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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO<br />
CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO<br />
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS<br />
UMA ABORDAGEM DIACRÔNICO-COMPARATIVA DA ABREVIAÇÃO EM<br />
DIFERENTES GÊNEROS, SUPORTES E TECNOLOGIAS<br />
Aluna: Fabiana <strong>de</strong> Souza Silva<br />
Tese apresentada ao Programa <strong>de</strong><br />
Pós-Graduação em Letras da UFPE<br />
como requisito básico para obtenção<br />
do grau <strong>de</strong> Doutor em Lingüística.<br />
Orientador: Prof. Dr. Phil. Marlos <strong>de</strong> Barros Pessoa<br />
Recife, maio <strong>de</strong> 2006.
Silva, Fabiana <strong>de</strong> Souza<br />
Uma abordagem diacrônico-comparativa da<br />
abreviação em diferentes gêneros, suportes e<br />
tecnologias/ Fabiana <strong>de</strong> Souza Silva.– Recife: O<br />
Autor, 2006.<br />
253 folhas: iI., quadros, tab., graf.<br />
Tese (doutorado) – Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong><br />
Pernambuco. CAC. Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em<br />
Letras e Lingüística, 2006.<br />
Inclui bibliografia.<br />
1. Lingüística. 2. Diacronia. 3.Abreviação. 4.<br />
Gênero textual. I. Título.<br />
801 CDU (2.ed.) UFPE<br />
410 CDD (22.ed.) CAC2006-<br />
11
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBCO<br />
CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO<br />
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS<br />
UMA ABORDAGEM DIACRÔNICO-COMPARATIVA DA ABREVIAÇÃO EM<br />
DIFERENTES GÊNEROS, SUPORTES E TECNOLOGIAS<br />
BANCA EXAMINADORA:<br />
__________________________________<br />
Prof. Dr. Phil. Marlos <strong>de</strong> Barros Pessoa<br />
Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Pernambuco<br />
Prof. Dr. Phil. Dermeval da Hora Oliveira<br />
Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral da Paraíba<br />
______________________<br />
Prof. Dr. Antonio Carlos dos Santos Xavier<br />
Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Pernambuco<br />
________________________________________<br />
Prof.ª Dr.ª Stella Virgínia Telles <strong>de</strong> Araújo Pereira<br />
Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Pernambuco<br />
Prof.ª Dr.ª Virgínia Maria Almoêdo <strong>de</strong> Assis<br />
Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Pernambuco<br />
Tese apresentada ao Programa <strong>de</strong><br />
Pós-Graduação em Letras da UFPE<br />
como requisito básico para obtenção<br />
do grau <strong>de</strong> Doutor em Lingüística.
Ao Profº Luis Antônio Marcuschi,<br />
exemplo <strong>de</strong> homem, profissional,<br />
amigo, por ter-me incentivado a<br />
prosseguir com esse tema,<br />
transformando<br />
realida<strong>de</strong>.<br />
um sonho em
AGRADECIMENTOS<br />
“Há pessoas que nos falam e nem as escutamos; há<br />
pessoas que nos ferem e nem cicatrizes <strong>de</strong>ixam;<br />
mas há pessoas que simplesmente aparecem em<br />
nossa vida e nos marcam para sempre”. (Cecília<br />
Meireles)<br />
A Deus, único e suficiente Salvador <strong>de</strong> nossa alma, pelo perdão;<br />
A meu pai, Nivaldo Rodrigues da Silva, pela paixão que <strong>de</strong>spertou em<br />
nós pelas letras;<br />
A minha mãe, Maria Lan<strong>de</strong>lina <strong>de</strong> Souza Silva, pelo real exemplo da<br />
autêntica mulher virtuosa;<br />
A Landivaldo, Edvânia, David Lucas e Anna Karollinne, pelos inúmeros<br />
e inesquecíveis favores prestados;<br />
A Patrícia, pelo regresso ao lar;<br />
A Jorgevaldo, pela paciência infinita com o meu constante mau humor;<br />
A Marylane, por ser espontaneamente minha <strong>de</strong>fensora extra judicial;<br />
A Junior, pelas ricas lições bíblicas trocadas em nossas incontáveis<br />
noites <strong>de</strong> insônia;<br />
A Betânia, pela honra da sua companhia inefável em nossas viagens<br />
em seu carro ao Recife;<br />
A Fátima, amiga em todas as horas, por ser minha conselheira<br />
sentimental;<br />
A Medianeira, por tão carinhosamente ter-me acolhido em seu<br />
apartamento no Cor<strong>de</strong>iro;
Ao casal Ravic e Regina Rolim, pelo sorriso que ostento;<br />
A UFPB, por conce<strong>de</strong>r-me o afastamento para a capacitação docente;<br />
A UFPE, pelo trabalho sério e competente ali <strong>de</strong>sempenhado;<br />
A CAPES, pela oportunida<strong>de</strong> a mim outorgada <strong>de</strong> realizar minha<br />
pesquisa;<br />
Ao Prof. Dr. Marlos <strong>de</strong> Barros Pessoa, orientador incondicional, pelos<br />
preciosos ensinamentos ao longo do curso;<br />
Ao Prof. Dr. Phd. Dermeval da Hora, professor na graduação,<br />
orientador no mestrado, examinador no doutorado, pelo currículo que tenho;<br />
À Profª Drª Ângela Dionísio, pelo espaço aberto para mim em seu SPA;<br />
Ao Prof. Dr. Luis Antônio Marcuschi, pelos sábios conselhos;<br />
A Diva e Eraldo, profissionais e amigos em toda hora;<br />
Aos colegas do DLCV, por levarem durante os quatro anos o fardo que<br />
era meu;<br />
A Drª Margarete Trigueiro, por ter abreviado o meu sofrimento,<br />
agilizando o meu divórcio;<br />
A Marcos Antonio Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Araújo por, não mais que <strong>de</strong> repente, ter<br />
transformado o meu pranto em riso;<br />
Enfim, a todos quantos fizeram parte da minha longa e renhida história<br />
rumo ao Doutorado.
“Apenas preservando a<br />
inteligência da cultura do<br />
có<strong>de</strong>x po<strong>de</strong>mos gozar a<br />
“felicida<strong>de</strong> extravagante”<br />
prometida pela tela”.<br />
Roger Chartier
RESUMO<br />
O objetivo central <strong>de</strong>ste trabalho é apresentar o uso da abreviação<br />
numa perspectiva histórico-comparativa, a fim <strong>de</strong> provar que a ocorrência<br />
<strong>de</strong>sse fenômeno, ao contrário do que se pensa, não é uma criação do texto<br />
eletrônico, mas teve início no século VI a.C. <strong>de</strong>vido ao alto custo do<br />
pergaminho, material utilizado para a escrita. À luz da teoria dos gêneros<br />
textuais, testamos se há maior ou menor uso <strong>de</strong>sse recurso, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo do<br />
suporte e gênero utilizados, além <strong>de</strong> outras variáveis sociointerativas, entre<br />
elas o propósito comunicativo e o estilo. Analisamos ainda quatro variáveis<br />
estruturais, quais sejam: extensão do texto, extensão do vocábulo, classes <strong>de</strong><br />
palavras e tonicida<strong>de</strong> da sílaba. Por último, verificamos quatro variáveis, <strong>de</strong>sta<br />
vez sociais, a saber: faixa etária, grau <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong>, sexo e profissão. O<br />
corpus analisado consta <strong>de</strong> cartas, diários, blogs, e-mails e SMSs. Os dois<br />
primeiros gêneros situam-se entre os séculos XVIII e XIX, pertencentes a três<br />
Estados da região nor<strong>de</strong>ste: PB, PE e BA. O material correspon<strong>de</strong>nte aos<br />
gêneros digitais foi coletado <strong>de</strong> seis provedores da Internet: UOL, IG, TERRA,<br />
IBEST, YAHOO e HOTMAIL, além <strong>de</strong> três empresas <strong>de</strong> telefonia celular: OI,<br />
TIM e CLARO. Observamos que o gênero textual, seguido do propósito<br />
comunicativo, <strong>de</strong>termina o estilo do texto, promovendo ou não a ocorrência da<br />
abreviação.<br />
PALAVRAS-CHAVE: abreviação, gênero, estilo, propósito comunicativo.
ABSTRACT<br />
The central objective of this work is to present the use of the abbreviation<br />
in a perspective comparative-historically, in or<strong>de</strong>r to prove that the inci<strong>de</strong>nt was<br />
giving phenomenon, on the contrary of what one thinks, it is not a creation of<br />
the electronic text, but it had beginning in the century VI, due to the high cost of<br />
the parchment, material used for the writing. By the light of the theory of the<br />
textual types, we test a bigger or less use of this resource, <strong>de</strong>pending on the<br />
support and type when the communicative purpose and the style were used,<br />
besi<strong>de</strong>s other variables sociointerativas, between them. We analyse still four<br />
structural, what variables be: extension of the text, extension of the word,<br />
classes of words and tonicity of the syllable. For last, we check four variables,<br />
this time social, knowing: age group, <strong>de</strong>gree of schooling, sex and profession.<br />
The analysed corpus consists of letters, diaries, blogs, e-mails and SMSs. The<br />
first two types are situated between the centuries XVIII and XIX pertaining to<br />
three States of the northeast region: PB, PE and BA. The corresponding<br />
material to the digital types was collected of six provi<strong>de</strong>rs of the Internet: UOL,<br />
IG, TERRA, IBEST, YAHOO and HOTMAIL, besi<strong>de</strong>s three enterprises of<br />
cellular telephony: OI, TIM and CLARO. We notice that the textual type,<br />
followed by the communicative purpose, <strong>de</strong>termines the style of the text,<br />
promoting or not the inci<strong>de</strong>nt of the abbreviation.<br />
KEY WORDS: abbreviation, type, style, communicative purpose.
RÉSUMÉ<br />
L'objectif central <strong>de</strong> ce travail est présenter l'utilisation <strong>de</strong> l'abréviation<br />
dans une perspective histórico-comparativa, afin <strong>de</strong> prouver que la présence <strong>de</strong><br />
ce phénomène, dont au contraire se pense, n'est pas une création du texte<br />
électronique, mais a eu du début dans le siècle VI, dû au haut coût du<br />
parchemin, du matériel utilisé pour l'écriture. À la lumière <strong>de</strong> la théorie <strong>de</strong>s<br />
types littéraux, nous expérimentons une plus gran<strong>de</strong> ou moindre utilisation <strong>de</strong><br />
cette ressource, dépendant du support et du type utilisés, outre autres variables<br />
sociointerativas, entre elles l'intention comunicativo et le style. Nous analysons<br />
encore quatre variables structurelles, lequel soient : extension du texte,<br />
extension du vocable, classes <strong>de</strong> mots et tonicité <strong>de</strong> la syllabe. Finalement,<br />
nous vérifions quatre variables, cette fois sociales, à <strong>de</strong>savoir : ban<strong>de</strong> étaire,<br />
<strong>de</strong>gré <strong>de</strong> scolarité, sexe et profession. Le corpus analysé consiste <strong>de</strong> lettres,<br />
quotidiennes, blogs, e-mails et <strong>de</strong> SMSs. Les <strong>de</strong>ux premiers types se placent<br />
entre les siècles XVIII et XIX, appartenant à trois États <strong>de</strong> la région nord-est :<br />
PB, PE et BA. Le matériel correspondant aux types digitaux a été rassemblé <strong>de</strong><br />
six fournisseurs <strong>de</strong> l'Internet : UOL, IG, TERRA, IBEST, YAHOO et HOTMAIL,<br />
outre trois sociétés <strong>de</strong> téléphonie cellulaire : OI, TIM et CLARO. Nous<br />
observons que le type littéral, suivant <strong>de</strong> l'intention comunicativo, détermine le<br />
style du texte, promouvant ou non la présence <strong>de</strong> l'abréviation.<br />
MOTS CLÉ: abréviation, type, style, intention comunicativo.
LISTA DE QUADROS, GRÁFICOS E TABELAS<br />
QUADROS PÁGINA<br />
Quadro 1 44<br />
Quadro 2 46<br />
Quadro 3 78<br />
Quadro 4 79<br />
Quadro 5 81<br />
Quadro 6 125<br />
Quadro 7 229<br />
GRÁFICOS PÁGINA<br />
Gráfico 1 47<br />
Gráfico 2 162<br />
Gráfico 3 168<br />
Gráfico 4 174<br />
Gráfico 5 180<br />
Gráfico 6 188<br />
Gráfico 7 192<br />
Gráfico 8 198<br />
Gráfico 9 203<br />
Gráfico 10 207<br />
Gráfico 11 212<br />
Gráfico 12 218<br />
TABELAS PÁGINA<br />
Tabela 1 202<br />
Tabela 2 224
LISTA DE ABREVIAÇÕES E SIGLAS<br />
Sr. Senhor<br />
Dr. Doutor<br />
lh’ Lhe<br />
q’ Que<br />
Illmos Ilustríssimos<br />
Exmos Excelentíssimos<br />
ver<strong>de</strong>. Verda<strong>de</strong><br />
kd Cadê<br />
ligô Ligou<br />
prosperi<strong>de</strong> Prosperida<strong>de</strong><br />
VMg<strong>de</strong>. Vossa Magesta<strong>de</strong><br />
Itamca. Itamaracá<br />
Sta. Santa<br />
porq’ Porque<br />
impreitro Empreiteiro<br />
pa. para<br />
da. dita<br />
juramto. Juramento<br />
Fazda. Fazenda<br />
cappnia. Capitania<br />
<strong>de</strong> poimo. <strong>de</strong>poimento<br />
do. dito<br />
ne = / cessro. necessário<br />
pagamo. pagamento<br />
mto. Muito<br />
<strong>de</strong>ligca. diligência<br />
engenros. engenheiros<br />
Sargto. Sargento<br />
g<strong>de</strong>. guar<strong>de</strong><br />
Des. Deus<br />
fundamos. fundamentos<br />
ans. anos<br />
ampo. amparo<br />
pr por<br />
mma mesma<br />
va vila<br />
redo reverendo<br />
pe padre<br />
segdo segundo<br />
qm quem<br />
Ant Frz Antonio Ferraz<br />
Perra da Sa Pereira da Silva<br />
Doq do que<br />
Offs ofícios<br />
Segte seguinte<br />
Pra primeira<br />
Re. Recife<br />
Pernco. Pernambuco<br />
Dezro. Dezembro<br />
Bjs. Beijos<br />
Ksa. Casa<br />
Tbm. Também
Flo. Falou<br />
Hje. Hoje<br />
Nu. No<br />
Xopi. Shopping<br />
Fze. Fazer<br />
Ñ. Não<br />
Qdo. Quando<br />
Msg Mensagens<br />
Cmg comigo<br />
Vc você<br />
Fev fevereiro<br />
Tel telefone<br />
+tard mais tar<strong>de</strong><br />
D <strong>de</strong><br />
Credt crédito<br />
V ver<br />
Cel celular<br />
Sl sala<br />
C d ser <strong>de</strong><br />
Bb bebê<br />
Mar março<br />
Cm com<br />
Spcial especial<br />
Fliz feliz<br />
D+ <strong>de</strong>mais<br />
Pq porque<br />
D - <strong>de</strong> menos<br />
s/ sem<br />
kda cada<br />
fce face<br />
bok boca<br />
t ter<br />
findi fim <strong>de</strong> semana<br />
dpois <strong>de</strong>pois<br />
cviço serviço<br />
td tudo<br />
diz dizer<br />
ngm ninguém<br />
krak caraca<br />
gral geral<br />
msm mesmo<br />
aki aqui<br />
ksa casa<br />
<strong>de</strong>pre <strong>de</strong>pressão<br />
psor professor<br />
mó maior<br />
c com<br />
abs abraço<br />
ch chamada<br />
s.sul shopping sul<br />
Land Landivaldo<br />
Ed1 Edvânia 1<br />
Ed 2 Edvânia 2<br />
+ ou - mais ou menos<br />
Blxinha belezinha
SUMÁRIO<br />
INTRODUÇÃO ______________________________________________________ 16<br />
• OBJETIVO ______________________________________________________________ 20<br />
• HIPÓTESES _____________________________________________________________ 22<br />
• METODOLOGIA __________________________________________________________ 22<br />
A) A PESQUISA ____________________________________________________________ 23<br />
B) A SELEÇÃO_____________________________________________________________ 23<br />
b.1) O período _____________________________________________________________ 23<br />
b.2) O local ________________________________________________________________ 24<br />
b.3) O material _____________________________________________________________ 25<br />
b.3.1) Tipologia ____________________________________________________________ 25<br />
b.3.2) A autoria ____________________________________________________________ 29<br />
b.3.3) A amostra (distribuição geográfica e temporal)____________________________ 29<br />
b.3.4) A seleção dos informantes _____________________________________________ 29<br />
C) VARIÁVEIS ANALISADAS ____________________________________________________ 31<br />
c.1) Variáveis sociointerativas________________________________________________ 32<br />
• Gênero ________________________________________________________________ 32<br />
• Estilo __________________________________________________________________ 32<br />
• Instância <strong>de</strong> realização___________________________________________________ 33<br />
• Participantes ___________________________________________________________ 33<br />
• Propósito comunicativo __________________________________________________ 33<br />
• Suporte ________________________________________________________________ 33<br />
C.2) VARIÁVEIS ESTRUTURAIS _________________________________________________ 34<br />
• Extensão do texto _______________________________________________________ 34<br />
• Extensão do vocábulo ___________________________________________________ 34<br />
• Classes <strong>de</strong> palavras _____________________________________________________ 34<br />
• Tonicida<strong>de</strong> da sílaba_____________________________________________________ 35<br />
C.3) VARIÁVEIS SOCIAIS:______________________________________________________ 35<br />
• Faixa etária_____________________________________________________________ 35<br />
• Grau <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong> ____________________________________________________ 35<br />
• Sexo __________________________________________________________________ 35<br />
• Profissão_______________________________________________________________ 36<br />
CAPÍTULO 1 ________________________________________________________ 37<br />
O CONTINUUM FALA/ESCRITA: VERSO E REVERSO DA MESMA MOEDA ____ 37<br />
1.1 O CONCEITO DE LÍNGUA ___________________________________________________ 37<br />
1.2 O CONCEITO DE TEXTO____________________________________________________ 39<br />
1.3 CONCEITO DE FALA E ESCRITA _____________________________________________ 40<br />
1.4 PERSPECTIVAS DE ANÁLISE________________________________________________ 43<br />
1.5 O CONTINUUM ENTRE ALGUNS GÊNEROS TRADICIONAIS NA FALA E NA ESCRITA _____ 47<br />
1.6 O CONTINUUM DE GÊNEROS NA COMUNICAÇÃO DIGITAL MEDIADA POR COMPUTADOR 49<br />
CAPÍTULO 2 ________________________________________________________ 52
ABREVIAÇÃO: DA GÊNESE À DISSEMINAÇÃO___________________________ 52<br />
2.1 CONCEITO DE ABREVIAÇÃO ________________________________________________ 54<br />
2.1.1 ABREVIAÇÃO X ABREVIATURA ____________________________________________ 55<br />
2.1.2 A TRADIÇÃO DAS ABREVIAÇÕES: UM POUCO DE HISTÓRIA ______________________ 57<br />
2.1.3 ABREVIAÇÃO E OS SINAIS ABREVIATIVOS ____________________________________ 61<br />
2.1.4 CLASSIFICAÇÃO DAS ABREVIAÇÕES ________________________________________ 62<br />
2.1.5 A ABREVIAÇÃO E AS NOTAS TIRONIANAS OU TAQUIGRAFIA______________________ 66<br />
2.1.6 A ABREVIAÇÃO E A SIMPLIFICAÇÃO LINGÜÍSTICA ______________________________ 68<br />
2.1.7 A ABREVIAÇÃO NAS GRAMÁTICAS E HOME PAGES _____________________________ 70<br />
CAPÍTULO 3 ________________________________________________________ 85<br />
A ABREVIAÇÃO E AS TECNOLOGIAS: DO MANUSCRITO AO TEXTO DIGITAL_ 85<br />
3.1 O MANUSCRITO __________________________________________________________ 87<br />
3.2 O IMPRESSO ____________________________________________________________ 91<br />
3.3 O ELETRÔNICO __________________________________________________________ 96<br />
CAPÍTULO 4 _______________________________________________________ 104<br />
A ABREVIAÇÃO E OS GÊNEROS TEXTUAIS: DA CARTA AO E-MAIL________ 104<br />
4.1 ORIGEM DO TERMO______________________________________________________ 104<br />
4.1.2 TIPO TEXTUAL X GÊNERO TEXTUAL_______________________________________ 104<br />
• Tipo textual____________________________________________________________ 104<br />
• Gênero textual _________________________________________________________ 105<br />
4.1.3 BREVÍSSIMO HISTÓRICO ________________________________________________ 105<br />
4.2 GÊNEROS EMERGENTES X GÊNEROS PREEXISTENTES _________________________ 108<br />
4.2.1 O GÊNERO CARTA _____________________________________________________ 109<br />
4.2.1.1 Definição __________________________________________________________ 109<br />
4.2.1.2 Classificação_______________________________________________________ 110<br />
4.2.1.3 Visão panorâmica __________________________________________________ 114<br />
4.2.1.4 Cartas pessoais X cartas oficiais______________________________________ 116<br />
4.2.2 O GÊNERO DIÁRIO _____________________________________________________ 118<br />
4.2.2.1 Origem ____________________________________________________________ 118<br />
4.2.2.2 Definição __________________________________________________________ 118<br />
4.2.2.3 A tradição dos diários _______________________________________________ 118<br />
4.2.2.4 A classificação dos diários ___________________________________________ 120<br />
4.2.3 O GÊNERO E-MAIL _____________________________________________________ 122<br />
4.2.3.1 Origem ____________________________________________________________ 122<br />
4.2.3.2 Definição __________________________________________________________ 123<br />
4.2.3.3 Características _____________________________________________________ 124<br />
4.2.3.4 A linguagem dos e-mails_____________________________________________ 127<br />
4.2.3.5 E-mails pessoais X E-mails comerciais ________________________________ 129<br />
4.2.4 O GÊNERO SMS ______________________________________________________ 131<br />
4.2.4.1Origem ____________________________________________________________ 131<br />
4.2.4.2 Definição __________________________________________________________ 132<br />
4.2.4.3 Como funciona o SMS_______________________________________________ 133<br />
4.2.4.4 SMS pessoal e empresarial __________________________________________ 134<br />
4.2.4.5 Principais benefícios do SMS_________________________________________ 134<br />
4.2.4.6 Aplicações do SMS Marketing ________________________________________ 135
4.2.5 O GÊNERO BLOG ______________________________________________________ 137<br />
4.2.5.1 Origem ____________________________________________________________ 137<br />
4.2.5.2 Definição __________________________________________________________ 137<br />
4.2.5.3 Como funciona o blog _______________________________________________ 138<br />
4.2.5.4 Blogs pessoais e empresariais _______________________________________ 139<br />
4.2.5.5 A linguagem nos blogs: tá td blz!______________________________________ 139<br />
4.3 A ABREVIAÇÃO E O SUPORTE DE GÊNEROS TEXTUAIS__________________________ 141<br />
4.3.1 DEFINIÇÃO ___________________________________________________________ 142<br />
4.3.2 CATEGORIAS DE SUPORTES TEXTUAIS_____________________________________ 142<br />
4.3.3 SUPORTES CONVENCIONAIS _____________________________________________ 143<br />
4.3.4 SUPORTES INCIDENTAIS ________________________________________________ 143<br />
4.3.5 SERVIÇOS____________________________________________________________ 144<br />
CAPÍTULO 5 _______________________________________________________ 146<br />
ANÁLISE DOS DADOS ______________________________________________ 146<br />
CONSIDERAÇÕES FINAIS ___________________________________________ 238<br />
REFERÊNCIAS_____________________________________________________ 242
INTRODUÇÃO<br />
Embora existam ainda em nossos dias opiniões formadas <strong>de</strong> que<br />
estudar a história <strong>de</strong> uma língua é algo sem sentido, sabemos que é com um<br />
olhar voltado para o passado que encontraremos explicações para os<br />
processos <strong>de</strong> variação e mudança da língua. Sem abordagem diacrônica é<br />
impossível <strong>de</strong>svendar as complexida<strong>de</strong>s que cada período <strong>de</strong> uma língua<br />
registra, e mencionar a importância que a documentação correspon<strong>de</strong>nte às<br />
várias fases da língua representa para o conhecimento <strong>de</strong>sta.<br />
Não raras vezes, são os dados concretos <strong>de</strong> períodos passados que<br />
fornecerão elementos para a compreensão <strong>de</strong> fenômenos que ocorrem no<br />
presente. Para tanto, faz-se necessário conhecer não apenas o objeto <strong>de</strong><br />
estudo, a língua, mas aspectos da socieda<strong>de</strong> na qual aquela era utilizada como<br />
meio <strong>de</strong> expressão. Afinal, por ser um instrumento <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong><br />
imprescindível, a língua passa por constante mudança, ocasionando inovações<br />
a todo instante em sua própria essência.<br />
A rapi<strong>de</strong>z ou a lentidão das mudanças da língua é <strong>de</strong>terminada pela<br />
estrutura da socieda<strong>de</strong>, ou seja, são as condições sociológicas que favorecem<br />
o acúmulo e a integral realização da complexa evolução por que passam as<br />
línguas no tempo e no espaço (SILVA NETO, 1970, p. 13).<br />
Desta forma, diz-se que a evolução se <strong>de</strong>u no tempo, quando se imitam<br />
os mo<strong>de</strong>los do passado, reproduzindo-se os seus modos <strong>de</strong> dizer; no espaço,<br />
quando indivíduos, que estão em estágios lingüísticos diferentes, se<br />
interpenetram mutuamente.
Assim, a vida social encontra-se em constante oscilação entre a<br />
imitação dos antigos e a difusão das inovações. Estas últimas po<strong>de</strong>m ser lentas<br />
e complexas, sujeitas a múltiplos e variadíssimos fatores. Entretanto, como<br />
lembra Silva Neto (1970), só vingam as inovações que consultam o espírito da<br />
evolução. Por isso é que muitas abortam, não passam dos primeiros<br />
movimentos: afoga-as o ridículo ou a indiferença coletiva. Com isso, não<br />
queremos dizer que inovar implica evoluir, tampouco afirmar que toda evolução<br />
resulta em avanços, melhoras. Ou seja, tomando por base o sentido <strong>de</strong><br />
evolução enquanto processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento e aperfeiçoamento <strong>de</strong> um<br />
saber, <strong>de</strong> uma ciência etc (HOUAISS, 2001, p. 1278), po<strong>de</strong>mos assegurar que<br />
há inovações que não resultam em evoluções, restringindo-se ao seu sentido<br />
<strong>de</strong> dicionário, ou seja, são apenas coisas novas, novida<strong>de</strong>s, algo que não havia<br />
antes e que, por isso mesmo, não indica evolução, uma vez que não houve<br />
<strong>de</strong>senvolvimento ou aperfeiçoamento.<br />
Serão as inovações e as imitações observáveis na língua que<br />
nortearão nossa pesquisa, em especial aquelas relacionadas às abreviações<br />
que, já comuns no século VI a.C., ganham <strong>de</strong>staque outra vez no século XX,<br />
com o texto digital. Assim, buscaremos traçar uma comparação entre as<br />
abreviações utilizadas em períodos anteriores e nos dias atuais, analisando as<br />
regras utilizadas para abreviar, as siglas correspon<strong>de</strong>ntes a cada palavra, os<br />
sinais abreviativos, entre outros, a fim <strong>de</strong> classificarmos em<br />
inovações/imitações ou evoluções as abreviações existentes no passado e que<br />
se mantiveram até hoje.<br />
Como po<strong>de</strong>mos ler em Martins (1996, p.174), as invenções são apenas<br />
transformações ou aperfeiçoamentos <strong>de</strong> coisas anteriormente conhecidas, ou<br />
<strong>de</strong> pedaços <strong>de</strong> invenções anteriormente tentadas. E acrescenta: os primeiros<br />
aviões aspiram a ser monstruosas libélulas ou enormes gafanhotos; os<br />
primeiros automóveis parecem muito mais com as carruagens <strong>de</strong> cavalos do<br />
que com os automóveis atuais.<br />
Para David Crystal (2001, p.2), é uma ilusão pensar que a cada nova<br />
tecnologia o mundo todo se renova por completo. Segundo ele, “novida<strong>de</strong>s<br />
po<strong>de</strong>m até acontecer, mas com o tempo percebe-se que não era tão novo<br />
aquilo que foi tido como tal”. Ou seja, são novida<strong>de</strong>s com algum gosto do<br />
17
conhecido. Conforme lemos em Todorov (1980), os gêneros simplesmente vêm<br />
<strong>de</strong> outros gêneros. Segundo esse autor, não há gênero novo, mas sim uma<br />
transformação <strong>de</strong> um ou vários gêneros antigos. E essa transformação se dá<br />
ou por inversão, ou por <strong>de</strong>slocamento ou por combinação. No dizer <strong>de</strong> Xavier<br />
(2002, p.66),<br />
Não há vácuos invencionistas em toda a história humana, isto<br />
é, toda invenção é, via <strong>de</strong> regra, uma “reinvenção” <strong>de</strong> outras<br />
invenções bem sucedidas; o nada não cria, tudo vai se<br />
transformando sob a batuta inventiva da mente humana.<br />
Com base nessas informações, faremos uma análise das abreviações<br />
enquanto um “legado” do manuscrito ou uma “criação” da era digital, em<br />
especial do texto eletrônico 1 , já que muitas vezes é a ele associada a<br />
imputação pelo uso expressivo daquelas. Para tanto, observaremos o número<br />
<strong>de</strong> ocorrência <strong>de</strong>stas nas tecnologias: a manuscrita, a impressa e a digital;<br />
testaremos se a ocorrência <strong>de</strong>las dá-se em todas as classes <strong>de</strong> palavras; se o<br />
fator extensão do vocábulo é relevante para aplicação da regra; se a tonicida<strong>de</strong><br />
é ou não favorável à abreviação e, por fim, verificar se a economia lingüística é<br />
o que rege o uso das abreviações, ou se há outro(s) fator(es) envolvido(s)<br />
nesse processo.<br />
Assim, a Introdução trará os objetivos, as hipóteses e a metodologia<br />
utilizada ao longo do nosso trabalho, bem como as variáveis analisadas, a<br />
saber: estruturais (classes <strong>de</strong> palavra – iremos verificar se o uso da<br />
abreviação ocorre in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da classe <strong>de</strong> palavra: substantivo, adjetivo,<br />
advérbio etc, ou se a incidência do fenômeno em estudo é maior em algumas<br />
que em outras; extensão do vocábulo - nessa variável, o objetivo da análise<br />
será fundamentado no princípio da economia lingüística, que registrará um<br />
número <strong>de</strong> aplicação da regra mais freqüente em palavras polissílabas que em<br />
monossílabas, caso seja esse o fator que rege o uso da abreviação;<br />
tonicida<strong>de</strong> da sílaba – com base no princípio da saliência fônica, buscaremos<br />
explicações para uma maior freqüência em sílabas tônicas que em átonas, fato<br />
já observado em uma primeira análise dos dados; extensão do texto – numa<br />
1 Aqui usamos indistintamente os termos eletrônico, digital ou virtual.<br />
18
primeira observação dos dados, os textos que apresentavam um maior número<br />
<strong>de</strong> linhas (escritas), conseqüentemente traziam um número maior <strong>de</strong><br />
abreviações que os textos com menos linhas escritas); sociointerativas (estilo<br />
– essa variável permitiu-nos dividir os textos em formais e informais, a fim <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>tectar se o grau <strong>de</strong> formalida<strong>de</strong> do texto inibe ou favorece a aplicação da<br />
regra; instância <strong>de</strong> realização – esse fator classifica os textos em privadas<br />
(pessoais) e públicas (empresariais). Com base nele, apresentaremos a<br />
probabilida<strong>de</strong> maior <strong>de</strong> ocorrência da abreviação em um ou outro tipo <strong>de</strong> texto;<br />
propósito comunicativo – ao que parece, os textos cujo objetivo era o <strong>de</strong><br />
divertir, ao contrário daqueles que objetivavam informar, são mais propensos a<br />
usar abreviações dado o teor lúdico; gênero textual – tendo como premissa a<br />
tese <strong>de</strong> que as palavras são selecionadas segundo as especificida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> um<br />
gênero (BAKHTIN,1992, p. 312), <strong>de</strong>monstraremos qual dos gêneros<br />
trabalhados apresenta um maior número <strong>de</strong> abreviações, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do<br />
período <strong>de</strong> uso; suporte textual – Xavier (2002, p.75) garante que “boa parte<br />
da excelência intelectual alcançada pela escrita alfabética ao longo dos séculos<br />
<strong>de</strong>ve ser creditada também a evolução dos suportes nos quais ela se abrigou”.<br />
A partir <strong>de</strong>ssa informação, iremos verificar se os suportes exercem alguma<br />
influência sobre os gêneros, no nosso caso, promovendo a existência <strong>de</strong><br />
abreviações no texto; e participantes – o fato <strong>de</strong> haver menos pessoas<br />
envolvidas no processo <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> favorece o uso <strong>de</strong> abreviações ao<br />
longo da produção textual); e sociais (faixa etária – no que tange aos gêneros<br />
por nós analisados, a ida<strong>de</strong> do “produtor do texto” <strong>de</strong>staca-se como relevante<br />
quando o texto abordado é virtual. Buscaremos, pois, <strong>de</strong>monstrar se é<br />
categórico esse resultado ou se também ocorre nos <strong>de</strong>mais gêneros; grau <strong>de</strong><br />
escolarida<strong>de</strong> – com base numa primeira observação dos dados, vimos que<br />
quanto mais escolarizado o ‘autor’, menos abreviações são notadas em seus<br />
textos. Assim, veremos se o inverso também ocorre na utilização <strong>de</strong>sse recurso<br />
da língua, a abreviação; sexo – como a literatura aponta as mulheres como<br />
mais conservadoras que os homens e mais inovadoras quando se trata <strong>de</strong> uma<br />
variante <strong>de</strong> prestígio, utilizaremos essa variável a fim <strong>de</strong> comprovar ou não tais<br />
afirmações; e profissão – embora seja consi<strong>de</strong>rada relevante na ocorrência <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>terminados fatores, no uso <strong>de</strong> abreviações, a profissão, ao menos na<br />
primeira observação dos dados, não foi consi<strong>de</strong>rada <strong>de</strong>terminante, sendo<br />
19
possível encontrar tal recurso em textos <strong>de</strong> autores <strong>de</strong> profissões as mais<br />
variadas possíveis).<br />
Dedicaremos o Capítulo I ao continuum fala/escrita, por enten<strong>de</strong>rmos o<br />
processo <strong>de</strong> abreviação como um recurso da fala interferindo na escrita, visto<br />
que muitas formas abreviadas buscam representar a palavra escrita da forma<br />
como ela é pronunciada, o que resulta algumas vezes na alteração <strong>de</strong><br />
grafemas (ex: cadê por kd). Veremos a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> cada termo, bem como as<br />
várias perspectivas <strong>de</strong> análise, observando como contrapostos os contínuos<br />
entre alguns gêneros tradicionais na fala e na escrita, e na <strong>comunicação</strong> digital<br />
mediada por computador. No Capítulo II, iremos tratar da origem das<br />
abreviações, o conceito que lhes é pertinente, a sistemática e tradição, sua<br />
classificação, o tratamento dado àquelas pelas gramáticas e sites específicos.<br />
A relação que há entre a abreviação e o meio (manuscrito, impresso, digital) no<br />
qual ela é reproduzida será abordada no Capítulo III. O Capítulo IV trará a<br />
abreviatção e os gêneros textuais (emergentes e preexistentes). Veremos o<br />
conceito, origem e propagação <strong>de</strong>stes, além da diferença entre gênero e tipo<br />
textual. Para tanto, tomaremos como objeto <strong>de</strong> análise a carta, o e-mail, o<br />
diário, o blog e o SMS. Traremos também as implicações do suporte textual e o<br />
uso <strong>de</strong> abreviações, a fim <strong>de</strong> constatar se há ou não alguma relação entre<br />
ambos. Para tanto, traremos a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> suporte bem como exemplos <strong>de</strong><br />
suportes convencionais e inci<strong>de</strong>ntais. A análise e os resultados serão<br />
expressos no Capítulo V. Nele, nossa tarefa será a <strong>de</strong> corroborar nossas<br />
hipóteses testadas, a fim <strong>de</strong>, em seguida, apresentarmos as constatações da<br />
nossa pesquisa que buscou oferecer uma contribuição, ainda que incipiente,<br />
para estudiosos da área.<br />
Objetivo<br />
Este trabalho tem como objetivo analisar um dos aspectos da língua<br />
portuguesa, a redução, aqui entendida como todo fenômeno <strong>de</strong> representação<br />
parcial dos vocábulos, seja literal parcial (“p.” por “página”), literal-algarísmica<br />
(“m 2 ” por “metro(s) quadrado(s)”), pictográfica realista (“☼” por “sol”, picto-<br />
20
i<strong>de</strong>ográfico simbólica (“♥” por “amor”, “paixão”), numa perspectiva diacrônicocomparativa,<br />
a fim <strong>de</strong> comprovarmos que fenômenos observáveis<br />
sincronicamente têm origem e explicação em estados remotos da história da<br />
língua; como também que são restritos a uma região ou, por tratar-se <strong>de</strong><br />
variação da língua, passíveis <strong>de</strong> observação em outras localida<strong>de</strong>s. E, a partir<br />
daí, afirmarmos em que aspectos se po<strong>de</strong>m flagrar inovações e em que outros<br />
perpetuam-se usos ou características das abreviações nos gêneros analisados.<br />
O aspecto diacrônico diz respeito ao período compreendido entre o<br />
século XVIII e o início dos estudos sincrônicos, enquanto o comparativo referese<br />
a três Estados da região Nor<strong>de</strong>ste do Brasil, quais sejam Paraíba,<br />
Pernambuco e Bahia. Escolhemos o século XVIII como o ponto <strong>de</strong> partida, por<br />
ser a partir <strong>de</strong>sse período que é possível levantar documentos ainda em<br />
condições <strong>de</strong> manusear-se, ao contrário dos séculos anteriores. Atravessamos<br />
o século XIX e nos esten<strong>de</strong>mos até o XX pelo surgimento e propagação do<br />
texto eletrônico, atual responsável por tamanha divulgação das abreviações<br />
nos textos, em especial nos blogs, chats e e-mails 2 .<br />
No que tange aos três Estados selecionados, Paraíba, Pernambuco e<br />
Bahia, buscamos traçar um perfil da região Nor<strong>de</strong>ste, a fim <strong>de</strong> sabermos se<br />
havia uma regularida<strong>de</strong> quanto ao uso das abreviações contidas em cartas<br />
produzidas naqueles Estados.<br />
A abreviação é uma espécie <strong>de</strong> redução <strong>de</strong> uso geralmente<br />
circunstancial, variável <strong>de</strong> obra para obra, <strong>de</strong> autor para autor, a qual, quando<br />
<strong>de</strong> uso geral, passa à categoria das abreviaturas (HOUAISS, 1983, p.121-122).<br />
Buscaremos mostrar on<strong>de</strong> e quando teve início esse recurso da língua; quais<br />
as características que lhe são peculiares, ou seja, as regras e/ou princípios<br />
utilizados para abreviar, os símbolos usados para representar a palavra<br />
abreviada; quais as pessoas que fazem uso <strong>de</strong>le e, finalmente, <strong>de</strong>scobrir se o<br />
texto eletrônico, seu propagador atual, é responsável pelo surgimento e uso da<br />
abreviação, ou se se trata apenas <strong>de</strong> uma retomada nos séculos XX e XXI <strong>de</strong><br />
um processo já existente anteriormente. Ainda, tentarmos respon<strong>de</strong>r à seguinte<br />
questão: se o uso das abreviações tem interferido em diferentes gêneros, uma<br />
2<br />
Observando-se as variáveis formal X informal; público X privado, conforme vemos no capítulo<br />
referente à análise.<br />
21
vez que estes são <strong>de</strong>terminados socio-historicamente (BAKHTIN, 1992,<br />
p.285,302).<br />
Hipóteses<br />
Com base em autores como Spina (1977), Acioli (1994), Mendonça<br />
(1987), Berwanger (1995) e Martins (1996) e, numa primeira observação do<br />
corpus, levantamos para o nosso trabalho sobre as abreviações as seguintes<br />
hipóteses:<br />
1. Esse recurso da língua foi larga e amplamente difundido no<br />
passado, permeando os mais variados gêneros; ou seja, seu uso, ao<br />
que parece, não se restringiu a uma região específica, mas, ao<br />
contrário, espraiou-se por diversos locais do país e do mundo;<br />
2. Seus princípios <strong>de</strong> utilização, apesar <strong>de</strong> toda mudança lingüística<br />
e social, são mantidos ainda hoje, com algumas alterações no que<br />
concerne à representação <strong>de</strong> alguns itens lexicais;<br />
3. O princípio da economia parece ter sido um fator <strong>de</strong>terminante da<br />
ocorrência <strong>de</strong> abreviações, não apenas nos séculos em que teve<br />
início, mas também nos dias atuais;<br />
4. O número <strong>de</strong> ocorrências das abreviações também está ligado ao<br />
grau <strong>de</strong> formalida<strong>de</strong> do texto, ao gênero textual, ao suporte textual,<br />
ao propósito comunicativo e à comunida<strong>de</strong> discursiva 3 ;<br />
5. Parece haver certa regularida<strong>de</strong> nas abreviações que permite<br />
uma recuperação da palavra abreviada sem muito esforço por parte<br />
do leitor, não apenas atualmente, mas em períodos anteriores.<br />
Metodologia<br />
3 Uma comunida<strong>de</strong> discursiva usa mecanismos <strong>de</strong> participação para uma série <strong>de</strong> propósitos:<br />
para prover o incremento da informação e do feedback; para canalizar a inovação; para manter<br />
os sistemas <strong>de</strong> crenças e <strong>de</strong> valores da comunida<strong>de</strong>; para aumentar seu espaço profissional<br />
[...]<br />
22
a) A pesquisa<br />
A história primeira <strong>de</strong>ste trabalho teve início em julho <strong>de</strong> 2002, quando<br />
do recebimento, da nossa parte, <strong>de</strong> várias mensagens <strong>de</strong> texto, via web,<br />
anunciadas no nosso celular. O fato <strong>de</strong> não conhecermos o (a) autor (a) era<br />
instigante, contudo, o que nos <strong>de</strong>ixou curiosos, no <strong>de</strong>correr do envio <strong>de</strong>ssas, foi<br />
o nosso <strong>de</strong>sconhecimento em relação a alguns vocábulos ali registrados: uma<br />
das mensagens dizia: “+ TARD TC C VC. BJS” 4 . De imediato, começamos uma<br />
busca por alguém que pu<strong>de</strong>sse <strong>de</strong>codificar essa linguagem, até então,<br />
misteriosa, para nós. No início, não sabíamos se se tratava <strong>de</strong> abreviação ou<br />
sigla; começamos a associá-la a um novo tipo <strong>de</strong> linguagem dos jovens.<br />
Após algumas aulas sobre as referidas mensagens, e já familiarizados<br />
com as abreviações, passamos a atribuir a esse novo meio <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> –<br />
web – o uso daquelas por parte <strong>de</strong> quem as utiliza. Entretanto, <strong>de</strong> volta ao<br />
ambiente acadêmico, <strong>de</strong>sta vez fazendo o levantamento do corpus com o qual<br />
iríamos trabalhar em nossa tese, <strong>de</strong>scobrimos nas leituras não apenas a<br />
ocorrência <strong>de</strong> abreviações, mas também, até certo ponto, um uso acentuado<br />
<strong>de</strong>las em cartas (documentos em geral) escritas no século XVIII. Nasce então a<br />
curiosida<strong>de</strong> e o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> sabermos 5 o quem, quando, on<strong>de</strong>, como e por que<br />
da origem da abreviação, já que agora tínhamos a certeza <strong>de</strong> que esse<br />
processo não é algo restrito a nossa época e, em particular, ao texto digital.<br />
Demos início a nossa pesquisa, que sempre priorizou o feitio diacrônico<br />
e também comparativo.<br />
b) A seleção<br />
b.1) O período<br />
4<br />
Por estarem em maiúsculas, pensamos tratar-se das iniciais do nome do remetente.<br />
5<br />
Segundo Pe. Antonio Vieira, quem não pergunta não quer saber; quem não quer saber quer<br />
ignorar.<br />
23
Quando do início propriamente dito da pesquisa, vimos que o <strong>de</strong>sejo<br />
pelo tema nascera com a incitante mensagem <strong>de</strong> texto recebida pelo celular e,<br />
mais tar<strong>de</strong>, a constatação das abreviações já em manuscritos do século XVIII.<br />
Restaram apenas os impressos. Foi quando optamos então por enveredar por<br />
este caminho que nos leva dos textos manuscritos, atravessa os impressos, até<br />
chegar aos textos digitais.<br />
Sabedores da dificulda<strong>de</strong> em encontrar um consi<strong>de</strong>rável número <strong>de</strong><br />
textos anteriores ao século XVIII – que estivessem pelo menos em bom estado<br />
<strong>de</strong> conservação 6 , portanto, passíveis <strong>de</strong> leitura, optamos por analisar<br />
manuscritos do século XVIII, textos impressos do século XIX, e textos digitais<br />
dos séculos XX e XXI.<br />
b.2) O local<br />
Restava o lugar. A escolha não foi difícil. Iríamos utilizar material da<br />
Paraíba, cujo corpus pertence à tese <strong>de</strong>fendida em 2003 pela Professora Maria<br />
Cristina <strong>de</strong> Assis Pinto, intitulada Caracterização Lingüística <strong>de</strong> Cartas Oficiais<br />
da Paraíba dos Séculos XVIII e XIX; do Recife, por aqui estarmos cursando o<br />
doutorado, trabalhamos com o material do Projeto Ortografia e Pontuação em<br />
manuscritos do século XVIII, coor<strong>de</strong>nado pelo Prof. Marlos <strong>de</strong> Barros Pessoa;<br />
e, por fim, o Estado da Bahia, para não só termos um perfil <strong>de</strong> Estados do<br />
Nor<strong>de</strong>ste, como também por sediar aquele Estado um bom banco <strong>de</strong> dados,<br />
organizado pela Profª Tânia Lobo, a saber: Cartas baianas setecentistas, fruto<br />
do “Projeto <strong>de</strong> Pesquisa das Fontes para o Estudo da História da Língua<br />
Portuguesa no Brasil”.<br />
Assim, preservaríamos a veia diacrônico-comparativa a que se propõe<br />
a pesquisa.<br />
6<br />
Há <strong>de</strong> se ter claro que existem, embora raros, materiais pertencentes a períodos anteriores<br />
passíveis <strong>de</strong> manuseio.<br />
24
.3) O material<br />
A princípio, pensamos restringir o material a ser por nós analisado a<br />
cartas. Porém, como faríamos um levantamento <strong>de</strong> textos digitais, vimos que<br />
talvez nos <strong>de</strong>sviássemos um pouco do nosso objetivo ao ter <strong>de</strong> provar, tratando<br />
e-mails e outros textos digitais como cartas, que aqueles seriam uma versão<br />
mo<strong>de</strong>rna <strong>de</strong>ssas. Depois <strong>de</strong> observarmos que as abreviações não eram<br />
específicas <strong>de</strong>sse gênero, mas, ao contrário, estavam presentes nos mais<br />
variados gêneros textuais, optamos então - já que é uma das nossas hipóteses<br />
- por analisar diversos suportes textuais, a fim <strong>de</strong> comprovarmos o real uso das<br />
abreviações em diferentes gêneros, <strong>de</strong>ntre os quais estão o diário, o blog e o<br />
SMS. Dessa forma, teríamos gêneros emergentes e suas contrap<strong>artes</strong>.<br />
b.3.1) Tipologia<br />
O material consi<strong>de</strong>rado importante para esta pesquisa é <strong>de</strong>rivado <strong>de</strong><br />
duas instâncias: pública e privada, assim distribuídos:<br />
• manuscritos<br />
• impressos<br />
privados<br />
públicos<br />
privados<br />
públicos<br />
privados<br />
• digitais<br />
públicos<br />
Optamos por essas duas instâncias levando em consi<strong>de</strong>ração que o<br />
estilo formal prima por uma linguagem mais “elaborada”, o que, se não elimina,<br />
sem dúvida, inibe o uso das abreviações; enquanto que o estilo informal, mais<br />
distenso, por isso menos “rebuscado”, favorece o uso daquelas. Essa divisão<br />
25
engloba tanto as cartas quanto os <strong>de</strong>mais gêneros trabalhados e anteriormente<br />
citados, cuja seleção e respectiva distribuição <strong>de</strong>ram-se da seguinte forma:<br />
• Buscamos coletar números aproximados <strong>de</strong> textos dos três<br />
Estados, PB, PE, BA, no que diz respeito aos gêneros: diário,<br />
blog, e-mail e SMS;<br />
• Primamos por manter a maior varieda<strong>de</strong> possível no que<br />
tange aos fatores sociais, quais sejam: sexo, faixa etária, grau <strong>de</strong><br />
escolarida<strong>de</strong> e profissão;<br />
• Preservamos o binômio pessoal (privado) X empresarial<br />
(público) em todos os gêneros trabalhados aqui.<br />
Dessa forma, o material coletado ficou assim distribuído:<br />
profissão<br />
jovens<br />
escolarização<br />
homens<br />
profissão<br />
adultos<br />
escolarização<br />
privadas<br />
profissão<br />
jovens<br />
escolarização<br />
mulheres<br />
profissão<br />
adultos<br />
escolarização<br />
cartas profissão<br />
jovens<br />
escolarização<br />
homens<br />
profissão<br />
adultos<br />
escolarização<br />
públicas<br />
profissão<br />
jovens<br />
mulheres escolarização<br />
profissão<br />
adultos<br />
escolarização<br />
26
27<br />
profissão<br />
jovens<br />
escolarização<br />
homens<br />
profissão<br />
adultos<br />
escolarização<br />
privadas<br />
profissão<br />
jovens<br />
escolarização<br />
mulheres<br />
profissão<br />
adultos<br />
escolarização<br />
diários profissão<br />
jovens<br />
escolarização<br />
homens<br />
profissão<br />
adultos<br />
escolarização<br />
públicas<br />
profissão<br />
jovens<br />
escolarização<br />
mulheres<br />
profissão<br />
adultos<br />
escolarização<br />
profissão<br />
jovens<br />
escolarização<br />
homens<br />
profissão<br />
adultos<br />
escolarização<br />
privadas<br />
profissão<br />
jovens<br />
escolarização<br />
mulheres<br />
profissão<br />
adultos<br />
escolarização<br />
e-mails profissão<br />
jovens<br />
escolarização<br />
homens<br />
profissão<br />
adultos<br />
escolarização<br />
públicas<br />
profissão<br />
jovens<br />
escolarização<br />
mulheres<br />
profissão<br />
adultos<br />
escolarização
28<br />
profissão<br />
jovens<br />
escolarização<br />
homens<br />
profissão<br />
adultos<br />
escolarização<br />
privadas<br />
profissão<br />
jovens<br />
escolarização<br />
mulheres<br />
profissão<br />
adultos<br />
escolarização<br />
blogs profissão<br />
jovens<br />
escolarização<br />
homens<br />
profissão<br />
adultos<br />
escolarização<br />
públicas<br />
profissão<br />
jovens<br />
escolarização<br />
mulheres<br />
profissão<br />
adultos<br />
escolarização<br />
profissão<br />
jovens<br />
escolarização<br />
homens<br />
profissão<br />
adultos<br />
escolarização<br />
privadas<br />
profissão<br />
jovens<br />
escolarização<br />
mulheres<br />
profissão<br />
adultos<br />
escolarização<br />
SMS profissão<br />
jovens<br />
escolarização<br />
homens<br />
profissão<br />
adultos<br />
escolarização<br />
públicas<br />
profissão<br />
jovens<br />
escolarização<br />
mulheres<br />
profissão<br />
adultos<br />
escolarização
.3.2) A autoria<br />
Quanto à autoria, o material foi classificado em textos autógrafos, isto<br />
é, originais manuscritos do próprio punho do autor, e, apógrafos, escritos por<br />
outrem, mas que valeriam por autógrafo (HOUAISS, 1983, p.65).<br />
Dentre o material com o qual trabalhamos havia 170 autógrafos e 10<br />
apógrafos.<br />
b.3.3) A amostra (distribuição geográfica e temporal)<br />
O corpus da nossa pesquisa é composto <strong>de</strong> cartas (<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sse<br />
gênero trabalhamos com subgêneros – carta pessoal, carta ao leitor etc),<br />
diários, e-mails, mensagens <strong>de</strong> texto (SMS) e blogs. Os documentos são<br />
pertencentes aos séculos XVIII, XIX, XX e XXI, assim distribuídos:<br />
Manuscritos: 60<br />
Impressos: 60<br />
Eletrônicos: 60<br />
b.3.4) A seleção dos informantes<br />
cartas: 30 (XVIII e XIX)<br />
diários: 30 (XX e XXI)<br />
cartas: 30 (XIX)<br />
diários: 30 (XX e XXI)<br />
e-mails: 30 (XX e XXI)<br />
blogs e SMS: 30 (XXI)<br />
Sendo inviável, ao menos em alguns casos, apontar fatores sociais<br />
como grau <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong> e faixa etária, <strong>de</strong>cidimos por agrupar os informantes<br />
29
pela profissão que exerciam, uma vez que este critério não só era possível <strong>de</strong><br />
i<strong>de</strong>ntificação no material da BA quanto no da PB e PE, como nos ajudaria a<br />
relacionar, <strong>de</strong> uma só vez, o tipo <strong>de</strong> cargo que o informante exercia com o grau<br />
<strong>de</strong> formalida<strong>de</strong> presente (formal X informal) e a implicação <strong>de</strong>sses fatores no<br />
uso da abreviação.<br />
No corpus da Bahia, segundo Lobo 7 (2001), temos a seguinte<br />
caracterização sociolingüística dos informantes: juízes ordinários<br />
provavelmente brasileiros e possivelmente não formados em leis e,<br />
<strong>de</strong>sembargadores, provavelmente portugueses e certamente formados em leis.<br />
O material da Paraíba foi disposto por Pinto (2003, p.157-166) em<br />
forma <strong>de</strong> anexo, no qual as informações relativas aos autores/<strong>de</strong>stinatários das<br />
cartas, no que tange à profissão, variam <strong>de</strong> militar escrivão a governador da<br />
província, dos quais nós selecionamos 8 :<br />
⇒Vigário da Vila: 02<br />
⇒Chefes <strong>de</strong> polícia: 02<br />
⇒Juiz Ordinário: 02<br />
⇒Desembargadores: 02<br />
⇒ Ministro do Reino: 02<br />
O terceiro Estado, Pernambuco, reúne em seu banco <strong>de</strong> dados<br />
informantes cuja escala profissional vai <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Capitães engenheiros a<br />
Governadores, Con<strong>de</strong>s etc, assim distribuídos 9 :<br />
⇒Servidor público: 02<br />
⇒Major: 02<br />
⇒Tenente: 02<br />
⇒Tipógrafo: 02<br />
⇒ Governador: 02<br />
7<br />
A autora <strong>de</strong>ixa claro que se trata <strong>de</strong> uma hipótese plausível.<br />
8<br />
Enten<strong>de</strong>mos que quanto maior a varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> profissão, melhor seria verificar a relação<br />
<strong>de</strong>sse fator com o fenômeno estudado.<br />
9<br />
Vale ressaltar que essas informações dizem respeito às cartas. Os <strong>de</strong>mais gêneros têm outra<br />
distribuição.<br />
30
No que tange aos <strong>de</strong>mais gêneros, diário, blog, e-mail e SMS, as<br />
profissões dos informantes ocupam um leque que vai <strong>de</strong> professor a<br />
empresário, passando por contadores e advogados (os pessoais). Quanto ao<br />
gênero SMS, o caráter oficial/público diz respeito a 3 (três) empresas do ramo<br />
da telefonia: TIM, OI , CLARO 10 . No gênero e-mail, outras 3 (três) empresas,<br />
<strong>de</strong>sta vez provedores da Internet, são analisadas: YAHOO, IBEST, UOL 11 . O<br />
gênero blog terá suas amostras coletadas dos seguintes provedores:<br />
HOTMAIL, IG, e TERRA 12 .<br />
c) Variáveis analisadas<br />
Tomando por base a assertiva que diz serem os gêneros textuais<br />
fenômenos socio-históricos e culturalmente sensíveis (MARCUSCHI, 2002),<br />
<strong>de</strong>ve-se ter bem clara não só a questão da produção a<strong>de</strong>quada <strong>de</strong>sses como<br />
também o uso a<strong>de</strong>quado. Caso contrário, a inobservância das normas sociais<br />
relativas aos gêneros po<strong>de</strong> acarretar problemas. Afinal, a apropriação dos<br />
gêneros, como afirma Bronckart (1999), é um mecanismo fundamental <strong>de</strong><br />
socialização, <strong>de</strong> inserção prática nas ativida<strong>de</strong>s comunicativas humanas.<br />
Dessa forma, na produção <strong>de</strong> cada gênero, há <strong>de</strong> se consi<strong>de</strong>rar a relação entre<br />
os aspectos abaixo mencionados:<br />
• Natureza da informação ou do conteúdo veiculado;<br />
• Nível <strong>de</strong> linguagem (formal, informal, dialetal, culta etc.);<br />
• Tipo <strong>de</strong> situação em que o gênero se situa (pública, privada, corriqueira,<br />
solene etc.);<br />
• Relação entre os participantes (conhecidos, <strong>de</strong>sconhecidos, nível social,<br />
formação etc.).<br />
• Natureza dos objetivos das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>senvolvidas.<br />
10<br />
Essas foram as empresas selecionadas por serem as maiores representantes nessa área, ao<br />
menos na região Nor<strong>de</strong>ste.<br />
11<br />
A escolha <strong>de</strong>ssas empresas também se <strong>de</strong>u por causa do elevado número <strong>de</strong> pessoas<br />
(físicas e jurídicas) que as acessam diariamente.<br />
12<br />
A fim <strong>de</strong> utilizarmos uma amostra a mais variada possível, optamos por acrescentar esses<br />
provedores na análise <strong>de</strong>sse gênero digital.<br />
31
Tais indicadores seriam uma espécie <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação das condições <strong>de</strong><br />
adaptação comum na produção dos gêneros (MARCUSCHI, 2002). Sendo<br />
assim, escolhemos um total <strong>de</strong> 14 (quatorze) variáveis consi<strong>de</strong>radas<br />
importantes para análise do nosso objeto <strong>de</strong> estudo, <strong>de</strong>ntre as quais 6 (seis)<br />
são <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m sociointerativo, 4 (quatro) <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m estrutural e 4 <strong>de</strong> natureza<br />
social, respectivamente:<br />
c.1) Variáveis sociointerativos<br />
• Gênero: Dos gêneros textuais por nós aqui trabalhados – carta,<br />
diário, blog, e-mail e SMS – iremos analisar qual <strong>de</strong>les comporta maior número<br />
<strong>de</strong> abreviação, a fim <strong>de</strong> sabermos se há ou não uma relação entre o gênero e o<br />
processo da abreviação. Assim, começaremos o levantamento dos dados com<br />
os documentos do século XVIII, período em que ainda havia um largo uso<br />
<strong>de</strong>sse processo por parte <strong>de</strong> quem escrevia, e esten<strong>de</strong>remos nossa análise<br />
aos dias atuais, quando há um retorno acentuado no que diz respeito ao<br />
recurso da abreviação. Partindo do princípio <strong>de</strong> que os gêneros textuais são<br />
fenômenos históricos, profundamente vinculados à vida cultural e social,<br />
observaremos se a rapi<strong>de</strong>z 13 exigida na escrita dos gêneros digitais faz com<br />
que haja ou não uma maior utilização <strong>de</strong>sse fenômeno, já que era esse um dos<br />
fatores responsáveis pela sua existência nos períodos anteriores.<br />
• Estilo 14 : Decidimos controlar essa variável, tomando como<br />
premissa a existência do estilo em qualquer linguagem 15 (POSSENTI 2001, p.<br />
228). Dessa forma, foi possível dividir os textos em formais e informais 16 ,<br />
visando com isso à obtenção <strong>de</strong> um resultado que mostrasse alguma relação<br />
da abreviação com o grau <strong>de</strong> formalida<strong>de</strong> do texto. Presumimos que, embora<br />
não seja <strong>de</strong>terminante, esse fator tem um peso consi<strong>de</strong>rável no que se refere<br />
13 É importante lembrar que a rapi<strong>de</strong>z imposta aos usuários é <strong>de</strong>corrente do “princípio da<br />
economia”, que abrange tempo, esforço físico e pulso telefônico quando não é a cabo.<br />
14 Aqui usamos o termo estilo, por enten<strong>de</strong>rmos como a escolha que faz o falante das formas<br />
lingüísticas do seu discurso.<br />
15 Segundo o autor, nenhuma liguagem é o que é por natureza, mas sim como resultado do<br />
trabalho <strong>de</strong> seus construtores/usuários.<br />
16 Enten<strong>de</strong>mos como estilo informal aquele cujo grau <strong>de</strong> reflexão sobre as formas empregadas<br />
é mínimo; ao passo que é máximo o grau <strong>de</strong> reflexão no estilo formal.<br />
32
ao uso das abreviações, uma vez que o texto formal ten<strong>de</strong> a seguir a norma<br />
padrão, segundo a qual não se <strong>de</strong>ve utilizar abreviações caso não haja<br />
necessida<strong>de</strong>. E, ao fazer uso <strong>de</strong>stas, seguir as regras existentes.<br />
• Instância <strong>de</strong> realização: Dividimos os textos que compõem o<br />
corpus, pelo menos os que se prestavam a tal divisão, em privados (pessoais)<br />
e públicos (empresariais). Buscaremos verificar se há uma relação direta com<br />
essa divisão e o número <strong>de</strong> ocorrência <strong>de</strong> abreviação nesses gêneros.<br />
Acreditamos que em razão do texto público fazer uso <strong>de</strong> um vocabulário mais<br />
conservador, em geral, já que se <strong>de</strong>stina a pessoas variadas, talvez haja nele<br />
um menor número <strong>de</strong> abreviações, ao contrário do texto pessoal, que se dirige<br />
a um público seleto, muitas vezes o próprio autor, que reconhece toda e<br />
qualquer abreviação por si utilizada.<br />
• Participantes: Quando da correspondência equivalente: 1x1 ou<br />
NxN 17 , no que diz respeito ao número <strong>de</strong> participantes, o fato <strong>de</strong> haver uma<br />
maior restrição parece <strong>de</strong>terminar o percentual <strong>de</strong> ocorrência <strong>de</strong> abreviações.<br />
Em outras palavras, se remetente e <strong>de</strong>stinatário são em número igual, há mais<br />
chance <strong>de</strong> aplicar a regra, ou seja, usar abreviações, visto que, em princípio, o<br />
autor conhece o léxico e sintaxe daquele para o qual está escrevendo.<br />
• Propósito comunicativo: Paralelo ao estilo, este fator mostra-se<br />
relevante quanto ao uso das abreviações. Ou seja, os textos que se propõem a<br />
divertir o(s) <strong>de</strong>stinatário(s) apresentam uma maior ocorrência <strong>de</strong> abreviação do<br />
que aqueles cuja finalida<strong>de</strong> é informativa, educativa etc, comprovando a<br />
plasticida<strong>de</strong> da linguagem, no que diz respeito aos usos que <strong>de</strong>la são feitos.<br />
Como afirma Coscarelli (2005, p.121), para melhor aten<strong>de</strong>rem aos seus<br />
propósitos, os textos, sejam eles em formato hipertextual ou não, precisam ser<br />
diferentes em cada situação <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>. Adotando a terminologia usada<br />
por Zanotto (2005, p.131-133), classificaremos os propósitos comunicativos em<br />
dominantes e secundários, seja o texto lúdico ou informativo.<br />
• Suporte: Como veremos, foi com o manuscrito e o respectivo<br />
preço elevado do material da escrita que surgiram as abreviações. Essa<br />
economia, contudo, inexistente na era do impresso, não foi suficiente para<br />
17 Estes símbolos significam, respectivamente, um para um e muitos para muitos.<br />
33
extinguir o uso <strong>de</strong>las – as abreviações -, que ainda continuaram, em menor<br />
número, por algum tempo. Com o texto virtual, cujo suporte é o computador, há<br />
um retorno às abreviações que, embora ressurjam com alterações próprias das<br />
novas tecnologias, em muito lembram as utilizadas já nas notas tironianas.<br />
Partindo da assertiva <strong>de</strong> McLuhan, segundo a qual o meio é a mensagem,<br />
iremos verificar se o canal é ou não um mero veículo <strong>de</strong> transmissão, se exerce<br />
ou não influência no gênero que veicula.<br />
c.2) Variáveis estruturais<br />
• Extensão do texto: Iremos verificar o número <strong>de</strong> abreviações e<br />
sua relação com a extensão do texto, a fim <strong>de</strong> sabermos se o processo é<br />
diretamente proporcional, ou seja, quanto maior o texto, sua extensão, mais<br />
abreviações se fazem notar. Pu<strong>de</strong>mos ver, numa primeira leitura dos dados,<br />
que tanto as cartas do século XVIII quanto os e-mails do século XX e dias<br />
atuais fazem uso <strong>de</strong>sse recurso da língua, quer se trate <strong>de</strong> um texto com mais<br />
ou menos <strong>de</strong> vinte linhas.<br />
• Extensão do vocábulo: Por tratar-se <strong>de</strong> um princípio <strong>de</strong><br />
economia, é <strong>de</strong> se esperar que a abreviação seja mais freqüente em vocábulos<br />
com mais <strong>de</strong> uma sílaba. Ou seja, quanto maior a palavra, maior a<br />
probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> redução; o que não significa dizer que não haja palavra<br />
dissílaba ou monossílaba (que, por exemplo) que não sofra abreviação. É bem<br />
verda<strong>de</strong> também que algumas reduções não se justificavam, visto que apenas<br />
uma letra era apagada, como no exemplo: p r (por), p los (pelos), conhecime tos<br />
etc. Faremos uma análise do fenômeno, a fim <strong>de</strong> testarmos a existência ou não<br />
<strong>de</strong> alguma relação que justifique esses resultados.<br />
• Classes <strong>de</strong> palavras: Esta variável nos permitirá estabelecer<br />
ligações entre as <strong>de</strong>z classes <strong>de</strong> palavras existentes e a ocorrência <strong>de</strong><br />
abreviações nessas. Dessa forma, será possível afirmar se se abreviam tanto<br />
adjetivos, quanto verbos, pronomes, advérbios, substantivos e outros, não só<br />
nas cartas e diários, mas também nos blogs, e-mails e SMSs.<br />
34
• Tonicida<strong>de</strong> da sílaba: Não sabemos <strong>de</strong> fato se há uma relação <strong>de</strong><br />
causa estabelecida, mas, dos dados analisados, a incidência das reduções<br />
recai, em sua maioria, nas silabas tônicas, quer seja a palavra monossílaba,<br />
dissílaba, trissílaba ou polissílaba.<br />
c.3) Variáveis sociais 18 :<br />
• Faixa etária: Dentre os fatores sociais analisados, este parece se<br />
<strong>de</strong>stacar como mais relevante no processo <strong>de</strong> redução da palavra, a<br />
abreviação. Contudo, não po<strong>de</strong>mos esquecer que essa relação só é<br />
<strong>de</strong>terminante nos gêneros digitais. Ao que parece, esse fato se <strong>de</strong>ve à razão<br />
<strong>de</strong> serem os jovens aqueles que mais utilizam as novas tecnologias digitais e,<br />
conseqüentemente, a linguagem peculiar. Nos <strong>de</strong>mais gêneros, esse fator<br />
parece ocorrer in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da ida<strong>de</strong> do produtor do texto.<br />
• Grau <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong>: Como não foi possível <strong>de</strong>terminar com<br />
precisão o grau <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong> dos informantes (remetentes e <strong>de</strong>stinatários),<br />
em se tratando dos autores <strong>de</strong> textos dos séculos anteriores, XVIII e XIX,<br />
dividimos estes em mais alfabetizados e menos alfabetizados. Para tanto, não<br />
adotamos o conceito <strong>de</strong> letramento, mas sim a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> que alfabetizado é<br />
aquele que escreve e lê, já que aqui era condição sine qua non 19 do nosso<br />
objeto <strong>de</strong> estudo.<br />
• Sexo: Embora nas cartas só tenha havido um caso <strong>de</strong> remetente<br />
do sexo feminino, já que não era permitido à mulher o direito <strong>de</strong> escrever,<br />
ficando restrito ao homem essa tarefa, nos <strong>de</strong>mais gêneros, on<strong>de</strong> foi possível<br />
manter uma equivalência quanto ao sexo, vimos que esse fator não é relevante<br />
para <strong>de</strong>terminação das abreviações.<br />
18 Depen<strong>de</strong>ndo da situação em que se encontrar, a varieda<strong>de</strong> lingüística utilizada por um<br />
falante será relativa à sua região <strong>de</strong> origem, classe social, ida<strong>de</strong>, escolarida<strong>de</strong>, sexo etc.<br />
(MUSSALIM, Fernanda, BENTES, Anna Christina (orgs.), 2005).<br />
19 É verda<strong>de</strong> que alguns podiam exercer a função <strong>de</strong> “escritor” e “leitor” da carta para aqueles<br />
que não dominavam tais capacida<strong>de</strong>s. No século XVI, existiam os upografeis, pessoas que<br />
escreviam por aqueles que não sabiam fazê-lo. Exemplos disso são as narrativas <strong>de</strong> vida<br />
popular que, freqüentemente <strong>de</strong>legavam a uma pessoa próxima a ativida<strong>de</strong> da escrita. Por<br />
exemplo: Uma criança que escreve por seus pais e, no exército, um conscrito mais bem<br />
alfabetizado que redige a correspondência <strong>de</strong> seus colegas (CHARTIER, 2002, p. 92-93).<br />
35
• Profissão: Essa última variável permitirá a observação <strong>de</strong> como,<br />
se é que é possível, a profissão interfere na relação do uso <strong>de</strong> abreviação, já<br />
que há algumas profissões que se servem constantemente <strong>de</strong>sse modo <strong>de</strong><br />
simplificar a língua, ao contrário <strong>de</strong> outras que impe<strong>de</strong>m a utilização <strong>de</strong><br />
abreviações por parte <strong>de</strong> quem escreve (há proibição nos atos processuais e<br />
inadmissibilida<strong>de</strong> em fichas <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração e Carteiras <strong>de</strong> Trabalho e<br />
Previdência Social, segundo nos informa o site DJi – índice Fundamental do<br />
Direito).<br />
36
CAPÍTULO 1<br />
O CONTINUUM FALA/ESCRITA: Verso e reverso da mesma moeda<br />
1.1 O conceito <strong>de</strong> língua<br />
Tendo em vista que a fala e a escrita são modalida<strong>de</strong>s da língua, há<br />
que se ter a priori, antes <strong>de</strong> a<strong>de</strong>ntrarmos esta questão, uma exposição, ainda<br />
que embrionária, do conceito <strong>de</strong> língua que norteia nosso estudo. Para tanto,<br />
elegemos alguns autores em consonância com nossa postura teórica a fim <strong>de</strong><br />
dissipar quaisquer interpretações eivadas <strong>de</strong> crenças equivocadas sobre esse<br />
lado social da linguagem.<br />
É fato que a língua não <strong>de</strong>ve ser tratada como uma abstração, extraída<br />
<strong>de</strong> sua realida<strong>de</strong> socio-histórico-cultural, uma vez que aquela não existe senão<br />
no falar dos indivíduos, e o falar é sempre falar uma língua (COSERIU, 1979,<br />
p.33). Sob esse prisma, tanto o estruturalismo <strong>de</strong> Saussure quanto o<br />
mentalismo <strong>de</strong> Chomsky são aqui rechaçados por <strong>de</strong>ixarem <strong>de</strong> lado o<br />
indivíduo, a socieda<strong>de</strong>, a história e a interação 20 , priorizando o sistema e<br />
menosprezando o discurso 21 .<br />
20 Marcuschi (2005b) <strong>de</strong>ixa claro que, ainda que <strong>de</strong> formas diferentes e com conseqüências<br />
diversas, hoje é possível ver essas conseqüências. (MARCUSCHI, L.A. Perplexida<strong>de</strong>s e<br />
perspectivas da lingüística na virada do milênio. In: LINGUA, LINGUÍSTICA E LITERATURA:<br />
revista do Departamento <strong>de</strong> Letras Clássicas e Vernáculas da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral da<br />
Paraíba. João Pessoa/Santa Maria: Pallotti. VOL.1, n.3, Dez/2005, 214 p.).<br />
21 A fim <strong>de</strong> não cometermos injustiça, trazemos à baila a distinção entre langue e parole, feita<br />
por Saussure, e a que Chomsky fez entre competência e <strong>de</strong>sempenho, ambas <strong>de</strong>cisivas na<br />
história da Lingüística. Vale ressaltar que Coseriu critica as noções <strong>de</strong> langue e parole, <strong>de</strong><br />
Saussure.<br />
37
A concepção <strong>de</strong> língua não como obra acabada, mas como uma<br />
ativida<strong>de</strong> ininterrupta, mesmo quando fixada através da escrita, já era<br />
<strong>de</strong>fendida por Humboldt (1971) e corroborada por Coseriu (1979), para quem a<br />
língua é uma matéria viva e evolutiva, inovada sem cessar pelo homem.<br />
Segundo este autor, ao contrário <strong>de</strong> ser alteração ou <strong>de</strong>terioração 22 , a<br />
mudança na língua é reconstrução, renovação do sistema, assegurando-lhe<br />
continuida<strong>de</strong> e funcionamento.<br />
seguir:<br />
Acerca das variações e mudanças da língua, <strong>de</strong>stacamos o trecho a<br />
A cada dia aparecem, aos milhares, nos jornais, indicações <strong>de</strong><br />
todo tipo, aparecem nas ruas, em tabuletas, por toda parte.<br />
Não se <strong>de</strong>ve acreditar que se trata <strong>de</strong> uma forma inferior <strong>de</strong><br />
linguagem; essas indicações <strong>de</strong>sempenham, na vida, um<br />
gran<strong>de</strong> papel e exercem uma sensível influência no<br />
<strong>de</strong>senvolvimento da língua. Des<strong>de</strong> o século XIX, sobretudo,<br />
elas contribuem fortemente para as mudanças do léxico, em<br />
vista <strong>de</strong> suas necessida<strong>de</strong>s peculiares. Não <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> atuar<br />
também sobre a sintaxe, mediante reduções 23 , obrigatórias, em<br />
vista do lugar, do preço e das necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> serem lidas <strong>de</strong><br />
um só golpe <strong>de</strong> vista; trata-se <strong>de</strong> um estilo telegráfico <strong>de</strong> outro<br />
gênero, que tem regras obscuras, das quais a principal é fazer<br />
o máximo <strong>de</strong> efeito com o mínimo <strong>de</strong> palavras 24 .<br />
Seguidores <strong>de</strong>ssa visão, consi<strong>de</strong>ramos a língua como um jogo <strong>de</strong><br />
ativida<strong>de</strong>s verbais, heterogêneas, interacionais, cognitivas, sociais e históricas<br />
inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes e interrelacionadas. De acordo com essa perspectiva:<br />
A língua apresenta uma organização interna sistemática que<br />
po<strong>de</strong> ser estudada cientificamente, sem se reduzir a um<br />
conjunto <strong>de</strong> regras <strong>de</strong> boa-formação que po<strong>de</strong>m ser<br />
<strong>de</strong>terminadas <strong>de</strong> uma vez por todas como se fosse possível<br />
fazer cálculos <strong>de</strong> previsão infalível; a língua tem aspectos<br />
estáveis e instáveis, ou seja, ela é um sistema variável,<br />
in<strong>de</strong>terminado e não fixo, apresentando sistematicida<strong>de</strong> e<br />
variação a um só tempo; a língua se <strong>de</strong>termina por valores<br />
imanentes e transcen<strong>de</strong>ntes, <strong>de</strong> modo que não po<strong>de</strong> ser<br />
estudada <strong>de</strong> forma autônoma, <strong>de</strong>vendo-se recorrer ao entorno<br />
22 Para Sócrates, a questão da mudança lingüística “é obra <strong>de</strong> pessoas que não se preocupam<br />
com a verda<strong>de</strong>, mas apenas com a forma <strong>de</strong> suas bocas; assim, vão modificando as palavras<br />
originais até que nenhum ser humano consiga enten<strong>de</strong>r o que a palavra significa (FERREIRA,<br />
CARRILHO & LOBO et al. 1996, p. 564)”.<br />
23 No capítulo referente à abreviação, nos <strong>de</strong>teremos com mais profundida<strong>de</strong> nesse aspecto.<br />
24 BRUNOT, Ferdinand. (1926) La pensée et la langue.<br />
38
e à situação nos mais variados contextos <strong>de</strong> uso; a língua<br />
constrói-se com símbolos convencionais, parcialmente<br />
motivados, não aleatórios mas arbitrários; a língua não po<strong>de</strong><br />
ser tida como um simples instrumento <strong>de</strong> representação do<br />
mundo, como se <strong>de</strong>le fosse um espelho, pois ela é constitutiva<br />
da realida<strong>de</strong>; a língua é uma ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> natureza<br />
sociocognitiva, histórica e situacionalmente <strong>de</strong>senvolvida para<br />
promover a interação humana; a língua se dá e se manifesta<br />
em textos orais e escritos or<strong>de</strong>nados e estabilizados em<br />
gêneros textuais para uso em situações concretas; a língua<br />
não é transparente, mas opaca, o que permite a variabilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> interpretação nos textos e faz da compreensão um<br />
fenômeno especial na relação entre os seres humanos<br />
(MARCUSCHI, 2000, p.32).<br />
Na visão <strong>de</strong> Coseriu (1979, p. 52), “a língua é um saber falar, saber<br />
como se fala numa <strong>de</strong>terminada comunida<strong>de</strong> e segundo uma <strong>de</strong>terminada<br />
comunida<strong>de</strong> e segundo uma tradição”. Esta, pois, é a visão <strong>de</strong> língua da qual<br />
compartilhamos plenamente. Ou seja, uma concepção <strong>de</strong> língua como uma<br />
ativida<strong>de</strong> social, cujas normas evoluem segundo os mecanismos <strong>de</strong> autoregulação<br />
dos indivíduos e dos grupos em sua dinâmica histórica <strong>de</strong> interação<br />
entre si e com a realida<strong>de</strong> (BAGNO et al.2002, p. 32).<br />
1.2 O conceito <strong>de</strong> texto<br />
Uma vez que fazemos uso do termo texto em vários momentos da<br />
nossa pesquisa, vimos como indispensável – ainda que <strong>de</strong> forma incipiente –<br />
apresentarmos a <strong>de</strong>finição que adotamos para o mesmo, a fim <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar clara<br />
a nossa postura em relação à concepção porque por ora optamos. Tendo como<br />
âncora teórica o sociointeracionismo da linguagem, enten<strong>de</strong>mos o texto como<br />
uma ativida<strong>de</strong> interacional na qual existe um sujeito social que, numa dada<br />
situação, realiza uma ativida<strong>de</strong> verbal com vistas a <strong>de</strong>terminados efeitos.<br />
Segundo Koch (1997, p.7):<br />
Em sua inter-relação com outros sujeitos, o sujeito<br />
planejador/organizador vai construir um texto, sob a influência<br />
<strong>de</strong> uma complexa re<strong>de</strong> <strong>de</strong> fatores, entre os quais a<br />
especificida<strong>de</strong> da situação, o jogo <strong>de</strong> imagens recíprocas, as<br />
crenças, convicções, atitu<strong>de</strong>s dos interactantes, os<br />
conhecimentos (supostamente) partilhados, as expectativas<br />
mútuas, as normas e convenções sócio-culturais.<br />
39
Segundo Zanotto (2005, p. 36), os textos são as unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
<strong>comunicação</strong> empírica. São entida<strong>de</strong>s concretas, orais ou escritas, com<br />
começo e fim. Desta forma, fica clara a inconsistência do conceito <strong>de</strong> texto que<br />
se restringe a <strong>de</strong>fini-lo como sendo representação gráfica cercada <strong>de</strong> espaços<br />
em branco, muito menos um que o reduza a mero conjunto <strong>de</strong> frases que<br />
apresentam sentido. O texto precisa ser estudado enquanto objeto em<br />
processo e não produto finalizado, visto que se trata <strong>de</strong> uma ativida<strong>de</strong><br />
intencional que o falante, <strong>de</strong> conformida<strong>de</strong> com as condições sob as quais o<br />
texto é produzido, empreen<strong>de</strong>, tentando dar a enten<strong>de</strong>r seus propósitos ao<br />
<strong>de</strong>stinatário através da manifestação verbal (KOCH, 1997, p. 22).<br />
1.3 Conceito <strong>de</strong> fala e escrita<br />
Por enten<strong>de</strong>rmos a abreviação como um processo <strong>de</strong> estratégias da<br />
língua falada na escrita, ou seja, ‘o falante tenta escrever como fala’(p.ex: kbça<br />
por cabeça), vimos, como indispensável, antes <strong>de</strong> tratarmos do assunto<br />
propriamente dito, apresentar algumas consi<strong>de</strong>rações acerca do binômio<br />
oralida<strong>de</strong> e escrita já que, em certo sentido, gêneros emergentes (como os por<br />
nós aqui estudados, o e-mail e o blog, por exemplo) possibilitam a re<strong>de</strong>finição<br />
<strong>de</strong> alguns aspectos centrais na observação da linguagem em uso,<br />
especificamente a relação entre a oralida<strong>de</strong> e a escrita.<br />
É sabido que a natureza da <strong>comunicação</strong> escrita foi radicalmente<br />
transformada pelo uso da tecnologia digital, ao inserir novos gêneros textuais.<br />
Sendo assim, a visão dicotômica <strong>de</strong> fala/escrita torna-se hoje insustentável,<br />
frente à varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> formas e usos comunicativos em multimeios e suporte<br />
eletrônico. Como afirma Marcuschi (2005, p.10), a natureza da escrita que se<br />
<strong>de</strong>senvolve na Internet aflora certa primazia <strong>de</strong> estratégias orais sobrepondo-se<br />
às estratégias da escrita. Ou ainda como salienta Vieira (2005, p. 29), é fato a<br />
relavorização da escrita com a introdução da tecnologia eletrônica,<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do que signifique falar/ler/escrever, dos limites oral/escrito e <strong>de</strong><br />
suas novas funções.<br />
A fim <strong>de</strong> melhor discutirmos essa questão, reunimos neste capítulo<br />
estudos com diferentes visões sobre o oral e o escrito. Nesse sentido, veremos<br />
40
quais <strong>de</strong>les tratam a oralida<strong>de</strong> como algo informal, quais os que associam a<br />
formalida<strong>de</strong> à escrita, proclamando sua supremacia; e por fim, aqueles que<br />
vêem tanto em uma quanto em outra modalida<strong>de</strong> duas entida<strong>de</strong>s que<br />
constantemente se perpassam.<br />
Embora tenha sido objeto <strong>de</strong> estudo <strong>de</strong> muitos trabalhos em<br />
Lingüística, a discussão sobre as relações entre fala e escrita ainda está longe<br />
<strong>de</strong> esgotar a questão, visto que a idéia <strong>de</strong> escrita como modalida<strong>de</strong> que requer<br />
mais elaboração do que a fala ainda encontra espaços entre estudiosos<br />
baseados na crença <strong>de</strong> que existem características intrínsecas aos textos orais<br />
e aos textos escritos.<br />
Um dos motivos para a propagação <strong>de</strong> axiomas <strong>de</strong>sse tipo parece estar<br />
relacionado ao realce dado à língua escrita em prejuízo da falada, antes do<br />
século XX e, mais acentuadamente, antes do século XIX. Acreditava-se que,<br />
ao escrever, no dizer <strong>de</strong> Sampson (1996, p.8), vestimos nossos trajes<br />
lingüísticos <strong>de</strong> domingo, pon<strong>de</strong>rando e censurando nossas expressões para<br />
obter um produto final elaborado. Por outro lado, a língua falada era tida, até<br />
meados da década <strong>de</strong> 60, como <strong>de</strong> estrutura simples ou <strong>de</strong>sestruturada,<br />
informal, concreta e <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do contexto; em síntese, o lugar do “caos”<br />
(FÁVERO, L. et al., 2003).<br />
Mesmo sendo preterida pela escrita, a transmissão oral do<br />
conhecimento foi por muito tempo privilegiada em <strong>de</strong>trimento da escrita <strong>de</strong>vido<br />
à relutância <strong>de</strong> alguns intelectuais da Antiga Grécia, como Platão, em aceitar a<br />
escrita como uma criação apropriada, embora já se tivessem passado dois<br />
séculos e meio do surgimento da “escrita fenícia” (MAN, 2004). Segundo Man,<br />
acerca da apropriação do alfabeto, Platão teria afirmado o seguinte:<br />
Se os homens o apren<strong>de</strong>rem, ele irá plantar o esquecimento<br />
em seus corações. Para o verda<strong>de</strong>iro conhecimento, é<br />
necessária a interação, com bons professores. Uma vez que<br />
suas palavras estão em um livro, o processo inteiro se rompe<br />
(MAN, 2004, p. 251).<br />
Olson (1997), citando Bloch (1989), diz que a escrita po<strong>de</strong> ter papéis<br />
muito diferentes em diferentes culturas: “na cultura chinesa a palavra escrita é<br />
41
tida como padrão e as formas orais são consi<strong>de</strong>radas <strong>de</strong>rivadas; na Índia, é<br />
justamente o contrário: a forma oral é sagrada, a escrita não inspira confiança.”<br />
Ou seja, na opinião <strong>de</strong> Bloch (1989), o papel da escrita só é entendido quando<br />
observada a estrutura da cultura na qual ela foi introduzida.<br />
R. Thomas (1989 APUD OLSON, 1997), por exemplo, diz que o<br />
domínio da escrita contribuiu menos para as realizações dos gregos do que<br />
geralmente se imagina. Afirma ainda que muitos filósofos dos antigos gregos,<br />
entre eles Platão, não só preferiam as formas orais como também não<br />
confiavam nas formas escritas.<br />
Já Horca<strong>de</strong>s (2004, p. 16) diz que a invenção da escrita foi uma das<br />
maiores realizações do homem na Terra. Na opinião <strong>de</strong>le:<br />
A escrita possibilitou o acúmulo <strong>de</strong> conhecimento humano.<br />
Antes <strong>de</strong>la, tudo o que um homem aprendia durante sua vida<br />
morria com ele. Depois da invenção da escrita, o conhecimento<br />
passou a se acumular e a não se per<strong>de</strong>r, assim, ao nascer, o<br />
homem tem a seu dispor toda a experiência e as <strong>de</strong>scobertas<br />
<strong>de</strong> seus antecessores.<br />
Convém lembrar que, durante muitos séculos, conforme lemos em Lévy<br />
(1993), a escrita foi privilégio <strong>de</strong> poucos, ficando a alfabetização restrita a<br />
grupos eclesiásticos e a nobres. Somente a alguns foram concedidos o acesso<br />
e exercício da escrita, criando um ambiente <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> discriminação, on<strong>de</strong> os<br />
muitos que a ignoravam eram controlados pelos poucos que a dominavam.<br />
Sendo assim, durante muito tempo, e por que não dizer ainda hoje,<br />
tratou-se a questão das relações entre oralida<strong>de</strong> e escrita como algo<br />
dicotômico e estanque, a ponto <strong>de</strong> se consi<strong>de</strong>rar como dois sistemas<br />
lingüísticos, duas línguas. Também o fato <strong>de</strong>, em muitas línguas, a escrita ser<br />
relativamente conservadora em comparação com a falada, encaminhou a<br />
atenção para a escrita como algo oposto à fala.<br />
Entretanto, sabemos que tanto a língua falada quanto a escrita sofrem<br />
influência das pressões sociais. E, embora sejamos cientes <strong>de</strong> que todas as<br />
comunida<strong>de</strong>s humanas possuem uma língua falada, e algumas não têm um<br />
42
sistema <strong>de</strong> escrita, ainda assim, tal constatação não é suficiente para se<br />
ignorar o estudo da língua escrita.<br />
1.4 Perspectivas <strong>de</strong> análise<br />
Conforme lemos em Marcuschi (2001, p.34), a partir dos anos 80,<br />
porém, houve uma mudança <strong>de</strong> visão no que concerne ao tratamento da<br />
oralida<strong>de</strong> e da escrita como opostas. Observou-se que as relações entre fala e<br />
escrita não são óbvias nem lineares, não po<strong>de</strong>ndo postular-se polarida<strong>de</strong>s<br />
estritas e dicotomias estanques, já que elas refletem um constante dinamismo<br />
fundado no continuum que se realiza entre essas duas modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> uso da<br />
língua.<br />
Devemos, sim, tratar a oralida<strong>de</strong> e a escrita como imprescindíveis ao<br />
ser humano, não confundindo seus papéis e contextos <strong>de</strong> uso, e não<br />
discriminar seus usuários, pois assim como a fala não apresenta proprieda<strong>de</strong>s<br />
intrínsecas negativas, também a escrita não tem proprieda<strong>de</strong>s intrínsecas<br />
privilegiadas, sendo um erro <strong>de</strong>mandar preeminência <strong>de</strong> uma das duas<br />
modalida<strong>de</strong>s, já que não po<strong>de</strong>mos assegurar que a fala é superior à escrita –<br />
apesar da primazia cronológica indiscutível daquela em relação a esta – nem<br />
tampouco que a escrita é superior à fala 25 (MARCUSCHI, 2001, p. 22).<br />
E, ainda que o homem seja <strong>de</strong>finido como um ser que fala, tal assertiva<br />
não implica a superiorida<strong>de</strong> da fala sobre a escrita, nem tampouco sustenta a<br />
tese <strong>de</strong> que a fala é primária e a escrita é <strong>de</strong>rivada. Ambas, segundo Marcuschi<br />
(2001, p.17), “são práticas e usos da língua com características próprias,<br />
permitindo a construção <strong>de</strong> textos coesos e coerentes, variações estilísticas,<br />
sociais, dialetais, ao contrário do que apregoam alguns lingüistas como<br />
Bernstein (1971), Labov (1972) e Halliday (1985) 26 ”.<br />
Segundo a perspectiva das dicotomias, uma das várias tendências <strong>de</strong><br />
análise da relação fala/escrita, a fala seria o lugar do erro e do caos gramatical<br />
25 Do ponto <strong>de</strong> vista cronológico, a fala tem uma gran<strong>de</strong> precedência sobre a escrita; do ponto<br />
<strong>de</strong> vista do prestígio social, a escrita é vista como mais prestigiosa que a fala. Trata-se, como<br />
salienta Marcuschi (2001, p. 36), <strong>de</strong> postura i<strong>de</strong>ológica.<br />
26 Para estes, a língua falada e a língua escrita estão divididas em dois blocos distintos,<br />
apresentando, cada uma <strong>de</strong>ssas modalida<strong>de</strong>s, características intrínsecas.<br />
43
(redundante, não-planejada, fragmentada, incompleta e pouco elaborada),<br />
enquanto a escrita, o lugar da norma e do bom uso da língua (con<strong>de</strong>nsada,<br />
planejada, não-fragmentada, completa e elaborada). Essa visão, divulgada nos<br />
manuais escolares, postula menor complexida<strong>de</strong> para a fala e maior para a<br />
escrita. Mas, como salienta Koch (2000, p.68), essas diferenças nem sempre<br />
distinguem as duas modalida<strong>de</strong>s, mesmo porque existe uma escrita informal<br />
que se aproxima da fala e uma fala formal que se aproxima da escrita. Ainda:<br />
essas características foram sempre estabelecidas tendo por parâmetro o i<strong>de</strong>al<br />
da escrita, levando a uma visão preconceituosa da fala. Ou seja, costuma-se<br />
olhar a língua falada “através das lentes <strong>de</strong> uma gramática projetada para a<br />
escrita”, comparando-a a uma linguagem rústica, das socieda<strong>de</strong>s primitivas e<br />
das crianças em fase <strong>de</strong> aquisição (KOCH, 2002, p. 79). O que ocorre, na<br />
verda<strong>de</strong>, é que a fala apresenta características próprias.<br />
É necessário consi<strong>de</strong>rar as condições <strong>de</strong> produção 27 , para que não<br />
haja distorção no estabelecimento das relações entre fala e escrita, pois essas<br />
são distintas em cada modalida<strong>de</strong>, como po<strong>de</strong>mos observar no Quadro 1,<br />
abaixo:<br />
Quadro 1<br />
Fala Escrita<br />
Interação face a face;<br />
Planejamento simultâneo ou quase<br />
simultâneo à produção;<br />
Criação coletiva: administrada passo a<br />
passo<br />
Impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apagamento;<br />
Sem condições <strong>de</strong> consulta a outros<br />
textos;<br />
A reformulação po<strong>de</strong> ser promovida tanto<br />
pelo falante como pelo interlocutor;<br />
Acesso imediato às reações do<br />
interlocutor;<br />
O falante po<strong>de</strong> processar o texto,<br />
redirecionando-o a partir das reações do<br />
interlocutor;<br />
O texto mostra todo o seu processo <strong>de</strong><br />
criação.<br />
27 Fávero et al.(2003, p.74).<br />
Interação a distância (espaço-temporal);<br />
Planejamento anterior à produção;<br />
Criação individual;<br />
Possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> revisão;<br />
Livre consulta;<br />
A reformulação é promovida apenas pelo<br />
escritor;<br />
Sem possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso imediato;<br />
O escritor po<strong>de</strong> processar o texto a partir<br />
das possíveis reações do leitor;<br />
O texto ten<strong>de</strong> a escon<strong>de</strong>r o seu processo<br />
<strong>de</strong> criação, mostrando apenas o<br />
resultado.<br />
44
Sendo assim, po<strong>de</strong>mos concluir que tanto a fala quanto a escrita<br />
compreen<strong>de</strong>m um continuum, que vai do mais informal ao mais formal,<br />
passando por níveis intermediários. Dessa forma, a informalida<strong>de</strong> consistiria<br />
em uma das possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> realização tanto da fala como da escrita, e não<br />
uma característica específica da modalida<strong>de</strong> oral (FÁVERO, 2003, p.75). Ou<br />
seja, não po<strong>de</strong>mos afirmar que a escrita seja mais complexa, mais bem<br />
elaborada, mais explicita ou mais autônoma que a fala (BIBER, 1988, p.24).<br />
A segunda tendência, a qual Marcuschi <strong>de</strong>nomina visão culturalista,<br />
observa muito mais a natureza das práticas <strong>de</strong> oralida<strong>de</strong> versus escrita, e vê<br />
esta como um avanço na capacida<strong>de</strong> cognitiva dos indivíduos. Os seguidores<br />
<strong>de</strong>ssa visão, Walter Ong (1982), Jack Goody (1977) e David Olson (1977), se<br />
voltam para as mudanças operadas nas socieda<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> o sistema da escrita<br />
foi introduzido. O maior problema acarretado por essa perspectiva <strong>de</strong> análise<br />
seria a idéia <strong>de</strong> que as culturas letradas são superiores, por apresentarem<br />
raciocínio <strong>de</strong>dutivo e pensamento abstrato, possíveis graças à escrita, o que<br />
sugeriria a supremacia da escrita sobre a fala.<br />
Há ainda duas tendências <strong>de</strong> tratamento da questão da fala e escrita, a<br />
da perspectiva variacionista e a sociointeracionista. A primeira, variacionista,<br />
além <strong>de</strong> utilizar um maior rigor metodológico na análise da língua que as duas<br />
propostas anteriores, não faz distinção dicotômica ou caracterização estanque,<br />
mas, ao contrário, preocupa-se com regularida<strong>de</strong>s e variações lingüísticas<br />
distintas. Nessa perspectiva, as diferentes manifestações observadas nas<br />
relações entre fala e escrita seriam casos <strong>de</strong> variação lingüística.<br />
Na segunda, sociointeracionista, as relações entre fala e escrita são<br />
tratadas <strong>de</strong>ntro da perspectiva dialógica, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um continuum textual sem<br />
polarida<strong>de</strong>s estritas, percebendo a língua como fenômeno interativo e dinâmico<br />
(v. Quadro 2 abaixo). A preocupação <strong>de</strong>ssa perspectiva está voltada para os<br />
processos <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> sentido, situando-os em contextos sociohistoricamente<br />
marcados por ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> negociação ou por processos<br />
inferenciais. Conforme lemos em Zanotto (2005, p. 31), o interacionismo<br />
sociodiscursivo privilegia o estudo da língua como um instrumento <strong>de</strong> interação<br />
social, não a língua como sistema ou construto teórico, mas a língua<br />
transformada em discurso, viabilizado pelos gêneros <strong>de</strong> textos.<br />
45
Quadro 2<br />
Perspectiva sociointeracionista<br />
Fala e escrita<br />
Dialogicida<strong>de</strong>/Usos estratégicos<br />
Funções interacionais/Envolvimento<br />
Negociação/Situacionalida<strong>de</strong><br />
Coerência/Dinamicida<strong>de</strong><br />
Como se vê no quadro acima, este mo<strong>de</strong>lo percebe com mais clareza a<br />
língua como fenômeno interativo e dinâmico, voltado para as ativida<strong>de</strong>s<br />
dialógicas que marcam as características mais salientes da fala e da escrita.<br />
Dessa forma, fala e escrita apresentam dialogicida<strong>de</strong>, negociação, funções<br />
interacionais etc. Segundo a perspectiva sociointeracional, não existem<br />
características intrínsecas às modalida<strong>de</strong>s oral e escrita, mas <strong>de</strong>correntes do<br />
modo por que elas são atualizadas em textos.<br />
Sendo assim, os estudos que se preocupam em <strong>de</strong>screver as<br />
características da fala e da escrita como modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> traços próprios,<br />
intrínsecos e inatos tornam-se pouco produtivos, haja vista os fatores externos<br />
à língua que contornam, controlam e marcam os modos como ela se realiza.<br />
Segundo Assis (2005, p. 219), esses fatores vão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a tecnologia envolvida<br />
– telefone, computador, tevê, lápis, papel, quadro-negro etc. – até os<br />
elementos <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m sociohistórica e subjetiva – o ambiente, os agentes<br />
envolvidos, suas relações e papéis sociais, os propósitos comunicativos, entre<br />
outros 28 .<br />
Desta forma, o melhor enfoque sobre a relação fala/escrita, segundo a<br />
autora, é aquele que se volta para as ativida<strong>de</strong>s comunicativas, que surgem<br />
emparelhadas às necessida<strong>de</strong>s advindas da vida cultural e social, bem como<br />
às inovações tecnológicas que nos cercam.<br />
28 No capítulo referente à análise, veremos o comportamento <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong>sses fatores.<br />
46
1.5 O continuum entre alguns gêneros tradicionais na fala e na escrita<br />
Em sua tese intitulada Formação <strong>de</strong> uma Varieda<strong>de</strong> Urbana e Semioralida<strong>de</strong>:<br />
o caso do Recife, Brasil, Pessoa (2003) <strong>de</strong>screve em <strong>de</strong>talhes como<br />
se dá o processo da passagem do oral para o escrito. Para ele, a distinção<br />
entre oral e escrito se dá num continuum, sendo impossível precisar uma<br />
separação rígida. Ainda segundo esse autor, para se compreen<strong>de</strong>r claramente<br />
a natureza das duas modalida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>ve-se primeiramente compreen<strong>de</strong>r que<br />
elas se concretizam num medium e numa concepção. O primeiro representa o<br />
canal em que as modalida<strong>de</strong>s se realizam; o segundo, a natureza cognitiva <strong>de</strong><br />
sua organização. Essa distinção já havia sido encontrada nos anos 70, por SÖll<br />
(1974), afirma Pessoa. Vejamos a seguir a distribuição <strong>de</strong>sses elementos e sua<br />
relação nas passagens das modalida<strong>de</strong>s:<br />
Gráfico 1<br />
m<br />
A B<br />
fônico (medium = m)<br />
(concepção) oral o escrito<br />
gráfico (m)<br />
C D<br />
No Gráfico 1 acima, o ponto 0 (zero) representa uma separação<br />
teórica entre o oral e o escrito. Ao realizar seu percurso, essa linha <strong>de</strong>ixa<br />
separada a parte superior da inferior, on<strong>de</strong> se encontram o fônico e o gráfico,<br />
respectivamente. A linha pontilhada m, representa o medium, e se movimenta<br />
em concomitância com o eixo concepcional, mostrando as diversas<br />
combinações possíveis e como medium e concepção se inter-relacionam nos<br />
diversos tipos <strong>de</strong> textos produzidos; a linha m se encontra na altura do ponto 0<br />
47
(zero) para indicar apenas sua posição <strong>de</strong> repouso, perpassando os dois<br />
planos mediais, para indicar que serve para os representar. Sendo assim, m<br />
po<strong>de</strong> se manifestar na parte superior ou inferior (fônico ou gráfico,<br />
respectivamente) combinada com a concepção à esquerda ou à direita, se se<br />
trata <strong>de</strong> concepção oral ou escrita respectivamente. Então, no quadrante<br />
superior A se encontrariam os textos que se realizam como fônicos e são<br />
concebidos como orais (uma conversa informal entre dois conhecidos); no<br />
quadrante superior B se encontrariam os textos realizados fonicamente e<br />
concebidos como escritos (uma conferência); no quadrante inferior esquerdo C<br />
se encontrariam os textos realizados graficamente e concebidos como orais<br />
(uma carta privada); finalmente, no quadrante D, os textos realizados<br />
graficamente e concebidos como escritos (um artigo para publicação).<br />
A proposta <strong>de</strong>sse autor <strong>de</strong>staca a evidência, na perspectiva do<br />
medium, da distinção entre oral e escrito, visto que os textos se realizam ou<br />
pelo canal fônico ou pelo canal gráfico 29 . Já na perspectiva da concepção,<br />
segundo ele, embora as formas <strong>de</strong> organização textual sejam diferentes po<strong>de</strong>m<br />
se perpassar, fazendo surgir a semi-oralida<strong>de</strong>, que implica a passagem do oral<br />
para o escrito ou vice-versa. Na opinião <strong>de</strong> Pessoa (2003), <strong>de</strong>vemos nos<br />
orientar para a compreensão do que se quer representar através do medium, o<br />
que não implica uma prevalência <strong>de</strong>ste sobre a concepção. Nas palavras do<br />
autor, oralida<strong>de</strong> e escrita não são duas entida<strong>de</strong>s separadas, mas que<br />
constantemente se perpassam.<br />
Por trabalharmos na nossa pesquisa com textos digitais, vimos como<br />
imprescindível esten<strong>de</strong>r a representação do continuum dos gêneros<br />
tradicionais para os gêneros virtuais. Dessa forma, apresentamos a seguir um<br />
gráfico que exemplifica como se dá esse continuum no meio digital.<br />
29 Pessoa salienta que o gráfico é filogeneticamente uma representação do fônico, mas essa<br />
simetria <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> existir, visto que há uma alteração na relação <strong>de</strong> um para um, já que a<br />
representação gráfica insiste em um conservadorismo, que não acompanha a evolução dos<br />
sistemas.<br />
48
1.6 O continuum <strong>de</strong> gêneros na <strong>comunicação</strong> digital mediada por<br />
computador<br />
Interação<br />
multilateral<br />
Blogs<br />
Ví<strong>de</strong>o-conferência<br />
Uso geral <strong>de</strong> re<strong>de</strong><br />
Assíncronos<br />
E-mail<br />
ICQ/ IRC/ MUD/ MOO (chats em geral)<br />
Síncronos<br />
Fonte: Simeon J. YATES (2000) p.237<br />
Interação<br />
bilateral<br />
O Gráfico acima mostra o contínuo para os gêneros virtuais. Ele é<br />
construído com base em dois eixos: (a) o eixo da <strong>comunicação</strong> síncrona<br />
versus <strong>comunicação</strong> assíncrona, ou seja, <strong>comunicação</strong> que se dá no tempo<br />
real (caso da <strong>comunicação</strong> face a face) e a <strong>comunicação</strong> escrita (em geral<br />
<strong>de</strong>fasada no tempo) e (b) o eixo da <strong>comunicação</strong> multilateral 30 (<strong>de</strong> um para<br />
muitos, <strong>de</strong> muitos para um ou <strong>de</strong> muitos para muitos) e a <strong>comunicação</strong><br />
bilateral (<strong>de</strong> um para um). Nele po<strong>de</strong>mos observar que os e-mails são uma<br />
<strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> fato assíncrona, mas po<strong>de</strong>m ser tanto multilateral como<br />
bilateral, tendo uma preferência por sua realização inter-individual. Já o uso da<br />
re<strong>de</strong> (WWW), em todas as suas modalida<strong>de</strong>s e gêneros abrigados, está num<br />
entrecruzamento que permite enorme varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> realizações em termos <strong>de</strong><br />
formalida<strong>de</strong>, informalida<strong>de</strong>, relações comunicativas e produção síncrona ou<br />
não (MARCUSCHI, & XAVIER, 2004). Os Gráficos 1 e 2 mostram uma relação<br />
que elimina a visão dicotômica e ao mesmo tempo mostra que há uma certa<br />
diferença entre o ambiente sonoro/impresso e o meio digital.<br />
30 É bem verda<strong>de</strong> que gêneros tradicionais, como o abaixo-assinado e outros similares,<br />
também permitem a <strong>comunicação</strong> multilateral.<br />
49
A propósito das relações entre a escrita nas novas tecnologias<br />
computacionais e a escrita na forma tradicional, Marcuschi (2004, p.63) citando<br />
Halliday afirma que, “sob o impacto das novas formas <strong>de</strong> tecnologia,<br />
presenciamos uma nova situação que está <strong>de</strong>sconstruindo toda a oposição<br />
entre fala e escrita”. Para esse autor, semelhante ao surgimento dos tipos<br />
móveis, com as novas tecnologias da produção escrita pelo computador com<br />
os processadores <strong>de</strong> texto, está surgindo outro passo importante na história da<br />
escrita. Segundo ele, em breve será eliminada a distância entre a fala e a<br />
escrita. É certo, pois, que a escrita nos gêneros em ambientes virtuais se dá<br />
numa certa combinação com a fala, manifestando um hibridismo ainda não<br />
bem-conhecido e muitas vezes mal-compreendido.<br />
Frente a essas divergências, achamos imprescindível <strong>de</strong>sfazer alguns<br />
mitos existentes relacionados à fala e à escrita:<br />
1. A fala apresenta proprieda<strong>de</strong>s intrínsecas negativas;<br />
2. A escrita apresenta proprieda<strong>de</strong>s intrínsecas privilegiadas;<br />
3. A escrita é estruturalmente elaborada, complexa 31 , formal e abstrata; a<br />
fala, concreta, contextual e estruturalmente simples;<br />
4. A fala é dialogada; a escrita, monologada;<br />
5. A fala varia; a escrita, não;<br />
6. A fala é contextualizada; a escrita, <strong>de</strong>scontextualizada;<br />
7. A fala é implícita; a escrita, explícita.<br />
O que ocorre, na verda<strong>de</strong>, é que, ao contrário do que acontece com o<br />
texto escrito, no qual o produtor tem maior tempo <strong>de</strong> planejamento, sendo-lhe<br />
concedida a prática <strong>de</strong> revisão e outras, o texto falado surge no próprio<br />
momento da interação, sendo seu próprio rascunho, no dizer <strong>de</strong> Koch (2000, p.<br />
69). Em tais situações o locutor muitas vezes sacrifica a sintaxe em favor das<br />
31<br />
No gênero chat é possível <strong>de</strong>sfazer esse mito, a partir da observação dos períodos simples,<br />
não tão elaborados e informais.<br />
50
necessida<strong>de</strong>s da interação (op.cit). Como dizem os Parâmetros Curriculares<br />
Nacionais:<br />
A questão não é falar certo ou errado e sim saber que forma <strong>de</strong><br />
fala utilizar, consi<strong>de</strong>rando as características do contexto <strong>de</strong><br />
<strong>comunicação</strong>, ou seja, saber a<strong>de</strong>quar o registro às diferentes<br />
situações comunicativas. É saber coor<strong>de</strong>nar satisfatoriamente<br />
o que falar e como fazê-lo, consi<strong>de</strong>rando a quem e por que se<br />
diz <strong>de</strong>terminada coisa.<br />
Resumindo tudo o que vimos, temos que:<br />
• A fala é uma forma <strong>de</strong> produção textual-discursiva para fins<br />
comunicativos na modalida<strong>de</strong> oral, sem a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma tecnologia além<br />
do aparato disponível pelo próprio ser humano;<br />
• A escrita é um modo <strong>de</strong> produção textual-discursiva para fins<br />
comunicativos com certas especificida<strong>de</strong>s materiais, e se caracteriza por sua<br />
constituição gráfica, embora envolva também recursos <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m pictórica e<br />
outros (MARCUSCHI, 2001, p. 26).<br />
Portanto, fica claro que, ao invés <strong>de</strong> se ter como preocupação maior<br />
das pesquisas sobre oralida<strong>de</strong> e escrita mostrar as características <strong>de</strong> uma em<br />
contraste e oposição à outra, realçando apenas a diferença, <strong>de</strong>ve-se buscar<br />
<strong>de</strong>screver as características comuns à oralida<strong>de</strong> e à escrita, ao contrário da<br />
dicotomia que tenta separar o oral do escrito. Afinal, os achados mais notáveis<br />
apontam mais semelhanças que diferenças entre essas duas modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
uso da língua; as relações <strong>de</strong> semelhanças e diferenças não são estanques<br />
nem dicotômicas, mas contínuas, e várias das características diferenciais<br />
relacionadas a uma das modalida<strong>de</strong>s são proprieda<strong>de</strong>s da língua. Ainda, as<br />
diferenças entre fala e escrita po<strong>de</strong>m ser vistas na perspectiva não do sistema,<br />
mas do uso, ou seja, <strong>de</strong>vem-se levar em consi<strong>de</strong>ração os usos do código e não<br />
o código. Não esquecendo que as características da fala e escrita não são<br />
categóricas nem tampouco exclusivas.<br />
Será, pois, a tendência sociointeracionista, que consi<strong>de</strong>ra as categorias<br />
lingüísticas como construídas interativamente e sensíveis aos fatos culturais, a<br />
bússola que norteará a nossa embarcação rumo ao caminho das abreviações.<br />
51
CAPÍTULO 2<br />
ABREVIAÇÃO: da gênese à disseminação<br />
O fenômeno da abreviação no português brasileiro, apesar <strong>de</strong><br />
i<strong>de</strong>ntificado há bastante tempo, foi ainda pouco estudado. Cientes <strong>de</strong>ssa<br />
lacuna, e ávidos por tentar reunir ao máximo informações válidas com base na<br />
literatura pertinente, <strong>de</strong>mos início a esse estudo, que nada mais é do que fruto<br />
<strong>de</strong> um <strong>de</strong>sejo pelo conhecimento, em especial nesse assunto que ressurge<br />
com força visível paralelo ao domínio do mundo digital, o uso das reduções, em<br />
específico a abreviação.<br />
Neste capítulo, veremos um pouco da história das abreviações<br />
existentes na língua portuguesa, sua conceituação, a sistemática do seu uso,<br />
sua tradição até os nossos dias, e o tratamento dado pelas gramáticas a esse<br />
fenômeno tão antigo, recorrente e notório nas mais variadas camadas sociais,<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da faixa etária e do grau <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong> do usuário.<br />
Antes <strong>de</strong> tudo, é importante distinguir o conceito <strong>de</strong> abreviação do<br />
conceito <strong>de</strong> redução morfológica. Esta ocorre <strong>de</strong> preferência na fala (o que não<br />
significa que seja exclusiva <strong>de</strong>la) e representa níveis diversos <strong>de</strong> informalida<strong>de</strong><br />
ou variação (ex: né, tá, pro, pra, cum etc.); aquela é algo que se dá <strong>de</strong> modo<br />
particular na escrita (Sr., Excia., p.ex., cit), muito embora esteja se espraiando<br />
na língua oral (tv, cdf, ci, ). Enquanto o processo da abreviação dá-se no nível<br />
do fonema, o da redução morfológica ocorre no morfema. Entretanto, em<br />
ambos os casos, da abreviação e da redução morfológica, temos exemplos <strong>de</strong><br />
redução. O que distingue a abreviação da redução é que na primeira a<br />
52
supressão ocorre <strong>de</strong> forma aleatória, na maioria das vezes, enquanto na<br />
redução tem-se geralmente o apagamento <strong>de</strong> seqüências consi<strong>de</strong>radas afixos.<br />
Na abreviação não há mudança <strong>de</strong> significação na palavra resultante, enquanto<br />
que na redução a palavra <strong>de</strong>rivante não mantém o mesmo significado.<br />
Queremos salientar também que a nossa pesquisa restringe-se à análise <strong>de</strong><br />
textos escritos, a fim <strong>de</strong> ilustrarmos algumas das transformações pelas quais<br />
vem passando a língua escrita, muito embora o processo <strong>de</strong> simplificação<br />
lingüística seja algo observável não apenas na escrita, mas também na fala.<br />
É comum <strong>de</strong>parar-nos com a presença quase categórica <strong>de</strong> algum tipo<br />
<strong>de</strong> redução nos contextos mais inusitados possíveis. A ocorrência <strong>de</strong>sse<br />
recurso da língua é tão freqüente que muitas vezes chega a passar<br />
<strong>de</strong>spercebido aos nossos olhos. Seja em áreas públicas ou privadas, situações<br />
formais ou informais, orais ou escritas, conscientemente ou não, lançamos mão<br />
<strong>de</strong>sse processo <strong>de</strong> simplificação, que visa tão somente à economia lingüística.<br />
Basta um olhar mais acurado e logo veremos que o mundo em que<br />
vivemos é circunscrito por algum tipo <strong>de</strong> redução que, ao contrário do que<br />
possam pensar alguns, não se limita ao escrito, antes, parece ter origem no<br />
oral, expandindo-se então para essa outra modalida<strong>de</strong> da língua. Exemplo<br />
disso é o caso <strong>de</strong> palavras do tipo cine, mini, foto, entre outras, usadas em<br />
lugar <strong>de</strong> cinema, minissaia, fotografia. Também nomes próprios como São<br />
Paulo, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Belo Horizonte, que têm essas formas preteridas por<br />
Sampa, Rio, B.H.<br />
As reduções são práticas tão comuns e eficientes que personalida<strong>de</strong>s<br />
da história também tiveram seus nomes reduzidos a simples abreviações ou<br />
siglas 32 : ACM, FHC, JK, PC, JA, JQ, entre outros. Também nas esferas<br />
política, econômica e social são inúmeras as siglas utilizadas, entre elas: MP,<br />
CPI, FARC, IR, CPMF, PIB, IPTU, TIP, TCR, GLS, TIM etc.<br />
A fim <strong>de</strong> visualizarmos melhor a pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> material que comporta<br />
em seu texto um número significativo <strong>de</strong> abreviações, tomemos para análise<br />
alguns gêneros, dos mais comuns aos mais específicos:<br />
32 Não po<strong>de</strong>mos esquecer também dos acrônimos, que consiste em uma palavra formada pela<br />
inicial ou por mais <strong>de</strong> uma letra <strong>de</strong> cada um dos segmentos sucessivos <strong>de</strong> uma locução, ou<br />
pela maioria <strong>de</strong>stas p<strong>artes</strong> (HOUAISS, 2001).<br />
53
1. De natureza pessoal: agendas, diários, cartas, bilhetes, anotações, e-mails<br />
e <strong>de</strong>mais gêneros correlatos;<br />
2. De natureza oficial: cartas, parecer, requerimentos, ofícios, atas, fol<strong>de</strong>r,<br />
RG, CIC, e-mails e <strong>de</strong>mais gêneros virtuais;<br />
3. De natureza profissional: receituário médico, receita <strong>de</strong> culinária, bula,<br />
ca<strong>de</strong>rneta, boletim <strong>de</strong> ocorrência, etiquetas, atestados, manual <strong>de</strong><br />
instrução etc.<br />
Como pu<strong>de</strong>mos observar, são inúmeras e variadas as possibilida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> uso <strong>de</strong> redução na língua, em especial a abreviação. Cientes disso,<br />
restringimos nossa pesquisa à análise <strong>de</strong>sse recurso nos respectivos gêneros:<br />
carta, diário, blog, SMS e e-mail.<br />
2.1 Conceito <strong>de</strong> abreviação<br />
A concepção do termo abreviação data, na língua portuguesa, <strong>de</strong> 1536,<br />
como registra o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2001). De origem<br />
latina, teve suas formas históricas grafadas abreviaçõis (1536), abbreviação<br />
(1576). Etimologicamente, abreviação significa diminuição, encurtamento. E<br />
ainda (op.cit. p.26) :<br />
Abreviação s.f.(1536 FOLG fº 9v) ato ou efeito <strong>de</strong> abreviar;<br />
abreviatura 1 breve notícia; compêndio, síntese 2 FON.<br />
FONOL. Fenômeno da passagem <strong>de</strong> um som, sílaba ou<br />
fonema, <strong>de</strong> longo a breve 3 GRAM representação escrita <strong>de</strong><br />
uma palavra grafando-se apenas algumas <strong>de</strong> suas sílabas ou<br />
letras; abreviatura 4 GRAM m.q. ABREVIATURA 33 (‘redução<br />
fixa’) 5 GRAM redução do corpo fônico <strong>de</strong> uma palavra<br />
33 1Ato ou efeito <strong>de</strong> abreviar; abreviação 2 GRAM redução, fixa na língua escrita e <strong>de</strong> uso geral<br />
<strong>de</strong> uma palavra ou locução (p. ex.: V., por você;) 3 GRAM redução <strong>de</strong> uma locução a uma sigla<br />
(p.ex.:ONU, por Organização das Nações Unidas) 4 GRAM m.q. ABREVIAÇÃO<br />
(‘representação’) 5 sinal ou cifra com que se representa uma palavra ou locução (p.ex.: o sinal<br />
% representa a locução por cento) 6 EDIT sinal que indica a supressão <strong>de</strong> letra (s) numa<br />
palavra 7 p.ext. qualquer coisa em ponto pequeno; miniatura {o bolo <strong>de</strong> aniversário era a a. <strong>de</strong><br />
um castelo} 8 p.ana.exposição sucinta; abreviação, resumo.<br />
54
esultando em outra que passa a funcionar como sinônimo da<br />
palavra primitiva (p.ex., microcomputador/micro,<br />
vi<strong>de</strong>ocasse/ví<strong>de</strong>o; cinematógrafo/cine etc.).<br />
Segundo o Aurélio (1993), abreviatura s.f. 1 é a representação duma<br />
palavra por alguma(s) <strong>de</strong> suas sílabas ou letras. 2 Sinal ou cifra com que se<br />
representa uma palavra.<br />
Em Koogan/Houaiss (1999), encontramos uma <strong>de</strong>finição para<br />
abreviação e outra para abreviatura, respectivamente:<br />
1. s.f. Ação <strong>de</strong> abreviar./ Redução literal, geralmente <strong>de</strong> uso<br />
circunstancial e variável <strong>de</strong> obra para obra, <strong>de</strong> autor para autor,<br />
sobretudo em anotações rápidas para uso próprio: q. (que),<br />
apto. ou ap. (apartamento). À medida que se torna <strong>de</strong> uso<br />
geral, entra na categoria das abreviaturas.<br />
2. s.f. Representação <strong>de</strong> uma palavra por meio <strong>de</strong> uma ou<br />
algumas das suas letras.<br />
A partir da peculiarida<strong>de</strong> ora sugerida por Koogan/Houaiss (1999),<br />
faremos a diferença entre elas com base em dados <strong>de</strong> Houaiss (1983), que<br />
engloba as abreviações e as abreviaturas <strong>de</strong>ntro do quadro das reduções.<br />
2.1.1 Abreviação X Abreviatura<br />
Antes <strong>de</strong> apresentar a distinção entre abreviação e abreviatura,<br />
Houaiss (Elementos <strong>de</strong> Bibliologia,1983) <strong>de</strong>nomina <strong>de</strong> ‘reduções’ “todos os<br />
fenômenos <strong>de</strong> representação literal parcial dos vocábulos – por exemplo, “p.”<br />
por “página” - ; <strong>de</strong> representação literal-algarísmica - por exemplo, “cm 3 ” por<br />
“centímetro(s) cúbico(s)” - ; <strong>de</strong> representação pictográfica realista – por<br />
exemplo por “casa” - ; <strong>de</strong> representação picto-i<strong>de</strong>ográfico-simbólica – por<br />
exemplo “” por “morte”, “morto”, “falecido”, “falecida” - ; <strong>de</strong> representação<br />
convencional científica – por exemplo, “♂”, que na técnica da zoologia indica<br />
indivíduo do sexo masculino –.<br />
55
A seguir, o autor (op. cit, 1983) representa em forma <strong>de</strong> gráfico a<br />
sistemática das reduções:<br />
reduções<br />
1) abreviações<br />
braquigrafias 34 2) abreviaturas<br />
3) siglas 35<br />
4) acrografias<br />
5) símbolos 36<br />
i<strong>de</strong>ografias 6) signos<br />
7) sinais<br />
8) i<strong>de</strong>ogramas mistos<br />
Finalmente, parte para a <strong>de</strong>finição e distinção entre abreviação e<br />
abreviatura, a saber:<br />
• abreviações são reduções literais, geralmente <strong>de</strong> uso<br />
circunstancial, variáveis <strong>de</strong> obra para obra, <strong>de</strong> autor para autor.<br />
Na medida em que se tornam <strong>de</strong> uso geral, entram na<br />
categoria das abreviaturas.<br />
• abreviaturas são formas como que fossilizadas e <strong>de</strong><br />
emprego genérico tão tradicionalizado, que, embora possam<br />
acarretar ao leitor ou autor <strong>de</strong>sprevenido certas dificulda<strong>de</strong>s<br />
para a sua eventual compreensão, isso não se justifica entre os<br />
que estejam, <strong>de</strong> certo modo, afeitos ao manuseio, uso e jogo<br />
dos livros.<br />
34<br />
Do grego braqui = curto e grapheIn = escrever, braquigrafia significa escrever abreviado<br />
(ACIOLI, 1994).<br />
35<br />
As siglas incorporaram-se <strong>de</strong> tal forma ao vocabulário do dia-a-dia, que passaram a sofrer<br />
flexões e a produzir <strong>de</strong>rivados (CPIs, peeme<strong>de</strong>bistas etc).<br />
36<br />
O Inmetro (Instituto Nacional <strong>de</strong> Metrologia, Normalização e Qualida<strong>de</strong> Industrial) diferencia<br />
símbolo <strong>de</strong> abreviatura: no caso <strong>de</strong> “quilograma” o “K” é o símbolo correspon<strong>de</strong>nte, uma vez<br />
que essa letra sequer faz parte da palavra, não po<strong>de</strong>ndo, portanto, fazer parte da sua<br />
abreviatura (www.inmetro.gov.br).<br />
56
Feita a distinção sugerida pelo autor 37 , e por nós aqui adotada, a seguir<br />
veremos um pouco da tradição das abreviações.<br />
2.1.2 A tradição das abreviações: um pouco <strong>de</strong> história<br />
Segundo Spina (1977), Berwanger (1995) e Martins (1996), as<br />
abreviaturas são a chave da interpretação paleográfica dos documentos<br />
medievais, <strong>de</strong>vendo, portanto, o paleógrafo ter conhecimento não apenas do<br />
vocabulário, grafia e terminologia, mas também das abreviaturas da época do<br />
documento. Para Bueno (1963, p.108):<br />
O conhecimento dos diversos usos da escrita, <strong>de</strong> que se<br />
serviam os copistas medievais, tais como siglas, abreviaturas,<br />
notações, valem muito na <strong>de</strong>cifração dos textos, possibilitando<br />
ao crítico o perfeito entendimento do assunto. Ainda: quem não<br />
estiver preparado em tais estudos, nunca po<strong>de</strong>rá produzir coisa<br />
digna <strong>de</strong> nome científico.<br />
Para Acioli (1994), duas correntes tentam explicar a origem do sistema<br />
braquigráfico medieval: a tradicional e a encabeçada pelo paleógrafo alemão<br />
Traube. A primeira admite a origem latina <strong>de</strong>sse sistema que, segundo eles,<br />
<strong>de</strong>riva das três diferentes maneiras usadas pelos romanos para abreviar as<br />
palavras: as siglas, as notas tironianas e as “Notae Juris”. A segunda tenta<br />
provar a origem bíblica das abreviaturas. Em Nomina Sacra, Traube expõe sua<br />
teoria afirmando que era costume dos hebreus ocultar os nomes sagrados<br />
como sinal <strong>de</strong> respeito. Assim, quando tinham <strong>de</strong> escrever um nome sagrado,<br />
eles o substituíam por um tetragrama com o intuito <strong>de</strong> ocultar o nome 38 .<br />
37<br />
Araújo (1986) classifica as abreviaturas em dois tipos: circunstanciais e tradicionais. As<br />
primeiras variam <strong>de</strong> obra para obra e conforme o conteúdo (são as encontradas em dicionários,<br />
vocabulários e glossários); as segundas, segundo o autor, são aquelas <strong>de</strong> emprego genérico e<br />
constante, via <strong>de</strong> regra se referindo a palavras ou expressões latinas, com raízes na prática<br />
manuscritora medieval, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente dos vernáculos.<br />
38<br />
O sistema hebreu foi adotado quando da tradução da Bíblia para o grego já com o intuito <strong>de</strong><br />
abreviar as palavras (ACIOLI, 1994).<br />
57
Conforme encontramos em Man (2004, p.175), o uso <strong>de</strong> abreviações e<br />
múltiplas letras está ligado ao fato <strong>de</strong> os escribas copistas primarem por<br />
encaixar os textos em seus espaços <strong>de</strong> Procusto 39 . Contudo, salienta o autor,<br />
como não se podia prever on<strong>de</strong> a linha ia acabar, o i<strong>de</strong>al dos escribas<br />
inevitavelmente estava fadado ao fracasso. Ou seja, bastava olhar para a<br />
margem direita e via-se a <strong>de</strong>rrota estética.<br />
O uso das abreviaturas, por economia, vem <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a época do Império<br />
Romano, conforme vemos em Spina (1977), Houaiss (1983), Berwanger (1995)<br />
e Martins (1996). Segundo Bueno (1963):<br />
Os calígrafos <strong>de</strong> todos os tempos, mas <strong>de</strong> modo especial, os<br />
da Ida<strong>de</strong> Média, quer por poupança <strong>de</strong> espaço porque os<br />
pergaminhos escasseavam, quer por economia <strong>de</strong> tempo,<br />
fizeram uso <strong>de</strong> um completo sistema <strong>de</strong> abreviaturas, <strong>de</strong> siglas<br />
e <strong>de</strong> notas tironianas que torna sumamente difícil a leitura <strong>de</strong><br />
tais manuscritos ainda aos conhecedores <strong>de</strong> tais recursos<br />
taquigráficos, quanto mais aos que só os conhecem por ouvir<br />
dizer.<br />
Foi a mesma necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> economizar pergaminho 40 , em razão da<br />
rarida<strong>de</strong> e conseqüente custo elevado <strong>de</strong>sse material da escrita, que <strong>de</strong>u<br />
nascimento ao sistema <strong>de</strong> abreviações da Ida<strong>de</strong> Média. Segundo Bueno<br />
(1963), antigamente, achava-se que as abreviações da Ida<strong>de</strong> Média não<br />
obe<strong>de</strong>ciam à regra alguma, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo unicamente do arbítrio e da fantasia<br />
<strong>de</strong> cada um. Contudo, alguns conseguiram estabelecer certa sistematização<br />
nesse assunto, entre eles Chassant, cuja obra Paleografia Crítica aborda em<br />
primeira mão as regras para uso das abreviaturas.<br />
Outro autor, Paoli, discorda em alguns pontos <strong>de</strong> Chassant e reduz as<br />
abreviaturas medievais a duas espécies:<br />
• Abreviaturas <strong>de</strong> sinais gerais: indicam simplesmente a abreviação<br />
<strong>de</strong> uma palavra sem indicar qual o elemento que falta;<br />
39 Segundo o autor, trata-se <strong>de</strong> um mito grego que forçava os viajantes a caber perfeitamente<br />
num leito, para isto esticando ou cortando seus membros.<br />
40 A economia <strong>de</strong> pergaminho e <strong>de</strong> papel levou Gutenberg a reduzir o espacejamento,<br />
comprimindo mais linhas e economizando espaço na produção da Bíblia <strong>de</strong> 42 linhas. Dessa<br />
forma, ele cortou 5% dos gastos com o material <strong>de</strong> impressão, fazendo surgir a B42.<br />
58
• Abreviaturas <strong>de</strong> sinais específicos: indicam quais os elementos<br />
que faltam na palavra abreviada.<br />
As da primeira espécie, <strong>de</strong> sinais gerais, subdivi<strong>de</strong>m-se em duas:<br />
abreviaturas por suspensão ou apócope (AP = Apud), e por contração ou<br />
síncope (Aia = Anima).<br />
As abreviaturas da segunda espécie, <strong>de</strong> sinais especiais, subdivi<strong>de</strong>mse<br />
em: sinais <strong>de</strong> significado fixo (aquelas in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes do lugar on<strong>de</strong><br />
estiverem colocadas. Ex: o traço (-) colocado em cima da letra indica sempre<br />
um M ou N); sinais <strong>de</strong> significado relativo (as que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m da letra em que se<br />
encontram ou da direção em que estão colocados. Ex: um ponto (.) colocado<br />
ao lado e no alto do H: vale Hoc: mas se for colocado em cima do U já valerá<br />
Ut); sinais com letras superpostas: D + = Dicitur; X c = Cristo.<br />
Em Martins (1996), po<strong>de</strong>mos ler que as abreviaturas já eram comuns<br />
<strong>de</strong>pois do VI século, aumentando no VII, ampliando ainda mais no IX e<br />
proliferando no X. Segundo o autor, no século XI “não há linha sem oito ou <strong>de</strong>z<br />
abreviações”, chegando ao excesso nos séculos XII, XIII, XIV e XV.<br />
Um exemplo claro do que foi dito acima po<strong>de</strong> ser mais bem<br />
compreendido a partir do mo<strong>de</strong>lo contido em um manuscrito conhecido sob o<br />
nome <strong>de</strong> Virgile d’Asper 41 , on<strong>de</strong> o texto é escrito <strong>de</strong> tal maneira que é<br />
necessário sabê-lo <strong>de</strong> cor para po<strong>de</strong>r lê-lo (Martins, 1996, p.161):<br />
por:<br />
Tityre, t.p.r.s.t.f.<br />
Tityre, tu patulF recubans sub tegmine fagi.<br />
Assim, sob esta forma, é representado o primeiro verso das Bucólicas<br />
no manuscrito supracitado. Segundo Martins (op.cit.), essas abreviações, on<strong>de</strong><br />
41 Esse manuscrito é consi<strong>de</strong>rado como do século XI, e está atualmente na Biblioteca Nacional<br />
<strong>de</strong> Paris (MARTINS, Wilson. A Palavra Escrita. 2. ed. São Paulo: Editora Ática, 1996).<br />
59
uma ou duas letras iniciais servem para exprimir toda a palavra, recebem o<br />
nome <strong>de</strong> siglas 42 .<br />
Berwanger (1995) revela que houve um modismo em abreviar palavras<br />
após o século IX d.C., o que <strong>de</strong> certa forma vai <strong>de</strong> encontro ao princípio da<br />
abreviatura, segundo vemos em Houaiss (1983), que é abreviar por economia<br />
e não por amor da abreviação (op.cit, p. 122).<br />
A fim <strong>de</strong> conceber melhor, ainda que <strong>de</strong> forma sucinta, a evolução das<br />
abreviaturas, fiquemos com a narrativa registrada em Spina (1977) e aqui<br />
transcrita em forma <strong>de</strong> citação:<br />
Des<strong>de</strong> fins da república romana abreviação começou a tornarse<br />
complicada, chegando a suscitar – sem que tais medidas<br />
surtissem efeito – a intervenção do senado e dos imperadores<br />
proibindo o seu emprego. A partir do reinado carolíngio, cujas<br />
reformas pedagógicas atingiram também os processos<br />
caligráficos, o abuso das abreviaturas começou a saturar os<br />
documentos, e a moda <strong>de</strong>generou <strong>de</strong> tal forma que nos<br />
séculos XII e XIII várias disposições foram baixadas com o<br />
intuito <strong>de</strong> conter o mal. O abuso começou a diminuir à medida<br />
que implantava a utilização da letra cursiva 43 , que não permitia<br />
a profusão das abreviaturas.<br />
Contudo, um novo surto no uso das abreviaturas é advindo com o<br />
Renascimento, sendo inclusive elaboradas tabelas para leitura das siglas 44 ,<br />
conforme Spina (1977) e Berwanger (1995). Tal ressurgimento, segundo<br />
Martins (1996), não mais se justifica, uma vez que o processo mecânico <strong>de</strong><br />
42 Segundo o autor, as siglas eram usadas não apenas nos manuscritos, mas também nas<br />
inscrições lapidares, nas medalhas etc. (MARTINS, 1996).<br />
43 É a escrita corrente. As letras começam a ligar-se umas às outras <strong>de</strong>vido ao <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong><br />
escrever mais <strong>de</strong>pressa e à preguiça <strong>de</strong> se levantar a mão.<br />
Na Escrita Capital, por exemplo, a palavra que era abreviada: q .<br />
A Escrita Gótica, por sua vez, era apertada, miúda, muito ligada e com poucas abreviaturas<br />
(BERWANGER, Ana Regina. Noções <strong>de</strong> Paleografia e <strong>de</strong> Diplomática. 2. ed. Santa Maria:<br />
Editora da UFSM. 1995).<br />
44 O dicionário <strong>de</strong> Adriano Cappelli, Dizionario di abbreviature latine et italiane (3. ed. , Manuali<br />
Hoepli), Milão, 1929, dá bem uma medida das dificulda<strong>de</strong>s que a leitura <strong>de</strong> textos medievais<br />
oferece, em razão da pletora das abreviaturas: Cappelli recenseou nada menos <strong>de</strong> catorze mil<br />
sinais abreviativos (SPINA, Segismundo. Introdução à Edótica: crítica textual. São Paulo:<br />
Cultrix, Ed. da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo, 1977).<br />
60
eprodução e a utilização do papel pelos impressos do século XV estavam<br />
resolvidos 45 .<br />
Segundo Houaiss (1983), existem princípios constantes <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> cada<br />
sistema <strong>de</strong> abreviações, observáveis no passado histórico das existentes em<br />
português, e das <strong>de</strong> base latina, no Oci<strong>de</strong>nte, quais sejam:<br />
1º) evitam-se abreviações iguais para vocábulos diferentes, pois, caso<br />
contrário, haveria ambigüida<strong>de</strong>;<br />
2º) abrevia-se economicamente e não por amor da abreviação; noutros<br />
termos, usar da abreviação “pag.” por “pago” é algo sem sentido, pois<br />
tipograficamente, ao menos, compor “pag.” é o mesmo que compor “pago”;<br />
3º) abreviam-se palavras freqüentes no corpo da obra, pois <strong>de</strong> outra<br />
forma a abreviação po<strong>de</strong> tornar-se obscura ou incompreensível, além <strong>de</strong> ser<br />
quase nula a economia que <strong>de</strong>corre <strong>de</strong> uma abreviação muito episódica 46 .<br />
2.1.3 Abreviação e os sinais abreviativos<br />
Segundo Acioli (1994, p.46), sinais abreviativos são os traços que<br />
indicam que uma palavra está abreviada. Para ela, o conhecimento <strong>de</strong>sses<br />
sinais é muito importante na leitura <strong>de</strong> um documento, embora muitas vezes<br />
eles não tenham um valor fonológico especial. Essa autora distingue ainda<br />
duas categorias <strong>de</strong> sinais abreviativos, a saber:<br />
• Os gerais: não têm valor fonológico. São eles:<br />
► ponto – o mais antigo sinal abreviativo. Quase sempre acompanha as<br />
siglas;<br />
► linha reta – usada nos documentos mais cuidados, sobretudo nos <strong>de</strong><br />
chancelaria. Vinha sempre sobreposta às letras;<br />
45 Lecoy <strong>de</strong> la Marche <strong>de</strong>ixa claro que multiplicação das abreviações nos manuscritos<br />
medievais se <strong>de</strong>u, principalmente, por causa da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> economizar pergaminho<br />
(MARTINS, Wilson. A Palavra Escrita. 2. ed. São Paulo: Editora Ática, 1996).<br />
46 Segundo o autor, as normas abreviantes, em português, po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong>preendidas da prática<br />
abreviante e <strong>de</strong> certas observações já com tendências sistemáticas (ACAD, XLVII, 53).<br />
61
► linha curva – também foi utilizada como sinal abreviativo na escrita vulgar,<br />
porque oferecia um traçado mais ligeiro;<br />
► traço envolvente – a tendência <strong>de</strong> cursivida<strong>de</strong> da escrita contribuiu para<br />
que o escrivão, sem levantar o instrumento da escrita, envolvesse toda a<br />
palavra abreviada. Podia partir da última letra da palavra ou da letra<br />
sobreposta.<br />
• Os especiais: são os que substituem uma letra ou um agrupamento <strong>de</strong>las.<br />
Derivam-se das notas tironianas e têm valor fonológico. Foram usados na<br />
escrita medieval, sendo importante conhecê-los para uma boa interpretação<br />
documental. Vejamos:<br />
►<br />
2.1.4 Classificação das abreviaturas 47<br />
Conforme encontramos em Spina (1977), Houaiss (1983) e Berwanger<br />
(1995), as abreviaturas po<strong>de</strong>m classificar-se em:<br />
1) Abreviatura por siglas→ consiste em representar a palavra pela sua letra<br />
inicial: P = Petrus, sendo que o redobro da sigla po<strong>de</strong> apresentar dois valores:<br />
o plural da palavra ou o seu superlativo: AA = Augusti; duas ou mais palavras,<br />
47<br />
Mais adiante veremos que nos gêneros digitais também há certos critérios nas reduções<br />
realizadas.<br />
62
que pelo sentido formam um todo, po<strong>de</strong>m também reduzir-se às suas iniciais, e<br />
nesse caso é utilizado o ponto em cada sigla: C.A. = Caesar Augustus 48 .<br />
2) Abreviatura por suspensão ou apócope → em que se verifica a supressão<br />
<strong>de</strong> elementos finais do vocábulo, ainda que os paleógrafos as qualifiquem <strong>de</strong><br />
siglas, remontam também aos gregos e romanos: drt =direito; Imp. =<br />
imperator 49 .<br />
3) Abreviatura por contração ou síncope→ forma-se mediante a supressão<br />
<strong>de</strong> elementos gráficos do meio do vocábulo. A fixação apenas da letra inicial e<br />
da final po<strong>de</strong>, contudo tornar difícil a i<strong>de</strong>ntificação da palavra: Sr.=senhor; dr =<br />
dicitur 50 .<br />
4) Abreviatura por letras sobrepostas (sobrescritas)→ uma pequena letra é<br />
inscrita por cima da abreviatura: r c tor = rector; p i or = prior; aq a = aqua 51 .<br />
5) Abreviatura por sinais especiais→ são sinais que se colocam no início,<br />
meio ou fim da palavra, significando uma sílaba ou ausência <strong>de</strong> uma letra: Ds =<br />
Deus; ÷ ou % = est (é).<br />
6) Abreviatura por letras numerais→ constitui as abreviaturas <strong>de</strong><br />
numerações, <strong>de</strong>signativas <strong>de</strong> quantida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong> marcos cronológicos. Tais<br />
abreviaturas, usadas ainda hoje, são <strong>de</strong> origem romana. Das sete letras<br />
maiúsculas <strong>de</strong> seu alfabeto – I, V, X, L, C, D e M – serviram-se os romanos<br />
para indicar respectivamente os números 1, 5, 10, 50, 100, 500 e 1.000 52 .<br />
7) Letras inclusas→ consistem na inserção <strong>de</strong> uma letra na outra, ou seja,<br />
quando um traço <strong>de</strong> uma letra serve comumente para outra. Estas letras são<br />
chamadas <strong>de</strong> embebidas. Ex: AN N I = Antonio.<br />
48<br />
A sigla foi o processo mais antigo <strong>de</strong> abreviação por supressão ou apócope, e seu uso se<br />
manteve durante toda a Ida<strong>de</strong> Média; porém, logo no início verificou-se certa tendência para<br />
tornar as siglas mais inteligíveis, acrescentando-se a elas outras letras do vocábulo: cl, cler,<br />
cleric = clericus; ou ainda sobrepondo-lhes um signo abreviativo (a risca): qn = quando.<br />
(SPINA, 1977).<br />
49<br />
Este sistema se <strong>de</strong>senvolveu consi<strong>de</strong>ravelmente a partir da divulgação da escritura<br />
carolíngia na Europa (I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m).<br />
50<br />
Para obviar a dificulda<strong>de</strong>, costumavam conservar letras intermediárias, chamadas mesmo<br />
características, que favoreciam a intelecção do termo: dgm = dignem.<br />
51<br />
Muito rara entre os romanos, bem como nos documentos da Península Ibérica anteriores ao<br />
século XII, generalizou-se a partir <strong>de</strong>ssa época com a escritura visigótica (Op. cit, p. 46).<br />
52<br />
A sucessão das mesmas indicava soma (XXX = 30); mas a sobreposição <strong>de</strong> uma barra<br />
horizontal à letra multiplicava mil vezes o seu valor (ö = 500.000). Daí que ù = M e 6M = um<br />
milhão.<br />
63
8) monogramas→ são letras ornamentais que substituem palavras,<br />
geralmente nomes próprios, algumas vezes entrelaçadas. Ex: Æ.<br />
Houaiss (1983) nos fornece ainda uma relação <strong>de</strong> abreviaturas <strong>de</strong><br />
curso corrente na língua portuguesa, excluindo, contudo, como diz o autor, uma<br />
imensa galeria <strong>de</strong> valor restritamente paleográfico, ou seja, sem utilida<strong>de</strong><br />
corrente nos dias <strong>de</strong> hoje. As abreviaturas foram relacionadas segundo<br />
afinida<strong>de</strong>s temáticas mais ou menos marcadas. São elas:<br />
1) abreviaturas axiológicas→ compreen<strong>de</strong>ndo as relacionadas com as<br />
fórmulas <strong>de</strong> tratamento, os títulos nobiliárquicos, profissionais, eclesiásticos e<br />
afins, e as i<strong>de</strong>ologicamente associadas:<br />
A.M. = Ave Maria (expressão e abreviatura ligadas à igreja católica);<br />
V.S. = Vossa Santida<strong>de</strong>/ Vossa Senhoria;<br />
2) abreviaturas autorais→ <strong>de</strong> palavras latinas exclusivamente, que<br />
antece<strong>de</strong>m os nomes <strong>de</strong> autores <strong>de</strong> obras <strong>de</strong> arte, na ida<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna, a partir<br />
do momento em que o anonimato <strong>de</strong> regra <strong>de</strong>sapareceu:<br />
aet., aetat. → aetate, na ida<strong>de</strong> <strong>de</strong>; inscrição com que os pintores, <strong>de</strong><br />
preferência, indicavam em que ida<strong>de</strong> se achava o retratado.<br />
3) abreviaturas bibliológicas→ que se relacionam com as técnicas <strong>de</strong><br />
remissão, indicação, seccionação, anáfora, dêixis, na estruturação <strong>de</strong> uma obra<br />
escrita:<br />
ib., ibid. = ibi<strong>de</strong>m, isto é, no mesmo lugar, lugar como indicativo apenas da<br />
obra;<br />
op.cit.;opp.citt. = opus citatum; opera citata; obra citada; obras citadas; se<br />
se tratar da mesma obra antes citada, reporta-se a op.cit.<br />
4) abreviaturas comerciais, industriais e afins (e algumas esportivas):<br />
c/c = conta corrente; p/ = por; p/, pª = para; pg. = pago, pagou.<br />
64
5) abreviaturas crononímicas, relacionadas com a referenciação a tempo e<br />
ao calendário:<br />
a.C., A.C. = antes <strong>de</strong> Cristo (evite-se a segunda forma da abreviação, A.C.)<br />
6) abreviaturas forenses, judiciárias, tabelioas, áulicas, cortesãs, eufêmicas<br />
(e algumas institucionais):<br />
a/c, A/C = aos cuidados; e.c.f. = é cópia fiel<br />
7) abreviaturas médicas, farmacológicas e posológicas:<br />
u.e. = uso externo, u.i. = uso interno.<br />
8) abreviaturas musicais, na sua totalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> origem italiana, mas <strong>de</strong> curso<br />
praticamente geral nas línguas oci<strong>de</strong>ntais:<br />
accel. = acelerando;<br />
cresc. = crescendo, em crescendo;<br />
p. = piano, docemente.<br />
9) abreviaturas náuticas mais correntes, pois que a terminologia própria<br />
comportaria muito mais, <strong>de</strong> curso restrito:<br />
BB, B.B = bombordo;<br />
s.o.s., S.O.S. = inglês save our soul, quiçá também save our ship, salve<br />
nossa alma, salve nosso navio, em apelo <strong>de</strong> socorro.<br />
10) abreviaturas teatrais, tão-somente as relacionadas com a referência à<br />
marcação do cenário:<br />
D. = direita;<br />
D.A. = direita alta;<br />
E.B 53 . = esquerda baixa.<br />
53 Como não é nossa pretensão apresentar todas as abreviaturas existentes, trazemos apenas<br />
dois ou três exemplos <strong>de</strong> cada tipo, principalmente as mais conhecidas.<br />
65
2.1.5 A abreviação e as notas tironianas 54 ou taquigrafia<br />
Spina (1977) e Berwanger (1995) afirmam que as notas tironianas<br />
constituíram um sistema <strong>de</strong> abreviação, <strong>de</strong> índole muitíssimo complexa, usado<br />
pelos romanos para cópias <strong>de</strong> livros inteiros ou transcrição <strong>de</strong> discursos<br />
proferidos ao vivo; é um sistema estenográfico, e tido mesmo como a mais<br />
antiga forma <strong>de</strong> taquigrafia na Europa. Martins (1996, p.161) diz que as notas<br />
tironianas são simples letras, iniciais ou medianas, empregadas para figurar<br />
palavras inteiras ou abreviar a escrita.<br />
Inventado por um escravo liberto que pertencia a Cícero, <strong>de</strong> nome<br />
Tiro 55 , daí a <strong>de</strong>signação <strong>de</strong> tironiano, esse sistema foi <strong>de</strong>senvolvido<br />
consecutivamente, atingindo o número <strong>de</strong> 5.000 abreviaturas 56 . Tiro se servia<br />
<strong>de</strong> tal taquigrafia a fim <strong>de</strong> registrar, na íntegra, os discursos dos mais famosos<br />
oradores <strong>de</strong> Roma (PAOLI apud BUENO, 1963).<br />
Higounet (2003) afirma que o nascimento da estenografia ou taquigrafia<br />
mo<strong>de</strong>rna se <strong>de</strong>ve ao <strong>de</strong>sejo, nascido na Alta Ida<strong>de</strong> Média e ressurgido na<br />
Renascença, <strong>de</strong> possuir uma escrita tão rápida quanto a fala. Segundo o autor,<br />
a necessida<strong>de</strong> justificou a divulgação.<br />
Conforme encontramos em Bueno (1963), as notas tironianas tiveram<br />
largo uso e foram mais complicadas na Ida<strong>de</strong> Média. Segundo esse autor, um<br />
dos usuários <strong>de</strong>sse sistema foi o papa Silvestre II que, por utilizar esse recurso,<br />
ficou conhecido como feiticeiro e cabalista.<br />
Durante muito tempo, as notas tironianas foram in<strong>de</strong>cifráveis, mas, em<br />
inícios do século XIX, Ulrico Fe<strong>de</strong>rico Kopp instituiu as leis fundamentais nas<br />
54 As Notae Juris <strong>de</strong>rivaram-se das notas tironianas, entretanto não tiveram a mesma<br />
popularida<strong>de</strong> e por isso tiveram seu uso restrito aos documentos jurídicos (ACIOLI, 1994).<br />
55 Tiro anotava seus discursos através <strong>de</strong> sinais.<br />
56 Segundo lê-se em Bueno (1963), alguns atribuem a invenção das notas tironianas a outros<br />
que não Cícero Tullius Tiro. Suetônio, por exemplo, atribui a Ênio: Vulgares notas Enius primus<br />
Mille et centum invenit. Outros, a Sêneca: Sêneca, contracto omnium digestoque et aucto<br />
numero, opus effecit in quinque millia...Entretanto, como afirma Bueno (1963, p. 116), todos<br />
são unânimes em aceitar Tiro como autor <strong>de</strong> tal taquigrafia. Para Plutarco: Romae primus<br />
Tullius Tiro Ciceronis libertus commentatus est notas...<br />
66
quais se baseava esse sistema gráfico 57 , lançando um “Lexicon tironianum”<br />
(contido no II vol. <strong>de</strong> sua obra capital Palaeographia critica, Mannheim, 1817).<br />
Outros estudiosos <strong>de</strong>ram continuida<strong>de</strong> aos estudos, entre eles: Tardif, Sickel,<br />
Schmitz, Traube, Zangomeister, De Vries, Havet e Cipolla (BUENO, 1963, p.<br />
116).<br />
Em razão <strong>de</strong> utilizarem as notas tironianas 58 em suas minutas, antes <strong>de</strong><br />
receberem a <strong>de</strong>signação <strong>de</strong> “tabeliães”, os oficiais públicos romanos 59<br />
chamavam-se notarius 60 . São exemplos <strong>de</strong> notas tironianas:<br />
H* = Hoc (este);<br />
G i = igitur (por isso);<br />
q. = quem;<br />
tbem = também;<br />
Gª = Erga (para/contra);<br />
M’ = Mihi (para mim), etc.<br />
Bueno (1963) afirma que as notas tironianas nada possuem <strong>de</strong> oculto;<br />
antes, baseiam-se nas letras do alfabeto maiúsculo romano, cujos sinais são<br />
usados em várias posições, representando significados in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte em cada<br />
uma <strong>de</strong>las: Signum principale e os Signa auxiliaria. Estes representam uma<br />
terminação qualquer da palavra (- G a = Erga); aquele, geralmente, inicial da<br />
palavra (T’= tibi).<br />
57<br />
Esse sistema chegou a ser ensinado nas escolas, sobreviveu até o século X, mantendo<br />
inúmeros sinais até bem <strong>de</strong>pois.<br />
58<br />
Essas notas usualmente originavam-se do alfabeto maiúsculo romano, constituindo-se <strong>de</strong> um<br />
“signo principal” (geralmente a letra inicial da palavra) e <strong>de</strong> “signos auxiliares”, que representam<br />
a terminação do vocábulo. (SPINA, 1977).<br />
59<br />
O braquigrafismo era um aspecto importante da escrituralida<strong>de</strong> medieval e um aspecto<br />
importante da competência escribal dos notários (Brocardo & Emiliano, no prelo).<br />
60<br />
N4t~r0ßs, 00, s. ap. m. QUINT. O que escreve por abreviaturas, estenographo ou<br />
tachygrapho. § SOD. THEOD. Escrivão, amanuense, escrevente, copista, secretario.<br />
(SARAIVA, s/d).<br />
67
2.1.6 A abreviação e a simplificação lingüística<br />
Des<strong>de</strong> os tempos mais remotos, a função precípua da língua é<br />
comunicar. Seja o meio sonoro ou impresso/digital, a mensagem <strong>de</strong>ve primar<br />
por a<strong>de</strong>quar seu código ao público a que se <strong>de</strong>stina. Assim, o vocabulário<br />
utilizado ten<strong>de</strong> a ser mais ou menos seleto; os períodos a variar entre simples e<br />
compostos; a or<strong>de</strong>m oscila entre direta e indireta, e as frases a se esten<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />
curtas a longas, a <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r do receptor/<strong>de</strong>stinatátio, visando à brevida<strong>de</strong> e à<br />
clareza.<br />
Os procedimentos selecionados e ativados para tornar o texto<br />
a<strong>de</strong>quado a seu público são entendidos como processos <strong>de</strong> simplificação<br />
lingüística. Em O século XVIII e a noção <strong>de</strong> simplificação lingüística, Pessoa<br />
(2001) afirma que a<br />
Simplificação lingüística é uma habilida<strong>de</strong> inata dos sujeitos<br />
falantes <strong>de</strong> uma língua <strong>de</strong> adaptarem seus usos para<br />
facilitarem a <strong>comunicação</strong> com aqueles que por razões<br />
diversas teriam dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r certas<br />
construções.<br />
Mendonça (1987) diz que a simplificação po<strong>de</strong> ocorrer em dois níveis: a<br />
simplificação do código da língua, cuja alteração mudará o texto <strong>de</strong> acordo com<br />
regras lexicais e sintáticas 61 ; e a simplificação da língua, cujo objetivo é o <strong>de</strong><br />
tornar a proposição o mais clara possível, com um estilo aproximado do<br />
informal. No primeiro caso temos uma simplificação gramatical; no segundo,<br />
semântica.<br />
O século XVIII, conhecido como Século das Luzes, está intimamente<br />
ligado à difusão do saber, da alfabetização e da simplificação. É nesse período<br />
que um dos fatos relacionados com a simplificação lingüística surge, a proposta<br />
61 Através da substituição <strong>de</strong> palavras polissílabas por outras menores; <strong>de</strong> palavras pouco<br />
usuais por aquelas que sejam do léxico do leitor; da voz ativa em vez da passiva, e evitar<br />
intercalações (MENDONÇA, 1987).<br />
68
<strong>de</strong> Verney, que sugere uma gramática curta e clara para o estudante, com o<br />
objetivo <strong>de</strong> difundir a língua portuguesa 62 .<br />
Segundo Pessoa (2001), a noção <strong>de</strong> simplificação lingüística po<strong>de</strong> ser<br />
aplicada em vários contextos. No nosso estudo, aplicá-la-emos aos autores <strong>de</strong><br />
textos manuscritos, impressos e digitais, cujo propósito é o <strong>de</strong> dar precisão e<br />
objetivida<strong>de</strong> ao texto produzido. Pessoa sugere ainda a inclusão <strong>de</strong> outros<br />
tipos/gêneros textuais na análise do processo <strong>de</strong> simplificação lingüística.<br />
Seguindo suas indicações, iremos tratar essa noção nos gêneros carta, e-mail,<br />
diário, blog e SMS, observando os processos <strong>de</strong> redução que há na língua, em<br />
especial a abreviação.<br />
Vale <strong>de</strong>stacar aqui a ressalva feita por Mendonça (op.cit.), segundo a<br />
qual a sigla e a taquigrafia, embora tomem menos espaço e tempo para<br />
escrever, <strong>de</strong>vem ser evitadas, pois as mesmas impossibilitam a <strong>de</strong>codificação<br />
da mensagem por aqueles que <strong>de</strong>sconhecem o conteúdo transmitido <strong>de</strong> forma<br />
abreviada. Segundo a autora, o abuso <strong>de</strong> siglas serve apenas para separar as<br />
pessoas em dois grupos: o dos que dominam a informação e o das que não<br />
possuem esse tipo <strong>de</strong> informação. Para ela, as siglas po<strong>de</strong>m ser um entrave à<br />
compreensão textual.<br />
Na opinião <strong>de</strong> Brocado & Emiliano (no prelo), as abreviaturas não<br />
<strong>de</strong>vem ser <strong>de</strong>senvolvidas, respeitando o caráter logográfico que lhes é próprio,<br />
e só <strong>de</strong>senvolvê-las se, e somente se, a sua expansão for absolutamente<br />
inequívoca e não resultar <strong>de</strong> uma conjectura do editor, ainda que <strong>de</strong>terminada<br />
pelo contexto lingüístico. Para esses autores, essas são as únicas opções<br />
editoriais paleográficas e filologicamente consistentes cujo propósito é o <strong>de</strong><br />
preservar a configuração estrutural específica da escrituralida<strong>de</strong> medieval.<br />
Segundo eles, as abreviaturas, longe <strong>de</strong> serem um problema, são apenas um<br />
tipo <strong>de</strong> escrita baseado em princípios diferentes dos das ortografias mo<strong>de</strong>rnas.<br />
Iremos, pois, verificar se os resultados da nossa pesquisa corroboram a<br />
visão <strong>de</strong> Mendonça ou a <strong>de</strong> autores como Brocado e Emiliano. A fim <strong>de</strong><br />
atingirmos esse objetivo, iniciaremos uma viagem pelas gramáticas e sites <strong>de</strong><br />
Internet, observando o que dizem as mesmas quanto ao uso das abreviações.<br />
62<br />
É nesse período que a língua usada na burocracia começa a per<strong>de</strong>r o seu caráter retórico<br />
(MENDONÇA, 1987).<br />
69
2.1.7 A abreviação nas gramáticas e home pages<br />
Como o uso <strong>de</strong> abreviação está inserido no processo <strong>de</strong> produção<br />
textual, vale investigar também como os gramáticos tratam esse recurso<br />
gráfico. Para nossa surpresa, porém, constatamos que nem as gramáticas<br />
<strong>de</strong>scritivas 63 tampouco as normativas trazem sequer uma linha acerca do<br />
processo <strong>de</strong> abreviação.<br />
Apesar <strong>de</strong> todas, ou quase todas, trazerem em seu sumário uma lista<br />
<strong>de</strong> abreviaturas usadas, lista <strong>de</strong> abreviaturas <strong>de</strong> nomes dos autores e outros<br />
utilizados, nenhum gramático <strong>de</strong>dicou em suas históricas páginas um espaço<br />
reservado a esse tópico tão antigo e ainda presente em nossos dias. Restounos<br />
então partir para uma busca nos sites específicos, a fim <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrirmos<br />
se esses tinham o mesmo comportamento ou ao menos faziam menção do<br />
assunto. A seguir, apresentamos o resultado da nossa pesquisa.<br />
As abreviações utilizadas na língua revelam, conforme lemos em<br />
PUCRS Manual <strong>de</strong> Redação, o ritmo acelerado da vida mo<strong>de</strong>rna, faz com que<br />
se economizem palavras e tempo, mediante uma <strong>comunicação</strong> mais rápida,<br />
reduzindo frases, expressões e palavras (pornográfico → pornô; professor →<br />
profe; pneumático → pneu etc).<br />
No primeiro site que acessamos, www.nilc.icmc.usp.br/, foram<br />
encontrados os seguintes critérios para utilização das abreviaturas:<br />
• Nos textos escritos, em especial formais, evite ao máximo o uso<br />
<strong>de</strong> abreviaturas. Prefira escrever as palavras por extenso.<br />
• Lembre-se <strong>de</strong> que os acentos existentes nas palavras originais<br />
são mantidos nas abreviaturas.<br />
• Nem todos os substantivos masculinos aceitam o "o" sobrescrito<br />
em seu processo <strong>de</strong> abreviatura. O "o" sobrescrito <strong>de</strong>ve ser utilizado:<br />
1. Apenas para a redução dos numerais ordinais ("1º")<br />
63 Excetuando-se a Gramática <strong>de</strong> Eduardo Carlos Pereira, que traz pouca informação sobre o<br />
tema. Apenas apresenta uma lista, associando o largo uso das abreviaturas com a ortografia<br />
(PEREIRA, 1938).<br />
70
2. Opcionalmente, em alguns substantivos masculinos terminados em<br />
"o", como: "engº" (engenheiro) ou "Colº" (colégio).<br />
3. Substantivos masculinos terminados em consoante (professor, por<br />
exemplo) <strong>de</strong>vem ser reduzidos sem referência ao gênero ("prof.").<br />
• O "a" sobrescrito, por sua vez, <strong>de</strong>ve ser obrigatoriamente utilizado<br />
sempre que indicar gênero feminino, como em: "2ª" ou "prof.ª" (professora).<br />
No que tange à sistemática das abreviaturas, foram encontradas as<br />
seguintes normas:<br />
1. Uso <strong>de</strong> Abreviaturas <strong>de</strong> Logradouros, Títulos Honoríficos e Nomes Próprios:<br />
Recomenda-se que as abreviaturas <strong>de</strong> títulos honoríficos, profissões,<br />
cargos e logradouros como: “Dr.", "Dra.", "Sr.", "Sra.", "D.", "prof.", "eng.",<br />
"gen.", "cap.", "R.", "Av.", "Pç.", "Lgo." e "Trav." sejam utilizadas, somente se<br />
necessário, diante dos substantivos próprios por elas modificados. Em outros<br />
casos, é indicada a escrita da palavra por extenso.<br />
Exemplos:<br />
• A Dra. nos recomendou um bom remédio. [Ina<strong>de</strong>quado]<br />
A Dra. Henriqueta nos <strong>de</strong>u uma ótima notícia. [A<strong>de</strong>quado]<br />
• O gen. viajou ontem. [Ina<strong>de</strong>quado]<br />
O general viajou ontem. [A<strong>de</strong>quado]<br />
2.Uso <strong>de</strong> Abreviaturas <strong>de</strong> Tempo:<br />
A maior parte das gramáticas do português recomenda que a<br />
abreviatura <strong>de</strong> horários seja feita por referência explícita à unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tempo<br />
("h" e "min").<br />
71
A forma HH:MM, consagrada pelo uso, é consi<strong>de</strong>rada anglicismo, por<br />
isso <strong>de</strong>ve ser evitada.<br />
A indicação das horas <strong>de</strong>ve ser feita por meio da abreviatura invariável<br />
"h" (15 h), e a unida<strong>de</strong> dos minutos po<strong>de</strong> ser omitida (14h48) ou expressa pelas<br />
abreviaturas, também invariáveis, "m" (14h48m) ou "min" (14h48min).<br />
A unida<strong>de</strong> das horas, sempre que não houver referência aos minutos,<br />
<strong>de</strong>ve vir separada do algarismo que a prece<strong>de</strong> por um espaço em branco. Caso<br />
contrário, as unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>vem vir imediatamente após os algarismos.<br />
Exemplo:<br />
• São 2h, estou atrasada. [Ina<strong>de</strong>quado]<br />
São 2 h, vamos! [A<strong>de</strong>quado]<br />
• Faltam 5hs34m para o início da prova. [Ina<strong>de</strong>quado]<br />
Faltam 5h34min para o fim da viagem. [A<strong>de</strong>quado]<br />
3.Uso <strong>de</strong> Abreviatura <strong>de</strong> Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medida:<br />
• As abreviaturas das unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> volume são:<br />
"l" (litro), "ml" (mililitro), "cl" (centilitro) e "dl" (<strong>de</strong>cilitro).<br />
• As abreviaturas das unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> massa são:<br />
"g" (grama), "mg" (miligrama), "kg" (quilograma) e "dg" (<strong>de</strong>cigrama).<br />
Exemplo:<br />
1. Comprou 3kgs <strong>de</strong> carne no mercado ontem. [Ina<strong>de</strong>quado]<br />
Comprou 3 kg <strong>de</strong> carne no mercado ontem. [A<strong>de</strong>quado]<br />
2. Um galão americano tem 3,785 ls. [Ina<strong>de</strong>quado]<br />
Um galão americano tem 3,785 l. [A<strong>de</strong>quado]<br />
72
Estas abreviaturas também são invariáveis, <strong>de</strong>vem ser escritas com<br />
letras minúsculas, e <strong>de</strong>vem vir separadas do algarismo que as prece<strong>de</strong> por um<br />
espaço em branco.<br />
4.Uso <strong>de</strong> abreviatura <strong>de</strong> distância:<br />
As abreviaturas das unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> distância são invariáveis e escritas da<br />
seguinte forma: "m" (metro), "cm" (centímetro), "mm" (milímetro) e "km"<br />
(quilômetro).<br />
Exemplo:<br />
• O carro rodou 243kms em apenas uma hora. [Ina<strong>de</strong>quado]<br />
O carro rodou 243 km em apenas uma hora. [A<strong>de</strong>quado]<br />
5.Uso <strong>de</strong> abreviatura <strong>de</strong> nomes <strong>de</strong> santos:<br />
"Sta.".<br />
Exemplos:<br />
A abreviatura recomendada para Santo e Santa é "S.", e não "Sto." ou<br />
• Sou muito <strong>de</strong>vota <strong>de</strong> Sta. Luzia. [Ina<strong>de</strong>quado]<br />
Sou muito <strong>de</strong>vota <strong>de</strong> S. Luzia. [A<strong>de</strong>quado]<br />
• Sto. Antônio é consi<strong>de</strong>rado casamenteiro. [Ina<strong>de</strong>quado]<br />
S. Antônio é consi<strong>de</strong>rado casamenteiro. [A<strong>de</strong>quado]<br />
No segundo site, www.folhanet.com.br/, po<strong>de</strong>mos resumir a idéia<br />
central em estar o uso das abreviações associado à economia <strong>de</strong> tempo ou <strong>de</strong><br />
espaço. Daí o fato <strong>de</strong> a abreviação <strong>de</strong>ver constar apenas da meta<strong>de</strong> ou menos<br />
da meta<strong>de</strong> da palavra original, do contrário, é melhor escrevê-la por extenso, o<br />
73
que está <strong>de</strong> acordo com o que diz Houaiss (1983): não convém abreviar<br />
quando o princípio da economia é insignificante.<br />
É ressaltado ainda o cuidado com o uso abusivo das abreviações, não<br />
<strong>de</strong>vendo estas constar em provas, trabalhos, artigos ou redações, mas apenas<br />
em anotações <strong>de</strong> uso pessoal. Por último, é relacionado o uso constante, por<br />
parte dos clientes, das abreviações no Ca<strong>de</strong>rno Classificados da Folha da<br />
Região com o fato <strong>de</strong> aqueles visarem à economia <strong>de</strong> espaço, a fim <strong>de</strong><br />
pagarem menos (o que nos faz, <strong>de</strong> certa forma, regressar à época do<br />
pergaminho, que, <strong>de</strong>vido ao seu elevado preço, exigia o uso acentuado das<br />
abreviações, a fim <strong>de</strong> economizar o material da escrita, cujo preço era<br />
elevadíssimo).<br />
Em seguida, são apresentadas regras <strong>de</strong> uso das abreviações.<br />
A regra geral resume-se em: escrever a primeira sílaba e a primeira<br />
letra da segunda sílaba, seguidas <strong>de</strong> ponto abreviativo 64 . Caso a primeira letra<br />
da segunda sílaba seja vogal, escreve-se até a consoante. Exemplos: fut.<br />
(futuro). Se a palavra tiver acento gráfico, este será conservado se cair na<br />
primeira sílaba. Exemplos: núm. (número). Se a segunda sílaba iniciar por duas<br />
consoantes, as duas farão parte da abreviatura. Exemplos: pess. (pessoa).<br />
Entretanto, nem todas as palavras seguem a regra geral para<br />
abreviatura. Exemplos: a.C. ou A.C. (antes <strong>de</strong> Cristo), ap. ou apto.<br />
(apartamento), bel. (bacharel), btl. (batalhão), cel. (coronel), Cia. (Companhia),<br />
cx. (caixa), D. ( digno, Dom, Dona), f. ou fl. ou fol. (folha), ib. ou ibid. (ili<strong>de</strong>m, da<br />
mesma forma), id. (i<strong>de</strong>m, o mesmo), i.e. (isto é), Ilmo. (Ilustríssimo), Ltda.<br />
(Limitada), M.D. (Muito Digno), p. ou pág. (página), pp. págs. (páginas), pg.<br />
(pago), p.p. (próximo passado), P.S. (pós-escrito = escrito <strong>de</strong>pois), Q.G.<br />
(Quartel General), rem. ou remte. (remetente), S.A. (Socieda<strong>de</strong> Anônima), sv.<br />
(serviço), S.O.S. (Save Our Souls = salvai nossas almas), u.i. (uso interno),<br />
U.S.A. (United States of America = Estados Unidos), vv. (versos, versículos).<br />
É bom lembrar que na flexão <strong>de</strong> gênero não aparece a <strong>de</strong>sinência “o”,<br />
indicativa do masculino nas abreviaturas, como: prof. profª. Sendo, portanto,<br />
64<br />
Os gramáticos tradicionais não admitem flexão em abreviaturas, como: profª (professora),<br />
págs. (páginas) (www.folhanet.com.br/).<br />
74
errado grafar o masculino assim: profº. Nas abreviaturas <strong>de</strong> caráter<br />
internacional, não se põe o ponto abreviativo: h, kg, km, kw. A última<br />
observação: nunca corte a palavra numa vogal, sempre numa consoante.<br />
Exemplo: <strong>de</strong>partamento = <strong>de</strong>p., nunca <strong>de</strong>pa.).<br />
Dando seqüência ao assunto, é reservado um espaço para as siglas,<br />
consi<strong>de</strong>radas como um tipo especial <strong>de</strong> abreviatura, e <strong>de</strong>finidas como redução<br />
<strong>de</strong> locuções compostas por substantivos próprios.<br />
como:<br />
As siglas/acronímias po<strong>de</strong>m ser formadas:<br />
• pelas letras iniciais maiúsculas das palavras que formam o nome<br />
FGTS = Fundo <strong>de</strong> Garantia por Tempo <strong>de</strong> Serviço.<br />
• pelas sílabas iniciais <strong>de</strong> cada uma das palavras que formam o<br />
nome, como:<br />
EMBRATEL = EMpresa BRAsileira <strong>de</strong> TELecomunicações.<br />
As siglas <strong>de</strong>vem trazer apenas a inicial em letra maiúscula, quando<br />
possuírem mais <strong>de</strong> quatro letras e forem pronunciáveis; nos <strong>de</strong>mais casos,<br />
todas as letras <strong>de</strong>vem ser grafadas com caracteres maiúsculos:<br />
Exemplos:<br />
1. Unicamp = Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Campinas<br />
2. Senac = Serviço Nacional <strong>de</strong> Aprendizagem Comercial<br />
3. CNBB = Conselho Nacional dos Bispos do Brasil 65<br />
Em uma entrevista especial para a Folha <strong>de</strong> São Paulo, Camargo 66<br />
(www.folha<strong>de</strong>saopaulo) afirma que as palavras sofrem alterações <strong>de</strong> forma e<br />
<strong>de</strong> significado no <strong>de</strong>correr do tempo, existindo vários processos que dão<br />
65 As abreviaturas ("Av.", por exemplo), mas não as siglas (“FMI”, por exemplo), <strong>de</strong>vem ser<br />
seguidas <strong>de</strong> ponto final. Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> medida ("km", "MHz",etc.), elementos químicos ("K"<br />
(potássio),etc.) e pontos car<strong>de</strong>ais e colaterais ("E" (Leste), "NE" (Nor<strong>de</strong>ste), etc.) também<br />
dispensam o uso do ponto final.<br />
66 Entrevista concedida em 2004.<br />
75
origem a novos termos, sendo um dos mais comuns entre eles a abreviação ou<br />
redução, que, para ela, é resultado da lei do menor esforço.<br />
A autora trata a questão da abreviação não apenas como o<br />
apagamento e/ou redução <strong>de</strong> uma ou mais letras, mas sim como um processo<br />
<strong>de</strong> síntese (grifo nosso) do vocábulo. Desta forma, teríamos as seguintes<br />
palavras que passaram por esse procedimento na língua portuguesa:<br />
“pneu” em vez <strong>de</strong> “pneumático”;<br />
"cinema" em lugar <strong>de</strong> "cinematógrafo";<br />
"metrô", <strong>de</strong> origem francesa, é redução <strong>de</strong> "chemin <strong>de</strong> fer<br />
métropolitain" (estrada <strong>de</strong> ferro metropolitana);<br />
"Quilo" vem <strong>de</strong> "quilograma";<br />
"Pólio", <strong>de</strong> "poliomielite";<br />
"Pornô", <strong>de</strong> "pornográfico";<br />
"Pinda", <strong>de</strong> "Pindamonhangaba";<br />
"Kombi", <strong>de</strong> origem alemã, é redução <strong>de</strong> "Kombinationsfahrzeug"<br />
(veículo combinado para carga e passageiros).<br />
"Automóvel" convive com sua abreviação "auto", que <strong>de</strong>u origem à<br />
palavra "auto-escola".<br />
E continua: caso semelhante ocorre com "motoboy", também formado<br />
a partir da abreviação <strong>de</strong> "motocicleta" ("moto"), à qual se pren<strong>de</strong>u a redução<br />
do estrangeirismo "office boy" ("boy"), vigente entre nós há bastante tempo.<br />
Concluindo, Camargo (op.cit.) diz que essas são provas do dinamismo da<br />
língua, sempre pronta para incorporar o novo.<br />
A abreviação vocabular é consi<strong>de</strong>rada um processo produtivo na<br />
redução <strong>de</strong> palavras muito longas. Consiste, segundo informa o site Dudas<br />
idiomáticas 67 , na eliminação <strong>de</strong> um segmento <strong>de</strong> uma palavra a fim <strong>de</strong> se obter<br />
uma forma mais curta (otorrinolaringologista → otorrino). Ainda nesse site, a<br />
forma abreviada é consi<strong>de</strong>rada <strong>de</strong> uso coloquial, embora em muitos casos<br />
passe a fazer parte da língua escrita<br />
67 www.dudasidiomáticas<br />
76
Basílio (2003) diz ser importante fazer a distinção entre redução ou<br />
abreviação <strong>de</strong> <strong>de</strong>rivação regressiva. No primeiro caso, segundo a autora, temse<br />
uma palavra formada pela supressão <strong>de</strong> alguma parte da palavra <strong>de</strong>rivante<br />
(a palavra da qual outra <strong>de</strong>riva), sendo a parte suprimida muitas vezes<br />
imprevisível. Para ela, a palavra formada é sinônimo da <strong>de</strong>rivante, tendo<br />
apenas seu uso em estilo mais coloquial. São exemplos <strong>de</strong> redução ou<br />
abreviação: boteco por botequim, Sampa, por São Paulo, granfa por grã-fino,<br />
<strong>de</strong>lega por <strong>de</strong>legado. Basílio (op.cit.) apresenta ainda casos <strong>de</strong> redução em<br />
formas compostas, nas quais o todo é representado por uma das p<strong>artes</strong> da<br />
composição, sem que haja prejuízo ou mudança da significação global: míni,<br />
por minissaia, micro por microcomputador, ví<strong>de</strong>o, por vi<strong>de</strong>ocassete, análise por<br />
psicanálise. A diferença entre esses dois casos, formas simples e compostas, é<br />
que no primeiro a redução é assistemática; no segundo, se faz pelos<br />
constituintes da composição.<br />
Já a <strong>de</strong>rivação regressiva, segundo a autora, consiste em suprimir uma<br />
seqüência fônica tomada como afixo. Nesses casos, afirma Basílio, a palavra<br />
resultante não tem o mesmo significado ou uso da palavra <strong>de</strong>rivante. Vejamos:<br />
sarampão e sarampo. O ão foi interpretado como sufixo aumentativo formando<br />
sarampo, bastando retirar a seqüência ão. Daí surgiu a oposição <strong>de</strong> significado<br />
entre os dois vocábulos, significando sarampão um ataque forte <strong>de</strong> sarampo.<br />
Em uma outra home-page, encontramos mais um esboço sobre nosso<br />
objeto <strong>de</strong> estudo, a abreviação, o qual julgamos relevante para fins <strong>de</strong><br />
conhecimento da língua portuguesa. Desta vez, a análise é mais limitada,<br />
restringindo-se ao vocábulo táxi e <strong>de</strong>rivados.<br />
Taxi: <strong>de</strong> taxímetro (<strong>de</strong>spesa + medidor).<br />
Talvez porque estejamos tão familiarizados com os termos taxímetro<br />
(aparelho que me<strong>de</strong> a distância e calcula a quantia a ser paga) e táxi (veículo<br />
<strong>de</strong> aluguel equipado com taxímetro), os <strong>de</strong>talhes abaixo se tornam<br />
necessários:<br />
1. No século XIX eram muito comuns pequenas carruagens <strong>de</strong> aluguel<br />
chamadas cabriolés (duas rodas, um cavalo, conversível), que na França e na<br />
Inglaterra se chamava CABRIOLET.<br />
77
2. Na Inglaterra a palavra foi reduzida para CAB, com o mesmo uso. O<br />
cocheiro era chamado <strong>de</strong> CABBY.<br />
3. No fim do século passado inventou-se um aparelho mecânico para<br />
possibilitar o pagamento do uso dos cabriolés em função da distância. O<br />
aparelho foi chamado <strong>de</strong> TAXÍMETRO (taximeter). Os cabriolés assim<br />
equipados foram chamados <strong>de</strong> TAXIMETER CAB, <strong>de</strong>pois reduzido para<br />
TAXICAB.<br />
TÁXI.<br />
4. Continuando o processo <strong>de</strong> abreviação vocabular, chegamos ao<br />
5. Com o advento do automóvel, a mesma terminologia foi transferida<br />
para as “carruagens sem cavalo”. Nos EUA até hoje os termos CAB, TAXICAB<br />
e TAXI são usados indistintamente.<br />
6. Como dissemos, o antigo cocheiro era conhecido como CABBY, mas<br />
este termo não é mais utilizado, preferindo-se táxi driver. Já no Brasil, o antigo<br />
cocheiro virou Chofer <strong>de</strong> Praça, Chofer <strong>de</strong> Táxi e hoje são chamados <strong>de</strong><br />
Motoristas <strong>de</strong> Táxi ou Taxistas.<br />
Há também nas home pages uma série <strong>de</strong> abreviaturas 68<br />
características da Internet, representadas no Quadro 3, a seguir, que<br />
significam respectivamente:<br />
Quadro 3<br />
Abreviaturas da Internet<br />
BTW By The Way A propósito<br />
GA Go Ahead Vá em frente<br />
FYI For Your Information Para a sua informação<br />
IMHO In My Humble Opinion Na minha humil<strong>de</strong> opinião<br />
ILY I Love You Eu te amo<br />
LOL Laughing Out Loud Rindo em voz alta<br />
MSG message Mensagem<br />
OTOH On The Other Hand Por outro lado<br />
RTFM Read The fuck Manual Leia o maldito do manual<br />
TIA Thanks in Advance Agra<strong>de</strong>cendo antecipadamente<br />
68 As letras maiúsculas são usadas para dar <strong>de</strong>staque. Se todas elas estiverem em<br />
maiúsculas, significa que a pessoa está gritando. Portanto, evite escrever tudo em maiúsculas,<br />
a menos que se queira enfatizar um ponto muito importante.<br />
78
Algumas abreviações misturam letras e sinais gráficos 69 para<br />
representar a redução <strong>de</strong> palavras e expressões 70 . São exemplos:<br />
Quadro 4<br />
Abreviações com letras e sinais gráficos<br />
K-Que --Menos<br />
OBG-Obrigado BJS-Beijos<br />
OK-Tudo bem + ou--Mais ou menos<br />
PQ-Porque C/O-Como<br />
Q-Que [ ]-Abraço<br />
QQ-Qualquer C/-Com<br />
TB-Também =-Igual<br />
TKS-Obrigado(ing) ILY-Amo-te<br />
X-Vez LOL-Rir alto(ing)<br />
+-Mais MSM-Mesmo<br />
Segundo afirma Béguelin (2004, p.32), os internautas e os usuários do<br />
SMS (Short Message Service) para os telefones móveis fazem uso <strong>de</strong> uma<br />
quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> inovações gráficas basicamente por exigências externas do tipo:<br />
rapi<strong>de</strong>z e falta <strong>de</strong> espaço na tela. Para a autora, as abreviaturas também estão<br />
presentes a fim <strong>de</strong> que os usuários atinjam o objetivo pragmático <strong>de</strong> serem<br />
breves e rápidos em suas comunicações. Na opinião <strong>de</strong>la, alguns usuários<br />
retomam o que caracteriza silabários micênicos e hititas, entre eles:<br />
1. Utilização <strong>de</strong> letras ou i<strong>de</strong>ogramas com valor fonético (rebus):<br />
U2 = [you too]<br />
Y A KELK1??? = [y a quelqu’un]<br />
2. Uso <strong>de</strong> símbolos acrofônicos:<br />
asv? = [age sexe ville?]<br />
mdr!!! = [mort <strong>de</strong> rire]<br />
Q = [quoi], [qui] ou [que], por exemplo em: CE Q JE PENSE<br />
69<br />
Para Saussure, só há dois sistemas <strong>de</strong> escrita: o i<strong>de</strong>ográfico, cuja palavra é representada por<br />
um sinal único e estranho aos sons que a compõem; e o fonético, que procura reproduzir a<br />
sucessão <strong>de</strong> sons <strong>de</strong> uma palavra .<br />
70<br />
Na expressão <strong>de</strong> Vendryès, a linguagem é um sistema <strong>de</strong> sinais. Assim como o é a escrita,<br />
na expressão <strong>de</strong> Martins (op.cit, p.24).<br />
79
3. Reutilização <strong>de</strong> fonogramas com valor silábico:<br />
CT = [ c´était]<br />
4. Recurso à i<strong>de</strong>ografia:<br />
@+ = [a plus] (que se pronuncia “a plus”, forma truncada habitual,<br />
em francês coloquial, para “à plus tard” 71 ).<br />
5. Reciclagem <strong>de</strong> diversos signos para transformá-los em componentes <strong>de</strong><br />
ícones:<br />
8-)):-p = signos não-lingüísticos os quais evocam uma pessoa que<br />
usa óculos e sorri ou um personagem que mostra a língua,<br />
tomados do repertório <strong>de</strong> smileys ou binettes. (“Emoticón” [algo<br />
como “emotivadão” em português] é uma das <strong>de</strong>nominações que<br />
se usam em espanhol).<br />
Po<strong>de</strong>mos observar também na linguagem da Internet o crescente uso<br />
da imagem, o que, <strong>de</strong> certa forma, nos leva aos códices medievais 72 , nos quais<br />
predominavam as ilustrações, imagens e ornamentações (MIRANDA, 2004).<br />
Vale ressaltar, porém, que nesses gran<strong>de</strong> parte das ilustrações não tinha nada<br />
a ver com o sentido do texto, servindo, via <strong>de</strong> regra, como mera <strong>de</strong>coração.<br />
Naquela, as imagens e ícones em movimentos colaboram com a construção do<br />
sentido. Ou seja, o hipertexto, modo <strong>de</strong> enunciação digital, converge VERBO +<br />
IMAGEM + SOM = HT.<br />
É bem verda<strong>de</strong> que a iconografia po<strong>de</strong> existir sem apoio do texto, como<br />
este po<strong>de</strong> subsistir sem aquela, mas, associada ao texto, a imagem constitui<br />
uma espécie <strong>de</strong> traço supra-segmental que marca leituras, suscita apelos, cria<br />
modos <strong>de</strong> realida<strong>de</strong> que induzem significação no interior <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong>s<br />
textuais suficientemente advertidas (NASCIMENTO, 1998, p. 21).<br />
Se pu<strong>de</strong>rmos estabelecer ligações interessantes entre o texto digital e<br />
os manuscritos, veremos que, no primeiro, a imagem possui uma relação<br />
privilegiada com o elemento verbal, assumindo um valor primeiro que as<br />
“iluminuras” não representavam nos códices, já que se limitavam à função<br />
71<br />
Béguelin (2004, p. 32) afirma que o recurso <strong>de</strong> abreviações fonográficas é freqüente na<br />
língua francesa.<br />
72<br />
Com o advento da imprensa houve a separação do espaço verbal e imagético.<br />
80
<strong>de</strong>corativa. Por outro lado, os ícones criados e amplamente difundidos no<br />
espaço digital, que <strong>de</strong>finem emoções e características <strong>de</strong> quem os escreve,<br />
reconfiguram os sinais diacríticos. Vejamos alguns:<br />
Quadro 5<br />
Guia <strong>de</strong> emoticons 73<br />
:-) Sorriso – Alegria ( :+( Assustado –<br />
Aterrorizado<br />
:-x Um beijo<br />
;-) ou ' -) Piscadinha - :[ ou :)= Vampiro<br />
sarcasmo ou brinca<strong>de</strong>ira<br />
xxx Beijinhos<br />
:-( Triste - Não gostei, |-I ou (- I Adormecido :-X Um beijo caloroso<br />
estou triste ou chateado<br />
e apaixonado<br />
:-I Indiferença |-O Bocejando : - # De lábios<br />
:*) Estou bêbado ou X) Morto<br />
selados, guardar em<br />
segredo<br />
|: - | Excessivamente<br />
sendo incoerente<br />
rígido<br />
:-D Risada - Estou rindo % -) Confuso [] abraços<br />
:-DDD Estou rindo muito : -e Desapontado 0:) um anjo<br />
Conforme lemos em Viana (2000), os emoticons foram <strong>de</strong>senvolvidos<br />
pelo serviço secreto <strong>de</strong> um país do sudoeste europeu, em 1979, para que<br />
apenas pessoas altamente treinadas na arte da <strong>de</strong>cifragem pu<strong>de</strong>ssem<br />
compreendê-los. Segundo essa autora, a técnica básica <strong>de</strong>sse sistema<br />
criptográfico baseava-se na rotação a 270 graus dos caracteres digitados, o<br />
que os tornava praticamente impossível <strong>de</strong> serem lidos por pessoas que não<br />
conheciam essa arte 74 . Atualmente, ressalta Viana, basta criativida<strong>de</strong> e um<br />
pouco <strong>de</strong> paciência para entendê-los.<br />
David Crystal (2005, p. 86), em seu livro intitulado A revolução da<br />
linguagem, <strong>de</strong>ixa claro que os smileys (emoticons) indicam a natureza sem fala<br />
do veículo que os participantes utilizam, seja em interações por e-mail ou salas<br />
<strong>de</strong> bate-papo. Na opinião <strong>de</strong>le,<br />
73 Abreviaturas <strong>de</strong> emoções usadas na Internet.<br />
74 Com o fim da Guerra Fria, o uso militar dos emoticons tornou-se obsoleto (VIANA, 2000).<br />
81
que:<br />
Os smileys se expandiram como forma <strong>de</strong> evitar as<br />
ambigüida<strong>de</strong>s e as percepções errôneas que surgem quando<br />
se faz a linguagem escrita carregar o peso da fala.<br />
Ainda acerca dos emoticons, Oliveira e Paiva (op.cit.) citando Noblia diz<br />
Como a <strong>comunicação</strong> mediada por computador é uma<br />
<strong>comunicação</strong> baseada em textos, ao contrário da <strong>comunicação</strong><br />
face a face, sofre a ausência <strong>de</strong> indicadores não-verbais<br />
(gestos, expressões, olhares, entonação, acento etc.) que<br />
normalmente ocorrem quando todos os participantes estão<br />
presentes no mesmo ambiente físico. Um paliativo para essa<br />
ausência é a “paralinguagem eletrônica” que oferece aos<br />
interlocutores os chamados “emoticons” (que tentam reproduzir<br />
sentimentos, emoções, risos etc. através <strong>de</strong> uma combinação<br />
<strong>de</strong> símbolos).<br />
Dentre os vários recursos utilizados na linguagem dos gêneros digitais,<br />
em especial a redução das palavras, elegemos aqui os mais comuns, a saber:<br />
1. Sons das letras associados a símbolos matemáticos.<br />
Escrita i<strong>de</strong>ográfica:<br />
D+ Demais<br />
T +++++ Até mais<br />
2. Uso <strong>de</strong> consoantes que têm em sua pronúncia o som <strong>de</strong> uma<br />
vogal:<br />
Blz Beleza<br />
Kra Cara<br />
Msmo Mesmo<br />
Q Que<br />
Tc Tecer = conversar on-line ou teclar<br />
3. Uso das consoantes mais sonoras <strong>de</strong> palavras dissílabas:<br />
Pq Por que Qto Quanto<br />
Tb Também Hj Hoje<br />
Vc Você Hrs Horas<br />
Qdo Quando Mto Muito<br />
4. Expressões reduzidas a apenas uma palavra:<br />
Kolé ou cole Qual é Dukarái Do caralho<br />
Procê Para você Xôtefalá Deixa eu te falar<br />
Cume Como é Né Não é?<br />
82
5. Interrupção da palavra em sua sílaba tônica, mantendo-se<br />
por vezes, a pós-tônica:<br />
Ce Você Tâmus Estamos<br />
Te Até Fi Filho<br />
Ta Está Po Po<strong>de</strong><br />
Tava Estava Nó Nossa<br />
6. Uso <strong>de</strong> estrato sonoro da língua inglesa<br />
Pegay Peguei<br />
7. Modificação da representação convencional dos sons nasais:<br />
Naum Não Vaum Vão<br />
Intaum Então Daum Dão<br />
Baum Bom Estaum Estão<br />
Saum São Taum Estão<br />
Entaum Então Jaum João<br />
8. Marcação das sílabas tônicas com o uso da letra h<br />
Soh Só Moh Mó<br />
Lah Lá Neh Né<br />
Eh É Jah Já<br />
9. K substituindo o dígrafo QU<br />
Aki Aqui Tikim Tiquinho<br />
10. Economia na escrita <strong>de</strong> letras mediais<br />
Loko Louco Loca Louca<br />
Pra Para Veio Velho<br />
Todas as reduções acima apresentadas são motivadas pelos sons das<br />
palavras e, mesmo que variem os contextos, o valor semântico é mantido.<br />
Assim, mt é sempre muito, vc é você e aki é aqui e não há dificulda<strong>de</strong> na<br />
compreensão por parte dos usuários.<br />
No que tange à substituição do ditongo nasal ão pelo um (ex. não ⇒<br />
naum), assim como o uso do h para representar as vogais tônicas (ex.é ⇒ eh),<br />
ambos têm sua origem na linguagem telegráfica e permanecem até hoje.<br />
Quanto ao uso do K em substituição à letra C e ao dígrafo QU (ex. aqui<br />
⇒ aki), tem-se comprovada a tese da economia, que reduz duas letras a uma<br />
só. Vale salientar, contudo, que há ocorrências do fonema /w/ em contextos<br />
on<strong>de</strong> seu uso não implica redução: falou ⇒ falow. Nesse caso, o autor do texto<br />
83
tem como finalida<strong>de</strong> apenas assinalar seu estilo, já que a marca principal das<br />
interações on line é a utilização <strong>de</strong> um código próprio, que rompa com as<br />
normas estabelecidas para a ortografia e a pontuação, fazendo surgir um<br />
código irreverente e estiloso 75 . Convém lembrar que, a <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r do gênero,<br />
escrever conforme as normas gramaticais po<strong>de</strong> resultar em erro. Em outras<br />
palavras, um ambiente que exige irreverência, velocida<strong>de</strong> e estilo requer uma<br />
linguagem que se coadune com ele.<br />
75 (SANTOS, 2005).<br />
84
CAPÍTULO 3<br />
A ABREVIAÇÃO E AS TECNOLOGIAS: do manuscrito ao texto digital<br />
Após mostrarmos que a visão dicotômica da relação entre fala e escrita<br />
não mais se sustenta, veremos se há ou não, no que diz respeito ao uso das<br />
abreviações, certa diferença entre as tecnologias manuscrita, impressa e<br />
digital. Para tanto, <strong>de</strong>dicaremos algumas linhas <strong>de</strong>ste capítulo ao texto<br />
manuscrito, seu significado, sua origem e tradição; ao impresso, seu<br />
surgimento e contribuições e, por último, ao digital, sua introdução, importância<br />
e impacto na linguagem e vida social, tomando como premissa um dos três<br />
aspectos <strong>de</strong>stacados por Crystal (2001), em seu livro “Linguagem e a<br />
Internet 76 ”:<br />
Do ponto <strong>de</strong> vista dos usos da linguagem, temos uma<br />
pontuação minimalista, uma ortografia um tanto bizarra,<br />
abundância <strong>de</strong> siglas e abreviaturas (grifo nosso) nada<br />
convencionais, estruturas frasais pouco ortodoxas e uma<br />
escrita semi-alfabética. 77<br />
76 Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, Internet s.f. (s XX) INF TEL re<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
computadores dispersos por todo planeta que trocam dados e mensagens utilizando um<br />
protocolo comum, unindo usuários particulares, entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pesquisa, órgãos culturais,<br />
institutos militares, bibliotecas e empresas <strong>de</strong> toda envergadura.<br />
77 Não seria o caso aí, <strong>de</strong> escolha lingüística ou, como salienta Marcuschi (2002), temos, em<br />
termos lingüísticos, uma língua escrita não-monitorada, não submetida a revisões, expurgo ou<br />
correções. Em outras palavras: uma linguagem em seu estado natural <strong>de</strong> produção.<br />
85
Quanto a este último, o texto digital, buscaremos i<strong>de</strong>ntificar e<br />
caracterizar alguns gêneros emergentes, em especial o e-mail 78 , o weblog, e o<br />
SMS, a fim <strong>de</strong> mostrar o efeito <strong>de</strong>ssas novas tecnologias na linguagem,<br />
especificamente na escrita, visto que a <strong>comunicação</strong> em todos os gêneros da<br />
mídia digital se dá por essa modalida<strong>de</strong> da língua.<br />
Po<strong>de</strong>mos adiantar, no entanto, que o fato <strong>de</strong> essa nova tecnologia<br />
conseguir reunir várias formas <strong>de</strong> expressão (texto, som e imagem) em um só<br />
meio é responsável por parte do sucesso que esse novo gênero ocupa ao lado<br />
do papel e do som, nas ativida<strong>de</strong>s comunicativas.<br />
A título <strong>de</strong> exemplo, <strong>de</strong>staquemos aqui a expressão do ano em 1998:<br />
“e”: e-mail (correio eletrônico), e-book (livro eletrônico), e-therapy (terapia<br />
virtual), e-business (negócios virtuais), entre outras, que passaram a fazer<br />
parte do nosso vocabulário.<br />
• A evolução da escrita: uma sinopse<br />
As formas <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> utilizadas pelo homem ao longo <strong>de</strong> sua<br />
evolução foram as mais variadas possíveis: o homem primitivo utilizava-se <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>senhos, hieróglifos, caracteres cuneiformes das civilizações da Mesopotâmia<br />
ou, ainda, caracteres i<strong>de</strong>ográficos sino-japoneses. Os materiais utilizados iam<br />
<strong>de</strong> paus, pedras, fios, a tecidos, colares, entre outros, com os quais<br />
compunham palavras, frases e expressavam idéias. No mundo oci<strong>de</strong>ntal, a<br />
<strong>comunicação</strong> dá-se principalmente através <strong>de</strong> representação gráfica, cujo<br />
principal veículo <strong>de</strong> transmissão do conhecimento humano é feito por meio do<br />
alfabeto. Antes, porém, <strong>de</strong> chegarmos ao alfabeto, vivenciamos uma<br />
verda<strong>de</strong>ira evolução da escrita, que po<strong>de</strong> ser assim resumida:<br />
78 Visto que o termo já está sendo dicionarizado <strong>de</strong>ssa maneira, ao menos no Dicionário<br />
Houaiss da Língua Portuguesa não traduzimos, aqui, para “correio eletrônico”.<br />
86
• Pictografia: do latim “pictus”, pintado; “grafe” (do grego), <strong>de</strong>scrição. Essa<br />
escrita era usada pelo homem primitivo para fixar nas pare<strong>de</strong>s das cavernas<br />
seus principais feitos;<br />
• I<strong>de</strong>ografia: Fixação das idéias através dos símbolos. Signos convencionais<br />
correspon<strong>de</strong>ntes a <strong>de</strong>terminadas expressões e que sugerem idéias;<br />
• Fonetismo: As figuras lidas evocavam seu sentido primitivo acrescido da<br />
expressão sonora. Pássaro, ao invés <strong>de</strong> representar apenas rapi<strong>de</strong>z, adquiria o<br />
valor sonoro <strong>de</strong> ave. Ou seja, equivaliam ao som 79 .<br />
• Silábica: O fonetismo sugeriu a <strong>de</strong>composição da palavra em sílaba, ou seja,<br />
conjunto <strong>de</strong> sons. Quando a escrita tinha dificulda<strong>de</strong>s em encontrar uma<br />
representação para <strong>de</strong>terminada palavra, separava-a em duas, três ou mais<br />
sílabas, com um <strong>de</strong>senho para cada uma.<br />
• Alfabeto: Palavra composta com os nomes das principais letras gregas alfa e<br />
beta. Sistema <strong>de</strong> sinais que exprimem os sons elementares da linguagem. De<br />
origem fenícia, passou à Grécia e <strong>de</strong>pois a Roma. No nosso caso, apenas no<br />
século I a.C. surge o alfabeto latino completamente constituído com suas vinte<br />
e três letras (HIGOUNET, 2003).<br />
3.1 O manuscrito<br />
Certamente não é uma novida<strong>de</strong> afirmar que as maiores obras<br />
religiosas, literárias, artísticas e até mesmo cientificas da humanida<strong>de</strong> foram<br />
redigidas <strong>de</strong> próprio punho pelos seus autores, foram obras “manu scriptæ”,<br />
manuscritas. Todas que foram editadas antes do aparecimento da imprensa<br />
79<br />
Processo semelhante ocorre nas cartas enigmáticas, on<strong>de</strong> o símbolo do sol mais o do dado<br />
representa a palavra soldado.<br />
87
como a Bíblia, a Ilíada e a Odisséia, e mesmo <strong>de</strong>pois que a imprensa já tinha<br />
sido inventada por Gutenberg.<br />
Queremos com isso dizer – aprofundando o assunto – que foram as<br />
mãos a parte do corpo por excelência do homem através das quais ele revelou<br />
o pensamento humano nas gran<strong>de</strong>s obras do pensamento e da arte humana,<br />
concebidos pelo cérebro e realizados através da escrita manual, da pintura, da<br />
escultura, do <strong>de</strong>senho. Em seu “Elogio da mão”, Henri Focillon escrevia que<br />
“l’esprit fait la main, la main fait l’esprit” e afirma a essencialida<strong>de</strong> da mão<br />
humana, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o gesto mais simples ao gesto oratório, que o torna mais<br />
convincente, mais plausível, mais veemente. E afirma, a certa altura, que<br />
aqueles que se expressam concomitantemente com a palavra e com os gestos<br />
manuais “conservaram com vivacida<strong>de</strong> essa dupla poética... que traduz com<br />
exatidão um estado antigo do homem, a recordação dos seus esforços para<br />
inventar um mundo inédito” (HENRI FOCILLON, Vie <strong>de</strong>s Formes, p.104 apud<br />
WILSON MARTINS, A palavra escrita, p.18).<br />
Durante séculos, como afirma Roman (2000), a <strong>comunicação</strong> escrita foi<br />
feita por manuscritos ou processos <strong>artes</strong>anais <strong>de</strong> entalhe, gravação e<br />
impressão <strong>de</strong> caracteres em pergaminhos preparados a partir do couro <strong>de</strong><br />
animais. Segundo o autor, durante a Ida<strong>de</strong> Média, copiavam-se principalmente<br />
documentos e textos religiosos. 80<br />
A princípio, conforme encontramos em Martins (1996, p.93), manuscrito<br />
é o texto escrito à mão, seja qual for o instrumento auxiliar, seja qual for a<br />
matéria que o receba.<br />
Nessas condições, seriam manuscritos todas as “inscrições” feitas em<br />
papel ou em pedra, marfim, bronze ou mármore. Entretanto, esse nome é<br />
reservado aos “manuscritos” em papel, papiro ou pergaminho; aos <strong>de</strong>mais, o<br />
nome <strong>de</strong> gravura ou <strong>de</strong> escultura. Dessa forma, a palavra “manuscrito” evoca<br />
sem dubieda<strong>de</strong> a idéia da folha <strong>de</strong> papel, <strong>de</strong> papiro ou <strong>de</strong> pergaminho, escrita à<br />
mão, e até, visto que nem sempre são sincrônicos os progressos técnicos e os<br />
80 Um copista levava em média 100 dias para produzir um exemplar <strong>de</strong> uma obra (ROMAN,<br />
Artur Roberto. Chega <strong>de</strong> papel! O correio eletrônico e a <strong>comunicação</strong> administrativa nas<br />
empresas).<br />
88
progressos vocabulares, a folha <strong>de</strong> papel datilografada, quando ela representa<br />
o “original” vindo das mãos do escritor.<br />
Também o Dictionnaire <strong>de</strong> Furetière refere dois sentidos à palavra<br />
“manuscrit”: “livro ou obra escrita à mão” e “o original <strong>de</strong> um livro, o texto do<br />
Autor sobre o qual ele foi impresso” (CHARTIER, 2002, p.96).<br />
Assim consi<strong>de</strong>rado, o “manuscrito” visa ao texto escrito à mão,<br />
qualquer que seja o instrumento auxiliar, seja qual for a matéria que o receba,<br />
como foi dito acima. Esten<strong>de</strong>mos, então, o conceito <strong>de</strong> manuscrito, também, ao<br />
texto digital, visto que será aqui tomado apenas o original, vindo das mãos do<br />
escritor 81 .<br />
O primeiro mito que <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>sfeito aqui é o da substituição simples<br />
da cultura manuscrita pela impressa. Prova real <strong>de</strong> que tal afirmação não passa<br />
<strong>de</strong> uma idéia errônea é o fato <strong>de</strong> ter aquela alcançado tamanha importância<br />
quando da época da impressão. Segundo Chartier 82 (2002, p.84), a<br />
manutenção do manuscrito <strong>de</strong>u-se até o século XIX e mesmo no século XX.<br />
A publicação manuscrita, afirma o autor, mantém a ambigüida<strong>de</strong> do<br />
próprio termo “escritor”, compreen<strong>de</strong>ndo aquele que copiou o livro, bem como<br />
aquele que compôs o texto. Este fato <strong>de</strong>ve-se à constatação <strong>de</strong> um mesmo<br />
livro conter textos <strong>de</strong> autores e, até mesmo, gêneros diversos.<br />
Nos séculos XV e XVI a publicação manuscrita é reforçada a fim <strong>de</strong><br />
controlar a própria forma dada pelos autores às suas obras e, principalmente,<br />
<strong>de</strong>vido à consciência aguda e infeliz das corrupções introduzidas pela<br />
imprensa, conforme po<strong>de</strong>mos ler em Chartier (2002, p.85).<br />
A partir do século XVI, os papéis manuscritos abundam em freqüência<br />
e atingem um nível tal <strong>de</strong> importância que é raro um inventário após o<br />
falecimento que não os contenha. Tamanha é a valia <strong>de</strong> um manuscrito que os<br />
exemplares <strong>de</strong> apresentação oferecidos aos príncipes ou aos gran<strong>de</strong>s tinham<br />
suas cópias impressas preteridas (CHARTIER, 2002, p.83-86).<br />
81<br />
Será, portanto, nesses termos, com essa restrição e especificida<strong>de</strong>, que usaremos ao longo<br />
do nosso trabalho a <strong>de</strong>finição do tema.<br />
82<br />
O autor <strong>de</strong>staca a oposição radical entre print culture e scribal culture.<br />
89
Havia, em plena época da impressão, uma “comunida<strong>de</strong> do<br />
manuscrito”, no dizer do autor, cujo <strong>de</strong>sejo era o <strong>de</strong> subtrair ao acesso público<br />
um saber precioso, uma literatura escolhida, livrando-a dos riscos <strong>de</strong> corrupção<br />
e profanação trazidas pela imprensa. Em sua obra A evolução da escrita,<br />
Horca<strong>de</strong>s (2004) afirma que os possuidores <strong>de</strong> livros manuscritos tinham<br />
preconceito contra os livros impressos, chegando, em algumas cida<strong>de</strong>s, a<br />
proibirem a entrada dos impressores. Tal <strong>de</strong>cisão era tomada por po<strong>de</strong>rosos<br />
escribas e calígrafos, que alcançavam facilmente seu objetivo, já que as<br />
cida<strong>de</strong>s eram cercadas por muros e guardadas por portões.<br />
Os manuscritos abarcavam um número consi<strong>de</strong>rável <strong>de</strong> abreviaturas,<br />
das quais uma parte das sílabas, e às vezes todas as letras da palavra, exceto<br />
a primeira, eram suprimidas. Vejamos a quantida<strong>de</strong> das abreviações advindas<br />
dos manuscritos:<br />
• Um z pela conjunção e;<br />
• uma espécie <strong>de</strong> 3 ou <strong>de</strong> 9 pela partícula cum ou a partícula francesa com, e<br />
pelo final <strong>de</strong> certas palavras: te3 ou te9 = tecum; neq3 = neque;<br />
• o q com a parte inferior cortada por um traço em forma <strong>de</strong> cruz para significar<br />
quam ou quod;<br />
• o sinal 4 correspon<strong>de</strong>nte ao latim rum: nostro4 = nostrorum; quo4 = quorum<br />
etc;<br />
• a freqüente supressão <strong>de</strong> certas letras, substituídas por um pequeno traço<br />
horizontal, chamado til (em latim: titulus; em francês: titre; em espanhol: til<strong>de</strong>),<br />
colocado sobre a palavra assim abreviada: nre por notre; bos por bons; Dns por<br />
Dominus, que até o século V só se aplica a Deus, mas no século VI começa a<br />
ser aplicada a qualquer <strong>de</strong>us 83 (MARTINS, 1996, p.161).<br />
Nos manuscritos mais antigos, o m ou o n, no final das linhas, era<br />
<strong>de</strong>signado por um pequeno traço horizontal: C ou por um s <strong>de</strong>itado ( ), só ou<br />
83 No século VI se <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> abreviar o título dominus pela sigla D, passando a abreviatura DMS<br />
ou DNS, que a princípio era <strong>de</strong>signativa apenas do Senhor Deus (MAURICE PROU, Manuel <strong>de</strong><br />
palèographie, p.49).<br />
90
acompanhado <strong>de</strong> dois pontos, um superior e outro inferior. A palavra est (do<br />
verbo esse), representada por este sinal: ÷, indicava uma antiguida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
setecentos a oitocentos anos. No século IX, o ille era abreviado para ill, e a<br />
letra n servia <strong>de</strong> abreviação para os nomes <strong>de</strong> homens <strong>de</strong>sconhecidos<br />
(MABILLON APUD MARTINS, 1996).<br />
As abreviações <strong>de</strong> per, <strong>de</strong> pro e <strong>de</strong> prœ eram distinguidas da seguinte<br />
forma: per era representada por um p cuja perna era cortada por um traço; pro,<br />
por um p com a cabeça cortada por um traço; e prœ por um traço superior que<br />
não chega a tocar a letra.<br />
Vimos, pois, que as abreviações tiveram origem nos manuscritos e se<br />
esten<strong>de</strong>ram até os nossos dias.<br />
3.2 O impresso<br />
Com o advento da imprensa, muito foi facilitada a transmissão <strong>de</strong><br />
textos e a produção <strong>de</strong> livros em série. O INCUNÁBULO é um termo técnico<br />
que <strong>de</strong>signa os livros impressos até 1500, embora, segundo Svend Dahl, nos<br />
países do norte europeu, os incunábulos durassem até 1550. A maior parte dos<br />
incunábulos que ascen<strong>de</strong>u a centenas <strong>de</strong> milhares foi impressa em<br />
pergaminho. Dentre os principais caracteres que <strong>de</strong>nunciavam a autenticida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> um incunábulo, estava a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> abreviações que esses continham.<br />
Segundo John Man (2004: 219), esse nome latino incunabula - os “cueiros” - foi<br />
adotado pelos historiadores em muitas das línguas mais faladas, significando<br />
“infância” da revolução impressa. Algumas vezes, afirma o autor, essa<br />
expressão adquiria uma singular forma espúria, incunabulum, ou um<br />
equivalente local: “prensa do berço” (em alemão ”Wiegendruck”); e “livros do<br />
período do berço” (em japonês“yoran-ki-bom” e “in-kyu-na-bu-ra”).<br />
As edições PRINCEPS: Há um questionamento em torno do verda<strong>de</strong>iro<br />
significado do termo. Segundo Martins (1996, p. 164), abusa-se do emprego<br />
<strong>de</strong>ssa palavra para <strong>de</strong>signar “in<strong>de</strong>terminadamente” as primeiras edições <strong>de</strong><br />
manuscritos e as primeiras edições em geral. Rouveyre, citado por Martins,<br />
91
afirma que a palavra <strong>de</strong>ve ser “reservada aos clássicos impressos no segundo<br />
período do século XV”. Assim, todas as edições princeps são incunábulos.<br />
Durante algum tempo, os impressos continuaram imitando os<br />
manuscritos, gerando até certa dificulda<strong>de</strong> para distinguir se <strong>de</strong>terminado livro<br />
era impresso ou manuscrito, como no caso da Bíblia. A Bíblia <strong>de</strong> 42 linhas, <strong>de</strong><br />
Gutenberg, é um exemplo: nela, a técnica das rubricas impressas não permitia<br />
distinguir as maiúsculas utilizadas das pintadas à mão (MAN, 2004, p.198). Era<br />
costume que os impressores, ao imprimirem os livros, <strong>de</strong>ixassem em branco o<br />
lugar das primeiras letras e outros espaços on<strong>de</strong> os copistas iam <strong>de</strong>senhar e<br />
ornamentar as letras e fazer outros <strong>de</strong>senhos.<br />
O <strong>de</strong>senvolvimento da prensa mecânica por Gutenberg, em 1448,<br />
revolucionou os processos <strong>de</strong> composição, possibilitando a impressão<br />
mecânica <strong>de</strong> textos, bem como sua reprodutibilida<strong>de</strong>. Com esse avanço, o livro<br />
<strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser o local on<strong>de</strong> se escondia o conhecimento e passa a ser o meio <strong>de</strong><br />
divulgá-lo 84 . É bem verda<strong>de</strong> que os preços dos livros impressos foram uma das<br />
razões por que os manuscritos não foram substituídos prontamente (MAN,<br />
2004, p.221).<br />
Segundo Chartier (2002, p.85), a <strong>de</strong>sconfiança diante do livro impresso<br />
e a preferência pela publicação manuscrita está ligada ao fato <strong>de</strong>, nesta, ter-se<br />
um maior controle do texto, bem como <strong>de</strong> sua circulação e interpretação.<br />
Para muitos, na expressão do autor, a imprensa é vista como<br />
triplamente corruptora:<br />
<strong>de</strong>forma a letra dos textos, alterados pelos erros <strong>de</strong> tipógrafos<br />
inábeis; <strong>de</strong>strói a ética <strong>de</strong>sinteressada da República dos textos<br />
entregando as composições dos humanistas, dos poetas ou<br />
dos eruditos a livreiros cúpidos e <strong>de</strong>sonestos; oblitera a<br />
verda<strong>de</strong>ira significação das obras propondo-as a leitores<br />
ignorantes, incapazes <strong>de</strong> compreendê-las corretamente.<br />
Brocado & Emiliano (no prelo) acrescentam ainda que a edição <strong>de</strong> um<br />
manuscrito medieval, por exemplo, faz sempre violência ao texto na sua<br />
materialida<strong>de</strong> paleográfica e gráfica original, promovendo a substituição <strong>de</strong><br />
84<br />
Os primeiros livros impressos por Gutenberg, entre 1442 e 1455, formam cerca <strong>de</strong> 100<br />
exemplares da Bíblia.<br />
92
caracteres manuscritos por caracteres impressos, bem como o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> abreviaturas e a normalização da capitalização que nada<br />
mais são do que processos <strong>de</strong> transliteração, cujo resultado inevitável e efetivo<br />
dá-se na transferência <strong>de</strong> um código <strong>de</strong> escrita para outro, segundo os autores,<br />
baseado em regras e convenções distintas.<br />
Conforme se lê em Man (2004, p.250), a imprensa foi vista inicialmente<br />
pelo catolicismo como uma dádiva divina 85 , mas logo <strong>de</strong>pois assumiu contornos<br />
satânicos. Ainda: no Islã, cuja tradição védica acredita que “a verda<strong>de</strong> está<br />
presa a palavras vivas <strong>de</strong> pessoas autênticas”, a imprensa foi satânica durante<br />
quatrocentos anos, até que um perigo maior a relegou a uma posição inferior.<br />
Para os muçulmanos, segundo Robinson (APUD MAN 2004, p.251) a<br />
impressão “atacava aquilo que tornava o conhecimento algo digno <strong>de</strong><br />
confiança, o que dava a ele valor e autorida<strong>de</strong>. Desta forma, toda a autorida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>saparece, e a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus torna-se in<strong>de</strong>terminada, já que não há a<br />
transmissão autorizada nem a memória. Na expressão <strong>de</strong> Lutero, a imprensa<br />
era ”o mais alto e mais extremista ato da graça <strong>de</strong> Deus, por on<strong>de</strong> a tarefa do<br />
Evangelho é levada adiante”. John Foxe (Livros dos Mártires, 1563) fez o<br />
seguinte comentário acerca da escrita:<br />
“Para dominar seu exaltado adversário, o Senhor começou a<br />
trabalhar para Sua Igreja não com a espada e o escudo, mas<br />
com a impressão, a escrita e a leitura. Se o papa não abolir o<br />
conhecimento e a imprensa, a imprensa po<strong>de</strong> em curto tempo<br />
expulsá-lo”.<br />
Ao contrário do que se po<strong>de</strong>ria imaginar, o impresso não surgiu com<br />
sua personalida<strong>de</strong> própria. Martins (1996, p. 167) assegura que o “texto”<br />
impresso procurou instintivamente continuar o manuscrito, em vez <strong>de</strong> substituílo.<br />
E acrescenta: a imprensa não só imita o mais fielmente possível o<br />
manuscrito, como também tentou uma conciliação impossível com o copista<br />
manual.<br />
85 Segundo Horca<strong>de</strong>s (2004), os gran<strong>de</strong>s incentivadores da criação <strong>de</strong> livros foram os reis e a<br />
Igreja. Esta, para que suas doutrinas e fundamentos ficassem impressos a fim <strong>de</strong> propagarem<br />
a prática religiosa. Aqueles, para terem seus nomes registrados e documentados, dando<br />
continuida<strong>de</strong> no po<strong>de</strong>r aos seus <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes.<br />
93
Ainda segundo o autor (1996, p.168), o próprio tipo <strong>de</strong> impressão era<br />
fundido em mol<strong>de</strong>s que imitavam os caracteres manuscritos, embora<br />
alcançassem uma regularida<strong>de</strong> natural que permitia distingui-los das letras<br />
traçadas à mão.<br />
Destacamos na cultura gráfica as escritas dos po<strong>de</strong>res – monárquico,<br />
eclesiástico e municipal – cuja produção engloba registros ou recenseamentos,<br />
e também cartazes colocados nas portas das igrejas; e os escritos do cotidiano<br />
e do privado, contendo livros <strong>de</strong> contas, <strong>de</strong> razão, cartas, bilhetes etc (GOMEZ,<br />
1998).<br />
A história das relações entre manuscrito e impresso incluem também<br />
as anotações marginais <strong>de</strong> textos manuscritos em obras impressas,<br />
especificamente no século XVI. Tais anotações dizem respeito, principalmente,<br />
às anotações <strong>de</strong> professores e estudantes, às dos eruditos e, também, dos<br />
profissionais, <strong>de</strong>ntre eles médicos e cirurgiões (CHARTIER, 2002, p.94-95).<br />
Além <strong>de</strong>ssas anotações marginais, no século XVIII, os objetos<br />
impressos <strong>de</strong>stinados a sujeitar e acolher a escrita manuscrita daqueles que a<br />
utilizam têm multiplicadas as suas cópias pelas práticas editoriais. Exemplo<br />
disso são os almanaques ingleses ou as agendas italianas, que traziam ambos<br />
folhas em branco para que seus usuários ali pu<strong>de</strong>ssem expressar suas reações<br />
e anotar seus afazeres (BRAIDA, 1998).<br />
Vale ressaltar que a imitação dos manuscritos pelos impressos se<br />
esten<strong>de</strong>, segundo Svend Dahl (1933), a pormenores <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m material ou<br />
circunstancial que não mais se justificavam no momento em que a imprensa e<br />
o papel vinham automaticamente resolver os problemas que os tinham<br />
provocado.<br />
Essa imitação, conforme encontramos em Martins (1996, p.174), é<br />
explicável a partir <strong>de</strong> duas circunstâncias diferentes: a primeira, <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m<br />
psicológica, consiste no fato <strong>de</strong> que dificilmente o homem inventa qualquer<br />
coisa <strong>de</strong> inteiramente novo. Ainda segundo o autor, as invenções são apenas<br />
transformações ou aperfeiçoamento <strong>de</strong> coisas anteriormente conhecidas.<br />
Essas influências são observadas nos primeiros impressos, on<strong>de</strong> a<br />
permanência dos caracteres materiais do manuscrito é prolongada até que a<br />
94
nova invenção se <strong>de</strong>sse conta das enganadoras similitu<strong>de</strong>s que a prendiam ao<br />
manuscrito.<br />
A segunda circunstância, <strong>de</strong>sta vez <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m econômica, é que os<br />
manuscritos ganharam, nos primeiros tempos, um extraordinário prestígio,<br />
passando a gozar da mesma consi<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> que tinham usufruído os rolos <strong>de</strong><br />
papiro em face dos primeiros livros <strong>de</strong> pergaminho, ou, nos tempos mo<strong>de</strong>rnos,<br />
os livros feitos em prensa manual diante dos que são compostos à máquina. A<br />
imitação resultou, então, em gran<strong>de</strong> parte, do favor alcançado pelo manuscrito<br />
na concorrência com os primeiros impressos.<br />
Na verda<strong>de</strong>, temos hibridações das diferentes formas do escrito, como<br />
observa Chartier (2002, p.83). Ou seja, havia manuscritos copiados a partir <strong>de</strong><br />
uma obra impressa como também impressos que continham formulários cujos<br />
espaços em branco <strong>de</strong>viam ser preenchidos à mão. Segundo o autor,<br />
exemplos <strong>de</strong>sses objetos mistos eram, na Espanha <strong>de</strong> Felipe II, os<br />
questionários enviados aos corregedores a fim <strong>de</strong> colher as informações<br />
necessárias para as Relaciones Geográficas e, em várias dioceses do Sul da<br />
França, as certidões <strong>de</strong> casamento utilizadas nos séculos XVI e XVII, conforme<br />
ritual ali praticado.<br />
Quanto às intervenções manuscritas no original, essas dizem respeito<br />
às formas gráficas, às convenções ortográficas, à pontuação ou à própria<br />
organização do texto, buscando normalizar a língua impressa e,<br />
conseqüentemente, assegurar uma maior correção às edições (TROVATO,<br />
1991 e 1998; RICHARDSON, 1994).<br />
Exemplo disso, portanto das relações entre manuscrito e impresso,<br />
po<strong>de</strong> ser visto em um exemplar da edição <strong>de</strong> 1676 <strong>de</strong> Hamlet, em 1740,<br />
quando da substituição na pontuação impressa do texto, feita pelo ator que<br />
<strong>de</strong>sempenhava o papel <strong>de</strong> Hamlet, por uma pontuação manuscrita totalmente<br />
diferente da primeira, consi<strong>de</strong>rada rudimentar. Segundo Chartier (2002, p.99-<br />
100), tal substituição trouxe uma verda<strong>de</strong>ira interpretação do texto.<br />
95
3.3 O eletrônico<br />
Vimos até agora as mudanças causadas com a gran<strong>de</strong> revolução do<br />
livro, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a passagem do papiro ao pergaminho até a invenção <strong>de</strong><br />
Gutenberg. Passemos, pois, às transformações/revoluções promovidas pela<br />
informática. A primeira colocação a ser feita aqui é a distinção entre texto<br />
eletrônico e hipertexto. Para tanto, adotamos a visão <strong>de</strong> Antonio Carlos Xavier<br />
(2002), em sua tese <strong>de</strong> doutorado O Hipertexto na Socieda<strong>de</strong> da Informação: A<br />
Constituição do Modo <strong>de</strong> Enunciação Digital, na qual ele afirma que:<br />
Texto eletrônico não é necessariamente Hipertexto. Um texto<br />
que exista originalmente em celulose, uma vez transportado<br />
para superfície digital, não passa a ser automaticamente um<br />
Hipertexto. Antes se transforma em um texto eletrônico, i.e., o<br />
texto impresso disponível na Web por programas que o<br />
codificam em linguagem html. Uma vez incluso na re<strong>de</strong><br />
mundial, dotado <strong>de</strong> hiperlinks e acrescido <strong>de</strong> outros modos<br />
enunciativos (ícones, imagens, som) aquele texto inicialmente<br />
impresso passa a ser, então, um Hipertexto.<br />
Segundo Cavalcante (2004, p.164), o termo hipertexto surgiu em<br />
meados dos anos 60 criado por Theodore Nelson para exprimir a idéia <strong>de</strong><br />
escrita/leitura não linear em um sistema <strong>de</strong> informática. Para a autora, a<br />
história do hipertexto apresenta dois momentos: a primeira e a segunda<br />
geração. O primeiro momento, situado em meados da década <strong>de</strong> cinqüenta,<br />
visa ao acúmulo <strong>de</strong> informações; o segundo momento, compreendido em<br />
meados da década <strong>de</strong> oitenta 86 , busca a incorporação <strong>de</strong> recursos<br />
hipermidiáticos a estes sistemas e à popularização da informática e da Internet.<br />
Em Leitura, texto e hipertexto, Antonio Carlos Xavier (2004, p.171)<br />
<strong>de</strong>fine hipertexto como<br />
Uma forma híbrida, dinâmica e flexível <strong>de</strong> linguagem que<br />
dialoga com outras interfaces semióticas, adiciona e<br />
acondiciona à sua superfície formas outras <strong>de</strong> textualida<strong>de</strong>.<br />
86 A fim <strong>de</strong> sermos mais precisos, informamos que foi em 1991 que Tim Banmer Lee inventou o<br />
navegador para web, tornando a relação PC X usuário mais amistosa.<br />
96
Na opinião do autor, “o hipertexto exige do seu usuário muito mais que<br />
mera <strong>de</strong>codificação das palavras que flutuam sobre a realida<strong>de</strong> imediata”. Na<br />
visão <strong>de</strong>le, “o hipertexto reúne condições físicas <strong>de</strong> materializar a proposta<br />
paulofreiriana até às últimas conseqüências”.<br />
Em artigo intitulado A escrita e seus dispositivos, disposto no site<br />
www.educ.fc.ul.pt, afirma-se que “a ruptura que o texto digital traz à escrita<br />
apresenta-se como sendo a sua própria libertação relativamente <strong>de</strong>scentrada e<br />
heterogênea”. A autora <strong>de</strong>sse artigo cita Pierre Lévy para afirmar que o novo<br />
dispositivo <strong>de</strong>termina uma escrita diferente, <strong>de</strong>scentrada e heterogênea.<br />
Contudo, diz Lévy, há um “inexistente impacto da tecnologia”, visto que uma<br />
visão do hipertexto eletrônico já havia sido apresentada <strong>de</strong> forma embrionária<br />
em ensaios anteriores.<br />
Em entrevista concedida ao Jornal do Brasil 87 , Chartier afirma que as<br />
coisas não mudaram muito <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> Gutemberg:<br />
a idéia <strong>de</strong> um livro com páginas, numeração, índice, capa,<br />
surgiu com a primeira revolução – da passagem do rolo ao<br />
có<strong>de</strong>x - , libertando o leitor para escrever ao mesmo tempo em<br />
que lê, fato impossível quando se segurava o rolo com as duas<br />
mãos.<br />
Para este historiador francês, as principais mudanças trazidas pelo<br />
computador se resumem a três, quais sejam:<br />
a leitura <strong>de</strong>scontínua, a leitura hipertextual e a leitura<br />
tematizada. Na tela do computador se organiza geralmente a<br />
partir <strong>de</strong> temas. Os textos eletrônicos são consultados mais<br />
como banco <strong>de</strong> dados do que como obra. Com isso, há uma<br />
tendência à fragmentação, porque per<strong>de</strong>-se a referência à obra<br />
completa, como início, meio e fim. Outra coisa interessante<br />
<strong>de</strong>sse suporte é o hipertexto, que oferece a oportunida<strong>de</strong> para<br />
o leitor <strong>de</strong> romper com a or<strong>de</strong>m seqüencial do texto impresso e<br />
praticar uma leitura particular, que continuamente introduz<br />
textos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> outros textos.<br />
Acerca da leitura <strong>de</strong>scontínua que o hipertexto apresenta, Xavier (2004,<br />
p.174-175) faz o seguinte comentário: “a inovação trazida pelo texto eletrônico<br />
87 www.jb.com.br (jbonline.terra.com.br/<strong>de</strong>staques/bienal/entrevista).<br />
97
está em transformar a <strong>de</strong>slinearização 88 , a ausência <strong>de</strong> um foco dominante <strong>de</strong><br />
leitura, em princípio básico <strong>de</strong> sua construção”.<br />
O hipertexto não é particularmente novo. A invenção do conceito é<br />
atribuída a Vannevar Bush, que nos anos cinqüenta propôs uma máquina<br />
Memex 89 , cujas informações científicas po<strong>de</strong>riam ser procuradas <strong>de</strong> forma<br />
hipertextual. O hipertexto é uma espécie <strong>de</strong> texto multi-dimensional no qual<br />
trechos <strong>de</strong> texto se intercalam com referências a outras páginas.<br />
O texto digital <strong>de</strong>sencarna o texto para promover uma escrita virtual,<br />
liberta <strong>de</strong> todos os constrangimentos <strong>de</strong> clausura e sucessivida<strong>de</strong> 90 , ao<br />
contrário do que faz o livro. No site www.onlinebook.com afirma-se que o texto<br />
eletrônico <strong>de</strong>u forma nova às histórias contadas, colocando nelas imagens,<br />
cores, sons e até viagens paralelas através dos links. Ao contrário <strong>de</strong> muitos<br />
que se mostram hostis aos meios eletrônicos, o site apresenta uma lista<br />
contendo inúmeras vantagens que surgiram com o texto digital:<br />
• O leitor tem condições <strong>de</strong> ampliar o tamanho da letra (utilizando a ferramenta<br />
tamanho da fonte);<br />
• Po<strong>de</strong> fazer anotações ao longo do texto;<br />
• Aumenta a velocida<strong>de</strong> <strong>de</strong> circulação da informação;<br />
• Dá retorno mais rápido (po<strong>de</strong>ndo ser enviado por e-mail, por exemplo) e<br />
• Possui maior alcance, chegando aon<strong>de</strong> não existem livrarias,<br />
<strong>de</strong>mocratizando a informação.<br />
Segundo o referido site, por ser distribuído em formato digital, o texto<br />
eletrônico não tem custo <strong>de</strong> impressão, distribuição e, acima <strong>de</strong> tudo, o risco <strong>de</strong><br />
ficar mofando nas prateleiras das livrarias.<br />
88 Segundo Xavier (op.cit.), dizer que o hipertexto é <strong>de</strong>slinearizado não equivale a dizer que ele<br />
seja um conjunto <strong>de</strong> enunciados justapostos aleatoriamente, um mosaico <strong>de</strong> frases<br />
randômicas. O que o hipertexto ou qualquer outro tipo <strong>de</strong> texto não po<strong>de</strong> é subverter os níveis<br />
<strong>de</strong> organização das línguas naturais (sintaxe, semântica, pragmática).<br />
89 Em 1598, Agostino Ramelli apresentou uma roda <strong>de</strong> livros, <strong>de</strong>nominada nora, on<strong>de</strong> cada<br />
calha contém um livro aberto. Desta forma, o leitor po<strong>de</strong> passar rapidamente <strong>de</strong> um texto a<br />
outro com a ajuda <strong>de</strong> engrenagens <strong>de</strong>scritas com <strong>de</strong>talhe por Ramelli.<br />
90 www.educ.fc.ul.pt (Acessado em março <strong>de</strong> 2005).<br />
98
Após cinco séculos <strong>de</strong> hegemonia, a onipotência do papel está em<br />
xeque, segundo afirma Roman (2000). Para ele, o ano <strong>de</strong> 1976 marcou o início<br />
da era dos bits com o surgimento da Internet, permitindo-nos vivenciar uma<br />
nova revolução, na qual os átomos estão sendo substituídos pelos bits. Na<br />
visão <strong>de</strong> Roman (op.cit.), a função precípua do papel e da palavra escrita foi a<br />
<strong>de</strong> ampliar a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> memorização. Atualmente, na era dos bits, essa<br />
função é feita com muito mais eficiência pelos discos rígidos dos<br />
computadores.<br />
Conforme lemos em Chartier (1999), o texto eletrônico foi capaz <strong>de</strong><br />
realizar o sonho <strong>de</strong> universalida<strong>de</strong> dos saberes, das informações e dos<br />
julgamentos expressos no i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> Kant:<br />
De que cada um fosse ao mesmo tempo leitor e autor, que<br />
emitisse juízos sobre as instituições <strong>de</strong> seu tempo, quaisquer<br />
que elas fossem e que ao mesmo tempo, pu<strong>de</strong>sse refletir sobre<br />
o juízo emitido pelos outros.<br />
Chartier afirma também que algumas idéias pensadas pelo filósofo<br />
francês Condorcet, no século XVIII, foram reintroduzidas com o surgimento do<br />
texto eletrônico: uma língua <strong>de</strong> signos, <strong>de</strong> métodos que permitissem captar a<br />
relação entre os objetos e as operações do conhecimento.<br />
No dizer <strong>de</strong> Manguel (1997), no texto eletrônico 91 , temos apenas uma<br />
transposição do livro para a tela on<strong>de</strong>, semelhantemente aos rolos <strong>de</strong> papiro,<br />
precisamos rolar o texto, sugerindo uma leitura linear do texto. Segundo<br />
Calvino (1988), os livros não vão <strong>de</strong>saparecer, mas a informação que contêm<br />
começa a ter seu suporte alterado, o que requer um novo tipo <strong>de</strong> autor, leitor e<br />
linguagem apropriados. Também Xavier (op.cit.) afirma que, embora o<br />
hipertexto seja dotado da economia <strong>de</strong> escrita/leitura revolucionária, não tem<br />
por usurpação o lugar e a relevância do livro impresso. Autores como<br />
McLuham (1967), Eisentsein (1979), Landow (1992) afirmam que estamos<br />
vivendo apenas não uma revolução mas uma evolução, que teve início com a<br />
transição do manuscrito para o impresso e, atualmente, a passagem do<br />
impresso para o digital.<br />
91 Essa afirmação não po<strong>de</strong> ser aplicada ao hipertexto.<br />
99
Segundo Levacov afirma em seu artigo Os novos paradigmas do texto<br />
eletrônico 92 , o mundo <strong>de</strong> Gutenberg encontra-se em colapso. A tecnologia<br />
industrial da impressão está ce<strong>de</strong>ndo lugar para as novas tecnologias e formas<br />
<strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>, afetando nossa relação com a informação e com o próprio<br />
texto. Para a autora, todos os tipos <strong>de</strong> trabalhos – que lidam com dados<br />
simbólicos, textuais, numéricos, visuais e auditivos – têm <strong>de</strong> a<strong>de</strong>quar-se ao<br />
texto digital.<br />
Face a essas mudanças sociais e culturais trazidas com o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento mais amplo e rápido da <strong>comunicação</strong> a distância, propiciadas<br />
pelas re<strong>de</strong>s eletrônicas, Santaella (2001) propõe três tipos <strong>de</strong> leitor 93 :<br />
• o contemplativo: leitor <strong>de</strong> livros. Aquele que se retira para o gabinete para o<br />
ato da leitura, comumente representado nas pinturas do século XVII e XVIII;<br />
• o movente: leitor do jornal, da revista, do folhetim...que lê na rua, no ônibus,<br />
no metrô..., o típico leitor das metrópoles aceleradas;<br />
• o imersivo: o leitor do nosso tempo, da socieda<strong>de</strong> da informação, assim<br />
<strong>de</strong>nominado por seus profundos mergulhos no mar dos hipertextos e<br />
hipermídias presentes nas páginas da Web.<br />
Chartier (2000) consi<strong>de</strong>ra plenamente justificável a coexistência <strong>de</strong><br />
múltiplos leitores, afinal, novas tecnologias estão transformando o meio <strong>de</strong><br />
produção dos livros e <strong>de</strong> reprodução dos textos, modificando<br />
conseqüentemente a relação dos leitores com a cultura escrita, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a<br />
Antiguida<strong>de</strong> até os textos eletrônicos <strong>de</strong>ste século. Exemplo disso foi<br />
poeticamente colocado por Xavier (op.cit.):<br />
assim como no período das gran<strong>de</strong>s navegações as naus e<br />
esquadras tomavam, às vezes, <strong>de</strong>stinos inesperados causados<br />
por fenômenos climáticos nos oceanos durante a viagem, os<br />
hiperlinks funcionam como fenômenos da natureza do<br />
92 www.facom.ufba.br/<br />
93 A <strong>de</strong>finição do que seja um leitor eficiente, que po<strong>de</strong> circular com tranqüilida<strong>de</strong> no mundo da<br />
escrita, muda necessariamente à medida que a presença da escrita é cada vez mais intensa na<br />
socieda<strong>de</strong> (FERREIRO, 2001).<br />
100
hipertexto que po<strong>de</strong>m ser controlados- não acionados – pelos<br />
hipernavegadores.<br />
As mudanças ocorridas no meio social e nos suportes em que os textos<br />
são dados exercem diretamente influências no ato da leitura, o que nos leva a<br />
reformular alguns conceitos até então cristalizados, entre eles o <strong>de</strong> leitura e <strong>de</strong><br />
texto 94 . Assim, a leitura tem sua atuação ampliada do campo verbal para outros<br />
campos: visual, sonoro, plástico; passando a ser um processo associativo que<br />
promove a interação escrita e imagem (MACHADO, 1999).<br />
Desta forma, os avanços das tecnologias midiáticas e hipermidiáticas<br />
levam-nos à emergência <strong>de</strong> três olhares conflituosos em relação à revolução<br />
do texto eletrônico, a saber:<br />
• O olhar dos apocalípticos: os quais profetizam a extinção do livro<br />
e, conseqüentemente, das práticas leitoras do texto impresso;<br />
• O olhar dos otimistas: aqueles que acreditam na perpetuação do<br />
livro apesar dos significativos avanços das tecnologias midiáticas e<br />
hipermidiáticas;<br />
• O olhar daqueles que não acreditam nem na hegemonia dos livros<br />
em relação às mídias e hipermídias, nem na extinção <strong>de</strong>sses causada pela<br />
supremacia <strong>de</strong>ssas tecnologias.<br />
Ao que nos parece, nos próximos <strong>de</strong>cênios teremos a coexistência, nas<br />
palavras <strong>de</strong> Chartier (1997), entre as duas formas do livro – o eletrônico e o<br />
impresso – e os três modos <strong>de</strong> inscrição e <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> <strong>de</strong> textos: o<br />
manuscrito, o impresso e o eletrônico.<br />
Para o autor, o fato <strong>de</strong> cada forma <strong>de</strong> publicação <strong>de</strong> texto escrito<br />
correspon<strong>de</strong>r a expectativas e usos específicos assegura-nos, provavelmente,<br />
as diferentes modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> transmissão da escrita. Assim sendo, salienta<br />
94 Na era da informação tudo é texto. Um slogan político ou publicitário, um anúncio visual sem<br />
nenhuma palavra, uma canção, um filme, um gráfico, um discurso oral que nunca foi escrito,<br />
enfim, os mais variados arranjos organizados para informar, comunicar, veicular sentidos são<br />
texto. O texto não é, pois, exclusivida<strong>de</strong> da palavra (MACHADO, 1999).<br />
101
ele, uma história <strong>de</strong> longa duração do livro só po<strong>de</strong> ser uma história da cultura<br />
escrita em suas diferentes materialida<strong>de</strong>s e usos.<br />
Graças aos novos instrumentos eletrônicos, afirma Siano (1990), as<br />
fronteiras entre realida<strong>de</strong> e interiorida<strong>de</strong> são abatidas. Besen (2002), citando<br />
Chartier, diz que este <strong>de</strong>tecta três tipos <strong>de</strong> ruptura promovidas pelo texto<br />
eletrônico:<br />
1. Livros, revistas, jornais, cada um <strong>de</strong>stes suportes possui seu<br />
caráter específico. Com o texto eletrônico, diversas classes <strong>de</strong> texto são lidas<br />
em um mesmo suporte;<br />
2. Com o texto eletrônico, o leitor po<strong>de</strong> consultar não só textos, mas<br />
também imagens e som. Além <strong>de</strong> ter acesso aos documentos utilizados pelos<br />
pesquisadores;<br />
3. A questão do copyright, do direito autoral, é bastante afetada. O<br />
texto passa a ser móvel, o leitor po<strong>de</strong> intervir, recortar etc.<br />
Para Besen (2002), os textos tradicionais são obras singulares,<br />
enquanto o texto eletrônico é instável. Na opinião <strong>de</strong> Chartier, a realida<strong>de</strong><br />
virtual é apenas mais um passo na história da escrita e não sinônimo do fim do<br />
livro ou da literatura 95 . Dessa forma, o discurso <strong>de</strong>sse autor caracteriza-se pela<br />
cientificida<strong>de</strong>, sendo isento <strong>de</strong> visões catastróficas ou utópicas.<br />
Bagno (2002, p.33-34) diz que “a <strong>comunicação</strong> eletrônica via Internet<br />
vem tornando cada vez mais difícil a <strong>de</strong>limitação entre o que, tradicionalmente,<br />
só era admitido na língua falada e o que era cobrado na língua escrita”. Na<br />
visão do autor, há uma mescla cada vez maior entre os gêneros textuais, além<br />
da proliferação <strong>de</strong> novos gêneros.<br />
Para esse autor, o advento do processador <strong>de</strong> textos aboliu a relativa<br />
estabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um registro escrito tradicional, ce<strong>de</strong>ndo lugar a uma exibição<br />
dinâmica na tela, na qual o texto escrito po<strong>de</strong> ser editado, revisado,<br />
reformatado ou <strong>de</strong>letado, com gran<strong>de</strong> facilida<strong>de</strong>, sem <strong>de</strong>ixar nenhum vestígio<br />
<strong>de</strong> qualquer alteração. No ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> Bagno:<br />
95 MELLO, Eunnice Homem <strong>de</strong>. Navegar é preciso: Ler também é preciso. 2003.<br />
102
O conceito <strong>de</strong> texto escrito se torna profundamente diferente:<br />
ele é somente uma <strong>de</strong>ntre uma série <strong>de</strong> transformações,<br />
algumas das quais po<strong>de</strong>m ser executadas automaticamente<br />
por ferramentas <strong>de</strong> autocorreção ou por verificadores<br />
ortográficos.<br />
Esse autor diz ainda que é preciso estudar <strong>de</strong>talhadamente os efeitos<br />
que essas mudanças tecnológicas trazem para os aprendizes, bem como as<br />
transformações que inci<strong>de</strong>m sobre as formas e usos dos textos escritos.<br />
Em suma: embora não existam indícios suficientes que comprovem o<br />
<strong>de</strong>saparecimento do papel (enquanto suporte) do meio da socieda<strong>de</strong><br />
contemporânea, é certo que a nossa relação com ele, muito em breve, terá<br />
mudanças irreversíveis.<br />
Vimos, pois, o surgimento das abreviações nos textos manuscritos, sua<br />
conservação nos textos impressos e, finalmente, sua propagação nos textos<br />
digitais, atuais divulgadores <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> redução da língua.<br />
103
CAPÍTULO 4<br />
A ABREVIAÇÃO E OS GÊNEROS TEXTUAIS: da carta ao e-mail<br />
4.1 Origem do termo<br />
Etimologicamente, o termo gênero vem do latim gnus, ris<br />
‘nascimento, <strong>de</strong>scendência, origem, raça, tronco; <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte, rebento, filho’.<br />
Derivado do grego génos, eos ‘id.’; provavelmente esse vocábulo, em<br />
português e em espanhol, como julga Corominas, terá como étimo o plural<br />
genra, que, posteriormente, ao se tornar singular, é tomado como <strong>de</strong> 2ª<br />
<strong>de</strong>clinação *genrum (HOUAISS, 2002) .<br />
4.1.2 Tipo Textual X Gênero Textual<br />
Face à confusão entre uso e <strong>de</strong>finição dos termos tipo textual e gênero<br />
textual, vimos como relevante, antes <strong>de</strong> discorrermos sobre o tema<br />
propriamente dito, apresentar uma <strong>de</strong>finição concisa e clara, capaz <strong>de</strong> mostrar<br />
as diferenças com niti<strong>de</strong>z. Para tanto, baseamo-nos em autores como Douglas<br />
Biber (1988), John Swales (1990), Jean-Michel Adam (1990), Jean Paul<br />
Bronckart (1999) e Marcuschi (2002), que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m posição similar à por nós<br />
adotada.<br />
• Tipo textual <strong>de</strong>signa uma espécie <strong>de</strong> construção teórica <strong>de</strong>finida pela<br />
natureza lingüística <strong>de</strong> sua composição. Ou seja, abrange um conjunto limitado<br />
104
<strong>de</strong> categorias teóricas <strong>de</strong>terminadas por aspectos lexicais, sintáticos, relações<br />
lógicas, tempo verbal. Em geral, abrangem categorias do tipo: narração,<br />
argumentação, exposição, <strong>de</strong>scrição e injunção.<br />
• Gênero textual refere os textos materializados que encontramos em<br />
nossa vida diária e que apresentam características sócio-comunicativas<br />
<strong>de</strong>terminadas pelo canal, estilo, conteúdo, composição e função. Ao contrário<br />
dos tipos textuais, os gêneros são praticamente ilimitados: carta comercial,<br />
carta pessoal, carta eletrônica, bate-papo virtual, bilhete, telefonema, entre<br />
outros.<br />
4.1.3 Brevíssimo histórico<br />
Partindo do princípio <strong>de</strong> que a <strong>comunicação</strong> verbal supõe a existência<br />
<strong>de</strong> gêneros do discurso, e que estes são instrumentos para agir em situações<br />
<strong>de</strong> linguagem, faz-se necessária a análise <strong>de</strong> suas características no processo<br />
ensino/aprendizagem, servindo como instrumento para o leitor i<strong>de</strong>ntificar e<br />
reconhecer a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> textos com os quais tem contato, ampliando,<br />
assim, a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> manejar toda a gama heterogênea dos gêneros do<br />
discurso, tanto orais quanto escritos.<br />
Des<strong>de</strong> Platão e Aristóteles, é possível observar um interesse pela<br />
noção <strong>de</strong> gênero: primeiro, quando da distinção entre poesia e prosa; <strong>de</strong>pois,<br />
com a diferença entre lírico, épico e dramático; por último, com a oposição feita<br />
entre tragédia e comédia (BRANDÃO, 2001, p. 257).<br />
Segundo a autora, a classificação dos discursos também é um legado<br />
da Retórica Antiga, que reconhecia nesses três tipos: o <strong>de</strong>liberativo, dirigido a<br />
um auditório a quem se aconselha ou dissua<strong>de</strong>; o judiciário, no qual o orador<br />
acusa ou se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>; e o epidítico, cujo discurso elogia ou repreen<strong>de</strong> os atos<br />
do cidadão.<br />
Assim, o estudo dos gêneros, longe <strong>de</strong> ser algo novo e atual, surgiu<br />
entre os antigos e vem sendo retomado com força total <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os anos 60, junto<br />
com a Lingüística <strong>de</strong> Texto, a Análise Conversacional e a Análise do Discurso<br />
105
(MARCUSCHI, 2002, p.3). A inovação, segundo Tomachevski (1965), é<br />
substituir a classificação lógica por uma classificação pragmática e utilitária que<br />
leve em conta unicamente a distribuição do material nos quadros <strong>de</strong>finidos, já<br />
que a distinção é sempre histórica, justificada para um dado tempo.<br />
O critério <strong>de</strong> classificação nos é tão intrínseco e necessário que, sem<br />
ele, nossa apreensão dos enunciados produzidos seria provavelmente<br />
prejudicada, ficando submersos pela diversida<strong>de</strong> absoluta, frente à impressão<br />
caótica que as regularida<strong>de</strong>s sintáticas certamente não compensariam (ADAM,<br />
1990).<br />
Como afirma Bakhtin (1992, p.302), a <strong>comunicação</strong> verbal seria quase<br />
impossível se não existissem os gêneros do discurso e se não os<br />
dominássemos, ou se tivéssemos <strong>de</strong> criá-los pela primeira vez no processo da<br />
fala; ou ainda se tivéssemos <strong>de</strong> construir cada um <strong>de</strong> nossos enunciados.<br />
Entretanto, sabemos que cada esfera <strong>de</strong> utilização da língua elabora tipos<br />
relativamente estáveis, sendo a adoção <strong>de</strong> um gênero <strong>de</strong> discurso uma escolha<br />
<strong>de</strong>terminada em função da especificida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma esfera dada da troca verbal,<br />
como salienta o autor.<br />
Para ele, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início somos sensíveis ao todo discursivo,<br />
apren<strong>de</strong>ndo a moldar nossa fala às formas do gênero e, ao ouvir a fala do<br />
outro, sabendo <strong>de</strong> imediato, bem nas primeiras palavras, pressentir o gênero,<br />
adivinhar o volume (a extensão aproximada do todo discursivo), a dada<br />
estrutura composicional, prever o fim.<br />
É com Bakhtin também que encontramos a distinção entre os gêneros<br />
<strong>de</strong> discursos primários (simples) e gêneros <strong>de</strong> discursos secundários<br />
(complexos). Os primeiros (conversa <strong>de</strong> salão, conversa sobre temas<br />
cotidianos ou estéticos, carta, diário íntimo, bilhete etc.) constituídos pelos da<br />
vida cotidiana, mantêm uma relação imediata com as situações nas quais são<br />
produzidos; os segundos (romance, editorial, tese, palestra, anúncio, livro<br />
didático etc.) presentes nas circunstâncias <strong>de</strong> uma troca cultural mais complexa<br />
e relativamente mais evoluída, repousam sobre instituições sociais e ten<strong>de</strong>m a<br />
explorar e a recuperar os discursos primários. Para Schneuwly (1993), que<br />
retoma os conceitos <strong>de</strong> gêneros primários e secundários formulados por<br />
Bakhtin, aqueles são espontâneos, enquanto esses, não.<br />
106
Em meio à heterogeneida<strong>de</strong> dos textos com os quais nos <strong>de</strong>frontamos<br />
no campo da linguagem, afirma Brandão (2001), torna-se necessária sua<br />
i<strong>de</strong>ntificação, organização e or<strong>de</strong>nação visando a um melhor entendimento,<br />
don<strong>de</strong> a adoção gêneros <strong>de</strong> discurso que correspondam às necessida<strong>de</strong>s<br />
peculiares das mais variadas situações <strong>de</strong> interação social. Para Charles<br />
Bazerman (2005), a maioria dos gêneros tem características <strong>de</strong> fácil<br />
reconhecimento que sinalizam a espécie <strong>de</strong> texto que são. Segundo ele, essas<br />
características estão intimamente relacionadas com as funções principais ou<br />
ativida<strong>de</strong>s realizadas pelo gênero.<br />
Convém lembrar que um gênero não é uma forma fixa, cristalizada <strong>de</strong><br />
uma vez por todas e que, portanto, <strong>de</strong>ve ser tratado como um bloco<br />
homogêneo. Ao contrário, os gêneros do discurso, como afirma Bakhtin (1992),<br />
se comparados às formas da língua, são muito mais mutáveis, flexíveis. Os<br />
gêneros são marcados pela heterogeneida<strong>de</strong> e pela interdiscursivida<strong>de</strong>, não<br />
são categorias taxonômicas para i<strong>de</strong>ntificar realida<strong>de</strong>s estanques<br />
(MARCUSCHI, 2002, p.3).<br />
Para Bronckart (2000), qualquer espécie <strong>de</strong> texto po<strong>de</strong> atualmente ser<br />
<strong>de</strong>signada em termos <strong>de</strong> gênero e que, portanto, todo exemplar <strong>de</strong> texto<br />
observável po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado como pertencente a um <strong>de</strong>terminado gênero.<br />
Segundo o autor, os gêneros são instrumentos <strong>de</strong> adaptação e participação na<br />
vida social e comunicativa, o que torna interessante o trabalho com eles. Afinal,<br />
como observa Bakhtin (1992), ao falarmos, servimo-nos sempre dos gêneros<br />
do discurso.<br />
Bazerman (2005) afirma que para chegarmos a uma compreensão<br />
mais profunda <strong>de</strong> gêneros precisamos compreendê-los como fenômenos <strong>de</strong><br />
reconhecimento psicossocial que são parte <strong>de</strong> processos <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s<br />
socialmente organizadas. Segundo o autor, “gêneros são tão-somente os tipos<br />
que as pessoas reconhecem como sendo usados por elas próprias e pelos<br />
outros”. Mais: “gêneros são o que nós acreditamos que eles sejam, isto é, são<br />
fatos sociais sobre os tipos <strong>de</strong> atos <strong>de</strong> fala que as pessoas po<strong>de</strong>m realizar e<br />
sobre os modos como elas os realizam”. Na opinião <strong>de</strong>le, “os gêneros<br />
emergem nos processos sociais em que pessoas tentam compreen<strong>de</strong>r umas<br />
107
às outras suficientemente bem para coor<strong>de</strong>nar ativida<strong>de</strong>s e compartilhar<br />
significados com vistas a seus propósitos práticos”.<br />
Por fim, Oliveira e Paiva (op.cit) <strong>de</strong>fine gêneros como<br />
sistemas discursivos complexos, socialmente construídos pela<br />
linguagem, com padrões <strong>de</strong> organização facilmente<br />
i<strong>de</strong>ntificáveis, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um continuum <strong>de</strong> oralida<strong>de</strong> e escrita,<br />
configurados pelo contexto socio-histórico que engendra as<br />
ativida<strong>de</strong>s comunicativas.<br />
4.2 Gêneros emergentes x gêneros preexistentes<br />
Neste tópico apresentaremos os gêneros em estudo, quais sejam,<br />
carta, diário, blog, e-mail e SMS, suas respectivas <strong>de</strong>finições, origens,<br />
características, classificações e funções, a fim <strong>de</strong> melhor enten<strong>de</strong>rmos a<br />
relação entre eles e o uso das abreviações.<br />
São várias as polêmicas que giram em torno da originalida<strong>de</strong>, fascínio<br />
e função dos gêneros emergentes no meio digital, <strong>de</strong>ntre eles o e-mail e o blog.<br />
Parte <strong>de</strong>las parece estar ligada ao fato <strong>de</strong> ser necessário rever conceitos<br />
tradicionais, bem como repensar a relação com a oralida<strong>de</strong> e a escrita, já que,<br />
ao que parece, pela importância dada à introdução da escrita eletrônica,<br />
estamos caminhando em direção a uma cultura eletrônica.<br />
Por <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r totalmente da escrita, esta se torna aspecto central da<br />
tecnologia digital, apesar da integração, nesse meio, <strong>de</strong> imagens e som. São<br />
várias as formas textuais advindas da escrita eletrônica, que ten<strong>de</strong>m a certa<br />
informalida<strong>de</strong> e a uma menor monitoração e cobrança pela flui<strong>de</strong>z do meio e<br />
pela rapi<strong>de</strong>z do tempo (MARCUSCHI, 2002, p.12).<br />
Alguns dos gêneros virtuais nos permitem observar, na expressão <strong>de</strong><br />
Crystal (2001, p.170), a linguagem em seu estado mais primitivo; como<br />
também a notável versatilida<strong>de</strong> lingüística visível entre as pessoas comuns,<br />
particularmente os jovens.<br />
O que há são estratégias da língua falada nessas novas formas <strong>de</strong><br />
escrita, <strong>de</strong>ntre elas a produção <strong>de</strong> enunciados mais curtos. Esse fato faz da<br />
escrita digital uma escrita mais amigável e mais próxima da fala, o que permite<br />
108
uma maior interação entre fala e escrita. Na visão <strong>de</strong> Crystal (2005, p.90), a<br />
<strong>comunicação</strong> mediada por computador não é idêntica à fala ou à escrita, mas<br />
exibe certas proprieda<strong>de</strong>s seletivas e adaptáveis presentes em ambas. Para<br />
ele, temos não uma linguagem falada que foi escrita, mas uma linguagem<br />
escrita que foi empurrada em direção à fala, conforme vimos no Capítulo 1.<br />
No que tange às abreviações, a escrita em alguns gêneros faz largo<br />
uso <strong>de</strong>las, sendo boa parte artificial, e por isso passageira. Outras, se firmam e<br />
vão sendo reconhecidas como próprias do meio, segundo Marcuschi (2001, p.<br />
35).<br />
Na opinião <strong>de</strong> Halliday (1996, p. 354), o impacto das novas formas <strong>de</strong><br />
tecnologia está <strong>de</strong>sconstruindo toda a oposição entre fala e escrita, visto que<br />
nos gêneros do meio virtual a escrita se dá numa certa combinação com a fala,<br />
manifestando, na expressão <strong>de</strong> Marcuschi (2001, p.36), um hibridismo ainda<br />
não bem conhecido. Para esse autor, está se constituindo um novo formato <strong>de</strong><br />
escrita numa relação mais íntima com a oralida<strong>de</strong> do que a existente.<br />
Conforme aludido anteriormente, faremos a exposição dos gêneros<br />
aqui analisados, iniciando com a origem <strong>de</strong> cada um, sua <strong>de</strong>finição,<br />
classificação e breve histórico, a fim <strong>de</strong> nos familiarizarmos e melhor<br />
enten<strong>de</strong>rmos a função <strong>de</strong>les na socieda<strong>de</strong> e na nossa vida.<br />
4.2.1 O gênero carta<br />
4.2.1.1 Definição 96<br />
Empréstimo antigo e latinizado do grego Khárt‘s, o termo carta<br />
s.f.(1254 cf.IVPM), charta 97 , ae ou carta, ae, ‘folha <strong>de</strong> papiro preparada para<br />
receber a escrita; folha <strong>de</strong> papel (feito antigamente da entrecasca do papiro)’,<br />
significa mensagem, manuscrita ou impressa, a uma pessoa ou a uma<br />
96<br />
O gênero carta surgiu como carta comercial no início do século XVII e só após os meados<br />
daquele século se tornou privado (MARCUSCHI, 2004).<br />
97<br />
Carta ou charta tinha o caráter <strong>de</strong> documento e ganhou difusão na Ida<strong>de</strong> Média (PESSOA,<br />
2002).<br />
109
organização, para comunicar-lhe algo 2 p.ext. tal mensagem, fechada num<br />
envelope, geralmente en<strong>de</strong>reçado e freqüentemente selado 3 m.q. DIPLOMA<br />
(‘documento oficial’) 4 JUR documento, título probatório ou aquisitivo <strong>de</strong> direitos<br />
5 documento (título, atestado, autorização) passado por<br />
autorida<strong>de</strong>s civis, militares etc. 6 SP carteira <strong>de</strong><br />
motorista (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa).<br />
4.2.1.2 Classificação<br />
Ainda em Houaiss (op.cit.) são registradas várias locuções do vocábulo<br />
carta, por nós aqui apresentadas em forma <strong>de</strong> classificação 98 , a saber:<br />
• Carta aberta: carta que se dirige publicamente a alguém através dos órgãos<br />
<strong>de</strong> imprensa;<br />
• Carta avocatória: JUR or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> juiz <strong>de</strong> instância superior para que o <strong>de</strong><br />
instância inferior lhe remeta os autos do processo;<br />
• Carta batimétrica: CART mapa em que o fundo do mar é representado por<br />
curvas contínuas <strong>de</strong> profundida<strong>de</strong>;<br />
• Carta branca: 1 carta <strong>de</strong> baralho sem figura 2 autorização que se confere a<br />
alguém para agir do modo que julgue melhor; plenos po<strong>de</strong>res;<br />
• Carta celeste: ASTR representação, em superfície plana, <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada<br />
região da esfera celeste;<br />
• Carta circular: a que é en<strong>de</strong>reçada, simultaneamente, a vários <strong>de</strong>stinatários;<br />
• Carta citatória: JUR P mandado <strong>de</strong> citação;<br />
• Carta comendatícia: ECLES ver COMENDATÍCIA;<br />
• Carta constitucional: JUR m.q. CONSTITUIÇÃO;<br />
• Carta cre<strong>de</strong>ncial: DIPL carta <strong>de</strong> um governo soberano a outro que apresenta<br />
um diplomata que o representará;<br />
• Carta <strong>de</strong> á-bê-cê: m.q. CARTA DO ABC;<br />
• Carta <strong>de</strong> abono: JUR 1 documento <strong>de</strong> garantia da solvabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alguém<br />
até certo limite 2 a que atesta a idoneida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma pessoa;<br />
• Carta <strong>de</strong> adjudicação: JUR documento que assegura judicialmente a<br />
transferência dos bens adjudicados ao adjudicatário;<br />
98 Embora seja extensa a lista, a finalida<strong>de</strong> da mesma é tornar pública a varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse<br />
gênero para todos quantos <strong>de</strong>sejarem saber.<br />
110
• Carta <strong>de</strong> aforamento: JUR escritura pela qual se constitui a enfiteuse; carta<br />
<strong>de</strong> foro;<br />
• Carta <strong>de</strong> afretamento: MAR m.q. CARTA PARTIDA;<br />
• Carta <strong>de</strong> alforria: HIST documento que concedia liberda<strong>de</strong> ao escravo;<br />
• Carta <strong>de</strong> arrematação: título <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> que recebe o rematante <strong>de</strong> bens<br />
vendidos em leilão;<br />
• Carta <strong>de</strong> condução: P carteira <strong>de</strong> motorista;<br />
• Carta <strong>de</strong> correntes: CART mapa que <strong>de</strong>lineia as direções, extensões e<br />
velocida<strong>de</strong>s das correntes oceânicas;<br />
• Carta <strong>de</strong> corso: JUR MAR ant. m.q.CARTA DE MARCA;<br />
• Carta <strong>de</strong> crédito: ECON JUR autorização <strong>de</strong> um banqueiro ou comerciante a<br />
seu correspon<strong>de</strong>nte, para que ponha a disposição <strong>de</strong> um terceiro <strong>de</strong>terminada<br />
soma <strong>de</strong> dinheiro <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> certo prazo;<br />
• Carta <strong>de</strong> emancipação: JUR título <strong>de</strong> aquisição <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> civil plena<br />
antes <strong>de</strong> completada a maiorida<strong>de</strong> (21 anos);<br />
• Carta <strong>de</strong> fiança: JUR documento no qual alguém se obriga solidariamente<br />
pelo pagamento <strong>de</strong> dívida ou obrigação <strong>de</strong> outrem;<br />
• Carta <strong>de</strong> foro: JUR m.q. CARTA DE AFORAMENTO;<br />
• Carta <strong>de</strong> instrução: MAR documento especial do Estado Maior da Armada,<br />
ou <strong>de</strong> comandante <strong>de</strong> teatro marítimo <strong>de</strong> operações, que fixa missão e garante<br />
iniciativa a oficial subordinado;<br />
• Carta <strong>de</strong> marca: JUR MAR ant.autorização escrita dada por Estado<br />
beligerante para que particulares armem seus navios por sua conta e ataquem<br />
o inimigo; carta <strong>de</strong> corso, licença <strong>de</strong> corso;<br />
• Carta <strong>de</strong> marear: CART MAR ant.m.q. CARTA NÁUTICA;<br />
• Carta <strong>de</strong> Mercator: CART m.q. CARTA REDUZIDA;<br />
• Carta <strong>de</strong> navegação: CART MAR m.q. CARTA NÁUTICA;<br />
• Carta <strong>de</strong> partilha: JUR carta ou título expedido aos her<strong>de</strong>iros, para haveres<br />
do casal ou herança jacente à parte que lhes pertence; formal <strong>de</strong> partilha;<br />
• Carta <strong>de</strong> piloto: MAR documento que autoriza alguém a exercer as funções<br />
<strong>de</strong> piloto do navio;<br />
• Carta <strong>de</strong> prego: MAR carta fechada que, contendo <strong>de</strong>terminações, é<br />
entregue ao comandante <strong>de</strong> um navio e só <strong>de</strong>ve ser aberta por ele em<br />
momento <strong>de</strong>terminado durante a viagem;<br />
• Carta <strong>de</strong> privilégio: JUR documento que outorga um privilégio ou uma<br />
concessão;<br />
• Carta <strong>de</strong> reconhecimento: CART a que é elaborada a partir <strong>de</strong><br />
reconhecimentos topográficos, sem muita precisão;<br />
• Carta <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>: MAR ant.documento que, passado a um navio, <strong>de</strong>clara o<br />
estado sanitário do porto <strong>de</strong> partida;<br />
111
• Carta <strong>de</strong> ventos: CART mapa no qual se indicam os ventos predominantes e<br />
os dias em que sopram ou outros, com previsões que cobrem períodos que vão<br />
<strong>de</strong> alguns meses a um ano;<br />
• Carta <strong>de</strong> vinhos: relação dos vinhos disponíveis num restaurante ou bar;<br />
• Carta dimissória: ECLES carta em que um prelado autoriza outro a conferir<br />
or<strong>de</strong>ns sacras a um seu diocesano; letra dimissória _tb. se diz apenas<br />
dimissória;<br />
• Carta do abc: livro em que se apren<strong>de</strong>m as primeiras noções <strong>de</strong> leitura; carta<br />
<strong>de</strong> á-bê-cê, cartilha;<br />
• Carta estratégica: MAR MIL mapa ou carta geográfica us. para estudo e<br />
solução <strong>de</strong> problemas estratégicos;<br />
• Carta fora do baralho: fig. pessoa que per<strong>de</strong>u sua força, influência ou<br />
prestígio;<br />
• Carta geográfica: CART GEO representação plana da distribuição dos<br />
fenômenos geográficos na superfície da Terra; mapa;<br />
• Carta geológica: CART GEOL representação espacial <strong>de</strong> informações<br />
geológicas, como rochas, estruturas, <strong>de</strong>pósitos minerais e localida<strong>de</strong>s<br />
fossilíferas, feita nos cortes cartográficos do padrão internacional;<br />
• Carta geral: MAR mapa que abrange gran<strong>de</strong> extensão da superfície terrestre<br />
(um continente, um oceano etc.);<br />
• Carta hidrográfica: CART MAR representação <strong>de</strong> região hidrográfica,<br />
indicando costas, ilhas, baixios, correntezas etc. importantes para a<br />
navegação;<br />
• Carta isófota: ASTR carta <strong>de</strong> uma região do céu com indicação das isófotas;<br />
• Carta magna: JUR m.q. CONSTITUIÇÃO;<br />
• Carta náutica: CART MAR mapa elaborado para navegação, contendo<br />
geralmente maior parte <strong>de</strong> representação <strong>de</strong> trechos <strong>de</strong> mar do que <strong>de</strong> terra;<br />
carta <strong>de</strong> navegação;<br />
• Carta orobatimétrica: CART OCN mapa que representa o relevo submarino;<br />
• carta partida: MAR documento <strong>de</strong> contrato <strong>de</strong> fretamento <strong>de</strong> navio mercante;<br />
carta <strong>de</strong> afretamento [Antigamente rasgava-se o documento em duas meta<strong>de</strong>s,<br />
cada uma ficando com uma das p<strong>artes</strong> contratantes, unindo-se apenas no fim<br />
da viagem.]<br />
• Carta patente: 1 JUR carta representada pelo título <strong>de</strong> privilégio <strong>de</strong> invenção.<br />
cf. carta <strong>de</strong> privilégio 2 JUR título oficial <strong>de</strong> uma concessão <strong>de</strong> privilégio para o<br />
funcionamento <strong>de</strong> bancos, companhias <strong>de</strong> seguros, financeiras etc. 3 MIL<br />
documento em que se <strong>de</strong>fine, para o oficial das forças armadas seu posto na<br />
hierarquia e o quadro a que pertence.<br />
• Carta plana: CART carta em que as medidas dos graus dos paralelos<br />
extremos são iguais às do paralelo médio.<br />
• Carta polar: CART carta em que o círculo máximo tangencia um dos pólos da<br />
Terra.<br />
112
• Carta precatória: JUR carta que um juiz dirige a outro, <strong>de</strong> circunscrição<br />
diferente, para que este faça inquirição <strong>de</strong> testemunha, citação ou outros atos<br />
jurídicos necessários para que o primeiro juiz tenha condições <strong>de</strong> julgar. tb. se<br />
diz apenas precatória.<br />
• Carta reduzida: CART carta semelhante à carta plana, mas on<strong>de</strong> os<br />
paralelos se afastam à medida que a latitu<strong>de</strong> aumenta; carta <strong>de</strong> Mercator.<br />
• Carta régia: carta que, sem passar pela chancelaria (‘ministério’), um<br />
monarca dirige diretamente a uma autorida<strong>de</strong>.<br />
• Carta revocatória ou revogatória: DIPL JUR carta enviada <strong>de</strong> um governo a<br />
outro, encerrando a missão do diplomata que o representava.<br />
• Carta rogatória: 1 JUR carta em que se faz a requisição <strong>de</strong> atos processuais<br />
que <strong>de</strong>vem ser realizados em território estrangeiro 2 JUR carta enviada <strong>de</strong> um<br />
país para outro (ger. por via diplomática), solicitando o cumprimento, no<br />
território <strong>de</strong>ste último, <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado ato 3 ECLES carta em que paroquianos<br />
<strong>de</strong> uma diocese pe<strong>de</strong>m a sagração <strong>de</strong> um eclesiástico. tb. se diz apenas<br />
rogatória.<br />
• Carta rumada: MAR ant. carta em que os ventos são indicados a partir <strong>de</strong> um<br />
ponto central, para operações <strong>de</strong> tirar o rumo.<br />
• Carta sinóptica: MAR carta <strong>de</strong> previsão do tempo, em que se registram<br />
direção e força dos ventos, estado do mar, temperatura, umida<strong>de</strong> etc.<br />
• Carta testamentária: JUR instrumento que contém as disposições <strong>de</strong> última<br />
vonta<strong>de</strong>, feitas por testamento cerrado ou particular.<br />
• Carta testemunhal: ECLES m.q. COMENDATÍCIA.<br />
• Carta topográfica: CART m.q. PLANTA TOPOGRÁFICA.<br />
Para Bazerman (2005), “à medida que mais temas e transações, <strong>de</strong><br />
forma reconhecível, inserem-se nas cartas, o gênero, em si, se expan<strong>de</strong> e<br />
especializa”. Segundo ele, <strong>de</strong>ssa maneira é que tipos distintos <strong>de</strong> cartas se<br />
tornaram reconhecíveis e passaram a ser tratados diferentemente.<br />
Existem, também, vários subgêneros do gênero carta 99 : carta pedido,<br />
carta resposta, carta pessoal, carta do leitor e carta <strong>de</strong> opinião (CANESTRARO<br />
& OLIVEIRA, 2003). No nosso estudo, no entanto, restringiremos nossa análise<br />
aos subgêneros carta do leitor e carta pessoal.<br />
99 Para Bazerman (2005), as cartas <strong>de</strong>sempenharam um papel no surgimento <strong>de</strong> gêneros<br />
distintos: o primeiro artigo científico, a patente, o relatório dos acionistas, os relatórios internos<br />
das empresas e as formas <strong>de</strong> registros regularizando correspondências internas das empresas.<br />
113
4.2.1.3 Visão panorâmica<br />
Em artigo intitulado Da carta a outros gêneros textuais, Pessoa (2002)<br />
afirma que a carta é um dos gêneros textuais mais importantes para a história<br />
das línguas. Segundo ele, as cartas eram utilizadas pelos letrados e estadistas,<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Antiguida<strong>de</strong>, com o objetivo <strong>de</strong> se manterem informados.<br />
Bazerman (2005) afirma que as cartas prece<strong>de</strong>ram o aparecimento <strong>de</strong><br />
documentos públicos mais visíveis, tais como cartazes, manifestos e panfletos<br />
sediciosos. Segundo esse autor,<br />
as cartas não somente forneceram o meio para o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> gêneros importantes do direito, do governo<br />
e da política, mas também dos vários instrumentos <strong>de</strong> dinheiro e<br />
crédito que me<strong>de</strong>iam os sistemas mo<strong>de</strong>rnos bancários e<br />
financeiros.<br />
Para ele, o jornal, a revista científica e o romance, principais tipos <strong>de</strong><br />
escrita que surgiram na cultura impressa, parecem ter alguma conexão com a<br />
carta.<br />
O gênero carta procura estabelecer uma <strong>comunicação</strong> por escrito com<br />
um <strong>de</strong>stinatário ausente, i<strong>de</strong>ntificado no texto por meio do cabeçalho 100 . A<br />
estrutura da carta reflete-se claramente em sua organização espacial:<br />
cabeçalho, que explicita local e data da produção, os dados do <strong>de</strong>stinatário e a<br />
forma <strong>de</strong> tratamento empregada para estabelecer o contato; corpo, on<strong>de</strong> a<br />
mensagem e a <strong>de</strong>spedida são <strong>de</strong>senvolvidas, incluindo saudação 101 e<br />
assinatura 102 , que introduz o autor no texto. Também a escolha do estilo <strong>de</strong><br />
escrita que será empregado nesse gênero é regida por alguns fatores como<br />
grau <strong>de</strong> familiarida<strong>de</strong> e papel social hierárquico entre os interlocutores. Ou seja,<br />
se o <strong>de</strong>stinatário for um <strong>de</strong>sconhecido ou uma pessoa que ocupa um nível<br />
superior, chefe ou diretor, o texto apresenta-se no estilo formal.<br />
100 Conforme lemos em Canestraro & Oliveira (2003).<br />
101 A arte <strong>de</strong> escrever cartas enfatizou a saudação, i<strong>de</strong>ntificando e conferindo respeito aos<br />
papéis sociais e às posições <strong>de</strong> emissor e receptor, colocando ambos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> relações<br />
sociais institucionalizadas (MURPHY APUD BAZERMAN, 2005).<br />
102 Segundo Marcuschi (2002, p.30), um gênero po<strong>de</strong> não ter uma <strong>de</strong>terminada proprieda<strong>de</strong> e<br />
ainda continuar sendo aquele gênero. O autor dá o exemplo da carta pessoal, que continua<br />
sendo uma carta mesmo que a autora tenha esquecido <strong>de</strong> assinar o nome no final e só tenha<br />
dito no início: “querida mamãe”.<br />
114
Tais afirmações corroboram a tese <strong>de</strong> que diz ser ‘a sintaxe <strong>de</strong> quem<br />
escreve sensível à proximida<strong>de</strong> psicológica do leitor 103 . Ou seja, um mesmo<br />
gênero (uma carta) po<strong>de</strong> estar sendo escrito para dois <strong>de</strong>stinatários e a<br />
proximida<strong>de</strong> ou intimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> quem vai receber a carta influi na forma<br />
lingüística em geral usada pelo seu autor. Dessa forma, quanto mais distante<br />
for o leitor pretendido, maior a complexida<strong>de</strong> sintática do texto escrito. Essa<br />
tese também é partilhada por Marcuschi (2002, p.20). Para ele, a variação na<br />
relação emissor-receptor, no caso <strong>de</strong> uma carta, po<strong>de</strong> interferir na seleção<br />
lexical: uma carta pessoal a um amigo versus uma circular a toda uma<br />
comunida<strong>de</strong>.<br />
Para Bazerman (2005), a carta, com sua <strong>comunicação</strong> direta entre dois<br />
indivíduos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma relação específica em circunstâncias específicas,<br />
parece ser um meio flexível no qual muitas das funções, relações e práticas<br />
institucionais po<strong>de</strong>m se <strong>de</strong>senvolver. Segundo esse autor, a riqueza e a<br />
multiplicida<strong>de</strong> das práticas antigas <strong>de</strong> escrever cartas conferiram a esse gênero<br />
uma po<strong>de</strong>rosa força comunicativa <strong>de</strong>ntro da antiga Igreja cristã 104 .<br />
Em se tratando da tipologia, as cartas po<strong>de</strong>m ser constituídas por<br />
diferentes tipos textuais: narração, argumentação, <strong>de</strong>scrição, explicação e<br />
injunção, cujas funções <strong>de</strong> linguagem são diversas: expressiva, apelativa e<br />
informativa 105 . Bazerman (2005) afirma que até meados do século XX, nos<br />
Estados Unidos, os principais documentos <strong>de</strong> patentes mantiveram o formato<br />
<strong>de</strong> uma carta.<br />
Esse gênero permite ainda a concretização <strong>de</strong> atos <strong>de</strong> fala diversos,<br />
quais sejam: pedido, cobrança, intimação, prestação <strong>de</strong> contas, agra<strong>de</strong>cimento,<br />
notícias <strong>de</strong> familiares, propaganda e outros, se diferenciando em intenções e<br />
formas <strong>de</strong> realização, circulando em diferentes áreas <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s, com<br />
funções comunicativas várias. Quanto à escolha da pessoa do discurso – 1ª<br />
pessoa do singular, do plural ou 3ª pessoa -, esta varia <strong>de</strong> acordo com a<br />
intenção do autor, resguardando a especificida<strong>de</strong> do texto 106 .<br />
103 Watson (apud MARTLEW, 1983).<br />
104 À medida que a Igreja se expandiu, unindo muitos povos, as cartas se tornaram importantes<br />
para manter a burocracia e os laços da comunida<strong>de</strong> (CONSTABLE APUD BAZERMAN, 2005).<br />
105 Canestraro & Oliveira, 2003.<br />
106 Canestraro & Oliveira, 2003.<br />
115
Mesmo diante <strong>de</strong> tantas variações funcionais que são associadas ao<br />
gênero carta (carta <strong>de</strong> amor, carta comercial, carta <strong>de</strong> recomendação, cartas<br />
pessoais, convites, solicitações, cartas <strong>de</strong> reclamação), ‘o espaço interno da<br />
carta está aberto para os mais variados tipos <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>’ 107 . Dessa forma,<br />
uma carta <strong>de</strong> amor po<strong>de</strong> conter uma recomendação; uma carta pessoal, um<br />
convite, e assim por diante. Conforme se lê em Pare<strong>de</strong>s Silva (1996, p. 5), a<br />
configuração típica <strong>de</strong>sse gênero textual é dada pelo formato externo 108 , que<br />
compreen<strong>de</strong> cabeçalho, data, assinatura e algumas expressões formulaicas<br />
freqüentes em suas seções iniciais e finais.<br />
Uma carta po<strong>de</strong> ser escrita com vários propósitos e, também, alcançar<br />
o mesmo propósito utilizando diferentes meios, a saber: escolhas lexicais,<br />
variando <strong>de</strong> expressões formulaicas <strong>de</strong> poli<strong>de</strong>z a modalizações, que abrangem<br />
atenuadores ou acentuadores da força ilocucionária (PAREDES SILVA, 1996).<br />
Tal visão está <strong>de</strong> acordo com o pensamento <strong>de</strong> Bakhtin (1992, p. 312),<br />
segundo o qual ‘selecionamos as palavras segundo as especificida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> um<br />
gênero’. Mais: ao escolher a palavra, partimos das intenções que presi<strong>de</strong>m ao<br />
todo do nosso enunciado, e esse todo intencional é sempre expressivo (i<strong>de</strong>m,<br />
ibi<strong>de</strong>m).<br />
É com base nessa assertiva que iremos analisar o gênero carta e seus<br />
subgêneros carta <strong>de</strong> leitor e carta pessoal, bem como sua relação com o uso<br />
acentuado ou não das abreviações, a fim <strong>de</strong> sabermos se, <strong>de</strong> acordo com o<br />
estilo, informante e propósito comunicativo, o uso <strong>de</strong>sse recurso <strong>de</strong> linguagem<br />
<strong>de</strong>cresce ou não no referido gênero.<br />
4.2.1.4 Cartas pessoais X cartas oficiais<br />
107 Wilson, 2000.<br />
108 Para Bazerman (2005), mesmo um documento <strong>de</strong> significado legal geral como a Carta<br />
Magna (1215) segue os princípios da escrita <strong>de</strong> cartas, a começar pela saudação que <strong>de</strong>fine<br />
posições sociais e busca a boa vonta<strong>de</strong>: “John, by the Grace of God, king of England, lord of<br />
Ireland...”.<br />
116
Inicialmente, faz-se necessária a distinção entre dois tipos básicos <strong>de</strong><br />
carta: a correspondência oficial e/ou comercial e a carta pessoal. Esta é por<br />
nós utilizada a fim <strong>de</strong> estabelecermos contato com parentes, amigos,<br />
namorados e outros. Nesse tipo <strong>de</strong> carta predomina o uso <strong>de</strong> uma linguagem<br />
mais distensa, menos elaborada, mais coloquial, uma vez que a relação que<br />
existe entre remetente e <strong>de</strong>stinatário é <strong>de</strong> intimida<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rável. Outra marca<br />
<strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> carta é que aquele que a escreve, o remetente, é também quem<br />
a assina.<br />
Pessoa (2002) diz que no século XVI as cartas pessoais eram poucas,<br />
e guardavam um certo teor público. Segundo ele, na Antiguida<strong>de</strong> e na Ida<strong>de</strong><br />
Média a carta enquanto escrito espontâneo e <strong>de</strong> natureza pessoal não tinha<br />
essa <strong>de</strong>nominação, havendo para esse fim o termo litterae, <strong>de</strong> tradição latina.<br />
Entretanto, afirma ele, no século XVIII ela ganha um novo significado,<br />
passando a se constituir numa espécie <strong>de</strong> telefone da época, revelando uma<br />
língua mais natural e mais próxima do cotidiano, influência direta do movimento<br />
romântico daquele período.<br />
Quanto às oficiais/comerciais, estas geralmente nos são enviadas por<br />
po<strong>de</strong>res políticos ou empresas privadas 109 . Ao contrário das pessoais, esse tipo<br />
<strong>de</strong> carta apresenta uma língua padronizada 110 , via <strong>de</strong> regra, escrita num nível<br />
formal, mais tenso, elaborado, visto que a relação remetente/<strong>de</strong>stinatário não<br />
apresenta grau algum <strong>de</strong> intimida<strong>de</strong> entre os participantes. Ainda que venham<br />
assinadas por uma pessoa física, o emissor é uma pessoa jurídica 111 . Segundo<br />
Stowers (apud BAZERMAN, 2005), as cartas evoluíram <strong>de</strong> usos formais e<br />
oficiais para incluir expressões <strong>de</strong> preocupação pessoal e, posteriormente,<br />
mensagens particulares 112 .<br />
Segundo Bazerman (2005), a carta comercial no início <strong>de</strong>u conta da<br />
<strong>comunicação</strong> necessária. Contudo, ressalta o autor:<br />
a necessida<strong>de</strong> crescente <strong>de</strong> uma eficiente manutenção dos<br />
registros e arquivos gerados pela correspondência em<br />
109<br />
Multas <strong>de</strong> trânsito, mudanças <strong>de</strong> en<strong>de</strong>reço e telefone, propostas para aquisição <strong>de</strong> cartões,<br />
entre outras.<br />
110<br />
Geralmente elas iniciam por “Vimos por meio <strong>de</strong>sta...”.<br />
111<br />
Órgão público ou empresa privada<br />
112<br />
Na Inglaterra, algumas famílias registraram suas vidas e sua época em cartas que<br />
projetaram as particularida<strong>de</strong>s e personalida<strong>de</strong>s dos correspon<strong>de</strong>ntes.<br />
117
4.2.2.1 Origem<br />
expansão levou ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> formulários impressos,<br />
memorandos, relatórios, circulares e outros gêneros.<br />
4.2.2 O gênero diário<br />
A palavra diário foi registrada pela primeira vez no Oxford English<br />
Dictionary, durante o Renascimento 113 (OLIVEIRA, 2004). Segundo o dicionário<br />
Houaiss da língua portuguesa (2001), a entrada do termo diário na língua<br />
portuguesa <strong>de</strong>u-se no ano <strong>de</strong> 1744.<br />
Derivada do latim diarǐum, ii, o vocábulo diário significava “pagamento<br />
<strong>de</strong> um dia, registro escrito <strong>de</strong> memória que se faz cada dia”.<br />
4.2.2.2 Definição<br />
Conforme po<strong>de</strong>mos ver em Houaiss (2001), diário, substantivo<br />
masculino 114 , significa 1 escrito em que se registram os acontecimentos <strong>de</strong><br />
cada dia 2 periódico que se publica todos os dias; jornal. Ainda: obra em que o<br />
autor relata cronologicamente fatos ou acontecimentos do dia-a-dia, consigna<br />
opiniões e impressões, registra confissões e/ou meditações etc.<br />
4.2.2.3 A tradição dos diários<br />
Oliveira (op.cit.) <strong>de</strong>screve o gênero diário como sendo “um fenômeno<br />
cultural” que se estabelece <strong>de</strong>s<strong>de</strong> tempos remotos e tem seus primeiros<br />
113 Segundo Oliveira (2004), a tradição do diarismo remonta a muitos séculos antes.<br />
114 Há também a forma <strong>de</strong> adjetivo registrada nos dicionários.<br />
118
aparecimentos vinculados a uma natureza pública e comunitária,<br />
exemplificados, por exemplo, pelas tábuas <strong>de</strong> argila encontradas recentemente<br />
na Suméria, datadas <strong>de</strong> 3000 a.C. aproximadamente.<br />
Segundo essa autora, o conceito <strong>de</strong> diário tem sido erroneamente<br />
associado à idéia <strong>de</strong> uma narrativa <strong>de</strong> cunho íntimo, escrita geralmente por<br />
mulheres, embora a gênese e a prática diarística apontem para tipos e funções<br />
variadas <strong>de</strong> diários.<br />
Para Margo Culley (1985), a razão <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>ssa associação está ligada<br />
ao fato <strong>de</strong>, no século XIX, com a divisão das esferas pública e privada, os<br />
aspectos relacionados à vida privada terem se tornado do domínio <strong>de</strong><br />
mulheres. Culley afirma ainda que, no final <strong>de</strong>sse mesmo século, nos Estados<br />
Unidos, os diários faziam parte do conjunto <strong>de</strong> normas <strong>de</strong> etiqueta usado na<br />
educação <strong>de</strong> garotas, sendo então associados “à gentileza e a regras <strong>de</strong> bom<br />
comportamento das adolescentes da época 115 ”.<br />
Embora estejam estreitamente relacionados à noção <strong>de</strong> privado, os<br />
diários surgiram primeiramente como documentos públicos, escritos para<br />
preencher funções comunitárias, sendo <strong>de</strong> forma colaborativa compostos por<br />
muitos autores (SHARYN LOWENSTEIN et all, 1994). Segundo Lowenstein<br />
(1994), a tradição <strong>de</strong> diários era construída por e para comunida<strong>de</strong>s, o que<br />
representa a visão que diretamente contradiz a limitada noção <strong>de</strong> diário<br />
enquanto “pessoal” em vez <strong>de</strong> “social”.<br />
No que concerne ao caráter privado do diarismo, seu surgimento ocorre<br />
no século X no oriente, precisamente no Japão, com as mulheres da corte <strong>de</strong><br />
Heian, cuja prática compreendia a manutenção <strong>de</strong> livros <strong>de</strong> cabeceira (pillow<br />
books) privados. Mas é ao escritor inglês Samuel Pepys 116 que é atribuído o<br />
marco dos diários pessoais. Somente no final do século XIX é que se pô<strong>de</strong><br />
falar no diário como o “livro do eu”.<br />
Em Era uma Vez o Tempo – Diário V, Fernando Aires (1999), afirma<br />
que o diário é, <strong>de</strong> todos os gêneros, o que mais se aproxima do tempo<br />
cronológico, visto que seu autor procura fixar instantes acontecidos,<br />
115<br />
Ainda hoje, século XXI, os diários íntimos pessoais estão associados a adolescentes do<br />
sexo feminino.<br />
116<br />
Segundo Oliveira (2004), Pepys é consi<strong>de</strong>rado escritor mo<strong>de</strong>lo do gênero.<br />
119
eferenciando-os através <strong>de</strong> uma data, que contém o ano, o mês, o dia e às<br />
vezes a hora. Para ele, as referências temporais explícitas são uma das<br />
características fundamentais da escrita diarística. Segundo esse autor, ao<br />
contrário das memórias, o diário não tem obrigação <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong>, po<strong>de</strong>ndo<br />
o diarista fazer interrupções e escrever o que quiser na or<strong>de</strong>m em que <strong>de</strong>sejar.<br />
Ou seja, não precisa se preocupar com a coerência <strong>de</strong> um enredo ou com a<br />
lógica da narrativa.<br />
Mikhail Bakhtin (1992), em Estética da Criação Verbal, consi<strong>de</strong>ra o<br />
diário como um gênero discursivo <strong>de</strong> tipo primário por este estar inserido num<br />
contexto <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> verbal espontânea. Segundo ele, o diário enquanto<br />
estilo íntimo revela uma fusão entre locutor e <strong>de</strong>stinatário, sendo muitas vezes<br />
o diarista o próprio <strong>de</strong>stinatário.<br />
Em Ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> Lanzarote II, José Saramago (1997) usa as seguintes<br />
palavras para <strong>de</strong>finir diário: Escrever um diário é como olhar-se num espelho<br />
<strong>de</strong> confiança, a<strong>de</strong>strado a transformar em beleza a simples boa aparência ou,<br />
no pior dos casos, a tornar suportável a máxima fealda<strong>de</strong>. Segundo o autor,<br />
ninguém escreve um diário para dizer quem é. A título <strong>de</strong> exemplo, elegemos<br />
um excerto <strong>de</strong> “O Amanuense Belmiro”, <strong>de</strong> Cyro dos Anjos, on<strong>de</strong> o<br />
personagem Belmiro faz o seguinte resumo do diário: Venho da rua oprimido,<br />
escrevo <strong>de</strong>z linhas, torno-me olímpico. Dessa forma, o autor revela o caráter<br />
‘maqueador’ que o diário possui, ao conter em suas linhas apenas atos<br />
heróicos.<br />
4.2.2.4 A classificação dos diários<br />
Há várias classificações que traçam o perfil da tradição do diarismo,<br />
revelando as diversas funções <strong>de</strong>sempenhadas pelos diários. Entre os<br />
pesquisadores do assunto, <strong>de</strong>stacamos três, a saber: Robert A. Fothergill,<br />
conceituado pesquisador inglês, que propõe ter o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> diário íntimo<br />
evoluído a partir <strong>de</strong> quatro formas <strong>de</strong> proto ou pré-diários: diários públicos,<br />
diários <strong>de</strong> viagem, diários <strong>de</strong> registro pessoal - análogos aos livros<br />
comunitários (commonplace books) – e diários <strong>de</strong> consciência ou espirituais;<br />
120
Thomas Mallon, estudioso inglês, classifica os diários em sete tipos: diários <strong>de</strong><br />
cronistas, viajantes, peregrinos, criadores, apologistas confessores e<br />
prisioneiros; por último, Ronald Blythe, autor inglês, cujo critério <strong>de</strong><br />
classificação utilizado se baseia no posição dos autores dos diários. Esse<br />
pesquisador classifica os diários em 13 tipos: o diarista como testemunha, o<br />
diarista apaixonado, o diarista e o casamento difícil, o diarista na vila, o diarista<br />
como naturalista, o diarista doente, o diarista na loja, o diarista na guerra, o<br />
diarista como artista, diários e realeza, o diarista em rota, o diarista em<br />
<strong>de</strong>sespero, o diarista e a morte.<br />
Na nossa pesquisa, apenas <strong>de</strong>stacaremos <strong>de</strong> forma sucinta, a<br />
classificação <strong>de</strong> Fothergill, embora não seja a única sobre a gênese dos<br />
diários, como vimos acima.<br />
• Diários públicos: esta categoria é consi<strong>de</strong>rada tão antiga quanto a própria<br />
escrita. Essa noção está ligada à tradição <strong>de</strong> escrita comunitária 117 . Segundo<br />
Lowenstein, livros e recordações <strong>de</strong> registros contábeis antigos, registros<br />
domésticos romanos chamados Commentarii, crônicas chinesas do ano 56<br />
d.C., entre outras, são exemplos da função <strong>de</strong> cronicar e manter um registro.<br />
• Diários <strong>de</strong> viagem: esta categoria agrupa relatos <strong>de</strong> experiências <strong>de</strong><br />
diaristas em torno <strong>de</strong> viagens. Não tão comuns nos séculos XV e XVIII, esses<br />
diários refletiam as viagens <strong>de</strong> caráter exploratório ou não, informando sobre a<br />
geografia específica, fauna e flora, terreno, curiosida<strong>de</strong>s sobre os povos<br />
nativos, bem como o sentimento associado a cada uma das experiências.<br />
• Diários <strong>de</strong> memória pessoal (commonplace books): esta terceira categoria<br />
está relacionada com os diários <strong>de</strong> memória pessoal, análogos aos<br />
commonplace books (livros <strong>de</strong> família). Esse tipo <strong>de</strong> diário é consi<strong>de</strong>rado um<br />
ancestral dos diários <strong>de</strong> leitura, quotas, observações, notas e <strong>de</strong>senhos feitos<br />
por pessoas letradas. Por ser rara e cara a publicação <strong>de</strong> livros, esse tipo <strong>de</strong><br />
diário foi muito útil no trabalho <strong>de</strong> estudantes. Dentre as pessoas <strong>de</strong> renome<br />
que se utilizaram <strong>de</strong>ssa prática encontra-se o pintor Leonardo da Vinci, que<br />
117 Função que hoje é <strong>de</strong>sempenhada pelos jornais.<br />
121
manteve os ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> anotações por 40 anos, e Dostoievski, com três<br />
ca<strong>de</strong>rnos enquanto escrevia Crime e Castigo.<br />
• Diários <strong>de</strong> consciência ou espirituais: esta é a última forma <strong>de</strong> pré-diários<br />
classificados por Fothergill. Segundo Mallon, a prática <strong>de</strong>sses diários começou<br />
no século XVI entre o clero reformado <strong>de</strong> East Anglia 118 , que tinha como<br />
preocupação minimizar o sentimento <strong>de</strong> culpa relacionado à fé em Deus. A<br />
prática <strong>de</strong> escrever diários 119 , ressalta Mallon, tornou-se muito comum<br />
enquanto meio <strong>de</strong> auto-examinação e auto-punição, tanto entre católicos,<br />
Metodistas quanto entre os protestantes.<br />
4.2.3 O gênero e-mail<br />
Frente às tecnologias emergentes nos meios <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong>, vemonos<br />
obrigados a, ao menos, ter noção do que vêm a ser gêneros como e-mail,<br />
blog, Short Message Service (SMS) etc. Afinal, o homem é um “ser social”, e a<br />
socieda<strong>de</strong>, por sua vez, está cada vez mais informatizada. Segundo Levacov<br />
(1996), um número crescente <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s sociais tem-nos feito sentir o<br />
impacto da mídia digital. Para ela, todas essas tarefas precisam a<strong>de</strong>quar-se a<br />
esse novo referencial.<br />
Vejamos, pois, a trajetória <strong>de</strong> alguns <strong>de</strong>sses vários recursos utilizados<br />
com o advento da informática, a começar pelo mais antigo <strong>de</strong> que dispõe a<br />
Internet, o e-mail.<br />
4.2.3.1 Origem<br />
118 Grupo secreto que reunia dissi<strong>de</strong>ntes da Rainha Elizabeth (OLIVEIRA, 2004).<br />
119 Schiwy (1996) preparou uma relação contendo as propostas mais comuns a todos quantos<br />
mantêm um diário: alargar a autoconsciência; explorar a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> pessoal; ter um confi<strong>de</strong>nte;<br />
colocar sentimentos e emoções sobre o papel; criar senso <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> em nossas vidas;<br />
preservar a memória <strong>de</strong> pessoas, eventos, <strong>de</strong> nós mesmos; lutar contra a <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong>,<br />
mudança, perda e angústia; explorar impulsos criativos; capturar idéias para estórias, poemas<br />
e outros projetos; recordar e explorar sonhos; celebrar graças e sucessos; engajar-se em um<br />
diálogo com o mundo em torno <strong>de</strong> nós; <strong>de</strong>scobrir o que é sagrado em nossas vidas; aprofundar<br />
nossas jornadas espirituais; relembrar membros familiares e amigos queridos; arrumar<br />
pensamentos e clarear idéias; esquadrinhar o <strong>de</strong>sejo do inconsciente, entre outras.<br />
122
Conforme lemos em Oliveira e Paiva (2004), o e-mail surgiu em 1971,<br />
quando do envio da primeira mensagem <strong>de</strong> um computador para outro, feita<br />
por Ray Tomlinson, utilizando o programa SNDMSG 120 que acabara <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>senvolver. Segundo Tomlinson, o primeiro uso do correio em re<strong>de</strong> anunciou<br />
sua própria existência. Ao contrário do que temos hoje, a extensão do e-mail<br />
era relativamente curta – não ultrapassava algumas linhas – e sua recepção<br />
era muito lenta.<br />
Segundo Assis (2002, p.194), ler ou respon<strong>de</strong>r a e-mails na década <strong>de</strong><br />
70 <strong>de</strong>mandava esforço e, sobretudo, paciência:<br />
4.2.3.2 Definição<br />
(...) o texto simplesmente era <strong>de</strong>spejado na tela ou fora, na<br />
impressora, e nada separava as mensagens. Além disso, para<br />
se chegar à última mensagem, era preciso passar<br />
obrigatoriamente por todas novamente. Para muitos<br />
operadores, o único meio <strong>de</strong> ler o correio era ligar o teletipo e<br />
imprimir metros e metros <strong>de</strong> texto (....) Também não havia<br />
ainda a função Respon<strong>de</strong>r (Reply), o que obrigava o usuário a<br />
começar uma nova mensagem sempre que o interesse fosse<br />
respon<strong>de</strong>r a uma mensagem recebida.<br />
Do inglês electronic mail, “correio eletrônico”, o e-mail é uma forma <strong>de</strong><br />
<strong>comunicação</strong> escrita, normalmente assíncrona 121 , que possibilita remessa/troca<br />
<strong>de</strong> mensagens entre usuários do computador, suporte <strong>de</strong>sse gênero. O termo<br />
e-mail está sendo empregado, segundo Zanotto (2005, p.110), com três<br />
sentidos. Para esse autor, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo do contexto, o e-mail po<strong>de</strong> significar<br />
gênero <strong>de</strong> texto, en<strong>de</strong>reço eletrônico ou sistema <strong>de</strong> transmissão da mensagem<br />
eletrônica (ou canal).<br />
Oliveira e Paiva (2004) assim <strong>de</strong>fine o e-mail:<br />
120 Além do SNDMSG, Tomlinson também <strong>de</strong>senvolveu o READMAIL para sua leitura.<br />
121 Em alguns casos a remessa <strong>de</strong> mensagens entre os interlocutores po<strong>de</strong> variar <strong>de</strong> um tempo<br />
mínimo (quando ambos estão em conexão on-line) a <strong>de</strong>fasagem <strong>de</strong> dias, semanas e meses, a<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r dos usuários. Há casos on<strong>de</strong> a resposta nunca chega, o que dá a impressão <strong>de</strong> o<br />
<strong>de</strong>stinatário não ter recebido ou não querer respon<strong>de</strong>r.<br />
123
Um gênero eletrônico escrito, com características típicas <strong>de</strong><br />
memorando, bilhete, carta, conversa face a face e telefônica,<br />
cuja representação adquire ora a forma <strong>de</strong> monólogo ora <strong>de</strong><br />
diálogo e que se distingue <strong>de</strong> outros tipos <strong>de</strong> mensagens<br />
<strong>de</strong>vido a características bastante peculiares <strong>de</strong> seu meio <strong>de</strong><br />
transmissão, em especial a velocida<strong>de</strong> e a assincronia na<br />
<strong>comunicação</strong> entre usuários <strong>de</strong> computadores.<br />
Por apresentar características semelhantes às das cartas, Yates (2000)<br />
questiona se os e-mails não seriam novas versões <strong>de</strong> meios já estabelecidos<br />
(como as cartas pessoais), no que tange ao formato textual bem como aos<br />
diferentes níveis <strong>de</strong> linguagem. O e-mail foi consi<strong>de</strong>rado uma ameaça aos<br />
correios tradicionais e às cartas escritas, visto que esse gênero não<br />
acompanha as mudanças da socieda<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna, na qual a filosofia que<br />
impera é a <strong>de</strong> que “tempo é dinheiro”. Sendo assim, o e-mail seria uma forma<br />
<strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> rápida e eficiente, que evita <strong>de</strong>sperdício <strong>de</strong> tempo e gastos<br />
com servidor.<br />
4.2.3.3 Características<br />
A noção <strong>de</strong> e-mail está associada à idéia <strong>de</strong> en<strong>de</strong>reço, daí conter<br />
obrigatoriamente 122 todas as informações necessárias para enviar uma<br />
mensagem para alguém:<br />
1. En<strong>de</strong>reço do remetente: automaticamente preenchido;<br />
2. En<strong>de</strong>reço do receptor: <strong>de</strong>ve ser inserido (quando não for uma resposta);<br />
3. Possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cópias: a ser preenchido, visível ou não ao receptor;<br />
4. Assunto: <strong>de</strong>ve ser preenchido;<br />
5. Data e hora: preenchimento automático;<br />
6. Corpo da mensagem com uma saudação, texto e assinatura.<br />
Os en<strong>de</strong>reços utilizados no e-mail possuem duas p<strong>artes</strong> separadas<br />
pelo sinal @ (arroba): a i<strong>de</strong>ntificação do usuário (user name) vem à esquerda<br />
122 Ao contrário da carta, que po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> conter algum dos dados do en<strong>de</strong>reço e mesmo<br />
assim chega ao <strong>de</strong>stinatário, no e-mail a troca ou ausência <strong>de</strong> um caracter impossibilita o envio<br />
da mensagem ou, caso exista algum outro semelhante, irá para outro interlocutor.<br />
124
do símbolo; o que está à direita, <strong>de</strong>nominado domínio, i<strong>de</strong>ntifica o provedor ao<br />
qual o usuário tem acesso. Ex: fasousi@bol.com.br .<br />
QUADRO 6<br />
e-mail como en<strong>de</strong>reço eletrônico<br />
fasousi @ bol. com. Br<br />
Nome Arroba Nome do<br />
servidor<br />
Organização País<br />
Nome ou Símbolo com I<strong>de</strong>ntificação Abreviatura que Abreviatura<br />
abreviatura o sentido <strong>de</strong> da máquina indica o tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong> duas<br />
do nome do “em” (lugar encarregada organização à letras que<br />
proprietário em que); <strong>de</strong> receber e qual pertence o indica o país<br />
da caixa <strong>de</strong> <strong>de</strong>signa o enviar as en<strong>de</strong>reço a que<br />
correio en<strong>de</strong>reço do mensagens (comercial, pertence o<br />
provedor<br />
governamental,<br />
organizacional).<br />
en<strong>de</strong>reço<br />
Adaptado <strong>de</strong> ZANOTTO, Normelio. E-mail e carta comercial: estudo contrastivo <strong>de</strong><br />
gênero textual. Rio <strong>de</strong> Janeiro, RJ: Lucerna; Caxias do Sul, RS: Educs, 2005.<br />
Os programas <strong>de</strong> e-mail apresentam alguns comandos básicos 123 :<br />
Send – envia uma mensagem ou arquivo;<br />
Reply – respon<strong>de</strong> a uma mensagem usando as informações <strong>de</strong><br />
en<strong>de</strong>reçamento contidas no cabeçalho da mensagem recebida;<br />
Delete – apaga uma mensagem;<br />
Forward – envia uma mensagem recebida para outro usuário 124 .<br />
Ex: From: fasousi@bol.com.br;<br />
To: nivaldojr@yahoo.com.br;<br />
CC:beta@ig.com.br,medi@bol.com.br, fatimalves@uol.com.br;<br />
Subject (assunto da mensagem): coisas <strong>de</strong> doutorando<br />
Message (mensagem):<br />
Olá, colegas!<br />
123 A fim <strong>de</strong> que a mensagem seja enviada <strong>de</strong> forma correta, os campos <strong>de</strong>vem ser preenchidos<br />
corretamente. A or<strong>de</strong>m do cabeçalho, entretanto, po<strong>de</strong> variar <strong>de</strong> sistema para sistema.<br />
124 Segundo Marcuschi (2002), uma característica interessante do e-mail é a <strong>de</strong> possibilitar, aos<br />
interagentes, a troca entre: a) um emissor e um receptor; b) um emissor e vários receptores<br />
simultaneamente, e c) vários remetentes e um receptor ou vários remetentes para vários<br />
receptores (esta última é mais difícil e pouco usual).<br />
125
Imaginem o que me aconteceu <strong>de</strong>ssa vez! O CD no qual estavam<br />
gravados todos os meus dados foi roubado, junto com minha bolsa, hoje pela<br />
manhã, na hora em que eu vinha para a <strong>universida<strong>de</strong></strong>. Po<strong>de</strong>?!<br />
Fabiana<br />
Vários autores <strong>de</strong>stacam a informalida<strong>de</strong>, a inobservância <strong>de</strong> algumas<br />
regras ortográficas – há uma escrita que procura representar a palavra como<br />
ela é pronunciada, por exemplo: kd por cadê, blza por beleza; além da<br />
objetivida<strong>de</strong> – geralmente não há torneios para dizer o que se preten<strong>de</strong>,<br />
tornando o texto curto e enxuto; e a ausência <strong>de</strong> pré-seqüências como<br />
algumas das características do e-mail - não há uma or<strong>de</strong>m a ser seguida: ao<br />
mesmo tempo em que se respon<strong>de</strong> à mensagem, já se fala <strong>de</strong> outros tópicos,<br />
retoma algo dito, quebrando qualquer linearida<strong>de</strong> padrão.<br />
Em tese, as mensagens enviadas por e-mail são invioláveis e<br />
protegidas. Contudo, algumas precauções <strong>de</strong>vem ser tomadas a fim <strong>de</strong><br />
dificultar o acesso a pessoas que tentam violar as correspondências alheias,<br />
entrando em sua caixa postal, lendo seus e-mails etc:<br />
• Evitar senhas não seguras: seu login ao contrário (ex: fasousi – login,<br />
isuosaf – senha); formadas apenas por números (ex: 191281).<br />
Para evitar tais constrangimentos:<br />
• Procure mesclar letras maiúsculas e minúsculas (ex: fAsOUsI);<br />
• Alterne letras e números (ex: fd110204);<br />
• Substitua O por 0 (zero), E por 3 e L por 1 (ex: car1os3duardo).<br />
Além <strong>de</strong>sses cuidados, Oliveira e Paiva (op.cit.) chama a atenção para<br />
um vírus conhecido por Senil 125 que, não po<strong>de</strong>ndo ser contido sequer pelo<br />
Norton, afeta em maior grau os que nasceram antes <strong>de</strong> 1965:<br />
125 Segundo a autora, o humor faz circular na Internet piadas <strong>de</strong>sse tipo relacionadas aos<br />
principais enganos na utilização do correio eletrônico (OLIVEIRA E PAIVA, 2004).<br />
126
► O vírus senil faz com que você<br />
1. Envie o mesmo e-mail duas vezes;<br />
2. Envie e-mail em branco;<br />
3. Envie para a pessoa errada;<br />
4. Envie <strong>de</strong> volta para a mesma pessoa que o enviou a você;<br />
5. Esqueça <strong>de</strong> atachar os textos;<br />
6. Aperte o “ENVIAR” antes <strong>de</strong> terminar a mensagem.<br />
4.2.3.4 A linguagem dos e-mails<br />
Em artigo intitulado “A linguagem dos Chats Desafia os Newbies”,<br />
Viana (2000) salienta que a rapi<strong>de</strong>z da <strong>comunicação</strong> via chat ou e-mail permite<br />
uma fluência maior da linguagem, quase com a mesma rapi<strong>de</strong>z da fala.<br />
Segundo a autora, nesses ambientes as palavras foram abreviadas até o ponto<br />
<strong>de</strong> se converterem em uma, duas ou no máximo três letras (não=n, sim=s,<br />
<strong>de</strong>=d, que=q, também=tb, cadê=kd, tc=teclar, porque=pq, aqui=aki, acho=axo,<br />
qualquer=qq, mais ou mas=+). Além da “economia” lingüística que há, ressalta<br />
ela, houve um extermínio da pontuação e da acentuação 126 , remetendo-nos<br />
não à etimologia das palavras, mas à fonética <strong>de</strong>las (é=eh, não=naum). Na<br />
visão <strong>de</strong> Viana (op.cit.), os internautas, ao contrário <strong>de</strong> estarem “escrevendo<br />
errado”, parecem estabelecer um processo no qual as mensagens são<br />
encurtadas a ponto <strong>de</strong> serem expressas com o menor número <strong>de</strong> caracteres<br />
possível.<br />
Autores há que consi<strong>de</strong>ram o e-mail, igual à carta, variando a<br />
linguagem a <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r do <strong>de</strong>stinatário: a linguagem empregada na<br />
<strong>comunicação</strong> entre dois amigos ten<strong>de</strong> a ser menos criteriosa e mais <strong>de</strong>spojada.<br />
Já a <strong>comunicação</strong> entre pessoas cujo grau <strong>de</strong> intimida<strong>de</strong> entre elas é baixo ou<br />
nulo ten<strong>de</strong> a apresentar uma maior formalida<strong>de</strong> na linguagem. Tal pensamento<br />
corrobora a idéia <strong>de</strong> Marcuschi (2002), segundo a qual as escolhas lingüísticas<br />
126 A origem “imperialista” do não uso <strong>de</strong> acentos em mensagens eletrônicas está no fato <strong>de</strong> as<br />
primeiras plataformas <strong>de</strong> computadores, chamadas UNIX, suportarem apenas os primeiros 127<br />
caracteres, e os acentos e a cedilha começam a partir do número 128. Além disso, toda<br />
economia era preciosa antigamente, já que os computadores tinham o disco rígido muito menor<br />
e a transmissão era muito mais <strong>de</strong>morada (VIANA, 2000)<br />
127
sofrem interferências <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo dos interagentes. Para esse autor, uma<br />
carta pessoal a um amigo difere <strong>de</strong> uma circular a toda uma comunida<strong>de</strong>.<br />
A diferença entre a carta e o e-mail se dá, conforme lemos nos sites<br />
www.ircmail.net, www.tche.br/e-mail.html, www.edimensao.com.br/divulgacao/midiawe./correioeletronico<br />
em relação à distância:<br />
no primeiro, o interlocutor está, via <strong>de</strong> regra, distante; no segundo, o<br />
<strong>de</strong>stinatário po<strong>de</strong> estar na mesma empresa na qual trabalha o remetente. Na<br />
opinião <strong>de</strong>sses autores, o fator rapi<strong>de</strong>z é mais relevante que a distância na<br />
transmissão das mensagens, o que ocasiona uma linguagem marcada por<br />
abreviações que, para eles, são típicas <strong>de</strong>sse novo gênero e não ocorrem no<br />
seu correlato, a carta.<br />
Oliveira e Paiva (op.cit.) <strong>de</strong>staca a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> transmissão <strong>de</strong><br />
vários tipos <strong>de</strong> dados (textos diversos, imagem, som e ví<strong>de</strong>o) como a gran<strong>de</strong><br />
inovação do correio eletrônico.<br />
Nesses sites vimos que o e-mail apresenta certo estreitamento <strong>de</strong><br />
fronteiras entre a oralida<strong>de</strong> e a escrita, o que propicia formas comunicativas<br />
próprias, misturando signos verbais, sons, imagens e formas em movimento.<br />
Ainda segundo informações contidas nesses sites, os e-mails apresentam a<br />
forte presença da oralida<strong>de</strong>, espontaneida<strong>de</strong> e palavras abreviadas. Segundo<br />
Jonsson (1997):<br />
As mensagens eletrônicas po<strong>de</strong>m partilhar as proprieda<strong>de</strong>s da<br />
carta tradicional, mas po<strong>de</strong>m partilhar as proprieda<strong>de</strong>s do<br />
telefonema ou a <strong>comunicação</strong> face a face. Conseqüentemente,<br />
os e-mails transgri<strong>de</strong>m os limites entre as noções tradicionais<br />
<strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> oral e escrita.<br />
Dentre as inúmeras vantagens oferecidas aos usuários pelo serviço <strong>de</strong><br />
e-mail, po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>stacar:<br />
• Po<strong>de</strong> ser enviado a qualquer hora e lugar;<br />
• Dispensa a ida aos correios para postar a correspondência;<br />
• Além <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r ter qualquer extensão, o e-mail transmite mensagens,<br />
imagens e programas, que po<strong>de</strong>m ser copiados para o computador;<br />
• Atualmente, existem vários sites que oferecem um en<strong>de</strong>reço eletrônico<br />
grátis: www.bol.com.br, www.ig.com.br etc.<br />
128
Talvez uma das maiores especificida<strong>de</strong>s do e-mail seja permitir o<br />
imbricamento e enca<strong>de</strong>amento <strong>de</strong> mensagens anteriores, gerando a pronta<br />
reconstrução e recuperação da correspondência completa. Para Assis (2002, p.<br />
130), manisfesta-se, com o imbricamento e o enca<strong>de</strong>amento,<br />
Um novo tipo <strong>de</strong> dialogicida<strong>de</strong>, na medida em que ali se flagra<br />
uma dinâmica <strong>de</strong> alternância <strong>de</strong> turnos, garantida quer pela<br />
inserção <strong>de</strong> p<strong>artes</strong> da mensagem a que se respon<strong>de</strong> no e-mail<br />
- resposta, quer pela permanência, nesse e-mail (provi<strong>de</strong>nciada<br />
pelo computador), da mensagem a que se respon<strong>de</strong>, quer,<br />
ainda, pela própria organização dada ao e-mail-resposta, que,<br />
em termos <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> informações, procura obe<strong>de</strong>cer à<br />
seqüência <strong>de</strong> <strong>de</strong>mandas da mensagem a que se respon<strong>de</strong> (...)<br />
4.2.3.5 E-mails pessoais X E-mails comerciais<br />
Vimos acima a origem do gênero e-mail, seu conceito, características e<br />
finalida<strong>de</strong>s. Agora, vejamos a dimensão <strong>de</strong>sse recurso <strong>de</strong> que dispõe o usuário<br />
da Internet e sua funcionalida<strong>de</strong>.<br />
Enten<strong>de</strong>mos, para fins <strong>de</strong> análise, como e-mail pessoal aquele que<br />
funciona como correspondência entre pessoas físicas, po<strong>de</strong>ndo ser <strong>de</strong> uma<br />
para várias simultaneamente ou, como se dá mais comumente, <strong>de</strong> uma só<br />
pessoa para outra ou ainda <strong>de</strong> uma instituição para uma pessoa física.<br />
Já o e-mail comercial é aquele utilizado apenas entre pessoas jurídicas,<br />
ou empresas, melhor dizendo, não havendo a participação <strong>de</strong> uma pessoa<br />
física apenas, quer se trate <strong>de</strong> remetente ou <strong>de</strong>stinatário.<br />
Na área empresarial, o e-mail tornou-se uma ferramenta <strong>de</strong><br />
<strong>comunicação</strong> indispensável e parece ter conseguido substituir e redimensionar<br />
a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> práticas comunicativas antes existentes, tais como a circular,<br />
o ofício e o memorando.Uma pesquisa realizada pela Fe<strong>de</strong>ração e Centro das<br />
Indústrias do Estado <strong>de</strong> São Paulo (Fiesp/Ciesp) <strong>de</strong>monstrou que, <strong>de</strong> l.700<br />
indústrias paulistas, 83% empregam o e-mail. A explicação para o sucesso<br />
129
<strong>de</strong>sse gênero está ligada ao fato <strong>de</strong> ele ser mais eficaz, diminuir o emprego <strong>de</strong><br />
papel e acelerar o trabalho.<br />
Segundo dados da Veja (2000), a mensagem eletrônica é dinâmica e<br />
informal, <strong>de</strong>vendo ser concisa e sem enrolação. Entretanto, salienta, a<br />
ausência <strong>de</strong> cerimônia não dispensa tratamentos <strong>de</strong> respeito e cortesia:<br />
Ao iniciar um texto, por exemplo, é <strong>de</strong> bom-tom referir-se<br />
sempre ao <strong>de</strong>stinatário pelo nome, em vez <strong>de</strong> <strong>de</strong>spejar direto<br />
as informações. Para <strong>de</strong>spedir-se, ao final da redação, usar um<br />
“atenciosamente” ou “cordialmente”, tradicionais <strong>de</strong> cartas e<br />
fax, é mais elegante. Deixe as abreviações 127 e os “emoticons”<br />
(aqueles <strong>de</strong>senhos feitos com sinais gráficos para <strong>de</strong>monstrar<br />
emoções para os colegas mais chegados) e evite escrever em<br />
letras maiúsculas, que soam como se você estivesse gritando<br />
em vez <strong>de</strong> falar.<br />
O correio eletrônico faz circular <strong>de</strong>s<strong>de</strong> correntes e piadas <strong>de</strong> amigos até<br />
solicitações do chefe, relatórios <strong>de</strong> subordinados, contratações, <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong><br />
compra e venda entre outras (Veja: 2000).<br />
Com o objetivo <strong>de</strong> não <strong>de</strong>sperdiçar tempo respon<strong>de</strong>ndo a tudo,<br />
tampouco lendo todo tipo <strong>de</strong> “lixo eletrônico”, algumas empresas estão<br />
adotando regras que monitoram o uso do correio 128 :<br />
• Seja conciso e só envie mensagens que tenham utilida<strong>de</strong>. Não<br />
aju<strong>de</strong> o colega a per<strong>de</strong>r tempo com bobagem;<br />
• Não man<strong>de</strong> arquivo muito “pesado” sem antes pedir permissão.<br />
Muitos computadores acabam travando quando o recebem;<br />
• Se você não sabe se o arquivo é “pesado”, peça ao suporte <strong>de</strong><br />
informática <strong>de</strong> sua empresa para avaliar o tamanho;<br />
• Nunca espalhe piadas, correntes ou boatos. Além <strong>de</strong> entulhar lixo<br />
na caixa postal alheia, você po<strong>de</strong> congestionar o sistema;<br />
127 Mais uma vez vemos a relação feita entre o uso <strong>de</strong> abreviações e a informalida<strong>de</strong> do texto,<br />
ou a intimida<strong>de</strong> entre os locutores, fatores <strong>de</strong>cisivos para a freqüência baixa ou elevada <strong>de</strong>sse<br />
recurso da língua nos textos <strong>de</strong> e-mails.<br />
128 Algumas empresas filtram o conteúdo das mensagens <strong>de</strong> seus funcionários, a fim <strong>de</strong><br />
bloquear conteúdos obscenos ou racistas, além <strong>de</strong> bloquear sites ina<strong>de</strong>quados e en<strong>de</strong>reços <strong>de</strong><br />
bate-papo (Veja: 2000).<br />
130
• Só use o comando “respon<strong>de</strong>r a todos” quando sua réplica for<br />
realmente do interesse geral;<br />
• Confira o <strong>de</strong>stinatário da mensagem. Isso evita enviar<br />
correspondência à pessoa errada;<br />
• Não armazene mais que 150 e-mails. Seu terminal profissional<br />
não é arquivo morto;<br />
• O caminho mais curto da <strong>comunicação</strong> nem sempre é um e-mail.<br />
Muitas vezes um telefonema resolve e é mais rápido;<br />
• Evite mensagens com fofocas, intrigas ou bastidores sobre<br />
colegas e chefias;<br />
• Jamais envie mensagens com conteúdo pornográfico, machista,<br />
racista ou discriminatório;<br />
• Fuja <strong>de</strong> grosserias como dar cantadas pelo correio eletrônico;<br />
• Só imprima mensagens realmente importantes. Para que<br />
<strong>de</strong>sperdiçar papel se você tem tudo eletrônico?<br />
• Apesar <strong>de</strong> ser mais informal que uma carta ou fax, nada substitui<br />
a educação e a cortesia. Mantenha certa formalida<strong>de</strong> no trato profissional;<br />
• Responda às mensagens relevantes em até 24 horas. Se não <strong>de</strong>r,<br />
acuse o recebimento e prometa novo contato – e cumpra o prometido;<br />
• Não remeta e-mail quando estiver nervoso. A agressão por escrito<br />
é mais forte, duradoura e difícil <strong>de</strong> consertar;<br />
• A segurança <strong>de</strong> privacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um e-mail é zero. Faça a você<br />
mesmo a seguinte pergunta: e se uma cópia fosse parar no quadro <strong>de</strong> avisos?<br />
Em caso <strong>de</strong> dúvida, não man<strong>de</strong>.<br />
É fato, pois, que, ávidas em aten<strong>de</strong>r às necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> seus clientes,<br />
ansiosas por um atendimento rápido, simples e confiável, as empresas<br />
implementaram a informatização na <strong>comunicação</strong> administrativa. Com essa<br />
tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão, houve um ganho consi<strong>de</strong>rável <strong>de</strong> agilida<strong>de</strong> no fluxo <strong>de</strong><br />
<strong>comunicação</strong>, como também um enxugamento no que diz respeito à<br />
parafernália utilizada, pois o correio eletrônico dispensa papéis, carimbos,<br />
vistos e assinaturas.<br />
4.2.4.1Origem<br />
4.2.4 O gênero SMS<br />
131
Diferenciação é um fator significante para o sucesso no mundo<br />
competitivo atual. Um dos potentes veículos que provê essa diferenciação é o<br />
SMS, consi<strong>de</strong>rado pelo mercado como uma “revelação” <strong>de</strong>ntre os provedores<br />
<strong>de</strong> serviços. Segundo a Internet Sercomtel, o SMS proporciona conveniência<br />
e flexibilida<strong>de</strong>, possibilitando a <strong>comunicação</strong> por dispositivo sem fio, como uma<br />
extensão do computador, sem a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> portar diversos aparelhos, já<br />
que o serviço po<strong>de</strong> ser integrado em um só: o celular (terminal móvel, na<br />
terminologia do site).<br />
4.2.4.2 Definição<br />
SMS é uma abreviação do inglês e quer dizer Short Message Service.<br />
Ou seja, a sigla SMS significa: Serviço <strong>de</strong> Mensagens Curtas. Segundo o<br />
freeSMSpt, esse é o nome da tecnologia que permite aos celulares digitais<br />
enviar e receber mensagens <strong>de</strong> texto para outros celulares ou ambientes web.<br />
De acordo com esse site, o SMS também é conhecido por outros nomes:<br />
torpedo, sms, mensagem curta, mensagem <strong>de</strong> texto etc. A fim <strong>de</strong> evitar que os<br />
usuários <strong>de</strong>sse serviço se sentissem tentados a escrever mais do que é <strong>de</strong>vido,<br />
ficou estipulado que uma mensagem não po<strong>de</strong>ria levar mais do que 160<br />
caracteres 129 , o que traduzido significa não mais que 140 bytes, aos quais são<br />
acrescidos mais 30 bytes do espaço ocupado pelo cabeçalho 130 .<br />
Conforme lemos no site telemóveis.com, <strong>de</strong>vido a essa medida <strong>de</strong><br />
economia nasceu a tão falada linguagem abreviada <strong>de</strong> SMS que, segundo<br />
eles, tantas dores <strong>de</strong> cabeça tem dado aos professores <strong>de</strong> 2º grau por esse<br />
mundo afora, visto que muitos alunos têm transferido essa linguagem usada no<br />
celular para os textos produzidos em sala <strong>de</strong> aula, “infringindo” a linguagem<br />
exigida pela escola, a padrão. O êxito das mensagens entre os jovens tem sido<br />
tão gran<strong>de</strong> que, segundo afirma Benedito (2003), essa geração já está sendo<br />
chamada <strong>de</strong> geração das teclas ou a “geração do polegar”. Vale ressaltar que,<br />
129 Po<strong>de</strong>ndo, inclusive, ser menor conforme o serviço da operadora. A VIVO, por exemplo,<br />
permite a mensagem com no máximo 150 caracteres sem acentuação (freesmspt).<br />
130 Se levarmos em conta os MMS, mensagens multimídia mais “pesadas” <strong>de</strong>vido à integração<br />
<strong>de</strong> som, imagens ou animações (cujo limite estabelecido é <strong>de</strong> 30Kb), o “peso” das SMS tornase<br />
leve para qualquer re<strong>de</strong> (Telemóveis.com).<br />
132
segundo lemos em Crystal (2005, p.91), o fato <strong>de</strong> os mais jovens abreviarem<br />
palavras nas suas mensagens, seja através das técnicas <strong>de</strong> rébus (b4 =<br />
before), seja através <strong>de</strong> indicações fonéticas (thx = thanks), ou através <strong>de</strong><br />
abreviações (imho = in my humble opinion), não é novo ou fundamental.<br />
Segundo ele, as pessoas vêm usando abreviações há gerações, e os jogos <strong>de</strong><br />
rébus há muito são encontrados em revistas <strong>de</strong> palavras cruzadas.<br />
4.2.4.3 Como funciona o SMS<br />
No site Sercomtel encontramos as instruções para se informar como<br />
enviar mensagens <strong>de</strong> texto do celular. Segundo eles, trata-se <strong>de</strong> um serviço<br />
simples, prático e fácil. Vejamos:<br />
a. Verifique se o seu aparelho possui o serviço <strong>de</strong> mensagem <strong>de</strong><br />
texto;<br />
b. Se o seu telefone está categorizado para enviar e receber<br />
mensagens;<br />
c. Se, no local em que você está, o seu celular está recebendo o<br />
sinal digital;<br />
d. Celulares pré-pago precisam possuir qualquer valor maior que<br />
zero em crédito e estar <strong>de</strong>ntro do prazo <strong>de</strong> valida<strong>de</strong> <strong>de</strong> 90 dias da<br />
última recarga;<br />
e. Celulares pós-pago precisam estar com as faturas <strong>de</strong>ntro do<br />
prazo <strong>de</strong> vencimento sem corte.<br />
Após certificar-se <strong>de</strong> que todos os passos estão corretos, você escreve<br />
a mensagem no seu celular e envia para o número que <strong>de</strong>seja 131 .<br />
O site www.sapo.pt informa que, se o celular estiver <strong>de</strong>sligado, o(s)<br />
SMS(s) que é <strong>de</strong>stinado fica guardado pela operadora, mas, assim que o<br />
celular for ligado, a mensagem será entregue. Contudo, se o celular<br />
permanecer <strong>de</strong>sligado por um período superior a 48 horas ou estiver numa<br />
zona sem cobertura <strong>de</strong> re<strong>de</strong>, o SMS não será entregue.<br />
131<br />
As informações <strong>de</strong>talhadas para envio <strong>de</strong> mensagem <strong>de</strong> texto <strong>de</strong>vem ser conhecidas no<br />
manual do aparelho celular.<br />
133
Quanto ao valor cobrado pelo serviço SMS, a cobrança ocorre somente<br />
no celular que envia a mensagem. Clientes pós-pagos têm a cobrança em<br />
conta, e clientes pré-pagos têm as mensagens <strong>de</strong>scontadas dos seus créditos.<br />
O custo por mensagem enviada é tarifado <strong>de</strong> acordo com as operadoras,<br />
po<strong>de</strong>ndo variar <strong>de</strong> R$ 0,13 a R$ 0,19 centavos para clientes pós-pago 132 , e <strong>de</strong><br />
R$ 0,30 centavos para clientes pré-pago, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do número <strong>de</strong><br />
mensagens enviadas. Esses valores estão livres <strong>de</strong> adicional <strong>de</strong> chamadas e<br />
<strong>de</strong>slocamento, caso o cliente esteja fora <strong>de</strong> sua área <strong>de</strong> registro, ou seja, em<br />
roaming digital.<br />
4.2.4.4 SMS pessoal e empresarial<br />
As necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> têm sido muitas e hoje, na Era da<br />
<strong>comunicação</strong> e da Informação, comunica-se mais em menos tempo e por um<br />
preço cada vez mais reduzido. A função das mensagens escritas foi um gran<strong>de</strong><br />
avanço nos telemóveis. Dentre as muitas vantagens que esse serviço<br />
apresenta, está a <strong>de</strong> não se per<strong>de</strong>r tempo falando; mandar-se do lugar on<strong>de</strong><br />
estiver e à hora que se <strong>de</strong>sejar. As SMS estão surgindo como uma nova mídia<br />
para apoiar as ações <strong>de</strong> relacionamento das empresas com os clientes,<br />
servindo como um canal <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> ágil para encaminhar informações<br />
curtas para grupos <strong>de</strong> pessoas que não estão à frente do computador<br />
(http:www.<strong>centro</strong>atl.pt/titulos/soluções/imagens/). Segundo informações contidas<br />
nesse site, uma das gran<strong>de</strong>s vantagens do SMS como canal <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> é<br />
a sua abrangência, visto que atualmente são mais <strong>de</strong> 57 milhões <strong>de</strong> aparelhos<br />
celulares, um número quase três vezes maior que o número <strong>de</strong> usuários que<br />
têm acesso à Internet no Brasil.<br />
4.2.4.5 Principais benefícios do SMS<br />
132 Quanto maior o número <strong>de</strong> mensagens enviadas, menor o valor cobrado.<br />
134
Partindo do princípio <strong>de</strong> que a economia, seja <strong>de</strong> tempo ou <strong>de</strong> dinheiro,<br />
é a mola-mestra das tecnologias digitais, elencamos algumas vantagens ao se<br />
utilizar esse gênero que, pela própria natureza, abriga uma escrita abreviada.<br />
• Comunicação em tempo real: a mensagem aparece na tela do<br />
celular poucos instantes após o envio;<br />
• Novo canal <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> sinaliza inovação para os<br />
consumidores;<br />
• Agilida<strong>de</strong>: o canal <strong>de</strong> voz é ineficiente quando uma mesma<br />
informação precisa ser transmitida para mais <strong>de</strong> uma pessoa;<br />
•<br />
pessoal;<br />
Comunicação personalizada e segmentada: o celular é uma mídia<br />
•<br />
ler um SMS;<br />
Menos intrusivo: não é necessário interromper uma reunião para<br />
• Economia: um SMS é mais barato que uma ligação para celular,<br />
principalmente se for interurbana;<br />
• Interativida<strong>de</strong>: possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resposta do cliente para<br />
promoções, pesquisas <strong>de</strong> opinião etc;<br />
4.2.4.6 Aplicações do SMS Marketing<br />
A seguir, apresentamos um resumo <strong>de</strong> como o SMS po<strong>de</strong> ser utilizado<br />
em diferentes áreas da empresa, a fim <strong>de</strong> estabelecer um contato direto com<br />
clientes.<br />
1. Para retornar o contato <strong>de</strong> um cliente ou para encaminhar o<br />
pedido <strong>de</strong> um cliente para a equipe externa (vendas, manutenção etc.);<br />
2. Po<strong>de</strong> substituir o canal <strong>de</strong> voz nos casos em que a informação a<br />
ser transmitida precisa ser rápida e precisa;<br />
3. Po<strong>de</strong> ser utilizado para divulgar lançamentos <strong>de</strong> produtos e<br />
serviços, novas condições <strong>de</strong> pagamento e promoções que estimulem a<br />
compra por impulso;<br />
4. Perfeito para personalizar o relacionamento com os clientes e<br />
enviar alertas sobre saldos <strong>de</strong> milhagens e prêmios conquistados com o<br />
programa <strong>de</strong> fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong>;<br />
5. Po<strong>de</strong> ser utilizado, em um primeiro contato, para lembrar<br />
vencimentos <strong>de</strong> pagamento.<br />
As empresas que utilizam esse novo canal <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> têm obtido<br />
bons resultados quando combinam <strong>de</strong> forma a<strong>de</strong>quada com os canais <strong>de</strong> voz e<br />
135
a Internet 133 . A seguir, apresentamos um quadro contendo as abreviaturas mais<br />
triviais que o gênero SMS apresenta:<br />
Quadro 8<br />
Lista das abreviaturas mais utilizadas e seus significados no SMS<br />
- Menos;<br />
() abraços;<br />
+ Mais;<br />
+ - Mais ou menos;<br />
= igual;<br />
Bjs beijos;<br />
c/ com<br />
c/o como<br />
icq falamos no icq<br />
ily ou ilu I Iove you (amo-te)<br />
k quê<br />
lol a rir alto (laughing out loud em inglês)<br />
msg mensagem<br />
msm mesmo<br />
ň não<br />
obg obrigado<br />
p/ para<br />
pq porque<br />
q que<br />
+trd – mais tar<strong>de</strong><br />
=mente - igualmente<br />
qq qualquer<br />
Rotfl rolling on the floor laughing (rebolar<br />
<strong>de</strong> riso no chão);<br />
tb também;<br />
tks ou thx thanks (obrigado);<br />
x vez;<br />
:-) sorrindo;<br />
(-: também a sorrir;<br />
:) sorrindo sem nariz;<br />
:’) chorar a rir;<br />
:-() rir <strong>de</strong> boca aberta;<br />
8-) sorrindo com óculos;<br />
[:-) a sorrir com walkman (a ouvir<br />
música);<br />
;-) piscar olhos;<br />
:-* beijo<br />
:-( triste;<br />
:’-( a chorar;<br />
:-{} espanto;<br />
4E, 4ever – for ever<br />
1mmt – um momento<br />
Como pu<strong>de</strong>mos observar, semelhante ao e-mail, a linguagem do SMS<br />
é marcada pela presença <strong>de</strong> abreviações, sejam elas representadas por letras<br />
ou i<strong>de</strong>ogramas com valor fonético (ex: ILY = I LOVE YOU), através <strong>de</strong> símbolos<br />
acrofônicos (ex: rotfl = rolar <strong>de</strong> rir no chão), <strong>de</strong> fonogramas com valor silábico<br />
(ex: tb = também), com recursos à i<strong>de</strong>ografia (ex: +- = mais ou menos), ou<br />
ainda com a reciclagem <strong>de</strong> diversos signos para transformá-los em<br />
componentes <strong>de</strong> ícones 134 (ex: 8-) = sorrir com óculos).<br />
Como salienta Béguelin (2004), a eficácia <strong>de</strong>ssas tendências<br />
i<strong>de</strong>ográficas, silabográficas ou acronímicas serve tão somente para <strong>de</strong>smitificar<br />
a idéia <strong>de</strong> que o único progresso possível na evolução dos sistemas <strong>de</strong> escrita<br />
133 O Centro <strong>de</strong> Controle da Varig, o Centro <strong>de</strong> Integração Empresa Escola do RS (CIEE RS), A<br />
Ipiranga, A Catho Online e a Cimpor são algumas das empresas que utilizam o SMS.<br />
134 Os ícones mais comuns nos e-mails também são os mais utilizados nas mensagens <strong>de</strong><br />
texto. Em ambos há uma mescla <strong>de</strong> texto e imagem, on<strong>de</strong> muitas vezes apenas a imagem<br />
compõe o texto: ☺ ou , significando respectivamente “estou alegre” e “estou triste”.<br />
136
se daria através do princípio fonológico. Segundo a autora, <strong>de</strong>vemos levar em<br />
consi<strong>de</strong>ração os objetivos pragmáticos do sistema gráfico, a fim <strong>de</strong> tentarmos<br />
avaliar a sua a<strong>de</strong>quação.<br />
4.2.5 O gênero blog 135<br />
4.2.5.1 Origem<br />
O termo weblog foi inventado em <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1997 pelo teórico<br />
americano Jorn Barger, e em agosto <strong>de</strong> 1999, com a utilização do software<br />
Blogger da empresa do norte-americano Evan Willians, os blogs foram<br />
concebidos como uma alternativa popular para a publicação <strong>de</strong> textos on-line<br />
(KOMESU, 2004).<br />
4.2.5.2 Definição<br />
Blog é a simplificação <strong>de</strong> Web log ou Weblog, sendo log um diário <strong>de</strong><br />
bordo 136 . A <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> blog não é algo consensual, segundo o site sapo,<br />
ouvindo-se muitas vezes a expressão “Diário virtual” para <strong>de</strong>screver o que seria<br />
um blog. Há, contudo, variadíssimas <strong>de</strong>finições <strong>de</strong> blog, <strong>de</strong>ntre as quais<br />
selecionamos algumas:<br />
• Um diário na web 137 ;<br />
• Um jornalzinho, ou diário, mantido on-line para que outras pessoas possam<br />
ver também 138 ;<br />
135<br />
Ao contrario do diário tradicional, é gran<strong>de</strong> a presença <strong>de</strong> homens que escrevem nesse<br />
gênero.<br />
136<br />
O interessante é que, segundo Evan Williams, um dos criadores da ferramenta Blogger, esta<br />
não foi pensada para a criação <strong>de</strong> blogs ou diários digitais. Entretanto, foi nessa produção que<br />
ela se tornou amplamente empregada (UOL, 2001).<br />
137<br />
(http//www.blog-se.)<br />
138<br />
Ta-Na.Net.- Redirecionador <strong>de</strong> Sites e Sistema <strong>de</strong> Blog.<br />
137
• Uma página web atualizada freqüentemente, composta por pequenos<br />
parágrafos apresentados <strong>de</strong> forma cronológica 139 ;<br />
• Um registro cronológico e freqüentemente atualizado <strong>de</strong> opiniões, emoções,<br />
fatos, imagens ou qualquer outro tipo <strong>de</strong> conteúdo que o autor quiser<br />
disponibilizar;<br />
• Página pessoal da Internet que tem mecanismos <strong>de</strong> interação e permite<br />
manter conversas entre grupos 140 .<br />
4.2.5.3 Como funciona o blog<br />
Em um ensaio sobre blog, Luis Antonio Giron 141 salienta que ninguém<br />
tem <strong>de</strong> saber linguagem ASP, PHP ou a já anciã HTML para que possa<br />
publicar em um blog. Para o autor, a ferramenta revela-se tão fácil quanto um<br />
programa <strong>de</strong> e-mail sediado na web.<br />
O uso <strong>de</strong> um blog assemelha-se ao envio <strong>de</strong> uma mensagem<br />
instantânea para toda a web: você escreve sempre que tiver vonta<strong>de</strong> e todos<br />
que visitarem seu blog terão acesso ao que você escrever (Ta-Na. Net –<br />
Redirecionador <strong>de</strong> Sites e Sistema <strong>de</strong> Blog). O blog é <strong>de</strong>finido ainda como um<br />
espaço on<strong>de</strong> o usuário expressa o que quiser na ativida<strong>de</strong> da (sua) escrita,<br />
po<strong>de</strong>ndo escolher imagens e sons para compor o texto que será veiculado pela<br />
Internet (KOMESU, 2004).<br />
O conteúdo e tema dos blogs variam <strong>de</strong> assuntos que vão <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
piadas, diários, notícias, poesia, fotografias, até o que a imaginação do autor<br />
permitir. Há pessoas que associam a idéia <strong>de</strong> blog a uma espécie <strong>de</strong> diário <strong>de</strong><br />
adolescente na Internet, e assim sequer chegam a conhecer o que é <strong>de</strong> fato<br />
esse espaço <strong>de</strong> notícias, análises e <strong>de</strong>bate. É bem verda<strong>de</strong> que existem alguns<br />
on<strong>de</strong> predominam idéias e sentimentos do autor, são os blogs pessoais. Mas<br />
há também aqueles que permitem a grupos <strong>de</strong> trabalho ou até empresas a<br />
troca <strong>de</strong> <strong>comunicação</strong> mais simples e organizada, a fim <strong>de</strong> discutir projetos e<br />
apresentar soluções. Ou seja, alguns blogs são essencialmente voltados para a<br />
diversão; outros, para trabalho, e outros fazem uma mistura <strong>de</strong> ambos.<br />
139 Blogger.com. br<br />
140 observatorioultimosegundo.ig.com.br<br />
141 www.digestivocultural.com/<br />
138
4.2.5.4 Blogs pessoais e empresariais<br />
No início eles não iam além <strong>de</strong> “diários on-line” publicados na web,<br />
geralmente, criados por adolescentes. Entretanto, a idéia começou a atrair<br />
pessoas em todo o mundo, o que gerou uma enorme diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> temas,<br />
distribuídos em basicamente três tipos <strong>de</strong> blogs:<br />
• Privado: somente o criador do blog po<strong>de</strong> colocar mensagem nele;<br />
• Grupo: mais <strong>de</strong> uma pessoa po<strong>de</strong> postar mensagens. O criador do blog<br />
controla quem participa;<br />
• Público: qualquer pessoa po<strong>de</strong> postar mensagens. O blog é gerenciado pela<br />
equipe do provedor 142 .<br />
Frente à <strong>de</strong>manda inesperada, blogs com notícias jornalísticas,<br />
científicas e informações úteis à socieda<strong>de</strong> foram oferecidos a cidadãos e<br />
empresas, que têm já <strong>de</strong>finidos os propósitos, ou seja, sabem o que preten<strong>de</strong>m<br />
apresentar/apren<strong>de</strong>r, e o que ou quem querem atrair. A própria imprensa viu-se<br />
atraída pelo novo gênero, e resolveu incluir um blog em suas publicações<br />
tradicionais. Há também blogs cuja finalida<strong>de</strong> é gerenciar o conhecimento em<br />
instituições como escolas, jornais e empresas (http://www.blogger.com.br).<br />
Sendo assim, o trabalho com esse novo gênero textual po<strong>de</strong> criar<br />
oportunida<strong>de</strong>s reais <strong>de</strong> ensino e aprendizagem entre os seus usuários.<br />
4.2.5.5 A linguagem nos blogs: tá td blz!<br />
142 No caso do IG, o serviço <strong>de</strong> blog é o Blig.<br />
139
Geralmente a linguagem utilizada no blog está diretamente relacionada<br />
com o seu propósito e/ou com o estilo lingüístico <strong>de</strong> seu criador. Ou seja, um<br />
blog <strong>de</strong> cunho científico apresenta, via <strong>de</strong> regra, uma linguagem <strong>de</strong> acordo com<br />
o tema abordado e o público leitor. Já um blog criado por um adolescente<br />
retrata uma linguagem com um código bastante particular, caracterizado por<br />
abreviações e pela utilização <strong>de</strong> novas formas <strong>de</strong> escrever velhos termos,<br />
gerando senão uma imitação, pelo menos uma espécie <strong>de</strong> inovação nas<br />
abreviações outrora existentes. No primeiro caso, temos vocábulos como<br />
beleza, porque, tudo, você, também e não que sofreram drásticas reduções e<br />
passaram a ser escritos, respectivamente, blz, pq, td, vc, tb e ň. No segundo<br />
caso, temos palavras do tipo não, falou, então, até, é e né que, ao contrário das<br />
citadas anteriormente, sofreram acréscimo <strong>de</strong> um elemento em sua forma<br />
original e passaram a ser escritas naum, falow, entaum, ateh, eh, neh 143 .<br />
Mas não parou aí. O uso <strong>de</strong> formas escritas apresentando marcas da<br />
oralida<strong>de</strong> é outro aspecto observado na linguagem utilizada nesse novo<br />
gênero, em especial pelos adolescentes. É bem verda<strong>de</strong> que há aqueles que<br />
escrevem utilizando uma linguagem mais formal, fazendo uso <strong>de</strong> acentos e<br />
pontuação, mas o que predomina é a presença <strong>de</strong> uma escrita abreviada,<br />
aproximada da pronúncia, uma espécie <strong>de</strong> semi-oralida<strong>de</strong>.<br />
Diante <strong>de</strong>sse fato, surge um dilema <strong>de</strong> se corrigir ou não a grafia <strong>de</strong><br />
tais palavras. Segundo o site www.sala<strong>de</strong>aula, alguns professores <strong>de</strong> Língua<br />
Portuguesa <strong>de</strong> colégios <strong>de</strong> São Paulo <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m que a formalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve ser<br />
preservada, uma vez que o conteúdo é acessado pelos mais variados públicos.<br />
Na opinião <strong>de</strong>les, quando se tratar <strong>de</strong> um texto <strong>de</strong> pesquisa, o estilo formal<br />
<strong>de</strong>ve ser preservado. Porém, quando o conteúdo for informal e restrito ao<br />
grupo, a escrita utilizada po<strong>de</strong> ser a que apresenta as particularida<strong>de</strong>s do texto<br />
cibernético. Na visão do lingüista Bagno, os adolescentes <strong>de</strong>vem expressar-se<br />
livremente, já que não é nesse contexto que eles irão apren<strong>de</strong>r ortografia e<br />
gramática. Para Bagno, o blog nasceu com os jovens e o espaço <strong>de</strong>sse gênero<br />
<strong>de</strong>ve ser reservado para os adolescentes (www.sala<strong>de</strong>aula.com.br). Na opinião<br />
<strong>de</strong> Crystal (2005, p. 92), <strong>de</strong>ve-se ensinar às crianças que as abreviações nas<br />
143 O caso <strong>de</strong> falow foge à regra, uma vez que a palavra não sofreu nem redução nem<br />
acréscimo <strong>de</strong> elemento em seu conjunto. Já o ateh, o eh e o neh passaram a representar o<br />
sinal gráfico do acento com a letra h.<br />
140
mensagens <strong>de</strong> texto, on<strong>de</strong> o espaço é pequeno e a rapi<strong>de</strong>z um fator crítico,<br />
<strong>de</strong>sempenham uma função útil, mas não em outros lugares.<br />
4.3 A abreviação e o suporte <strong>de</strong> gêneros textuais<br />
Partindo do princípio <strong>de</strong> que todo gênero tem um suporte, e <strong>de</strong> que<br />
este <strong>de</strong>termina a distinção que o gênero recebe, achamos imprescindível<br />
<strong>de</strong>finir e analisar, ainda que em linhas gerais, os suportes textuais.<br />
Convém <strong>de</strong>stacar também que, segundo Chartier (1994, 1997), a<br />
leitura que fazemos dos textos é afetada pelo suporte. Isto equivale a dizer que<br />
não lidamos cognitivamente com os textos <strong>de</strong> igual modo em suportes<br />
diversos. Ou seja, embora o conteúdo não seja afetado pelo suporte, contudo a<br />
nossa relação com ele o é. Em outras palavras: a <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r do suporte, um<br />
mesmo texto po<strong>de</strong> ser i<strong>de</strong>ntificado como um gênero diferente. Vejamos o<br />
seguinte texto:<br />
“Marcos, estou com sauda<strong>de</strong>s. Quando pu<strong>de</strong>r, me liga. Te amo. Meu novo<br />
número é 81 3241 5678. Fabiana”<br />
Se colocado em cima do bureau da referida pessoa (Marcos), o texto<br />
po<strong>de</strong> ser lido como um bilhete; se recebido pela secretária eletrônica, passa a<br />
ser um recado; entregue em formulário próprio pelos correios, é um telegrama;<br />
já em um outdoor, po<strong>de</strong> ser interpretado como uma <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> amor. Como<br />
afirma Marcuschi (2003), o conteúdo não muda, mas o gênero é sempre<br />
i<strong>de</strong>ntificado na relação com o suporte.<br />
Iremos pesquisar neste capítulo se os gêneros têm preferências, não<br />
se manifestando na indiferença a suportes. Ou seja, se o gênero exige um<br />
suporte especial. Assim, buscaremos respon<strong>de</strong>r se os suportes interferem ou<br />
não na forma <strong>de</strong> interpretar, compreen<strong>de</strong>r os conteúdos expressos nos<br />
gêneros.<br />
141
4.3.1 Definição<br />
Embora seja ainda embrionária a discussão acerca dos suportes<br />
textuais, sabemos que a <strong>de</strong>finição a ser adotada não <strong>de</strong>ve ser aquela<br />
registrada nos dicionários: DOC base física (<strong>de</strong> qualquer material, como papel,<br />
plástico, ma<strong>de</strong>ira, tecido, filme, fita magnética etc) na qual se registram<br />
informações impressas, manuscritas, fotografadas, gravadas etc (HOUAISS,<br />
2001, p. 2643).<br />
Marcuschi (2003) enten<strong>de</strong> como suporte <strong>de</strong> um gênero textual “um<br />
lócus físico ou virtual com formato específico que serve <strong>de</strong> base ou ambiente<br />
<strong>de</strong> fixação do gênero materializado como texto”. Para ele, suporte <strong>de</strong> um<br />
gênero é “uma superfície física em formato específico que suporta, fixa e<br />
mostra um texto” 144<br />
Segundo esse autor, o suporte não <strong>de</strong>ve ser confundido com o<br />
contexto nem com a situação, nem com o canal em si, nem com a natureza do<br />
serviço prestado. Vejamos a seguir um exemplo que diferencia gênero <strong>de</strong><br />
suporte e outros. Escolhemos a carta pessoal para ilustrar a ca<strong>de</strong>ia que é<br />
estabelecida num contínuo nem sempre discreto:<br />
Carta pessoal (GÊNERO) papel-carta(SUPORTE) tinta (MATERIAL DA ESCRITA) <br />
correios (SERVIÇO DE TRANSPORTE)...<br />
Marcuschi lembra ainda que o suporte não é neutro e que o gênero não<br />
fica indiferente a ele. Por exemplo, não é qualquer gênero que aparece num<br />
outdoor, pois esse é um suporte para certos gêneros, afirma ele. O suporte,<br />
ressalta o autor, é imprescindível para que o gênero circule na socieda<strong>de</strong> e<br />
<strong>de</strong>ve ter alguma influência na natureza do gênero suportado.<br />
4.3.2 Categorias <strong>de</strong> suportes textuais<br />
144 Ao afirmar que um suporte é uma superfície fixa, estamos supondo que ele <strong>de</strong>ve ser algo<br />
real; dizer que ele tem um formato específico é admitir que os suportes não são informes nem<br />
uniformes; por fim, assegurar que o suporte serve para fixar e mostrar o texto implica associar<br />
a ele a função básica <strong>de</strong> fixar o texto, tornando-o acessível para fins comunicativos.<br />
142
Em princípio, toda superfície física po<strong>de</strong> funcionar como suporte. Prova<br />
disso é que na antiguida<strong>de</strong> a circulação <strong>de</strong> textos escritos nos chegava em<br />
suportes textuais os mais variados: iniciaram nas pare<strong>de</strong>s interiores <strong>de</strong><br />
cavernas, nos vasos <strong>de</strong> barro, túmulos, pedrinhas, tabuletas, no papiro,<br />
pergaminho, papel 145 e, mo<strong>de</strong>rnamente, nos outdoors e ambiente virtual da<br />
Internet.<br />
4.3.3 Suportes convencionais<br />
Entendam-se por suportes convencionais, típicos ou característicos<br />
aqueles que foram <strong>de</strong>senhados com a função específica <strong>de</strong> serem suportes.<br />
Com base nessa <strong>de</strong>finição, passemos a alguns <strong>de</strong>sses suportes e suas<br />
características:<br />
a) Livro: é um suporte maleável, com formatos <strong>de</strong>finidos pela própria condição<br />
em que se apresenta (capa, páginas, enca<strong>de</strong>rnação etc.). Comporta os mais<br />
diversos gêneros que se queira, ou em outros casos um só gênero.<br />
b) Jornal: todos concordamos que é um suporte com muitos gêneros (cartas<br />
do leitor, anúncios fúnebres, previsões meteorológicas, horóscopo, notícias,<br />
editoriais, charges etc).<br />
c) Telefone: trata-se aqui <strong>de</strong> um suporte para gêneros orais (também escritos,<br />
no caso do telefone celular, que comporta as mensagens <strong>de</strong> texto).<br />
d) Tela do computador: suporte dos gêneros digitais (e-mail, blog, chat etc.),<br />
tem sido preterida por uns, em geral amantes do livro, e preferida por outros,<br />
marujos do oceano cibernético.<br />
4.3.4 Suportes inci<strong>de</strong>ntais<br />
145<br />
A folha <strong>de</strong> papel é o suporte mais comum <strong>de</strong> todos e, no nosso caso, é o suporte utilizado<br />
para as cartas manuscritas e diários.<br />
143
Os suportes inci<strong>de</strong>ntais são assim <strong>de</strong>nominados por serem meios<br />
casuais e que emergem em situações especiais ou até mesmo corriqueiras.<br />
Sendo assim, ao falarmos em suporte no sentido estrito, referimo-nos aos<br />
convencionais (supracitados) e não aos inci<strong>de</strong>ntais. Vejamos alguns exemplos:<br />
a) Pára-choques e pára-lamas <strong>de</strong> caminhão: é um suporte <strong>de</strong> gêneros<br />
especiais como frases e provérbios;<br />
b) Roupas: embora não traga <strong>de</strong> maneira sistemática textos, as camisetas são<br />
suportes <strong>de</strong> gêneros vários como provérbios, poemas, canções, propagandas;<br />
c) Corpo humano: apesar <strong>de</strong> não ser um suporte convencional, cada vez mais<br />
vem aumentando o uso <strong>de</strong> textos curtos, tatuagens e slogans como formas <strong>de</strong><br />
protestos;<br />
d) Pare<strong>de</strong>s: aqui generalizamos todo tipo <strong>de</strong> pare<strong>de</strong> (casas, edifícios,<br />
<strong>universida<strong>de</strong></strong>s etc). Muitas vezes ocorre uma superposição, por abrigarem em<br />
si outros tipos <strong>de</strong> suportes (um quadro <strong>de</strong> avisos, por exemplo);<br />
e) Muros: ainda que não tenham sido convencionados para a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
suporte, os muros têm a cada dia registrado um crescente aumento no que diz<br />
respeito ao número <strong>de</strong> gêneros nele ancorados (propagandas, inscrições,<br />
publicida<strong>de</strong>s e pichações).<br />
Quanto à criação/utilização <strong>de</strong> novos suportes para a escrita, Xavier<br />
(2002, p.92) afirma que estes<br />
4.3.5 Serviços<br />
Operam, fundamentalmente, sob a égi<strong>de</strong> da soma sinérgica e<br />
não sob a lógica da substituição ou subtração absoluta <strong>de</strong> uma<br />
pela outra. A existência concomitante por séculos do papiro e<br />
do pergaminho, assim como do pergaminho com o livro<br />
impresso ilustram muito bem isso. A tecnologia <strong>de</strong><br />
“escrituração” mais viável do ponto <strong>de</strong> vista técnico, econômico<br />
e social ten<strong>de</strong> a prevalecer como tecnologia mais eficaz para<br />
um dado momento histórico.<br />
144
Os exemplos aqui arrolados não <strong>de</strong>vem ser classificados em suportes<br />
convencionais nem tampouco em suportes inci<strong>de</strong>ntais. Trata-se <strong>de</strong> casos <strong>de</strong><br />
serviços em função da ativida<strong>de</strong> comunicativa:<br />
• Correios: é mais um meio <strong>de</strong> transporte ou um serviço que um suporte;<br />
• Mala-direta: no geral veicula gêneros diversos, tanto da publicida<strong>de</strong> quanto<br />
da <strong>comunicação</strong> entre empresas e clientes <strong>de</strong>stas;<br />
• Software: tratado por uns como suporte, por outros como gênero, na função<br />
<strong>de</strong> correio eletrônico o e-mail é um serviço que engloba os mais variados<br />
gêneros (propagandas, ofícios, bilhetes, cartas comerciais, relatórios etc.).<br />
Apresentada a distinção entre tipo e gênero textual, e feita a <strong>de</strong>scrição<br />
minuciosa <strong>de</strong> cada gênero aqui trabalhado, apresentaremos a seguir o capítulo<br />
referente à análise dos dados.<br />
145
CAPÍTULO 5<br />
ANÁLISE DOS DADOS<br />
Vimos, nos capítulos prece<strong>de</strong>ntes, a origem e a tradição das<br />
abreviações, a sua relação com as tecnologias manuscrita, impressa e digital; o<br />
suporte (o papel, o computador, o telefone celular) e os gêneros textuais, bem<br />
como a influência <strong>de</strong> fatores sociointerativos, estruturais e sociais, quanto ao<br />
maior ou menor uso <strong>de</strong>las por parte dos que as utilizam.<br />
Resta-nos agora uma discussão acerca da atuação <strong>de</strong>sses fatores em<br />
conjunto, a fim <strong>de</strong> melhor compreen<strong>de</strong>rmos como se dá, nos dias atuais, a<br />
ocorrência da abreviação nos gêneros por nós aqui estudados, quais sejam: email,<br />
SMS e blog, além dos tradicionais (diários e cartas), tentando traçar uma<br />
ponte entre as abreviações do século em que estamos, XXI, com as <strong>de</strong> séculos<br />
anteriores, XVIII, XIX, XX. Visando obter uma melhor compreensão do<br />
fenômeno em estudo, a apreciação dos dados foi feita primeiro com as<br />
variáveis sociointerativas, <strong>de</strong>pois com as variáveis estruturais e, por último,<br />
com as sociais. Contudo, essa or<strong>de</strong>m não é inalterável ou a mais indicada,<br />
apenas uma forma <strong>de</strong> tornar menos extensa e intrincada a leitura. Passemos,<br />
pois, à análise propriamente dita.<br />
146
• Das variáveis sociointerativas<br />
1. Gênero:<br />
Dentre todas as variáveis aqui analisadas e por nós classificadas como<br />
sociointerativas, essa foi a que <strong>de</strong>monstrou exercer maior influência quanto ao<br />
uso acentuado ou não <strong>de</strong> abreviações. Conforme havíamos mencionado no<br />
início <strong>de</strong>ste trabalho, selecionamos 5 (cinco) gêneros para compor o material a<br />
ser analisado, a saber: carta, e-mail, diário, blog e SMS. Quisemos com essa<br />
escolha traçar um paralelo entre os gêneros emergentes e as suas<br />
contrap<strong>artes</strong>. Dessa forma, pusemos o e-mail ao lado da carta tradicional, visto<br />
que aquele compartilha semelhanças com essa, <strong>de</strong>ntre elas: abertura,<br />
saudação e fechamento 146 ; o blog, como alguns afirmam e o próprio nome diz,<br />
em muito lembra o diário tradicional: nele, o autor registra diariamente os fatos<br />
que ocorrem em sua vida, ainda que alguns não mereçam <strong>de</strong>staque;<br />
finalmente, o SMS, gênero da telefonia digital, que <strong>de</strong>spertou interesse pelo<br />
tema <strong>de</strong>sta tese. Po<strong>de</strong>ríamos abarcar outros tantos gêneros, mas <strong>de</strong>vido ao<br />
caráter da pesquisa, restringimo-nos aqui aos anteriormente citados,<br />
consi<strong>de</strong>rando-os como uma amostra suficiente para nosso estudo. Afinal, como<br />
afirma Bakhtin (1992), “à medida que a esfera da ativida<strong>de</strong> humana se<br />
<strong>de</strong>senvolve e fica mais complexa, o repertório <strong>de</strong> gêneros do discurso vai<br />
diferenciando-se e ampliando-se”. Po<strong>de</strong>mos adiantar, contudo, citando aqui as<br />
palavras <strong>de</strong> Rodrigues (2005, p.166), que<br />
Cada gênero tem seu campo predominante <strong>de</strong> existência (seu<br />
cronotopos), on<strong>de</strong> é insubstituível, não suprimindo aqueles já<br />
existentes. Por exemplo, o romance polifônico não acabou nem<br />
limitou a existência <strong>de</strong> outras variantes <strong>de</strong> romance, o e-mail<br />
pessoal não extinguiu a carta, o comentário e o artigo (artigo<br />
assinado) não excluíram o editorial, o telefonema não acabou<br />
com a existência da conversa. Cada novo gênero aumenta e<br />
influencia os gêneros <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada esfera e o seu<br />
<strong>de</strong>saparecimento se dá pela ausência das condições<br />
sociocomunicativas que o engendraram (por exemplo, a<br />
conversa <strong>de</strong> salão).<br />
146 Convém ressaltar que outros autores, a exemplo <strong>de</strong> Vera Lúcia Menezes <strong>de</strong> Oliveira e<br />
Paiva, percebem no e-mail traços comuns a outros gêneros como o memorando, o bilhete, a<br />
conversa face a face e a interação telefônica (MARCUSCHI, L. A. & XAVIER, A.C, p. 2004).<br />
147
Os resultados obtidos para essa variável apontam a carta 147 e o blog<br />
como os dois maiores responsáveis pela produção <strong>de</strong> abreviações, seguidos<br />
do SMS, e-mail e diário. Vale ressaltar, porém, que as cartas são as primeiras<br />
colocadas por estarem situadas em um período em que a tradição das<br />
abreviações ainda era muito forte, séculos XVIII e XIX 148 , embora a<br />
necessida<strong>de</strong> precípua <strong>de</strong> economizar o material da escrita já tivesse sido em<br />
muito reduzida com o surgimento do papel. Em segundo lugar, o blog é o<br />
gênero que mais apresenta abreviação em seu texto. Convém lembrar que<br />
esse número aumenta à medida que o autor é <strong>de</strong> uma faixa etária menor, ou<br />
seja, mais jovem. O gênero SMS, terceiro na quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> abreviações, é<br />
utilizado por falantes jovens e adultos, <strong>de</strong> ambos os sexos, e também por<br />
empresas. O fator <strong>de</strong>cisivo para a presença <strong>de</strong> abreviações nesse gênero é a<br />
quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> caracteres permitida ao usuário por mensagem enviada. Embora<br />
em menor número, os SMS’s empresariais também lançam mão <strong>de</strong><br />
abreviações nas mensagens en<strong>de</strong>reçadas aos seus clientes. O último gênero<br />
da lista, o diário tradicional, tem duas razões, a priori, para fazer uso <strong>de</strong><br />
abreviações: primeiro, manter em segredo alguns nomes e/ou fatos que não<br />
<strong>de</strong>vem ser <strong>de</strong> conhecimento público; a segunda, semelhante aos manuscritos<br />
em pergaminho, está ligada ao espaço oferecido pelo papel no qual o autor faz<br />
suas anotações. Vejamos a seguir o primeiro gênero analisado e seu<br />
comportamento no processo <strong>de</strong> abreviação:<br />
A CARTA<br />
Conforme po<strong>de</strong>mos observar na Carta 01, a seguir, o número <strong>de</strong><br />
abreviações utilizadas em cartas do século XVIII é bastante consi<strong>de</strong>rável,<br />
chegando a apresentar abreviações <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a saudação (ex.: Snor’), ao longo <strong>de</strong><br />
toda a mensagem, se esten<strong>de</strong>ndo até o fechamento. Fato interessante e que<br />
merece <strong>de</strong>staque é a presença, muitas vezes, da forma abreviada convivendo<br />
147 De um total <strong>de</strong> 450 cartas, apenas 2 não apresentam abreviações em seu texto, o que<br />
equivale a um percentual <strong>de</strong> 0,44% <strong>de</strong> cartas que não fazem uso <strong>de</strong> abreviações.<br />
148 As cartas do século em que estamos, que foram por nós analisadas (pessoais e oficiais),<br />
apresentam um número resumidíssimo <strong>de</strong> abreviações quando comparadas com as dos<br />
séculos anteriores.<br />
148
com a forma padrão (cf. linhas 7 e 29, respectivamente), ou seja, nãoabreviada,<br />
o que nos permite inferir que não era só a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> abreviar<br />
que levava o autor a escrever <strong>de</strong>ssa forma, mas a tradição ou o puro prazer <strong>de</strong><br />
usar abreviações. Da abertura ao fechamento, usava-se abreviação. Em<br />
algumas cartas, havia casos on<strong>de</strong> sequer uma linha escapava <strong>de</strong>sse processo<br />
<strong>de</strong> redução. Curioso é o fechamento quase categórico nessas cartas: Guar<strong>de</strong><br />
Deus a Vossa Majesta<strong>de</strong> por muitos anos para amparo <strong>de</strong> seus vassalos -<br />
que era escrito da seguinte forma: G<strong>de</strong>. Ds a VMg<strong>de</strong>. Mtos. ans. pa. ampo. <strong>de</strong><br />
seus vassalos. Também o mês e o local eram escritos <strong>de</strong> forma abreviada: Re.<br />
<strong>de</strong> Pernco. 18 <strong>de</strong> Dezro <strong>de</strong> 1703 (em lugar <strong>de</strong> Recife <strong>de</strong> Pernambuco, 18 <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1703). A Carta 02, uma carta ao leitor, traz um número bem<br />
menor <strong>de</strong> abreviações se comparada à Carta 01. Naquela as abreviações se<br />
resumem apenas aos pronomes e formas <strong>de</strong> tratamento. A Carta 03 pertence<br />
ao subgênero carta pessoal e, semelhante à Carta 02, restringe as abreviações<br />
às formas <strong>de</strong> tratamento e a uma forma no fechamento (P.S), além <strong>de</strong> um se<br />
escrito s’. As Cartas 04 e 05, da Bahia e da Paraíba, respectivamente, ambas<br />
do século XIX, são oficiais. Nelas a ocorrência <strong>de</strong> abreviações é visivelmente<br />
maior, sendo possível observar exemplos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a abertura até o fechamento.<br />
A partir <strong>de</strong>sses dados, percebemos uma estreita relação entre o gênero<br />
trabalhado e sua situação sócio-histórica na socieda<strong>de</strong>, visto que a <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r<br />
do contexto, o mesmo gênero po<strong>de</strong> sofrer alterações <strong>de</strong> or<strong>de</strong>ns várias.<br />
149
1703<br />
Carta 01 149 (Oficial)<br />
Corpus do Projeto Textos Brasileiros dos Séculos XVIII e XIX<br />
Pella carta junta veio a conta q’. / <strong>de</strong>raõ a VMg<strong>de</strong>. os oficeaes da camara / <strong>de</strong> Itamca.<br />
das Ruinas do forte <strong>de</strong> Sta. Cruz da mesma Barra . e tendo eu / a mesma noticia,<br />
asssim q’. chegueý a / este governo, fuý ver aquella Fortal = / leza, a qual acheý<br />
acabada na altu = / ra do cordaõ, execpto o Portal, q’. esta = / va ainda por comessar.<br />
Acheý o / Balluarte da parte da Barra . huã / face <strong>de</strong>lle arruinada no chaõ, e a ou = /<br />
tra, quazi na mesma forma; e porq’. / Se me dizia, q’. a Ruina po<strong>de</strong>ria Ser / cauzada<br />
por culpa do impreitro. le = / veý dous mestres pedreiros, pa. ex = / aminarem a da.<br />
obra, e lhe man<strong>de</strong>ý / dar juramto., e or<strong>de</strong>neý ao Provedor / da Fazda. Real <strong>de</strong>sta<br />
cappnia., lhe tomas = / se o Seu <strong>de</strong> poimo., oqual vaý incluzo / com esta, e man<strong>de</strong>ý<br />
<strong>de</strong>rribar o do. Ba / luarte, para Se tornar a levantar logo, e nelle Se anda trabalhando,<br />
por / Ser o q’. tem esta fortalleza mais ne = / cessro. pa. a <strong>de</strong>fença daquella Barra, /<br />
pa. o por capaz <strong>de</strong> nelle po<strong>de</strong>r labo = / rar a arthelharia. O pagamo. <strong>de</strong>s = / ta<br />
ree<strong>de</strong>ficaçaõ, or<strong>de</strong>nará VMg<strong>de</strong>. Se / Se ha <strong>de</strong> fazer por conta da sua Real / fazda. Se<br />
por conta do impreitro. / por q. assim o assenteý com elles, pa. com / brevida<strong>de</strong> Se<br />
acabar esta obra, em q. / Se fica trabalhando com todo o cui = / o cuidado. A<br />
principal cauza da Ru = / ina <strong>de</strong>sta fortalleza foý a incapacida = / <strong>de</strong> do Sitio, emq. Se<br />
fundou e o pouco / fundmo. q’ Se lhe fez, sem gra<strong>de</strong> nem / estacaria, principioandose<br />
os alicerces / em huã area pouco Segura, e com pe = / dra, naõ mto. gran<strong>de</strong>. E Sem<br />
embargo <strong>de</strong> / q’. conci<strong>de</strong>ro alguã culpa ao impreitro. / por naõ fazer <strong>de</strong>ligca. por<br />
segurar melhor / a obra, maýor me parece a dos engenros. / q’. lhe concentiraõ; pois o<br />
impreitro. po = / <strong>de</strong>ria ignorar o como <strong>de</strong>via Segurala. / E os engenros. não <strong>de</strong>vem<br />
concentir em / Semelhantes erros. Mostrando <strong>de</strong> / pois o tempo as Ruinas, q’.<br />
ameaça- / vaõ esta Fortalleza, por cauza do mar / q’. lhe vinha chegando, mandaraõ<br />
os / Engenros. fazer huã pequena ( ilegível ) / ou Arcen, por aquella parte / por on<strong>de</strong> /<br />
o mar a cometia, e vendo eu q’. nem / isto era bastante, pa. a Segurança da / da.<br />
Fortalleza, com o parecer do Sargto. / e os engenros., e <strong>de</strong> alguãs pessoas pra = /<br />
ticas, man<strong>de</strong>ý fazer huã estacada / por fora da fortalleza alguã couza / distante <strong>de</strong>lla,<br />
com quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> / pedra sequa; por ver Se por este / meýo arrimava o Mar a (<br />
ilegível ) para / a parte da Fortalleza, e Livralla <strong>de</strong> / q’. o mar lhe naõ chegasse. e<br />
conforme / as noticias q’. tenho, vaý Surtindo effei / to este Remedio; porq’. me dizem<br />
vaý a = / reando, como queriamos. Com tudo isso / isso, naõ me parece ficar ainda<br />
Segura, / por q’. assim, como o mar arruinou / huã fortalleza <strong>de</strong> pedra, e Cal, milhor /<br />
arruinarâ esta pedra sequa q’. Se lhe / botou, em apodrecendo a estacada, e por<br />
tempos tornarâ a arruinar a / Fortalleza, q’. he Sem duvida, q’. Se o / mar lhe chegar<br />
com força, como fez / no Balluarte arruinado, a arruinarâ / toda; porq’. naõ conhecerlhe<br />
a fir = / meza q’. <strong>de</strong>via ter. O Impreiteýro Se / me <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> com os engenros. e eu Se<br />
/ elles foraõ vivos, lhes tornâra ( ilegível ) culpa. / porq’. Se os fundamos. naó podiaõ<br />
Ser / milhores, escuzàraõ <strong>de</strong> dar principio / a huã Fortalleza taõ gran<strong>de</strong> q’. tem /<br />
custado mais <strong>de</strong> oitenta mil cruzados / e naõ Seý Se Se acabarâ com trinta, Sen / do<br />
bastante pa. aquelle Sitio qual / quer fortalleza <strong>de</strong> mto. menos custo. / Por Se atalhar â<br />
Ruína da da. Fortal = / leza, tenho posto, e poreý todo o cuidado, / e nem a vista do<br />
engenro., nem a mi = / nha lhe faltarâ, Se isto for bastante / pa. Se lhe remediar.<br />
Mo. alta, e Real Pessoa <strong>de</strong> / VMg<strong>de</strong>. g<strong>de</strong>. Des. mtos. ans. pa. ampo. <strong>de</strong> / Seus<br />
vassallos .<br />
Re. <strong>de</strong> Pernco. 18 <strong>de</strong> / Dezro. <strong>de</strong> 1703<br />
149 Os termos abreviados vêm <strong>de</strong>stacados na cor ver<strong>de</strong>.<br />
150
Carta 02 150 (Ao leitor)<br />
Anno XXVII Sabado 4 <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong> 1851. N.3<br />
Correspon<strong>de</strong>ncia.<br />
AO PUBLICO<br />
Acabo <strong>de</strong> ser informado por pessoa <strong>de</strong>/minha intima e sincera amisa<strong>de</strong>, que<br />
Sr./Dr. Pedro Autran da Malta e Albuquerque/acha-se sentido e queixoso contra mim,<br />
por/lhe haverem dito, que uma asquerosa e im-/moral correspon<strong>de</strong>ncia, que em avulso<br />
espa-/lharam contra S. S. Fôra impressa na mi-/nha typographia.<br />
Esta gratuita imputação, he tão inexacta/que me escusaria <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r; mas<br />
para/que tire do Sr. Dr. Autran, que tão traçoei-/ra e vilmente foi offendido, qualquer<br />
juizo/injusto, sem duvida, a meu respeito, <strong>de</strong>s-/afio a esse ou esses calumniadores,<br />
que pro-/vem a vil e baixa imputação. Sinto, que o/sr. Dr. Autran só menos por<br />
momento acre-/ditasse, que um pai <strong>de</strong> familia consentiria/ que em sua typographia se<br />
imprimisse em/avulso que não respeitou o mais sagrado da/familia; sem embrago<br />
<strong>de</strong>sculpo, e peço a S./S., que acreditando na minha sincera pala-/vra, atire para longe<br />
imputação que só ini-/migos meus o fariam acreditar.<br />
Eu vi esse asqueroso avulso – e mal pu-/<strong>de</strong> findar sua leitura, he impresso em<br />
ty-/pographia 10, não sou eu só que tenho typographia;/e para mais convencer peço a<br />
quem quer/que seja esse anonimo, que em honra a ver-/da<strong>de</strong> <strong>de</strong>clare se foi em minha<br />
typographia/impresso o dito avulso.<br />
Tenho regeitado muitos impressos até/contra inimigos politicos, quando nelles<br />
se/involvem a honra ou o sagrado das familias;/a pouco tempo regeitei um impresso<br />
contra/o Sr. Dr. Francisco João Carneiro da Cunha,/e como consentia um contra o Sr.<br />
Dr. Au-/tran, em que não se respeitava a honra nem/amisa<strong>de</strong>?<br />
Para tal não se presta a minha typogra-/phia; e sinto que haja ainda duvida a<br />
res-/peito.<br />
Sou pai <strong>de</strong> familia e sei avaliar o apreço/da honra, peço justiça porque tenho<br />
direito a ella.<br />
Recife, 3 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1851.<br />
Ignacio Bento <strong>de</strong> Layola.<br />
Meo caro Conselheiro.<br />
Carta 3 (Pessoal)<br />
São inexpressiveis os sentimentos <strong>de</strong> meo coração e eu não tenho expressões para<br />
manifestar lhe os meos agra<strong>de</strong> cimentos. Aqui chegou meo marido que narrou me a<br />
conferencia que teve com Vossa Excelencia e outra cousa eu não tinha á esperar <strong>de</strong><br />
sua antiga amiza<strong>de</strong>, que nos lisongeamos <strong>de</strong> saber retribuir. No dia 31 seguiremos<br />
para sua heroica provincia aon<strong>de</strong> espero receber e comprir fielmente suas or<strong>de</strong>ns. Alli,<br />
como em qualquer lugar, bencinho será sempre um dos seos mais <strong>de</strong>- dicados amigos<br />
e leal soldado, eu só lhe peço que veja em mim a personificação da— gratidão. O<br />
nosso amigo Doutor Guimarães lh’entregará um pequeno volume com charutinhos <strong>de</strong><br />
fumo que colhi no meo quintal: queria <strong>de</strong>sculpar-me. Abraço lhe com muitas sauda<strong>de</strong>s<br />
e amiza<strong>de</strong>, á Sinhá e as meninas sua amiguinha sempre.<br />
Maria Constança.<br />
27 <strong>de</strong> Dezembro <strong>de</strong> 1888.<br />
Bencinho não lhe escreve porque está fóra.<br />
P.S.Não s’esqueça do Daltro.<br />
150<br />
Os termos abreviados nas cartas 2 e 3 vêm <strong>de</strong>stacados em azul claro e ver<strong>de</strong> escuro,<br />
respectivamente.<br />
151
Carta 4 151 (Oficial)<br />
151 Os termos abreviados na carta 4 vêm sublinhados, semelhantemente à carta 5 a seguir.<br />
152
Carta 5 (Oficial)<br />
Fato curioso, e que nos chamou a atenção, é a diferença visível quanto<br />
ao número <strong>de</strong> abreviações existentes nas cinco cartas aqui exemplificadas. A<br />
título <strong>de</strong> exemplo, <strong>de</strong>stacamos as cartas 2 e 3 como aquelas que pouco ou<br />
quase nenhum uso <strong>de</strong> abreviações fazem, embora sejam ambas do século<br />
XIX, período em que estão situadas também as cartas 4 e 5. Ávidos por<br />
<strong>de</strong>scobrirmos o(s) fator(es) responsáveis por tal diferença, observamos que<br />
aquelas, cartas 2 e 3, além <strong>de</strong> impressas, têm o jornal como suporte; enquanto<br />
153
as cartas 1, 4 e 5 são manuscritas e utilizam o papel carta como suporte.<br />
Assim, <strong>de</strong>cidimos analisar, a seguir, a influência ou não <strong>de</strong>sses suportes<br />
utilizados (jornal, papel carta, tela do computador, entre outros), bem como a<br />
tecnologia predominante (manuscrita, impressa etc), a fim <strong>de</strong> atribuirmos a<br />
esses fatores o peso que lhes cabe no uso <strong>de</strong> abreviações.<br />
O BLOG<br />
Dentre os gêneros digitais aqui tratados, o blog foi o que mais uso fez<br />
<strong>de</strong> abreviações ao longo do texto. Seja para ganhar habilida<strong>de</strong> na hora <strong>de</strong><br />
exercer a escrita eletrônica, seja para <strong>de</strong>limitar a linguagem <strong>de</strong> um grupo (a<br />
exemplo das gírias), ou mesmo por qualquer outra razão, o fato é que, quando<br />
pessoal e <strong>de</strong> autoria <strong>de</strong> jovens, principalmente, a abreviação é algo intrínseco<br />
ao texto produzido pelos usuários <strong>de</strong>sse gênero. Vale salientar que, pelo fato<br />
<strong>de</strong> serem os <strong>de</strong> cunho pessoal, cujos autores são jovens, os que mais<br />
abreviações apresentam, os <strong>de</strong>mais (blogs oficiais/públicos) não estão<br />
excluídos, tampouco aqueles cujos autores são adultos. Há apenas uma<br />
redução no que diz respeito ao uso das abreviações, fato que parece estar<br />
ligado a razões do tipo <strong>de</strong>sconhecimento por parte do usuário, ou ainda, opção<br />
por escrever sem abreviar, principalmente aqueles que primam por uma maior<br />
clareza do texto. Conforme revela o Blog 01, abaixo, (Blog –<br />
www.sistersss.zip.net), a blogueira 152 , Ig utiliza abreviações em todo o seu<br />
texto, não restando uma linha sequer sem registrar a ocorrência <strong>de</strong>sse recurso<br />
da língua.<br />
No site www.comunida<strong>de</strong>brasileira, encontramos um comentário a<br />
respeito das abreviações utilizadas no gênero blog que afirma estarem os<br />
jovens inaugurando uma nova Língua Portuguesa, bizarra, e só compreensível<br />
entre os integrantes <strong>de</strong> galeras. Segundo esse site, os jovens tentam<br />
reproduzir na escrita nuances possíveis apenas na fala. Dentre as abreviações<br />
encontradas, algumas já estão cristalizadas e outras, como fze por fazer, aos<br />
poucos vão se inserindo no léxico do blogueiro.<br />
152 Esse termo refere-se ao autor <strong>de</strong> páginas <strong>de</strong> blog.<br />
154
Segundo Marcuschi (2002), “quando dominamos um gênero textual,<br />
não dominamos uma forma lingüística e sim uma forma <strong>de</strong> realizar<br />
lingüisticamente objetivos específicos em situações sociais particulares”. É o<br />
que fazem as autoras supracitadas quando a<strong>de</strong>quam/moldam a sua linguagem<br />
ao gênero por elas utilizado, a fim <strong>de</strong> se i<strong>de</strong>ntificarem naquela comunida<strong>de</strong> (no<br />
caso, a dos blogueiros).<br />
BLOG 1<br />
A típica frase do diário tradicional “Querido diário” está, não tão<br />
lentamente, sendo substituída por registros os mais variados possíveis<br />
155
encontrados no seu gênero correlato, o blog. Entretanto, algumas das<br />
parafernálias que compunham o cenário do diário tradicional, entre elas<br />
figurinhas, fotos e outros, mantêm seu lugar garantido nas páginas eletrônicas<br />
dos blogs, como po<strong>de</strong> ser visto acima.<br />
O SMS<br />
Embora não tenhamos dados que comprovem a estreita relação que há<br />
entre esse gênero e o telegrama,<br />
vimos neste o correlato do SMS, que<br />
funciona como as primeiras<br />
mensagens telegrafadas: curtas e<br />
com abreviações para<br />
representar palavras e sinais. A<br />
propósito, no telegrama colocava-se<br />
um “h” no lugar do acento agudo (ex. é<br />
⇒ eh); escrevia-se “vg” em<br />
lugar <strong>de</strong> vírgula; “pf” no lugar <strong>de</strong><br />
um ponto, e o “vão” virava “vaum”,<br />
visando à economia <strong>de</strong> palavras<br />
que, necessariamente,<br />
implicava economia <strong>de</strong><br />
dinheiro 153 . Conforme já aludido,<br />
esse gênero impõe àquele que <strong>de</strong>le faz uso, um número restrito <strong>de</strong> caracteres<br />
(letras e sinais) que varia <strong>de</strong> 150 a 160. Dessa forma, caso o conteúdo a ser<br />
escrito seja longo, restará ao que escreve a opção <strong>de</strong> escrever<br />
abreviadamente, ou enviar mais <strong>de</strong> uma mensagem, o que implicará gastar<br />
mais tempo e pagar mais dinheiro pelo número <strong>de</strong> mensagens enviadas. Aqui<br />
também não há, ainda, uma padronização quanto à forma abreviada, variando<br />
esta <strong>de</strong> autor para autor e, às vezes, no próprio autor. É o caso <strong>de</strong> você,<br />
também, que, beijo, que ora aparecem abreviadas ora escritas na forma<br />
153 (SANTOS, 2005).<br />
156
padrão. É bem verda<strong>de</strong> que já existem listas <strong>de</strong> abreviaturas mais utilizadas<br />
pelos internautas (cf. Quadro 4) nesse e em outros gêneros afins. Resta-nos<br />
tão-somente familiarizar-nos com elas e navegar no ciberespaço. A SMS acima<br />
traz abreviadamente a seguinte mensagem: Kd vc q ñ ligô?Bjs., que escrita na<br />
forma tradicional (melhor dizendo, em outro gênero) seria: Cadê você que não<br />
ligou? Beijos. É visível a economia que o usuário <strong>de</strong>sse gênero faz ao utilizarse<br />
<strong>de</strong> uma escrita que mostra traços próprios da oralida<strong>de</strong>, ao buscar escrever<br />
da forma como se pronuncia, dispensando não raras vezes o uso <strong>de</strong> vogais,<br />
semelhante à escrita semítica.<br />
O E-MAIL<br />
Este foi o quarto, <strong>de</strong>ntre os gêneros aqui estudados, a apresentar<br />
abreviação em seus textos. Por tratar-se <strong>de</strong> um gênero virtual, cuja escrita<br />
apresenta um hibridismo entre o oral e a escrita, fica visível a presença <strong>de</strong><br />
abreviações ao longo <strong>de</strong> suas mensagens, principalmente aquelas que já estão<br />
praticamente enraizadas no léxico dos internautas. De modo semelhante aos<br />
<strong>de</strong>mais gêneros virtuais, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se ter aqui uma escrita síncrona,<br />
bastando que ambos estejam on-line, como nos chats, faz com que haja uma<br />
maior rapi<strong>de</strong>z no ato <strong>de</strong> escrever, a fim <strong>de</strong> manter uma aparente sintonia com o<br />
<strong>de</strong>stinatário, no que diz respeito ao tempo gasto para se respon<strong>de</strong>r a um email.<br />
É bom lembrar que, quanto mais tempo conectado à re<strong>de</strong>, maiores serão<br />
os gastos com o serviço <strong>de</strong> telefonia, ao menos nos casos em que não se<br />
dispõe do serviço <strong>de</strong> conexão a cabo. Esse fator po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>cisivo na hora <strong>de</strong><br />
se usar abreviação, visando à economia <strong>de</strong> tempo. Vejamos o exemplo a<br />
seguir:<br />
157
E-mail 01<br />
Data: Sun, 17 Apr 2005 21:18:20 -0300 (ART)<br />
De: Ver <strong>de</strong>talhes do contato<br />
Assunto: fotos<br />
Para: "fabiana souza silva"<br />
vixe!!! tomara mesmo q. vc. ou vcs. venham, vou adorar!!!!!!!!!!!!!! menina, mas<br />
q. historia foi aquela c.fulano??!! estou besta!!vais continuar c. ele assim mesmo?? já<br />
disse a Bet??bom, mas acho q. vc. conseguirá administar com sua ironia e seu humor<br />
refinado.aH!! q. historia eh essa <strong>de</strong> sucesso meu aqui? quem te disse isso? fiquei<br />
curiosa.teve um bom domingo??eu tive um otimo fim <strong>de</strong> semana, sozinha a minha<br />
moda, cinema, praia, um dvd, papos c. a família 154 .<br />
um beijão<br />
O DIÁRIO 155<br />
154<br />
Aqui, o informante reduz as formas que, você, vocês e com a, respectivamente, q, vc, vcs e<br />
c.<br />
155<br />
Os termos abreviados vêm sublinhados em outra cor.<br />
158
Como mencionado anteriormente, esse gênero, o último aqui<br />
relacionado, faz uso das abreviações em dois momentos: quando da<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> manter sob sigilo <strong>de</strong> outrem termos, nomes, expressões e<br />
outros que só convêm ao autor saber <strong>de</strong> que se trata; ou ainda, quando o<br />
espaço físico <strong>de</strong>ixado pela página na qual serão registrados os fatos daquele<br />
dia obriga o autor a resumir a narrativa como um todo, ou se optar pela<br />
<strong>de</strong>scrição minuciosa, ali escrever as palavras <strong>de</strong> forma abreviada (ver<br />
18/09/05, acima). Esses são os principais fatores responsáveis pela existência<br />
da abreviação nesse gênero. Po<strong>de</strong>-se registrar hoje um maior número <strong>de</strong><br />
abreviações no diário tradicional por influência, talvez, da escrita abreviada que<br />
se usa no meio digital. Assim, o autor faria uma simples transferência <strong>de</strong><br />
código, utilizando o “internetês” no lugar do código comum, a língua “indicada”<br />
pelos gramáticos.<br />
A fim <strong>de</strong> melhor visualizarmos a ocorrência da abreviação em cada um<br />
dos gêneros supracitados, apresentamos abaixo um gráfico que revela, em<br />
termos <strong>de</strong> porcentagem, a relação entre o fenômeno em estudo e o gênero<br />
tratado:<br />
100<br />
90<br />
80<br />
70<br />
60<br />
50<br />
40<br />
30<br />
20<br />
10<br />
0<br />
Gráfico 01<br />
A abreviação e os gêneros<br />
Cartas E-mail Blog Diário SMS<br />
159
O Gráfico 01 acima aponta a carta como o gênero responsável pelo<br />
maior uso <strong>de</strong> abreviações em seu texto, 98,93%. Em segundo lugar, vem o<br />
blog, com 70%; o SMS fica em terceiro com 65%; em quarto, o e-mail com 50%<br />
e, por último, o diário, com 33% <strong>de</strong> aplicação <strong>de</strong> abreviações. Um dado crucial<br />
que não po<strong>de</strong> ser esquecido é o período 156 em que estão situados esses<br />
textos. Esse fator é aqui <strong>de</strong>terminante quanto ao maior uso <strong>de</strong> abreviações no<br />
gênero. Ou seja, no gráfico exibido há um cruzamento <strong>de</strong> dados, no qual a<br />
carta só obteve esse percentual por estar situada nos séculos XVIII e XIX 157 ,<br />
quando ainda predominava o uso <strong>de</strong> abreviações nesse gênero. Afinal, a<br />
variação cultural, como diz Marcuschi (2002), <strong>de</strong>ve trazer conseqüências<br />
significativas para a variação <strong>de</strong> gêneros. Não po<strong>de</strong>mos, pois, <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rar<br />
esse dado, a fim <strong>de</strong> evitarmos um falseamento nos resultados.<br />
2.O estilo<br />
Para Bakhtin (1992), o estilo está indissoluvelmente ligado ao<br />
enunciado e a formas típicas <strong>de</strong> enunciados, isto é, aos gêneros do discurso.<br />
Segundo o autor, todo enunciado possui um estilo individual, mais perceptível<br />
em uns gêneros (os literários, por exemplo) e menos em outros (documentos<br />
oficiais), que requerem formas padronizadas. Na opinião <strong>de</strong>le, as palavras<br />
evocam uma profissão, um gênero, uma época, um grupo social e um<br />
“contexto” ou “contextos” on<strong>de</strong> vivem. Também Possenti (2001, p.245)<br />
assegura que certas escolhas 158 são condicionadas uniformemente pelas<br />
circunstâncias. Assim, afirma o autor, o léxico utilizado por alguém que atinge<br />
seu <strong>de</strong>do com um martelo não é o mesmo quando esse tem anunciada a morte<br />
<strong>de</strong> sua mãe.<br />
Partindo <strong>de</strong>ssa premissa, dividimos os textos em formais e informais, e<br />
obtivemos os seguintes resultados: aqueles que utilizam um estilo mais<br />
elaborado, rebuscado, apresentam menos abreviações em sua escrita; ao<br />
156 Se <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rarmos esse fator, teremos um falseamento nos resultados.<br />
157 Vale salientar que esses valores in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m da porção textual.<br />
158 Essas escolhas referem-se ao estilo adotado.<br />
160
passo que os <strong>de</strong> estilo mais espontâneo, distenso, são <strong>de</strong>tentores <strong>de</strong> mais<br />
abreviações. Segundo Possenti (2001, p.244):<br />
Mesmo sem nenhuma pretensão estética, a forma redobra o<br />
conteúdo: isto é, para assuntos triviais, uma forma informal,<br />
para assuntos mais “elevados”, uma forma socialmente mais<br />
valorizada.<br />
Aqui também cabe uma ressalva quanto aos números revelados: no<br />
gênero carta, mesmo aquelas que primam por um estilo padrão, o uso das<br />
abreviações in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse fator. Como afirmou Bakhtin (op.cit.), as<br />
mudanças históricas dos estilos da língua são indissociáveis das mudanças<br />
que se efetuam nos gêneros do discurso.<br />
Nos <strong>de</strong>mais gêneros, a ocorrência da abreviação está diretamente<br />
ligada ao estilo, ou seja, quanto mais informal, mais abreviação, e o inverso<br />
também. Segundo Bakhtin, as variações estilísticas possuem natureza social e<br />
não individual, refletindo as tendências sociais <strong>de</strong> uma época e <strong>de</strong> um grupo<br />
social. Para o autor, o estilo é pelo menos duas pessoas ou, mais<br />
precisamente, uma pessoa mais seu grupo social na forma <strong>de</strong> seu<br />
representante autorizado, o ouvinte – o participante constante na fala interior e<br />
exterior <strong>de</strong> uma pessoa (p.13). Também é Bakhtin quem afirma que<br />
selecionamos as palavras em função da pessoa do interlocutor, e esta: variará<br />
se se tratar <strong>de</strong> uma pessoa do mesmo grupo social ou não, se esta for inferior<br />
ou superior na hierarquia social, se estiver ligada ao locutor por laços sociais<br />
mais ou menos estreitos (pai, mãe, marido etc). Para o autor, selecionamos as<br />
palavras segundo as especificida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> um gênero. Com base nessa assertiva,<br />
inferimos que, a <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r do gênero, tem-se um maior ou menor grau <strong>de</strong><br />
formalida<strong>de</strong> e, conseqüentemente, maior ou menor número <strong>de</strong> abreviações.<br />
Vejamos como se dá o uso da abreviação quando cruzado com a variável<br />
estilo:<br />
161
100<br />
80<br />
60<br />
40<br />
20<br />
0<br />
Gráfico 2<br />
Abreviação e Estilo<br />
Diário Blog Carta SMS E-mail<br />
Formal<br />
Informal<br />
Como <strong>de</strong>monstra o Gráfico 2, o processo <strong>de</strong> abreviação está ligado ao fator<br />
estilo, sendo o informal favorável ao surgimento <strong>de</strong>le, enquanto o formal, <strong>de</strong><br />
certa maneira, inibe o uso <strong>de</strong> abreviações. A explicação parece estar ligada ao<br />
valor que alguns termos lingüísticos recebem quando avaliados socialmente.<br />
Possenti citando Gumperz (1968, p.220) diz que:<br />
Uma escolha do indivíduo entre alternativas possíveis num<br />
evento lingüístico particular po<strong>de</strong> revelar seu passado familiar e<br />
sua pretensão social, po<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificá-lo... como polido,<br />
grosseiro...e po<strong>de</strong> mesmo indicar se ele quer parecer amistoso<br />
ou distante, familiar ou diferente, superiosr ou inferior.<br />
Segundo afirma Possenti (2001, p.231), certas formas lingüísticas são<br />
consi<strong>de</strong>radas mais ou menos elegantes, mais ou menos chulas, mais ou<br />
menos poéticas, mais ou menos exatas. No caso em estudo, a abreviação é<br />
consi<strong>de</strong>rada <strong>de</strong>selegante em um texto formal.<br />
Pelos resultados obtidos, os gêneros e-mail, blog, SMS e diário<br />
apresentam um número maior <strong>de</strong> abreviações quando o estilo utilizado é o<br />
informal. Aqui mais uma vez o gênero carta não apenas foge a essa regra, mas<br />
vai <strong>de</strong> encontro a ela: aquelas cujo texto era escrito em um estilo formal<br />
apresentam mais abreviações que as elaboradas em estilo informal. De novo o<br />
fator época é <strong>de</strong>cisivo no que tange à ocorrência ou não <strong>de</strong> abreviações.<br />
162
Segundo Bakhtin, cada época e cada grupo social têm seu repertório <strong>de</strong> formas<br />
<strong>de</strong> discurso na <strong>comunicação</strong> socioi<strong>de</strong>ológica. Aplicamos essa afirmação ao uso<br />
acentuado <strong>de</strong> abreviações nos séculos XVIII e XIX. A seguir, apresentamos<br />
exemplos <strong>de</strong> cada gênero trabalhado nos dois estilos, formal e informal.<br />
Vejamos:<br />
1731<br />
CARTA 6: Estilo Formal<br />
Corpus do Projeto Textos Brasileiros dos Séculos XVIII e XIX<br />
Snr’.<br />
Pella frota <strong>de</strong>ste anno <strong>de</strong>i conta aVMg<strong>de</strong>. / dos excessos e <strong>de</strong>mazias <strong>de</strong>q’<br />
uzava D. Antonio / Domingos camaraõ Gouernador dos Indios pa. q’/ Sendo VMag<strong>de</strong>.<br />
seruido mandasse <strong>de</strong>uaçar do Seu / proçedimento pello Ouuidor <strong>de</strong>sta capitania.<br />
Depois disso mepedio lça pa. hir acapitania do ce / ara q’ dista <strong>de</strong>sta mais <strong>de</strong><br />
200 Legoas a on<strong>de</strong> foi fazer / nas Ma<strong>de</strong>yras dos Indios as ( ilegível ) <strong>de</strong>claradas / na<br />
cartajunta <strong>de</strong> Leonel <strong>de</strong>Abreu Lima capam. / mor da da. capitania nomeado por<br />
VMag<strong>de</strong>. q’ proxi / mamte. hauia tomado posse daquelle Gouerno <strong>de</strong>q’ / me paresseu<br />
ha <strong>de</strong> dar boa conta.<br />
Fora da da. reprezentasaõ fes outras <strong>de</strong>mazias / pellos caminhos emhuma<br />
Al<strong>de</strong>ya tirou hũ Me / çionario e por outro, eporrezaõ dos referidos proçe / dimentos <strong>de</strong>i<br />
or<strong>de</strong>n ao do. capam. mor pa. opren<strong>de</strong>r ca / zo q’ lâ o achasse.Pare siame q’ Sendo<br />
VMag<strong>de</strong>. seruido <strong>de</strong>uia or<strong>de</strong>/ nar ao ouuidor da mesma capitania do cearâ <strong>de</strong> /<br />
va saçe do procedimento do do. Camaraõ eq’a da. / <strong>de</strong>uassa sejunte aq’ ca se tirar<br />
noq’VMag<strong>de</strong>. / mandarâ Rezoluer oq’for seruido.<br />
Papae,<br />
Recife <strong>de</strong> / Pernambuco 2 <strong>de</strong>Abril <strong>de</strong>1731<br />
CARTA 7: Estilo informal 159<br />
O Doutor Tavares aqui esteve para dar-lhe o seguinte recado do Marinho: que não tem<br />
podido ap- parecer-lhe pelas muitas occupações que tem tido e que nesta semana que<br />
começa iria sem falta a sua casa.<br />
Disse mais que o Martinneo ven<strong>de</strong>u a fazenda gran<strong>de</strong> que possuía em São Paulo,<br />
mas que não é a que se limita com a <strong>de</strong> Vossa Mercê.<br />
Nada mais disse.<br />
Do filho amigoPedro.<br />
Rio, 22 <strong>de</strong> Dezembro <strong>de</strong> 1890.<br />
159 As formas abreviadas na carta acima estão escritas em itálico.<br />
163
Conforme dissemos anteriormente, era <strong>de</strong> se esperar que a Carta 6,<br />
redigida em estilo formal, apresentasse menos abreviações que a carta 7,<br />
elaborada em estilo menos formal. Entretanto, basta <strong>de</strong>ter-nos na saudação da<br />
1ª carta que logo percebemos a utilização <strong>de</strong> uma forma <strong>de</strong> tratamento –<br />
Senhor – escrita <strong>de</strong> forma abreviada – Snr – a que segue todo o texto,<br />
excetuando duas linhas – 3 e 5, as abreviações são encontradas com<br />
freqüência em todo o corpo da carta, mesmo em se tratando <strong>de</strong> uma carta<br />
oficial, cuja redação é feita em estilo formal. A segunda carta, uma carta<br />
pessoal, cujo estilo é menos formal e, exatamente por isso traria mais formas<br />
abreviadas, surpreen<strong>de</strong>-nos ao apresentar da saudação ao fechamento apenas<br />
duas formas abreviadas, das quais uma é um pronome - Vossa Mercê- e a<br />
outra, uma forma <strong>de</strong> tratamento, amigo.<br />
Vantagem: complementando o jornal<br />
BLOG 3: Estilo formal<br />
Qualquer matéria sempre fica bem maior do que o espaço disponível. Muita coisa que<br />
seria interessante para os leitores acaba cortada. O blog atua como um complemento<br />
à coluna. No blog, publico a versão original do artigo, sem cortes, com todas aquelas<br />
informações mais <strong>de</strong>talhadas que não couberam no jornal, como sites das<br />
organizações citadas ou <strong>de</strong>clarações ipsis litteris dos entrevistados. Por isso, seria<br />
impossível pensar minha coluna separadamente do blog. Para começar, fui convidado<br />
para escrever a coluna por causa do trabalho no blog. É no blog que faço minha prépauta<br />
online e <strong>de</strong>bato a futura coluna com os leitores. E, por fim, o blog acolhe tudo o<br />
que não coube, ou não foi apropriado para publicação no jornal impresso.<br />
(http://www.liberallibertariolibertino.blogspot.com/) Blig: Provedor da IG<br />
quarta-feira, 14 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2004<br />
BLOG 4: Estilo informal<br />
ola pessoal passei hj so pra dar um oi pq amanha tem aula cedinhu !!!tenhu q<br />
acordar as 6:30 pra me arrumar e ir estudar né... ne vou por imagem... bjao. ate o<br />
findi!!!<br />
http://farejador.ig.com.br/banner.cgi?url=http:%2F%2Fmaya_love.weblogger.com.br%2<br />
F&returl Blig: Provedor da IG.<br />
164
Como po<strong>de</strong>mos ver, ao contrário do blog 3, redigido em estilo formal, e<br />
por isso mesmo não traz em suas nove linhas sequer uma abreviação, o blog<br />
4, cujo estilo é informal, em suas três linhas, comporta cinco abreviações, o<br />
que representa uma média <strong>de</strong> quase duas formas abreviadas por linha, a<br />
saber: bj, pq, q, bjão e findi, significando: beijo, porque, que, beijão e fim <strong>de</strong><br />
semana, respectivamente.<br />
SMS 2: Estilo informal<br />
Boa noite! Tudo bem com vc? Vc está melhor? Pq vc não respon<strong>de</strong>?Sauda<strong>de</strong>s! Bjs!<br />
(M, A, +E, auditor, RE) 160<br />
SMS 3: Estilo formal<br />
Oi, seus creditos irao inspirar no dia 12/02 e voce nao po<strong>de</strong>ra originar mais chamadas.<br />
Para po<strong>de</strong>r continuar falando normalmente insira novos creditos (Oi, 07.02.05)<br />
TIM INFORMA: cliente TIM TDMA po<strong>de</strong> enviar TIM Torpedos gratis para outro celular<br />
TIM nos dias 22 e 23/01. Aproveite, envie quantos TIM Torpedos quiser. (TIM<br />
18/01/05)<br />
No mes <strong>de</strong> Maio, faça uma surpresa para sua mae ! Envie Torpedo do celular e mostre<br />
que voce nao esquece quem sempre lembra <strong>de</strong> voce. Apenas R$ 0,33/msg. (CLARO<br />
07/05/05)<br />
Semelhante aos blogs 3 e 4, as SMSs 2 e 3, acima, também registram<br />
a ocorrência <strong>de</strong> abreviações, e maior incidência <strong>de</strong>stas, se o estilo utilizado for<br />
o informal, ou menos formal. Das três SMSs formais, apenas uma traz um<br />
vocábulo abreviado (msg por mensagem), enquanto que são constatadas cinco<br />
abreviações em uma única SMS informal, o que corrobora nossa tese. São<br />
elas: vc, pq, bjs, significando você, porque e beijos.<br />
160 O M diz respeito ao sexo Masculino; o A correspon<strong>de</strong> à faixa etária Adulto, e o +E indica o<br />
grau <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong> do autor, no nosso caso informa que a pessoa é formada. A profissão<br />
vem escrita por extenso. A cida<strong>de</strong> do informante vem representada pela sigla correspon<strong>de</strong>nte,<br />
nesse caso é Recife.<br />
165
De: Adicionar en<strong>de</strong>reço<br />
E-MAIL 2: Estilo formal<br />
Para: fabianasouzasilva@yahoo.com.br,<br />
Assunto: Plano <strong>de</strong> Desenvolvimento Institucional -<br />
Data: Wed, 25 May 2005 12:03:22 -0300<br />
Caros Colegas,<br />
Solicitamos que nos enviem, com a maior brevida<strong>de</strong> possível, informaçoes sobre a<br />
revisão do tempo restantte para suas aposentadorias, cargo atual (Assistente I,<br />
Adjunto IV...) e maior titulação. Tais informaçoes têm por objetivo traçar o perfil das<br />
necessida<strong>de</strong>s docentes do DLCV nos próximos anos, em especial no triênio 2005-<br />
2008.<br />
Conto com sua colaboração, Prazo. Sexta-feira dias 27/05<br />
Atenciosamente<br />
W<br />
E-MAIL 3: Estilo informal<br />
Data: Wed, 18 May 2005 14:29:27 -0300 (ART)<br />
De: Ver <strong>de</strong>talhes do contato<br />
Assunto: Re: vou sim<br />
Para: "fabiana souza silva" <br />
diga a junior q. se ele nao roncar darei a ele o prazer <strong>de</strong> compartilhar o quarto com ele<br />
e terei o privilegio <strong>de</strong> dormir c. ele no meu quarto, sera portanto, uma troca <strong>de</strong><br />
privilegios. venham mesmo daremos muitas risadas.já marcou a qualificaçao? e fatima<br />
tens noticias <strong>de</strong>la??<br />
um abs<br />
Eu<br />
Mais uma vez, aqui, repete-se a regra que diz serem os textos<br />
informais favoráveis à abreviação, e os formais não favoráveis. Nos e-mails<br />
acima, apenas o 3, <strong>de</strong> estilo informal, traz em suas linhas a ocorrência <strong>de</strong><br />
166
formas abreviadas (q, c, abs, para que, com e abraços), ao contrário do 2, on<strong>de</strong><br />
forma alguma é escrita abreviadamente, salvo a sigla DLCV (Departamento <strong>de</strong><br />
Letras Clássicas e Vernáculas).<br />
DIÁRIO 2: Estilo informal<br />
DIÁRIO 3: Estilo formal 161<br />
Por último, o estilo informal utilizado no diário 2 vem ratificar o que<br />
dissemos no início: gêneros cujo estilo é informal favorecem o uso <strong>de</strong><br />
abreviações, ao contrário dos formais, como nos mostra o diário 3. Aqui, é<br />
possível observar no diário 3 a presença <strong>de</strong> abreviaturas (Art. para Artigo), ou<br />
seja, formas cristalizadas, e não abreviações, que seriam variáveis <strong>de</strong> texto<br />
para texto, <strong>de</strong> autor para autor.<br />
161<br />
É interessante observar que ao estilo formal estão associadas às abreviaturas, enquanto<br />
que as abreviações ao estilo informal.<br />
167
2. Instância <strong>de</strong> realização<br />
Essa variável está intimamente ligada à anterior, mais parecendo uma<br />
extensão daquela, visto que geralmente os textos <strong>de</strong> caráter pessoal, em tese,<br />
fazem uso <strong>de</strong> um estilo informal, enquanto os <strong>de</strong> caráter oficial primam por um<br />
estilo predominantemente formal. Levando-se em consi<strong>de</strong>ração que as<br />
condições <strong>de</strong> intimida<strong>de</strong> entre remetente/<strong>de</strong>stinatário levam a uma situação <strong>de</strong><br />
maior ou menor informalida<strong>de</strong> (PRETI, 2003), esperávamos que os textos<br />
oficiais, via <strong>de</strong> regra dirigidos a mais <strong>de</strong> um <strong>de</strong>stinatário, favorecessem menos<br />
que os <strong>de</strong> cunho pessoal no que diz respeito ao uso <strong>de</strong> abreviações, uma vez<br />
que naqueles é mantido um maior distanciamento entre os produtores do texto<br />
que nos <strong>de</strong> natureza pessoal. Nossos resultados corroboraram essa tese,<br />
apresentando um percentual maior <strong>de</strong> abreviações para os textos pessoais em<br />
<strong>de</strong>trimento dos textos oficiais, excetuando-se aqui, mais uma vez, o gênero<br />
carta que, ao contrário dos e-mails, blogs, diários e SMS’s, e<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do volume <strong>de</strong> palavras, contém mais abreviações quando<br />
são <strong>de</strong> caráter oficial, ao menos as dos séculos XVIII e XIX, é o que nos mostra<br />
o Gráfico 3, abaixo:<br />
100<br />
50<br />
0<br />
Gráfico 3<br />
Abreviação e Instância <strong>de</strong> realização<br />
Diário Blog SMS Carta E-mail<br />
Pública<br />
Privada<br />
Como é possível observar, excluindo o gênero carta, todos os <strong>de</strong>mais – e-mail,<br />
blog, diário e SMS -, são unânimes no uso predominante <strong>de</strong> abreviação quando<br />
o texto é pessoal e não oficial. Esses resultados corroboram as nossas<br />
hipóteses e estão <strong>de</strong> acordo com a literatura pertinente. Observemos alguns<br />
dos trechos selecionados nos gêneros estudados:<br />
168
Bahia 23 <strong>de</strong> Março <strong>de</strong> 1888<br />
CARTA 8: Instância pública<br />
CARTA 9: Instância privada<br />
Excelentissimo amigo e Senhor Conselheiro João Alfredo Correia d’Oliveira<br />
Esta será entregue a Vossa Excelência por meo particular amigo Doutor Joaquim<br />
Simões (ilegível) e Silva, que vai a essa côrte pleitear uma justa causa. Peço-lhe que o<br />
attenda, certo <strong>de</strong> que elle é um <strong>de</strong> meos melhores amigos. Refiro-me ao que já escrevi<br />
a Vossa Excelencia em cartas pelo correio. Disponha do (ilegível) amigo affeiçoado<br />
Inocencio Marques <strong>de</strong> Araújo Goes<br />
Enquanto a carta pública se restringe a abreviar pronomes e formas <strong>de</strong><br />
tratamento (Dr., V. Sª), além do verbo guardar (G <strong>de</strong> ), a carta 9, tipo privada<br />
(pessoal), abrevia nomes (amigo affeiçoado), pronomes (Vossa Excelência) e<br />
conectores (que).<br />
169
[Segunda-feira, Fevereiro 28, 2005]<br />
BLOG 4: Instância privada<br />
fala aih gentiiiiiiii... blxinha 162 ?? esperu q xim... hihiih... cmg tah td certinhu.. keh diz...<br />
td otiminhuuu... pow... mt tempu q ngm poxta aki neh?? krak meu... abandonu gral du<br />
broguinhuuuu... bom... intaum to eu aki poxtandu neh... hehehhe... nem tenhu<br />
nenhuma 9da10 naum... pra variah um pokinhu... hihihi... axu q eh ixu genti...bjuxxx da<br />
Ra....<br />
Por As Mina Du IG às [9:09 PM]<br />
http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=312ENO001<br />
at 11:19 PM 12/11/2005 Kkkkk......<br />
BLOG 5: Instância pública<br />
162 O site comunida<strong>de</strong> brasileira diz que a troca <strong>de</strong> letras como o s, ss e ç pelo x busca<br />
representar a ingenuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma criança que está apren<strong>de</strong>ndo a falar.<br />
170
Nesta variável, que ora <strong>de</strong>nominamos Instância <strong>de</strong> realização, fica<br />
comprovada a influência exercida pelos gêneros do tipo privado (pessoal)<br />
quanto ao uso <strong>de</strong> abreviações. Basta compararmos os blogs 4 e 5 e vemos que<br />
no segundo, <strong>de</strong> tipo público, não há uma abreviação que seja em suas seis<br />
linhas. Vale salientar que esse blog, <strong>de</strong> teor lúdico, é escrito por um informante<br />
jovem, conseqüentemente menos escolarizado, estudante, ou seja, posssui<br />
todos os pré-requisitos para se usarem com mais freqüência abreviações.<br />
Basta lermos o início da mensagem, na qual são utilizadas letras para<br />
representar uma gargalhada (KKKKK), mas logo em seguida, ao dar início ao<br />
anúncio, classificado pelo blogueiro como sendo oficial, sequer uma abreviação<br />
é registrada, a fim <strong>de</strong> que se dê maior credibilida<strong>de</strong> à notícia. Ao passo que no<br />
primeiro, privado, com apenas quatro linhas, existem <strong>de</strong>zesseis abreviações, o<br />
que correspon<strong>de</strong> a uma média <strong>de</strong> quatro por linha. Semelhantemente, os SMSs<br />
privados apresentam uma média <strong>de</strong> duas abreviações por mensagem. Já os<br />
públicos apresentam apenas uma abreviação em três mensagens analisadas,<br />
qual seja: fev para fevereiro.<br />
SMS 4: Instância pública<br />
Oi, sua fatura no valor <strong>de</strong> 95,11 reais tem vencimento em 11/FEV/2005. Fique atento.<br />
Com sua conta esteja em <strong>de</strong>bito automatico, <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>re este aviso. (Oi, 10/02/05)<br />
TIM Informa: faça sua recarga atraves do seu proprio celular pelo * 244. Mais<br />
informações acesse o site www.timnor<strong>de</strong>ste.com.br ou atendimento TIM *144. (TIM,<br />
07/03/05)<br />
A partir <strong>de</strong> 22/02 sua Secretaria Claro tera mudanças. Para ouvir recados recebidos<br />
ate 21/2, ligue * 1077. Para saber todas as mudanças ligue gratis * 2077 (CLARO,<br />
21/02/05)<br />
SMS 5: Instância privada<br />
Ei ta com o tel <strong>de</strong>sligado meu bem. Vou fazer uma prova + tard te ligo bjos (M, A, +E,<br />
Empresário, BA).<br />
Sauda<strong>de</strong> d vc linda! (M, A, +E, Comerciante-PB).<br />
Cheguei agora. Estou sem credt. Po<strong>de</strong> me v agora? Sim ou não? (M, A, +E, Contador-<br />
RE).<br />
171
De: Y<br />
Para: Z<br />
E-MAIL 4: Instância pública<br />
Assunto: Re: confirmação <strong>de</strong> participação<br />
Data: Thu, 2 Dec 2004 09:07:45 -0200<br />
Prezado(a) Professor(a)<br />
Acusamos o recebimento da sua confirmação e estamos encaminhando sua<br />
resposta<br />
para o setor competente.<br />
Atenciosamente,<br />
Coperve<br />
E-MAIL 5: Instância privada<br />
Data: Tue, 15 Mar 2005 09:50:51 -0300 (ART)<br />
De: X<br />
Assunto: olá<br />
Para: "fabiana souza silva" <br />
pois eh, c. ainda estou sem computador, tenho q. esperar as oportunida<strong>de</strong>s e<br />
assim vou dando noticias aos poucos.agora mesmo estou na UFSC na sl. <strong>de</strong><br />
minha orientadora e posso usar o computador, entao a cada dia agendo nomes<br />
pra escrever ou respon<strong>de</strong>r.a mensagem q. vc. mandou <strong>de</strong>ve ter sido vista p.<br />
meninas o cel. ficou c. elas.e aí melhor da infecçao e mais disposta, tomara q.<br />
sim.<br />
Um abraço<br />
172
DIÁRIO 4: Instância pública<br />
DIÁRIO 5: Instância privada 163<br />
163<br />
Nesse caso, a abreviatura P/ (para) foi registrada, além do sinal <strong>de</strong> + representando a<br />
conjunção mas.<br />
173
O comportamento observado nos gêneros anteriores não é diferente<br />
com o diário e o e-mail, qual seja: quando se trata <strong>de</strong> um gênero tipo pessoal, a<br />
probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> haver abreviações é muito maior do que se o gênero for do<br />
tipo oficial, conforme nos mostram os e-mails 5 e 4, respectivamente. O e-mail<br />
4, oficial, não contém uma abreviação em todo o seu texto, ao passo que o email<br />
5, pessoal, traz nove abreviações. Quanto aos diários, é possível afirmar<br />
que, quando estes são oficiais, as palavras não são escritas <strong>de</strong> forma<br />
abreviada, ao contrário do pessoal. Outro <strong>de</strong>staque que damos é à presença<br />
<strong>de</strong> abreviaturas, ou seja, formas já cristalizadas e padronizadas, <strong>de</strong> uso geral,<br />
em vez <strong>de</strong> abreviações, que seriam <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m pessoal, e por isso variáveis.<br />
4. Participantes<br />
Esse terceiro fator, como veremos a seguir, <strong>de</strong>monstra que, como já<br />
havíamos colocado em nossas hipóteses, os textos que apresentavam uma<br />
correspondência entre o número <strong>de</strong> participantes favorecem o surgimento <strong>de</strong><br />
abreviações no corpo da mensagem. Essa relação é ainda mais estreita nos<br />
gêneros digitais, e-mail, blog e SMS, on<strong>de</strong> membros <strong>de</strong> uma mesma<br />
comunida<strong>de</strong> virtual, cujos interesses são comuns em um dado momento,<br />
partilham um conjunto <strong>de</strong> valores, objetivos, normas e interesses, assim como<br />
uma história, costumes e instrumentos (ERICKSON, 1997). Em nosso caso,<br />
temos a ocorrência <strong>de</strong> abreviação como um costume comum e partilhado entre<br />
os autores dos textos, que as utilizam com o interesse <strong>de</strong> ganhar tempo na<br />
elaboração da mensagem escrita. Os resultados estão expressos no Gráfico 4<br />
a seguir:<br />
174
100<br />
50<br />
0<br />
Gráfico 4<br />
Abreviação e Participantes<br />
Diário Blog SMS Carta E-mail<br />
De acordo com o Gráfico 4, acima, tanto os gêneros tradicionais – carta<br />
e diário – quanto os digitais – e-mail, blog e SMS – registram um número maior<br />
<strong>de</strong> abreviação quando há uma correlação quanto ao número <strong>de</strong> participantes<br />
envolvidos no processo. A fim <strong>de</strong> melhor enten<strong>de</strong>rmos a relação entre o uso <strong>de</strong><br />
abreviação e o número <strong>de</strong> participantes, selecionamos exemplos <strong>de</strong> cada um<br />
dos gêneros aqui estudados. Vejamos:<br />
1XN<br />
1X1<br />
175
1X1<br />
CARTA 10: Participantes<br />
CARTA 11: Participantes: 1XN<br />
Anno <strong>de</strong> 1829<br />
Diario <strong>de</strong> Pernambuco<br />
Segunda Feira 5 <strong>de</strong> Janeiro.<br />
Bem longe d’entreter opiniaõ contraria / áquella, que sempre entretive do<br />
Thezou- /reiro, e mais agentes do Loteria Publica em / favor do Seminario <strong>de</strong> Olinda,<br />
notto porem / que que se naõ tenha publicado huma Lista Ge- / ral, empreça, porque<br />
em realida<strong>de</strong> quem ar- / riscou o seu dinheiro, e na melhor fé, quer / taõbem na<br />
mesma boa fé, ter hum <strong>de</strong>zenga- / no em forma. Eu ví Srs. Redactores, quei- / xumes<br />
contra o Thezoureiro, que prece<strong>de</strong>o / o actual, e naõ me atrevo a dizer, que fos- / sem<br />
bem fundados, mas se assim he, elles / taõbem revertem agora sobre o Sr. Martino.<br />
Sou Srs. Redactores.<br />
176
A Carta 10, acima, inserida na categoria 1X1, quanto ao número <strong>de</strong><br />
participantes, traz abreviações <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a saudação até o fechamento. O mesmo<br />
não ocorre na carta 11, cujo <strong>de</strong>stinatário é em número maior que um e registra<br />
apenas três ocorrências <strong>de</strong> abreviações, todas formas <strong>de</strong> tratamento,<br />
especificamente Sr(s).<br />
De igual modo, o blog 6, abaixo, cuja relação é 1XN, não traz uma<br />
abreviação sequer. Já o blog 7, a seguir, en<strong>de</strong>reçado a apenas um receptor,<br />
tem suas <strong>de</strong>zoito linhas “recheadas” <strong>de</strong> abreviações.<br />
BLOG 6: Participantes: 1XN<br />
22/07/2004 11:42 http://fumado_cefeteq.blig.ig.com.br/<br />
Atenção !!!<br />
Por motivos <strong>de</strong> força maior, o blig não esta mais sendo atualizado todo "dia”<br />
(madrugada). Seguem os motivos:<br />
1º- o blig agora não permite mais <strong>de</strong> uma atualização por dia (ou madrugada).<br />
2º- Estou sem telefone em casa(brigas constantes com a telemar).<br />
3º- Por mais incrivél que possa parecer, eu estou trabalhando (aliás, estou postando<br />
da agência on<strong>de</strong> trabalho.).<br />
E por falar em trabalho, se vocês quiserem me visitar, ou se interessarem em se<br />
inscrever na agência. Ai vai uma propagandazinha!!! (A logo abaixo fui eu que fiz.)<br />
BLOG 7: Participantes: 1X1<br />
http://www.mininas_tpm.blogger.com.br/ Terça-feira, Abril 26, 2005<br />
to mó triste ultimamente e ainda sei bem o por quê...td começou com uma paixão q to<br />
sentindo e não sei se queria ta assim......ele é um cara lindo, fofo, me agrada mto<br />
msm, mas ta foda, pois ele ta afim <strong>de</strong> outra amiga minha e ela tbm ta mo afim <strong>de</strong>le só<br />
q nenhum dos dois ta sabendo q to afim <strong>de</strong>le então isso não impe<strong>de</strong> q eles se<br />
aproximem, pois eles nem sabem disso......só q eu me peguei com mto ciúme <strong>de</strong>les no<br />
domingo qdo fomos a casa <strong>de</strong>le e lá vi q to a fim msm........<br />
Antes disso td eu tbm aprontei com uma amiga q não merecia o q fiz com ela....cara<br />
amo mto aquela garota e ela sabe qto é importante na minha vida, mas eu fiz uma<br />
cagada com ela sem querer e td por ter ouvido errado as palavras <strong>de</strong>la momentos q<br />
ninguém consegue explicar mto menos eu........queria não ter feito o q fiz, mas não<br />
posso voltar no tempo e concertar meus erros falei com ela, mas ela me ignora como<br />
se eu fosse uma estranha......assim ta foda e ainda por cima ta chegando época <strong>de</strong><br />
prova e <strong>de</strong>savenças nunca são boas pra ninguém muito menos na época <strong>de</strong><br />
prova.......td por causa <strong>de</strong> um menino q eu nem tava ligando pra ele e ele muito menos<br />
pra mim, mas acabou acontecendo e já não sei o q dizer........só queria pedir<br />
<strong>de</strong>sculpas outra vez.....só sei q queria ta com alguém pra me consolar e me acalmar<br />
nesse momento triste q me encontro................<br />
Bjos e até mais<br />
Ju<br />
177
Também nos SMSs (ver SMS 6 e 7) e e-mails (ver e-mails 6 e 7) a<br />
relação é inversamente proporcional. Ou seja: quanto maior o número <strong>de</strong><br />
receptores, menor o número <strong>de</strong> abreviações. Sequer uma forma abreviada<br />
aparece quando o SMS tem um número plural <strong>de</strong> receptores (cf.SMS 6). Já os<br />
com um só <strong>de</strong>stinatário possuem mais <strong>de</strong> uma abreviação por mensagem (cf.<br />
SMS 7).<br />
SMS 6: Participantes: 1XN<br />
Chegaram os NOVOS papeis <strong>de</strong> pare<strong>de</strong>s do incriveis! Exclusivos para clientes<br />
CLARO. Acesse agora Portal Claro do navegador web do celular e escolha o seu!<br />
(CLARO, 11/04/05)<br />
TIM INFORMA: Megatim Torpedos. Aproveite a promoção ate 30/04 e compre 300<br />
torpedos a R$ 9,90. Você paga menos <strong>de</strong> 4 centavos por torpedo enviado (TIM<br />
18/01/05)<br />
Coloque os eu Oi no ritmo da MTV, chegou o portal TONS MTV exclusivo para clientes<br />
Oi, são mais <strong>de</strong> 500 tons para animar o toque do seu Oi (Oi, 03/04/05)<br />
SMS 7: Participantes 1X1<br />
Nao. Estou indo p Goiana c o coral. Amanha te ligo (F, J 164 , +E, Empresária-PB)<br />
Se pu<strong>de</strong>r, ligue pra mim. O seu cel n~ aten<strong>de</strong>. (F, A, +E, Professora - PB)<br />
Essa placa <strong>de</strong>ve c d outro Estado q no site do Detran daqui não consta nada. Tem q<br />
saber qual o estado pra po<strong>de</strong>r olhar o site (M, J, +E, Servidor Publico – PB)<br />
Bom dia bb! (M, A, +E, Auditor - RE)<br />
No caso dos e-mails, fizemos questão <strong>de</strong> pegar tanto aquele cujo<br />
número <strong>de</strong> participantes era igual quanto o <strong>de</strong> número plural <strong>de</strong> receptores <strong>de</strong><br />
um mesmo informante, visando explicitar o fenômeno. Dessa forma, quando o<br />
autor do e-mail dirige-se a mais <strong>de</strong> um <strong>de</strong>stinatário (ver e-mail 6, a seguir), não<br />
usa ou ao menos evita usar abreviação; enquanto que as utiliza quando o<br />
receptor é uma só pessoa, conforme vemos no e-mail 7, abaixo.<br />
164<br />
Aqui, o F é o símbolo utilizado para o sexo Feminino, e o J diz que a pessoa está inserida na<br />
classe dos Jovens.<br />
178
E-MAIL 6: Participantes: 1XN<br />
Data: Thu, 24 Mar 2005 20:02:54 -0300 (ART)<br />
De: W<br />
Assunto: novo telefone<br />
Para: D<br />
Olá amigos! já tenho telefone em Floripa. eh 48 232-1148, se precisarem <strong>de</strong><br />
alguma coisa eh só ligar. Feliz Páscoa<br />
Um abraço,<br />
Z<br />
E-MAIL 7: Participantes: 1X1<br />
Data: Wed, 23 Mar 2005 20:21:17 -0300 (ART)<br />
De: Ver <strong>de</strong>talhes do contato<br />
Assunto: Re: Depoimento emocionado <strong>de</strong> Luiz Fernando Veríssimo<br />
Para: "fabiana souza silva" <br />
Adorei!!!!!!!!!!!!!!<br />
já soube q. conversou bastante com nosso ídolo, me conta tudo, vai....<br />
por aqui tudo ótimo<br />
bjos<br />
É interessante observar que, <strong>de</strong> acordo com os exemplos acima, emails<br />
6 e 7, a <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r do número <strong>de</strong> participantes, o autor do texto utiliza um<br />
maior ou menor número <strong>de</strong> abreviação. No caso <strong>de</strong>sse remetente, a mesma<br />
pessoa nos dois e-mails, temos uma ocorrência explicitamente maior <strong>de</strong><br />
abreviações quando o número <strong>de</strong> participantes é igual, ou seja, 1X1, e menor<br />
quando não há uma correlação entre eles, nesse caso um remetente para<br />
vários <strong>de</strong>stinatários.<br />
179
DIÁRIO 6: Participantes: 1X1<br />
No gênero diário, a regra permanece: quando escrito para uma só<br />
pessoa, o número <strong>de</strong> abreviações é superior àquele cujo <strong>de</strong>stinatário é em<br />
número plural, como <strong>de</strong>monstra o diário 7, no qual a única forma abreviada é<br />
nº, além da sigla FG-5 . No diário 6, as formas mais, para e Santa foram<br />
reduzidas a +, p/ e Sta, respectivamente.<br />
DIÁRIO 7: Participantes: 1XN<br />
180
6. Propósito comunicativo<br />
Seguindo a sugestão dada por Thomas Erickson (1997), quando da<br />
observação do discurso on-line, escolhemos a variável Propósito Comunicativo<br />
como sendo a quarta analisada em nosso trabalho, a fim <strong>de</strong> estabelecer a<br />
relação existente, se é que há, entre o uso <strong>de</strong> abreviação e o propósito a que<br />
se <strong>de</strong>stina o texto. Esten<strong>de</strong>mos aos gêneros carta e diário o cruzamento com<br />
esse fator, uma vez que enten<strong>de</strong>mos que não há texto ou discurso neutro, sem<br />
objetivo, sem propósito. Em outras palavras, quando o locutor busca produzir<br />
um efeito <strong>de</strong>ntre os admissíveis, tem que escolher em meio aos disponíveis,<br />
tem que “trabalhar” a língua a fim <strong>de</strong> impetrar o efeito <strong>de</strong>sejado (POSSENTI,<br />
2001, p.215).<br />
Como já dito anteriormente, acreditamos que os textos cujo propósito é<br />
informar apresentam menos abreviações do que os textos em cuja redação há<br />
uma escrita com menor grau <strong>de</strong> informativida<strong>de</strong> e maior teor lúdico em seu<br />
discurso. Denominamos como lúdicos aqueles textos que visam mais ao<br />
divertimento que a qualquer outro objetivo. No Gráfico 5, abaixo, temos<br />
<strong>de</strong>monstrado o comportamento da abreviação quando relacionada ao propósito<br />
comunicativo do produtor do texto:<br />
100<br />
50<br />
0<br />
Gráfico 5<br />
Abreviação e Propósito Comunicativo<br />
Diário Blog SMS Carta E-mail<br />
Informar<br />
Divertir<br />
181
Conforme observamos, há uma retenção praticamente categórica do<br />
uso das abreviações quando o texto possui um propósito único ou primordial <strong>de</strong><br />
informar, o que não elimina a existência <strong>de</strong> abreviações em si. Em<br />
contrapartida, aqueles cuja temática gira em torno <strong>de</strong> um discurso lúdico, com<br />
caráter <strong>de</strong> diversão, apresentam mais abreviações em suas mensagens. Esses<br />
dados ratificam o que diz Possenti (2001, p. 259) citando Gumperz (1982)<br />
acerca da escolha da linguagem em <strong>de</strong>trimento da situação:<br />
O falante é consi<strong>de</strong>rado capaz <strong>de</strong> variar não só segundo o<br />
contexto, o que é relevante, mas segundo seus objetivos (grifo<br />
nosso), embora não necessariamente esteja consciente <strong>de</strong>sse<br />
fato.<br />
Dentre os gêneros selecionados aqui, todos os da esfera digital<br />
corroboram essas afirmações. Daqueles ditos tradicionais, a carta foi o único<br />
que não obe<strong>de</strong>ceu à regra, utilizando abreviações in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do<br />
propósito a que se prestava, informar ou divertir. Mais uma vez é mister<br />
lembrarmos que estas estão situadas nos séculos XVIII e XIX, período em que<br />
a tradição no uso <strong>de</strong> abreviações ainda era mantida. Os exemplos a seguir nos<br />
dão uma noção clara <strong>de</strong> como o uso <strong>de</strong> formas abreviadas está ligado<br />
diretamente com o propósito comunicativo do autor do texto:<br />
Se observarmos as cartas a seguir, veremos uma maior ocorrência <strong>de</strong><br />
formas abreviadas na Carta 12, e um número bem menor na Carta 13, embora<br />
se trate <strong>de</strong> um texto lúdico. A razão para tal acontecimento se <strong>de</strong>ve ao fato <strong>de</strong><br />
ser essa impressa e não manuscrita, como aquela. Ou seja, a <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r da<br />
tecnologia utilizada (manuscrita, impressa ou digital), teremos um maior ou<br />
menor uso <strong>de</strong> abreviações.<br />
182
CARTA 12: Propósito informativo<br />
Illmo e Exmo Sr General Prezi<strong>de</strong>. emais Sres Deputados.<br />
Passe do que constar. Re. em Iunta <strong>de</strong> 14 <strong>de</strong> Outubro <strong>de</strong> 1794<br />
N 1 o<br />
(ilegível) LuRoy Coelho da Sa.<br />
Dizem os admenistradores actuaes doContracto / dos Dizimos Reaes <strong>de</strong>sta Capitania<br />
quesendo publico que a / Real Iunta admenistrou estemesmoContracto alguns / annos<br />
antes d’ arremataçaõ quefizeraõ seusConstituintes / e que parabem <strong>de</strong>sua Iustiça lhes<br />
heprecizo queesta Re= / al IuntadaFazenda lheman<strong>de</strong> dar porCertidaõ / se o<br />
Engenho Uboca sito na Freguezia<strong>de</strong>Serinhaem per= / tencente aos Religiozos<br />
Carmelitas dareforma Toroni= / eapagou Dizimo do açucar quefez, aquantida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>Caixas, / earrobas querecebeo aReal Fazenda, easim mais a / copia<br />
daprimeiraCondiçaõ do Termo dasua aremataçaõ.<br />
E. R. Mces.<br />
P. aV. Excia. e Mces. Sejaõ ser= / vidos mandar aos Suppes. aCertidaõ<br />
Presado João Alfredo,<br />
CARTA 13: Propósito lúdico<br />
Paris— 13 <strong>de</strong> Janeiro 79.<br />
Espero que esteja muito melhor; n’este caso e se pu<strong>de</strong>r sahir, venha jantar hoje<br />
conosco ás 7 horas en famille. Os Penêdos são as unicas pessôas estranhas como<br />
estão <strong>de</strong> passagem para o Sul, me fazem o obsequio <strong>de</strong> nos dar algumas horas para<br />
estarmos juntos.<br />
Sempre.<br />
Primo e Amigo affeiçoado<br />
Nioac.<br />
Corroborando nossa hipótese, os <strong>de</strong>mais gêneros seguem a mesma<br />
regra: se o texto é escrito com um propósito lúdico, e não informativo, tem-se<br />
um uso acentuado <strong>de</strong> abreviações, conforme nos mostram o blog, SMS e-mail<br />
e diário, cujo propósito não é primordialmente informativo.<br />
BLOG 8: Propósito informativo<br />
Parâmetros novos<br />
O professor Jay Rosen, da Escola <strong>de</strong> Jornalismo da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Nova York e um<br />
dos participantes da reunião na Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Harvard, publicou um rascunho <strong>de</strong><br />
sua apresentação no qual segue a mesma linha <strong>de</strong>senvolvida por este Observatório<br />
"Blogs surfaram no tsumani", para afirmar que a cobertura da tragédia asiática<br />
mostrou que os repórteres amadores po<strong>de</strong>m ter um papel essencial na informação<br />
pública, especialmente em situações <strong>de</strong> calamida<strong>de</strong>. Isto foi reconhecido até pela<br />
183
gran<strong>de</strong> imprensa e acabou contribuindo para tornar anacrônica a dicotomia entre blogs<br />
e jornalismo. Começa a surgir um consenso <strong>de</strong> que o problema não é o diploma ou o<br />
registro, mas sim a credibilida<strong>de</strong>. E é neste sentido que apareceram alguns dados<br />
novos, como por exemplo, o <strong>de</strong>poimento do dublê <strong>de</strong> jornalista/blogueiro Christopher<br />
Allbritton, que ficou famoso por ter ido por conta própria a Bagdá, em 2003, para cobrir<br />
a invasão americana pelo seu blog Back to Bagdá. Em entrevista à revista Wired,<br />
Allbritton admitiu que no começo do seu trabalho no Iraque a emoção pessoal falava<br />
mais alto, mas, quando começou a ser lido por 25 mil visitantes diários em seu blog,<br />
ele sentiu necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser muito mais preciso nas informações porque senão suas<br />
reportagens <strong>de</strong>ixariam <strong>de</strong> ser confiáveis. O blogueiro <strong>de</strong> Bagdá não é o único e nem o<br />
primeiro jornalista que começa a <strong>de</strong>scobrir que a busca <strong>de</strong> novos parâmetros <strong>de</strong><br />
credibilida<strong>de</strong> não está nas reuniões <strong>de</strong> diretoria dos jornais e televisões, mas entre os<br />
leitores, ouvintes, navegadores e espectadores. São eles que <strong>de</strong>têm a chave do<br />
enigma que jornalistas e o público <strong>de</strong>vem <strong>de</strong>cifrar.<br />
BLOG 9: Propósito lúdico<br />
[Segunda-feira, Outubro 18, 2004]<br />
GALERINHA!!!<br />
Por motivos <strong>de</strong> força maior!! Eu to pregui <strong>de</strong> postar o meu blog!!! Hehehe] só to aki<br />
pra avisar vcs q eu postei fotos novas no meu flog!! Entrem lá!!!<br />
Www.clauvillaca.fotoblog.uol.com.br por C v M <strong>de</strong> o * 10:41 pm<br />
www.clauvillaca.zip.net<br />
SMS 8: Propósito informativo<br />
Oi, sua fatura no valor <strong>de</strong> R$ 80, 90 reais tem vencimento em 11/MAR/2005. Fique<br />
atento. Com sua conta esteja em <strong>de</strong>bito automático, <strong>de</strong>scons (Oi, 07/03/05).<br />
Promoção Natal e Claro. Cadastro confirmado. Você escolheu ganhar R$ 600 <strong>de</strong><br />
bônus em 24 parcelas. Insira créditos todo mês para ganhar. CLARO que você tem<br />
mais (CLARO, 14/04/05).<br />
SMS 9: Propósito lúdico<br />
Karoll vc é 1 ds minhas melhores amigas continue sempre assim te adoro Kiss. (F,<br />
J, -E, Estudante-PB)<br />
Uma conclusão: gosto <strong>de</strong> vc; um <strong>de</strong>sejo: estar com vc; um voto: suas felicida<strong>de</strong>;<br />
uma i<strong>de</strong>ia: ter vc perto d mim; um sonho: vc me querer; uma emoção: meu 1 beijo<br />
c/ vc; um dia longo: te amando; um pedido: q vc me ame; um objetivo: conquistar<br />
vc; um ciúme: so d vc; um medo: d te per<strong>de</strong>r; um aviso: estou t esperando.(M, J, -<br />
E, Estudante-PB)<br />
184
E-MAIL 7: Propósito informativo<br />
Data: Sun, 6 Mar 2005 11:46:55 -0300<br />
Assunto: En: proposta <strong>de</strong>dução no IRPF - v amos lutar!<br />
De: Adicionar en<strong>de</strong>reço<br />
Para: "fabianasouzasilva" <br />
Assunto: proposta <strong>de</strong>dução no IRPF - vamos lutar!<br />
Caros colegas,<br />
Consi<strong>de</strong>rando o arrocho a que vimos sendo submetidos historicamente e o<br />
<strong>de</strong>sgoverno na aplicação das verbas arrecadadas pelos tributos, venho<br />
refletindo há muito sobre propor um projeto que nos dê um "pequeno refresco<br />
no bolso”. Ganhamos pouco e ainda "pagamos para trabalhar", pois não temos<br />
auxílio transporte, paletó, assessoria, etc etc etc como recebem os senhores<br />
Deputados que elegemos para nos representar. Por isso, estou encaminhando<br />
uma sugestão <strong>de</strong> texto abaixo que po<strong>de</strong> ser "bombar<strong>de</strong>ada" sobre os<br />
<strong>de</strong>putados em Brasília (IRPF é Fe<strong>de</strong>ral), para que torçamos por um efeito<br />
similar ao que houve com a sem-vergonha lei pretendida pelo Sr. Severino<br />
Cavalcante. * Acesse o site da Câmara dos Deputados:<br />
http://www.camara.gov.br/internet/faleconosco<br />
* Em "Escolha o assunto", selecione "Participação Popular".<br />
* Em "Participação Popular", selecione "Sua proposta po<strong>de</strong> virar Lei".<br />
* Em "Sua proposta po<strong>de</strong> virar Lei", selecione "Ouvidoria Parlamentar".<br />
* Em "Ouvidoria Parlamentar", selecione "Entre em contato".<br />
* Em "Escolha o assunto", selecione "Deputados".<br />
* Em "Escolha o assunto", selecione "Solicitar".<br />
Em seguida preencha o formulário e encaminhe nossa proposta.<br />
Texto sugerido:<br />
Senhores Deputados,<br />
Em função dos gastos operacionais do exercício da função <strong>de</strong> Professor do<br />
Ensino Superior, que implica aquisição continuada <strong>de</strong> livros, equipamentos <strong>de</strong><br />
informática (incluindo upgra<strong>de</strong>), assinaturas <strong>de</strong> periódicos e <strong>de</strong> associações<br />
acadêmicas, proponho a criação <strong>de</strong> dispositivo <strong>de</strong> abatimento mensal <strong>de</strong> 15%<br />
sobre o valor dos vencimentos numa rubrica como "gastos operacionais da<br />
docência superior" nas regras do IRPF, a partir do ajuste 2006.<br />
185
E-MAIL 8: Propósito Lúdico<br />
Data: Wed, 27 Apr 2005 10:35:35 -0300 (ART)<br />
De: Adicionar en<strong>de</strong>reço<br />
Assunto: Vida<br />
Para: "Fabiana Souza" <br />
Oi,<br />
Recebi esta msg <strong>de</strong> uma amiga e achei tão linda e importnte q resolvi q vcs<br />
precisavam conhecê-la.Karla, Josivan, Rachel e Wilavia, sinto muita sauda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
vcs !!Rafa recebi essa msg <strong>de</strong> Thereza!!Karenina, Kd vc??? Sauda<strong>de</strong>s!!Liana,<br />
mostra p tua mãe!!E beijos a todos !!!<br />
Mi<br />
DIÁRIO 7: Propósito informativo<br />
186
7. Suporte<br />
DIÁRIO 8: Propósito Lúdico 165<br />
Como já havíamos mencionado no início do nosso trabalho, são três<br />
as tecnologias aqui estudadas: a do manuscrito, a do impresso, e a do digital. À<br />
primeira correspondiam como suporte da escrita os papiros e os pergaminhos,<br />
até que chegasse o papel, material utilizado a partir da sua <strong>de</strong>scoberta pelos<br />
chineses, e que veio baratear a escrita, já que seu antece<strong>de</strong>nte, o pergaminho,<br />
apresentava um preço muito elevado. Na era do impresso, o papel já estava<br />
difundido o bastante para que todos quanto <strong>de</strong>le faziam uso tivessem seus<br />
escritos divulgados sem maiores <strong>de</strong>spesas.<br />
165 Neste caso, a palavra quarta é substituída pelo ordinal 4ª, a preposição para por P/, a<br />
conjunção mas por +, a expressão mais ou menos, por + ou -, e a conjunção quando reduzida<br />
a qdo.<br />
187
A era digital surgiu anunciando o fim do papel, uma vez que tudo a<br />
partir <strong>de</strong>la seria arquivado em memórias virtuais. Assim, a razão que fizera com<br />
que surgissem as abreviações, qual seja, o elevado preço do material da<br />
escrita, o pergaminho, na era do impresso e do digital, já não tem mais razão<br />
<strong>de</strong> ser. Entretanto, mesmo com a propagação do papel e a alta tecnologia da<br />
tela do computador e do telefone celular (suporte das mensagens <strong>de</strong> texto), as<br />
abreviações não tiveram sua extinção <strong>de</strong>cretada. Ao contrário, se pu<strong>de</strong>mos<br />
notar uma redução <strong>de</strong>stas no impresso, o mesmo não ocorre no digital, que<br />
parece fazer com que as abreviações ressurjam com tamanho <strong>de</strong>staque, a<br />
ponto <strong>de</strong> provocar não só interesse e curiosida<strong>de</strong>, mas também polêmicas 166 .<br />
O mais notável <strong>de</strong> tudo é que, <strong>de</strong>ntre todos os sinais, símbolos e<br />
siglas, sem esquecer os emoticons, muitos <strong>de</strong>les têm semelhanças com os<br />
sinais abreviativos utilizados nos pergaminhos e inscrições latinas datadas do<br />
século II a.C. A partir <strong>de</strong>ssas informações, vimos como imprescindível a<br />
inclusão da variável Suporte no processo em estudo, a fim <strong>de</strong> comprovarmos<br />
ou não a relação dos meios utilizados e a ocorrência da abreviação. Após<br />
analisarmos os dados, obtivemos os seguintes resultados: o material que<br />
correspon<strong>de</strong> à tecnologia manuscrita, no nosso caso as cartas, cujo suporte é o<br />
papel, apresenta mais abreviações que os da tecnologia impressa (embora<br />
aqui também o suporte utilizado seja o papel) e da digital, havendo nesta última<br />
uma retomada daquelas. De suma importância é ressaltar aqui o fato <strong>de</strong> ter<br />
sido o volume <strong>de</strong> exemplos e a porção <strong>de</strong> textos analisados distribuídos <strong>de</strong><br />
forma igualitária o que <strong>de</strong>scarta a hipótese <strong>de</strong> possível má distribuição da<br />
amostra. No Gráfico 6, a seguir, temos expressos os valores correspon<strong>de</strong>ntes<br />
ao processo da abreviação e sua relação com o suporte:<br />
166 Visto que alguns pais associam o uso da escrita abreviada a algum tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>svio <strong>de</strong><br />
comportamento que necessariamente prejudica o <strong>de</strong>sempenho do filho nas relações sociais,<br />
principalmente na escola, professores há que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m o uso da abreviação em seu “habitat”<br />
natural, ou seja, na linguagem da tela; sendo porém preservada a forma padrão das palavras<br />
em suas ativida<strong>de</strong>s acadêmicas.<br />
188
100<br />
90<br />
80<br />
70<br />
60<br />
50<br />
40<br />
30<br />
20<br />
10<br />
0<br />
Gráfico 6<br />
Abreviação e Suporte<br />
Papel Celular Computador<br />
É visível o papel que o suporte exerce quanto ao maior ou menor uso<br />
<strong>de</strong> abreviações nos textos produzidos. Como já era esperado, o meio impresso,<br />
mesmo tendo o papel como suporte, no caso das cartas e diários, é aquele que<br />
menos favorece o surgimento <strong>de</strong> abreviação: <strong>de</strong> um total <strong>de</strong> 60 textos, apenas<br />
os que contêm pronomes <strong>de</strong> tratamento registram abreviações, o que equivale<br />
a um total <strong>de</strong> 10%, uma vez que das <strong>de</strong>z classes <strong>de</strong> palavras existentes,<br />
apenas uma é abreviada. Em seguida vem o digital, que engloba o computador<br />
e o celular, com 50% <strong>de</strong> ocorrências em 180 textos, contra 95% <strong>de</strong> abreviações<br />
em 60 textos manuscritos, meio por natureza propiciador do surgimento <strong>de</strong><br />
abreviações. Vale ressaltar que, embora o suporte aqui seja o papel,<br />
semelhante ao caso dos impressos, a tecnologia manuscrita prevalece,<br />
fazendo surgir mais abreviações que no impresso. Ou seja, o fator<br />
<strong>de</strong>terminante para um maior uso <strong>de</strong> abreviações não é apenas o suporte, mas<br />
também a tecnologia utilizada. Enten<strong>de</strong>mos como tecnologia, processos,<br />
métodos, meios e instrumentos utilizados em domínios da ativida<strong>de</strong> humana<br />
(cf. HOUAISS, 2001, p. 2683). No nosso caso, trata-se da escrita. De um total<br />
<strong>de</strong> 300 textos, 153 apresentam abreviações. Esses resultados permitem-nos<br />
inferir que, tanto na tecnologia manuscrita quanto na digital, on<strong>de</strong> há uma<br />
relação direta da mão com o texto, ao contrário da tecnologia impressa, a<br />
189
ecorrência ao uso <strong>de</strong> formas abreviadas é visivelmente maior, já que a<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> economizar tempo leva a uma simplificação lingüística.<br />
Observemos os exemplos abaixo:<br />
PAPEL – CARTA:<br />
Corpus do Projeto Textos Brasileiros dos Séculos XVIII e XIX<br />
1729 Sor.<br />
He VMag<strong>de</strong>. Seruido por or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> 14 <strong>de</strong> / Dezembropassado q’ eu man<strong>de</strong><br />
Logo dar premçi/pio a caza da camara, e ca<strong>de</strong>ya <strong>de</strong>sta vila do Re/çife, com o<br />
dinheiro <strong>de</strong>pozitado q’ Remanesseo do / Subçidio Lançadopa.hú molhe q’ aqui Se<br />
fes, eo’q / faltaçe pa. ella Seempuzeçe por finta ou como me/lhor paresese, e mais<br />
Suaue ao Pouo, e eu o con/cordasce com os offes. da camara.<br />
Em execusaõ <strong>de</strong>sta or<strong>de</strong>m fica esta obra posta / apregaõ pelos mesmos<br />
offes. da camara, pa. Sea/ Rematar o qm. mais barato afizer, por opontamtos. / feitos<br />
pelos offes. emginheiros, como Se costuma / praticar nas obras <strong>de</strong> VMag<strong>de</strong>.<br />
pelaplanta q’oz mesmos emginheiros hauiaõ feito <strong>de</strong>q’ <strong>de</strong>i conta / a VMag<strong>de</strong>.<br />
E pelo q’ tenho comferido /com os dtos. offes. da camara o dinheiro q’ faltar Se /<br />
tirarâ por huma finta, aqual ei<strong>de</strong> procurar Se / Safeita com igualda<strong>de</strong> poçiuel, eq’<br />
emtudo Sefas/sa esta obra com a aRecadassaõ nessesa. e com abre/uida<strong>de</strong><br />
poçiuel pela neçeçi<strong>de</strong>. q’ ha <strong>de</strong>lla, <strong>de</strong>q’ dou com/ta a VMag<strong>de</strong>. Recife<br />
<strong>de</strong>Pernambuco 21 <strong>de</strong> Mayo / <strong>de</strong>1729<br />
DuarteSodre Pereira<br />
O primeiro suporte que <strong>de</strong>stacamos é o papel-carta que, como aludido<br />
antes, substituiu o pergaminho, principal responsável pelo surgimento <strong>de</strong><br />
abreviações. Como po<strong>de</strong>mos observar na carta acima, o uso <strong>de</strong> formas<br />
abreviadas é tão corrente que apenas uma linha não registra alguma redução.<br />
É mister, porém, lembrar que quando as cartas, fossem pessoais, oficiais, ou<br />
ao leitor, eram impressas e não manuscritas, as formas abreviadas se<br />
restringiam a abreviaturas, ou seja, formas padronizadas, <strong>de</strong> uso geral e que,<br />
na maioria das vezes, eram pronomes e formas <strong>de</strong> tratamento.<br />
Os <strong>de</strong>mais gêneros, blogs, e-mails, SMSs e diários têm<br />
comportamento similar, embora os suportes sejam a tela do computador, o<br />
telefone celular e o papel, respectivamente. Contudo, há uma presença maior<br />
<strong>de</strong> abreviações nos gêneros cujo suporte é o computador, visto que a própria<br />
linguagem utilizada nesse suporte prima por uma redução. Se atentarmos para<br />
o próprio nome dos gêneros que <strong>de</strong>le fazem uso, perceberemos que todos têm<br />
190
seu nome abreviado ou associado a uma sigla – BLOG (<strong>de</strong> weblog), e-mail (<strong>de</strong><br />
electronic mail), CHAT (<strong>de</strong> chatter), WEB (<strong>de</strong> world wi<strong>de</strong> web), entre outros. A<br />
busca por economizar tempo (e dinheiro), a fim <strong>de</strong> se alcançar uma escrita<br />
mais rápida, leva os usuários <strong>de</strong>sses gêneros, e também do SMS, a<br />
escreverem <strong>de</strong> forma abreviada, elevando o número <strong>de</strong> simplificações<br />
lingüísticas nesses suportes.<br />
TELA DO COMPUTADOR:<br />
Data: Tue, 19 Apr 2005 11:55:18 -0300 (ART)<br />
De: Adicionar en<strong>de</strong>reço<br />
Assunto: Livro<br />
Para: "Fabiana Souza" <br />
Oi, Fabiana sei q vc é super ocupada + gostaria <strong>de</strong> te pedir um favor muito<br />
gran<strong>de</strong>, vc teria como me conseguir o seguinte livro: Princípios <strong>de</strong> Lingüistica<br />
Geral, Ed. Vozes, Autor: Mattoso Câmara.Por que eu me comuniquei com outra<br />
profª e ela me disse p começar a ler esse livro o mais breve possível, pois ela<br />
me disse q po<strong>de</strong>ria me orientar por on<strong>de</strong> eu <strong>de</strong>vo ca,minhar p entrar no<br />
mestrado.Se não for incomodo lhe poedir isso pq eu não tenho acesso a<br />
nenhuma biblioteca e caso vc consiga eu tiro uma xerox eu leio logo e te<br />
<strong>de</strong>volvo. Vc é quem diz, tá Ok?<br />
Agra<strong>de</strong>cendo antecipadamente,<br />
M<br />
TELEFONE CELULAR:<br />
A) q <strong>de</strong>us cm a sua imensa sabdoria, trag-lhe paz,<br />
alegria e principalmnt mta flicidad, pos vc merec, pq e<br />
mto “spcial” fliz ano novo...! q em 2004 vc reali (sic) seus<br />
sonhos (m, a, +e, balconista-pb).<br />
B) Seu celular tem 1 ligacao perdida <strong>de</strong> 08388034663,<br />
08/05, 18:20. CLARO<br />
191
,,,, .*.<br />
C) ( , ”) (“ ,)<br />
(‘)==() () (‘)<br />
,,,, .*.<br />
( , ”) (“ ,)<br />
(‘)==() ((‘)<br />
,,, *.<br />
( ‘X’ ,)<br />
(‘)==() (‘)<br />
Um bjo p/ vc!<br />
Assim como nos e-mails e nos blogs, a presença <strong>de</strong> uma escrita<br />
abreviada, com sinais e símbolos, além da utilização <strong>de</strong> emoticons para<br />
exprimir os sentimentos do autor do texto, nos SMSs também encontramos<br />
uma escrita híbrida, que se utiliza <strong>de</strong> vários recursos, entre eles letras com<br />
valor fonético, signos transformados em ícones, bem como o recurso à<br />
i<strong>de</strong>ografia numa tentativa <strong>de</strong> simplificar ao máximo os elementos da escrita.<br />
Pu<strong>de</strong>mos observar claramente esse fato, ao analisarmos os exemplos a, b e c<br />
acima. No exemplo c, o usuário do SMS utiliza apenas sinais do teclado para<br />
criar imagens que dispensam o uso <strong>de</strong> palavras que, quando são utilizadas,<br />
sofrem abreviações (bjo por beijo; p/ por para; vc por você).<br />
• Das variáveis estruturais<br />
1. Extensão do texto<br />
Nos gêneros tradicionais, a carta e o diário, foi possível observar que,<br />
naquelas, tanto as que continham mais ou menos que <strong>de</strong>z linhas traziam em si<br />
alguma abreviação, quer na abertura, saudação ou fechamento. E mais:<br />
algumas tinham esse recurso <strong>de</strong> forma diretamente proporcional, ou seja,<br />
quanto maior o tamanho do texto, maior o número <strong>de</strong> abreviações nele<br />
contidas. Esse fator é comum às cartas <strong>de</strong> RE, PB e BA. Quanto ao gênero<br />
192
diário, é visível a relação que há entre a extensão do texto e a probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
nele ocorrerem abreviações. Atribuímos a essa constatação o fato <strong>de</strong> ser<br />
limitado, espacialmente falando, o local reservado para o autor fazer suas<br />
anotações diárias, o que o leva a ou resumir os fatos, ou narrá-los sem cortes,<br />
mas com palavras escritas <strong>de</strong> forma abreviada. No que concerne aos gêneros<br />
digitais, o SMS é aquele que, por natureza, <strong>de</strong>limita ao usuário o número <strong>de</strong><br />
caracteres <strong>de</strong> que este po<strong>de</strong> dispor em seu texto – <strong>de</strong> 150 a 160, incluindo<br />
acentuação e pontuação -. Assim sendo, o autor da mensagem <strong>de</strong> texto vê-se<br />
obrigado a fazer uso <strong>de</strong> um maior número <strong>de</strong> abreviações, a fim <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r dizer,<br />
em poucas linhas (caracteres), aquilo que certamente <strong>de</strong>spen<strong>de</strong>ria mais<br />
palavras. Em seguida vêm os blogs e e-mails, ambos pessoais, já que estes,<br />
quando oficiais, contêm bem menos abreviações em si. Convém lembrar<br />
também que esses dois últimos gêneros citados, em geral, são menos<br />
extensos quando apresentam um caráter privado, e não público, o que talvez<br />
favoreça, em parte, o número reduzido <strong>de</strong> abreviações, uma vez que a<br />
mensagem em si já é curta, abreviada. O fenômeno da abreviação fica mais<br />
bem visualizado a partir dos números fornecidos pelo Gráfico 7:<br />
100<br />
90<br />
80<br />
70<br />
60<br />
50<br />
40<br />
30<br />
20<br />
10<br />
0<br />
Gráfico 7<br />
Extensão do Texto<br />
carta diário blog sms e-mail<br />
até <strong>de</strong>z linhas<br />
mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z linhas<br />
193
Po<strong>de</strong>mos concluir, pelos números expressos, que os autores dos<br />
gêneros carta, blog e e-mail fazem uso <strong>de</strong> abreviações quer tenha o texto mais<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>z ou até <strong>de</strong>z linhas. Em outras palavras, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da extensão do<br />
texto, neles haverá abreviação. No que concerne aos dois outros gêneros,<br />
quais sejam: diário e SMS, se o texto ultrapassa as <strong>de</strong>z linhas, a probabilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> usar abreviações ten<strong>de</strong> a aumentar. Ou seja, quanto maior o texto do diário<br />
ou do SMS, mais reduções as palavras sofrerão. Vejamos alguns exemplos:<br />
1745<br />
Illmo e Exmo Snor<br />
CARTA 14<br />
(até 10 linhas)<br />
A planta que semeapresenta Com o <strong>de</strong>spaxo <strong>de</strong> V. Exa Rubrica / da com asua<br />
Rubrica, aqual planta pertense O Rdo pe Ga-‘briel <strong>de</strong> Malagrida Messionario<br />
Apostolico por Em execução / nava <strong>de</strong> Igarassû naõ se Exce<strong>de</strong>ndo ao Risco<br />
daplanta e perfil / aprezentado acho naõ ter forma <strong>de</strong> hospicio, nem Comvento/<br />
p’q’ careça <strong>de</strong> Igreja e Claustro e só acho ser hum E<strong>de</strong>ficio / <strong>de</strong> Casas<br />
Ordinárias ao uso do Pay, e he oq’ posso informar a V. Exª.<br />
Re a 15 <strong>de</strong> Ag.to <strong>de</strong> 1745.<br />
Fr: Estevão do Loretto<br />
JorgEAntunes.<br />
194
1759<br />
CARTA 15<br />
(mais <strong>de</strong> 10 linhas)<br />
Illmo. e Exmo. Sn’r.<br />
Aesta Igreja cathedral <strong>de</strong> Pernco. pertence o Espolio; q’ ficou, pr. / morte do<br />
Exmo. Bispo da mesma D. Fr. Luiz <strong>de</strong> Sta. Thereza; como Bis- / po Regular, q’ era<br />
Religiozo professo da Reforma <strong>de</strong>scalsa carmelitana / q’he falecido, sem testamto: no<br />
cazo q’. tivesse Indulto Apostolico para / testar em tal cazo hê her<strong>de</strong>ira àSua Igra. <strong>de</strong>q’<br />
sou indigno SuceSsor. E / como tal, <strong>de</strong>vo procurar o tal espolio, tal, equal elle seja,<br />
mto., ou pouco. E por / iSso, quà nesta Provedoria, tenho procurado, a parte da sua<br />
côngrua, / que tinha vencido em sua vida, enaõ tinha cobrado.<br />
Agora àvizo ao meu Procurador; para q saiba <strong>de</strong> V.Exa. / o como seha<strong>de</strong> haver<br />
na materia, pois me fez reparo, dizer-me na frota / pasada, q’ <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> V.Exa. fora<br />
ver os Pontificaes do dito Exmo. Prelado, / para se comprarem por conta <strong>de</strong> Sua<br />
Mage. qdo. elles, e tudo oq’ lhe / pertencia, por Dirto. hê da Sua Igra. como Sua<br />
her<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> q’. oBispo / actual tem a administraçaõ: E Se os Pontificaes <strong>de</strong>ste Prelado,<br />
e todo o / Seu espolio, qual elle seja; hê <strong>de</strong>sta Igra. olin<strong>de</strong>a, juntamte. reparei / em Se<br />
me dizer, Se mandaraõ comprar, ou Se compraraõ para oBispo / <strong>de</strong> Angro, qdo. São<br />
<strong>de</strong>sta Igra: e como taes, <strong>de</strong>vo solicitar todo o espolio / como pte legma. a quem<br />
pertence.<br />
O Exmo. Bsipo falesceo, na caza <strong>de</strong>D. Antonia Ma / riana Thereza Salgado,<br />
veuva, <strong>de</strong> Anto. (ilegível) Sua parenta; q’ / terâ em arrecadaçam odito espolio; poes<br />
bem terâ sabido; q’ naõ po / podia Ser her<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Seu Tio Bispo Religiozo proffesso<br />
doCarmo <strong>de</strong>scalço.<br />
Os moveis q’ aqui consta, pelos familiares; q’ S.Exa. Le- / vou da qui para<br />
Lisboa saõ os do rol junto; dos quaes, os q’ ficaram / por sua morte, enaõ constar<br />
legitimamte q’ tivesse <strong>de</strong>sposto em vida, / como podia fazer, ou Se <strong>de</strong>spen<strong>de</strong>ssem<br />
noseu funeral: tudo omais q’ / restar, pertence a esta Igra.<br />
Tam bem hê certo, q’ Sua Exa. naõ tinha divida algúas / porq’ Supposto tiveSse<br />
contas com a dita Sua parenta; hê certo tam / bem, q’ jâlhe naõ <strong>de</strong>via couza alguma;<br />
porq’tudo tinha jâ Satisfei- / to com aSua chegada a Lisboa: Porem Seligitimamte.<br />
constasse <strong>de</strong>algúa / <strong>de</strong>vida certa; citada apte naõ hâ duvida, q’ o espolio a <strong>de</strong>via<br />
pagar.<br />
Isto hê o q’ eu alcanço; porem po<strong>de</strong>râ haver outra couza / em contrario; por<br />
iSso tudo Sugeito à acertada <strong>de</strong>sposiçaõ <strong>de</strong> V.Exa. fiz / nesta àrrecadaçaõ por<br />
enten<strong>de</strong>r, q’ aiSso sou obrigado em consciencia / em nome <strong>de</strong>sta Igra. q’ taõ<br />
indignamte. administro. V.Exa. rezolverâ / o q’ for Servido. Deus g<strong>de</strong>. a V.Exa. ms<br />
anns . Olinda 12 <strong>de</strong> Março <strong>de</strong> 1759<br />
De VExa.<br />
Illmo. Exmo. Sor. Thome Joachim da Costa Se. Capelaõ mto. (ilegível)<br />
Corte Real do Conso. <strong>de</strong> S. Mage. fi<strong>de</strong>líssimo Seu Bispo <strong>de</strong> Olinda<br />
Secretario <strong>de</strong> Estado do Ultramar.<br />
SMS: (mais <strong>de</strong> 10 linhas)<br />
Não te consi<strong>de</strong>ro d+ pq tudo q é d+ sobra, e tudo q sobra é resto. Mas te<br />
consi<strong>de</strong>ro d - pq tudo o que falta é raro, assim como vc. Parabéns!(F, A,<br />
auxiliar <strong>de</strong> enfermagem - PB).<br />
(menos <strong>de</strong> 10 linhas)<br />
Não vo ligar pq to s/credito, + to vivo!(M, A, servidor público – PB ·).<br />
195
BLOG: (mais <strong>de</strong> 10 linhas)<br />
15/11/2005 12:45...começando outro blog <strong>de</strong>pois d mto tempo...primeiro post eh<br />
sempre uma merda, eu nunca sei oq escrever, mas jah q a Poleti insistiu, aki<br />
estou eu..alias,eu soh fiz outro blog pq vc praticamente mandou, vc gosta d<br />
ficar fuçando na minha vida neh sua vaca uahuahauhauhauhauhauahbom, fim<br />
d semana,pra variar, sai com a Mary e com a Li pra beber, mas <strong>de</strong>ssa vez eu<br />
naum fikei bebada, milagre! Hihihi ontem eu passei o dia td assistindo filmes q<br />
eu jah tinha visto pelo menos umas 2 vezes e comendo pipoca... foi mto bom<br />
hihih e hj eu naum fiz nada.. to tomando coragem pra fazer uns trabalhos da<br />
escola, mas falta vonta<strong>de</strong>........ aaahhhhhh eu qro férias!huuummmm num tem<br />
mais nada pra escrever eu acho.. num to inspirada hj..bom, esse post eh pra<br />
POleti linda....bjus miga, to com mta sauda<strong>de</strong> viw, te adoro <strong>de</strong>mais!bjusss pra<br />
tds!e antes q alguem fale sobre o blog gótico, eu coloquei esse soh por causa<br />
da cor tah Diego seu inutil! Uhauahauhauaha<br />
BLOG: (menos <strong>de</strong> 10 linhas)<br />
Postado por às 13:53:26<br />
.:: Comentários (1)<br />
nossa hoje eu to na maior <strong>de</strong>pre, terminei com o rafa , aki em ksa tah um<br />
merda<br />
eu naum aguento +, eh muita pressao em cima <strong>de</strong> uma pessoa só.<br />
preciso <strong>de</strong> ajuda, agora vamos ver quem sao meus verda<strong>de</strong>iros amigos.<br />
o jogo começo.....xau xau!!!!<br />
E-MAIL: (menos <strong>de</strong> 10 linhas)<br />
Data: Tue, 19 Apr 2005 11:55:18 -0300 (ART)<br />
De: Adicionar en<strong>de</strong>reço<br />
Assunto: Saú<strong>de</strong><br />
Para: "Fabiana Souza" <br />
Oi!!! obrigada pelas mensagens. e vc. c. está? melhorou? espero que sim. em<br />
recife vou ficar trocendo p. tudo dar certo em sua cirurgia. um abraçao<br />
M<br />
196
E-MAIL:(mais<strong>de</strong>10linhas)<br />
Data: Tue, 19 Apr 2005 11:55:18 -0300 (ART)<br />
De: M Adicionar en<strong>de</strong>reço<br />
Assunto: Ví<strong>de</strong>o<br />
Para: "Fabiana Souza" <br />
Oi gente,<br />
Um vi<strong>de</strong>o q meu irmão me mostrou e q eu achei MUITO<br />
bom, por isso estou compartilhando com vcs, espero q vcs<br />
gostem (espero, kkkkk)<br />
Naum <strong>de</strong>ixem <strong>de</strong> visitar meu gigafoto (aproveitando p<br />
ven<strong>de</strong>r o meu Jabá, hehehe) www.mch.gigafoto.com.br<br />
E p quem tem Orkut vejam essa comunida<strong>de</strong> qo meu<br />
amigão Rafael (Obrigada Rafa) fez p mim, kkkkk,<br />
http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=6094676<br />
Mi<br />
DIÁRIO: (mais <strong>de</strong> 10 linhas)<br />
197
2. Extensão do vocábulo<br />
(menos <strong>de</strong> 10 linhas)<br />
Para nossa surpresa, melhor dizendo, contrariando nossas<br />
expectativas, a freqüência <strong>de</strong> abreviações em textos digitais ou tradicionais<br />
está longe <strong>de</strong> apresentar uma relação direta com o tamanho da palavra. Os<br />
dados nos revelaram que palavras polissílabas, trissílabas, dissílabas e<br />
monossílabas são impiedosamente abreviadas, chegando algumas <strong>de</strong>las a<br />
conter apenas uma <strong>de</strong> suas letras, como é o caso <strong>de</strong> que, não, <strong>de</strong>, escritas q,<br />
ñ, d. Fato oposto a esse acontece nas cartas dos séculos XVIII e XIX, nos<br />
Estados da PB, PE e BA, on<strong>de</strong> algumas palavras, em geral polissílabas<br />
contendo mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z letras, apagam duas ou apenas uma <strong>de</strong>las, contrariando<br />
o princípio da abreviação, que é abreviar por economia.<br />
Um dado que achamos relevante nos nossos resultados diz respeito ao<br />
apagamento <strong>de</strong> a palavra recair quase categoricamente sobre as vogais. A<br />
esse respeito, no site www.duplipensarnet 167 há um artigo intitulado O erro <strong>de</strong><br />
português entre a retórica e a dialética, publicado por Ana Flávia L. M.<br />
167 Acessado em 10. 03. 2005.<br />
198
Gerhardt, que trata exatamente <strong>de</strong>ssa questão. Segundo Gerhardt, esse<br />
fenômeno é particularmente interessante, visto que reflete a capacida<strong>de</strong> da<br />
nossa mente <strong>de</strong> selecionar em figura as consoantes das palavras, restando ao<br />
fundo as vogais, já que nas reduções estas são quase todas suprimidas,<br />
ficando resguardadas apenas as consoantes. Para a autora, pouca atenção é<br />
dada às vogais quando lemos uma palavra. Segundo ela, isso se <strong>de</strong>ve ao fato<br />
<strong>de</strong> ser o restante da palavra recuperável a partir do acervo léxico contido em<br />
nossa memória. É exatamente isso que ocorre nas mensagens digitais <strong>de</strong> um<br />
modo geral: nelas são resguardados apenas os caracteres fundamentais à<br />
leitura. Na visão <strong>de</strong> Gerhardt<br />
relacionado a isso está o fato <strong>de</strong> que, numa perspectiva<br />
histórica acerca da evolução dos sistemas <strong>de</strong> escrita, a<br />
compreensão da linguagem ser feita <strong>de</strong> sons acarretar a<br />
invenção pelos sumérios, há cinco mil anos, da escrita silábica,<br />
feita apenas <strong>de</strong> consoantes, que provavelmente foram os sons<br />
que eles isolaram em princípio, sem dar conta ainda <strong>de</strong> que<br />
elas formavam contínuos junto com as vogais.<br />
Nossos dados corroboraram essa afirmação, tanto nos gêneros<br />
digitais- e-mail, blog, SMS - quanto nos tradicionais – carta e diário. Vejamos o<br />
Gráfico 8 a seguir:<br />
100<br />
90<br />
80<br />
70<br />
60<br />
50<br />
40<br />
30<br />
20<br />
10<br />
0<br />
Gráfico 8<br />
Abreviação e extensão do vocábulo<br />
monossilabo dissilabo trissilabo polissilabo<br />
199
Vale lembrar que os resultados exibidos no Gráfico 8 são específicos<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados vocábulos, ou seja, os monossílabos apresentam 80% <strong>de</strong><br />
abreviação se as palavras registradas forem <strong>de</strong>, que, não, com, por etc; os<br />
dissílabos, com 70% <strong>de</strong> ocorrência, são em geral beijo, você, cadê, porque<br />
etc; em seguida, os trissílabos, 50%, beleza, sauda<strong>de</strong>; por último os<br />
polissílabos felicida<strong>de</strong>, eternamente, realida<strong>de</strong>, entre outras, com 30% <strong>de</strong><br />
redução. Observemos alguns exemplos coletados:<br />
Hotmail<br />
Domingo, Julho 17, 2005<br />
BLOG:<br />
Parei <strong>de</strong> mexer com templates da trabalho d+.... To mexenu gora com meu<br />
flogao. Como vcs <strong>de</strong>ve ter percebido nem o template é feito por mim... É feito<br />
por um <strong>de</strong> meus parceiros.<br />
Bom vou ficano por aki mes.<br />
orkut: http://www.orkut.com/Profile.aspx?uid=14476506332741090473<br />
msn: valemarcelino@hotmail.com<br />
flogao: www.flogao.com.br/wevertonvm<br />
Postado por _WeVeRToN_<br />
•Segunda-feira, Junho 20, 2005•<br />
E-MAIL:<br />
De: "B M" Ver <strong>de</strong>talhes do contato<br />
Para: "Fabiana Souza" <br />
Assunto: Recife<br />
Data: Tue, 18 Oct 2005 11:54:03 -0200<br />
Fa,<br />
tudo bem c/ vc? E a saú<strong>de</strong>? Marquei com A para nos encontrarmos na próxima<br />
quarta feira ( dia 26). às 9 horas. Vc vai querer ir tbém? É esse o dia da<br />
abertura do seminário sobre Hipertexto? Qualquer coisa, me avise.<br />
Bjos gran<strong>de</strong>s,<br />
B<br />
200
SMS<br />
Não tem pressa, mas vc q sabe...Se quiser fique a vonta<strong>de</strong> (F, A,<br />
+E;Enfermagem, PB).<br />
Nunca conseguirei ser 100% mas sou o homem q te ama muito! (M, A,<br />
+E, Auditor, RE)<br />
Vejo vc a noite? Eta! (M, A, +E, Auditor, RE)<br />
Já consegui p vc. Minha colega ficou <strong>de</strong> me entregar sábado qdo então<br />
lhe passo. (F, A, +E; Enfermagem, PB).<br />
DIÁRIO 168 :<br />
168 Aqui os termos abreviados são para, com, mais, mas, escritos p/, c/, e +, respectivamente.<br />
Este último representa tanto o advérbio quanto a conjunção.<br />
201
3. Classes <strong>de</strong> palavras<br />
A gramática registra em suas prescritivas páginas a existência <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<br />
classes <strong>de</strong> palavras na língua portuguesa, quais sejam: artigo, substantivo,<br />
adjetivo, verbo, advérbio, conjunção, preposição, interjeição, numeral e<br />
pronome. Nos nossos dados, <strong>de</strong>ntre todos os gêneros aqui tratados, apenas<br />
duas não apresentam abreviação: artigo e interjeição. Esta última praticamente<br />
inexiste em nosso corpus; a primeira é categórica na manutenção da forma<br />
original, não apresentando um caso sequer <strong>de</strong> abreviação. Atribuímos a esse<br />
fato a razão <strong>de</strong>, em estando no singular, não haver possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser<br />
apagado o único elemento/letra que compõe essa classe; quando no plural,<br />
não fazer sentido o registro apenas da marca <strong>de</strong> plural (s) sem o seu<br />
antece<strong>de</strong>nte o ou a, um ou uma. Das <strong>de</strong>mais classes, os pronomes e/ou<br />
formas <strong>de</strong> tratamento são os que apresentam um maior número <strong>de</strong> redução em<br />
suas formas, quer seja o gênero uma carta do século XVIII ou um blog ou email<br />
dos dias atuais.<br />
Em segundo lugar, vêm os advérbios terminados no sufixo mente, cuja<br />
ocorrência <strong>de</strong> abreviação é <strong>de</strong> aproximadamente 95%. Vale ressaltar que<br />
esses números correspon<strong>de</strong>m ao gênero carta, situado nos séculos anteriores.<br />
Os <strong>de</strong>mais gêneros, compreendidos nos séculos XX e XXI, raramente fazem<br />
uso <strong>de</strong> advérbios <strong>de</strong>sse tipo e, quando o utilizam, ao menos nos blogs e SMSs,<br />
aplicam o mesmo princípio utilizado nas cartas: escreve-se a palavra até o<br />
início do sufixo e subtrai-se o en, colocando-se o te sobrescrito 169 (ex:<br />
atualm te ).<br />
Em terceiro lugar estão as preposições (<strong>de</strong>, para, com, escritas d, pra,<br />
p, c) e conjunções (porque, para que, que, respectivamente, porq, pq, para q,<br />
q) com mais <strong>de</strong> 90% <strong>de</strong> aplicação <strong>de</strong> abreviação. As outras classes restantes,<br />
numeral, adjetivo, verbo e substantivos, apresentam exemplos vários, cujas<br />
formas já possuem até siglas para as abreviações. Os numerais, no gênero<br />
carta, são abreviados em sua maioria (ex: primro por primeiro). Nas cartas, o<br />
único verbo abreviado era o guardar, praticamente categórico quando utilizado<br />
169 Esse recurso é específico dos séculos XVIII e XIX.<br />
202
no fechamento da carta (Deus guar<strong>de</strong> a Vossa Senhoria por muitos anos,<br />
escrito, D s g <strong>de</strong> a V Sª p m tos a ns ). Nos gêneros digitais, esse número é bem<br />
maior, visto que quase todos os verbos têm ao menos uma <strong>de</strong> suas vogais<br />
suprimida (bjar, brink, dxou, gstar por beijar, brincar, <strong>de</strong>ixou, gostar). A última<br />
classe, a dos substantivos, também registra um número elevado <strong>de</strong><br />
abreviações, tanto nas cartas quanto nos <strong>de</strong>mais gêneros (ksa, bjo, blza, fds,<br />
significando casa, beijo, beleza, fim <strong>de</strong> semana). É interessante observar que,<br />
na gran<strong>de</strong> maioria, as palavras que têm suas formas abreviadas, assim o<br />
fazem levando em consi<strong>de</strong>ração o fato <strong>de</strong> consoante e vogal partilharem<br />
semelhanças em seus sons, o que leva à assimilação <strong>de</strong> um <strong>de</strong>les,<br />
prevalecendo a consoante. A Tabela 1 abaixo nos dá uma visão acerca do<br />
fenômeno da abreviação e sua ocorrência nas classes <strong>de</strong> palavras.<br />
203
TABELA 1 170<br />
ABREVIAÇÃO E CLASSES DE PALAVRAS<br />
Verbo Pronome Substantivo 171 C G<strong>de</strong>;expda;<br />
Preposição Conjunção Advérbio Numeral<br />
l<br />
P.(peço);<br />
T a (tenha);R<br />
eg da(registrada);<br />
Exmos;Illm<br />
os; qm;<br />
VExa;SExa;<br />
Srias;Sr;<br />
ERM(esper VMage;SM<br />
a receber age;Dmo;<br />
mercê);Ra(r VM(Vossa<br />
espondida); Mercê);Vmc<br />
Responda; es;Rmo;Rd<br />
m<strong>de</strong>(man<strong>de</strong> o;VS<br />
);<br />
Reqr(requer<br />
); ta<br />
(tenha);<br />
a ;V.S;V<br />
.S ia ;Snr;VV<br />
SS as ;diligas;conseqa;testas;novbro;corr(corregedor);novbro;C Deq;plo;pr;pa; Pm;p’q’;por Comodamte;tbem;mto; Baste; m; mta; Pra;segd<br />
orra(correia);preste;Oliva;Solddo;anns;Vigrro;V.(vila);Igno p(para/por);p’; q;pa Inteiramte; Certamte; Somte; Pessoalmte; a;primra;<br />
;7bro;Desembgor;Glv(Gonçalves);Probi<strong>de</strong>;tito(título);liv.;o d’;pla;p/;visto q;paraq’;em Esteriormte; Juntamte; Atualmte; po.;pa;se<br />
rd(or<strong>de</strong>ns);regulamto;a(anos);Faze;Ci<strong>de</strong>;Cavti;Albuq;Bam q’<br />
qto;pr Violentamte; Igualmte; Qdo; Qto; gº;<br />
;G.Na;comdo;offo;Intero;Bandra;escram;procedimto;ofl;N<br />
tanto;os;p’t Finalmte; Dificultosamte; Interinamte;<br />
ovbr;Ouv;Ignio;Cavte;testas;dizmo;ver<strong>de</strong>;mamangpe;sub<br />
anto;enqto; Justamte; Livremte; Felizmte,<br />
dtos;nececi<strong>de</strong>;JoaqmRibro;Go;XerTava; Carno Carvl;<br />
p.isso; Energicamte; Especialmte; Principalmte;<br />
Sza;Raimdo Soas;Camra;<br />
Judiciosamte; Unicamte; Relativamte;<br />
sentimtos;secretro;rivali<strong>de</strong>;ver<strong>de</strong>;testos;circunstas;authori<br />
Imediatamte; Baste; Desgraçadamte;<br />
<strong>de</strong>;Prezds;Anto;regmto;preze(presente);Alfes;Presid;Ord<br />
Infelizmte; animosamte; involuntariamte;<br />
enças;Corel;fama;Figrdo;Sz;Come Gal;Presça;<br />
ingenuamte; respectivamte;<br />
;ql;q;da Offal;texto;Segda fra;<br />
semanariamte; igualmte; unicamte;<br />
qla;aqles;qt Respta;Frz(Ferraz);falecimo;Almda;Brto;Maxdo;Pera;Fort<br />
manifestamte; juntamte; publicamte;<br />
o; nd(nada); a;Campa<br />
diariamte; anualmte; casualmte;<br />
S Adro; v;<br />
a;dv;to;vo;t<br />
a; eta;sj;<br />
tava<br />
B Flo(falou);fz<br />
e(fazer);diz<br />
(dizer);to;<br />
vo;axu;<br />
E<br />
D V (vimos); t<br />
(telefonamo<br />
s)<br />
Vc; vcs;eta;<br />
q(que);toda<br />
(toda);<br />
Cmg<br />
(comigo);td<br />
s<br />
(todos);vcs;<br />
q; td (tudo)<br />
MTV;PF;TDMA;msg;min;tel;Sms; bjsss; cviço; bjs;<br />
bj;cel;bb;Credt;fut;fds;pe;fisio;saud; hj;h;fev;mar;blza;<br />
bb(bebê)<br />
Gent; ksa; xopi; bjss; bjao; findi; blzinha; 9da10<br />
(novida<strong>de</strong>s); bju<br />
p/(para);p(por)<br />
;c(com);s(sem<br />
); (<strong>de</strong>);<br />
P (para); d<br />
(<strong>de</strong>); q;<br />
Vc; vcs; q; Sl (sala); cel (celular) bjos; msg (mensagem); C (com);p<br />
(por); p (para)<br />
N (nos);q<br />
(que)<br />
Msg (mensagem); art. (artigo);OAB; nº (número);<br />
R.C.(Roberto Carlos);rem (remédio); comp (computador)<br />
P (para); c<br />
(com)<br />
Q(que);pq(p<br />
orque);+(m<br />
as);<br />
Dq (do<br />
D+ (<strong>de</strong>mais); d- (<strong>de</strong> menos);tb; Obg;<br />
Adjetivo<br />
Obi<strong>de</strong>;intro;<br />
do;Sta;obro<br />
;supe(auplic<br />
ante);gr<strong>de</strong>;o<br />
rdinro;neria<br />
s;ma(mesm<br />
a);qlqr;<br />
gr<strong>de</strong>;pp.;obr<br />
gdo;<br />
verdadra;br<br />
co;<br />
Q; pq; +; Aki; tbm; hje; mt; pokinhu; qdo;; Msm(mesm<br />
o)<br />
Pq<br />
(porque); +<br />
(mas); c<br />
(como)<br />
170 Como mencionado anteriormente, e por questão <strong>de</strong> economia <strong>de</strong> espaço, não exibimos na Tabela 1 acima as classes dos artigos e das interjeições, já<br />
que não há registros das mesmas em nossos dados. As letras C, S, B, E e D, na coluna à esquerda, significam Carta, SMS, Blog, E-mail e Diário,<br />
respectivamente.<br />
171 Embora a classe dos substantivos seja a que maior número traz <strong>de</strong> formas abreviadas, contudo essa relação é menor quando comparada à proporção.<br />
Ou seja, <strong>de</strong> 100 (cem) substantivos, 50 (cinqüenta) são abreviados; enquanto que esta proporção é bem maior com os pronomes, especificamente os <strong>de</strong><br />
tratamento. Neste caso, a probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> a forma ser abreviada é <strong>de</strong> quase 99%.<br />
Kd<br />
Qdo (quando); ñ (não)<br />
204
4. Tonicida<strong>de</strong> da sílaba<br />
Em uma primeira observação do corpus, os dados apontavam para maior<br />
incidência <strong>de</strong> abreviações em cujas sílabas recaía a tonicida<strong>de</strong>. Essa constatação<br />
era ainda maior no gênero carta. Analisados agora também os gêneros digitais, email,<br />
blog e SMS, vimos que há uma manutenção <strong>de</strong>ssa regra, sendo as sílabas<br />
tônicas as que mais abreviações contêm, o que não implica dizer que as pretônicas<br />
ou postônicas não registrem casos <strong>de</strong> abreviação. Entretanto, percebemos uma<br />
estreita ligação <strong>de</strong>ssa variável com o fato <strong>de</strong> haver na sílaba tônica um partilhamento<br />
<strong>de</strong> traços comuns à vogal e à consoante, o que, como já mencionado anteriormente,<br />
levaria ao apagamento da vogal, em geral facilmente recuperável pelo leitor. Dessa<br />
forma, po<strong>de</strong>mos inferir que a responsável pela abreviação não é a tonicida<strong>de</strong> em si,<br />
mas o princípio da economia que, nesse contexto, leva o autor a simplificar a escrita,<br />
escrevendo apenas uma letra em vez <strong>de</strong> duas, quaisquer que sejam os gêneros<br />
utilizados. Os resultados obtidos estão expressos no Gráfico 9 a seguir:<br />
Gráfico 9<br />
Abreviação e a Tonicida<strong>de</strong> das sílabas<br />
Pré-tônica Tônica Pós-tônica<br />
205
Segundo o princípio da saliência fônica, proposto por Naro e Lemle (1976),<br />
a mudança lingüística primeiramente atinge as palavras nas quais o grau <strong>de</strong><br />
saliência fônica entre a forma antiga e a forma nova é menor, e só <strong>de</strong>pois se instala<br />
on<strong>de</strong> esta é maior. Segundo esses autores, a mudança segue uma escala <strong>de</strong><br />
saliência fônica que, no nosso caso, atinge primeiro as palavras cuja saliência entre<br />
as formas existentes é menor. Por exemplo, palavras como porque → porq; beleza<br />
→ blza; <strong>de</strong> → d - são mais facilmente abreviadas que outras do tipo mesmo → msm;<br />
também → tbm; <strong>de</strong>ve → dv; ser → c, comigo → cmg, mensagem → msg. Nessas<br />
últimas formas, o leitor tem <strong>de</strong> fazer um maior esforço para recuperar qual palavra foi<br />
abreviada, e para isto nem sempre apenas o contexto resolve, mas um domínio<br />
amplo no vocabulário das abreviações. Aquelas permitem ao leitor uma<br />
“<strong>de</strong>codificação” mais rápida e fácil, visto que o princípio que rege a abreviação leva<br />
em conta uma escrita que se aproxime ao máximo da fala, daí abreviar as palavras<br />
utilizando somente as letras que representam o som. Em outras palavras, quando o<br />
falante diz ou pronuncia bebê, apenas ouvimos o som do fonema /b/, e por isso<br />
abrevia-se a palavra escrevendo somente as consoantes bb, já que a vogal e tornase<br />
totalmente dispensável. Assim também acontece com porq, d, q, kd e outros,<br />
on<strong>de</strong> praticamente todas as vogais são suprimidas e mantêm-se apenas as<br />
consoantes que representam o som da pronúncia, como no caso <strong>de</strong> cadê, que tem<br />
sua consoante original alterada <strong>de</strong> c para k, com o único propósito <strong>de</strong> reduzir,<br />
abreviar a palavra, já que <strong>de</strong> duas letras ca, passa-se a escrever apenas uma, k, que<br />
reproduz o mesmo som das duas outras. Vejamos os textos:<br />
:: Enviado por Pam-Pam - 13:15:26 ::<br />
BLOG:<br />
Nossa, quanto tempu em gente, estou morrendu di saudadis di v6, eh ja entramos<br />
<strong>de</strong> ferias, as minhas estao muito legais, estou me divertindu muito. Entaum eh issu<br />
pessual logo logo estou <strong>de</strong> volta com td.<br />
206
E-MAIL:<br />
Data: Mon, 14 Nov 2005 11:04:24 -0300 (ART)<br />
De: "M C" Mais informações<br />
Assunto: Foto<br />
Para: ,<br />
Oi,<br />
Olha o vicio gente, kkkk, nova foto do meu fotoblog, visitem...<br />
Bjus p todos,<br />
Mi<br />
SMS<br />
Eu queria c a lágrima q brota em c us ollhos, escorre em sua fac e chega até a sua<br />
bok (F, J, -E, Estudante, PB).<br />
Quando disserem q vc é uma droga ñ ligue pois em kda esquina vai t sempre alguém<br />
viciado em vc! (F, J, -E, Estudante, PB).<br />
207
DIÁRIO:<br />
208
• Das variáveis sociais<br />
1. Faixa etária<br />
Dos gêneros tradicionais, foi possível constatar um uso variável quanto à<br />
aplicação <strong>de</strong> abreviação por parte <strong>de</strong> quem escreve. Como nas cartas analisadas,<br />
quer fossem do século XVIII ou XIX e dos Estados da Paraíba, Pernambuco ou da<br />
Bahia, só havia autores adultos, po<strong>de</strong>mos afirmar que, nesse primeiro gênero, não<br />
só jovens, se é que estes a utilizavam, mas também, e principalmente, os adultos<br />
lançavam mão <strong>de</strong>sse recurso sem restrição alguma. No segundo gênero trabalhado,<br />
o diário, a prática da abreviação está, ao contrário da carta, diretamente relacionada<br />
com a ida<strong>de</strong> do autor. Ou seja, quanto mais jovem for a pessoa que escreve o diário,<br />
maiores são as chances <strong>de</strong> nele aparecerem abreviações. Ao passo que as pessoas<br />
mais adultas utilizam menos esse recurso da língua. Quando se trata <strong>de</strong> gênero<br />
digital, é consenso – as pesquisas estão aí para corroborarem nossos resultados –<br />
que o uso da abreviação é maior quando o autor (<strong>de</strong> e-mail, blog e SMS) se trata <strong>de</strong><br />
um jovem. É certo também que este fato não exclui os adultos da lista <strong>de</strong> “usuários<br />
<strong>de</strong> abreviações”, apenas os coloca entre aqueles que menos as utilizam. Ao que nos<br />
consta, segundo registra a literatura pertinente, semelhantemente às gírias, as<br />
abreviações são utilizadas com o objetivo primeiro <strong>de</strong> ser ágil, economizando tempo<br />
ao escrever (digitar) e, segundo, formar uma espécie <strong>de</strong> linguagem dos internautas,<br />
já conhecida e <strong>de</strong>nominada <strong>de</strong> internautês. Dessa forma, as pessoas que utilizam tal<br />
estilo <strong>de</strong>monstram assim pertencerem à <strong>de</strong>terminada comunida<strong>de</strong> discursiva, uma<br />
vez que partilham objetivos em comum, entre eles, o tipo <strong>de</strong> escrita utilizada. Esse<br />
fenômeno é facilmente observável em e-mails e, sobremaneira, nos SMSs, on<strong>de</strong> a<br />
relação entre abreviação, ida<strong>de</strong> dos usuários e grau <strong>de</strong> intimida<strong>de</strong> entre eles está<br />
fortemente explicitada em quatro tipos:<br />
1. Se se trata <strong>de</strong> uma pessoa mais velha que escreve para uma mais<br />
nova, temos mais abreviações;<br />
2. Se ocorrer o inverso, uma mais nova escrever para uma mais velha,<br />
menos abreviações serão utilizadas;<br />
209
3. Se ainda as pessoas envolvidas no texto/discurso são jovens,<br />
certamente haverá uma maior ocorrência <strong>de</strong> formas abreviadas,<br />
sendo constatado também o inverso;<br />
4. Se <strong>de</strong>ssa vez as pessoas forem mais velhas, automaticamente<br />
recorre-se menos a esse recurso da língua.<br />
Tal comprovação permite-nos inferir que no primeiro caso se dá uma busca<br />
por <strong>de</strong>monstrar ser a pessoa mais velha conhecedora <strong>de</strong>sse novo tipo <strong>de</strong> escrita,<br />
largamente utilizada pelos mais jovens, o que a leva a usar abreviações em seu<br />
texto; no segundo caso, por temer não ser compreendido em sua escrita, o jovem<br />
evita usar a abreviação quando o <strong>de</strong>stinatário é uma pessoa mais velha. Nos terceiro<br />
e quarto casos, como ambos são da mesma faixa etária, tem-se um maior uso <strong>de</strong><br />
abreviações por jovens, já que estes “falam” a mesma língua, utilizam o mesmo<br />
código, no caso em estudo, a forma abreviada, ou um <strong>de</strong>créscimo em sua<br />
ocorrência, uma vez que não é prática comum entre os mais velhos escrever<br />
utilizando abreviações ao longo <strong>de</strong> seus textos. A fim <strong>de</strong> melhor compreen<strong>de</strong>rmos o<br />
que foi dito, ilustramos os resultados com o Gráfico 10, abaixo, que traz a relação<br />
entre o uso <strong>de</strong> abreviações e a faixa etária do informante.<br />
100<br />
80<br />
60<br />
40<br />
20<br />
0<br />
Gráfico 10<br />
Abreviação e faixa etária<br />
Adultos Jovens<br />
Carta E-mail Blog SMS Diário<br />
Pelos dados apresentados, po<strong>de</strong>-se concluir que o gênero carta faz uso <strong>de</strong><br />
abreviações in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da faixa etária do autor. Quanto aos <strong>de</strong>mais<br />
gêneros, há uma unanimida<strong>de</strong> quanto aos resultados: em sendo o autor do diário,<br />
210
log, e-mail ou SMS pertencente à classe dos jovens, provavelmente sua mensagem<br />
lançará mão <strong>de</strong> abreviações. Se, porém, este pertencer à classe dos adultos,<br />
possivelmente serão encontradas menos formas reduzidas, menos abreviação.<br />
Vejamos os exemplos abaixo:<br />
1765<br />
Illmo. e Exmo Snr<br />
CARTA 16<br />
(autor adulto)<br />
Vou agra<strong>de</strong>cer aV.Exa. a honra, q’ mefez naPro/curaçaõ, que me mandou patomar parte no<br />
baptismo do filho, q’ nascesse / aos Illmos, e Exmos Snres Con<strong>de</strong>s <strong>de</strong>Villa Flor.<br />
Ecom effeito no dia 10 <strong>de</strong> Fevereiro <strong>de</strong> 1765 tive os credi-/tos <strong>de</strong>levar daSagrada<br />
fonte do baptismo em Nome <strong>de</strong>VExea, / como seu verda<strong>de</strong>iro Padrinho, no Oratorio do<br />
SeuPalacio, ao Innocen- / te Menino, o Exmo. e Illmo. Snr’ D. Antonio <strong>de</strong> Populo, filho / dos<br />
ditos Snres. Con<strong>de</strong>s Copeiros Mores, funçaõ muito plauirvel / com assistencia da nobreza<br />
da terra, que muito gostoza sabe obze-/quiar a o seu taõ benemerito Governador, eCapam<br />
General, unica bo- / nança que o ceo mandou aPernambuco: e se nutre o afilhado<br />
vigorosamte.<br />
Bejo as maos AV.Exea por tanto me honrar / no seuServo com este, e com os mais<br />
favores que espero das Liberaes / maõs <strong>de</strong> V.Exea; a quem Ds G<strong>de</strong> ms anns pafelici<strong>de</strong> da<br />
nossa / Monarchia. Olinda 30 <strong>de</strong> Mco <strong>de</strong>1765<br />
Illmo e Exmo. Snr Con<strong>de</strong> <strong>de</strong>Oeyros De VExa. Servo mto. obrigo. e fiel capelaõ e (ilegível)<br />
F. Bispo <strong>de</strong>Pernambuco.<br />
211
CARTA 17<br />
(autor jovem)<br />
BLOG: (autor jovem)<br />
Postado por às 20:43:41<br />
.:: Comentários (1)<br />
Eu amo o Inuyasha mais não é só <strong>de</strong>sse anime q eu gosto aki vai a foto <strong>de</strong> mais um<br />
personagem que eu acho perfeito ele é do Yu-Yu-Hakusho... Seu nome...Seu nome<br />
é Shuchi Minamino no mundo dos homens no Makai ele é o Incrivel Kurama<br />
Youko<br />
O que há <strong>de</strong> errado com a lã?<br />
BLOG: (autor adulto)<br />
“A maioria das pessoas não sabe que as ovelhas criadas para produção <strong>de</strong> lã são<br />
freqüentemente mutiladas sem nenhum tipo <strong>de</strong> anestésico, transportadas por milhares <strong>de</strong><br />
quilômetros suportando condições climáticas extremas, com pouco acesso à água e<br />
alimentação, e abatidas enquanto totalmente conscientes.”<br />
-- extraído do folheto “What's Wrong With Wool” da PETA - People for the Ethical Treatment<br />
of Animals. Para saber mais, faça o download aqui. 11:19 PM 12/11/2005<br />
212
E-MAIL: (autor adulto)<br />
Data: Sat, 12 Nov 2005 18:40:14 +0000 (GMT)<br />
De: "M" Ver <strong>de</strong>talhes do contato<br />
Assunto: Raiva nada!<br />
Para: "fabiana souza silva" <br />
<strong>de</strong>ve ter sido esquecimento, mesmo! espero q o eco já tenha se recuperado. qto as<br />
orientaçoes acho q vc nao precisa <strong>de</strong>las, sinceramente.<br />
eu essa semana escrevi um bocado, mas <strong>de</strong> ontem a tar<strong>de</strong> p. cá parei, esgotou.<br />
qdo eh q vc aparece? hj vi valeira, ela perguntou por vc<br />
um abraço<br />
M<br />
E-MAIL: (autor jovem)<br />
Data: Mon, 17 Oct 2005 12:15:41 -0300 (ART)<br />
De: "M C" Ver <strong>de</strong>talhes do contato<br />
Assunto: Foto Nova<br />
Para: "Fabiana Souza" ,<br />
Oi Gente,<br />
Pra quem gosta <strong>de</strong> fotoblog uma foto nova nas paradas, advinha quem está comigo<br />
Priscila ... é vc mesma !!! Hehehehe, e nem adianta reclamar viu???!!!! Kaká<br />
realmente o vício tomou conta <strong>de</strong> mim, existe escapatória ????<br />
Bjus a todos,<br />
Mi<br />
213
172 As formas registradas vêm sublinhadas.<br />
DIÁRIO: (autor jovem 172 )<br />
214
DIÁRIO: (autor adulto 173 )<br />
173 O autor utiliza Cap. e + ou – para capítulo e mais ou menos.<br />
215
2. Grau <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong><br />
Conforme mencionamos no capítulo da metodologia, essa variável dividiu os<br />
informantes em mais escolarizados e menos escolarizados, já que as cartas que<br />
compõem o material da Paraíba e do Recife não <strong>de</strong>ixavam claro o nível <strong>de</strong><br />
escolarização dos autores, ao contrário das cartas da Bahia. Após uma <strong>de</strong>talhada<br />
observação dos corpora da nossa pesquisa, foi possível concluir que, no gênero<br />
carta, o uso <strong>de</strong> abreviações ocorre in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do grau <strong>de</strong> instrução do<br />
autor <strong>de</strong>sta, o que nos autoriza afirmar que esse fator não exerce influência alguma<br />
quanto ao uso ou não <strong>de</strong> abreviações no referido gênero. Quanto ao diário, percebese<br />
uma discreta ligação no que diz respeito ao maior ou menor registro <strong>de</strong> formas<br />
abreviadas quando o autor tem mais ou menos instrução. Ou seja, nossos<br />
resultados apontam para menos abreviações quando se é mais escolarizado, e mais<br />
abreviações nos textos cujos autores têm menos tempo <strong>de</strong> estudo. De certa forma, o<br />
grau <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong> nesse gênero está diretamente relacionado com a ida<strong>de</strong> do<br />
autor, o que implica dizer que aqueles que mais uso fazem <strong>de</strong> abreviações nesse<br />
gênero são os que menos ida<strong>de</strong> têm. Essa mesma observação foi constatada nos<br />
gêneros digitais, e-mails, blogs e SMS. Ou seja, as pessoas que apresentavam um<br />
maior grau <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong> registravam menos abreviações em seus textos, e o<br />
inverso também. Aqui mais uma vez a faixa etária está ligada ao tempo <strong>de</strong> estudo do<br />
autor, apontando os mais jovens, no nosso caso menos escolarizados, como os que<br />
usam mais abreviações nos referidos gêneros. A seguir, apresentamos os resultados<br />
obtidos na nossa pesquisa, cruzando a variável grau <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong> com o<br />
fenômeno em estudo, a abreviação. Confira o Gráfico 11 a seguir:<br />
216
100<br />
90<br />
80<br />
70<br />
60<br />
50<br />
40<br />
30<br />
20<br />
10<br />
0<br />
Gráfico 11<br />
Abreviação e grau <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong><br />
Mais Escolarizados Menos Escolarizados<br />
Conforme nos revelam os números do Gráfico 11, em todos os gêneros<br />
aqui analisados – carta, diário, e-mail, blog e SMS -, os informantes que possuem<br />
mais instrução, ou seja, são mais escolarizados, usam menos formas abreviadas em<br />
suas mensagens, ao contrário daqueles que têm menos instrução, sendo menos<br />
escolarizados. Estes não apenas as utilizam como as fazem com uma freqüência<br />
bem maior, sendo praticamente categórico o uso <strong>de</strong> reduções em seus textos.<br />
Confira os exemplos a seguir:<br />
217
CARTA 18<br />
(informante mais escolarizado 174 )<br />
174 Como a própria carta revela, o autor da mesma é Desembargador e Ouvidor da Comarca, e<br />
provavelmente formado em leis, segundo lemos em Tânia Lobo (2001, p.8).<br />
218
CARTA 19<br />
(informante menos escolarizado 175 )<br />
175<br />
O autor <strong>de</strong>ssa carta é lavrador <strong>de</strong> algodão, o que provavelmente indica que tem pouca<br />
escolarização.<br />
219
E-MAIL: (mais escolarizado)<br />
De: "R C" Ver <strong>de</strong>talhes do contato<br />
Para: "Fabiana Souza" <br />
Assunto: Relatório<br />
Data: Sat, 5 Nov 2005 06:05:13 -0800<br />
Oi, Fabiana<br />
Adorei os e-mails. Você conseguiu abrir aquele <strong>de</strong> Gramado e Canela, e os outros?<br />
também? A respeito do relatório para enviar ao orientador, é a partir <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong><br />
2004? Porque nesse caso colocaríamos o do Gelne e o do CBLA, não é? Eu nem<br />
sabia que ainda tinha <strong>de</strong> fazer isso!!! Ah! Depois me envia o teu en<strong>de</strong>reço do MSN, e<br />
a foto do Bronckart? (<strong>de</strong>sculpe o abuso), mas é a curiosida<strong>de</strong>.<br />
Abraços,<br />
R<br />
De: "j s" Adicionar en<strong>de</strong>reço<br />
Para: Fabiana<br />
Assunto: Eu estou aqui.<br />
E-MAIL: (menos escolarizado)<br />
Data: Tue, 29 Nov 2005 00:51:29 +0000<br />
Oi, Fabiana.<br />
Espero q vc nao passe mau novamente pois brevimente estarei ai vc tem q espera<br />
por me. Quanto as eu enviei domingo <strong>de</strong>pois q acabamos <strong>de</strong> conversa, mais algum<br />
erro ouve q nao chegou ate o seu email.<br />
Beijos e abracos,,,,,,,,,,,,,,,<br />
J S.<br />
220
SMS: (mais escolarizado)<br />
Obrigado por ter plantado o amor em meu coração! Voltou a ser uma terra<br />
fértil! Amo vc <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>!!!(M, A, +E, Auditor – RE)<br />
(menos escolarizado)<br />
Quero lhe <strong>de</strong>sejar mais um dia dos prof, e sei q vou voltar a lhe <strong>de</strong>sejar isso<br />
durante anos pois existem pessoas nesse ramo qualida<strong>de</strong> e competência mais<br />
(sic) a sinhora e vovo não são assim, hoje vc po<strong>de</strong> estar cansada <strong>de</strong> estudar,<br />
mas, amanha a sua gloria sera dada graças a sua perfeição <strong>de</strong> ensino e a sua<br />
inteligencia d apren<strong>de</strong> o q ñ sabe com facilida<strong>de</strong>. Parabéns!(F, J, -E, estudante<br />
– PB)<br />
DIÁRIO: (informante mais escolarizado 176 )<br />
176 A única abreviação diz respeito ao nome da pessoa, que tem escrito apenas a inicial P.<br />
221
DIÁRIO (informante menos escolarizado 177 )<br />
BLOG: (mais escolarizado)<br />
12/11/2005 22:25E AGORA, DONA GLOBO?<br />
Sem Brasil na Sul-Americana, emissora exibe filmes<br />
Com a eliminação dos clubes brasileiros da Copa Sul-Americana <strong>de</strong> futebol, a Re<strong>de</strong><br />
Globo terá <strong>de</strong> rearranjar sua gra<strong>de</strong> <strong>de</strong> programação. No vácuo <strong>de</strong>ixado pela<br />
competição, a emissora vai exibir filmes. Será esse o começo da já famosa<br />
programação <strong>de</strong> fim-<strong>de</strong>-ano? Hoje a festa é sua, hoje a festa é nossa...<br />
177 Aqui, as formas com, para, mais e <strong>de</strong>mais são reduzidas a c/, p/, + e d+, respectivamente.<br />
222
BLOG:(menos escolarizado)<br />
sábado, 12 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2005<br />
Gente vou <strong>de</strong>ixar uma perguntinha respondam nos coments oq primeiro pras<br />
meninas se vocês tivessem andando na rua e <strong>de</strong>rrepente vissem o Inuyasha, o<br />
Mirok, Kouga, Narak e o eshomaru andando na rua oq vcs fariam?<br />
A)Agarraria ele<br />
B)Começaria a passar mal e <strong>de</strong>smaiaria<br />
C)tiraria uma foto<br />
D)sairia pulando e beijando ele<br />
E)pediria um autografo<br />
F)fingiria q não fiu<br />
E ql <strong>de</strong>les seria?<br />
A)Mirok<br />
B)Inuyasha<br />
C)Seshomaru<br />
D)Kouga<br />
E)Narak<br />
Bom e agora pros meninos, se vocês tivessem andando na rua e <strong>de</strong>rrepente vissem<br />
a Sango, a in, a Ayame, a Kagome, e a Kagura na rua andando na rua oq vcs<br />
fariam?<br />
A)Ficaria sem reação<br />
B)Tiraria uma foto<br />
C)Daria um beijo nela<br />
D)pediria um autografo<br />
E)fingiria que não viu<br />
F)Seguiria ela pelo resto do dia<br />
E qual <strong>de</strong>las seria<br />
A)Sango<br />
B)Rin<br />
C)Ayame<br />
D)Kagura<br />
Postado por às 20:43:41<br />
3. Sexo<br />
De acordo com a literatura pertinente - Fisscher (1958), Labov (1966),<br />
Trudgill (1974), Guy (1981), Oliveira (1982), Paiva (1986) e Silva (1997) - as<br />
mulheres, em geral, são mais conservadoras quanto à utilização <strong>de</strong> formas ditas<br />
padrão, enquanto os homens <strong>de</strong>têm a li<strong>de</strong>rança do uso <strong>de</strong> formas não-padrão.<br />
223
Contudo, afirmam as pesquisas que envolvem essa variável social, quando as<br />
formas inovadoras são consi<strong>de</strong>radas <strong>de</strong> prestígio, não-estigmatizadas, cabe às<br />
mulheres uma maior representação no que tange ao uso daquelas. O fenômeno<br />
abordado em nossa pesquisa aponta um maior número <strong>de</strong> abreviações por parte<br />
dos homens, enquanto as mulheres fazem menos uso <strong>de</strong>sse recurso. Esse resultado<br />
parece estar ligado ao fato <strong>de</strong> ser a abreviação uma forma não-padrão, embora não<br />
seja <strong>de</strong> todo estigmatizada, o que faz com que as mulheres sejam mais cautelosas<br />
ao as utilizarem em seus textos. Esses dados, é verda<strong>de</strong>, referem-se aos gêneros<br />
digitais – e-mail, blog, SMS – e não aos tradicionais – carta e diário. Nestes, temos<br />
duas posições para a abreviação: se se trata <strong>de</strong> diário, predominantemente escrito<br />
por mulheres, estas li<strong>de</strong>ram o uso <strong>de</strong> formas abreviadas; se, porém, o gênero é<br />
carta, os homens são os que mais abreviações utilizam. Vale lembrar que, das<br />
quase quinhentas cartas estudadas aqui, tanto as <strong>de</strong> RE, as da PB quanto as da BA,<br />
apenas uma é <strong>de</strong> autoria feminina, o que obviamente faz com que os homens<br />
dominem a li<strong>de</strong>rança. Dessa forma, fica clara a idéia <strong>de</strong> que nos gêneros tradicionais<br />
a variável sexo é irrelevante no que se refere ao uso <strong>de</strong> abreviações, enquanto que,<br />
nos gêneros digitais, ela é <strong>de</strong>terminante, ao menos nos nossos dados. Observe o<br />
Gráfico 12 a seguir:<br />
100%<br />
90%<br />
80%<br />
70%<br />
60%<br />
50%<br />
40%<br />
30%<br />
20%<br />
10%<br />
0%<br />
Gráfico 12<br />
Abreviação e Sexo<br />
Carta E-mail Blog SMS Diário<br />
Masculino Feminino<br />
224
De acordo com o Gráfico 12, o sexo feminino li<strong>de</strong>ra o uso <strong>de</strong> abreviações<br />
quando se trata dos gêneros diário (já que estas escrevem mais que os homens) e<br />
blog; empatam se o e-mail for o gênero utilizado, e per<strong>de</strong>m por uma maioria<br />
esmagadora, se a análise se restringe ao gênero carta, ao menos nas por nós aqui<br />
analisadas. Resumindo, temos: duas vitórias para o sexo masculino – carta e SMS;<br />
duas para o sexo feminino – diário e blog, e um empate no gênero e-mail.<br />
Observemos os exemplos:<br />
1745<br />
Illmo e Exmo Snor<br />
CARTA 20<br />
(informante do sexo masculino)<br />
A planta que semeapresenta Com o <strong>de</strong>spaxo <strong>de</strong> V. Exa Rubrica / da com asua<br />
Rubrica, aqual planta pertense O Rdo pe Ga-‘briel <strong>de</strong> Malagrida Messionario<br />
Apostolico por Em execução / nava <strong>de</strong> Igarassû naõ se Exce<strong>de</strong>ndo ao Risco<br />
daplanta e perfil / aprezentado acho naõ ter forma <strong>de</strong> hospicio, nem Comvento/ p’q’<br />
careça <strong>de</strong> Igreja e Claustro e só acho ser hum E<strong>de</strong>ficio / <strong>de</strong> Casas Ordinárias ao uso<br />
do Pay, e he oq’ posso informar a V. Exª Re a 15 <strong>de</strong> Ag.to <strong>de</strong> 1745.<br />
Fr: Estevão do Loretto<br />
JorgEAntunes.<br />
16 <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong> 1897 — Chamonix<br />
Meu prezado Senhor João Alfredo<br />
CARTA 21<br />
(informante do sexo feminino)<br />
Sabendo do gran<strong>de</strong> golpe porque acabão <strong>de</strong> passar não posso <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> vir dizerlhes<br />
já toda a parte que o Principe e eu tomamos em sua tão gran<strong>de</strong> dôr! Que Deus<br />
lhes dê toda a resignação e coragem nes(?)cessarias e creião-me sempre sua<br />
amiga muito(?) e muito <strong>de</strong> coração<br />
Isabel Con<strong>de</strong>ssa d’Eu<br />
225
DIÁRIO: (sexo feminino)<br />
É possível observar uma forma abreviada para a preposição por (P/), e uma<br />
substituição da palavra mil pelo numeral 1000, o que representa duas reduções<br />
utilizadas pela informante em um dia <strong>de</strong> anotação. No diário masculino, as<br />
anotações que o informante faz em dois dias registram apenas a substituição da<br />
palavra mais, pelo respectivo símbolo: +, como po<strong>de</strong>mos conferir abaixo:<br />
226
DIÁRIO: (sexo masculino)<br />
227
SMS: (sexo masculino)<br />
Kd vc? Tudo q vejo lembro <strong>de</strong> vc! Eu te amo <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>!(M, A, +E, Auditor – RE)<br />
SMS: (sexo feminino)<br />
Bom, tentei resistir, mas acabei beijando muuuuuuuuuuuuito. Foi legal, menos ter q<br />
mentir em casa.(F, A, +E, Empresária – PB)<br />
De: "M" Ver <strong>de</strong>talhes do contato<br />
E-MAIL: (sexo feminino)<br />
Para: "Fabiana Souza" <br />
Assunto: Relatório<br />
Data: Sat, 5 Nov 2005 06:05:13 -0800<br />
E aí, garota? como estás??<br />
quais sao as novida<strong>de</strong>s pessoenses, tesianas, familiares, ecosportense, enfim...<br />
como vai a vida.<br />
estou bem e com muitos prazos p cumprir; <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma otima orientaçao c X,<br />
acho q minha tese adquiriu a cara <strong>de</strong>finitva, já nao era sem fim...<br />
no mais p relaxar tenho ido ao cinema e olhado pro mar.<br />
um gran<strong>de</strong> abraço<br />
M<br />
E-MAIL: (sexo masculino)<br />
Data: Mon, 10 Oct 2005 18:35:06 -0300 (ART)<br />
De: "M A" Ver <strong>de</strong>talhes do contato<br />
Assunto: O paraíso existe !!!!!!<br />
Para: fabianasouzasilva@yahoo.com.br<br />
Amor,<br />
Depois que passei algumas horas no sítio com vc, fica difícil ir lá e não tê-la por<br />
perto. Morro <strong>de</strong> sauda<strong>de</strong>s. Infelizmente hoje não vai dar para nos vermos, mas<br />
amanhã tiraremos o atraso.<br />
bjs<br />
Teu gordinho!!!!<br />
Segue a foto <strong>de</strong> um lugar que é um paraíso qdo vc está lá<br />
228
Sexta-feira, Outubro 07, 2005<br />
BLOG:(sexo feminino)<br />
OIe galeraaaaaaaaa...como vaum meus queridos bjokeiros???? mta gente pedindo<br />
atualizaum..aki estou... me <strong>de</strong>sculpem galera.. sabe como eh.. nao eh mto facil<br />
arrumar tempo.. mas pra voces eu arrumo.. claro... novamente.. obrigada pelos<br />
emails... elogios..pedidos... e tudo mais Muitos e Muitos Beijos da Boquinha!!!<br />
BaBaDo E ApRoVaDo PoR ».¥.LaRyBoQuInHa.¥.», em Sexta-feira, Outub<br />
(sexo masculino)<br />
Enviado: 22/set/05 19:48 Quote<br />
único dia do ano q falto.. ai povo se rebela contra psor, mó zueira, num fizeram nada<br />
claro q valeu a pena dormir até 11h inves <strong>de</strong> acordar as 6h, mah tinha q ser bom só<br />
hoje, né? ai q f**a.. <strong>de</strong>volveram prova hoje tb.. q eu quero saber q eu tirei. me<br />
estressei agora.<br />
4. Profissão<br />
Possenti (2001, p.219-220) diz que “cada locutor se apo<strong>de</strong>ra da língua<br />
segundo sua situação social, os papéis que exerce etc”. Sendo assim, resolvemos<br />
verificar a valida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa afirmação cruzando a variável profissão com a ocorrência<br />
da abreviação, a fim <strong>de</strong> ratificar as palavras do autor, pois, segundo ele:<br />
A língua não se apresenta a todos da mesma maneira, a or<strong>de</strong>m da<br />
aquisição, <strong>de</strong> certas estruturas não é idêntica em todos os falantes,<br />
e a utilização da linguagem é freqüentemente capaz <strong>de</strong> distinguir um<br />
locutor do outro.<br />
No intuito <strong>de</strong> obtermos resultados satisfatórios, equivalemos o número <strong>de</strong><br />
textos por nós aqui coletados (cartas: 60, diários: 60;e-mails: 20, blogs:20,<br />
SMSs:20), ao número <strong>de</strong> profissão exercida pelos informantes. No gênero carta, elas<br />
variam <strong>de</strong> Vigário da Vila, Chefe <strong>de</strong> Polícia, Juiz ordinário a Ministro do Reino, nas<br />
da Paraíba; <strong>de</strong>sembargadores-ouvidores ou juízes ordinários, nas cartas da BA;<br />
servidor público, major, tenente, tipógrafo, nas <strong>de</strong> RE. Os diários comportam<br />
estudantes, professores e outros. Já os e-mails, blogs e SMSs incluem contadores,<br />
advogados, empresários, doutores, estudantes, bibliotecários, técnicos <strong>de</strong><br />
enfermagem, gerente <strong>de</strong> venda e servidor do INSS. De acordo com os resultados,<br />
essa variável não exerce qualquer influência que seja quanto ao uso ou não <strong>de</strong><br />
229
abreviações nos textos <strong>de</strong> seus autores. No banco <strong>de</strong> dados da Paraíba, <strong>de</strong> um total<br />
<strong>de</strong> 203 cartas existentes, apenas uma, escrita por José Bonifácio <strong>de</strong> Andrada e<br />
Silva, então Ministro do Reino e dos Negócios Estrangeiros, não registra sequer um<br />
caso <strong>de</strong> abreviação em suas linhas 178 . As <strong>de</strong>mais são categóricas em utilizarem<br />
esse processo <strong>de</strong> redução, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a abertura até o fechamento. É o que vamos ver<br />
na Tabela 2 a seguir:<br />
Tabela 2<br />
Abreviação e as profissões<br />
GÊNEROS<br />
PROFISSÕES carta e-mail blog diário SMS<br />
Vigário da Vila X (PB)<br />
Chefe <strong>de</strong> Polícia X (PB)<br />
Juiz ordinário<br />
X<br />
BA)<br />
(PB,<br />
Ministro do Reino X (PB)<br />
Desembargadoresouvidores<br />
X (BA)<br />
Servidor público X (RE)<br />
Major X (RE)<br />
Tenente X (RE)<br />
Tipógrafo X (RE)<br />
Estudantes X (PB, BA) X X (PB) X<br />
Professores X (PB) X (PB)<br />
Contadores X (PB) X X (RE)<br />
Empresários X (PB) X X (BA)<br />
Bibliotecário X (PB) X X (PB)<br />
Técnicos<br />
enfermagem<br />
<strong>de</strong><br />
X (PB) X X (PB) X (PB)<br />
Gerente <strong>de</strong> venda X (PB) X X (PB)<br />
Servidor do INSS X (PB) X X (PB)<br />
Pelos dados exibidos na Tabela 2 acima, os autores <strong>de</strong> cartas, diários, emails,<br />
blogs e SMSs, dos Estados da Paraíba, Pernambuco e Bahia, quer se trate <strong>de</strong><br />
estudantes, contadores, Juizes, empresários ou qualquer uma outra profissão das<br />
178 Ao que parece, a posição social ocupada pelo autor <strong>de</strong>ssa carta, advinda da profissão que ele<br />
exerce, faz com que não haja em seu texto a presença <strong>de</strong> abreviações, uma vez que o documento é<br />
consi<strong>de</strong>rado uma Or<strong>de</strong>m Real.<br />
230
acima mencionadas, utilizam em maior ou menor quantida<strong>de</strong> formas abreviadas nas<br />
mensagens produzidas. Esses resultados nos autorizam a afirmar que o fenômeno<br />
da abreviação ocorre in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da profissão que o autor do gênero analisado<br />
exerça. Vejamos:<br />
1747<br />
CARTA 21<br />
(Rei <strong>de</strong> Portugal)<br />
Dom João porgraça <strong>de</strong> Deos Rey / <strong>de</strong> Portugal edos algarves daqm edalem mar em<br />
/ Africa senhor <strong>de</strong> Guiné etc Faço Saber avos / governador ecapitaõ General da<br />
capitania <strong>de</strong> / Pernambuco q’ vendosse a representaçaõ q’ me fize / raõ os ofeçiais<br />
da camara da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong>olinda na / carta <strong>de</strong>q’ com esta sevosremete copia emq’<br />
pe<strong>de</strong>m / seja servido mandar q’ os Padres da comp.ª en / sinem Teologia como o<br />
fazem na B.ª emais / collegios assim naquella cida<strong>de</strong> como na villa do Recife<br />
damesma maneira q’ praticaõ / ençinar Filosofia. Mepareceo or<strong>de</strong>narvos / informeis<br />
com vosso parecer Ouvindo o Reitor / da Companhia e<strong>de</strong>clarando senadita cida<strong>de</strong> /<br />
<strong>de</strong>olinda ou Recife ha alguma escola <strong>de</strong>Re / legiaõ. ElRey nosso Snr.’ omandou por<br />
Tome / Josachim da Costa corte Real epello P.e Antonio / Freire <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong><br />
Henrriq. Comselheiros do Seo / cons.’ Vltramarino eSepassou por duas vias, Luis /<br />
Manoel afiz emlisboa a<strong>de</strong>sasseis <strong>de</strong>Dezembro <strong>de</strong> / mil seteçentos quarenta e seis o<br />
Secretario Ma / noelCaetano Lopes <strong>de</strong> Lavre afez escrever = Tome / Joachim<br />
daCosta corte Real = Ant: Fr. DeAndra<strong>de</strong><br />
231
CARTA 22<br />
(juiz ordinário)<br />
232
CARTA 23<br />
(governador)<br />
SMS<br />
Oi, Fa! Tudo bem? Liberou meu cel hoje. (F, A, -E, Promotora <strong>de</strong> vendas – PB)<br />
Cheguei bem. Boa noite! Amo vc! Bjs! (M, A, +E, Auditor – PE)<br />
Revelaste as fotos? Talvez eu vá aí amanhã, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cviço q<br />
aparecer! + se eu for eh dpois do almoço. (M, A, +E, Servidor Público – PB)<br />
Vc foi? (F, A, +E, Professora – PB)<br />
Desculpe a <strong>de</strong>mora p respon<strong>de</strong>r sua msg, não esqueci <strong>de</strong> vc. Por enquanto não<br />
tenho outras novida<strong>de</strong>s, e vc?Estou sentindo falta das nossas saídas.Bj.(F, A, +E,<br />
Empresária–PB)<br />
233
E-MAIL: (PROFESSORA)<br />
Data: Thu, 6 Oct 2005 00:03:33 +0000 (GMT)<br />
De: "M" Ver <strong>de</strong>talhes do contato<br />
Assunto: Correndo atrás das borboletas...<br />
Para: "fabiana souza silva" <br />
lindo, lindo, Fabiana!!<br />
só podia mesmo ser a mágica simplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Quintana.<br />
e aí como vc está?? espero que bem.<br />
bem, já aluguei o flat, uma maravilha: criei coragem e agora vou tb experimentar a<br />
beleza <strong>de</strong> morar perto do mar.<br />
um abraço<br />
M<br />
E-MAIL: (FONOAUDIÓLOGA)<br />
Data: Tue, 4 Oct 2005 20:14:00 -0300 (ART)<br />
De: "M C" Ver <strong>de</strong>talhes do contato<br />
Assunto: Foto<br />
Para: fabianasouzasilva@yahoo.com.br,<br />
Oi,<br />
Gente nova foto no fotolog (tô viciada mesmo), atenção especial (Dri, Jailane e<br />
Eunice) cês tão lá, qdo vcs pu<strong>de</strong>rem dêem uma passadinha lá...<br />
Recadinho p Chelzinha, ei menina add o meu fotolog no teu...<br />
Bjus a tds tô esperando os comentários,<br />
Mi<br />
BLOG: (estudante)<br />
15/11/2005 12:58<br />
Bom gente naum tenhu muito oq escrever...só q estou vivendo um amor<br />
impossivel...ele gosta <strong>de</strong> mim e eu gosto <strong>de</strong>le mais naum po<strong>de</strong>mos fikar<br />
junto...espero q isso um dia melhore pois naum vou conseguir viver assim...beijokas<br />
!!!<br />
enviada por BIA<br />
234
DIÁRIO: (estudante)<br />
235
DIÁRIO: (Técnico <strong>de</strong> enfermagem)<br />
Após tudo o que vimos neste capítulo, enten<strong>de</strong>mos como necessário<br />
apresentar um esquema geral, compreen<strong>de</strong>ndo todas as variáveis analisadas em<br />
conjunto com o fenômeno da abreviação, visando um melhor entendimento por parte<br />
do leitor. Em linhas gerais, pois, temos o seguinte quadro sinóptico:<br />
236
QUADRO 7<br />
A ABREVIAÇÃO X VARIÁVEIS ANALISADAS<br />
Variáveis sociointerativas Variáveis estruturais Variáveis sociais<br />
Gênero:<br />
Extensão do texto:<br />
Faixa etária:<br />
Carta (0)<br />
até 10 linhas(0)<br />
Jovem(+)<br />
Diário (0)<br />
E-mail(0)<br />
Blog(0)<br />
SMS(0)<br />
+ <strong>de</strong> 10 linhas(0)<br />
Adulto(-)<br />
Estilo:<br />
Extensão do vocábulo:<br />
Escolarida<strong>de</strong>:<br />
Formal (-)<br />
Monossílabo(0)<br />
- escolarizado(+)<br />
Informal (+)<br />
Dissílabo(0)<br />
Trissílabo(0)<br />
Polissílabo(0)<br />
+ escolarizado(-)<br />
Instância <strong>de</strong> realização: Classes <strong>de</strong> palavras:<br />
Sexo:<br />
Pública(-)<br />
Artigo(-)<br />
Masculino (0)<br />
Privada(+)<br />
Substantivo(0)<br />
Adjetivo(0)<br />
Verbo(0)<br />
Advérbio(0)<br />
Pronome(0)<br />
Numeral(0)<br />
Preposição(0)<br />
Conjunção(0)<br />
Interjeição(-)<br />
Feminino (0)<br />
Participantes:<br />
Tonicida<strong>de</strong> da sílaba:<br />
Profissão:<br />
1X1(+)<br />
Pré-tônica (0) Estudante(0);<br />
1XN(-)<br />
Tônica (0) Professor(0);<br />
Propósito comunicativo:<br />
Informativo(-)<br />
Lúdico(+)<br />
Suporte:<br />
Papel (-)<br />
Telefone celular (+)<br />
Computador (+)<br />
Pós-tônica (0) Auditor(0);<br />
Governador(0);<br />
Aux. <strong>de</strong> enfermagem(0);<br />
Servidor do INSS(0);<br />
Fonoaudióloga(0);<br />
Promotor <strong>de</strong> vendas(0);<br />
Empresário(0);<br />
Bibliotecário(0);<br />
Desembargador(0);<br />
Juiz ordinário(0);<br />
Chefe <strong>de</strong> polícia(0),<br />
Vigário da vila(0).<br />
TOTAL + 0 -<br />
Legenda: sinais para a importância da variável no processo da abreviação: + (maior ocorrência), -<br />
(menor ocorrência), 0 (irrelevância).<br />
Pelo Quadro 7, acima, concluimos que, no cômputo geral, os fatores sóciointerativos<br />
são mais proeminentes no processo da abreviação; os fatores sociais são<br />
menos salientes, e os estruturais, irrelevantes.<br />
237
CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
Ao longo <strong>de</strong>ste trabalho, levantamos algumas discussões no intuito <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>monstrar que:<br />
1. a abreviação, aqui entendida como representação <strong>de</strong> uma palavra<br />
por meio <strong>de</strong> uma ou algumas <strong>de</strong> suas letras, é um recurso da língua<br />
que teve origem nos idos do século VI antes <strong>de</strong> Cristo, proliferou no<br />
século X, esten<strong>de</strong>ndo-se até nossos dias, não sendo, pois, uma<br />
criação da era digital, como pensam alguns e, ao contrário do que<br />
muitos acreditam, sua utilização é muito menor hoje que em períodos<br />
anteriores da história da língua;<br />
2. embora seja um fenômeno da língua, e por isso não foge às<br />
incessantes variações por que ela passa, a abreviação manteve<br />
alguns princípios <strong>de</strong> uso (abreviar por necessida<strong>de</strong>), adaptando<br />
outros;<br />
3. o princípio da economia, seja <strong>de</strong> natureza lingüística ou financeira,<br />
continua sendo fator <strong>de</strong>terminante quando do uso da abreviação nos<br />
dias hodiernos;<br />
4. é evi<strong>de</strong>nte o fato <strong>de</strong> que os gêneros digitais aqui analisados guardam<br />
muitas semelhanças com os gêneros orais conversacionais, <strong>de</strong>ntre<br />
elas: períodos simples e curtos, frases nominais, frases truncadas,<br />
marcas <strong>de</strong> envolvimento, presença <strong>de</strong> marcadores conversacionais,<br />
entre outras características da oralida<strong>de</strong>, o que, a nosso ver, favorece<br />
o surgimento da abreviação;<br />
238
5. <strong>de</strong>ntre os fatores <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m sociointerativa aqui analisados, o gênero<br />
textual é aquele que atua como ‘carro-chefe’ na ocorrência da<br />
abreviação, <strong>de</strong>terminando um maior ou menor uso <strong>de</strong>sse recurso da<br />
língua. Atrelados a esse fator estão o estilo, a instância <strong>de</strong> realização,<br />
os participantes, o propósito comunicativo e o suporte. Dos gêneros<br />
tradicionais por nós trabalhados, a carta <strong>de</strong>stacou-se como aquele<br />
que registra maior número <strong>de</strong> abreviações, sendo fundamental<br />
lembrar que tal fato se <strong>de</strong>ve ao período no qual aquela foi escrita, ou<br />
seja, séculos XVIII e XIX, época em que a abreviação era bastante<br />
divulgada. Outra ressalva a ser feita diz respeito à tecnologia<br />
utilizada, ou seja, se a carta era manuscrita ou impressa, já que na<br />
primeira esse processo <strong>de</strong> redução chegou ao excesso. O inverso,<br />
porém, ocorria se a tecnologia utilizada fosse a impressa, restando<br />
apenas as abreviaturas correspon<strong>de</strong>ntes aos pronomes e às formas<br />
<strong>de</strong> tratamento. O estilo, por sua vez, está diretamente ligado ao<br />
propósito comunicativo, à instância <strong>de</strong> realização do texto e aos<br />
participantes. Em outras palavras, se o autor do texto – seja uma<br />
carta, um e-mail, um blog ou SMS – elabora um documento pessoal,<br />
e não oficial, ou melhor, privado e não público, a tendência é fazer<br />
uso <strong>de</strong> um maior número <strong>de</strong> abreviações ao longo <strong>de</strong> sua produção<br />
textual, principalmente se o propósito primeiro da mensagem for<br />
apenas divertir, o que não ocorre, ou se ocorre é em menor número,<br />
em texto público e/ou <strong>de</strong> caráter oficial, que pela própria natureza<br />
exige uma linguagem mais rebuscada. Dentro <strong>de</strong>ssa ‘ca<strong>de</strong>ia’ está o<br />
participante que, em sendo alguém <strong>de</strong> maior proximida<strong>de</strong> ou<br />
intimida<strong>de</strong>, mesmo que <strong>de</strong> posição social hierarquicamente mais<br />
elevada, permitirá ou induzirá o autor do texto a escrever <strong>de</strong> maneira<br />
mais distensa, menos formal. O último dos fatores sociointerativos, o<br />
suporte, também altera a natureza da leitura, levando o autor do texto<br />
a a<strong>de</strong>quar sua produção às normas daquele locus, seja ele digital ou<br />
não;<br />
6. no que concerne aos fatores estruturais – extensão do texto,<br />
extensão do vocábulo, classes <strong>de</strong> palavras e tonicida<strong>de</strong> da sílaba –<br />
constatamos a não relevância dos mesmos no processo <strong>de</strong> redução<br />
das palavras. Ou seja, a abreviação atinge tanto substantivos quanto<br />
239
verbos, adjetivos e até mesmo preposições. É bem verda<strong>de</strong> que<br />
algumas <strong>de</strong>ssas classes <strong>de</strong>têm um maior número <strong>de</strong> reduções, o<br />
que, porém, não elimina a ocorrência <strong>de</strong>stas nas <strong>de</strong>mais. De forma<br />
semelhante, seja o texto curto ou longo, a palavra monossílaba ou<br />
polissílaba, átona ou tônica, a abreviação atua <strong>de</strong> forma igualitária<br />
nos mesmos;<br />
7. em se tratando <strong>de</strong> fatores <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m social, quais sejam: faixa etária,<br />
grau <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong>, sexo e profissão, pu<strong>de</strong>mos observar certa<br />
ligação entre eles e o fenômeno em estudo: quando diz respeito aos<br />
gêneros digitais – o e-mail, blog, e SMS – há um maior registro <strong>de</strong><br />
abreviações por parte <strong>de</strong> quem escreve se esse for jovem, e o<br />
inverso também. O grau <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong> e a profissão do produtor do<br />
texto, no entanto, não exercem influência no uso ou não da<br />
abreviação. Ou seja, o fato <strong>de</strong> ser menos ou mais escolarizado não<br />
inibe a utilização do recurso em pauta, bem como exercer a profissão<br />
<strong>de</strong> estudante, auditor <strong>de</strong> contas, Professor Doutor ou outra ocupação<br />
qualquer, indicando que a abreviação não é uma variável por<br />
completo estigmatizada, sendo por essa razão usada<br />
indiscriminadamente por homens e mulheres.<br />
As reflexões feitas no <strong>de</strong>correr <strong>de</strong>ste trabalho tiveram como objetivo<br />
primordial analisar, numa perspectiva diacrônico-comparativa, um dos aspectos da<br />
língua portuguesa, a redução, especificamente a abreviação, a fim <strong>de</strong> constatarmos<br />
a existência e origem <strong>de</strong>sse fenômeno em períodos remotos da língua,<br />
particularmente os séculos XVIII e XIX até os dias atuais. Para tanto, fizemos um<br />
recorte <strong>de</strong> três Estados da região Nor<strong>de</strong>ste, a saber: Paraíba, Pernambuco e Bahia,<br />
no intuito <strong>de</strong> comparar o comportamento do fenômeno em estudo, a abreviação,<br />
<strong>de</strong>screvendo suas aplicações e implicações na socieda<strong>de</strong>, tendo em vista que toda<br />
alteração nesta provoca inevitavelmente alterações <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m lingüística.<br />
Embora <strong>de</strong> forma lacunosa, buscamos respon<strong>de</strong>r a algumas questões que<br />
têm inquietado professores <strong>de</strong> língua portuguesa, particularmente, e pais <strong>de</strong> alunos,<br />
<strong>de</strong> maneira especial, quanto às razões que levam alunos <strong>de</strong> séries variadas a<br />
utilizarem, não apenas em seus espaços digitais, mas também nos textos<br />
tradicionais, cujo suporte é a folha <strong>de</strong> papel, recursos <strong>de</strong> simplificação lingüística,<br />
240
<strong>de</strong>ntre eles a abreviação, fazendo-nos repensar aspectos centrais na relação entre a<br />
oralida<strong>de</strong> e a escrita. Para tanto, elegemos a teoria sociointerativa como o construto<br />
teórico capaz <strong>de</strong> explicar socio-historicamente processos <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> sentido e<br />
processos inferenciais. Assim, buscamos comprovar a relação entre os fatores<br />
lingüísticos e sociais, consi<strong>de</strong>rando que aqueles são sensíveis aos fatores culturais,<br />
não po<strong>de</strong>ndo ser estudados isoladamente.<br />
Certamente a discussão por nós levantada não encerra aqui, mesmo porque<br />
as línguas se encontram em constante processo <strong>de</strong> mudança, todavia, procuramos<br />
reunir pontos <strong>de</strong> vista os mais diversos, visando atingir uma possível resposta para<br />
as muitas indagações aqui levantadas. Resta-nos a perspectiva <strong>de</strong> termos<br />
conseguido, <strong>de</strong> alguma forma, contribuir com dados reais da língua, instigando<br />
pesquisadores da área a <strong>de</strong>senvolverem estudos adicionais.<br />
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REVISTA VEJA on-line (edição 1673 - 1 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2000).<br />
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