-se mesmo a elaborar o projeto para construção de um<br />
leprosário. (*)<br />
Em 1925, foi inaugurado o Dispensário Oswaldo Cruz<br />
(administração Gavião Gonzaga e Barbosa Lima). Nesse dispensário, o<br />
Dr. A. <strong>da</strong> Justa fichou e tratou doentes de lepra. (19)<br />
Entre 1926 e 1927 foram construí<strong>da</strong>s por conta do govêrno do<br />
Estado cêrca de 10 casinhas na praia dos Arpoadores, em Fortaleza, para<br />
abrigar leprosos indigentes existentes na capital. Contudo tais habitações<br />
não chegaram a ser habita<strong>da</strong>s, visto ter surgido a idéia que se tornou<br />
vitoriosa, <strong>da</strong> construção de um leprosário em Canafístula, município <strong>da</strong><br />
Redenção, graças à cooperação pública, e que posteriormente foi<br />
encampado pelo governo federal (1940). (26)<br />
Em 1929 fundou-se o Preventório “Silva Araujo” (administração<br />
Samuel Uchôa) situado junto à administração do Leprosário Antonio<br />
Diogo. (19)<br />
9. RIO GRANDE DO NORTE – O Govêrno do Estado fundou o<br />
leprosário Colônia S. Francisco de Assis. Essa or-<br />
__________________<br />
(*) Leprosários do Brasil. “Revista de Combate à Lepra”. Rio de Janeiro, 7<br />
(Março): 72 e 73, 1942.
– 119 –<br />
ganização teve início em duas casas, que serviam de asilo para variolosos,<br />
à margem <strong>da</strong> estra<strong>da</strong> de ferro “Great Western”, onde se isolaram os três<br />
primeiros leprosos, e de 20 de julho de 1926 a 1927, foram internados<br />
mais 12 enfermos. (9) Para esse fim, o govêrno nomeára uma comissão<br />
(26-3-1926) para estu<strong>da</strong>r o problema <strong>da</strong> lepra: “Comissão Pró-<br />
Leprosário” que angariou cêrea de 160 contos, e a firma Pereira de<br />
Mossoró, fêz, nessa ocasião um donativo de 80 contos.<br />
No segundo semestre de 1928, iniciou-se a construção do<br />
leprosário pròpriamente dito. (9) Segundo Dona A. X. <strong>da</strong> Silveira, foi o Dr.<br />
Varela Santiago, chefe <strong>da</strong> Profilaxia <strong>da</strong> Lepra no Estado e diretor técnico<br />
<strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de de Assistência aos Lázaros e Defesa contra a Lepra de<br />
Natal, o grande animador <strong>da</strong> construção dêsse hospital. (75)<br />
10. MINAS GERAIS – Em 1921, foi promulga<strong>da</strong> em Minas<br />
Gerais (83) uma lei criando um leprosário em local onde mais grassasse a<br />
lepra no Estado (Lei 801, de 22 de setembro).<br />
Ain<strong>da</strong> por fôrça de uma lei, que recebeu o n. 6.038, de 21 de março<br />
de 1922, o Estado desapropriou parte <strong>da</strong> fazen<strong>da</strong> de Motta, no Distrito <strong>da</strong><br />
Capela Nova do Betim, município de Sta. Quitéria, onde sete meses<br />
depois, era lança<strong>da</strong> a pedra fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong> primeira colônia de leprosos<br />
de Minas Gerais, a “Colônia Santa Isabel”, situa<strong>da</strong> a 50 kms. de Belo<br />
Horizonte. Suas obras, foram efetivamente inicia<strong>da</strong>s, em janeiro de 1926,<br />
depois <strong>da</strong> transferência dos terrenos ao Governo Federal (Lei n. 849, de<br />
13 de setembro de 1923). Êsse Asilo-Colônia foi inaugurado a 23 de<br />
dezembro de 1931, quando começou a receber doentes. O Govêrno votou<br />
vários créditos para a sua construção, de 1925 a 1930, porém a construção<br />
desta colônia esteve por vezes, quase abandona<strong>da</strong>.<br />
11. SÃO PAULO – Foi em São Paulo, sem dúvi<strong>da</strong>, onde mais<br />
diretamente despertou o interêsse pelo problema, devido à campanha<br />
promovi<strong>da</strong> por Emilio Ribas, e se fêz sentir em tô<strong>da</strong>s as cama<strong>da</strong>s sociais e<br />
que provocou a fun<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Associação Protetora dos Morféticos.<br />
Essa Associação cogitou logo <strong>da</strong> construção de um leprosário em<br />
terreno que obtivera de Frei Antonio <strong>da</strong> Virgem Maria Muniz Barreto,<br />
situado nos campos de Santo Ângelo, com o fim exclusivo de ser ali<br />
construido o Asilo. Não se conformando com a situação cria<strong>da</strong> pelo<br />
Estado em tomar a si a construção do Asilo, esta Socie<strong>da</strong>de dissolveu-se e
– 120 –<br />
cedeu à Santa Casa aquêles terrenos para com o auxilio do Estado realizar<br />
a construção projeta<strong>da</strong>.<br />
O govêrno do Estado, de acôrdo com a Santa Casa, iniciou a<br />
construção do Asilo, tendo sua pedra fun<strong>da</strong>mental sido lança<strong>da</strong> pelo<br />
Presidente Altino Arantes, em 29 de abril de 1919, chegando a inaugurar<br />
o Pavilhão <strong>da</strong> administração no ano seguinte.<br />
Mais tarde, em 1926, o Govêrno deixou à Santa Casa o encargo <strong>da</strong><br />
continuação <strong>da</strong>s obras, limitando-se a subvencionar anualmente.<br />
Contudo, as obras se arrastavam morosamente, quase<br />
abandona<strong>da</strong>s, pois, surgiam dúvi<strong>da</strong>s quanto ao local e o perigo que<br />
poderia ocasionar a contaminação <strong>da</strong>s águas que iriam servir à Capital,<br />
dúvi<strong>da</strong>s aventa<strong>da</strong>s pela administração sanitária de então.<br />
Sòmente em 1928, na administração Aguiar Pupo, quando diretor<br />
do Serviço de Profilaxia <strong>da</strong> Lepra, é que o Asilo foi terminado e<br />
inaugurado.<br />
Outro fato auspicioso, foi o congresso realizado em Baurú,<br />
promovido pelas municipali<strong>da</strong>des <strong>da</strong> Noroeste, para criação de um<br />
leprosário regional – primeiros passos para a criação do “Aimorés”.<br />
Ain<strong>da</strong> sob a influência de Aguiar Pupo, as municipali<strong>da</strong>des do Estado<br />
fizeram realizar mais dois congressos, um na zona Mogiana e outro na<br />
Sorocabana; ambos com a mesma finali<strong>da</strong>de – construção de Asilos-<br />
Colônias Regionais.<br />
Os prefeitos presentes, concor<strong>da</strong>ram em contribuir para a<br />
construção de dois leprosários – os grandes Asilos-Colônias hoje<br />
existentes no Estado – “Cocais” em Casa Branca e “Pirapitinguí” entre<br />
Sorocaba e Itú, à semelhança do Asilo-colônia “Aimorés” de Baurú.<br />
A Inspetoria de Profilaxia <strong>da</strong> Lepra, cria<strong>da</strong> pela reforma do<br />
Govêrno Carlos de Campos e amplia<strong>da</strong> em suas funções por Aguiar Pupo,<br />
com a criação de Inspetorias Regionais, onde poderia centralizar tô<strong>da</strong>s as<br />
ativi<strong>da</strong>des antileprosas oficiais, adotou a legislação federal. Êste fato<br />
constituiu decisivo avanço na campanha contra a lepra no Estado de São<br />
Paulo. (1)<br />
12. PARANÁ (19) – Graças a um projeto dos deputados estaduais,<br />
Plinio Marques e Bertoldo Hauer, apresentado em 1915, cogitou-se criar<br />
um leprosário no Paraná, em efeito <strong>da</strong> lei n. 1.595, de 31 de março de 1916.
– 121 –<br />
De 1917 a 1919, Souza Araujo, percorreu quase todo o Estado em<br />
inspeção sanitária, fichando todos os doentes que encontrou. Fêz várias<br />
tentativas para fun<strong>da</strong>r um leprosário, o que aliás não conseguiu.<br />
Em 1918, o Govêrno tornou compulsória a notificação e o<br />
isolamento dos leprosos, proibindo também, a entra<strong>da</strong> de leprosos<br />
estrangeiros e o trânsito interestadual de doentes nacionais .<br />
De janeiro de 1919 a abril de 1921, Souza Araujo, dirigindo os<br />
serviços, de acôrdo com o Serviço de Saneamento Rural, manteve, anexo,<br />
um ambulatório, destinado à profilaxia <strong>da</strong> lepra, o qual funcionou até<br />
1925. (19)<br />
Em 20 de outubro de 1926, era inaugurado em Deodoro, a 30 kms.<br />
de Curitiba, o leprosário “São Roque”. Construido durante o govêrno do<br />
Presidente Munhoz <strong>da</strong> Rocha, custou 1.500 contos tendo capaci<strong>da</strong>de para<br />
abrigar 400 leprosos.<br />
Foi um dos primeiros asilos, construidos no Brasil, expressamente<br />
para leprosário.<br />
Até então a Diretoria de Higiene do Estado, vinha mantendo um<br />
pequeno asilo de leprosos nos arrabaldes de Curitiba. (19)<br />
Em outubro de 1927, foi inaugurado em Laranjeiras, a dois<br />
quilômetros do Leprosário “São Roque, o “Abrigo Escolar” para filhos de<br />
leprosos. Sua lotação, em 1936, era de 50 crianças.<br />
13. Laboratório de Leprologia do Instituto Oswaldo Cruz. – O<br />
criação do Laboratório de Leprologia no Instituto Oswaldo Cruz, em<br />
Manguinhos, sob a direção do Prof. H. C. Souza Araujo, foi sem dúvi<strong>da</strong>,<br />
fato marcante para a luta contra a lepra no Brasil, pois, além <strong>da</strong>s pesquisas<br />
de laboratório, coube-lhe sempre a incumbência de traçar planos de<br />
profilaxia, a pedido do Govêrno Federal e dos Estados.<br />
Nesse Laboratório, já foram realizados vários cursos de leprologia,<br />
para médicos do “Curso de Aplicação” do Instituto.
CAPÍTULO IX<br />
O ESTADO NACIONAL E A PROFILAXIA DA<br />
LEPRANO BRASIL. A COOPERAÇÃO DA<br />
FEDERAÇÃO DAS SOCIEDADES DE ASSISTÊNCIA<br />
AOS LÁZAROS E DEFESA CONTRA A LEPRA<br />
A) O ESTADO NACIONAL E O PROBLEMA DA LEPRA – 1 - O<br />
interêsse do Presidente Vargas para a solução do<br />
problema <strong>da</strong> lepra. 2 - A profilaxia em São Paulo e Minas<br />
Gerais. A ação de Sales Gomes em S. Paulo e a<br />
conseqüente inauguração dos grandes asilos colônias e<br />
outros atos. Decisivo avanço com medi<strong>da</strong>s toma<strong>da</strong>s em<br />
Minas Gerais. 3 - Ação direta do Govêrno Federal em<br />
colaboração com os Estados. Criação de novos<br />
leprosários e auxílio aos já existentes. Plano geral de<br />
novos leprosários. 4 - Outras medi<strong>da</strong>s: execução do<br />
censo de leprosos e criação ou estabelecimento dos<br />
Serviços de Profilaxia <strong>da</strong> lepra em vários Estados. 5 - Nova<br />
era de profilaxia <strong>da</strong> lepra no Brasil. Criação do Serviço<br />
Nacional de Lepra.<br />
B) COOPERAÇÃO DA FEDERAÇÃO DAS SOCIEDADES DE<br />
ASSISTÊNCIA AOS LÁZAROS E DEFESA CONTRA A LEPRA – 1<br />
- Histórico e campanhas promovi<strong>da</strong>s para e fun<strong>da</strong>ção de<br />
Preventórios. 2 - Preventórios construidos ou em<br />
construção. 3 - Importância <strong>da</strong> cooperação <strong>da</strong><br />
Federação, considera<strong>da</strong> de utili<strong>da</strong>de pública, pelo<br />
Govêrno Federal.<br />
O ESTADO NACIONAL E A PROFILAXIA DA LEPRA<br />
1. O interêsse do Presidente Vargas para a solução do problema<br />
<strong>da</strong> lepra. – O Estado Nacional, surgiu <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong>des que as<br />
circunstâncias e reali<strong>da</strong>des brasileiras impunham: entre elas figurava a<br />
questão <strong>da</strong> saúde do povo,
– 123 –<br />
magno problema, que não podia passar, como não passou, desapercebido<br />
ao grande plano administrativo.<br />
Getulio Vargas, na melhor <strong>da</strong>s compreensões, não regateando<br />
recursos de qualquer espécie, tem favorecido ao máximo a nobre<br />
campanha contra a lepra.<br />
A eleva<strong>da</strong> soma de 70.000.000 de cruzeiros, já inverti<strong>da</strong> pelo<br />
Govêrno Federal, nessa grande obra de redenção moral e física, do doente<br />
de lepra, criando modernos leprosários em quase todos os Estados e as<br />
freqüentes visitas do Presidente Getulio Vargas a êsses asilos, alguns por<br />
êle inaugurados, são provas indiscutíveis <strong>da</strong> ação e do interêsse do ilustre<br />
chefe <strong>da</strong> Nação.<br />
2. A profilaxia em S. Paulo e Minas Gerais. A ação de Sales<br />
Gomes em São Paulo e a conseqüente inauguração dos grandes asilos<br />
colônias e outros atos. Decisivo avanço com medi<strong>da</strong>s toma<strong>da</strong>s em Minas<br />
Gerais – Vitoriosa a revolução de outubro de 1930, estabeleceu-se uma<br />
situação administrativa que permitia maior liber<strong>da</strong>de de ação, resolvendo<br />
os problemas que necessitavam de mais pronta solução, tal como a<br />
profilaxia <strong>da</strong> lepra, antes sujeita à falta de continui<strong>da</strong>de e tantas vêzes<br />
prejudica<strong>da</strong> por discussões legislativas nas câmaras e senados. Esta<br />
situação foi magnificamente aproveita<strong>da</strong> em vários Estados.<br />
Em São Paulo, Sales Gomes Junior, notável higienista, dinâmico e<br />
tenaz, antes de tudo – um grande patriota, imbuido dos princípios do<br />
Estado Nacional, tomou a si, o encargo <strong>da</strong> solução do problema <strong>da</strong> lepra,<br />
pois, embora inicia<strong>da</strong> promissoramente por Aguiar Pupo, se achava<br />
emperra<strong>da</strong> na parte referente à construção dos grandes leprosários,<br />
iniciados em diversos pontos do Estado, e que se encontravam<br />
pràticamente abandonados. Esta situação era devi<strong>da</strong> a diversos fatores,<br />
todos oriundos <strong>da</strong> falta de uma orientação oficial segura, pois, ora faltava<br />
verba, ora eram interêsses particulares contrafeitos, ora por intromissão de<br />
socie<strong>da</strong>des, e muitos outros motivos, todos consequentes à indiferença do<br />
Govêrno pela magna questão.<br />
Sales Gomes, centralizando as verbas dota<strong>da</strong>s e ain<strong>da</strong> não<br />
aplica<strong>da</strong>s e utilizando-se de recursos novos prodigalizados por<br />
interventores sucessivos no Estado de São Paulo, começou imediatamente<br />
a obra de conclusão, construção e instalação dos leprosários para o<br />
isolamento compulsório dos doentes que viviam livremente, facilitando o<br />
contágio.
– 124 –<br />
Assim, foram inaugurados no período inicial do Estado Novo, o<br />
“Sanatório Padre Bento”, em junho de 1931, o “Asilo Colônia<br />
Pirapitingui” em outubro de 1931, o “Asilo Colônia Cocais”, em abril de<br />
1932, e “Asilo Colônio Aimorés” em abril de 1933.<br />
O “Asilo Colônia Santo Àngelo”, que já vinha funcionando desde<br />
1928 sob a direção <strong>da</strong> Santa Casa, foi incorporado, em 1933, ao Serviço<br />
de Profilaxia <strong>da</strong> Lepra, hoje Departamento, ao qual está afeta a campanha<br />
contra a lepra no Estado de São Paulo.<br />
O grande armamento anti-leproso que S. Paulo possue, é hoje, um<br />
dos primeiros do mundo, em organização e eficiência, tanto na profilaxia<br />
como na assistência social e jurídica dispensa<strong>da</strong> aos interessados, segundo<br />
WADE (84) ,SCHUJMAN (85) e outros.<br />
Em 12 anos de ininterrupta e constante ação, contava o D. P. L. de<br />
São Paulo, em 30 de junho de 1943, com 8.597 doentes isolados,<br />
representando a totali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s formas que necessitaram dessa medi<strong>da</strong>. O<br />
fichamento iniciado em março de 1924 já atingiu a 22.026 doentes em<br />
1943.<br />
Tal é a importância dessa organização que ela tem servido de<br />
modêlo a outras uni<strong>da</strong>des federativas, e mesmo, a outros paises deste<br />
continente, como provam as visitas constantes que lhe são feitas e o<br />
entusiasmo com que são relata<strong>da</strong>s as suas ativi<strong>da</strong>des por autori<strong>da</strong>des<br />
nacionais e estrangeiras.<br />
Em Minas Gerais, o problema tem aspectos muito semelhantes ao<br />
de S. Paulo. No que se refere à sua solução, “o ano de 1931 foi rico em<br />
realizações, para o Estado” diz CAMPOS. (83)<br />
O Govêrno mandou terminar a construção <strong>da</strong> “Colônia Santa<br />
Isabel”, que embora se encontrasse quase conclui<strong>da</strong>, achava-se<br />
abandona<strong>da</strong> em “começo de ruiva e com suas ruas cheias de mato”, (83)<br />
passando logo a seguir, a receber doentes.<br />
Os Serviços contra a Lepra e a Malária do antigo Serviço de<br />
Saneamento Rural passaram a denominar-se “Centro de Estudos e<br />
Profilaxia <strong>da</strong> Lepra” e “Centro de Estudo e Profilaxia <strong>da</strong> Malária”. Ao<br />
primeiro ficaram subordinados: O Dispensário Central, o Hospital de<br />
Sabará, e a Colônia Santa Isabel e todos os serviços contra a lepra, do<br />
Estado.<br />
Nêsse mesmo ano, fundou-se a associação Socie<strong>da</strong>de Mineira de<br />
Proteção aos Lázaros e Defesa contra a Lepra, que multiplicou suas filiais<br />
por vários municípios do Estado,
– 125 –<br />
tomando a seu cargo a construção, instalação e manutenção do<br />
Preventório S. Tarcisio. (83)<br />
Os prefeitos do Sul do Estado de Minas, atendendo a um apêlo do<br />
Govêrno, se reuniram em Congresso, na ci<strong>da</strong>de de Varginha, a 4 de<br />
setembro de 1933, resolvendo formar um Fundo Municipal “Pró Lazaros”<br />
– representado por uma contribuição de 5% <strong>da</strong> ren<strong>da</strong> anual de ca<strong>da</strong><br />
município, destinados à construção e manutenção de uma Colônia para<br />
leprosos, em suas respectivas zonas. Compareceram 64 chefes executivos<br />
dos municípios <strong>da</strong>quela região.<br />
Logo após, o decreto n. 11.087, de 25 de novembro de 1933,<br />
criava o Leprosário “Santa Fé” em Três Corações, e o de “Padre Damião”<br />
em Ubá; a construção dêste, foi inicia<strong>da</strong> em 1936, ampara<strong>da</strong> por um<br />
crédito de 3 mil contos (Lei 94, de 8 de novembro de 1936). (83)<br />
3. A ação direta do Govêrno Federal em colaboração com os<br />
Estados. Criação de novos leprosários e auxílio aos já existentes. Plano<br />
geral de novos leprosários – A ação direta do Govêrno Federal, encarando<br />
a lepra como problema nacional – no Estado Novo, o que fêz sentir com<br />
grande amplitude e eficácia no começo do ano de 1935, na maioria dos<br />
Estados. Foi então elaborado um plano de profilaxia <strong>da</strong> lepra para todo o<br />
país, sob a orientação do Ministro <strong>da</strong> Educação e <strong>Saúde</strong> Pública, Sr.<br />
Gustavo Capanema, com a colaboração dos Drs. Ernani Agrícola e<br />
Joaquim Motta, encarando o problema <strong>da</strong> construção de leprosários e<br />
a<strong>da</strong>tação e melhoramento dos estabelecimentos já existentes.<br />
Em consórcio com os Govêrnos Estaduais, construiu o Govêrno<br />
Federal, novos leprosários, em quase todos os Es tados. As administrações<br />
estaduais, obrigando-se a ceder as terras necessárias à instalação dos<br />
leprosários-colônias, os serviços indispensáveis de dispensários e manter<br />
perfeita organização de profilaxia em todo o Estado, com o serviço de<br />
censo e assistência completa e permanente aos doentes internados,<br />
mantendo também, perfeita articulação com as autori<strong>da</strong>des federais.<br />
Assim foram construi<strong>da</strong>s numerosas colônias agrícolas, <strong>da</strong>s quais<br />
<strong>da</strong>mos a seguir alguns <strong>da</strong>dos:<br />
1) “Aleixo”, no Estado do Amazonas, situa<strong>da</strong> às margens do<br />
lago do Aleixo, a 20 kms. de Manáus. Foi inicia<strong>da</strong> em fins de<br />
1937, obtendo para início de suas obras a importância de 815<br />
contos.
– 126 –<br />
2) “Marituba”, situa<strong>da</strong> na ci<strong>da</strong>de de Marituba, a 22 kms. de<br />
Belém. Foi inaugura<strong>da</strong> em 12 de janeiro de 1942. Sua construção<br />
custou ao Govêrno 4 mil contos e sua lotação é de 500 doentes.<br />
3) “Bomfim”, no Estado do Maranhão. Localiza<strong>da</strong> na ponta do<br />
Bomfim, a 10 minutos de lancha de São Luis, através do estuário<br />
do Rio Bocanga. A construção foi inicia<strong>da</strong> em 1932, na<br />
administração Cassio Miran<strong>da</strong>, sendo inaugura<strong>da</strong> em 17 de<br />
outubro de 1937. Em 1942, o número de internados era de 142<br />
doentes, sua lotação, porém, seria de 500, para dentro em pouco,<br />
(86, 19, 17)<br />
segundo Rossas.<br />
4) “Colônia Getulio Vargas”, no Estado <strong>da</strong> Paraíba, em Rio do<br />
Meio. Ampara<strong>da</strong> por um crédito estadual de 300 contos e idêntica<br />
soma do Govêrno Federal, foi sua construção inicia<strong>da</strong>. Sua<br />
inauguração, deu-se em 12 de julho de 1941.<br />
5) “Mirueira”, no Estado de Pernambuco. Situa<strong>da</strong> a 14 kms. <strong>da</strong><br />
Capital e a 5 kms. <strong>da</strong> linha de bonde de Beberibe. O Estado<br />
adquiriu um terreno por 530 contos com 800 hectares, o Govêrno<br />
<strong>da</strong> União contribuiu com igual soma. A pedra fun<strong>da</strong>mental foi<br />
lança<strong>da</strong> em 23 de agosto de 1936, sendo inaugurado em 26 de<br />
setembro de 1941.<br />
6) “Carpina”, no Estado do Piauí. Situa<strong>da</strong> a 4 kms. de Parnaíba.<br />
Em 1942, abrigava 97 doentes.<br />
7) “Colônia Antonio Justa”, no Estado do Ceará. Situa<strong>da</strong> a 123<br />
kms. <strong>da</strong> Capital, na estra<strong>da</strong> de Maracanaú, na fazen<strong>da</strong> São Bento<br />
que foi adquiri<strong>da</strong> pela Socie<strong>da</strong>de de Assistência aos Lázaros e<br />
Defesa contra a Lepra de Fortaleza. A construção foi inicia<strong>da</strong> em<br />
1937. Sua inauguração, deu-se em 7 de setembro de 1941, até<br />
então, havia custado 2.602 contos e terá capaci<strong>da</strong>de. para 500<br />
doentes. Em 1942, abrigava 314 doentes.<br />
8) “Eduardo Rabelo", no Estado de Alagoas. Situa<strong>da</strong> em<br />
Maceió, no Taboleiro João Martins. Inaugura<strong>da</strong> em 10 de<br />
novembro de 1941.<br />
9) “Jardim”, no Estado de Sergipe. Situa<strong>da</strong> em Aracajú.
– 127 –<br />
10) “Itanhenga”, no Estado do Espírito Santo. Situa<strong>da</strong> em<br />
Cariacica, a 14 kms. de Vitória. Foi inaugura<strong>da</strong> em 11 de abril de<br />
1937. Custou aos cofres estaduais, 1.600 contos e ao Govêrno<br />
Federal, 1.000 contos. Em 1942, abrigava 358 doentes.<br />
11) “Tavares Macedo”, no Estado do Rio. Foi inaugura<strong>da</strong> pelo<br />
Sr. Presidente Getulio Vargas, em 28 de agosto de 1938. Está<br />
situa<strong>da</strong> na Fazen<strong>da</strong> Iguá, adquiri<strong>da</strong> em 1936, ficando a 49 kms. de<br />
Niterói e a um km. de Ven<strong>da</strong>s <strong>da</strong>s Pedras, Estra<strong>da</strong> de Ferro<br />
Leopoldina. Foram logo, ali abrigados 35 doentes, que formaram<br />
um pequeno núcleo agrícola. O Govêrno do Estado, contribuiu<br />
com 440 contos; em 1942, abrigava 247 doentes.<br />
12) “Santa Tereza”, no Estado de Santa Catarina, município de S.<br />
José, a 24 kms. <strong>da</strong> Capital. A pedra fun<strong>da</strong>mental foi lança<strong>da</strong> em 24<br />
de julho de 1936, inaugurando-se em 11 de março de 1940, com a<br />
presença do Sr. Presidente Vargas. O Govêrno Federal, contribuiu<br />
com 350 contos e o Estadual com 230 contos. Sua lotação inicial<br />
seria de 300 leitos, em 1941, .porém, já estavam internados 341<br />
doentes.<br />
13) “Itapoã”, no Rio Grande do Sul. Em julho de 1936, era<br />
compra<strong>da</strong> pelo Govêrno do Estado, a fazen<strong>da</strong> de Itapoã, município<br />
de Viamão, à margem <strong>da</strong> Lagoa Negra, distante 60 kms. de Porto<br />
Alegre. Media 3.000 hectares. A Assembléia Legislativa concedeu<br />
um crédito de 450 contos (5-5-1931), e o Govêrno Federal deu um<br />
auxílio de 310 contos. Foi solenemente inaugura<strong>da</strong> em 11 de<br />
março de 1940. Existe um projeto, prevendo grandes ampliações.<br />
14) “São Francisco de Assis”, no Estado de Minas Gerais. Em<br />
sua parte Oeste. Situa<strong>da</strong> a 6 kms. de Bambuí, sua construção foi<br />
inicia<strong>da</strong> em 1936. O Govêrno Federal contribuiu com 1.200<br />
contos.<br />
15) “Santa Fé”, no Estado de Minas Gerais. Situa<strong>da</strong> a 6 kms. de<br />
Três Corações (sul do Estado) onde seriam prontamente abrigados<br />
900 doentes. O Govêrno Federal contribuiu com 1.200 contos, e o<br />
Estado havia iniciado as obras com uma verba de 1.300 contos.
– 128 –<br />
16) “Padre Damião”, no Estado de Minas Gerais. Situa<strong>da</strong> a Leste<br />
do Estado, na ci<strong>da</strong>de de Ubá.<br />
17) “São Julião”, no Estado de Mato Grosso. Situa<strong>da</strong> a 12 kms.<br />
de Campo Grande. Inaugura<strong>da</strong> em 5 de agosto de 1941, abrigando<br />
em 1942, 199 doentes. Para sua construção o Estado doou 800<br />
hectares de terras, adquiri<strong>da</strong>s por 530 contos. A União contribuiu<br />
com igual soma. A construção foi orienta<strong>da</strong> pelo Dr. Bonifacio<br />
Costa.<br />
18) “Santa Marta”, no Estado de Goiáz. Situa<strong>da</strong> a 12 kms. de<br />
Goiânia. Em 1942 abrigava 43 doentes.<br />
19) “Aguas Claras”, no Estado <strong>da</strong> Bahia. Em construção. Situa<strong>da</strong><br />
a 12 kms. <strong>da</strong> Capital. O Govêrno do Estado abriu um crédito de<br />
500 contos e o Govêrno Federal contribuiu com igual soma. O<br />
capitão Jurací Magalhães, havia condenado o Hospital D. Rodrigo<br />
de Menezes, e pretendia remover os leprosos do perimetro urbano.<br />
(Mensagem <strong>da</strong> Assembléia Legislativa, 2 de junho de 1936). (87)<br />
Com o auxílio federal ampliaram e melhoraram os asilos já<br />
existentes, alguns construidos quase inteiramente pelos Estados a partir de<br />
1937, como “Belisário Pena” em Paricatuba no Amazonas; “Souza<br />
Araujo” no Acre; o de “Tucunduba” no Pará e o “Lazarópolis” do Prata<br />
em Pará; o “São Francisco” do Rio Grande do Norte; o “Rodrigo de<br />
Menezes” na Bahia; o “Curupaití” no Distrito Federal; os de Santo<br />
Ângelo”, “Pirapitingui”, “Aimorés”, “Cocais” e o “Padre Bento” de São<br />
Paulo; “São João” de Cuiabá; “São Roque” do Paraná; e o de “Santa<br />
Isabel” de Minas Gerais.<br />
Foram encampados pelos govêrnos estaduais o de “Parnaíba” de<br />
Piauí, mantido pela socie<strong>da</strong>de local, e o “Antônio Diogo” de Canafistula<br />
no Ceará, 'este abrigando 300 lázaros e que já recebera 600 contos do<br />
govêrno federal.<br />
Não podendo certos Estados, por si só arcar com as despesas de<br />
instalação dos leprosários que se vão construindo, o Governo Federal<br />
desde 1937 vem destacando verbas para êsse fim. Em 1936 o total foi de<br />
363 contos, em 1937 de 436:916$000; em 1938 de 500 contos, e para a<br />
manutenção de doentes nas novas colônias 745 contos em 1938.<br />
Para as colônias projeta<strong>da</strong>s em 1935, escreve BARROS BARRETO<br />
(23) “ tem havido o cui<strong>da</strong>do de escolher áreas vastas
VITRAL DE ADORNO – Existente no “Hospital Frei Antônio do Desterro”<br />
– Rio de Janeiro. (Reprodução a nankin).
COLÔNIA SANTA TEREZA – Um dos modernos leprosarios construidos no Brasil com o auxílio federal,<br />
durante o govêrno Getulio Vargas. (Coleção do S. N. L.).
– 129 –<br />
de bom clima, bastante próximas <strong>da</strong>s capitais ou grandes ci<strong>da</strong>des,<br />
acessiveis por trem ou automovel, com facili<strong>da</strong>de para construções,<br />
culturas e criação e para o fornecimento de água, luz e energia elétrica.<br />
Procurou-se ain<strong>da</strong> assegurar o máximo de confôrto e de assistência aos<br />
doentes e reduzir ao mínimo o seu contacto com o pessoal sadio que<br />
deveria trabalhar nos estabelecimentos”, tal qual o programa traçado por<br />
Emilio Ribas.<br />
“Distinguiram-se por isso, no plano de construções três zonas: a<br />
dos sadios, distante cêrca de 500 metros <strong>da</strong> intermediária, esta reserva<strong>da</strong> à<br />
administração e seus anexos: farmácia, laboratório, residência de<br />
enfermeiros e irmãs de cari<strong>da</strong>de, e o pavilhão de observações. A 100<br />
metros pelo menos desta zona, vem a dos doentes, a qual além do<br />
parlatório e dependência para admissão dos doentes, inclue a parte<br />
residencial (pavilhões, cozinha, refeitórios e casas próprias), a de<br />
assistência (dispensário de típo policlínico e enfermarias com conjunto<br />
cirúrgico), a de diversões (clube, cinema, praça de esportes) e a de<br />
trabalho (oficinas, lavanderia e áreas para agricultura e criação).<br />
4. Outras medi<strong>da</strong>s: execução do censo de leprosos e criação ou<br />
estabelecimento dos Serviços de Profilaxia <strong>da</strong> Lepra em vários Estados. –<br />
Construidos alguns leprosários e em construção outros para atender a<br />
premência <strong>da</strong> profilaxia, isto é, isolar o maior número possivel de<br />
contagiantes, prossegue-se em to<strong>da</strong> a União, à execução do censo de<br />
leprosos, afim de avaliar exatamente a amplitude do problema. Para os<br />
Estados onde mais premente se tornava rever ou incentivar o censo, foram<br />
designados médicos com curso de leprologia (Pará, Ceará, Pernambuco,<br />
Bahia, Mato Grosso, Rio Grande do Sul, Goiáz). Para tanto funcionam<br />
nos Estados serviços destinados a proceder os censos, tanto nas Capitais<br />
como no Interior, pelo exame dos suspeitos, dos comunicantes e de<br />
denunciados como doentes.<br />
No Espírito Santo, foi criado o Serviço de Profilaxia Contra a<br />
Lepra (decreto N. 6.579 de 31 de julho de 1936) com sede em Vitória,<br />
onde há dispensários e laboratórios e mais oito dispensários mistos (lepra<br />
e doenças venéreas) nos seguintes municípios: Vitória, Colatina, Afonso<br />
Cláudio, Cachoeiro de Itapemirim, Muqui, João Pessoa e Calçado, e dois<br />
dispensários itinerantes, um na zona Norte e outro na zona Sul.<br />
Em Minas Gerais, foram criados quatro postos itinerantes (lei n.<br />
164 de 14 de novembro de 1936) subordinados<br />
F. – 9
– 130 –<br />
ao organismo central que é o Centro de Estudos e Profilaxia <strong>da</strong> Lepra,<br />
ca<strong>da</strong> um com um médico e quatro auxiliares tributários <strong>da</strong>s quatro<br />
colônias existentes.<br />
No Distrito Federal, inicialmente os serviços de profilaxia eram<br />
feitos em vários Centros de Saude, depois de extinção <strong>da</strong> Inspetoria de<br />
Profilaxia <strong>da</strong> Lepra em 1934, passaram-se para os Serviços Sanitários <strong>da</strong><br />
Prefeitura do Distrito Federal.<br />
Segundo MOTTA, não havia “um orgão técnico que centralizasse e<br />
coordenasse as ativi<strong>da</strong>des e estabelecesse a interrelação dos vários<br />
serviços”, porém, com essa modificação administrativa, “puderam ser<br />
reunidos todos os elementos indispensáveis, contando hoje a Capital <strong>da</strong><br />
República com um perfeito armamento contra a lepra: serviço central,<br />
com ambulatório de eluci<strong>da</strong>ção de diagnóstico, laboratório de pesquisas,<br />
sete ambulatórios anexos aos centros de saude e distribuidos pelos<br />
diferentes distritos de acôrdo com a incidência <strong>da</strong> moléstia, com o<br />
Hospital de Curupaití, bem instalado, e o Preventório para filhos de<br />
lázaros indigentes”.<br />
O prof. Motta, na chefia, auxiliado por Moura Costa incumbira-se<br />
“de refazer o ca<strong>da</strong>stro dos doentes extraviados pela descentralização por<br />
que haviam passado os serviços”.<br />
No Rio Grande do Sul, instalou-se um Dispensário Central no<br />
Centro N. 2. Outros dispensários foram instalados junto aos postos de<br />
higiene do Interior, diretamente subordinados à Diretoria de Higiene do<br />
Estado.<br />
A Divisão Técnica do Departamento Estadual de Higiene se<br />
incumbe ali do censo, propagan<strong>da</strong> e serviços de dispensários, e a Divisão<br />
de Assistência Médico-Social do mesmo Departamento, auxilia<strong>da</strong> pela<br />
cooperação priva<strong>da</strong>, cui<strong>da</strong> do isolamento dos doentes e o amparo de suas<br />
famílias.<br />
Em 1933 o Dr. Souza Araujo, foi designado pelo Ministro <strong>da</strong><br />
Educação e Saude Pública para estu<strong>da</strong>r o problema <strong>da</strong> lepra no Norte do<br />
País. Em substancioso relatório, propõe medi<strong>da</strong>s julga<strong>da</strong>s necessárias,<br />
considerando que a campanha deveria ser encara<strong>da</strong> como problema<br />
nacional e que, no prazo de cinco anos de campanha sistemática e bem<br />
orienta<strong>da</strong> poderia ser dominado o problema, dispendendo-se para isso 50<br />
mil contos.<br />
Em meiados de 1936, o Govêrno reiniciou a cooperação com o<br />
Estado do Pará, na campanha contra a lepra, por intermédio <strong>da</strong> Delegacia<br />
Sanitária Federal do Norte, chefia<strong>da</strong> pelo Dr. Antonio Pery-Assú com<br />
jurisdição desde o Maranhão
– 131 –<br />
até o Acre e instala<strong>da</strong> pelo <strong>Ministério</strong> <strong>da</strong> Educação e Saude Pública em<br />
Belém.<br />
Foram restabelecidos os Serviços de Profilaxia <strong>da</strong> Lepra no<br />
Maranhão em 1939; na Paraíba em 1936; em Alagoas; em Santa Catarina,<br />
em 16 de novembro de 1936; no Rio Grande do Norte, serviço antileproso<br />
itinerante a cargo do Dr. Lamartine de Faria para ultimar o censo do<br />
Interior; no Ceará em 1940 e em Mato Grosso foi criado um serviço<br />
diretamente subordinado ao Serviço de Higiene sob a direção do Dr.<br />
Clineu Costa, em 30 de outubro de 1940.<br />
5. Nova era <strong>da</strong> profilaxia <strong>da</strong> lepra no Brasil. Criação do Serviço<br />
Nacional de Lepra – Essa ativi<strong>da</strong>de, desenvolvi<strong>da</strong> em muitos Estados<br />
brasileiros graças à dedicação demonstra<strong>da</strong> pelos seus interventores e o<br />
despertar dêsse interesse, pela primeira vez, em alguns outros pontos do<br />
país, prenuncia uma nova era, onde não mais haverá solução de<br />
continui<strong>da</strong>de e falta de coordenação entre as várias peças do armamento<br />
antileprótico.<br />
Os tristes exemplos do passado, as vicissitudes que passou a luta<br />
contra a lepra, como o abandono de leprosários já construidos, depois de<br />
enormes somas dispendi<strong>da</strong>s, como o “Paredão” no Amazonas e o “São<br />
Luiz” no Maranhão, a supressão de serviços em an<strong>da</strong>mento, e a falta de<br />
dependência e entrosagem de medi<strong>da</strong>s que deveriam estar na mais estreita<br />
relação, a existência de certos orgãos e a falta de outros, a morosi<strong>da</strong>de e<br />
indiferença dos poderes públicos já não mais se farão sentir.<br />
Os frutos dessa grande campanha nacional, intensa e definitiva, já<br />
são evidentes e satisfatórios em certos Estados. Haja visto a internação <strong>da</strong><br />
totali<strong>da</strong>de dos doentes contagiantes de São Paulo e do Rio Grande do<br />
Norte (83) e não erraremos, afirmando que em grande parte de outros<br />
Estados, em breve a internação será total.<br />
O Govêrno Federal, reconhecendo o carater nacional <strong>da</strong> campanha<br />
contra a lepra, e a sua amplitude, criou dentro <strong>da</strong> nova organização do<br />
Departamento Nacional de Saude o Serviço Nacional de Lepra – Decreto<br />
N. 3.171 de 2 de abril de 1941, entregando-o à proeficiente direção de<br />
Ernani Agrícola, cuja função não tem caracteres de centralização<br />
administrativa, pois, em tô<strong>da</strong> a historia brasileira percebe-se que apesar de<br />
indiscutivel a uni<strong>da</strong>de nacional, os problemas são variáveis de região para<br />
região, competindo ao poder central, socorrê-los sómente nas suas<br />
dificul<strong>da</strong>des. Uma <strong>da</strong>s principais funções dêsse Serviço, senão a mais<br />
importante,
– 132 –<br />
será a de incentivar e manter a campanha e a sua continui<strong>da</strong>de, pois, nessa<br />
grande obra, o mais dificil não é a criação dos organismos, mas sim, a sua<br />
manutenção durante o longo tempo que em geral se faz necessário à sua<br />
existência.<br />
Não há necessi<strong>da</strong>de de mais argumentos, esta breve resenha atesta<br />
a ação ininterrupta e o patriótico interêsse do Presidente Vargas –<br />
prenúncio seguro <strong>da</strong> breve extinção de uma endemia que tão gravemente<br />
prejudica os nossos foros de Nação Civiliza<strong>da</strong>.<br />
B) FEDERAÇÃO DAS SOCIEDADES DE ASSISTÊNCIA AOS<br />
LÁZAROS E DEFESA CONTRA A LEPRA (*)<br />
1. Histórico e campanhas promovi<strong>da</strong>s para a fun<strong>da</strong>ção de<br />
preventórios – E’ de elementar justiça realçar a ação <strong>da</strong> Federação <strong>da</strong>s<br />
Socie<strong>da</strong>des de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra, sob a<br />
inteligente, segura e contínua direção <strong>da</strong> Senhora Eunice Weaver.<br />
A idéia <strong>da</strong> Federação surgiu em S. Paulo, em 1933, quando se<br />
pensou em federar oito socie<strong>da</strong>des já existentes, nos moldes <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de<br />
de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra <strong>da</strong>s quais a primeira<br />
fôra fun<strong>da</strong><strong>da</strong> na Capital Paulista, em 1929, por Dona Alice Tibiriçá.<br />
Ain<strong>da</strong> sob os seus auspícios, realizou-se uma reunião no Rio de Janeiro,<br />
para uniformização <strong>da</strong> campanha contra a lepra no Brasil.<br />
Outras associações, com as mesmas finali<strong>da</strong>des ,existentes nos<br />
Estados, conforme já nos referimos em capítulo anterior, ligaram-se direta<br />
ou indiretamente a essa Federação, passando a maioria delas a<br />
denominação uniforme de “Socie<strong>da</strong>de de Assistência aos Lázaros e<br />
Defesa Contra a Lepra” e, sob o influxo <strong>da</strong> Federação, novas socie<strong>da</strong>des<br />
homônimas foram fun<strong>da</strong><strong>da</strong>s em muitos municípios brasileiros.<br />
A Federação, no intuito de orientar tô<strong>da</strong>s as ativi<strong>da</strong>des <strong>da</strong>s<br />
Socie<strong>da</strong>des existentes coordenando-as para a execução de um programa<br />
nacional, dirigiu seus esfôrços, sem descurar dos outros problemas <strong>da</strong><br />
campanha, para a criação de preventórios, destinados ao abrigo de filhos<br />
dos lázaros, um dos pontos mais importantes <strong>da</strong> campanha, e onde, mais<br />
útil e eficientemente poderia ser aproveita<strong>da</strong> a cooperação particular,<br />
salvando, atualmente, do contágio certo, inúmeras<br />
__________________<br />
(*) A maioria <strong>da</strong>s informações dêste sub-capítulo, foram colhi<strong>da</strong>s na<br />
publicação de Dona América X. <strong>da</strong> Silveira: “O histórico <strong>da</strong> cooperação priva<strong>da</strong> no<br />
Brasil”, Rio de Janeiro, 1938.
– 133 –<br />
crianças, que amanhã, constituirão úteis elementos humanos para a<br />
prosperi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Nação.<br />
Para êsse fim, a Federação realizou grandes campanhas<br />
financeiras, empregando esforços notáveis e dignos dos maiores<br />
encômios. Segundo Dona América Xavier <strong>da</strong> Silveira, em 1938, haviam<br />
sido apurados mais de 3 mil contos, e em 1942, esta soma elevava-se a 5<br />
mil contos, havendo o Govêrno Federal contribuido com soma quase<br />
equivalente.<br />
De 1935 a 1937, a Federação realizou essa campanha nos Estados<br />
do Norte, no intuito de construir preventórios em Pernambuco, Paraíba e<br />
Espírito Santo.<br />
Em 1938, a Federação, de acôrdo com as socie<strong>da</strong>des locais,<br />
promoveu duas grandes campanhas, uma no Rio Grande do Sul e outra no<br />
Rio de Janeiro.<br />
Em 1940, campanhas idênticas foram realiza<strong>da</strong>s, pelas socie<strong>da</strong>des<br />
locais, em Mato Grosso e Paraná.<br />
Em 1941, foi a vez de Piauí, Alagôas e Goiáz.<br />
Na execução dessas campanhas, as abnega<strong>da</strong>s <strong>da</strong>mas <strong>da</strong> Federação<br />
percorriam numerosas ci<strong>da</strong>des, procurando despertar a consciência do<br />
povo realizando conferências, ou por meio do rádio, folhetos, imprensa,<br />
etc., sempre com o elevado propósito de angariar fundos para o completo<br />
desempenho de suas finali<strong>da</strong>des.<br />
Por tô<strong>da</strong> parte, iam essas ilustres <strong>da</strong>mas, conseguindo entusiásticas<br />
adesões, tanto moral, como financeira. E o fruto dessas ativi<strong>da</strong>des, traduzse<br />
nos magníficos preventórios hoje existentes em quase todos os Estados.<br />
Representam êles, decidido auxílio à campanha profilática, pois nos 16<br />
belos e modernos preventórios, hoje existentes, acham-se abriga<strong>da</strong>s 1.430<br />
crianças.<br />
2. Preventórios construidos ou em construção. – Apresentamos a<br />
seguir, a relação dos referidos preventórios, fazendo um pequeno<br />
histórico de ca<strong>da</strong> um dêles, com <strong>da</strong>dos extraidos <strong>da</strong> Revista de Combate à<br />
Lepra, Rio de Janeiro, 1942, 7: 56 e 57.<br />
1) AMAZONAS – “Educandário Gustavo Capanema”. À margem do<br />
Rio Negro, a 3 kms. de Manáus. Abrigava no primeiro<br />
trimestre de 1942, 54 crianças.<br />
2) PARÁ – “Educandário Eunice Weaver”. Na estra<strong>da</strong> de Artur<br />
Bernardes, a 10 kms. do centro urbano <strong>da</strong> capital. Ocupado<br />
atualmente pela Região Militar.
– 134 –<br />
3) MARANHÃO – “Educandário Santo Antonio”. Situado no Bairro de<br />
Cotim Grande, a 8 kms. <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de S. Luiz. Inaugurado em 8<br />
de dezembro de 1941, com a capaci<strong>da</strong>de para 100 crianças.<br />
4) CEARÁ – “Educandário Eunice Weaver”. Situado em Maranguape, a<br />
20 kms. de Fortaleza. A “Comissão Construtora do<br />
Leprosário”, de acôrdo com a Federação, tomou o nome de “S.<br />
A. L. e D. C. L.”. Entregue à Diretoria Feminina, esta<br />
promoveu uma campanha de soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de angariando<br />
251:854$000, para a construção do Educandário.<br />
5) RIO GRANDE DO NORTE – “Educandário Oswaldo Cruz”. Situado<br />
no bairro do Tirol, a 2 kms. de Natal. No primeiro trimestre de<br />
1942, abrigava 13 crianças.<br />
6) PARAIBA – “Educandário Eunice Weaver”. Foi construido com o<br />
produto <strong>da</strong> campanha <strong>da</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de promovi<strong>da</strong> em maio de<br />
1936, a qual rendeu 220:441$200 em dinheiro e 40:000$000<br />
em terras, alem dos auxílios de 10:000$000 do Govêrno do<br />
Estado e 50:000$000 do Govêrno Federal. Foi inaugurado em<br />
10 de agosto de 1941. Está localizado na Fazen<strong>da</strong> Rio do Meio,<br />
a 7 kms. de João Pessoa. Abrigava em 1942, 14 crianças.<br />
7) PERNAMBUCO – “Instituto Guararapes”. Iniciado com 410 contos<br />
produto <strong>da</strong> campanha de soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de, promovi<strong>da</strong> pela<br />
Socie<strong>da</strong>de de Assistência aos Lázaros e Defesa contra a Lepra,<br />
em março de 1936. Localizado no Bairro <strong>da</strong> Varzea, a 6 kms.<br />
de Recife. Em 1942, abrigava 52 crianças.<br />
8) ESPIRITO SANTO – “Preventório Alzira Bley e Granja Eunice<br />
Weaver”. Situados no Município de Cariacica, a 10 kms. de<br />
Vitória. No primeiro trimestre de 1942, abrigava 125 crianças.<br />
9) RIO DE JANEIRO – “Educandário Vista Alegre”, situado no<br />
Município de S. Gonçalo, a 11 kms. <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de Niterói. Em<br />
1942 abrigava 87 crianças.
– 135 –<br />
10) DISTRITO FEDERAL – “Preventório Recanto Feliz”. Situado no<br />
Catumbí. Foi instalado com o produto <strong>da</strong> Campanha <strong>da</strong><br />
Soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de, promovi<strong>da</strong> pela Federação em 1933, quando<br />
angariou a soma de 300 contos.<br />
11) SANTA CATARINA – “Educandário Santa Catarina”, situado a 6<br />
kms. de Florianópolis, em Roçado, Município de São José.<br />
12) PARANÁ – “Educandário Curitiba”. Próximo do campo de aviação,<br />
a 6 kms. de Curitiba. Abrigava no primeiro trimestre de 1942,<br />
32 crianças.<br />
13) RIO GRANDE DO SUL – “Amparo Santa Cruz”. Abrigava em<br />
1942, 88 menores. Situado em Belem Velho, a 12 kms. de<br />
Porto Alegre.<br />
14) MINAS GERAIS – “Educandário Carlos Chagas”. Situado a 2 kms.<br />
de Juiz de Fora. “Educandário Olegario Maciel”, a 8 kms. de<br />
Varginha.<br />
15) MATO GROSSO – “Educandário Getulio Vargas”, situado a 4 kms.<br />
de Campo Grande.<br />
Além dêstes preventórios mencionados, todos êles <strong>da</strong>ndo cabal<br />
desempenho à missão para a qual foram instalados, <strong>da</strong>remos a seguir,<br />
alguns <strong>da</strong>dos sôbre os que, no momento, se acham em construção e que<br />
são os seguintes:<br />
1) TERRITÓRIO DO ACRE – “Ed. Sta. Margari<strong>da</strong>”, na ci<strong>da</strong>de de Rio<br />
Branco, em construção.<br />
2) PIAUÍ – “Educandário Padre Damião”, situado a 2 kms. de Parnaíba.<br />
3) ALAGOAS – “Educandário Eunice Weaver”. Situado próximo à<br />
ci<strong>da</strong>de de Maceió.<br />
4) SERGIPE – “Educandário São José”, situado a 3 kms. de Aracajú.<br />
5) GOIÁZ – “Educandário Afranio Azevedo”. Situado a 1 km. <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de<br />
de Goiânia.<br />
6) BAHIA – “Educandário Eunice Weaver”. Situado na fazen<strong>da</strong> Aguas<br />
Claras a 15 kms. <strong>da</strong> Capital Baiana e a 5 kms. do novo leprosário em<br />
construção.
– 136 –<br />
3. Importância <strong>da</strong> cooperação <strong>da</strong> Federação, considera<strong>da</strong> de<br />
utili<strong>da</strong>de pública pelo Govêrno Federal – Tão importante é a cooperação<br />
<strong>da</strong> Federação na luta contra a lepra, que o Presidente Vargas houve por<br />
bem considerá-la de utili<strong>da</strong>de pública (Decr. 1.473 de 8 de março de<br />
1937). Seu intúito foi regulamentar as ativi<strong>da</strong>des, sob o ponto de vista<br />
profilático, dentro de normas únicas. Sob o influxo <strong>da</strong> Federação foi então<br />
elaborado por uma comissão de técnicos e aprovado pelas altas<br />
autori<strong>da</strong>des um regulamento para reger os Preventórios subvencionados<br />
pelo Govêrno Federal.<br />
Tomando dessa forma um carater nacional e obedecendo uma<br />
orientação uniforme, a Federação vai coordenando tô<strong>da</strong> a ativi<strong>da</strong>de<br />
oriun<strong>da</strong> <strong>da</strong> ação <strong>da</strong>s diversas uni<strong>da</strong>des existentes por todo o país, evitando<br />
a dispersão de esforços.<br />
Está, pois, fa<strong>da</strong><strong>da</strong>, com seu trabalho, a ser um dos mais possantes<br />
esteios <strong>da</strong> Campanha Contra a Lepra no Brasil, o que aliás, já tem<br />
demonstrado sobejamente.
– 137 –<br />
NOTA<br />
Nos quadros adiante estão os <strong>da</strong>dos relativos ao início <strong>da</strong><br />
construção, <strong>da</strong>tas <strong>da</strong> inauguração e funcionamento dos leprosários e<br />
preventórios, segundo os informes existentes no Serviço Nacional de<br />
Lepra.<br />
PREVENTÓRIOS<br />
NOME<br />
Início <strong>da</strong><br />
construção Inauguração<br />
Funcionament<br />
o<br />
Santa Margari<strong>da</strong>....................... ? ? dez. 1948<br />
Gustavo Capanema................ 17- 1-40 11- 2-42 25- 3-42<br />
Santa Terezinha......................... – 6- 1-31 –<br />
Eunice Weaver (PA)................. 20–12-39 12- 2-42 4- 2-48<br />
Santo Antonio........................... 8-10-39 8-12-41 16-12-41<br />
Padre Damião.......................... 1941 26-12-44 m/<strong>da</strong>ta<br />
Eunice Weaver (CE)................. jan. 1939 22-11-42 25-11-42<br />
Oswaldo Cruz............................ 13- 1-40 1- 5-42 1- 5-42<br />
Eunice Weaver (PB).................. 13- 3-36 10- 8-41 22-12-41<br />
Guararapes............................... 15- 1-39 9- 8-41 m/<strong>da</strong>ta<br />
Eunice Weaver (AL).................. 28- 2-42 8-12-43 28-11-43<br />
São José..................................... 19- 4-42 19- 4-45 19- 3-45<br />
Eunice Weaver (BA)................. 21- 8-39 10-11-43 m/<strong>da</strong>ta<br />
Alzira Bley................................... 11- 4-37 2- 4-40 m/<strong>da</strong>ta<br />
Vista Alegre............................... out. 1939 27- 8-40 26-11-37<br />
Santa Maria............................... 1939 10-10-42 8- 7-42<br />
Jacareí....................................... – 18- 6-32 15- 8-33<br />
Asilo Santa Terezinha................ 1926 8- 9-27 m/<strong>da</strong>ta<br />
Creche Santa Terezinha.......... ? em construção em construção<br />
Curitiba...................................... 14-10-40 19- 6-43 25- 5-42<br />
Santa Catarina......................... 19-11-38 26-1-41 m/<strong>da</strong>ta<br />
Santa Cruz................................. 1939 29- 6-40 m/<strong>da</strong>ta<br />
Carlos Chagas.......................... 1- 3-41 4- 4-43 7- 6-43<br />
São Tarcisio................................ junho 1932 12-10-34 20- 5-34<br />
Aprendizado Téc. Profissional.. 1939 20-10-41 28-10-41<br />
Olegario Maciel........................ 1938 8- 8-42 m/<strong>da</strong>ta<br />
Afranio Azevedo....................... 22-12-41 ? 23- 9-43<br />
Getulio Vargas.......................... 28- 1-41 31-10-43 junho 42
NOME<br />
– 138 –<br />
LEPROSÁRIOS<br />
Início <strong>da</strong><br />
construção<br />
Inauguração Funcionamento<br />
Cruzeiro do Sul em<br />
(Colonia)................... construção – –<br />
Cruzeiro do Sul (Asilo). ? ? ?<br />
Souza Araujo............... ? 24- 6-30 ?<br />
Colonia em Rio em<br />
Branco........................ construção – ?<br />
Belisario Pena............. – 1- 7-30 m/<strong>da</strong>ta<br />
Antonio Aleixo............. 1937 – 3-11-42<br />
Prata............................ ? 24- 6-24 m/<strong>da</strong>ta<br />
Marituba...................... 29-11-37 15- 1-42 –<br />
Gil Vila Nova................ ? 19- 3-39 m/<strong>da</strong>ta<br />
Bonfim........................... 1932 8-10-37 17-10-37<br />
Carpina........................ 1928 julho 1931 1929<br />
Antonio Diogo............. ? 9- 8-28 ?<br />
Antonio Justa............... 1937 7- 9-41 27-12-42<br />
São Francisco de Assis ? 14- 1-29 ?<br />
Getulio Vargas............ 1936 12- 7-41 12- 7-41<br />
Mirueira......................... 23- 8-36 26- 8-41 1- 9-41<br />
Ed. Rabelo................... 1937 10-11-40 23-12-40<br />
Lourenço Magalhães. 1937 19- 4-45 m/<strong>da</strong>ta<br />
Aguas Claras............... 1938 26- 3-49 17- 4-49<br />
Rodrigo Menezes (*)... 4-12-1784 21-8-1787 m/ <strong>da</strong>ta<br />
Itanhenga................... 1933 11- 4-37 1- 5-37<br />
Tavares de Macedo... 1936 agosto 1938 m/ <strong>da</strong>ta<br />
Curupaití...................... 1922 15-10-28 m/ <strong>da</strong>ta<br />
Frei Antonio.................. ? 1763 m/ <strong>da</strong>ta<br />
Padre Bento................. – 5- 6-31 m/ <strong>da</strong>ta<br />
Santo Angelo............... 24- 4-19 3- 5-28 2- 8-28<br />
Cocais.......................... 29-11-29 17- 4-32 m/ <strong>da</strong>ta<br />
Aimorés........................ 1928 13- 4-33 m/ <strong>da</strong>ta<br />
Pirapitinguí................... ? 7-10-31 7-10-31<br />
São Roque................... 1925 26-10-26 20-10-26<br />
Santa Tereza................ 1936 10- 3-40 25- 3-40<br />
Itapoã.......................... 1937 11- 5-40 3- 6-40<br />
Santa Izabel................. 1927 23-12-31 1- 1-32<br />
Santa Fé....................... 1937 12- 5-42 12- 5-42<br />
São Francisco de Assis 25-12-36 21- 3-43 m/<strong>da</strong>ta<br />
Padre Damião............. 1937 15-12-45 m/<strong>da</strong>ta<br />
Sabará.......................... ? 31- 3-83 m/<strong>da</strong>ta<br />
Roça Grande.............. 1939 19- 4-44 22- 9-44<br />
Santa Marta................. 1937 19- 4-43 m/<strong>da</strong>ta<br />
São Julião..................... 1937 5- 8-41 m/<strong>da</strong>ta<br />
São João dos Lázaros. ? 1816 m/<strong>da</strong>ta<br />
(*) Fechado com a inauguração <strong>da</strong> Colonia de Aguas Claras.
CAPÍTULO X<br />
ALGUNS DOCUMENTOS INTERESSANTES PARA A<br />
HISTÓRIA DA LEPRA NO BRASIL<br />
I – Sôbre engeitados e lázaros em Pernambuco<br />
(SÉCULO XVIII) (*)<br />
“Illmo. e Exmo. Snr. Por quanto achei o costume de se engeitarem<br />
de noite as creanças pelas portas dos moradores <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de de Olin<strong>da</strong>, e<br />
desta Pa. de Santo Antonio de Recife; e tenha acontecido algumas vezes<br />
amanhecerem devora<strong>da</strong>s dos animais imundos q. vagavam pelas Ruas,<br />
horrorizado <strong>da</strong> noticia de semelhantes espectaculos, busquei persuadir aos<br />
Povos <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de q. havia de huma Ro<strong>da</strong> e Cazas de Expostos, pa. a<br />
qual voluntariamente concorrerão, e com tanto ardor, q. em breve tempo<br />
se concluio e comessou a ter exercicio, an<strong>da</strong> já em quarenta o numero de<br />
mininos q. de hum anno a esta parte tem sido recolhidos, e <strong>da</strong>dos a criar a<br />
ama de leite, a quem se paga: e ao Dr. Ouv. or G. C. ordem escrevesse as<br />
Camaras <strong>da</strong> dita Ci<strong>da</strong>de, e Vila q. lançassem a Finta <strong>da</strong> criação dos<br />
Engeitados q. determina a Ley, visto não poder suprir a isto o seu limitado<br />
Patrimônio, e não haver outro Rendimento, por onde refizessem as<br />
despsas <strong>da</strong> criação o q. com efeito assim o executarão, lançando sincoenta<br />
reis sobre ca<strong>da</strong> fogo <strong>da</strong>s suas Respectivas Freguezias em ca<strong>da</strong> hum anno.<br />
Igualmente tem contribuido os mesmos Povos com voluntarias e<br />
cresci<strong>da</strong>s esmolas para a factura de um hospital de Lazaros, em q.<br />
presentemente se trabalha em baixo <strong>da</strong> Inspecção do dito Dr. Ouv or . G. C.,<br />
q. com muito zelo promove o seu adiantamento e não duvido q. dentro de<br />
pouco tem-<br />
__________________<br />
(*) FREYRE, GILBERTO. – Nordeste, 1937. Rio de Janeiro, pág. 241.
– 140 –<br />
po se ponha no estado, de a ele se arrecolherem os doentes deste mal, q. já<br />
são muitos em numero; e não se pode vêr sem susto sairem furtivamente<br />
pelas Ruas a título de mendigarem o sustento, por mais cautela, q. se<br />
tomem para evitar a sua comunicação, pois, que um edificio antigo<br />
destinado para elles, assim pela sua descompassa<strong>da</strong> Repartição, como por<br />
estar unido a Povoação já hoje não pode servir-lhe de Resguar<strong>da</strong>, nem<br />
tem suficiente capaci<strong>da</strong>de, nem algumas <strong>da</strong>s comodi<strong>da</strong>des necessarias<br />
para alli se clauzurarem em perpetuo os Lazarinos, e de lhes administrar<br />
huma regular sustentação.<br />
Como esta necessariamente hade Recahir sempre sobre aqueles,<br />
cujo benificio se procura seguestrar absolutamente de sua socie<strong>da</strong>de huns<br />
membros infectos q. a amiação com este terrivel, irremediavel contagio; e<br />
como outro sim Semelhante Manumentos dedicados a conservação <strong>da</strong><br />
especie humana, são em to<strong>da</strong> parte <strong>da</strong> imediata Proteção de Sua Maye.;<br />
parece que as duas Fun<strong>da</strong>ções assim menciona<strong>da</strong>s estão tambem nos<br />
termos de participar dos benignos efeitos <strong>da</strong> mesma Rea. Grandeza, q. tão<br />
liberalmente si estende de todos objectos de pie<strong>da</strong>de e de q. é constante<br />
testemunha este mesmo Paiz, onde o artigo <strong>da</strong>s obras pias sobe a quantia<br />
de dois contos duzentos sincoenta e cinco mil réis, como se vê <strong>da</strong><br />
Re<strong>da</strong>ção junta <strong>da</strong>s Ordinarias, q. para a Real Fazen<strong>da</strong>: o que tudo ponho<br />
na Respeitavel presença de V. Exa. para opor na de S. Mage., q. estimará<br />
ter mais esta occazião de exercitar a sua Clemencia, e Real Comiseração.<br />
Ds. Ge. a V. Exa. muitos annos. Rece. de Pernambuco, 11 de Mayo de<br />
1789. Illmo. E Exmo. Snr. Martinho de Mello e Castro. D. Thomaz José<br />
de Mello.<br />
MS <strong>da</strong> Correspondencia <strong>da</strong> Côrte, Archivo <strong>da</strong><br />
antiga Capitania de Pernambuco, 1789).<br />
––––––––<br />
II – Officio do Conde <strong>da</strong> Cunha<br />
(RIO DE JANEIRO, DEZEMBRO DE 1763)<br />
JOSE’ THOMAZ DE OLIVEIRA BARBOSA, official do Archivo<br />
Publico do Imperio, servindo de diretor, etc.:<br />
Certifico que, revendo os papeis relativos ao Hospital dos Lazaros,<br />
entre elles se acha o documento de que o sup-
– 141 –<br />
plicante faz menção no seu requerimento retro e delle o teor é o seguinte:<br />
(*)<br />
Illm. e Exm. Sr. – Faz-se preciso que V. Ex. ponha na real<br />
presença de Sua Magestade o grande perigo, em que esta ci<strong>da</strong>de se acha<br />
causado pelo mal contagioso de morphea, porque já não ha rua, nem praça<br />
onde se não encontrem os miseraveis leprosos, nem tambem ribeiro ou<br />
fonte em que elles se não banhem; e por esta causa to<strong>da</strong>s as aguas estão<br />
infecciona<strong>da</strong>s, e to<strong>da</strong> esta grande terra no risco de a devorar este tremendo<br />
fogo, que em todo o Brazil se tem ateado. O conde de Bobadella, com<br />
grande cari<strong>da</strong>de, mandou pôr uma grande parte destes lastimosos<br />
empestados no sitio de S. Christovão, distante este meia legua <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de;<br />
e alli lhe estabeleceu enfermeiro, e com as suas esmolas os sustentava.<br />
Por fallecimento deste bom governador, encarregou o bispo á Irman<strong>da</strong>de<br />
<strong>da</strong> Cari<strong>da</strong>de, annexa á do Santissimo Sacramento <strong>da</strong> Freguezia <strong>da</strong><br />
Candelaria, o regimen <strong>da</strong>quelle principiado hospital; e esta confraria<br />
tomou a seu cargo esta grande obra de misericordia, como se vê do<br />
documento n.º I. Porém, como esta confraria não tem ren<strong>da</strong>s para poder<br />
sustentar a excessiva despeza do dito hospital, esta se faz á proporção <strong>da</strong><br />
sua possibili<strong>da</strong>de, que é, mantendo sómente 52 em São Christo vão, e os<br />
outros os não recolhem por falta de meios, conforme o que tenho podido<br />
averiguar do seu numero, acho que serão 200 de ambos os sexos e de<br />
to<strong>da</strong>s as i<strong>da</strong>des: porém neste numero incluo os 52 que presentemente<br />
existem no hospital, que são tambem os mais desamparados, e todos os<br />
outros, menos 15 ou 20 pessoas, se podem sustentar por ora á sua custa.<br />
Pessoalmente fui examinar o sitio de S. Christovão, em que os 52<br />
leprosos se acham, e ali vi que ocupavam umas pobrissimas casinhas ou<br />
choupanas, e estas arruina<strong>da</strong>s. Vi que estavam assistidos por tres<br />
enfermeiros donatos dos religiosos de Santo Antonio; e que estes, com<br />
grande amor de Deus, lhes assistiam, aju<strong>da</strong>dos somente de algumas<br />
negras, que por crimes graves foram man<strong>da</strong><strong>da</strong>s <strong>da</strong> cadeia para aquele<br />
ministerio. Este é (brevemente referido) o presente estado em que se<br />
acham os pobres lazaros nesta terra; e para que por culpa minha se não<br />
augmente<br />
__________________<br />
(*) Êste documento acha-se registrado a fl. 60 do Liv. III dos Termos <strong>da</strong><br />
nossa Irman<strong>da</strong>de e no entanto requereu-se ao ministerio do imperio em 1873 esta<br />
certidão! E o que é mais notavel é que a cópia do Arquivo Publico foi forneci<strong>da</strong><br />
pela nossa Irman<strong>da</strong>de. Vide o relatorio <strong>da</strong> administração de 1874.
– 142 –<br />
este horrendo mal, como succede na ci<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Bahia, que por não se<br />
pôrem em separação os primeiros lazaros, que naquela terra houve se<br />
comunicou o contagio nella com tal excesso, que já chegavam a perto de<br />
4.000 os que havia, no anno que eu ali estive, vindo de Angola. Pelo que<br />
direi tambem, com a maior brevi<strong>da</strong>de que me fôr possivel, o remedio que<br />
se póde aplicar para todos estes leprosos se separem <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, afim de<br />
que se não multiplique o mal, como presentemente succede. No mesmo<br />
districto de S. Christovão, e pouco distante do sitio aonde presentemente<br />
estão os lazaros, ha uma casa muito propria para hospital delles. Foi esta<br />
casa dos jesuitas, e é presentemente de Sua Magestade: não rende, nem<br />
pode render cousa alguma; está deshabita<strong>da</strong>, e por esta causa arruinandose:<br />
tem bom commodo para 100 enfermos, e boa ordem para se lhe<br />
poderem fazer divisões e serventias diversas para homens e mulheres: tem<br />
capella no centro do edificio, e está á bor<strong>da</strong> d’agua para a commodi<strong>da</strong>de<br />
<strong>da</strong> sua serventia, tem um rio de agua doce pela porta para o remedio dos<br />
banhos, tem grande chão para horta, o que tambem lhe é necessario, e<br />
muito bom territorio para o pasto de vaccas de leite, está em alto lavado<br />
de todos os ventos, não tem passagem alguma por nenhum dos seus lados,<br />
e enfim parece que foi esta casa feita de proposito para o ministerio em<br />
que a pretendo empregar. E’ porém, sem dúvi<strong>da</strong>, que não tem bastante<br />
commodo para todos os lazaros, que presentemente, ha, mas como é<br />
preciso que se lhe façam, isto se consegue com brevi<strong>da</strong>de, accrescentando<br />
os desta casa, o que se fará com muito menos despeza. Pelas reaes<br />
Resoluções de 27 de Agosto de 1765 e 5 de Novembro de 1761, de que<br />
remetto cópia do numero onze, (*) permittiu Sua Magestade á Camara<br />
desta ci<strong>da</strong>de que se edificasse em sitio conveniente um lazareto, para nelle<br />
se recolherem os miseraveis gafos de lepra, chamados de São Lazaro e<br />
que para este pio e urgente estabelecimento se applicasse aquella porção<br />
que a Companhia dos Vinhos do Alto Douro queria restituir a esta ci<strong>da</strong>de;<br />
porém como esta quantia que é 6:412$921 não é ain<strong>da</strong> bastante para que<br />
com ella se possa edificar o dito lazareto, e é certo que com a<br />
__________________<br />
( * ) E’ erro ou <strong>da</strong> cópia ou <strong>da</strong> certidão, é o número dous. PINHEIRO,<br />
Marques, F. B. – Irman<strong>da</strong>do do S. S. <strong>da</strong> Freguezia de N. S. <strong>da</strong> Candelaria e suas<br />
repartições, Côro, Cari<strong>da</strong>de e Hospital dos Lazaros – Vol. II – Rio de Janeiro, 1894.
– 143 –<br />
mesma parcella se pode acrescentar a sobredita casa, que foi dos jesuitas,<br />
de forma que fique com muito bom commodo para 200 ou mais enfermos,<br />
se Sua Magestade for servido approvar este projecto, não haverá em parte<br />
alguma melhor hospital de lazaros; mas, para que assim se possa executar<br />
será necessario que El-Rei Nosso Senhor ordene novamente que os<br />
administradores <strong>da</strong> Companhia do Alto Douro entreguem logo á Camara<br />
desta ci<strong>da</strong>de a sobredita quantia, que devem restituir, pois que estes<br />
duvi<strong>da</strong>m fazer, com o fun<strong>da</strong>mento de que pretendem que Sua Magestade<br />
lhes faça graça de comutar-lhe a dita restituição em outro modo de<br />
pagamento, que dizem ser o de venderem a este mesmo povo os vinhos<br />
mais baratos uns tantos reis em ca<strong>da</strong> medi<strong>da</strong>, para por este modo lhe<br />
restituir por miudo a dita divi<strong>da</strong>, e para <strong>da</strong>rem sahi<strong>da</strong> a este genero, o que<br />
consta <strong>da</strong>s copias ns. 3 e 4.<br />
Ain<strong>da</strong> que eu me persuado que alem de que com este modo de<br />
restituição aos moradores que hoje existem, se não satisfaz a aquelles,<br />
cujo prejuizo tiveram, também me parece que Sua Magestade, depois de<br />
ter man<strong>da</strong>do applicar esta divi<strong>da</strong> a uma obra tão pia e tão necessaria a este<br />
povo, ao qual se tirou a sua importancia, não deferirá o mesmo Senhor a<br />
uma suplica tão justifica<strong>da</strong>mente prejudicial ao bem comum destes seus<br />
uteis e fieis vassalos. A grande dificul<strong>da</strong>de que acho neste<br />
estabelecimento é o não haver ren<strong>da</strong>s certas para o quotidiano sustento<br />
dos lazaros, assim como também para a despeza que com elles se ha de<br />
fazer com as roupas <strong>da</strong>s suas pessoas e camas; e ain<strong>da</strong> que para este fim<br />
tem Sua Magestade feito mercê aos lazaros de permitir que ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s<br />
casas do povo ou do terceiro estado delle, contribua annualmente com um<br />
vintem, e ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s outras casas de pessoas que gozam de privilegios<br />
de nobreza com dous vintens, e ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s outras, cujos donos tiverem<br />
algum dos foros <strong>da</strong> casa real com quatro vintens: é certo que esta<br />
contribuição é tão pequena, que não é possivel que com ella se possa<br />
sustentar o hospital dos lazaros. Pela conta exacta que mandei fazer pelo<br />
juiz de fóra, de que remetto cópia debaixo de .n. 5, se vê que esta<br />
contribuição importará em 140$660; porém é certo que não será<br />
desagra<strong>da</strong>vel a este povo, que Sua Magestade queira ampliar esta sua real<br />
e pia resolução, man<strong>da</strong>ndo que não em ca<strong>da</strong> anno, mas sim em ca<strong>da</strong> um<br />
mez concorram os moradores desta ci<strong>da</strong>de e seu termo com a mesma<br />
esmola, emquanto houverem lazaros no mesmo hospital. A mercê
– 144 –<br />
que Sua Majestade fez aos pobres lazaros de lhe permittir que possam ter<br />
pedidores nesta capitania e na <strong>da</strong>s Minas por tempo de tres annos, para<br />
com estas esmolas se fazer o Hospital, me parece inutil, porque não<br />
conheço parte alguma do mundo em que haja menos cari<strong>da</strong>de que no<br />
Brazil; e assim a referi<strong>da</strong> graça de El-Rei Nosso Senhor só servirá para<br />
aju<strong>da</strong> do sustento dos mesmos lazaros e na<strong>da</strong> mais. Não deixará de ser<br />
conveniente que a administração deste hospital e seus bens se entregue<br />
por ordem de Sua Magestade á Irman<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Cari<strong>da</strong>de, porque a<br />
Misericordia desta terra me não parece capaz de ter a seu cargo este<br />
importante estabelecimento, porém será necessario, que Sua Magestade<br />
mande que a pessoa que governar esta capitania, como parecer <strong>da</strong> Camara<br />
desta ci<strong>da</strong>de, possa <strong>da</strong>r esta administração a quem melhor entender; isto<br />
no caso que qualquer <strong>da</strong>s irman<strong>da</strong>des a quem se entregar a não governe<br />
com o zelo e acerto, que se precisa. O sobredito é o que entendo neste<br />
importante particular; porém nelle, como em tudo, espero que Sua<br />
Majestade determine o que mais conveniente lhe parecer, porque sempre<br />
será o mais justo e de maior utili<strong>da</strong>de ao seu real serviço.<br />
Deus guarde a V. Ex. muitos annos. Rio, 19 de Dezembro de 1763.<br />
– Sr. Francisco Xavier de Mendonça Furtado. – Conde <strong>da</strong> Cunha. – Está<br />
conforme. O official maior <strong>da</strong> secretaria no impedimento de molestia do<br />
secretario de Estado – José Pereira Leão.<br />
––––––––<br />
III – Estatutos do Hospital dos Lazaros (*)<br />
(RIO DE JANEIRO, MARÇO DE 1766)<br />
JOSE’ THOMAZ DE OLIVEIRA BARBOSA, official do Archivo<br />
Publico do Imperio, servindo de director, etc. Certifico que nesta<br />
repartição existe o regulamento de que o supplicante faz menção no seu<br />
requerimento retro, pertencente ao Archivo do vice-reinado, e delle o teor<br />
é o seguinte:<br />
__________________<br />
(*) Estes estatutos foram copiados do livro que havia na Irman<strong>da</strong>de e que, ha<br />
muitos anos não existe.<br />
Deles só requereram duas certidões, uma em 30 de Julho de 1862 e se<br />
publicou em avulso em 1863; e a outra em 1874, a qual se acha incorpora<strong>da</strong> no<br />
relatorio desse ano <strong>da</strong> administração do Hospital.
Carta do Morgado Mateus, governador <strong>da</strong> Capitania de S. Paulo, enviado<br />
à Câmara de Jacareí, sôbre medi<strong>da</strong>s a serem toma<strong>da</strong>s a respeito <strong>da</strong> lepra<br />
(2.° meiado do século XVIII). Publicado por F. MAURANO, em “História <strong>da</strong><br />
Lepra em S. Paulo”.
Requerimento de um oficial, pedindo dispensa de um posto em virtude de<br />
morar distante, ser idoso e não poder desamparar “sua família e m.er<br />
infestados com aquele terrível mal de Lázaro” (1799). Publicado por F.<br />
MAURANO, em “Historia <strong>da</strong> Lepra em S. Paulo”.
– 145 –<br />
COPIA DOS ESTATUTOS<br />
N. 5 – Na conformi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ordem régia, e para formalizar o<br />
estabelecimento do Hospital, pareceu conveniente a S. Ex. regular as<br />
providencias necessarias para o apertado regimen delle, as quaes vão<br />
expressa<strong>da</strong>s distinctamente nos capitulos seguintes:<br />
CAPITULO I<br />
A Irman<strong>da</strong>de do Santissimo <strong>da</strong> Candelaria, a que an<strong>da</strong> anexa a <strong>da</strong><br />
Cari<strong>da</strong>de, será universal administradora do hospital, e como na mesma se<br />
acha estabelecido que o provedor e mais officiaes <strong>da</strong> Mesa, fin<strong>da</strong>ndo o<br />
anno dos seus logares, passam a exercer a administração dos lazaros, com<br />
subordinação á Mesa existente; assim se ficará conservando, ficando<br />
sendo o que acaba de provedor, escrivão, e o que acaba de escrivão,<br />
thesoureiro; e procuradores os que acabam de thesoureiro e procurador; e<br />
este motivo deve receber o thesoureiro <strong>da</strong> administração o rendimento<br />
completo do Hospital, que consiste no subsidio com que Sua Magestade<br />
man<strong>da</strong> contribuir to<strong>da</strong>s as casas ou cabeças de familias desta ci<strong>da</strong>de seu<br />
termo, e assim também nas esmolas voluntarias que a devoção dos fieis<br />
quizer aplicar para obra tão pia e meritoria, em que o publico tanto se<br />
interessa.<br />
CAPITULO II<br />
To<strong>da</strong>s as casas ou cabeças de familias do terceiro estado do povo<br />
desta ci<strong>da</strong>de e seu termo devem pagar ca<strong>da</strong> mez um vintem, as de pessoas<br />
que tiverem privilegios de nobreza dous vintens, e as outras, cujos donos<br />
tiverem o fôro de fi<strong>da</strong>lgo quatro vintens. Esta contribuição se ha de fazer<br />
em dous quarteis de seis mezes ca<strong>da</strong> um, fazendo-se a tal arreca<strong>da</strong>ção no<br />
primeiro mez de janeiro de ca<strong>da</strong> anno, e a entrega por todo o mez de<br />
Fevereiro; e a segun<strong>da</strong> no mez de Julho accessivo, e a entrega do mez de<br />
Agosto, e serão os cobradores della as pessoas que nomearam para ca<strong>da</strong><br />
rua do seu districto as irman<strong>da</strong>des do Santissimo <strong>da</strong>s freguesias desta<br />
ci<strong>da</strong>de e seu termo, a quem já se dirigiram cartas-circulares para o mesmo<br />
fim. E feita a dita arreca<strong>da</strong>ção, logo, os cobradores entregarão o seu<br />
producto ao thesoureiro <strong>da</strong> administração, que lhes passará recibo passado<br />
pelo escrivão, extrahido o Livro <strong>da</strong> receita, donde se deve logo lançar para<br />
que este lhe sirva de descarga.<br />
F. – 10
– 146 –<br />
CAPITULO III<br />
Como se acham muitas pessoas nesta ci<strong>da</strong>de que anima<strong>da</strong>s de um<br />
espirito ver<strong>da</strong>deiramente christão, concorrem por arbitrio proprio com<br />
esmolas avulta<strong>da</strong>s, não devem estas ser compreendi<strong>da</strong>s no subsidio<br />
regulado, mas ficarem censerva<strong>da</strong>s nas esmolas voluntarias que lhes<br />
inspirar a sua devocão.<br />
CAPITULO IV<br />
Neste Hospital se hão de recolher indefectivamente to<strong>da</strong>s as<br />
pessoas de qualquer estado ou condição, que estiverem contamina<strong>da</strong>s do<br />
mal de S. Lazaro, violentando-se ain<strong>da</strong> as que duvi<strong>da</strong>rem fazel-o<br />
voluntariamente, porque assim o pede a utili<strong>da</strong>de publica, que deve<br />
preferir á particular. E nesta materia terá grande vigilancia o ministro que<br />
S. Ex. para isso destinar, tendo por ora nomeado o Dr. intendente geral,<br />
JOSE’ MAURICIO DA GAMA FREITAS, o qual examinará com o<br />
maior desvelo se algumas pessoas infectas <strong>da</strong>quelle mal se occultam para<br />
evitar a reclusão.<br />
CAPITULO V<br />
Estando concluido o edificio material do lazareto, no sitio de S.<br />
Christovão, em que mandou S. Ex. fazer as divisões de enfermarias<br />
differentes para homens e mulheres, com separação tambem dos escravos,<br />
tendo mais as officinas necessarias e apropria<strong>da</strong>s para sua melhor<br />
comodi<strong>da</strong>de, em cuja despeza se distribuiu o dinheiro conservado na mão<br />
dos administradores <strong>da</strong> Companhia do Alto Douro, que Sua Magestade<br />
ordenou se aplicasse para este ministerio; devem immediatamente passar<br />
para elle os enfermos que se acham nas senzalas ou choupanas vizinhas, e<br />
os mais que houver do referido mal.<br />
CAPITULO VI<br />
Deve, porém, acautelar-se que se não mandem para o lazareto<br />
alguns enfermos que não padeçam este mal contagioso, para o que, antes<br />
de serem remetidos, se procederá a uma junta, na presença do ministro<br />
presidente nomeado, a qual se há de compor de médico e cirurgião do<br />
Hospital <strong>da</strong> Saude e de outro <strong>da</strong> Relação e na mesma se decidirá por<br />
plurali<strong>da</strong>de de votos a enfermi<strong>da</strong>de que experimentam, ten-
– 147 –<br />
do o ministro presidente voto decisivo, e só com bilhete do referido<br />
medico do hospital, rubricado pelo dito ministro, deve ser admittido, cujo<br />
bilhete devem apresentar os enfermos aos administradores para os<br />
man<strong>da</strong>rem recolher, e para se informarem depois disso se têm bens com<br />
que se sustentem á sua custa, ou se são pobres. Igualmente não poderá<br />
sahir do mesmo lazareto enfermo algum, debaixo de qualquer pretexto,<br />
sem que em outra junta formalisa<strong>da</strong> pelo methodo exposto se resolva que<br />
o tal enfermo se acha de todo convalescido e são, o que será dificil nesta<br />
molestia, de natureza incuravel.<br />
CAPITULO VII<br />
Haverá no Hospital um capellão que deve assistir dentro delle,<br />
para acudir mais prontamente com os socorros espirituais aos miseraveis<br />
enfermos, e nenhum destes será recolhido no Hospital, sem que primeiro,<br />
por informação do Revd. capellão, conste haver se confessado: devendo<br />
sacramentar-se successivamente, e para este catholico acto os disporá com<br />
a cari<strong>da</strong>de propria do seu caracter. A elle capellão incumbe a direção<br />
espiritual dos enfermos, administrando-lhes os Sacramentos, não só na<br />
entra<strong>da</strong> do hospital, como fica declarado, mas tambem em to<strong>da</strong>s as outras<br />
vezes que a necessi<strong>da</strong>de ou devoção delles a requerer, tendo um<br />
efficassissimo zelo na assistencia dos moribundos até seu ultimo suspiro.<br />
E S. Ex. Revm. <strong>da</strong>rá providencia para que se lhe administre o Sagrado<br />
Viatico. Receberá o mesmo Revd. capellão uma ração diaria, além <strong>da</strong><br />
congrua annual de 100$000, que se lhe paga pela real fazen<strong>da</strong>.<br />
CAPITULO VIII<br />
MEDICO E CIRURGIÃO<br />
Tambem devem haver para assistir aos enfermos um medico que<br />
será obrigado a fazer duas visitas por semana, <strong>da</strong>ndo-se-lhe de estipendio<br />
annual em que for ajustado pela Mesa e administradores, os quais devem<br />
noticial-o ao ministro deputado, para que este o represente a S. Ex., afim<br />
de prestar a sua approvação; e um cirurgião que assista continuamente no<br />
dito Hospital, recebendo em ca<strong>da</strong> anno a quantia em que for ajustado com<br />
a Mesa e administradores, os quais devem tambem noticial-o ao dito<br />
ministro, para
– 148 –<br />
o representar a S. Ex., a lhe prestar a sua aprovação; e se não houver<br />
quem queira, sem que além do salario se lhe dê tambem uma ração diaria,<br />
assim se praticará.<br />
CAPITULO IX<br />
DOS ENFERMEIROS<br />
Por ter verificado a experiencia e louvavel zelo e cari<strong>da</strong>de com que<br />
os irmãos BERNARDO DO ROSARIO e THEODORO DO MENINO<br />
JESUS, com seus dous companheiros, se empregam desvela<strong>da</strong>mente no<br />
curativo dos enfermos, se espera a bon<strong>da</strong>de Divina a sua conservação,<br />
para o que deve concorrer a Irman<strong>da</strong>de Administradora quanto estiver <strong>da</strong><br />
sua parte, e na falta dos mesmos escreverá a dita Irman<strong>da</strong>de aos prelados<br />
<strong>da</strong> religião de Santo Antonio, ou de qualquer outra, representando-lhes a<br />
urgente necessi<strong>da</strong>de, para que hajam de remedia-la; e S. Ex. auxiliará tão<br />
justa rogativa, e aos mesmos enfermeiros se lhes <strong>da</strong>rá, pelas esmolas do<br />
Hospital, tudo o que carecerem para o seu vestuario, curando-se tambem<br />
nas suas enfermarias á custa do mesmo.<br />
CAPITULO X<br />
A cargo dos enfermeiros pertence, logo que entrar no lazareto<br />
qualquer enfermo, escrever em um livro que haverá destinado para esse<br />
ministerio o nome delle, a sua naturali<strong>da</strong>de e ocupação de que vivia, e á<br />
margem deste assento se farão as declarações necessarias e occurrentes,<br />
como por exemplo, se falleceu, ou se por acaso sahiu, tendo procedido a<br />
Junta acima determina<strong>da</strong> em que se julgue de todo convalecido, e no<br />
mesmo assento se declarará o numero <strong>da</strong> cama ou beliche para onde vai,<br />
para este se lhe pôr na sua roupa, que se deve guar<strong>da</strong>r na rouparia. Na<br />
mesma fórma, em outro separado se ha de escrever tudo quanto trouxerem<br />
os enfermos para o Hospital, assignando esta descripção dos bens o Revd.<br />
capellão com os enfermeiros; mas se estes não souberem escrever, basta<br />
que se legalisem com duas testemunhas em seu logar e por fallecimento<br />
de qualquer enfermo se repartirão os seus vestidos pelos doentes mais<br />
necessitados, e no caso que lhes ache algum dinheiro, ou que depois de ter<br />
entrado por pobre lhe provenha alguma herança, se deve pagar o Hospital<br />
<strong>da</strong> despeza que com elle tiver feito desde o dia <strong>da</strong> sua entra<strong>da</strong>, e se houver<br />
remanescente entregal-o-ha á pessoa legitima.
– 149 –<br />
CAPITULO XI<br />
Os ditos enfermeiros exercitarão todo o governo economico<br />
domestico do Hospital, tanto a respeito do tratamento e curativo dos<br />
enfermos, como na disposição do seu diario alimento, e só pelo decurso<br />
do tempo é que pode conhecer-se qual é o mais conveniente para<br />
semelhante molestia. Elles informarão ao medico e cirurgião, nas suas<br />
visitas, o estado em que se acham, e quando dos doentes necessitem, ou<br />
por sua devoção pretenderem os remedios espirituais, o participarão logo<br />
ao Revd. capellão, a quem já fica recomen<strong>da</strong>do o zelo com que deve<br />
acudir a estes infelizes; e a cargo dos mesmos enfermeiros ficará a<br />
conservação dos exercicios espirituais, em que tem creado os que já<br />
existem.<br />
CAPITULO XII<br />
DESPESAS – COMO SE DEVE FAZER<br />
Privativamente incumbe aos enfermeiros o cui<strong>da</strong>do de todo o<br />
provimento do Hospital, para o qual, no principio de ca<strong>da</strong> semana<br />
remetterão aos administradores uma relação de tudo que se necessite,<br />
assigna<strong>da</strong> por elles; e para que os ditos administradores tenham igual<br />
merecimento repartirão entre si este trabalho, servindo um em ca<strong>da</strong> mez<br />
no exercicio de comprar e remetter, tudo o que fôr necessario para o<br />
Hospital fazendo uma folha diaria de tudo que para elle remetter, e no fim<br />
dito mez assignará por todos, e por ella lhe <strong>da</strong>rá o thesoureiro a sua<br />
importancia, ficando em guar<strong>da</strong> a dita folha, para no fim do anno lhe<br />
servir de despeza, e ficar com sua conta no Archivo.<br />
CAPITULO XIII<br />
Em nenhum caso se permittirá aos enfermos fazerem passeios fóra<br />
do recinto do Hospital e sua cerca; porque só dentro destes limites<br />
poderão ter semelhante desafogo. Igualmente se não deve consentir que<br />
pessoa alguma de fóra entre no Hospital a communicar com os enfermos,<br />
e unicamente se concede que possam ir tratar com elles alguma<br />
dependencia precisa, no logar que para isso se lhe ha de destinar. E’<br />
tambem justo evitar no Hospital jogos e outros divertimentos que<br />
pervertam o socego e quietação dos enfermos; e se algum destes for<br />
revoltoso, os enfermeiros devem preve-
– 150 –<br />
nir interinamente qualquer desordem como lhes parecer melhor; mas não<br />
bastando a sua deligencia, <strong>da</strong>rão parte aos administradores, para que lhe<br />
appliquem providencias mais efficazes.<br />
CAPITULO XIV<br />
Nas enfermarias separa<strong>da</strong>s dos homens não poderão entrar<br />
mulheres algumas, nem ain<strong>da</strong> as que são familiares do Hospital;<br />
emprega<strong>da</strong>s no serviço delle; porém estas ficam destina<strong>da</strong>s para<br />
assistirem nas outras enfermarias <strong>da</strong>s pessoas do seu esxo, aonde<br />
semelhantemente não devem entrar homens, exceptuando o caso de que<br />
seja preciso irem os enfermeiros examinar pessoalmente se necessitam de<br />
alguma cousa.<br />
CAPITULO XV<br />
To<strong>da</strong>s as pessoas que se empregarem no serviço do Hospital, com<br />
especiali<strong>da</strong>de as que receberem salarios ou estipendio, serão conserva<strong>da</strong>s<br />
unicamente emquanto encherem a satisfação de seus respectivos<br />
ministerios, mas tanto que forem comprehendi<strong>da</strong>s em culpavel omissão,<br />
poderá a Irman<strong>da</strong>de Administradora expulsal-as logo, nomeando outras<br />
idoneas em seu logar, e representará depois a S. Ex. esta sua disposição.<br />
CAPITULO XVI<br />
Os administradores do dito Hospital acudirão em abastecel-o do<br />
que for necessario, man<strong>da</strong>ndo para elle todos os generos que pedirem os<br />
enfermeiros nas suas relações assigna<strong>da</strong>s, como fica determinado no<br />
capitulo XII, e por ellas atenderá a conta <strong>da</strong> sua despeza, a qual se lançará<br />
no livro que há separado para o mesmo efeito, e tanto elles como o<br />
escrivão <strong>da</strong>quella repartição devem propor á Mesa <strong>da</strong> Irman<strong>da</strong>de do<br />
Santissimo, o que julgarem util a beneficio <strong>da</strong> sua administração,<br />
conformando-se com as decisões <strong>da</strong> referi<strong>da</strong> Mesa, e se lhes parecer<br />
poderão tambem apresental-a a S. Ex.<br />
CAPITULO XVII<br />
Pelo que respeita á rouparia de que é necessário prover o Hospital,<br />
se porá na melhor arreca<strong>da</strong>ção, reduzindo-se to<strong>da</strong> a um exacto inventario,<br />
que os administradores conservarão
– 151 –<br />
em poder, e quando pelo uso se for <strong>da</strong>mnificando, tanto que chegue a<br />
estado de inutil, se fará della um auto de consumo, com assistencia de um<br />
dos referidos administradores.<br />
CAPITULO XVIII<br />
Havendo alguns enfermos que tenham bens sufficientes, serão<br />
estes assistidos á sua custa, e contentando-se com a ração ordinaria do<br />
Hospital, pagará ca<strong>da</strong> um diariamente o que julgar a Mesa e<br />
administradores poderá gastar ca<strong>da</strong> dia; porém querendo diverso<br />
alimento, se ajustarão com os administradores, ou satisfarão to<strong>da</strong> a<br />
despeza que constar pelo rol dos enfermeiros; <strong>da</strong> mesma fórma os<br />
escravos <strong>da</strong>s pessoas que tiverem possibili<strong>da</strong>des, serão tratados á custa de<br />
seus senhores, exceptuando os que forem de Irmãos <strong>da</strong> Irman<strong>da</strong>de,<br />
Administradores ou de pessoas que contribuirem com esmolas<br />
extraordinarias e avulta<strong>da</strong>s para o Hospital; todos os mais enfermos<br />
pobre, e ain<strong>da</strong> aquelles de melhor fortuna, que não tiverem, porém,<br />
bastante subsistencia, serão curados pelo rendimento do Lazareto.<br />
CAPITULO XIX<br />
Todo os religiosos que possuem bens serão tratados á custa dos<br />
conventos, e com elles se praticará a mesma formali<strong>da</strong>de exposta no<br />
capitulo antecedente a respeito dos seculares abastados; porém os mais<br />
religiosos de religiões medicantes serão assistidos pelas despezas do<br />
Hospital.<br />
CAPITULO XX<br />
CONTAS CADA TRES MESES<br />
Os deputados <strong>da</strong> Administração <strong>da</strong>rão contas todos os tres meses à<br />
Irman<strong>da</strong>de do Santíssimo de to<strong>da</strong> a receita e despesa do Hospital, a qual<br />
será formalisa<strong>da</strong> mercantilmente com as suas parcelas e adições ca<strong>da</strong> uma<br />
de per si, tendo para o mesmo effeito os livros necessarios rubricados pelo<br />
provedor <strong>da</strong> Irman<strong>da</strong>de, e ordenados com tal distinção e clareza, que<br />
possa facilmente calcular-se a dita conta, que tambem se apresentar a S.<br />
Ex.
– 152 –<br />
CAPITULO XXI<br />
E para que o Hospital se conserve em boa economia, e se aplique<br />
tudo que for preciso aos enfermos, se necessita de que os irmãos<br />
administradores o visitem ao menos uma vez ca<strong>da</strong> mez, o provedor <strong>da</strong><br />
Mesa ao menos quatro vezes no anno, para presenciarem as<br />
necessi<strong>da</strong>des a que mais promptamente se deve acudir, ouvindo em tudo<br />
aos irmãos enfermeiros, e pondo em boa ordem aquellas cousas que<br />
elles não poderem emen<strong>da</strong>r e se espera do zelo e cari<strong>da</strong>de dos mesmos<br />
irmãos assim o pratiquem.<br />
CAPITULO XXII<br />
Não se unirá jamais esta Administração à <strong>da</strong> Cari<strong>da</strong>de, por se<br />
dirigir ca<strong>da</strong> uma a differente objecto, e se pela bon<strong>da</strong>de Divina chegar a<br />
extinguir-se o mal de S. Lazaro, ou se reduzirem os enfermos a pequeno<br />
numero, não poderão os administradores distrahir para assistencia dos<br />
enfermos de outra qualquer molestia o produto <strong>da</strong> contribuição que Sua<br />
Magestade mandou estabelecer; mas logo o farão presente a quem<br />
governar esta Capitania, para que lhe determine o que lhe parecer mais<br />
acertado. Finalmente terão os deputados <strong>da</strong> administração dos Lazaros a<br />
liber<strong>da</strong>de de fazerem a Sua Magestade immediatamente quantas<br />
representações julgarem precisas, ou pela mediação do Ministro<br />
deputado.<br />
E por estarem comprehendi<strong>da</strong>s nestes vinte e dous capitulos as<br />
providencias que o Illm. e Exm. conde <strong>da</strong> CUNHA determinou se<br />
observassem para o regimen do Lazareto, assignou o Dr. intendente<br />
geral JOSE’ MAURICIO DA GAMA FREITAS, como ministro<br />
deputado, este Termo de encerramento, rubricando tambem as quatorze<br />
folhas deste livro, tudo em conformi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> portaria de S. Ex..<br />
Rio de Janeiro, 13 de Março de 1766 annos. Está conforme a<br />
cópia que se conserva na Irman<strong>da</strong>de. – PEDRO HENRIQUE DA<br />
CUNHA.<br />
E para constar, onde lhe convier, fiz passar a presente certidão<br />
em virtude do despacho retro do Illm. e Exm. Ministro e Secretario de<br />
Estado e Negocios do Imperio de 31 de Julho do corrente anno, a qual<br />
vai sella<strong>da</strong> com sello <strong>da</strong>s Armas Imperiaes.<br />
Archivo Publico do Imperio, em 8 de Agosto de 1862. – José<br />
Thomas de Oliveira Barbosa.<br />
N. 272. – Pagou vinte e nove mil e seiscentos réis (29$600). Rio,<br />
7 de Agosto de 1862. – Drumond. – Baptista.
– 153 –<br />
IV – Regulamento do Hospital de São Christovão dos Lazaros <strong>da</strong><br />
Bahia<br />
(FUNDADO EM 27 DE AGOSTO DE 1787)<br />
Trecho <strong>da</strong> Tese de<br />
AZEVEDO, T. G., em 6 de Setembro de 1852.<br />
BAHIA.<br />
Foi fun<strong>da</strong>do este Hospital de São Christovão dos Lazaros pelo<br />
Illustrissimo e Exmo. Sr. Dom Rodrigo José de Menezes, Governador e<br />
Capitão General desta Capitania, filho do Illmo. e Exmo. Sr. Marquez de<br />
Marialva; principiado á 4 de Dezembro de 1784, e fin<strong>da</strong>do á 21 de Agosto<br />
de 1787. Entraram os doentes á 27 do dito mez e anno.<br />
Modo por que se deve reger o Hospital de São Christovão dos<br />
Lazaros <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Bahia estabelecido pelo seu fun<strong>da</strong>dor e Illmo. e<br />
Exmo. Sr. Dom Rodrigo José de Menezes Governador e Capitão General<br />
<strong>da</strong> mesma ci<strong>da</strong>de.<br />
Art. 1.º – Haverá no dito Hospital um Inspector que terá a<br />
Intendencia de tudo relativo ao mesmo Hospital e to<strong>da</strong> a mais<br />
proprie<strong>da</strong>de, de cujo zelo e prestimo, confio o desempenho dos Artigos<br />
que aqui vão indicados, e nomeio para o dito logar ao Capitão de<br />
Infantaria Reformado Manoel Enrique de Carvalho, o qual pela sua<br />
regencia vencerá o ordenado que eu lhe julgar conveniente.<br />
Art. 2.º – Haverá mais um Administrador Thesoureiro Geral que<br />
fará a reca<strong>da</strong>ção dos rendimentos do Celleiro Publico, que estabeleci,<br />
como patrimonio para subsistencia do mesmo Hospital o qual em virtude<br />
<strong>da</strong> mesma reca<strong>da</strong>ção supprirá e fará as despesas pertencentes ao dito<br />
Hospital, e que será obrigado no fim de ca<strong>da</strong> anno a me<strong>da</strong>r contas <strong>da</strong> sua<br />
reca<strong>da</strong>ção e despesas, ou ao Ministro que for nomeado Juiz Privativo do<br />
dito Hospital, e nomeio para Administrador Thesoureiro Geral á Gualter<br />
Martins <strong>da</strong> Costa Guimarães, commerciante desta praça, esperando delle<br />
que se haverá como até aqui o tenho esperimentado cheio d’um santo zelo<br />
e cari<strong>da</strong>de a respeito do dito Lazareto, e vencerá o mesmo ordenado de<br />
Capitão Inspector.<br />
Art. 3.º – Haverá um Capellão com vesos de Parocho havendo para<br />
isso as licenças necessarias do Exmo. e Rmo. Arcebispo o qual será<br />
obrigado a residir dentro do mesmo Hospital, para poder mais<br />
promptamente cui<strong>da</strong>r do bem es-
– 154 –<br />
piritual dos mesmos doentes e mais pessoas pertencentes aquella casa, e<br />
vencerá o ordenado que eu achar justo arbitrar-lhe.<br />
Art. 4.º – Haverá um Medico que visite o Hospital duas vezes por<br />
semana, e um Cirurgião, que será obrigado a visitar o Hospital todos os<br />
dias, os quaes vencerão o ordenado que eu julgar conveniente, segundo o<br />
seu zelo e cari<strong>da</strong>de.<br />
Art. 5.º – Haverá um enfermeiro que seja efficaz e cui<strong>da</strong>doso na<br />
assistencia e tratamento dos doentes, o qual vencerá o ordenado que pelo<br />
seu cui<strong>da</strong>do merecer.<br />
Art. 6.º – Haverá um feitor para o governo do serviço <strong>da</strong> fazen<strong>da</strong><br />
que vencerá o ordenado a proporção dos seus prestimos e activi<strong>da</strong>de..<br />
Art. 7.º – O Inspector vigiará sobretudo para que se conserve em<br />
boa ordem, <strong>da</strong>ndo-me parte todos os mezes do modo com que serve todos<br />
os que estão de baixo de sua regencia, e <strong>da</strong>s faltas que fazem os<br />
Professores, para que eu reconhecendo suas omissões, os possa despedir e<br />
nomear outros, que cumpram melhor suas obrigações.<br />
Art. 8.º – O Inspector receberá todos os mezes, em todos os 15 dias<br />
<strong>da</strong> mão do Thesoureiro geral o dinheiro para as despesas do dito Hospital,<br />
e no fim do mez <strong>da</strong>rá uma conta corrente assigna<strong>da</strong> por elle ao mesmo<br />
Thesoureiro do que recebeu, e gastou, para descarga do mesmo<br />
Thesoureiro quando se lhe tomar conta, e poder com legali<strong>da</strong>de mostrar o<br />
recebimento de despesa de sua Thesouraria.<br />
Art. 9.º – O Inspector será obrigado no fim de ca<strong>da</strong> anuo a <strong>da</strong>r-me<br />
um mappa resumo <strong>da</strong> despesa em geral de todo o Hospital livro de receita<br />
e despesa para poder responder-me justifica<strong>da</strong>mente nesta materia ou ao<br />
Ministro que for nomeado Juiz Privativo, o qual me fará presente.<br />
Art. 10.° – Os doentes não sahirão do Hospital para ir á Ci<strong>da</strong>de ou<br />
a outra qualquer parte, ain<strong>da</strong> que seja para cobrar divi<strong>da</strong>s ou ajustar<br />
contas porque nesse caso me representará, para eu <strong>da</strong>r a providencia que<br />
for justa.<br />
Art. 11.° – O Inspector logo que tiver noticia que em alguma parte,<br />
onde a distancia o permitta, ha pessoa doente <strong>da</strong>quelle mal man<strong>da</strong>rá o<br />
medico e cirurgião examinar se está confirmado nelle e sendo ver<strong>da</strong>de o<br />
fará recolher ao Lazareto sem exceção de pessoa, ou admittir-se escusa<br />
alguma porque seria malograr o effeito do dito Hospital se conservasse<br />
doentes <strong>da</strong>quelle mal onde pudesse grassar o seú con-
– 155 –<br />
tagio, e se qualquer dos doentes recolhidos for rico e quizer tratar-se a sua<br />
custa o poderá fazer, mas sempre dentro do Hospital, assim como,<br />
nenhum será despedido delle sem estar perfeitamente bom.<br />
Art. 12.° – Se algum doente quizer fazer a sua custa alguma casa<br />
para si só junto do mesmo Hospital o poderá fazer, tirando <strong>da</strong> mesma<br />
fazen<strong>da</strong> as madeiras e pedras necessarias, visto haver nelle abun<strong>da</strong>ncia<br />
destes generos, e não pagará ren<strong>da</strong> alguma, porém por sua morte, os seus<br />
herdeiros não terão direito algum a dita casa, antes ficará esta pertencendo<br />
ao dito Hospital.<br />
Art. 13.° – Não serão admitidos em dita fazen<strong>da</strong> foreiros, digo<br />
rendeiros de fóra para que pela continuação de tempos não venham a<br />
faltar mattos para as plantas de mandioca tão necessarias ao dito Hospital.<br />
Art. 14.° – Havendo necessi<strong>da</strong>de de providencias sobre tudo que<br />
novamente ocorrer o Inspetor me representará pela Secretaria de Estado.<br />
Art. 15.° – Se em qualquer tempo algum dos meus sussessores se<br />
resolver (o que não espero) a querer desmembrar ou vender parte <strong>da</strong>quella<br />
fazen<strong>da</strong>, o Inspector e o administrador me representará submissamente,<br />
que aquella proprie<strong>da</strong>de foi compra<strong>da</strong> com esmolas do povo, e que a real<br />
fazen<strong>da</strong> não despendeu nella ou na Ereção do dito Hospital quantia<br />
alguma por limita<strong>da</strong> que fosse, pedindo-lhe ao mesmo tempo licença e<br />
representar a Sua Magestade debaixo de cuja proteção Real se acha o dito<br />
Hospital por gozar de todos os privilegios dos Hospitaes Reaes de Lisboa,<br />
e que a confirmação <strong>da</strong>quelle Lazareto já se acha affecto á S. A. Real.<br />
E porque a circunstancia dos tempos podem fazer necessarias<br />
muitas providencias que em desde agora não posso prevenir ou remediar,<br />
rogo aos meus sucessores, como benignos conservadores do mesmo<br />
Lazareto, queiram com as suas luzes <strong>da</strong>r sensiveis providencias em<br />
materia em que interessa não menos que a serviço de Deus e de S.<br />
Magestade e o bem publico.<br />
Hospital e quinta dos Lazaros, 6 de Setembro de 1852.<br />
(Assignado pelo Administrador Thomaz Gomes de Azevedo).<br />
Copiado do regimento que foi feito para inauguração e installação<br />
do Hospital dos Lazaros <strong>da</strong> Bahia.<br />
Archivo Publico <strong>da</strong> Bahia.
– 156 –<br />
V – Departamento Nacional de <strong>Saúde</strong> Pública<br />
PROFILAXIA ESPECIAL DA LEPRA<br />
(Lei de Setembro de 1920)<br />
Art. 133 – Quando for notificado um caso suspeito de lepra, como<br />
tal considerado pela autori<strong>da</strong>de sanitária ficará o enfermo sob vigilância,<br />
devendo o médico assistente confirmar a notificação logo que tenha<br />
positivado o diagnóstico.<br />
Art. 134 – A notificação poderá ter carater confidencial, desde que<br />
a isso não se oponha interesses maiores <strong>da</strong> saude coletiva e que o enfermo<br />
assim o queira. Nesse caso será guar<strong>da</strong>do em registro especial, o nome<br />
por extenso, indicando-se o mesmo pelas iniciais nos demais documentos.<br />
Art. 135 – A notificarão será feita à Diretoria Geral do Serviço<br />
Sanitário e, no interior, à autori<strong>da</strong>de sanitária mais próxima do local em<br />
que residir a pessoa notifica<strong>da</strong>, competindo a esta comunicar logo o fato à<br />
Diretoria do Serviço Sanitário.<br />
Art. 136 – O médico, que examinar indivíduo doente ou suspeito<br />
de lepra, deverá cientificar-lhe, para os objetivos de profilaxia, do carater<br />
contagioso <strong>da</strong> doença, com a necessária prudência, de modo a não lhe<br />
abater o moral, devendo ain<strong>da</strong>, sempre levar o fato ao conhecimento <strong>da</strong><br />
família. Além <strong>da</strong>s recomen<strong>da</strong>ções que julgar convenientes, relativas aos<br />
meios de evitar a transmissão, fornecerá ao cliente os conselhos<br />
impressos, para tal fim organizados pelo Serviço Sanitário.<br />
Art. 137 – O médico, sempre que puder, informará à repartição<br />
sanitária si o caso presente já fora notificado em qualquer época ou em<br />
qualquer lugar do território nacional. Isso mesmo verificará a repartição<br />
antes de considerá-la caso novo para os efeitos <strong>da</strong> estatística.<br />
Art. 138 – O isolamento nosocomial será feito, conforme<br />
indicação, em estabelecimentos dirigidos ou fiscalizados pelo Serviço<br />
Sanitário.<br />
§ Único – O isolamento nosocomial terá sempre em vista as<br />
preferências do doente por determinado local e as vantagens médicas e<br />
higiênicas, julga<strong>da</strong>s em ca<strong>da</strong> caso pela autori<strong>da</strong>de sanitária.
– 157 –<br />
Art. 139 – Os estabelecimentos nosocomiais serão os seguintes:<br />
a) colônias agrícolas;<br />
b) Sanatórios ou hospitais;<br />
c) Asilos.<br />
§ 1.° – As colônias agrícolas, sempre preferiveis, deverão ter<br />
bastante amplitude para nelas se poder estabelecer uma ver<strong>da</strong>deira vila de<br />
leprosos, e, além <strong>da</strong>s condições que assegurem do melhor modo os seus<br />
fins, deverão ter hospitais para os que necessitarem cura de doenças e<br />
afecções intercurrentes, podendo ter asilo para os incapazes.<br />
§ 2.° – Os sanatórios, hospitais e asilos, só admissiveis quando as<br />
condições locaes e outras o permitirem, a critério do Serviço Sanitário ou<br />
o reduzido número de doentes dispensar o estabelecimento de uma<br />
colônia, terão por fim principal multiplicar as casas de isolamento na<br />
medi<strong>da</strong> do possivel, junto dos focos, a-fim-de facilitar a segregação dos<br />
leprosos. Deverão ser estabelecidos em lugares onde, a par <strong>da</strong>s melhores<br />
condições higiênicas, existam amplos logradouros para os isolados.<br />
Art. 140 – Para os estabelecimentos <strong>da</strong> letra a do artigo anterior,<br />
serão de preferência enviados, além dos que o desejarem, os que forem<br />
ain<strong>da</strong> capazes de pequenos trabalhos, regulados segundo prescrição<br />
médica; para os <strong>da</strong> letra b, aqueles que resi<strong>da</strong>m nas proximi<strong>da</strong>des, tendose<br />
tambem em vista as vantagens ou desvantagens que lhes possa trazer o<br />
tratamento de sanatório ou de hospital; para os <strong>da</strong> letra c, os doentes que<br />
se invali<strong>da</strong>rem, levando-se tambem em conta sua visinhança do local.<br />
Art. 141 – A instalação de estabelecimentos destinados a leprosos<br />
obedecerá às condições de conforto e aprazibili<strong>da</strong>de para os doentes e de<br />
proteção para as populações visinhas, ficando subordinado o<br />
funcionamento deles a instruções expedi<strong>da</strong>s pelo Diretor Geral.<br />
Art. 142 – O isolamento nosocomial dos leprosos, inclusive o<br />
transporte para o estabelecimento, será feito a expensas dos poderes<br />
públicos.<br />
§ 1.° – Haverá, nos nosocômios, acomo<strong>da</strong>ções para doentes<br />
contribuintes, que pagarão as despesas de isolamento e de transporte,<br />
conforme for determinado no regimento interno do estabelecimento.
– 158 –<br />
§ 2.° – Aos funcionários públicos poderão ser concedi<strong>da</strong>s, quando<br />
solicita<strong>da</strong>s, a juizo do Govêrno, as necessárias facili<strong>da</strong>des para que se<br />
isolem de acôrdo com as suas condições sociais.<br />
Art. 143 – Nenhum doente de lepra poderá ser isolado em<br />
nosocômio, ou domicílio, sem prévia verificação do diagnóstico pelas<br />
autori<strong>da</strong>des sanitárias.<br />
§ 1.º – Notificado o caso, confirmado ou suspeito, a autori<strong>da</strong>de<br />
sanitária que receber a denuncia comunicará o fato ao Serviço Sanitário<br />
que fará seguir autori<strong>da</strong>de sanitária para o domicilio do doente afim de<br />
examiná-lo. Quando a denúncia for <strong>da</strong><strong>da</strong> a chefe de posto no interior,<br />
serão por ele toma<strong>da</strong>s as necessárias providências. Quando não for<br />
encontrado o domicílio ou o doente, será o caso levado ao conhecimento<br />
<strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de sanitária, que providenciará para sua descoberta e verificará<br />
qual o responsável pelo fato.<br />
§ 2.° – O doente que residir em habitação particular, uma vez que a<br />
casa ofereça condições exigi<strong>da</strong>s e que os outros moradores se conformem<br />
com a resolução <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de sanitária, poderá nela aguar<strong>da</strong>r, sob<br />
vigilância, a verificação do diagnóstico.<br />
§ 3.º – Fora deste caso a transferencia se fará desde logo para local<br />
de isolamento provisório.<br />
§ 4.º – Si a pessoa notifica<strong>da</strong> negar-se ao exame, será requisitado<br />
auxílio <strong>da</strong> polícia para execução dessa providência e para o respectivo<br />
isolamento, uma vez o diagnóstico confirmado.<br />
§ 5.º – Será permiti<strong>da</strong> a presença de médico <strong>da</strong> confiança <strong>da</strong><br />
pessoa, doente ou suspeito, ao exame destinado a verificar o diagnóstico<br />
<strong>da</strong> lepra.<br />
§ 6.º – O exame deverá ser tão completo quanto possível,<br />
empregados todos os meios de pesquiza clinica, microscópica e<br />
sorológica acaso indicados, organizando-se urna ficha onde serão<br />
declarados quais os principais sintomas presentes ou ausentes e que<br />
sirvam, conforme o caso, para afirmar, infirmar ou suspeitar <strong>da</strong> existencia<br />
<strong>da</strong> lepra. Sempre que for possivel, serão conserva<strong>da</strong>s, convenientemente<br />
arquiva<strong>da</strong>s, as provas dos exames de laboratório ou outras a que se houver<br />
procedido. Urna cópia <strong>da</strong> ficha, com documentação experimental<br />
possivel, obti<strong>da</strong> do laboratório, deverá sempre ser envia<strong>da</strong> para esse fim à<br />
Diretoria Geral, onde
– 159 –<br />
quer que tenha sido feito o exame, e bem assim ao estabelecimento<br />
nosocomial para onde for o doente enviado.<br />
§ 7.º – Si o diagnóstico apresentar dificul<strong>da</strong>des e si, a juizo <strong>da</strong><br />
autori<strong>da</strong>de sanitária que examinar o doente, não se puder tirar conclusões<br />
positivas, serão pedi<strong>da</strong>s providências à Diretoria Geral. Si esta julgar<br />
conveniente, poderá cometer o esclarecimento do Diagnóstico a<br />
especialista estranho à repartição.<br />
§ 8.° – Fora <strong>da</strong> Capital os exames serão feitos pelas autori<strong>da</strong>des<br />
sanitarias mais próximas, podendo ser ouvido especialista extranho à<br />
repartição, nas condições do parágrafo anterior.<br />
§ 9.° – Todos os exames de laboratório serão requisitados aos<br />
laboratórios bacteriológicos do Departamento Nacional de Saude Pública,<br />
que deverão fornecer os documentos experimentais possíveis, a-fim-de<br />
serem enviados à Inspetoria e ao estabelecimento nosocomial para onde<br />
for o doente enviado.<br />
§ 10.º – Na hipótese de serem negativos os exames de laboratório,<br />
poderá ser o diagnóstico esclarecido pelo exame clínico. Nesse caso<br />
observar-se-ão as instruções especiais expedi<strong>da</strong>s pela Diretoria Geral, nas<br />
quais serão indicados os sinais que autorizem a considerar o caso<br />
confirmado ou a declará-lo suspeito.<br />
Art. 144 – Da conclusão de exame poderá haver, sem efeito<br />
suspensivo, recurso para o Diretor Geral do Departamento.<br />
§ Único – Nesse caso, será nomea<strong>da</strong>, pelo Diretor Geral, uma<br />
comissão composta de especialistas do Serviço ou <strong>da</strong> Facul<strong>da</strong>de de<br />
Medicina que não tenham servido no exame. Si o resultado do exame for<br />
negativo, cessarão quaisquer providências sanitárias toma<strong>da</strong>s em relação<br />
ao caso notificado; si, porém, ele autorizar a suspeita ou confirmar o<br />
diagnóstico, executar-se-ão as determinações regulamentares em vigor.<br />
Art. 145 – Desde que a autori<strong>da</strong>de sanitária tenha concluido pelo<br />
diagnóstico positivo <strong>da</strong> lepra, levará o fato ao conhecimento do doente ou<br />
de quem por ele responder, notificando-lhe tambem a obrigatorie<strong>da</strong>de de<br />
isolamento e a liber<strong>da</strong>de que fica ao doente de levá-lo a efeito em seu<br />
próprio domicílio ou no estabelecimento nosocomial que lhe convier.
– 160 –<br />
§ Único – Salvo acordo que regule especialmente o assunto, terão<br />
preferência para isolamento nos leprosários, os doentes domiciliados, nos<br />
termos <strong>da</strong> Lei, no Estado, ou município onde forem situados aqueles<br />
estabelecimentos. Os doentes vindos de outros Estados ou municípios só<br />
serão recebidos após prévia anuência <strong>da</strong>s autori<strong>da</strong>des sanitárias do local<br />
para onde se destinem, cumprindo-se nesse caso, as determinações do Art.<br />
11, do decreto n. 3.987, de janeiro de 1920. Caso não tenha sido obti<strong>da</strong><br />
anuência prévia, serão os doentes reenviados ao local de sua residência.<br />
Art. 146 – Nas colônias de leprosos permitir-se-á a internação à<br />
sua custa de pessoa adulta que queira acompanhar o doente; si, porém, a<br />
pessoa que acompanhar o leproso for o outro conjuge e não tiver recursos,<br />
o Governo poderá conceder a internação gratuita.<br />
§ Único – Si a pessoa sã, interna<strong>da</strong>, resolver em qualquer tempo<br />
retirar-se, deverá submeter-se a exame médico e à vigilância durante o<br />
tempo que for julgado conveniente, a juizo <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de sanitária.<br />
Art. 147 – Haverá nos estabelecimentos nosocomiais um pavilhão<br />
de observação para os doentes que, a juizo médico, devam ser submetidos<br />
a novo e rigoroso exame antes de internamento definitivo. Em caso de<br />
discordância de diagnóstico, resolverá o inseptor, podendo man<strong>da</strong>r<br />
proceder a novo exame.<br />
Art. 148 – Nos estabelecimentos de leprosos, além <strong>da</strong>s disposições<br />
já determina<strong>da</strong>s e <strong>da</strong>s que forem prescritas em seus regimentos internos,<br />
serão observa<strong>da</strong>s mais as seguintes:<br />
a) Os doentes manterão rigoroso asseio corporal e os portadores<br />
de lesões abertas deverão te-las sempre trata<strong>da</strong>s e oclusas. Deverá haver o<br />
maior cui<strong>da</strong>do na desinfecção dos excretos, tendo-se em vista to<strong>da</strong>s as<br />
vias de emissão de bacilos;<br />
b) Os doentes que apresentarem acidentes febris freqüentes, e os<br />
habitualmente apiréticos durante as fases de reação febril, serão isolados<br />
em pavilhão especial, rigorosamente protegidos contra os mosquitos;<br />
c) Os domicílios dos leprosos, de qualquer categoria, serão<br />
protegidos contra os mosquitos e moscas e sofrerão expurgos periódicos,<br />
a-fim-de corrigir as falhas possiveis <strong>da</strong> proteção mecânica;
Doentes existentes<br />
internados<br />
em 31-12-948<br />
GASTOS DA UNIÃO ATE’ 31-12-948<br />
UNIDADES FEDERADAS L E P R O S Á R I O S<br />
Construção Instalação<br />
TERRITORIO DO ACRE.............. Souza Araujo................................... 849.000,000 –– 92<br />
Cruzeiro do Sul................................ 786.000,00 180.000,00 100<br />
AMAZONAS ................................ Antonio Aleixo................................. 5.850.384,00 694.966,00 606<br />
Belisário Pena.................................. 385.000,00 50.000,00 338<br />
PARÁ........................................... Prata................................................ 2.598.619,00 590.000,00 670<br />
Marituba......................................... 5.252.922,80 739.940,00 676<br />
Frei Gil de Vila Nova...................... –– –– 30<br />
MARANHÃO ............................... Bonfim .............................................. 2.665.985,30 218.000,00 351<br />
PIAUÍ........................................... Carpina........................................... 1.163.128,70 190.000,00 165<br />
CEARÁ........................................ Antonio Diogo................................. 231.538,60 –– 279<br />
Antônio Justa.................................. 2.383.593,50 543.394,20 295<br />
RIO GRANDE DO NORTE ......... São Francisco de Assis ................... 589.897,00 45.000,00 128<br />
PARAIBA...................................... Getulio Vargas................................ 906.248,00 293.325,00 90<br />
PERNAMBUCO.......................... Mirueira............................................ 3.711.192,50 398.855,00 309<br />
ALAGOAS ................................... Eduardo Rabelo ............................ 638.587,00 125.000,00 36<br />
SERGIPE ..................................... Lourenço Magalhães.................... 994.138,00 266.411,60 49<br />
BAHIA.......................................... D. Rodrigo de Menezes................. –– –– 83<br />
Águas Claras................................... 2.187.046,70 421.900,00 ––<br />
MINAS GERAIS........................... Santa Isabel ................................... 3.020.57,70 200.000,00 2.253<br />
Santa Fé.......................................... 5.469.290,30 518.100,00 1.096<br />
São Francisco de Assis ................... 4.667.780,00 468.100,00 764<br />
Padre Damião................................ 6.152.939,50 349.983,90 621<br />
Raça Grande................................. 997.027,40 306.119,10 76<br />
Sabará ............................................ –– –– 98
Doentes<br />
existentes<br />
internados<br />
em 31-12-948<br />
GASTOS DA UNIÃO<br />
ATE' 31-12-948<br />
UNIDADES FEDERADAS LEPROSÁRIOS<br />
Construção Instalação<br />
ESPÍRITO SANTO................................. Itanhenga ................................................ 1623.104,20 365.000,00 395<br />
RIO DE JANEIRO................................. Tavares de Macedo.............................. 5.777.159,00 301.514,70 417<br />
DISTRITO FEDERAL .............................. Curupaití................................................... 4.157.564,00 269.948,00 703<br />
Frei Antônio ............................................... –– –– 89<br />
SÃO PAULO ........................................ Padre Bento ............................................. 312.491,20 –– 945<br />
Cocais ....................................................... 1.379.802,00 –– 1.869<br />
Aimorés ...................................................... 411.677,00 –– 1.327<br />
Pirapitinguí................................................ 2.443.411,40 –– 2.706<br />
Santo Angelo............................................ 3.264.367,00 –– 1.678<br />
PARANÁ............................................... São Roque................................................ 1.876.240,00 270.000,00 951<br />
SANTA CATARINA................................ Santa Tereza............................................ 2.174.752,30 147.761,20 414<br />
RIO GRANDE DO SUL........................ Itapoan..................................................... 3.844.864,00 268.242,00 537<br />
MATO GROSSO................................. São Julião................................................. 2.923.160,00 835.000,00 291<br />
São João dos Lazáros............................. –– –– 18<br />
GOIAZ ................................................. Santa Marta ............................................ 5.778.431,20 862.014,80 423<br />
TOTAL............................................... 87.467.399,40 9.818.575,50 21.968
– 161 –<br />
d) Haverá em todo o estabelecimento o maior cui<strong>da</strong>do em evitarse<br />
a procreação de insetos hematófagos, na área em sua volta. Até cerca<br />
de 1.000 metros de raio, a juizo <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de sanitária, será tanto quanto<br />
possivel evita<strong>da</strong> a procreação de culicídios e moscas;<br />
e) Não deverá ser oposto obstáculo à vi<strong>da</strong> comum dos esposos<br />
que nisso consintam, sujeitando-se o cônjuge são a mais restrita vigilância<br />
médica. Nessas condições, ou quando ambos forem doentes, poderão<br />
cohabitar em departamentos especiais do estabelecimento;<br />
f) Os filhos de leprosos, embora um só dos progenitores seja<br />
doente, serão mantidos em secções especiais, anexas ás áreas de pessoas<br />
sãs do estabelecimento, para onde serão transporta<strong>da</strong>s logo depois de<br />
nascidos;<br />
g) Essas mesmas crianças não deverão ser nutri<strong>da</strong>s ao seio de uma<br />
ama e não serão amamenta<strong>da</strong>s pela própria mãe si esta for leprosa;<br />
podendo ser retira<strong>da</strong>s para outros lugares, longe dos pais, em asilos<br />
especiais;<br />
h) Os empregados do estabelecimento que mais diretamente<br />
tratarem com os leprosos, serão, quanto possível, tirados dentre os<br />
leprosos válidos de modo a ser utilizado o mínimo de pessoas indenes;<br />
i) Os utensilios e objetos manuseados pelos leprosos serão<br />
destinados ao seu uso exclusivo, e, em hipótese alguma, serão objeto de<br />
ven<strong>da</strong>, troca ou <strong>da</strong>diva a pessoa sã;<br />
j) Os detentos leprosos serão recolhidos a local adequado nas<br />
colônias.<br />
Art. 149 – Só é permitido o isolamento de leprosos em hospitais<br />
comuns ou casas de saude, nos termos do art. 469. Neste caso, tais<br />
estabelecimentos deverão subordinar-se às determinações especiais <strong>da</strong><br />
Inspetoria de Profilaxia <strong>da</strong> Lepra, importando a infração delas na retira<strong>da</strong><br />
<strong>da</strong> concessão, que será sempre a título precario.<br />
Art. 150 – Será permiti<strong>da</strong> a fun<strong>da</strong>ção e manutenção, por pessoas<br />
ou associações priva<strong>da</strong>s, de estabelecimentos nosocomiais para leprosos.<br />
Tais estabelecimentos porém, só poderão funcionar mediante autorisacão<br />
<strong>da</strong> Inspetoria de Profilaxia <strong>da</strong> Lepra, sujeitos à sua vigilância e obrigados<br />
a executar as medi<strong>da</strong>s sanitárias julga<strong>da</strong>s necessarias.<br />
§ Único – Para a fun<strong>da</strong>ção e manutenção dos estabelecimentos de<br />
isolamento poderá, a juizo do Governo, ser feito acordo entre a Diretoria<br />
do Serviço Sanitário e associações<br />
F. – 11
– 162 –<br />
priva<strong>da</strong>s idôneas, aquele assinará o acordo, ficando os estabelecimentos<br />
sob fiscalização <strong>da</strong> Repartição Sanitária.<br />
Art. 151 – Os doentes isolados em nosocômios poderão tratar-se,<br />
sob condições determina<strong>da</strong>s no regimento interno do estabelecimento,<br />
com clínico de sua confiança, correndo as despesas por sua conta. Os<br />
clínicos de fora se submeteriam a todos os rgulamentos internos, podendo<br />
lhes ser ve<strong>da</strong><strong>da</strong> entra<strong>da</strong> quando transgri<strong>da</strong>m qualquer disposição<br />
regulamentar.<br />
Art. 152 – Os doentes internados poderão passar de um a outro<br />
estabelecimento nosocomial ou isolar-se em domicilio, desde que o seu<br />
estado o permita, a juizo <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de sanitária.<br />
§ Único – Aos que já tenham sido transferidos do domicílio para o<br />
nosocômio, por insubmissão, não será mais permitido o isolamento<br />
domiciliar<br />
Art. 153 – Em casos excepcionais, a juizo do diretor do<br />
estabelecimento, e quando as condições de contágio sejam de pouca<br />
monta, se permitirá ao leproso a sai<strong>da</strong> do estabelecimento por número<br />
limitado de dias, a-fim-de visitar a família ou tratar de interesses privados.<br />
Correrão as despesas por sua conta, e deverá ser seguido por um guar<strong>da</strong><br />
ou enfermeiro a-fim-de se garantir o cumprimento <strong>da</strong>s medi<strong>da</strong>s de<br />
prevenção que lhes forem prescritas. O Diretor do nosocômio julgará em<br />
ca<strong>da</strong> caso, si não há perigo maior para a saude coletiva, limitará com<br />
precisão o prazo <strong>da</strong> sai<strong>da</strong> e <strong>da</strong>rá ao doente uma nota escrita relativa às<br />
medi<strong>da</strong>s de prevenção a que fica obrigado. A concesão só será feita<br />
depois que a autori<strong>da</strong>de sanitária do local do destino informar ser possivel<br />
o isolameno temporário, a que será submetido o doente.<br />
Art. 154 – O isolamento de leprosos, tratando-se do chefe <strong>da</strong><br />
familia ou pessoa responsavel pela sua própria manutenção, será<br />
comunicado às autori<strong>da</strong>des administrativas ou judiciárias, para os fins de<br />
direito.<br />
Art. 155 – Em caso de grande escassez de recursos, as autori<strong>da</strong>des<br />
sanitárias procurarão auxiliar os leprosos recolhidos a leprosario ou <strong>da</strong>r<br />
assistência temporária à sua família.<br />
Art. 156 – O isolamento domiciliário só será permitido quando<br />
possivel assídua vigilância, e si o domicilio não for casa de habitação<br />
coletiva ou de comércio.
– 163 –<br />
§ Único – Será mais facilmente concedido o isolamento<br />
domiciliário, a juizo <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de sanitária, aos doentes <strong>da</strong> forma nervosa<br />
ou anestésica pura.<br />
Art. 157 – Combinado o isolamento domiciliário, a autori<strong>da</strong>de<br />
sanitária facultará prazo razoavel a-fim-de que o doente se prepare para a<br />
sua execução, ficando, porém, desde logo sujeito à vigilância sanitária.<br />
Ser-lhe-á forneci<strong>da</strong> uma nota escrita com as condições do dito isolamento.<br />
§ Único – As despesas do isolamento domiciliário correrão sempre<br />
por conta do doente.<br />
Art. 158 – No domicílio do leproso e principalmente nos seus<br />
aposentos, se observará o mais escrupuloso . asseio, evitando-se nestes<br />
últimos, tanto quanto possível, o acesso de outras pessoas. Os doentes<br />
deverão ter, pelo menos, um quarto de dormir pessoal. Suas roupas de uso<br />
serão lava<strong>da</strong>s na própria casa, à parte <strong>da</strong>s de outrem, e previamente<br />
desinfeta<strong>da</strong>s ou fervi<strong>da</strong>s. Todos os recipientes que receberem excretos<br />
deverão conter soluções antiséticas. Deverá haver particular cui<strong>da</strong>do com<br />
os lenços.<br />
Art. 159 – Os aposentos do enfermo serão, si possível,<br />
quotidianamente desinfetados e expurgados de moscas, mosquitos e<br />
outros insetos, e suas portas, janelas e aberturas revesti<strong>da</strong>s de telas de<br />
proteção. Em áreas visinhas do prédio, a juizo <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de sanitária,<br />
será tanto quanto possível, evita<strong>da</strong> a procreação de culicídios e moscas.<br />
Sempre que reclamem com fun<strong>da</strong>mento os visinhos será suspensa a<br />
licença para a localização de isolamento nesse lugar.<br />
Art. 160 – Os doentes serão mantidos rigorosamente isolados em<br />
seu aposento, protegidos contra os mosquitos, quando tiverem acidentes<br />
febris freqüentes, sempre que houver surto febril ou em qualquer outra<br />
condição em que for presumivel a bacilemia.<br />
Art. 161 O doente isolado em domicílio, além <strong>da</strong>s recomen<strong>da</strong>ções<br />
que em ca<strong>da</strong> caso serão feitas pelas autori<strong>da</strong>des sanitárias, deverá cumprir<br />
as seguintes determinações:<br />
a) Observar escrupulosamente tudo o que lhe for recomen<strong>da</strong>do<br />
pelas autori<strong>da</strong>des sanitárias;<br />
b) Conservar-se, tanto quanto possível, afastado dos outros<br />
moradores, evitando todo o contáto corporal e convivência íntima<br />
prolonga<strong>da</strong>;
– 164 –<br />
c) Dispor de utensílios próprios e só se utilizar deles;<br />
d) Conservar sempre suas roupas, maxime si contamina<strong>da</strong>s pelos<br />
excretos, em local próprio e protegido;<br />
e) Ter sempre oclusas as lesões abertas e desinfeta<strong>da</strong>s com pensos<br />
antiséticos;<br />
f) Conservar-se, sempre que puder, em seu próprio aposento e<br />
dele não sair quando se ache isolado de; rigor;<br />
g) Servir-se sempre <strong>da</strong> priva<strong>da</strong> e banheiro que lhe forem<br />
indicados, fazendo desinfetar logo os excretos e as águas servi<strong>da</strong>s;<br />
h) Afastar-se sempre <strong>da</strong>s crianças que resi<strong>da</strong>m ou permaneçam no<br />
domicílio.<br />
Art. 162 – As pessoas <strong>da</strong> família, os domésticos e todos 901<br />
os que residirem ou permanecerem no domicílio, deverão cumprir o<br />
seguinte: :: :<br />
a) Acatar as recomen<strong>da</strong>ções <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de sanitária;<br />
b) Prestar-se aos exames necessários para verificar se estão<br />
contamina<strong>da</strong>s, principalmente si se tratar do cônjuge são ou de crianças;<br />
c) Não se utilizar de qualquer objeto ou utensílio que tenha<br />
servido ao doente e não permanecer, salvo motivo de força maior, nos<br />
aposentos que lhe forem destinados;<br />
d) Não guar<strong>da</strong>r suas roupas limpas ou servi<strong>da</strong>s juntas às do<br />
enfermo;<br />
e) Desinfetar-se sempre que tocar em lesões abertas dos doentes e<br />
antes e depois de tratar dessas lesões;<br />
f) Manter o domicílio, tanto quanto possível, livre de mosquitos e<br />
outros insetos;<br />
g) Não permitir que o doente receba visitas que se não conformem<br />
com as medi<strong>da</strong>s de prevenção aconselha<strong>da</strong>s;<br />
h) Evitar contato freqüente de doente com os domésticos e mais<br />
empregados, e <strong>da</strong>r-lhe, sempre que for possivel, criado ou enfermeiro<br />
privativo.<br />
i) Fazer desinfetar, antes <strong>da</strong> lavagem, to<strong>da</strong>s as roupas servi<strong>da</strong>s <strong>da</strong><br />
cama e do corpo do doente e incinerar as peças de curativos retira<strong>da</strong>s.<br />
Art. 163 – O doente isolado em domicílio, conforme o grão de<br />
infectabili<strong>da</strong>de, poderá sair em casos excepcionais, sob vigilância,<br />
mediante permissão e a juizo <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de
– 165 –<br />
sanitária. Si não cumprir as prescrições que lhe forem feitas, jamais<br />
poderá gozar dessa regalia.<br />
Art. 164 – A criança, filha de pais leprosos, isolados em domiclio,<br />
não deverá ser nutri<strong>da</strong> ao seio de uma ama e não será amamenta<strong>da</strong> pelo<br />
própria mãe, se esta for leprosa.<br />
Art. 165 – O domicílio donde sair um leproso ou um ca<strong>da</strong>ver de<br />
leproso, será expurgado e renovado completamente antes de servir para<br />
outrem, assim como as roupas e objetos de uso do doente que não<br />
puderem ser incinerados.<br />
Art. 166 – O enterro dos que faleceram de lepra está sujeito às<br />
mesmas regras profiláticas adota<strong>da</strong>s para os casos de doenças infectuosas.<br />
Art.. 167 – O doente isolado em domicilio não poderá ter por<br />
ocupação nenhum oficio ou profissão em que sejam manipulados objetos<br />
ou substâncias por outrem usa<strong>da</strong>s ou consumi<strong>da</strong>s.<br />
Art. 168 – Se o doente isolado em domicílio mu<strong>da</strong>r-se de um<br />
município para outro, deverá ser acompanhado de uma guia, dirigi<strong>da</strong> à<br />
autori<strong>da</strong>de sanitaria do local <strong>da</strong> nova residência, dizendo qual a espécie de<br />
isolamento a que se achava obrigado.<br />
§ Único – Os doentes não poderão ser transferidos ou se transferir<br />
de um município para outro, sem prévia anuência <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de sanitária<br />
do local para onde se destinem; caso não tenha sido obti<strong>da</strong> anuência<br />
prévia, serão reenviados para o local de sua residência, doentes de outros<br />
Estados.<br />
Art. 169 Para a profilaxia <strong>da</strong> lepra será executa<strong>da</strong> vigilância sobre<br />
as seguintes classe de indivíduos:<br />
a) Os leprosos isolados em domicílio;<br />
b) Os suspeitos de infecção leprosa, sendo como tais<br />
considerados;<br />
c) As pessoas que, sem apresentar sintomas <strong>da</strong> doença, sejam<br />
portadoras de germens, por partilharem ou terem partilhado o domicílio<br />
do leproso;<br />
II – As pessoas que, examina<strong>da</strong>s pela autori<strong>da</strong>de sanitária,<br />
apresentarem sintoma atribuivel à infecção leprosa.<br />
Art. 170 – A vigilância dos suspeitos como portadores de germens<br />
se prolongará, o juizo <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de sanitária, até o prazo de cinco anos<br />
após desaparecerem os motivos de suspeição; a <strong>da</strong>s pessoas que<br />
apresentarem sintoma atri-
– 166 –<br />
buivel à lepra só cessará se esse sintoma desaparecer ou deixar de ser<br />
suspeito.<br />
§ 1.º – As crianças que cohabitarem com leproso só poderão<br />
frequentar escolas e colégios sob vigilância muito rigorosa. Desde que<br />
apresentem sintoma suspeito não poderão mais permanecer entre outras<br />
crianças sãs.<br />
§ 2.° – Do mesmo modo que os indivíduos leprosos, os portadores<br />
de sintoma suspeito não poderão desempenhar qualquer função, emprego<br />
ou profissão que os ponha em relação com o público ou em contato direto<br />
com outras pessoas, principalmente crianças; não poderão particularmente<br />
servir em estabelecimento, onde se ven<strong>da</strong>m ou manipulem substâncias<br />
comestíveis ou objetos para serem usados por outrem. O patrão, chefe ou<br />
proprietário de casa ou estabelecimento, uma vez intimado pela<br />
autori<strong>da</strong>de sanitária, deverá dispensar o empregado.<br />
Art. 171 – A vigilância – que poderá ser tambem executa<strong>da</strong> por<br />
enfermeiras, sob a superintendência dos inspetores sanitários – terá por<br />
fim verificar por meio de visitas freqüentes se são cumpri<strong>da</strong>s as<br />
determinações regulamentares, devendo ser feito pelo médico, sempre que<br />
for preciso, o exame clínico e bacteriológico do doente.<br />
§ Único – As condições de vigilância serão fixa<strong>da</strong>s em ca<strong>da</strong> caso,<br />
de modo a assegurar a defesa coletiva, e escritura<strong>da</strong>s em folha especial ou<br />
na propria ficha do doente. A freqüencia <strong>da</strong>s visitas para os doentes<br />
isolados em domicílio será estabeleci<strong>da</strong> de acordo com o gráu de<br />
infectuosi<strong>da</strong>de do paciente, as condições do meio em que viver e a<br />
exatidão com que forem cumpri<strong>da</strong>s as determinações <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de<br />
sanitária. As visitas a pessoas suspeitas serão feitas com intervalos de três<br />
a seis mêses, a juizo <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de sanitária que poderá fixar prazos,<br />
dentro dos quais deverão aquelas pessoas comparecer à séde dos serviços,<br />
a-fim-de ser reexamina<strong>da</strong>s.<br />
Art. 172 – A Inspetoria de Profilaxia <strong>da</strong> Lepra fará um ca<strong>da</strong>stro de<br />
to<strong>da</strong>s as pessoas sob a vigilância sanitária, com ficha de ca<strong>da</strong> uma, de<br />
modo a se estabelecer reserva<strong>da</strong>mente um inquérito sôbre a doença e suas<br />
condições epidemiológicas.<br />
Art. 173 – A Inspetoria de Profilaxia <strong>da</strong> Lepra promoverá larga<br />
propagan<strong>da</strong> de educação higiênica popular no sentido de tornar<br />
conheci<strong>da</strong>s as condições de contagio <strong>da</strong>
– 167 –<br />
doença e o perigo do charlatanismo médico e farmacêutico a ela<br />
referentes e os meios de prevenção aconselhados. Essa propagan<strong>da</strong> será<br />
feita segundo instruções minuciosas expedi<strong>da</strong>s pelo inspetor do serviço.<br />
Art. 174 – Nos processos de licenças para medicamentos<br />
antileprosos será sempre ouvi<strong>da</strong> a Inseptoria de Profilaxia <strong>da</strong> Lepra e <strong>da</strong>s<br />
Doenças Venéreas.<br />
Art. 175 – Nenhum leproso estrangeiro poderá penetrar em<br />
território nacional, devendo ser repatriado o que lograr fazê-lo.<br />
Art. 176 – A Inspetoria de Profilaxia <strong>da</strong> lepra organizará o censo<br />
de todos os leprosos existentes no Brasil, particularmente nas zonas de<br />
sua jurisdição. Utilizará para tanto os <strong>da</strong>dos que lhe forem ministrados<br />
pela notificação nessas mesmas zonas e os que forem obtidos dos Estados<br />
que fizerem por conta própria a profilaxia <strong>da</strong>quela doença.<br />
Art. 177 – O Inspetor de Profilaxia <strong>da</strong> Lepra indicará ao diretor do<br />
Departamento o número, local e espécie de estabelecimento nosocomial<br />
que deva ser desde logo instalado bem assim quais os que mais tarde se<br />
tornem necessarios depois de mais conhecido o censo dos leprosos.<br />
Art. 178 – O Governo poderá auxiliar, mediante acordo, as<br />
socie<strong>da</strong>des filantrópicas idôneas que tiverem por fim prestar assistência<br />
aos leprosos pobres, de modo a permitir-lhes o isolamento domiciliário ou<br />
nosocomial.<br />
Art. 179 – A Inspetoria providenciará para que sejam vistoriados<br />
os atuais estabelecimentos de leprosos, que ficarão sob vigilância a-fimde<br />
verificar se preenchem seus fins profiláticos e se salvaguar<strong>da</strong>m os<br />
interesses <strong>da</strong> saude coletiva.<br />
§ Único – Caso não sejam executa<strong>da</strong>s as determinações <strong>da</strong><br />
autori<strong>da</strong>de sanitária, e existam inconvenientes sob o ponto de vista<br />
profilático, promoverá a mesma autori<strong>da</strong>de o fechamento <strong>da</strong>queles<br />
estabelecimentos.<br />
Art. 180 – O inspetor de Profilaxia <strong>da</strong> Lepra poderá representar ao<br />
diretor geral do Departamento sôbre a conveniência de serem<br />
encarregados profissionais ou institutos idôneos de fazer pesquisas<br />
relativas à profilaxia e tratamento <strong>da</strong>quela doença.<br />
§ Único – A Inspetoria tratará de promover o fabrico dos agentes<br />
terapêuticos mais ativos contra a lepra, podendo para isso o Governo<br />
entrar em acordo com o Instituto
– 168 –<br />
Oswaldo Cruz ou com associações ou estabelecimentos idôneos. Este<br />
acordo, depois de aprovado pelo Ministro <strong>da</strong> Justiça e Negócios Interiores<br />
será assinado pelo diretor geral, e fiscalizado pela Inspetoria.<br />
Art. 181 – Enquanto não forem fun<strong>da</strong>dos os estabelecimentos<br />
nosocomiais de que trata este regulamento, poderão desde logo ser<br />
executa<strong>da</strong>s as disposições que deles não dependerem e mais as seguintes:<br />
a) – A Diretoria Geral do Serviço Sanitário providenciará para<br />
que todos os leprosos indigentes ou ambulantes sejam recolhidos a local<br />
provisório de isolamento, se for necessário e possível mediante acordo<br />
com os leprosários já existentes;<br />
b) – Os leprosos de outras categorias que tambem não puderem<br />
ser hospitalizados, serão provisoriamente postos sob vigilância ou<br />
isolados em domicílio, a juizo <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de sanitária.<br />
Art. 182 – Os expurgos e remoções de enfermos na Capital serão<br />
feitas pelo Desinfetório Central mediante ordem <strong>da</strong> Diretoria Geral.<br />
Art. 183 – O Departamento Nacional de Saude Pública, por<br />
intermédio <strong>da</strong> respectiva inspetoria, promoverá a extensão <strong>da</strong> Profilaxia<br />
<strong>da</strong> Lepra aos Estados <strong>da</strong> União, mediante acordo e segundo as normas<br />
estabeleci<strong>da</strong>s neste regulamento.<br />
Relatores: Profs. Ed. Rabelo e J. Mota.
TRATADO DE LEPROLOGIA<br />
TOMO 2<br />
ETIOLOGIA E PATOLOGIA<br />
Drs. ABRAÃO ROTB’ERG<br />
e<br />
LUIZ MARINO BECHELLI<br />
Médicos do D. P. L. de São Paulo
<strong>Apresentação</strong><br />
Com êste trabalho os Drs. Abraão Rotberg e Luiz Marino<br />
Bechelli, médicos do Departamento de Profilaxia <strong>da</strong> Lepra do Estado de<br />
S. Paulo, sob o pseudônimo de “Tocantins”, apresentaram-se ao<br />
concurso de monografias instituido sob os auspícios do Serviço Nacional<br />
de Lepra, em 1943, inscrito no tema “Etiologia e Patologia <strong>da</strong> Lepra”.<br />
Após ter sido submetido à consideração <strong>da</strong> Comissão Julgadora,<br />
constitui<strong>da</strong> pelos Profs. Francisco Eduardo Acioli Rabelo, Hildebrando<br />
Portugal e Mario Artom, foi-lhe conferido o primeiro prêmio. O mérito<br />
<strong>da</strong> presente obra foi bem definido pela referi<strong>da</strong> Comissão que a<br />
classificou “entre os dois ou três melhores estudos monográficos<br />
existentes na literatura mundial do assunto”. Fica assim incorpora<strong>da</strong> ao<br />
Tratado de Leprologia que o Serviço Nacional de Lepra está organizando<br />
com as monografias premia<strong>da</strong>s, de acôrdo com o plano prèviamente<br />
estabelecido.
Introdução<br />
Descoberto o bacilo <strong>da</strong> lepra por G. ARMAUER HANSEN na<br />
segun<strong>da</strong> metade do século XIX, só mais tarde se conseguiu ordenar uma<br />
série de fatos indiscutíveis comprovando o ver<strong>da</strong>deiro valor patogenético<br />
do microorganismo. To<strong>da</strong>via, o estudo do germe causador <strong>da</strong> lepra tem<br />
sido extremamente dificultado pelos contínuos insucessos <strong>da</strong>s tentativas<br />
realiza<strong>da</strong>s desde a época de HANSEN até os dias de hoje, no sentido de se<br />
conseguir, de modo incontestável, a cultura do bacilo em meio exterior ao<br />
organismo ou a transmissão experimental <strong>da</strong> moléstia ao homem e aos<br />
animais.<br />
Êsses insucessos impediram a eluci<strong>da</strong>ção de muitos pontos <strong>da</strong><br />
patologia, que permanecem obscuros. Releva notar, contudo, que se têm<br />
verificado sensíveis progressos, principalmente em virtude <strong>da</strong>s novas<br />
aquisições no terreno .<strong>da</strong> imunobiologia, cujo estudo está ain<strong>da</strong> em franca<br />
elaboração. Tão grande tem sido a sua importância e de tal modo têm elas<br />
influido na interpretação atual <strong>da</strong>s manifestações <strong>da</strong> lepra, a ponto de<br />
constituir relevante elemento norteador de uma <strong>da</strong>s mais modernas<br />
classificações de formas clínicas (Sul-Americana) – que julgamos<br />
necessário <strong>da</strong>r extensão maior a todos os aspectos relacionados com os<br />
fenômenos imunitários.<br />
Veremos assim que algumas <strong>da</strong>s recentes conquistas nesse setor<br />
vieram confirmar as concepções de eminentes mestres, dentre os quais<br />
cabe destacar JADASSOHN, que ressaltaram a importância primordial ao<br />
"terreno", não só na fase de instalação <strong>da</strong> moléstia, como também nas<br />
mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des evolutivas que ela pode assumir posteriormente.<br />
Dividiremos êste trabalho em duas partes:<br />
1 – Etio-patogenia<br />
2 – Patologia.
– 174 –<br />
ETIO-PATOGENIA<br />
Logo de início serão assinalados os fatôres que fixaram a<br />
importância causal do bacilo descoberto por HANSEN, após o que<br />
esboçaremos um histórico <strong>da</strong>s investigações que conduziram a êsse fim.<br />
Serão estu<strong>da</strong><strong>da</strong>s então a morfologia, biologia e constituição química do<br />
bacilo.<br />
Nos capítulos seguintes, consideraremos as tentativas de cultura e<br />
de inoculação do germe, referindo de passagem as suas relações com a<br />
lepra murina e estu<strong>da</strong>remos a possibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> transmissão hereditária e<br />
congênita.<br />
Ao apreciar o mecanismo <strong>da</strong> infecção, levaremos em conta as<br />
condições liga<strong>da</strong>s ao indivíduo eliminador de germes, a passagem dêstes<br />
para o indivíduo receptor, e os fatôres que neste último condicionam a<br />
multiplicação e a disseminação do bacilo.<br />
PATOLOGIA<br />
Na segun<strong>da</strong> parte abor<strong>da</strong>remos o estudo <strong>da</strong>s alterações estruturais e<br />
funcionais produzi<strong>da</strong>s pela infecção leprótica, devendo “começar pelo<br />
momento <strong>da</strong> invasão e acompanhar tô<strong>da</strong>s as fases e variações do processo<br />
mórbido até a fase final, a cura ou a morte”, no dizer conciso de<br />
Ja<strong>da</strong>ssohn.<br />
Estu<strong>da</strong>remos primeiramente o modo pelo qual se processa a<br />
generalização dos bacilos e sua localização nos vários tecidos. A reação<br />
dêstes ao “M. Leprae” constituirá outro capítulo, o <strong>da</strong> histopatologia geral<br />
<strong>da</strong> lepra.<br />
Caberá então um estudo <strong>da</strong>s reações alérgicas e imunitárias<br />
produzi<strong>da</strong>s e <strong>da</strong>s diversas condições favorecedoras ou inibidoras <strong>da</strong><br />
invasão bacilar, e o <strong>da</strong>s alterações funcionais mais evidenciáveis,<br />
seguindo-se uma resenha <strong>da</strong>s manifestações clínicas <strong>da</strong> moléstia e o seu<br />
agrupamento nas classificações do Congresso do Cairo e Sul Americana.
CAPITULO I<br />
MYCOBACTERIUM LEPRAE<br />
SUMÁRIO: – O bacilo de Hansen como agente efetivo <strong>da</strong><br />
lepra. Resumo histórico. Taxonomia e classificação do<br />
bacilo. Morfologia e proprie<strong>da</strong>des tintoriais: granulação,<br />
formas ácido-sensiveis, ciclo vital. Outras proprie<strong>da</strong>des<br />
biológicas. Diferenças morfológicas e tintoriais entre os<br />
bacilos de Hansen e Koch. Produção de toxinas e<br />
alergenos. Química do bacilo. Ácido e álcool resistência.<br />
O BACILO DE HANSEN COMO AGENTE<br />
EFETIVO DA LEPRA<br />
Está hoje universalmente admitido que a lepra é uma moléstia<br />
infecciosa produzi<strong>da</strong> por um bacilo descrito por HANSEN em 1874 nas<br />
células leprosas. D , e fato, nos casos de lepra lepromatosa anteriormente<br />
designados “nodulares” ou “tuberosos”, é muito facil provar a existência<br />
de um germe de características morfológicas e tintoriais peculiares, que<br />
não pode ser demonstrado nos indivíduos sãos e nos casos de outras<br />
moléstias.<br />
Com esta demonstração <strong>da</strong> presença do bacilo nos casos de lepra e<br />
<strong>da</strong> ausência dêle em outras condições, fica satisfeito um dos postulados<br />
enunciados por Koch para a admissão do carater etiopatogenético de<br />
qualquer agente.<br />
Os bacilos se apresentam por vêzes em grandes massas e é<br />
extraordinariamente grande a quanti<strong>da</strong>de total de germes que pode abrigar<br />
um caso lepromatoso. A êles reage o organismo mais ou menos<br />
intensamente de acôrdo com sua capaci<strong>da</strong>de, <strong>da</strong>ndo origem a estruturas<br />
histológicas bem defini<strong>da</strong>s, à maneira de outras infecções. Não se pode<br />
portanto considerar o bacilo presente nas lesões como simples parasito<br />
secundário <strong>da</strong> lepra lepromatosa.
– 176 –<br />
Também nos demais tipos e varie<strong>da</strong>des <strong>da</strong> moléstia (neural e suas<br />
varie<strong>da</strong>des tuberculóide, macular simples e neural-anestésica) pode ser<br />
demonstrado o mesmo germe, embora com mais dificul<strong>da</strong>de, às vêzes<br />
extrema. Mas ain<strong>da</strong> nos tipos em que se admite ser quase impossível<br />
assinalar a bactéria, pode-se assegurar ser esta o agente <strong>da</strong> moléstia, com<br />
base em estudos anátomo -clínicos e epidemiológicos. A diferença de tipos<br />
clínicos e os graus diversos de impregnação bacilar correm por conta <strong>da</strong>s<br />
diversas condições de reativi<strong>da</strong>de oposta pelo organismo ao mesmo<br />
agente etiológico.<br />
Todos os demais postulados estão ain<strong>da</strong> por satisfazer. Até o<br />
momento não foi possivel obter a transmissão segura <strong>da</strong> moléstia a<br />
animais de laboratório ou ao próprio homem, com o material <strong>da</strong>s lesões<br />
lepróticas, mesmo repletas de bacilos, ou com as mais diversas culturas,<br />
de natureza duvidosa, de bactérias obti<strong>da</strong>s por semeadura de tais lesões<br />
nos meios artificiais.<br />
Apesar dessas falhas numerosas e importantes, aquele postulado<br />
satisfeito, as alterações tissulares produzi<strong>da</strong>s e as observações<br />
epidemiológicas abun<strong>da</strong>ntes – provando a infecção dos indivíduos em<br />
contacto com doentes eliminando êsses germes – têm sido considera<strong>da</strong>s<br />
suficientes para a admissão do bacilo de HANSEN como elemento<br />
necessário para a determinação <strong>da</strong> lepra.<br />
Os estudos mais recentes de imunologia e de alergia também são<br />
favoráveis à importância etiológica do bacilo de HANSEN. Embora êsse<br />
campo de estudos esteja em pleno desenvolvimento e haja ain<strong>da</strong> uma<br />
série importante de problemas a eluci<strong>da</strong>r, pode-se desde já referir que há<br />
uma preparação para o estudo <strong>da</strong>s reações locais (dérmicas) e gerais,<br />
apresenta<strong>da</strong>s pelos indivíduos sãos e pelos diversos tipos de lepra, reações<br />
essas que refletem os vários estados de alergia e imuni<strong>da</strong>de à infecção<br />
leprótica; veremos mais tarde que é condição essencial para a produção<br />
dessas reações, que aquela preparação ( “ lepromina ” ) apresente bacilos de<br />
HANSEN, bastando, para certos fins, a presença pelo menos dos produtos<br />
de metabolismo do germe.<br />
Quanto à demonstração de anticorpos específicos nos humores, ela<br />
se tem chocado de encontro a dificul<strong>da</strong>des que começam a ser<br />
contorna<strong>da</strong>s pela aplicação à lepra de certos estudos propostos para a<br />
tuberculose, podendo-se demonstrar nos soros leprosos características<br />
imunológicas atribuíveis à ação dos germes ácido-resistentes.
"MYCOBACTERIUM LEPRAE"<br />
Coloração Ziehl-Neelsen; globias, bacilos em feixes<br />
(Desenho de Sorah)<br />
"MYCOBACTERIUM LEPRAE"<br />
Coloração Fontes; granulações intrabacilares e livres<br />
(Desenho de Saroh)
Coloração de Ziehl-Neelsen, aumento x 3500 apx. Caso de lepra<br />
lepromatosa muito melhorado. 1 - Bacilos em maça, 2 micra de<br />
comprimento apx. 2 - Forma delga<strong>da</strong>, 4 micra, com 1 granulo<br />
metacromático. 3 - Forma delga<strong>da</strong> em colar, levemente encurvado, 4 - 5<br />
micra apx., e um bastonete reto, apx. 3 micra. 4 - Bastonete mais espesso,<br />
mais uniformemente corado, com tendencia à coloração bipolar, com 2,5<br />
micra apx.; um menor, com 2 micra apx. 5 - Bastonete curvo, em colar, 4<br />
micra apx. e outro em maça 1,8 micra apx. 6 - Bastonete curvo em colar, 4<br />
micra apx. 7 - Três bastonetes em fileira, aspecto “ streptothrix ” total 10,5<br />
micra apx. 8 - Quatro aspectos diversos já assinalados. 9 - Formas pseudoramifica<strong>da</strong>s.<br />
3 bastonetes aderentes. 10 - Bastonete único simulando<br />
granulação. 11 - Forma que o autor julga ramifica<strong>da</strong>. 12 - Idem. (Reprod. de<br />
Denney, “A microscopic study of Mycobacterium leprae”. Int. Jr. of Leprosy<br />
2: 275, 1934).
– 177 –<br />
RESUMO HISTÓRICO<br />
DANIELSSEN e BOECK (120) encontraram em 1848 em tecidos<br />
provenientes de casos lepromatosos, elementos celulares apresentando<br />
“degeneração gordurosa” aos quais VIRCHOW denominou mais tarde<br />
(1864-1865) “Leprazellen” (células leprosas), de protoplasma vacuolar,<br />
característica <strong>da</strong> moléstia.<br />
Pouco depois, em 1868, HANSEN, estu<strong>da</strong>ndo cui<strong>da</strong>dosamente essas<br />
celulas leprosas de Virchow, observou nelas certos “elementos pardos''<br />
(braune Koerperchen), tendo demonstrado logo após tratar-se de massas<br />
de bastonetes agrupados, que pôde tingir com ácido ósmico (1871-1873).<br />
Finalmente em 1874 fêz a primeira descrição completa do bacilo que<br />
descobrira e a que atribuia o papel patogênico. (178)<br />
Contudo, muito havia ain<strong>da</strong> que fazer para convencer os meios<br />
científicos <strong>da</strong> época. Contra as interpretações de Hansen levantava-se a<br />
opinião prestigiosa de DANIELSSEN e a do próprio VIRCHOW, que julgava<br />
fossem os tais bastonetes simples cristais intracelulares de ácidos graxos.<br />
Os métodos de coloração não estavam desenvolvidos e não se podia fazer<br />
progressos no estudo <strong>da</strong> estrutura <strong>da</strong> bactéria.<br />
HANSEN recebeu em seu laboratório de Bergen a visita de NEISSER<br />
e de EDLUND, que apoiaram agora suas afirmações. Coube ao proprio<br />
NEISSER levar adiante os trabalhos sôbre o bacilo de Hansen, por meio de<br />
novas técnicas de coloração, e em 1879 publicou o resultado de seus<br />
estudos com a colaboração de Weigert-Koch e confirmou a hipótese de<br />
sua importância patogenética.<br />
Com os estudos posteriores de HANSEN (180) (1880) e de NEISSER<br />
(1881) ficaram sendo conhecidos novos aspectos dos germes, de seus<br />
agrupamentos intracelulares (hoje chamados “globias”) e de suas<br />
localizações nos diversos tecidos orgânicos de casos lepromatosos.<br />
O germe não tardou a ser reconhecido pelos bacteriologistas tendo<br />
sido novamente estu<strong>da</strong>do por CORNIL (109) , CORNIL & SUCHARD (108)<br />
(1881) e outros autores. No ano seguinte THIN (473) fêz notar que os<br />
bacilos se encontravam sempre dentro de elementos celulares linfóides e<br />
foi, segundo MC KINLEY (300) o primeiro a assinalar o fato de que êles<br />
retinham a fucsina que os corara, mesmo após tratamento sucessivo por<br />
ácido nítrico diluido, princípio do método de coloração até hoje<br />
empregado.<br />
Novos trabalhos foram publicados por HANSEN entre os quais, em<br />
1886 (181) o que se referia à coloração pelo método<br />
F– 12
– 178 –<br />
de Gram. Já no ano anterior tinha entrado em campo UNNA, (481) com os<br />
notáveis estudos sôbre os aspectos microscópicos do germe, e de suas<br />
lesões, de sua coloração, e mais tarde, de sua composição química. (480)<br />
Dessa mesma déca<strong>da</strong> são os importantes trabalhos sôbre a morfologia do<br />
germe, de autoria de LUTZ, (268) e do seu achado em casos outros de lepra<br />
não lepromatosos, como fêz ARNING (20) em doentes do tipo “nervoso”.<br />
Também foram tenta<strong>da</strong>s desde então a cultura do germe em meios<br />
diversos e a inoculação em animais e no próprio homem, como<br />
referiremos mais adiante, nos capítulos correspondentes.<br />
TAXONOMIA E CLASSIFICAÇÃO SISTEMÁTICA DO BACILO DE<br />
HANSEN<br />
Os trabalhos originais de HANSEN eNEISSER referiam-se ao bacilo<br />
em estudo como “Bacillus leprae”. LUTZ considerou-o um agrupamento<br />
de formações arredon<strong>da</strong><strong>da</strong>s, cocóides, donde o nome “Coccothrix leprae”<br />
que sugeriu. BABES (27) publicou as suas observações sôbre a existência<br />
nos germes de formações ramifica<strong>da</strong>s e em maças, propondo incluí-lo<br />
entre os “Streptrothrices”. Também encontra-se o germe referido na<br />
literatura como “Bacterium leprae”.<br />
A Socie<strong>da</strong>de Americana de Bacteriologistas decidiu denominar<br />
“Mycobacterium leprae” ao germe descoberto por HANSEN, incluindo-o<br />
assim no gênero-tipo <strong>da</strong> familia Mycobacteriaceae <strong>da</strong> classificação de<br />
CHESTER (1901). Essa denominação foi recomen<strong>da</strong><strong>da</strong> pela Leonard Wood<br />
Memorial Conference, (*) Manila, 1931, e é portanto a sua designação<br />
científica oficial. Também se encontra, contudo, mesmo na literatura<br />
científica especializa<strong>da</strong>, referido como “bacilo <strong>da</strong> lepra” e “bacilo de<br />
Hansen”.<br />
Na classificação de CHESTER, o gênero Mycobacterium LERMANN<br />
& NEUMANN, 1907, está, portanto, colocado dentro <strong>da</strong> familia<br />
Mycobacteriaceae, <strong>da</strong> ordem Actinomycetales e classe dos<br />
Schizomycetos, segundo o esquema:<br />
__________________<br />
(*) Report of the Leonard Wood Memorial Conference on leprosy. Manila 1931.<br />
Intern. Journ. of Leprosy, 1934: 2, 329.
Schizomycetes<br />
Eubacteriales<br />
Actinomycetales<br />
– 179 –<br />
Actinomycetaceae<br />
Mycobacteriaceae<br />
Mycobacterium<br />
Corynebacterium<br />
Fusiformis<br />
Pfeifferela<br />
Tuberculosis<br />
Leprae<br />
Na classificação de 1920 <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de Americana de<br />
Bactériologistas, o gênero Mycobacterium está ao lado do<br />
Corynebacterium e do Fusobacterium, dentro <strong>da</strong> família<br />
Mycobacteriaceae, conforme o esquema:<br />
Classe Ordem Família Gênero<br />
Schizomycetes<br />
Naegeli, 1875<br />
Eubacteriales<br />
Buchanan, 1917<br />
Actinomycetales<br />
Buchanan, 1917<br />
Spirochetales<br />
Buchanan, 1918<br />
Actinomycetaceae<br />
Mycobacteriaceae<br />
Fusobacterium<br />
Mycobacterium<br />
Corynebacterium<br />
As características <strong>da</strong> ordem Actinomycetales são as formas<br />
bacterianas em filamentos ou bastonetes, com tendência para<br />
ramificações e formação de clavas, às vezes ácido-resistentes. A família<br />
Mycobacteriaceae compreende bastonetes que não formam conídios. O<br />
gênero Mycobacterium Lehmann & Neumann, 1896, compreende<br />
bastonetes ácido-resistentes, eventualmente com formações ramifica<strong>da</strong>s.<br />
Finalmente na classificação mais recente adota<strong>da</strong> pelo Manual de<br />
BERGEY, 1939 (45) a família Mycobacteriaceae apresenta apenas dois<br />
gêneros, o Mycobacterium e o Corynebacterium.<br />
MORFOLOGIA E PROPRIEDADES TINTORIAIS<br />
Dentro <strong>da</strong> ordem Actinomycetales, <strong>da</strong> família Mycobacteriaceae<br />
e do gênero Mycobacterium, cujas características gerais foram acima<br />
referi<strong>da</strong>s, distingue-se a espécie M. leprae com elementos bacilares em<br />
sua forma típica, retos, ligeiramente encurvados, às vezes em ângulo<br />
aberto, uniformemente corado. Termina-se freqüentemente em pontas,<br />
em ambas as extremi<strong>da</strong>des; às vezes estas são mais arredon-
– 180 –<br />
<strong>da</strong><strong>da</strong>s e em outros casos, um dos extremos é ponteagudo e outro não.<br />
Pode observar-se a dilatação de uma extremi<strong>da</strong>de, permanecendo a<br />
outra com seu aspecto normal, o que dá ao bacilo a aparência de uma<br />
clava ou vareta de tambor; outras vezes a dilatação interessa às duas<br />
pontas, formando figuras de halteres. Essas dilatações correspondem<br />
geralmente à localização de grandes granulações no corpo bacilar (v.<br />
adiante “granulações”).<br />
As suas dimensões são muito variáveis numa mesma preparação e<br />
de doente para doente. Variam também de acôrdo com a antigui<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s<br />
lesões e com a localização do processo (bacilos mais longos na pele que<br />
nas vísceras, mais longos nas lesões recentes que nas antigas, de um<br />
modo geral). As dimensões mais freqüentemente verifica<strong>da</strong>s são as de 1,5<br />
a 6 micra de comprimento por 0,2-0,4 de largura, mas a diversi<strong>da</strong>de de<br />
tamanhos do bacilo pode ser aprecia<strong>da</strong> nas verificações de diversos<br />
autores.<br />
Klingmuller<br />
Topley &<br />
Wilson<br />
Babes Denney Kobayashi<br />
1,5-6 1-8 4-6 1,5-7 3-6<br />
Compriment<br />
o<br />
0,2-0,45 – 0,35-0,45 0,2-0,3 0,3-0,4 Largura<br />
Não foram demonstrados cílios nem esporos, sendo o germe<br />
considerado imóvel. Um ligeiro movimento observado por Hansen nas<br />
preparações a fresco, foi por êle considerado como browniano, mas<br />
LLERAS ACOSTA (2) o julga devido a retrações protoplasmáticas. Não se<br />
observa cápsula, embora BABES a tenha suspeitado em virtude de sua<br />
observação de que os mordentes pareciam espessar o bacilo.<br />
Coloração: O estudo do bacilo é facilitado pela ação dos corantes<br />
básicos: fucsina, azul de metileno básico, violeta de metila, violeta de<br />
genciana, verde de metila, dália, safranina, Não se cora pela eosina, azul<br />
de metileno aquoso, carmin, nigrosina e vesuvina.<br />
A sua proprie<strong>da</strong>de tintorial mais característica é a <strong>da</strong> fixação <strong>da</strong> côr<br />
vermelha <strong>da</strong> fucsina fenica<strong>da</strong>, que resiste à ação posterior dos ácidos<br />
diluidos e do álcool; o bacilo de
– 181 –<br />
Hansen é portanto ácido-álcool-resistente. Também conserva a côr violeta<br />
<strong>da</strong> genciana resistindo ao descoramento no processo de Gram – é um<br />
bacilo Gram-positivo.<br />
Admitem alguns autores que haja fases no ciclo evolutivo do<br />
bacilo de Hansen em que êste se torna ácido-sensivel, embora se conserve<br />
Gram-positivo. Voltaremos ao assunto ao estu<strong>da</strong>r o chamado "ciclo vital"<br />
do germe.<br />
O processo de Ziehl-Neelsen consiste em corar o preparado<br />
fixado pela fucsina básica em solução hidro-alcoólica com ácido<br />
fênico (mordente) a quente, 10-20 minutos à chama, ou 2 horas a<br />
55º, seguindo-se descoloração pelos ácidos diluidos (sulfúrico ou<br />
nítrico a 5%, clorídrico a 1%) e pelo álcool, e, após lavagem,<br />
coloração do fundo pelo azul de metileno diluido. SCHAFFER<br />
substitui os ácidos pela etilenodiamina, a 10% MANALANG (271)<br />
propõe a modificação Cooper do método de Ziehl-Neelsen, com<br />
que obtem bacilos corados mais intensamente; consiste a<br />
modificação em usar uma fucsina fenica<strong>da</strong> contendo 3% de<br />
solução de cloreto de sódio a 10%, que age como precipitante;<br />
cora-se longamente a quente, deixa -se esfriar e espera-se a<br />
precipitação, após o que seguem a lavagem e a descoloração pelo<br />
álcool-ácido nítrico, nova lavagem e coloração do fundo pelo<br />
verde brilhante em solução a 1% em água com hidrato de sódio a<br />
1:10.000. Diz MANALANG que se pode, com êsse método, revelar<br />
bacilos pouco identificáveis pelo processo habitual.<br />
Na mesma preparação pode haver bacilos mais ou menos<br />
intensamente corados o que se julga devido à fase evolutiva do germe.<br />
Também pode observar-se zonas mais e menos ácido-resistentes no<br />
mesmo bacilo. Uma vêz corados, mantêm os germes o vermelho <strong>da</strong><br />
fucsina durante um prazo variável de meses a alguns anos, mas, se<br />
abrigados <strong>da</strong> luz, a côr pode persistir por muitos anos. Nos cortes<br />
histológicos a descoloração é mais rápi<strong>da</strong>.<br />
Também há variações quanto à coloração pelo Gram, parecendo<br />
que os bacilos mais velhos perdem a proprie<strong>da</strong>de de fixar bem o violeta<br />
de genciana.<br />
Outras proprie<strong>da</strong>des tintoriais do bacilo de Hansen, observa<strong>da</strong>s<br />
pelos seus observadores em preparações histológicas, são a coloração em<br />
negro ou castanho muito escuro em certos casos de fixação pelo formol de<br />
orgãos muito vascularizados como o figado e o baço (CERRUTI), (94) e a<br />
mesma colo-
– 182 –<br />
ração escura ou prata pelos preparados de prata (SAKURANE &<br />
KINOSHITA). (411)<br />
A coloração vital do bacilo de Hansen, pode ser observa<strong>da</strong><br />
misturando suco de lepromas com uma solução de “carbol-metyl-grunpironina'',<br />
com o que os germes aparecem intensamente corados em<br />
vermelho-vivo (BOSCO & NICASTRO). (64)<br />
Globias. E’ caraterística para o bacilo <strong>da</strong> lepra a sua disposição<br />
paralela formando feixes com aspecto de maços de cigarros ou em<br />
aglomerados globosos de varios tamanhos, a que MARCHOUX (279)<br />
denominou “globias” modificando os termos “globus” e “globi” de<br />
NEISSER, e cujo achado na preparação é suficiente para o diagnóstico do<br />
bacilo de Hansen. Os bacilos, mais ou menos numerosos, formam um<br />
conjunto compacto na globia, à custa de um elemento resistente de<br />
contenção, glutinoso, transparente, não corável – a gléia – que suporta<br />
bem a ação de vários ácidos e álcalis, <strong>da</strong> digestão tripsica, do calor e do<br />
tempo, sem desagregar e sem libertar os germes inclusos.<br />
Os tamanhos de globias mais encontradiços variam entre 10 a 100<br />
micra de diâmetro, e os bacilos podem ser poucos, ou tantos que se<br />
tornam incontáveis. SHIMIZU (433) assinalou globias até de 200 micra,<br />
visíveis a olho nu.<br />
Em espécimes frescos em gôta pendente, as globias podem simular<br />
leucócitos pelo tamanho, forma e granulações, mas nas preparações<br />
fixa<strong>da</strong>s e cora<strong>da</strong>s as massas esferoi<strong>da</strong>is se aplanam e, se sujeitas a traumas<br />
pelo esfregaço, se rompem e podem perder a identi<strong>da</strong>de. Se não<br />
traumatiza<strong>da</strong>s elas podem. ser aprecia<strong>da</strong>s como massas discóides,<br />
aparentemente limita<strong>da</strong>s por membrana, junto à qual a cama<strong>da</strong> mais<br />
externa de bacilos parece se alinhar concentricamente, DENNEY, (123) <strong>da</strong><br />
periferia para o centro, os organismos se apertam mais densamente e mal<br />
se distinguem como bastonetes isolados.<br />
DENNEY, comprimindo globias entre lâmina e laminula, pôde<br />
observar as massas globulares rompendo a parede em um ou mais pontos<br />
e, às vezes, os próprios bacilos isolados atravessando as fen<strong>da</strong>s, podendose<br />
assim expulsar, com alguma técnica, todos os germes de sua membrana<br />
limitante. Segundo êsse autor, a globia é uma colônia caraterística em que<br />
os germes crescem dentro de uma membrana limitante ain<strong>da</strong> não<br />
identifica<strong>da</strong>; o bacilo prolifera e acaba às vêzes por distender e forçar essa<br />
membrana.<br />
SOUZA ARAUJO (444) chama a atenção para o fato de que NEISSER<br />
considerava “globi” os acúmulos de células leprosas,
– 183 –<br />
representando um estado particular do tecido leproso, ao passo que a<br />
denominação “'globia”' de MARCILOUX e BOURRET cabe apenas à colônia<br />
bacilar, à massa zoogléica específica. A globia é pois a massa esférica de<br />
bacilos, não o acúmulo de células leprosas.<br />
Granulações. Além <strong>da</strong> forma habitual do bacilo de Hansen,<br />
uniformemente corado em vermelho pelo Ziehl-Neelsen, pode-se observar<br />
germes apresentando espaços claros (vacúolos de Neisser) com diâmetro<br />
médio de 1 micron, alterna<strong>da</strong>s com massas cora<strong>da</strong>s, que formam as<br />
chama<strong>da</strong>s granulações, cujo número, tamanho e disposição são variáveis.<br />
Geralmente as granulações se dispõem no interior do bacilo, como<br />
cadeia de 3-5 elementos; às vêzes há apenas duas granulações ocupando<br />
ambas as extremi<strong>da</strong>des do bacilo e separa<strong>da</strong>s por grande espaço lacunar, o<br />
que simula o aspecto de um diplobacilo. Pode-se observar ain<strong>da</strong> uma<br />
única granulação isola<strong>da</strong> no interior, provi<strong>da</strong> por vêzes de um<br />
prolongamento delgado, com aspecto de nota musical.<br />
Quando se observam bastonetes aderentes aos pares, o ponto dessa<br />
aderência parece coincidir com a locação <strong>da</strong>s granulações; também os<br />
elementos chamados “ramificações” são presos ao corpo do bacilo por<br />
meio <strong>da</strong> granulação.<br />
Algumas granulações podem ser mais volumosas que outras no<br />
interior do mesmo bacilo; o mesmo preparado pode apresentar formas<br />
sóli<strong>da</strong>s e formas com graus diversos de granulação. Os elementos<br />
granulosos podem se libertar do corpo bacilar e se apresentar como cocos<br />
ou pontos ain<strong>da</strong> menores, quase invisíveis; às vêzes êles se juntam aos<br />
pares simulando diplococos ou em cachos, outras vêzes se distribuem<br />
como poeira de granulações ácido-resistentes por todo o preparado,<br />
formando aglomerados aqui e acolá. São grandes as variações <strong>da</strong> ácidoresistência<br />
e alguns chegam a perdê-la completamente, embora<br />
conservem a Gram-positivi<strong>da</strong>de: nesses casos a formação em cachos pode<br />
simular perfeitamente os estafilococos. Raramente, os grânulos isolados<br />
se podem reunir em cadeia simulando um bacilo integro fortemente<br />
granuloso.<br />
O estudo completo <strong>da</strong>s granulações exige a coloração por vários<br />
processos especiais, que podem demonstrar a existência delas em bacilos<br />
aparentemente sólidos ao Ziehl-Neelsen habitual.<br />
Nos antigos processos à base de ácido ósmico os grânulos<br />
apareciam corados em pardo-escuro, parecendo ser constituidos portanto<br />
de graxas, cêras ou lipóides. Pelo azul-poli-
– 184 –<br />
cromo de UNNA e usando ferrocianeto de potássio como mordente, os<br />
grânulos destacam-se em azul num fundo avermelhado.<br />
Um dos motivos pelos quais é util a coloração especial, é que os<br />
grânulos podem perder a ácido-resistência e só podem ser evidenciados<br />
por outros processos. Sabe-se que MUCH, intrigado com as lesões não<br />
habita<strong>da</strong>s pelo bacilo de KOCH mas que, não obstante, reproduziam a<br />
tuberculose quando inocula<strong>da</strong>s, procurou verificar se havia em tais lesões<br />
grânulos não ácido-resistentes, isto é, ácido-sensíveis. Corou assim êsse<br />
material pela violeta de genciana ou metil-violeta a 37º C., durante 24-48<br />
horas, seguindo-se a passagem pelo lugol, álcool absoluto com óleo de<br />
cravo (ou ácidos diluidos) e álcool-acetona e a coloração de fundo pela<br />
fucsina dilui<strong>da</strong>; pôde demonstrar a existência de granulações ácidosensíveis,<br />
responsáveis pela virulência do material.<br />
Os cortes histológicos podem ser imersos em água de anilina com 10 gotas de<br />
solução alcoólica de fucsina-genciana (2 grs. por 100 de alcoól absoluto) durante 10<br />
minutos, lavados, imersos por mais 10 minutos em água oxigena<strong>da</strong> a 3 % com alguns<br />
cristais de iodo e descorados pelo álcool absoluto. Após passagem pelo óleo de<br />
cedro e montagem em bálsamo os grânulos aparecem azul-violetas, claros, no corpo<br />
bacilar vermelho. Segundo UNNA Jr. seriam elas as próprias granulações de MUCH,<br />
embora êste recuse o parentesco.<br />
RODRIGUEZ, MALABAY E TOLENTINO, (383) em importante estudo<br />
sôbre as granulações e as formas ácido-sensíveis do bacilo de Hansen,<br />
adotam uma modificação do método de MUCH.<br />
Fixação pelo calor, deixar de lado 4-6 horas, depois cobrir<br />
com carbonato de sódio a 2% durante 5-30 minutos, conforme a<br />
espessura do material; escorrer, cobrir com antiformina fresca por<br />
5-10 minutos, escorrer e lavar. Fixar de novo ao calor moderado.<br />
Cobrir com uma destas soluções – A – Sol. alcoólica satura<strong>da</strong> de<br />
metil-violeta B. N., 1 parte, fenol a 2 % – 10 partes. – B – Sol.<br />
satura<strong>da</strong> alcoólica de violeta de genciana, 1 parte, fenol a 1%, 9<br />
partes. – C – Sol. satura<strong>da</strong> de violeta de genciana, 1 parte, agua<br />
satura<strong>da</strong> de anilina, 3 partes. Escorrer o excesso, juntar lugol (1<br />
minuto) lavar ràpi<strong>da</strong>mente (nunca usar papel absorvente), passar<br />
ácido nítrico a 5% (1 minuto), escorrer sem lavar, depois H Cl a<br />
3% por 20 segundos, escorrer, descorar pelo
– 185 –<br />
álcool-acetona (ãã) gota a gota, lavar em agua distila<strong>da</strong>; corar o<br />
fundo, sem secar, pelo castanho Bismarck, 3-5 minutos.<br />
Os grânulos ficam redondos ou ovais, nítidos, com 0,3-0-6 de<br />
micron, púrpura ou quase negro, em número de 2-5 por germe, ligados<br />
por fita amarela<strong>da</strong> ou acastanha<strong>da</strong>. O carbonato de sódio e a antiformina<br />
podem destruir as formas ácido-resistentes e diminuir o número de<br />
germes <strong>da</strong> preparação; êsses tempos podem ser omitidos.<br />
Se se fizer a coloração pelo processo de Much, segui<strong>da</strong> <strong>da</strong> clássica<br />
de Ziehl-Neelsen, pode observar-se granulações em violeta e outras<br />
vermelhas, ácido-resistentes. Seriam formas de transição.<br />
FONTES imaginou um processo muito simples para demonstrar as<br />
granulações de Much, e que consiste na combinação dos métodos de<br />
Gram e Ziehl-Neelsen.<br />
Após fixação pelo calor, corar a quente durante 2 minutos,<br />
com fucsina fenica<strong>da</strong> e lavar; corar com cristal-violeta fenicado,<br />
escorrer sem lavar, passar lugol 3 vêzes. Descorar totalmente com<br />
uma mistura de 2 partes de álcool absoluto a 1 de acetona, lavar,<br />
corar o fundo rapi<strong>da</strong>mente pelo azul de metileno a 1% em solução<br />
aquosa. Lavar, secar.<br />
Os bacilos aparecem vermelhos ou róseos e as granulações em<br />
violeta; se os bacilos não forem muito ácido-resistentes, podem tomar a<br />
coloração violácea e torna-se dificil distinguir as granulações.<br />
PAPEL DAS GRANULAÇÕES. VARIAÇÕES TINTORIAIS. CICLO<br />
VITAL.<br />
Não há acôrdo quanto à ver<strong>da</strong>deira natureza <strong>da</strong>s granulações.<br />
Alguns autores, tendo-as observado com freqüência nos casos tratados e<br />
melhorados, tendem a considerá-las formas de degeneração e<br />
desintegração bacilar, cujo passo posterior seria o desaparecimento. No<br />
entanto, observa-se freqüentemente a granulação em casos piorados,<br />
sujeitos ou não a tratamento e em lesões recentes e ativas, o que leva<br />
outros autores a pensar que se trate de formas de resistência e de<br />
multiplicação, correspondente aos esporos e às formas virulentas.<br />
Por analogia com os estudos de MUCH na tuberculose, poder-seiam<br />
considerar as granulações como formas virulentas do germe; de fato<br />
KLINGMÜLLER (221) assinala reações
– 186 –<br />
histológicas a êles, que não se compreenderiam no caso de simples<br />
formações degenera<strong>da</strong>s ou mortas. Também MARCXOUX e PALDROCK (334)<br />
julgam-nas formas de reprodução.<br />
E’ necessário considerar ain<strong>da</strong> a existência de granulações não<br />
ácido-resistentes mas apenas Gram-positivas, e demonstráveis pelos<br />
processos do tipo de MUCH. e FONTES. RODRIGUEZ, MALABAY e<br />
TOLENTINO acentuam que tais formas ácido-sensíveis não podem ser<br />
considera<strong>da</strong>s degenerativas, visto serem encontra<strong>da</strong>s em casos incipientes<br />
de lepra, que não apresentavam bacilos ácido-resistentes. Em um têrço<br />
dos casos “fechados” dos autores, isto é, negativos para bacilos ácidoresistentes,<br />
puderam êles demonstrar a existência dessas granulações<br />
Gram-Much positivas e ácido-sensíveis, com ou sem tratamento<br />
antileprótico. Na opinião deles, nos casos precoces de lepra, o<br />
“Mycobacterium leprae” existe sob forma não demonstrável além do<br />
limite de visibili<strong>da</strong>de ou não coráveis atualmente, produzindo porem<br />
alterações histológicas dos tipos inflamatórios simples. Mais tarde<br />
apareceriam as formas já coráveis pelo Gram (bacilos Gram-positivos,<br />
granulações de Much) mas ain<strong>da</strong> ácido-sensíveis, e, finalmente, surgiriam<br />
os microorganismos ácido-resistentes. Na mesma lesão, existiriam os<br />
ácido-resistentes e os ácido-sensíveis lado a lado; o tratamento poderia<br />
reduzir aqueles e o caso viria a ser considerado “negativo” ao Ziehl-<br />
Neelsen, mas poder-se-ia observar a recidiva posterior, em virtude de<br />
novas transformações de bacilos Gram-positivos ácido-sensiveis em<br />
ácido-resistentes.<br />
Recentemente, de acôrdo com êsse ponto de vista, FAURE-<br />
BEAULIEU e BRLN (142) demonstraram granulações cianófilas nas lesões e<br />
puderam apreciar sua mutação local posterior em bacilos ácido-resistentes<br />
típicos. Essa questão <strong>da</strong>s formas granulares se transformando em bacilos<br />
ácido-resistentes será também estu<strong>da</strong><strong>da</strong> a propósito <strong>da</strong> tentativa de cultura<br />
e de inoculação do bacilo de Hansen.<br />
HOFFMANN (190) crê que as granulações podem ser tanto aspectos<br />
degenerativos como formas regenerativas <strong>da</strong>ndo origem a bacilos jovens;<br />
seriam necessários mais estudos para esclarecer a questão. Tambem<br />
Manalang (272/273/274) não chega a uma conclusão única: em um grupo de<br />
casos observou que quanto mais avança<strong>da</strong> a moléstia, maior e quanti<strong>da</strong>de<br />
de formas granulosas e segmenta<strong>da</strong>s, e menor a de bacilos sólidos,<br />
uniformemente corados pelo Zichl-Neelsen. To<strong>da</strong>via, em outro grupo de<br />
casos cujos bacilos também acusavam tendência à segmentação e<br />
granulação observou
– 187 –<br />
êle melhoria do estado <strong>da</strong>s lesões e mesmo negativação. Notou<br />
igualmente que as formas ácido-sensíveis aumentavam relativamente às<br />
ácido-resistentes, sob ação do tratamento chaulmúgrico, mas que tais<br />
formas ácido-sensíveis também eram encontra<strong>da</strong>s em casos não tratados,<br />
parecendo-lhe fases de um ciclo vital.<br />
Os estudos de FERNANDFZ (143) provaram uma predominância de<br />
formas granulares nos períodos de reação leprótica, tanto mais níti<strong>da</strong>s<br />
quanto mais intenso êsse estado.<br />
A hipótese de que as granulações não passem de artifício de<br />
coloração é contradita<strong>da</strong> pela observação de formas granulosas e não<br />
granulosas no mesmo preparado, como dissemos.<br />
Lembramos que LUTZ foi o primeiro a descrever essas formações,<br />
que se poderiam chamar portanto “granulações de Lutz”. Segundo êsse<br />
autor o aspecto granuloso seria o normal do bacilo <strong>da</strong> lepra, donde o nome<br />
Coccothrix que lhe deu. Mais recentemente, LLERAS ACOSTA.<br />
examinando preparações de lepromas ao microscópio, comprovou que os<br />
bacilos de Hansen, isolados ou em globias, são constituídos por uma<br />
substância protoplasmática cérea, pouco refringente, dentro <strong>da</strong> qual se<br />
dispõem, em cadeia, vários grânulos, em média de 3 a 5, muito<br />
refringentes e que podem ser libertados <strong>da</strong> massa protoplasmática pelo<br />
tratamento desta com acetona. Os grânulos libertados ficam animados de<br />
movimento browniano. Para LLERAS ACOSTA, portanto, a granulacão é de<br />
fato a estrutura habitual do bacilo encontrado nas lesões lepróticas.<br />
Também JADASSOHN (201) acredita que a granulação seja uma fase<br />
do ciclo evolutivo do bacilo de Hansen.<br />
Voltaremos ao assunto ao considerar as culturas de germes obti<strong>da</strong>s<br />
por semeadura de material leprótico e às inoculações; veremos então as<br />
hipóteses referentes à existência de granulações tão tinas que passam<br />
pelos filtros habituais, reproduzindo contudo o bacilo adulto e ácidoresistente<br />
nos meios artificiais ou nos animais inoculados.<br />
OUTRAS PROPRIEDADES BIOLÓGICAS<br />
As condições de vitali<strong>da</strong>de e de resistência aos diversos agentes<br />
físicos e químicos são muito dificilmente pesquisáveis no bacilo de<br />
Hansen, que não oferece o recurso <strong>da</strong> cultura e <strong>da</strong> inoculação. Nessas<br />
condições, grande parte <strong>da</strong>s conclusões relativas à biologia do germe tem<br />
sido deduzi<strong>da</strong> por analogia com o estudo dos bacilos ácido-resistentes em
– 188 –<br />
geral, e principalmente com o <strong>da</strong> lepra murina. Basta considerar, porém,<br />
que todos êsses ácido-resistentes são facilmente cultiváveis, ou<br />
inoculáveis, para que se possa duvi<strong>da</strong>r <strong>da</strong> aplicação segura ao bacilo de<br />
Hansen <strong>da</strong>queles conhecimentos.<br />
Para evitar tais erros, já os pesquisadores clássicos procuravam um<br />
processo capaz de verificar o estado vital do bacilo de Hansen de modo a<br />
se poder averiguar as diversas influências sôbre êle exerci<strong>da</strong>s.<br />
UNNA (482) procurou distinguir os bacilos de Hansen vivos dos<br />
mortos, por meio <strong>da</strong> coloração dupla azul-vitoria – safranina:<br />
Cobrir a preparação com azul-vitoria por uma noite, lavar e<br />
descorar pelo ácido nítrico a 30% durante 5 segundos e a seguir<br />
pelo álcool absoluto, lavando novamente. Cobrir 1. hora com<br />
solução de safranina a 1%, lavar, nova descoloração pelo ácido<br />
nítrico a 30% por 5 segundos. Para montar, passar pelo álcool,<br />
óleo de cedro e bálsamo do Canadá.<br />
Os bacilos que estavam vivos logo antes <strong>da</strong> fixação, ficam azulescuros,<br />
enquanto os que já estavam mortos se coram<br />
metacromàticamente em amarelo, mais raramente se tornam<br />
avermelhados ou alongados; as formas intermediárias, em involução, se<br />
corariam em amarelo com grãos azuis.<br />
As provas de UNNA a favor dêsse método são o aparecimento mais<br />
freqüente de formas “amarelas” na parte mais interna <strong>da</strong>s globias, nos<br />
lepromas antigos ou tratados, nas lesões onde outras colorações não os<br />
distinguem.<br />
Há, contudo, objeções sérias. BABES acredita tratar-se de artifícios<br />
de coloração, e que tô<strong>da</strong>s as côres podem ser obti<strong>da</strong>s nos germes mediante<br />
certas variações nos tempos <strong>da</strong> coloração. TEREBINSKY afirma que os<br />
bacilos ácido-resistentes se coram de fato em azul pelo processo <strong>da</strong><br />
“coloração dupla” de UNNA, enquanto os que perderam a ácidoresistência<br />
tomam as côres amarelo-laranja ou avermelha<strong>da</strong>; não se pode<br />
dizer, porém, que as formas não-ácido-resistentes correspon<strong>da</strong>m a germes<br />
mortos. De fato, alguns autores recentes aderem ao ponto de vista de<br />
TEREBINSKY de que as formas ácido-sensiveis possam ser o ponto de<br />
parti<strong>da</strong> para a formação dos ácido-resistentes (v. adiante “ciclo vital”).<br />
Outra tentativa de distinguir os bacilos de Hansen vivos dos<br />
mortos partiu de AOKI e AOKI, (16) com o processo <strong>da</strong> eritrosina-azul de<br />
metileno.
– 189 –<br />
Esfregaço fino sêco ao ar. Cobrir durante 5 minutos com<br />
eritrosina a quente (80º) segundo a fórmula: eritrosina 1, ácido<br />
pícrico 0,15; água 100. Lavar bem. Passar 1 minuto a solução de<br />
potassa (KaOH 5, álcool absoluto 30, água distila<strong>da</strong> 70). Lavar,<br />
corar na solução: Ka OH 1, sol. alcoólica satura<strong>da</strong> de azul de<br />
metileno, 15, água distila<strong>da</strong> 100.<br />
Os germes vivos apareceriam corados em vermelho-claro,<br />
enquanto os mortos ou de pouca vitali<strong>da</strong>de estariam azul-escuros ou<br />
violetas, predominando êstes nos lepromas velhos ou tratados.<br />
Também o processo de AOKI e AOKI não é aceito por todos os<br />
autores, sendo opinião de muitos que não se pode confiar em processos de<br />
coloração para afirmar o estado vital do bacilo.<br />
Uma tentativa diferente foi feita por PROUDHOMME (364) com o<br />
bacilo <strong>da</strong> lepra murina, concluindo êle que o germe morto perde a<br />
capaci<strong>da</strong>de de reduzir o O-cresol-indo-2-6-diclorofenol. A idéia foi<br />
também aplica<strong>da</strong> à lepra humana por êle próprio e MARCHOUX (277) que<br />
verificaram que uma temperatura de 60º durante 30-60 minutos anula a<br />
capaci<strong>da</strong>de do bacilo de Hansen de reduzir aquele corante indicador.<br />
Tambem o dessecamento é fatal ao bacilo.<br />
Tomando como ver<strong>da</strong>deiros os resultados <strong>da</strong>s colorações de UNNA<br />
eAOKI e AOKI, procuram OTA e KONNO (337) observar igualmente a ação<br />
do calor sôbre os ácido-resistentes cultivados, sôbre o bacilo de Koch e o<br />
<strong>da</strong> lepra murina, e chegam à conclusão que há variações muito grandes de<br />
amostras para amostras; umas morrem pela exposição de cinco minutos a<br />
55º C, outras resistem 1 hora a 60° e só vão morrer em 2 horas à mesma<br />
temperatura. O sublimado quase não agiria a 1:2000, mas esterilizaria os<br />
germes ácido-resistentes a 1:1000 durante 1 hora ou a 1:500 por 5<br />
minutos.<br />
ADLER e ASHBEL (4) mostram que os bacilos de Hansen podem<br />
ain<strong>da</strong> infectar o “Cricetus auratus”, mesmo após 7 dias de dessecamento.<br />
DIFERENÇAS MORFOLÓGICAS E TINTORIAIS ENTRE OS<br />
BACILOS DE HANSEN E DE KOCH<br />
E’ possível apresentar-se uma série de elementos morfológicos e<br />
tintoriais que possam distinguir os bacilos de Hansen dos de Koch, mas é<br />
preciso lembrar que nenhum deles é na reali<strong>da</strong>de muito útil para êsse<br />
diagnóstico.
– 190 –<br />
De um modo geral, os bacilos de Hansen são mais grossos e mais<br />
ponteagudos que os de Koch, finos e delicados. As granulações do bacilo<br />
de Hansen também são mais grosseiras que as do de Koch. Contudo, as<br />
variações dentro <strong>da</strong> mesma espécie são tão grandes, às vezes, que se torna<br />
difícil <strong>da</strong>r muita importância a tais distinções.<br />
Mais intensamente é o modo de agrupamento do bacilo de Hansen<br />
em “globias” de muitos elementos, e que pode ser suficiente para o<br />
diagnóstico, pois que o bacilo <strong>da</strong> tuberculose está geralmente isolado ou<br />
em grupos pequenos. Persistirão as indecisões se não houver globias no<br />
preparado.<br />
Admitem muitos autores que o bacilo de Hansen se tinge mais<br />
fácil e ràpi<strong>da</strong>mente que o de Koch, mas, na opinião de JEANSELME (205) só<br />
se estiver íntegro o seu revestimento. Também se admite que aquele seja<br />
menos fàcilmente descorado pelos ácidos diluídos e pelo álcool;<br />
NISHIYAMA (328) , no entanto, provou que tanto um como outro se<br />
descoram <strong>da</strong> mesma forma ao ácido clorídrico em solução a 10-20 e 30%.<br />
e que se há por vêzes algumas diferenças entre os bacilos de Koch e o de<br />
Hansen, as mesmas diferenças existem no grau de ácido-resistência de<br />
várias amostras de uma mesma espécie.<br />
Têm sido propostas certas técnicas de coloração capazes de<br />
diferenciar os germes ácido-resistentes. BAUMGARTEN (36) aconselha a<br />
coloração por 5 minutos, a frio, com fucsina alcoólica diluí<strong>da</strong>,<br />
descorando-se a seguir pelo álcool nítrico a 10%, por 15 segundos, lavar e<br />
corar o fundo pela solução aquosa de azul de metileno. Os bacilos de<br />
Koch se apresentam descorados, enquanto os de Hansen se coram em<br />
vermelho.<br />
Não há acôrdo completo quanto ao valor dessas reações tintoriais.<br />
Nessas condições o critério mais seguro será o <strong>da</strong> localização (pele e<br />
muco nasal repletos, por vêzes de bacilo de Hansen, raramente de bacilos<br />
de Koch) e <strong>da</strong> não-cultivabili<strong>da</strong>de e não-inoculabili<strong>da</strong>de do<br />
Mycobacterium leprae.<br />
PRODUÇÃO DE TOXINAS E ALERGENOS<br />
Apesar <strong>da</strong> quanti<strong>da</strong>de colossal de bacilos que impregnam os casos<br />
de lepra, e <strong>da</strong> sintomatologia anátomo -clínica marca<strong>da</strong> para o lado <strong>da</strong><br />
pele, nervos e outros órgãos, são em geral pouco freqüentes e pouco<br />
acentua<strong>da</strong>s as manifestações gerais de aspecto toxêmico, algias difusas,<br />
anemias, anorexias, prostração, debili<strong>da</strong>de geral e caquexia. Êsse fato<br />
levou muitos
– 191 –<br />
autores a considerar o bacilo de Hansen mais como um agente de<br />
crescimento local, produzindo destruição celular mecanicamente e<br />
tumores de ação compressiva, que pròpriamente um bacilo eliminador de<br />
substâncias tóxicas de ação geral.<br />
Há porém argumentos favoráveis à existência de um produto ativo<br />
eliminado pela bactéria, tais como os casos de reação leprótica, e os<br />
fenômenos inflamatórios agudos, às vêzes presentes, principalmente nos<br />
nervos de certos doentes com estado geral muito comprometido; êsses<br />
fatos fazem alguns autores como HOFFMANN e BOEZ (189) ,ROGERS e<br />
MUIR (387) , e JADASSOHN, supor que haja substâncias elimina<strong>da</strong>s pelo<br />
bacilo de Hansen, que possam ter ação à distância num terreno<br />
prèviamente sensibilizado. Tratar-se-ia pois, mais pròpriamente de<br />
substâncias “alergênicas” produzindo fenômenos reativos gerais e locais à<br />
sua libertação.<br />
A injeção de certas substâncias, como a tuberculina pode<br />
determinar reações idênticas, o que é um argumento favorável a essa<br />
hipótese; a mais interessante de tô<strong>da</strong>s as pesquisas modernas é, porém, a<br />
reprodução artificial de fenômenos reativos agudos, idênticos aos<br />
espontâneos, nos casos de lepra tuberculóide, por injeções de material<br />
lepromatoso rico de bacilos, ou de seu filtrado abacilar (vide “Imunologia<br />
e Alergia”).<br />
QUÍMICA DO “MYCOBACTERIUM LEPRAE”<br />
Na impossibili<strong>da</strong>de atual de obter culturas incontesta<strong>da</strong>s do bacilo<br />
de Hansen, o estudo <strong>da</strong> composição química do germe poderá, ser feito<br />
apenas com resultados aproximados, tomando-se como material de<br />
trabalho os lepromas, ricos de bacilos, as diversas culturas de ácidoresistentes<br />
isolados de casos de lepra, os ácidos-resistentes saprófitas e<br />
patogênicos, como o de Koch.<br />
Outra dificul<strong>da</strong>de dêsse estudo é o fato assinalado <strong>da</strong>s variações<br />
morfológicas do germe, talvez como fases de um ciclo evolutivo,<br />
variações essas que são provàvelmente acompanha<strong>da</strong>s de modificações <strong>da</strong><br />
estrutura química correspondente.<br />
Já em 1896 chegava UNNA à conclusão que os germes <strong>da</strong> lepra e<br />
<strong>da</strong> tuberculose se assemelham quanto ao seu conteúdo em substâncias<br />
graxas, assim se distinguindo <strong>da</strong> maior parte dos outros microorganismos,<br />
e do que dependia a sua ácido-resistência particular. Também de<br />
organismos ácido-resistentes obtidos por semeadura de material<br />
lepromatoso
– 192 –<br />
(Streptothrix leproides), puderam DEYCKE e RESCHAD (126) extrair uma<br />
substância gordurosa, a “nastina”, que ensaiaram na terapêutica <strong>da</strong><br />
moléstia.<br />
Dos estudos de UNNA e sua escola, prosseguidos por UNNA JR.,<br />
resulta o conhecimento de que as gorduras neutras existem no bacilo em<br />
pequena quanti<strong>da</strong>de, enquanto são abun<strong>da</strong>ntes os ácidos graxos,<br />
principalmente os de ponto alto de fusão, como o palmítico e o olêico.<br />
Êsses ácidos graxos não estão combinados com a colesterina, mas se<br />
apresentam livres ou então em combinação com a lecitina, o que explica a<br />
resistência <strong>da</strong> coloração <strong>da</strong> fucsina ao tratamento pela acetona.<br />
O éter e o clorofórmio, agindo sôbre essas substâncias graxas,<br />
alteram a morfologia do germe e chegam a produzir lacunas, donde a<br />
conclusão de UNNA JR. (483) de que é irregular a distribuição de graxas no<br />
corpo bacilar; isto está de acôrdo com a observação de bacilos<br />
apresentando zonas mais e menos ácido-resistentes. As granulações,<br />
segundo PALDROCK (345) , são constituí<strong>da</strong>s, na maior parte, de ácido<br />
nucleínico livre Gram-positivos, enquanto no corpo bacilar predomina a<br />
nucleína ou núcleo-proteína. Há também nas granulações, lipídeos e<br />
lipoprotídeos, de acôrdo ain<strong>da</strong> com PALDROCK.<br />
As substâncias que compõem a gléia são lipóides homogêneos e<br />
isótropos, corando-se em vermelho-amarelado pelo escarlate R, mas não<br />
pelo Unna-Golodetz para a colesterina, nem pelo Fischer para ácidos<br />
graxos e sabões; também não se cora pelo ácido ósmico.<br />
Da serie de estudos modernos sôbre a química dos bacilos ácidoresistentes<br />
em geral, empreendidos principalmente por ANDERSON,<br />
MENZEL, SEIBERT , HEIDELBERGER, SABIN (14) e outros pode-se <strong>da</strong>r a<br />
seguinte composição química dêsses germes e que corresponderia<br />
aproxima<strong>da</strong>mente à do bacilo de Hansen em particular.<br />
Lipídeos<br />
Os bacilos ácido-resistentes se distinguem de tô<strong>da</strong>s as outras<br />
bactérias pelo seu alto teor em lipídeos, que constituem de 25 a 40% do<br />
total. Êsses lipídeos se compõem de fosfatídeos, gorduras e cêras, em<br />
proporções variáveis segundo as espécies, e cuja composição é, por sua<br />
vez, peculiar às bactérias pois que contém muitos ácidos, alcóois e<br />
polissacarídeos desconhecidos anteriormente.
Coloração Ziehl-Neelsen. Aumento x 2000. Granulações livres e<br />
intrabacilares. (Reprod. de Hoffmann. The granular forms of the<br />
leprosy bacillus. Int. Jr. of Leprosy. 1 : 149, 1933).
1 - 3 – Amostras M. leprae, var. album; 4 - 6 – Amostras M.<br />
leprae, var. aurantiacum; 7 - 12 – Aspectos microscópicos, col.<br />
Ziehl-Neelsen. (Reprod. – Ota & Sato, Cultivation of leprosy bacilli<br />
and of the tubercle bacillus from leprosy tissues. Int. J. of<br />
Leprosy. 2 : 175, 1934).
– 193 –<br />
a) Os fosfatídeos fornecem, por hidrólise, vários ácidos graxos,<br />
ácido glicerofosfórico e um novo tipo de polissacarídeo, e êste por sua<br />
vez se decompõe em três carbohidratos simples – manose, inosita e uma<br />
hexose, provàvelmente a própria glicose. Os ácidos graxos dos fosfatídeos<br />
são característicos, saturados, de alto pêso molecular, mas o seu valor<br />
polarimétrico varia com as espécies, sendo êles òticamente ativos no<br />
bacilo de Koch e inativos no de Hansen e outros ácido-resistentes.<br />
b) As gorduras têm grande proporção de ácidos graxos livres e de<br />
ácidos graxos saturados de alto pêso molecular, além <strong>da</strong> porção neutra,<br />
que não são glicerídeos como nas gorduras ordinárias e sim ésteres dos<br />
ácidos graxos <strong>da</strong> trehalose. Um ácido graxo novo foi chamado ácido<br />
leprosínico, que é ácido-resistente.<br />
Os ácidos graxos saturados constituem 38% <strong>da</strong> gordura, alguns<br />
dêles sendo desconhecidos anteriormente: o ácido tubérculo-esteárico<br />
(C19 H38 O2), òticamente inativo e sem proprie<strong>da</strong>des biológicas dignas de<br />
nota; o ácido phtióico, C26 H52 O2, dextro-rotatório (+12.6º) de grande<br />
ativi<strong>da</strong>de biológica, determinando a proliferação de monócitos, células<br />
epitelióides e a produção de estruturas tuberculóides; e outros ácidos<br />
graxos menos estu<strong>da</strong>dos.<br />
As gorduras bacterianas são pigmenta<strong>da</strong>s, castanho-avermelha<strong>da</strong>s.<br />
Dos pigmentos ácido-resistentes, só foi estu<strong>da</strong>do o do bacilo de Koch, que<br />
foi isolado em forma pura e cristalina e até mesmo sintetizado – é<br />
phtiocol (C11 H8 O3).<br />
c) Cêras – São a fração quantitativamente mais importante dos<br />
lipídeos bacterianos, e, como já dissemos, diferem por sua composição<br />
<strong>da</strong>s outras cêras animais e vegetais. Os seus ácidos-hidroxídeos têm a<br />
proprie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ácido-resistência, e variam de espécie para espécie;<br />
também os carbohidratos variam muito, e fornecem por hidrólise a <strong>da</strong>rabinose,<br />
manose, galactose e outros carbohidratos simples. Os álcoois<br />
<strong>da</strong>s cêras bacterianas são substâncias cristalinas brancas, desconheci<strong>da</strong>s<br />
anteriormente e representam produtos metabólicos específicos dos<br />
bacilos; também são muito notáveis as diferenças de espécie para espécie,<br />
assinalando-se que o bacilo <strong>da</strong> lepra e o <strong>da</strong> tuberculose aviária contêm<br />
dois álcoois próprios, o d-cicosanol e o d-octadecanol, ao passo que os <strong>da</strong><br />
tuberculose humana e bovina não possuem êsses e sim o phtiocerol.<br />
F. – 13
– 194 –<br />
Carbohidratos<br />
Os estudos dos carbohidratos <strong>da</strong>s bactérias ácido-resistentes foram<br />
feitos principalmente com o bacilo de Koch, revelando a existência de<br />
glicogênio e de vários polissacarídeos, alguns dos quais imunològicamente<br />
ativos; conseguiu-se identificar apenas dois açúcares, a d-arabinose<br />
e a d-manose.<br />
No bacilo <strong>da</strong> tuberculose bovina a percentagem de polissacarídeos<br />
inativos foi maior, mas também se pôde obter o de ativi<strong>da</strong>de sorológica<br />
específica.<br />
Protídeos<br />
Também foi mais bem estu<strong>da</strong>do o bacilo de Koch, sob êsse ponto<br />
de vista, tendo sido isolados o ácido nuclêico e pelo menos duas<br />
(provàvelmente três) frações de valor antigênico, do ponto de vista<br />
sorológico e <strong>da</strong>s cuti-reações. Há certas diferenças na composição dos<br />
protídeos entre os diversos ácido-resistentes.<br />
Veremos mais tarde, no capítulo <strong>da</strong> imunologia e alergia a<br />
importância dos protídeos do bacilo de Hansen, segundo os trabalhos de<br />
RABELLO JR., VILLELA & TOSTES.<br />
Segundo UYEI, N. & ANDERSON (485) , é a seguinte a composição<br />
química compara<strong>da</strong> dos bacilos de Koch e Hansen:<br />
Fosfatídeos..................................................<br />
Gorduras solúveis na acetona.................<br />
Cêra solúvel no clorofórmio.....................<br />
Lipóides totais.............................................<br />
Polissacarídeos...........................................<br />
Resíduo bacteriano sêco..........................<br />
Idem, por cultura.......................................<br />
M. leprae M. tuberculosis<br />
100.5<br />
289.5<br />
444.8<br />
834.6<br />
41.8<br />
3389.8<br />
1488<br />
2.25<br />
6.47<br />
9.98<br />
18.70<br />
0.92<br />
80.38<br />
ÁCIDO E ÁLCOOL-RESISTÊNCIA<br />
253.1<br />
240.0<br />
427.0<br />
920.1<br />
33.9<br />
2902.0<br />
1928<br />
6.54<br />
6.20<br />
11.03<br />
23.78<br />
0.87<br />
75.01<br />
Grs. % Grs. %<br />
Certos germes corados pela fucsina fenica<strong>da</strong> podem resistir às<br />
tentativas de descoramento pelos ácidos diluídos, ao passo que cedem a<br />
côr ao álcool. Isso indica que a ácido-
– 195 –<br />
resistência e a álcool-resistência correm por conta de atributos químicos<br />
diversos.<br />
Admite-se que a ácido-resistência depen<strong>da</strong> de álcoois graxos<br />
neutros de elevado ponto de fusão, formando cêras. O germe pode perder<br />
essa ácido-resistência pela ação do álcool, éter, clorofórmio e benzol, mas<br />
persistem as substâncias álcool-resistentes.<br />
Segundo UNNA & UNNA JR., a proprie<strong>da</strong>de tintorial do bacilo de<br />
Hansen resulta <strong>da</strong> mistura íntima de corpos gordurosos exclusivamente<br />
ácido-resistentes e de parte do corpo bacilar, apenas álcool-resistente e<br />
composto de substâncias albuminóides em maioria.<br />
Vimos nos estudos modernos de ANDERSON e colaboradores que a<br />
capaci<strong>da</strong>de ácido-resistente se deve a um pigmento gorduroso, aos ácidohidroxídeos<br />
<strong>da</strong>s cêras, e ao ácido leprosínico.
CAPÍTULO II<br />
CULTURA DO MYCOBACTERIUM LEPRAE<br />
SUMÁRIO: – Introdução. Tipos de bactérias cultiva<strong>da</strong>s,<br />
difteróides, cromogênicos, não-cromogênicos, anaeróbios.<br />
Estudos mais recentes. Ciclo vital, atmosferas de<br />
gás carbônico, culturas em tecidos. Critérios de<br />
identificação <strong>da</strong>s culturas. Considerações sôbre as<br />
diversas culturas de bactérias a partir de material<br />
lepromatoso. Conclusão.<br />
INTRODUÇÃO<br />
Desde os primeiros anos que seguiram ao descobrimento de<br />
Hansen, tentou-se fazer proliferar, em meio exterior ao organismo, o<br />
germe considerado causador <strong>da</strong> moléstia e que tão densamente habita suas<br />
lesões. Essas tentativas se multiplicaram extraordinàriamente em todos os<br />
países e continuam se fazendo nos dias de hoje. Pode-se dizer que a<br />
cultura do bacilo de Hansen tem sido urna preocupação para todos os<br />
leprólogos que puderam dispôr de laboratório, bem como para todos os<br />
bacteriologistas que tiveram oportuni<strong>da</strong>de de conseguir material leprótico<br />
para semeadura.<br />
De tô<strong>da</strong>s essas experimentações, que se estendem já por cêrca de<br />
60 anos, resultou um certo número de fatos suficientemente interessantes<br />
para merecer publicação por parte de seus autores. Essas publicações,<br />
contudo, não forneceram <strong>da</strong>dos seguros sôbre a cultivabili<strong>da</strong>de do bacilo<br />
de Hansen. Os germes porventura presentes nos meios artificiais de<br />
cultura semeados, foram impugnados, ora por seus próprios autores, ora<br />
por outros críticos, como bactérias saprófitas presentes ao nível <strong>da</strong>s<br />
lesões, como simples contaminação à manipulação ou comensais <strong>da</strong>s<br />
lesões, ou como sendo o próprio bacilo do material semeado, mas não<br />
proliferado.
– 197 –<br />
Recentemente se chegou a uma situação algo mais favorável nessa<br />
matéria e julgam alguns autores que o bacilo de Hansen tenha sido de fato<br />
cultivado em meio artificial, muito lenta e exíguamente, não se<br />
conseguindo, porém, a reprodução além de poucas subculturas. Não se<br />
pode considerar resolvido, de maneira satisfatória, portanto, o problema<br />
do cultivo indefinido do bacilo <strong>da</strong> lepra em meios de cultura exteriores ao<br />
organismo.<br />
Todos os meios artificiais até hoje conhecidos foram empregados<br />
nessas tentativas, e mesmo alguns outros especialmente elaborados para<br />
germe tão exigente; muito comum tem sido o uso dos meios próprios para<br />
o crescimento do bacilo de Koch (à base de ovo, sôro, glicerina, etc.) bem<br />
como os extratos placentários, hormônios, vitaminas. Também tem-se<br />
empregado fórmulas basea<strong>da</strong>s em pretensas etiologias <strong>da</strong> moléstia, como<br />
o caldo de peixe putrefato, e diversas condições outras, tais como<br />
simbioses com vários microorganismos e atmosferas de composição<br />
química variável.<br />
Êsses variados processos, de que descreveremos mais adiante as<br />
minúcias quanto aos mais interessantes, deram origem a uma considerável<br />
diversi<strong>da</strong>de de bactérias; não se podendo assegurar a natureza leprosa dos<br />
microorganismos cultivados, tornar-se-ia monótono e pràticamente inútil<br />
descrever um a um todos os aspectos macro e microscópicos <strong>da</strong>s culturas<br />
obti<strong>da</strong>s. GAY e colaboradores (160) asseguram que de 1886 a 1933 na<strong>da</strong><br />
menos de 62 autores referiram varie<strong>da</strong>des diferentes de bactérias<br />
cultiva<strong>da</strong>s de material leproso, num total de 68 tipos, e apenas poucos<br />
dêsses pesquisadores admitiram não se tratar do ver<strong>da</strong>deiro agente <strong>da</strong><br />
lepra os tipos de que conseguiram a proliferação.<br />
É habitual classificar essas diversas amostras segundo os aspectos<br />
macro e microscópicos <strong>da</strong> cultura, a que se acrescentam os germes<br />
obtidos em condições de anaerobiose; ter-se-iam assim os difteróides<br />
(bacilos Gram-positivos de aspecto semelhante ao dos diftéricos), os<br />
ácido-resistentes cromogênicos (produtores de culturas mais ou menos<br />
intensamente cora<strong>da</strong>s), os ácido-resistentes não cromogênicos, e, por fim,<br />
os anaeróbios. Cabe em ca<strong>da</strong> uma dessas divisões uma enumeração<br />
cronológica <strong>da</strong>s culturas obti<strong>da</strong>s, com algumas de suas características<br />
principais. Para terminar, apresentaremos, em separado, os estudos mais<br />
recentes que representaram um adiantamento nas possibili<strong>da</strong>des de cultivo<br />
do bacilo de Hansen e as considerações que o assunto merece.
– 198 –<br />
TIPOS DE BACTÉRIAS CULTIVADAS<br />
Difteróides<br />
Pelo menos 18 vêzes se referiram germes difteróides em cultura de<br />
material proveniente de material leproso. Destacaremos os trabalhos mais<br />
conhecidos que chegaram a êsse resultado.<br />
BORDONI-UFFREDUZZI (60) semeou material de doentes de lepra,<br />
colhido “post-mortem” em meio sôro sanguíneo-peptona-glicerina,<br />
obtendo um germe difteróide (1888) que crescia bem a seguir em agarglicerinado,<br />
mas que não reproduziu a moléstia em animais de<br />
laboratório. No mesmo ano, GIAN-TURCO (162) obtinha difteróides por<br />
semeadura de material de leproma em agar-glicerinado e sôro glicerinado,<br />
eBABES conseguia o mesmo material “post-mortem” em sôro glicerinado.<br />
LEVY (242) em 1897 referiu o crescimento de um difteróide após 15<br />
dias <strong>da</strong> semeadura de material de leproma em agar-glicerina-sôro de<br />
sangue, não patogênico para animais de laboratório.<br />
SPRONCK (462) cultivou, em 1898, difteróides semeando material de<br />
leproma em batata glicerina<strong>da</strong>, depois em sôro sanguíneo e em agar; com<br />
êsses germes obteve êle aglutinações com sôro leproso em diluições de<br />
1:60 a 1:1000, enquanto os seus contrôles aglutinavam apenas até o título<br />
1:30-1:40. No mesmo ano CZAPLEWSKI (118) conseguiu cultivar germes do<br />
mesmo tipo, não patogênicos, semeando material de secreção nasal e de<br />
lepromas ulcerados em sôro de sangue de carneiro, glicerinado a 6 %.<br />
TEICX (472) obteve germes idênticos semeando material de secreção nasal.<br />
KEDROWSKY descreveu em 1900 um bacilo ácido-sensível<br />
ramificado, por êle cultivado com material de tecidos e abcessos de 4<br />
doentes de lepra, e que pode ser igualmente considerado um difteróide.<br />
As culturas se faziam em agarextrato de placenta mas as subculturas<br />
podiam ser obti<strong>da</strong>s em agar simples ou glicerinado; os bacilos eram<br />
ácido-resistentes nas culturas novas de 10-14 horas, perdendo “esse<br />
característico posteriormente, exceto as suas granulações. A inoculação<br />
em coelhos produzia material com germes ácido-resistentes. Diz<br />
KEDROWSKY que conseguiu retro-culturas de coelhos inoculados oito<br />
meses antes; em 1903 o autor (215) reafirmou estar certo de ter cultivado o<br />
bacilo <strong>da</strong> lepra.
– 199 –<br />
KLITIN (223) obteve, em 1905, com material lepromatoso, germes<br />
semelhantes aos <strong>da</strong> tuberculose, apenas mais granulosos e mais curtos;<br />
apesar de ter conseguido retroculturas de lesões produzi<strong>da</strong>s em coelhos e<br />
cobaias, seus germes podem ser considerados como difteróides.<br />
As culturas de BAYON (1911-1912) (38/39/40), obti<strong>da</strong>s em agarextrato<br />
de placenta, em sôro de cavalo com nutrose ou agar adicionado de<br />
2% de triturado de bacilos do esmegma (método de TWORT ), eram de<br />
germes semelhantes aos difteróides obtidos por KEDROWSKY,<br />
conseguindo o autor retro-culturas de gânglio de camondongos<br />
inoculados no peritóneo. A princípio apenas parcialmente ácidoresistentes,<br />
tornavam-se bastonetes ácido-resistentes típicos nos animais<br />
injetados e em meio de ovo de Dorset. Pela mesma época, WILLIAMS<br />
(509/510), publicava os seus resultados, que despertaram grande interêsse.<br />
Usando caldo, obteve êle vários tipos de organismos – um bacilo<br />
difteróide não ácido-resistente produzindo bastonetes ácido-resistentes,<br />
um bacilo ácido-resistente, e um “streptothrix” não ácido-resistente de<br />
aspecto miceliano produzindo bacilos ácido-resistentes; também obteve<br />
em meio-ovo de Dorset um “streptothrix” miceliano ácido-resistente. A<br />
conclusão de WILLIAMS é que o agente causal <strong>da</strong> lepra é um<br />
“Streptothrix” pleomorfo, sendo o bacilo habitual apenas em uma <strong>da</strong>s<br />
suas fases vitais. Nenhum dos germes obtidos foi patogênico para os<br />
animais de laboratório inoculados.<br />
DUVAL e WELLMAN (135) referem que uma de suas 22 culturas de<br />
material leproso era de difteróides não ácido-resistentes, semelhantes aos<br />
de KEDROWSKY.<br />
REENSTIERNA (380) isolou em 1913, de tecidos leprosos, bactérias<br />
semelhantes às de KEDROWSKY. Também FRASER e FLECHTER (156)<br />
obtiveram na mesma época, com todos os cui<strong>da</strong>dos assépticos,<br />
organismos difteróides que consideraram contaminação.<br />
Em 1915, STANZIALE obtinha grandes massas cultiva<strong>da</strong>s de<br />
bactérias, cujo aspecto sugere a MCKINLEY tratar-se igualmente de<br />
difteróides; DUVAL também consegue cultivar um bacilo difteróide, não<br />
patogênico nem ácido-resistente.<br />
WALKER (500) descreveu em 1922, quatro tipos de difteróides<br />
provenientes <strong>da</strong> secreção nasal e tecidos leprosos e chega à conclusão que<br />
o ácido-resistente parcial de BORDONI-UFFREDUZZI e os de outros autores<br />
podem ser isolados com constância a partir de casos de lepra, tánto do<br />
nariz como
– 200 –<br />
de lesões cutâneas, ulcera<strong>da</strong>s ou não. Os seus difteróides se<br />
caracterizavam pelo tamanho, grande pleomorfismo, aspecto <strong>da</strong>s colônias<br />
e reações de fermentação, mas o próprio autor mais tarde admitiu que se<br />
tratava provávelmente de uma forma cultural do M. smegmatis, e que<br />
vários difteróides descritos podem ser assimilados e <strong>da</strong>r origem a bacilos<br />
ácido-resistentes cromogênicos, como veremos adiante.<br />
Cromogênicos<br />
Em 1904, ROST (394) dizia ter conseguido a proliferação do bacilo<br />
<strong>da</strong> lepra em caldo de carne privado de cloretos e outros sais, também em<br />
caldo dializado, onde produzia colônia filamentosa branca ou levemente<br />
amarela<strong>da</strong>, mais intensamente amarela nos meios sólidos sem sais. Foi<br />
com essas culturas que ROST preparou a sua famosa “leprolina”, cujo uso<br />
foi ensaiado e desprezado no tratamento e diagnóstico <strong>da</strong> lepra. Os<br />
organismos eram ramificados e ácido-resistentes, mas não eram<br />
patogênicos para os animais de laboratório. TURNER (479) empregando os<br />
métodos de ROST , não conseguiu reproduzir seus resultados e acredita que<br />
os bacilos cultivados por êste não fossem os <strong>da</strong> lepra, o que era aliás a<br />
impressão dominante na época. Mais tarde, obteve ROST outras culturas<br />
pigmenta<strong>da</strong>s por semeaduras de material leproso em caldo de carne<br />
peptonado sem sal, contendo leite e produtos voláteis de decomposição do<br />
peixe.<br />
CLEGG, (103) em 1909, nas Filipinas, propôs a hipótese de que os<br />
bacilos de Hansen nas lesões se sustentam principalmente à custa dos<br />
produtos metabólicos <strong>da</strong>s células dos tecidos, e que as amebas seriam<br />
bôas produtoras de tais substâncias. Em placas de Petri contendo meio de<br />
cultura sôbre que se desenvolviam amebas, em simbiose com o vibrião<br />
colérico ou bacilo do tifo, CLEGG juntava uma emulsão de baço leproso<br />
rico de bacilos de Hansen; pôde ele observar o desenvolvimento de<br />
bacilos ácido-resistentes em subculturas, mais curtos e espessos que os de<br />
Hansen, o que se poderia atribuir ao meio artificial em que viviam. Êsses<br />
bacilos ácido-resistentes podiam ser isolados e eliminados pelo calor a<br />
60° C durante 30’, as amebas e os bacilos simbióticos, após o que aqueles<br />
cresciam facilmente em meios comuns de laboratório, produzindo lesões<br />
nos cobáios, semelhantes à <strong>da</strong> lepra humana. As culturas em agarglicerinado<br />
apresentavam coloração amarela<strong>da</strong> <strong>da</strong>s tonali<strong>da</strong>de ouro e<br />
laranja.
– 201 –<br />
No ano seguinte, CURRIE, BRINCKERHOFF e HOLLMANN (117)<br />
confirmaram os trabalhos de CLEGG mantendo por três a dez gerações as<br />
simbioses de ameba, vibrião colérico e o bacilo ácido-resistente<br />
cromogênico dêste autor. DUVAL, (134) em 1911, modifica o processo de<br />
CLEGG, dizendo que uma vêz inicia<strong>da</strong> a cultura não há mais necessi<strong>da</strong>de<br />
<strong>da</strong>s amebas ou de triptofano; basta um meio neutro ou levemente alcalino<br />
para manter a proliferação. Com êste processo obteve DUVAL, a partir de<br />
lepromas e focos supurativos de casos de lepra em reação, colônias a<br />
princípio acinzenta<strong>da</strong>s e logo após alaranja<strong>da</strong>s, com as quais produziu<br />
lesões semelhantes às <strong>da</strong> lepra humana em Macacus rhesus e em<br />
camondongos japonêses.<br />
Muito recentemente, EVANS (138) conseguiu obter culturas<br />
cromogênicas pelo processo de Clegg, supondo que se trate de saprófitos<br />
do próprio tecido leproso ou contaminação pelo material amebiano.<br />
Nos trabalhos de WILLIAMS realizados pela mesma época tambem<br />
se verifica a existência de um organismo ácido-resistente produzindo<br />
colônias cora<strong>da</strong>s em amarelo.<br />
DUVAL e WELLMAN, descrevem os resultados que obtiveram<br />
adicionando extrato de placenta a meio líquido ou agar glicerinado; de 22<br />
cultivos que conseguiram obter, 14 eram de bacilos ácido-resistentes<br />
cromogênicos, essencialmente semelhantes aos de CLEGG. O organismo<br />
cromogênico inicia seu crescimento muito lentamente, mas depois<br />
prolifera em abundância nos meios ordinários de cultura; é pleomorfo e<br />
apresenta variações consideráveis na ácido-resistência, mas apresenta<br />
certa ativi<strong>da</strong>de serológica específica.<br />
Em 1914 referiu MC COY (296) 11 amostras por êle obti<strong>da</strong>s a partir<br />
de casos de lepra, 9 <strong>da</strong>s quais apresentavam colônias, com diversas<br />
tonali<strong>da</strong>des do amarelo, exuberantes, em agar simples ou glicerinado. A<br />
ácido-resistência era variável, a patogenici<strong>da</strong>de nula e após cinco<br />
subculturas, em média, muitas <strong>da</strong>s culturas deixavam de se reproduzir.<br />
WALKER anunciou em 1923 a cultura de um organismo ácidoresistente<br />
a partir de material leproso, no meio de Musgrave e Clegg,<br />
afirmando não serem necessárias para seu crescimento nem as amebas de<br />
Clegg, nem os produtos de clivagem <strong>da</strong> proteina, de Duval. Segundo<br />
WALKER os difteróides do tipo de Bordoni-Uffreduzzi, de Hollmann, do<br />
esmegma e <strong>da</strong> mucosa nasal sã, dão origem ao bacilo ácido-resistente de<br />
Clegg no meio de Musgrave e Clegg. Haveria pois uma certa relação<br />
entre os vários difteroides entre si,
– 202 –<br />
sendo o bacilo cromogênico de Clegg um estádio de seu<br />
desenvolvimento.<br />
SOUZA ARAUJO (442) obtem sedimento em tubo contendo caldo<br />
glicerinado, 15 dias após semeadura de leproma em ativi<strong>da</strong>de; o exame<br />
microscópico dêsse sedimento revelou bacilos ácido-resistentes e não<br />
ácido-resistentes, bem como formas ramifica<strong>da</strong>s, mas nas subculturas em<br />
agar, caldo e batata glicerinados só observou filamentos do tipo actinomyces.<br />
As colônias eram brancas como giz, ou amarelo-alaranja<strong>da</strong>s.<br />
Os microorganismos encontrados (“Actinomyces lepromatis”) são<br />
ácido-sensíveis e Gram-positivos, não podendo afirmar o autor sua<br />
ver<strong>da</strong>deira relação com a lepra. Em meios com manteiga e óleo de oliva<br />
formavam-se bacilos ácido-resistentes.<br />
Não-Cromogênicos<br />
Não eram cromogênicos os bacilos Gram-positivos e ácidoresistentes<br />
isolados por WEIL (504) em 1905 em meio de ôvo caldopeptonado-glicerinado-glicosado-água<br />
do mar. As colônias apareciam<br />
isola<strong>da</strong>mente pelo 5.° dia, crescendo até o 15.° ou 20.º. Também foi bem<br />
sucedido com cultura diretamente na gema do ôvo integral, mas nunca se<br />
conseguiu subcultura.<br />
Em 1911, MARCHOUX (283) inoculou secreção nasal bacilífera em<br />
ratos, produzindo abcessos subcutâneos, ricos de bacilos ácidoresistentes;<br />
obteve colônias despigmenta<strong>da</strong>s em uma <strong>da</strong>s semeaduras de<br />
material dêsse abcesso em batata-glicerina<strong>da</strong>-líquido ascítico.<br />
Das 22 culturas anuncia<strong>da</strong>s por DUVAL e WELMAN, 8 eram nãocromogênicas;<br />
o cultivo dêstes era mais difícil que o dos bacilos<br />
cromogênicos, exigindo meios especiais e os estudos sorológicos<br />
pareciam mostrar que êles eram diferentes dos outros ácido-resistentes até<br />
então cultivados. Os autores não conseguiram infectar animais, pensando,<br />
contudo, que o tipo não-cromogênico é o mais interessante dos cultivados<br />
a partir de lesões lepróticas humanas. No mesmo ano, KARLINSKY obteve<br />
culturas descora<strong>da</strong>s.<br />
MC COY assinala em 1914 que <strong>da</strong>s 11 culturas que obteve a partir<br />
de casos de lepra, duas eram muito levemente amarela<strong>da</strong>s, quase<br />
despigmenta<strong>da</strong>s, crescendo muito devagar em agar simples ou<br />
glicerinado, mas exuberantemente em agar glicosado. Era habitual não se<br />
conseguir sub-culturas após 4 ou 5 gerações.
– 203 –<br />
Anaeróbios<br />
DUCREY (133) observou crescimento de microorganismos a partir de<br />
lepromas e material leproso “post-mortem”, em caldo glicerinado e no<br />
interior do meio sólido de Campana (agar-peptonado e açucar de uva 3%)<br />
ambos em tubos herméticamente fechados e concluiu que o bacilo de<br />
Hansen é um anaeróbio (1892). O próprio CAMPANA (83) obteve também,<br />
em 7-9 dias, no interior de seu meio sólido, colônias de organismo<br />
levemente ácido-resistente e com granulações mais niti<strong>da</strong>mente cora<strong>da</strong>s.<br />
Ain<strong>da</strong> no meio de Campana e na presença de fragmentos estéreis<br />
de órgãos de cobáio, observou SERRA (430) em 1910, o crescimento de um<br />
microorganismo, que se podia transplantar, sempre no fundo do meio, em<br />
condições de anaerobiose. Não conseguiu demonstrar a patogenici<strong>da</strong>de de<br />
tais bacilos.<br />
ESTUDOS MAIS RECENTES SÔBRE A CULTURA DO BACILO DE<br />
HANSEN<br />
GIORDANO (163) em 1929, obtém culturas que julga ser de bacilos<br />
de Hansen, por semeadura de sangue venoso de caso de lepra em meio de<br />
Hohn. Na terceira sub-cultura notou formas filamentosas de um<br />
“streptothrix” ácido-resistente. No mesmo ano SHIGA (432) observa<br />
colonização microscópica, transplantável, lenta, de bacilos ácidoresistentes<br />
semeando material lepromatoso préviamente tratado pelo ácido<br />
sulfúrico a 5%, em batata glicerina<strong>da</strong>.<br />
SOUZA ARAUJO (443) não conseguiu reproduzir os trabalhos de<br />
SHIGA, pensando que o ácido sulfúrico é nocivo ao M. leprae, mas que<br />
podem persistir bacilos ácido-resistentes no primeiro tubo de cultura, à<br />
custa dos tecidos humanos aí semeados com o material lepromatoso.<br />
Em 1930, SONNENSCHEIN (437) nota crescimento de germes ácidoresistentes<br />
semeando material lepromatoso lavado em ácido sulfúrico a<br />
5% por 5 minutos, em meio de ôvo glicerinado, com ou sem adição de<br />
verde-malaquita. HENDERSON (186) obteve uma cultura pigmenta<strong>da</strong> por<br />
semeadura de lepromas em meio ordinário, sem pretender que se tratasse<br />
do bacilo de Hansen. PESCHKOWSKY eMALININ (351) chegam a obter 2 e 3<br />
subculturas em caldo e batata, por semeadura de baço de caso<br />
lepromatoso. Em 1934, OTA e SATO (338) descrevem as culturas que<br />
obtiveram em meios de HOHN, PETRAGNANI, PETROFF eLOEWENSTEIN e<br />
de que distinguiram dois
– 204 –<br />
tipos, um branco, de que puderam identificar 4 raças e um alaranjado,<br />
com 8 raças; crêm que se tratava dos ver<strong>da</strong>deiros bacilos de Hansen, mas<br />
que se deve ter muito cui<strong>da</strong>do com a interpretação dos ácido-resistentes<br />
cultivados a partir de material lepromatoso, pois que chegaram a observar<br />
crescimento de bacilos de Koch por semeadura de lepromas típicos.<br />
LOEWENSTEIN (262) exige muito cui<strong>da</strong>do nas culturas lembrando as<br />
bactérias pseudo-diftéricas muito comuns na pele, como o bacilo de<br />
Lustgarten-Welsch na sífilis e o de Neumann no carcinoma e no pênfigo,<br />
sem falar nos ácido-resistentes do esmegma e <strong>da</strong> cêra do conduto<br />
auditivo.<br />
Semeando sangue leproso, libertado de hemoglobina e tratado por<br />
ácido sulfúrico diluido, em meio especial de ôvo com caldo de peixe,<br />
LOEWENSTEIN (263) obtém colônias pequenas, brancas ou amarela<strong>da</strong>s, de<br />
crescimento tão lento que só em 6 meses se tornam macroscópicamente<br />
visíveis; os bacilos eram em grande parte ácido-resistentes, mas também<br />
se observaram bacilos não ácido-resistentes, embora com a morfologia do<br />
germe <strong>da</strong> lepra.<br />
PAPAIOANNOU (346) obtém culturas semeando em meio especial<br />
material lepromatoso tratado pelo processo de SHIGA ou LOEWENSTEIN.<br />
Também ROUSSEAU e GOUGEAT,<br />
(404) obtêm crescimento em meio de<br />
Loewenstein, caldo e asparagina a 4%, de diversas formas bacterianas,<br />
semelhantes às do ciclo de Vaudremer e Brun após semeadura de sangue<br />
tratado pelo processo de LOEWENSTEIN. LLERAS ACOSTA (3) obtem<br />
crescimento de bacilos ácido-resistentes semeando sangue de casos<br />
lepromatosos avançados em meio de Petragnani.<br />
No entanto, os resultados de SOUZA ARAUJO (445) não foram<br />
favoráveis à possibili<strong>da</strong>de de cultura do bacilo <strong>da</strong> lepra pelo processo de<br />
Loewenstein.<br />
Uma outra questão aberta ao estudo, particularmente com<br />
referência à associação <strong>da</strong> lepra com a tuberculose, é a que diz respeito à<br />
obtenção de bacilos de Koch por semeadura de material lepromatoso<br />
típico. LIE (244) , em 1911, semeando lepromas, conseguiu culturas do<br />
bacilo <strong>da</strong> tuberculose do tipo humano, mortais para os cobaios<br />
inoculados. Mais tarde, em 1934, OTA e SATO entre os diversos tipos de<br />
culturas descritas, obti<strong>da</strong>s por semeadura de material lepromatoso,<br />
notaram duas vêzes o tipo humano do bacilo <strong>da</strong> tuberculose; mais<br />
recentemente, NAKAJYO eSUZUKI (320) cultivaram o bacilo de Koch a<br />
partir do escarro, 30 vêzes em
– 205 –<br />
100 casos de lepra, notando porém que o crescimento dêles era mais lento<br />
que nos doentes de tuberculose pura.<br />
Os trabalhos de VAUDREMER e colaboradores tiveram larga<br />
repercussão pelo apôio que trouxeram à hipótese de um ciclo evolutivo na<br />
vi<strong>da</strong> do bacilo de Hansen.<br />
VAUDREMER, SEZARY eBRUN (486/487) , estu<strong>da</strong>ram o crescimento do<br />
bacilo <strong>da</strong> lepra em filtrado de cultura do Aspergillus fumigatus, processo<br />
com que VAUDREMER tinha obtido subculturas rápi<strong>da</strong>s em gelose, com o<br />
bacilo de Koch. Com efeito, após semeadura de lepromas em filtrado de<br />
Aspergillus, observaram durante 30 dias bacilos ácido-resistentes em<br />
grande abundância, e, mais tarde, elementos meningo-cociformes Grampositivos,<br />
que cresceram fácilmente em transplantes para gelose simples.<br />
Nas subculturas sucessivas em gelose notaram então, além <strong>da</strong>s bactérias<br />
meningocociformes, outras formas bacilares curtas, muito finas, dispostas<br />
em palissa<strong>da</strong>, igualmente cianófilas.<br />
O passo seguinte seria restituir a ácido-resistência perdi<strong>da</strong> e isso os<br />
autores conseguem por transplante em caldo glicerinado. As bactérias<br />
cultiva<strong>da</strong>s tinham proprie<strong>da</strong>des imunológicas características, sendo<br />
aglutina<strong>da</strong>s pelos soros leprosos.<br />
Mais tarde os autores relatam o aparecimento de bactérias<br />
meningocociformes idênticas, após 9 meses <strong>da</strong> semeadura em caldo de<br />
batata de um filtrado por L3 de baço leproso triturado em líquido<br />
aspergilar; em meio glicerinado apareceram igualmente as formas ácidoresistentes,<br />
típicas e numerosas.<br />
Enfim, em 1935, VAUDREMER eBRUN (448) reproduzem tô<strong>da</strong> a serie<br />
de fases do microorganismo <strong>da</strong> lepra, por semeadura em filtrado<br />
aspergilar, caldo de batata glicerinado e mesmo caldo simples – bacilos<br />
ácido-resistentes, elementos meningocociformes, bacilos curtos<br />
cianófilos, bacilos cianófilos longos, e bacilos ácido-resistentes<br />
novamente, esta última fase só na presença de glicerina. Notam a<br />
formação de “endósporos” ovóides, que se estreitam e se transformam em<br />
bacilos ácido-resistentes curtos.<br />
A conclusão dos autores é que há um ciclo evolutivo bem<br />
identificado na vi<strong>da</strong> do bacilo de Hansen, e que inclui uma fase filtrável<br />
através <strong>da</strong> vela L3. Os elementos meningocociformes, cianófilos e às<br />
vezes ácido-resistentes, foram encontrados por FAURE-BEAULIEU e BRUN<br />
nas lesões lepróticas, sendo que um fragmento destas, semeado em caldo,<br />
deu origem à cultura pura de granulações cianófilas.
– 206 –<br />
Os trabalhos de VAUDREMER e colaboradores foram parcialmente<br />
confirmados entre nós por SOUZA LIMA (249) que também conseguiu, por<br />
duas vêzes, as diversas fases bactérianas, não crendo porém que se trate<br />
do Mycobacterium leprae; também ROUSSEAU e GOGEAT (405) reproduzem<br />
essas culturas e observam o mesmo ciclo evolutivo descrito.<br />
RODRIGUES DE ALBUQUERQUE (9) observa germes ácido-resistentes<br />
e não ácido-resistentes em diversos meios de culturas (Petroff, Petragnani,<br />
agar e caldo glicerinados). As culturas eram cromogênicas de crescimento<br />
rápido, e, em meio líquido, <strong>da</strong>vam lugar a formação de véu.<br />
Empregando grande varie<strong>da</strong>de de meios, entre os quais o de<br />
Petroff, Loewenstein, batata glicerina<strong>da</strong>, caldo glicerinado, obtém GOMES<br />
(171) culturas a partir de pus de abcesso leproso do nervo cubital; o exame<br />
microscópico revelou diversos tipos morfológicos e tintoriais e o autor<br />
afirma o seu ponto de vista favorável à existência de um ciclo evolutivo<br />
do bacilo de Hansen.<br />
CARVALHO LIMA eMARIA ARANTES (245) semearam a serosi<strong>da</strong>de de<br />
lepromas não ulcerados em meio líquido sintético de Sauton, modificado,<br />
e observaram o crescimento do germe a partir do 4.º-6.° dia, sob a forma<br />
de grumos perláceos, acinzentados, pequenos, às vezes, numerosos, e de<br />
véus delicados na superfície. Em um caso foram contados 11 grumos, 2<br />
dos quais com cêrca de 2 mm. de diâmetro. O exame microscópico<br />
revelou bacilos ácido-resistentes numerosos, o mesmo se observando nas<br />
subculturas. Estas foram obti<strong>da</strong>s com apenas 3 casos, mas viveram 5<br />
meses com transplantes ca<strong>da</strong> 8-15 dias. Nessas subculturas não havia<br />
formação de véus e os grumos eram bem menos distintos, o que seria<br />
devido à vitali<strong>da</strong>de decrescente do bacilo no meio exterior.<br />
Nas fases sucessivas de transplante e envelhecimento, os autores<br />
puderam observar nos bacilos, formas e aspectos tintoriais diversos, como<br />
bacilos cianófilos, bacilos curtos ácido-resistentes, bacilos granulosos e<br />
não granulosos – fatos êsses que viriam apoiar, segundo CARVALHO LIMA<br />
eARANTES, a hipótese do ciclo vital.<br />
De carrapatos experimentalmente colocados sôbre a pele de<br />
doentes de lepra e assim nutridos de sangue, SOUZA ARAUJO e MIRANDA<br />
(459) obtêm amostras de bacilos ácido-resistentes em meio de Loewenstein.<br />
Em tecido de pinto cultivado pelo processo de Carrel e em meio<br />
com fragmentos de embrião de pinto, tentou SALLE (412) fazer proliferar o<br />
bacilo <strong>da</strong> lepra, obtendo tanto
– 207 –<br />
organismos ácido-resistentes como difteróides, mas nos transplantes<br />
sucessivos para meios artificiais só apareceram as formas difteróides.<br />
Estas revertiam parcialmente à ácido-resistência quando novamente<br />
semea<strong>da</strong>s em meio embrionário. Havia portanto ácido-resistência nos<br />
meios com tecidos e ácido-sensibili<strong>da</strong>de fora dêles, o que sugere a SALLE<br />
a existência de um bacilo evolutivo à maneira de Kedrowsky, Bayon,<br />
William, Walker e outros, já citados.<br />
Posteriormente, em colaboração, SALLE e MOSER (414) confirmaram<br />
os trabalhos do primeiro autor e estu<strong>da</strong>ram com cui<strong>da</strong>do o fenômeno <strong>da</strong><br />
ácido-resistência. Esta se produz quando se supre os difteróides ácidosensíveis<br />
de tecido adulto ou embrionário, mesmo que êste seja filtrado; o<br />
colesterol é essencial para a conservação <strong>da</strong> ácido-resistência. Um meio<br />
adequado é o de coração de boi com colesterol.<br />
Consideraremos finalmente a cultura obti<strong>da</strong> por SOULE e<br />
MCKINLEY (439) que tem sido aceita como uma <strong>da</strong>s mais seguras provas do<br />
crescimento do bacilo de Hansen fora do organismo. Será necessário<br />
contudo recor<strong>da</strong>r trabalhos mais antigos que forneceram a orientação para<br />
a investigação <strong>da</strong>queles autores.<br />
WHERRY & ERVIN (507) comunicaram em 1918 as suas observações<br />
sôbre a respiração do Mycobacterium tuberculosis e a necessi<strong>da</strong>de de lhe<br />
fornecer anídrido carbônico em quanti<strong>da</strong>de adequa<strong>da</strong> nas culturas. Mais<br />
tarde, Novy, ROEHM e SOULE (331) e Novy e SOULE (332) ampliaram êsses<br />
conhecimentos sôbre a respiração bacteriana para outros germes e<br />
aprofun<strong>da</strong>ram a questão do metabolismo gasoso do bacilo de Koch.<br />
Essas observações foram o ponto de parti<strong>da</strong> para a idéia de<br />
WHERRY (506) de tentar cultivar o M. leprae considerando as suas<br />
necessi<strong>da</strong>des vitais de anídrido carbônico, por analogia com o que<br />
observara com ERVIN para o de Koch. Submeteu portanto os meios de<br />
cultura semeados com sangue de lepromas, a diversos tipos de atmosfera,<br />
variando a proporção de oxigênio e de CO2 incluindo mesmo a atmosfera<br />
de CO2 total, livre de oxigênio.<br />
As massas microscópicas com aspecto de colônias de ácidoresistentes<br />
aumentavam de número durante algumas semanas, mas pouco<br />
após chegava-se ao limite máximo de desenvolvimento; pôde-se obter<br />
subculturas, na mesma atmosfera de O2 e CO2, cujo exame microscópico<br />
revelava a presença de bacilos ácido-resistentes.
– 208 –<br />
tentaram reproduzir, sem<br />
sucesso, os trabalhos de WHERRY. Observaram que o material bacilífero<br />
do inóculo persistia durante muito tempo nessa atmosfera especial, mas<br />
não puderam notar proliferação nem conseguiram subculturas.<br />
Os trabalhos já citados sôbre a respiração bacteriana, de Novy e<br />
colaboradores, e as tentativas culturais de WHERRY nêles baseados, foram<br />
mais largamente empregados por SOULE e MCKINLEY que conseguiram<br />
obter as culturas considera<strong>da</strong>s por grande número de autores como de<br />
bacilos de Hansen e assim figurando no manual de Bergey.<br />
OLIVER, DE LEON, e DE RODA (336)<br />
O material semeado era uma emulsão em água fisiológica de<br />
lepromas colhidos assépticamente, e os meios de cultura eram a batata<br />
glicerina<strong>da</strong>, o agar-hormônio glicerinado e o meio de Petroff. Os tubos<br />
foram colocados em jarros de Novy; segundo o processo de Novy,<br />
ROEHM e SOULE, e submetidos a atmosferas com quanti<strong>da</strong>des variáveis de<br />
O2 e CO2, permanecendo outros tubos na atmosfera normal, como<br />
contrôles.<br />
Após cêrca de 6 semanas observava-se em alguns tubos a presença<br />
de colônias muito pequenas, puntiformes, com perto de 1 mm. de<br />
diâmetro, esbranquiça<strong>da</strong>s, de aspecto mucóide e bordo filamentoso<br />
difuso, revelando o exame microscópico a existência de bacilos ácidoresistentes<br />
bem corados e de morfologia normal. A atmosfera mais<br />
adequa<strong>da</strong> ao crescimento dessas colônias foi a composta de 40 % de O2 e<br />
10 % de CO2, parecendo que o agar-hormônio glicerinado era algo<br />
melhor que os demais meios de cultura utilizados. Os autores chamam a<br />
atenção para o fato de não se ter observado proliferação alguma nos tubos<br />
submetidos à atmosfera natural, ou às condições de anaerobiose com<br />
CO2.<br />
Sempre nos mesmos meios e na mesma tensão gasosa referi<strong>da</strong>,<br />
SOULE e MC KINLEY conseguiram subculturas sucessivas, embora ca<strong>da</strong><br />
vez mais difìcilmente, parecendo que o micro-organismo não se havia<br />
a<strong>da</strong>ptado ao crescimento em meios artificiais. O número de tubos<br />
positivos em ca<strong>da</strong> geração decrescia sempre, e de 16 tubos com colônias<br />
de primeira subcultura (segun<strong>da</strong> geração) se chegou apenas a 2 na 16. a<br />
geração. Contudo, ain<strong>da</strong> que muito dificilmente, o bacilo cultivado ain<strong>da</strong><br />
formava colônias bem defini<strong>da</strong>s em 1938, isto é, após 7 anos fora do<br />
organismo humano e reprodução através de mais de 60 subculturas.
– 209 –<br />
Pouco depois MC KINLEY eVERDER (299) descreveram a cultura de<br />
M. leprae em tecido embrionário de pinto cultivado artificialmente em<br />
solução de Tyrode; observaram a multiplicação nas condições ambientes<br />
ordinárias mas esta era mais níti<strong>da</strong> no meio gasoso especial de CO 2 . As<br />
culturas obti<strong>da</strong>s em tecido puderam ser transplanta<strong>da</strong>s para os meios<br />
sólidos habituais, sempre nas mesmas condições de atmosfera,<br />
produzindo microcolônias.<br />
HOLT (193/194) falhou em suas tentativas de multiplicar o bacilo <strong>da</strong><br />
lepra nas condições idea<strong>da</strong>s por MC KINLEY e VERDER, e os trabalhos de<br />
SCHLOSSMANN (420) ,DUVAL e HOLT (136) , não puderam reproduzir, em<br />
condições idênticas, os resultados anunciados por SOULE e MC KINLEY.<br />
Tanto LOWE (254) como WAYSON falharam igualmente nas<br />
tentativas de reproduzir os trabalhos de SOULE, MC KINLEY eVERDER,<br />
isto é, de cultivar o bacilo de Hansen em embrião de pinto em atmosfera<br />
de CO 2 .<br />
EDDY (139) fêz um estudo intensivo sôbre a cultivabili<strong>da</strong>de do<br />
bacilo, empregando na<strong>da</strong> menos de 68 meios de cultura diferentes e<br />
variando também a atmosfera, numa tentativa de reproduzir as<br />
experiências de SOULE e MC KINLEY. Embora se pudesse demonstrar a<br />
existência dos bacilos no tubo de cultura, às vêzes, até mais de 2 anos<br />
após, nem uma só vez observou êle ver<strong>da</strong>deiro crescimento de bactérias<br />
semelhantes às de Hansen.<br />
CONSIDERAÇÕES SÔBRE OS ESTUDOS DE CULTURA DO<br />
“MYCOBACTERIUM LEPRAE”<br />
Após essa exposição sumária dos estudos de cultivos conseguidos<br />
pelos diferentes autores desde a penúltima déca<strong>da</strong> do século passado, cabe<br />
perguntar: qual a natureza dos germes obtidos em relação ao bacilo de<br />
Hansen e que importância se deve atribuir a êles?<br />
Chegamos assim a um dos problemas mais debatidos <strong>da</strong> lepra e em<br />
que as conclusões não podem ser emiti<strong>da</strong>s senão com prudência, pois que<br />
envolvem, por sua vez, novas questões ain<strong>da</strong> em estudos.<br />
Quais os processos disponíveis para demonstrar que o germe<br />
cultivado é o de Hansen?<br />
Vimos que um dêsses processos, a reprodução experimental <strong>da</strong><br />
lepra, tem falhado com essas culturas nas mãos de todos os que a<br />
tentaram, inclusive dos próprios bacteriologistas que isolaram as<br />
amostras. No entanto êsse fracasso<br />
F. – 14
– 210 –<br />
não serve de prova contra a hipótese <strong>da</strong> natureza leprosa dos cultivos, pois<br />
que o próprio germe <strong>da</strong> lesão leprosa não produz lesões à vontade do<br />
experimentador. O recurso <strong>da</strong> inoculação, tão útil na bacteriologia, não<br />
pode, portanto, ser aplicado ao caso <strong>da</strong> lepra e dessas culturas obti<strong>da</strong>s.<br />
Os processos sorológicos de identificação também não são<br />
decisivos. Alguns dos cultivadores do germe, procuraram estabelecer a<br />
identi<strong>da</strong>de de suas amostras pelas reações sorológicas de aglutinação,<br />
fixação de complemento e outras; os resultados têm sido criticados porque<br />
não se tomam em consideração, nem a alteração sérica em relação a todos<br />
os ácido-resistentes, inclusive o de Koch, que é de fato comum na lepra.<br />
Não se pode aliás confiar em demasia nas reações, do sôro leproso, cujas<br />
características de labili<strong>da</strong>de são hoje perfeitamente conheci<strong>da</strong>s.<br />
Uma pista que se apresenta promissora no estado atual dos<br />
conhecimentos é a referente às cuti-reações com o material cultivado dos<br />
diversos casos de lepra. Sabemos hoje que o material preparado com<br />
lesões leprosas humanas e rico de ver<strong>da</strong>deiros bacilos de Hansen<br />
(lepromina), comporta-se de um modo muito peculiar nos diversos casos<br />
de lepra,, provocando reações locais típicas, e às vêzes gerais, em certos<br />
casos (tipo “tuberculóide” por ex.) na<strong>da</strong> sucedendo com os casos<br />
lepromatosos; por outro lado, os ácido-resistentes saprófitos banais e<br />
mesmo o b. de Koch não obedecem a tal sistematização nem produzem<br />
reações análogas. Uma cultura ver<strong>da</strong>deira de bacilos de Hansen<br />
provàvelmente forneceria um material com proprie<strong>da</strong>des biológicas<br />
idênticas às <strong>da</strong> lepromina, o que seria um processo interessante de<br />
identificação.<br />
Êste método de estudo vem sendo proposto por vários autores que<br />
estu<strong>da</strong>ram a questão <strong>da</strong>s cutireações, tendo todos chegado à conclusão<br />
que as diversas amostras não se comportam como a lepromina ver<strong>da</strong>deira<br />
e não devem ser considera<strong>da</strong>s culturas de bacilos de Hansen.<br />
Além dêsse método de reações cutâneas fica apenas o recurso do<br />
raciocínio e <strong>da</strong> analogia com a lepra murina bem como as considerações<br />
de ordem geral. Assim por exemplo, o crescimento rápido e exuberante de<br />
um determinado organismo ácido-resistente é em geral considerado pouco<br />
apropriado para um germe que tem uma evolução tão crônica nos tecidos<br />
parasitados.
– 211 –<br />
Se quisermos sistematizar agora as diversas opiniões referentes à<br />
natureza dos diversos organismos cultivados a partir de casos de lepra,<br />
será conveniente estabelecer as duas hipóteses opostas.<br />
1.º – As amostras obti<strong>da</strong>s, seriam, de um modo geral, culturas<br />
puras do bacilo de Hansen.<br />
O argumento principal favorável a esta hipótese é a “variação”<br />
bacteriana, fenômeno hoje perfeitamente admitido em bacteriologia, e<br />
particularmente na ordem Actinomycetales a que pertence o bacilo <strong>da</strong><br />
lepra. Sabe-se desde os trabalhos de CLAYPOLE, que os diversos tipos de<br />
Streptothrix apresentam sob condições diversas, alterações morfológicas e<br />
tintoriais muito amplas, observando-se por exemplo que certas amostras<br />
puras de bacilos ácido-resistentes passam para bacilos não ácidoresistentes<br />
mas Gram-positivos e, mais tarde, para formas Gram-positivas<br />
ramifica<strong>da</strong>s.<br />
Alguns estudos recentes tendem a demonstrar que na própria lesão<br />
leprótica há variações marca<strong>da</strong>s não só na morfologia bacteriana, o que já<br />
era conhecido de longa <strong>da</strong>ta, como também nas características tintoriais;<br />
crê-se assim que podem existir formas Gram-positivas de b. de Hansen<br />
não revela<strong>da</strong>s pela coloração de Ziehl. Com mais razão, poder-se-iam<br />
observar variações idênticas ou mais amplas nos meios artificiais de<br />
cultura, de acôrdo com as características químicas dêsse meio e as<br />
diversas condições ambientes.<br />
São importantes nessa ordem de idéias as experiências de SALLE,<br />
SALLE e MOSER, que conseguem, a partir de lepromas, culturas puras de<br />
bacilos ácido-resistentes em embrião de pinto e que assim se mantêm,<br />
mas que variam para “diftéroides”, não ácido-resistentes, assim que se<br />
transfere a cultura para meios artificiais ordinários.<br />
Os diversos tipos culturais obtidos poderiam portanto representar<br />
fases “cultiváveis” de um germe que apresenta aspecto particular no seu<br />
parasitismo humano. Tratar-se-ia portanto de períodos diferentes de um<br />
ciclo evolutivo próprio do bacilo de Hansen.<br />
Essa hipótese não é recente. Já em 1910, WILLIAMS, já citado a<br />
propósito <strong>da</strong> cultura de difteróides e cromogênicos na lepra, admitia que a<br />
causa <strong>da</strong> moléstia era um “streptothrix” muito pleomorfo que podia<br />
apresentar formas bacilares ácido-resistentes e difteróides não ácidoresistentes,<br />
em meios artificiais de cultura. Colaborando com LISTON,<br />
reafirmou
– 212 –<br />
WILLIAMS o seu ponto de vista, após ter cultivado um “streptothrix” de<br />
um baço leproso, de aspecto semelhante ao germe isolado por ROST e<br />
DEYCKE, apresentando igualmente variações de morfologia, coloração e<br />
desenvolvimento.<br />
BAYON obteve, como vimos, difteróides que se transformaram em<br />
bactérias ácido-resistentes em meio de ôvo ou por inoculação em animais,<br />
e era favorável à hipótese do “streptothrix” pleomorfo como causa <strong>da</strong><br />
lepra. Também JOHNSTON (209) crê que o bacilo de Hansen é apenas um<br />
estádio bacilar, ácido-resistente, no ciclo vital de um “streptothrix” muito<br />
pleomorfo e estabeleceu mesmo uma classificação <strong>da</strong>s fases morfológicas<br />
do bacilo <strong>da</strong> lepra; o tipo clássico, o tipo segmentado ou degenerativo<br />
incluindo os granulosos, o tipo sólido, curto ou longo, e o tipo<br />
“streptothrix” ou nocardial.<br />
Após muitos estudos especializados, declarou KEDROWSKY (1928)<br />
(218) que o bacilo de Hansen, como o de Koch, podia ser ácido-resistente<br />
ou não, quer no tecido quer nos meios de cultura; e que o bacilo <strong>da</strong> lepra<br />
pertence ao grupo de micro-organismos do tipo “streptothrix”.<br />
Sabe-se aliás que os meios à base de ôvo podem conferir a ácidoresistência<br />
a tipos de Actinomy ces ácidosensíveis. GIORDANO também<br />
abraçou essa hipótese.<br />
WALKER leva a questão a um ponto ain<strong>da</strong> mais revolucionário.<br />
Para êle as bactérias cocóides, difteróides e actinomicoides ácidosensíveis<br />
ou parcialmente ácido-resistentes freqüentemente cultiva<strong>da</strong>s de<br />
lesões lepróticas não passariam de etapas do ciclo vital de um<br />
Actinomyces, e que êste, segundo considerações bacteriológicas gerais e<br />
epidemiológicas <strong>da</strong> lepra, poderia provir do solo; de fato, de 50 amostras<br />
de terra em Hawaii, 49 apresentavam bácilos ácido-resistentes<br />
facultativos e pleomorfos, cocos, formas filamentosas, o que WALKER<br />
considera os próprios agentes <strong>da</strong> lepra, por contaminação de feri<strong>da</strong>s e<br />
a<strong>da</strong>ptação ao meio orgânico.<br />
Recentemente, KEDROWSYY (216) chega a afirmar que há uma<br />
relação genética estreita entre os Actinomyces e os difteróides, que os<br />
bacilos de Hansen e de Koch são de origem micótica, podendo mesmo<br />
reverter a êsse tipo primitivo, mais estável, quando em meio exterior ao<br />
organismo.<br />
Poder-se-ia objetar que os ácido-resistentes seguramente saprófitos<br />
produzem colônias cora<strong>da</strong>s idênticas às <strong>da</strong>s bactérias cromógenas isola<strong>da</strong>s<br />
<strong>da</strong> lepra, e que estas podem não passar igualmente de germes banais; os<br />
defensores <strong>da</strong> hipótese em estudo replicariam com os estudos de WIMN,<br />
PE-
– 213 –<br />
TROFF e outros, demonstrando variantes cromogênicas do bacilo de Koch.<br />
Não sabemos como responderiam os partidários desta hipótese à<br />
demonstração de que os bacilos cultivados não dão as reações típicas <strong>da</strong><br />
lepromina, como se demonstrou, mas é provável que argumentem dizendo<br />
que não se pode esperar de germes cultivados as mesmas características<br />
químicas e biológicas (alérgicas) que o bacilo em parasitismo.<br />
Os trabalhos recentes realizados por VAUDREMER, SEZARY e BRUN<br />
e repetidos por vários pesquisadores, são, como vimos francamente<br />
favoráveis à existência de um ciclo evolutivo do bacilo de Hansen com<br />
fases de aspectos morfológicos e característicos tintoriais totalmente<br />
diversos dos encontrados no bacilo ácido-resistente dos tecidos. Não<br />
conhecemos estudos de alergia feitos com essas amostras cultiva<strong>da</strong>s.<br />
2.º – As amostras obti<strong>da</strong>s não são em geral culturas do bacilo de<br />
Hansen mas apenas resultado de, contaminação<br />
bacteriana.<br />
A extrema diversi<strong>da</strong>de de aspectos macro e microscópicos <strong>da</strong>s<br />
culturas obti<strong>da</strong>s está a sugerir que nenhuma delas é seguramente a do<br />
bacilo de Hansen. A hipótese do “ciclo vital”, não demonstra<strong>da</strong>, é<br />
tecnicamente admis sivel, mas não se pode compreender porque falham as<br />
tentativas de muitos autores na maioria dos casos, nem porque, entre os<br />
sucessos, ca<strong>da</strong> pesquisador encontra um tipo próprio de cultura.<br />
A explicação de tão diversos achados culturais é a contaminação<br />
na manipulação, ou mais provàvelmente, na colheita de material,<br />
sabendo-se que a pele é um habitat natural de numerosas espécies<br />
saprófitas e contaminantes; os organismos difteróides são saprófitos <strong>da</strong>s<br />
mucosas normais, <strong>da</strong>s superfícies ulcera<strong>da</strong>s e de tô<strong>da</strong> a espécie de lesão<br />
cutânea. Os próprios tecidos fechados, como os gânglios linfáticos,<br />
podem abrigar formas bacilares inertes (bactérias microaerofílicas) e que<br />
só são descobertas por ocasião de um exame de qualquer outra natureza.<br />
Lembramos a observação de SATO e Sato referindo bacilos de Koch<br />
cultivados de material lepromatoso, e . a de SAENZ (409) que estudou as<br />
características microscópicas culturais a alérgicas do bacilo isolado por<br />
LLERAS ACOSTA do sangue leproso, identificando-o ao para-tuberculoso<br />
saprófito.<br />
MC KINLEY afirma com ênfase que “grande parte dos primeiros<br />
estudos sôbre a bacteriologia <strong>da</strong> lepra são confu-
– 214 –<br />
sos porque muitos pesquisadores estavam trabalhando inconcientemente<br />
com material contaminado e porque a esperança era até certo ponto mais<br />
alta que o são julgamento dos <strong>da</strong>dos experimentais”.<br />
Recor<strong>da</strong>-se a propósito que FRAZER e FLETCHER insistiam na<br />
máxima assepsia para a colheita do material a semear, para evitar a<br />
contaminação, causa que julgaram provável <strong>da</strong>s “contradições e<br />
pleomorfismo, fatos salientes nas recentes publicações sôbre o tema <strong>da</strong><br />
lepra”. De fato, em suas experiências, que consistiram em semeadura em<br />
373 meios diferentes, de material lepromatoso retirado com rigor asséptico,<br />
de 32 doentes, nem uma só vêz conseguiram qualquer<br />
crescimento bacteriano apesar <strong>da</strong> grande quanti<strong>da</strong>de de bacilos de Hansen<br />
existentes nas lesões.<br />
Os resultados hoje obtidos com as cuti-reações com antigenos de<br />
várias dessas culturas provam que nenhum dos germes assim<br />
experimentados era o ver<strong>da</strong>deiro bacilo de Hansen (vide “cuti-reações<br />
c/ácido-resistentes vários” no capítulo “Imunologia ” ) comportando-se<br />
pelo contrário, como os ácido-resistentes seguramente não patogênicos,<br />
cujos aspectos culturais são, de resto, muitas vezes idênticos.<br />
Referiremos na “conclusão” o que se pode pensar dos trabalhos de<br />
SOULE e MC KINLEY.<br />
3.º – As amostras obti<strong>da</strong>s não são culturas do bacilo <strong>da</strong> lepra<br />
mas de bactérias que se associam habitualmente ao bacilo<br />
de Hansen em seu parasitismo humano.<br />
Essa hipótese, muito ousa<strong>da</strong>, exigiria documentação favorável<br />
muito forte, o que está longe de suceder; a grande varie<strong>da</strong>de de bactérias<br />
obti<strong>da</strong>s e, inversamente, a dificul<strong>da</strong>de de qualquer cultura quando se<br />
tomam rigorosas precauções assépticas, parecem poder afastar essa<br />
suposição.<br />
Para TOPLEY & WILSON, G. S. (478) “ é lamentável que grande<br />
número de culturas de várias coleções tenha sido designa<strong>da</strong> como<br />
"Mycobacterium leprae” e que tanto trabalhe e material se tenha perdido<br />
estu<strong>da</strong>ndo as proprie<strong>da</strong>des dêsses assim chamados bacilos <strong>da</strong> lepra;<br />
muitas <strong>da</strong>s amostras são, sem dúvi<strong>da</strong>, de ácido-resistentes saprófitos e sua<br />
designação falsa só pode trazer confusões à literatura”.
– 215 –<br />
CONCLUSÃO<br />
De um modo geral, negam os bacteriologistas qualquer valor à<br />
grande maioria <strong>da</strong>s culturas obti<strong>da</strong>s por semeadura de material<br />
lepromatoso, mas tendem a encarar de um ponto de vista mais favorável<br />
as culturas não cromogênicas, de desenvolvimento exíguo e lento. De<br />
tô<strong>da</strong>s estas, as mais comumente aceitas como culturas do bacilo de<br />
Hansen, seriam as obti<strong>da</strong>s por SOULE e MC KINLEY, de que foi precursor<br />
WHERRY, e que se basearam no princípio <strong>da</strong> respiração bacteriana<br />
enunciado por NOVY e colaboradores.<br />
Embora tenham falhado as tentativas de repetição por parte de<br />
outros autores, parece que as culturas de SOULE e MC KINLEY<br />
representam o maior adiantamento na questão <strong>da</strong> cultivabili<strong>da</strong>de do bacilo<br />
de Hansen, a ponto de serem aceitas pelo autorizado Manual de Bergey<br />
sob a designação de “culturas de Mycobacterium leprae”. Como ficou<br />
dito, trata-se de colônias puntiformes, de crescimento muito lento,<br />
tendendo à degeneração em sub-culturas sucessivas.<br />
Torna-se assim bastante interessante passar êsses germes<br />
cultivados pela prova hoje exigi<strong>da</strong> por muitos autores, e que é a <strong>da</strong><br />
intradermo -reação com êsse material em comparação com a lepromina.<br />
Considerando a grande dificul<strong>da</strong>de que existe atualmente para<br />
estabelecer a identi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s bactérias cultiva<strong>da</strong>s, torna-se difícil, na<br />
reali<strong>da</strong>de, aceitar a natureza leprótica <strong>da</strong>s diversas culturas obti<strong>da</strong>s por<br />
semeadura de material rico em bacilos de Hansen; por outro lado, essa<br />
mesma dificul<strong>da</strong>de nos obriga a ser mais tolerantes com os resultados dos<br />
bacteriologistas de renome que vêm anunciando culturas positivas do<br />
bacilo <strong>da</strong> lepra, já que não temos elementos decisivos para impugná-las a<br />
tô<strong>da</strong>s.<br />
Sem querer admitir a vali<strong>da</strong>de de tô<strong>da</strong>s as anuncia<strong>da</strong>s “culturas”,<br />
que não passariam, de fato, de grande maioria de contaminações; e sem<br />
menosprezar a possibili<strong>da</strong>de de infeccão do meio por ácido-resistentes<br />
não patogênicos existentes no próprio organismo – não podemos deixar<br />
de pesar a importância do grande número de trabalhos favoráveis à<br />
existência de um ciclo vital do bacilo de Hansen, com fases de cultivo<br />
possível e talvez fácil, embora os estudos de cultura <strong>da</strong> lepra murina (v.<br />
adiante) sejam aparentemente contrários à hipótese dêsse ciclo.<br />
Embora na<strong>da</strong> esteja provado, não é totalmente descabi<strong>da</strong> a hipótese<br />
de que no meio exterior ao organismo o ba-
– 216 –<br />
cilo venha a perder sua ácido-resistência característica, e pode-se talvez<br />
supôr que as condições de tensão gasosa de SOULE e MC KINLEY, sejam<br />
um dos processos de conservar tanto a proprie<strong>da</strong>de tintorial como a típica<br />
lentidão do crescimento do germe. Há portanto, a nosso vêr, grande soma<br />
de trabalho experimental nêsse sentido, como por exemplo; combinar os<br />
processos de SOULE eMC KINLEY com o de VAUDREMER para apreciar a<br />
influência <strong>da</strong>s diversas condições ambientes sôbre as fases do “ciclo<br />
vital”.<br />
Acreditamos encerrar bem essa exposição sôbre a cultivabili<strong>da</strong>de<br />
do bacilo de Hansen reproduzindo lado a lado duas opiniões opostas – a<br />
vencedora no Congresso de Leprologia do Cairo, 1938, e o voto vencido<br />
de REENSTIERNA.<br />
“A maioria <strong>da</strong> sub-comissão sôbre o cultivo “in vitro” do<br />
Mycobacterium leprae, admite que muito tem sido feito para a cultura do<br />
bacilo de Hansen. O fato de não se ter podido, em geral, repetir os<br />
resultados anunciados por diversos autores, apesar de muitas tentativas,<br />
permite opinar que o problema do crescimento “in vitro” do agente<br />
causador <strong>da</strong> lepra não foi resolvido satisfatòriamente. A Comissão louva<br />
bem alto o trabalho de todos os que trilharam êsse caminho e recomen<strong>da</strong><br />
calorosamente a continuaçãão dessas pesquisas”.<br />
H. E. HASSELTINE; M. E. SOULE; K. E. BIRKHAUG. (181)<br />
“O abaixo assinado opina que o agente causador <strong>da</strong> lepra foi<br />
cultivado pelo prof. W. KEDROWSKY e poucos outros pesquisadores. E’<br />
urgente que a investigação nesse sentido seja anima<strong>da</strong> a prosseguir na<br />
trilha já aberta, e, por outro lado, a descobrir novas sen<strong>da</strong>s, mas sempre<br />
sem idéias preconcebi<strong>da</strong>s sôbre a ácido-resistência estrita <strong>da</strong>s diferentes<br />
formas bacterianas que ocorrem no material leproso, e que são, a meu ver,<br />
simples estádios degenerativos de um único fungo inferior”.<br />
J. REENSTIERNA. (378)
– 217 –<br />
ANEXO<br />
CULTURAS DE BACILOS ÁCIDO-ÁLCOOL-RESISTENTES ISOLADOS DE CASOS DE<br />
LEPRA DA COLEÇÃO DO INSTITUTO OSWALDO CRUZ, RIO DE JANEIRO<br />
(Laboratório do Dr. Souza Araujo)<br />
Proveniência<br />
509 Mycobacterium leprae, Kedrowsky Lister Institute, London<br />
510 " " Rost-Williams " " "<br />
511 " " Nabarro-Bayon " " "<br />
512 " " Clegg I " " "<br />
513 " " Clegg II " " "<br />
514 " " Duval " " "<br />
515 " " Levy (Kraus) " " "<br />
516 " " Brinckerhoff I " " "<br />
517 " " Brinckerhoff II " " "<br />
518 " " Lepra 18 " " "<br />
519 " " Barry " " "<br />
520 " " Reenstierna " " "<br />
521 " " Currie " " "<br />
522 " " Elly " " "<br />
361 " " Needham Nat. Health Inst. Washington<br />
362 " " H. (1909/11) " " " "<br />
364 " " H. (1909/11) " " " "<br />
366 " " Rat I " " " "<br />
368 " " Rat McCOY " " " "<br />
370 " " H. (1909/11) " " " "<br />
Streptothrix leproides, Deycke – Inst. Higiene S. Paulo.<br />
Mycobacterium leprae, Lleras Acosta I, Bogotá.<br />
" " " " II,<br />
" " " " III, IV<br />
" " Medullo-Lleras, Bogotá<br />
" " Migone, I, II, III, Assunção, Paraguai.<br />
Culturas recentemente isola<strong>da</strong>s <strong>da</strong> lepra humana por SOUZA ARAUJO<br />
AMOSTRA "SOUZA ARAUJO I" – Bacilo ácido resistente isolado de pós, lesão fecha<strong>da</strong><br />
(caso L2 não tratado). Vide "Memórias do Instituto Oswaldo Cruz", tomo 37<br />
(1942), 29, 34.<br />
AMOSTRA "SOUZA ARAUJO I" – A mesma cultura acima (retrocultura de cobaio).<br />
AMOSTRA "SOUZA ARAUJO II" – Bacilo ácido-resistente isolado do carrapato<br />
(Amblyoma cajannense) experimentalmente infectado em homem leproso.<br />
AMOSTRA "SOUZA ARAUJO III" – Bacilo ácido-resistente isolado do carrapato (A.<br />
cajannense) experimentalmente infectado em homem leproso.<br />
AMOSTRA "SOUZA ARAUJO IV" – Bacilo ácido-resistente isolado do carrapato (Boophilus<br />
micropulus) experimentalmente infectado em homem leproso.<br />
AMOSTRA "SOUZA ARAUJO V" – Bacilo ácido-resistente isolado do carrapato (B.<br />
microplus) experimentalmente infectado em homem leproso. Vide "Mem. Inst.<br />
Oswaldo Cruz", tomo 37 (1942), 413-425.<br />
AMOSTRA "SOUZA ARAUJO VI" – Bacilo a.a. resistente isolado de larva de Triatoma<br />
infestans infectado em doente".
CAPÍTULO III<br />
TENTATIVAS DE INOCULAÇÃO<br />
SUMÁRIO: Finali<strong>da</strong>des <strong>da</strong>s inoculações. Tentativas de<br />
infecção experimental no homem: DANIELSSEN, PROFETA,<br />
MOURITZ, LAGOUDAKY e outros. Tentativas de infecção<br />
experimental nos animais: a) cães, gatos e porcos; b)<br />
cobaio; c) macaco; d) rato e camondongo; e) "hamster";<br />
f) coelho; g) galináceos. Considerações gerais sôbre as<br />
tentativas de inoculação.<br />
FINALIDADES DAS INOCULAÇÕES<br />
A descoberta do bacilo <strong>da</strong> lepra por HANSEN, ocorreu numa<br />
época em que era nova a discussão sôbre o mecanismo de transmissão <strong>da</strong><br />
moléstia pelo contágio ou pela herança. Estabelecendo depois de alguns<br />
anos, que o bacilo evidenciado por aquele leprólogo era de fato o agente<br />
determinante <strong>da</strong> lepra, várias foram as tentativas de inoculação leva<strong>da</strong>s a<br />
efeito pelos anti-contagionistas, principalmente no homem, com o intuito<br />
de esclarecer a questão então reinante. O desejo de encontrar uma solução<br />
para êsse problema, levou alguns estudiosos a se inocularem com material<br />
leprótico. Soluciona<strong>da</strong> a discussão sôbre a contagiosi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> lepra, não<br />
pelos resultados <strong>da</strong>s experimentações – que resultaram negativas ou<br />
duvidosas – mas pelos <strong>da</strong>dos epidemiológicos, existiam dois motivos<br />
importantes que estimulavam os autores a conseguir um animal receptível<br />
ao bacilo de Hansen: um dêles era o desejo de se conseguir um recurso<br />
biológico para a comprovação de certos diagnósticos, e o outro era a<br />
necessi<strong>da</strong>de de se esclarecer a patogenia <strong>da</strong> moléstia.<br />
Sôbre a primeira finali<strong>da</strong>de dêsses estudos, procurava-se<br />
proporcionar aos especialistas um elemento biológico de diagnóstico,<br />
mediante inoculação de material suspeito num
– 219 –<br />
animal receptível, à semelhança do que ocorre, por exemplo, na<br />
tuberculose. Nesta infecção, quando a baciloscopia resulta negativa resta<br />
ain<strong>da</strong> ao médico a possibili<strong>da</strong>de de completar o seu exame, utilizando-se<br />
de métodos mais sensíveis como sejam a inoculação e a cultura. Os<br />
tisiologistas têm a felici<strong>da</strong>de de poder dispor de um animal, a cobaia,<br />
extremamente sensível ao bacilo <strong>da</strong> tuberculose, tanto do tipo humano<br />
quanto do tipo bovino; e essa susceptibili<strong>da</strong>de é tão grande, que DOERR<br />
e GOLD (1932) em pesquisas cui<strong>da</strong>dosas, “com o auxílio <strong>da</strong><br />
micromanipulação mostraram que um único bacilo é capaz de infectar a<br />
cobaia e produzir lesões típicas, embora, neste caso, a doença evolua<br />
muito lentamente e não tenha tendência para se generalizar”. (54)<br />
O outro objetivo que compelia os estudiosos a prosseguir em suas<br />
investigações era o desejo de esclarecer de maneira científica o que ain<strong>da</strong><br />
hoje constitue mistério na lepra: a comprovação do modo pelo qual se<br />
transmite essa moléstia.<br />
Destarte, acalentados pelo ideal de, com essas pesquisas, encontrar<br />
solução mais satisfatória para essas duas partes <strong>da</strong> leprologia, não<br />
esmoreceram os estudiosos e ain<strong>da</strong> persistem em suas investigações, que<br />
infelizmente não alcançaram o êxito esperado, e que podem ser resumi<strong>da</strong>s<br />
<strong>da</strong> seguinte maneira, estu<strong>da</strong>ndo-se a infecção experimental:<br />
1.° – no homem;<br />
2.° – nos animais:<br />
a) no cão, gatos e porcos,<br />
b) na cobaia,<br />
c) no macaco,<br />
d) no rato e camondongo,<br />
e) no hamster,<br />
f) no coelho,<br />
g) nos galináceos.<br />
Tanto no homem como nos animais foram utilizados fragmentos<br />
de leproma, que eram colocados sob a pele, ou eram triturados e<br />
suspensos em solução fisiológica, fazendo-se depois a inoculação, para o<br />
que se recorreu, nos animais, a várias vias e técnicas, segundo os<br />
experimentadores: 1.°) – escarificação <strong>da</strong> pele ou <strong>da</strong> mucosa nasal; 2.°) –<br />
Injeções intradérmicas e subcutâneas, nos troncos nervosos, na câmara<br />
anterior dos olhos, nos gânglios linfáticos e nos olhos. Assinale-se ain<strong>da</strong><br />
que as inoculações foram feitas não só com o material de lepromas como<br />
também com os germes obtidos em cultura e considerados como sendo o<br />
“M. leprae”.
– 220 –<br />
TENTATIVAS DE INFECÇÃO EXPERIMENTAL NO HOMEM<br />
No século passado foram feitas numerosas tentativas para<br />
conseguir a infecção experimental do homem – e o número total <strong>da</strong>s<br />
inoculações humanas sobe a cêrca de 150, visando pôr termo à discussão<br />
que naquela época dividia os estudiosos, e que girava em tôrno <strong>da</strong> questão<br />
de ser a lepra contagiosa ou não. Êsse estudo mostrará como é difícil a<br />
transmissão experimental <strong>da</strong> moléstia no homem doente ou são, a<br />
despeito de estar hoje sobejamente comprovado, pela epidemiologia, que<br />
a lepra se transmite de homem a homem pelo contágio.<br />
Confiante em suas concepções anti-contagionistas, DANIELSSEN<br />
inoculou-se diversas vezes, em 1844, 1856, 1857 e 1858, assim como a<br />
um médico, funcionário do hospital, um grupo de sifilíticos e outro de<br />
portadores de favus; ao todo, informa HANSEN que 17 pessoas, inclusive o<br />
próprio DANIELSSEN, foram inoculados com fragmentos de lepromas,<br />
sangue ou exsu<strong>da</strong>to pleural de doentes lepromatosos. Ajunte-se que eram<br />
adultas as pessoas que se prestaram às experimentações.<br />
Os resultados foram negativos, devendo notar-se que em uma <strong>da</strong>s<br />
suas auto-inoculações DANIELSSEN incluiu um nódulo no tecido celular<br />
subcutâneo do braço esquerdo, vindo porém a supurar o local <strong>da</strong> incisão,<br />
do que possívelmente teria resultado a eliminação do tecido leprótico.<br />
Êsse fato foi atribuido, por JEANSELME à falta de asepsia na pequena<br />
intervenção cirúrgica leva<strong>da</strong> a efeito para a inoculação.<br />
Foram igualmente negativas as tentativas de inoculação de<br />
PROFETA,MOURITZ e BARGILLI.<br />
Inoculação de PROFETA: em 1868 e 1884 tentou a infecção<br />
experimental de homens com resultados negativos. Na última série<br />
<strong>da</strong>s suas experimentações foram inocula<strong>da</strong>s 10 pessoas, entre as<br />
quais êle mesmo e outro médico, CAGNINA. Procedeu a inoculação<br />
escarificando a pele ou aplicando um vesicatório, após o que<br />
depositava pus de úlceras lepróticas ou sangue na superfície<br />
cutânea; em alguns injetou sangue obtido pela punção de tubercúlo<br />
ou nas regiões que eram sede de acentua<strong>da</strong> anestesia.<br />
Inoculações de MOURITZ: as tentativas de Mouritz foram<br />
feitas em 15 indivíduos de ambos os sexos, cuja i<strong>da</strong>de oscilava<br />
entre 20 e 39 anos, e trabalhavam nos
– 221 –<br />
hospitais há muito tempo; prestaram-se espontaneamente às<br />
experiências e mesmo pediam com insistência a Mouritz que lhes<br />
transmitisse a moléstia, a fim de adquirirem o mesmo direito dos<br />
leprosos. SOUZA ARAUJO, que refere essas inoculações, pergunta<br />
se o resultado negativo <strong>da</strong>s tentativas não poderia ser atribuido ao<br />
fato <strong>da</strong>quele autor ter trabalhado com pessoas imuniza<strong>da</strong>s contra a<br />
lepra.<br />
Inoculação que suscitou numerosos comentários entre os<br />
leprólogos foi a de ARNING, no sentenciado à morte Keanu, realizado em<br />
Honolulu (Hawaíí) e depois <strong>da</strong> qual veio a manifestar-se a moléstia, sob a<br />
forma lepromatosa.<br />
Verificado o satisfatório estado de saúde de Keanu, ARNING<br />
(cit. por JEANSELME, SOUZA ARAUJO, MARCHOUX) procedeu à<br />
inoculação friccionando pus de úlcera leprótica numa bôlha de<br />
vesicatório no braço direito e na orelha. Além disso, no antebraço<br />
esquerdo de Keanu foi feita incisão suficiente para abrigar um<br />
tubérculo recentemente surgido em menina portadora de forma<br />
lepromatosa grave e que tivera um surto febril.<br />
Acompanhando cui<strong>da</strong>dosamente o paciente, entre outros<br />
fatos observou-se o seguinte: 1.°) a metade superior do fragmento<br />
incluído sofreu processo de necrose, escoando-se o pus no qual<br />
foram evidenciados numerosíssimos bacilos <strong>da</strong> lepra, bem<br />
coráveis, isolados ou dispostos em globias. A cicatriz <strong>da</strong> incisão<br />
abriu-se no 35.° dia, assumindo aspecto crateriforme; a cura se<br />
registrou no fim do 3.° mês.<br />
2.º) no 29.° dia, o paciente queixava-se de dor na espádua<br />
e depois no braço esquerdo, sendo doloroso à pressão o plexo<br />
braquial dêsse mesmo lado;<br />
3.º) no 140.° dia surgiu um nódulo no ponto de<br />
inoculação, verificando-se, um mês mais tarde, que a sensibili<strong>da</strong>de<br />
estava conserva<strong>da</strong>; obti<strong>da</strong> serosi<strong>da</strong>de pela pica<strong>da</strong> do nódulo<br />
verificou-se que os bacilos <strong>da</strong> lepra eram muito abun<strong>da</strong>ntes.<br />
4.º) no 170.° dia o nervo cubital esquerdo estava muito<br />
espessado e doloroso; dores nas articulações do 1.° e 2.° dedos<br />
esquerdos;<br />
5.º) no 282.° dia desapareceu o nódulo, persistindo cicatriz<br />
queloidiana, a qual foi submeti<strong>da</strong> a exame histopatológico mais<br />
tarde, não se tendo observado tecido de granulação e tão pouco<br />
bacilos;
– 222 –<br />
6.º) passados 611 dias (6 de Junho de 1886) verificou-se<br />
que o braço esquerdo estava completamente indolor, sendo<br />
excelente o estado geral;<br />
7.º) interrompi<strong>da</strong> por motivo de fôrça maior a observação<br />
do paciente até 10 de Novembro de 1887, EMERSON examinou-o<br />
nessa ocasião, encontrando as orelhas e as faces eritematosas e<br />
espessa<strong>da</strong>s, com distúrbios de sensibili<strong>da</strong>de em alguns pontos.<br />
8.º) m 25 de Setembro de 1888, foi evidenciado por<br />
EMERSON e KIMBALL que KEANU era portador de lepra<br />
lepromatosa generaliza<strong>da</strong> a todo corpo. Em 5 de Fevereiro de 1889<br />
foi transferido para o leprosário de Molokai.<br />
Na inoculação leva<strong>da</strong> a efeito por ARNING, não há dúvi<strong>da</strong> alguma<br />
sôbre a ocorrência <strong>da</strong> lepra no sentenciado Keanu. No entanto, grande<br />
objeção foi ergui<strong>da</strong> contra o valor dessa experimentação pois chegou a<br />
ficar comprovado que êle tinha parentes doentes: o próprio filho adoecera<br />
alguns anos antes, um cunhado falecera doente, sendo que um primo e um<br />
sobrinho tinham contraído lepra. Acresce, ain<strong>da</strong>, que o guar<strong>da</strong> de sua<br />
prisão era doente há 20 anos.<br />
Nessas condições, teria Keanu adquirido a moléstia em virtude <strong>da</strong><br />
inoculação de ARNING ou agiu esta apenas como fator superveniente,<br />
favorecendo o desencadeamento <strong>da</strong> infecção que se protraia em estado de<br />
latência no organismo?<br />
Outras inoculações foram tenta<strong>da</strong>s ou referi<strong>da</strong>s (COFFIN,<br />
SEYFARTH, VEDDER), referindo MANALANG que se eleva a 145 o total de<br />
tentativas feitas com resultado negativo.<br />
Em contraste com êsses resultados, na literatura encontram-se<br />
freqüentes referências à inoculação acidental <strong>da</strong> lepra, por intermédio de<br />
escoriações ou incisões com objetos de uso de doentes, por exemplo com<br />
agulha e navalha que haviam sido utiliza<strong>da</strong>s por êstes. E’ ver<strong>da</strong>de que a<br />
maioria delas sofrem a mesma crítica oposta, por exemplo, à inoculação<br />
de ARNING e que consiste no seguinte: os indivíduos acidentalmente<br />
inoculados viviam em países onde a lepra era endêmica, sendo êles<br />
“comunicantes” diretos de doentes com os quais privavam. Nessa<br />
emergência, a moléstia poderia ter sido adquiri<strong>da</strong> anteriormente, pelo<br />
contágio direto, vindo o agente traumático a criar um “locus minoris<br />
resistentiae”, que possibilitaria a eclosão <strong>da</strong> infecção até então latente.<br />
Dentre os casos de inoculação acidental é demonstrativo o narrado<br />
recentemente por MARCHOUX, (278) em que um dos
– 223 –<br />
seus assistentes se feriu ocasionalmente com a agulha após uma biópsia<br />
de leproma, justamente quando se procurava suturar a incisão. Após um<br />
periodo de mais ou menos dez anos, surgiu anestesia térmica e uma<br />
mácula no ponto em que anos atrás se tinha verificado o involuntário<br />
ferimento.<br />
Este caso é particularmente interessante em virtude <strong>da</strong>s<br />
circunstâncias que o cercaram, de modo especial por se tratar de<br />
inoculação acidental ocorri<strong>da</strong> na França, onde mesmo os casos<br />
importados do estrangeiro só excepcionalmente transmitem a moléstia aos<br />
franceses; é conhecido mesmo, nesse particular, que cêrca de 200 leprosos<br />
vivem em Paris, sem que haja propagação epidêmica <strong>da</strong> moléstia. O caso<br />
de MARCHOUX, embora seja conseqüente a uma inoculação acidental, não<br />
deixa de ser muito interessante e demonstrativo, deixando entrever a<br />
possibili<strong>da</strong>de de se conseguir, no homem, inoculação experimental<br />
positiva.<br />
No Congresso Internacional de Lepra, realizado no Cairo, em<br />
1938, LAGOUDAKY (230) refere os resultados de sua auto-inoculação, em<br />
que lhe fôra injetado, por via muscular, em segui<strong>da</strong> pela venosa, sangue<br />
tomado do antebraço de um doente de lepra. Após a inoculação venosa de<br />
9 gr. de sangue esteve febril e um mês após sentiu dôr no grande artelho<br />
direito, posteriormente, surgiram alguns lepromas e máculas eritematosas,<br />
anestésicas. Cinco meses após a primeira inoculação começou o<br />
tratamento, à insistência dos colegas.<br />
Embora não tenha sido positiva a tentativa de MARIANI (288) é<br />
interessante mencionar a observação que êle fez:<br />
Em um indivíduo com cêrca de 60 anos, que apresentava<br />
um epitelioma na face injetou por via intradérmica, material<br />
ricamente bacilífero obtido de leproma”... Seis meses depois <strong>da</strong><br />
inoculação com o material leproso virulento e apesar <strong>da</strong> passagem<br />
segura do germe na circulação linfática (achado positivo nos<br />
gânglios linfáticos depois de mais de três meses) faltou a<br />
demonstração não só <strong>da</strong> generalização <strong>da</strong> infecção mas também do<br />
real desenvolvimento “in loco” <strong>da</strong> própria infecção, não tendo sido<br />
evidencia<strong>da</strong> nem a estrutura típica histológica e bacteriológica do<br />
leproma cutâneo nem a invasão bacilar ativa por meio do exame<br />
direto no sangue ou <strong>da</strong>s pesquisas sorológicas. Demonstrou-se, no<br />
mesmo indivíduo, uma particular alergia frente ao material<br />
leproso, alergia essa que se estabeleceu alguns meses após a<br />
inoculação; a emulsão
– 224 –<br />
antiformínica, inativa num primeiro tempo, provocou em um<br />
segundo período, intensa e duradoura reação local, de estrutura<br />
tuberculoide”.<br />
TENTATIVAS DE INFECÇÃO EXPERIMENTAL NOS ANIMAIS<br />
De acordo com MC KINLEY, logo após a descoberta do bacilo <strong>da</strong><br />
lepra começaram a ser feitas as tentativas para a transmissão <strong>da</strong> moléstia a<br />
animais com material procedente de doentes de lepra, tendo sido<br />
HANSEN um dos primeiros a iniciar essas pesquisas.<br />
a) Cães, gatos e porcos: NEISSER fêz a inoculação em cinco<br />
cães e em um dêles, que morreu 82 dias após, desenvolveu-se um nódulo<br />
no ponto em que inoculara o material infectante.<br />
Resultaram negativas as tentativas de ARNING e HANSEN (cit. por<br />
MC KINLEY) realiza<strong>da</strong>s, respectivamente, em porcos e gatos. DAMSCH<br />
(cit. por MARCHOUX) “teria visto produzir um desenvolvimento no<br />
peritôneo do gato”. De acôrdo com MARCHOUX “trata-se sem dúvi<strong>da</strong> de<br />
disseminação e de conservação dos germes nas células fagocitárias do<br />
animal inoculado”.<br />
b) Na cobaia: Em 1882, KÖBNER tentou inocular cobaias, as<br />
quais, nas inoculações de IWANOW receberam fragmentos de lepromas no<br />
peritôneo; êste último autor admitiu que os bacilos se multiplicam no<br />
organismo <strong>da</strong> cobaia, sendo destruidos pelos macrófagos com o correr dos<br />
meses, podendo nêsse interim, penetrar nos órgãos interiores. Em 1928-<br />
1929, SOUZA ARAUJO (446) “confirmou as verificações de IWANOW; para<br />
êle o cobaio é o pior animal de laboratório, para estudo <strong>da</strong> lepra<br />
(447)<br />
experimental”. Em outro trabalho êsse mesmo autor refere ter<br />
encontrado bacilos em alta percentagem de cobaias inocula<strong>da</strong>s, tendo<br />
porém observado uma provável multiplicação dos bacilos sómente em um<br />
caso.<br />
Juntamente com VEDDER, diz MC KINLEY ter procurado<br />
determinar “lesões mais progressivas nos animais de laboratório”.<br />
“Considerando a química do grupo ácido-resistente, ocorreu-nos que a<br />
infecção poderia ser facilita<strong>da</strong> se se proporcionasse aos tecidos dos<br />
animais abun<strong>da</strong>nte material lipídico, seguindo a NEGRE em seu trabalho<br />
sôbre a tuberculose.
ASPECTOS DE CULTURAS DE BACTÉRIAS ISOLADAS DA LEPRA HUMANA<br />
(Coleção Souza Araujo, Inst. Oswaldo Cruz)<br />
1 – L. 18; 2 – Rat Mc Coy; 3 – Elly.<br />
1 - 2 – Maciel; 3 - 4 – Rabinowitsch; 5 - 6 – Acosta.<br />
1 – Levy; 2 – Brinckerhoff; – Williams.
ASPECTOS DE CULTURAS DE BACTÉRIAS ISOLADAS DA LEPRA HUMANA<br />
(Coleção Souza Araujo, Inst. Oswaldo Cruz)<br />
1 – Cult. B 35, Washinton; 2 – Cult. 361, Needham;<br />
3 – Cult. 362, Honolulu.<br />
Culturas de lepromas em gelose, 5 dias. Cultura de sangue<br />
de rato e medula de<br />
macaco, 5 dias.
– 225 –<br />
De acôrdo com essa orientação temos extraído material lipídico de<br />
diversos tecidos de cobaia, por uma misture de água, acetona, seguindo-se<br />
a destilação <strong>da</strong> acetona e a esterilização dos lipídeos. Então as cobaias<br />
receberam subcutâneamente, na região inguinal, 5 cc. de suspensão de<br />
lipideos e o “M. leprae” foi introduzido subcutâneamente na região<br />
inguinal oposta. Dêste processo resultaram, em alguns, lesões niti<strong>da</strong>mente<br />
ulcerativas, nas quais se podia encontrar os bacilos acido-resistentes e, em<br />
alguns casos estas lesões foram muito progressivas”.<br />
c) Macacos: As tentativas de KÖBNER,HANSEN,THIN e TEDESCHI<br />
não obtiveram êxito. MARCHOUX, que os cita, trabalhando em<br />
colaboração com BOURRET, refere ter “inserido um fragmento de<br />
leproma, recolhido assépticamente, na pele <strong>da</strong> orelha de um macaco.<br />
Formou-se pequeno nódulo no ponto de inoculação e nos cortes<br />
verificaram que os bacilos tinham sido fagocitados pelos leucócitos do<br />
macaco, não tendo observado multiplicação segura dos mesmos”.<br />
NICOLLE (325) foi o primeiro a obter inoculações positivas em<br />
macaco notando o aparecimento de nódulos subcutâneos que tinham<br />
muita analogia com os lepromas do homem, dos quais se diferenciavam<br />
por uma riqueza de bacilos e por uma tendência rápi<strong>da</strong> à regressão.<br />
Juntamente com BLAIZOT (326/327) observou que os macacos inoculados<br />
com produtos lepróticos, adquirem receptivi<strong>da</strong>de ca<strong>da</strong> vez maior à. lepra<br />
pela repetição <strong>da</strong>s inoculações virulentas. Este estado receptivo traduz-se<br />
pela diminuição do período de incubação e pela maior duração <strong>da</strong>s lesões<br />
produzi<strong>da</strong>s. Verificaram ain<strong>da</strong> que para obter resultados positivos é<br />
necessário “produtos ricos de bacilos jovens”.<br />
Os estudos de NICOLLE foram confirmados por muitos autores,<br />
REENSTIERNA, SOUZA ARAUJO, ROFFO, (378/385) BRADLEY, FRANCHINI e<br />
outros, sendo que ROFFO admite serem as diferentes raças de macacos<br />
desigualmente receptiveis à infecção; em particular os macacos africanos<br />
“Erythrocebus pata” pareceu-lhe que são pouco ou na<strong>da</strong> receptivos à<br />
lepra. SHIGA (cit. por SOUZA ARAUJO), inoculou emulsão de leproma na<br />
câmara anterior do ôlho, observando depois 3 pequenos nódulos<br />
sôbre a iris.<br />
Os trabalhos de SOULE e Mc KINLEY trouxeram importante<br />
contribuição ao assunto, tendo conseguido inoculações<br />
F. 15
– 226 –<br />
positivas em elevado número de macacos, utilizando-se <strong>da</strong> via<br />
intradérmica.<br />
MC KINLEY resume os resultados <strong>da</strong>s suas experimentações<br />
com SOULE, <strong>da</strong> seguinte maneira:<br />
“Inoculações com material nodular: Tentativas anteriores<br />
tinham sido leva<strong>da</strong>s a efeito para inocular macacos, coelhos e<br />
cobaias utilizando suspensão de nódulos leprosos introduzidos por<br />
várias vias, entre elas a intra-testicular, a intra-peritoneal e a intracerebral.<br />
Tendo alguns investigadores demonstrado que nos<br />
macacos é promissora a via intradérmica, inoculamos 8 “ M. rhesus ”<br />
e 5 “ C. olivaceus ” desta maneira, acima <strong>da</strong> pálpebra, com uma<br />
mistura de suspensões distintas de nódulos que tinham sido<br />
utilizados para as experiências de cultura descritas. Em todos os<br />
macacos, com exceção de um, desenvolveram-se lesões<br />
granulomatosas nodulares em 18 a 20 dias. Os nódulos eram<br />
firmes e vermelhos, sem tendência ao amolecimento, embora um<br />
dêles se tenha ulcerado (trauma) uma semana mais tarde.<br />
Extirparam-se vários nódulos, parte dos quais foram usados<br />
para cortes e o resto para culturas. Os esfregaços mostravam<br />
numerosos bacilos ácido-resistentes.<br />
Mais três macacos foram inoculados <strong>da</strong> mesma maneira,<br />
com a emulsão de urna parte de um nódulo contendo relativamente<br />
poucos bacilos ácido-resistentes; em nenhum dêles se<br />
desenvolveram lesões. Deve dizer-se, em conexão com esta<br />
aparente resistência à infecção que a evolução dos bacilos não foi<br />
maciça como no primeiro lote de animais.<br />
Inoculações com micróbios de culturas: Depois que se<br />
obtiveram colônias nas culturas, inocularam-se, sob as pálpebras,<br />
10 macacos “ M. rhesus ” e 7 “C. olivaceus ” , com 0,5 cc. de uma<br />
suspensão combina<strong>da</strong> de bacilos provenientes de culturas e<br />
também se inocularam intra-peritonealmente cobaias para excluir o<br />
M. tuberculosis. No prazo de uma a duas semanas, em 5 macacos<br />
de ca<strong>da</strong> espécie desenvolveram-se nódulos firmes, duros e um<br />
tanto avermelhados, cujas dimensões variavam até 1 cm. de<br />
diâmetro e tendiam a regredir ràpi<strong>da</strong>mente depois <strong>da</strong> terceira ou<br />
quarta semana...
– 227 –<br />
A despeito de se dever considerar como precoces as lesões<br />
produzi<strong>da</strong>s nestes macacos, acreditamos que êles constituem<br />
defini<strong>da</strong> evidência <strong>da</strong> transmissão experimental <strong>da</strong> infecção,<br />
especialmente desde que não surgiram quaisquer lesões nos<br />
animais de contrôle inoculados com diversas substâncias”.<br />
d) No rato e camondongo : MUIR e HENDERSON, e GOUGEROT<br />
que os cita, não foram felizes em suas tentativas, sendo que êste último<br />
autor diz ter tentado todos os processos e tô<strong>da</strong>s as vias (epiderme,<br />
hipoderma, mucosa, ôlho, testículo, peritôneo, veia e mesmo nervos<br />
periféricos).<br />
Inoculando emulsão leprótica em ratos, por via intra-dérmica,<br />
FRANCHINI observou em um dêles pequenos nódulos descamados nas<br />
serosas e alças intestinais, nos quais se evidenciou pequena quanti<strong>da</strong>de de<br />
bacilos a. a. resistentes isolados ou dispostos em feixes, não granulosos.<br />
SOUZA ARAUJO (448) conclui de seus trabalhos que a inoculação por<br />
via intra-peritoneal, de emulsão de lepromas em camondongo branco,<br />
produz ora uma infecção generaliza<strong>da</strong>, ora infecção acompanha<strong>da</strong> de<br />
tumor, de microabcessos ou de nódulos dérmicos, nos quais a presença de<br />
globias indica franca multiplicação do bacilo de Hansen. É de opinião que<br />
os camondongos são muito mais susceptíveis que os ratos brancos, os<br />
quais, porém, poderão ser infectados pela inoculação com material<br />
procedente de suco ganglionar de doente de lepra. Afirma ain<strong>da</strong> SOUZA<br />
ARAUJO ter confirmado o conclusão de SUGAI de que os ratos não são<br />
muito próprios para as exp eriências com lepra humana. A inoculação de<br />
lepromas humanos em ratos foi tenta<strong>da</strong> também por JORDAN (212)<br />
inoculando lepromas recentemente excisados em ratos brancos. Sòmente<br />
duas vêzes conseguiram “obter a formação de um tumor localizado no<br />
ponto de inoculação (intracutânea) após uma incubação de 1 1/4 e 1 1/2<br />
anos. Em esfregaço dêstes tumores, encontraram abun<strong>da</strong>ntes bacilos<br />
ácido-resistentes isolados ou em globias. A estrutura histológica do tumor<br />
mostrou um granuloma de linfócitos e células epitelióides, com<br />
predominância destas últimas (tipo sarcóide de Boeck) estrutura que<br />
também se encontra no homem em certos casos de lepra tuberculóide”.<br />
Tivemos oportuni<strong>da</strong>de de fazer uma tentativa de repetição <strong>da</strong>s<br />
experiências de JORDAN, injetando o material lepromatoso em 8 ratos<br />
brancos, em um apenas dos quais se pôde observar algo digno de nota. No<br />
ponto inoculado formou-se uma pequena elevação, que aumentou de<br />
tamanho até atin-
– 228 –<br />
gir as dimensões de meia ervilha, dentro de 4 meses, estabilizando-se<br />
então. Aos 8 meses retiramos material para biópsia sendo o seguinte o<br />
relatório enviado por BÜNGELER.<br />
Pequeno foco de necrose caseosa bem delimitado dos<br />
tecidos circunvizinhos por uma cápsula de tecido conjuntivo<br />
proliferado, contendo no seu interior depósitos de cálcio (início de<br />
calcificação central) e grande quanti<strong>da</strong>de de bacilos álcool-ácidoresistentes.<br />
Em outro fragmento do mesmo material observou: Além de<br />
formação análoga à anterior, apresenta em alguns pontos pequenas<br />
infiltrações inflamatórias crônicas constituí<strong>da</strong>s principalmente por<br />
linfócitos e de caráter inespecífico, bem como exsu<strong>da</strong>ção fibrinosa<br />
recente em alguns pontos. (9-5-1938).<br />
Sacrificamos o animal aos 11 meses <strong>da</strong> inoculação na<strong>da</strong> se<br />
observando de interessante para o lado dos órgãos internos.<br />
Anotemos ain<strong>da</strong> que SHIGA (cit. por SOUZA ARAUJO) inoculou<br />
emulsão de lepromas no cérebro de mil camondongos, obtendo resultado<br />
positivo uma única vez, quando observou lesões viscerais carrega<strong>da</strong>s de<br />
bacilos, em grandes massas.<br />
e) No “hamster”: ADLER (1937) (cit. por BIER) e BURNET (78)<br />
verificaram que a inoculação de fragmentos de leproma no tecido<br />
subcutâneo de “hamsters” sírios (“Cricetus auratus”) esplenectomizados<br />
ou não, determina após cêrca de dois meses, a formação de um nódulo<br />
rico em bacilos e, bem assim, a generalização do processo infeccioso<br />
evidenciado por esfregaços do baço, fígado, gânglios, rins, etc. Acha<br />
BURNET que o “ hamster ” é receptivo para a lepra humana e que uma<br />
técnica perfeita deverá tornar constante esta receptivi<strong>da</strong>de.<br />
SOUZA ARAUJO (450) confirmou estas verificações numa outra<br />
espécie de “ hamster ” (Cricetus cricetus), verificando abun<strong>da</strong>nte bacilemia<br />
nos animais sacrificados dois meses aproxima<strong>da</strong>mente após a inoculação<br />
de uma emulsão de leproma.<br />
f) No coelho: Foram feitas inoculações na câmara anterior do<br />
ôlho, parecendo que DAMSCH (1883) foi o primeiro experimentador a<br />
aplicar esta técnica ao estudo <strong>da</strong> transmissão <strong>da</strong> lepra. Antes dêsse autor<br />
resultaram negativas as tentativas de NEISSER e KÖRNER (cit. SOUZA<br />
ARAUJO).
– 229 –<br />
Outros autores usaram essa mesma via de inoculação, VOSSIUS,<br />
MELCHER e ORTMAN (Cit. SOUZA ARAUJO), sendo interessante referir as<br />
pesquisas de STANZIALE (463). Tentou êle transmitir a lepra pela injeção<br />
ocular, sendo os resultados diferentes segundo o material era uma<br />
suspensão de bacilos em solução fisiológica ou fragmentos de leproma.<br />
Com efeito, “a inoculação com a suspensão de bacilos foi<br />
constantemente negativa, não só na câmara anterior do ôlho, mas também<br />
no tecido subconjuntival, através do “limbus” e através <strong>da</strong> córnea”.<br />
“Ao invés, a inoculação de fragmentos de tecido leprótico humano<br />
na câmara anterior, determina sempre o desenvolvimento de lesões<br />
anátomo -patológicas, caracteriza<strong>da</strong>s por neoformações granulomatosas e<br />
a pesquisa do bacilo de Hansen nestes casos foi sempre negativa...”.<br />
Também SERRA (429) e Naar (cit. por SOUZA ARAUJO) observaram<br />
lesões experimentais no ôlho de coelho. As inoculações por via venosa de<br />
BANCIU (32) não surtiram resultado. TANIKURA e SAKURANE (cit. por<br />
SOUZA ARAUJO) inseriram fragmentos de lepromas no cérebro e rins de<br />
coelhos, concluindo que “os bacilos <strong>da</strong> lepra parecem não poder se<br />
cultivar no cérebro e rins”. Ajuntemos, por fim, que KEDROWSKY (cit. por<br />
MC KINLEY) utilizando-se <strong>da</strong> cultura que obteve, refere ter conseguido<br />
produzir em coelhos granulomas que 8 meses depois <strong>da</strong> inoculação<br />
continham bacilos ácido-resistentes.<br />
g) Nos galináceos: Em 1938, no Congresso do Cáiro, OTA e SATO<br />
(339) referem os resultados <strong>da</strong> inoculação <strong>da</strong> lepra humana e dos ratos nas<br />
aves, assinalando as lesões que surgiram em vários órgãos.<br />
Em 1941, juntamente com MAKANO, o próprio OTA (418) observou<br />
que, coloca<strong>da</strong>s em deficiências de vitaminas, as galinhas submeti<strong>da</strong>s à<br />
inoculação apresentam lesões no peritôneo e mesentério, as quais<br />
consistem histològicamente em linfócitos, leucócitos, polímorfonucleares,<br />
macrófagos e eosinófilos. Estas lesões mostram pronuncia<strong>da</strong> tendência à<br />
necrose, mas nas mesmas os bacilos não foram evidenciados.<br />
EXPERIÊNCIAS MAIS RECENTES EM MACACOS<br />
Considerando o papel de defesa do sistema retículo-endotelial,<br />
COCHRANE, PANDIT e MENON (105) procuram reduzi-la retirando o baço de<br />
macacos e inoculando-os a seguir com material de lepra humana, por<br />
inserção no mesentério
– 230 –<br />
de nódulo do caso lepromatoso. Em alguns casos observaram sintomas de<br />
generalização <strong>da</strong> moléstia, principalmente nos animais que receberam o<br />
inóculo dois meses antes <strong>da</strong> esplenectomia e que eram reinoculados por<br />
ocasião desta intervenção. Tendo notado também variações no<br />
comportamento posterior dos diversos macacos à inoculação, perguntam<br />
os autores se não haveria já uma predisposição de certos animais, anterior<br />
à esplenectomia.<br />
COLLIER (107) , baseiando-se na teoria de OBERDOERFFER sôbre a<br />
predisposição humana à lepra por lesões <strong>da</strong>s cápsulas suprarrenais,<br />
procura determinar tais lesões em macacos alimentando-os de plantas<br />
sapotóxicas (“puak” <strong>da</strong> Tailândia). Inoculando macacos assim preparados,<br />
com material de lepra humana, observou após 6 meses, que tô<strong>da</strong>s as<br />
quatro fêmeas apresentavam diversos sintomas gerais de lepra, como<br />
nódulos cutâneos e abcessos com bacilos ácido-resistentes, pigmentação<br />
cutânea e até mesmo espessamento do nervo cubital. Também observou<br />
resultado positivo em um macho cuja ração de “puak” tinha sido<br />
reforça<strong>da</strong> por injeções de sapotoxina; os animais de contrôle não<br />
preparados resistiram à infeccão.<br />
CONSIDERAÇÕES GERAIS SÔBRE AS TENTATIVAS DE<br />
INOCULAÇÃO<br />
De um modo geral dos estudos apresentados não se pode chegar a<br />
uma conclusão satisfatória quanto à possibili<strong>da</strong>de de transmitir a lepra<br />
humana aos animais. Deve-se anotar que com o mesmo animal e com a<br />
mesma técnica, os resultados variam, às vêzes consideràvelmente, de<br />
autor para autor.<br />
Outra consideração a ser feita é a que diz respeito à possibili<strong>da</strong>de<br />
de se produzirem lesões idênticas com a injeção de material lepromatoso<br />
esterilizado, como se depreende dos estudos com a lepromina realizados<br />
por RODRIGUEZ e por WADE em diversos animais (vide “Imuni<strong>da</strong>de e<br />
alergia”).<br />
Referindo-se ao fato de que as lesões produzi<strong>da</strong>s pelo inóculo se<br />
curavam espontâneamente, MC KINLEY julga que será necessário<br />
conseguir-se não as lesões temporárias, obti<strong>da</strong>s até agora, mas sim lesões<br />
características progressivas como as que se vêm na infecção natural do<br />
homem.<br />
Cumpre destacar entre as investigações mais recentes e que se<br />
apresentam promissoras, as que estão sendo realiza-
– 231 –<br />
<strong>da</strong>s no “hamster”, nos galináceos, e em animais esplenectomizados e<br />
tratados pelas sapotoxinas.<br />
É nas tentativas de infecção experimental do homem que os<br />
estudos recentes de imuni<strong>da</strong>de permitem apreciações de maior interêsse<br />
quanto aos seus resultados.<br />
É sabido que na determinação de uma infecção entram em jôgo<br />
dois fatôres primordiais, de um lado o bacilo e de outro o organismo<br />
receptor. Sôbre o primeiro, podemos dizer que nem sempre fôra<br />
empregado o material mais adequado, isto é, rico de bacilos, o que<br />
diminui o valor de certo número de tentativas, nas quais se empregaram<br />
sangue e líquido pleural. Quanto ao segundo fator, referente ao organismo<br />
receptor, vemos que êle não merecera a atenção que hoje em dia suscita<br />
em segui<strong>da</strong> ao estudo dos fenômenos imunitários em relação com a<br />
lepromino-reação.<br />
Sem entrar em pormenores sôbre êste assunto, que será<br />
minuciosamente considerado noutro capítulo, podemos adiantar que a<br />
lepromino-reação consiste na injeção intradérmica de material<br />
lepromatoso esterilizado, rico de bacilos de Hansen, ao qual o organismo<br />
pode reagir positivamente, com a formação de um nódulo,<br />
freqüentemente sujeito a supuração, o que traduz um alto índice de<br />
resistência à infecção.<br />
Os casos de inoculação no homem se referiram em geral a<br />
indivíduos que não adoeceram mesmo ao contacto natural prolongado<br />
com a moléstia (DANIELSSEN e colaboradores, e outros) e nos quais<br />
podemos suspeitar <strong>da</strong> existência de um grau elevado de resistência à<br />
infecção. Nessas condições não é de estranhar que êles não tenham<br />
adoecido após a injeção do inóculo, e que no local desta se tenham<br />
produzido fenômenos reativos semelhantes aos que ocorrem nas<br />
lepromino-reações fortemente positivas, e que, até há poucos anos atrás<br />
eram atribuídos apenas à infecção secundária por falta de asepsia à<br />
inoculação.<br />
A importância do terreno no fracasso <strong>da</strong>s inoculações já havia sido<br />
entrevista por SOUZA ARAUJO, quando perguntava se o resultado negativo<br />
<strong>da</strong>s inoculações de MOURITZ não se deveria a um estado imune dos<br />
indivíduos às experimentações.
CAPÍTULO IV<br />
LEPRA DOS ANIMAIS<br />
SUMÁRIO: LEPRA MURINA. Distribuição <strong>da</strong> lepra murina no<br />
mundo. Espécie murina mais ataca<strong>da</strong>. Resenhas dos<br />
aspectos anátomo-clínicos. Bacteriologia: morfologia e<br />
proprie<strong>da</strong>des. Biologia. Ciclo vital, fases filtráveis. Cultura.<br />
Inoculação. Transmissão natural <strong>da</strong> moléstia. Estudos<br />
sôbre a transmissão. Aspectos histopatológicos.<br />
Problemas patológicos <strong>da</strong> lepra murina. Lepra murina e<br />
lepra humana. OUTRAS MOLÉSTIAS ANIMAIS SEMELHANTES<br />
À LEPRA: Búfalos, Aves, Gambás, Gado, Cacalos,<br />
Carneiros.<br />
Lepra Murina<br />
GENERALIDADES<br />
Em 1903, STEFANSKY (464) observou entre os ratos dos esgotos de<br />
Odessa em que pesquisava germes <strong>da</strong> peste bubônica, alguns animais que<br />
apresentavam hipertrofia ganglionar, causa<strong>da</strong> por bactérias ácidoresistentes,<br />
e outros sintomas como nódulos, úlceras e áreas de alopécia,<br />
com comprometimento do estado geral.<br />
Algumas semanas depois, DEAN<br />
(122) , trabalhando<br />
independentemente, em Londres, fazia observações análogas, mas não<br />
contestou a priori<strong>da</strong>de de STEFANSKY. Alguns meses mais tarde foram<br />
também publica<strong>da</strong>s as observações de RABINO WITSCH (375) , em Berlim, e<br />
desde então o assunto foi estu<strong>da</strong>do por numerosos outros autores em todo<br />
o mundo.<br />
Além dessas publicações originais pode citar-se, para evidenciar a<br />
larga difusão <strong>da</strong> lepra murina, os trabalhos de AZEVEDO (25) ,LINHARES<br />
(251) , no Brasil; WALKER (499) , MCCOY (297) , nos Estados Unidos;<br />
MARCHOUX e Sorel (280) ,na Franca;
– 233 –<br />
KITASATO (220) ,ASAMI, HONDA (195) e outros, no Japão; SAVINO eACUNA<br />
(418)<br />
, na Argentina; PERRIE e MCALISTER, na Inglaterra; MUIR e<br />
HENDERSON (304) ,na Índia; LAMPE e DE MOOR (232) , nas Índias Holandêsas;<br />
TIDSWELL (475) ,BULL (75) , na Austrália e outros.<br />
Observa-se assim que a lepra murina se distribui por tô<strong>da</strong>s as<br />
regiões do mundo, mas não é fácil <strong>da</strong>r-se sua incidência exata, pois que<br />
esta varia de observador para observador, na mesma região, e às vêzes um<br />
único pesquisador verifica incidência maior ou menor nos diversos<br />
bairros de uma mesma ci<strong>da</strong>de. MARCHOUX e SOREL, por exemplo<br />
admitem uma incidência média de 5% nos ratos de esgôto de Paris, que<br />
sobe a 45% nas proximi<strong>da</strong>des dos matadouros e frigoríficos; alguns<br />
exemplos mostrarão a diversi<strong>da</strong>de considerável de <strong>da</strong>dos:<br />
R e g i ã o Incidência<br />
Ratos<br />
examinados<br />
Autor<br />
Brasil......................... 0,37% 10.000 Linhares<br />
Brasil......................... 0,32% 1.249 Azevedo<br />
Odessa.................... 4-5% ? Stefansky<br />
Austrália.................. 0,2% 7.504 Cilento e North<br />
Austrália.................. 5,5% 220 Priestley<br />
Austrália.................. 0,0005% 200.000 Bull<br />
Japão...................... 27,8% 1.007 Ohtawara e Ichihar<br />
Japão...................... 0,5% 9.000 Kawamura<br />
França..................... 5% 1.296 Marchoux e Sorel<br />
Batávia.................... 9% 5.000 Lampe e De Moor<br />
A espécie murina mais ataca<strong>da</strong> e que constitui o grosso <strong>da</strong>s<br />
estatísticas é o Rattus norvegicus (ratazana) mas também é encontra<strong>da</strong> a<br />
moléstia no Rattus rattus (rato preto caseiro), no Rattus rattus<br />
alexandrinus e no Mus musculis (camondongo), assim como no Rattus<br />
rattus diardii, Rattus concolor, e Pachyura murina, <strong>da</strong> Batávia.<br />
Sexo – Não parece haver predomínio de um dos sexos entre os<br />
ratos afetados. ASAMI (22) observou, no Japão, 11 casos entre 907 ratos<br />
masculinos e 6 em 1257 femininos, portanto, 1,2% e 0,5%<br />
respectivamente; mas LAMPE e DE MOOR mostram predomínio feminino<br />
com 13% contra 9% de ratos machos doentes, enquanto que Ohtawara e<br />
Ichihara (333) chegam a percentagens aproxima<strong>da</strong>s para ambos os sexos, o<br />
mesmo observando LINHARES, no Rio de Janeiro.
– 234 –<br />
I<strong>da</strong>de – A lepra é mais encontradiça entre os ratos adultos que<br />
entre os jovens, segundo vários autores, como LINHARES, OHTAWARA e<br />
ICHIHARA, LAMPE e DE MOOR, e outros. Isso se explicaria por ser a<br />
moléstia de evolução muito lenta e só se manifestar portanto em período<br />
mais avançado <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> do animal.<br />
RESENHA DOS ASPECTOS CLÍNICOS<br />
A moléstia ocorre sob dois aspectos ou formas; ganglionar e<br />
músculo-cutânea. Naquela só estão afetados um ou mais gânglios ou<br />
grupos de gânglios, de tô<strong>da</strong>s as localizações; êstes aumentam de tamanho,<br />
podendo alcançar as dimensões de 1,5 por 3 centímetros, endurecem e<br />
apresentam raramente zonas de amolecimento ou caseificacão.<br />
Na forma músculo-cutânea, menos comum, há caquexia e a pele<br />
apresenta-se coberta de tubérculos, mais comuns nos membros e cabeça, e<br />
áreas de despigmentação, às vêzes extensas, alopécicas, principalmente<br />
no dorso e flancos; os nódulos podem alcançar o tamanho de uma ervilha<br />
e mesmo amêndoa, e se podem ulcerar por traumatismo. A pele está<br />
atrofia<strong>da</strong>, não se vê tecido sub-cutâneo e logo abaixo do tegumento se<br />
encontra uma massa branco-acinzenta<strong>da</strong>, às vêzes <strong>da</strong> espessura de 1 cm.,<br />
constituí<strong>da</strong> de tecido muscular mole e friável; também os gânglios estão<br />
comprometidos. Observam-se, às vezes, lesões oculares e, nos casos<br />
graves, até mesmo cegueira.<br />
Não se pode fazer distinção níti<strong>da</strong> entre ambas as formas,<br />
admitindo-se que o tipo ganglionar seja apenas uma fase de início <strong>da</strong><br />
moléstia, sendo o músculo-cutâneo o terminal; LINHARES crê mesmo<br />
que não só não se pode fazer essa delimitação de formas, como nem<br />
sempre é ver<strong>da</strong>deira a seqüência referi<strong>da</strong>, pois que êle observou casos<br />
músculo-cutâneos em animais aparentemente jovens em que tudo fazia<br />
indicar tratar-se de infecção recente.<br />
MORFOLOGIA E PROPRIEDADES TINTORIAIS<br />
O germe descrito por STEFANSKY nos ratos afetados de lepra é<br />
um bacilo encurvado, de 3-5 micra de comprimento por 0,5 micron de<br />
espessura média, de extremi<strong>da</strong>des levemente arredon<strong>da</strong><strong>da</strong>s, às vêzes<br />
dilatados em um ou ambos os lados, havendo formas mais e menos<br />
longas.<br />
É Gram-positivo e álcool-ácido-resistente, corando-se a frio pela<br />
fucsina de Ziehl e resistindo à tentativa de descolo-
– 235 –<br />
ração pelo ácido sulfúrico a 5% e álcool a 90%. MARCHOUX e SOREL<br />
crêm mesmo que êle seja mais resistente à descoloração que o de Hansen,<br />
pois não cede fàcilmente a fucsina ao ácido nítrico a 10%, ao ácido<br />
sulfúrico a 25% e ao ácido cloridrico a 3% em álcool.<br />
Observa-se freqüentemente a existência de granulações, que<br />
podem conferir ao germe o aspecto “coccothrix” descrito a propósito <strong>da</strong><br />
lepra humana. Como nesta, é ain<strong>da</strong> muito discuti<strong>da</strong> a natureza dessas<br />
granulações, pensando alguns autores que sejam índice de degeneração do<br />
bacilo e outros que se trate de formas de resistência ou regenerativas,<br />
virulentas.<br />
As características morfológicas e tintoriais aproximamno bastante<br />
do bacilo de Hansen enquanto que o distinguem, segundo<br />
RABINOWITSCH, de todos os outros ácido-resistentes.<br />
Embora MARCHOUX e SOREL tenham afirmado anteriormente não<br />
haver formações de globias, não é essa a opinião aceita hoje. O bacilo de<br />
Stefansky produz essas colônias globosas, às vêzes mais níti<strong>da</strong>s e maiores<br />
que as observa<strong>da</strong>s na lepra humana, bem estu<strong>da</strong><strong>da</strong>s por SOUZA ARAUJO<br />
(451) (124)<br />
; DENNEY e EDDY puderam mesmo observar a sua formação “in<br />
vitro”.<br />
BIOLOGIA<br />
Ao estu<strong>da</strong>rmos a biologia do bacilo de Hansen, assinalamos a<br />
grande dificul<strong>da</strong>de que se antepõe ao pesquisador que procura verificar a<br />
vitali<strong>da</strong>de do germe, em virtude <strong>da</strong> ausência de um meio seguro de<br />
comprovação do estado vital do mesmo, já que é impossível sua cultura<br />
prática e sua inoculação, não se podendo confiar nos processos tintoriais<br />
propostos para distinguir os bacilos mortos dos vivos.<br />
Essa dificul<strong>da</strong>de é parcialmente resolvi<strong>da</strong> com o M. leprae muris,<br />
cuja transmissão experimental é possível, permitindo assim o estudo dos<br />
mais variados agentes e condições que possam influenciar êsse caráter.<br />
Esta é, aliás, uma <strong>da</strong>s partes do estudo <strong>da</strong> lepra murina que maior atenção<br />
merecem do leprólogo, em vista <strong>da</strong>s aplicações que possam vir a ter no<br />
terreno <strong>da</strong> lepra humana.<br />
MARCHOUX e SOREL notam que os bacilos dessicados sôbre ácido<br />
sulfúrico perdiam a capaci<strong>da</strong>de de infectar, parecendo ter perdido a<br />
vitali<strong>da</strong>de; o mesmo verificaram após a ação <strong>da</strong> temperatura de 60° C.<br />
durante 15 minutos, embora resistissem êles à mesma temperatura por 5<br />
minutos apenas.
– 236 –<br />
MUIR e HENDERSON observam, porém, que a 60º os bacilos de Stefansky<br />
podem conservar sua vitali<strong>da</strong>de, até por 35 minutos.<br />
CHORINE (98) conservou-os virulentos em solução fisiológica<br />
glicerina<strong>da</strong> a 4%, durante 39 meses, encontrando-os mortos, porém, ao<br />
completarem 51 meses de permanência nesse meio. LOWE (255/256)<br />
observou sua vitali<strong>da</strong>de durante várias semanas em ambiente úmido e<br />
temperatura pouco mais eleva<strong>da</strong> que a de congelação; tratando material<br />
bacilífero durante 20 horas com solução de hidnocarpato de sódio a 1%,<br />
notou que êle não perdia sua virulência.<br />
A coloração do bacilo pela fucsina básica alcoólica não o mata,<br />
como provaram TISSEUIL e CHORINE (477) . Mesmo a ação do ácido<br />
clorídrico a 1% sôbre o bacilo corado, durante 10 minutos, não tira sua<br />
vitali<strong>da</strong>de (LOWE (257) ). MARCHOUX e CHORINE (284) mostraram que êle<br />
resiste à antiformina a 15% e ao ácido sulfúrico a 5%, não se <strong>da</strong>ndo a<br />
conhecer porém o tempo de ação dêsses corpos.<br />
CICLO VITAL, FASES FILTRÁVEIS<br />
A questão <strong>da</strong> existência de formas filtráveis na vi<strong>da</strong> do M. leprae<br />
muris foi estu<strong>da</strong><strong>da</strong> largamente por MARKIANOS (291/292/293) ,cujas opiniões,<br />
favoráveis a essa hipótese, foram apoia<strong>da</strong>s por MARCHOUX.<br />
MARKIANOS filtrou uma suspensão de leproma de rato em velas<br />
Chamberland L2, sob 25-30 cm. de pressão de mercúrio, inoculando o<br />
filtrado, livre de germes, em ratos que foram cui<strong>da</strong>dosamente estu<strong>da</strong>dos.<br />
Observou nestes inflamação dos gânglios linfáticos locais e, mais tarde,<br />
lesões viscerais; à bacterioscopia, notou o aparecimento de grânulos<br />
ácido-resistentes que se transformaram sucessivamente em bacilos<br />
granulosos e formas bacilares ver<strong>da</strong>deiras, de 20 dias a 3 meses após a<br />
inoculação. Por êsse motivo considerou MARKIANOS os grânulos como<br />
formas virulentas, estádio intermediário entre o “virus filtrável” e o bacilo<br />
ver<strong>da</strong>deiro.<br />
Tentando reproduzir essas experiências, LOWE injetou 53 ratos<br />
com material de lepra murina filtrado em Chamberland L2 e L3, tendo<br />
observado apenas uma infecção generaliza<strong>da</strong> e 4 casos apresentando<br />
poucos bacilos ácido-resistentes à autópsia; sua conclusão foi<br />
desfavorável à existência de uma fase invisível passando pelos filtros, e<br />
atribui os raros casos positivos a erros técnicos ou velas de filtração<br />
defeituosas.
– 237 –<br />
WATANABE (501) confirma os trabalhos de MARKIANOS com as<br />
velas Chamberland L2 e, possivelmente com L3, mas seus resultados<br />
foram negativos com o BERKEFELD.<br />
Cultura – Do mesmo modo que no estudo <strong>da</strong> cultivabili<strong>da</strong>de do<br />
bacilo de Hansen, observam-se aqui os mesmos resultados não<br />
conclusivos e as mesmas opiniões divergentes quanto à natureza <strong>da</strong>s<br />
amostras cultiva<strong>da</strong>s. Releva notar que no caso de M. leprae muris a<br />
possibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> transmissão experimental torna mais fácil o problema <strong>da</strong><br />
identificação <strong>da</strong>s culturas obti<strong>da</strong>s, que poderão ser despreza<strong>da</strong>s se não for<br />
possível reproduzir com elas a moléstia no rato. Na reali<strong>da</strong>de, segundo<br />
LOWE, nenhuma <strong>da</strong>s amostras cultiva<strong>da</strong>s <strong>da</strong> lepra murina conseguiu<br />
atravessar essa prova crucial.<br />
As primeiras culturas do M. lepra muris foram tenta<strong>da</strong>s pelo<br />
próprio DEAN que conseguiu apenas difteróides, bactérias ácido-sensíveis<br />
e não patogênicas. CHAPIN, em meio ôvo-tripsina, observa o crescimento<br />
de formas ácido-resistes. MARCHOUX e SOREL notam multiplicação de<br />
bacilos com formas filamentosas e ramifica<strong>da</strong>s em meio de cultura, tendo<br />
conseguido apenas subculturas exiguas em baço de rato, esterilizado e<br />
semi-digerido pela tripsina.<br />
Numerosos meios e técnicas tentados para a cultura do bacilo de<br />
Hansen foram utilizados para o crescimento do M. lepra muris.<br />
WELLMANN e HAND (505)<br />
tentaram cultivá-lo em agar-placenta;<br />
HOLLMANN (191) no meio de Musgrave-Clegg, em simbiose com amebas e<br />
vibriões coléricos, segundo o método de Clegg, observou formas<br />
ramifica<strong>da</strong>s nos primeiros dias, mais tarde cocóides e determinando lesões<br />
locais nos ratos, com bacilos ácido-resistentes identificáveis. Também<br />
BAYON (37) afirma ter prouzido o moléstia experimentalmente, inoculando<br />
em ratos os organismos pleomorfos obtidos por semeadura de baço de<br />
rato doente em meio agarcaldo de peixe, mas nenhum dêsses trabalhos foi<br />
confirmado posteriormente.<br />
Em 1931, CILENTO e NORTH (101) comunicaram ter obtido lesões<br />
típicas em ratos jovens, inoculando nêles uma cultura de bactérias em<br />
meio ôvo de Dorset, mas LOWE, com essa mesma amostra, não observou<br />
patogenici<strong>da</strong>de para êsses animais. OTA e ASAMI, e ASAMI (340/21) dizem<br />
ter cultivado 12 amostras, de duas varie<strong>da</strong>des principais – cinza e laranja<br />
– com a qual reproduziram a moléstia em ratos, bem como em coelhos; os<br />
métodos empregados não deram resultado satisfatório para GERBINIS (161)<br />
e LOWE. Êsse mesmo autor e também WAYSON, tiveram resultados<br />
negativos
– 238 –<br />
na tentativa de cultura em atmosfera de O2 e CO2, segundo os métodos de<br />
SOULE e MCKINLEY e de MCKINLEY e VERDER.<br />
Também em culturas de tecidos não foi possível reproduzir com<br />
segurança o germe <strong>da</strong> lepra murina. Convém relatar contudo os trabalhos<br />
de SALLE, e SALLE e MOSER,<br />
(413) que observaram crescimento de<br />
bactérias em tecido embrionário cultivado, notando-se a princípio bacilos<br />
ácido-resistentes e mais tarde difteróides ácido-sensíveis; transplantando<br />
êstes para novos tecidos cultivados, reapareciam as formas ácidoresistentes,<br />
mais tarde as ácido-sensíveis e assim por diante, parecendo<br />
aos autores tratar-se de um ciclo cujas fases de ácido-resistencia só se<br />
observassem nos meios frescos. O bacilo ácido-resistente e o difteróide<br />
ácido-sensível seriam fases de um organismo pleomorfo, causador tanto<br />
<strong>da</strong> lepra humana como <strong>da</strong> murina. Não foram feitas tentativas de<br />
inocularão.<br />
LAMPE e DE MOOR semeiam material de lepra murina em meio de<br />
Loewenstein e obtêm organismos ácido-resistentes que julgam saprófitos<br />
por não reproduzirem a moléstia.<br />
Interpretação dos resultados culturais – A discussão<br />
que se estabelece ao se tentar interpretar as diversas culturas obti<strong>da</strong>s por<br />
semeadura de material de lepra murina é semelhante à que ficou feita para<br />
o caso do Mycobacterium leprae.<br />
Admitem alguns autores, como BAYON, que os diversos aspétos<br />
morfológicos e tintoriais obtidos por semeadura de material de lepra<br />
murina (formas cocoides, bacilos de tamanhos e formas variados,<br />
organismos difteróides e ramificados, bactérias ácido-sensiveis e ácidoresistentes)<br />
não passam de fases diferentes de um mesmo germe<br />
extremamente pleomorfo. Essas hipóteses se relacionam com a de<br />
KEDROWSKY, REENSTIERNA, VAUDREMER e outros, Com referência à<br />
lepra humana e traz novamente à cena a questão do ciclo vital do M.<br />
leprae muris.<br />
Os autores mais conservadores, porém, continuam pouco ou na<strong>da</strong><br />
inclinados a levar em consideração tais argumentos e preferem esperar<br />
que se cultive um germe que apresente pelo menos algumas <strong>da</strong>s<br />
características <strong>da</strong> bactéria <strong>da</strong>s lesões: morfologia idêntica ou aproxima<strong>da</strong>,<br />
ácido-resistência, crescimento lento, e ain<strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de de determinar a<br />
moléstia experimentalmente.<br />
Para êstes, todos os organismos cultivados até hoje não passam de<br />
contaminações grosseiras ou de saprófitos, ácido-
– 239 –<br />
resistentes ou não, abun<strong>da</strong>ntíssimos na pele, mucosas, solo, agua etc.,<br />
enquanto as fases de ácido-resistência e ácido-sensibili<strong>da</strong>de estariam em<br />
relação com a composição química do meio de cultura, sabendo-se que a<br />
glicerina e a albumina do ôvo favorecem o desenvolvimento dessa ácidoresistência<br />
mesmo em certos organismos normalmente ácido-sensíveis. A<br />
diversi<strong>da</strong>de de aspectos macro e microscópicos obtidos está a lançar<br />
suspeicão sôbre tô<strong>da</strong>s as culturas. Não se conseguiu com nenhuma delas a<br />
ver<strong>da</strong>deira lepra murina experimental e as lesões eventualmente<br />
provoca<strong>da</strong>s nos ratos não são diferentes <strong>da</strong>s que se consegue efetuar com<br />
bacilos ácido-resistentes seguramente banais, mortos ou vivos (LOWE). O<br />
argumento <strong>da</strong> patogenici<strong>da</strong>de é de fato muito forte contra as culturas<br />
anuncia<strong>da</strong>s como de M. leprae muris, pois que se deveria esperar que, se<br />
de fato houvesse fases cíclicas fàcilmente cultiváveis, estas deveriam<br />
infectar os ratos com relativa facili<strong>da</strong>de. No entanto, os únicos autores<br />
que referem efeitos patogênicos dignos de nota com material cultivado,<br />
são OTA e ASAMI, que obtêm apenas 23 a 41% de lesões quase que<br />
totalmente limita<strong>da</strong>s aos gânglios, o que não pode ser comparado com a<br />
infecção generaliza<strong>da</strong> e maciça de 100 % dos ratos inoculados com<br />
material dos próprios ratos afectados, conforme comenta ain<strong>da</strong> LOWE.<br />
O bacilo <strong>da</strong> lepra murina seria pois mais lògicamente considerado<br />
como incultivável com as técnicas experimenta<strong>da</strong>s até hoje, não se<br />
podendo deixar de apreciar por analogia a conseqüência que tal conclusão<br />
venha a ter em oposição aos ciclos evolutivos cultiváveis anunciados para<br />
o bacilo <strong>da</strong> lepra humana.<br />
Inoculação – É muito facil a transmissão experimental <strong>da</strong> moléstia<br />
ao rato, bastando injetar nêle material bacilífero de outro rato doente, por<br />
qualquer <strong>da</strong>s vias habituais de inoculação. A moléstia é também<br />
transmissivel ao rato branco e aos camondongos, mas não a outros<br />
animais como o macaco, o coelho, o cobaio e o hamster; nestes se chega a<br />
determinar lesões cutâneas não segui<strong>da</strong>s de generalização, embora<br />
LALGRET tenha anunciado melhores sucessos tratando prèviamente<br />
cobaios e coelhos com o BCG.<br />
Recentemente, autores japonêses, como OTA, (341) OTA e SATO (342)<br />
têm referido inoculações positivas na musculatura de galináceos, com<br />
possibili<strong>da</strong>de de passagens sucessivas.<br />
A via subcutânea póde produzir lesões locais, mas geralmente é<br />
mais importante o comprometimento ganglionar seguido ou não de<br />
generalização. A via intradérmica e a
– 240 –<br />
inoculação por escarificacão cutânea, pelo contrário, tendem a determinar<br />
lesões muito mais evidentes <strong>da</strong> pele.<br />
A injeção endovenosa ou intracardíaca determina infecção rápi<strong>da</strong><br />
generaliza<strong>da</strong>, interessando notàvelmente o fígado, baço e medula óssea; a<br />
inoculação no peritôneo também produz lesões viscerais, <strong>da</strong>s fôlhas<br />
peritoniais, gânglios do mediastino, pericárdio, às vêzes pulmonares.<br />
Produzem-se lesões oculares e perioculares intensas pela injeção do virus<br />
por essa via.<br />
TRANSMISSÃO NATURAL DA MOLÉSTIA. ESTUDO SOBRE A<br />
TRANSMISSÃO<br />
O meio mais comum de transmissão natural <strong>da</strong> moléstia é o<br />
contacto direto pele a pele, do rato doente com animal são, e,<br />
possivelmente, pelas mucosas. A transmissão natural pode ser prova<strong>da</strong><br />
juntando-se ratos sãos e doentes numa mesma gaiola por certo tempo, em<br />
média alguns meses.<br />
A possibili<strong>da</strong>de de contacto indireto foi estu<strong>da</strong><strong>da</strong> e confirma<strong>da</strong> por<br />
WAYSON (cit. LOWE) que observou a contaminação de ratos colocados em<br />
gaiola distante várias polega<strong>da</strong>s <strong>da</strong>quela em que se achavam os ratos<br />
doentes.<br />
Tem sido muito estu<strong>da</strong><strong>da</strong> a possibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> transmissão <strong>da</strong> lepra<br />
murina por insectos vectores. WHERRY (508) encontrou bacilos ácidoresistentes<br />
em piolhos de ratos doentes, não os observando nos de ratos<br />
sãos; as moscas nutri<strong>da</strong>s de material leprótico apresentavam bacilos nos<br />
intestinos, que eram contudo excretados totalmente dentro de 48 horas.<br />
As pesquisas de M ARCHOUX e SOREL revelaram a existência de<br />
bacilos ácido-resistentes em piolhos e diversos acarianos parasitos dos<br />
ratos infectados, mas não concluíram pela possibili<strong>da</strong>de de transmissão <strong>da</strong><br />
lepra murina por êsse parasito. Também foram negativas as tentativas de<br />
(115)<br />
CURRIE e HOLLMANN, de transmitir a moléstia por intermédio de<br />
acarianos e moscas, assim como as de M ARKIANOS com as pica<strong>da</strong>s de<br />
piolhos alimentados com material leprótico.<br />
M ARCHOUX (285) observou que as moscas experimentalmente<br />
alimenta<strong>da</strong>s de material leproso eram capazes de infectar ratos com<br />
excoriações artificiais <strong>da</strong> pele, mas só até 24 horas após o alimento<br />
bacilífero, o que faz pensar se trate de um transporte mecânico, pelas<br />
patas e probóscide, de germe de curta vitali<strong>da</strong>de. Êste pode ser encontrado<br />
nos intestinos até 4 dias após, sem se multiplicar, donde se concluir
1 - Ponto de parti<strong>da</strong> <strong>da</strong>s culturas em meio aspergilar, 7 dias após a imersão<br />
defragmento de leproma. 2 - Mesma cultura, mesmo meio, 15 dias mais tarde:<br />
aparecimento de elementos granulares e meningocociformes. 3 - Estádio bacilar<br />
cianófilo e miceliano. 4 - Estádio bacilar ácido-resistente; cultura de 5 dias sem caldo<br />
de batata glicerinodo, obti<strong>da</strong> 7 mêses após a semeadura do leproma.<br />
5 - Mesma amostra, 3 anos mais tarde. Cultura de 12 dias em batata glicerina<strong>da</strong>. 6 -<br />
Polimorfismo de culturas de 6-8 semanas. 7 - Aparecimento de esporos, formos<br />
gigantes e estreptobacilares. 8 - Multiplicação dos esporos. 9 -Formas de evolução<br />
observa<strong>da</strong>s no meio <strong>da</strong> fig. 4, conservado 3 anos à temperatura do laboratório. 10 -<br />
Cultura em caldo de batatas obti<strong>da</strong> por semeadura do filtrado de baço leproso<br />
conservado em estufa por 5 méses. 11 - Aparecimento de bacilos. 12 - Multiplicação<br />
de bacilos ácido-resistentes. 13 - Aparição de esporos. 14 - Roto, 2.º leproma. Cultura<br />
obti<strong>da</strong> por semeadura do exsu<strong>da</strong>to purulento que recobria o fígado. 15 e 16 - Mesma<br />
amostra, mais evolui<strong>da</strong>. 17- Macaco I. Cultura de sangue do coração. 18 - Macaco II.<br />
Cultura de baço. 19 - Macaca I. Cultura do sangue do coração, recuperação total <strong>da</strong><br />
ácido-resistência.
ASPECTOS DE CULTURAS DE BACTÉRIAS ISOLADAS DA LEPRA HUMANA (Coleção<br />
Souza Araujo, Inst. Oswaldo Cruz)<br />
1 – Cult. 364, Ely, Honolulu; 2 – Cult. - 370, Leprosy, Honolulu; 3 – Cult. 102<br />
(771), Badger, Honolulu.<br />
Culturas de tecido (pinto) inocula<strong>da</strong>s com M. leprae. (Reprod. De Salle, A. J. On the<br />
cultivation of an acid-fast organism from leprous lesions in tissue cultures and other<br />
media. Int. J. Of Leprosy. 2: 201, 1934).
– 241 –<br />
que a transmissão natural <strong>da</strong> lepra murina pelas moscas é possível mas<br />
extremamente rara.<br />
A transmissão pelo alimento parece ser possível apenas em<br />
número limitado de casos, não assumindo a moléstia, em geral, os<br />
aspectos habituais <strong>da</strong> infecção natural. Assim é que MARCHOUX eSOREL<br />
só conseguiram duas infecções em oito ratos alimentados com material<br />
muito bacilífero. Também MUIR e HENDERSON só obtêm resultados em<br />
poucos dos ratos assim tratados, não observando moléstia franca nêles e<br />
sim apenas bacilos de localização ganglionar.<br />
A transmissão pelas mucosas tem sido tenta<strong>da</strong> com resultados<br />
variáveis. WAYSON (cit. LOWE) conseguiu transmitir a infecção por<br />
deposição do inóculo na mucosa nasal de ratos sãos, o que não fôra<br />
conseguido anteriormente por MARCHOUX e SOREL, com fricções de<br />
material contaminado. Êstes autores obtiveram, contudo, transmissão<br />
positiva por inserção de material leprótico no prepúcio de ratos machos.<br />
De tô<strong>da</strong>s as vias de infecção a que parece mais comum na natureza<br />
e a que resulta em mais sucessos na experimentação, é a pele excoria<strong>da</strong>, o<br />
que se dá comumente entre ratos de esgoto, animais lutadores e<br />
mordedores. As soluções de continui<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pele são portas de entra<strong>da</strong><br />
fácil para os germes, mas se o próprio animal mordedor já é doente, a<br />
infecção se realiza no ato mesmo <strong>da</strong> luta, pela saliva, freqüentemente<br />
contamina<strong>da</strong>. Além disso, as excoriações e ferimentos de um rato leproso,<br />
abrem uma via para o exterior para os germes dos tecidos profundos.<br />
MARCHOUX e SOREL, MUIR e HENDERSON friccionando material<br />
virulento sôbre pele intacta não conseguiram transmitir a infecção, mas os<br />
resultados eram freqüentemente positivos se a área fricciona<strong>da</strong> tivesse<br />
sido traumatiza<strong>da</strong> previamente, por escarificações ligeiras ou tração dos<br />
pêlos.<br />
Os estudos de MARCHOUX (281) são contrários à possibili<strong>da</strong>de de<br />
uma transmissão congênita, pois que referem que os filhos de ratas<br />
leprosas permanecem sãos se afastados do convívio dos animais doentes.<br />
Como na lepra humana, a lepra murina avança<strong>da</strong> tende a alterar<br />
profun<strong>da</strong>mente as glândulas sexuais e produzir a esterili<strong>da</strong>de.<br />
F.16
– 242 –<br />
ASPECTOS HISTOPATÓLOGICOS<br />
Para a descrição <strong>da</strong>s lesões comumente encontra<strong>da</strong>s na lepra<br />
murina <strong>da</strong>mos a palavra a LINHARES, (250) que contou com a colaboração<br />
de MAGARINO TORRES e H. PORTUGAL:<br />
“No exame do granuloma <strong>da</strong> lepra murina predominam<br />
células grandes, de origem histiocitária, entumesci<strong>da</strong>s, que<br />
apresentam núcleo volumoso, redondo ou oval e que em muitos<br />
pontos se assemelham às células de VIRCHOW; são grandes células<br />
mono-nuclea<strong>da</strong>s cujos núcleos, entumescidos, apresentam rêde<br />
cromática e têm um ou dois nucléolos redondos ou irregulares.<br />
Pela imersão encontra-se em geral, um citoplasma espumoso, com<br />
malhas de estrutura irregular e mais ou menos grosseira. Estas<br />
células podem ficar. muito grandes e ter diversos núcleos com<br />
disposição irregular. Às vezes observa-se apenas células com<br />
protoplasma reticular e fracamente basófilo, sem nítidos vacúolos<br />
e com o núcleo pequeno e levemente corado; outras vêzes, no<br />
exsu<strong>da</strong>to inflamatório os grandes mononucleares apresentam o<br />
citoplasma vacuolado e volumoso de limites nítidos, por vêzes<br />
finamente vacuolados. Elas podem ficar uniformemente dispostas,<br />
lado a lado, de modo a constituirem um tecido de estrutura<br />
uniforme”.<br />
“Podem ser vistas células gigantes do tipo Langhans, de<br />
forma em geral arredon<strong>da</strong><strong>da</strong>s, com vários núcleos dispostos<br />
próximo à periferia. Estas células têm contorno nítido e o<br />
protoplasma às vêzes espumoso. Observam-se ain<strong>da</strong> células<br />
gigantes atípicas, semelhantes às de Langhans, porém com menor<br />
número de núcleos, em geral acumulados em um pequeno trecho<br />
<strong>da</strong> parede celular; elas se apresentam comumente vacuola<strong>da</strong>s, mas<br />
o número e o tamanho dos vacúolos é muito variado”.<br />
“Foram tamb ém observados granulomas inflamatórios nos<br />
quais predominavam células epitelióides grandes, com forma<br />
variável, às vezes arredon<strong>da</strong><strong>da</strong>s, poliédricas ou alonga<strong>da</strong>s com<br />
citoplasma abun<strong>da</strong>nte; existe com freqüência apenas um núcleo<br />
claro, redondo, oval ou reniforme ou mesmo irregular, onde se vê<br />
em geral um só nucléolo”.<br />
“Em casos mais raros o tecido neoformado pode ser<br />
constituido na maior parte, por células fusiformes (fibroblastos)<br />
com núcleo oval, ou alongado, contendo
– 243 –<br />
dois ou três nucléolos, formando um infiltrado denso, tendo de<br />
permeio, células mononuclea<strong>da</strong>s de grandes dimensões, algumas<br />
com aspecto típico de células epitelióides e apresentando<br />
citoplasma vacuolado”.<br />
“Em geral podem ser vistos fibroblastos especialmente nas<br />
circunvizinhanças dos vasos. A consistência dura do granuloma é<br />
devido provàvelmente à rêde forma<strong>da</strong> pelas fibras colágenas. Mais<br />
raramente, podem também ser encontrados linfócitos e células<br />
plasmáticas, formando infiltração localiza<strong>da</strong> em certos pontos, que<br />
se assemelham a folículos. Verifica-se no tecido granulomatoso a<br />
presença de vasos sanguíneos os quais podem ser observados na<br />
parte central, porém são mais freqüentes na periferia, sem que<br />
geralmente sejam verifica<strong>da</strong>s lesões. Com certa freqüencia<br />
observam-se zonas de necrose”.<br />
“Pela técnica de coloração para bacilos veem-se as células<br />
leprosas muito parasita<strong>da</strong>s, os bacilos estando irregularmente<br />
dispostos no citoplasma podendo distender muito a célula; o<br />
núcleo nunca é invadido e apresenta um aspecto normal, mas às<br />
vêzes está picnótico, excêntrico, comprimido pelas massas<br />
bacilares de encontro à parede celular. Os bacilos são geralmente<br />
intra-celulares, mas podem ser encontrados fora <strong>da</strong>s células,<br />
provàvelmente pela rutura devido à grande distensão ocasiona<strong>da</strong>. É<br />
muito provável que os bacilos só se multipliquem dentro <strong>da</strong>s<br />
células, sendo só ocasionalmente vistos extracelularmente. Estas<br />
células são de certo originárias de histiócitos; vários pesquisadores<br />
tais como: Oliver, Henderson, Lowe, Pikerton e Sellards afirmam<br />
que as células leprosas pertencem ao sistema retículo endotelial”.<br />
Em células polimorfonucleares muitas vêzes encontramos<br />
bacilos, mas nos linfócitos, plasmócitos e eosinófilos não nos foi<br />
possível evidenciá-los”.<br />
Ain<strong>da</strong> do excelente trabalho de LINHARES reproduzimos a parte<br />
que nos interessa <strong>da</strong> discussão geral sôbre os problemas patológicos <strong>da</strong><br />
lepra murina:<br />
“De um modo geral pode-se dizer que há grande<br />
semelhança entre a lepra humana e a murina, sendo todos os<br />
pontos essenciais concordes, podendo por isso a lepra dos ratos ter<br />
grande importância nos estudos experimentais, servindo de base<br />
para orientar as pes-
– 244 –<br />
quisas e as possiveis a<strong>da</strong>ptações ao homem dos resultados obtidos<br />
nesses animais. Os dois fatos principais se processam em ambos;<br />
assim encontramos tanto no rato como no homem, as células do<br />
sistema reticulo-endotelial atingi<strong>da</strong>s e também a formação de<br />
lepromas característicos”.<br />
“As lesões principais são observa<strong>da</strong>s nos gânglios linfáticos<br />
e na pele, onde se encontram processos granulomatosos<br />
característicos nos quais se vêm células leprosas cheias de bacilos<br />
ácido-álcool-resistentes ou restos bacilares. O primeiro ataque dos<br />
bacilos se faz aos gânglios linfáticos os quais muitas vêzes são os<br />
únicos locais em que se encontram os microorganismos. Só muito<br />
excepcionalmente os gânglios não apresentam infecção havendo<br />
bacilos nos órgãos; êste caso pode sugerir uma infecção por via<br />
gástrica em período inicial”.<br />
“O processo infeccioso progride muito lentamente com<br />
tendência a ficar localizado durante muito tempo apenas em um ou<br />
mais gânglios ou, no caso <strong>da</strong> infecção experimental, nas<br />
circunvizinhanças do local de inoculação. As lesões metastáticas,<br />
sempre tardias, podem ser vistas em quase todos os órgãos e talvez<br />
em todos, se o tempo de sobrevi<strong>da</strong> do animal fôr suficientemente<br />
longo para permitir que se instalem, se bem que vários fatôres<br />
possam influir na disseminação”.<br />
“É bem possível que na infecção natural, em que as<br />
condições do meio ambiente se tornam muito mais dificeis, a<br />
invasão se processe mais ràpi<strong>da</strong>mente. Os ratos doentes, mais<br />
fracos do que os sadios, terão menos possibili<strong>da</strong>de de obter<br />
alimento e é provàvelmente nestes animais subalimentados (nós<br />
tivemos oportuni<strong>da</strong>de de ver um rato que se locomovia com<br />
dificul<strong>da</strong>de sendo fácil capturá-lo com a mão) que a invasão de<br />
todo o organismo se dá mais ràpi<strong>da</strong>mente.<br />
Segundo Lamb que fêz um estudo sôbre a relação entre as<br />
deficiências alimentares e a distribuição <strong>da</strong> lepra murina, após a<br />
inoculação intracardíaca de emulsão de bacilos em ratos com a<br />
alimentação deficiente em complexo B e com baixo teôr em<br />
proteinas, houve grande aumento <strong>da</strong>s lesões lepromatosas, mais<br />
acentua<strong>da</strong>s no fígado, em comparação com os contrôles e menos<br />
intensas no baço, pulmões e gânglios linfáticos. Badger também<br />
observou que nos animais mal nutridos as áreas
– 245 –<br />
de necrose ocorrem muito mais ràpi<strong>da</strong>mente e são mais numerosas<br />
do que nos com alimentação normal”.<br />
“A invasão dos orgãos pelos bacilos, fase final de infecção,<br />
se processa quando o sistema retículo-endotelial exausto não mais<br />
consegue impedir a disseminação dos bacilos pelo corpo. No início<br />
encontram-se apenas células isola<strong>da</strong>s dentro do tecido normal, as<br />
quais contêm bacilos sem que contudo seja possível observar<br />
qualquer reação nas circunvizinhanças. Essas células sejam do<br />
baço, fígado, rim, pulmão etc. são sempre pertencentes ao sistema<br />
retículo-endotelial”.<br />
“Os rins são em geral pouco atingidos e, segundo Pinkerton<br />
e Sellards, esta aparentemente maior resistência à infecção é<br />
devi<strong>da</strong> a que tais órgãos contêm poucas células mesenquimais do<br />
tipo <strong>da</strong>s que prontamente se infectam”.<br />
“Os testículos parecem não ser tão atingidos como na lepra<br />
humana”.<br />
“A disseminação em geral do processo infeccioso se dá<br />
devido à incapaci<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s células de destruir os bacilos<br />
fagocitados. Elas englobam ràpi<strong>da</strong>mente os microorganismos mas<br />
êstes após serem ingeridos ao invés de se tornarem inativos ou<br />
mesmo de serem destruidos têm a capaci<strong>da</strong>de de se multiplicarem<br />
e seu desenvolvimento torna assim possivel a progressão <strong>da</strong><br />
infecção; talvez as células tenham mesmo certas condições<br />
favoràveis para a multiplicação dêstes bacilos. O fato é que êles<br />
aumentam em tal número no interior do citoplasma que as células<br />
aos poucos se distendem, aumentam de volume, chegando às vêzes<br />
a haver rutura, sendo, neste caso, os microorganismos novamente<br />
englobados por outras células, progredindo dêste modo a infecção.<br />
Pode-se formar então um processo reacionário em tôrno dêste fóco<br />
de infecção. Os núcleos nunca são invadidos e, ou apresentam o<br />
aspecto normal, em geral, nas células em que os bacilos são pouco<br />
numerosos, ou estão comprimidos, picnóticos. Os bacilos são<br />
intracelulares, a situação extracelular se processando<br />
provàvelmente ou devido a um artifício de técnica, ou pela rutura<br />
<strong>da</strong> célula que os contêm”.<br />
“Como fato interessante queremos citar a observação de<br />
Afanador, que encontrou em ratos normais alta percentagem de<br />
linfócitos, mas em ratos leprosos com o desenvolvimento <strong>da</strong><br />
doença, êles tendem a ser
– 246 –<br />
substituidos por polinucleares e grandes mononucleares,<br />
especialmente quando a supuração tem lugar”.<br />
“Em suma, a lepra murina devido à natureza e provável<br />
origem <strong>da</strong>s células afeta<strong>da</strong>s, leva à suposição de uma infecção<br />
primordial do sistema retículo-endotelial. Assim, na pele as células<br />
infecta<strong>da</strong>s parecem ser histiócitos oriundos do tecido conjuntivo;<br />
nos gânglios linfáticos, histiócitos do retículo; na medula óssea, de<br />
células reticulares, assim como nos órgãos e tecidos; no fígado são<br />
as células de Kupffer; no baço, as células reticulares etc.”<br />
LEPRA MURINA E LEPRA HUMANA<br />
Apesar <strong>da</strong> semelhança muito grande entre os germes produtores <strong>da</strong><br />
lepra murina e humana, e apesar de alguns aspectos idênticos <strong>da</strong>s<br />
manifestações clínicas de ambas as moléstias, não há relação direta entre<br />
elas, não se pode identificar o M. Leprae ao M. Leprae muris.<br />
Os estudos epidemiológicos já indicam a duali<strong>da</strong>de, pois tanto há<br />
regiões sujeitas à lepra murina e praticamente livres de lepra humana<br />
(Paris, etc.) como regiões em que esta é endêmica sem que aquela seja<br />
anormalmente freqüente. SOULE (441) por exemplo, não encontrou casos de<br />
lepra entre os ratos comensais <strong>da</strong> colônia leprosa de Culion, Filipinas.<br />
As provas bacteriológicas e imunológicas completam a distinção.<br />
Vimos no capítulo anterior que o rato tem sido usado comumente para as<br />
tentativas de inoculação de material lepromatoso humano, sem que se<br />
tenha chegado a produzir lesões locais e gerais que lembrassem os<br />
aspectos <strong>da</strong> lepra murina.<br />
Também as cuti-reações com material lepromatoso humano e<br />
murino (lepromina Hansen e lepromina Stefansky) provaram a MUIR,<br />
BURNET (315/79) e outros que as respostas orgânicas não são comparaveis;<br />
assim, na lepra lepromatosa, que se caracteriza por permanecer<br />
indiferente à injeção <strong>da</strong> lepromina H, a injeção <strong>da</strong> lepromina S produz<br />
uma reação níti<strong>da</strong> e às vezes intensa, como o fariam muitos outros ácidoresistentes<br />
que não o de Hansen.<br />
Tratando-se embora de duas moléstias dis tintas, a semelhança dos<br />
germes causadores e de certos aspectos anatomo -clínicos tem feito <strong>da</strong><br />
lepra murina um campo de estudos muito importante pela possível<br />
aplicação de conhecimentos nela adquiridos à melhor compreensão <strong>da</strong><br />
lepra humana.
– 247 –<br />
Êsse fato será perfeitamente verificado no decorrer dos diversos capítulos<br />
dêste trabalho. Também no campo <strong>da</strong> terapêutica se torna muito<br />
importante a experimentação pratica<strong>da</strong> contra a lepra murina. Entre os<br />
trabalhos recentes que acentuam o valor dessa experimentação referimos<br />
o de ANDERSON, EMERSON e LEAKE (15) e o de BUNGELER e ALAYON. (76)<br />
Contudo, admitem alguns autores, como LAMPE e DE MOOR, que<br />
haja uma relação genética estreita entre ambos os germes e que a origem<br />
comum de ambos teria sido um organismo ácido-resistente saprófito,<br />
algumas amostras do qual se a<strong>da</strong>ptaram à vi<strong>da</strong> parasitária tanto no<br />
homem, como no rato e outros animais.<br />
Resta a considerar a possibili<strong>da</strong>de de afecção humana causa<strong>da</strong> pelo<br />
germe <strong>da</strong> lepra murina. É clássica a observação de MARCHOUX em um<br />
haitiano que veio a falecer de pleurite estreptocócica purulenta, e que era<br />
portador de uma forma um tanto curiosa de lepra. As lesões visíveis eram:<br />
manchas pigmenta<strong>da</strong>s, confluentes, não anestésicas; os fenômenos gerais<br />
eram muito acentuados – febre, adenopatias dolorosas, albuminurias e<br />
edemas. Das lesões e <strong>da</strong> mucosa nasal se obtiveram massas de bacilos<br />
ácido-resistentes finos e curtos, cocciformes, que MARCHOUX denominou<br />
Mycobacterium pulviforme. Após a morte do paciente, fizeram-se<br />
inoculações de polpa esplênica em 6 ratos, 5 dos quais se infectaram,<br />
notando-se que os bacilos nêles encontrados tinham um aspecto<br />
particular, lembrando alfinetes (extremi<strong>da</strong>de ponteagu<strong>da</strong> e outra dilata<strong>da</strong>)<br />
e freqüentemente cheios de uma massa que se corava melhor que o resto<br />
do bacilo. Após a segun<strong>da</strong> passagem para os ratos, tornaram-se bacilos<br />
idênticos aos de Stefansky, podendo-se depois manter as inoculações em<br />
série no rato. Conclue MARCHOUX que deve haver varie<strong>da</strong>des de bacilos<br />
<strong>da</strong> lepra assim como as há de bacilos <strong>da</strong> tuberculose em que o germe <strong>da</strong><br />
lepra murina pode ser transmissível ao homem em certas condições.<br />
Uma contribuição recente ao assunto é a que deriva <strong>da</strong>s<br />
observações de LAIDLAW.<br />
(229) Material de lepra humana tinha sido<br />
inoculado com resultado positivo por DUBOIS, no hamster; com material<br />
dêste animal foi possível a LAIDLAW transmitir a moléstia não só a outros<br />
hamsters como também a ratos brancos, o que, ao lado <strong>da</strong>s observações<br />
histológicas, fêz supôr que o caso humano primitivo tinha sido na<br />
reali<strong>da</strong>de uma infecção pelo bacilo <strong>da</strong> lepra murina. Tanto DUBOIS como<br />
ADLER apoiaram êsse ponto de vista.
– 248 –<br />
Outras moléstias animais semelhantes à lepra<br />
Búfalos – Kox e ROESLI observaram cinco búfalos apresentando<br />
nódulos cutâneos ao nível dos quais encontraram bacilos ácidoresistentes,<br />
e, embora julgando que fossem manifestações de tuberculose<br />
cutânea, sugeriram a hipótese de se tratar de uma forma de lepra. O<br />
assunto foi largamente estu<strong>da</strong>do por LOBEL, (253) que afirmou a natureza<br />
leprótica de lesões idênticas por êle observa<strong>da</strong>s em 21 búfalos, repletas de<br />
bacilos ácido-resistentes, aglomerados em massas, não cultiváveis nem<br />
inoculáveis. Clinicamente se observam nódulos de evolução crônica, com<br />
tamanhos variando de 5 a 60 milímetros, geralmente duros, às vêzes,<br />
moles e com flutuação, podendo ulcerar-se; também se notam placas de<br />
alopécia e áreas despigmenta<strong>da</strong>s, bem como lesões nasais.<br />
Aves – SIBLEY e NOLLER observaram lesões de aspecto leprótico<br />
no baço, fígado, pele e pulmões, menos intensas no cerebelo e intestinos,<br />
em uma espécie de pássaros (verdelhões). BARBEZIEUX notou nódulos e<br />
mutilações <strong>da</strong>s falanges em dois galináceos, o que nunca veio a ser<br />
confirmado.<br />
Gambás – Foram encontra<strong>da</strong>s lesões de aspecto leprótico e bacilos<br />
ácido-resistentes nos gânglios dêsses animais, por BOYÉ (67) na Guiana<br />
Francesa, o que não foi confirmado entre nós por JORDAN (213) que<br />
também não conseguiu inocular nêles a lepra humana.<br />
Gado, cavalos, carneiros – Foram descritas lesões intestinais e dos<br />
gânglios mesentéricos, fatais para os animais, que alguns autores<br />
atribuiram à tuberculose e outros a uma infecção de tipo leprótico.
CAPÍTULO V<br />
VIAS DE ELIMINAÇÃO DO BACILO DA LEPRA<br />
SUMÁRIO: Eliminação do bacilo pela pele, mucosa nasal,<br />
bucal, faringiana e laringiana, lagrimas, espermas, muco<br />
vaginal e secreção uterina. Eliminação dos bacilos pelos<br />
“portadores de germes”. Condições referentes aos<br />
bacilos eliminados: exaltação <strong>da</strong> virulência. Teoria de<br />
Manalang.<br />
Adotando a orientação que nos propuzemos seguir,<br />
consideraremos primeiramente de onde procedem os bacilos que<br />
determinam a infecção leprótica. Procedem, como é natural, de um<br />
doente, sendo que alguns autores admitem a existência de “portadores de<br />
germes”, que também disseminariam o “M. leprae”, concorrendo para a<br />
propagação <strong>da</strong> moléstia.<br />
Trataremos primeiramente <strong>da</strong>s vias de eliminação de germes pelos<br />
indivíduos doentes, e, depois, discutiremos a emissão de bacilos pelos<br />
“portadores de germes”.<br />
CAMPANA, cit. por Ja<strong>da</strong>ssohn, (201) duvi<strong>da</strong> <strong>da</strong> vitali<strong>da</strong>de de todos os<br />
bacilos eliminados. Conforme foi mencionado no estudo do “M. leprae”,<br />
não é possível esclarecer, por ora, êsse ponto, cuja eluci<strong>da</strong>ção não poderá<br />
ser feita enquanto não contarmos com recursos laboratoriais adequados e<br />
precisos, (cultura, inoculação em animais e segura diferenciação entre<br />
bacilos vivos e mortos). O que se pode afirmar é que bacilos vivos e com<br />
capaci<strong>da</strong>de infectante devem alcançar o indivíduo sadio para nêle<br />
determinar a infecção leprótica.<br />
São várias as vias pelas quais os bacilos podem ganhar o exterior;<br />
pelas mucosas, esperma, muco vaginal, fezes, urina e leite. Entretanto,<br />
destacam-se pela sua importância, a eliminação através <strong>da</strong> pele e <strong>da</strong><br />
mucosa nasal. Outro fator relevante a ser tomado em consideração é a<br />
forma clínica do doente, sendo conhecido que os bacilos alcançam o<br />
exterior em número incalculável, nos doentes lepromatosos e mistos.
– 250 –<br />
Nos doentes neurais, mórmente nos tuberculóides, a eliminação é muito<br />
rara, sendo pouco numerosos os bacilos.<br />
1.º – Eliminação pela pele: Consideremo -la nos doentes<br />
lepromatosos e mistos, e, de outro lado, nos neurais.<br />
a) – Nos doentes lepromatosos e mistos: Tô<strong>da</strong> solução de<br />
continui<strong>da</strong>de em pele invadi<strong>da</strong> por processo lepromatoso permite aos<br />
bacilos deixar o organismo doente para alcançar o meio exterior. São<br />
portanto numerosas as ocasiões em que isso pode ocorrer, como por ex.<br />
nas exsu<strong>da</strong>ções de lepromas supurados (sendo o material ricamente<br />
positivo para “M. leprae” de acôrdo com pesquisas bacterioscópicas que<br />
tivemos ocasião de fazer) e nas ulcerações em regiões com infiltração<br />
lepromatosa. Foram ain<strong>da</strong> assinala<strong>da</strong>s nas escamas <strong>da</strong> epiderme obti<strong>da</strong>s<br />
por raspagem. (CERQUEIRA, 93 ), no suor (bem numerosos segundo<br />
WEIDMANN), na secreção sebácea cutânea (MUIR), na lanugem e sob os<br />
pêlos <strong>da</strong> barba, sob as unhas, no prepúcio (KLINGMÜLLER e WEBER,<br />
BABES, HABEL, DOHI, RÕMER, TOUTON, GRAVAGNA, FISICHELLA,<br />
DACCO, AUGIER, V. MARTIN, DELBANCO).<br />
b) – Nos doentes de tipo nervoso: Poder-se-á verificar eliminação<br />
de bacilos através de soluções de continui<strong>da</strong>de em lesões cutâneas<br />
bacilíferas (por ex. em leprides tuberculóides reacionais).<br />
2.º – Mucosa nasal, bucal, faringiana e laringiana: É pelas<br />
mucosas, principalmente a nasal, que se verifica mais freqüentemente a<br />
eliminação de bacilos. A emissão do “M. leprae” pela mucosa pituitária<br />
veio mesmo a constituir a base de um processo laboratorial de diagnóstico<br />
<strong>da</strong> lepra, consistindo em se fazer esfregaço do material <strong>da</strong> mucosa nasal,<br />
obtido pela fricção <strong>da</strong>s paredes do septo com um estilete, envolto por fina<br />
cama<strong>da</strong> de algodão.<br />
Parece-nos ter sido GOLDSCHMIDT (164/165) o primeiro<br />
leprólogo que praticou êsse exame nos doentes de lepra, em 1891.<br />
Quatro anos mais tarde, também BABES e KALINDERO, citados por<br />
Hollmann (192) assinalaram a presença de bacilos ácido-resistentes<br />
na secreção nasal, e, finalmente, em 1897, JEANSELME introduziu<br />
na prática corrente o exame metódico do muco nasal.<br />
Os bacilos de Hansen são eliminados pela mucosa nasal dos<br />
doentes de lepra, em quanti<strong>da</strong>des consideráveis e, segundo GOUGEROT e<br />
AUBIN isto poderia ocorrer mesmo com a
– 251 –<br />
mucosa nasal macroscopicamente sã. Essa emissão dos bacilos é muito<br />
freqüentemente observa<strong>da</strong> entre os doentes lepromatosos e mistos; entre<br />
os neurais, é mais raro verificá-la, sendo outrossim, pouco numerosos os<br />
bacilos encontrados na secreção nasal. Segundo uma estatística que<br />
fizemos com BERTI, tomando em consideração o resultado de várias<br />
pesquisas bacterioscópicas pratica<strong>da</strong>s em ca<strong>da</strong> caso, pudemos reunir os<br />
<strong>da</strong>dos que são referidos no quadro abaixo.<br />
TIPOS CLÍNICOS<br />
N.º de<br />
casos<br />
Exame bacterioscópico do muco nasal<br />
Muco positivo Muco negativo<br />
Casos % Casos %<br />
Lepromatoso.................... 347 327 94,2 % 20 5,8 %<br />
Nervoso:<br />
1) macular simples.......... 152 45 29,6 % 107 70,4 %<br />
2) anestésico.................... 100 19 19,0 % 81 81,0 %<br />
3) tuberculóide................ 26 2 7,7 % 24 92,3 %<br />
Misto................................. 861 807 93,7 % 54 6,3 %<br />
TOTAL.......................... 1.486 1.200 286<br />
Êsse quadro estatístico vem confirmar o que dissemos ao iniciar<br />
êste estudo, isto é, que os doentes lepromatosos e mistos são os grandes<br />
eliminadores de bacilos, fato êsse que permite dividir os doentes de lepra,<br />
no sentido profilático, em “casos fechados” e “abertos”. A eliminação dos<br />
bacilos pela mucosa nasal foi muito freqüente entre os lepromatosos e<br />
mistos, e bem mais rara entre os neurais. Em todo caso, essas cifras estão<br />
um pouco acima do normal, pois, como dissemos, elas refletem o<br />
resultado de várias pesquisas leva<strong>da</strong>s a efeito em ca<strong>da</strong> doente. Ajunte-se,<br />
a propósito, que os doentes lepromatosos e mistos estão constantemente<br />
emitindo bacilos, o que não ocorre em relação aos de tipo nervoso, para<br />
os quais numerosas pesquisas são necessárias para que se surpreen<strong>da</strong> a<br />
eliminação dos germes.<br />
RABELLO apresenta percentagens que estão muito de acôrdo com<br />
as nossas e nas quais também se mostrou ser possível distinguir as formas<br />
lepromatosa, incaracterística e tuberculóide de acôrdo com o percentual<br />
de achados positivos na mucosa nasal. De acôrdo com suas pesquisas em<br />
1.030 doentes <strong>da</strong>s diversos formas de lepra, verificou que a forma mais<br />
contagiante era a lepromatosa (aqui se incluindo a le-
– 252 –<br />
pra mista), na qual o muco nasal era positivo em 70% dos casos; “em<br />
completa oposição com os casos lepromatosos” encontra-se a forma<br />
tuberculóide, a menos bacilífera: mucosa nasal desabita<strong>da</strong>”; “uma posição<br />
intermédia ocupam aqueles casos em que a pele, o nervo ou ambos êsses<br />
sectores são atingidos por processo parvibacilar: mucosa nasal positiva<br />
em 21,4% para os casos A (anestésicos) em 12% para os casos MA<br />
(máculo-anestésicos), em 5,8% para os casos M (maculosos):<br />
percentagem média de 15%”.<br />
Os numerosos AA. que procuraram evidenciar essa emissão do<br />
“M. leprae”, pesquisando-o no muco nasal, obtiveram resultados mais ou<br />
menos concor<strong>da</strong>ntes, divergindo apenas em relação aos doentes de tipo<br />
nervoso. Vamos referir os resultados dessas pesquisas, reunindo-os em<br />
um mesmo quadro.<br />
AUTORES (*)<br />
PRECENTAGENS DE EXAME DE<br />
MUCO NASAL POSITIVO<br />
F. lepro- F. nervosa<br />
F. mista<br />
matosa (**)<br />
N. de<br />
casos<br />
Nossos <strong>da</strong>dos......................... 94,2 % 23,7 % 93,7 % 1.486<br />
STICKER.................................... 96,6 % 66,1 % 96,29% 153<br />
ROGER e MUIR....................... 37% 3,8% – 309<br />
SOUZA ARAUJO...................... 81% 75% – –<br />
KOLLE....................................... 100% 37,25% 73,33% 137<br />
THIROUX.................................. 90,32% 15,94% – 200<br />
BOURRET.................................. 100% 61,53% 80% 27<br />
LEBOEUF.................................. 84 % 47,29% 92,30% 224<br />
OHASHI.................................... 50% 33,3% – –<br />
BIERMANN............................... 100% 54 % – –<br />
SUGAI...................................... 50% 33% – –<br />
ANGAI, MAKI, TSUBURA,<br />
NAKUJA, KOBAYASHI........... 100% 36,4% – –<br />
ANDRÉ e LEGER...................... 100% 55% 50% 38<br />
DEYCKE................................... 100% 20% – –<br />
ZLEMANN................................ 100% 54% – –<br />
GIRARD E HERIVAUX.............. 100% 15% 71% 114<br />
PAVLOFF................................. 58% 36% 58,7% –<br />
KITASATO................................. 80% 42,6 80,5% 122<br />
GLUCK..................................... 68% 19% 45% –<br />
HOLLMANN............................. 89,6% 45,5% 66,6% –<br />
V. HOUTON............................. 91,7% 3,1% – 269<br />
STEIN E STEPERIN..................... 60,4% 11,2% 54,6% –<br />
(*)As indicações bibliográficas serão menciona<strong>da</strong>s a seguir.<br />
(**) Reunimos neste tipo clínico o que os AA. denominaram de forma nervosa,<br />
anestésica ou trofoanestésica.
– 253 –<br />
Indicações bibliográficas do quadro<br />
STICKER – “Tése sobre a patogênese <strong>da</strong> lepra”. Lepra Conferenz, Berlin, 1897: 1,<br />
99.<br />
SOUZA ARAUJO, H. C. – A etiologia <strong>da</strong> lepra (3.ª lição). Rev. Médico-Cirurgica do<br />
Brasil, 1938: (4) 538.<br />
KOLLE — “La lésion initiale de la lépre”. Bib. Internat. Lepra. 1900: 132.<br />
THIROUX – “Contribution à I'étude de la contagion et de la pathogénie de la<br />
lépre”. Arch. f. Schiffs. und Tropen-Hygiene, Leipzig, 1904: XXXI, 409.<br />
BOURRET, G. – “Recherches sur la lépre”Bull. Soc. Path. Exot., Paris,1908: I,<br />
56.<br />
LEBOEUF – “Bacille de Hansen <strong>da</strong>ns le mucus nasal des lépreux”. Lepra. Bibliot.<br />
Intern. 1912: XII, 180.<br />
OHASHI, cit. por JADASSOHN – Handbuch der pathogenen Mikroorganismen.<br />
“Etiologia geral <strong>da</strong> lepra”. Tradução de Raul Margarido. Rev. Brasileira de<br />
Leprologia, 1940: VIII, 63.<br />
BIERMANN, cit. ALFONSECA – “Les voies d'émission du bacille de la lépre”. Tése,<br />
Paris, 1915.<br />
SUGAI, cit. JADASSOHN – Já citado.<br />
ANGAI, MAKI, TSUBURA, NAKUJA, KOBAYASHI, cit. por JADASSOHN – Já referido.<br />
ANDRÉ e LEGER, cit. por ALFONSECA – Já referido.<br />
DEYCKE, cit. por KLINGMULLER, V. – “O nariz como porta de entra<strong>da</strong> na lepra” e<br />
“O nariz”. Die Lepra, Coleção Ja<strong>da</strong>ssohn, Berlim, 1930: 250 e 351.<br />
ZLEMANN, cit. por JADASSOHN — Já referido.<br />
GIRARD, G. e HERIVAUX, A. – “La recherche du bacille de Hansen au niveau de la<br />
muqueuse nasale”. Bull. Soc. de Path. Exot., 1931: XXIV, 68.<br />
PAVLOFF – “Leprosy in the nose and mouth”. Zentralblatt, 1930: XXXV, 139.<br />
KITASATO, S. – “A lepra no Japão. Trecho referente à lepra na mucosa nasal”.<br />
Lepra Conferenz, Bergen, 1910: 147 e 149.<br />
GLUCK – Les lésions des muqueuses et notamment des voies respiratoires<br />
supérieures”. Conf. Intern. de Lépre. Berlim, 1897: 19, Abstract Ann. de<br />
Dermot. et de Syph., 1897: VIII, 1155.<br />
HOLLMANN, cit. por JADASSOHN – Já referido.<br />
V. HOUTON – “Sur la lépre” – Meded. uit het Geneeskundig Laboratorium to<br />
Weltevreden. 1907. Abstrat. Ann. Dermat. et Syph., 1908:448.<br />
STEIN, A. A. e STEPERIN, M. – “Excretion of lepra bacilli by lepers” – The Urol and<br />
Cut. Review, 1934: (11), 776.<br />
––––––––<br />
De acôrdo com êsse quadro, vemos que a maioria dos autores<br />
verificou ser muito freqüente a emissão de bacilos pela mucosa nasal dos<br />
lepromatosos e mistos, conforme nós também observámos. De outro lado,<br />
alguns leprólogos, nota<strong>da</strong>mente STICKER, ZLEMANN, SOUZA ARAUJO e<br />
BIERMANN, observaram que essa eliminação era também freqüente entre<br />
os doentes de tipo neural, o que está em desacôrdo com os nossos <strong>da</strong>dos e<br />
os de outros autores. Julgamos que isto deve ser atribuido mais a uma<br />
discordância <strong>da</strong> classificação dos casos do que pròpriamente a qualquer<br />
outro fator.
– 254 –<br />
Além <strong>da</strong> mucosa nasal, os bacilos podem ser eliminados também<br />
pela saliva e catarro, contaminados por lesões que eventualmente se<br />
desenvolvem na bôca, rinofaringe e laringe. Como é sabido, entre os<br />
lepromatosos e mistos são freqüentes as lesões bucais: OKUMURA (334)<br />
observou-a em 49,14% dêsses doentes e BELOWIDOW (44) em 40% dos<br />
casos. Em 456 doentes que examinámos juntamente com BERTI (43)<br />
observámos lesões lepróticas em 19,1% dos lepromatosos e mistos; isso<br />
clínicamente, pois a anatomia patológica permite evidenciar lesões<br />
específicas, mormente na lingua, em número bem maior de casos.<br />
As lesões bucais, com o tempo vêm a ulcerar-se e então os bacilos<br />
passam à saliva, sendo eliminados para o exterior, quando o doente fala,<br />
tosse ou espirra.<br />
Neste particular, releva notar que seriam extremamente numerosos<br />
os bacilos que ganham o exterior, a distâncias variáveis do doente. Em<br />
interessantes investigações, SCHAEFFER procurou fixar êsses detalhes.<br />
Baseando-se nas pesquisas de PFLÜGGE, procurou esse autor avaliar que<br />
distância alcançavam as gotículas bacilíferas elimina<strong>da</strong>s por dois doentes<br />
que apresentavam lesões nasais e bucais e que articulavam com<br />
dificul<strong>da</strong>de as palavras, em virtude <strong>da</strong>s deformações dos lábios, que<br />
resultava lançarem grande número de partículas ao falar; procurou,<br />
outrossim, calcular o número de bácilos que eram eliminados. Para<br />
conseguir seu intúito dispôs certo número de lâminas na frente do doente,<br />
sôbre o solo ou sôbre uma mesa. Feito isso man<strong>da</strong>va os doentes ler um<br />
jornal em tom natural durante 10 minutos ou tossir e espirrar. As lâminas<br />
eram então fixa<strong>da</strong>s e cora<strong>da</strong>s pelo Ziehl-Neelsen.<br />
As experiências de SCHAEFFER chamaram a atenção de alguns<br />
leprólogos para a importância desta disseminação em massa dos bacilos,<br />
que naturalmente deveria ser temi<strong>da</strong> a partir dos doentes com lesões <strong>da</strong>s<br />
mucosas e portanto em número elevado de casos, visto que são comuns as<br />
lesões nasais nos doentes lepromatosos.<br />
MERIAN & SOLANO repetiram as experiências de SCHAEFFER<br />
utilizando-se de doentes que apresentavam comprometimento moderado<br />
<strong>da</strong> mucosa nasal e bucal. De modo geral, os seus resultados não vieram a.<br />
confirmar os de SCHAEFFER, razão por que acreditam que a lepra não<br />
poderia ser transmiti<strong>da</strong> dessa maneira. Também GLUCK não tinha<br />
tendência a admiti-la, assim como ROGERS e MUIR. No entanto, LIE e<br />
GERBER observaram que os bacilos atingem em abundância as<br />
circunvizinhanças, quando falavam ou tossiam e sobretudo quando
– 255 –<br />
espirravam. Não só LIE, como MARCHOUX eKREIBICH eMARCHOUX<br />
parecem inclinados a atribuir certa importância à infecção pelas gotículas.<br />
Embora não tenhamos repetido as experiências de SCHAEFFER<br />
julgamos perfeitamente aceitável admitir-se que os bacilos de Hansen<br />
possam eliminar-se pelos perdigotos desde que existam lesões na mucosa<br />
nasal ou bucal, pelas quais os bacilos contaminam a saliva. Aliás na saliva<br />
de doentes com lesões bucais, viemos a encontrar o “M. leprae” em várias<br />
pesquisas que efetuámos. Os bacilos passando para o exterior, poderão<br />
alcançar e atravessar a mucosa nasal de um indivíduo sadio, determinando<br />
o aparecimento <strong>da</strong> moléstia, desde que as condições do terreno sejam<br />
favoráveis.<br />
Eliminação dos bacilos pelas lágrimas e líquido conjuntival:<br />
BABES é de parecer que a conjuntiva constitue foco de dispersão do “M.<br />
leprae”, levando em conta o fato de que o saco conjuntival contem grande<br />
quanti<strong>da</strong>de de bacilos nos doentes com lesões pronuncia<strong>da</strong>s <strong>da</strong> face.<br />
Segundo JEANSELME, REGUE já teria demonstrado,<br />
anteriormente, a possível presença do bacilo de Hansen na<br />
secreção conjuntival. RÖMER e KALINDERO também teriam sido<br />
bem sucedidos em suas pesquisas.<br />
É preciso notar porém que outros leprólogos raramente<br />
evidenciaram os bacilos em suas pesquisas: MORAX e JEANSELME<br />
observaram-nos em número muito pequeno, uma única vez dentre<br />
vários exames feitos em seis doentes com lesões oculares.<br />
HOLLMANN examinou 205 esfregaços de 42 doentes com lesões <strong>da</strong><br />
esclerótica, e apenas duas vêzes foi positiva a pesquisa. Outrossim,<br />
AUCHE evidenciou o “M. leprae” somente duas vêzes em 25<br />
esfregaços que fizera.<br />
Os resultados positivos que foram alcançados pelos diversos<br />
autores devem ser atribuidos à existência de lesões esclerosas e<br />
episclerais, comuns entre os doentes lepromatosos. Em todo caso, releva<br />
notar a divergência dos resultados <strong>da</strong>s in<strong>da</strong>gações dos vários leprólogos, o<br />
que indicaria, de acôrdo com os mesmos, que essa via de eliminação do<br />
“M. leprae” é desprovi<strong>da</strong> de importância primordial.<br />
Eliminação de bacilos pelo esperma: Em virtude de ser muito<br />
freqüente o comprometimento dos testículos e dos epididimos nos doentes<br />
lepromatosos e mistos, é de admitir-
– 256 –<br />
se que os bacilos <strong>da</strong> lepra possam ser eliminados pelo esperma. E, de fato,<br />
numerosos foram os leprólogos que os evidenciaram nas suas pesquisas.<br />
Entre eles podemos citar BABES e KALINDERO (28) ,<br />
KLINGMÜLLER e WEBER, SUGAI (cit. por JADASSOHN) ePAIS. (343)<br />
Em pesquisas leva<strong>da</strong>s a efeito em 46 doentes, KOBAYASHI<br />
observou globias em todos os casos, com excepção de um, no qual<br />
os bacilos eram muito raros. PAIS conseguiu evidenciar os bacilos<br />
em 19 casos, sendo mais ou menos numerosos. Não foi<br />
menciona<strong>da</strong> a relação dêsses resultados com a forma clínica dos<br />
doentes que forneceram o material.<br />
A eliminação de bacilos pelo esperma suscita a questão <strong>da</strong><br />
transmissão <strong>da</strong> lepra pelo contacto sexual. Discutiremos êsse ponto mais<br />
adeante, quando tratarmos <strong>da</strong>s portas de entra<strong>da</strong> do bacilo no organismo<br />
humano.<br />
Eliminação dos bacilos pelo muco vaginal e secreção uterina:<br />
Muitos AA. evidenciaram o “M. leprae” no muco vaginal e na secreção<br />
uterina. JEANSELME afirmou, e com razão, que essas pesquisas devem ser<br />
acolhi<strong>da</strong>s com reservas, pois na vagina podem encontrar-se bacilos<br />
análogos ao do esmégma; dever-se-á concluir pela existência do bacilo de<br />
Honsen apenas quando as globias forem evidencia<strong>da</strong>s.<br />
BABES eKALindero, SUGAI, NICOLAS e THIROUX (324/474)<br />
conseguiram evidenciar as pesquisas de LAMOUREUX.<br />
THIROUX pesquisou o “M. leprae” no muco vaginal de 100<br />
pacientes, sendo positivo o exame em 27,27 % dos “tuberosos” e<br />
em 3,84 % dos casos “trofoneuróticos” (percentagem geral: 9).<br />
As pesquisas de NICOLAS foram feitas apenas em 10<br />
doentes, sendo os bacilos evidenciados de maneira níti<strong>da</strong> em 4<br />
casos; em 1 o exame foi duvidoso e em outros 5 negativo.<br />
Eliminação dos bacilos pelo leite: Alguns autores conseguiram<br />
evidenciá-los no leite: BABES e KALINDERO, RÖMER, SUGAI eMONOBE,<br />
sendo negativos os resultados dos exames de DARTER e SOLIS. Na prática<br />
de tais pesquisas uma causa de êrro precisa ser toma<strong>da</strong> em consideração e<br />
é justamente afastar do exame os doentes que eventualmente apresentem<br />
infiltração lepromatosa nos mamilos.
– 257 –<br />
Eliminação dos bacilos pela urina e fezes: Na urina os germes<br />
foram encontrados por BOEK, GOUGEROT, HOLLMANN, HONEIJ, MARRAS<br />
e Outros, citados por Gougerot (175) ; não se evidenciaram em seus exámes:<br />
ARNING, KLINGMÜLLER eWEBER.<br />
Também nas fezes foram positivas as pesquisas bacterioscópicas<br />
leva<strong>da</strong>s a efeito por alguns autores (ARNING, BABES, BESNIER e outros).<br />
Anotemos a propósito que sendo excepcionais a localização dos lepromas<br />
nos intestinos, o mais provável é que os bacilos encontrados nas fezes<br />
provenham de lesões bucais ou nasais.<br />
O que se deduz, <strong>da</strong> leitura dêste capítulo, é que os bacilos são<br />
eliminados para o exterior especialmente pelos doentes lepromatosos e<br />
mistos. Com os doentes do tipo neural, mórmente com os tuberculóides,<br />
isso ocorre raramente, quando existem focos bacilíferos na pele e na<br />
mucosa nasal. Essa opinião é sustenta<strong>da</strong>, aliás, pela grande maioria dos leprólogos,<br />
que consideram o tipo nervoso muito menos contagiante que os<br />
primeiros.<br />
Com os tuberculóides isso aconteceria, por exemplo, na fase<br />
reacional, quando as lesões são bacilíferas e focos nasais podem ser<br />
evidenciados; fora dessa fase, dificilmente são contagiantes esses casos.<br />
ELIMINAÇÃO DOS BACILOS PELOS “PORTADORES DE<br />
GERMES”<br />
Como já assinalámos, ao iniciar o estudo <strong>da</strong>s vias de eliminação<br />
dos bacilos, estes proviriam de indivíduos já doentes, como é fácil<br />
conceber; no entanto, alguns autores admitem que a disseminação do “M.<br />
leprae” possa fazer-se também à custa dos assim chamados portadores de<br />
germes. Êsses leprólogos baseiam suas afirmações nas pesquisas<br />
bacterioscópicas positivas procedi<strong>da</strong>s no muco nasal <strong>da</strong>s pessoas que<br />
conviviam com doentes de lepra (“comunicantes”). Diga-se de passagem,<br />
que essas pesquisas ofereceram resultados discor<strong>da</strong>ntes para os que as<br />
(469)<br />
praticaram. Alguns, STICKER, COHN e MUNCH, GLUCK,<br />
BRINCKERHOFF e MOORE, referem ter evidenciado bacilos no muco nasal<br />
apenas em um caso. Outros conseguiram, em maior número de vêzes,<br />
surpreender bacilos <strong>da</strong> lepra no muco nasal dos comunicantes; MOTA (312)<br />
4 vêzes, KITASATO 3 vêzes em 68 comunicantes; MONTEIRO DE BARROS,<br />
SILVEIRA e GONZAGA (35) também 3 vêzes em crianças, filhas de leprosos,<br />
as quais foram isola<strong>da</strong>s ao nascer; DORENDORF em 5 casos, PLUMERT (362)<br />
em vários (não especifica o<br />
F. 17
– 258 –<br />
número), o mesmo acontecendo com ZACHMEISTER e HORCIKA, SAMGIN,<br />
MANGET, WALT, RÕMER, SERRA e FALCÃO (140/141) em 17 comunicantes<br />
que apresentavam rinite acompanha<strong>da</strong> de pequenas ulcerações do septo.<br />
De outro lado, VAN BREUSEGHEM, (71/160) GERBER, IHARA e PAIS<br />
AZEVEDO (26) pesquisaram sem êxito os bacilos no muco nasal dos<br />
comunicantes. JEANSELME refere que no Hospital São Luiz, onde os<br />
leprosos vivem em salas comuns, foram negativos os exames procedidos<br />
nos seus vizinhos de leito e nos enfermeiros que dêles tratavam.<br />
Em um total de 2.583 exames em outros tantos comunicantes <strong>da</strong><br />
sede do Departamento de Profilaxia <strong>da</strong> Lepra, apenas 65 foram positivos,<br />
numa percentagem de 2,5%. Para julgar devi<strong>da</strong>mente o valor dêsse<br />
achado, julgámos conveniente, por sugestão do Dr. Raul Margaridó,<br />
efetuar idênticas pesquisas em indivíduos que não eram comunicantes<br />
diretos de doentes de lepra, escolhendo para tal fim o Instituto<br />
Correcional, onde foi colhido o material em 300 menores. Em todos êles a<br />
pesquisa bacterioscópica fôra negativa para o “M. leprae”, ganhando<br />
relêvo, diante dessa negativi<strong>da</strong>de, a percentagem de 2,5% de exames<br />
positivos no muco nasal dos comunicantes. Em relação a estes últimos<br />
casos, acrescente-se que nos mesmos o exame clínico não revelara<br />
nenhum sinal suspeito de lepra e que dois dêles se tornaram doentes.<br />
Passemos agora à discussão do ponto que nos interessa: os nossos<br />
comunicantes e os dos vários leprólogos citados seriam “portadores de<br />
germes”, em virtude de ter sido positivo o exame do muco nasal, sem que<br />
lesões lepróticas de qualquer natureza fossem perceptíveis ao exame<br />
clínico?<br />
Como é conhecido, designaram-se, em epidemiologia, sob a<br />
denominação de “portadores de germes” os indivíduos que, tendo tido ou<br />
não determina<strong>da</strong> moléstia infecciosa, transportam consigo germes<br />
patogênicos específicos. Os portadores de germes, como fonte de<br />
contágio, já foram demonstrados para numerosas infecções, tais como a<br />
febre tifóide, cólera, disenteria, paralisia infantil.<br />
Vejamos qual a opinião que se pode formar quanto à lepra,<br />
recorrendo primeiramente à analogia com a tuberculose. Nesta, o<br />
indivíduo adquire a moléstia na primeira infância, criando-se antes um<br />
estado de hiperergia e depois de imuni<strong>da</strong>de. Durante 15, 20 e mesmo 30<br />
anos, o indivíduo conserva essa imuni<strong>da</strong>de, podendo manifestar-se nova<br />
infecção tuberculosa, que se chamará superinfecção. Depois <strong>da</strong>s i<strong>da</strong>des<br />
acima referi<strong>da</strong>s vai caindo a imuni<strong>da</strong>de e o indi-
– 259 –<br />
víduo pode readquirir a tuberculose pela reinfecção e com esta, também a<br />
imuni<strong>da</strong>de. Quando porém o indivíduo é sujeito a contacto contínuo com<br />
os doentes, como sucede com os médicos e com os enfermeiros, êle pode<br />
não perder a imuni<strong>da</strong>de e sim mantê-la sempre. Neste caso recebem<br />
bacilos e podem conservá-los sem que se tornem doentes, exercendo o<br />
papel de portadores de germes; êsses casos, no entanto seriam muito<br />
raros.<br />
Comparando-se com a tuberculose, teòricamente, poderia admitirse<br />
a existência de portadores de germes na lepra. Os nossos 63<br />
comunicantes que tiveram exame de muco positivo e nos quais a moléstia<br />
não se evidenciou mais tarde, deporiam a favor dessa hipótese. O mesmo<br />
se diga de 3 casos observados por FALCÃO, que tinham rinite e ulceração<br />
do septo, com pesquisas de bacilos positiva e que, acompanhados durante<br />
muito tempo, não se tornaram doentes de lepra.<br />
Em contraposição a essas observações, é preciso notar, verificámos<br />
apenas dois casos que depois se tornaram doentes de lepra e FALCÃO<br />
acompanhou 11 indivíduos nos quais surpreendeu a generalização <strong>da</strong><br />
moléstia. É portanto necessário considerar a hipótese de que os<br />
comunicantes com muco nasal positivo sejam doentes de lepra.<br />
Considerando os nossos achados, a existência de “portadores de<br />
germes” na lepra, permite supôr a presença de bacilos na mucosa nasal ou<br />
por uma lesão única, localiza<strong>da</strong> no nariz, ou pelo desenvolvimento dos<br />
mesmos em certas partes do organismo, especialmente nos gânglios,<br />
donde atingiriam a mucosa nasal, nela determinando uma lesão que lhes<br />
possibilite ganhar o exterior (pois, quando normal, a mucosa não seria<br />
atravessa<strong>da</strong> pelos mesmos). Ora, segundo ASKANAZY, (23) “ o portador de<br />
germes que permaneceu são clìnicamente, não escapou de todo à ação<br />
infecciosa, já que se formaram, no seu sangue, anticorpos específicos”.<br />
De outro lado, o fato de existirem bacilos no organismo permitiria supôr<br />
uma infecção leprosa latente, por exemplo, de localização ganglionar, (*)<br />
uma lepra incipiente com uma única manifestação nasal. Nêsses casos<br />
seriam interessantes<br />
__________________<br />
(*) Como MARCHOUX (La Lèpre, contagion et prophylaxie). Rev. d’Hyg. et de<br />
Méd. Prevent. 1930 (2) 89, observara na lepra dos ratos e também na lepra humana.<br />
Nesta última, juntamente com seus discípulos, teria demonstrado que a infecção<br />
ganglionar pode permanecer latente durante longo período de tempo e mesmo<br />
indefini<strong>da</strong>mente, podendo ser posta em evidência pela punção dos gânglios<br />
superficiais.
– 260 –<br />
os resultados <strong>da</strong>s punções ganglionares e <strong>da</strong> biópsia ganglionar e nasal.<br />
Êsses indivíduos com lepra patente ganglionar ou com lepra<br />
incipiente nasal, poderiam mais tarde, por condições várias, ter a<br />
generalização <strong>da</strong> moléstia – como nós observamos em dois e FALCÃO em<br />
11 casos – ou debelar a infecção de maneira completa, de modo a que o<br />
exame de muco e o rinoscópico não evidenciariam a lesão nasal, nem a<br />
punção de gânglios seria positiva e nem, tão pouco, outros sinais clínicos<br />
de lepra chegariam a se manifestar durante longos anos ou tô<strong>da</strong> vi<strong>da</strong>.<br />
Nesta última condição, colocariamos os nossos 63 comunicantes nos<br />
quais a evolução ulterior dos casos não pôs em relêvo nenhuma<br />
manifestação <strong>da</strong> moléstia, e os 3 casos de FALCÃO. De acôrdo com as<br />
suposições acima emiti<strong>da</strong>s (note-se que são apenas hipóteses, já que<br />
qualquer afirmação seria au<strong>da</strong>ciosa) vemo s que êstes últimos casos<br />
poderiam ser considerados não mais como “portadores de germes”, mas<br />
sim como doentes de lepra latente ganglionar ou com uma única<br />
manifestação nasal <strong>da</strong> moléstia, que espontaneamente regrediu com o<br />
decorrer do tempo.<br />
Lendo o trabalho de ALFONSECA, (10) vimos que o nosso modo de<br />
pensar é semelhante ao de JEANSELME que, a respeito dos três<br />
comunicantes de KITASATO com exame de muco positivo, preferiu<br />
inclinar-se para a hipótese de serem êles já doentes de lepra incipiente,<br />
inicial, pelo fato de que os bacilos já tinham forçado a barreira epitelial <strong>da</strong><br />
pituitária.<br />
Ain<strong>da</strong> em apôio do conceito que emitimos, é interessante<br />
transcrever um trecho do estudo que JADASSOHN (202) faz <strong>da</strong> patologia <strong>da</strong><br />
lepra: “Sabemos atualmente, baseados em numerosos achados, que de<br />
fato a infecção leprosa se acha muito mais dissemina<strong>da</strong> do que realmente<br />
se admite. Já me referi diversas vêzes a êste ponto. Em princípio devemos<br />
distinguir a êste respeito: a invasão simples, sem nenhuma reação do<br />
corpo, e a infecção que, ou permanece clìnicamente em completa latência<br />
ou só produz sintomas tais que passam despercebidos ao infectado”.<br />
De qualquer maneira, na falta de <strong>da</strong>dos mais completos sôbre os<br />
nossos casos e os publicados na literatura, achamos melhor deixar em<br />
suspenso o nosso juízo sôbre a questão, embora prefiramos considerar<br />
como muito suspeitos de serem doentes de lepra os comunicantes com<br />
muco nasal positivo.
– 261 –<br />
CONDIÇÕES REFERENTES AOS BACILOS ELIMINADOS<br />
Não nos deteremos em considerar em minúcias o estudo do “M.<br />
leprae”, que foi objeto de comentários na primeira parte dêste trabalho.<br />
Assinalaremos apenas que existem casos nos quais é possível admitir-se o<br />
aumento <strong>da</strong> virulência dos bacilos de Hansen. No trabalho de SAMPAIO<br />
(415)<br />
,ao qual emprestámos nossa orientação e colaboração, foi assinala<strong>da</strong> a<br />
interessante observação que fizemos, na qual a propagação <strong>da</strong> lepra em<br />
um grupo de famílias foi muito grande, permitindo supôr um aumento de<br />
virulência dos germes infectantes, pelas passagens sucessivas em<br />
indivíduos em que o “terreno” era particularmente favorável ao<br />
desenvolvimento do bacilo.<br />
Antônio B. foi o primeiro doente na família, em que não se<br />
registrara anteriormente caso algum de lepra. Antônio convivia<br />
com um estranho que era doente de lepra, não observando nenhum<br />
preceito profilático. Outros três irmãos em convívio com a mesma<br />
pessoa, agiam <strong>da</strong> mesma maneira. Manifestou-se então a moléstia,<br />
primeiramente em Antônio B., adoecendo depois seus irmãos Ema,<br />
João e Lin<strong>da</strong>. Três filhos de Antônio B. (Geraldo, Dulcelino e<br />
Ana), tornaram-se doentes mais tarde.<br />
Jácomo G., casado com Lin<strong>da</strong> B., e também em contacto<br />
com seus cunhados doentes, apresentou os primeiros sinais <strong>da</strong><br />
moléstia após 8 anos de convivência. Nenhum de seus ascendentes<br />
era portador de lepra.<br />
Uma <strong>da</strong>s irmãs dos B., porém sã, era casa<strong>da</strong> com Luiz Z„<br />
em cuja família não havia doentes anteriormente. Luiz, assim<br />
como os seus nove filhos mantiveram regular contacto com os B.;<br />
o resultado é que um dos filhos de Luiz enfermava; em segui<strong>da</strong> êle<br />
mesmo tornou-se doente, e posteriormente mais seis de seus filhos.<br />
Portanto, até a época presente, ficaram livres <strong>da</strong> enfermi<strong>da</strong>de<br />
apenas dois dos seus filhos.<br />
Pelo exame dessa observação vê-se que três familias tendo certas<br />
relações entre si, foram vítimas do contágio, ficando doentes dezesseis<br />
pessoas.<br />
A verificação que fizemos permite supôr que o bacilo de Hansen<br />
tenha adquirido uma virulência muito maior, porque é sabido que os<br />
germes, em geral, têm a sua viru-
– 262 –<br />
lência exalta<strong>da</strong> quando passam por organismos receptivos. Aliás também<br />
na lepra já foi admitido por HANSEN eLOOFT, que a virulência não é<br />
absolutamente constante mas está na dependência do terreno, sendo<br />
função dêste. Outrossim, NEISSER admite que a virulência aumenta por<br />
passagem de homem para homem.<br />
MANALANG julga que o bacilo de Hansen pode transmitir a lepra<br />
independentemente do seu estado de ácido-resistência. “Provàvelmente<br />
um virus, a fase não ácido-resistente do M. leprae, seria responsável pela<br />
evolução <strong>da</strong>s lesões iniciais anestésicas <strong>da</strong> pele (bacteriològicamente<br />
negativas e patològicamente infiltração perivascular) para a lepra<br />
bacteriològicamente positiva o que tornava o leproso negativo tão<br />
importante quanto o positivo na sua capaci<strong>da</strong>de de transmitir a moléstia<br />
ao indivíduo receptivo”. Adotando-se como certa a afirmação de<br />
MANALANG (275/276) , seríamos obrigados a internar também os casos tidos<br />
até aqui como bacteriològicamente negativos e não sòmente os positivos<br />
ao exame bacterioscópico habitual.<br />
Muitas discussões suscitou essa teoria, pela autori<strong>da</strong>de de quem a<br />
apresentou e pela sua eventual importância no campo <strong>da</strong> profilaxia.<br />
Vimos no estudo do “M. leprae” que RODRIGUEZ, MALABAY e<br />
TOLENTINO são favoráveis à ação dessas formas ácido-sensíveis.<br />
Christian (100) , baseado em <strong>da</strong>dos estatísticos, escreve que, “os<br />
pacientes negativos não transmitem a moléstia, enquanto os positivos<br />
transmitem-na a mais de 90% <strong>da</strong>s crianças”. Êstes achados estão em<br />
desacôrdo com a opinião de MANALANG, e apoiam o ponto de vista de<br />
que o bacilo ácido-resistente é a forma do agente etiológico <strong>da</strong> lepra e de<br />
que os casos de lepra que não eliminam bacilos (casos “fechados”) não<br />
constituem fontes de infecção.<br />
Também ROGERS afirma que a grande maioria dos casos de lepra<br />
nervosa não tem poder contagiante, baseando-se na seguinte estatística:<br />
113 casos de lepra originaram-se <strong>da</strong> forma nodular em 94,7% dos casos e<br />
<strong>da</strong> forma nervosa em 5,3% dos casos.<br />
A nossa opinião é concorde com a dêsses autores. Temos<br />
observado que as contaminações têm se <strong>da</strong>do nos indivíduos que<br />
convivem com os doentes eliminadores de bacilo; se há infecciosi<strong>da</strong>de<br />
por parte dos casos não bacilíferos, não temos elementos para afirmar.<br />
Parece-nos que se as formas filtráveis ou ácido-sensíveis determinam a<br />
moléstia, isso ocor-
– 263 –<br />
reria pelo fato de que tais formas se eliminariam conjuntamente com os<br />
bacilos ácido-resistentes habituais.<br />
SCHUJMANN (426), seguindo no seu estudo a mesma orientação<br />
recomen<strong>da</strong><strong>da</strong> por MANALANG, diverge <strong>da</strong> opinião dêste, chegando,<br />
entre outras, às seguintes conclusões:<br />
Aos argumentos de MANALANG sustentando a existência<br />
de um ciclo evolutivo, nós objetamos que êle não se realiza em<br />
muitos casos incipientes e quase nunca nos tuberculóides.<br />
As recaí<strong>da</strong>s dos casos negativos que MANALANG atribue<br />
ao virus que inicia um novo ciclo evolutivo, nós as interpretamos<br />
como novas disseminações bacilares provenientes dos fócos<br />
leprosos viscerais (fígado, baço, gânglios, etc.).<br />
Não concor<strong>da</strong>mos com MANALANG em que se deva<br />
considerar tão perigosos os casos bacilíferos como os negativos;<br />
cremos no entanto que se deva isolar ùnicamente os casos<br />
positivos e vigiar os negativos e entre êles especialmente os que<br />
apresentam uma reação de Mitsu<strong>da</strong> negativa ou dèbilmente<br />
positiva.
CAPÍTULO VI<br />
TRANSMISSÃO<br />
SUMÁRIO: Introdução. I - Transmissão <strong>da</strong> lepra pelas vias<br />
hereditárias, germinativa e congênita: argumentos invocados<br />
a seu favor; objeções: argumentos baseados na patologia,<br />
na biologia e na epidemiologia. Transmissão congênita ou<br />
placentária.<br />
II - Transmissão <strong>da</strong> lepra pelo contágio. Exposição de<br />
alguns exemplos epidemiológicos que indicam a<br />
contagiosi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> moléstia.<br />
INTRODUÇÃO<br />
Desde a mais remota antigui<strong>da</strong>de, a lepra tem sido considera<strong>da</strong><br />
como moléstia transmissível pelo contágio. Êsse conceito sofreu<br />
solução de continui<strong>da</strong>de durante cêrca de dois séculos, para depois<br />
voltar a predominar até a época presente.<br />
De fato, desde o conhecimento <strong>da</strong> moléstia até o século XVIII<br />
era a lepra considera<strong>da</strong> muito contagiosa: atestam-no as medi<strong>da</strong>s<br />
profiláticas toma<strong>da</strong>s por Moisés e pelos europeus na I<strong>da</strong>de Média. Do<br />
século XVIII até a primeira metade do XIX, a lepra foi ti<strong>da</strong> como<br />
hereditária, porquanto se observou nos hospitais a convivência de<br />
doentes com indivíduos sãos, sem que êstes viessesm a adoecer. Outros<br />
fatos teriam induzido muitos leprólogos a êsse modo de pensar,<br />
conforme mencionaremos mais adiante. Entretanto, no fim do século<br />
XIX para os dias de hoje, começou a ganhar terreno e a firmar-se<br />
novamente o primitivo modo de pensar contagionista, que foi<br />
unanimemente aprovado na 1.ª Conferência Internacional de Lepra,<br />
realiza<strong>da</strong> em Berlim no ano de 1897. Fazemos notar que, embora tenha<br />
sido essa a conclusão a que se chegou nessa Conferência,
– 265 –<br />
muitos autores, entre os quais se destacou ZAMBACO, insurgiram-se<br />
contra a mesma, mantendo-se fieis ao ponto de vista anticontagionista.<br />
Vamos estu<strong>da</strong>r o assunto, considerando-o <strong>da</strong> seguinte maneira:<br />
I – Transmissão de lepra pelas vias hereditária, germinativa e<br />
congênita; e<br />
II – Transmissão <strong>da</strong> lepra pelo contágio.<br />
I – TRANSMISSÃO DA LEPRA PELAS VIAS HEREDITARIA,<br />
GERMINATIVA E CONGENITA.<br />
DANIELSSEN & BOECK foram levados a supôr que a lepra era<br />
hereditária por terem observado que a sua propagação era freqüente no<br />
meio familiar, sem que no entanto levassem em conta que êste meio<br />
oferece as condiçõs ideais para o contágio. Acrescente-se a isso o fato de<br />
que as suas inoculações experimentais ao homem vieram a falhar.<br />
A transmissão hereditária <strong>da</strong> lepra encontra seu mais ardoroso<br />
defensor em ZAMBACO.<br />
(494) Segundo êste autor, a lepra é moléstia<br />
hereditária, vindo a manifestar-se durante a puber<strong>da</strong>de; poderia aparecer<br />
também entre os adultos e mesmo na i<strong>da</strong>de avança<strong>da</strong>, embora<br />
considerasse excepcional essa ocorrência.<br />
A transmissão hereditária <strong>da</strong> lepra efetuar-se-ia “ab ovo” ou ain<strong>da</strong><br />
pela infecção “in utero”. O espermatozóide do doente transmitiria a lepra<br />
ao produto <strong>da</strong> concepção <strong>da</strong> mulher sã; sendo sadio o pai, a criança<br />
her<strong>da</strong>ria a moléstia pelo óvulo. O próprio ZAMBACO acha porém que a<br />
herança direta, pela passagem do bacilo ao óvulo e do espermatozóide<br />
para o ôvo seja rara, tanto na lepra como na tuberculose.<br />
Entretanto, a inexistência do bacilo de Hansen, no esperma<br />
dos leprosos, nos óvulos ou nos ovários, não implicaria também na<br />
inexistência <strong>da</strong> transmissão hereditária <strong>da</strong> lepra. “Estamos<br />
dispostos a admitir, diz ZAMBACO, uma transmissão hereditária,<br />
potencial, energética, escapando aos nossos sentidos”.<br />
As idéias de MENDEL foram invoca<strong>da</strong>s para explicar os casos em<br />
que o neto, e não o filho do doente, adquire a moléstia. Os gens<br />
combinados do espermatozóide e do óvulo,
– 266 –<br />
que <strong>da</strong>rão nascimento ao novo ser, levam para a associação, os caracteres<br />
paternos. O fator dominante só intervem na primeira geração; quanto ao<br />
fator recessivo, poderá manifestar-se nos descendentes nas próximas<br />
gerações. Assim ficaria explicado como numa família, a lepra pode saltar<br />
uma ou mais gerações.<br />
A “ação nociva hereditária” seria duplica<strong>da</strong> quando pai e mãe<br />
fossem doentes, caso em que a herança seria quase fatal.<br />
A ação hereditária dos doentes sôbre os seus filhos, compreenderia<br />
ain<strong>da</strong>, alem <strong>da</strong> transmissão <strong>da</strong> moléstia, mais dois termos: a criação de<br />
uma predisposição e as taras de nutrição (distrofias e degenerescências).<br />
Portanto, segundo ZAMBACO, a “herança <strong>da</strong> lepra comporta<br />
graduações. Assim, existe a herança direta e indireta, e, de outro lado,<br />
imuni<strong>da</strong>de apesar do estado mórbido dos geradores. Vimos crianças,<br />
filhas de um e mesmo ambos os pais doentes, na<strong>da</strong> her<strong>da</strong>rem e ficarem<br />
indenes até i<strong>da</strong>de muito avança<strong>da</strong>”.<br />
Considerando o mecanismo <strong>da</strong> transmissão hereditária <strong>da</strong> lepra,<br />
através <strong>da</strong>s idéias de seu principal defensor, ZAMBACO, passaremos a<br />
referir quais os argumentos que foram invocados a favor <strong>da</strong> mesma e em<br />
detrimento <strong>da</strong> transmissão pelo contágio.<br />
Também aqui nos reportaremos principalmente a êsse autor, que<br />
apresentava os seguintes argumentos contra o contágio.<br />
1.º – em 1.600 doentes de lepra que observou e acompanhou<br />
durante 40 anos, não conseguiu verificar um único caso que comprovasse<br />
o contágio<br />
2.º – durante dezenas de anos, ZAMBACO observou grande número<br />
de casamentos mistos, em que um dos cônjuges era doente, e nunca<br />
verificara o contágio conjugal;<br />
3.º – pessoas que mantiveram longo contacto com doentes de lepra<br />
(como ocorria no Hospital S. Luiz), de Paris, e no caso de leprosos<br />
ambulantes) não vieram a ser contagia<strong>da</strong>s; e<br />
4.º – tiveram resultado negativo as inoculações feitas no homem<br />
por vários leprólogos : DANIELSSEN &BOECK, PROFETA CAGNINA e<br />
outros.<br />
Afirmam ain<strong>da</strong> alguns dos defensores <strong>da</strong> transmissão hereditária,<br />
que filhos de doentes teriam nascido com manchas lepróticas. ZAMBACO<br />
mesmo cita uma observação, mas
– 267 –<br />
para a confirmação de sua natureza específica teria sido necessário o<br />
exame bacterioscópico, que não fôra praticado, e sobretudo o exame<br />
histopatológico <strong>da</strong> lesão.<br />
O Brasil também teve seu ardoroso defensor <strong>da</strong> transmissão<br />
hereditária <strong>da</strong> lepra em LOURENÇO MAGALHÃES: “Eu ficarei ao lado dos<br />
que sustentam que a herança é uma <strong>da</strong>s origens <strong>da</strong> lepra e a causa mais<br />
freqüente de sua propagação”. (269)<br />
Contestando a afirmação de que S. Paulo era um dos principais<br />
focos de lepra do Brasil, assegurava que suas investigações o autorizavam<br />
a julgar errônea essa apreciação, pois se o número de doentes fôra outrora<br />
considerável, estava agora (em 1900) fortemente diminuido.<br />
“Minhas pesquisas” – escreve MAGALHÃES – “fazem realçar duas<br />
circunstâncias de uma importância capital: a lepra abandona as<br />
locali<strong>da</strong>des onde melhorou a higiene alimentar e – fato digno de menção –<br />
depois de ter sido bati<strong>da</strong> ou retira<strong>da</strong>, ela aí não reapareceu mais”.<br />
“É em vão que os leprosos <strong>da</strong>s regiões circumvizinhas penetram<br />
tô<strong>da</strong>s as semanas nestas locali<strong>da</strong>des, para aí pedirem esmolas, segundo o<br />
uso estabelecido; é em vão que êles percorrem as ruas, parando de porta<br />
em porta, escarrando, expectorando, exalando na atmosfera bilhões e<br />
trilhões de bacilos que, de acôrdo com os cálculos recentes, ca<strong>da</strong> leproso<br />
expulsa do seu corpo; a despeito de tudo, o mal não mais se reproduz aí”.<br />
“Os raros casos que se observam ain<strong>da</strong> nas locali<strong>da</strong>des não se<br />
manifestam senão nas famílias onde já existiu a lepra”.<br />
“A profilaxia higiênica, consistindo únicamente na melhora do<br />
regime alimentar porque jamais se tinha recorrido à sequestração, nem a<br />
algumas <strong>da</strong>s medi<strong>da</strong>s conheci<strong>da</strong>s; a profilaxia higiênica, dizia eu, obtem<br />
êstes dois resultados preciosos: ela põe em fuga a lepra e impede<br />
definitivamente sua volta”.<br />
Infelizmente, para a população brasileira do Estado de S. Paulo,<br />
não eram acerta<strong>da</strong>s as previsões de LOURENÇO MAGALHÃES, pois desde<br />
que se iniciou a campanha profilática nesse Estado, já foram fichados<br />
22.000 doentes e nos últimos anos a média anual de fichamento atinge<br />
1.500...<br />
Esses eram, em linhas gerais, os fun<strong>da</strong>mentos dos autores que<br />
defendiam a transmissão hereditária <strong>da</strong> lepra. Passemos agora a<br />
considerar as objeções que se levantaram contra êsse modo de<br />
transmissão <strong>da</strong> moléstia.
– 268 –<br />
Objeções contra a transmissão hereditária <strong>da</strong> lepra: Essas<br />
objeções são de duas naturezas: umas se prendem à patologia e biologia e<br />
outras estão na dependência <strong>da</strong>s observações epidemiológicas que se<br />
foram acumulando no decorrer dos anos, em vários paises do mundo.<br />
Argumentos baseados na patologia e na biologia: Conforme já<br />
tivemos ocasião de assinalar com CERRUTI, (95) “as moléstias infecciosas<br />
como a lepra, tuberculose, sífilis, etc., em que o agente etiológico está<br />
bem conhecido e individuado, não devem ser considera<strong>da</strong>s como<br />
moléstias hereditárias, porquanto elas não têm participação ativa nos<br />
fatôres hereditários, cuja sede está principalmente na estrutura nuclear.<br />
Assim H. W. SIEMENS, (434) na parte referente às doenças hereditárias <strong>da</strong><br />
pele, não cita nenhuma <strong>da</strong>s moléstias infecciosas conheci<strong>da</strong>s, que possam<br />
<strong>da</strong>r lesões cutâneas, como a lepra, lues, tuberculose, etc.” .<br />
“A ver<strong>da</strong>deira hereditarie<strong>da</strong>de, do ponto de vista biológico,<br />
consiste na conservação, através de gerações, de determinados caracteres<br />
ligados ao plasma germinativo (WEISSMANN), fato êste que não se<br />
encontra nas moléstias infecciosas”.<br />
“Fica portanto claro, que não se deve considerar a lepra como<br />
moléstia hereditária”.<br />
No entanto, faz-se mister assinalar que os autores partidários <strong>da</strong><br />
transmissão hereditária a admitiam “in sensu Tatu”, de modo que, sob<br />
essa denominação, incluiam a possibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> transmissão efetuar-se<br />
pelas vias germinativa e congênita ou placentária. Consideremo -las, sob o<br />
ponto de vista biológico e <strong>da</strong> patologia, para ver quais os seus<br />
fun<strong>da</strong>mentos.<br />
Sôbre êsse assunto, ain<strong>da</strong> com CERRUTI, escreviamos o seguinte:<br />
“A transmissão germinativa é a que se estabelece quando se dá a infecção<br />
do óvulo ou do espermatozóide pelo agente etiológico, transmitindo aos<br />
descendentes alguma coisa que é de fato independente <strong>da</strong> estrutura íntima<br />
celular, porquanto é só um virus organizado que adere mecanicamente ao<br />
óvulo ou ao espermatozóide, desenvolvendo-se nêles ou no produto de<br />
sua união”.<br />
“Os bacilos de Hansen podem ser encontrados no esperma<br />
(KOBAYASHI, COTTINI, citados por GOUGEROT), mas dêsse achado não se<br />
pode concluir que existia a infecção ovular pela via espermática. Sôbre<br />
êste ponto JADASSOHN escreve que a presença dos bacilos <strong>da</strong> lepra no<br />
esperma,
– 269 –<br />
testículos, epidídimo e ovários não tém importância para a questão <strong>da</strong><br />
transmissão por via germinativa, porque “a priori” em analogia com<br />
outras moléstias infecciosas, é muito pouco provável que as células<br />
germinativas infecta<strong>da</strong>s possam manter a sua vitali<strong>da</strong>de”.<br />
“Reportando-nos à tuberculose, veremos que nos casos em que o<br />
esperma contém bacilos, êstes não poderiam contaminar o óvulo, pois<br />
em condições experimentais mais favoráveis possiveis, recorrendo a<br />
animais sensiveis à tuberculose e tomando como reprodutores machos<br />
cujo esperma continha bacilos de Koch não se conseguiu tuberculizar o<br />
feto (KUSS.<br />
(227) Já GRANCHER e HUTINEL (cit. por KUSS) em 1888<br />
escreviam: “Não exis te ain<strong>da</strong> um fato positivo estabelecendo que um<br />
feto possa ser procreado tuberculoso pelo seu pai”.<br />
“ A transmissão germinativa <strong>da</strong> lepra, assim como na lues,<br />
tuberculose e outras moléstias infecciosas não deve ser admiti<strong>da</strong>”...”<br />
Transmisão congênita ou placentária <strong>da</strong> lepra: Êsse<br />
tipo de transmissão “é admitido por todos e bem comprovado em<br />
muitas moléstias infecciosas, como na sífilis (quando a mãe é luética ou<br />
se infecta na gravidez), no tifo, na varíola, na escarlatina, sarampo,<br />
raiva, etc.<br />
Estu<strong>da</strong>ndo esta via de transmissão na lepra, comparativamente<br />
com a tuberculose, veremos que é possível a passagem dos bacilos<br />
através <strong>da</strong> placenta, não só por alterações patológicas desta, como<br />
também intra-partum – traumatismo dos vasos sanguíneos <strong>da</strong> placenta<br />
nas contrações uterinas. De modo geral, o papel protetor <strong>da</strong> placenta em<br />
relação ao feto é um fato comprovado, podendo mesmo, em condições<br />
patológicas reter grande quanti<strong>da</strong>de de germes. Compreende-se que,<br />
caso se estabeleçam lesões ao nível <strong>da</strong> placenta, haverá possibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />
passagem dos germes. Êsses tipos de lesões placentárias encontram-se<br />
reuni<strong>da</strong>s, mui claramente, em três grupos no trabalho de KUSS:<br />
1) A placenta torna-se permeável graças a lesões anatômicas<br />
banais, tais como focos hemorrágicos, destruindo em qualquer ponto a<br />
barreira placentária e permitindo aos germes passarem pela efração<br />
(MALVOZ);<br />
2) Por alterações epiteliais mínimas do revestimento celular<br />
viloso, os germes podem chegar aos vasos fetais, através <strong>da</strong>s vilosi<strong>da</strong>des<br />
(BIRCH-HIRSCHFELD eSCHMORL); e<br />
3) Os germes não triunfariam do obstáculo placentário, senão<br />
em condições de estabelecer lesões necróticas,
– 270 –<br />
as quais formariam a brecha para a sua passagem (NOCARD, SCHMORL e<br />
KOCHEL).<br />
Estas lesões placentárias, tão evidentes na tuberculose e na<br />
tuberculização fetal, não foram encontra<strong>da</strong>s, não só por nós nas nossas<br />
observações, como pelas de outros observadores. Assim para LEGER (238)<br />
as lesões macro e microscópicas placentárias são excepcionais, não sendo,<br />
entretanto, indispensáveis para permitir a passagem dos germes “in<br />
útero” <strong>da</strong> mãe ao feto.<br />
Pelo trabalho de PINEDA, que é de indiscutível valor, vemos que,<br />
nos numerosos casos de positivi<strong>da</strong>de de bacilos de Hansen na placenta e<br />
no cordão umbilical, nunca encontrou, pela histopatologia, lesão alguma<br />
nestes dois órgãos. Os bacilos foram encontrados, não só livres na<br />
corrente sanguínea placentária, como também nos endotélios dos vasos<br />
<strong>da</strong>s vilosi<strong>da</strong>des, no tecido conjuntivo <strong>da</strong> placenta e ain<strong>da</strong> no tecido<br />
mucoso e vasos do cordão umbilical ” .<br />
No trabalho feito com CERRUTI e no qual se fêz o estudo<br />
bacterioscópico e histopatológico de cinco placentas, sete cordões<br />
umbilicais e do material proveniente <strong>da</strong>s autópsias de três recem-nascidos<br />
e de um feto de quatro meses, – apenas em um caso foram evidenciados<br />
os bacilos de Hansen no cordão umbilical, localizando-se na gelatina de<br />
Warthon, sem que lhe correspondesse qualquer processo inflamatório. Em<br />
outro caso, o “M. leprae” foi encontrado nos esfregaços e cortes<br />
histológicos de uma placenta, com sede no cório <strong>da</strong>s vilosi<strong>da</strong>des, sem<br />
provocar lesão anátomo -patológica.<br />
Anotemos que diversos pesquisadores tiveram a oportuni<strong>da</strong>de de<br />
evidenciar bacilos de Hansen na placenta e cordão umbilical, não<br />
ocorrendo o mesmo com outros autores. Entre os primeiros colocam-se<br />
PINEDA, (359) MOROW, SUGAI, SUGAI & MONOBE, SAN JUAN,RODRIGUEZ;<br />
MONTERO, CHUJO, Citado por Christian (99) e outros; entre os segundos<br />
temos JEANSELME,LE DENTU,FERRARI.<br />
As pesquisas de PINEDA foram feitas em copioso material,<br />
tendo sido examina<strong>da</strong>s 104 placentas, nas quais os bacilos foram<br />
evidenciados em 57 (53 %); em 25 casos (24 %) a baciloscopia foi<br />
positiva também no cordão umbilical. Em um caso o “M. leprae”<br />
foi encontrado apenas no cordão. Nenhuma alteração<br />
histopatológica, característica <strong>da</strong> lepra, existia nas placentas e<br />
cordões.
– 271 –<br />
Importante foi a contribuição de OTÁVIO GONZAGA, SOUSA<br />
CAMPOS,BÜNGELER eALAYON, (172) destacando-se entre outros fatos<br />
de interêsse que serão mencionados depois, os exames necroscópicos<br />
praticados em 51 crianças filhas de hansenianos e nas quais não foram<br />
demonstrados bacilos ou alterações lepróticas nos órgãos internos.<br />
Lembramos ain<strong>da</strong> que na literatura se encontra referência a casos<br />
de lepra em recemnascidos, elevando-se a oito o seu total até 1903,<br />
segundo RESCHETYLLO. (381) De acôrdo com BÜNGELER & ALAYON<br />
“não existe a publicação de nenhuma observação anatômica segura de<br />
lepra congênita”. “A maioria dos casos descritos na literatura como de<br />
“lepra congênita” não resistem à crítica; trata-se, na grande maioria, de<br />
casos de provável infecção post-natal e considerados como sendo de lepra<br />
congênita; pelo menos uma infecção postnatal não pode ser inteiramente<br />
exclui<strong>da</strong>, levando-se em conta as condições dos casos, e principalmente o<br />
tardio isolamento”.<br />
Portanto, se é admissível a transmissão congênita <strong>da</strong> lepra, os<br />
estudos levados a efeito por numerosos pesquisadores mostram que isso<br />
deve ocorrer muito raramente.<br />
Argumentos contra a transmissão hereditária, germinativa e<br />
congênita baseados nos <strong>da</strong>dos <strong>da</strong> epidemiologia: Vimos que os<br />
argumentos fornecidos pela biologia e pela patologia são de ordem tal,<br />
que apenas a transmissão congênita <strong>da</strong> lepra é admissível e, assim mesmo,<br />
ela se processaria excepcionalmente. Se não fossem suficiêntes êsses<br />
elementos, teriamos na epidemiologia <strong>da</strong>dos tão relevantes que nos<br />
levariam a contrariar a transmissão hereditária <strong>da</strong> lepra, fazendo-nos<br />
decidir pelo contágio. São êsses <strong>da</strong>dos epidemiológicos que agora vamos<br />
considerar:<br />
1.º – Não se tornam doentes de lepra senão excepcionalmente, os<br />
filhos de hansenianos afastados e isolados dos pais logo ao nascer. As<br />
observações que deram base a essa afirmarão foram leva<strong>da</strong>s a efeito tanto<br />
no exterior como entre nós.<br />
HASSELTINE, citado por Kedrowsky (217) refere que apenas<br />
uma de 121 crianças tornou-se doente de lepra. Em Molokai,<br />
BERNY (46) não observou o aparecimento <strong>da</strong> moléstia nas crianças,<br />
em número de 109, que foram separa<strong>da</strong>s dos pais logo ao nascer;<br />
entretanto, a lepra veio a manifestar-se nos recemnascidos que<br />
permane-
– 272 –<br />
ceram mais tempo junto aos pais, sendo a incidência tanto maior quanto<br />
mais prolongado fôra o convívio. Foi mui elevado o número <strong>da</strong>s que<br />
adoeceram, atingindo a percentagem de 56.<br />
HOLMANN, citado por Schujman (125) assinala que 4 % <strong>da</strong>s<br />
crianças se tornaram doentes de lepra, quando tiveram convívio com os<br />
pais leprosos durante lapso de tempo inferior a 5 anos. O número de<br />
casos contagiados foi maior quando a convivência atingiu 7 anos e<br />
mesmo 10 anos, quando observou a infecção <strong>da</strong>s crianças em 10 % e em<br />
32 % dos casos, respectivamente.<br />
Entre nós, SOUSA CAMPOS nos referiu que <strong>da</strong>s crianças isola<strong>da</strong>s<br />
dos pais logo ao nascer e interna<strong>da</strong>s no Asilo Santa Teresinha nenhuma<br />
se tornou doente de lepra.<br />
2.º – De modo geral e sem levar em conta as diferenças<br />
individuais <strong>da</strong> reação contra a moléstia, verifica-se que as crianças têm<br />
idênticas probabili<strong>da</strong>des de se infectar quando coloca<strong>da</strong>s em foco de<br />
lepra, sejam elas descendentes de pais sadios ou doentes.<br />
3.º – Outra verificação epidemiológica que depõe contra a<br />
transmissão hereditária <strong>da</strong> lepra é o fato de que a maioria dos doentes<br />
não têm ascendentes leprosos, como podemos observar em nosso<br />
quadro abaixo:<br />
DISCRIMINAÇÃO N.º de casos<br />
Filhos doentes de pais sãos.............................................. 391 (72 %)<br />
Filhos doentes de pais doentes:<br />
a) filhos nascidos quando os pais já eram doentes........ 42 (7,7 %)<br />
b) filhos nascidos antes dos pais se tornarem doentes 95 (17,5 %)<br />
c) filhos doentes de pais que adoeceram depois deles 15 (2,8 %)<br />
TOTAL......................................................................... 543<br />
Obtidos pelo interrogatório dos internados em Cocais, vimos<br />
que 72 % dos doentes tinham seus pais sadios, devendo notar-se no<br />
entanto que em 5 casos o avô ou a avó eram doentes.
– 273 –<br />
Ascendia a 152 o número de pessoas que tinham pai ou mãe<br />
doentes. Entre êsses <strong>da</strong>dos importa fazer uma distinção, pela qual foram<br />
subdivididos em três grupos, a fim de permitirem melhor interpretação<br />
epidemiológica.<br />
Por essa subdivisão, assinala<strong>da</strong> no quadro estatístico, vemos que<br />
em 17,5% dos casos os doentes nasceram antes dos pais se tornarem<br />
leprosos e em 2,8% os próprios filhos teriam contaminado os pais.<br />
Apenas em 7,7% dos casos os filhos nasceram quando os pais já eram<br />
doentes de lepra. Mesmo que admitíssemos fosse esta última cifra<br />
indicadora <strong>da</strong> transmissão hereditária <strong>da</strong> lepra, abstraindo a contaminação<br />
no meio familiar, podemos ver que êsse modo de transmissão ocorria<br />
raramente, sem explicar como teriam adquirido a moléstia os restantes<br />
92,3% dos pacientes.<br />
Do próprio estudo <strong>da</strong> propagação <strong>da</strong> lepra no meio familiar vemos<br />
que os pais, e muito mais raramente os avós, são responsáveis pela<br />
contaminação dos filhos em cêrca de 50% dos casos, sem levarmos em<br />
conta que muitas crianças são procria<strong>da</strong>s estando os pais sadios.<br />
De todos êsses <strong>da</strong>dos inferem-se, portanto, elementos contrários à<br />
transmissão hereditária <strong>da</strong> lepra. Como bem acentua JADASSOHN e como é<br />
geralmente aceito, a lepra é uma “doença de moradores <strong>da</strong> mesma casa”,<br />
os estranhos podendo contagiar-se com a mesma facili<strong>da</strong>de que os<br />
membros de uma família, desde que vivam na mesma casa, em contacto<br />
com o doente.<br />
4.º – As diversas epidemias de lepra registra<strong>da</strong>s em várias regiões<br />
do mundo não podem ser explica<strong>da</strong>s por herança e sim pelo contágio. Se a<br />
transmissão <strong>da</strong> lepra realmente tivesse lugar dos pais para os filhos não<br />
seria possível à lepra propagar-se de maneira tal que assumisse carater<br />
epidêmico. Do mesmo modo, não permitiria explicar o declínio <strong>da</strong> lepra<br />
com as medi<strong>da</strong>s rigorosas de profilaxia, embora os seus partidários<br />
atribuam a eficiência do isolamento ao fato de ser impedido o casamento<br />
dos leprosos. Entretanto, mesmo essa defesa não encontra apôio nos<br />
<strong>da</strong>dos epidemiológicos obtidos sôbre o isolamento <strong>da</strong>s crianças logo ao<br />
nascer.<br />
5.º – Os estrangeiros que não têm ascendentes leprosos adquirem a<br />
moléstia quando emigram para os focos leprogênicos. Para não nos<br />
alongarmos neste ponto, basta mencionarmos que o número de fichados<br />
do Departamento de Profilaxia <strong>da</strong> Lepra do Estado de São Paulo atinge a<br />
cifra de 22.026 doentes; dêsses 4.210 são estrangeiros, a maioria<br />
F. 18
– 274 –<br />
dêles italianos, proveniente de pais onde a lepra é mui pouco freqüente.<br />
De outro lado tem sido assinalado que, emigrando de um país onde<br />
a lepra é endêmica para outro onde ela praticamente já não mais existe, os<br />
doentes transmitem raramente a moléstia. É muito comenta<strong>da</strong>, nesse<br />
sentido, a emigração de 156 doentes de lepra <strong>da</strong> Noruega para os Estados<br />
Unidos <strong>da</strong> América do Norte, sendo que entre os descendentes dos 156<br />
leprosos que se tinham localizado em Wiscosin (Minesota) e Dakota, os<br />
casos de lepra se tornaram ca<strong>da</strong> vêz mais reduzidos até a quarta geração<br />
presente, com um doente apenas.<br />
6.º – Sendo os testículos tornados pelo processo leprótico em<br />
grande número de doentes lepromatosos, resulta que a procriação é<br />
prejudica<strong>da</strong> quando o esposo é doente dessa forma clínica. Essa<br />
esterili<strong>da</strong>de, já assinala<strong>da</strong> por numerosos autores observamo -la<br />
igualmente no A. C. Cocais, onde trabalhamos.<br />
Entre os 347 casais em ativi<strong>da</strong>de sexual internados nos<br />
cinco hospitais do Estado de São Paulo, GONZAGA verificou ser<br />
baixo o indice de natali<strong>da</strong>de, que alcançou apenas a cifra de 9,8 %,<br />
desconta<strong>da</strong>s as eventuais causas de êrro.<br />
Segundo verificação leva<strong>da</strong> a efeito pela Comissão Inglesa<br />
na Índia, 60% dos casais doentes não têm filhos (LEGER, 239 ).<br />
Observação semelhante foi colhi<strong>da</strong> na Itália, onde PAIS verificou<br />
serem mais estéreis os matrimônios entre leprosos do que entre os<br />
sadios, elevando-se a esterili<strong>da</strong>de a 35% no primeiro caso e apenas<br />
a 10% entre os segundos.<br />
TALVIK observou pronuncia<strong>da</strong> diferença de natali<strong>da</strong>de entre<br />
os cônjuges antes de se tornarem doentes de lepra (87,8 %) e<br />
depois que um ou outro ou ambos adquiriam a moléstia (12,1 %).<br />
De acôrdo com as observações colhi<strong>da</strong>s em Hawaii, Mc<br />
Coy, citado por Souza Araujo (452) chegou às seguintes conclusões:<br />
“1.ª – O coeficiente de natali<strong>da</strong>de entre os leprosos de<br />
Molokai é provàvelmente igual a 2/3 do que se verifica entre os<br />
não leprosos, indivíduos <strong>da</strong> mesma raça, vivendo fora, faltando os<br />
<strong>da</strong>dos para uma completa e justa comparação;
– 275 –<br />
2.ª – O coeficiente de natali<strong>da</strong>de entre os leprosos parece depender<br />
<strong>da</strong> fertili<strong>da</strong>de do macho, a qual é materialmente reduzi<strong>da</strong>; e<br />
3.ª – A fertili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> fêmea parece normal.<br />
Nessas condições é bem compreensível que se a lepra fôra<br />
hereditária, ela viria a extinguir-se no fim de poucas gerações.<br />
7.º – ZAMBACO afirma não ter verificado nenhum caso de<br />
contágio conjugal. Anote-se que são numerosos os autores que o<br />
assinalam, constituindo fato inconteste hoje em dia, embora haja<br />
discordância quanto à sua freqüência.<br />
É mister assinalar os estudos <strong>da</strong> Comissão Inglesa nas<br />
Índias, em 1893, pelos quais foi acentua<strong>da</strong> a não hereditarie<strong>da</strong>de<br />
<strong>da</strong> lepra.<br />
“Os membros <strong>da</strong> Comissão chegaram à conclusão de que<br />
não há evidência de ser a lepra nas Índias transmiti<strong>da</strong> através <strong>da</strong><br />
herança de pai para filho, suas razões sendo:<br />
1) nunca foi registrado ou observado neste país um<br />
autêntico caso congênito;<br />
2) observações reais de lepra na família puderam ser<br />
obti<strong>da</strong>s somente em 5 ou 6% dos casos;<br />
3) ocorrem muitos casos em que as crianças se tornaram<br />
doentes, enquanto seus pais continuavam perfeitamente sadios;<br />
4) as crianças nasci<strong>da</strong>s de pais leprosos tornam-se doentes<br />
em percentagem muito pequena, para poder justificar a crença na<br />
transmissão hereditária <strong>da</strong> lepra;<br />
5) os fatos obtidos no Orfanato do Asilo Almora<br />
desaprovam a existência de uma predisposição hereditária<br />
especifica;<br />
6) sómente 5 ou 6% <strong>da</strong>s crianças nasci<strong>da</strong>s depois <strong>da</strong><br />
manifestação <strong>da</strong> moléstia nos pais tornaram-se doentes<br />
ulteriormente;<br />
7) as histórias de irmãos e irmãs de pacientes leprosos com<br />
uma tara hereditária, ver<strong>da</strong>deira ou falsa, parecem mostrar que<br />
pouca importância pode ser
– 276 –<br />
atribui<strong>da</strong> à herança como agente na perpetuação <strong>da</strong> moléstia.<br />
Pelas mesmas razões pode-se presumir que a predisposição<br />
hereditária específica para a lepra é apenas pouco acentua<strong>da</strong> e<br />
pràticamente não existe.<br />
Por fim, foi demonstrado que reunindo tô<strong>da</strong> informação que<br />
se pôde conseguir e mesmo concedendo influência máxima à<br />
herança, parece não haver risco de um aumento <strong>da</strong> população<br />
leprosa <strong>da</strong>s Índias, no que se refere à possibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> transmissão<br />
hereditária <strong>da</strong> moléstia, para sua multiplicação, e que casamentos<br />
com doentes ou entre êles, não podem ser considerados perigosos<br />
para a comuni<strong>da</strong>de” (cit. por BESNIER, 48 ).<br />
Em suma, após o exame dos vários <strong>da</strong>dos epidemiológicos, bem<br />
como dos fornecidos pela biologia e anatomia patológica, uma única<br />
conclusão se impõe: a transmissão hereditária <strong>da</strong> lepra, considera<strong>da</strong> em<br />
sentido lato, só é admissível quando se realiza pela via congênita, a qual<br />
porém seria muito rara, e por conseguinte, destitui<strong>da</strong> de valor prático.<br />
Entretanto, se em regra os pais não propagam a lepra aos seus<br />
filhos pelo mecanismo já discutido, não poderiam gerá-los com uma<br />
predisposição à moléstia, de modo a oferecer menor resistência à<br />
infecção? Êsse problema será amplamente discutido após o estudo <strong>da</strong><br />
imuni<strong>da</strong>de.<br />
II – TRANSMISSÃO DA LEPRA PELO CONTÁGIO<br />
Exclui<strong>da</strong> a possibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> transmissão hereditária <strong>da</strong> lepra –<br />
podendo <strong>da</strong>r-se a infecção pela via congênita, mas assim mesmo<br />
excepcionalmente – e tomando por base muitos <strong>da</strong>dos que mais adiante<br />
serão referidos, impõe-se a conclusão de que ela é transmiti<strong>da</strong> pelo<br />
contágio, processando-se êste de homem para homem, do individuo<br />
doente ao sadio.<br />
Nas páginas anteriores, entre os fatos que se contrapõem à<br />
importância <strong>da</strong> transmissão hereditária <strong>da</strong> lepra, referimos alguns, que são<br />
favoráveis ao contágio. Faremos agora a exposição de alguns exemplos<br />
epidemiológicos que indicam a contagiosi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> moléstia, deixando<br />
porém de mencionar as observações que, por muito antigas ou por<br />
insuficiência de <strong>da</strong>dos, não tragam a necessária convicção.
– 277 –<br />
De outro lado a citação dêstes fatos será procedi<strong>da</strong> de maneira sucinta e<br />
de relance, pois são muito numerosos os <strong>da</strong>dos coligidos a favor do<br />
contágio. Reunimo -los nos seguintes grupos:<br />
1.º – Indivíduos sãos de zonas indenes se contagiam em regiões<br />
onde a lepra é endêmica: Importa assinalar que a expressão “indene” não<br />
tem aqui valor absoluto mas apenas indica que o individuo residente em<br />
tal zona tem probabili<strong>da</strong>de muito alta de não sofrer de lepra; essa<br />
probabili<strong>da</strong>de é, por exemplo, mais alta entre os paises centro-europeus<br />
que entre os mediterrâneos, mas ambas as zonas são “indenes” em relação<br />
às grandes endemias de outras regiões do globo.<br />
Feita essa ressalva, podemos adiantar que na literatura se<br />
encontram referências a indivíduos que, deixando os seus paises, onde a<br />
lepra estava pràticamente extinta, vieram a se contagiar em regiões onde a<br />
moléstia era endêmica. Assim o assinalaram DROGNAT-LANDRE, LUTZ,<br />
BREDA e o próprio JEANSELME que os cita, sendo que este último coligiu<br />
39 observações pessoais de indivíduos nascidos em paises indenes<br />
(especialmente na França) e que se tornaram doentes de lepra após<br />
permanência mais ou menos prolonga<strong>da</strong> em áreas endêmicas <strong>da</strong> América<br />
do Sul, India, Egito e Colônias Francesas. Lembramos que na União Sul<br />
Africana muitos europeus se contaminaram, tendo sido 68 dêles<br />
internados num período de 15 anos (COCHRANE, 104 ); ROGERS, HOWARD<br />
COOK e MUIR (388) referem que dos 87 doentes observados durante os<br />
últimos 30 anos na Inglaterra, 83 haviam adquirido a moléstia fora do<br />
país, principalmente na India, Birmânia e Malaia.<br />
Citam-se casos de sol<strong>da</strong>dos, médicos e missionários europeus que<br />
adquiriram a moléstia após serviço militar, médicos ou religiosos em<br />
região onde é endêmica a lepra. Entre êsses casos é mundialmente<br />
conhecido o do Padre Damião, infectado em Molokai. Aliás, à lista<br />
compila<strong>da</strong> por JEANSELME, dos missionários europeus que adoeceram<br />
nessas condições, é possivel fazer algumas adições mais recentes.<br />
O padre marista de nacionali<strong>da</strong>de belga, Rev. Leo Lejeune,<br />
servindo entre doentes <strong>da</strong> Oceania, está hoje internado no<br />
Leprosário de Makogai. O Frei Ignace D’Ispre, capuchinho, veio<br />
ao Brasil em 1910 para trabalhar no Leprosário de Tucunduba; a<br />
lepra declarou-se
– 278 –<br />
em 1923; foi enviado a Milão, de onde regressou ao Brasil,<br />
falecendo com lepra avança<strong>da</strong> em 1934. (*)<br />
É sabido que em certos Estados do Brasil é grande o número de<br />
estrangeiros que se infectaram, provindo quase todos êles de países<br />
indenes de lepra. Pudemos verificar isso entre os doentes fichados no<br />
Estado de São Paulo, onde foram matriculados, até junho de 1943, 22.169<br />
leprosos dos quais 4.313 eram estrangeiros.<br />
Anotemos ain<strong>da</strong> que no Hospital dos Lázaros (Rio de Janeiro)<br />
entre os 3.605 doentes, cujas fichas foram examina<strong>da</strong>s por SOUZA<br />
ARAUJO, (453) encontravam-se centenas de europeus: 508 portugueses; 42<br />
alemães; 28 espanhóis; 50 italianos; 12 suiços; 17 franceses; 2 austríacos;<br />
2 poloneses e 1 grego. Incluiam-se 5 norte-americanos entre os doentes.<br />
2.º – Doentes de lepra que saem de um país onde a lepra é<br />
endêmica e vão se estabelecer em outro, podem transmitir a moléstia<br />
neste último, em freqüência variável segundo os casos:<br />
A) O contágio é, via de regra, raro quando o doente emigra para<br />
um país no qual a endemia leprosa já se estabelecera e extinguira (é o que<br />
sucede quando os doentes se estabelecem na Europa) ;<br />
B) Se o doente ao invés, se dirige e fixa sua residência em zonas<br />
antes seguramente indenes de lepra, pode determinar ver<strong>da</strong>deira epidemia.<br />
Citam-se na literatura vários casos nessas condições (epidemia de<br />
Hawaii, Nova Caledônia, Islandia, Memel, Louisiana, Ilha Rodrigues e<br />
outras). Entre êstes vários focos que se formaram com grande rapidez, o<br />
caso <strong>da</strong> Ilha de Naurú, bastante recente e bem documentado, é um dos que<br />
mais eluci<strong>da</strong>m a questão <strong>da</strong> disseminação <strong>da</strong> lepra. Não havia casos de<br />
lepra até 1911. No ano seguinte dão entra<strong>da</strong> na ilha três casos<br />
diagnosticados, que foram depois expatriados ou faleceram, mas<br />
originaram quatro casos autóctones diagnosticados em junho de 1920. Em<br />
outubro dêsse mesmo ano, uma epidemia de influenza de tipo<br />
pneumônico, – com morbi<strong>da</strong>de igual a 100% e letali<strong>da</strong>de de 30% – matou<br />
3 dos 4 leprosos e o estado de fraqueza e desnutrição decorrentes, foi<br />
acusado como responsável pelo aparecimento de sintomas de lepra em<br />
30% dos sobreviventes.<br />
__________________<br />
(*) Noticias – Int. Journ. of Leprosy, 1936: (4), 528.
– 279 –<br />
Os <strong>da</strong>dos recentes fornecidos por BRAY (69) sôbre a epidemia de<br />
Naurú são de importância evidente, não só quanto à contagiosi<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />
lepra, mas também quanto ao papel <strong>da</strong>s moléstias intercorrentes.<br />
É recente também a observação feita por SANTRA, citado<br />
por Hayashi (184) na vila indu de Ranikhatanga, que há 20 anos<br />
contava apenas 500 habitantes e nenhum doente de lepra, quando<br />
um religioso regressou leproso <strong>da</strong>s plantações de chá ao norte; em<br />
1933, ascendia a 20 o número de doentes na locali<strong>da</strong>de.<br />
3.º – A infecção se processa geralmente pelo contacto com os<br />
doentes eliminadores de bacilos (casos contagiantes):<br />
Essa observação reforça a idéia do contágio, sendo quase unânime a<br />
opinião dos leprólogos de que a transmissão <strong>da</strong> lepra se efetua graças aos<br />
casos assim chamados “contagiantes” e que são constituidos quase que<br />
somente pelos doentes lepromatosos. Só raramente o contágio teria sido<br />
determinado pelos casos neurais, quando os mesmos se tornam<br />
bacilíferos, como ocorre por exemplo, em certas fases <strong>da</strong> lepra<br />
tuberculóide reacional. Basta citar a propósito que ROGERS, em 113 casos<br />
de lepra, responsabilizou os doentes lepromatosos como origem do<br />
contágio em 94,7% e os pacientes neurais em 5,3% dos casos.<br />
4.º – A endemia leprosa em geral cede com o isolamento dos<br />
doentes: Embora suscite discussão o porquê do declínio <strong>da</strong> lepra na<br />
Europa, o isolamento deve ter influido poderosamente nesse sentido, ao<br />
lado de outros fatôres que são lembrados pelos leprólogos. Em época<br />
mais recente, a importância profilática <strong>da</strong> segregação foi comprova<strong>da</strong> na<br />
campanha leva<strong>da</strong> a efeito na Noruega, que foi coroa<strong>da</strong> de sucesso, embora<br />
não se possam eliminar fatôres outros, como a melhoria de higiene. Mais<br />
sugestivo é o caso <strong>da</strong> Islândia onde as medi<strong>da</strong>s de isolamento reduziram<br />
consideravelmente o número de doentes, calculando EHLERS e<br />
BJARNHJEDIMSSEN ter sido de 90% essa redução, no espaço de 36 anos.<br />
A diminuição <strong>da</strong> lepra na Inglaterra teria sido conseqüência<br />
<strong>da</strong>s medi<strong>da</strong>s rigorosas de isolamento leva<strong>da</strong>s a efeito (MUNRO).<br />
De acôrdo com MUNCH, os cossacos no govêrno de<br />
Astrakhan, viviam à margem direita do Volga e considerando<br />
contagiosa a lepra, isolaram os doentes à dis -
– 280 –<br />
tância de suas aldeias; toma<strong>da</strong>s essas medi<strong>da</strong>s em 1820, a moléstia<br />
veio a extinguir-se de maneira quase completa. O mesmo não<br />
ocorreu na margem esquer<strong>da</strong> do rio, onde os habitantes<br />
descui<strong>da</strong>ram-se <strong>da</strong> prática <strong>da</strong>s medi<strong>da</strong>s de profilaxia, em virtude de<br />
não reconhecerem como contagiosa a lepra, conceito que se<br />
estende até nossos dias; contudo a lepra diminuiu bastante ou<br />
mesmo se extinguiu em alguns lugares, onde porém os<br />
camponeses haviam segregado os doentes.<br />
Após considerarmos essas provas epidemiológicas, a dedução que<br />
se impõe é a de que a lepra é transmissível pelo contágio, que se processa<br />
de homem para homem. No entanto, não se pode negar a existência de<br />
fatos que aparentemente deporiam contra essa dedução e que foram<br />
mesmo citados como argumentos anticontagionistas. Por exemplo, a<br />
rari<strong>da</strong>de ou mesmo ausência de transmissão <strong>da</strong> lepra às pessôas que<br />
convivem com doentes contagiantes em muitos paises <strong>da</strong> Europa; o fato<br />
de que, mesmo em região onde a lepra é endêmica, ela infecta alguns dos<br />
comunicantes enquanto que a maioria dêles não adquire a moléstia, a<br />
despeito de viverem no mesmo meio e condições dos que se contagiaram;<br />
a ausência de contágio nos “contactos” dos doentes internados no<br />
Hospital São Luiz, de Paris, e em hospital de Nova Iorque (HOPKINS) e<br />
assim outras observações são menciona<strong>da</strong>s que poderiam parecer<br />
surpreendentes e contrárias à transmissão <strong>da</strong> lepra pelo contágio.<br />
Sem desejarmos considerar o porquê de todos êsses fatos, – pois<br />
serão objeto de longos comentários em outros capítulos dêsse livro –<br />
adiantaremos apenas que êles põem em evidência a dificul<strong>da</strong>de com que a<br />
moléstia se manifesta. Para que ela se desenvolva é necessário a coligação<br />
de vários fatôres, que levariam ao desencadeamento <strong>da</strong> moléstia.<br />
Acrescentemos ain<strong>da</strong>, que atualmente se começa a aceitar o conceito de<br />
que a lepra latente (lepra infecção) é muito mais comum do que se julga,<br />
observando-se a lepra-moléstia em número de casos relativamente<br />
pequeno em relação à primeira.<br />
Êsses conhecimentos serão expostos no decorrer do trabalho,<br />
quando considerarmos o modo pelo qual se realiza a propagação <strong>da</strong><br />
moléstia de homem a homem e os fenômenos imunitários que ocorreriam<br />
no indivíduo atacado pelo “M. leprae”.
CAPITULO VI<br />
CONTÁGIO<br />
SUMÁRIO: Contágio direto. Contágio indireto<br />
produzido por habitações anteriormente ocupa<strong>da</strong>s<br />
por doentes. Contágio indireto por objetos<br />
contaminados. Contágio indireto por vectores<br />
animais: mosquitos, moscas, pulgas, piolhos,<br />
percevejos, carrapatos, baratas, ácaros de<br />
escabiose, Demodex folliculorum, sanguessugas.<br />
Uma vêz eliminados pelos doentes de lepra, os bacilos de Hansen<br />
podem alcançar direta ou indiretamente os indivíduos sadios. Segundo<br />
nosso modo de ver, o contágio direto é o mais importante e constitui o<br />
principal modo de difusão <strong>da</strong> moléstia.<br />
CONTÁGIO DIRETO<br />
Para que se produza o contágio é necessário contacto íntimo do<br />
doente com a pessoa sã. Graças a êsse contacto, os bacilos poderiam<br />
atingir o indivíduo to<strong>da</strong> vêz que houvesse juxtaposição de um tecido<br />
doente (pele ou mucosa, contendo bacilos provenientes de ulceração ou<br />
de secreção) à pele ou mucosa <strong>da</strong> pessoa sã, <strong>da</strong>ndo-se a penetração dos<br />
germes quando existem soluções de continui<strong>da</strong>de no revestimento cutâneo<br />
ou mucoso. Outrossim, pelas gotículas de Pflügge, o “M. leprae” pode<br />
deixar um lepromatoso para alcançar um indivíduo sadio, vindo a<br />
depositar-se no tegumento dêste, ou, o que é mais comum, na mucosa<br />
nasal, por ocasião do movimento inspiratório do paciente.<br />
Baseando-se em numerosas experimentações com o bacilo <strong>da</strong> lepra<br />
do rato, MARCHOUX formou a opinião de que é “ao contacto que se deve<br />
atribuir a função principal”
– 282 –<br />
na transmissão <strong>da</strong> moléstia, seja nos murídeos seja no homem.<br />
Essa opinião é sustenta<strong>da</strong> pela grande maioria dos leprólogos,<br />
convindo, neste particular, destacar os <strong>da</strong>dos conseguidos por ROGERS ao<br />
coligir os informes referentes a 700 casos citados na literatura e nos quais<br />
a fonte provável de infecção fôra descoberta:<br />
700 CASOS NOS QUAIS A PROVÁVEL FONTE DE INFECÇÃO FOI<br />
DESCOBERTA<br />
Modo de infecção Número Porcentagem<br />
Conjugal.................................................... 85 12,14<br />
Cohabitação.............................................. 43 6,14<br />
Casa.......................................................... 180 25,7<br />
Quarto....................................................... 35 5,0<br />
Leito.......................................................... 64 9,14<br />
Os que cui<strong>da</strong>m de leprosos....................... 139 19,87<br />
Companheiros de diversões de leprosos... 23 3,28<br />
Intimo contacto com um leproso.............. 113 16,14<br />
Ama de leite.............................................. 8 1,14<br />
Uso de roupas de leprosos........................ 3 0,43<br />
Vacinação................................................. 4 0,59<br />
Inoculação por um leproso....................... 3 0,43<br />
18,28<br />
39,84<br />
19,42<br />
Da análise dêsse quadro, ROGERS e MUIR afirmam que o ''contacto<br />
íntimo e prolongado é comumente necessário para facilitar a transmissão<br />
<strong>da</strong> moléstia".<br />
Das estatísticas encontra<strong>da</strong>s na literatura visando determinar qual a<br />
fonte provável de infecção, vê-se que em número apreciável de casos os<br />
doentes referiam ter tido contacto com um parente ou amigo infectado de<br />
lepra; em outras, também elevado é o número de pacientes que não o<br />
referem, o que permite duas deduções: ou o contágio fôra indireto ou<br />
houve contacto direto e íntimo com doentes
– 283 –<br />
bacilíferos, cuja moléstia não fôra reconheci<strong>da</strong> pelo leigo. Esta última<br />
hipótese parece-nos mais viável e de acôrdo com a nossa experiência, a<br />
qual também nos permitiu observar que, de modo geral, a grande maioria<br />
de doentes parece ter-se infectado no convívio íntimo com outro doente.<br />
Dentro de certos limites (i<strong>da</strong>de, capaci<strong>da</strong>de imunitária, etc.) é mesmo<br />
possível afirmar que tanto maior é a possibili<strong>da</strong>de de contágio quanto<br />
maior fôr a intimi<strong>da</strong>de do contacto com o doente. E’ o que se pode<br />
observar, por exemplo, nos casos de lepra familiar, onde adoecem mais<br />
freqüentemente as pessoas que mantinham convivência mais estreita e<br />
prolonga<strong>da</strong> com o doente. Assim, a contaminação é mais freqüente dos<br />
pais para os filhos e de irmão para irmão do que de tios e avós para<br />
sobrinhos e netos.<br />
Ajuntemos ain<strong>da</strong> que em certos paises a incidência <strong>da</strong> lepra,<br />
entre os que têm parentes doentes é maior do que entre a<br />
população em geral: por exemplo a Comissão Indiana observou<br />
5% de incidência no primeiro caso e 0,05% no segundo,<br />
mostrando “que naqueles em íntimo contacto com a moléstia esta<br />
foi contraí<strong>da</strong> 100 vezes mais freqüentemente do que no povo em<br />
geral” (ROGERS e MUIR). Ain<strong>da</strong> êstes autores assinalam que “em<br />
regiões como o Hawaii, onde a incidência <strong>da</strong> moléstia é<br />
extremamente alta, as proporções serão menores porque alí se<br />
apresentam abun<strong>da</strong>ntes oportuni<strong>da</strong>des para os sadios se exporem a<br />
uma estreita aproximação com os mui numerosos leprosos, fora de<br />
suas próprias casas; entretanto, como alí o povo não tem medo <strong>da</strong><br />
moléstia e são muito inclinados à promiscui<strong>da</strong>de e sociabili<strong>da</strong>de, a<br />
freqüência <strong>da</strong>s infecções domésticas é relativamente menor em<br />
proporção à. <strong>da</strong> população em geral”.<br />
CONTÁGIO INDIRETO<br />
Muitos leprólogos admitem que o contágio <strong>da</strong> lepra possa<br />
processar-se de maneira indireta: 1.°) pelas habitações em que residiram<br />
doentes de lepra; 2.°) pelos objetos contaminados e 3.°) pelos vectores<br />
animais . A transmissão pelos insetos é admiti<strong>da</strong> por numerosos autores, e,<br />
sem dúvi<strong>da</strong>, conta com muitas simpatias entre os que admitem que a lepra<br />
possa transmitir-se também indiretamente; considera-la-emos no fim<br />
dêste capítulo, fazendo sôbre a mesma comentários mais minuciosos.
– 284 –<br />
CONTÁGIO INDIRETO PRODUZIDO POR HABITAÇÕES<br />
ANTERIORMENTE OCUPADAS POR DOENTES<br />
Alguns A.A. acham que os bacilos <strong>da</strong> lepra podem conservar sua<br />
vitali<strong>da</strong>de nas habitações rudimentarmente construi<strong>da</strong>s, podendo nessas<br />
condições vir a infectar os indivíduos sãos. A nossa impressão – já que<br />
nos faltam meios para comprovar tal afirmativa – é que tal fato não ocorre<br />
habitualmente. Sabemos que a vitali<strong>da</strong>de dos germes patogênicos é, em<br />
geral, pequena fora do organismo, exceção feita aos esporulados (tétano,<br />
carbúnculo, etc.). Acreditam muitos que se pode admitir esta per<strong>da</strong> de<br />
vitali<strong>da</strong>de para o bacilo de Hansen, quando fora do organismo, o que não<br />
é aceito por outros autores, como vimos no Capítulo I. (ADLER &<br />
ASHBEL).<br />
Temos a impressão de que não se deve <strong>da</strong>r grande importância ao<br />
fator casa na transmissão <strong>da</strong> lepra. Na literatura são referidos casos em<br />
que os doentes se teriam contaminado por residirem em habitações<br />
anteriormente ocupa<strong>da</strong>s por leprosos. Achamos muito mais provável que<br />
êsses doentes tivessem tido outra fonte de contágio que não a habitação,<br />
pois que os exemplos dessa forma de infecção se referem a regiões<br />
endêmicas, com doentes de lepra que poderiam transmitir o germe<br />
diretamente.<br />
Que a habitação contamina<strong>da</strong> não deve merecer excessiva<br />
importância na transmissão <strong>da</strong> lepra, dizem-no não só os argumentos<br />
acima mencionados, como os aduzidos, comparativamente, em<br />
conseqüência dos estudos feitos com outras moléstias de grande poder<br />
contagiante.<br />
Anotemos neste particular, que na ci<strong>da</strong>de de Providence (U.S.A.),<br />
desde 1905 CHAPIN, citado por Vieira (489) abandonou as desinfecções<br />
terminais, após doenças como difteria, escarlatina e outras, sem que por<br />
isso tivesse aumentado o número de reincidências nas casas onde<br />
anteriormente se haviam verificado casos dessas moléstias.<br />
“Segundo as experiências de CHAPIN, 634 menores<br />
retirados de suas residências onde ocorreram casos de difteria,<br />
voltaram, após esperado o prazo de quarentena, às respectivas<br />
moradias, sem que aí fossem pratica<strong>da</strong>s fumigações e, dentre êles,<br />
apenas dois contrairam a doença. Duzentos e sete indivíduos<br />
susceptíveis foram igualmente afastados de casas onde havia<br />
escarlatina, sem que nos domicílios se tivessem praticado<br />
fumigações e apenas três contrairam a infecção”.
– 285 –<br />
No entanto algumas pesquisas recentes (ADLER e ASHBEL, M.<br />
SOUZA LIMA), (248) permitem entrevêr maior capaci<strong>da</strong>de de resistência do<br />
germe às condições exteriores, o que viria a alterar o modo de ver atual<br />
sôbre a importância <strong>da</strong>s habitações contamina<strong>da</strong>s na transmissão indireta<br />
<strong>da</strong> lepra, <strong>da</strong>ndo-lhe maior valor.<br />
CONTÁGIO INDIRETO POR OBJETOS<br />
CONTAMINADOS<br />
Muitos leprólogos acham admissível o contágio indireto, por<br />
intermédio dos objetos de uso dos doentes, os quais seriam contaminados<br />
pelos bacilos eliminados através <strong>da</strong>s várias vias já menciona<strong>da</strong>s. PEYRI<br />
acha mesmo que os germes poderiam multiplicar-se nêsses objetos.<br />
Numerosas foram as pesquisas bacterioscópicas pratica<strong>da</strong>s pelos<br />
diversos leprólogos, tendo muitos dêles conseguido evidenciar o “M.<br />
leprae” em objetos de uso dos doentes, tais como nos lenços, roupas,<br />
moe<strong>da</strong>s, cachimbos, peças de curativo, navalhas, livros, móveis, etc.<br />
De outro lado, muitas pesquisas feitas com material obtido nas<br />
maçanetas de portas, objetos de uso dos doentes, etc., proporcionaram<br />
resultado negativo. Tais resultados não indicam que não existam bacilos<br />
nos mesmos, pois se pode admitir que, por ex., um lepromatoso sujando a<br />
mão com muco nasal ou lesão bacilífera, e em segui<strong>da</strong> colocando-a em<br />
qualquer objeto, venha a depositar nêste os germes patogênicos. O<br />
resultado negativo seria devido à menor quanti<strong>da</strong>de de bacilos no material<br />
contaminado. Lembramos ain<strong>da</strong>, a êste propósito que, na tuberculose e de<br />
acôrdo com MATSON, com 500.000 bacilos tuberculosos por cc. de<br />
material pode-se ter ain<strong>da</strong> campos microscópicos mesmo em grande parte<br />
negativos. Isso indica como as pesquisas devem ser sempre repeti<strong>da</strong>s com<br />
muito cui<strong>da</strong>do e como é necessário recorrer à prova biológica, quando se<br />
queira resposta segura nos limites do possível.<br />
O bacilo <strong>da</strong> lepra pode achar-se muito espalhado no lugar em que<br />
vive um doente, contaminando os objetos de seu uso. Pode ser encontrado<br />
até na água com a qual se lava o seu quarto, como observámos no<br />
Departamento de Profilaxia <strong>da</strong> Lepra, de S. Paulo.<br />
Em relação ao bacilo <strong>da</strong> tuberculose, a maioria dos bacteriologistas<br />
admite que fora do organismo êle vive mesmo durante muito tempo,<br />
segundo os casos e os meios, mas sem poder multiplicar-se. “Tal<br />
circunstância reduz
– 286 –<br />
muito o perigo extensivo e faz compreender “a priori”, que o número de<br />
bacilos tuberculosos e portanto <strong>da</strong>s causas de infecção, aumenta quanto<br />
mais nos aproximamos <strong>da</strong> fonte bacilar, isto é, do organismo doente, e<br />
correspondentemente diminua também até zero, nos ambientes não<br />
infectados”.<br />
“A idéia de que o bacilo <strong>da</strong> tuberculose esteja em todos os lugares<br />
e seja, portanto, um organismo ubíquo, pode ser aceita sòmente em<br />
sentido muito lato, isto é, que embora haja muita probabili<strong>da</strong>de de se<br />
encontrar bacilos tuberculosos isolados, isso não constitue, na prática,<br />
elemento freqüente de <strong>da</strong>no, sendo êste subordinado a duas condições que<br />
felizmente se verificam com rari<strong>da</strong>de: o número suficiente e a virulência<br />
também suficiente”. CAMPANI. (84)<br />
Da mesma maneira que para o bacilo <strong>da</strong> tuberculose, poder-se-ia<br />
falar <strong>da</strong> possível ubiqui<strong>da</strong>de do bacilo de Hansen. Foi encontrado na terra,<br />
água, etc. Mas pràticamente, ao que parece, tais bacilos em número pouco<br />
elevado e talvez sem a necessária virulência, não teriam possibili<strong>da</strong>des de<br />
determinar a moléstia senão excepcionalmente, quando as condições<br />
individuais favorecessem o contágio.<br />
Ao se pretender julgar se os bacilos encontrados no sólo, água ou<br />
objetos contaminados são vivos e conservam ou não a sua capaci<strong>da</strong>de<br />
infectante, esbarra-se, como sempre, no terreno <strong>da</strong> patogênese, na<br />
dificul<strong>da</strong>de decorrente de não se ter ain<strong>da</strong> conseguido, para uso rotineiro,<br />
um meio de cultura adequado e um animal receptor. Com êstes recursos<br />
rasgar-se-ia o mistério que impede a comprovação. Deve-se notar ain<strong>da</strong> a<br />
presença habitual de ácido-resistentes banais no material de exame.<br />
Graças a êsses recursos, na tuberculose conseguiu-se verificar<br />
como os objetos de uso pessoal dos doentes ficam contaminados, podendo<br />
servir como veículo de contágio indireto. É interessante, a êsse respeito, a<br />
experiência de GREMMING, o qual, depois de uma dupla lavagem de duas<br />
colheres que foram utiliza<strong>da</strong>s por doentes bacilíferos, pondo nêsses<br />
utensílios 50 grs. de água quente e depois recentrifugando, obtinha um<br />
líquido ain<strong>da</strong> bacilífero e em 25% <strong>da</strong>s vêzes mortal às cobaias (cit.<br />
CAMPANI).<br />
Não é de se admirar pois, se utensílios de doentes de lepra<br />
bacilíferos, contenham bacilos que podem servir para um contágio<br />
indireto, embora raramente, quando as condições do organismo receptor<br />
são favoraveis (lepromino-reação de Mitsu<strong>da</strong> negativa e outros fatores).
– 287 –<br />
De outro lado, admitem certos autores que a transmissão <strong>da</strong><br />
moléstia possa ter como ponto de parti<strong>da</strong> cadáveres, baseando-se numa<br />
observação de TACHE: um indivíduo de região isenta de lepra infeccionase<br />
em uma erosão ao transportar o cadáver de um leproso e contagia em<br />
segui<strong>da</strong> sua irmã. Neste caso, o contágio teria sido direto, pelo contacto<br />
do indivíduo sadio com o ca<strong>da</strong>ver doente.<br />
Segundo as observações de ARNING,SPRECHER e outros, os<br />
bacilos procedentes de cadáveres podem manter-se coráveis por<br />
muito tempo. RODRIGUES DE SOUZA (46) que os cita refere o<br />
seguinte: “Examinámos cadáveres de 1, 2, 3 e 4 1 /2 anos de<br />
inhumação e encontrámos sempre uma abundância colossal de<br />
bacilos de Hansen (?) mesmos nas formas nervosa pura ou<br />
máculo-anestésica; procurando cadáveres testemunhas na ci<strong>da</strong>de<br />
de Sorocaba, para contrôle, fomos surpreendidos com os mesmos<br />
achados, isto é, grande quanti<strong>da</strong>de de bácilos ácido-alcoolresistentes,<br />
esparsos ou em grupos, muito semelhantes aos de<br />
Hansen...” Anotemos que êste mesmo autor põe em dúvi<strong>da</strong> que<br />
seja realmente o bacilo de Hansen o germe encontrado em seus<br />
exames. De fato, é muito notável essa suspeição tendo em vista os<br />
achados positivos nos cadáveres de indivíduos sadios e nos<br />
doentes de tipo neural, nos quais em nossas necrópsias as<br />
pesquisas bacterioscópicas resultavam negativas.<br />
Além disso, os bacilos ácido-resistentes (banais ?, de Hansen ?)<br />
foram evidenciados na água e na terra, em conseqüência destas terem sido<br />
contamina<strong>da</strong>s pelas fezes, urina ou material infectado proveniente de<br />
doentes. Nós mesmos demonstramo -los na água de lavagem dos quartos<br />
onde permaneciam os doentes antes de serem transportados para os<br />
hospitais.<br />
Muito justamente, JADASSOHN afirma que, <strong>da</strong><strong>da</strong> “a freqüente<br />
existência de bacilos ácido-resistentes no mundo exterior, especialmente<br />
na água e <strong>da</strong><strong>da</strong> a impossibili<strong>da</strong>de de se comprovar a natureza específica<br />
dos bacilos encontrados, por meio de cultura e inoculações em animais, é<br />
natural que resultados positivos isolados tenham importância bem<br />
insignificante”.<br />
GEIL admite que os indivíduos que an<strong>da</strong>m descalços podem<br />
infectar-se do sólo, quando êste tenha sido contaminado por doentes<br />
bacilíferos; os bacilos conservar-se-iam
– 288 –<br />
graças a condições telúricas e atmosféricas favoráveis. KOBLER “afirma<br />
peremptoriamente que, onde a lepra predomina endemicamente, tô<strong>da</strong> a<br />
região é contamina<strong>da</strong> por bacilos, que persistem e podem então,<br />
subitamente, produzir infecções; assim seriam explicados... a freqüente<br />
infecção dos camponeses...” (cit. por JADASSOHN).<br />
Embora em princípio seja viável a hipótese de que um indivíduo<br />
an<strong>da</strong>ndo descalço possa contaminar-se em terra infecta<strong>da</strong> por bacilos,<br />
julgamos pouco provável êsse modo de infecção, porque, como vimos<br />
acima, são raros os achados positivos de bacilos no sólo e pequeno é o<br />
número dos; mesmos. Além disso é ain<strong>da</strong> duvidoso que os germes<br />
possam resistir durante muito tempo às condições desfavoráveis<br />
exteriores.<br />
O fato é que os inquéritos epidemiológicos feitos com outras<br />
moléstias têm demonstrado, com algumas exceções,: a importância<br />
relativamente pequena dos objetos contaminados na transmissão <strong>da</strong>s<br />
mesmas. A lepra não deve fazer exceção, mesmo porque, é muito menos<br />
contagiosa do que as moléstias considera<strong>da</strong>s anteriormente, a respeito <strong>da</strong><br />
importância <strong>da</strong> habitação contamina<strong>da</strong> na sua propagação.<br />
Acrescente-se que, em paises nos quais a lepra é endêmica,<br />
dificilmente poder-se-á avaliar se ela se desenvolveu em determinado<br />
indivíduo em conseqüência de um contágio indireto ou direto, mesmo a<br />
despeito dêle negar contacto com um doente. Isso porque, em geral, nem<br />
sempre são reconheci<strong>da</strong>s as pessoas doentes, que vivem em contacto<br />
muitas vêzes íntimo com os indivíduos sadios. A contaminação indireta<br />
poderia ser invoca<strong>da</strong> com maiores probabili<strong>da</strong>des, nos paises em que a<br />
lepra pràticamente se extinguiu, por ex. na Inglaterra, em que os poucos<br />
casos existentes, são constituidos por elementos que se contagiaram nas<br />
colônias e que depois regressaram à pátria. Mesmo assim, porém, haveria<br />
a dúvi<strong>da</strong> de que o neo-infectado tivesse tido contacto com um doente,<br />
embora não reconhecendo êste último como tal.<br />
CONTAMINAÇÃO INDIRETA PELOS<br />
VECTORES ANIMAIS<br />
De acôrdo com algumas estatísticas procedi<strong>da</strong>s com o intúito de<br />
apurar onde se localizam as primeiras manifestações <strong>da</strong> moléstia<br />
percebi<strong>da</strong>s pelos doentes, veio a notar-se que, segundo informações dos<br />
mesmos, elas se situariam de preferência nas regiões do corpo<br />
habitualmente manti<strong>da</strong>s
– 289 –<br />
descobertas nos paises quentes. Se bem que estas estatísticas fossem<br />
passíveis de crítica, não deixaram de impressionar muitos A.A., no<br />
sentido de que a localização <strong>da</strong>s lesões em partes descobertas permitiria<br />
admitir a participação de insetos como agentes intermediários <strong>da</strong><br />
transmissão <strong>da</strong> moléstia.<br />
Aliás, já em meiados do século passado, antes <strong>da</strong> descoberta do<br />
bacilo de Hansen, DANIEL BEAUPERTHUY admitia que as moscas,<br />
pousando sôbre as úlceras dos doentes de lepra podiam em segui<strong>da</strong><br />
contaminar uma excoriação cutânea. Depois dêle, numerosos A.A.<br />
procuraram encontrar os fun<strong>da</strong>mentos para a justificação <strong>da</strong> transmissão<br />
indireta por intermédio dos parasitos animais.<br />
Após a leitura <strong>da</strong> abun<strong>da</strong>nte bibliografia existente sôbre o assunto,<br />
vê-se que os A.A. admitem a participação dos insetos na transmissão <strong>da</strong><br />
moléstia, em virtude de dois mecanismos diferentes:<br />
1.° – Os insetos seriam simples transportadores dos bacilos, que<br />
ficando sôbre a superfície do seu corpo, depois seriam depositados em<br />
soluções de continui<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pele ou <strong>da</strong> mucosa dos indivíduos sadios;<br />
2.° – Os insetos, picando os doentes de lepra lepromatosa (que<br />
freqüentemente têm bacilemia) recebem bacilos que permanecem no seu<br />
tubo digestivo durante tempo mais ou menos longo; em segui<strong>da</strong>, picando<br />
indivíduos sãos, transmitem-lhes êsses germes.<br />
ROGERS eMUIR admitem que “insetos capazes de produzir túneis<br />
no tegumento, tais como o “Acarus scabiei” podem conduzir bacilos <strong>da</strong><br />
lepra através <strong>da</strong> pele ou proporcionar vias de acesso aos germes para os<br />
tecidos conjuntivos”.<br />
Finalmente, chegou-se a admitir, (SANDES, 416 ) e Noc. (330) que ao<br />
picar o doente, o inseto se carrega de bacilos, os quais proliferariam ou<br />
passariam por estádios intermediários, nos órgãos do próprio vector; só<br />
mais tarde êste seria capaz de provocar a moléstia, ao picar o indivíduo<br />
são. Esta suposição parece-nos porém hipotética, em face dos deficientes<br />
recursos laboratoriais capazes de comprová-la.<br />
De modo geral, êsses seriam os mecanismos pelos quais os<br />
parasitos animais favoreceriam a propagação indireta <strong>da</strong> lepra. Vamos<br />
agora considerar isola<strong>da</strong>mente ca<strong>da</strong> um dêsses vectores, referindo as<br />
pesquisas que foram feitas sôbre os mesmos e encarando a possibili<strong>da</strong>de<br />
de sua participação na transmissão <strong>da</strong> lepra.<br />
F. – 19
MOSQUITOS<br />
Muitos são os A.A. que admitem a propagação <strong>da</strong> lepra por<br />
intermédio de um hospe<strong>da</strong>dor intermediário, que seria o mosquito.<br />
Segundo alguns, BLANCHARD,LUTZ, (267) NOC,ARAGÃO,EMILIO GOMES,<br />
(166)<br />
êste seria o principal senão o único mecanismo de difusão <strong>da</strong><br />
moléstia, que seria infecciosa e transmissivel, mas não pelo mecanismo<br />
do simples contágio.<br />
Outros A.A. consideram possível a transmissão pelos mosquitos,<br />
pronunciando-se a seu favor: TUCKER, CLIFT, LUQUE, SOMONER,<br />
ANDERSON, ALVAREZ, SCOTT, JOLY, MONEY, HALLOPEAU,<br />
CHANTEMESSE, MANTEGAZZA, NICOLAS (cit. JADÁSSOHN), LEBOEUF,<br />
LELOIR (241) e outros.<br />
(233)<br />
De outro lado, LEBOEUF, MELLO e CABRAL, VALVERDE,<br />
MARCHOUX (Cit. JADASSOHN), não atribuem importancia à transmissão <strong>da</strong><br />
lepra por meio de insetos.<br />
Deixemos a LUTZ o encargo de defender as suas idéias, <strong>da</strong>s quais é<br />
entusiasta, sem contudo chamar para si a priori<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s mesmas.<br />
“Já anteriormente à descoberta do germe, foram feitas muitas<br />
experiências de transmissão <strong>da</strong> lepra a seres humanos, geralmente por<br />
inoculação cutânea e subcutânea do sangue, linfa ou fragmentos de<br />
nódulos leprosos em pessoas sãs. Tô<strong>da</strong>s elas falharam, salvo em um ou<br />
outro caso um tanto duvidoso. Tais resultados contradizem por completo<br />
a idéia de que a emissão dos germes pelos doentes por descarnação,<br />
secreção ou excreção possa infectar outros individuos. Concor<strong>da</strong>m porém,<br />
com a observação anteriormente feita, de que os morféticos não são<br />
infecciosos nas grandes capitais européas. Os advogados do contágio<br />
direto ignoram fatos importantes como estes que acabamos de referir”.<br />
“Agora perguntamos: qual será o elemento que é encontrado nos<br />
paises onde existe lepra, e que desapareceu, atualmente, <strong>da</strong>s regiões<br />
européias, onde a lepra reinava outrora, conforme o atestam os antigos<br />
leprosários ai existentes? Uma única resposta a essa pergunta se impõe:<br />
deve ser um agente vivo, que depois de sugar o sangue ou a linfa de<br />
doentes de lepra, em condições apropria<strong>da</strong>s, pode infectar pessoa sã”.<br />
Cita ain<strong>da</strong>, a favor <strong>da</strong> transmissão <strong>da</strong> lepra pelos mosquitos, a<br />
observação em Hawaii (ARNING), que se tornou um dos focos mais<br />
importantes de lepra, em coincidência com a introdução dos mosquitos<br />
que se multiplicaram com gran-
– 291 –<br />
de rapidez, devido às culturas aquáticas que predominais na lavoura<br />
dessas ilhas.<br />
Outro argumento: em São Paulo e no Rio de Janeiro, foram<br />
verificados casos de lepra em moças européias, vin<strong>da</strong>s de paises não<br />
leprogênicos e que negam contacto com os doentes; as primeiras<br />
localizações eram na face e nas mãos. Nas proximi<strong>da</strong>des dêsses casos não<br />
foram localiza<strong>da</strong>s residências de doentes.<br />
Segundo LUTZ, os sugadores de sangue ubíquos devem ser<br />
afastados de cogitações, porque são encontrados tanto nos paises de lepra<br />
como nos que estão livres desta infecção. Os únicos sugadores de sangue<br />
que podem ser tomados em consideração são os dipteros, especialmente<br />
os mosquitos.<br />
Ajunte-se, ain<strong>da</strong>, a opinião de NICOLAS de que há lepra mesmo<br />
sem mosquitos, mas onde êstes existem em abundância a lepra se<br />
desenvolve ràpi<strong>da</strong>mente.<br />
A nosso ver, a transmissão <strong>da</strong> lepra pelos mosquitos, com as<br />
possibili<strong>da</strong>des atuais, não pode ser considera<strong>da</strong> como a única via de<br />
difusão <strong>da</strong> moléstia. Não deixa contudo de ser admissível, em certos<br />
casos, conforme o admitem também numerosos autores. Alguns<br />
comentários podem ser feitos sôbre êsse possível mecanismo de<br />
transmissão <strong>da</strong> lepra, considerações essas que já nos tinham ocorrido<br />
juntamente com SAMPAIO, em trabalho dêste último, ao qual emprestámos<br />
nossa colaboração.<br />
Fato interessante a considerar é o resultado negativo <strong>da</strong>s<br />
inoculações feitas até hoje e que, segundo os defensores <strong>da</strong> doutrina<br />
exposta, depõe contra o contágio direto. Ora, se admitirmos isso, também<br />
é admissível supor que a transmissão <strong>da</strong> lepra não teria valor. De fato, se<br />
experimentalmente a inoculação de número avultado de bacilos dá<br />
resultado negativo, a pica<strong>da</strong> do mosquito, que introduz no organismo<br />
número relativamente muitíssimo menor de germes, contaria ain<strong>da</strong> com<br />
menos probabili<strong>da</strong>de de infectá-lo, porque é inegável a importância <strong>da</strong><br />
quanti<strong>da</strong>de de germes na determinação <strong>da</strong>s moléstias, ao lado,<br />
naturalmente, de outros fatôres, principalmente o “terreno”. Será que<br />
outras condições liga<strong>da</strong>s à biologia do bacilo de Hansen no interior do<br />
mosquito alterariam os resultados? Julgamos pouco provável que isso<br />
ocorra, e as inoculações negativas feitas no homem talvez possam ser<br />
explica<strong>da</strong>s pela alta imuni<strong>da</strong>de dos indivíduos receptores, o que a<br />
lepromino-reação teria permitido avaliar em certos casos.
– 292 –<br />
Portanto, as repeti<strong>da</strong>s inoculações feitas no homem com resultado<br />
negativo não são suficientes para excluir o caracter contagioso direto <strong>da</strong><br />
lepra, mesmo porque, como afirma RIBAS, (382) na escarlatina, moléstia<br />
altamente contagiosa, a inoculação no homem e nos animais não é<br />
perfeitamente concludente. Com o sarampo também as inoculações têm<br />
falhado e, no entanto, diante dos fatos clínicos, ninguém nega que essas<br />
moléstias possuem alto poder contagiante.<br />
De outro lado, as pesquisas procedi<strong>da</strong>s pelos vários leprólogos<br />
sôbre a presença de bacilos nos mosquitos são muito discor<strong>da</strong>ntes, sendo<br />
que alguns dêles, a despeito de examinarem centenas de exemplares, não<br />
conseguiram descobrir o germe. Vejamos os resultados <strong>da</strong>s mesmas,<br />
procedi<strong>da</strong>s em mosquitos Stegomya, Anopheles, Culex, Fatigans,<br />
Taeniorhyncus, Confirmatus, etc., de acôrdo com os <strong>da</strong>dos que<br />
conseguimos obter:<br />
AUTORES<br />
N.º de<br />
mosquitos<br />
Resultado do exame<br />
examinados Positivos Negativos<br />
SOUZA ARAUJO (1) (*)<br />
NOC (2)................................... 150 75 75<br />
VEDDER (3)............................. 100 41 59<br />
LEBOEUF (4)............................. 76 4 72<br />
EHLERS, BOURRET e WITH (5). 12 1 11<br />
SANDESS (6)............................ 80 1 79<br />
CURRIE (7)............................... 493 0 493<br />
ARIZUMI (8).............................. 203 0 203<br />
ARNING (9)............................. 100 0 100<br />
BOURRET (10).......................... 13 0 13<br />
(*) Em pesquisas ulteriores, SOUZA ARAUJO evidenciou bacilos em<br />
muitos mosquitos, sendo que em três exemplares de "Psorophora sp?" com<br />
vários esfregaços observou "massas de bacilos, como se fosse emulsão de<br />
leproma".<br />
BIBLIOGRAFIA<br />
(1) SOUZA ARAUJO, H. C. – Infecção espontânea e experimental de<br />
Hematófagos (Ixodídeos, Triatomídeos, Culicidios, Hirudineos,<br />
Pediculideos e Cimicideos) em leprosos. Mem. Inst. Oswaldo Cruz, Rio de<br />
Janeiro, 1943 (3), 38.<br />
(2) NOC – Fonctionement du laboratoire de bactériologie de Noumea.<br />
(Nouvelle Calédonie). Lepra Bib. Int., 1904:5, 208.<br />
(3) VEDDER, cit. por JEANSELME, pág. 252.<br />
(4) LEBOEUF, A. – Já citado.
– 293 –<br />
(5) EHLLERS, BOURRET e WITH – Recherches sur le mode de propagation et<br />
les procédés de diagnostic bactériologique de la lépre. Bull. de la Soc.<br />
Path. Exot., 1911:5, 239.<br />
(6) SANDES – Já citado.<br />
(7) CURRIE, D. H. – Mosquitoes in relation to the transmission of leprosy. Public<br />
Health Bull., 1910 (39), 3.<br />
(8) ARIZUMI – La transmission possible de la lépre par certains insects, Ann.<br />
Derm. Syph., 1935 (7), 665.<br />
(9) ARNING, cit., por CURRIE (vide 7).<br />
(10) BOURRET – Idem.<br />
––––––––<br />
GOODHUE (173) encontrou bacilos em exemplares femininos de<br />
Culex pung.<br />
Acrescente-se ain<strong>da</strong>, que as pesquisas de JEANSELME, <strong>da</strong> Comissão<br />
Indiana, RÖMER, KANTHACK e CARCLAY, foram negativas. Releva notar<br />
que ARNING, a despeito de observar que os mosquitos e a lepra teriam<br />
aparecido simultaneamente nas ilhas Sandwich, não conseguiu evidenciar<br />
bacilos nos mosquitos apanhados em mosquiteiros de doentes de formas<br />
graves de lepra.<br />
O exame dessas estatísticas mostra a grande divergência entre as<br />
mesmas, o que se pode explicar pela diversi<strong>da</strong>de de fontes que<br />
forneceram os bacilos (pica<strong>da</strong>s dos mosquitos em veia, em lepromas, em<br />
doentes de tipo nervoso e lepromatoso, e nestes últimos, estando ou não<br />
em bacilemia).<br />
Isso indica porém, que se a transmissão pelos mosquitos fosse<br />
muito freqüente, os resultados positivos <strong>da</strong>s pesquisas deveriam ser bem<br />
elevados.<br />
LUTZ fêz a afirmação genérica de que a lepra diminuiu onde<br />
diminuiram os mosquitos. Essa afirmação levaria a crer por exemplo, que<br />
se tenha extinguido a lepra na França porque êsses insectos se tornaram<br />
mais raros. Ora, BRUMPT (73) assevera, estu<strong>da</strong>ndo o problema do<br />
desaparecimento espontâneo e quase completo do paludismo na França,<br />
que este pôde desaparecer quase completamente, se bem que o anofelismo<br />
tenha persistido.<br />
Na Itália, na região romana, existiam, até há bem pouco tempo,<br />
famosos focos de mosquitos, e, no entanto, KLINGMÜLLER afirma que<br />
apenas poucos casos de lepra são conhecidos nessa região, enquanto que<br />
em outras, como na Toscana, não existem êsses focos, e são mais<br />
numerosos os casos <strong>da</strong> moléstia.<br />
Ain<strong>da</strong> um comentário a fazer e é a respeito <strong>da</strong>s moças européias<br />
que se infectaram no Brasil (São Paulo e Rio de Janeiro), negando todo e<br />
qualquer contacto com doentes de
– 294 –<br />
lepra. Podemos argumentar que não é pelo fato do indivíduo negar fonte<br />
de contágio, que vamos deixar de admití-lo. Isso porque grande número<br />
de doentes não o referem e, no entanto, estiveram em contacto com casos<br />
<strong>da</strong> moléstia, provávelmente de forma incipiente, embora já eliminadores<br />
de bacilos, de modo que êles negam honesta e não intencionalmente o<br />
contágio.<br />
Ain<strong>da</strong>, de acôrdo com JEANSELME, “se a teoria <strong>da</strong> transmissão por<br />
um vector alado é justifica<strong>da</strong>, a infecção disseminar-se-ia por assim dizer<br />
às cegas, enquanto na reali<strong>da</strong>de, é com freqüência possível chegar-se até a<br />
fonte de contágio de um caso. Esta hipótese não pode explicar porque a<br />
endemia é reparti<strong>da</strong> em pequenos focos, porque a criança de uma mãe<br />
leprosa é mais exposta à infecção do que a criança de um pai doente;<br />
porque nos hospitais, tal como o de S. Luiz, onde os doentes de lepra<br />
estão em sala comum, a lepra não se propaga aos outros doentes, porque,<br />
enfim, a lepra regrediu na Noruega e em outros paises, pelas simples<br />
medi<strong>da</strong>s do isolamento”.<br />
No Brasil, dois fatos interessantes podem ser mencionados e a<br />
comprovação dos mesmos resultará de grande importância para o<br />
problema que abor<strong>da</strong>mos. Examinando a percentagem <strong>da</strong> distribuição dos<br />
leprosos nos vários Estados, chegámos à conclusão de que em<br />
determina<strong>da</strong> região do nordeste brasileiro, o número de doentes decai.<br />
Pois bem, essa região particularmente assola<strong>da</strong> pelas sêcas, terá menos<br />
focos de mosquitos? A natureza teria feito uma profilaxia natural contra<br />
os mesmos? A menor freqüência de doentes nesta região, compara<strong>da</strong> com<br />
a dos outros Estados do Brasil, país leprogênico, pode estar relaciona<strong>da</strong><br />
com os mosquitos?<br />
Neste particular devemos mencionar que MOURITZ, citado por<br />
Camargo (81) é de opinião que os mosquitos não podem ser incriminados<br />
como fator ativo na expansão <strong>da</strong> lepra, fazendo notar que, em Hawaii, não<br />
são tô<strong>da</strong>s as raças igualmente atingi<strong>da</strong>s pela lepra. E, na Nova Caledônia,<br />
segundo JEANSELME e SEE (208) certas categorias de brancos são poupados,<br />
se bem não estejam ao abrigo <strong>da</strong>s pica<strong>da</strong>s dos mosquitos. Ain<strong>da</strong><br />
JEANSELME, afirma que na Nova Caledônia só se tornam doentes os<br />
penitenciários que entraram em contacto com os doentes, mas não os que<br />
nenhuma relação têm com êles. Acrescente-se que MARCHOUX e<br />
BOURRET (282) descobriram pequeno foco de lepra em uma aldeiola<br />
(Dalmas) dos Alpes Marítimos, onde não foram encontrados mosquitos<br />
que picassem freqüentemente o homem.
– 295 –<br />
Para esclarecer êste ponto, seria necessário localizar nos mapas<br />
geográficos os focos de mosquitos e de lepra, e ver se há superposição dos<br />
mesmos. Com isso grande contribuição se poderia <strong>da</strong>r a êste assunto, mas<br />
as dificul<strong>da</strong>des são grandes para conseguir-se êsse intento e a prova é que,<br />
até agora, nenhum estudo cui<strong>da</strong>doso e completo foi apresentado neste<br />
sentido. Torna-se preciso uma comissão especializa<strong>da</strong>, que cui<strong>da</strong>dosamente<br />
fixe os focos de mosquitos como também estabeleça com<br />
exatidão o número de doentes existentes naquela região, exclui<strong>da</strong>s<br />
naturalmente as causas de êrro, entre as quais a emigração de doentes de<br />
uma região para outra, fazendo elevar o índice nesta e baixá -lo naquela.<br />
Observador criterioso e ponderado dos problemas epidemiológicos<br />
em nosso meio, SALES GOMES JR. afirmou-nos que o número de doentes<br />
de lepra decresceu considerávelmente na Bahia, sem que houvessem<br />
diminuido os focos de mosquitos. E’ também citado por muitos o fato de<br />
que o antigo Hospital dos Lazaros (hoje Frei Antonio) nunca deu origem<br />
a um caso de lepra na vizinhança, apesar de localizado em bairro<br />
populoso do Rio de Janeiro, antigamente assolado por mosquitos. Ajuntese<br />
ain<strong>da</strong> que no Rio de Janeiro “a lepra tem talvez aumentado desde<br />
Oswaldo Cruz, inversamente aos índices culicidianos e outros”. (*)<br />
Portanto, contando com os recursos atuais de pesquisa, nossa<br />
opinião é que a transmissão <strong>da</strong> lepra pelos mosquitos não pode ser<br />
considera<strong>da</strong> como uma via importante de difusão <strong>da</strong> moléstia; contudo é<br />
admissível que a transmissão possa processar-se também por esta via,<br />
embora o contágio direto nos pareça o principal meio de propagação <strong>da</strong><br />
moléstia.<br />
MOSCAS<br />
Achamos admissível que a mosca, pousando sôbre lesões<br />
ulcera<strong>da</strong>s ou em material com bacilos, possa carregá-los em suas patas e<br />
probóscide, transportando-os em segui<strong>da</strong> para uma solução de<br />
continui<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pele ou <strong>da</strong> mucosa de um indivíduo sadio. Dessa<br />
maneira, as moscas veiculariam, passivamente, os bacilos do doente para<br />
a pessoa sadia. Além disso, as moscas que se nutrem sôbre lepromas<br />
ulcerados podem absorver enormes quanti<strong>da</strong>des de bacilos de HANSEN<br />
__________________<br />
(*) Informação <strong>da</strong> Comissão Julgadora do Concurso de Monografias sôbre<br />
Etiologia e Patologia <strong>da</strong> Lepra.
– 296 –<br />
(234) (154) (l8)<br />
(LEBOEUF, FIOCCO, ARIZUMI e outros) que são depois<br />
eliminados pelas excreções seja sôbre as eventuais ulcerações de um<br />
indivíduo sadio, seja nos alimentos utilizados por êste.<br />
Aliás, admite-se que muitas moléstias (tifo, disenteria, carbúnculo,<br />
difteria, tuberculose, etc.) possam ser propaga<strong>da</strong>s pelas moscas, e mesmo<br />
na lepra dos ratos foi experimentalmente provado por MARCHOUX que<br />
elas podem exercer papel ativo na sua transmissão. É natural pois admitir<br />
que na lepra dos homens possa ocorrer a mesma coisa. E são numerosos<br />
os A.A. que assim pensam.<br />
JOLY (211) achou que as moscas, muito numerosas em<br />
Ma<strong>da</strong>gascar, podem transportar bacilos para os alimentos e para os<br />
indivíduos sadios. Muitos A. A. CURRIE, (116) LEBOEUF, FIOCCO,<br />
ARIZUMI,WHERRY, cit. por MARCHOUX, MELLO eCABRAL,BUEN<br />
eSAMPELAYO, SUGAI, observaram que as moscas, nutrindo-se em<br />
ulcerações lepróticas ou em lepromas, absorviam muitos bacilos,<br />
os quais depois eram encontrados no intestino e em suas<br />
excreções.<br />
MONOBE examinou 15 moscas de um leprosário em Osaka;<br />
em 13 encontrou bacilos nos orgãos abdominais. A princípio muito<br />
numerosos nas fezes, êstes bacilos diminuiam gradualmente de<br />
número e desapareciam do décimo ao décimo quinto dia.<br />
Tambem evidenciaram bacilos nas moscas GOODHUE,<br />
MONTPELLIER, RÖMER, NOC eDE BUEN, citados por Rogers e<br />
Muir (389) ;SANDES examinou 70 moscas, encontrando dois bacilos<br />
ácido-resistentes no estômago de uma mosca e um no estômago de<br />
outra.<br />
De outro lado, foram negativas as pesquisas <strong>da</strong> Comissão<br />
Indiana. MARCHOUX verificou na lepra dos ratos, que as moscas<br />
podem ser agentes muito ativos de transporte dos germes.<br />
“Em um mesmo local foram encerra<strong>da</strong>s moscas e ratos<br />
imobilizados nos quais havia sido pratica<strong>da</strong> uma botoeira na pele.<br />
A polpa obti<strong>da</strong> pela maceração dos lepromas de rato era <strong>da</strong><strong>da</strong><br />
como alimento aos insectos que se precipitavam àvi<strong>da</strong>mente sôbre<br />
esta massa. Somente algumas moscas foram pousar sôbre as<br />
chagas do rato em experiência. Êste simples contacto <strong>da</strong>s patas<br />
contamina<strong>da</strong>s foi o suficiente. Todos os animais expos-
– 297 –<br />
tos tornaram-se doentes...”. Acentuam ain<strong>da</strong> a transmissibili<strong>da</strong>de<br />
pelas moscas: CLIFT, NASH eDUQUE, PERIN eTURNER.<br />
Parecem-nos pouco prováveis certos fatos como o referido por<br />
CORREDOR, o qual “relata que um indiano atribuia sua lepra a pica<strong>da</strong>s de<br />
moscas que haviam pousado em ulcerações leprosas (semelhante ao Padre<br />
Damião)”. É muito provável que houvesse em tais casos contacto direto<br />
com os doentes. Sôbre o Padre Damião, por ex. é sabido que ele mantinha<br />
contacto muito íntimo com os leprosos, não tomando qualquer cui<strong>da</strong>do e<br />
chegando a ponto de ceder o seu cachimbo aos mesmos.<br />
Em conclusão, embora consideremos admissível que as moscas<br />
possam participar <strong>da</strong> transmissão <strong>da</strong> lepra, achamos que o contágio direto<br />
seja o principal e mais importante.<br />
PULGAS<br />
Raros são os achados positivos. SANDES examinou 60 pulgas,<br />
evidenciando dois bacilos em uma delas e um em outra.<br />
EHLERS, BOURRET e WITH apenas em uma pulga evidenciaram<br />
bacilos em exames feitos após uma hora, dentre 31 “PULEX irritans” que<br />
se alimentaram sôbre lepromas. Também LEBOEUF só obteve um<br />
resultado positivo entre 35 pulgas examina<strong>da</strong>s, sendo pouco numerosos os<br />
bacilos.<br />
Diante dêsses resultados é pouco provável que a pulga possa<br />
veicular bacilos.<br />
PIOLHOS<br />
As in<strong>da</strong>gações feitas não favoreceram a hipótese <strong>da</strong> participação<br />
dos piolhos na transmissão <strong>da</strong> lepra.<br />
FAGARLUND acreditaria na importância do “Pediculis<br />
capitis”.<br />
MC COY e CLEGG referem ter encontrado numerosos<br />
bacilos ácido-resistentes em piolhos capturados na cabeça de<br />
doentes. Segundo MARCHOUX, “esta observação não é de molde a<br />
reformar nossa opinião sôbre a inocui<strong>da</strong>de dos insectos picadores,<br />
no que concerne a lepra. Sabemos, com efeito, que os bacilos<br />
ácido-resistentes constituem legião e que se pode encontrá-los<br />
muito freqüentemente nos mais variados artrópodes. Se êles pos-
– 298 –<br />
suem a forma e as reações corantes do bacilo de HANSEN, não<br />
possuem poder patogênico para o homem”.<br />
De 20 piolhos, EHLERS, BOURRET e WITH encontraram<br />
bacilos apenas em um. As pesquisas de LEBOEUF foram negativas<br />
em 14 “Pediculus capitis” alimentados com nódulos leprosos.<br />
Em 10 exemplares examinados, SOUZA ARAUJO encontrou<br />
apenas em um dêles “alguns bacilos a. a. resistentes suspeitos de<br />
serem o <strong>da</strong> lepra”.<br />
PERCEVEJOS<br />
Alguns A .A. realizaram, sem sucessos, pesquisas bacterioscópicas<br />
em percevejos provenientes dos leitos dos doentes enquanto que outros<br />
referem ter evidenciado bacilos. Nós mesmos em muitas dezenas de<br />
percevejos examinados, em raros dêles evidenciámos bacilos (banais? de<br />
HANSEN?) justamente nos que haviam sido colocados sôbre lepromas e<br />
mantidos sôbre os mesmos durante tô<strong>da</strong> a noite; nos esfregaços dos<br />
percevejos apanhados no leito dos doentes a pesquisa foi negativa.<br />
GOODHUE e principalmente SANDES e LONG encontraram<br />
numerosos bacilos nos intestinos de percevejos que haviam picado<br />
doentes, podendo conservar-se até por 16 dias. SANDES chegou a<br />
evidenciar bacilos em 20 percevejos dentre 75 que foram<br />
alimentados com nódulos; e LONG também os observou fàcilmente<br />
em percevejos de cabanas sem moradores hansenianos, depois de<br />
alimentá-los com nódulos leprosos, sendo negativos os contrôles.<br />
SMITH, LYNCH e RIVAS verificaram que cerca de 3 a 10 dias<br />
após o repasto, os bacilos predominam no intestino, glândulas <strong>da</strong><br />
cabeça e do tronco; depois de 4 semanas ou um pouco mais tarde,<br />
êles estão reduzidos a granulações ou desapareceram<br />
completamente.<br />
Segundo NANNOVSGOLUBOVA (321) os percevejos são muito<br />
suspeitos de poderem transmitir moléstias, “porque êles podem<br />
conter bacilos ácido-resistentes depois de ter picado lepromas,<br />
sendo esses mesmos bacilos encontrados no ponto em que os<br />
hemípteros picaram cobaias”. Contudo acha o autor que outras<br />
experiências devem ser feitas para determinar se não é necessária a<br />
intervenção de outros micróbios na simbios”.
– 299 –<br />
JOHNSTON, DE BUEN, obtiveram resultados positivos<br />
(respectivamente: 4 vezes em 315 e 2 em 25).<br />
Em exames praticados em 41 percevejos apanhados no leito<br />
de lepromatosos e em 44 que tinham picado experimentalmente<br />
lepromas, LEBOEUF encontrou bacilos uma vêz entre os do<br />
primeiro grupo e 5 entre os do segundo.<br />
Anotemos que no exame de 53 hemípteros, EHLERS,<br />
BOURRET eWITH em nenhum dos casos encontraram bacilos de<br />
HANSEN típicos no esfregaço do conteúdo do estômago; em 2<br />
casos foram evidencia<strong>da</strong>s formas bacilares suspeitas. Estas últimas<br />
foram encontra<strong>da</strong>s uma vêz em 18 percevejos nos quais praticaram<br />
cortes em série.<br />
As pesquisas de SKELTON, PERHAM e THOMPSON foram<br />
negativas apesar de feitas em número elevado de percevejos<br />
(respectivamente em 175 e 160).<br />
Somando os <strong>da</strong>dos de vários A. A., ROGERS e MUIR viram:<br />
2.º) que de 302 percevejos alimentados em doentes, em 30<br />
(ou 9,9 %) foram encontrados bacilos;<br />
3.º) o exame foi positivo sòmente em 5 (0,88 %) percevejos<br />
de 566 que foram apanhados sôbre doentes ou em suas camas.<br />
4.º) Em trabalho recente, SOUZA ARAUJO informa terem<br />
sido negativas as pesquisas bacterioscópicas pratica<strong>da</strong>s em diversos<br />
cimicídeos.<br />
CARRAPATOS<br />
Entre nós RUDOLPH (407) refere ter encontrado “bacilos de HANSEN<br />
no conteúdo do intestino de ninfas do Amblyomma cajenense) FABRICIUS<br />
que tinham sugado um doente que se achava num período febril de lepra<br />
tuberosa”. Verificou a presença dos germes ain<strong>da</strong> 13 dias depois <strong>da</strong> última<br />
sucção, apesar de já terem sido digeridos todos os elementos do sangue<br />
humano”.<br />
Em vários trabalhos, um dos quais em colaboração com MIRANDA,<br />
SOUZA ARAUJO (454/455/455) pôde evidenciar bacilos em vários exemplares,<br />
verificando porém que após uma semana de “chupadura” os bacilos se<br />
apresentam mal corados, provàvelmente em vias de digestão. De acôrdo<br />
com suas investigações, SOUZA ARAUJO afirma que “ ficou provado
– 300 –<br />
que, tanto o “Amblyomma cajennense” (Fabricius, 1794), ixódi<strong>da</strong> ubíquo<br />
na América tropical e parasito constante do homem e dos animais<br />
domésticos, como também o Boophilus microplus (Cannestrini, 1888)<br />
igualmente ubíquo em quase todos os países Sul-americanos e antes dos<br />
nossos estudos considerado como parasito exclusivo <strong>da</strong> raça bovina,<br />
podem se infectar em leprosos e mu<strong>da</strong>r de hospe<strong>da</strong>dor durante ca<strong>da</strong><br />
repasto, levando-nos a considerá-los como possíveis vectores ou<br />
transmissores <strong>da</strong> lepra humana, na zona rural”.<br />
Examinámos alguns carrapatos, sem que nos fosse possível<br />
evidenciar bacilos; note-se porém que foram destacados de pontos <strong>da</strong> pele<br />
em que não existia infiltração lepromatosa.<br />
BARATAS<br />
Em virtude de alguns achados em pesquisas bacterioscópicas feitas<br />
em baratas, PALDROCII e TEJARA acham que as mesmas podem ser<br />
considera<strong>da</strong>s como um vector eventual <strong>da</strong> lepra e facilitar o contágio.<br />
Em fezes de baratas “Blatta germânica” e “Periplaneta<br />
orientales” que haviam roido lepromas, PALDROK observou bacilos<br />
bem conservados, mesmo 14 dias após o repasto. Normalmente as<br />
baratas não continham bacilos ácido-resistentes. Tambem TEJERA<br />
obteve resultados positivos, encontrando bacilos durante 11 dias.<br />
ÁCAROS DA ESCABIOSE<br />
Tendo encontrado parasitos (Ácaros e Demodex) em doentes de<br />
lepra, BORREL (61) acredita que êles possam desempenhar algum papel na<br />
transmissão <strong>da</strong> moléstia. Note-se que a importância do “Sarcoptes<br />
scabiei” é nega<strong>da</strong> por CURRIE, LEBOEUF e MARCHOUX enquanto outros<br />
têm opinião contrária; WILSON refere mesmo ter encontrado bacilos de<br />
lepra no estômago de “Sarcoptes scabiei”.<br />
DEMODEX FOLLICULORUM<br />
Assinalámos acima a opinião de BORREL sôbre o eventual papel<br />
desempenhado pelo Demodex. BERTARELLI e PARANHOS (47) nos exames<br />
que procederam em 60 doentes, referem que poucos eram os portadores<br />
de abun<strong>da</strong>ntes comedões faciais nos quais se encontrava o Demodex;<br />
apenas em 2 casos alguns bacilos foram evidenciados no material retirado<br />
dos comedões.
– 301 –<br />
MARCHOUX acha que tanto o Demodex como as moscas podem<br />
favorecer o contacto indireto, depositando o germe sôbre uma erosão.<br />
(270)<br />
Em suas pesquisas, em alguns preparados MAJOCCHI<br />
encontrou o Demodex junto ao bacilo leproso, e em outros êste<br />
acompanhava aquele.<br />
Também SERRA (427) obteve resultados positivos em suas pesquisas.<br />
Conclúe com MAJOCCHI que sendo o Demodex parasito <strong>da</strong> familia e<br />
portanto hereditário é o melhor vector para o transporte do bacilo de<br />
Hansen de indivíduo a indivíduo. Provocando fenômenos irritativos e<br />
flogísticos, a cargo dos anexos cutâneos, não se pode excluir que, dentro<br />
de certos limites e em determina<strong>da</strong>s circunstâncias – ain<strong>da</strong><br />
não conheci<strong>da</strong>s em todos os seus elementos – o Demodex carregue o<br />
material infectante. As relações entre êste transporte e a penetração no<br />
organismo estão ain<strong>da</strong> envoltas em mistério ” .<br />
SANGUESSUGAS<br />
DEL BANCO não encontrou bacilos em sanguessugas que haviam<br />
sugado lepromas; de outro lado, TASHIRO sempre evidenciou os bacilos<br />
em suas pesquisas nas sanguessugas, não informando se na natureza ou se<br />
após alimentação em leprosos. (Citação de SOUZA ARAUJO, 457 ).<br />
Em suas pesquisas realiza<strong>da</strong>s em 165 sanguessugas que haviam<br />
sugado indivíduos sadios, BREUSEGHEM (70) observou bacilos ácidoresistentes<br />
em 3 exemplares; nas que foram coloca<strong>da</strong>s sôbre lepromas, os<br />
exames eram freqüentemente positivos, afirmando não haver dúvi<strong>da</strong> de<br />
que em tais condições, a sanguessuga pode absorver quanti<strong>da</strong>des enormes<br />
de bacilos de HANSEN.<br />
Diante de tais achados, diz BREUSEGHEM que “sendo <strong>da</strong>do<br />
de um lado, a grande abundância de sanguessugas nesta região e os<br />
hábitos de higiene próprios aos indígenas, e de outro a grande<br />
abun<strong>da</strong>ncia de leprosos e a ausência de medi<strong>da</strong>s eficazes de<br />
segregação, não é impossível que a sanguessuga desempenhe uma<br />
função na transmissão <strong>da</strong> lepra. A importância dêste papel é<br />
atualmente impossível de ser determina<strong>da</strong>. Pode-se conce-
– 302 –<br />
bê-lo de maneiras diferentes: com efeito, podem as sanguessugas<br />
agir como simples agente traumático ao nível de um tecido rico em<br />
bacilos e assim auxiliar a sua disposição. Esta é tanto mais<br />
facilita<strong>da</strong> pelo fato de que a chaga, por mínima que seja, sangra<br />
durante muito tempo. E’ possível de outro lado, que uma<br />
sanguessuga se alimente sôbre um leproso e depois sôbre um<br />
indivíduo sadio”.<br />
As pesquisas de SOUZA ARAUJO também resultaram positivas em<br />
certo número de exemplares.
CAPÍTULO VII<br />
VIAS DE PENETRAÇÃO DO BACILO DA LEPRA<br />
SUMÁRIO: Penetração do bacilo <strong>da</strong> lepra, pela pele,<br />
mucosa nasal, mucosa bucal, faringiana e amig<strong>da</strong>las,<br />
pulmões, mucosa intestinal, mucosa ocular; penetração<br />
através dos órgãos genitais. Penetração imediata na via<br />
sanguínea e linfática.<br />
Existem para as várias moléstias, determina<strong>da</strong>s vias de penetração<br />
dos respectivos agentes patogênicos, ora pela pele, ora pelas mucosas,<br />
vias respiratórias, etc.; ocorre mesmo que, muito germes patogênicos<br />
deixam de determinar a moléstia por cuja transmissão respondem, desde<br />
que não atinjam o indivíduo receptor por determinado ponto. E’ assim,<br />
por exemplo, com o paludismo, febre amarela, etc. De outro lado, agentes<br />
patogênicos existem que podem determinar uma enfermi<strong>da</strong>de penetrando<br />
no indivíduo sadio através de vias diversas; por exemplo, o treponema,<br />
que determina a sífilis desde que possa alcançar solução de continui<strong>da</strong>de<br />
na pele ou nas mucosas.<br />
Na lepra, ain<strong>da</strong> não se conseguiu descobrir de que maneira se<br />
processa a infecção. Realmente ain<strong>da</strong> não se pôde evidenciar,<br />
precisamente, qual seria a porta de entra<strong>da</strong> habitual dos bacilos que vão<br />
determinar a moléstia. E contra êsse “desideratum” opõem-se o tempo de<br />
incubação excessivamente longo e o fato de não se ter conseguido um<br />
animal de laboratório para o qual correntemente se possa transmitir a<br />
lepra. Acresce ain<strong>da</strong> que nesta infecção – contràriamente ao que sucede<br />
na sífilis – o ponto de penetração dos bacilos não é denunciado por uma<br />
lesão primária, semelhante ao cancro sifilítico. De fato, apesar de ter sido<br />
descrito por alguns autores um cancro leproso, até hoje não existe opinião<br />
uniforme dos leprólogos sôbre êsse ponto e mesmo as
– 304 –<br />
poucas observações encontra<strong>da</strong>s na literatura são passíveis de crítica.<br />
Dessa maneira, quem se abalança a discutir não só as possíveis<br />
vias de penetração do bacilo de Hansen no organismo sadio, como todos<br />
os assuntos referentes à patogenia <strong>da</strong> lepra, deve fazê-lo baseando-se<br />
também nos conhecimentos de patologia geral e compara<strong>da</strong>.<br />
Não podemos fugir a essa orientação, sem frizar que nesse estudo<br />
pisamos o terreno incerto <strong>da</strong>s probabili<strong>da</strong>des, no qual importa an<strong>da</strong>r com<br />
prudência e sem pretensão de formular quaisquer conclusões, pois elas se<br />
fun<strong>da</strong>mentariam em hipóteses e suposições, faltando-lhes apôio <strong>da</strong> clínica<br />
e do laboratório.<br />
Com tô<strong>da</strong>s essas ressalvas, estudemos as possíveis vias de<br />
penetração pelas quais os bacilos podem alcançar o indivíduo sadio e nêle<br />
determinar a infecção leprótica, quando as condições são favoráveis para<br />
o seu desenvolvimento.<br />
PENETRAÇÃO DOS BACILOS ATRAVÉS DA PELE<br />
Estu<strong>da</strong>remos a possibili<strong>da</strong>de dos bacilos alcançarem o organismo<br />
através <strong>da</strong> pele, considerando-a sob o ponto de vista teórico com base nos<br />
conhecimentos de patologia geral. Em segui<strong>da</strong>, veremos se a patologia<br />
compara<strong>da</strong> traz elementos que permitam comprovar ser a pele uma <strong>da</strong>s<br />
vias de penetração do “M. leprae”.<br />
Ensina a patologia geral, que a cama<strong>da</strong> cornea <strong>da</strong> epiderme –<br />
recoberta de secreções graxas e de reação áci<strong>da</strong> – não permite a passagem<br />
de micróbios até a zona do tecido cutâneo vivo. De modo que a pele<br />
normal representa uma barreira defensiva contra as bactérias. “Está<br />
mesmo provado que a simples contaminação <strong>da</strong> superfície do corpo com<br />
materiais altamente infectantes é, em geral, inócua. Entretanto, bastaria<br />
atrito ou fricção <strong>da</strong> pele para determinar pequenas soluções de<br />
continui<strong>da</strong>de, através <strong>da</strong>s quais passam as bactérias, que também<br />
conseguem avançar nos condutos excretores <strong>da</strong>s glândulas sudoríparas e<br />
sebáceas e determinar processos infecciosos”, (265) como foi demonstrado<br />
para o estafilococo piógeno áureo, bacilo do mormo, bacilo do carbúnculo<br />
e outros.<br />
Sendo assim não será errôneo admitir-se que, também na lepra, a<br />
pele normal não permita a penetração dos bacilos de Hansen:<br />
Nas inoculações experimentais feitas com a moléstia de Stefansky,<br />
verificou-se que não se consegue transmití-la
– 305 –<br />
quando o material infectante é colocado sôbre a pele intata. Bastaria,<br />
porém, arrancar os pêlos para que a infecção se processasse, o que reforça<br />
a nossa opinião de que a pele normal dificilmente é atravessa<strong>da</strong> pelo “M.<br />
leprae”.<br />
Deve notar-se porém que BABES é de opinião que os bacilos<br />
penetram na pele especialmente através dos folículos pilosos, tendo uma<br />
vêz encontrado nódulos mínimos com bacilos, no interior dessas<br />
formações. E. PETERS admite que a penetração dos bacilos possa<br />
verificar-se tambem pelos poros sudoriparos.<br />
A opinião geral dos leprólogos é que a penetração dos bacilos <strong>da</strong><br />
lepra através <strong>da</strong> pele se verifique apenas quando o revestimento cutâneo<br />
apresenta soluções de continui<strong>da</strong>de. E, de acôrdo com as noções de<br />
patologia geral, é admissível supor-se que as feri<strong>da</strong>s que atingem o tecido<br />
celular subcutâneo sejam as mais propícias para que tenha lugar a<br />
infecção leprótica, desde que sejam favoráveis as condições do organismo<br />
receptivo. Realmente, aquele tecido representa uma via fácil de absorção<br />
e difusão dos bacilos que o alcançam, sendo veiculados pelos vasos<br />
linfáticos e sanguíneos (LUSTIG, 266 ).<br />
Outrossim, poder-se-ia admitir, à semelhança do que ocorre<br />
com grande número de infecções sépticas, que nas pequenas<br />
soluções de continui<strong>da</strong>de, exangues – tais como as pica<strong>da</strong>s,<br />
escoriações e ragádias – á penetração dos bacilos <strong>da</strong> lepra seria<br />
mais fácil. As feri<strong>da</strong>s maiores, sanguinolentas, seriam<br />
relativamente menos perigosas, a menos que exista intensa<br />
contusão dos tecidos, com notável diminuição <strong>da</strong> sua ativi<strong>da</strong>de<br />
vital. E as feri<strong>da</strong>s com tecido de granulação oferecem grande<br />
resistência à penetração dos germes.<br />
Vejamos quais os <strong>da</strong>dos experimentais, clínicos e epidemiológicos<br />
que podem fornecer apôio à hipótese <strong>da</strong> penetração dos bacilos <strong>da</strong> lepra<br />
pela pele.<br />
Os estudos experimentais feitos com a moléstia de Stefansky<br />
demonstraram que a infecção pode realizar-se por essa via. Segundo<br />
MARCHOUX, “a localização primeira dos germes nos gânglios superficiais<br />
nos ratos que são capturados, assim como nos que experimentalmente<br />
receberam o bacilo pela via cutânea, indica que a moléstia se introduz<br />
ordinàriamente pela pele... A lepra murina é fàcilmente inoculável. Ela se<br />
introduz por uma lesão <strong>da</strong> pele. E’ suficiente, para provocar a<br />
multiplicação nas células animais,<br />
F. – 20
– 306 –<br />
depor o virus sôbre uma escarificação <strong>da</strong> epiderme ou mesmo sôbre a pele<br />
recentemente depila<strong>da</strong>. A pele sã é infranqueável aos germes”.<br />
Como argumentos clínico-epidemiológicos que comprovariam a<br />
penetração de bacilos através <strong>da</strong> pele podemos aduzir os seguintes: 1)<br />
Entre os nativos desasseiados são muito mais freqüentes as dermatoses,<br />
úlceras, etc., que podem ser contamina<strong>da</strong>s pelo bacilo <strong>da</strong> lepra (NEED); 2)<br />
As mulheres adoecem mais raramente do que os homens, pois cui<strong>da</strong>m<br />
melhor <strong>da</strong> pele e estão menos expostas às lesões cutâneas (BROES e<br />
DORT ); 3) As crianças infectam-se com mais freqüencia (MÜNCH).<br />
Segundo EHLERS deve procurar-se a porta de entra<strong>da</strong> nos pontos<br />
em que se manifestam as primeiras lesões. E, de acôrdo com as<br />
estatísticas de muitos leprólogos, as lesões iniciais aparecem mais<br />
freqüentemente nas partes do corpo desprotegi<strong>da</strong>s pelas vestes.<br />
Tais foram as verificações de COGNACQ e MOUGEOT, (106)<br />
na Indochina; ROGERS e MUIR, na Índia; RODRIGUEZ,<br />
(348)<br />
HERNANDO e ALOMIA, (187) LARA e VERA, (232) e PLANTILLA, (361)<br />
nas Filipinas.<br />
Com CAMARGO, (82) em nossa estatística de pouco mais<br />
de 1.000 doentes, obtivemos resultados semelhantes aos dos<br />
autores mencionados: em 77,64 % do casos as primeiras lesões<br />
percebi<strong>da</strong>s pelos pacientes teriam surgido no rosto, mãos, antebraços,<br />
cotovelos, pés, tornozelos e pernas, portanto em regiões<br />
descobertas do corpo, principalmente nos trabalhadores rurais, que<br />
constituem a maioria dos nossos doentes.<br />
De acôrdo com EHLERS, na Islândia as primeiras<br />
manifestações <strong>da</strong> lepra aparecem na face ou nas mãos, que seriam<br />
as únicas partes descobertas do corpo, em conseqüência do clima<br />
rigoroso.<br />
Portanto, seja em paises de clima frio, seja em regiões em que êle é<br />
excessivamente quente, observa-se que as primeiras manifestações<br />
aparentes <strong>da</strong> moléstia se localizam de preferência nas partes descobertas<br />
do corpo, sendo mais raras nas que são revesti<strong>da</strong>s pelas roupas.<br />
A ser exata a opinião de EHLERS, anteriormente cita<strong>da</strong> – de que a<br />
porta de entra<strong>da</strong> dos bacilos deve procurar-se nos pontos em que se<br />
manifestam as primeiras lesões – teríamos poderosos elementos nas<br />
estatísticas referi<strong>da</strong>s, no
– 307 –<br />
sentido de ser geralmente a pele a via de penetração do “M. leprae”. No<br />
entanto, essa dedução não pode ser sumàriamente estabeleci<strong>da</strong>, não só<br />
porque essas estatísticas (inclusive a nossa) não deixam de ser passíveis<br />
de certas críticas, mas também porque é aceito, por muitos autores, que a<br />
penetração dos bacilos não é denuncia<strong>da</strong> por um acidente primitivo,<br />
<strong>da</strong>ndo-se a localização na pele em uma fase mais tardia <strong>da</strong> infecção.<br />
Destarte, a manifestação cutânea nas partes descobertas poderia correr por<br />
conta de vários agentes externos (por exemplo, traumatismo), que<br />
criariam um “locus minoris resistentiae” nêste ou naquele ponto <strong>da</strong> cutis,<br />
onde se localizariam os bacilos provenientes de um foco ganglionar.<br />
De outro lado, embora falhando as tentativas de inoculação <strong>da</strong><br />
lepra no homem, são referidos casos na literatura em que a infecção<br />
leprosa se teria evidenciado depois de inoculações acidentais. Estas foram<br />
descritas seja em crianças como em adultos, consistindo em excoriações e<br />
ferimentos feitos com instrumentos de uso dos doentes.<br />
Contudo, sem negar que a transmissão <strong>da</strong> lepra possa efetuar-se<br />
dessa maneira, a maior parte <strong>da</strong>s observações são pouco convincentes e<br />
deixam margem a dúvi<strong>da</strong>s, sem contar que em quase todos os casos os<br />
indivíduos inoculados já conviviam com doentes de lepra. Apenas em<br />
algumas delas a primeira manifestação <strong>da</strong> moléstia parece ter-se<br />
localizado justamente no ponto em que se efetuou a inoculação acidental.<br />
Acrescente-se ain<strong>da</strong> que se poderia ter argumento favorável à porta<br />
de entra<strong>da</strong> dos bacilos pela pele, no caso de ser bem fun<strong>da</strong>mentado o<br />
modo de ver de alguns autores, segundo os quais a vacinação de braço<br />
para braço teria contribuido para a propagação <strong>da</strong> lepra. Realmente, a<br />
vacinação fôra acusa<strong>da</strong> de favorecer o contágio pelo transporte braço a<br />
braço, na linfa vacinal, do agente infectante. Essa possibili<strong>da</strong>de foi<br />
admiti<strong>da</strong> por ARNING, AZUA, BROWN, HILLÍS, DEKEYSER, DALAND,<br />
SMITH, MOURITZ e outros (cit. por JADASSOHN) e ROGERS e MUIR.<br />
ARNING e SUGAI (cit. JADASSOHN), encontraram bacilos na<br />
pústula vacinal e na crosta de lepromatosos (em oposição à<br />
Comissão Indiana). Idênticos resultados foram obtidos por PITRES,<br />
GAIRDNER, MERIAN, EICHORST e outros.
– 308 –<br />
Em Hawaii a lepra teria sido dissemina<strong>da</strong> no século XIX<br />
por meio <strong>da</strong> vacina feita muito descui<strong>da</strong><strong>da</strong>mente por leigos. E<br />
ARNING afirmou que “se a minha informação é exata, alí houve<br />
inquestionàvelmente novos focos de lepra desenvolvidos depois<br />
que a vacina foi pratica<strong>da</strong> e muitos dos antigos habitantes<br />
contaram-me que êles próprios não tiveram quaisquer precauções<br />
com a vacinação durante a varíola, levando a linfa diretamente de<br />
um braço para outro, sem mesmo desinfetar os estiletes ou<br />
lancetas”. Embora não acredite que a primeira e geral propagação<br />
<strong>da</strong> lepra nas ilhas fosse devido à vacina, ARNING acentua que na<br />
povoação de Lohaina (ilhas Mania) apareceram casos novos cêrca<br />
de um ano depois <strong>da</strong> vacinação universal de braço para braço, que<br />
fôra feita sem os preceitos habituais de asepsia.<br />
Dos mais conhecidos são os casos referidos por GAIRDNER,<br />
em que teria havido transmissão <strong>da</strong> lepra pela vacinação: em ilha<br />
onde a lepra era endêmica, um médico vacina seu filho com linfa<br />
toma<strong>da</strong> sôbre uma criança de família leprosa, na qual a lepra<br />
parece ter-se declarado depois. Em segui<strong>da</strong>, serviu-se de seu filho<br />
como vacinífero para vacinar a criança de um capitão de navio,<br />
que fazia ligação entre a Escócia, sua patria, e a ilha em questão.<br />
Pois bem, com o tempo a lepra manifestou-se nas duas crianças.<br />
Segundo JADASSOHN “a maioria dos autores (por exemplo<br />
HANSEN e LOOFT, BEAVEM RAKE, BACKMASTER, CASTOR, ABRIE,<br />
ABRAHAM, PRINGLE, ASHMEAD, CURRIE, a Comissão Indiana) nega a<br />
transmissão pela vacinação e aduz diversos argumentos contra ela (é<br />
inocua a linfa humana em paises nos quais a lepra é endêmica; na China<br />
quase não se vacina; na Escandinávia a lepra diminuiu apesar <strong>da</strong><br />
vacinação obrigatória, o mesmo na Índia, etc.)”<br />
Acrescente-se que outro argumento contrário à importância <strong>da</strong><br />
vacinação foi levantado com as observações de DENNEY e HOPKINS (125) e<br />
(182)<br />
HASSELTINE, segundo as quais a vacinação provocaria o<br />
aparecimento de reação leprótica. Observações idênticas foram feitas<br />
ulteriormente, por LOYOLA PEREIRA, (353) IGARASHI, (196) e em nosso meio,<br />
por RABELLO JR., (365) CORREIA DE CARVALHO (89) e por nós mesmos (395)<br />
em mais de 1.000 doentes vacinados. Ora, as observações de DENNEY e<br />
HOPKINS, segundo ROGERS e MUIR, “agitaram a questão para se discutir<br />
se, ocasionalmente, o aparecimento
– 309 –<br />
de sinais lepróticos depois <strong>da</strong> vacina em Hawaii e em outros lugares, teria<br />
sido devido mais às reações semelhantes ocorri<strong>da</strong>s em casos precoces e<br />
ignorados, do que pròpriamente a infecções mais recentes, leva<strong>da</strong>s através<br />
<strong>da</strong> vacina de pessoas sãs por material provindo de leprosos”.<br />
Portanto, se existem argumentos que podem <strong>da</strong>r importância à<br />
vacinação, outros se lhe contrapõem para diminuí-la. Parece-nos porém<br />
admissível que na vacinação braço a braço possa efetuar-se o transporte<br />
de bacilos do indivíduo doente para o sadio e que, em determinados casos,<br />
quando as condições do organismo receptor sejam favoráveis, a infecção<br />
possa desenvolver-se.<br />
PENETRAÇÃO DOS BACILOS ATRAVÉS DA MUCOSA NASAL<br />
Data de muito tempo a hipótese de que os bacilos <strong>da</strong> lepra podem<br />
alcançar o organismo humano através <strong>da</strong> mucosa nasal, depois do que se<br />
difundiriam para o interior do mesmo, vindo a determinar a infecção,<br />
quando as condições do indivíduo receptor fossem favoráveis.<br />
MANGOR acentuava, já em 1793: a lepra começa com<br />
coriza e obstrução nasal.<br />
Em 1886, LELOIR chamou a atenção para êste assunto,<br />
tendo escrito que “as mucosas do nariz, <strong>da</strong> bôca, <strong>da</strong> garganta, <strong>da</strong><br />
laringe e do olho, – sobretudo a do nariz – podem ser invadi<strong>da</strong>s<br />
desde o início <strong>da</strong> erupção tuberosa <strong>da</strong> pele”.<br />
Em 1891 e 1894, assinalara GOLDSCHMIDT que a mucosa<br />
nasal apresenta modificações específicas na maioria dos casos<br />
incipientes; esse fato levou-o à convicção de “...que a mucosa<br />
nasal em muitos casos é ti<strong>da</strong> como porta de entra<strong>da</strong> para a infecção<br />
leprosa, por ser fàcilmente vulnerável e oferecer aos bacilos livre<br />
acesso...”<br />
Cabe a JEANSELME e LAURENS (206) externar opinião ain<strong>da</strong><br />
mais precisa sôbre o assunto, que começa a atrair, de maneira<br />
absorvente, a atenção dos autores: “...Esta precoci<strong>da</strong>de <strong>da</strong> rinite<br />
leprosa leva-nos a pensar que o bacilo de Hansen penetra no<br />
organismo à custa de uma erosão insignificante <strong>da</strong> pituitária.<br />
Assim se explicaria como o cancro leproso, dissimulado nas<br />
anfratuosi<strong>da</strong>des <strong>da</strong>s fossas nasais, passa sempre despercebido. Mas<br />
esta hipótese, plausível em certos casos, não deve ser generaliza<strong>da</strong><br />
a todos, porque em alguns indivíduos o coriza
– 310 –<br />
leproso não aparece senão nos periodos mais avançados <strong>da</strong><br />
moléstia...”<br />
Releva notar, porém, que, com o decorrer dos anos parece<br />
ter-se modificado um pouco a opinião de JEANSELME, pois no seu<br />
livro “La Lèpre”, escreve o seguinte: “...sem negar a infecção pela<br />
via nasal, a concordância <strong>da</strong> maior parte <strong>da</strong>s estatísticas obriga,<br />
pois, a considerar pouco freqüente ou mesmo excepcional êste<br />
modo de contaminação...”<br />
No mesmo ano que JEANSELME, em 1897, – durante a<br />
Conferência Internacional de Lepra, realiza<strong>da</strong> em Berlim, no mês<br />
de outubro – STICKER (467) refere o resultado de suas pesquisas<br />
bacterioscópicas em 400 doentes de lepra e do exame rinoscópico<br />
em crianças aparentemente indenes <strong>da</strong> moléstia. Baseado em suas<br />
in<strong>da</strong>gações STICKER (468) afirma que “a lesão primária <strong>da</strong> lepra é<br />
uma lesão específica <strong>da</strong> mucosa nasal, apresentando-se geralmente<br />
em forma de ulcerações sôbre a parte cartilaginosa do septo...” E<br />
assegura que “o contágio <strong>da</strong> lepra dá-se principalmente de nariz<br />
para nariz, quase que diretamente, como no contato sexual, e na<br />
convivência de pais com filhos; indiretamente, com menos<br />
freqüência, por meio de roupas, mãos sujas, etc.”<br />
Segundo JADASSOHN, “STICKER arvorou quase que como<br />
lei a afirmação de que os bacilos penetram pela mucosa nasal e aí<br />
produzem suas primeiras lesões”.<br />
É de notar que as pesquisas bacterioscópicas procedi<strong>da</strong>s por<br />
outros autores não deram os resultados assinalados por STICKER e<br />
êsses resultados já foram referidos por nós a propósito <strong>da</strong>s vias de<br />
eliminação dos bacilos <strong>da</strong> lepra.<br />
Segundo JADASSOHN, “a maioria dos autores, – por<br />
exemplo KOLLE, JEANSELME, GERBER, DE BEURMANN E<br />
GOUGEROT, ARNING, EHLERS, PETERSEN, ABRAHAM, MCLEOD,<br />
GLÜCK, WADE, SOKOLOWSKY e outros, – é de opinião que o nariz<br />
pode realmente ser a porta de entra<strong>da</strong> dos bacilos e amiudo o é,<br />
mas não se pode falar ain<strong>da</strong> de lei ou mesmo de regra até certo<br />
ponto geral, enquanto não se tiver examinado maior número de<br />
casos recentes”.<br />
KEDROWSKY afirma estar inteiramente disposto a aceitar a<br />
opinião de STICKER, sugerindo sòmente a seguinte adição<br />
essencial: que o bacilo <strong>da</strong> lepra pode penetrar no organismo<br />
através do tecido mucoso sem
– 311 –<br />
causar alteração patológica ou o desenvolvimento de alguma lesão<br />
primária neste lugar. Segundo êste autor, os conhecimentos que<br />
vêm sendo adquiridos com a tuberculose, durante os recentes anos,<br />
justificam esta adição.<br />
ROGERS e MUIR asseguram que nos paises de clima frio é<br />
mais freqüente a verificação de afecções primárias no nariz,<br />
porque o catarro e a introdução do dedo no nariz favorecem<br />
sobremodo a entra<strong>da</strong> dos bacilos, visto que as zonas atingi<strong>da</strong>s<br />
pelos dedos, isto é, a parte cartilaginosa ântero-inferior do septo e<br />
o pavilhão inferior são mais freqüentemente atacados.<br />
Acrescentemos ain<strong>da</strong>, para finalizar esta rápi<strong>da</strong> resenha<br />
bibliográfica, que além dos autores acima mencionados, PLINIUS,<br />
ANGIER E MARTIN BLANCK, CANÁAN, DORENDORF, GRAVAGNA,<br />
KRAUSE, KRIKLIVI, MANTEGAZZA, MONTGOMERY, MUNCH,<br />
SERRA, CUSENZA, SMITH, THIBAULT, UHLENHUT E STEFFNHAGEN,<br />
crêm na possibili<strong>da</strong>de de ser o nariz a porta de entra<strong>da</strong> <strong>da</strong> infecção<br />
leprótica. Não refere KLINGMÜLLER se êsses autores guar<strong>da</strong>m<br />
essas opiniões para um ou muitos casos de lepra, ou se ela é<br />
generaliza<strong>da</strong>. Como entre os autores mencionados cita<br />
KLINGMÜLLER os nomes de JEANSELME e LAURENS, – que, como<br />
vimos, são contrários à generalização do conceito, como o fez<br />
STICKER – julgamos que êles aceitam a possibili<strong>da</strong>de dos bacilos<br />
se introduzirem pela mucosa nasal, mas não em todos os casos ou<br />
na grande maioria dos mesmos. Essa nossa apreciação é feita,<br />
naturalmente, com tô<strong>da</strong>s as ressalvas.<br />
Portanto, segundo STICKER, a transmissão <strong>da</strong> lepra <strong>da</strong>r-se-ia<br />
principalmente de nariz a nariz e parece que foi levado a adotar essa<br />
opinião pelo fato de admitir que a primeira manifestação <strong>da</strong> moléstia se<br />
localiza, por via de regra, na mucosa nasal.<br />
Ora, muito se discute na lepra, se a lesão inicial corresponde ao<br />
ponto de penetração dos bacilos, como sucede na sífilis. Acham alguns<br />
que os bacilos atravessam as barreiras naturais ofereci<strong>da</strong>s pelo corpo, sem<br />
nêle deixar um traço de sua passagem. Outros são de opinião que uma<br />
lesão marcaria o ponto de entra<strong>da</strong> no organismo. A primeira hipótese é<br />
que consideramos mais provável, em virtude dos estudos experimentais<br />
feitos com a lepra murina.<br />
As observações ain<strong>da</strong> pouco concludentes, de casos de contágio,<br />
parecem demonstrar que a manifestação inicial
– 312 –<br />
<strong>da</strong> lepra possa aparecer não sòmente no ponto de entra<strong>da</strong> dos bacilos<br />
como em outros pontos do organismo, depois de ter ganho os gânglios e<br />
dêstes atingirem a circulação sanguínea.<br />
Assim sendo, pelo fato <strong>da</strong> mucosa nasal ser, poucas ou muitas<br />
vêzes, a sede <strong>da</strong> manifestação inicial <strong>da</strong> lepra, não podemos afirmar que o<br />
bacilo também poucas vêzes ou muito freqüentemente penetre no<br />
organismo por essa via. Que a mucosa do nariz possa ser a porta de<br />
entra<strong>da</strong> dos bacilos de Hansen não é lícito negar. Pelos conhecimentos <strong>da</strong><br />
patologia sabemos que “as mucosas em geral, opõem, em comparação<br />
com a cutis, menor resistência à penetração de germes e, em muitas<br />
regiões do organismo, os aparelhos linfáticos <strong>da</strong>s mucosas, com suas<br />
criptas, oferecem fácil porta de entra<strong>da</strong> às bactérias” (LUSTIG,RONDONI e<br />
GALEOTTI). Êstes autores acham que os bacilos de Koch podem, muito<br />
provàvelmente, atravessar as mucosas intactas e, ajuntamos nós, é<br />
possível que o mesmo aconteça com o bacilo de Hansen. De outro lado,<br />
as experiências feitas na lepra dos ratos, no que concerne a sua<br />
transmissão, demonstraram que as mucosas podem ser atravessa<strong>da</strong>s,<br />
mesmo normalmente, pelo bacilo de Stefansky. (*) WAYSON (502)<br />
conseguiu transmitir a lepra dos ratos mediante a colocação de material<br />
infectante na mucosa nasal de ratos sadios, enquanto MARCHOUX e<br />
SOREL, citados por Lowe (258) não foram bem sucedidos em suas<br />
experiências.<br />
O próprio STICKER procurou fun<strong>da</strong>mentar sua teoria,<br />
tentando transmitir a lepra pela via nasal, a seis macacos (em<br />
Bombaim). No entanto, tendo durado apenas 4 ou 5 semanas a sua<br />
observação, as experiências ficaram sem conclusão.<br />
A nosso pedido, em trabalho que será publicado em colaboração,<br />
MOACIR DE SOUZA LIMA fêz estudos experimentais com a moléstia de<br />
Stefansky a-fim-de observar se era possível a sua transmissão através <strong>da</strong><br />
mucosa nasal normal, já que é indiscutível a penetração dos mesmos<br />
quando a mucosa apresenta soluções de continui<strong>da</strong>de.<br />
__________________<br />
(*) MARCHOUX & SOREL observaram que os machos se infectam quando se<br />
depõem bacilos no prepucio sem fazer qualquer lesão na mucosa, embora, segundo<br />
eles, pareça não se transmitir espontaneamente por essa via.
– 313 –<br />
Depositando uma emulsão de lepromas ricos de bacilos de<br />
Stefansky na mucosa nasal íntegra de 10 ratos, foi observado o seguinte:<br />
1 – Que dois dêles, sacrificados 7 dias após a inoculação,<br />
apresentavam enfartamento dos gânglios submaxilares, nos quais existiam<br />
bacilos vivos, pois a reinoculação intraperitonial em outros dois ratos<br />
resultou positiva em um. Houve, pois, passagem dos bacilos através <strong>da</strong><br />
mucosa;<br />
2 – Que outros dois ratos, sacrificados 30 dias após a inoculação,<br />
apresentavam enfartamento ganglionar, não sendo porém evidenciados os<br />
bacilos de Stefansky. Êstes teriam, portanto, provàvelmente, atravessado a<br />
mucosa, determinando a reação ganglionar; em segui<strong>da</strong>, teriam sido<br />
destruidos; e<br />
3 – Dois ratos morreram logo no dia seguinte, enquanto em outros<br />
quatro (dos quais três sacrificados 10 meses após a inoculação) na<strong>da</strong> foi<br />
observado de anormal na necrópsia.<br />
Portanto, fazendo uma única inoculação, embora não se<br />
conseguisse transmitir a lepra murina para os ratos inoculados,<br />
observámos que em quatro a mucosa íntegra foi atravessa<strong>da</strong> pelos germes.<br />
Em inoculações sucessivas e repeti<strong>da</strong>s, em um lote de cinco ratos,<br />
foram alcançados os seguintes resultados:<br />
1 – Dois ratos adquiriram a lepra murina;<br />
2 – Dois ratos, sacrificados oito meses após a primeira<br />
inoculação, tinham os gânglios enfartados, .mas a baciloscopia fôra<br />
negativa; e<br />
3 – Um rato, sacrificado 32 dias após a primeira inoculação<br />
apresentava-se com os gânglios aumentados, sendo numerosos os bacilos<br />
aí evidenciados.<br />
Resulta pois, que, em inoculações repeti<strong>da</strong>s, a mucosa nasal<br />
íntegra foi atravessa<strong>da</strong> pelos germes em todos os cinco ratos, sendo que<br />
em dois dêles se obteve a lepra murina experimental.<br />
Assim sendo, tomando por base as experimentações com a lepra<br />
murina e em virtude do que nos ensina a patologia geral, é possível<br />
afirmar que a mucosa nasal possa servir de porta de entra<strong>da</strong> aos bacilos de<br />
Hansen. Em igual-
– 314 –<br />
<strong>da</strong>de de condições, de um lado mucosa íntegra e, de outro, pele normal,<br />
julgamos que a mucosa nasal seja mais fàcilmente atravessa<strong>da</strong> pelo “M.<br />
leprae”, pois o tegumento cutâneo, por sua própria constituição<br />
histológica, oferece maior resistência à penetração dos germes.<br />
Vimos quais os elementos que permitem admitir a passagem dos<br />
bacilos através <strong>da</strong> pele e <strong>da</strong> mucosa nasal, embora não sejam êles de valor<br />
absoluto para essa comprovação. Para o lado <strong>da</strong>s outras vias que são<br />
lembra<strong>da</strong>s como pontos de penetração dos germes, não se conseguiu<br />
evidenciar elementos positivos que permitissem justificá-las. Vamos, no<br />
entanto, referi-las nas linhas seguintes:<br />
PENETRAÇÃO DOS BACILOS ATRAVÉS DA MUCOSA DA BÔCA,<br />
FARINGE E AMÍGDALAS<br />
A semelhança do que sucede com outros germes, a mucosa <strong>da</strong>s<br />
regiões referi<strong>da</strong>s poderia servir de porta de entra<strong>da</strong> ao bacilo <strong>da</strong> lepra. No<br />
entanto, até o momento presente, não há fatos concretos e positivos que<br />
permitam fun<strong>da</strong>mentar essa hipótese.<br />
PENETRAÇÃO DOS BACILOS ATRAVÉS DOS PULMÕES<br />
É provável que os bacilos eventualmente presentes nas gotículas<br />
de Pflügge possam alcançar os alvéolos pulmonares.<br />
As experiências feitas por NEURINGER, em animais, “seja<br />
projetando, com um aparelho a<strong>da</strong>ptado, culturas líqui<strong>da</strong>s de bacilo<br />
prodigioso, seja utilizando-se de materiais sêcos pulverizados,<br />
demonstraram que as bactérias, por meio <strong>da</strong> corrente inspiratória<br />
são solìcitamente transporta<strong>da</strong>s até aos alvéolos pulmonares ” .<br />
Essas experimentações tornam admissível que o “M. leprae” possa<br />
ser veiculado até os pulmões.<br />
Atingindo os alvéolos pulmonares, poderia o bacilo <strong>da</strong> lepra<br />
atravessá-los? De acôrdo com os conhecimentos <strong>da</strong> patologia geral,<br />
segundo alguns, os alvéolos constituiriam uma barreira intransponível aos<br />
germes em geral e seria necessária a sua que<strong>da</strong> para que a penetração se<br />
efetuasse (BANTI), enquanto outros (ARNOLD, BAUMGARTEN) acham que<br />
graves lesões pulmonares não seriam necessárias.
– 315 –<br />
Tudo leva a crêr que a passagem dos bacilos de Hansen através dos<br />
alvéolos pulmonares seja pouco freqüente. De fato, segundo os exames de<br />
KOBAYASHI, o “M. leprae” foi evidenciado nos gânglios tráqueobrônquicos<br />
em 13,3% dos casos, enquanto nos outros grupos ganglionares<br />
(com exceção dos mesentéricos) esse achado foi muito mais freqüente,<br />
sendo igual ou excedendo 70%. Acresce que a lepra pulmonar ocorre<br />
tàrdiamente e é de observação muito rara; muitas dezenas de doentes<br />
lepromatosos foram por nós exa minados clínica e radiològicamente sem<br />
que conseguissemos surpreender um caso de lepra pulmonar, mesmo em<br />
algumas necrópsias que chegámos a proceder.<br />
De modo geral, pode ajuntar-se ain<strong>da</strong> que “antes de chegar<br />
aos alvéolos o ar é purificado pelas anfractuosi<strong>da</strong>des nasais e pela<br />
ativi<strong>da</strong>de do epitélio vibrátil e do sistema de “arrastre”,<br />
representado pelas células “do pó” (“Staubzellen”), de modo que<br />
consegue chegar até o tecido pulmonar só uma parte <strong>da</strong>s pequenas<br />
partículas atmosféricas...” (ASKANAZY).<br />
PENETRAÇÃO DOS BACILOS ATRAVÉS DA MUCOSA<br />
INTESTINAL<br />
Da mesma maneira que para os pulmões, a evidenciação desta via<br />
não conta com o apôio de observações clínicas. A seu favor foi aduzi<strong>da</strong> a<br />
ocorrência precoce e freqüente de bacilos no fígado e no baço (BLACK).<br />
Admite-se, outrossim, que os bacilos <strong>da</strong> lepra eventualmente depositados<br />
nos alimentos possam alcançar os intestinos. Aqui chegando, poderiam<br />
atravessar a mucosa intestinal? Segundo LUSTIG, RONDONI e GALEOTTI é<br />
questão controverti<strong>da</strong> em patologia se os germes podem ultrapassar a<br />
parede intestinal normal. Segundo êsses autores, “ não há dúvi<strong>da</strong> que são<br />
suficientes lesões mínimas do epitélio <strong>da</strong> mucosa para deixar aberto o<br />
caminho para a penetração de bactérias... Há quem admita (CONRADI,<br />
TIBERTI) que as bactérias possam penetrar no intestino através <strong>da</strong> mucosa,<br />
com um mecanismo semelhante ao <strong>da</strong> absorção <strong>da</strong>s substâncias<br />
alimentares, sem intervenção de lesões do epitélio”. Em relação à lepra,<br />
assinalemos que segundo WADE “ os bacilos poderiam penetrar pelos<br />
pulmões e intestinos e <strong>da</strong>í atingirem a circulação, mesmo sem deixar<br />
sinais de invasão nesses órgãos”.
– 316 –<br />
Assinalemos, de passagem, que RAVOGLI <strong>da</strong>va tanta<br />
importância à contaminação dos alimentos, que “atribuia o fato<br />
dos sol<strong>da</strong>dos norte-americanos <strong>da</strong>s Filipinas ficarem isentos de<br />
lepra, à circunstância de prepararem êles mesmos os seus<br />
alimentos ” .<br />
Se a penetração dos bacilos <strong>da</strong> lepra pode efetuar-se pela mucosa<br />
intestinal, os achados necroscópicos permitem supôr que isso seria pouco<br />
freqüente. Ain<strong>da</strong>, de acôrdo com os exames de KOBAYASHI, os bacilos<br />
foram encontrados nos gânglios mesentéricos em 15 % dos casos (em<br />
76,7 % nos axilares, 75 % nos epitrocleanos, 71,7 % nos crurais, 70 %<br />
nos inguinais e cervicais e 13,3 % nos tráqueo-brônquicos). Êsses <strong>da</strong>dos<br />
permitem deduzir, como RABELO JR.<br />
(366) o fêz, que as vias aérea e<br />
digestiva pouco ou na<strong>da</strong> representam para as primeiras inoculações com<br />
bacilos <strong>da</strong> lepra. Acresce ain<strong>da</strong> que as lesões lepróticas nos intestinos são<br />
muito raras e tardias, no parecer unânime dos leprólogos, não nos sendo<br />
possível evidenciá-las em raros doentes lepromatosos que necropsiámos,<br />
por falecerem com distúrbios intestinais.<br />
Naturalmente, se um foco primário não foi ain<strong>da</strong> demonstrado<br />
seguramente na lepra, muito menos se pretenderá evidenciá-lo no<br />
intestino ou nos pulmões. E’ sabido, como dissemos, que a lepra muito<br />
raramente os compromete. Isso torna mais provável o fato de penetrarem<br />
os bacilos especialmente através <strong>da</strong> pele e <strong>da</strong> mucosa nasal, onde as<br />
lesões lepróticas são mais freqüentes e onde, também, surgiriam as<br />
manifestações iniciais <strong>da</strong> moléstia.<br />
PENETRAÇÃO DOS BACILOS ATRAVÉS DA<br />
MUCOSA OCULAR<br />
De acôrdo com ASKANAZY, “os microorganismos (*) podem<br />
colonizar e determinar uma ação patogênica ao nível <strong>da</strong> conjuntiva e <strong>da</strong><br />
córnea. Também aqui se produzem fácilmente lesões do epitélio de<br />
revestimento, que não são sempre necessárias para que sobrevenha a<br />
infecção”.<br />
Releva notar que MARCHOUX, CHORINE e KOECKLIN (286)<br />
conseguiram infectar ratos experimentalmente, depositando na conjuntiva<br />
apenas uma gôta de emulsão rica de bacilos de Stefansky. SAKURAI, (410)<br />
colocando emulsão de lepromas<br />
__________________<br />
(*) Refere-se aos microorganismos de modo geral e não especifica<strong>da</strong>mente<br />
ao bacilo de Hansen.
– 317 –<br />
no saco conjuntival dos olhos de 5 coelhos, nos cortes microscópicos<br />
feitos em segui<strong>da</strong> encontrou os bacilos <strong>da</strong> lepra não sòmente sob a<br />
cama<strong>da</strong> epitelial <strong>da</strong> mucosa, na profun<strong>da</strong> e perto <strong>da</strong> glândula de<br />
Meibonius, mas também dentro <strong>da</strong> parede dos vasos sanguíneos.<br />
Êsses <strong>da</strong>dos, tanto <strong>da</strong> patologia geral como experimentais (na<br />
moléstia de Stefansky) permitem afirmar que é admissível a penetração<br />
dos bacilos pela mucosa ocular. A favor dessa hipótese depõe ain<strong>da</strong> o fato<br />
que essa mucosa apresenta-se freqüentemente comprometi<strong>da</strong> nos doentes<br />
lepromatosos.<br />
PENETRAÇÃO DOS BACILOS ATRAVÉS DOS<br />
ORGÃOS GENITAIS<br />
A contaminação pelo contacto sexual foi admiti<strong>da</strong> por vários<br />
autores (JOLY, DALZIEL, (119) LELOIR, CLARAC, (102) THIROUX, WILSON,<br />
WHITE, MAC NAMARA, KERMORGANT e outros). Alguns dêles referem<br />
casos isolados, em que a moléstia teria sido adquiri<strong>da</strong> por êsse<br />
mecanismo. Ajunte-se que o “M. leprae” tem sido encontrado na mucosa<br />
vaginal (BABES e KALINDERO), nas lesões <strong>da</strong> vulva, glande e prepúcio<br />
(GLUCK). Nós mesmos observamos dois doentes com lepromas ulcerados<br />
<strong>da</strong> glande, sendo positiva a baciloscopia. Nos exames bacterioscópicos<br />
praticados no muco vaginal de 100 doentes de lepra, THIROUX obteve<br />
resultado positivo para o bacilo de Hansen em 27,27% dos casos<br />
nodulares, em 3,84 % dos “anestésicos” e em 9 % <strong>da</strong>s formas mistas.<br />
Assinale-se, ain<strong>da</strong>, que CHORINE e BERNY,<br />
(97) conseguiram<br />
transmitir a moléstia de Stefansky a ratas, colocando emulsão de bacilos<br />
na mucosa vaginal.<br />
Êsses <strong>da</strong>dos tornam admissível que a lepra possa transmitir-se<br />
também pelo contacto sexual, desde que existam lesões bacilíferas nos<br />
órgãos genitais. Embora provável, tal modo de infecção não deve ser<br />
freqüente, contra isso depondo vários elementos: 1.°) A maior freqüência<br />
<strong>da</strong> infecção leprótica na infância e na adolescência, período em que as<br />
relações sexuais são inexistentes. 2.°) A rari<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s lesões nos órgãos<br />
genitais. 3.°) Ao fato assinalado por KOCH de que nos trópicos a lepra só<br />
é adquiri<strong>da</strong> pelos homens europeus que vivem em concubinato com<br />
mulheres nativas, ao passo que as mulheres brancas não se contaminam;<br />
JADASSOHN, que o cita, objeta “que os homens em geral contraem a lepra<br />
muito mais freqüentemente e, alem disso,
– 318 –<br />
entram em contacto muito mais íntimo com os nativos, em virtude de suas<br />
profissões, do que as mulheres muito menos numerosas nos trópicos”. 4.°)<br />
Ajunte-se ain<strong>da</strong> que, nos casos em que o contágio conjugal é provável, os<br />
outros modos de infecção também devem ser considerados. 5.°) O<br />
contágio conjugal manifesta-se nas mesmas proporções que as outra<br />
mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des de infecção, considerando alguns autores, que êle seja raro.<br />
Em suma, a passagem dos bacilos através <strong>da</strong>s mucosas genitais é<br />
perfeitamente aceitável, como o justificam também as inoculações<br />
experimentais com a moléstia de Stefansky. Parece-nos, no entanto, que<br />
seja muito menos freqüente que os outros mecanismos de infecção.<br />
PENETRAÇÃO IMEDIATA NA VIA SANGUÍNEA<br />
Segundo JADASSOHN, essa porta de entra<strong>da</strong> pode ser sumàriamente<br />
posta de lado; embora possa ocorrer (como na sífilis “d” emblée ” ), por<br />
exemplo na pica<strong>da</strong> dos insetos, não se aduziu qualquer argumento<br />
plausível a favor dêste modo de inoculação.<br />
PENETRAÇÃO IMEDIATA NA VIA LINFÁTICA<br />
Ain<strong>da</strong> JADASSOHN, afirma que “seria bem plausível (por analogia<br />
com a sífilis, por exemplo) que os bacilos trazidos à cutis seriam levados<br />
aos gânglios linfáticos sem produzir lesão inicial ou sem que esta se torne<br />
clinicamente manifesta, em favor do que falariam muitos conhecimentos<br />
recentemente adquiridos”. Estamos de pleno acôrdo, com a afirmação de<br />
JADASSOHN; no entanto deve assinalar-se que para atingir a via linfática<br />
os bacilos precisam atravessar a pele e então essa via seria alcança<strong>da</strong><br />
secundàriamente, a não ser que admitamos que os bacilos sejam<br />
introduzidos com os insetos.<br />
Dando um balanço sôbre o que se sabe a respeito dos diferentes<br />
mecanismos pelos quais os bacilos <strong>da</strong> lepra poderiam invadir o<br />
organismo, vemos que são enormes as, dificul<strong>da</strong>des para se provar que a<br />
infecção se processa desta ou <strong>da</strong>quela maneira. A isso se opõe o tempo de<br />
incubação longo, a ausência de uma lesão primária indiscutível em todos<br />
os casos, o desenvolvimento lento <strong>da</strong>s lesões (que, por via de regra,<br />
passam despercebi<strong>da</strong>s aos doentes e mesmo a médicos não especialistas,<br />
durante muitos anos) e,
– 319 –<br />
finalmente, a falta de um animal de laboratório ao qual se possa transmitir<br />
a moléstia.<br />
Não se pode to<strong>da</strong>via considerar que a patogênese <strong>da</strong> lepra difira<br />
totalmente <strong>da</strong>s outras afecções, e que seja essa moléstia uma enti<strong>da</strong>de à<br />
parte, com modos especiais e disparatados de se propagar. Embora não se<br />
possa provar por a mais b que a infecção se processa desta ou <strong>da</strong>quela<br />
maneira – e infelizmente, como dissemos, não se conseguiu provar,<br />
cientificamente, de que modo a infecção se realiza, – consideramos<br />
provável que ela se processe principalmente pela pele e mucosa nasal (e<br />
também pela ocular), tornando por base os conhecimentos de patologia,<br />
os <strong>da</strong>dos clínicos e histopatológicos, assim como os elementos fornecidos<br />
pelas experimentações com a moléstia de Stefansky.<br />
Ajuntemos ain<strong>da</strong>, com JADASSOHN, que “ se a invasão se opera<br />
sempre com uma lesão inicial (clínica e histológica) é ain<strong>da</strong> ignorado.<br />
Seria, na lepra, tão errôneo como na tuberculose, contar-se com apenas<br />
uma possibili<strong>da</strong>de de invasão. Nos diversos países, sob condições<br />
varia<strong>da</strong>s de vi<strong>da</strong>, podem ser diferentes as vias de infecção ou de<br />
freqüência variável as diversas mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des de infecção. (ARNING,<br />
EHLERS, ABRAHAM) ” .
CAPITULO VIII<br />
INVASÃO DO ORGANISMO PELO<br />
BACILO DA LEPRA<br />
SUMÁRIO: A via linfohematogênica. “Cancro de<br />
inoculação ” . Marcha <strong>da</strong> invasão dos bacilos no<br />
organismo. Infecção e moléstia.<br />
VIA LINFOHEMATOGÊNIGA<br />
Atravessando as barreiras que o organismo oferece à sua<br />
penetração, os bacilos seriam conduzidos pelos linfáticos até os gânglios.<br />
Aí permaneceriam durante prazo mais ou menos longo, podendo ser<br />
destruidos ou mesmo vir a determinar o desencadeamento <strong>da</strong> moléstia,<br />
quando fossem propícias as condições externas e individuais<br />
(principalmente as que dizem respeito à incapaci<strong>da</strong>de de reagir contra o<br />
germe, o que seria denunciado pela negativi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> lepromino-reação de<br />
Mitsu<strong>da</strong>).<br />
RABELLO JR. afirma também que “a doença teria início com a<br />
invasão dos órgãos susceptíveis por intermédio <strong>da</strong> infecção dos seus<br />
elementos mesenquimatosos”. E acrescenta que LELOIR já teria entrevisto<br />
êsses fatos.<br />
Escreve êsse emérito leprólogo: “...poder-se-ia supôr que o<br />
bacilo <strong>da</strong> lepra, vindo do tegumento, é reabsorvido pelas vias<br />
linfáticas, chegando assim de um lado aos gânglios inguinais,<br />
depois aos gânglios retroperitoniais (constituindo então o “carreau<br />
lépreux” de LARREY); por outro lado (de modo difícil de<br />
determinar), aos ramos <strong>da</strong> veia porta. Assim se produziria a<br />
invasão difusa do fígado e talvez do baço, pelo bacilo. A invasão<br />
se realizaria não pelo intestino, mas pela nele”.
Máculas de centro fulvo e periferia hipocrômica, em fita larga, no<br />
abdomen de duas irmãs gêmeas nas quais a moléstia teve um decurso<br />
aproxima<strong>da</strong>mente igual.
Inoculação de material lepromatoso no derma de rato branco,<br />
segundo o processo de Jor<strong>da</strong>n (8 meses).<br />
Aspecto histológico (vide texto).
– 321 –<br />
Naturalmente – voltando aos conceitos cuja exposição tinhamos<br />
iniciado e ain<strong>da</strong> com referência à citação de LELOIR – podemos ajuntar<br />
que diferentes seriam os grupos ganglionares tomados, segundo a<br />
penetração dos bacilos se faz por êste ou aquele grupo ganglionar os<br />
bacilos permanecem nos mesmos durante tempo variável, podendo, como<br />
dissemos, ser destruidos ou determinar a moléstia.<br />
Consideremos com minúcias todos êsses fatos, focalizando quais<br />
os processos que se produziriam desde a penetração dos bacilos na pele,<br />
até o desencadeamento <strong>da</strong> moléstia. Destarte, procuraremos fixar os<br />
conhecimentos atuais sôbre os seguintes pontos:<br />
1°) Haveria reação local, ou melhor, um cancro de inoculação, no<br />
ponto em que os bacilos penetram no organismo ?<br />
2°) Qual a marcha segui<strong>da</strong> pelos bacilos no organismo a fim de<br />
determinar a infecção e a moléstia. Conceito de infecção e de moléstia.<br />
CANCRO LEPROSO<br />
De acôrdo com MARCHOUX, teria sido PFEFFERKORN quem, pela<br />
primeira vêz, em 1797, emitiu a hipótese de que a lepra começaria por<br />
uma lesão <strong>da</strong> pele, única e limita<strong>da</strong>, <strong>da</strong>ndo-lhe o nome de cancro leproso.<br />
Ajunte-se porém, que poucos anos antes (em 1777) BAJON já fazia<br />
referência ao cancro leproso. Mais tarde, muitos A.A. se manifestaram<br />
favoràvelmente a essa hipótese, ou mesmo apresentaram casos nos quais<br />
teria sido evidencia<strong>da</strong> a lesão primária <strong>da</strong> lepra (HANSEN, MUNCH.<br />
LELOIR, MARCANO e WURTZ, GOUGEROT, BAYON, SCHILLING, ARNING,<br />
DROGNAT - LANDRÉ, PELIZZARI, CAZE-NEUVE, HASLUND, HISLER,<br />
DANLOS eSOURDET, JOSEPH, SANDEZ, KAPOSI, HOPKINS, DE BEURMANN<br />
e GOUGEROT, UNNA, GWYTHER). RODRIGUEZ (cit. por GOUGEROT) e<br />
JADASSOHN, acreditam mesmo, tomando por base observações<br />
minuciosas feitas em crianças que se tornaram doentes, que o cancro foi<br />
encontrado em 75 % dêsses casos, localizando-se especialmente nas<br />
nádegas, bochechas, coxas e regiões lombares.<br />
Os casos de cancro leproso citados na literatura referem-se a lesões<br />
que permaneceram únicas durante tempo variável, tendo aspectos<br />
diferentes segundo os AA. que os descreveram (máculas despigmenta<strong>da</strong>s<br />
ou eritematosas, pápulas, nódulos e bôlhas).<br />
Dado o tempo de incubação longo <strong>da</strong> moléstia e portanto a<br />
dificul<strong>da</strong>de de se controlar com exames muito repe-<br />
F. – 21
– 322 –<br />
tidos os comunicantes, (*) uma pergunta se impõe diante dos casos<br />
assinalados na literatura e é a seguinte: a primeira manifestação aparente<br />
<strong>da</strong> moléstia corresponderia de fato ao ponto de entra<strong>da</strong> dos bacilos? É<br />
possível que a primeira lesão evidencia<strong>da</strong> seja realmente o cancro leproso,<br />
localizando-se no ponto do tegumento cutâneo ou <strong>da</strong> mucosa atravessado<br />
pelos germes. De outro lado, é admissível que o bacilo, tendo penetrado<br />
por determinado lugar <strong>da</strong> pele, possa antes ganhar os órgãos susceptíveis,<br />
para depois determinar a moléstia. Quando esta se desencadeia, há<br />
disseminação dos bacilos, podendo êstes localizar-se na pele, em “locus<br />
minoris resistentiae” causado, por exemplo, por um traumatismo. Nessas<br />
condições, haveria a possibili<strong>da</strong>de dos bacilos se localizarem em outra<br />
região <strong>da</strong> pele que não aquela pela qual êles penetraram inicialmente;<br />
assim, é possível que se venha admitir como primária uma lesão que na<br />
reali<strong>da</strong>de é secundária.<br />
É ain<strong>da</strong> viável, pelo menos nas observações em que o contrôle dos<br />
comunicantes não é muito rigoroso, que outras lesões tenham precedido a<br />
suposta lesão inicial e, em segui<strong>da</strong>, regredissem espontaneamente, sem<br />
deixar “reliquat”.<br />
Ajunte-se ain<strong>da</strong> que a ausência de generalização <strong>da</strong> infecção<br />
leprótica após a destruição ou extirpação de uma lesão ti<strong>da</strong> como<br />
primária, não constitue elemento indiscutível em apôio <strong>da</strong> existência de<br />
casos em que a marcha <strong>da</strong> moléstia é espontaneamente abortiva.<br />
As dificul<strong>da</strong>des para se surpreender a lesão primária são grandes.<br />
Uma delas é que o cancro leproso, ao que parece, não se evidenciaria por<br />
uma lesão característica, como geralmente ocorre na sífilis, onde o cancro<br />
duro, tanto clínica como histopatologicamente, pode apresentar aspectos<br />
peculiares, seja qual fôr a sua localização, embora possa acusar diferenças<br />
não só clínicas como histológicas.<br />
Sem negar em absoluto a existência do cancro leproso, no<br />
caso de ser possível evidenciá-lo é admissível supôr que êle tenha<br />
aspectos clínicos ou histopatológicos peculiares, de um lado para<br />
os doentes com capaci<strong>da</strong>de reativa deficiente (lepromino-reação de<br />
Mitsu<strong>da</strong> negativa) e de outro para os que possuem defesas mais<br />
__________________<br />
(*) “Comunicantes” ou “contactos” são as pessôas que tiveram convivência<br />
direta com os doentes de lepra.
– 323 –<br />
poderosas contra os bacilos (a reação de Mitsu<strong>da</strong> seria positiva).<br />
De fato, não é viável que evoluindo êsses casos desde logo de<br />
maneira tão diferente – via de regra, os primeiros para a forma<br />
lepromatosa e os segundos para a tuberculóide – venham êles a<br />
partir de um ponto comum a não ser nos doentes neuro-maculares<br />
com lepromino-reação negativa e que podem sofrer mutação<br />
lepromatosa ou mesmo tuberculóide. Sabemos que um traço de<br />
união os mantêm ligados: o bacilo de Hansen que as determina;<br />
mas, em conseqüência <strong>da</strong>s diferenças do terreno, adquirem<br />
aspectos dissemelhantes (clínicos, imunobiológicos e de<br />
prognóstico).<br />
Acresce ain<strong>da</strong> que se a lesão primária <strong>da</strong> lepra fôr idêntica às<br />
outras manifestações que lhe sucedem com o evoluir <strong>da</strong> moléstia, é difícil<br />
afirmar qual seja realmente a primária, senão em condições muito<br />
especiais, em virtude dos fatos já mencionados e porque o tempo de<br />
incubação, excessivamente longo, não permite apurar com rigor se a<br />
primeira lesão aparente seria de fato a primária e se corresponderia<br />
mesmo ao provável ponto de penetração dos bacilos.<br />
Assinalamos que JEANSELME, “sem negar a existência do cancro<br />
leproso, acha que êsse diagnóstico não deve ser feito senão depois de um<br />
aprofun<strong>da</strong>do exame do paciente, para se ter a convicção de que a mancha<br />
é efetivamente a primeira manifestação <strong>da</strong> lepra. Impõe-se uma<br />
exploração cui<strong>da</strong>dosa <strong>da</strong>s regiões ganglionares, nota<strong>da</strong>mente <strong>da</strong>s<br />
inguinais, cervicais e epitrocleanas e, se algum gânglio oferece os<br />
caracteres <strong>da</strong> adenopatia hanseniana, será puncionado com o intúito de<br />
praticar o exame bacterioscópico. Uma adeno-patia bilateral e simétrica,<br />
sinal de generalização do bacilo específico pela via linfática, excluiria<br />
necessariamente a hipótese de um cancro leproso. Pelo contrário, a<br />
existência de um único grupo ganglionar correspondente ao território<br />
cutâneo onde se localiza a mácula única, constituiria um argumento a<br />
favor de acidente inicial”.<br />
Acrescentemos ain<strong>da</strong>, para finalizar este estudo, que MARCHOUX<br />
não partilha <strong>da</strong> opinião emiti<strong>da</strong> por diversos A.A. no que concerne à<br />
existência de uma primeira lesão durante muito tempo única e delimita<strong>da</strong>.<br />
“Uma mancha de 5 mms. representa já uma infecção antiga, que implica<br />
na presença de milhares de germes. Seria ver<strong>da</strong>deiramente surpreen-
– 324 –<br />
dente que um parasito <strong>da</strong>s células migradoras tivesse permanecido<br />
acantonado em certo ponto <strong>da</strong> pele e aí se multiplicasse de tal maneira<br />
sem disseminar-se para outros lugares”. MARCHOUX é de opinião que os<br />
bacilos são ràpi<strong>da</strong>mente arrastados, para que se possa acreditar na<br />
existência de uma lesão inicial, isola<strong>da</strong>, de grande duração. Lembremos<br />
também, a êsse respeito, que segundo o parecer de RABELLO JUNIOR,<br />
''seria muito improvável que a lesão primitiva e imediata <strong>da</strong> pele pudesse<br />
isola<strong>da</strong>mente vir a provocar a infecção de todo o organismo”.<br />
A afirmação dêstes A.A., segundo pudemos depreender,<br />
pode ser fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong> pela patologia geral, afirmando ASKANAZI<br />
que “a pele não precisa ser sempre o local em que se localiza a<br />
infecção primária, mesmo quando os microparasitos nela se<br />
depositam em primeiro lugar. Um pequeno número dêstes poderia<br />
morrer no ponto de inoculação e sòmente os germes sobreviventes,<br />
ao chegar nos gânglios linfáticos com a corrente dos<br />
plasmas tissulares, lograriam uma colonização ativa, <strong>da</strong>ndo lugar a<br />
uma ação patogênica. Assim se explica freqüentemente a infecção<br />
dos gânglios linfáticos na peste bubônica, faltando as lesões na<br />
porta de entra<strong>da</strong>”.<br />
Em suma, se não há elementos que permitam negar a existência do<br />
cancro leproso, que é admitido por muitos autores, também não existem<br />
<strong>da</strong>dos que justifiquem a hipótese de que os bacilos determinem a infecção<br />
sem que se produza uma lesão primária no ponto de inoculação.<br />
MARCHA DA INVASÃO DOS BACILOS NO ORGANISMO.<br />
INFECÇÃO E MOLÉSTIA<br />
Venci<strong>da</strong>s as barreiras opostas pelo organismo à penetração dos<br />
bacilos, quais serão as vias que lhes permitem alcançar os órgãos eletivos<br />
para o seu desenvolvimento?<br />
Acreditam alguns leprólogos eminentes, que os germes, tendo<br />
penetrado pela pele ou pela mucosa, aí podem permanecer por muito<br />
tempo, sem causar alterações (cit. por JADASSOHN).<br />
O fato é que o “M. leprae” para desenvolver a sua ação patogênica<br />
e desencadear a moléstia precisa ser transportado para certos órgãos, onde<br />
lhe será permitido desenvol-
– 325 –<br />
ver-se. Segundo ASKANAZY, a propagação eletiva do virus <strong>da</strong> lepra<br />
poderia <strong>da</strong>r-se às vezes pelos nervos. É também possível que os germes<br />
possam penetrar nas vias sanguíneas, sendo transportados aos diversos<br />
órgãos. No entanto, é opinião quase geral dos leprólogos que os bacilos<br />
sejam veiculados pela via linfática até os gânglios, onde permanecem<br />
durante tempo variável. Êsse modo de ver, que reputamos o mais comum<br />
e acertado, encontra fun<strong>da</strong>mento em diversos fatos.<br />
Em seus estudos sôbre a lepra dos ratos, assinalou MARCHOUX o<br />
seguinte: "a marcha <strong>da</strong> infecção, após inoculação superficial pela via<br />
epidérmica, mostra-nos que os bacilos caminham nas vias linfáticas com<br />
as células fagocitárias que os aprisionaram e ganham em segui<strong>da</strong> os<br />
gânglios que servem de confluentes aos linfáticos <strong>da</strong> região. A infecção<br />
ganglionar geralmente se produz sem deixar traços <strong>da</strong> porta de entra<strong>da</strong>".<br />
Acresce que em punções feitas em pessoas que conviviam com<br />
doentes de lepra, a pesquisa do "M. leprae" resultou em alguns casos<br />
positiva, ficando pois evidente que êle alcança os gânglios linfáticos, uma<br />
vêz penetrado no organismo. Ocorreu que alguns dêsses comunicantes,<br />
com punção ganglionar positiva vieram a adoecer algum tempo após, o<br />
que indica, de outro lado, que os bacilos poderiam ter irrompido dos<br />
gânglios para outras regiões do organismo, a fim de desencadear a<br />
moléstia.<br />
Para comprovar a opinião de que os bacilos são veiculados até os<br />
gânglios, podemo s ain<strong>da</strong> citar um caso referido por JEANSELME: trata-se<br />
de um indivíduo sadio, atingido de epitelioma destrutivo e inoperável <strong>da</strong><br />
pele, que foi inoculado com material virulento. "Os bacilos persistiram<br />
durante longo tempo no lugar e passaram à corrente linfática porque se<br />
evidenciou sua presença nos gânglios mais de três meses após a<br />
inoculação. Entretanto, seis meses após a inserção do virus, a infecção<br />
não se tinha generalizado..."<br />
Destarte, tomando por base êsses elementos, que mais tarde serão<br />
objeto de novos comentários, podemos afirmar que comumente os bacilos<br />
são veiculados pela via linfática, vindo a se deter nos gânglios.<br />
E segundo as autópsias de KOBAYASHI em doentes de lepra,<br />
os bacilos foram evidenciados nos seguintes grupos ganglionares:<br />
nos gânglios axilares em 76,7 % dos casos; nos epitrocleanos em<br />
75 % ; nos crurais em
– 326 –<br />
71,7 %; nos inguinais e cervicais em 70 %; nos retroperitoniais em<br />
24,4 %; nos mesentéricos em 15 % e nos tráqueo-brônquicos em<br />
13,3 % dos casos.<br />
Atingidos os gânglios linfáticos o que sucederia aos bacilos que ai<br />
chegaram?<br />
Duas possibili<strong>da</strong>des precisam ser encara<strong>da</strong>s. A primeira delas é<br />
que os germes não conseguiriam desenvolver-se em virtude de serem<br />
desfavorávis as condições ofereci<strong>da</strong>s pelo organismo.<br />
É possível, porém, que os bacilos possam desenvolver-se no tecido<br />
ganglionar, sendo assinalado por NEISSER, em sua memória de 1884, que<br />
o "M. leprae" se multiplica nos gânglios.<br />
Desenvolvendo-se no tecido ganglionar, o bacilo de Hansen<br />
poderá <strong>da</strong>r origem a uma infecção latente ou mesmo desencadear a<br />
moléstia.<br />
A êsse propósito, sôbre os termos infecção e moléstia<br />
convém que fique claro o que pensamos sôbre os mesmos. "O<br />
conceito de infecção pressupõe certo prejuízo ou pelo menos certa<br />
excitação do hospedeiro..." (BIER). A infecção produzir-se-ia<br />
quando um germe provoca a formação de anticorpos pela sua<br />
implantação e multiplicação no organismo de um indivíduo, que,<br />
porém, continua clinicamente sadio; e a moléstia, quando a<br />
infecção se acompanha de manifestações clínicas que a<br />
evidenciam. De modo que nós teriamos indivíduos infectados e<br />
indivíduos doentes, sendo a doença declara<strong>da</strong> mais rara que a<br />
simples infecção.<br />
Não é aqui o momento oportuno de fazer considerações<br />
minuciosas sôbre êste assunto. Contudo teceremos breve comentário a<br />
respeito, para não haver solução de continui<strong>da</strong>de em nossa exposição.<br />
Segundo MARCHOUX "no homem como no rato há infecções<br />
latentes, focos ganglionares que podem permanecer ignorados durante<br />
tempo mais ou menos longo, e algumas vezes durante tô<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong>".<br />
Em apôio de suas idéias MARCHOUX refere as punções feitas em<br />
comunicantes com resultado positivo, concluindo que há casos de lepra<br />
latente e que não é necessária uma
– 327 –<br />
demonstração experimental para admiti-la. “Êsses longos períodos de<br />
incubação, 14, 20, 32 anos já nos fornecem uma prova suficiente”.<br />
As punções ganglionares positivas em comunicantes foram<br />
consegui<strong>da</strong>s pelos seguintes autores : LEBOEUF (236) 1 vez em 6<br />
casos; SOREL (438), 1 vêz em 6 casos; LEBOEUF eJAVELLY, (235) 1<br />
vêz em 10 casos; Couvy, (111) em 1 gânglio inguinal. Ao todo 4<br />
exames positivos em 32 comunicantes, portanto em 12,5% dos<br />
casos. SERRA (431) : tô<strong>da</strong>s as punções foram positivas em 12<br />
comunicantes, devendo notar-se que 4 dêsses indivíduos tiveram<br />
lepra declara<strong>da</strong>, três, cinco, quinze meses e sete anos após a<br />
verificação de bacilos nos gânglios. Segundo GOUGEROT, êstes<br />
fatos foram confirmados por NAZARET, GRACIAS e ARAUJO,<br />
GROSHEBIN e MELLO, e entre nós, AGRÍCOLA (5) . Resultados<br />
positivos foram conseguidos também por PEZZI (356) ,PAVLOFF (349),<br />
BREUSEGHEN (72) ;CAMARGO, teve uma punção positiva em 22<br />
comunicantes puncionados.<br />
De acôrdo com JADASSOHN, “numerosos fatos falam a favor de ser<br />
muito maior o número dos infectados ou “invadidos” do que o dos<br />
realmente doentes”. Em outro capítulo, êsse mesmo autor assim se<br />
manifesta : “Sabemos atualmente, baseados em numerosos achados, que a<br />
infecção leprótica se acha muito mais dissemina<strong>da</strong> do que realmente se<br />
admite”. Refere ain<strong>da</strong> a opinião de BAYON, de que apenas pequeno<br />
número dos indivíduos infectados torna-se realmente doente. Nossas<br />
idéias, basea<strong>da</strong>s principalmente na lepromino-reação de Mitsu<strong>da</strong>, são<br />
concor<strong>da</strong>ntes com as de JADASSOHN e mais adiante vamos referí-las<br />
minuciosamente.<br />
Quanto ao desencadeamento <strong>da</strong> moléstia, vimos que em alguns dos<br />
casos nos quais a punção ganglionar fôra positiva em comunicantes, ela<br />
veio a se manifestar clinicamente meses ou anos mais tarde. Nesses casos,<br />
quando o organismo é incapaz de se defender contra os bacilos que se<br />
desenvolvem nos gânglios, os germes acabam por vencer e franquear a<br />
barreira linfática, ganhando as regiões vizinhas e distantes por intermédio<br />
dos próprios linfáticos ou pela corrente sanguínea. O mais provavel<br />
porém, é que a generalização <strong>da</strong> moléstia ocorra principalmente pela via<br />
hematogênica. Justificaram êsse modo de ver alguns fatos que serão<br />
considerados com maiores minúcias no estudo <strong>da</strong> patologia: com<br />
freqüência as primeiras manifestações clínicas <strong>da</strong> mo -
– 328 –<br />
léstia se traduzem por máculas dissemina<strong>da</strong>s, de disposição simétrica em<br />
muitos casos. Outrossim, foram evidenciados bacilos no sangue,<br />
principalmente nos casos lepromatosos e mistos com ou sem reação<br />
leprótica. Acrescentemos ain<strong>da</strong> que ARNING salientou a freqüência<br />
surpreendente dos bacilos no interior dos capilares <strong>da</strong>s máculas eruptivas.<br />
E entre nós, também em apôio <strong>da</strong> idéia de que a generalização <strong>da</strong> moléstia<br />
se opera por via hematogênica, RABELLO JR. escreveu que “as<br />
vascularites, em grau mais ou menos acentuado, constituem o “primum<br />
movens” <strong>da</strong>s alterações lepróticas dos tecidos e recentemente assinalámos<br />
que o fato continúa ver<strong>da</strong>deiro mesmo no caso de alterações causa<strong>da</strong>s por<br />
menores quanti<strong>da</strong>des de germes (lepra tuberculóide)”.
PATOLOGIA<br />
Introdução<br />
O estudo <strong>da</strong> patologia geral <strong>da</strong> lepra, assim como o de qualquer<br />
outra infecção, tem por finali<strong>da</strong>de oferecer uma impressão de conjunto<br />
sôbre a moléstia, de modo que se possa conhecer o mecanismo dos vários<br />
fenômenos mórbidos pelos quais ela se evidencia, relacionando-os com o<br />
seu agente etiológico, o "M. leprae". Destarte, faz-se mister considerar o<br />
decurso <strong>da</strong> infecção, desde o momento <strong>da</strong> invasão do organismo até a<br />
cura ou a morte do paciente, focalizando-se os aspectos anátomo -clínicos,<br />
fisiopatológicos e imunobiológicos peculiares à moléstia, assim como as<br />
alternativas de sua evolução e os seus fatores determinantes.<br />
Na primeira parte dêste trabalho, consideramos o agente etiológico<br />
<strong>da</strong> lepra e o modo pelo qual se realizaria a infecção. Focaliza<strong>da</strong> a parte <strong>da</strong><br />
etiopatogenia, passaremos a estu<strong>da</strong>r os outros capítulos <strong>da</strong> patologia <strong>da</strong><br />
lepra. Estu<strong>da</strong>remos então primeiramente o modo pelo qual se processa a<br />
generalização dos bacilos e a sua localização nos vários tecidos. A reação<br />
dêstes ao "M. leprae" constituirá outro capítulo, o <strong>da</strong> histopatologia geral<br />
<strong>da</strong> lepra e as perturbações funcionais que se verificam serão comenta<strong>da</strong>s<br />
na fisiopatologia geral.<br />
Em segui<strong>da</strong> ao estudo dos vários aspectos que dizem respeito aos<br />
fatores imunitários e às condições do terreno, será feita uma resenha <strong>da</strong>s<br />
várias manifestações clínicas e o seu agrupamento nos tipos de moléstia,<br />
de acôrdo com as classificações do Cairo e a Sul Americana. Serão depois<br />
estu<strong>da</strong>dos os fatores que condicionam o seu decurso para esta ou aquela<br />
forma clínica. Finalmente, serão considerados a
– 330 –<br />
evolução, prognóstico e curabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> moléstia, assim como merecerá<br />
nossa atenção a “causa-mortis” dos hansenianos.<br />
O estudo <strong>da</strong> patologia <strong>da</strong> lepra é prejudicado por não se poder<br />
contar com um animal de laboratório facilmente inoculável, no qual se<br />
possa reproduzir a lepra humana. Nessas condições, os comentários que<br />
forem expendidos serão baseados nos <strong>da</strong>dos fornecidos pela clínica,<br />
anatomia patológica e imunobiologia, a última <strong>da</strong>s quais vem sendo<br />
amplia<strong>da</strong> por interessantes estudos, de modo que, aprecia<strong>da</strong> em conjunto<br />
com as outras partes, permitirá julgar a patologia <strong>da</strong> lepra de modo mais<br />
amplo e acertado do que há poucos anos atrás, conhecendo-se melhor a<br />
importância do “terreno” na infecção leprótica. Os progressos <strong>da</strong> química<br />
biológica, assim como o estudo comparativo <strong>da</strong> lepra com outras<br />
infecções com as quais tem analogia, permitirão, igualmente, julgar com<br />
maior acêrto os complexos problemas a encarar.
CAPÍTULO IX<br />
PERÍODO DE INCUBAÇÃO. GENERALIZAÇÃO DA<br />
LEPRA.<br />
SUMÁRIO: Período de incubação. Generalização <strong>da</strong><br />
lepra: vias hematogênica, linfática e por contigui<strong>da</strong>-de.<br />
Considerações sôbre a bacilemia. Localização dos<br />
bacilos e <strong>da</strong>s lesões: pele, nervos, gânglios, baço,<br />
medula ossea, fígado, testículos, mucosas e olhos,<br />
sistema nervoso central e ovário.<br />
Vimos, no estudo <strong>da</strong> etiopatogenia, que os bacilos de Hansen,<br />
tendo conseguido atravessar as barreiras ofereci<strong>da</strong>s pelo tegumento<br />
cutâneo e mucoso, poderiam ser destruidos ou então se desenvolver e<br />
multiplicar desde que as suas proprie<strong>da</strong>des patogênicas e as condições do<br />
“terreno” o permitissem. Vindo a verificar-se esta última hipótese, entre a<br />
penetração dos bacilos no organismo e a evidenciação <strong>da</strong>s primeiras<br />
manifestações clínicas <strong>da</strong> moléstia decorre um lapso de tempo maior ou<br />
menor, variável segundo os casos. Êsse tempo de incubação, não só para a<br />
lepra como para as moléstias infecciosas, em geral, encontra sua<br />
explicação no fato de que os bacilos introduzidos no organismo precisam<br />
multiplicar-se de maneira tal que, pelo seu número ou pelos seus produtos<br />
tóxicos, possam desencadear a moléstia. Sendo o “M. leprae” um germe<br />
cujo desenvolvimento parece lento e demorado, e produzindo êle<br />
substâncias tóxicas cuja ativi<strong>da</strong>de é muito menor que a de outros agentes<br />
etiológicos, decorre que o tempo de incubação <strong>da</strong> lepra é muito longo, via<br />
de regra se prolongando durante alguns anos, conforme o consenso geral<br />
dos leprólogos.<br />
Para certas moléstias infecciosas admite-se que o período<br />
de incubação “representa o tempo necessário para que o organismo<br />
forme os anticorpos específicos.
– 332 –<br />
A reação entre o antígeno e o anticorpo provocaria a enfermi<strong>da</strong>de”.<br />
(RÖSSLE, 393 ). Sob êsse prisma, de acôrdo com LUSTIG,GALEOTTI<br />
eRONDONI, “o tempo de incubação poderia ser entendido não só<br />
como o período de invasão do agente patogênico como também de<br />
preparação do indivíduo parasitado”.<br />
Essa interpretação, sugeri<strong>da</strong> para certas moléstias<br />
infecciosas, seria aceitável na lepra? Parece-nos que aqui o tempo<br />
de incubação, por ser muito longo, deve ser encarado<br />
principalmente como o período necessário para a multiplicação e<br />
desenvolvimento do “M. leprae”, que é geralmente lento e<br />
demorado. A favor dessa impressão pode acrescentar-se que o<br />
organismo, muito antes do aparecimento <strong>da</strong>s manifestações<br />
clínicas, pode ter reagido contra o germe, mobilizando as suas<br />
defesas, o que poderia ter sido evidenciado, em muitos casos, pelo<br />
resultado positivo <strong>da</strong> lepromino-reação.<br />
JEANSELME não julga necessário <strong>da</strong>r o nome de incubação ao<br />
longo período de latência que decorre desde a contaminação até o<br />
aparecimento <strong>da</strong>s primeiras manifestações, dividindo-o em duas partes: “a<br />
primeira denomina<strong>da</strong> de “microbismo latente” ou de “inércia”, durante a<br />
qual o bacilo específico se a<strong>da</strong>ta mais ou menos lentamente ao terreno<br />
orgânico sôbre o qual se transplantou, e a segun<strong>da</strong> de “germinação” que<br />
se estende desde o momento em que o bacilo começa a pulular e a<br />
provocar reação defensiva dos tecidos até a aparição dos primeiros<br />
acidentes perceptíveis. E’ a esta segun<strong>da</strong> parte do período latente que<br />
convem reservar o nome de incubação”.<br />
De acôrdo com GOUGEROT “estas assim chama<strong>da</strong>s incubações<br />
devem pois ser dividi<strong>da</strong>s em três períodos: – período latente (ou portador<br />
de germes); – incubação ver<strong>da</strong>deira (Besnier) ou antes primeira<br />
incubação, antes do cancro ou antes dos primeiros sinais discretos,<br />
localizados, os pródomos estão ausentes ou não são característicos; –<br />
segun<strong>da</strong> incubação do “cancro” ou primeiros sinais localizados à<br />
generalização clínica <strong>da</strong> infecção”.<br />
Já assinalámos que é habitualmente longa a incubação <strong>da</strong> lepra,<br />
protraindo-se por alguns anos; no entanto, só excepcionalmente se<br />
conseguiria apurar com relativa segurança a duração dêsse período, pois<br />
os doentes com freqüência ignoram qual a fonte de contágio, e mesmo<br />
quando esta é conheci<strong>da</strong>, torna-se difícil estabelecer qual a época precisa
– 333 –<br />
em que se deu a contaminação. De outro lado, mesmo a primeira<br />
manifestação aparente <strong>da</strong> moléstia passa despercebi<strong>da</strong>, de modo que se<br />
incorre no êrro de se considerar como primeiro acidente <strong>da</strong> lepra o que na<br />
reali<strong>da</strong>de seria uma manifestação tardia.<br />
Além disso, o tempo de incubação é variável segundo os casos,<br />
podendo ser mais ou menos longo, de acôrdo com a quanti<strong>da</strong>de e<br />
virulência dos germes, com sua via de penetração e com a receptivi<strong>da</strong>de<br />
do organismo invadido.<br />
GENERALIZAÇÃO DA LEPRA<br />
Na etiopatogenia <strong>da</strong> lepra, já consideramos qual a provável marcha<br />
dos bacilos no organismo, a fim de determinar a infecção, tendo sido<br />
assinalado o papel importante que a via linfo-hemogênica desempenha na<br />
disseminação dos germes. Também na generalização <strong>da</strong> lepra a<br />
importância dessa via, principalmente a hematogênica, é relevante,<br />
admitindo-se que ela possa ser utiliza<strong>da</strong> pelo bacilo de duas maneiras<br />
diferentes:<br />
1.°) Tendo vencido as barreiras cutâneo-mucosas e se<br />
multiplicado nos gânglios, onde permaneceram acantonados, os bacilos<br />
progridem nos vasos linfáticos e finalmente alcançam o canal torácico,<br />
pelo qual se lançam na veia cava e em segui<strong>da</strong> na circulação geral;<br />
2.°) Invadindo os capilares sanguíneos, os bacilos atingem<br />
diretamente a torrente sanguínea, processando-se então a sua<br />
disseminação.<br />
A generalização <strong>da</strong> moléstia pela via hematogênica explica porque<br />
as lesões lepróticas se localizam em pontos diversos do tegumento, a<br />
miudo com disposição simétrica. Além disso, a utilização dessa via pelos<br />
bacilos pode ser demonstra<strong>da</strong> pelo resultado positivo <strong>da</strong> bacterioscopia do<br />
sangue, no qual muito freqüentemente se evidencia o “M. leprae” nos<br />
doentes lepromatosos, mesmo sem terem reação leprótica, e até nos<br />
tuberculóides reacionais, como FERNANDEZ (150) e nós mesmos pudemos<br />
comprovar em três doentes dos 145 tuberculóides que foram submetidos a<br />
êsse exame.<br />
No fim do século passado foram numerosos os autores que<br />
procuraram evidenciar o bacilo de Hansen no sangue circulante.<br />
Alguns leprólogos, tais como
– 334 –<br />
ZIEMSSEN, ARNING, NEISSER, MORROW e HANSEN (cit. por<br />
MARKIANOS), e SOUZA CAMPOS, (87) não foram bem sucedidos em<br />
suas pesquisas e negavam a possibili<strong>da</strong>de de se encontrar o “M.<br />
leprae” na circulação sanguínea.<br />
Entretanto, nessa mesma época, alguns autores, CORNIL,<br />
(cit. por LELOIR), GLÜCK, DANIELSSEN eBOECK, (cit. por SOUSA<br />
CAMPOS) referem-se aos processos lepróticos que se desenvolvem<br />
nos vasos, assinalando a presença de bacilos nas células<br />
endoteliais. Em 1882, LELOIR pôde verificar a bacilemia, ao<br />
examinar o sangue de um doente, obtido por pica<strong>da</strong>s feitas em<br />
áreas não invadi<strong>da</strong>s pelo processo leprótico: dentre 20 preparações,<br />
em uma encontrou três bacilos e em outra aglomerações<br />
amarela<strong>da</strong>s e granulosas, cuja natureza não pôde ser reconheci<strong>da</strong><br />
com precisão.<br />
Em segui<strong>da</strong>, muitos pesquisadores confirmaram o achado<br />
de LELOIR: KÖBNER, MÜLLER, BABES, DOUTRELEPONT e<br />
WOLTERS (cit. por JEANSELME e SEE), MAJOCCHI e PELLIZARI, e o<br />
próprio HANSEN (citados por LELOIR) que negavam a possibili<strong>da</strong>de<br />
de se evidenciar o bacilo no sangue ou nos vasos.<br />
Até então, os achados positivos eram constituidos por<br />
poucos bacilos, sendo difícil a demonstração <strong>da</strong> bacilemia. Esta foi<br />
evidencia<strong>da</strong> também por GOUGEROT, o qual refere que<br />
KLINGMÜLLER considerava o seu achado como o primeiro caso de<br />
bacilemia, no sentido de uma invasão maciça do sangue.<br />
Até essa época a preocupação dos autores era demonstrar a<br />
existência de bacilemia – sendo pouco numerosos os casos<br />
examinados, – não havendo a preocupação de relacioná-los com os<br />
tipos clínicos <strong>da</strong> moléstia. Essa relação foi estu<strong>da</strong><strong>da</strong> em trabalhos<br />
ulteriores, uma vez assenta<strong>da</strong> como fato inconteste, a existência <strong>da</strong><br />
bacilemia.<br />
Numerosas foram as publicações sôbre o assunto, sendo<br />
conheci<strong>da</strong>s as pesquisas de BEURMANN, VAUCHER eLAROCHE, (50)<br />
SUGAI eMONOBE, LAGANE, ASARELLO, BROUARDEL, CASTELLANI<br />
eCHALMERS, HALLOPEAU, BESNIER, LEREDDE e ISTIFF (cit. por<br />
SOUSA CAMPOS), GRAVAGNA eRABINOVITCH, LOUSTE (cit. por<br />
BEURMANN e GOUGEROT (49) (155)<br />
), FRANCHINI e GIORDANO,<br />
COTTINI, (110) JADASSOHN (cit. por MARKIANOS), TISSEUL (cit. por<br />
KLINGMÜLLER (222) ), LOEWENSTEIN, (264) MARTINS DE CASTRO e<br />
SALES GOMES (91) e outros.
– 335 –<br />
Alguns autores fizeram pesquisas em numerosos doentes:<br />
OHASHI, MITSUDA, CROW eRIVAS, TAKASHIMA, CHUJO (cit. por<br />
(260) (313)<br />
GOUGEROT), MARKIANOS, LOWE , MOUTOUSSIS,<br />
(310) (129)<br />
MOSTERT , GAVRILOV, DUBOIS e FESTER, BRANTS e<br />
GRINBERGS (cit. por KLINGMÜLLER), IYENGAR, e MUIR (cit. por<br />
SOUSA CAMPOS) e entre nós SOUSA CAMPOS eZOCCHIO. (495)<br />
As pesquisas pratica<strong>da</strong>s por numerosos estudiosos evidenciaram<br />
que a bacilemia é comumente encontra<strong>da</strong> entre os lepromatosos; sôbre sua<br />
existência nos doentes de lepra do tipo neural nota-se que não existe<br />
acôrdo entre os autores, sendo que alguns assinalam a existência do bacilo<br />
no sangue em percentagem relativamente eleva<strong>da</strong> de casos. Parece-nos<br />
que êsse fato deve correr por conta <strong>da</strong> classificação dos casos, de acôrdo<br />
com as pesquisas de ZOCCHIO, que tivemos ocasião de orientar. Em<br />
trabalho exaustivo pesquisou êle a bacilemia em 1.133 doentes, sendo<br />
realizados ao todo 1.715 exames. Entre as várias conclusões a que<br />
chegámos, podemos destacar as seguintes, de interêsse para o estudo que<br />
estamos fazendo:<br />
– “Nos doentes lepromatosos a bacilemia foi observa<strong>da</strong> em<br />
49,32% dos casos. Nestes doentes, assim como nos de tipo misto, as<br />
percentagens são mais eleva<strong>da</strong>s (até 75%) nos grupos de pacientes que<br />
ain<strong>da</strong> não haviam sido submetidos ao tratamento antileprótico ou que<br />
pouca medicação tinham tomado; a percentagem torna-se mais baixa à<br />
medi<strong>da</strong> que aumenta o tempo de tratamento”.<br />
– “A ausência de bacilos no sangue dos doentes do tipo neural é a<br />
regra, tendo sido verificados em 0,98% dos nossos casos.<br />
Não foi verificado nenhum caso de bacilemia entre os doentes de<br />
tipos neural anestésico (36 casos), e neural macular tuberculóide (26<br />
casos). Nos hansenianos do tipo neural macular simples (142 casos) a<br />
percentagem de bacilemia foi de 1,4%”.<br />
– “Nos pacientes de tipo misto (364 doentes) a bacilemia foi<br />
observa<strong>da</strong> em 40,93% dos casos”.<br />
– “A freqüência <strong>da</strong> bacilemia na reação leprótica do tipo agudo é<br />
muito mais eleva<strong>da</strong> do que na reação sub-agu<strong>da</strong>. Observámos ain<strong>da</strong> que,<br />
no mesmo doente, a bacilemia é mais freqüente quando êle está com<br />
reação leprótica agu<strong>da</strong>, do que quando a apresenta sub-agu<strong>da</strong>; esta<br />
diferença é mais acentua<strong>da</strong> ain<strong>da</strong>, quando o surto reacional regride. Em<br />
numerosos doentes existe pois uma relação de causa e
– 336 –<br />
efeito entre a bacilemia e o surto febril, isto é, êste é a conseqüência de<br />
uma invasão do sangue pelos bacilos que, dos órgãos com lesões<br />
lepromatosas, conseguiram ganhar a torrente sanguínea e por esta via<br />
disseminar-se a todo o organismo. Não se pode generalizar esta conclusão<br />
a todos os doentes porque em muitos dêles observamos a bacilemia sem<br />
estar acompanha<strong>da</strong> de reação leprótica”.<br />
Além de tô<strong>da</strong>s as pesquisas já menciona<strong>da</strong>s, depõe a favor <strong>da</strong><br />
generalização hematogênica o comprometimento freqüente dos vasos<br />
sanguíneos pelo processo leprótico, conforme foi demonstrado por muitos<br />
autores e é comum observar-se nos infiltrados específicos que se<br />
desenvolvem nas várias estruturas orgânicas. De acôrdo com a feliz<br />
expressão de RABELLO JR., anteriormente cita<strong>da</strong>, “as vascularites<br />
constituem o “primum movens” <strong>da</strong>s lesões lepróticas que se desenvolvem<br />
nos tecidos, mesmo para os infiltrados inflamatórios <strong>da</strong> lepra<br />
tuberculóide”.<br />
Em conseqüência do surto hematogênico, pode surgir erupção de<br />
máculas acompanha<strong>da</strong>s de distúrbios gerais (cefaléia, febre, dores<br />
reumatóides, inapetência) tal como os que costumam estar presentes em<br />
outras moléstias infecciosas. A erupção é muitas vêzes temporária, vindo<br />
a desaparecer depois de lapso de tempo variável, que é geralmente de<br />
alguns meses. As máculas podem também infiltrar-se e fazer parte <strong>da</strong>s<br />
manifestações clínicas do doente, às quais se juntarão novas lesões, em<br />
virtude <strong>da</strong> repetição dos surtos, que são comuns nos doentes<br />
lepromatosos, os quais não reagem convenientemente ao agente<br />
patogênico (lepromino-reação negativa), de modo que é regra a<br />
progressão contínua e lenta <strong>da</strong> moléstia.<br />
Nos pacientes tuberculóides também se verificaria o surto<br />
hematogênico pelo qual os bacilos alcançariam o tegumento cutâneo, aí<br />
determinando as leprides de aspecto mui peculiar. No entanto, estando os<br />
pacientes imunizados contra o germe (o que se poderá avaliar pela<br />
positivi<strong>da</strong>de evidente <strong>da</strong> reação à lepromina), essas leprides vêm a sofrer<br />
progressiva regressão e com ela a cura <strong>da</strong> moléstia. Assinale-se porém<br />
que em pacientes tuberculóides reacionais, nos quais as defesas orgânicas<br />
não são tão acentua<strong>da</strong>s, vários surtos subintrantes podem ter lugar, à<br />
semelhança do que costuma ocorrer na lepra lepromatosa, <strong>da</strong> qual porém<br />
difere pelo decurso, em geral, benigno <strong>da</strong> infecção.<br />
Além <strong>da</strong>s vias linfáticas e hematogênicas, já estu<strong>da</strong><strong>da</strong>s, a difusão<br />
dos bacilos poderá realizar-se também por
Forte ativação <strong>da</strong>s células retículo-endoteliais. Vêm-se entre as<br />
traves de células hepáticas as células endoteliais prolifera<strong>da</strong>s.<br />
Infiltrado inflamatório simples<br />
(Lesão incaracterística)
Infiltrado inflamatório incaracterístico na mucosa<br />
nasal. (Cerruti).<br />
“Infiltrado do tipo incaracterístico, porém específico, de localização<br />
perineurítica no cório <strong>da</strong> mucosa nasal. Coloração: hematoxilina e<br />
eosina. 150 x. (Pesquisa de bacilos: ++)”. (Cerruti).
– 337 –<br />
contigui<strong>da</strong>de, como ocorre, por exemplo, com uma lesão cutânea que se<br />
estendendo em sentido periférico pode invadir as regiões vizinhas.<br />
Lembrámos que é dêsse modo que os filetes nervosos costumam ser<br />
comprometidos pelo processo leprótico, que, mais raramente, pode<br />
determinar a nevrite por via hematogênica. Também nos olhos são<br />
evidentes os processos de extensão por contigui<strong>da</strong>de, como nas<br />
infiltrações esclerais que invadem a córnea.<br />
Assinalámos, ain<strong>da</strong>, que JADASSOHN julga ser “quase impossível<br />
decidir-se até que ponto se pode apelar para as auto-inoculações<br />
(GOODHUE, HEGGS)”. Estas produzir-se-iam quando, pela existência de<br />
focos bacilíferos na pele, vem a <strong>da</strong>r-se a contaminação <strong>da</strong> roupa de uso do<br />
doente, a qual poderia veicular passivamente os bacilos para outros<br />
pontos do seu tegumento, onde se inoculariam pela eventual existência de<br />
solução de continui<strong>da</strong>de <strong>da</strong> pele (provoca<strong>da</strong>s, por ex., pela coçagem em<br />
pica<strong>da</strong>s de insetos). Mesmo as unhas estando carrega<strong>da</strong>s de bacilos,<br />
poderiam realizar a inoculação. Ajunta JADASSOHN que “a experiência<br />
com a lues (super-infecções, pápulas de decalque) e com a tuberculose<br />
(auto-inoculação dos tísicos etc.) deixam transparecer a verossimilhança<br />
de tais processos”.<br />
É, pois, razoavel admitir-se a superinfecção autógena na lepra, a<br />
qual porém teria importância secun<strong>da</strong>ria, uma vêz que a generalização <strong>da</strong><br />
moléstia se realiza principalmente pela via sanguínea, e também pela<br />
linfática e por contigui<strong>da</strong>de, esta última muito importante para explicar o<br />
comprometimento dos nervos e dos olhos.<br />
LOCALIZAÇÃO DOS BACILOS E DAS LESÕES<br />
Graças aos diferentes mecanismos acima estu<strong>da</strong>dos, os bacilos<br />
podem ser disseminados por todo o organismo. No entanto, êle não se<br />
desenvolve em qualquer tecido e sim tem preferência para alguns dêles.<br />
Destaca-se a espécie de tropismo que o “M. leprae” tem pela pele, nervos<br />
e sistema ganglionar, os quais são habitualmente invadidos nos vários<br />
tipos de moléstia, vindo a reagir com os infiltrados (inflamatório simples,<br />
lepromatoso e tuberculóide) que são peculiares às respectivas formas de<br />
lepra. Nos doente lepromatosos, as lesões lepróticas muito<br />
freqüentemente se desenvolvem em outras estruturas: mucosas (de modo<br />
especial a nasal, mas também a bucal e a laringiana), testículos, fígado,<br />
baço e medula óssea. Nos doentes neurais alguns autores<br />
F. – 22
– 338 –<br />
assinalaram a existência de processos específicos nessas estruturas,<br />
enquanto outros não conseguiram evidenciá-los. Sôbre as várias<br />
localizações teceremos comentários muito breves, considerando-os um<br />
por um, pois mais adiante merecerão novo exame, quando procurarmos<br />
explicar o porquê <strong>da</strong>s várias manifestações clínicas.<br />
Pele: É indiscutivel a tendência que os bacilos têm para invadir o<br />
tegumento cutâneo, o que se verifica fàcilmente ao examinar qualquer<br />
doente de lepra, seja êle lepromatoso ou neural, no qual quase sempre se<br />
encontrará uma manifestação cutânea <strong>da</strong> moléstia. Dissemos “quase<br />
sempre” porque nos casos nervosos anestésicos (ou na assim chama<strong>da</strong><br />
“forma nervosa-pura”) as lesões cutâneas fariam falta e só estão presentes<br />
os distúrbios polinevríticos. No entanto, quando êsses casos são<br />
observados durante anos, poder-se-á notar, em muitos dêles, que os<br />
distúrbios nevríticos peculiares a essa varie<strong>da</strong>de do tipo neural, ou foram<br />
precedidos de manifestações cutâneas, que depois regrediram, ou estas<br />
últimas vêm a surgir em fases ulteriores <strong>da</strong> evolução <strong>da</strong> moléstia.<br />
É mister notar que nos lepromatosos, os bacilos podem ser<br />
demonstrados não só ao nivel <strong>da</strong>s lesões como também, em alguns casos,<br />
mesmo em pele aparentemente normal.<br />
Nervos: É também unânime o consenso a propósito do<br />
comprometimento freqüente dos troncos nervosos ou <strong>da</strong>s suas<br />
ramificações terminais. Com efeito, tanto nos doentes lepromatosos como<br />
nos neurais (dos quais constituiria um dos apanágios, de acôrdo com as<br />
classificações que adotam critério topográfico) os distúrbios<br />
polinevríticos podem estar presentes, sobretudo as perturbações <strong>da</strong><br />
sensibili<strong>da</strong>de ao nível <strong>da</strong>s lesões cutâneas lepróticas, o que é característico<br />
<strong>da</strong> lepra.<br />
Invadidos por contigui<strong>da</strong>de ou pela via hematogênica, afirma<br />
JADASSOHN “que os nervos não oferecem nenhuma dificul<strong>da</strong>de à invasão<br />
local dos bacilos e do processo leprótico e que êles por isso aí se<br />
multiplicam livremente. Prova isso a circunstância de em ambas as<br />
formas principais <strong>da</strong> lepra (e também na tuberculóide) a proliferação<br />
celular leprosa <strong>da</strong> cútis e sub-cútis se propagar de preferência aos nervos,<br />
primeiramente aos finos músculos <strong>da</strong>s glândulas (LIE, KLINGMÜLLER) e<br />
em segui<strong>da</strong> em sentido centrípeto. Os processos cutâneos sifilíticos e<br />
tuberculosos, habitualmente tão semelhantes, proliferam também até as<br />
proximi<strong>da</strong>des
– 339 –<br />
dos nervos, ao redor e mesmo através dêles, às vezes os destroem<br />
localmente, mas nunca ou só raramente se propagam pelos nervos”.<br />
RÖSSLE afirma que “é importante a comprovação de que no<br />
corpo dos microorganismos e nos tecidos humanos atacados se<br />
encontram as mesmas ou semelhantes substâncias químicas”,<br />
citando como exemplo a existência de substâncias lipóides no “M.<br />
leprae” e nos nervos. “Podemos portanto supôr, diz êle, que os<br />
agentes infecciosos, mobilizados pelas forças mecânicas,<br />
determinam novas colonizações e fócos mórbidos aí onde o meio<br />
químico favorece o seu aninhamento”.<br />
A êsse propósito, JADASSOHN assinala que “ain<strong>da</strong> não está<br />
decidido se têm ou não importância nessa eletivi<strong>da</strong>de fixadora,<br />
analogias químicas entre nervos e bacilos. Em todo caso, não<br />
depõe a favor disto o fato dos bacilos preferirem a parte sensitiva<br />
dos nervos periféricos e atacarem tão pouco o sistema nervoso<br />
central”.<br />
Gânglios: Os gânglios podem ser comprometidos não só por<br />
ocasião <strong>da</strong> invasão do organismo pelos bacilos que vão desencadear a<br />
moléstia, como também durante o decurso <strong>da</strong> infecção. Essa<br />
predisposição é comprova<strong>da</strong> pela freqüência do processo leprótico nos<br />
gânglios inguinais, a despeito <strong>da</strong> integri<strong>da</strong>de dos membros inferiores, que<br />
não apresentam nenhuma lesão cutânea (WADE).<br />
Nos doentes lepromatosos é muito freqüente o comprometimento<br />
dos gânglios, nos quais se evidenciarão os bacilos no material de punção<br />
ganglionar ou ain<strong>da</strong> nos cortes histológicos, onde se poderá observar a<br />
característica estrutura lepromatosa.<br />
Mesmo nos doentes neurais as bacilos podem ser encontrados nos<br />
gânglios, porém isso ocorre mais raramente do que nos lepromatosos. No<br />
material de punções ganglionares que praticámos em casos neuromaculares<br />
simples e anestésicos os resultados eram habitualmente<br />
negativos e, quando positivos, poucos eram os bacilos encontrados, em<br />
contraste com o que observámos nos doentes lepromatosos. Em 148<br />
pacientes tuberculóides que puncionámos, o esfregaço foi positivo em 10<br />
casos (6,7%), sendo raros os bacilos, a não ser nas formas reacionais, em<br />
que eram muito numerosos, sendo evidencia<strong>da</strong>s até raras globias.<br />
A freqüência <strong>da</strong> localização dos bacilos nos gânglios é<br />
comprova<strong>da</strong> também pelos achados de alguns autores e que
– 340 –<br />
tiveram origem na hipótese de THIROUX de que a lepra seria inicialmente<br />
ganglionar. Essa hipótese recebeu apôio integral de MARCHOUX, que veio<br />
a tornar-se o seu mais conhecido defensor, afirmando que a lepra dos<br />
ratos sempre começa por um gânglio, sendo possível que o mesmo suce<strong>da</strong><br />
com a lepra humana. Para obter confirmação do seu modo de pensar,<br />
sugeriu êle a LEBOEUF e SOREL que procedessem a baciloscopia no<br />
material de punção ganglionar em indivíduos que conviviam com doentes<br />
de lepra, o que aquêles autores realizaram, conseguindo resultado positivo<br />
em alguns casos. Resultados idênticos foram obtidos por COUVY,<br />
BREUSEGHEM; o mesmo não sucedeu com os nossos exames, que<br />
resultaram negativos em mais de uma centena de comunicantes<br />
puncionados.<br />
Baço: Ain<strong>da</strong> nos lepromatosos é muito freqüente a presença de<br />
bacilos no tecido esplênico, podendo-se evidenciá-los já pela punção do<br />
baço (como o fizemos em uma dezena de pacientes) ou nos cortes<br />
histológicos. Essas punções resultaram negativas em 20 doentes do tipo<br />
neural.<br />
Medula óssea: O “M. leprae” localiza-se comumente na medula<br />
óssea dos lepromatosos, não tendo sido evidenciados nos doentes neurais.<br />
Fígado: Do mesmo modo que no baço, os bacilos são encontrados<br />
mui freqüentemente no figado dos lepromatosos, sendo interessante notar,<br />
a propósito, que em 69 doentes dêsse tipo que necropsiámos, foram<br />
evidenciados processos específicos com bacilos em 95,7% dos casos.<br />
O fato de habitualmente não se conseguir evidenciar o “M. leprae”<br />
nos gânglios, fígado, baço e medula óssea dos doentes neurais, não quer<br />
dizer que êle não possa alcançar essas estruturas, o que é bem possível<br />
que suce<strong>da</strong>, pois algumas delas (baço e medula óssea) apresentam<br />
disposição tal que lhes permite reter os germes em geral. Assim por<br />
exemplo, nos tuberculóides reacionais, onde se pode evidenciar<br />
bacilemia, é provável que os bacilos de Hansen atinjam êsses órgãos,<br />
como alcançaram a pele, irrompendo de um foco interno em que estavam<br />
acantonados. Acontece porém que sendo o organismo dêsses indivíduos<br />
dotado de grande imuni<strong>da</strong>de, os germes são ràpi<strong>da</strong>mente destruidos, fato<br />
êsse que pode ser comprovado com as leprides reacionais, que<br />
inicialmente oferecem material positivo ao exame bácterioscópico,<br />
tornando-se em segui<strong>da</strong> abacilíferas.
– 341 –<br />
Sobre êste mesmo ponto, JADASSOHN se manifestara de modo mais<br />
ou menos idêntico, afirmando que “às localizações viscerais na lepra<br />
máculo-anestésica cabe um papel muito mais insignificante, em primeiro<br />
lugar porque muitas lesões não são verifica<strong>da</strong>s pela sua insignificância ou<br />
rápi<strong>da</strong> regressão em virtude <strong>da</strong> reação tecidular (o que evidencia, por<br />
exemplo, o achado de JEANSELME e outros autores, de esclerose vascular<br />
e intersticial nos órgãos internos, e também o de LIE, de nódulos<br />
tuberculóides também nas formas máculo-anestésicas); em segundo lugar<br />
porque na forma tuberosa, em virtude <strong>da</strong> existência permanente de uma<br />
grande quanti<strong>da</strong>de de bacilos, um maior número dêles pode ser<br />
repeti<strong>da</strong>mente transportado para as visceras”.<br />
Testículos: São afetados com freqüência extraordinária nos doentes<br />
lepromatosos, e neles os bacilos poderão ser descobertos com facili<strong>da</strong>de,<br />
tanto que KOBAYASHI (224/225) propôs a utilização <strong>da</strong> punção testicular<br />
como recurso diagnóstico.<br />
Em um primeiro trabalho sôbre êste processo de pesquisa<br />
dos bacilos <strong>da</strong> lepra, os resultados foram positivos em 46 de 50<br />
casos (92%) nos quais praticara punção dos testículos. Na segun<strong>da</strong><br />
publicação sôbre o assunto, KOBAYASHI refere-se ao resultado de<br />
100 punções, <strong>da</strong>s quais 93 foram positivas (destas, em 86 pacientes<br />
os bacilos foram encontrados já na primeira punção).<br />
Mucosas e olhos: A localização de bacilos ao nível <strong>da</strong> mucosa<br />
nasal é freqüentemente observa<strong>da</strong> nos doentes lepromatosos sendo mais<br />
rara entre os doentes neurais. Já mencionámos, a propósito <strong>da</strong>s vias de<br />
eliminação do bacilo de Hansen, os <strong>da</strong>dos estatísticos de outros autores,<br />
assim como os pessoais, sôbre a freqüência com que êle se localiza e pode<br />
ser evidenciado nessa mucosa. Lembrámos ain<strong>da</strong> que nos casos neurais –<br />
a despeito <strong>da</strong> mucosa não apresentar qualquer alteração suspeita e ser<br />
negativa a pesquisa bacterioscópica pela técnica costumeira de colheita do<br />
material – podem ser evidenciados, ao exame histopatológico <strong>da</strong> mucosa,<br />
infiltrados inflamatórios simples e também os tuberculóides, com bacilos<br />
de Hansen. Tais foram as comprovações que pudemos fazer juntamente<br />
com CCRRUTI, BERTI e M. SOUZA LIMA.<br />
Também freqüente é a localização dos bacilos na mucosa bucal<br />
dos lepromatosos, onde determinam processos
– 342 –<br />
lepróticos bem caracterizados em 19,1% dos doentes dêsse tipo, de acôrdo<br />
com o exame clínico que nós mesmos praticámos. Entretanto, releva notar<br />
que aos exames anátomopatológicos êsses processos são bem mais<br />
freqüentemente descobertos, de modo especial na língua, conforme nos<br />
afirmou BÜNGELER.<br />
Ajuntamos ain<strong>da</strong> – e isso <strong>da</strong>rá idéia <strong>da</strong> freqüência <strong>da</strong> localização<br />
dos bacilos na mucosa bucal – que mesmo no material do pálato duro e<br />
mole aparentemente normais conseguimos evidenciar o “M. leprae” em<br />
quase todos os casos (exame positivo no véu e no pálato: 10 vezes;<br />
positivo no véu e negativo no pálato: uma vêz; negativo no véu e no<br />
pálato: uma vez).<br />
Também na mucosa laringiana dos lepromatosos os bacilos<br />
podem localizar-se, determinando lesões específicas, mormente nos casos<br />
mais avançados. Nos neurais isso não acontece.<br />
Os olhos recebem mui comumente os bacilos, que aí ocasionam o<br />
desenvolvimento de processos lepróticos, cuja importância é muito<br />
grande, tendo em vista a função dêsses órgãos. No entanto, essa<br />
localização bacilar é observa<strong>da</strong> nos lepromatosos, não tendo chegado ao<br />
nosso conhecimento a notícia de exames baciloscópicos positivos nos<br />
doentes neurais, nos quais as manifestações oculares correm por conta <strong>da</strong>s<br />
perturbações neurotróficas.<br />
Sistema nervoso central: Os germes foram evidenciados nos vasos<br />
<strong>da</strong> pia-mater e na medula.<br />
Assinalemos, por fim, que alguns pesquisadores conseguiram<br />
evidenciar os germes nos ovários e pulmões.
CAPÍTULO X<br />
HISTOPATOLOGIA<br />
SUMÁRIO: Infiltrados inflamatórios observados na lepra.<br />
1.°) - Infiltrado de tipo incaracterístico: sua descrição e<br />
localização (pele, nervos, mucosa nasal e gânglios). 2.°) -<br />
Infiltrado de tipo lepromatoso: seus característicos e<br />
localização (pele, nervo, mucosa, olhos, gânglios, fígado,<br />
baço, testículos, medula óssea. Reação leprótica. 3.°) -<br />
Infiltrados de tipo tuberculóide: tipo folicular, sarcóide,<br />
“tuberculóide precoce” e tuberculóide reacional. Nevrite<br />
tuberculóide coliquativa. Localização: pele, nervos,<br />
mucosa nasal e gânglios. Processos degenerativos.<br />
Nos tecidos para ,os quais os bacilos de Hansen têm eletivi<strong>da</strong>de e<br />
onde êles vêm a localizar-se, desenvolvem-se infiltrados inflamatórios<br />
que podem ser de dois tipos:<br />
Infiltrados<br />
1.°– Tipo inflamatório simples ou incaracterístico<br />
1) Lepromatoso<br />
Inflamatórios 2.° – Tipo granulomatoso<br />
2) Tuberculóide<br />
Lembramos sôbre êsses infiltrados que LEWANDOWSKY já os<br />
assinalara com a mesma orientação dos autores modernos, pois distinguia<br />
três formas de reação ao bacilo <strong>da</strong> lepra, denominando-as: granulomatosa,<br />
inflamatória e tuberculóide.<br />
“Apresentam-se à observação na pele e nos nervos, e têm<br />
nesses órgãos aspectos diversos, macroscópica e clinicamente.<br />
Provàvelmente são elas encontradiças também nos outros órgãos.<br />
Essas alterações são, com verossimilhança, encontra<strong>da</strong>s também<br />
nos outros ór-
– 344 –<br />
gãos; nesses, porém, só se acha identifica<strong>da</strong> a forma<br />
granulomatosa; a inflamatória é neles muito insignificante e não<br />
foi identifica<strong>da</strong> como especìficamente leprótira, e a tuberculóide<br />
não pôde ser ain<strong>da</strong> niti<strong>da</strong>mente separa<strong>da</strong> <strong>da</strong> tuberculose”<br />
(LEWANDOWSKY).<br />
Além dos infiltrados inflamatórios, na lepra pode observar-se a<br />
existência de processos degenerativos os quais também serão descritos<br />
neste capítulo.<br />
INFILTRADOS INFLAMATÓRIOS<br />
É sabido que inflamação é a reação do tecido conjuntivo e do<br />
tecido vascular contra uma lesão tissular, podendo ser agu<strong>da</strong> (exsu<strong>da</strong>tiva)<br />
ou crônica (de tipo produtivo). Na lepra, a inflamação é habitualmente<br />
crônica, predominando os processos produtivos; processos exsu<strong>da</strong>tivos,<br />
podem ser freqüentemente observados, e são até característicos, nas<br />
reações eritêmato-nodulares <strong>da</strong> forma lepromatosa.<br />
As células que desempenham papel importante nos infiltrados<br />
lepróticos são os histiócitos, os monócitos e as células adventícias ou<br />
marginais. Pertencem elas ao sistema retículo-endotelial e, embora sendo<br />
diferente a sua morfologia, desempenham idêntica função (fagocitose e<br />
coloração vital). Embora essas proprie<strong>da</strong>des sejam exerci<strong>da</strong>s por tô<strong>da</strong>s as<br />
células humanas, as do sistema retículo-endotelial apresentam-nas<br />
exacerba<strong>da</strong>s e predominantes sôbre as outras.<br />
Na lepra, êsses elementos celulares <strong>da</strong>rão origem às células<br />
epitelióides, constitutivas do infiltrado de tipo tuberculóide, e às assim<br />
chama<strong>da</strong>s células leprosas de Virchow, que resultam <strong>da</strong> transformação do<br />
histiócito pela presença dos bacilos de Hansen em seu interior.<br />
Além dessas células outras podem ser encontra<strong>da</strong>s nos infiltrados<br />
lepróticos como os linfócitos e os plasmócitos e também os leucócitos<br />
neutrófilos, sendo que êstes últimos aparecem nos processos inflamatórios<br />
agudos <strong>da</strong> lepra.<br />
Após essa rápi<strong>da</strong> referência sôbre os elementos celulares que<br />
podem tomar parte na reação tissular aos germes invasores, passaremos<br />
ao estudo dos vários infiltrados que podem ser observados na lepra.
– 345 –<br />
1.°) – INFILTRADO DO TIPO INFLAMATÓRIO SIMPLES OU<br />
INCARACTERÍSTICO<br />
É constituido principalmente por linfócitos, podendo ser<br />
encontrados fibroblastos e células histiocitárias, sendo êsses infiltrados<br />
perivasculares, periglandulares ou, ain<strong>da</strong>, perinevríticos.<br />
Êsse infiltrado inflamatório, como o seu nome indica, é<br />
incaracterístico, podendo ser encontrado em outras afecções cutâneas, de<br />
modo que por si só não permite reconhecer a natureza leprótica <strong>da</strong> lesão<br />
biopsia<strong>da</strong>, a menos que sejam evidenciados os bacilos de Hansen, os<br />
quais são em pequeno número e encontradiços nos filetes nervosos, cujo<br />
comprometimento explica a presença de anestesia na lepride.<br />
Os infiltrados incaracterísticos podem existir como tais desde o seu<br />
aparecimento, ou corresponderem à fase residual dos processos<br />
lepromatosos e tuberculóides. De outro lado, é mister assinalar que êstes<br />
podem resultar de transformações dos infiltrados incaracterísticos quando,<br />
na evolução <strong>da</strong> moléstia, obedecendo ao estado anérgico ou hiperérgico<br />
do individuo doente, se assiste a instalação <strong>da</strong> lepra lepromatosa ou <strong>da</strong><br />
tuberculóide, respectivamente.<br />
Quanto à sua sede, os infiltrados se localizam ao nível <strong>da</strong> pele,<br />
nervos e dos gânglios, não tendo sido evidenciados nos órgãos profundos.<br />
a) Pele: Localizam-se no derma, em tôrno dos vasos, glândulas e<br />
filetes nervosos. Pode observar-se falta de pigmento na epiderme.<br />
b) Nervos: Os infiltrados localizam-se no tecido conjuntivo<br />
interfascicular dos nervos e podem determinar a dissociação e a<br />
destruição <strong>da</strong>s fibras nervosas com o evoluir do processo. Do mesmo<br />
modo que na pele, os infiltrados são paucibacilares ou mesmo não se<br />
consegue evidenciar o “M. leprae”.<br />
Quanto aos filetes nervosos terminais, que se distribuem ao nível<br />
<strong>da</strong>s lesões cutâneas lepróticas, costumam ser invadidos pelos bacilos e<br />
infiltrados, o que se <strong>da</strong>ria por continui<strong>da</strong>de, em virtude <strong>da</strong> estrutura<br />
anatômica <strong>da</strong>s terminações nervosas (GUIZZETTI, citado por GRIECO (177) ).<br />
De acôrdo com êste autor, “ao nível dos últimos ramos dos nervos, o<br />
perinervo está reduzido a uma única e delga<strong>da</strong> lamela, igual à bainha<br />
lamelar que ao longo de tronco nervoso en-
– 346 –<br />
volve as fibras nervosas, e esta mesmo, quando chega às terminações, se<br />
confunde com o tecido conjuntivo difuso do órgão em que a terminação<br />
se acha”.<br />
DEHIO e GERLACH foram os primeiros a estu<strong>da</strong>r êsse<br />
aspecto <strong>da</strong> nevrite, assinalando que ela começa ao nível de uma<br />
lesão cutânea, extremi<strong>da</strong>des periféricas dos nervos, de onde<br />
ascenderia para as suas raizes (nevrite ascendente). Segundo<br />
JEANSELME, que os cita, os nervos podem ser atingidos também<br />
pela via hematogênica.<br />
c) Mucosa nasal: Em trabalho que fizemos juntamente com<br />
CERRUTI, BERTI e M. SOUZA LIMA, ficou evidencia<strong>da</strong> a existência de<br />
infiltrados incaracterísticos na mucosa nasal, os quais em alguns casos<br />
determinavam nevrite e perinevrite, o que explicava a anestesia observa<strong>da</strong><br />
ao nível do septo antes <strong>da</strong> prática <strong>da</strong> biópsia.<br />
d) Gânglios: Podem ser a sede dêsses infiltrados sendo no entanto<br />
difícil a evidenciação dos bacilos.<br />
2.°) – INFILTRADO DE TIPO GRANULOMATOSO LEPROMATOSO<br />
Caracteriza-se por haver pronuncia<strong>da</strong> e difusa infiltração de células<br />
que apresentam seu protoplasma intensa e tipicamente vacuolizado. Essas<br />
células, que se denominam células leprosas de VIRCHOW, apresentam<br />
grandes dimensões, com o núcleo recalcado para a sua periferia, em<br />
conseqüência dos vacúolos que se formam no protoplasma, vacúolos<br />
êsses que contêm ácidos gordurosos e número enorme de bacilos, os quais<br />
se dispõem isola<strong>da</strong>mente ou em globias. São observa<strong>da</strong>s células de tipo<br />
dos fibroblastos, os quais também podem armazenar os bacilos. A<br />
propósito, lembramos que esta proprie<strong>da</strong>de é peculiar aos elementos<br />
celulares do sistema retículo-endotelial, não se observando o “M. leprae”<br />
no interior <strong>da</strong>s outras células tais como os linfócitos, plasmócitos e outras.<br />
Fagocitados os bacilos, as células aumentam de volume e sofrem a<br />
vacuolização, o que se atribue à ação dos germes, que se tornam ca<strong>da</strong> vêz<br />
mais numerosos.<br />
Além dos elementos já mencionados, o infiltrado lepromatoso<br />
apresenta linfócitos, plasmócitos, células epitelióides e mesmo células<br />
gigantes.<br />
Podem ser encontra<strong>da</strong>s células com grandes vacúolos, revesti<strong>da</strong>s<br />
por um sincício, no qual se notam, por conseguinte,
– 347 –<br />
vários núcleos. BÜNGELER considera essa formação como um gigantócito<br />
vacuolizado. É ain<strong>da</strong> de opinião que o aspecto do granuloma leproso é<br />
quase sempre igual ao de um parafinoma, onde se observam vacúolos<br />
revestidos de um sincicio. Isso indica que o granuloma leprótico quase<br />
pode ser considerado como um granuloma por corpo extranho, em que os<br />
bacilos de Hansen são englobados como a parafina, mas não provocam<br />
reação inflamatória pronuncia<strong>da</strong>, o que mostraria a baixa virulência do<br />
bacilo de Hansen.<br />
Gigantócitos do mesmo tipo são encontrados também na lepra<br />
tuberculóide, onde porem não são vacuolizados nem contém bacilos,<br />
sendo diferente o seu significado e resultando <strong>da</strong> fusão de células<br />
epitelióides.<br />
Nos lepromas não se verifica reação inflamatória pronuncia<strong>da</strong>,<br />
pois é anérgico o organismo doente, havendo simbiose dos bacilos com os<br />
elementos celulares, sendo relativamente pouco intensos os <strong>da</strong>nos que<br />
reciprocamente êles determinam.<br />
Êsse fato fôra assinalado por JADASSOHN, referindo êle, que<br />
“os bacilos não se nutrem à custa <strong>da</strong>s células, porem dos princípios<br />
que elas secretam – há portanto uma espécie de simbiose”.<br />
Segundo êsse mesmo autor, “os macrófagos cheios de massas<br />
bacilares perdem os movimentos, rompem-se e os bacilos<br />
libertados são novamente fagocitados por outras células. As<br />
células contendo poucos bacilos emigram, transportando-os para<br />
outros pontos”.<br />
Quanto aos bacilos fagocitados, êles também vêm a sofrer<br />
transformações, considera<strong>da</strong>s como sendo de natureza<br />
degenerativa, o que indicaria que as células não os abrigam apenas<br />
passivamente.<br />
Ain<strong>da</strong> de acôrdo com JADASSOHN “a existência de células<br />
recheia<strong>da</strong>s de bacilos, sem que êles a matem ràpi<strong>da</strong>mente,<br />
testemunha sobretudo a insignificante toxici<strong>da</strong>de do germe;<br />
entretanto ela não pode ser nega<strong>da</strong>... Impõe-se-nos como efeito<br />
tóxico, entre as alterações produzi<strong>da</strong>s pelos bacilos <strong>da</strong> lepra nos<br />
pontos em que se localizam (abstraindo-se as alterações<br />
inflamatórias vasculares): a vacuolização <strong>da</strong>s células, a necrose<br />
dos focos tuberculóides e mesmo tuberculosos”.<br />
Ajuntemos que os lepromas antigos em geral apresentam número<br />
muito maior de fibroblastos, ao passo que nas infil-
– 348 –<br />
trações lepromatosas recentes são mais numerosas as células de<br />
VIRCHOW.<br />
BÜNGELER referiu-nos a existência de casos que apresentavam<br />
clinicamente máculas anestésicas e à histopatologia alterações discretas,<br />
que não permitiam o diagnóstico de lesão leprótica, o qual podia ser<br />
firmado apenas pela evidenciação dos bacilos de Hansen no exame<br />
bacterioscópico. A presença de algumas células de Virchow não justifica<br />
o diagnóstico de lepra, porque elas podem ser encontra<strong>da</strong>s em outros<br />
processos; sem a positivi<strong>da</strong>de do exame bacterioscópico dever-se-ia falar<br />
em processo inflamatório inespecífico.<br />
Lembramos, a propósito, que nas lâminas cora<strong>da</strong>s pelo<br />
Ziehl-Neelsen, no citoplasma <strong>da</strong>s células <strong>da</strong>s glândulas sudoríparas<br />
muito freqüentemente se encontram granulações ácido-resistentes<br />
de natureza secretória, as quais poderiam ser confundi<strong>da</strong>s com<br />
bacilos pelo observador pouco avisado.<br />
Para terminar nossa rápi<strong>da</strong> descrição do processo lepromatoso,<br />
devemos assinalar a recente contribuição de SOUZA e ALAYON sôbre a<br />
presença de lipídios nas lesões cutâneas de lepra. Utilizando-se <strong>da</strong><br />
coloração pelo escarlate R. hematoxilina, observaram que no granuloma<br />
lepromatoso há lipídios em eleva<strong>da</strong> percentagem de casos (83,6%),<br />
enquanto no granuloma tuberculóide própriamente dito não foi encontra<strong>da</strong><br />
gordura nas infiltrações. Essa pesquisa foi positiva em um terço dos casos<br />
“incaracterísticos” (neuro-maculares simples).<br />
Ain<strong>da</strong> segundo SOUZA e ALAYON:<br />
A vacuolização dos elementos celulares no granuloma<br />
tuberculóide em reação, é realmente produzido por um edema,<br />
como já se vinha admitindo”. Nos casos de granuloma<br />
tuberculóides em reação, a gordura, embora presente, tem<br />
características morfológicas bem diversas <strong>da</strong>s que se observam na<br />
lepra lepromatosa, o que facilitou aos AA. dêsse trabalho o<br />
diagnóstico diferencial em alguns casos difíceis. Como, no<br />
entanto, não puderam dispor de maior número de casos dêste tipo,<br />
os AA. não se acham autorizados a concluir que a adoção do<br />
método de coloração pelo Escarlate R. venha constituir seguro e<br />
constante meio de diagnóstico diferencial entre a referi<strong>da</strong> lesão e<br />
certos infiltrados de natureza lepromatosa”.
– 349 –<br />
Localização dos infiltrados lepromatosos: Descrevemos em linhas<br />
gerais êsses infiltrados, sendo agora interessante focalizar, também<br />
ràpi<strong>da</strong>mente, os aspectos de sua localização nos vários tecidos:<br />
Pele: O infiltrado lepromatoso localiza-se no derma, podendo<br />
invadir também o hipoderma. Em seu crescimento para a superfície <strong>da</strong><br />
pele, o corpo papilar pode ser invadido e então verifica-se o<br />
desaparecimento <strong>da</strong>s papilas e com isso torna-se achata<strong>da</strong> a epiderme, por<br />
atrofia secundária. Ao lado desta atrofia do epitélio, há sinais de<br />
regeneração hiperplástica do mesmo, que, em alguns casos, segundo<br />
MARTINS DE CASTRO, pode formar tumores.<br />
Deve-se notar que a despeito do leproma se estender até a<br />
epiderme, determinando a atrofia <strong>da</strong>s papilas, encontra-se habitualmente<br />
uma faixa de tecido hialinizado, livre de lesões, entre o epitélio e o córion,<br />
como que a limitar a extensão do processo lepromatoso para a epiderme,<br />
que no entanto em alguns pode ser invadi<strong>da</strong> e tornar-se sede de ulceração.<br />
Note-se, a respeito, que os bacilos <strong>da</strong> lepra, embora se disponham<br />
predominantemente nos lepromas, às vêzes podem ser encontrados<br />
também no epitélio, mas comumente pouco numerosos, situando-se entre<br />
as células epiteliais e nos leucócitos imigrados através <strong>da</strong> epiderme. Tais<br />
foram os achados de alguns autores, referidos por JADASSOHN, o qual<br />
ain<strong>da</strong> nos menciona BABES, HABEL e KLINGMÜLLER, que chegaram<br />
mesmo a evidenciar os bacilos num ou noutro ponto <strong>da</strong> cama<strong>da</strong> córnea.<br />
Os órgãos anexos <strong>da</strong> pele, em geral, são invadidos, muitas vêzes<br />
de maneira precoce, e o estudo dessas localizações é interessante porque<br />
permite explicar o porquê de certos achados do exame clínico, que se<br />
revestem de marca<strong>da</strong> importância diagnóstica.<br />
Os folículos pilosos são cercados pelo processo lepromatoso, que<br />
acaba por determinar a atrofia do bulbo e a que<strong>da</strong> dos pêlos. Daí a<br />
alopécia parcial, sub-total ou mesmo total, observa<strong>da</strong> nas lesões cutâneas,<br />
dependendo <strong>da</strong> intensi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> infiltração assim como <strong>da</strong> sua antigui<strong>da</strong>de.<br />
As glândulas sudoríparas e sebáceas também são envoltas pelo<br />
processo lepromatoso, que em lapso variável de tempo acaba por destruílas,<br />
resultando os distúrbios <strong>da</strong> sudorese ao nível <strong>da</strong>s lesões<br />
dermatológicas, perturbações essas que são bem conheci<strong>da</strong>s do<br />
especialista e mesmo do doente.
– 350 –<br />
Os filetes nervosos em geral são invadidos precocemente e sendo<br />
destrui<strong>da</strong>s as suas fibrilas, assim como podem ser alterados ou destruidos<br />
os corpúsculos de Meissner e de Paccini. Resultam, então, distúrbios <strong>da</strong><br />
sensibili<strong>da</strong>de superficial, cuja importância no diagnóstico puramente<br />
clínico <strong>da</strong> lepra é geralmente relevante.<br />
Ajuntemos ain<strong>da</strong> que podem ser observados infiltrados<br />
perivasculares, anotando-se que pelos vasos é que os bacilos costumam<br />
atingir o derma, em virtude <strong>da</strong> disseminação hematogênica.<br />
Mucosas: O infiltrado tem as mesmas características já descritas<br />
para o lado <strong>da</strong> pele e, segundo JADASSOHN, observa-se também nas<br />
mucosas e zona livre subepitelial, sendo superficial a infiltração na<br />
maioria dos casos. É comum a destruição dos vasos, e isso explicaria a<br />
palidez <strong>da</strong>s mucosas, freqüentemente observa<strong>da</strong> ao exame especializado<br />
<strong>da</strong>s mesmas. Os nervos são bastante afetados.<br />
Na mucosa nasal o processo lepromatoso costuma localizar-se no<br />
septo, sendo mais intenso na sua parte anterior. O derma é tomado,<br />
podendo o infiltrado estender-se <strong>da</strong> mucosa ao pericôndrio. Em trabalho<br />
que fizemos em colaboração com CERRUTI, BERTI e M. SOUZA LIMA,<br />
observou-se freqüentemente uma pericondrite que na maioria dos casos<br />
era de natureza específica; no exame do material de 27 necropsias, não foi<br />
observado qualquer processo inflamatório específico ou degenerativo, que<br />
pudesse esclarecer a patogenia <strong>da</strong> perfuração do septo nasal.<br />
Sôbre êste ponto devemos assinalar que, segundo<br />
JEANSELME, a cartilagem desapareceria por reabsorção, pois nunca<br />
observara eliminação de sequestros cartilaginosos. Para<br />
BELOWIDOW as perfurações são de natureza trófica e JADASSOHN<br />
assinala que as cartilagens do nariz e também do pavilhão <strong>da</strong><br />
orelha e laringe, podem ser invadi<strong>da</strong>s pela lepra.<br />
Ain<strong>da</strong> nesse material de estudo, não foi verificado caso algum com<br />
lesões osteoperiostais.<br />
Na mucosa bucal o pálato mole e o duro são invadidos muito<br />
freqüentemente, o mesmo sucedendo com a língua, na qual o infiltrado<br />
lepromatoso se desenvolve também em profundi<strong>da</strong>de, dissociando os<br />
músculos. O faringe pode ser sede do processo.
– 351 –<br />
Na laringe o processo costuma localizar-se na epiglote, na mucosa<br />
subglótica e mesmo na traquéia, podendo estender-se do epitélio até o<br />
pericôndrio e a cartilagem.<br />
Nervos: O infiltrado lepromatoso desenvolve-se no tecido<br />
conjuntivo interfascicular, dissociando as fibras nervosas, que, pela<br />
compressão, acabam por ser destrui<strong>da</strong>s. Nessa nevrite intersticial<br />
lepromatosa os bacilos são muito numerosos, como ocorre na pele e nas<br />
mucosas, em contraste com o processo de nevrite produzi<strong>da</strong> pelos<br />
infiltrados incaracterísticos e tuberculóides.<br />
Note-se, ain<strong>da</strong>, que devido ao processo de nevrite, na qual se<br />
estabelece também intensa esclerose, os nervos tornam-se espessados,<br />
mais consistentes e podem apresentar modificações de sua forma, o que é<br />
característico <strong>da</strong> nevrite hanseniana, diferenciando-a dos outros processos<br />
nevríticos.<br />
Já indicámos em linhas anteriores o modo pelo qual se <strong>da</strong>ria o<br />
comprometimento dos filetes nervosos terminais, ao nível <strong>da</strong>s lesões<br />
cutâneas, sendo que no processo lepromatoso a invasão se realiza de<br />
modo idêntico.<br />
Olhos: O infiltrado lepromatoso invade a esclerótica, episclera,<br />
corpo ciliar e iris, determinando lesões que comprometem seriamente a<br />
visão, podendo conduzir à cegueira.<br />
Gânglios: Muitos gânglios são invadidos pelo processo<br />
inflamatório desde o início <strong>da</strong> infecção, tornando-se enfartados. A<br />
princípio é toma<strong>da</strong> a periferia dos gânglios e, em segui<strong>da</strong>, os seios<br />
linfáticos, alterando-se a sua estrutura. De acôrdo com os exames de<br />
(226)<br />
KOBAYASHI alguns gânglios são comprometidos com maior<br />
freqüência do que os outros, conforme se verificará pelas seguintes cifras:<br />
gânglios axilares em 76,7 % dos casos; epitrocleanos: 75 %; crurais: 71,7<br />
%; inguinais e cervicais: 70 %; retroperitoniais: 24,4 %; mesentéricos: 15<br />
% e tráqueo-brônquicos: 13,3 %. E' pois evidente que certos grupos<br />
ganglionares são mais comumente afetados que os outros, notando-se que<br />
isso ocorre justamente com os gânglios que recebem a linfa do tegumento<br />
cutâneo e <strong>da</strong>s mucosas nasal e ocular, por onde poderia ter-se <strong>da</strong>do a<br />
penetração dos germes que determinaram a infecção e onde se localizam<br />
as manifestações lepróticas que permitem o diagnóstico clínico <strong>da</strong> lepra.
– 352 –<br />
Fígado: Em 69 doentes lepromatosos que tivemos ocasião de<br />
autopsiar foi evidencia<strong>da</strong> a estrutura lepromatosa em 95,7 % dos casos.<br />
De acôrdo com os exames feitos nesse material por BÜNGELER e<br />
ALAYON, modificam-se as células endoteliais, situa<strong>da</strong>s entre as trabéculas<br />
hepáticas, tornando-se maiores e podendo até formar granulomas <strong>da</strong><br />
íntima. Outra alteração típica é a proliferação <strong>da</strong> adventícia dos ramos <strong>da</strong><br />
veia porta, em que as células de Virchow podem ser tão numerosas a<br />
ponto de constituir um manguito em tôrno do vaso. Quando é grande o<br />
número de vasos comprometidos pode manifestar-se o quadro <strong>da</strong> cirrose<br />
lepromatosa, a qual começa nos espaços periportais e avança no interior<br />
dos lóbulos, ao tomar os capilares que ficam entre as trabéculas.<br />
Ain<strong>da</strong> segundo êsses autores, todos os casos avançados de lepra<br />
lepromatosa apresentam sinais de induração lepromatosa, sendo no<br />
entanto rara a cirrose hepática, que seria secundária a um processo<br />
inflamatório crônico (hepatite), diversamente do que ocorre com a cirrose<br />
de Laennec, em que ela se estabelece após degeneração do tecido hepático<br />
(hepatose).<br />
A não ser nos casos de cirrose, as células hepáticas conservam-se<br />
normais, e mesmo naquelas condições, graças ao seu poder de<br />
regeneração e de vicariação funcional, as suas funções são pouco<br />
perturba<strong>da</strong>s.<br />
Baço: E' outro órgão comumente tomado pelo processo<br />
lepromatoso, conforme os estudos de numerosos autores e os nossos, em<br />
várias dezenas de necrópsias que pudemos praticar.<br />
A estrutura do baço é altera<strong>da</strong>, e os infiltrados nos quais se<br />
encontram células de Virchow em estádios diferentes de sua evolução –<br />
podem dispor-se na periferia do órgão, sendo porém abun<strong>da</strong>ntes nos seios<br />
venosos e folículos de Malpighi, que chegam a ser destruidos em muitos<br />
casos. Os bacilos são muito numerosos, podendo-se evidenciá-los nos<br />
cortes histopatológicos e mesmo no material de punção do baço,<br />
conforme nossa comprovação em doentes desta forma de moléstia.<br />
Testículos: Também êles são atingidos muito freqüentemente,<br />
sendo invadido o tecido conjuntivo intersticial, do que resulta a ulterior<br />
destruição do parênquima testicular. A orqui-epididimite poderia<br />
estabelecer-se precocemente e
“<br />
Infiltrado do tipo tuberculóide (estrutura nodular) <strong>da</strong> mucosa nasal.<br />
Notar as células epitelióides em disposição mais ou menos radia<strong>da</strong>.<br />
Coloração: hematoxilina e eosina. 170 x.<br />
(Pesquisa de bacilos: +)”. (Cerruti).<br />
“Infiltrado do tipo tuberculóide <strong>da</strong> zona de transição <strong>da</strong> mucosa nasal,<br />
com fenômenos reacionais. Coloração: hematoxilina e eosina.<br />
270 x. (Pesquisa de bacilos: + + + +)”. (Cerruti).
Granuloma tuberculóide na mucosa nasal. (Cerruti).<br />
Lepra tuberculóide. Necrose fibrinóide. (Büngeler)
– 353 –<br />
os bacilos são evidenciados com facili<strong>da</strong>de, mesmo no material de punção<br />
do órgão, conforme os trabalhos de KOBAYASHI, já assinalados por nós.<br />
Medula óssea: Pela sua especial constituição anatômica, a<br />
medula óssea retem habitualmente os bacilos, podendo formar-se nódulos<br />
lepróticos, conforme o descreveram muitos autores.<br />
Alguns autores assinalaram a existência de processos lepróticos<br />
pulmonares, os quais porém não foram evidenciados por outros<br />
estudiosos.<br />
Assinalemos, por fim, que os bacilos <strong>da</strong> lepra podem ser<br />
encontrados em mais alguns órgãos, mas nestes não se individuaria o<br />
típico infiltrado lepromatoso, como ocorre nas estruturas que acabámos de<br />
estu<strong>da</strong>r.<br />
Antes de terminar as nossas considerações sôbre o infiltrado<br />
lepromatoso, vamos abor<strong>da</strong>r ràpi<strong>da</strong>mente as reações tissulares que se<br />
observam durante a reação leprótica.<br />
Reação leprótica:<br />
Os nódulos eritematososo que surgem em geral acompanhados de<br />
elevação <strong>da</strong> temperatura e de outros distúrbios clínicos, via de regra se<br />
instalam em área do tegumento anteriormente sede de processo<br />
lepromatoso, discreto ou evidente segundo os casos.<br />
Nos nódulos de reativação <strong>da</strong> reação leprótica verifica-se, em tôrno<br />
de antigo leproma, inflamação perifocal agu<strong>da</strong> e inespecífica, em que os<br />
polimorfonucleares são muito numerosos. Note-se, neste sentido, que a<br />
infiltração de polimorfonucleares em geral não é nota<strong>da</strong> nos processos<br />
lepromatosos em quiescência e sim nos reativados, quando também os<br />
vasos se tornam fortemente dilatados.<br />
A histopatologia dos elementos cutâneos reacionais foi descrita<br />
(391)<br />
por PORTUGAL, citado por ROSA, A. F. e A. F. MARTINS DE<br />
CASTRO, ( 90 ) em trabalhos recentes.<br />
De acôrdo com a descrição de PORTUGAL: “as lesões <strong>da</strong><br />
reação leprótica apresentam-se ao exame histopatológico com<br />
aspecto de um processo inflamatório exsu<strong>da</strong>tivo, de evolução<br />
muito rápi<strong>da</strong>. As que observamos mais precocemente <strong>da</strong>tavam de<br />
três dias, tendo já completa a sua sintomatologia clínica. Nelas<br />
verificamos que o processo se assentava de preferência no corpo<br />
papilar e consistia inicialmente em intensa dilatação.<br />
F. – 23
– 354 –<br />
vascular segui<strong>da</strong> de exoserose e exocitose, esta última muito<br />
modera<strong>da</strong>... Note-se, logo no início, a presença de leucócitos<br />
neutrófilos em número de 1 a 3 para ca<strong>da</strong> caso. Os outros são<br />
histiócitos e linfócitos, em número ligeiramente maior do que o<br />
encontrado na adventícia dêsses vasos. Os bacilos encontram-se aí<br />
constantemente, porém em número reduzido... Quase todos os<br />
bacilos encontrados têm aspecto granuloso”.<br />
“Todos êsses fenômenos têm a duração de dias, tendendo<br />
ao completo desaparecimento...”.<br />
“Com grande freqüência observam-se as lesões de reação<br />
leprosa assentarem-se sôbre antigas lesões lepromatosas. Vê -se,<br />
nesses casos, a associação de pequenos focos de leucócitos<br />
contendo células de Virchow já bem constitui<strong>da</strong>s. Estes últimos<br />
elementos não são contemporâneos dos outros mas anteriores à<br />
reação em causa. Habitualmente, na parte profun<strong>da</strong>, a infiltração<br />
lepromatosa está mais niti<strong>da</strong>mente constitui<strong>da</strong>. A reação<br />
exsu<strong>da</strong>tiva na lepra é própria <strong>da</strong>s lesões agu<strong>da</strong>s iniciais ou <strong>da</strong>s que<br />
ocorrem nos surtos agudos, durante a evolução <strong>da</strong> doença...”<br />
Em trabalho recentemente publicado, ABÍLIO F. MARTINS<br />
DE CASTRO estabelece “que a reação leprótica se caracteriza por<br />
uma infiltração agu<strong>da</strong>, inespecífica, passageira, de lesões<br />
lepromatosas pre-existentes, muitas vezes inaparentes<br />
clinicamente”.<br />
3.º – INFILTRADO DE TIPO GRANULOMATOSO<br />
TUBERCULÓIDE<br />
O infiltrado tuberculóide é característico <strong>da</strong>s inflamações<br />
hiperérgicas, que podem ser observa<strong>da</strong>s não só na lepra, como na<br />
tuberculose, reumatismo poliarticular (onde recebem o nome de nódulos<br />
de Aschoff), sífilis e outras afecções.<br />
Na formação de um foco tuberculóide há primeiramente<br />
degeneração e necrose fibrinóide <strong>da</strong>s fibrilas conjuntivas. Em segui<strong>da</strong><br />
verifica-se ativação dos elementos do sistema retículo-endotelial, havendo<br />
mobilização <strong>da</strong>s células adventicias dos vasos e dos macrófagos do tecido<br />
conjuntivo, que imigram para o foco necrotizado. Observa-se, depois a<br />
reparação e organização dêsse foco, transfor-mando-se aqueles elementos<br />
em células epitelióides.<br />
A constituição do infiltrado tuberculóide faz-se, pois, à custa do<br />
sistema retículo-endotelial e constitui êle uma
– 355 –<br />
reação hiperérgica do organismo, que possuindo eleva<strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de<br />
reativa opõe-se à invasão dos bacilos <strong>da</strong> lepra, acabando por destruí-los.<br />
Anotemos que os infiltrados tuberculóides mereceram estudos<br />
meticulosos dos autores nacionais, destacando-se PORTUGAL e RABELLO,<br />
que baseando-se em copioso material, contribuiram para que se<br />
estabelecesse em bases mais seguras o quadro <strong>da</strong> lepra tuberculóide.<br />
Os seguintes aspectos tuberculóides podem ser verificados nos<br />
exames histopatológicos:<br />
I– Tipo folicular: Apresenta-se com aspecto semelhante ao do<br />
folículo tuberculoso, constituído, portanto, por aglomerado de células<br />
epitelióides, entre as quais se encontram células gigantes, cercado por um<br />
manguito de células linfocitárias.<br />
De acôrdo com os exames praticados em 150 casos, PORTUGAL<br />
(363)<br />
refere que “êsse aspecto, mais freqüente nos casos europeus, é entre<br />
nós muito raro...”<br />
E’ mister assinalar as restrições que atualmente se fazem à<br />
consideração dêste aspecto histológico como um tipo especial <strong>da</strong> estrutura<br />
tuberculóide. Citemos, por exemplo, que RABELLO (372) assim se manifesta<br />
sôbre o assunto, após descrever os característicos do infiltrado folicular:<br />
“Não obstante êsses caracteres, acreditamos atualmente difícil aceitar êste<br />
aspecto estrutural como um tipo diferenciado <strong>da</strong> reação específica. Entre<br />
outros motivos: porque êsse aspecto pode coincidir no mesmo preparado<br />
com a típica citologia sarcoídica, porque ain<strong>da</strong> muito freqüentemente êsse<br />
aspecto inclue focos de tumefação fibrinóide, e a laxidão caracteristica do<br />
quadro histológico <strong>da</strong> reação”.<br />
Ajuntemos, ain<strong>da</strong>, que a Comissão Julgadora desta monografia<br />
“sugere que a lesão folicular é, em geral, um acidente do tipo sarcóide”.<br />
II – Tipo sarcóide: E’ constituido quase exclusivamente de<br />
células epitelióides com seus núcleos vesiculosos, encurvados, colocandose<br />
elas umas ao lado <strong>da</strong>s outras (<strong>da</strong>í a designação de “epitelióides”). O<br />
característico manguito linfocitário, típico do folículo tuberculóide, faz<br />
falta no infiltrado de tipo sarcóide, que por isso entra diretamente em<br />
contacto com o tecido colágeno circunvizinho. Da mesma maneira, não é<br />
hábito encontrar-se os gigantócitos, os quais, quando presentes, são muito<br />
raros.
– 356 –<br />
Segundo PORTUGAL, o tipo sarcóide é o mais encontrado em nosso<br />
meio. Êsse mesmo autor ao assinalar a rari<strong>da</strong>de do tipo folicular entre nós,<br />
acentua que freqüentemente se observa um desvio dêste último tipo, sob<br />
forma de transição com o sarcóide. Nesses casos, “o granuloma perde a<br />
disposição de focos arredon<strong>da</strong>dos e toma o aspecto de grilhões ou cordões<br />
oblíquos, na constituição dos quais se observam células epitelióides de<br />
permeio com numerosas células gigantes e um contôrno linfocitário<br />
periférico”.<br />
A êsse respeito lembramos ain<strong>da</strong> que ALAYON e SOUSA (8)<br />
externam parecer mais ou menos idêntico ao de PORTUGAL, escrevendo<br />
“que as formas de passagem de um tipo para outro ou mesmo de<br />
combinação entre tipos diversos, são freqüentes e constituem, talvez, a<br />
maioria”.<br />
III – Tipo tuberculóide precoce: Por JADASSOHN, RABELLO, e<br />
nestes últimos anos, por Wade, foi descrito um infiltrado discretamente<br />
folicular, constituido por raras células gigantes e epitelióides, cerca<strong>da</strong>s<br />
por linfócitos na periferia. Seria êle uma transição do infiltrado<br />
incaracterístico para o tuberculóide – correspondendo clinicamente a<br />
máculas discrômicas com ligeira infiltração ou mesmo planas – e que veio<br />
a ser denominado de “pré-tuberculóide” (cit. por PORTUGAL).<br />
A existência dêsses infiltrados não é discuti<strong>da</strong>, havendo porém<br />
discordância quanto à expressão pela qual é conheci<strong>da</strong>. Segundo ALAYON<br />
e SOUSA, “para que a denominação “pré-tuberculóide” (“pregiant-cell<br />
stange”, de WADE) fosse aceitável, seria preciso demonstrar, de modo<br />
cabal, que tô<strong>da</strong>s essas lesões evoluem inexorávelmente para o granuloma<br />
tuberculóide. Ora, isto parece nem sempre acontecer, pois em casos<br />
estu<strong>da</strong>dos clinica e histológicamente por LAURO SOUSA LIMA e F. L.<br />
ALAYON, ficou verificado que tais lesões podem evoluir ora em sentido<br />
tuberculóide, ora em sentido lepromatoso”.<br />
Tomando por base seus estudos e as observações de BÜNGELER e<br />
FERNANDEZ, RABELLO propõe substituir a expressão “pré-tuberculóide”,<br />
que é sujeita a criticas, por outra mais exata e que é a de “precoce”. E<br />
assinala o seguinte: “do ponto de vista evolutivo sabemos, segundo nos<br />
foi revelado por BÜNGELER e FERNANDEZ, que essas alterações precoces<br />
preludiam em geral o desenvolvimento integral <strong>da</strong>s estruturas nodulares”.<br />
Restaria determinar, porém, com observações de longo curso, se no futuro<br />
os portadores dessas
– 357 –<br />
lesões “precoces” se conduzem sempre de acôrdo com o verificado em<br />
condições experimentais. Não nos parece impossível, atendendo às<br />
possíveis mu<strong>da</strong>nças de forma clínica, que as alterações “precoces”<br />
acusem uma certa labili<strong>da</strong>de, de sorte a desaparecerem totalmente e serem<br />
substitui<strong>da</strong>s por um tecido lepromatoso”.<br />
Em virtude dêsses comentários, é que ao assinalarmos a existência<br />
dos infiltrados descritos adotámos a denominação “tuberculóide precoce”,<br />
que embora proposta sob certas restrições, é a que no momento presente,<br />
nos pareceu mais oportuna.<br />
IV – Tipo tuberculóide reacional: A descrição dêste infiltrado tem<br />
sido feita nos últimos anos, merecendo a atenção de WADE e dos autores<br />
sul-americanos. De acôrdo com ALAYON e SOUSA podemos anotar as<br />
seguintes particulari<strong>da</strong>des sôbre o quadro histológico <strong>da</strong> lepra<br />
tuberculóide reacional em sua fase agu<strong>da</strong>: “hiperemia e edema,<br />
vacuolização mais ou menos acentua<strong>da</strong> dos elementos epitelióides, certo<br />
afrouxamento <strong>da</strong>s estruturas foliculares pelo edema intersticial, infiltração<br />
linfocitária difusa de grau variável, infiltração eventual por<br />
polimorfonucleares, necroses fibrinóides recentes, algumas vêzes<br />
observáveis, tumefação endotelial, bacilos quase sempre presentes (via de<br />
regra em número elevado)”.<br />
Achamos interessante reproduzir parte do resumo do<br />
trabalho de BÜNGELER e FERNANDEZ,<br />
(77) sendo o estudo<br />
histopatológico <strong>da</strong> lepra tuberculóide reacional baseado em mais<br />
de duas centenas de biópsias, que permitiam acompanhar as<br />
diferentes etapas do processo:<br />
“As reações novas perifocais que se instalam ao redor do<br />
foco tuberculóide antigo, mostram o mesmo aspecto histológico<br />
que as lesões que se observam na pele anteriormente sã. São<br />
caracteriza<strong>da</strong>s por um acentuado edema <strong>da</strong> pele, grande hiperemia,<br />
especialmente ao nível do corpo papilar e por infiltrados de células<br />
redon<strong>da</strong>s, difusas ou focais, em disposição perivascular,<br />
periglandular, perineural e perifolicular. Na intimi<strong>da</strong>de dêstes<br />
infiltrados produz-se uma degeneração muito típica do tecido<br />
conjuntivo, a qual se observa preferentemente na vizinhança<br />
imediata dos vasos medianos (na adventicia dêstes) porém, além<br />
desta localização, no tecido conjuntivo laxo e fibrilar do corpo<br />
papilar e corion. Esta degeneração do tecido conectivo aparece
– 358 –<br />
em forma focal ou nodular com um particular edema mucoso,<br />
chegando até à degeneração e necrose fibrinóide já descritas nas<br />
enfermi<strong>da</strong>des alérgicas, por ROESSLE, GERLACH, KLINGE e outros.<br />
Estas alterações em suas fases mais avança<strong>da</strong>s são<br />
acompanha<strong>da</strong>s de uma franca mobilização de elementos<br />
histiocitários, chegando finalmente a uma completa organização<br />
nodular à base de células epitelióides. Segundo nossas<br />
observações, o pequeno nódulo de células epitelióides, típico <strong>da</strong><br />
lepra tuberculóide, constitúi a fase final de uma reação<br />
tuberculóide. Nas alterações provoca<strong>da</strong>s por reações novas,<br />
recentes, especialmente, na etapa de degeneração mucosa e<br />
fibrinóide do tecido conectivo é possível pôr em evidência nos<br />
focos, mediante o emprêgo <strong>da</strong> coloração pelo método de Ziehl)<br />
bastonetes ácido-resistentes, os quais quase sempre evidenciam<br />
alterações degenerativas francas (menor afini<strong>da</strong>de pelos corantes,<br />
desintegração granulosa e resolução em massas amorfas<br />
fracamente ácido-resistentes). Os focos antigos, ao contrário,<br />
aqueles que no curso de sua evolução chegaram ao estado de<br />
pequenos nódulos de células epitelióides, já não apresentam<br />
bacilos, razão porque podemos considerar o pequeno nódulo<br />
completamente evolucionado como uma etapa de regressão do<br />
processo”.<br />
V – Além dos infiltrados já referidos, pode observar-se nos<br />
nervos um processo de necrose caseosa, denomina<strong>da</strong> “nevrite<br />
tuberculóide coliquativa” por RABELLO, “tumefação caseosa dos nervos”<br />
por SOUSA CAMPOS,<br />
(88) “nevrite hanseniana tuberculóide com<br />
caseificação e ulceração” (GRIECO, 176 ) e que é muito conhecido na<br />
literatura com o nome de “abcesso de nervo”.<br />
Nestes casos, que são raros, o granuloma tuberculóide que se<br />
desenvolve nos nervos vem a sofrer uma necrose caseosa idêntica à que se<br />
verifica em certos processos tuberculosos e sifilíticos; células histiocitárias<br />
numerosas e também as de tipo Langhans dispõem-se em torno <strong>da</strong><br />
área de caseose, o mesmo sucedendo com os elementos linfocitários, que<br />
em número elevadíssimo tomam parte no infiltrado. Em conseqüência do<br />
processo de caseose, as fibras nervosas vêm a ser intensamente destrui<strong>da</strong>s.<br />
Bacterioscopia dos infiltrados tuberculóides: Nos cortes<br />
histológicos os bacilos podem ser descobertos com faci-
– 359 –<br />
li<strong>da</strong>de na fase agu<strong>da</strong> dos processos reacionais. As lesões quiescentes<br />
havia unanimi<strong>da</strong>de em considerá-las como abacilares ou paucibacilares.<br />
Recentemente, usando métodos especiais de coloração, alguns autores<br />
têm evidenciado os bacilos, embora em pequeno número, em eleva<strong>da</strong><br />
percentagem de casos.<br />
E’ assim que LOWE (cit. por ALAYON e SOUSA) conseguiu<br />
demonstrar poucos bacilos em mais de 60% <strong>da</strong>s biópsias. Também<br />
ALAYON e SOUSA pensam que seja efetivamente grande o número<br />
de casos em que as lesões são habita<strong>da</strong>s; assinalam êles que “em<br />
250 casos, retirados ao azar do nosso arquivo, cujos diagnósticos<br />
histológicos variavam <strong>da</strong> infiltração inflamatória crônica com<br />
formação de estruturas nodulares até o típico granuloma de<br />
estrutura tuberculóide, um exame cui<strong>da</strong>doso de, em média, 3<br />
cortes para ca<strong>da</strong> caso, corados pelo Ziehl-Neelsen (segundo<br />
modificação de FARACO), nos permitiram encontrar o bacilo, em<br />
geral em pequeno número, em 42% dos casos”.<br />
“...Considerando que três ou quatro cortes examinados<br />
bacterioscòpicamente representam uma fração mínima do<br />
granuloma e que, mesmo assim, verificámos 42% de casos<br />
positivos, é de se presumir que, efetivamente, a presença do bacilo<br />
na lesão tuberculóide seja bem mais freqüente do que geralmente<br />
se supõe”.<br />
O fato é que, embora possa demonstrar-se em eleva<strong>da</strong> freqüência a<br />
presença de bacilos nos infiltrados tuberculóides, o seu número é pequeno<br />
e <strong>da</strong>í ser marcante o contraste com as lesões lepromatosas, que são<br />
riquíssimas em germes.<br />
Localização dos infiltrados tuberculóides: A sua localização<br />
habitual é na pele e nos nervos, discutindo-se a sua existência em órgãos<br />
profundos.<br />
Pele: O processo tuberculóide localiza-se no corpo papilar e<br />
derma, estendendo-se raramente para o hipoderma. Desenvolvem-se,<br />
como os infiltrados lepromatoso e incaracteristico, em tôrno dos vasos,<br />
glândulas sudoríparas, folículos pilosos e filetes nervosos terminais. A<br />
propósito dêstes últimos, ajuntemos que PORTUGAL considera raro o<br />
comprometimento dos nervos cutâneos, enquanto, em seu material,<br />
ALAYON e SOUSA referem ter observado “com freqüência as lesões de<br />
filetes nervosos cutâneos, ora sob a
– 360 –<br />
forma de uma nevrite intersticial, ora sob o de uma perinevrite”. “Outras<br />
vêzes encontrámos”, dizem êles, “no interior dos infiltrados subcutâneos,<br />
apenas restos de filetes nervosos, o que torna razoável a opinião de<br />
DARIER sôbre a ausência dêstes elementos nas lesões tuberculóides, por se<br />
ter processado a destruição dos mesmos. Devemos acrescentar que ao<br />
exame bacterioscópico, temos encontrado com grande freqüência bacilos<br />
de Hansen no interior de filetes nervosos aparentemente indenes”.<br />
Nervos: Nos nervos produz-se nevrite intersticial e pode observarse,<br />
embora raramente, a nevrite tuberculóide coliquativa.<br />
Mucosa nasal: Em alguns doentes, nos quais essa mucosa não<br />
apresentava alterações dignas de reparo, juntamente com CERRUTI,BERTI<br />
e M. SOUZA LIMA pudemos observar a existência de infiltrados<br />
tuberculóides nos cortes histológicos. Esse achado é interessante e até<br />
agora não merecera, ao que parece, a atenção dos leprólogos, sendo que<br />
alguns dos pacientes apresentavam distúrbios <strong>da</strong> sensibili<strong>da</strong>de térmica ao<br />
nível do septo.<br />
Lesões viscerais e ósseas: O estudo dos processos tuberculóides,<br />
eventualmente presentes nos órgãos profundos, ain<strong>da</strong> não pôde ser feito<br />
de maneira extensiva; isso porque os casos tuberculóides são<br />
habitualmente benignos e abaciliferos, de modo que é dispensável a sua<br />
internação nos hospitais. Mesmo quando isso venha a ocorrer, o doente<br />
permanece no hospital durante lapso de tempo relativamente curto, de<br />
modo que não é possível acompanhar a evolução do caso até a mesa de<br />
autópsia.<br />
Devido a êsses fatos, a existência de lesões tuberculóides viscerais<br />
é ain<strong>da</strong> hoje discuti<strong>da</strong>.<br />
Em 17 autópsias que praticou, ARNING (19) observou 11 casos com<br />
lesões viscerais miliares de natureza tuberculóide; segundo HANSEN,<br />
NEISSER e LELOIR essas lesões correriam por conta de uma associação<br />
com a tuberculose. Em virtude dessa divergência de pontos de vista,<br />
ARNING submeteu a questão ao International Journal of Leprosy, (*) que<br />
realizou um inquérito entre vários leprólogos, todos êles respondendo ou<br />
favoràvelmente à hipótese <strong>da</strong> etiologia tuberculosa ou deixando em<br />
suspenso a questão.<br />
__________________<br />
(*) International Jr. Leprosy, Manila, 1936:4, 103-106.
– 361 –<br />
Em trabalho publicado na mesma revista, MITSUDA eOGAWA (305)<br />
assinalaram que nas autópsias pratica<strong>da</strong>s em 150 doentes, foram<br />
encontra<strong>da</strong>s lesões tuberculóides em grande número dêles, tanto nos<br />
tuberculóides (em número de cinco), como nas outras varie<strong>da</strong>des neurais<br />
e nos lepromatosos. Os autores atribuem tais achados à existência de uma<br />
associação com a tuberculose.<br />
Em nosso meio, BÜNGELER & FERNANDEZ nunca puderam<br />
comprovar em autópsias a existência de alterações tuberculóides nos<br />
órgãos internos. Julgam êstes autores que se deva explicar êste fato ou por<br />
não se produzir nos referidos órgãos disseminação hematogênica ou por<br />
que nêles não se fixam os bacilos ali chegados.<br />
De acôrdo com RABELLO JR., RODRIGUES DE SOUSA &ADJUTO<br />
(373) “a lepra tuberculóide não se apresentaria como uma afecção limita<strong>da</strong><br />
apenas à pele ou aos nervos periféricos. Muito pelo contrário, tratar-se-ia<br />
de um síndromo muito análogo ao síndromo lepromatoso e, portanto,<br />
caracterizado por reações de “sistema” no gânglio linfático, mediastino e<br />
parênquima pulmonar, e no esqueleto”.<br />
RABELLO, (374) somando seus casos, observados desde 1935, aos<br />
estu<strong>da</strong>dos em colaboração com RODRIGUES DE SOUSA, afirma possuir<br />
“um total de 19 observações de lepra tuberculóide com reação de tipo<br />
sarcóide no gânglio linfático (4 casos), alterações cistóides no esqueleto<br />
<strong>da</strong>s extremi<strong>da</strong>des (8 casos), alterações linfáticas e ósseas que coexistiam<br />
com lesões tuberculóides (sarcóides) na pele”.<br />
Segundo suas próprias palavras, LOWE (261) refere ter trazido<br />
“ampla confirmação à sua asserção (de RABELLO) de que em alguns casos<br />
de lepra tuberculóide podem ser evidencia<strong>da</strong>s alterações tuberculóides”.<br />
Examinando os gânglios linfáticos de 11 doentes portadores dessa forma<br />
clínica de lepra, em 6 observou típica estrutura tuberculóide, sendo os<br />
bacilos demonstrados apenas em um dos cortes e, assim mesmo, o seu<br />
número era reduzido; nos 5 casos restantes, embora estivessem presentes<br />
as células epitelióides, estas não guar<strong>da</strong>vam a característica disposição<br />
tuberculóide, estando ausentes as células gigantes tipo Langhans.<br />
Em 1937 SCHUJMAN (423) afirmava não ter conseguido evidenciar a<br />
estrutura sarcóide em numerosos casos que apresentavam enfartamento<br />
ganglionar; do mesmo modo, não tivera ocasião de surpreender lesões<br />
pulmonares e ósseas nos doentes tuberculóides. Desde essa época<br />
interessou-se na pesquisa <strong>da</strong>s manifestações extra-cutâneas dos
– 362 –<br />
casos tuberculóides, visando verificar se os seus achados confirmavam o<br />
ponto de vista de RABELLO. Passados poucos anos, em colaboração com<br />
CARBONI, SCHUJMAN (421) publica “um caso de lepra tuberculóide<br />
indiscutível com placas anestésicas e com bacilos na pele e nos gânglios,<br />
apresentando um síndromo de Besnier Boeck Schaumann com anergia<br />
tuberculínica e com manifestações típicas na pele, gânglios, pulmão, etc.<br />
As lesões ganglionares evidencia<strong>da</strong>s por uma adenopatia<br />
inguinal e axilar dupla, do tipo aflegmásico e algumas tamanho de<br />
uma avelã grande. O estudo histológico dêsses gânglios, revela a<br />
presença de numerosos e típicos ninhos epitelióides. E’ muito<br />
importante o fato de haver constatado bacilos ácido-resistentes em<br />
um dêsses gânglios, e o <strong>da</strong> inoculação em cobaio com uma<br />
emulsão do mesmo, haver apresentado resultados totalmente<br />
negativos.<br />
Lesões pulmonares sem maiores manifestações subjetivas<br />
nem objetivas como é comum nos Sarcóides, porém, traduzi<strong>da</strong>s<br />
radiològicamente por seu quadro típico consistente em adenopatia<br />
hilar e nódulos pulmonares bem delimitados e uma trama que parte<br />
desde o hilo até a periferia; quadro radiológico que não se<br />
modificou em muitos meses de observação.<br />
Lesões ósseas – Embora não tenhamos encontrado em<br />
nosso caso, as lesões nas falanges descritas como osteites císticas<br />
em “parrila” descritas por JUNGLING, constatamos um fato, para o<br />
qual queremos chamar a atenção e que consiste em tumefações<br />
periarticulares bem manifestas que fazem corpo com o osso,<br />
localiza<strong>da</strong>s nos punhos, rótulas e tornozelos, e que radiològicamente<br />
não se traduzem por nenhum sintoma. Essas lesões, são, a<br />
nosso vêr, do mesmo tipo e <strong>da</strong> mesma etiologia que as restantes,<br />
uma vez que desapareceram e evoluiram identicamente às<br />
cutâneas.<br />
A publicação dêsse trabalho, dizem os autores, obedece “o<br />
propósito de deixar esclarecido que a lepra tuberculóide pode, não<br />
sòmente reproduzir clinica e histològicamente na pele as lesões descritas<br />
por BOECK, sob a denominação de Sarcóide ou Lupóide Miliar benigno,<br />
como também acompanhar-se ain<strong>da</strong>, em determinados casos, como afir-
– 363 –<br />
ma RABELLO JUNIOR, de manifestações viscerais (ganglionares,<br />
pulmonares, etc.) e constituir o quadro hoje conhecido pelo nome de<br />
Sindromo ou moléstia de Besnier-Boeck-Schauman”.<br />
Os achados de LOWE e de SCHUJMAN e CARBONI confirmam pois<br />
as afirmativas de RABELLO, e a concordância dos resultados em regiões<br />
diferentes do mundo tornam admissivel a dedução de que a repetição<br />
dessas in<strong>da</strong>gações em outros países permitirá evidenciar essas<br />
manifestações extra-cutâneas nos doentes tuberculóides, comprovando<br />
mais largamente os primeiros estudos de RABELLO.<br />
PROCESSOS DEGENERATIVOS<br />
Entre os processos degenerativos que podem ser descritos nos<br />
doentes de lepra, destaca-se a amiloidose, que é freqüente em alguns<br />
órgãos profundos, tais como o fígado, baço e rins.<br />
Anotemos que no exame histopatológico do fígado de 69<br />
lepromatosos nos quais praticámos necrópsias parciais, BÜNGELER e<br />
ALAYON verificaram com certa freqüência a presença de amiloidose ao<br />
lado <strong>da</strong> infiltração leprótica, sendo muito acentua<strong>da</strong> em metade dos casos.<br />
A amiloidose era nodular, vascular ou em pequenos focos miliares; esta<br />
última é muito característica para a lepra, tendo sido descrita primeiramente<br />
por BÜNGELER e ALAYON, os quais dizem não conhecer esse tipo<br />
de amiloidose em outras moléstias. Aliás, corroborando essa afirmação,<br />
ela só foi observa<strong>da</strong>, com exceção de um caso, nos fígados tomados pela<br />
lepra.<br />
No baço é também comum observar-se a amiloidose, conforme<br />
(41)<br />
tivemos ocasião de verificar com CERRUTI. Muitos autores a<br />
descreveram nesse órgão, sendo mister notar que KOBAYASHI evidenciou<br />
a sua presença apenas em dois casos.<br />
Nos rins é igualmente encontradiça a amiloidose, que tem<br />
preferência pela adventícia dos vasos, não sendo descrita a sua<br />
localização na própria parede.<br />
Assinalando que a amiloidose tem preferência pelos vasos que têm<br />
adventícias, justamente nos que têm células do sistema retículo-endotelial,<br />
BÜNGELER afirma que esse processo degenerativo é próprio <strong>da</strong>s células<br />
dêsse sistema.
CAPITULO XI<br />
FISIOPATOLOGIA<br />
SUMÁRIO: Alterações funcionais observa<strong>da</strong>s na lepra:<br />
na pele e nervos (comuns aos vários tipos de lepra); nas<br />
mucosas e olhos; nos órgãos profundos: baço,<br />
testículos, ovário, fígado, rins. Alterações químicas e<br />
citológicas do sangue. Provas funcionais do sistema<br />
reticulo-endotelial.<br />
A inclusão dêste capítulo em nosso trabalho, encontra justificativa<br />
no fato de que, de acôrdo com a definição que demos de patologia, esta<br />
compreende o estudo <strong>da</strong>s alterações estruturais e funcionais de um<br />
organismo afetado. Compreende-se perfeitamente que não se pode ter<br />
idéia completa sôbre a moléstia, se o estudo dos processos anátomo -<br />
clínicos não fôr acompanhado dos conhecimentos de fisiologia<br />
patológica, que nos permitam avaliar o prejuizo que ás lesões acarretam à<br />
função dos órgãos atacados e a sua repercussão no decurso geral <strong>da</strong> lepra.<br />
Em virtude <strong>da</strong>s noções anteriormente expendi<strong>da</strong>s, podemos<br />
deduzir “a priori” que nos doentes neurais serão relativamente pouco<br />
numerosos os distúrbios funcionais em comparação com o que se verifica<br />
nos lepromatosos e mistos. Isso porque nos pacientes <strong>da</strong>quele tipo <strong>da</strong><br />
moléstia, os processos lepróticos se desenvolvem, como já vimos, ao<br />
nível <strong>da</strong> pele e dos nervos, não tendo sido evidenciados de modo seguro<br />
ou freqüente nos órgãos profundos. Êste cornprometimento ocorre<br />
também nos lepromatosos e <strong>da</strong>í começarmos o nosso estudo pela<br />
descrição em comum (para ambos os tipos <strong>da</strong> moléstia) <strong>da</strong>s perturbações<br />
funcionais <strong>da</strong> pele e nervos; as que se evidenciam para o lado dos órgãos<br />
profundos pertencem aos casos de tipo lepromatoso e serão descritos logo<br />
após.
– 365 –<br />
A) – PELE.<br />
Glândulas sudoríparas: Em conseqüência <strong>da</strong> localização do<br />
infiltrado leprótico em tôrno <strong>da</strong>s glândulas, podem ser observa<strong>da</strong>s<br />
perturbações secretórias ao nivel <strong>da</strong>s lesões cutâneas. Em certos casos<br />
estas poderão apresentar-se brilhantes, <strong>da</strong>ndo a impressão de que foram<br />
unta<strong>da</strong>s com gordura ou óleo. A sudorese costuma desaparecer, em<br />
virtude <strong>da</strong> destruição <strong>da</strong>s glândulas sudoríparas ou em segui<strong>da</strong> ao<br />
comprometimento de seus filetes nervosos, fato que poderá ser<br />
evidenciado pela prova <strong>da</strong> pilocarpina proposta por DUBOIS &<br />
DEGOTTE, (130) que recomen<strong>da</strong>m injetar, por via intradérmica, 0,1 a 0,2 cc.<br />
<strong>da</strong> solução de nitrato ou cloridrato de pilocarpina a 0,5 % e a 1 %. O valor<br />
dessa prova pôde ser comprova<strong>da</strong> por nós em muitos casos, o mesmo<br />
sucedendo com OLIVEIRA. (335)<br />
Terminações nervosas cutâneas: Vimos que ao nível <strong>da</strong>s lesões<br />
cutâneas lepróticas os filetes nervosos terminais costumam ser invadidos<br />
pelo infiltrado inflamatório, processando-se via de regra a sua destruição<br />
em prazo mais ou menos longo. Em conseqüência, instalam-se distúrbios<br />
sensitivos ao nível dessas lesões, registrando-se, em geral, primeiramente<br />
a anestesia térmica, em segui<strong>da</strong> a dolorosa e ain<strong>da</strong> mais tardiamente a<br />
tátil. Observa-se ain<strong>da</strong> que em sua intensi<strong>da</strong>de e extensão, os distúrbios<br />
sensitivos obedecem, habitualmente, à mesma ordem nota<strong>da</strong> quanto ao<br />
seu aparecimento, sendo as perturbações <strong>da</strong> sensibili<strong>da</strong>de térmica mais<br />
pronuncia<strong>da</strong>s que as <strong>da</strong> dolorosa e estas mais que as <strong>da</strong> tátil. Ajunte-se<br />
mesmo que esta última pode permanecer normal durante certo tempo,<br />
enquanto as duas primeiras já estavam diminuí<strong>da</strong>s (hipoestesia) ou<br />
mesmo aboli<strong>da</strong>s (anestesia).<br />
Faz-se mister notar que em muitos casos pode observar-se<br />
hiperestesia ao nível <strong>da</strong>s lesões cutâneas, a qual porém é transitória,<br />
cedendo lugar à hipoestesia e, finalmente, à anestesia.<br />
E’ interessante observar que em certos casos, regredindo a lesão<br />
cutânea em conseqüência <strong>da</strong> involução do infiltrado histopatológico que<br />
era o seu substrato – os distúrbios <strong>da</strong> sensibili<strong>da</strong>de anteriormente<br />
presentes tornam-se menos acentuados, chegando mesmo a desaparecer a<br />
anestesia. HANSEN procura explicar essas anestesias temporárias, dizendo<br />
que elas provêm <strong>da</strong> compressão de filetes nervosos e não de sua<br />
destruirão.
– 366 –<br />
Ain<strong>da</strong> em conseqüência do comprometimento dos filetes<br />
nervosos terminais, pode observar-se niti<strong>da</strong>mente nas leprides<br />
hipocrômicas e acrômicas que a pele não reage com a triade de LEWIS<br />
ao ser submeti<strong>da</strong> à simples pica<strong>da</strong> com uma agulha. Descendo aos<br />
detalhes necessários para a compreensão dêsse fato – que mereceu<br />
estudo minucioso de nossa parte, juntamente com PACHECO (42)<br />
lembramos que ao se determinar a excitação <strong>da</strong> pele normal por<br />
intermédio de um excitante, tal como a pica<strong>da</strong> de agulha, ela reage pela<br />
assim chama<strong>da</strong> “tríplice reação de LEWIS” que consiste no seguinte<br />
(ver esquema):<br />
l. a fase – Após a excitação cutânea pela pica<strong>da</strong> há um<br />
breve período de latência, depois do que se observa a ruborização<br />
<strong>da</strong> pele, coincidindo exatamente com a zona excita<strong>da</strong>: eritema<br />
inicial (hiperemia restrita).<br />
2. a fase – Em segui<strong>da</strong> ao eritema inicial, há novo período<br />
de latência, cuja duração é variável (de 15-20 segundos, até 1 ou<br />
2 minutos), após o que se observa a ruborização de área cutânea<br />
mais ou menos extensa, centraliza<strong>da</strong> pela zona que recebeu a<br />
excitação: é o eritema secundário ou reflexo (hiperemia difusa).<br />
3. a fase – Passados alguns minutos, nota-se uma pápula no<br />
local <strong>da</strong> pica<strong>da</strong>, de tamanho maior ou menor, dependendo <strong>da</strong><br />
exsu<strong>da</strong>ção do plasma sanguíneo através dos pequenos vasos<br />
circunvizinhos à zona irrita<strong>da</strong>.<br />
Portanto, a tríplice reação de LEWIS consiste no aparecimento,<br />
na pele excita<strong>da</strong>, do eritema inicial (l. a fase), eritema reflexo ou<br />
secundário (2. a fase) e pápula (3. a fase).<br />
Essa resposta <strong>da</strong> pele normal ao agente irritante, no caso presente<br />
à pica<strong>da</strong> com agulha, pode variar de maneira fisiológica, o que depende<br />
de vários fatôres.<br />
Quanto ao mecanismo de reação <strong>da</strong> pele à simples pica<strong>da</strong> com agulha,<br />
atribue-se o eritema inicial ( l . a fase) a uma ação local, vaso-dilatadora,<br />
do excitante sôbre os capilares; a pápula (3. a fase) é conseqüente ao<br />
aumento <strong>da</strong> permeabili<strong>da</strong>de capilar, no ponto em que se fêz a pica<strong>da</strong>.<br />
Quanto ao “eritema difuso ou reflexo” (2. a fase), conseqüente à<br />
dilatação <strong>da</strong>s arteriolas próximas ao ponto excitado, é de natureza<br />
reflexa e depende essencialmente <strong>da</strong>
– 367 –<br />
integri<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s vias nervosas. O eritema reflexo está obrigatòriamente<br />
ligado às formações sensitivas, cuja lesão impossibilita o seu<br />
aparecimento (por exemplo quando há degeneração <strong>da</strong>s fibras nervosas<br />
sensitivas por seção cirúrgica dos nervos cutâneos); <strong>da</strong> mesma maneira,<br />
a irritação de uma área cutânea prèviamente cocainiza<strong>da</strong> também não<br />
produz o eritema reflexo. Êste se explica, pois, pela ação à distância,<br />
vaso-dilatadora, dos nervos sensitivos, que precisam estar íntegros para<br />
conduzir o estímulo recebido até as arteríolas <strong>da</strong> vizinhança.<br />
Ora, nas lesões lepróticas em que os filetes nervosos terminam se<br />
degenerando não é possível se estabelecer o eritema reflexo, o que se<br />
poderá notar com nitidez nas leprides que se apresentam<br />
despigmenta<strong>da</strong>s.<br />
Portanto, em contraste com a pele normal, nas leprides<br />
hipocrômicas a pica<strong>da</strong> não provoca o aparecimento do eritema reflexo<br />
ou difuso, que constitui a segun<strong>da</strong> fase <strong>da</strong> tríplice resposta de Lewis, <strong>da</strong>í<br />
o seu valor diagnóstico, para o qual chamamos primeiramente a atenção,<br />
em estudo feito em colaborarão com PACHECO.<br />
Acrescentemos que êsse eritema reflexo está ausente na<br />
consagra<strong>da</strong> prova <strong>da</strong> histamina, que consiste em se colocar na mácula<br />
suspeita e no tegumento circunvizinho, uma gota <strong>da</strong> solução de<br />
histamina a 1 por 1.000, fazendo-se em segui<strong>da</strong>, através <strong>da</strong> mesma, uma<br />
pica<strong>da</strong> superficial, intraepidérmica no tegumento, sem determinar<br />
hemorragia. Manifesta-se em segui<strong>da</strong> a tríade reacional de Lewis na<br />
pele normal, faltando o eritema reflexo no interior <strong>da</strong> lepride, tal como<br />
ocorre também mediante a simples pica<strong>da</strong> com agulha, uma vêz que<br />
ambas as provas obedecem ao mesmo mecanismo (pois na “prova <strong>da</strong><br />
pica<strong>da</strong>” há libertação de histamina ao nível do parênquima que sofreu a<br />
irritação mecânica).<br />
B) – NERVOS<br />
Os distúrbios que aparecem em virtude <strong>da</strong> nevrite intersticial<br />
leprótica estão na dependência <strong>da</strong> intensi<strong>da</strong>de dos processos<br />
inflamatórios que se desenvolvem no nervo. Coma a nevrite em geral se<br />
instala de modo lento e insidioso, também os distúrbios funcionais se<br />
estabelecem morosamente, podendo ser de natureza diversa: sensitivos<br />
(subjetivos e objetivos), motores, tróficos, vaso-motores e simpáticos e <strong>da</strong><br />
sudorese.
– 368 –<br />
Perturbações <strong>da</strong> sensibili<strong>da</strong>de superficial. – São as mais<br />
comuns – pois as fibras sensitivas são mais freqüentemente afeta<strong>da</strong>s que<br />
as motoras, – apresentando-se ela exalta<strong>da</strong> (hiperestesia), diminuí<strong>da</strong><br />
(hipoestesia) ou mesmo aboli<strong>da</strong> (anestesia). A hiperestesia é surpreendi<strong>da</strong><br />
nos períodos iniciais dos fenômenos nevríticos, seguindo-se-lhes depois a<br />
hipoestesia e anestesia. Tal como para os filetes nervosos terminais, a<br />
sensibili<strong>da</strong>de térmica é a primeira a ser afeta<strong>da</strong>; com o tempo é<br />
comprometi<strong>da</strong> a dolorosa e sómente depois a tátil; além disso, a anestesia<br />
térmica costuma ocupar áreas maiores que a dolorosa e esta, extensão<br />
maior que a tátil. Os distúrbios são via de regra bilaterais, sendo atingidos<br />
em ambos os lados, as três sensibili<strong>da</strong>des.<br />
A sensibili<strong>da</strong>de profun<strong>da</strong> é raramente prejudica<strong>da</strong>, podendo<br />
afirmar-se que existe na lepra uma dissociação <strong>da</strong>s sensibili<strong>da</strong>des,<br />
consistindo na diminuição ou abolição <strong>da</strong> superficial ficando<br />
relativamente conserva<strong>da</strong> a profun<strong>da</strong>.<br />
Distúrbios motores – Costumam aparecer alguns meses ou muitos<br />
anos após a fase de irritação sensitiva <strong>da</strong> nevrite. Consistem inicialmente<br />
em paresia e depois em paralisia dos músculos, cuja per<strong>da</strong> <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de<br />
funcional pode ser avalia<strong>da</strong> pelos vários recursos semiológicos, utilizados<br />
para surpreendê-la quer na face quer nos membros superiores e inferiores.<br />
Distúrbios tróficas. – Podem vir a manifestar-se para o lado dos<br />
músculos, pele e tecido celular subcutâneo e nos ossos, <strong>da</strong>ndo<br />
manifestações muito varia<strong>da</strong>s e comuns na lepra, tais como amiotrofias,<br />
mal perfurante plantar, mutilações, etc.<br />
Lembramos, sôbre êsses distúrbios, a afirmação de HOFF<br />
(188) de que “a doutrina <strong>da</strong> importância <strong>da</strong>s fibras nervosas tróficas<br />
consolidou-se firmemente nos últimos anos, pela investigações de<br />
KEN KURÉ e de sua escola. Êste investigador atribui uma função<br />
trófica às fibras vegetativas aferentes <strong>da</strong>s raizes posteriores.<br />
Estudou sobretudo casos de tabes dorsal progressiva, siringomielia<br />
e lepra, que evoluem com lesões tróficas cutâneas e ósseas<br />
(artropatias), descrevendo a destruição destas fibras vegetativas<br />
aferentes e dos correspondentes neurônios medulares”.<br />
A propósito <strong>da</strong>s amiotrofias, o exame elétrico poderá revelar<br />
alterações <strong>da</strong> excitabili<strong>da</strong>de neuro-muscular, as quais
Lepra tuberculóide (reação). Necrose fibrinoide. (Büngeler).<br />
Lepra tuberculóide. Nódulo perivascular. (Büngeler).
Fígado: No centro <strong>da</strong> figura nódulo de células tuberculóides e alguns<br />
linfocitos, que pela posição <strong>da</strong>s celulas assume aspecto niti<strong>da</strong>mente<br />
tuberculóide. (Tuberculose? Lepra?).<br />
Nesta figura, além de uma certa ativação do SRE., vê-se, no centro,<br />
um pequeno fóco de amiloidóse descrita primeiramente por Büngeler<br />
e Alayon. A amiloidóse em pequenos fócos miliares é bastante característica<br />
para a lepra, não se conhecendo êsse tipo em outras moléstias.
– 369 –<br />
se revestem de apreciável valor diagnóstico. Em colaboração com HUET,<br />
JEANSELME observou que os músculos atrofiados dão, em geral, a reação<br />
de degeneração. Entre nós, SOUZA CAMPOS & LONGO, (86) e JULIÃO &<br />
SAVOY, (214) assinalaram a importância dêsse exame para surpreender os<br />
distúrbios tróficos que se instalam nos músculos.<br />
Referem JULIÃO & SAVOY que “nos doentes portadores de<br />
atrofias musculares níti<strong>da</strong>s, sempre foram verifica<strong>da</strong>s alterações <strong>da</strong><br />
excitabili<strong>da</strong>de elétrica neuromuscular. Tais alterações podem<br />
revestir os mais variados aspectos, ora interessando músculos e<br />
troncos nervosos, ora comprometendo apenas os primeiros; às<br />
vêzes simples hipoexcitabili<strong>da</strong>de; outras, reação de degeneração<br />
completa”.<br />
E’ preciso ain<strong>da</strong> considerar que, de acôrdo com êsses<br />
autores, não existe “relação direta entre espessamento do tronco<br />
nervoso e alterações <strong>da</strong> excitabili<strong>da</strong>de elétrica em seus domínios”.<br />
Distúrbios vaso-motores e simpáticos – Podem estar presentes nos<br />
casos de nevrite tendo sido assinalados por vários autores. Segundo<br />
JEANSELME “a per<strong>da</strong> ou a diminuição <strong>da</strong> reação vaso-motora em geral<br />
marcha a par com a abolição ou diminuição <strong>da</strong> sensibili<strong>da</strong>de objetiva, sem<br />
dúvi<strong>da</strong> porque o processo de nevrite atinge e desorganiza por sua vêz<br />
indiferentemente as fibras nervosas <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> de relação (fibras sensitivas) e<br />
as fibras vegetativas (fibras vaso-motoras, secretórias e tróficas) que estão<br />
intimamente uni<strong>da</strong>s na pele”. Ain<strong>da</strong> segundo êsse autor não proporcionam<br />
resultados concor<strong>da</strong>ntes os numerosos agentes de excitação mecânicos,<br />
físicos e químicos a que se recorre para explorar a função vaso-motora<br />
(dermografismo, pequeno choque cutâneo, água muito quente, calor sêco,<br />
neve carbônica, pincel elétrico, eflúvios e faiscas de alta freqüência,<br />
corrente farádica e sinapização <strong>da</strong> pele).<br />
Distúrbios <strong>da</strong> sudorese – São, em geral, encontrados nas áreas de<br />
anestesia, consistindo em anidrose. Para a evidenciação dêsses distúrbios<br />
presta grande auxílio a prova <strong>da</strong> pilocarpina, sugeri<strong>da</strong> por DUBOIS &<br />
DEGOTTE.<br />
F. – 24
– 370 –<br />
C) – MUCOSAS E OLHOS:<br />
Os processos lepromatosos que se desenvolvem no bucofaringe via<br />
de regra não acarretam distúrbios funcionais, a não ser nos casos raros em<br />
que existe perfuração do pálato, condição anormal essa que pode<br />
ocasionar a passagem de alimentos para a cavi<strong>da</strong>de nasal, durante a<br />
deglutição.<br />
A mucosa nasal é sede comum do processo lepromatoso, podendo<br />
haver ulcerações que se recobrem de crôstas; nesses casos a<br />
permeabili<strong>da</strong>de nasal é muitas vêzes prejudica<strong>da</strong>, havendo obstrução.<br />
Tanto o olfato como o sentido do gôsto habitualmente não são<br />
prejudicados, a não ser nos casos avançados.<br />
Quando o infiltrado lepromatoso invade o laringe e se desenvolve<br />
de maneira acentua<strong>da</strong>, podem surgir obstruções mecânicas <strong>da</strong>s fen<strong>da</strong>s<br />
glóticas, as quais determinam perturbações <strong>da</strong> fonação e <strong>da</strong> respiração.<br />
A função <strong>da</strong> visão é comprometi<strong>da</strong> pelas lesões que se localizam<br />
na córnea à altura <strong>da</strong> pupila, e é naturalmente tanto mais prejudica<strong>da</strong><br />
quanto maior a obstrução à passagem dos raios luminosos. Essas lesões<br />
são freqüentes nos casos lepromatosos, por localização de lepromas ou<br />
infiltrados na córnea, e também nos neurais, complicando as estruturas<br />
oculares expostas permanentemente aos agentes exteriores (lagoftalmo<br />
paralítico). Essas lesões podem determinar a cegueira, o que se verifica<br />
também, òbviamente, nos casos de atrofia do olho. As manifestações<br />
dolorosas <strong>da</strong> lepra ocular (irites agu<strong>da</strong>s, por exemplo) são geralmente<br />
acompanha<strong>da</strong>s de fotofobia.<br />
D) – ORGÃOS PROFUNDOS:<br />
Vimos que o processo lepromatoso afeta os órgãos profundos, de<br />
modo especial o baço, fígado e testículos. Consideremos agora quais os<br />
distúrbios funcionais que podem resultar dêsse comprometimento.<br />
1.º – Baço: E’ sabido que o baço não é órgão de importância vital,<br />
podendo mesmo efetuar-se a sua extirpação, sem que isso determine<br />
graves repercussões orgânicas. Tendo por função formar linfócitos do<br />
sangue, assim como tomar parte no metabolismo do ferro, no exercício<br />
desta última função, destroe hemátias nas redes <strong>da</strong> polpa, retem o ferro<br />
que é libertado. Ora, na lepra pode haver fagocitose enorme
– 371 –<br />
dos globulos vermelhos e, segundo nos informou BÜNGELER, talvez seja<br />
êsse o motivo <strong>da</strong> existência de anemia entre os leprosos.<br />
A despeito de atingir volume considerável em certos casos, não se<br />
nota qualquer distúrbio apreciável para o baço, de na<strong>da</strong> se queixando os<br />
doentes. Em alguns pacientes que tinham esplenomegalia acentua<strong>da</strong>,<br />
tivemos ocasião de praticar a prova de FREY, que consiste na esplenocontração<br />
do baço pela adrenalina, determinando linfocitose.<br />
Na grande maioria dêsses casos ela resultou positiva, havendo<br />
leucocitose e linfocitose post-adrenalínica; em outros dois casos o<br />
aumento dos leucócitos foi menos pronunciado, não havendo modificação<br />
<strong>da</strong> fórmula leucocitária.<br />
2.º – Testículos: O comprometimento <strong>da</strong>s glândulas sexuais<br />
masculinas traz como conseqüência graves distúrbios funcionais que vão<br />
se acentuando com a evolução do processo. Consistem em diminuição do<br />
desejo sexual e no fato <strong>da</strong> ereção do penis ser menos freqüente e nem<br />
sempre completa; ulteriormente, pode sobrevir a impotência sexual e a<br />
esterili<strong>da</strong>de. Êste é o fato mais importante para explicar o índice baixo de<br />
natali<strong>da</strong>de entre os doentes, pela interferência do processo leprótico na<br />
espermatogênese, sendo freqüentes a azoospermia e oligozoospermia.<br />
Ajunte-se ain<strong>da</strong> que quando o processo lepromatoso se instala nos<br />
testículos antes <strong>da</strong> puber<strong>da</strong>de, poderá trazer como conseqüência o<br />
pequeno desenvolvimento dos caracteres sexuais primários e secundários,<br />
observando-se então os quadros mais ou menos completos do<br />
infantilismo. É mister notar que o mesmo fato pode ser observado na<br />
mulher, nas condições acima menciona<strong>da</strong>s.<br />
Assinale-se que o metabolismo basal pode ser influenciado pela<br />
lepra, segundo MORAIS: (308)<br />
1) O metabolismo basal está sempre aumentado na lepra,<br />
mesmo quando não existam causas reconheci<strong>da</strong>mente capazes de<br />
provocar êsse aumento.<br />
2) A reação leprótica, em geral, parece influir sôbre as<br />
trocas metabólicas, aumentando o metabolismo basal.<br />
3) Nos casos quiescentes de lepra, o metabolismo basal<br />
tende a voltar aos limites <strong>da</strong> normali<strong>da</strong>de.<br />
3.º – Ovário: Em conseqüência do processo de esclerose que<br />
freqüentemente se instala no ovário e que poderia de-
– 372 –<br />
terminar a destruição de folículos, manifestam-se distúrbios funcionais<br />
mais ou menos pronunciados, tornando-se escassa ou irregular a<br />
menstruação, que pode mesmo vir a faltar, às vezes precocemente.<br />
Nas meninas muito ataca<strong>da</strong>s pela forma lepromatosa <strong>da</strong> moléstia<br />
os caracteres sexuais secundários não aparecem de maneira satisfatória,<br />
desenvolvendo-se muitas vêzes o infantilismo genital. No entanto, os<br />
distúrbios são menos acentuados do que os que ocorrem entre as crianças<br />
do sexo masculino que se tornaram doentes antes <strong>da</strong> puber<strong>da</strong>de.<br />
Anotemos ain<strong>da</strong> que o baixo índice de natali<strong>da</strong>de entre os doentes de<br />
lepra em geral corre por conta <strong>da</strong> esterili<strong>da</strong>de masculina.<br />
4.º – Fígado: Êsse orgão é afetado em quase 100 % dos<br />
lepromatosos, de modo que em grande número de casos êle aumenta de<br />
volume, muitas vêzes de modo impressionante. Fala-se tanto no<br />
comprometimento do fígado, que o conhecimento superficial do assunto<br />
sugere a impressão de que graves distúrbios funcionais devam estar<br />
presentes nessas condições. Tivemos ocasião de estu<strong>da</strong>r a fundo esse<br />
assunto, realizando grande número de pesquisas que visam surpreender<br />
uma perturbação funcional dêsse órgão, contando em boa parte com a<br />
colaboração de SAPPUPO.<br />
Como é sabido, o objetivo principal dessas provas funcionais é<br />
descobrir, nas fases iniciais, as afecções que se manifestam nesse órgão.<br />
Desempenhando êle muitas funções, não existe uma prova única que nos<br />
forneça <strong>da</strong>dos completos sôbre o seu estado funcional. Por isso mesmo<br />
foram idea<strong>da</strong>s uma série de provas, ca<strong>da</strong> uma delas procurando<br />
surpreender as deficiências fisiológicas do órgão, de maneira unilateral,<br />
como é fácil de prever-se.<br />
Os resultados dessas provas são sintetizados abaixo:<br />
Prova <strong>da</strong> Galactose: Pratica<strong>da</strong> em 10 lepromatosos, foi<br />
positiva em 2, nos quais a eliminação foi de 10,063 e 11,050.<br />
Reação de Takata: Feita em 31 doentes com reação<br />
leprótica, a reação resultou positiva em 14 casos; fora do período<br />
eruptivo o número de reações positivas foi menor: 3 em 21.<br />
Reação de Takata-Ucko: Apenas 3 casos com resultado<br />
positivo em 102 pacientes.
– 373 –<br />
Reação de Hijmans V. den Berg: Foram em número de 83<br />
as reações pratica<strong>da</strong>s e as diazo-reações direta (imediata e<br />
retar<strong>da</strong><strong>da</strong>) e indireta foram negativas em todos os casos. Os<br />
resultados foram idênticos em outro grupo de 26 doentes nos quais<br />
se praticou apenas a reação direta.<br />
Dosagem <strong>da</strong> Bilirubina e <strong>da</strong> Colesterina: Pratica<strong>da</strong> em<br />
cêrca de três dezenas de doentes, raramente observámos<br />
hiperbilirubinemia e hipercolesterinemia.<br />
Prova <strong>da</strong> Santonina: Fizemo -la em 32 doentes: em 21 a<br />
prova foi normal ou pouco se afastava <strong>da</strong> normali<strong>da</strong>de; em 11 foi<br />
positiva, observando-se eliminação intermitente e curvas<br />
escalona<strong>da</strong>s ou em taboleiro (vide gráficos).<br />
Além dessas provas funcionais, pesquisamos na urina, os<br />
pigmentos e sais biliares, e o urobilinogênio, os quais foram positivos em<br />
pequeno número de casos; a urobilinúria foi evidencia<strong>da</strong> em cêrca de 20<br />
% dos doentes.<br />
Tipo de clínico<br />
N.º de<br />
casos<br />
Reação do urobilinogênio<br />
Positivo Negativo<br />
Lepromatoso................ 410 17 casos (4,1%) 393 casos (95,6%)<br />
Nervoso......................... 269 7 casos (2,7%) 262 casos (97,3%)<br />
Nerv. Secundário......... 38 1 caso (2,6%) 37 casos (97,4%)<br />
Misto.............................. 332 18 casos (5,4%) 314 casos (94,6%)<br />
Total......................... 1.049 43 casos (4,1%) 1.006 casos (95,6%)<br />
Para poder formar opinião mais segura sôbre o assunto, passamos<br />
a pesquisar o urobilinogênio nos doentes que estavam à morte, de modo a<br />
nos ser possível conhecer o estado do fígado no exame necroscópico que<br />
se seguia ao óbito. Nessas condições reunimos 67 autópsias, que nos<br />
permitiram estabelecer um paralelo entre o resultado <strong>da</strong> reação do<br />
urobilinogênio e o exame histopatológico.<br />
Dos 19 casos em que essa pesquisa foi positiva, apenas em três não<br />
havia lepra hepática. Nos outros 16 o fígado
– 374 –<br />
apresentava-se comprometido pela lepra, sendo nesses casos mais<br />
freqüentes os seguintes achados histopatológicos: infiltração lepromatosa<br />
de alto grau; induração lepromatosa intensa; maior número de vêzes os<br />
anátomo -patologistas evidenciaram o fígado gorduroso endurado.<br />
Essas pesquisas e provas funcionais do figado, resultam em geral<br />
negativas, o que pode ser explicado por dois fatos:<br />
1.º – A infiltração lepromatosa localiza-se principalmente nos<br />
espaços periportais e respeita as células hepáticas, que são comprometi<strong>da</strong>s<br />
raramente, quando, por intensa induração lepromatosa ou por infiltração<br />
de alto grau, podem se atrofiar e degenerar; mantendo-se alheia ao processo<br />
lepromatoso que se desenvolve no fígado, a célula hepática<br />
naturalmente conserva normais as suas funções;<br />
2.º – Outro fator que deve ser considerado é a capaci<strong>da</strong>de<br />
funcional compensadora do fígado, alia<strong>da</strong> ao seu poder regenerativo.<br />
Das verificações experimentais e clínicas resulta que, por<br />
compensação funcional, uma pequena porção do tecido hepático pode<br />
bastar para o desempenho de suas funções e que é notável a Capaci<strong>da</strong>de<br />
regenerativa do fígado. Essas duas proprie<strong>da</strong>des do tecido hepático,<br />
vicariação funcional e capaci<strong>da</strong>de regenerativa, concorrem ain<strong>da</strong> mais<br />
para diminuir a percentagem de provas positivas nos doentes de lepra, de<br />
per si relativamente baixa por ser poucas vêzes toma<strong>da</strong> a célula hepática.<br />
5.º – Rins: A glomérulo-nefrite generaliza<strong>da</strong> é encontra<strong>da</strong> na lepra<br />
com a mesma freqüência com que essa afecção aparece em pessoas<br />
sadias, não devendo o “M. leprae” ser responsabilizado como agente<br />
determinante. Processo renal de natureza leprótica é a nefrose amilóide, a<br />
qual se acompanha <strong>da</strong>s manifestações comuns às outras nefroses dêsse<br />
tipo (albuminúria, pressão normal, edemas, cilindrúria). O que a<br />
diferencia porém <strong>da</strong>s outras nefroses amilóides é que é mais comum<br />
encontrar-se o rim contraído amilóide entre os doentes de lepra: instala-se<br />
progressivamente a esclerose renal, resultando o aparecimento de graves<br />
distúrbios funcionais: a albuminúria continua eleva<strong>da</strong> e a densi<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />
urina vai baixando (hipoestenúria) até chegar a 1.010, onde se mantem<br />
(isoestenúria). Além <strong>da</strong> diminuição do poder de concentração, pode<br />
existir retenção aquosa extra-renal e então a quanti<strong>da</strong>de <strong>da</strong> urina<br />
elimina<strong>da</strong>
– 375 –<br />
é também menor, reduzindo-se consideràvelmente, por exemplo, para<br />
600-800 cc... A taxa de uréia e o indican sanguíneo aumentam. Os edemas<br />
acentuam-se; pode aparecer ascite.<br />
ALTERAÇÕES QUIMICAS DO SANGUE<br />
Cálcio e fósforo: O sôro normal contem 10,5 mgr. de cálcio total<br />
por 100 cc., média que VILLEI.A (490) encontrou abaixa<strong>da</strong>, estu<strong>da</strong>ndo 113<br />
doentes de diversos tipos de lepra (8,82 %) de acôrdo com a seguinte<br />
discriminação:<br />
Cálcio % de sôro<br />
Maculosos.......... 9,26 mgr.<br />
Tuberosos........... 9,34 ”<br />
Nervosos............ 8,06 ”<br />
Mistos................ 8,42 ”<br />
Total................... 8,82 ”<br />
Vários autores têm encontrado taxas diminui<strong>da</strong>s de cálcio no sôro<br />
dos casos em reação leprótica, até 6,18 mgr.<br />
nos casos de CRUZ, LARA, e PARAS. (112)<br />
Segundo WOOLEY e ROSS, (510) a diminuição do cálcio atinge a<br />
fração difusível que cai do normal de 5,8 mgr. para 4,5 mgr. nos casos<br />
com atrofias ósseas acentua<strong>da</strong>s, enquanto a fração não difusível<br />
(combina<strong>da</strong> com as proteinas) se conservaria normal, ou mesmo<br />
aumenta<strong>da</strong>, de acôrdo com trabalhos mais recentes dos mesmos autores.<br />
(511)<br />
Os valores obtidos por WOOLEY e ROSS nos casos de lepra para o<br />
fósforo inorgânico, são comparáveis à média normal de 3,7 mgr. por 100<br />
cc., pois variaram entre 1,7 a 4,5 mgr.<br />
Os valores mais altos de fósforo inorgânico são encontrados nos<br />
casos de lepra com complicações renais, dependendo portanto <strong>da</strong><br />
insuficiência dêstes órgãos.<br />
Em 102 casos de lepra examinados para fosfatase, ROSS (392)<br />
encontrou valores normais em 89 casos, com 3 outros levemente<br />
aumentados e os demais abaixados.<br />
Protídeos: E’ fato aceito por todos os autores que os protídeos do<br />
sôro leproso se acham aumentados, correndo esse aumento por conta <strong>da</strong><br />
fração globulina, enquanto a fração albumina permanece pràticamente<br />
inaltera<strong>da</strong>. Êsse fato altera a relação albumino-globulina, que, <strong>da</strong><br />
normali<strong>da</strong>de, equivalente aproxima<strong>da</strong>mente a 2:1 pode passar a 1 : 1 ou<br />
mesmo mais baixa, com predomínio <strong>da</strong> globulina.
– 376 –<br />
Essa alteração química é mais notável nos casos lepromatosos<br />
principalmente nos avançados e é responsável pela grande série de<br />
“reação de labili<strong>da</strong>de” do sôro (vide Imuni<strong>da</strong>de, sorologia). Também o<br />
aumento <strong>da</strong> veloci<strong>da</strong>de de sedimentação <strong>da</strong>s hematias é devido, em<br />
grande parte, como vimos, a essa relação albumino-globulina anormal.<br />
Segundo VILLELA, o aumento do índice refratométrico do sôro deve ser<br />
atribuido a esse aumento <strong>da</strong> fração globulina.<br />
Eis um quadro transcrito do trabalho de FRAZIER e WU:<br />
Em grs. para 100 cc. de sôro<br />
Protídeos totais Albuminas Globulinas<br />
Forma nodular........................ 8,72 4,08 4,68<br />
Forma mista............................ 8,67 4,15 4,52<br />
Forma máculo – anestésica. 8,66 5,01 3,65<br />
Valores normais...................... 6,94 4,85 2,09<br />
SOUZA LIMA (248) estudou o equilíbrio protêico em 200 casos de<br />
lepra de diversos tipos <strong>da</strong> moléstia encontrando inversão <strong>da</strong> relação<br />
albumino-globulina em 198 dêles.<br />
A amino-acidemia estava eleva<strong>da</strong> em pequeno número de casos de<br />
MOLINELLI e RÉ, estando mais baixa, porém, em casos de reação<br />
leprótica, o que os autores julgam poder-se atribuir a distúrbios hepáticos.<br />
Lipídeos totais, ácidos graxos: O teor normal de lipídeos no<br />
plasma é de 600 mgr. em média, por 100 cc., o dos ácidos graxos 320-350<br />
mgr e o índice de iodo aproxima<strong>da</strong>mente 88.<br />
PARAS (348) encontrou valores baixos de ácidos graxos no plasma<br />
de casos não tratados, e normais nos casos submetidos a tratamento e<br />
negativados à bacterioscopia, enquanto que ITO (199) refere, pelo contrário,<br />
teor mais elevado de ácidos graxos nos casos de lepra em geral.<br />
ANDERSON e ANDERSON (13) verificaram que os casos<br />
lepromatosos apresentam baixo índice de iodo (baixa dos ácidos graxos<br />
não saturados) principalmente em um caso de reação leprótica. Segundo<br />
os quadros abaixo de VILLELA,
– 377 –<br />
CASTRO e ANDERSON, o índice de iodo e o teor de lipídeos totais é mais<br />
baixo nos casos recentes, sendo que o tratamento faz aumentar<br />
ligeiramente a lipemia.<br />
VARIAÇÕES DE ACÓRDO COM AS FORMAS CLÍNICAS EM GRS.<br />
PARA 100 cc. DE PLASMA<br />
Forma clínica Lipídeos totais<br />
Ácidos<br />
graxos<br />
N.º de iodo<br />
Colest.<br />
total<br />
Cutânea............ 856 ± 107,3 390 ± 71,2 62,9 ± 15,9 131 ± 27,0<br />
Nervosa............. 861 ± 125,0 387 ± 65,4 60,5 ± 20,2 136 ± 26,6<br />
Mista.................. 851 ± 126,2 364 ± 78,5 63,5 ± 20,2 127 ± 31,4<br />
Total.......... 857 ± 121,6 386 ± 74,7 62,8 ± 19,1 129 ± 29,8<br />
VARIAÇÕES DE ACÔRDO COM A DURAÇÃO DA DOENÇA EM<br />
MGRS. PARA 100 cc. DE PLASMA<br />
Duração Lipídeos totais<br />
Ácidos<br />
graxos<br />
N.º de iodo<br />
Colest.<br />
total<br />
Até 1 ano..... 888 ± 125,6 372 ± 54,7 69,0 ± 17,3 129 ± 21,9<br />
2 - 5 anos..... 839 ± 132,2 352 ± 87,3 60,9 ± 19,1 129 ± 32,9<br />
6 - 10 anos... 838 ± 118,9 381 ± 78,8 62,6 ± 20,1 129 ± 24,2<br />
10 anos........ 907 ± 92,0 394 ± 71,5 59,1 ± 17,7 143 ± 31,1<br />
Total........ 857 ± 121,6 386 ± 74,7 62,8 ± 19,1 129 ± 29,8<br />
Colesterol: O teor em colesterol do plasma, normalmente 160-200<br />
mgr. %, está geralmente abaixado nos casos lepromatosos e mistos, tanto<br />
mais niti<strong>da</strong>mente quanto mais grave o estado do doente. Nos casos<br />
recentes, GOMES, LEITÃO e WANCOLLE (167) verificaram que o tratamento<br />
chaul-múgrico fazia elevar êsse teor.<br />
VILLELA e CASTRO (492) demonstraram recentemente que a<br />
diminuição do colesterol afeta tanto a fração livre como a combina<strong>da</strong> sob<br />
forma de ésteres. Os autores e ANDER-
– 378 –<br />
SON (493) encontraram teor diminuido de colesterol nos casos mistos<br />
recentes, e mais elevados nos de duração maior <strong>da</strong> moléstia (mais de dez<br />
anos), não observando diferença contudo entre casos tratados e não<br />
tratados.<br />
O quadro seguinte, também do trabalho de VILLELA, CASTRO e<br />
ANDERSON, considera os valores do colesterol em 100 casos de lepra de<br />
vários tipos.<br />
VARIAÇÕES ENTRE DOENTES TRATADOS E NÃO TRATADOS<br />
PELO CHAULMOOGRA EM MGRS. PARA 100 cc. DE PLASMA<br />
Lipídeos totais<br />
Ácidos<br />
graxos<br />
N.º de iodo<br />
Colest.<br />
total<br />
Não tratados. 819 ± 134,9 391 ± 70,9 58,4 ± 16,9 130 ± 33,5<br />
Tratados....... 873 ± 120,3 384 ± 79,1 64,7 ± 20,2 128 ± 32,8<br />
Total........ 857 ± 121,6 386 ± 74,7 62,8 ± 19,1 129 ± 29,8<br />
Alguns autores, como BOULAY e LEGER, (65) encontraram números<br />
ain<strong>da</strong> mais baixos (83-10 mgr %).<br />
Lipases: Está ain<strong>da</strong> muito confuso o problema <strong>da</strong>s lipases<br />
sanguíneas. ROGERS (390) tinha sugerido que nos casos de lepra ativa havia<br />
baixa do poder lipolítico do sôro, e que nos casos em que o tratamento<br />
antileprótico é eficaz nota-se aumento dessas lipases. NEIL e DEWAR (328)<br />
confirmam que há certa diminuição <strong>da</strong> lipase nos casos de reação<br />
leprótica, não se observando anormali<strong>da</strong>de patente nos demais; seus<br />
resultados são contrários às opiniões de ROGERS, pois que não<br />
observaram aumento <strong>da</strong> lipase sob influência do chaulmugra.<br />
SANNICANDRO estudou o poder lipolítico <strong>da</strong> pele leprosa<br />
considerando-o dentro dos limites normais.<br />
Glicose: Alguns autores assinalaram nos doentes de lepra certa<br />
tendência para a glicemia, enquanto outros referiram percentagens<br />
normais, mas com limiar de excreção baixo (glicosúria freqüente na prova<br />
de sobrecarga).<br />
VILLELA notou diminuição de glicemia por administração de<br />
vitamina B1.
– 379 –<br />
Reserva alcalina: A pesquisa <strong>da</strong> reserva alcalina em 100 doentes<br />
de lepra em diversas condições forneceu a PARAS resultados normais nos<br />
casos não complicados ou associados à tuberculose, pouco abaixo do<br />
normal na reação leprótica (acidose frusta) e mais baixos ain<strong>da</strong> nos casos<br />
complicados por nefrite (variações 26 a 78 contra as normais 60 a 78).<br />
ROXAS-PINEDA, NICOLAS e LARA confirmam a baixa <strong>da</strong> reserva alcalina<br />
na reação leprótica, atribuindo-a à decomposição dos protídeos teciduais<br />
habitual nessa fase.<br />
HEMATOLOGIA NA LEPRA<br />
E’ difícil a apreciação dos trabalhos existentes sôbre o assunto,<br />
especialmente dos primeiros estudos que vieram à luz, procurando<br />
determinar se existia ou não, um quadro hemático peculiar à lepra. Essas<br />
dificul<strong>da</strong>des são de natureza diversa: algumas vêzes, é pequeno ou<br />
simplesmente irrisório o número de casos estu<strong>da</strong>dos; outras vêzes, nota-se<br />
certa divergência no modo de classificar os linfócitos e monócitos, não<br />
havendo a necessária uniformi<strong>da</strong>de indispensável para um estudo<br />
comparativo. Ajunte-se ain<strong>da</strong>, a diversi<strong>da</strong>de de classificação <strong>da</strong> própria<br />
lepra, nestas últimas déca<strong>da</strong>s: assim, se nos primeiros trabalhos sôbre a<br />
hematologia na lepra era usa<strong>da</strong> a expressão lepra “tuberculosa” ou<br />
“tuberosa”, que sabemos corresponder à lepra lepromatosa <strong>da</strong>s modernas<br />
classificações, não podemos afirmar precisamente a que equivalem as<br />
primitivas formas “maculosa” e “nervosa”, que podem corresponder ora<br />
aos subtipos neuromacular simples, tuberculóide ou nervoso anestésico do<br />
tipo neural <strong>da</strong> classificação do Cairo, ora aos casos incaracterísticos e<br />
tuberculóides <strong>da</strong> Classificação Sul-Americana. Ocorria mesmo que na<br />
lepra “maculosa” se incluissem os doentes com maculas critêmatopigmenta<strong>da</strong>s,<br />
que hoje classificamos como lepromatosos. São fatos dessa<br />
natureza que dificultam, uma revisão bibliográfica do assunto ou ain<strong>da</strong><br />
não nos permitem considerar certos trabalhos – embora levados a efeito<br />
por autores de renome – nos quais se assinala, por exemplo, que a fórmula<br />
leucocitária dos casos “mistos” se aproxima mais dos “nervosos” que dos<br />
“tuberosos”.<br />
Outra dificul<strong>da</strong>de, não menos importante, é a que decorre <strong>da</strong><br />
associação de várias moléstias num mesmo caso, não se podendo<br />
distinguir com segurança as alterações hemáticas que cabem à lepra <strong>da</strong>s<br />
que estão em correlação
– 380 –<br />
com outras afecções. Note-se que os casos internados, nos quais as<br />
pesquisas têm sido feitas mais a miudo, são quase sempre lepromatosos,<br />
procedentes <strong>da</strong>s classes mais pobres <strong>da</strong> população e mais sujeitos a tô<strong>da</strong> a<br />
espécie de infecções, infestações e deficiências alimentares.<br />
Após êsses reparos, vamos comentar os trabalhos dos autores que<br />
estu<strong>da</strong>ram o quadro hematológico nos doentes de lepra, o que faremos<br />
considerando separa<strong>da</strong>mente os resultados <strong>da</strong>s contagens dos glóbulos<br />
vermelhos e brancos.<br />
1.º – Glóbulos vermelhos: A contagem global dos glóbulos<br />
vermelhos demonstra a existência de anemia, muito freqüente nos<br />
lepromatosos e mais rara nos casos neurais. Essa anemia talvez encontre<br />
sua explicação no fato de que a infecção leprótica provoca uma ativação<br />
do sistema retículo-endotelial, podendo-se então verificar fagocitose<br />
enorme de hemâtias nos gânglios, fígado e baço.<br />
WIMARSKY e BROWN, em contagens pratica<strong>da</strong>s<br />
respectivamente em 17 e em 16 pacientes, observaram que nos<br />
casos benignos o número total de glóbulos e a taxa de<br />
hemoglobina não sofrem nenhuma modificação. “Em casos graves<br />
e no estado mais adiantado <strong>da</strong> moléstia” foi observa<strong>da</strong><br />
oligocitemia e concomitante oligocromemia. MOSES (309) que os<br />
cita, observou hipoglobulia, nos seus 34 casos, nunca tendo<br />
encontrado eritrócitos nucleados; só uma vêz evidenciou<br />
megalócitos. A taxa de hemoglobina era inferior à normal.<br />
Nos exames de sangue feitos em 20 doentes tuberculóides<br />
reacionais, 11 tuberculóides quiescentes e 17 lepromatosos,<br />
GANDRA (157) evidenciou “de um modo geral, certa pobreza de<br />
eritrócitos, que afeta, indiscutívelmente ...” Essa carência atinge,<br />
em ordem decrescente, a 58,82% dos lepromatosos, 45 % dos de<br />
forma tuberculóide em reação e 27,27 % dos <strong>da</strong> mesma forma<br />
clínica, em etapa quiescente. Nos doentes anemiados, a infestação<br />
verminosa é, respectivamente, de 23,52 %, 10% e 0% nos<br />
lepromatosos, nas formas tuberculóides reacionais e nas<br />
tuberculóides quiescentes.<br />
Em contagens leva<strong>da</strong>s a efeito em 9 lepromatosos,<br />
observamos eritropenia em todos os pacientes, dos quais 4 eram<br />
portadores de verminose.
– 381 –<br />
2.º – Glóbulos brancos: A contagem global dos leucócitos pode<br />
evidenciar leucopenia e, mais raramente, leucocitose. Em seus estudos<br />
GANDRA verificou que existia leucopenia tanto nos lepromatosos, como<br />
nos tuberculóides reacionais e quiescentes, respectivamente em 47 %, 60<br />
% e 50 % dos casos. A leucocitose era bem menos freqüente, sendo<br />
observa<strong>da</strong> em proporção mais ou menos idêntica nos tuberculóides<br />
reacionais (15 %) e nos lepromatosos (17,64 %); nos tuberculóides<br />
quiescentes era menor a freqüência 9,09 % dos observados). Em 9<br />
doentes lepromatosos observamos a existência de leucopenia em 4 casos,<br />
leucocitose também em 4 pacientes, sendo normal o seu número global<br />
em apenas um caso.<br />
A propósito <strong>da</strong> contagem específica dos glóbulos brancos,<br />
assinalemos desde logo a concordância de nossa impressão com a de<br />
BOURRET, (66) que em 1909 escrevera o seguinte: “Quando se percorre a<br />
literatura médica no que diz respeito à hematologia <strong>da</strong> lepra, o fato que<br />
desde logo chama a atenção, é a divergência considerável dos resultados<br />
enunciados pelos diferentes autores, sobretudo no que se refere às<br />
modificações <strong>da</strong> fórmula leucocitária. Enquanto uns assinalam uma<br />
eosinofilia, seja constante seja freqüente (GAUCHER e BENSAUDE,<br />
GASTOU,LEREDDE,JOLLY,BETTMANN,MIGLIORINI,SICARD e GUILLAIN,<br />
MOSES, BOURRET), outros limitam esta modificação à lepra tuberosa<br />
(SABRAZÉS e MATHIS, MOREIRA) ou a declaram muito mais pronuncia<strong>da</strong><br />
nesta forma (MITSUDA), Outros, ain<strong>da</strong>, negam-na completamente<br />
(CABRAL DE LIMA) ou insistem sôbre o seu caráter inconstante<br />
(JEANSELME e LEGER). Relativamente à proporção dos elementos<br />
mononucleados (linfócitos e grandes mononucleares), as divergências são<br />
igualmente muito acentua<strong>da</strong>s. CABRAL DE LIMA e MIGLIORINI notaram<br />
um aumento constante, ou quase, do conjunto dêstes elementos:<br />
WINIARSKY, JEANSELME, DOMINICI, MOREIRA, A. e M. LEGER, o dos<br />
grandes mononucleares; BOURRET, sòmente o dos linfócitos; MOSES, a<br />
diminuição dos grandes linfócitos”.<br />
Tendo em vista essas contradições, BOURRET procurou verificar<br />
“se a fórmula leucocitária tinha nos doentes de lepra urna constância<br />
suficiente para lhe <strong>da</strong>r valor semiológico real. Com êsse fim, examinou o<br />
sangue de um leproso (lepromatoso), a principio diàriamente, durante<br />
uma série de nove dias, e, em segui<strong>da</strong>, por mais quatro vêzes, de semana<br />
em semana. O mesmo exame era praticado em um indivíduo indene de<br />
lepra, vivendo em condições sensìvel-