Academia Espírito-santense de Letras - Instituto Sincades
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4º CONCURSO<br />
ARTÍSTICO-LITERÁRIO<br />
INSTITUTO SINCADES<br />
A IMPORTÂNCIA DA LEITURA<br />
PARA A FORMAÇÃO DA CIDADANIA<br />
setembro 2012<br />
REVISTA DA ACADEMIA ESPÍRITO-SANTENSE DE LETRAS | 2012<br />
revista<br />
<strong>Aca<strong>de</strong>mia</strong><br />
<strong>Espírito</strong>-<strong>santense</strong><br />
<strong>de</strong> <strong>Letras</strong><br />
textos acadêmicos, textos e Histórias em Quadrinhos dos vencedores do<br />
4º concurso Artístico-Literário<br />
1 |
Expediente<br />
Gabriel Augusto <strong>de</strong> Mello Bittencourt<br />
Presi<strong>de</strong>nte<br />
Leonardo Passos Monjardim<br />
1º Vice-Presi<strong>de</strong>nte<br />
Getúlio Marcos Pereira Neves<br />
2º Vice-Presi<strong>de</strong>nte<br />
Maria Beatriz Figueiredo Abaurre<br />
3º Vice-Presi<strong>de</strong>nte<br />
Álvaro José dos Santos Silva<br />
1º Secretário<br />
Maria das Graças Silva Neves<br />
2º Secretário<br />
Francisco Aurélio Ribeiro<br />
1º Tesoureiro<br />
Ester Abreu <strong>de</strong> Oliveira<br />
2º Tesoureiro<br />
José Carlos Mattedi<br />
Diretor <strong>de</strong> Publicida<strong>de</strong><br />
CONSELHO FISCAL<br />
Ítalo Francisco Campos<br />
Josina Nunes Drumond<br />
Samuel Machado Duarte<br />
PROJETO GRÁFICO E EDITORAÇÃO<br />
Bios<br />
| 2
A<br />
REVISTA DA ACADEMIA ESPÍRITO-SANTENSE DE LETRAS | 2012<br />
Palavra<br />
do Presi<strong>de</strong>nte<br />
Gabriel Augusto <strong>de</strong> Mello Bittencourt<br />
PRESIDENTE DA AEL [2010 - 2013]<br />
<strong>Aca<strong>de</strong>mia</strong> <strong>Espírito</strong>-<strong>santense</strong> <strong>de</strong> <strong>Letras</strong>, também <strong>de</strong>nominada “Casa <strong>de</strong><br />
Kosciuszko Barbosa Leão”, fundada há 91 anos, na histórica sessão <strong>de</strong> junho<br />
<strong>de</strong> 1921, é a 2ª entida<strong>de</strong> cultural em ativida<strong>de</strong> mais antiga do <strong>Espírito</strong> Santo,<br />
só precedida pelo <strong>Instituto</strong> Histórico e Geográfico do <strong>Espírito</strong> Santo (1916).<br />
Inspirada na <strong>Aca<strong>de</strong>mia</strong> Brasileira <strong>de</strong> <strong>Letras</strong>, foi criada também nos mol<strong>de</strong>s<br />
da Aca<strong>de</strong>mie Française e <strong>de</strong>stinada, por certo, à “cultura da língua nacional”.<br />
Dando início àquela tradição da preferência pelos que laboram nos meios<br />
estritamente culturais, mas sem se fixar, contudo, somente nos cronistas,<br />
nos contistas, nos romancistas, nos poetas e nos teatrólogos, mas, também,<br />
naqueles que se exercitam e se <strong>de</strong>stacam noutros gêneros <strong>de</strong> escrita: trabalhos<br />
<strong>de</strong> cunho jornalístico, político, filológico, histórico, doutrinário ou científico.<br />
A atual Diretoria (2010-2013) tem-se empenhado no cumprimento<br />
das finalida<strong>de</strong>s da <strong>Aca<strong>de</strong>mia</strong> e, para isso, estabelece diálogo e procura realizar<br />
parcerias constantes com os órgãos que coor<strong>de</strong>nam projetos culturais<br />
no <strong>Espírito</strong> Santo, como a Secretaria <strong>de</strong> Estado da Cultura, a Secretaria<br />
Municipal da Cultura <strong>de</strong> Vitória e a Lei Rubem Braga, a Re<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong><br />
Bibliotecas Públicas e, sobretudo o <strong>Instituto</strong> SINCADES, <strong>de</strong>ntre outros.<br />
A presente edição da sua Revista, que congrega textos acadêmicos<br />
e os textos vencedores do Concurso Literário <strong>de</strong> iniciativa do <strong>Instituto</strong> SIN-<br />
CADES, é um projeto <strong>de</strong> execução da <strong>Aca<strong>de</strong>mia</strong> <strong>Espírito</strong>-<strong>santense</strong> <strong>de</strong> <strong>Letras</strong>;<br />
teve como tema “A Importância da Leitura na Formação da Cidadania” e<br />
abrangeu as categorias adulto, jovem e infantil, contemplando as modalida<strong>de</strong>s<br />
dissertação, poesia e ilustração.<br />
Aos noventa e um anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, completados no dia 04 <strong>de</strong> setembro<br />
último, a <strong>Aca<strong>de</strong>mia</strong> <strong>Espírito</strong>-<strong>santense</strong> <strong>de</strong> <strong>Letras</strong> <strong>de</strong>monstra sua vitalida<strong>de</strong><br />
e reconhece seu lugar e a importância que sempre ocupou na socieda<strong>de</strong><br />
capixaba como órgão cultural <strong>de</strong> valorização da memória e preservação da<br />
cultura literária e histórica.<br />
3 |
REVISTA DA ACADEMIA ESPÍRITO-SANTENSE DE LETRAS | 2012<br />
Aylton Rocha Bermu<strong>de</strong>s<br />
CADEIRA 04<br />
“Grãos da terra”, <strong>de</strong><br />
Matusalém Dias <strong>de</strong> Moura<br />
Ler é uma das boas coisas da vida, dizem-no autores <strong>de</strong> excelso mérito, como<br />
nosso inimitável conterrâneo Rubem Braga, num livro em que enfileira a<br />
leitura como dos atos mais prazerosos. Vinícius <strong>de</strong> Moraes, que fazia magnífica<br />
poesia e belas músicas, na Marcha da 4ª feira <strong>de</strong> cinzas, que compôs com<br />
Carlinhos Lyra, atinge o ápice da nossa canção popular unindo melodia <strong>de</strong><br />
toque meio celestial, meio dorida, ao apelo para a explosão da alegria: “... e,<br />
no entanto, é preciso cantar, é preciso cantar pra alegrar a cida<strong>de</strong>...”. Vinícius<br />
sabia o que estava dizendo: cantar é uma forma <strong>de</strong> ler, <strong>de</strong> participar do<br />
sentimento do autor. Ainda sinto o enlevo com que ouvi essa linda canção<br />
na voz daquele bloco <strong>de</strong> acadêmicos, naquela noite, que não acabou, do<br />
carnaval do longínquo ano <strong>de</strong> 1965, em Salvador, Bahia.<br />
Brasileiro lê pouco – repete-se com verda<strong>de</strong> em comparação com outras<br />
gentes. Hoje, como ontem, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o arroubo juvenil <strong>de</strong> Castro Alves no<br />
“Livro e a América”, é sempre hora <strong>de</strong> convocar o povo para ler. Leia, leia que<br />
há coisa saborosa e educativa para <strong>de</strong>gustar e tirar imenso proveito. Os livros<br />
<strong>de</strong> ciência, indispensáveis, hão <strong>de</strong> ser difíceis. Mas existem livros, muitos<br />
livros, que estão ao alcance do povo, que po<strong>de</strong>m e <strong>de</strong>vem ser lidos, como<br />
este <strong>de</strong> Matusalém Dias <strong>de</strong> Moura, que espelha temas do dia-a-dia, que<br />
passam por nós, que po<strong>de</strong>mos conferir, como se diz, senti-los, saboreá-los,<br />
aplaudir ou contestar. Matusalém Dias <strong>de</strong> Moura, menino, rapaz, homem<br />
do Córrego dos Coelhos, membro da <strong>Aca<strong>de</strong>mia</strong> espírito-<strong>santense</strong> <strong>de</strong> <strong>Letras</strong><br />
e do <strong>Instituto</strong> Histórico e Geográfico do <strong>Espírito</strong> Santo, está in<strong>de</strong>levelmente<br />
preso às suas raízes da Serra do Caparaó, em sua Irupi natal, sua Iúna, que<br />
ele ama, exalta, critica, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>. Na crônica Terra-Mãe, ele faz a confissão<br />
bairrista e meio vaidosa <strong>de</strong>clarada com frequência em outros textos neste<br />
livro e noutros, que é vasta a sua produção literária: “Sou muito apegado<br />
ao lugar on<strong>de</strong> nasci – o Córrego dos Coelhos, zona rural do município <strong>de</strong><br />
5 |
Irupi. Amo-o e não o esqueço nunca.” Seu jeito <strong>de</strong> escrever é este: coloquial, direto, simples, às<br />
vezes quase ingênuo, com sabor do café tomado com broa <strong>de</strong> milho, ali, junto do fogão, cujas<br />
chamas crepitam no frio aconchegante do pé <strong>de</strong> serra. Ele se enclausura na simplicida<strong>de</strong>, que é<br />
on<strong>de</strong> se encontram passagens lindíssimas <strong>de</strong> nossa literatura, como o famoso verso <strong>de</strong> Camões<br />
que Rubem Braga consi<strong>de</strong>rava o mais belo da língua portuguesa: “A gran<strong>de</strong> dor das coisas que<br />
passaram.” Essa simplicida<strong>de</strong> lembra a <strong>de</strong> Machado <strong>de</strong> Assis que escreveu a obra prima Dom<br />
Casmurro com menos <strong>de</strong> 2 mil palavras.<br />
Matusalém nos convoca para revisitar com ele sítios que o menino pobre, caipira, mas<br />
<strong>de</strong> inteligência aguda e sensibilida<strong>de</strong> privilegiada viu, absorveu, guardou na lembrança e, agora,<br />
nos oferece o privilégio <strong>de</strong> compartilhar com ele a gostosura da recordação que faz o milagre <strong>de</strong><br />
não <strong>de</strong>ixar morrer a lembrança do canto daquele sabiá, ao entar<strong>de</strong>cer, daquela flor balouçante<br />
na haste frágil, mas que tem força para durar anos e até séculos. Matusalém se refugia e se<br />
fortalece nos refolhos da memória fiel e sensível. Generoso, brinda-nos com seu ágape roceiro,<br />
mas saboroso, como os quitutes do seu fogão a lenha.<br />
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REVISTA DA ACADEMIA ESPÍRITO-SANTENSE DE LETRAS | 2012<br />
SAMuEL DuARTE<br />
CADEIRA 05<br />
Os Livros e Eu<br />
Devo esclarecer, para começo <strong>de</strong> conversa, que o meu respeito pelos livros<br />
começou muito antes que eu apren<strong>de</strong>sse a ler. Lembro-me bem – afinal<br />
tenho uma memória <strong>de</strong> 1 TB – <strong>de</strong> quando tudo começou. Eu tinha por volta<br />
<strong>de</strong> uns cinco anos e uma curiosida<strong>de</strong> maior que o corpo. E não era, acreditem-me,<br />
essa curiosida<strong>de</strong> doentia <strong>de</strong> espiar por buracos <strong>de</strong> fechadura ou<br />
<strong>de</strong> abrir correspondência alheia. Era a maldita curiosida<strong>de</strong> <strong>de</strong> querer saber<br />
a razão das coisas. Nem bem apren<strong>de</strong>ra a contar, mal chegara ao número<br />
mil e já importunava minha mãe querendo saber qual era o último número<br />
que existia. Nem preciso dizer que ficara muito <strong>de</strong>sconsolado, ao saber que<br />
os números não tinham fim. Afinal, a compreensão do Infinito era – e ainda<br />
é – <strong>de</strong>masiada fundura para mim.<br />
Naqueles cafundós <strong>de</strong> São Felipe, on<strong>de</strong> vivíamos, o tempo parecia<br />
se arrastar a passos <strong>de</strong> tartaruga. Minha mãe, professora rural antes <strong>de</strong> se<br />
casar, nem bem os filhos completavam três anos e já tentava enfiar alguma<br />
cultura na cabeça <strong>de</strong>les. Para isso se valia <strong>de</strong> seus poucos livros: a inseparável<br />
Bíblia <strong>de</strong> todo protestante, um exemplar <strong>de</strong> As Mil e uma Noites e outro<br />
dos Contos <strong>de</strong> Shakespeare, sem se falar na Vingança do Ju<strong>de</strong>u, presente do meu<br />
kar<strong>de</strong>cista avô paterno, e em um exemplar <strong>de</strong> A Cura pela Homeopatia, <strong>de</strong><br />
Coelho Sampaio. Ainda hoje relembro com sauda<strong>de</strong> aquelas noites escuras,<br />
com minha mãe lendo à luz do seu lampião, os sapos resmungando na lagoa<br />
e as nossas sombras, gran<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>formadas, dançando pelas pare<strong>de</strong>s.<br />
O mundo que havia naqueles livros era tão diferente do mundinho<br />
em que vivíamos como a água do vinho. Eu sonhava com eles e, na minha<br />
ingenuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criança, pensava que todos aqueles reis, rainhas fadas e<br />
princesas, sem falar em seus reinos, castelos, mares e navios, estava logo<br />
ali, pertinho, pouco <strong>de</strong>pois da vila <strong>de</strong> São Felipe. De todas as histórias que<br />
os evocavam, as minhas prediletas eram as <strong>de</strong> Aladim e sua lâmpada ma-<br />
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avilhosa e <strong>de</strong> Ali-Babá e dos seus 40 ladrões; e queria crescer logo para po<strong>de</strong>r ler e entrar no<br />
mundo mágico que havia nos livros, mais maravilhoso para mim que as riquezas da caverna<br />
<strong>de</strong> Ali-Babá. Ainda bem que minha mãe, com a intuição <strong>de</strong> todas as mães, incentivava o meu<br />
pendor para os livros e as suas histórias. Disse-me certa vez, muito séria, que tudo quanto havia<br />
no mundo estava escrito nos livros. Aquela afirmação me pareceu meio forte. “Até a Pedra<br />
da Roseira – e apontei para o monte que se levantava perto da nossa casa –, e o Corguinho da<br />
Vargem do Cedro?” – e mostrei o riachinho que serpenteava atrás do paiol “Tudo – respon<strong>de</strong>u ela<br />
–, num livro enorme chamado Geografia.” E, a partir <strong>de</strong>sta data, passei a respeitar a geografia.<br />
Mas eu crescia e meus pais precisavam aproveitar a curiosida<strong>de</strong> inata do menino perguntador.<br />
E lá me vi eu, menino bobo da roça, que não sabia nem chutar uma bola, <strong>de</strong> malinha<br />
nas costas, arribando em Cachoeiro, para morar na casa <strong>de</strong> um irmão <strong>de</strong> fé <strong>de</strong> minha mãe, a fim<br />
<strong>de</strong> estudar e tentar saciar a minha enorme curiosida<strong>de</strong>.<br />
Guardo <strong>de</strong>ssa época recordações tristes e prazerosas ao mesmo tempo. O meu hospe<strong>de</strong>iro,<br />
que era pastor protestante e diretor <strong>de</strong> uma escolinha primária, possuía livros em quantida<strong>de</strong>;<br />
a gran<strong>de</strong> maioria <strong>de</strong>les estava à disposição <strong>de</strong> quem quisesse lê-los. E eu, que chegara<br />
semi-alfabetizado por minha mãe, logo estava afundado neles até ao pescoço. Ainda capengava<br />
na leitura, mas já vibrava com Robinson e seu Sexta-Feira, com Gulliver e seus liliputianos e<br />
até, pasmem, com o Novo Testamento. Devo confessar, porém, que a leitura <strong>de</strong>ste último foi meio<br />
dificultosa. Eu, que não conhecia ainda a acentuação, pensei que se travava <strong>de</strong> um jogo <strong>de</strong> futebol:<br />
Era “para bola” pra lá, “para bola” pra cá. Menos mal que entre os livros do mestre acessíveis<br />
ao “gran<strong>de</strong> público” havia uma coleção do Tesouro da Juventu<strong>de</strong>. Neles eu mergulhei como um<br />
viajante perdido e se<strong>de</strong>nto mergulha em um rio <strong>de</strong> águas cristalinas.<br />
A leitura dos <strong>de</strong>zoito volumes do Tesouro marcou o meu ingresso no mundo da realida<strong>de</strong>.<br />
Larguei o mundo dos sonhos para trás; tudo quanto existia estava ali, ao alcance das minhas<br />
mãos, pelo milagre da leitura. Ciência, literatura, poesia, pintura, era um nunca acabar <strong>de</strong> informações.<br />
Uma das muitas seções daqueles livros grossos, bem enca<strong>de</strong>rnados e impressos em papel<br />
cuché, me marcou mais que as outras: chamava-se “O Livro dos Porquês”. “Por que chovia, por<br />
que o arco íris tinha sete cores, por que ventava?” e ia por aí a fora. Conclusão: em pouco tempo e<br />
com o auxílio daquelas leituras, o guri <strong>de</strong> oito anos – perdoem-me a falta <strong>de</strong> modéstia – já tinha a<br />
cabeça <strong>de</strong> um adolescente <strong>de</strong> quinze, tal o cabedal <strong>de</strong> conhecimentos que acumulara. Não havia<br />
encontrado ainda, em nenhum mapa orográfico, a Pedra da Roseira ou o Córrego da Vargem do<br />
Cedro, mas sabia que era apenas uma questão <strong>de</strong> tempo e breve, breve, toparia com eles.<br />
Em poucos anos, <strong>de</strong>vorei todos os livros da <strong>de</strong>mocrática estante aberta ao gran<strong>de</strong> público.<br />
Faltava apenas penetrar no é<strong>de</strong>n da estante envidraçada, fechada a sete chaves, on<strong>de</strong> avultavam<br />
as lombadas douradas <strong>de</strong> coleções e mais coleções <strong>de</strong> clássicos: Homero e sua Ilíada e Odisséia;<br />
Virgílio e sua Eneida; Camões e seu Os Lusíadas; Vieira e seus Sermões; Guerra Junqueiro completo<br />
e, para excitar ainda mais a minha curiosida<strong>de</strong>, a Nova Floresta, do padre Manuel Bernar<strong>de</strong>s.<br />
Certo dia, ao encontrar a chave esquecida na fechadura, eu peguei a Nova Floresta e já me<br />
preparava para abri-la, quando fui surpreendido pelo dono da casa. Temi uma repreensão, mas<br />
os meus temores logo se <strong>de</strong>svaneceram. “Olha, menino – ele disse –, é preciso ter muito carinho<br />
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REVISTA DA ACADEMIA ESPÍRITO-SANTENSE DE LETRAS | 2012<br />
com os livros; é só tratá-los bem e eles nos acompanharão a vida inteira”. A seguir, ele ensinou-me<br />
a manusear aquelas preciosida<strong>de</strong>s: lavar as mãos antes <strong>de</strong> abri-los, virar as páginas,<br />
<strong>de</strong>licadamente, pelo seu canto superior, cuidar <strong>de</strong> forrar a mesa para não sujar as capas, etc.<br />
Depois que me flanqueou a sua caverna <strong>de</strong> Ali-Babá, eu não precisei mais <strong>de</strong> nenhum “abre-tesésamo”<br />
para acessá-la. Era só lhe pedir a chave e logo estava às voltas com uma daquelas joias.<br />
Tenho que admitir, porém, que os Sermões <strong>de</strong> Vieira cansaram-me, que a Ilíada me pareceu um<br />
morticínio só, mas, em compensação, adorei os apólogos e as historietas espirituosas da Nova<br />
Floresta. Ao <strong>de</strong>ixar aquela casa que me abrigara por cinco anos, eu já estava contaminado pelo<br />
bendito vírus da Leitura; mas creio, sinceramente, que uma epi<strong>de</strong>mia <strong>de</strong>sse vírus não faria mal<br />
algum ao Brasil e aos brasileiros.<br />
Após me tornar um bibliólatra, tal o cuidado que punha no manuseio dos livros, eu, já<br />
no Ginásio, conheci A Coleção Saraiva que a gran<strong>de</strong> editora vinha <strong>de</strong> lançar e cujos títulos eram<br />
vendidos a preços populares. Breve eu estava economizando na merenda da escola para po<strong>de</strong>r<br />
comprar os primeiros volumes publicados. Bem diferente dos clássicos do pastor, a Saraiva<br />
priorizava as obras populares e os gran<strong>de</strong>s autores estrangeiros, apesar <strong>de</strong>, vez por outra, publicar<br />
algum autor brasileiro <strong>de</strong> renome. Foi assim que as janelas da literatura se abriram <strong>de</strong> par<br />
em par para mim. Conheci o mundo. Jorna<strong>de</strong>ei pelas estepes russas com Júlio Verne e Miguel<br />
Strogoff, pelos campos <strong>de</strong> Waterloo com Erckmann-Chatrian, pelas ruas <strong>de</strong> Pompeia com Lord<br />
Lytton, pelos Sertões do Araguaia com Hermano Ribeiro da Silva; <strong>de</strong>fendi o Santo Sepulcro com<br />
Zofia Kossak, naveguei pelos sete mares no Brigue Flibusteiro <strong>de</strong> Virgílio Várzea, enfim, palmilhei<br />
tantos lugares e aprendi tanta coisa com aquela bendita Coleção que, se os meus neurônios não<br />
entraram em pane foi porque – ao contrário do que pensam os preguiçosos – o cérebro humano<br />
é subtilizado e nele cabe muito mais informação do que se imagina.<br />
El leer mucho o el veer mucho avivan los ingenios, já dizia o mestre Cervantes; e os portugueses<br />
respondiam do outro lado da raia: “o homem, ou bem lido ou bem corrido”, o que é praticamente<br />
o mesmo. Como nunca fui muito <strong>de</strong> “andar com os tarecos em bolandas”, preferi ler.<br />
Assim, tão logo os meus parcos haveres o permitiram, comecei a comprar livros. Mas, ao contrário<br />
<strong>de</strong> um jovem advogado da minha terra que só comprava seus livros - quaisquer que fossem<br />
-, por metros, para enfeitar a estante do seu recém-inaugurado escritório, eu sempre fui muito<br />
criterioso nas minhas aquisições. Ouso afirmar que, apesar <strong>de</strong> ter apenas uns 1500 livros, quase<br />
todos os gran<strong>de</strong>s autores estão bem representados na minha biblioteca: dos clássicos greco-romanos<br />
aos escolásticos, dos poemas <strong>de</strong> Homero, Dante e Milton aos simbolistas franceses, dos<br />
gran<strong>de</strong>s romancistas que estiveram na moda e hoje jazem no esquecimento, aos mestres da<br />
ficção científica, Azimov e Arthur Clarke. É <strong>de</strong>snecessário dizer que reservei um escaninho para<br />
a poesia inspirada, aquela que brota da alma, e nunca fiz distinção <strong>de</strong> escola ou <strong>de</strong> estilo; nele<br />
convivem em boa paz, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os clássicos Homero e Camões, até os mo<strong>de</strong>rnos Verlaine, Jorge <strong>de</strong><br />
Lima e Garcia Lorca. Também fiz questão <strong>de</strong> prestigiar a “prata da casa”: <strong>de</strong>vo ter mais <strong>de</strong> uma<br />
centena <strong>de</strong> obras <strong>de</strong> autores capixabas <strong>de</strong>vidamente autografadas, o que muito me envai<strong>de</strong>ce.<br />
Nesta quadra da minha vida, posso afirmar com sincerida<strong>de</strong> que todas as minhas paixões<br />
<strong>de</strong> outrora, como a Caça e a Pesca, ficaram para trás. A única que me restou foi a primeira<br />
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<strong>de</strong>las, a Leitura, e tenho certeza que essa não me abandonará jamais, pelo menos enquanto o<br />
Alzheimer e a visão o permitirem. Através <strong>de</strong>la realizei o sonho que sempre almejei realizar, o<br />
sonho do menino curioso que ainda sou: enten<strong>de</strong>r um pouco, um pouquinho só, da História do<br />
Mundo e <strong>de</strong>ssa triste humanida<strong>de</strong> que o povoa.<br />
Fala-se agora no livro eletrônico. As últimas notícias que me chegam dão conta que, nos<br />
Estados Unidos, eles já representam 30% dos títulos vendidos. Este é um modismo, como tantos<br />
outros, que não seguirei. Prefiro ser o eterno homem dos anos 30, daqueles tempos em que<br />
era mais prazeroso – e, por que não dizê-lo? –, mais seguro se viver; daqueles tempos em que<br />
havia mais ilusão nos corações e mais fé e esperança no Porvir. Sei que continuarei arrastando,<br />
nas minhas mudanças <strong>de</strong> domicílio, não o baú <strong>de</strong> ossos <strong>de</strong> Pedro Nava, mas um baú <strong>de</strong> livros<br />
aos quais <strong>de</strong>vo tudo que sou. Mas, em compensação, terei sempre o prazer <strong>de</strong> saber que, da<br />
quietu<strong>de</strong> da minha biblioteca, po<strong>de</strong>rei dialogar com algumas das mentes mais iluminadas que<br />
me antece<strong>de</strong>ram no caminho do Tempo. Eles se foram, como seres humanos que eram, mas<br />
estarão sempre prontos a <strong>de</strong>scer das prateleiras e a partilhar com este humil<strong>de</strong> discípulo toda<br />
a sabedoria com que o Criador dos homens houve por bem aquinhoá-los.<br />
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REVISTA DA ACADEMIA ESPÍRITO-SANTENSE DE LETRAS | 2012<br />
FRANCISCO AuRELIO RIBEIRO<br />
CADEIRA 06<br />
Para que ler literatura<br />
nos tempos atuais?<br />
“A criação não po<strong>de</strong> completar-se<br />
sem a leitura, já que o artista <strong>de</strong>ve<br />
confiar ao outro a tarefa <strong>de</strong> terminar o<br />
começado; um autor só po<strong>de</strong> perceber-se<br />
essencial à sua obra através da<br />
consciência do leitor.” J. P. Sartre<br />
Primeiras décadas <strong>de</strong> um novo século, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> termos vivido o “breve” século<br />
XX, que nos trouxe as marcas <strong>de</strong> um tempo e <strong>de</strong> uma cultura que se<br />
esvaíram no ar. Um século que apresentou, em sua primeira meta<strong>de</strong>, uma<br />
crença na utopia, no triunfo da técnica e da ciência, na mo<strong>de</strong>rnização da<br />
socieda<strong>de</strong>, no fim do colonialismo, que se foi diluindo com as sucessivas<br />
guerras, culminando com a 2a Guerra Mundial e a morte dos principais mo<strong>de</strong>rnistas:<br />
Proust, Joyce, Virgínia Woolf e Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, entre nós. A Pós-<br />
Mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, com seus rituais <strong>de</strong> ruptura, experimentação e transgressão,<br />
colocou em cena a crise da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, o <strong>de</strong>scompasso entre a mo<strong>de</strong>rnização<br />
social e a mo<strong>de</strong>rnização estética, o fim dos gran<strong>de</strong>s relatos (Ciência,<br />
Filosofia, Moral, Religião, Política, História),terminando, talvez, com a ruína<br />
da URSS(1991) ou o ataque terroristas às torres nova-iorquinas(2001).<br />
No início <strong>de</strong>ste novo século, o XXI, marcado, segundo Gilles Lipovetsky,<br />
pela “Era do Vazio” (2005), pela socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> consumo, pelo hedonismo<br />
narcísico e pela violência, qual o papel da Literatura e,mais especificamente,<br />
como <strong>de</strong>verá ser o leitor e escritor <strong>de</strong>ste século, em tempos <strong>de</strong> informatização<br />
e <strong>de</strong> virtualida<strong>de</strong>s? Em primeiro lugar, retomemos alguns conceitos<br />
inseridos no tema, <strong>de</strong>ntre eles, o <strong>de</strong> “leitor”, “leitura”, “escritor”, “literatura”.<br />
Iniciemos pelo dicionário: Leitor = [Do lat. ‘lectore’.] Adj. 1. Que lê;<br />
ledor. 2. S.m. Aquele que lê, ledor. Leitura = [Do lat. Medieval ‘lectura’] s.f. 1.<br />
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Ato ou efeito <strong>de</strong> ler. 2. Arte <strong>de</strong> ler. 3. Hábito <strong>de</strong> ler. 4. Aquilo que se lê. 5. Que se lê, consi<strong>de</strong>rado<br />
em conjunto. 6. Arte <strong>de</strong> <strong>de</strong>cifrar e fixar um texto <strong>de</strong> autor, segundo <strong>de</strong>terminado critério. (Dicionário<br />
do Aurélio, p. 829). Po<strong>de</strong>-se observar, nos dois conceitos, tanto <strong>de</strong> leitor quanto <strong>de</strong> leitura,<br />
a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> ação, continuida<strong>de</strong>, hábito, formação. Tanto o sufixo ‘or’, do substantivo e do adjetivo<br />
“ledor/leitor” quanto o sufixo ‘ura’ indicam, em língua portuguesa, um agente e uma ação. Portanto,<br />
estamos falando <strong>de</strong> um “leitor i<strong>de</strong>al”, aquele que, segundo W. Iser, ‘<strong>de</strong>veria ter o mesmo<br />
código que o autor” ou aquele que “<strong>de</strong>veria ser capaz <strong>de</strong> realizar na leitura todo o potencial <strong>de</strong><br />
sentido do texto ficcional” (ISER, W. O ato da leitura. Uma teoria do efeito estético. Vol. 1. São<br />
Paulo: Ed. 34, 1996, p. 65).<br />
No entanto, a história da recepção dos textos nos revela que a recepção do texto escrito,<br />
verbal ou visual, literário ou não, se atualiza <strong>de</strong> maneiras muito diferentes. Não é possível, em<br />
um só momento, produzir-se toda a diversida<strong>de</strong> das possíveis significações <strong>de</strong> um texto, já que<br />
os sentidos <strong>de</strong> um texto po<strong>de</strong>m ser realizados sucessivamente, em diferentes leituras e em diferentes<br />
momentos do processo <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> um leitor.<br />
Na relação tradicional autor/texto/leitor, o autor projetava uma imagem <strong>de</strong> si próprio e<br />
a duplicava no leitor. Esse tornava-se o ‘alter ego’ do emissor textual, a partir <strong>de</strong> sinais retóricos<br />
que orientavam a reconstrução do texto conforme o <strong>de</strong>sejo ou a intenção do autor ou <strong>de</strong> sua<br />
i<strong>de</strong>ologia. Uma leitura, ou recepção, bem sucedida previa consenso entre duas instâncias, a <strong>de</strong><br />
produção e a <strong>de</strong> recepção do texto literário. Esse tipo <strong>de</strong> figura <strong>de</strong> leitor supunha um sentido in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte,<br />
exemplar, pré-concebido da obra literária e uma atitu<strong>de</strong> contemplativa, receptiva,<br />
alienada, passiva do leitor em relação ao sentido formulado pelo texto.<br />
Também o conceito <strong>de</strong> “escritor” ou “autor” tem sofrido diferentes variações, no tempo e no<br />
espaço. Do antigo “escriba”, doutor da lei, entre os ju<strong>de</strong>us, a funcionário do faraó, entre os egípcios,<br />
ao “copista” dos textos manuscritos, na Ida<strong>de</strong> Média; do “autor oral”, da Ida<strong>de</strong> Média, ao “autor<br />
mo<strong>de</strong>rno”, surgido com a edição impressa, do conceito <strong>de</strong> “direito autoral”, consagrado a partir<br />
do século XIX, a figura do “escritor profissional”, liberal, ao conceito atual, pós-mo<strong>de</strong>rno, <strong>de</strong> “morte<br />
do autor”, posto que não existe o “sujeito”, segundo FOUCAULT, muitos caminhos foram trilhados.<br />
Até a Ida<strong>de</strong> Média, predominou o conceito “divino” <strong>de</strong> escrita baseada na inspiração. O<br />
escritor era o escriba <strong>de</strong> uma “Palavra” que não era <strong>de</strong>le, pois vinha <strong>de</strong> outro lugar. Da Ida<strong>de</strong><br />
Média à Mo<strong>de</strong>rna, criou-se o conceito <strong>de</strong> originalida<strong>de</strong>, em que “escritores” são os que compõem<br />
uma obra, original, fruto <strong>de</strong> seu trabalho e <strong>de</strong> sua criação. O inglês faz a distinção entre “writer”,<br />
o que escreve alguma coisa, e “author”, aquele cujo nome próprio dá i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e autorida<strong>de</strong><br />
ao texto. Também o francês distingue o “écrivain” do “auter”, diferenciando o que escreveu um<br />
texto que permanece manuscrito, sem circulação, do que publicou obras impressas.<br />
Com a Pós-Mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, difundiu-se o conceito <strong>de</strong> “morte do autor” e a ascensão, ou a<br />
revitalização, do conceito <strong>de</strong> “leitor”. Sabe-se, hoje, que a leitura é sempre apropriação, invenção,<br />
produção <strong>de</strong> significados novos em diálogos entre e intratextos.<br />
Segundo Michel <strong>de</strong> Certeau, “o leitor é um caçador que percorre terras alheias”. Apreendido<br />
pela leitura, o texto, esse tecido <strong>de</strong> significados, não tem, exclusivamente, o sentido que<br />
lhe atribui seu autor, seu editor ou seus analistas ou apresentadores. O conceito <strong>de</strong> leitura atual<br />
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REVISTA DA ACADEMIA ESPÍRITO-SANTENSE DE LETRAS | 2012<br />
supõe, em princípio, a liberda<strong>de</strong> do leitor que <strong>de</strong>sloca e subverte a leitura, ou o sentido que o<br />
livro lhe preten<strong>de</strong> impor. Só que a liberda<strong>de</strong> leitora não é jamais absoluta. Ela é cerceada por<br />
limitações <strong>de</strong>rivadas das capacida<strong>de</strong>s, convenções, hábitos, (<strong>de</strong>)formações que caracterizam,<br />
em suas diferenças, as práticas <strong>de</strong> leitura.<br />
A<strong>de</strong>ntramos o século XXI e, diferente do que se propaga, nunca se leu tanto quanto na<br />
época atual, mesmo no Brasil. É cada vez maior o número <strong>de</strong> leitores <strong>de</strong> jornais e <strong>de</strong> revistas<br />
diversas; autores <strong>de</strong> obras infantojuvenis como Ziraldo, Ruth Rocha, Ana Maria Machado e muitos<br />
outros já ultrapassaram, há muito, a marca <strong>de</strong> milhões <strong>de</strong> livros vendidos; mas penso, sobretudo,<br />
no leitor do futuro, ou melhor, o jovem que, cada vez mais, navega na internet e constrói<br />
o seu texto <strong>de</strong> prazer ou <strong>de</strong> informação. Esse jovem “navegante” tem, hoje, o mesmo sentido<br />
<strong>de</strong> Ulisses, o herói mítico <strong>de</strong> Homero, personagem símbolo do texto literário e que, agora, po<strong>de</strong><br />
ser retomado para ressignificar o leitor dos tempos pós-mo<strong>de</strong>rnos.<br />
Em primeiro lugar, não tememos o fim do livro ou da leitura. Vivemos em época <strong>de</strong> crise,<br />
sim, mas a crise que vivemos, neste início <strong>de</strong> século, não é muito diferente da crise vivida ao<br />
final da antiguida<strong>de</strong> clássica e no advento da Ida<strong>de</strong> Média; na crise anterior à Ilustração, à Revolução<br />
Francesa e à Revolução Industrial, antece<strong>de</strong>ntes históricos do que se chamou Mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>.<br />
Bárbara Tuchman, em um espelho distante, chega a comparar o final do século XX ao final<br />
da Ida<strong>de</strong> Média, sobretudo ao século XIV, época <strong>de</strong> guerras, <strong>de</strong> fome e da peste. Esses flagelos,<br />
que assombraram todo o século XX, e que recru<strong>de</strong>scem, neste início <strong>de</strong> século e milênio, com as<br />
guerras i<strong>de</strong>ológicas na África, no Iraque ou Afeganistão; as guerras sociais nas ruas <strong>de</strong> Rio,Maceió,<br />
Vitória ou Joanesburgo; a fome que assola mais <strong>de</strong> um terço da humanida<strong>de</strong> e as doenças<br />
antigas que retomaram sua força, como o cólera, a tuberculose e as novas, como a Aids,o Ebola,<br />
a da Vaca Louca ou do Frango Asiático, trazem-nos a certeza <strong>de</strong> que a Mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> é um sonho<br />
ou um projeto humano ainda não concretizado.<br />
Hoje, a biblioteca virtual, eletrônica, digital está à disposição <strong>de</strong> cada leitor, sem sair <strong>de</strong><br />
casa, mas ela não substituirá a biblioteca tradicional e nem o livro individual. Nas socieda<strong>de</strong>s<br />
tecnologicamente mais avançadas que a nossa (EUA, Canadá, Europa) é o que ocorre. A informatização<br />
não substituiu a imprensa, ou o texto escrito, para o registro e a disseminação do<br />
livro, assim como a televisão não eliminou o cinema e nem este, o teatro.<br />
A televisão, o computador, os jogos eletrônicos, o cinema, livros, jornais e revistas são tanto<br />
instrumentos <strong>de</strong> informação, lazer ou alienação. Por isso, a pergunta que se faz, agora, é: como <strong>de</strong>ve<br />
ser a formação <strong>de</strong>sse leitor e escritor dos tempos hipermo<strong>de</strong>rnos, <strong>de</strong>sses jovens que têm tantos recursos<br />
<strong>de</strong> informação/formação/lazer à sua disposição, e não estão preparados para lidar com eles?<br />
Acredito que a chave esteja na re<strong>de</strong>scoberta do humanismo ou da humanização. De<br />
que adianta o computador e todos os seus recursos, ou os cinemas e a televisão, com seus filmes<br />
e programas que estimulam a violência, o sexo pelo sexo ou o materialismo consumista?<br />
E, talvez, aí esteja o papel permanente da Literatura e <strong>de</strong> outras Artes para tornar os seres<br />
humanos mais humanos, sensíveis, solidários, fraternos.<br />
A Literatura, segundo Antonio Candido, constitui-se <strong>de</strong> “criações <strong>de</strong> toque poético, ficcional<br />
ou dramático em todos os níveis <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong>, em todos os tipos <strong>de</strong> cultura, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
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o que chamamos folclore, lenda, chiste, até as formas mais complexas e difíceis da produção<br />
escrita das gran<strong>de</strong>s civilizações”. Nesse aspecto, a literatura, em seu sentido amplo, é uma manifestação<br />
universal <strong>de</strong> todos os homens, em todas as épocas.<br />
Antonio Candido compara a Literatura ao sonho e ao <strong>de</strong>vaneio, necessida<strong>de</strong>s vitais do<br />
homem, e afirma ser a Literatura “o sonho acordado das civilizações”. Por isso, assim como não<br />
é possível haver equilíbrio psíquico sem o sonho, também não há equilíbrio social sem a literatura.<br />
Mais ainda, <strong>de</strong>staca o mestre que a Literatura é fator indispensável <strong>de</strong> humanização e<br />
confirma o homem na sua humanida<strong>de</strong>.<br />
Ítalo Calvino, em Seis propostas para o próximo milênio, advoga para a imortalida<strong>de</strong><br />
das artes e mais especificamente, da Literatura, as seguintes características: leveza, rapi<strong>de</strong>z,<br />
visibilida<strong>de</strong>, exatidão, multiplicida<strong>de</strong> e consistência. A elas, eu incluiria “Humanização”. Sartre,<br />
em seu clássico Que é Literatura? afirma que “Um dos principais motivos da criação artística é<br />
certamente a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nos sentirmos essenciais em relação ao mundo”. Por isso, ela é, ao<br />
mesmo tempo, uma manifestação individual e social <strong>de</strong> humanida<strong>de</strong>.<br />
Neste século XXI, o que sobreviverá? Quem sabe virá um novo Iluminismo, uma volta ao<br />
Racional e ao Humanismo. Após um século que se extinguiu com a coisificação do homem, e<br />
caberia citar, aqui, Drummond, com seu poema “Eu-etiqueta”, <strong>de</strong>verá o homem retomar, para<br />
sobreviver, os princípios renascentistas em sua busca do Humanismo. Se o século XX foi, sobretudo<br />
em sua 2a meta<strong>de</strong>, um retroce<strong>de</strong>r à Ida<strong>de</strong> Média (Tuchman) ou a um Neobarroco (Severo<br />
Sarduy ou Omar Calabrese), <strong>de</strong>verá ter o XXI, era <strong>de</strong> Aquarius, uma conciliação da racionalização<br />
progressiva da vida e dos valores humanísticos. Ou,então,não sobreviveremos.<br />
Suponho até que esse processo já se encontre <strong>de</strong>lineado na Literatura <strong>de</strong>stes últimos<br />
anos. Vejo, por exemplo, no diálogo da Literatura com a História, sobretudo a partir dos anos oitenta,<br />
uma ficção que ilumina a História, parodiando-a, confirmando o que Walter Benjamin nos<br />
propusera, em seu texto clássico: “A história é objeto <strong>de</strong> uma construção cujo lugar não é o tempo<br />
homogêneo e vazio, mas um tempo saturado <strong>de</strong> “agoras”. Autores contemporâneos estabelecem<br />
um olhar crítico e questionador do tempo histórico, usando o texto literário para iluminá-lo.<br />
Outro aspecto que vejo como antece<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> um provável Humanismo futuro, já presente<br />
em dias atuais, é a questão do multiculturalismo, cujo enfoque central são os conceitos <strong>de</strong><br />
hibridismo e <strong>de</strong> alterida<strong>de</strong>, que obrigam a repensar a história literária, nos últimos vinte anos.<br />
Com a organização das mulheres e dos grupos chamados minoritários, negros, homossexuais e<br />
<strong>de</strong> outras minorias marginalizadas, o enfoque falocrata, branco e cristão, predominante até o século<br />
XX, é obrigado a ce<strong>de</strong>r lugar às outras vozes até então discriminadas. Não se po<strong>de</strong> mais, por<br />
exemplo, estudar a historiografia literária, sem analisar a participação das mulheres no Romantismo,<br />
e Nísia Floresta jamais po<strong>de</strong>rá ser esquecida na luta pela liberação feminina no Brasil; na<br />
campanha abolicionista, se impõem os nomes <strong>de</strong> Maria Firmina no Maranhão e Narcisa Amália,<br />
no Rio <strong>de</strong> Janeiro; na luta pelo sufragismo, na 1a meta<strong>de</strong> do século XX e na literatura homoerótica,<br />
nos últimos 20 anos. Em Dialética da colonização, Alfredo Bosi é taxativo: “Po<strong>de</strong>-se passar<br />
da raça para a nação, e da nação para a classe social (cultura do rico, cultura do pobre, cultura<br />
burguesa, cultura operária), mas <strong>de</strong> qualquer modo, o reconhecimento do plural é essencial”.<br />
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REVISTA DA ACADEMIA ESPÍRITO-SANTENSE DE LETRAS | 2012<br />
Em obra escrita há algum tempo, Por que Literatura, L. Costa Lima nos propõe uma<br />
resposta ao título <strong>de</strong> sua obra, que gostaria, agora, <strong>de</strong> retomar. Cito-o: “A arte e a literatura se<br />
justificam por expressarem, a partir do locus semântico do polissêmico (Della Volpe), uma visão<br />
articulada do tempo. Visão que ao leitor ou ao espectador consequente não po<strong>de</strong> ser apenas<br />
motivo <strong>de</strong> contemplação, elemento <strong>de</strong> <strong>de</strong>sfrute, prazer dos sentidos, porém mais do que isso,<br />
condição para o entendimento crítico da realida<strong>de</strong>. E quando dizemos crítico pensamos em um<br />
ato que não se encerra em compreen<strong>de</strong>r, mas em atuar a partir <strong>de</strong>sta compreensão”.<br />
A partir da citação <strong>de</strong> Costa Lima, po<strong>de</strong>ríamos, então, perguntar: mas que literatura é<br />
essa que propicia o entendimento crítico da realida<strong>de</strong>? Certamente não é a do tipo Vampiro ou<br />
a <strong>de</strong> Paulo Coelho e Dan Brown. Esta é uma literatura <strong>de</strong> massa, <strong>de</strong> consumo imediato e que<br />
muito pouco favorece uma “leitura crítica da realida<strong>de</strong>”. Estamos falando <strong>de</strong> uma obra literária<br />
que é, segundo A. Candido, “uma construção <strong>de</strong> objetos autônomos como estrutura e significado;<br />
uma forma <strong>de</strong> expressão, pois manifesta emoções e a visão do mundo dos indivíduos e dos<br />
grupos; uma forma <strong>de</strong> conhecimento, inclusive como corporação difusa e consciente”.<br />
Como objeto construído, a obra literária apresenta, em sua estrutura, um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> coerência,<br />
gerado pela força da palavra organizada. Ao tirar as palavras <strong>de</strong> sua experiência <strong>de</strong> mundo, do inconsciente<br />
e do conhecimento da realida<strong>de</strong>, o escritor estabelece com o leitor o po<strong>de</strong>r humanizador <strong>de</strong>ssa<br />
construção. Daí, o indispensável papel do leitor, evi<strong>de</strong>nciado pela teoria da estética e da recepção, para<br />
atribuir significado ao texto. Por exemplo, a crítica “engajada” dos anos 50/60 chamou a literatura <strong>de</strong><br />
Machado <strong>de</strong> Assis <strong>de</strong> alienada, por não ter sido “panfletária”, <strong>de</strong>nunciando o escravismo, no século<br />
passado. Hoje, a crítica contemporânea olha, com outro olhar, a obra machadiana e sua ironia e crítica<br />
não só à escravidão, mas a toda uma classe social, a burguesia, e às injustas estruturas sócio-político-econômicas<br />
em que se formaram. Mudou a obra <strong>de</strong> Machado <strong>de</strong> Assis? Não, o que mudou foi o<br />
leitor e a leitura que se faz <strong>de</strong> sua obra, hoje. Machado morreu, na primeira década do século XX. Sua<br />
repercussão, no entanto, é tamanha que foi escolhido como o maior escritor <strong>de</strong>sse século.<br />
Assim como a invenção da imprensa não matou a literatura popular e o conto folclórico,<br />
ao final da Ida<strong>de</strong> Média, mas os massificaram; assim como a invenção do cinema não acabou<br />
com a literatura, ao final do século XIX, mas a revitalizou; assim como a televisão não acabou<br />
com o cinema; o computador não eliminou a televisão e a internet não substituiu os correios<br />
e os filatelistas, a literatura não morreu, neste início <strong>de</strong> século, e permanecerá viva enquanto<br />
elemento essencial para a humanização, processo que, <strong>de</strong> acordo com A. Candido, confirma<br />
no homem traços essenciais como “o exercício <strong>de</strong> reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição<br />
para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> penetrar nos problemas<br />
da vida, o senso <strong>de</strong> beleza, a percepção da complexida<strong>de</strong> do mundo e dos seres, o cultivo do<br />
humor”. Encerro este texto, citando, novamente o mestre: “A literatura <strong>de</strong>senvolve em nós a<br />
quota <strong>de</strong> humanida<strong>de</strong> na medida em que nos torna compreensivos e abertos para a natureza,<br />
a socieda<strong>de</strong> e o semelhante”. Por tudo isso, ela continuará sendo ensinada e lida neste século,<br />
e essencial, enquanto houver vida humana. Voltemos aos livros, pois. Que eles nos ensinem o<br />
sentido do “humano”, que per<strong>de</strong>mos, e a recuperar o “tempo da <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za”, <strong>de</strong> que nos fala<br />
Chico Buarque, em “Todo sentimento”.<br />
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JOÃO BAPTISTA HERkENHOFF<br />
CADEIRA 08<br />
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Os mistérios da leitura,<br />
os caminhos do livro<br />
Inspiradamente, nossa <strong>Aca<strong>de</strong>mia</strong> <strong>Espírito</strong>-Santense <strong>de</strong> <strong>Letras</strong> <strong>de</strong>cidiu escolher<br />
a Leitura, como tema da Revista da <strong>Aca<strong>de</strong>mia</strong>, edição <strong>de</strong> 2012. Atendo<br />
a convocação acadêmica, comparecendo com este texto para a coletânea.<br />
Começo com a narrativa <strong>de</strong> um fato e avanço em consi<strong>de</strong>rações.Recebi<br />
uma carta <strong>de</strong> Juazeiro do Norte, Estado do Ceará. A remetente é uma jovem<br />
advogada, Salete Maria da Silva. Num belíssimo e inteligente texto <strong>de</strong><br />
três páginas, Salete Maria produz uma análise profunda, sensível e competente<br />
<strong>de</strong> nosso “ABC da Cidadania”. Faz inclusive um justo reparo ao trabalho,<br />
no capítulo “Participação popular – o povo construindo sua própria<br />
história”. Não sei se tive, em toda minha bibliografia, um livro comentado<br />
com tanta alma e com tão ampla visão humana e política... Valeria a pena<br />
todo o esforço para escrever este livro, se a recompensa fosse tão somente<br />
receber a carta <strong>de</strong> Salete Maria. O curioso é como esse pequeno livro<br />
chegou às mãos da advogada. O fato é narrado por ela.Um amigo da advogada,<br />
resi<strong>de</strong>nte em Juazeiro do Norte, veio a Vitória visitar parentes. Quis<br />
conhecer a “Casa do Cidadão”, criada na administração do Prefeito Paulo<br />
Hartung. Naquele espaço do povo, encontrou o “ABC da Cidadania”, livro<br />
que o Pastor Joaquim Beato, então Secretário Municipal <strong>de</strong> Cidadania, com<br />
a sensibilida<strong>de</strong> do poeta e a capacida<strong>de</strong> executiva do fazedor <strong>de</strong> coisas,<br />
teve a bonda<strong>de</strong> <strong>de</strong> me convidar para escrever. Na Casa do Cidadão, o livro<br />
é distribuído <strong>de</strong> graça às pessoas que manifestem interesse pela respectiva<br />
leitura.Iniciativa do Secretário Pastor Joaquim Beato, no Governo do<br />
então Prefeito Paulo Harturng, o ABC foi reeditado nas administrações do<br />
Prefeito Luiz Paulo Vellozo Lucas e do Prefeito João Carlos Cóser. A publicação<br />
e reedição do “ABC da Cidadania” por três Prefeitos, <strong>de</strong> três partidos<br />
diferentes, é por si só uma expressiva Lição <strong>de</strong> Cidadania.O “ABC da Cidadania”,<br />
saindo <strong>de</strong> Vitória, chegou aos domínios do Padre Cícero e às mãos
REVISTA DA ACADEMIA ESPÍRITO-SANTENSE DE LETRAS | 2012<br />
<strong>de</strong> Salete Maria. O livro, esse objeto retangular inconfundível, tem muitas vezes esse tipo <strong>de</strong><br />
trajetória. Uma trajetória não convencional, surpreen<strong>de</strong>nte.<br />
Em Pelotas (RS), conheci um jovem que me impressionou pela inteligência e argúcia.<br />
Num seminário que ministrei naquela cida<strong>de</strong> gaúcha, para um público predominante <strong>de</strong> universitários,<br />
as perguntas <strong>de</strong>sse jovem eram as mais instigantes. Porque educou a postura, para<br />
olhar o interlocutor sempre <strong>de</strong> frente, <strong>de</strong> olhos abertos, não percebi que o jovem era portador<br />
<strong>de</strong> uma <strong>de</strong>ficiência física. Era cego. Só <strong>de</strong>pois verifiquei a circunstância porque, para andar, ele<br />
precisava <strong>de</strong> ajuda. E <strong>de</strong> sua própria boca ouvi, dito com a maior naturalida<strong>de</strong>, que era cego. O<br />
jovem, que se chama José Antônio <strong>de</strong> Souza Gue<strong>de</strong>s, pediu-me que lhe mandasse os disquetes<br />
<strong>de</strong> meus livros. Po<strong>de</strong>ria ouvir os textos, através do computador. Atendi seu pedido em parte,<br />
como esclareço a seguir, e lhe man<strong>de</strong>i também o volume da obra “Uma porta para o homem no<br />
Direito Criminal”, da qual não tenho disquete. Registrei na primeira página do livro esta <strong>de</strong>dicatória:<br />
“Prezado José Antônio, - Aten<strong>de</strong>ndo seu pedido, estou enviando os disquetes <strong>de</strong> meus<br />
livros para que, no seu computador, você converta a linguagem. Trata-se dos seis livros mais<br />
recentes. Dos livros mais antigos, não tenho disquete porque antes eu não escrevia em computador.<br />
Envio-lhe apenas um livro, que não é em disquete: é este aqui, para que você o pegue e o<br />
sinta nas mãos. Com sua percepção extrassensorial, sei que este toque vai lhe dizer muita coisa.<br />
Todos nós somos, <strong>de</strong> alguma forma, <strong>de</strong>ficientes. Percebi que você não enxerga, mas vê, porque<br />
é portador <strong>de</strong> uma sensibilida<strong>de</strong> incomum. Você foi a pessoa mais importante que conheci em<br />
Pelotas, não obstante tenha conhecido também outras pessoas importantes – o Juiz, o Prefeito,<br />
o Vigário. Talvez, algum dia, você seja um magistrado porque uma <strong>de</strong>ficiência física não impe<strong>de</strong><br />
alguém <strong>de</strong> ser um gran<strong>de</strong> juiz. Muitos enxergam com os olhos, mas não têm capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ver<br />
com a alma. São maus juízes. Você enxerga com a alma. Hoje há gravador, computador e mil<br />
recursos, além da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> você contar com a ajuda <strong>de</strong> um secretário ou secretária que<br />
supra a <strong>de</strong>ficiência visual. Peça que um amigo lhe faça a leitura do <strong>de</strong>spacho da página 125 e<br />
seguintes. Refere-se à liberda<strong>de</strong> concedida a um jovem, que era a luz <strong>de</strong> um irmão cego. Eu lhe<br />
<strong>de</strong>sejo muitas felicida<strong>de</strong>s, José Antônio. Fraternalmente, o JBH. ”José Antônio escreveu-me uma<br />
linda carta agra<strong>de</strong>cendo o presente. Sua mãe telefonou-me, dizendo que o filho andava com o<br />
livro <strong>de</strong>baixo do braço, para mostrar a todos os amigos, feliz que ficou por receber um livro, que<br />
não lia, mas que podia sentir.<br />
Assisti certa vez a uma entrevista do Ziraldo, na televisão, a respeito do livro. Ziraldo<br />
dizia que o livro nunca será substituído. Não há tecnologia que o suprima, não há avanço da informática<br />
que o torne dispensável porque o livro tem esse mistério, esse po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> comunicação.<br />
O livro tem alma. Acho que foi isso que Ziraldo quis dizer. Por causa <strong>de</strong>ssa alma, as crônicas do<br />
jornalista José Costa, publicadas em jornais e revistas, foram resgatadas em livro. São crônicas<br />
cheias <strong>de</strong> humanismo, fino humor e poesia. Numa perspectiva, ao mesmo tempo local e universal,<br />
José Costa soube apreen<strong>de</strong>r, nessas crônicas, a paisagem física e humana <strong>de</strong> nossa terra.<br />
Os órgãos culturais, as li<strong>de</strong>ranças políticas e empresariais <strong>de</strong>ram à inteligência capixaba, como<br />
preciso presente, o resgate <strong>de</strong>ssa memória. Neste breve texto, narrei os milagres que o Livro faz<br />
e as emoções que a Leitura proporciona.<br />
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ÁLvARO JOSé SILvA<br />
CADEIRA 14<br />
Ele está sentado em uma poltrona da sala <strong>de</strong> visitas, numa bela manhã <strong>de</strong><br />
domingo, esperando o almoço ser servido. No apartamento da filha, conversando<br />
com o genro, a uma pergunta banal sobre um quadro, começa<br />
a contar as partes mais interessantes da história <strong>de</strong> sua octogenária vida.<br />
Uma história que começa e termina num <strong>de</strong>sabafo: “Eu não estu<strong>de</strong>i. Não<br />
tenho leitura. Naquela época, os pais colocavam os filhos para trabalhar na<br />
lavoura muito cedo”. De preferência, logo que começavam a andar.<br />
Com ele foi assim. Ainda era menino quando o pai, Isaías, recebeu<br />
um pedido, quase or<strong>de</strong>m, <strong>de</strong> um amigo num final <strong>de</strong> tar<strong>de</strong>: “Man<strong>de</strong> o menino<br />
levar essa mula para a casa <strong>de</strong> minha mãe”. Era uma viagem longa,<br />
no lombo do próprio animal, atravessando matas do interior baiano, em<br />
picadas nelas abertas. A or<strong>de</strong>m foi dada. E o garoto, quase criança, atravessou<br />
uma noite inteira montado, passando sustos, em escuridão completa,<br />
até cumprir a <strong>de</strong>terminação do pai. E ele não discutia or<strong>de</strong>ns. Só as dava e<br />
nada mais.<br />
Num <strong>de</strong>terminado trecho, o animal empacou. Grunhia e não avançava.<br />
Alguma coisa branca havia à frente. Facão na mão, o menino amarrou a<br />
mula a uma árvore e <strong>de</strong>u um golpe contra o solo. Era só uma planta comum<br />
na região, folha bem longa, branca <strong>de</strong> um lado e cheia <strong>de</strong> espinhos do outro.<br />
Susto vencido, ainda restava todo um final <strong>de</strong> noite até chegar ao <strong>de</strong>stino.<br />
O homem sentado à poltrona, ao lado do genro, tem 80 anos. Chama-se<br />
Jonas. Fala sem mágoas, quase conformado: “Já fui tudo na vida. Lavrador,<br />
vaqueiro, lenhador, garimpeiro, pa<strong>de</strong>iro, trabalhei no braço a vida<br />
toda”. Os pais, Isaías e Sebastiana, a Tiana, chegaram a ter posses. Eram do<br />
interior <strong>de</strong> Minas Gerais, região <strong>de</strong> Jequitinhonha. Depois, foram para Me<strong>de</strong>iros<br />
Neto, na Bahia. Além <strong>de</strong> alguma terra e dois lotes <strong>de</strong> burros (cada lote<br />
compreen<strong>de</strong> <strong>de</strong>z animais), eles moravam em uma casa rural com relativo<br />
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O velho Jonas aos 80
REVISTA DA ACADEMIA ESPÍRITO-SANTENSE DE LETRAS | 2012<br />
conforto, às margens <strong>de</strong> um rio <strong>de</strong> águas limpas, como eram quase todos então. Vida boa para<br />
aquela época sem estradas, televisão e, no caso, até mesmo rádio.<br />
Mas, um dia, Isaías foi apresentado ao garimpo baiano na localida<strong>de</strong> conhecida como<br />
Jaquetó. Ganhou algum dinheiro no início e se empolgou. Sem conhecer os meandros <strong>de</strong>ssa<br />
ativida<strong>de</strong> ingrata, passou a investir suas reservas. Ficou obcecado pela “profissão”. Primeiro,<br />
atuou como capitalista, o garimpeiro que financia outros quatro na busca <strong>de</strong> pedras preciosas,<br />
pagando todas as <strong>de</strong>spesas. Mas, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r quase tudo, trabalhava como garimpeiro<br />
mesmo, subordinado a outros. Até que, um belo dia, não se sabe quando nem on<strong>de</strong>, uma barreira<br />
o soterrou. Morreu <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> terra, sob entulhos, sepultado pelo sonho do garimpo. E longe<br />
da riqueza que a miragem das pedras preciosas um dia lhe havia prometido.<br />
Muito antes disso, no afã <strong>de</strong> ganhar dinheiro, ele já havia vendido as terras, os animais e<br />
outros bens preciosos. O último <strong>de</strong>les, a casa confortável à margem do rio, foi embora também.<br />
A família acabou jogada em um simples barraco <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira, com um burro para ajudá-la a<br />
viver. Dona Tiana ficou sozinha para cuidar da prole, pois o marido nunca mais retornou à casa.<br />
Até as circunstâncias <strong>de</strong> sua morte só foram conhecidas muitos anos <strong>de</strong>pois.<br />
Como a esmagadora maioria da população rural brasileira daquela época, Jonas, o então<br />
menino hoje com 80 anos, também teria ficado analfabeto. Mas um primo pediu aos pais<br />
para levá-lo consigo a outra região. Autorização dada – era menos uma boca para alimentar, –<br />
lá se foi ele. Dos tempos da vida longe dos pais e irmãos, ganhou o único bem intelectual que<br />
levou, em parte, para o resto da vida: uma instrução formal básica, não se lembra ele mais se<br />
até a segunda ou terceira série do primeiro grau. E como tudo o que acontecia então, sem ler<br />
qualquer coisa, sem po<strong>de</strong>r obter livros ou frequentar outras escolas e bibliotecas, aos poucos,<br />
foi per<strong>de</strong>ndo parte do conhecimento que obtivera. Restou, precariamente, saber ler e escrever.<br />
O elementar.<br />
Jonas se recorda <strong>de</strong> que na vida rural mineira e baiana – mais tar<strong>de</strong> ele viria para o <strong>Espírito</strong><br />
Santo, casado com a prima e viúva Luzia para criar os quatro filhos <strong>de</strong>sta e os quatro<br />
que teriam juntos – nem mesmo os mais ricos se preocupavam em dar instrução formal aos<br />
filhos. Nas proximida<strong>de</strong>s das fazendas on<strong>de</strong> viviam, não havia escolas. Nas pequenas cida<strong>de</strong>s<br />
distritais, algumas poucas e muito precárias. Mas o importante para aquela gente era colocar<br />
os rebentos na lavoura. No pastoreio. Na vaquejada. Nos trabalhos domésticos. On<strong>de</strong> houvesse<br />
dinheiro a ganhar ou a apostar. Como era o caso do duro e sempre perigoso garimpo <strong>de</strong> ouro ou<br />
pedras preciosas.<br />
Ele se recorda: “A gente ouvia tiro a noite toda na Bahia. Não parava nunca. Às vezes os<br />
garimpeiros pegavam algumas pedras <strong>de</strong> pouco valor e as enterravam nas margens <strong>de</strong> algum<br />
rio. Depois diziam que as haviam encontrado lá”. Corria todo mundo. A turba se <strong>de</strong>slocava como<br />
avalanche. E até o embuste ser <strong>de</strong>scoberto, outras lavras estavam sendo pesquisadas on<strong>de</strong> realmente<br />
po<strong>de</strong>ria ser <strong>de</strong>scoberto muito dinheiro em meio à areia e as águas, <strong>de</strong> dia e à noite revolvida<br />
nas margens daqueles rios. Só que as disputas e farsas geravam inimiza<strong>de</strong>s. Por elas, o<br />
barulho dos tiros não parava. No ambiente “sem leitura”, sem ensino formal, o autodidatismo<br />
era o do gatilho.<br />
19 |
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Os garimpos constituíam “posses”. Geralmente, pequenos pedaços <strong>de</strong> terra tomados no<br />
meio da mata, à margem dos rios e on<strong>de</strong> se acreditava haver riqueza. Não importava se terra<br />
pública ou privada. A “posse” do garimpo era abandonada somente <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> exauridas todas as<br />
possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> se encontrar pedras, dinheiro. Ou, então, quando elas acabavam. Nesse meio<br />
tempo, eram <strong>de</strong>fendidas. De preferência, com armas já sacadas.<br />
O velho conhece muita história <strong>de</strong> gente que per<strong>de</strong>u tudo. Como até os mais ricos não<br />
haviam estudado e o analfabetismo era doença crônica em quase todos os lugares, como saber<br />
o que estava escrito em um papel on<strong>de</strong> a impressão digital tinha sido <strong>de</strong>ixada? Na maioria das<br />
vezes, acreditava-se na palavra dos que “liam” os textos. E, em algumas ocasiões, perdia-se tudo<br />
o que havia sido “vendido”. Então, mais barulho <strong>de</strong> tiros era ouvido.<br />
Famílias se <strong>de</strong>sfaziam da noite para o dia. Pessoas sumiam, corpos não eram mais encontrados.<br />
No bang-bang dos primeiros tempos do Século XX, num Brasil que só então ia aos<br />
poucos <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> ser quase apenas agrícola para começar a se industrializar, raros eram os<br />
que podiam comprar jornais, ler e se inteirar dos fatos <strong>de</strong> interesse nacional. “A gente não tinha<br />
leitura”, era o que mais se ouvia das pessoas. Nem mesmo as parcas notícias <strong>de</strong> violência no<br />
campo circulavam, senão por relatos. Cidadania, o que é isso?<br />
O resultado <strong>de</strong> uma situação como essa era previsível. Assim como em tantas outras<br />
famílias, dos oito filhos que Jonas e Luzia cuidaram, somente uma, a mais velha do segundo<br />
casamento da mulher, terminou o curso superior. Os <strong>de</strong>mais ficaram no ensino fundamental.<br />
Um dos filhos <strong>de</strong> Luzia acabaria morrendo num crime estúpido: trabalhava num hotel em Ouro<br />
Preto e, um belo dia, <strong>de</strong>sligou o rádio do carro conversível do filho <strong>de</strong> um fazen<strong>de</strong>iro rico, porque<br />
o barulho era alto e fazia chorar seu filho pequeno, doente. Tomou um tiro no peito pela “invasão<br />
<strong>de</strong> domicílio”. E isso já vivendo em uma cida<strong>de</strong>. A lei da bala atravessava a fronteira rural e<br />
invadia a urbana.<br />
Mas não se po<strong>de</strong> dizer que o velho Jonas tenha tido somente azares na vida. Nas idas e<br />
vindas <strong>de</strong> que se constituía o viver <strong>de</strong> então, <strong>de</strong>ixou Minas Gerais, a Bahia e veio parar no <strong>Espírito</strong><br />
Santo, mais precisamente em Vila Velha, junto dos seus filhos e mais os da mulher com o<br />
primeiro marido. No ano <strong>de</strong> 1954, foi trabalhar como pa<strong>de</strong>iro em um estabelecimento da família<br />
Pignaton. Terminou, tempos <strong>de</strong>pois, no funcionalismo público. Era necessária mão <strong>de</strong> obra,<br />
mesmo pouco ou nada qualificada, no Estado que se industrializava e os Pignaton o indicaram<br />
para a então Companhia Vale do Rio Doce. Epifânio, como era chamado pelos superiores e colegas<br />
<strong>de</strong> trabalho, se especializou em explosivos. Passou a trabalhar com isso.<br />
Para quem já havia vivido tudo o que viveu, pegar dinamite todos os dias para explodir<br />
pedreiras ou abrir caminhos <strong>de</strong> estradas <strong>de</strong> ferro era mal menor. Bem menos perigoso que as<br />
jazidas <strong>de</strong> berilo, turmalina, topázio, citrino, ônix, cristal, rubi, safira, água-marinha, esmeralda<br />
ou outras pedras capazes <strong>de</strong> fazer com que hordas se movimentassem seguindo a miragem<br />
do dinheiro.<br />
Enquanto esperava pelo almoço na casa da filha formada e do genro, ele viu na pare<strong>de</strong><br />
uma foto <strong>de</strong> Sebastião Salgado. “Aquilo é Serra Pelada?”, perguntou. Era. Foi aí que começou seu<br />
relato, agora resumido. Olhou para a foto do garimpo mais famoso do Brasil como se revirasse
REVISTA DA ACADEMIA ESPÍRITO-SANTENSE DE LETRAS | 2012<br />
o passado. Como se o revisitasse na memória. Como se o sentisse forte naquele momento. Sebastião<br />
Salgado, em sua genialida<strong>de</strong>, havia congelado um instante <strong>de</strong> pernas nuas, musculosas,<br />
tomadas por lama, subindo a escarpa lamacenta <strong>de</strong> um dos buracos <strong>de</strong> on<strong>de</strong> se tirava o sustento<br />
<strong>de</strong> milhares e a riqueza <strong>de</strong> poucos.<br />
Ao final do relato, veio à mente do velho aos 80, um último registro do dia. Os compradores<br />
<strong>de</strong> pedras preciosas surgiam sempre nos garimpos, carregando almofadas ou travesseiros<br />
<strong>de</strong>baixo do braço. Pedras colocadas à mesa, eles abriam seus “alforjes” e tiravam <strong>de</strong> lá pilhas <strong>de</strong><br />
dinheiro. Após classificado e contado o lote, o preço era calculado e o dinheiro, pago. Os compradores<br />
então saiam e iam embora com seus travesseiros e almofadas com o novo recheio. Desta<br />
vez, bem mais pesado.<br />
Oito décadas passadas, com tantas histórias para contar, o velho se orgulha <strong>de</strong> ter netas<br />
com curso superior, morando em uma casa repleta <strong>de</strong> livros em um cômodo chamado <strong>de</strong> escritório.<br />
A totalida<strong>de</strong> dos quais ele não leu nem lerá jamais. “Isso é muito importante”, diz ele. “Fico<br />
muito feliz”, completa orgulhoso enquanto almoça em família. Luzia, a companheira dos anos<br />
duros, mais idosa que ele, o velho já levou ao cemitério faz alguns anos.<br />
Quando sai para casa, levado pela filha, fica a pergunta: quem teria sido esse homem se<br />
“tivesse leitura?” E todos os outros que, como ele, nasceram, viveram e morreram num país que<br />
jamais conheceram, numa socieda<strong>de</strong> nunca entendida e com uma cidadania jamais conhecida<br />
e exercida?<br />
21 |
MARCOS TAvARES<br />
CADEIRA 16<br />
O“Eu lívrico”. Se se po<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar alguém que crê os livros existirem para si<br />
e que ele próprio só exista para os livros, esse alguém sou eu. Leitor precoce,<br />
cedo percebi que livros propiciam viagens para <strong>de</strong>ntro e para fora <strong>de</strong> si (<strong>de</strong><br />
mim, no caso), trazem-nos conhecimento, tanto saciam quanto provocam<br />
curiosida<strong>de</strong>.<br />
Qual num autêntico ministério <strong>de</strong> fé, em prol <strong>de</strong> livros e <strong>de</strong> leituras<br />
a causa abracei, mesmo porque nunca consegui fugir <strong>de</strong>les. E vice-versa.<br />
Primeiro, como aluno <strong>de</strong> Artes Gráficas (Tipografia e Enca<strong>de</strong>rnação),<br />
na ETFES, quando havia lá o Ginásio Industrial. A seguir, como cobrador e<br />
ven<strong>de</strong>dor <strong>de</strong> uma distribuidora <strong>de</strong> livros didáticos com filial no ES. E, nessa<br />
mesma fase, assíduo frequentador <strong>de</strong> bibliotecas (a Estadual, quando na<br />
parte alta da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Vitória-ES; a do SESC, quando na Praça Misael Pena,<br />
nessa mesma cida<strong>de</strong>). Depois, já universitário, cumprindo estágio na antiga<br />
Biblioteca Central (UFES). A seguir, novamente estagiário, estive na Editoria<br />
da Fundação Ceciliano Abel <strong>de</strong> Almeida (i<strong>de</strong>m).<br />
Ainda, em programa estadual da SECULT-ES, nos idos 2006-2007, oficina<br />
literária ministrei em Dores do Rio Preto (ES) e em Guaçuí (ES). Eventualmente<br />
participo <strong>de</strong> programa municipal (o premiado “Viagem pela Literatura”,<br />
PMV), numa peregrinação em escolas <strong>de</strong> Vitória (ES). Em 2011, na<br />
<strong>Aca<strong>de</strong>mia</strong> <strong>Espírito</strong>-<strong>santense</strong> <strong>de</strong> <strong>Letras</strong> (AEL), lugar <strong>de</strong> livros tantos, a ca<strong>de</strong>ira<br />
nº 15 assumi, substituindo a um ex-dono <strong>de</strong> Tipografia (José Hygino <strong>de</strong> Oliveira,<br />
o popular “Taneco”).<br />
Enfim, da vida em meio a livros (perdoem o fácil trocadilho) não me<br />
livro.<br />
Paixão pelo prelo. Ao contrário da Argentina e do Japão, por exemplo,<br />
tem o Brasil a fama <strong>de</strong> ser um país <strong>de</strong> não-leitores. E “um país, segundo<br />
Monteiro Lobato, se faz com homens e livros”.<br />
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De Livros &<br />
De Leituras
REVISTA DA ACADEMIA ESPÍRITO-SANTENSE DE LETRAS | 2012<br />
Pesquisa feita em 2007 (Pró-Livro) conclui que, dado o nível básico <strong>de</strong> alfabetização, 45%<br />
da população não é capaz <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r o que lê ou <strong>de</strong> estabelecer correlações e contextualizar<br />
as leituras.<br />
Fenômeno do rock brasileiro, o irreverente cantor Raul Seixas, <strong>de</strong> família <strong>de</strong> habituais<br />
ledores, confi<strong>de</strong>nciara: “Formado em Filosofia, vim para o Rio <strong>de</strong> Janeiro lançar um Tratado <strong>de</strong><br />
Metafísica que fazia <strong>de</strong>s<strong>de</strong> pequenininho. Eu cheguei e <strong>de</strong>scobri que o Brasil não gostava muito<br />
<strong>de</strong> ler. Aí resolvi ser cantor <strong>de</strong> iê-iê-iê realista ”. A partir daí, <strong>de</strong> sua parceria com Paulo Coelho<br />
saíram sucessos (“Ouro <strong>de</strong> Tolo”, “Eu Nasci há 10 Mil Anos Atrás” etc).<br />
Para estimular a leitura, sancionou o Governo fe<strong>de</strong>ral, em 2010, a Lei 12.244, obrigando a<br />
toda escola a ter, em 10 anos, pelo menos uma biblioteca.<br />
Já em 1708, preocupado com que o livro impresso <strong>de</strong>ixasse mais preguiçosos e menos<br />
inteligentes os alunos, nesse teor, na Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Nápoles, profere vigoroso discurso Giambattista<br />
vico, então afamado filósofo italiano.<br />
Hoje, 304 anos <strong>de</strong>pois, tal alvo <strong>de</strong> crítica assim contun<strong>de</strong>nte bem po<strong>de</strong>ria ser a Internet.<br />
E o é. Basta ver e ouvir, nos jornais e telejornais, e mesmo ao vivo e em cores, o <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong><br />
uma maioria do professorado e até <strong>de</strong> pais <strong>de</strong> alunos.<br />
Apesar da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o livro, tal como o enten<strong>de</strong>mos, ser substituído pelo seu formato<br />
eletrônico (o e-book), há quem o prefira na aparência tradicional. Sou um <strong>de</strong>les. Livro que é livro tem<br />
que ter uma textura, um corpo palpável. É um objeto <strong>de</strong> prazer: ame-o ou <strong>de</strong>ixe-o. Melhor amá-lo.<br />
vidas <strong>de</strong> papel. Livros, há quem os ame mais do que a si próprio. Logo, adotando precaução<br />
<strong>de</strong> fazer testamento em favor <strong>de</strong>sta ou daquela instituição bibliófila, antes que, em morrendo,<br />
se lhos ponham fora, literalmente “na rua”. Qual fossem aqueles uma extensão <strong>de</strong> sua prole,<br />
que lhes garantisse uma certa “imortalida<strong>de</strong>”.<br />
“O maior inimigo das bibliotecas são as viúvas”, já diziam os antigos, pretensamente<br />
mais ajuizados.<br />
“Sempre adorei o cheiro <strong>de</strong> um livro novo e sempre adorei o aspecto <strong>de</strong> um livro velho”,<br />
compartilha comigo a notável escritora Berna<strong>de</strong>tte Lyra (“Jardim das Delícias”, “Parque das Felicida<strong>de</strong>s”<br />
etc). E prossegue ela : “(...) falo daquele artefato <strong>de</strong> papel impresso que se pegava nas<br />
mãos e se acariciava com gosto”.<br />
Intelectuais morrem <strong>de</strong> ciúmes, ou <strong>de</strong> inveja, ante o sucesso editorial <strong>de</strong> Paulo Coelho,<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que, em 1987, lançou ele o seu “Diário <strong>de</strong> Um Mago”. Sucessivas edições, <strong>de</strong>ntro e fora do<br />
Brasil, garantem ao autor aquela sonhada vida unicamente <strong>de</strong>dicada às <strong>Letras</strong>.<br />
O famoso Caminho <strong>de</strong> Santiago <strong>de</strong> Compostela (Espanha), refeito por ele, e suas anotações<br />
ao longo da via mística (700 Km <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o sul da França), abriram-lhe portais para tornar-se<br />
o autor brasileiro mais conhecido (muito além <strong>de</strong> Jorge Amado e <strong>de</strong> Carlos Drummond <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>).<br />
Se discutível a qualida<strong>de</strong> literária <strong>de</strong> sua obra o é, uma conclusão é inabalável: foi em<br />
seus livros que muita gente iniciou leitura.<br />
Séries como “Harry Potter”, da autora britânica J. k. Rowlling, largas estradas abriram<br />
para o mágico mundo da leitura. A partir <strong>de</strong>la, <strong>de</strong>scobriu-se ser quase inexaurível esses filão:<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> Sheraza<strong>de</strong> (“As Mil e Uma Noites”), histórias seduzem a todos.<br />
23 |
| 24<br />
Iniciativas várias. Em 2005, moradores do Bairro Valparaíso (Serra-ES), em votação para<br />
Orçamento Participativo, elegeram como priorida<strong>de</strong> a construção <strong>de</strong> um espaço propício para<br />
instalação <strong>de</strong> uma biblioteca, parte integrante do Centro Cultural “Carlos Corrêa Loyola”. Já na<br />
inauguração da biblioteca homônima, logo se seguiu uma Semana Cultural repleta <strong>de</strong> eventos.<br />
Mudaram os tempos e, hoje, qualquer cidadão tem acesso gratuito a uma biblioteca. Esta<br />
não é mais exclusivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma certa elite, como o era até a década <strong>de</strong> 60. Sucessivas edições<br />
do MEC difundiram obras para as classes pouco abastadas. Já faz 50 anos que o acesso à escolarização<br />
é garantido a todos.<br />
Porém, ainda há quem se sinta tímido, mesmo diante da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> procurar uma biblioteca.<br />
Ex-Coor<strong>de</strong>nadora da Biblioteca Pública <strong>de</strong> Vitória (ES), Eugênia Broseguini avalia que “a<br />
leitura, no Brasil, per<strong>de</strong> para as culturas <strong>de</strong> baixa qualida<strong>de</strong>; sobretudo, para o que <strong>de</strong> ruim há na<br />
TV”. Acredita ela que, benignamente, a própria TV po<strong>de</strong>ria estar aliada no propósito da leitura.<br />
Atualmente, cresce no país a figura do mediador <strong>de</strong> leitura, que é o agente a prestar<br />
serviço como ponte conectora entre o texto e o público. Maior sucesso, nesse sentido, tem sido<br />
experimentado no Ceará.<br />
Coor<strong>de</strong>nadora do premiado Projeto “Viagem pela Literatura”, Elizete Caser <strong>de</strong>clara ter<br />
um grupo fixo <strong>de</strong> “contadores <strong>de</strong> histórias”. Também promove o Encontro com o Escritor. Deste,<br />
participam autores locais, sempre com sucesso.<br />
Assessor cultural da Biblioteca Pública do ES, Sérgio Blank garante que, para minimizar<br />
tal inibição, adota-se na BPES uma política cultural acessível, com lançamento <strong>de</strong> livros, rodas<br />
<strong>de</strong> leitura, contação <strong>de</strong> histórias, encontro com escritores, ações contínuas e disponíveis aos<br />
usuários, além <strong>de</strong> vários outros atrativos.”<br />
O Projeto Biblioteca Transcol, uma espécie <strong>de</strong> biblioteca móvel, com unida<strong>de</strong>s distribuídas<br />
pelos oito Terminais <strong>de</strong> ônibus da Gran<strong>de</strong> Vitória, possui acervo <strong>de</strong> 14 mil livros, e conta com<br />
mais <strong>de</strong> 30 mil associados. Em 4 anos e meio <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>, já efetuou, até o momento, mais <strong>de</strong><br />
255 mil empréstimos.<br />
Deleite da leitura. Já é consensual: são gran<strong>de</strong>s leitores os candidatos aprovados nos<br />
concursos públicos para cargos <strong>de</strong> maior remuneração (Juiz, Promotor, Auditor Fiscal, Delegado,<br />
Policial Fe<strong>de</strong>ral, Policial Rodoviário, p.ex).<br />
Or<strong>de</strong>m dos Advogados do Brasil (OAB) goza da reputação <strong>de</strong> ser muito exigente no exame<br />
para avaliação <strong>de</strong> candidatos à obtenção do status <strong>de</strong>ssa categoria profissional. Fazem os<br />
concorrentes uma prova prático-profissional, em que terão <strong>de</strong> redigir uma peça processual e<br />
respon<strong>de</strong>r a questões sob a forma <strong>de</strong> situações-problema.<br />
E todo bom redator o é, antes, um ledor perspicaz. “O uso da leitura estimula o cérebro”,<br />
afirma o neurocirurgião Walter Fagun<strong>de</strong>s. Semelhante diagnóstico dado pelo neurologista Airton<br />
Gomes da Fonseca Filho: “O contato direto com livros e ca<strong>de</strong>rnos é muito válido para estimular<br />
o cérebro.”<br />
Curso dos mais disputados – o <strong>de</strong> Medicina –, nele, os primeiros aprovados (ou todos<br />
eles) são, via <strong>de</strong> regra, estudantes supertreinados em leituras. “Medicina e Literatura valorizam<br />
a palavra; no primeiro caso, como instrumento <strong>de</strong> diagnóstico e <strong>de</strong> terapia; no segundo, como
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forma <strong>de</strong> criação estética”, atestara o hoje saudoso escritor e médico sanitarista, o gaúcho Moa-<br />
cyr Scliar (Prêmio Jaboti, 2007).<br />
Fundador da Microsoft, Bill Gates é um dos que tem incentivado seus funcionários às<br />
leituras ditas literárias, ou seja, além daquelas relacionadas à área profissional. Para organizar<br />
uma listagem <strong>de</strong> obras, chegou ele a contratar Harold Bloom, renomado crítico e Professor <strong>de</strong><br />
Literatura (Harvard, EUA). Seu exemplo <strong>de</strong> cultivo <strong>de</strong> uma boa cultura geral, humanística, é,<br />
segundo enten<strong>de</strong>dores, “essencial”, nesses tempos <strong>de</strong> globalização.<br />
Aluna da EMEF “Aristóbulo Barbosa Leão”, a jovem Caroline Pinna <strong>de</strong> Oliveira, 14 anos,<br />
recebeu os louros da glória por ter elaborado a melhor redação, em concurso promovido pela<br />
Marinha do Brasil. Sagrou-se vencedora <strong>de</strong>ntre os 9 (nove) Distritos navais brasileiros envolvidos<br />
na disputa. “Eu me orgulho <strong>de</strong> ser ‘rata <strong>de</strong> biblioteca’. Leio <strong>de</strong> tudo. Leio todos os autores.<br />
Leio, pelo menos, um livro por semana”, revela,emocionada. Um bem possante notebook valeulhe<br />
como prêmio. Prêmio ainda maior, segundo ela, foi a calorosa receptivida<strong>de</strong> que teve em sua<br />
escola situada em Bento Ferreira (Vitória-ES).<br />
Leitura do mundo. Professores <strong>de</strong> cursinhos pré-vestibulares são quase unânimes em<br />
afirmar que, para haver sucesso no Exame Nacional <strong>de</strong> Ensino Médio (ENEM), necessário é,<br />
para o aluno, que esteja elaborando uma boa “leitura do mundo”. Uma boa peça <strong>de</strong> teatro, uma<br />
música, uma escultura, um quadro a óleo, propiciariam, assim, essa eficaz “leitura do mundo”.<br />
Tanto quanto o faria um livro.<br />
Doutora em Educação (USP) e Professora <strong>de</strong> Língua Portuguesa, Cleonara Schwartz esclarece<br />
que “pessoas são leitoras muito antes <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>rem a ler na escola, uma vez que interagem<br />
com o mundo”. Caberia, portanto, treiná-las a “ler” esse mesmo mundo: “O meio mais<br />
produtivo é o olhar reflexivo e analítico <strong>de</strong> tudo o que acontece ao nosso redor.” E arremata: “A<br />
bagagem cultural vem com a leitura, mas não somente com a que está no papel.”<br />
Literatura, dura lida. Colunista fixo do jornal A TRIBUNA, veterano no jornalismo capixaba,<br />
Pedro Maia opina: “É só por meio dos livros que as pessoas po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>senvolver o conhecimento<br />
necessário para o exercício pleno da cidadania e exercê-la <strong>de</strong> maneira politicamente<br />
correta.” E festeja ele os frequentes lançamentos <strong>de</strong> obras <strong>de</strong> autores do <strong>Espírito</strong> Santo, em<br />
contraste com a exiguida<strong>de</strong> editorial <strong>de</strong> outras épocas: “Nunca se leu tanto na capital capixaba”.<br />
Atribui a isso o advento do sistema <strong>de</strong> impressão off set, a partir da década <strong>de</strong> 80, o que<br />
impulsionara as artes gráficas.<br />
No entanto, conforme Francisco Aurelio Ribeiro, renomado escritor e professor universitário,<br />
“agora os livros estão circulando, na expectativa <strong>de</strong> que sejam lidos”. E, em tom <strong>de</strong> indignação,<br />
indaga ele: “Pois <strong>de</strong> que adianta escrever e publicar livros, se eles não chegarem ao seu<br />
<strong>de</strong>stinatário?”.<br />
Objetivando a que livro <strong>de</strong> autor capixaba atinja o mercado nacional, Jeanne Bilich, jornalista<br />
e escritora, opina que “uma distribuidora no Estado ajudaria na distribuição”. José Roberto<br />
Santos Neves, jornalista e escritor, corrobora a opinião da colega: “Só com circulação<br />
nacional seremos conhecidos”. Deny Gomes, professora universitária e escritora, soma voz ao<br />
coro: “Os bons talentos não têm como chegar ao restante do país”.<br />
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Revela Anaximandro Amorim (“Diário <strong>de</strong> Um Sobrevivente”), 34 anos, o mais jovem<br />
membro da <strong>Aca<strong>de</strong>mia</strong> <strong>Espírito</strong>-<strong>santense</strong> <strong>de</strong> <strong>Letras</strong> (AEL), que, em sua época <strong>de</strong> estudante, preparando-se<br />
para o Vestibular, foi graças à inclusão <strong>de</strong> escritores locais, no exame da UFES (1996),<br />
é que pô<strong>de</strong> conhecer a obra <strong>de</strong> Pedro Nunes (“Vilarejo”) e Neida Lúcia Moraes (“O Mofo no Pão”).<br />
A magia das palavras. Ainda no formato papel, nem tudo está perdido, iniciativas há que<br />
fogem à realida<strong>de</strong>, por parecerem mais uma ficção engendrada por escritores e suas mentes<br />
voadoras. Assim é o caso do “flanelinha”(guardador <strong>de</strong> vaga para automóveis),da mãe “con<strong>de</strong>nada<br />
a ler” e do eletricista fomentador <strong>de</strong> biblioteca comunitária.<br />
De uma infância com poucos recursos para estudar e ter acesso a livros, Guido <strong>de</strong> Morais<br />
Evangelista, 53 anos, eletricista aposentado, montou no seu bairro uma biblioteca com mais <strong>de</strong><br />
2.000 livros para crianças e para adultos. Hoje, morador no Bairro Piranema (Caricacia-ES), fez<br />
estudos até a 7ª série do Ensino Fundamental. Com iniciativa própria, fundou a ADESP (Agência<br />
<strong>de</strong> Desenvolvimento Social <strong>de</strong> Piranema) a fim <strong>de</strong>, com trabalho sempre voluntário, dar suporte<br />
ao seu trabalho filantrópico, que inclui distribuição <strong>de</strong> alimentos para mais <strong>de</strong> 150 famílias<br />
cadastradas.<br />
Assim, saciador <strong>de</strong> fomes (<strong>de</strong> saber e <strong>de</strong> comida), Guido Morais, espera recursos para<br />
ampliar o espaço, que é alugado e mantido por doações. Atualmente, são quase 300 crianças<br />
cadastradas na biblioteca, on<strong>de</strong> po<strong>de</strong>m pegar as obras e levá-las para casa. “Sempre gostei <strong>de</strong><br />
livros, mas sempre os emprestei para quem queria ler ou fazer algum tipo <strong>de</strong> pesquisa”. E conclui<br />
ele: “A leitura é fundamental para a formação da criança.”<br />
Olhos fixos nas páginas <strong>de</strong> livro, enquanto aguarda cliente que queira sair ou entrar em<br />
vaga <strong>de</strong> automóvel, assim é Lindomar Francisco <strong>de</strong> Lima, 37 anos. Sentado em seu in<strong>de</strong>fectível<br />
banquinho plástico <strong>de</strong> cor ver<strong>de</strong>, justo por ser um voraz leitor, <strong>de</strong>stoa ele <strong>de</strong> uma maioria <strong>de</strong><br />
seus colegas <strong>de</strong> ofício. Senta praça, já há uns 20 anos, ali na mui movimentada Rua José Teixeira,<br />
na Praia do Canto (Vitória-ES). Lê tudo que lhe cai às mãos, sobretudo os jornais (novos ou<br />
velhos), quase sempre doação <strong>de</strong> clientes e <strong>de</strong> moradores simpatizantes da causa livresca. Morador<br />
no Bairro Resistência (Vitória-ES), tem por meta organizar uma biblioteca no local on<strong>de</strong><br />
resi<strong>de</strong> (“Já tenho 20 livros na estante ”).<br />
Já íntimo <strong>de</strong> Machado <strong>de</strong> Assis e <strong>de</strong> Sidney Sheldon, o “flanelinha” Lindomar <strong>de</strong> Lima observa<br />
a mudança <strong>de</strong> rotina em relação à época em que ali começou a guardar vaga: “As pessoas<br />
estão mais apressadas; não respeitam ninguém”. Nenhum outro assim leitor na família, com 2<br />
salários mínimos por mês é que garante sobrevivência aos seus (esposa e filhos <strong>de</strong> 5, 10, 14 e 15<br />
anos). Almeja um sonho realizar: que esposa e ele (que quer estudar História) cursem alguma<br />
faculda<strong>de</strong>. Lindomar está certo <strong>de</strong> que “a leitura nos ajuda a melhor enten<strong>de</strong>r o ser humano”.<br />
A pena da pena. Acusada <strong>de</strong> abandono intelectual <strong>de</strong> filho menor (13 anos) que com excesso<br />
<strong>de</strong> faltas na escola primária, Maria Aparecida Conceição Santos, 33 anos, mãe <strong>de</strong> 7 filhos,<br />
recebeu, a título <strong>de</strong> sentença, a seguinte <strong>de</strong>terminação: que passasse a frequentar Escola, alfabetizando-se,<br />
com vistas a, com seu exemplo, ser minimizada a evasão escolar no Município.<br />
Antes analfabeta, impossibilitada <strong>de</strong> ler sequer placas <strong>de</strong> ônibus, agora até colabora no<br />
<strong>de</strong>ver <strong>de</strong> casa do filho antes faltoso. Hoje moradora no Bairro Jardim Tropical (Serra-ES), Apa-
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recida é natural <strong>de</strong> zona rural da Bahia, on<strong>de</strong> somente cursara a 1ª série. Casou-se bem jovem<br />
com Domingos Braz, 57 anos, gari, que muito a tem incentivado a estudar à noite, momento<br />
em que ele, também por <strong>de</strong>cisão judicial, cuidará das crianças. Hoje, pensa Maria Aparecida<br />
arranjar emprego cuja remuneração melhore as condições da família.<br />
Quanto à <strong>de</strong>cisão da Juíza Hermínia Maria Silveira Azoury, muito agra<strong>de</strong>ce a “con<strong>de</strong>nada”:<br />
já está muito feliz só <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r ajudar os menores seus a fazerem as tarefas escolares (“Para<br />
mim é muita coisa. Eles também estão felizes, porque eu posso ajudar nas contas”).<br />
Pura química. “Não morrerão os livros, a literatura e os leitores. Eles é que se transformarão”,<br />
com bastante autorida<strong>de</strong> no assunto, assim escreveu o estudioso Francisco Aurelio Ribeiro<br />
(in: Ensaios <strong>de</strong> Leitura e Literatura Infantojuvenil, Ed. Formar, 2010). Comparação científica<br />
toda amparada na Lei química, acerca da conservação da matéria, conforme constatada por<br />
Antoine Lavoisier (França,1743-1794).<br />
E o infatigável pesquisador <strong>de</strong> Literatura, na citada obra nos fornece convincente explicação:<br />
“(...) a Literatura, para sobreviver nos tempos atuais, está vinculando-se a novos suportes,<br />
além do papel”. E aponta esses suportes: o audiolivro, o livro eletrônico (e-book), ipad,<br />
iphone, kindles, twitters, e outras vindouras tecnologias.<br />
Ainda não seria o Apocalipse das <strong>Letras</strong>. Quem sobreviver que leia. No fim haverá, tal no<br />
início, o Verbo (ou o verbo).<br />
27 |
ESTER ABREu vIEIRA DE OLIvEIRA<br />
CADEIRA 27<br />
| 28<br />
Como o sol <strong>de</strong> verão<br />
entrando no mar<br />
As teorias <strong>de</strong> recepção se fundamentam em um pressuposto <strong>de</strong> que as obras<br />
são objeto <strong>de</strong> algum tipo <strong>de</strong> acolhimento e o mais usual <strong>de</strong>les é a leitura. Mas<br />
o autor do texto não sabe quem o lerá, quem compartirá <strong>de</strong> suas experiências,<br />
<strong>de</strong> suas insatisfações i<strong>de</strong>ológicas, <strong>de</strong> seus prazeres e <strong>de</strong> suas epifanias.<br />
A cada momento, multiplicam-se as exigências pela prática <strong>de</strong> escrita<br />
e <strong>de</strong> leitura. Esta não só se faz nos livros, mas também em folhas <strong>de</strong><br />
documentos, em comunicações escritas, particulares ou públicas, com teor<br />
político ou amoroso, <strong>de</strong> formas amistosas ou questionadoras, com qualquer<br />
objetivo <strong>de</strong> comunicação (avisos, proibições, notícias, nomes <strong>de</strong> ruas,<br />
<strong>de</strong> praças e <strong>de</strong> avenidas, sinais <strong>de</strong> trânsito, etc.) quer estejam em placas, em<br />
papel, na tela ou nos meios eletrônicos.<br />
O nosso poeta condoreiro, Castro Álvares, em seu canto à América,<br />
valoriza o livro — “esse audaz guerreiro/ que conquista o mundo inteiro”<br />
em seu papel <strong>de</strong> fazer o povo pensar. Disse ele que “caindo n´alma” é como<br />
o germe “que faz a palma”, “é chuva que faz o mar”.<br />
Mas se por um lado, ler é imprescindível para estar-se no mundo,<br />
para tê-lo em seu po<strong>de</strong>r; por outro, escrever é necessário como meio <strong>de</strong> comunicação,<br />
como necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um <strong>de</strong>sabafo <strong>de</strong> sentimentos, como alívio<br />
para a angústia, como premissa <strong>de</strong> se comunicar com o outro, como guardião<br />
da memória <strong>de</strong> um povo ou, em situações práticas, como eficácia para<br />
alcançar melhores condições econômicas e um acesso social. E o escritor é<br />
bendito pelo poeta Castro Alves, porque “Éolo <strong>de</strong> pensamentos” fecunda o<br />
povo. E o ato <strong>de</strong> escrever é ainda um gerador <strong>de</strong> polêmicas: contra, sobre,<br />
a favor <strong>de</strong> algo, quer aludindo a fatos ou citando-os. Porém, só o bom texto<br />
persua<strong>de</strong> o leitor e lhe provoca sensações. A leitura aproxima quem lê <strong>de</strong><br />
quem escreve, ela é instigadora, se não o for, troque-a, pois não está exercendo<br />
a sua função.
REVISTA DA ACADEMIA ESPÍRITO-SANTENSE DE LETRAS | 2012<br />
Escrever foi um <strong>de</strong>sejo milenar do homem. Seja no seu <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> perpetuar seus anseios,<br />
mitos e medo, quando ele traçou - e faz mais <strong>de</strong> 17 milênios – <strong>de</strong>senhos <strong>de</strong> figuras em cavernas.<br />
Escrever foi uma iniciativa <strong>de</strong> povos que se <strong>de</strong>stacaram no <strong>de</strong>senvolvimento da escritura,<br />
como os babilônicos e os egípcios. Os primeiros criaram a escrita cuneiforme, assim <strong>de</strong>nominada<br />
por consistir <strong>de</strong> pequenas cunhas, feitas, especialmente, em pedras, criada há um 3.500<br />
anos a. C. Os segundos: usavam pequenas figuras para representar objetos e i<strong>de</strong>ias, os hieróglifos.<br />
Escrever era uma arte, e tanto a sua produção quanto a sua <strong>de</strong>cifração só eram conhecidas<br />
pelos sacerdotes, pelos membros da realeza, pelos cidadãos <strong>de</strong> altos cargos e pelos escribas. Os<br />
hieróglifos, figuras, <strong>de</strong>senhos e sinais fonéticos permitiram a formação <strong>de</strong> sílabas, contribuíram<br />
para a passagem do sistema fonético para sua notação escrita.<br />
A fabricação <strong>de</strong> um livro, na Ida<strong>de</strong> Média, era um processo longo e laborioso. Contudo,<br />
no meado do século XV, houve uma mudança na sua confecção. E isso ocorre com a marca <strong>de</strong><br />
dois acontecimentos europeus: a chegada ao Novo Mundo, por Colombo, e a invenção da imprensa,<br />
por Johannes Gensfleisch zur La<strong>de</strong>n zum Gutemberg. E o nosso poeta romântico canta<br />
esse fato: “Por uma fatalida<strong>de</strong>/ Dessas que <strong>de</strong>scem <strong>de</strong> além/ O século que viu Colombo/ Viu Gutemberg<br />
também/ Quando no tosco estaleiro/ Da Alemanha o velho obreiro/ A ave da imprensa<br />
gerou.../ O Genovês salta os mares.../ Busca um ninho entre os palmares/ E a pátria da imprensa<br />
achou...” Assim, uma radical mudança aconteceu na meta<strong>de</strong> do século XV: o alargamento do<br />
horizonte e o aumento na produção <strong>de</strong> livros. Não só por uma maior publicação, logo maior<br />
acesso ao público, menor preço, como pela redução das horas <strong>de</strong> trabalho na elaboração.<br />
A ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> quem escreve é uma forma <strong>de</strong> dialogar com suas próprias i<strong>de</strong>ias. Segundo<br />
Barthes, em O prazer <strong>de</strong> ler, quando se escreve, há um momento <strong>de</strong> prazer “para per<strong>de</strong>r a<br />
sua consciência no limitado da significância”. Para Azorín, em Un pueblecito, o ato <strong>de</strong> escrever é<br />
inato. Assim como qualquer tendência do homem, ou se é poeta ou não se é poeta, ou se é um<br />
prosista ou um pintor, ou não o é. Somos ou não somos in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> nossa vonta<strong>de</strong>. Para<br />
ele, o escritor trabalha sobre textos vivos. Tem amor à palavra limpa, concreta, pura e precisa,<br />
que brilha como uma moeda <strong>de</strong> ouro ferida pela luz. Azorin prioriza a clareza do texto e diz<br />
que “é melhor ser censurado por um gramático que não ser entendido”. E ser claro é pensar<br />
claramente. Ele recomenda a simplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estilo, mas esclarece que o encanto do estilo é a<br />
varieda<strong>de</strong>. Esses são conselhos para produzir um texto. Porém, para escrever, é preciso ler e é<br />
necessário saber estar no mundo e conhecê-lo, porque somos feitos do que lemos. Ler, segundo<br />
Miguel <strong>de</strong> Unamuno, é reconstruir os sonhos dos outros e distrair-se, é repetir a leitura, como se<br />
o tempo fosse uma invenção da leitura: “Ler, ler, ler, viver a vida/ que outros sonharam./ Ler, ler,<br />
ler, a alma esquece as coisas que passaram”, pois um livro é sempre outro quando o relemos,<br />
porque na leitura damos sentido ao texto. É preciso observar o que se lê e ter o olhar para o<br />
mundo a nossa volta, como disse o chileno, o criacionista Vicente Huidobro, “a arte da criação<br />
da obra literária está em olhar o mundo circundante e recriá-lo com palavras, num bom estilo<br />
e com sentimento”. E Clarice Lispector também nos dá a explicação do que é escrever e ler, ou<br />
renovar-se: “Cada livro é uma estreia penosa e feliz. Essa capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> me renovar toda à medida<br />
que o tempo passa é o que chamo <strong>de</strong> viver e escrever”.<br />
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Jorge Luis Borges, em Pierre Menard autor do Quixote, In Ficções, escreve sobre a arte <strong>de</strong><br />
engendrar um texto e a influência das leituras no processo criador <strong>de</strong> uma obra ficcional:<br />
Pensar, analisar, inventar não são atos anômalos, são a respiração nor-<br />
mal da inteligência. Glorificar o ocasional cumprimento <strong>de</strong>ssa função,<br />
entesourar antigos e alheios pensamentos, recordar com incrédulo estupor<br />
que o doctor univesalis pensou, é confessar nossa langui<strong>de</strong>z ou nossa<br />
barbárie. [...]<br />
[...] uma técnica nova, a arte retardada e rudimentar da leitura: a técnica<br />
do anacronismo <strong>de</strong>liberado e das atribuições errôneas. [...] Essa técnica<br />
povoa <strong>de</strong> aventura os mais plácidos livros [...]<br />
Alberto Manguel, em Una Historia <strong>de</strong> la Lectura (Buenos Aires: Emecé, p.256), aponta a<br />
afinida<strong>de</strong> física que tem a leitura com quem está praticando esse ato. Relembra-nos que ler é<br />
um ato que estabelece uma relação com o leitor íntima e física, em que participam todos os<br />
sentidos: os olhos, que extraem as palavras; os ouvidos que fazem eco dos sons lidos; o nariz<br />
que aspira o aroma familiar do papel, do pergaminho, da tinta; do papelão, do couro; o tato que<br />
acaricia a aspereza ou suavida<strong>de</strong> da página, a flexibilida<strong>de</strong> ou a dureza da enca<strong>de</strong>rnação; inclusive<br />
o paladar (o gosto) em ocasiões, quando o leitor coloca o <strong>de</strong>do na língua.<br />
Um texto é linguagem. A leitura é uma forma <strong>de</strong> projeção do livro e produção do prazer,<br />
como disse Roland Barthes, acima citado, para quem a produção do melhor prazer ocorre<br />
quando o texto consegue fazer-se ouvir indiretamente; quando, ao lê-lo, somos levados a levantar<br />
muitas vezes a cabeça, a ouvir outra coisa. Mas o texto nos cativa, não necessariamente<br />
durante o tempo todo. Po<strong>de</strong> ser num ato tênue, rápido, quase irrefletido, num momento <strong>de</strong> um<br />
movimento brusco <strong>de</strong> cabeça, “como o <strong>de</strong> um pássaro que não ouve o que nós escutamos, que<br />
escuta o que nós ouvimos”. Mas será um momento mágico <strong>de</strong> penetração, prazer e sonho, belo<br />
e profundo como sol <strong>de</strong> verão entrando no mar.
REVISTA DA ACADEMIA ESPÍRITO-SANTENSE DE LETRAS | 2012<br />
WANDA MARIA ALCkMIN<br />
CADEIRA 30<br />
Minha Leitura Contemporânea<br />
sobre a Exposição Fotográfica<br />
da Artista Simone Guimarães<br />
Aarte faz parte da estrutura primeira do ser humano. Des<strong>de</strong> o tempo das<br />
cavernas, o homem tenta expressar-se. Na sua arte rupestre, ele já intuía<br />
essa ação, esse movimento, e assim ele dava ao objeto escolhido toda a sua<br />
expressão.<br />
Aqueles que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m a arte meramente para liberar a emoção, <strong>de</strong>vem<br />
lembrar-se <strong>de</strong> que po<strong>de</strong>m apren<strong>de</strong>r muito pouco sobre as sensações,<br />
caso não sejam capazes <strong>de</strong> refletir sobre elas. Se a arte não é tratada como<br />
um conhecimento, mas somente como “um grito da alma”, não está então,<br />
oferecendo uma educação num sentido cognitivo, nem num sentido emocional.<br />
A arte cria novos caminhos e possibilida<strong>de</strong>s. Todo o conhecimento<br />
vem munido <strong>de</strong> teorias e toda a teoria vem carregada <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias. Essas i<strong>de</strong>ias<br />
vêm e vão, isto é, vêm e mudam <strong>de</strong> acordo com a cultura <strong>de</strong> cada lugar e <strong>de</strong><br />
cada época.<br />
A minha leitura como apreciadora<br />
<strong>de</strong> exposições artísticas fez com que<br />
o meu olhar <strong>de</strong> observadora escolhesse<br />
o trabalho fotográfico da capixaba,<br />
Simone Guimarães, exposto na Galeria<br />
<strong>de</strong> Arte da UFES, primeiramente em<br />
2005, mas que, agora, em 2012, se torna<br />
viva e presente no instante da minha<br />
escrita.Sua arte correspondia a cento e<br />
vinte e seis fotos coloridas <strong>de</strong> rostos em<br />
vários closes, em diferentes expressões<br />
<strong>de</strong> “gritos”. Talvez até pudéssemos dizer:<br />
“fotos <strong>de</strong> seres humanos em estado<br />
<strong>de</strong> grito”. Um grito sem Munch!<br />
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Mas que continua ainda atravessado em nossas gargantas através <strong>de</strong> gerações. Um grito<br />
que ultrapassou o tempo e a história. Os artistas <strong>de</strong> vanguarda, em suas diferentes correntes,<br />
dão o seu grito e mudam o já conhecido, <strong>de</strong>rrubando paradigmas e fazendo surgir um conceito<br />
novo <strong>de</strong> arte. Edvard Munch, 1863 - pintor norueguês, um dos precursores do expressionismo<br />
alemão, na sua pintura famosa, “O Grito”, retrata uma figura “andrógina” ou “humana retorcida”<br />
no momento <strong>de</strong> sua maior e profunda angústia, em <strong>de</strong>sespero existencial. Será que está tão<br />
distante essa angústia <strong>de</strong> nós, do séc. XXI?<br />
Na história do nosso Brasil, há poucos séculos atrás, D. Pedro I <strong>de</strong>u o seu grito <strong>de</strong> In<strong>de</strong>pendência,<br />
e o nosso país se tornou livre <strong>de</strong> Portugal. Mas, em muitas situações, ainda hoje<br />
continuamos presos, “<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes” <strong>de</strong> um sistema que nos faz calar muitas vezes. E assim, a<br />
nossa indignação cresce a cada revelação, e com isso, nosso povo vai sobrevivendo com poucos<br />
gritos, sem gestos e ações <strong>de</strong>vidas.<br />
A artista Simone, na sua exposição, no seu outdoor, tentou colocar para fora, com as<br />
suas fotos reveladas, o nosso subconsciente; o nosso grito interno e a nossa expressão viva.<br />
Muitos dos personagens escolhidos por ela se perceberam suas próprias cobaias, pois ali no<br />
trabalho <strong>de</strong> campo tiveram suas vivências, suas “catarses” captadas pela lente da artista. Com<br />
isso, conseguiram no seu particular movimento facial reconhecer seus diferentes estágios <strong>de</strong><br />
gritos.<br />
Na revelação, isto é, na exposição da arte <strong>de</strong> Simone, po<strong>de</strong>-se escutar os gritos, nos “clicks”<br />
da artista, e na união <strong>de</strong>les ela conseguiu o grito universal. No momento em que ela tirou do<br />
foco algumas imagens <strong>de</strong> rostos em expressões <strong>de</strong> grito, e as revelou distorcidas, Simone tenta<br />
resgatar Munch e faz nessa hora a ponte com todos os nossos antigos gritos, conseguindo ir até<br />
aos nossos ancestrais. Ela com sua arte trouxe para nós, a história das cavernas quando eles<br />
ainda viviam em grupos...<br />
Em 2005, eu mesma escrevi sobre a exposição da artista, e hoje novamente estou numa<br />
segunda leitura captada pela lente <strong>de</strong>la. No intuito <strong>de</strong> me aprofundar mais sobre o comportamento<br />
coletivo, percebi que vivemos numa socieda<strong>de</strong> on<strong>de</strong> há poucos gritos, unidos a milhares<br />
<strong>de</strong> expressões <strong>de</strong> espanto diante da vida que nos é revelada ainda em preto e branco.<br />
A arte, um dia, já registrou intenções, intuições e i<strong>de</strong>ias. Ela já se preocupou com a perspectiva<br />
e já impressionou a muitos. Surpreen<strong>de</strong>u a outros tantos, retratando a natureza em<br />
cones e cilindros. Já abusou dos movimentos e, em outra época, negou toda a i<strong>de</strong>ologia do passado.<br />
Já supervalorizou o real e agora na mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, como ela se expressa?<br />
Com muitas intervenções, nos conectando a tudo e a todos em um mesmo instante,<br />
nos levando em tempos diferentes e a lugares diversos, mesmo estando parados no aqui agora,<br />
no presente.<br />
A nossa socieda<strong>de</strong> olha muito para o futuro, e se vai ao passado, muitas vezes o faz apenas<br />
para registro , sem se preocupar em perceber o ocorrido. Precisamos voltar às nossas origens,<br />
reconhecer a nossa natureza, reapren<strong>de</strong>r a andar pelas matas, a<strong>de</strong>ntrar em rios, subir e <strong>de</strong>scer<br />
montes, <strong>de</strong>itar na terra, reconhecer as diferentes estações, enxergar o sol e a lua, perceber o semelhante<br />
e, quem sabe, assim nos conectaríamos melhor com tudo.
REVISTA DA ACADEMIA ESPÍRITO-SANTENSE DE LETRAS | 2012<br />
A internet está aí, virtualmente, aproximando mundos, mas, por outro lado, afastando os<br />
indivíduos. Tudo está em constante transformação à nossa volta, e no nosso mundo, valores e<br />
paradigmas são substituídos. A reflexão se faz necessária nessa nova leitura do mundo.<br />
A artista Simone, através <strong>de</strong> suas lentes, nos faz ver o quanto ainda estamos impassíveis<br />
diante da nossa realida<strong>de</strong>. Nós não somos telas <strong>de</strong> computador, ou <strong>de</strong> tecido, <strong>de</strong> papel, <strong>de</strong> plástico<br />
ou qualquer outro tipo <strong>de</strong> material que só recebe. Somos um corpo, uma mente e um espírito<br />
se expressando em um tempo que só po<strong>de</strong>rá fazer uma boa história, se houver mais reflexão,<br />
mais conhecimento e mais atitu<strong>de</strong> diante da vida.<br />
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ÍTALO FRANCISCO CAMPOS<br />
CADEIRA 31<br />
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A Revanche<br />
Parece que foi ontem... <strong>de</strong> tão fresquinho e insistente que continuava na sua<br />
memória. Começou <strong>de</strong> forma discreta, hora ou outra, em especial na hora<br />
<strong>de</strong> dormir. Nesta calma noite, as vozes que ouvia, gritavam. Mas faz muitos<br />
anos, algumas <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> anos, que essas vozes e imagens se multiplicaram<br />
na sua cabeça, insistentes e incessantes.<br />
Depois vi um monstro que subia do mar. Ele tinha <strong>de</strong>z chifres e sete cabeças,<br />
uma coroa em cada um dos chifres e nomes, que eram blasfêmias, escritos nas cabeças.<br />
O monstro que vi parecia um leopardo, os seus pés eram como <strong>de</strong> um urso, e a<br />
sua boca era como a <strong>de</strong> um leão.<br />
Convivia com as vozes com sofreguidão e algum sofrimento. Começaram<br />
com pequenas frases, frases curtas e, um tempo <strong>de</strong>pois, já formavam<br />
uma pequena história: Num país muito distante, lá nos confins dos mares, havia<br />
outrora um rei que tinha um filho e uma filha extremamente formosos. Chamavam<br />
a ele Hil<strong>de</strong>brando o audaz e a ela Rosamunda a loura, porque seus cabelos eram louros.<br />
Era difícil i<strong>de</strong>ntificar, com muita clareza, porque se misturavam, eram<br />
vozes agudas, graves, balbuciantes, grossas, <strong>de</strong>safinadas, insinuantes. Vozes<br />
que não calavam. Certa feita uns personagens chamavam por outros,<br />
provavelmente por apelidos, em uma gritaria sem fim: Narizinho, Senhora<br />
Santana, Pedrinho, <strong>de</strong>mônio... Ao mesmo tempo que aconteciam estranhas sonoplastias<br />
<strong>de</strong> canto <strong>de</strong> animais, pássaros, roncos não conhecidos. Tudo isso<br />
foi mudando gradativamente.<br />
Na adolescência, as vozes se apresentavam em longos discursos,<br />
frases filosóficas, palavras-<strong>de</strong>-or<strong>de</strong>m ou longas divagações. Não afogarão a<br />
verda<strong>de</strong> num mar <strong>de</strong> sangue...Levanta-te, povo trabalhador! A pé, gente com fome<br />
e dor! Cresceu assim atormentado por multivozes entrelaçadas, suplicantes<br />
<strong>de</strong> atenção e cuidados, que se impunham e reverberavam no seu pequeno<br />
quarto da república <strong>de</strong> rapazes. Na velha Naishápúr, na Nínive remota,/ Seja
REVISTA DA ACADEMIA ESPÍRITO-SANTENSE DE LETRAS | 2012<br />
doce ou amargo que a taça ressuma,/ O vinho da Existência escorre gota a gota,/ As folhas da Existência<br />
ah! Tombam uma a uma. A voz cantava repetida vezes, em sotaque oriental. Nenhum preparado químico<br />
po<strong>de</strong> fazer os homens amarem-se uns aos outros. O amor não é um produto do pensamento; também<br />
não é cultivável, como a flor que cultivamos em nosso jardim. O amor não po<strong>de</strong> ser comprado numa drogaria,<br />
e o amor é a única coisa que po<strong>de</strong>rá salvar o homem - e não os artifícios das religiões, nem seus ritos,<br />
nem todos os exércitos do mundo. Po<strong>de</strong>mos fugir, assistindo a concertos, visitando museus, entregando-nos<br />
a divertimentos <strong>de</strong> toda or<strong>de</strong>m - <strong>de</strong>bal<strong>de</strong>! - porque o homem se acha hoje em dia em presença <strong>de</strong> um tremendo<br />
problema: se tem a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> transformar-se radicalmente, <strong>de</strong> efetuar uma total mutação <strong>de</strong><br />
sua consciência, não amanhã, nem daqui a alguns anos, mas agora! Eis o problema principal: se o homem,<br />
em qualquer país que viva, com todas as suas belezas naturais, é capaz <strong>de</strong> operar uma mutação radical em<br />
seu interior, imediatamente. E não po<strong>de</strong>is resolvê-lo com vossas crenças, vossas i<strong>de</strong>ologias, vossos <strong>de</strong>uses,<br />
salvadores, sacerdotes e rituais. Essas coisas já não têm o menor significado. — Não é inteiramente correto<br />
dizer que todas as vozes o perturbavam sempre. Não era assim. Algumas vezes, em <strong>de</strong>terminadas<br />
épocas, as vozes o acalmavam, o distraiam <strong>de</strong> alguma situação difícil ou complicada<br />
da realida<strong>de</strong>. Quem o visse assim, não respon<strong>de</strong>ndo aos chamados <strong>de</strong> algum amigo ou parente<br />
à sua volta, julgava que ele estava “em outro mundo”. Tinha certa razão nesta assertiva: ele estava<br />
povoado pelas vozes inauditas que o acompanhavam. Estas o absorviam em tão alto grau<br />
e intensida<strong>de</strong> que ele ficava em outra órbita, fora da realida<strong>de</strong> comum. Certo dia, em uma roda<br />
<strong>de</strong> amigos que conversavam sobre as origens <strong>de</strong> suas famílias, a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> gerações, ele se pegou<br />
surpreso ao ser invadidos por vozes que lhe impunham vários nomes como Aureliano Buendia;<br />
José Arcádio Buendia; Melquía<strong>de</strong>s; Úrsula; Rebeca; Remédios; Pilar Ternera... até que ele mesmo já não<br />
sabia mais qual era mesmo o nome <strong>de</strong> sua família. Ficara em dúvidas. Quantas palavras, quantos<br />
nomes ele ouvia? Eram milhares, milhões? Estavam ali como uma cachoeira transbordante<br />
e, mesmo assim, ele sentia que em alguns momentos a palavra lhe faltava: ela não existia?<br />
Não era a palavra certa? Para ser gran<strong>de</strong>, sê inteiro: nada teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa.<br />
Põe quanto és no mínimo que fazes. Assim em cada lago a lua toda brilha, porque alta vive. As frases<br />
se impunham e o absorviam por alguns minutos ou horas. Poucas vezes ele pronunciava esses<br />
quase segredos. A lua toda brilha, porque alta vive, balbuciou enquanto pagava a moça do caixa<br />
na padaria. Ela o tratava com um carinho fraternal e a frase ela a tomou como um elogio e uma<br />
retribuição à atenção que ela sempre lhe dispensara.<br />
Numa dada ocasião, passeando por Buenos Aires, caminhando por entre o burburinho<br />
da praça <strong>de</strong> Santelmo, absorto e admirado com os quadros, as telas raras, objetos e peças antigas,<br />
roupas, broches, luminárias e tantos outros objetos representativos <strong>de</strong> uma burguesia, <strong>de</strong><br />
uma elegância e <strong>de</strong> uma Argentina que já não existe mais, foi quando lhe ocorreu:<br />
Velhice este é o nome que os outros dão-lo<br />
pue<strong>de</strong> ser el tiempo <strong>de</strong> nuestra dicha. po<strong>de</strong> ser o momento <strong>de</strong> nossa felicida<strong>de</strong>.<br />
El animal ha muerto o casi ha muerto. O animal está morto ou quase morto.<br />
Quedan el hombre y su alma. O homem e sua alma.<br />
Vivo entre formas luminosas y vagas Eu vivo entre as formas leve e vaga<br />
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que no son aún la tiniebla. que ainda não estão na escuridão.<br />
Buenos Aires, Buenos Aires,<br />
que antes se <strong>de</strong>sgarraba en arrabales já arrancou em favelas<br />
hacia la llanura incesante, para a planície sem fim,<br />
ha vuelto a ser la Recoleta, el Retiro, passou a ser La Recoleta, Retiro,<br />
As in<strong>de</strong>finidas ruas do Once e as precárias casa velhas/ que ainda chamamos o Sul...<br />
las borrosas calles <strong>de</strong>l Once y las precarias casas viejas<br />
Sentiu <strong>de</strong> imediato uma certa paz, uma tranquilida<strong>de</strong>, que lhe seria muito incomum<br />
nesta ocasião. De repente era como ele estivesse na varanda <strong>de</strong> sua casa ou estivesse pelas<br />
ruas <strong>de</strong> sua cida<strong>de</strong>, caminhando por ali numa tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> sol. A tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> Santelmo, com músicos e<br />
palhaços, estátuas vivas e realejos, virou a sua cida<strong>de</strong> natal. Esse, era o lado positivo da Torre<strong>de</strong>-Babel<br />
em sua cabeça: em lugares tão estranhos, como na Alemanha, po<strong>de</strong>r ele ouvir<br />
Como é que a solidão hei-<strong>de</strong> ir medindo?<br />
<strong>de</strong>sse-me os golpes <strong>de</strong> uso inda esta dor<br />
um a um sua nu<strong>de</strong>z a sobrepor<br />
que o ritmo sem nome a foi vestindo<br />
mas sofro agora o tempo nu saindo<br />
numa levada sem nenhum teor<br />
gasto caudal do meu rio interior<br />
nem chora o peito por mais gritos vindo.<br />
Há em toda a beleza uma amargura<br />
secreta e confundida que é latente<br />
ambígua in<strong>de</strong>cifrável duplamente<br />
oculta a si e a quem a olhar obscura.<br />
A questão fatídica para a espécie humana parece-me ser saber se, e até que ponto, seu <strong>de</strong>senvolvimento<br />
cultural conseguirá dominar a perturbação <strong>de</strong> sua vida comunal causada pelo instinto humano <strong>de</strong><br />
agressão e auto<strong>de</strong>struição. Talvez, precisamente com relação a isso, a época atual mereça um interesse especial.<br />
Os homens adquiriram sobre as forças da natureza um tal controle, que, com sua ajuda, não teriam<br />
dificulda<strong>de</strong>s em se exterminarem uns aos outros, até o último homem. Sabem disso, e é daí que provém<br />
gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong> sua atual inquietação, <strong>de</strong> sua infelicida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> sua ansieda<strong>de</strong>. Agora só nos resta esperar<br />
que o outro dos dois ‘Po<strong>de</strong>res Celestes’ o eterno Eros, <strong>de</strong>sdobre suas forças para se afirmar na luta com seu<br />
não menos imortal adversário. Mas quem po<strong>de</strong> prever com que sucesso e com que resultado?<br />
Caminhou tão livremente pelas largas avenidas <strong>de</strong> Berlim admirando sua reconstrução<br />
e, ao mesmo tempo, as bem visíveis marcas <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>vastação, <strong>de</strong> sua memória e <strong>de</strong> sua atualida<strong>de</strong>.<br />
Destruição e recuperação, lado a lado. Thanatos e Eros.<br />
Mas ele não viajava todo o dia. Em casa, as vozes adquiridas se confundiam com sua própria<br />
voz e com as <strong>de</strong> sua família. Essas eram distinguidas apenas por um certo sotaque familiar<br />
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REVISTA DA ACADEMIA ESPÍRITO-SANTENSE DE LETRAS | 2012<br />
e por diferentes tonalida<strong>de</strong>s. A do pai, em tom baixo, por obrigação <strong>de</strong> ofício, um breve barítono.<br />
A da mãe em tom grave, bravio, não estri<strong>de</strong>nte, ameaçador e repetitivo. Soprano. Irmãos e<br />
parentes emitiam agudos que, muitas vezes, o incomodavam. Nessas ocasiões, ele tampava,<br />
com as mãos, os ouvidos. Esse gesto era tomado como uma <strong>de</strong> suas esquisitices. As vozes eram<br />
distinguidas também pela sua clarida<strong>de</strong> e registro. As vozes da família eram permanentes, e o<br />
perturbavam muito. Não cessavam, mas eram diferentes; divergência que ele não conseguia<br />
explicar, nem para si mesmo, que diferença era essa.<br />
Intrigavam-lhe a multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> idiomas, a varieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> assuntos, as diferentes angústias,<br />
vozes femininas, masculinas, infantis, <strong>de</strong>safinadas, não i<strong>de</strong>ntificadas, que lhe invadiam.<br />
Alguns nomes o perturbavam tanto que resolveu externá-los, verbalizando-os em voz<br />
baixa, para mais controle ter sobre a insistência <strong>de</strong>les na cabeça. Começou por secretamente<br />
trocar o nome <strong>de</strong> amigos ou parentes. Ao sobrinho, que se chamava Bruno, passou a chamá-lo,<br />
mas somente para ele, silenciosamente, <strong>de</strong> Marx; a prima, amiga <strong>de</strong> infância, era i<strong>de</strong>ntificada<br />
silenciosamente por Maria, e ela se chamava Mariluce. A lista era enorme e esse verda<strong>de</strong>iro<br />
ritual muito o ajudou a diminuir a insônia.<br />
Bem tardiamente <strong>de</strong>scobriu que podia partilhar as vozes com algumas poucas pessoas.<br />
Pessoas essas que frequentavam os mesmos ambientes, teatro, cinema e boteco. “Por que, diabo,<br />
me preocupo eu <strong>de</strong>sta maneira e sofro todas estas inquietações por causa <strong>de</strong> uma bagatela?”, pensou,<br />
sorrindo estranhamente. Hum! Sim, é isso, está tudo ao alcance do homem e tudo lhe vem parar às mãos,<br />
simplesmente, o medo... Isto é um axioma... É curioso: <strong>de</strong> que será que as pessoas têm mais medo? O que<br />
mais temem é o primeiro caso, a primeira palavra... Mas parece-me que já estou falando <strong>de</strong>mais. Afinal,<br />
não faço mais nada senão falar. Embora também se pu<strong>de</strong>sse dizer que, se falo, é porque não faço nada. A<br />
verda<strong>de</strong> é que durante este último mês <strong>de</strong>u-me a mania <strong>de</strong> falar, enquanto me <strong>de</strong>ixo ficar estendido ruminando<br />
no meu canto... sobre ninharias. Bem, e afinal, aon<strong>de</strong> vou eu? Serei capaz disso? Será isso uma coisa<br />
séria? Não, <strong>de</strong> maneira alguma. Divirto-me, mas é à custa da minha imaginação, é uma brinca<strong>de</strong>ira!<br />
É isso mesmo, uma brinca<strong>de</strong>ira! Muitas vezes os personagens brincavam na sua cabeça, adquiriam<br />
uma vida in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. Esses personagens algumas vezes queriam dominar o seu ser que<br />
resistia com uma estranha força que separava sua própria personalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sses personagens,<br />
na maioria não acabados, que ele carregava. – Quando Gregor Samsa <strong>de</strong>spertou, certa manhã, <strong>de</strong> um<br />
sonho agitado viu que se transformara, durante o sono, numa espécie monstruosa <strong>de</strong> insecto. As vozes,<br />
nestas ocasiões, calavam momentaneamente como se tivessem dando uma trégua ou espaços<br />
para que outras se manifestassem. Elas, na verda<strong>de</strong> não brigavam entre si, mas alternavam-se<br />
com certa regularida<strong>de</strong> muitas vezes influenciado pelo ambiente externo no sentido lato senso<br />
e no sentido do seu pensamento, distinguido como próprio. Às vezes, pensou que essas vozes<br />
po<strong>de</strong>riam se transformar em seus pensamentos, e o seria legítimo, pois faziam parte <strong>de</strong> seu<br />
íntimo e intransferível pensar...<br />
De certa feita, extremamente cansado, tanto <strong>de</strong> procurar um certo en<strong>de</strong>reço on<strong>de</strong> teria<br />
marcado uma consulta médica quanto das vozes que se aguçavam na sua cabeça, resolvera<br />
estacionar a esmo, na primeira sombra encontrada. Um oásis, pensou. A tar<strong>de</strong> estava ensolarada<br />
e abafada. Tinha mesmo perdido seu tempo até agora. Descansava ainda no carro que per-<br />
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manecia ligado para ter o ar condicionado funcionando, eis que percebe on<strong>de</strong> estava: bem em<br />
frente a uma Biblioteca Pública. Precipitou-lhe uma gran<strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecer aquele espaço.<br />
Certamente, iria encontrar um ambiente calmo e ameno em contraponto ao infernal trânsito<br />
que tinha enfrentado. Não esperou terminar seu pensamento, <strong>de</strong>sligou o carro e caminhou<br />
<strong>de</strong>cidido para a biblioteca. Ao a<strong>de</strong>ntrar, invadiu-o um ar fresco e ele sentiu algo <strong>de</strong> que não se<br />
lembrava quando tinha sentido igual, um misto <strong>de</strong> alívio e satisfação inexplicáveis.<br />
Acercou-se da recepção e foi orientado a se dirigir ao maior espaço daquela casa. Esta,<br />
se era calorosa na recepção, concomitantemente tinha pairada em sua atmosfera uma quietu<strong>de</strong>.<br />
Seu sentimento <strong>de</strong> satisfação era enorme, acertara em cheio ao <strong>de</strong>cidir por entrar neste<br />
ambiente. Caminhou em direção às estantes que expunham livros dos mais variados assuntos,<br />
<strong>de</strong> diversos autores, <strong>de</strong> estilos vários e <strong>de</strong> épocas distintas. No amplo espaço, algumas pessoas<br />
ocupavam as mesas, algumas com uma pilha <strong>de</strong> livros, e pareciam estar pesquisando alguns<br />
assuntos. Outros liam apenas um livro. Jovens estudantes, uniformizados, com livros e revistas<br />
à sua frente, conversavam baixinho. Ele se dirigiu às estantes mais próximas, não tinha nenhum<br />
autor ou título pré-<strong>de</strong>terminado. Olhou aquelas estantes por alguns minutos, admirou<br />
o acervo. Pegou um livro pelo simples fato <strong>de</strong> lhe parecer o mais atraente. Começou a ler, ali<br />
mesmo, em pé, como se quisesse apenas um contato rápido, ler a orelha, a contracapa, algo<br />
assim. Mas, ao invés <strong>de</strong> abrir as primeira páginas, abre o meio do livro e lê uma página. Lê, em<br />
pé, sem pressa, toda uma página. Sente mudar todo o corpo, algo novo, uma sensação diferente<br />
o percorre. Seus pés não pareciam tocar no chão, o livro não tinha peso, parecia segurar uma<br />
folha <strong>de</strong> seda. Dirigiu-se para uma das mesas e continuou sua leitura. Aí se <strong>de</strong>u conta <strong>de</strong> que<br />
conhecia aquelas palavras, <strong>de</strong> que conhecia esta história, <strong>de</strong> que já tocara neste texto. Continuou<br />
por duas ou três páginas e sua memória se avivava cada vez mais e mais forte. Já lera<br />
aquele livro: <strong>de</strong>le eram aquelas palavras que, acossando-o incessantemente, permaneceram<br />
em sua cabeça.<br />
Observava o abismo aberto aos meus pés, vale profundo do qual vinha um pranto amargo, e<br />
vislumbrei, da cova ao longo, multidão <strong>de</strong> almas caladas e lacrimosas, avançando ao passo tardo que no<br />
mundo é próprio das procissões. Mais acuradamente observando, percebi que, <strong>de</strong> modo espantoso, todo<br />
justiçado tinha voltados para as costas o mento e o pescoço, caminhando como quem recua, pois lhes era<br />
proibido olhar para frente... incomoda-te o murmúrio <strong>de</strong>sta gente? Segue-me <strong>de</strong> perto e <strong>de</strong>ixa falar. Sê<br />
como torre firme, cujo cimo não <strong>de</strong>saba ao soprar dos ventos. Pois é certo que, entregando-te ao mesmo<br />
tempo a vários pensamentos, per<strong>de</strong>s em firmeza e teu i<strong>de</strong>al afastas, dado ser próprio <strong>de</strong> um pensamento<br />
enfraquecer a força do que lhe é anterior.<br />
Angustiado no início, à medida que lia, sua cabeça ia se aliviando, como se <strong>de</strong>scansasse.<br />
Era uma boa sensação <strong>de</strong> esvaziamento, ao passo em que a leitura prosseguia. As mesmas<br />
palavras que ecoavam em sua cabeça estavam ali naquele livro e iam <strong>de</strong>saparecendo enquanto<br />
a leitura adiantava. Absorto continuava a ler sem se dar conta do que se passava em volta e,<br />
sobretudo, do passar do tempo. Eis que é <strong>de</strong>licadamente avisado pela bibliotecária: já havia<br />
passado meia hora além do expediente. Eram <strong>de</strong>z e meia da noite. Ao sair, em passando pelas<br />
estantes, dá-se conta <strong>de</strong> que o livro aleatoriamente escolhido e outros, ali expostos, eram livros<br />
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REVISTA DA ACADEMIA ESPÍRITO-SANTENSE DE LETRAS | 2012<br />
dos quais tinha ele, por uma razão ou outra, abandonado a leitura: A Bíblia Sagrada; bibliote-<br />
ca infantil da livraria Quaresma; Monteiro Lobato; M. Gorki; O. Kayyann; J. Krishnamurt; G. G.<br />
Marques; Fernando Pessoa; J. L. Borges; W. Benjamim; S. Freud; Dostoievsky; Kafka; D. Alighieri;<br />
Nietzsche, J.G. Rosa, todos se encontravam ali, gritando e esperando por ele. Efusivamente<br />
agra<strong>de</strong>ce à pessoa que o recebera naquela tar<strong>de</strong>. Não podia aquela outra avaliar o significado<br />
da visita <strong>de</strong>le. Ele sai em direção ao carro. Des<strong>de</strong> criança, agradável sensação assim jamais<br />
experimentara qual essa agora, após finda a leitura. Estava mais leve a sua cabeça e exultante<br />
o seu coração.<br />
Para todo escritor é sempre uma surpresa o fato <strong>de</strong> que o livro tenha uma vida própria, quando se<br />
<strong>de</strong>spren<strong>de</strong> <strong>de</strong>le; é como se parte <strong>de</strong> um inseto se <strong>de</strong>stacasse e tomasse um caminho próprio. Talvez ele se<br />
esqueça do livro quase totalmente, talvez se eleve acima das opiniões que nele registrou, talvez até não o<br />
compreenda mais, e tenha perdido as asas em que voara ao concebê-lo: enquanto isso o livro busca seus<br />
leitores, inflama vidas, alegra, assusta, engendra novas obras, torna-se a alma <strong>de</strong> projetos e ações – em<br />
suma: vive como um ser dotado <strong>de</strong> espírito e alma, e contudo não é humano. – A sorte maior será a<br />
do autor que, na velhice, pu<strong>de</strong>r dizer que tudo o que nele eram pensamentos e sentimentos fecundantes,<br />
animadores, edificantes, esclarecedores, continuam a viver nos seus escritos e que<br />
ele próprio já não representa senão a cinza, enquanto o fogo se salvou e em toda parte é levado<br />
adiante.<br />
Neste exato momento ele conclui que todo mundo é louco. O senhor, eu, nós, as pessoas todas...<br />
Viver é muito perigoso... as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas — mas que eles<br />
vão sempre mudando. Afinam ou <strong>de</strong>safinam... O senhor sabe o que o silêncio é? É a gente mesmo, <strong>de</strong>mais.<br />
No outro dia e em todos os dias seguintes, seu carro podia ser visto estacionado das 18<br />
às 22 horas. Sempre em frente à Biblioteca.<br />
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Jô DRuMOND<br />
CADEIRA 32<br />
| 40<br />
O Prazer da leitura<br />
há quem culpe a Internet pela evasão dos leitores, mas é provável que hoje se<br />
leia mais, mesmo que seja em “internetês”, do que antes da era virtual, pois<br />
a língua escrita é largamente usada na web. Na Europa, é usual que cada<br />
cidadão tenha sempre em mãos um livro, uma revista, um jornal ou algo<br />
similar, nas mais diversas circunstâncias do cotidiano, seja em transportes<br />
coletivos, salas <strong>de</strong> espera, cafeterias ou praças públicas. Cada um carrega<br />
consigo algo escrito para momentos ociosos.<br />
Recentemente, cenas inusitadas, envolvendo leitores estrangeiros,<br />
atraíram minha atenção. No <strong>de</strong>sembarque, em Munique, o operador da ponte<br />
móvel abriu um livro e pôs-se a ler, atentamente, <strong>de</strong> pé, após o término <strong>de</strong><br />
sua tarefa, indiferente ao fluxo dos passageiros. Era como se o entorno não<br />
existisse para ele. Uma cena usual como essa, para os europeus, é motivo <strong>de</strong><br />
estranhamento para nós, brasileiros, pelo fato <strong>de</strong> não estarmos habituados<br />
a ver livros em mãos operárias, sobretudo em horário <strong>de</strong> trabalho.<br />
De outra feita, também em Munique, à porta <strong>de</strong> uma sala <strong>de</strong> concertos,<br />
via-se na fila um garoto, <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos, mergulhado na leitura<br />
<strong>de</strong> um livro, alheio a tudo e a todos. O fato era duplamente surpreen<strong>de</strong>nte.<br />
Aqui no Brasil, normalmente não se veem crianças em concertos <strong>de</strong> música<br />
erudita. Quando isso acontece, geralmente não estão ali por vonta<strong>de</strong><br />
própria, mas por ingerência familiar. Naquela fila, havia diversas crianças,<br />
todas elas aparentemente <strong>de</strong> bom grado.<br />
Em Paris, presenciei uma cena curiosa, ao flanar sob os arcos da rua<br />
Rivoli, ao lado do museu do Louvre. Um mendigo, <strong>de</strong>itado placidamente no<br />
passeio público, indiferente aos passantes, parecia usufruir da leitura <strong>de</strong><br />
um bom livro. Seu boné fora colocado displicentemente ao lado, para eventuais<br />
óbolos. Todavia, as misérias da vida não lhe diziam respeito. Absorto<br />
no tempo e no espaço parecia não se dar conta do constante tilintar <strong>de</strong>
REVISTA DA ACADEMIA ESPÍRITO-SANTENSE DE LETRAS | 2012<br />
moedas. Suspeitei que fosse uma encenação. Seria aquele mendigo um leitor voraz ou estaria<br />
lançando mão <strong>de</strong> um estratagema que lhe ren<strong>de</strong>sse bons proventos? Os amantes da leitura<br />
(que são muitos na Europa) certamente não <strong>de</strong>ixariam <strong>de</strong> dar um adjutório àquele infortunado<br />
com quem teriam alguma afinida<strong>de</strong>. Além do mais, talvez fosse menos constrangedor para o<br />
esmoler fazer sua boa ação livre da abordagem do mendicante. Os passantes quase sempre evitam<br />
o olhar dos <strong>de</strong>svalidos, não sei se por comiseração, por pressa, por <strong>de</strong>sprazer... Talvez pela<br />
fusão <strong>de</strong> sentimentos difusos, ou até mesmo pela sensação <strong>de</strong> impotência diante das misérias<br />
do mundo. De qualquer forma, aquele pedinte (que não pedia) se fazia merecedor <strong>de</strong> ajuda,<br />
tanto pelo gosto da leitura, quanto pela sutileza da mendicância.<br />
Segundo o poeta Fernando Pessoa, “o mito é o nada que é tudo”. Realmente, a ficção, muitas<br />
vezes, é mais verossímil que a realida<strong>de</strong>. Ao embrenhar-se nas aventuras <strong>de</strong> um bom livro,<br />
o leitor escapa do tempo cronológico e, por conseguinte, da faina do cotidiano. O tempo mítico<br />
lhe permite vislumbrar novos horizontes, conhecer novos mundos, viver outras vidas, driblar as<br />
agruras, as tristezas e os estorvos do dia a dia. A literatura, o cinema, o teatro, enfim, a arte em<br />
geral tem essa capacida<strong>de</strong> arrebatadora <strong>de</strong> subverter a noção espaçotemporal. Na opinião <strong>de</strong><br />
Nietzche, “temos a arte para não morrermos da verda<strong>de</strong>”.<br />
41 |
GETúLIO MARCOS PEREIRA NEvES<br />
CADEIRA 33<br />
| 42<br />
De livros,<br />
leituras e leitores<br />
Éinteressante notar a relação da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Vitória com as <strong>Letras</strong>. <strong>Aca<strong>de</strong>mia</strong>s<br />
<strong>de</strong> <strong>Letras</strong>, Grêmios Literários, grupos <strong>de</strong> escritores e ultimamente <strong>de</strong> leitores<br />
floresceram e florescem por aqui, como contraponto à conhecida falta <strong>de</strong><br />
interesse pelos livros e pela cultura em geral, infelizmente uma tendência<br />
contemporânea e não só no nosso querido “Brasil, país <strong>de</strong> todos”. No site <strong>de</strong><br />
relacionamentos Facebook, fui incluído, ultimamente, num grupo chamado<br />
“Que livro você está lendo”; <strong>de</strong> uma consulta ao site Tertúlia Capixaba<br />
(www.tertuliacapixaba.com.br), do escritor Pedro J. Nunes; relembro grupos<br />
<strong>de</strong> leitores que por aqui havia, em matéria do Jornal A Gazeta, <strong>de</strong> 8.06.2006,<br />
intitulada “Com versos, encontros e aquela prosa”.<br />
Entre nós, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a fundação, em Vitória, da Biblioteca Pública Estadual,<br />
em 1855, com a iniciativa <strong>de</strong> Brás da Costa Rubim – ou, melhor dizendo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
sua reorganização, em 1880, pelo presi<strong>de</strong>nte da Província Eliseu <strong>de</strong> Souza Martins<br />
– temos alguma espécie <strong>de</strong> dados dando conta do interesse pela leitura dos<br />
habitantes e visitantes da cida<strong>de</strong>. Na palestra que realizou sobre os 157 anos <strong>de</strong><br />
fundação da Biblioteca Pública Estadual, o escritor Reinaldo Santos Neves chamou<br />
a atenção para os relatórios <strong>de</strong> usuários dos serviços da instituição que,<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1880, começaram a integrar os relatórios dos presi<strong>de</strong>ntes da Província.<br />
Esse fato atesta a importância que a instituição foi passando a ter a partir dos<br />
anos oitenta do século XIX e serve para mostrar a presença, entre nós, <strong>de</strong> letrados<br />
e <strong>de</strong> interessados na leitura, naqueles tempos provinciais, tratados na historiografia<br />
local e externa <strong>de</strong> forma tão pouco lisonjeira para o <strong>Espírito</strong> Santo.<br />
Mas a fundação da Biblioteca Pública não foi, cronologicamente, o<br />
primeiro passo na “ilustração”, por assim dizer, dos vitorienses: já em 1840,<br />
o Alferes Ayres Xavier <strong>de</strong> Albuquerque Tovar trouxe para aqui a nossa primeira<br />
tipografia, com o objetivo <strong>de</strong> publicar um jornal oficial. Os fatos são<br />
bem conhecidos: sob a direção <strong>de</strong> José Marcelino Pereira <strong>de</strong> Vasconcelos foi
REVISTA DA ACADEMIA ESPÍRITO-SANTENSE DE LETRAS | 2012<br />
impresso um único número <strong>de</strong> O Estafeta. Com a morte <strong>de</strong> Tovar, em 1841, o maquinário permaneceu<br />
inativo, até sua venda a Pedro Antônio Azeredo. Este se tornou o precursor da imprensa<br />
capixaba, ao iniciar a publicação, em 17 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1849, do Correio da Victória, periódico bissemanário<br />
que circularia entre nós por vinte e quatro anos, sob a direção <strong>de</strong> José Marcelino Pereira<br />
<strong>de</strong> Vasconcelos.<br />
É do mesmo José Marcelino a iniciativa da publicação do primeiro livro, entre os até hoje<br />
localizados, editado em terras capixabas: o 1.º volume do Jardim Poético, <strong>de</strong> 1856 (<strong>de</strong> que a <strong>Aca<strong>de</strong>mia</strong><br />
<strong>Espírito</strong>-<strong>santense</strong> <strong>de</strong> <strong>Letras</strong> fez publicar uma 2.ª edição em 2008, mediante convênio com a Prefeitura<br />
Municipal <strong>de</strong> Vitória). Embora, registre-se, o primeiro autor capixaba publicado <strong>de</strong> que se tem<br />
notícia seja Manuel <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> Figueiredo, calígrafo do Reino, que, em 1722, publicou em Lisboa<br />
Nova Escola para apren<strong>de</strong>r a ler, escrever & contar, <strong>de</strong> que a <strong>Aca<strong>de</strong>mia</strong> <strong>Espírito</strong>-<strong>santense</strong> <strong>de</strong> <strong>Letras</strong> também<br />
fez tirar uma 2.ª edição (talvez a primeira edição brasileira), em 2008. Da primeira edição do<br />
Jardim Poético, guarda hoje a Biblioteca Pública Estadual um exemplar, <strong>de</strong>ntre os outros tantos que<br />
<strong>de</strong>ve ter possuído nos seus anos iniciais <strong>de</strong> funcionamento.<br />
Ao incansável José Marcelino Pereira <strong>de</strong> Vasconcelos <strong>de</strong>vemos a cogitação inicial do registro<br />
dos esforços literários havidos entre nós. Do frontispício do Jardim Poético colhe-se esta sua preocupação,<br />
que lhe animava as intenções:<br />
“Des<strong>de</strong> o <strong>de</strong>scobrimento <strong>de</strong>sta parte do Império que muitos Gênios hão<br />
<strong>de</strong> ter nascido, vivido <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> sua atmosfera, e morrido com o fruto<br />
<strong>de</strong> suas lucubrações [...] como po<strong>de</strong>remos ter glória por este modo?<br />
Como po<strong>de</strong>remos representar nos futuros séculos um importante papel<br />
entre os literatos brasileiros, <strong>de</strong>ixando cair em olvido, concorrendo mesmo<br />
para se esvaecerem tão interessantes documentos?”<br />
À visão <strong>de</strong> José Marcelino se <strong>de</strong>ve o fato <strong>de</strong> uma pequena parcela da produção dos contemporâneos<br />
espírito-<strong>santense</strong>s não ter tido outro <strong>de</strong>stino e po<strong>de</strong>r ser conhecida por nós, pelo<br />
público leitor <strong>de</strong> hoje.<br />
Mas nisto <strong>de</strong> publicação, como registrou o Acadêmico Renato Pacheco no breve texto “Introdução<br />
à História do Livro Capixaba”, que integra seu Estudos <strong>Espírito</strong>-<strong>santense</strong>s, publicado em 1994<br />
pelo <strong>Instituto</strong> Histórico e Geográfico do <strong>Espírito</strong> Santo, autores locais publicavam fora daqui. Citese,<br />
por todos, ainda José Marcelino Pereira <strong>de</strong> Vasconcelos, nosso mais prolífico escritor da época e,<br />
sem dúvida, a personalida<strong>de</strong> mais marcante daqueles inícios da produção gráfica capixaba, que<br />
teve obras <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância publicada pela editora dos irmãos Laemmert, do Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />
Exemplares hoje muito raros <strong>de</strong> seus Ensaios sobre a história e estatística da província do <strong>Espírito</strong> Santo,<br />
aqui publicado em 1858, do Roteiro dos Delegados e Sub<strong>de</strong>legados <strong>de</strong> Polícia, Manual dos Juízes <strong>de</strong> Direito, o<br />
próprio Jardim Poético, compõem os acervos <strong>de</strong> obras raras da Biblioteca Pública Estadual, do <strong>Instituto</strong><br />
Histórico e Geográfico do <strong>Espírito</strong> Santo e da <strong>Aca<strong>de</strong>mia</strong> <strong>Espírito</strong>-<strong>santense</strong> <strong>de</strong> <strong>Letras</strong>.<br />
A consolidação da imprensa no <strong>Espírito</strong> Santo, na segunda meta<strong>de</strong> do século XIX, e o<br />
interesse que <strong>de</strong>spertavam as disputas políticas nas páginas dos órgãos oficiais dos partidos,<br />
43 |
na capital e no interior, sem dúvida incrementavam o interesse pela leitura. A fundação do<br />
primeiro grêmio lítero-científico do <strong>Espírito</strong> Santo, em 1916, o <strong>Instituto</strong> Histórico e Geográfico,<br />
contribuiu para consolidar a canalização dos esforços dos letrados locais contemporâneos. Aos<br />
quadros do <strong>Instituto</strong> Histórico e Geográfico pertencia a maioria dos fundadores da <strong>Aca<strong>de</strong>mia</strong><br />
<strong>Espírito</strong>-<strong>santense</strong> <strong>de</strong> <strong>Letras</strong>, cujo pontapé inicial, em 31 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1921, se <strong>de</strong>u no Clube Bohemios,<br />
on<strong>de</strong> estava instalada a se<strong>de</strong> do <strong>Instituto</strong>.<br />
No período <strong>de</strong> inativida<strong>de</strong> da <strong>Aca<strong>de</strong>mia</strong> <strong>de</strong> <strong>Letras</strong>, entre 1925 (última reunião registrada<br />
em ata) e 1937 (ano da convocação dos <strong>de</strong>mais remanescentes pelo Acadêmico Arquimimo<br />
Martins <strong>de</strong> Matos), floresceram em Vitória algumas associações literárias, registrando<br />
Elmo Elton no estudo introdutório ao Patronos e Acadêmicos a <strong>Aca<strong>de</strong>mia</strong> <strong>Espírito</strong>-<strong>santense</strong><br />
<strong>de</strong> Novos e o Grêmio Rui Barbosa. Com a reorganização da <strong>Aca<strong>de</strong>mia</strong> <strong>Espírito</strong>-<strong>santense</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>Letras</strong> naquele ano, muitos dos integrantes dos dois grêmios passaram a ocupar ca<strong>de</strong>iras no<br />
sodalício maior.<br />
Como uma instituição voltada ao cultivo das letras, a história da <strong>Aca<strong>de</strong>mia</strong> <strong>Espírito</strong>-<strong>santense</strong><br />
foi enriquecida pela doação à Casa da biblioteca pessoal do Acadêmico Álvaro Henrique Moreira<br />
<strong>de</strong> Souza, Saul <strong>de</strong> Navarro, em 1947. Navarro era leitor consciencioso e <strong>de</strong> seu acervo fazem parte<br />
exemplares diversos em francês, espanhol e inglês. A formação do acervo é, aliás, uma das preocupações<br />
da nossa <strong>Aca<strong>de</strong>mia</strong>: nas atas das reuniões naqueles anos iniciais consta o registro <strong>de</strong> cada<br />
título que lhe era doado, sendo o primeiro registro, na reunião <strong>de</strong> 25 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1923, <strong>de</strong> um<br />
exemplar da Revista da <strong>Aca<strong>de</strong>mia</strong> Brasileira <strong>de</strong> <strong>Letras</strong>.<br />
Homem <strong>de</strong> <strong>Aca<strong>de</strong>mia</strong>, a Brasileira, é o autor do livro que mais divulgou as coisas do <strong>Espírito</strong><br />
Santo no meio literário, livro este que, agora, em 2012, completa cento e <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong> publicação:<br />
o Canaã, <strong>de</strong> Graça Aranha, obra inspirada ao jovem Juiz Municipal do Porto <strong>de</strong> Cachoeiro <strong>de</strong><br />
Santa Leopoldina pela acusação <strong>de</strong> infanticídio contra a imigrante <strong>de</strong> origem alemã Guilhermina<br />
Lubke. O inci<strong>de</strong>nte com a Maria Perutz do livro é pano <strong>de</strong> fundo para a discussão <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias sociológicas<br />
então em voga. A<strong>de</strong>mais disto, o Canaã é importante representante do chamado “romance<br />
<strong>de</strong> imigração” no Brasil.<br />
A obra máxima <strong>de</strong> Graça Aranha inspirou ao Acadêmico Augusto Lins dois títulos em<br />
que <strong>de</strong>monstra seu afinco no estudo do romance, o Variações Estéticas do Canaã, cuja segunda<br />
edição, <strong>de</strong> 1981, <strong>de</strong>dicou à <strong>Aca<strong>de</strong>mia</strong> <strong>Espírito</strong>-<strong>santense</strong> <strong>de</strong> <strong>Letras</strong>, “com gratidão e respeito” e do<br />
monumental Graça Aranha e o Canaã, <strong>de</strong> 1967, <strong>de</strong>dicada à <strong>Aca<strong>de</strong>mia</strong> <strong>Espírito</strong>-<strong>santense</strong> <strong>de</strong> <strong>Letras</strong><br />
e à Arcádia <strong>Espírito</strong>-<strong>santense</strong>, que integrara. É neste último livro em que, ao prefaciá-lo, o ministro<br />
Renato Almeida constata que o <strong>Espírito</strong> Santo:<br />
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“foi o gran<strong>de</strong> personagem do Canaã, criado com o fascínio e o <strong>de</strong>slumbramento<br />
da natureza, com todas as implicações filosóficas do seu panteísmo,<br />
que integra a terra no livro; foi o homem que ali vivia a tragédia<br />
do sub<strong>de</strong>senvolvimento e o que veio do estrangeiro com suas doutrinas<br />
a<strong>de</strong>quadas ou conflitantes com o meio; foi o complexo social em que se<br />
fundiam formas diferentes <strong>de</strong> um Brasil que se miscigenava, aculturava e
REVISTA DA ACADEMIA ESPÍRITO-SANTENSE DE LETRAS | 2012<br />
reinterpretava; foi o quadro <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> em formação na varieda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> figuras e aspectos, foi, em suma, a ecologia natural, social e humana<br />
que fez do <strong>Espírito</strong> Santo o personagem central do livro, e lhe polarizou a<br />
ação, o lirismo e a dinâmica”.<br />
O livro <strong>de</strong> Graça Aranha inspirou ao Acadêmico Renato Pacheco seu Fuga <strong>de</strong> Canaã, <strong>de</strong><br />
1981, on<strong>de</strong> o autor “re<strong>de</strong>scobriu Santa Leopoldina (o ex-Porto do Cachoeiro do autor maranhense)<br />
setenta anos <strong>de</strong>pois, quando a região [...] já se encontrava <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>nte” (da orelha do livro). Foi<br />
Renato Pacheco, sucessor <strong>de</strong> Augusto Lins no gosto pelo estudo do Canaã, quem prefaciou uma<br />
edição no centenário da publicação da obra, em 2002.<br />
Num arroubo, Graça Aranha rompeu com a <strong>Aca<strong>de</strong>mia</strong> Brasileira <strong>de</strong> <strong>Letras</strong>, em apoio à<br />
florescente estética mo<strong>de</strong>rnista; para José Lins do Rego, cobriu-se <strong>de</strong> ridículo naquela passagem<br />
(apud TATI, Miécio. Jorge Amado: Vida e Obra. Belo Horizonte, Itatiaia, 1961, p. 10). Renato<br />
Pacheco, Acadêmico e Presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Honra do <strong>Instituto</strong> Histórico e Geográfico do <strong>Espírito</strong> Santo,<br />
permeava suas atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> uma boa dose <strong>de</strong> iconoclastia. Ambos, <strong>de</strong> alguma maneira, simbolicamente<br />
buscando <strong>de</strong>spregar-se da i<strong>de</strong>ia ridícula e ainda hoje enraizada <strong>de</strong> distanciamento das<br />
<strong>Aca<strong>de</strong>mia</strong>s <strong>de</strong> <strong>Letras</strong> do público, <strong>de</strong> uma autocultuação ensimesmada e solitária <strong>de</strong>ssas Casas<br />
literárias. Ambos procuraram, <strong>de</strong> alguma forma, misturar-se aos leitores – e não só àqueles que<br />
canalizam a leitura, direcionando-a à produção literária. Ponto este on<strong>de</strong> voltamos ao exemplo<br />
dos grupos <strong>de</strong> leitores citados no texto do jornalista Clodomir Bertoldi para o jornal A Gazeta,<br />
<strong>de</strong> 2006, referido acima.<br />
Dos grupos ali retratados merece menção o mais longevo e justamente aquele que não<br />
apresenta perfil <strong>de</strong>finido: não é exclusivamente <strong>de</strong> leitores nem é exclusivamente <strong>de</strong> escritores.<br />
Ali todos leem e todos escrevem. E todos têm ciência <strong>de</strong> que, para bem escrever, é preciso ler. Para<br />
o escritor Luiz Guilherme Santos Neves, existe entre os frequentadores do Sabalogos um “verniz<br />
literário” que os une, no convívio das manhãs <strong>de</strong> sábado na Livraria Logos da Praia do Suá, em<br />
Vitória. Dessa tertúlia, já vintenária, diz o mesmo Luiz Guilherme Santos Neves ser sucessora no<br />
tempo das reuniões <strong>de</strong> intelectuais que aconteciam na Livraria Âncora, na Rua Nestor Gomes, no<br />
centro <strong>de</strong> Vitória.<br />
Sabalogos é expressão cunhada pelo Acadêmico Renato Pacheco, entusiasta frequentador<br />
das tertúlias até o seu falecimento, em 2004. Trata-se <strong>de</strong> um trocadilho juntando o termo<br />
sabadoyle (as famosas reuniões realizadas, no Rio <strong>de</strong> Janeiro, na residência do advogado e bibliófilo<br />
Plínio Doyle) ao da livraria que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre acolheu os tertulianos capixabas. Ali, no<br />
recanto que hoje leva o nome <strong>de</strong> Renato Pacheco, reúnem-se os escritores/leitores, para folhear<br />
e discutir novida<strong>de</strong>s livreiras e também do cotidiano.<br />
Se, atualmente, Vitória encontra-se razoavelmente munida <strong>de</strong> livrarias, nem sempre foi<br />
assim. E <strong>de</strong>pois que passou a sê-lo, havia o problema do preço do livro, que é problema recorrente.<br />
E <strong>de</strong>le fala José Carlos Oliveira em crônica intitulada “Livros Velhos”, publicada no jornal A<br />
Tribuna <strong>de</strong> 27.10.1951 e reunida por Jason Tércio em José Carlos Oliveira – o rebel<strong>de</strong> precoce: crônicas<br />
da adolescência, publicado Gráfica <strong>Espírito</strong> Santo em 2003:<br />
45 |
| 46<br />
“No sebo da Rua Gama Rosa, incompreensivelmente o único <strong>de</strong> Vitória,<br />
comprei nove cruzeiros e cinquenta centavos <strong>de</strong> literatura. Essas casas<br />
<strong>de</strong> livros velhos são uma necessida<strong>de</strong>; ali os rapazes pobres po<strong>de</strong>m comprar<br />
bons livros por pouco dinheiro, formando uma biblioteca humil<strong>de</strong>,<br />
mas <strong>de</strong>cente”.<br />
Retrato <strong>de</strong> uma época, infelizmente nem assim tão distante.<br />
O fato é que a preocupação com a produção literária local, mas também com o seu consumo,<br />
a leitura, entre nós, permeia a história da <strong>Aca<strong>de</strong>mia</strong> <strong>Espírito</strong>-<strong>santense</strong> <strong>de</strong> <strong>Letras</strong>. Do seu engajamento<br />
na campanha para dotar cada município capixaba <strong>de</strong> uma biblioteca, que se po<strong>de</strong> ler das atas das<br />
reuniões na década <strong>de</strong> 40 do século XX, aos estudos <strong>de</strong> Acadêmicos a respeito, não por coincidência<br />
dois presi<strong>de</strong>ntes da Casa: Francisco Aurelio Ribeiro, que na Revista comemorativa ao 81.º aniversário<br />
da <strong>Aca<strong>de</strong>mia</strong> <strong>Espírito</strong>-<strong>santense</strong> <strong>de</strong> <strong>Letras</strong>, <strong>de</strong> 2003, publicou o texto “Para que ler os capixabas”; e<br />
Gabriel Augusto <strong>de</strong> Mello Bittencourt, que na edição da Revista comemorativa ao 85.º aniversário da<br />
<strong>Aca<strong>de</strong>mia</strong>, <strong>de</strong> 2006, publicou “A Historiografia Capixaba e o problema da publicação”.<br />
O fato é que a leitura, hoje, não se faz apenas no livro, no suporte físico papel; sua evolução<br />
passa, inevitavelmente, pela interação do leitor com a internet. Livros eletrônicos (ainda incipientes),<br />
jogos on-line e re<strong>de</strong>s sociais <strong>de</strong>vem, sim, ser aproveitados por autores e editores, porque existe<br />
um público a isto predisposto e não parece fácil introduzir alterações num hábito <strong>de</strong> consumo que<br />
já se consolida.<br />
Hoje, a maioria dos municípios do <strong>Espírito</strong> Santo tem biblioteca pública, o que é animador.<br />
Mas qual será o estado <strong>de</strong> suas instalações? De seu acervo? Receberá a instituição a <strong>de</strong>vida<br />
atenção do Po<strong>de</strong>r Público? Estará munida <strong>de</strong> equipamentos digitais, que possibilitem o acesso<br />
às novas formas <strong>de</strong> consumir cultura? Uma instituição como a <strong>Aca<strong>de</strong>mia</strong> <strong>de</strong> <strong>Letras</strong>, cujos integrantes,<br />
<strong>de</strong> alguma maneira, são produtores <strong>de</strong> cultura, <strong>de</strong>ve se ocupar também <strong>de</strong> como essa<br />
produção chega até ao <strong>de</strong>stinatário.<br />
Voltando ao início, historicamente existe uma predisposição local para as iniciativas voltadas<br />
às letras. Será que, os que nos preocupamos com isso, estamos sabendo aproveitá-la?
REVISTA DA ACADEMIA ESPÍRITO-SANTENSE DE LETRAS | 2012<br />
ANAxIMANDRO AMORIM<br />
CADEIRA 40<br />
A Forma mais<br />
barata <strong>de</strong> se viajar<br />
Responda rápido, caro leitor: qual a forma mais barata <strong>de</strong> se viajar? Comprando<br />
pela internet, em dia <strong>de</strong> promoção? Fechando um pacote turístico,<br />
para uma excursão? Pegando carona e dormindo no chão? Não! Nenhuma<br />
<strong>de</strong>las! Existe uma outra forma, muito mais em conta do que essas. Às vezes,<br />
até gratuita. Descobri há muito tempo. Mas não compartilhe com ninguém,<br />
tá bom? É segredo. Ficou curioso? Pois bem, eu digo pra você: a forma mais<br />
barata <strong>de</strong> se viajar é... ler um bom livro!<br />
Decepcionado? Então, provavelmente, você <strong>de</strong>ve ser mais um dos<br />
que torcem o nariz para uma boa leitura. Que pena! Não sabe o que está<br />
per<strong>de</strong>ndo! Digo isso porque eu já sou um experiente viajante das letras.<br />
Não me lembro exatamente qual foi o primeiro livro que peguei para ler,<br />
mas lembro-me, certamente, <strong>de</strong> um dos primeiros. Um não, uns: a coleção<br />
inteira <strong>de</strong> Monteiro Lobato, que guardo até hoje e não dou, não vendo e não<br />
empresto! Foi minha primeira viagem, certamente, e junto <strong>de</strong> uma companhia<br />
invejável para qualquer criança: Emília, Pedrinho, Narizinho, Viscon<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Sabugosa, Dona Benta e Tia Nastácia. Como eu me imaginei <strong>de</strong>ntro do<br />
Sítio do Picapau Amarelo, como parte das “Reinações <strong>de</strong> Narizinho”... e o<br />
medo do Minotauro? E as viagens para Grécia e Roma? Posso lhe dizer, amigo<br />
leitor, que o “pó <strong>de</strong> pirlimpimpim” foi minha primeira passagem para um<br />
mundo novo e totalmente excitante, feito <strong>de</strong> mitologia, navegadores, aventureiros...<br />
e tipos bem brasileiros!<br />
Também viajei muito ao lado do meu amigo José <strong>de</strong> Alencar. Sim,<br />
meu amigo, por que não? Apesar <strong>de</strong> um século <strong>de</strong> distância, tenho certeza<br />
<strong>de</strong> que ele escreveu “O Guarani” pensando que eu iria ler o livro, no futuro.<br />
Foi o que fiz, com os dois tomos. Sofri com o romance <strong>de</strong> Peri e Ceci e torci<br />
muito, como numa boa telenovela, com o final feliz do casal. Depois, vieram<br />
as mulheres, Lúcia, Diva e Aurélia, esta última, rica, bonita, charmosa, fina...<br />
47 |
e meio cruel, vá lá! Mas... quem não tem <strong>de</strong>feito? Até mesmo Capitu, com seus “olhos <strong>de</strong> cigana<br />
oblíqua e dissimulada”... mas esse daí é o Machado <strong>de</strong> Assis, outro camarada, que, com seus<br />
tipos bem cariocas, me fez rir um bocado: Conselheiro Aires, os gêmeos Pedro e Paulo, Simão<br />
Bacamarte, Bentinho... todos eles me permitiram conhecer, <strong>de</strong> uma maneira ou <strong>de</strong> outra, os<br />
matizes da natureza humana, pelos olhos do bruxo do Cosme Velho.<br />
Cansado <strong>de</strong> ficar apenas em território nacional, resolvi arriscar e, já seguro no francês,<br />
minha língua preferida, até hoje, conheci o universo <strong>de</strong> um sujeito que, junto com Alencar, divi<strong>de</strong><br />
o panteão dos meus autores preferidos. Seu nome: Alexandre Dumas, o pai. Quem nunca<br />
ouviu falar <strong>de</strong> Edmond Dantès, o Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Monte-Cristo? Deus! Foi outro sofrimento, vê-lo<br />
aprisionado no castelo da ilha <strong>de</strong> If, pelo maldito Danglars, impedido <strong>de</strong> se casar com a linda<br />
Mercedès... Penei horrores, acompanhando a fuga <strong>de</strong> Dantès e seu plano <strong>de</strong> vingança. E Dumas,<br />
hábil escritor, me levou até a última página, <strong>de</strong>sesperadamente. Não, o final eu não conto, amigo<br />
leitor... quer saber como a história termina? Leia o livro e <strong>de</strong>ixe-se levar pelos costumes do<br />
sul <strong>de</strong> uma França do século XIX, com seus marinheiros, piratas e conspiradores. E, se quiser ir<br />
mais longe, leia “Os Três Mosqueteiros”, do mesmo autor. Afinal, quem nunca quis ser <strong>de</strong>stemido<br />
como Dartagnan?<br />
Mas não foram apenas as gran<strong>de</strong>s aventuras que me fascinaram: os casos do coração<br />
também, como o da polêmica Madame Bovary. O clássico <strong>de</strong> Gustave Flaubert me fez sentir<br />
vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> entrar na história e tentar impedir Emma <strong>de</strong> buscar suas aventuras, sobretudo com<br />
Rodolphe. Aliás, quis muito dar uns conselhos também a Frédéric Moreau, para esquecer Marie<br />
Arnoux, em “A Educação Sentimental”; ou a Julien Sorel, para que ele largasse a Madame <strong>de</strong><br />
Rênal, em “O Vermelho e o Negro”, este, <strong>de</strong> Stendhal. Mas, se isso acontecesse, nós não teríamos<br />
esses romances, não é mesmo? Afinal, o que seria da Literatura sem as gran<strong>de</strong>s paixões?<br />
Viajei também por outros países, outras culturas e outras línguas: fiquei impressionado<br />
com o Inferno <strong>de</strong> Dante e, como o poeta, preferi ir para o céu (mas, por enquanto, está bom aqui<br />
na Terra, mesmo!); já formado em Direito, revoltei-me com o sumário processo <strong>de</strong> Josef K., <strong>de</strong><br />
Kafka, sem direito a contraditório e ampla <strong>de</strong>fesa (e o pior, sem qualquer tipo <strong>de</strong> acusação!);<br />
fiquei triste com a história <strong>de</strong> Pirrip, em “Gran<strong>de</strong>s Esperanças”, <strong>de</strong> Dickens e impressionado<br />
com o diabolismo <strong>de</strong> Dorian Grey, o homem que nunca envelhecia e que pagou um preço caro<br />
por isso (nessas épocas <strong>de</strong> culto exacerbado ao corpo, <strong>de</strong>veria haver um exemplar do romance<br />
em todas as aca<strong>de</strong>mias <strong>de</strong> ginástica). Enfim, viajei pelo Brasil, pela França, pela Itália, pela Inglaterra,<br />
República Tcheca, Alemanha, Argentina, Chile, Estados Unidos e, quando fui a alguns<br />
<strong>de</strong>sses lugares – ou conheci gente <strong>de</strong>sses países – era como se já tivesse ido lá, há muito tempo.<br />
E tudo isso eu <strong>de</strong>vo à leitura, que me proporcionou viajar sem sair do lugar, e conhecer épocas,<br />
costumes e línguas da forma mais barata que existe.<br />
| 48
REVISTA DA ACADEMIA ESPÍRITO-SANTENSE DE LETRAS | 2012<br />
kAMILA BRuMATTI BERGAMINI<br />
CONVIDADA<br />
A memorabilia <strong>de</strong><br />
Roberto Mazzini: registros<br />
<strong>de</strong> cida<strong>de</strong>s visíveis<br />
A memória é uma ilha <strong>de</strong> edição. Waly Salomão<br />
A cida<strong>de</strong> é redundante: repete-se<br />
para fixar alguma imagem na mente. [...]<br />
A memória é redundante: repete os símbolos<br />
para que a cida<strong>de</strong> comece a existir.<br />
Italo Calvino, As cida<strong>de</strong>s invisíveis<br />
Acapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> narrar ou formar registros verbais confun<strong>de</strong>-se com a capacida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> reter informações e <strong>de</strong> constituir memória. Em tese, as narrativas<br />
são aquilo que conseguiu sobreviver ao esquecimento do narrador,<br />
sendo, portanto, a parte visível do processo <strong>de</strong> resgate <strong>de</strong> impressões.<br />
Mas são também o espólio <strong>de</strong> um processo duplo <strong>de</strong> seleção imagética.<br />
Consi<strong>de</strong>rado duplo porque o lembrado, que em si já é um tipo <strong>de</strong> seleção,<br />
é mais uma vez <strong>de</strong>cantado, quando se transforma em narrativa. Nem<br />
tudo que o narrador relembra se encaixa no relato; nem tudo é aproveitado<br />
no texto.<br />
A fragmentação do olhar narrativo, ao contrário do que possa parecer,<br />
não invalida ou diminui o potencial informativo <strong>de</strong> fatos e cenas <strong>de</strong>scritas.<br />
Na literatura contemporânea, isso fica patente pela compreensão do<br />
narrar segundo um perfazer linguístico que se permite oscilante e que po<strong>de</strong><br />
ser refeito inúmeras vezes sem esgotar o potencial <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrição das coisas.<br />
O leitor/ouvinte, na espreita dos limites da narração, preenche lacunas, caminhando<br />
para além das palavras lançadas. Torna-se, também, um narrador<br />
em potencial por via da intertextualida<strong>de</strong> que opera entre o texto lido/<br />
ouvido e o imaginário narrativo que traz consigo.<br />
Narrar é ainda confundir o sujeito (que fala) com o objeto (que é falado).<br />
Quase “uma empatia <strong>de</strong> alma”, levada ao extremo da disponibilida<strong>de</strong> do<br />
49 |
mundo ao olhar artístico. E “se alguns espaços lhe parecem fechados, é porque aos seus olhos<br />
[do escritor] não vale a pena ser inspecionados” (apud BENJAMIN, 1994, p. 52).<br />
Com a cida<strong>de</strong> e os relatos que <strong>de</strong>la surgem não é diferente. Fluxo constante <strong>de</strong> pessoas<br />
e indiscutivelmente <strong>de</strong> experiências, a cida<strong>de</strong> é um dos gran<strong>de</strong>s temas da literatura,<br />
a partir do século XX. O encanto que esse espaço exerce em muito tem relação com sua<br />
dialética <strong>de</strong> feições praticamente humanas, o que tornam contíguas as experiências da urbe<br />
e da subjetivida<strong>de</strong>. A pluralida<strong>de</strong> urbana é ora paradoxal ora <strong>de</strong>svairada, ora pragmática<br />
ora lírica. Uma Paulicéia <strong>de</strong> tristezas e alegrias, <strong>de</strong> neve e verão, <strong>de</strong> civilização e prisão, na<br />
imagem andradina. 1<br />
Esse macrocosmo, local do diverso por excelência, <strong>de</strong>safia o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> memorização dos<br />
narradores na mesma proporção que os convida a <strong>de</strong>cifração parcial <strong>de</strong> seus símbolos. Como<br />
não é possível dar conta <strong>de</strong> todas as referências — seja pela sua quantida<strong>de</strong>, seja pela sua constante<br />
transformação — é a memória, esta ilha <strong>de</strong> edição <strong>de</strong> lógica obtusa, quem seleciona imagens,<br />
pessoas, conversas, sons, lugares, dando-lhes uma coerência particular e mesmo assim<br />
capaz <strong>de</strong> representar metonimicamente o todo chamado cida<strong>de</strong>.<br />
Foi <strong>de</strong>sta maneira que Marco Polo, o lendário viajante italiano, conseguiu mostrar ao<br />
imperador mongol Kublai Khan toda a vastidão <strong>de</strong> seus domínios. De relato em relato, Polo dá<br />
conta <strong>de</strong> dizer o que há <strong>de</strong> mais peculiar em cada cida<strong>de</strong>, respaldando-se em <strong>de</strong>talhes banais<br />
aos olhos <strong>de</strong> um outro viajante. No diálogo entre os dois personagens criados por Italo Calvino<br />
em As cida<strong>de</strong>s invisíveis, a memória é o que há <strong>de</strong> mais concreto em um lugar, pois é através <strong>de</strong>la<br />
que a cida<strong>de</strong> existe.<br />
A experiência estabelecida com elementos locais reaviva narrativas anteriores; trata-se<br />
<strong>de</strong> uma memória polifônica que transforma tais objetos em lembrança. Na cida<strong>de</strong>, “não” é possível<br />
conhecer, mas reconhecer. Polo consi<strong>de</strong>ra ruas como páginas escritas com um discurso intercambiável<br />
(CALVINO, 2007, p. 18). Cada símbolo alimenta associações com outros símbolos, o<br />
que forma um jogo labiríntico <strong>de</strong> analogias ad infinituum. As cida<strong>de</strong>s se realizam na memória do<br />
viajante <strong>de</strong> uma maneira singular, traçando um imaginário que lhe é próprio, mas que reverbera<br />
um imaginário coletivo e que se complementa com o imaginário particular do conquistador,<br />
gerado exclusivamente através do discurso <strong>de</strong> seu funcionário.<br />
Feita “das relações entre as medidas <strong>de</strong> seu espaço e os acontecimentos do passado”<br />
(CALVINO, 2007, p. 14), as cida<strong>de</strong>s formam e são formadas por discurso. São fruto <strong>de</strong> um olhar<br />
selecionador, que garante o relevo das coisas pelo próprio ato <strong>de</strong> olhá-las. “Todo o resto da cida<strong>de</strong><br />
é invisível” (CALVINO, 2007, p. 85), diz Polo quando relembra partes <strong>de</strong> Fíli<strong>de</strong>. O resto a que se<br />
refere são os espaços fora <strong>de</strong> sua narração, e portanto, fora da linguagem.<br />
A invisibilida<strong>de</strong> transforma-se em espécie <strong>de</strong> um “não estar” das coisas para com a intertextualida<strong>de</strong>,<br />
e em primeira instância, para com a linguagem. E é partindo <strong>de</strong>sta imagem, <strong>de</strong><br />
cida<strong>de</strong>s invisíveis, que pretendo falar das “cida<strong>de</strong>s visíveis” <strong>de</strong> outro narrador, que como Polo,<br />
lança-se ao mundo sustendo na alma referências (cumuladas) e origens (entre elas, a italiana). 2<br />
Falo do cronista ítalo-capixaba Ivan Borgo, <strong>de</strong> quem procuro a princípio <strong>de</strong>ixar um pouco mais<br />
visível a própria figura.<br />
| 50
Registros <strong>de</strong> um autor e sua obra<br />
REVISTA DA ACADEMIA ESPÍRITO-SANTENSE DE LETRAS | 2012<br />
Ivan Anacleto Lorenzoni Borgo nasceu no município <strong>de</strong> Castelo-E.S, em 1929, e vive <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1940<br />
na capital capixaba. Bacharel em Direito com especialização em economia, Ivan ocupou por<br />
muitos anos o posto <strong>de</strong> professor titular da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do <strong>Espírito</strong> Santo, chegando a<br />
ser chefe do Departamento <strong>de</strong> Ciências Sociais da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ciências Econômicas. Também<br />
foi membro da comissão <strong>de</strong> criação do curso <strong>de</strong> Serviço Social da Ufes, do Conselho Editorial da<br />
Fundação Ceciliano Abel <strong>de</strong> Almeida e do Conselho Estadual <strong>de</strong> Educação do <strong>Espírito</strong> Santo. A<br />
atuante vida acadêmica <strong>de</strong> Borgo reflete-se em suas publicações. São do autor, que hoje pertence<br />
à <strong>Aca<strong>de</strong>mia</strong> <strong>Espírito</strong>-Santense <strong>de</strong> <strong>Letras</strong>: Adam Smith e o sistema <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m natural, l976; História<br />
do pensamento econômico: aspectos metodológicos, l987; e Ciclo ma<strong>de</strong>ireiro e povoamento do Norte do<br />
<strong>Espírito</strong> Santo (em parceria), l998.<br />
Nas publicações Crônicas <strong>de</strong> Roberto Mazzini, l995; Navegantes, l997; Recordações do futebol<br />
<strong>de</strong> Vitória, 1997; Novas crônicas <strong>de</strong> Roberto Mazzini (2003); sai <strong>de</strong> cena Ivan para a entrada da Roberto<br />
Mazzini, pseudônimo que assina os textos literários. Excetuando a obra <strong>de</strong> 1997, Mazzini<br />
<strong>de</strong>dica-se a crônicas que po<strong>de</strong>m ser divididas em dois gran<strong>de</strong>s temas: memórias <strong>de</strong> infância/juventu<strong>de</strong><br />
e memórias <strong>de</strong> viagem. Em ambas as temáticas, a cida<strong>de</strong> aparece com um papel muito<br />
superior a pano <strong>de</strong> fundo das histórias.<br />
De fino tratamento vocabular, capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>screver com elegância um rol <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>s que<br />
comporta <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as europeias Veneza, Londres, Roma, Pádua, Madri, passando pela oriental Tóquio,<br />
pelas americanas Nova Iorque e Honolulu, até chegar a Vitória, Domingos Martins, Cachoeiro<br />
<strong>de</strong> Itapemirim, Itaúnas e outras cida<strong>de</strong>s capixabas, Mazzini se especializa em associar<br />
suas vivências aos lugares por on<strong>de</strong> passa, <strong>de</strong> modo a rarefazer os limites entre o indivíduo<br />
(interior) e o espaço (exterior). O resultado é um lirismo revelador, responsável por apresentar<br />
com extrema originalida<strong>de</strong>, poesia e um toque <strong>de</strong> humor os cenários <strong>de</strong> seus textos.<br />
Epítetos e perífrases nos dão conta <strong>de</strong> tamanha criativida<strong>de</strong>. Nova Iorque é uma “cida<strong>de</strong><br />
grávida <strong>de</strong> futuro” (BORGO, 1995, p. 67); alguém mais velho é “um companheiro <strong>de</strong><br />
viagem que tomou o vagão um pouco na frente” (BORGO, 1995, p. 12); Ernest Hemingway<br />
um “invencível machão <strong>de</strong> bagos <strong>de</strong> ouro” (BORGO, 19995, p. 15), o bilheteiro do Cine Politeama<br />
um “senhor <strong>de</strong> rosto avermelhado [que] guarda a entrada do cinema como um dragão<br />
<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo o seu tesouro” (BORGO, 2003, p. 82); um sashimi “uma possível concorrente à<br />
exposição <strong>de</strong> arte <strong>de</strong> vanguarda” (BORGO, 1995, p. 85). Definições que, para José Sebastião<br />
Witter, são forjadas por um “incorrigível <strong>de</strong>scobridor <strong>de</strong> pérolas no cotidiano <strong>de</strong> seu viver e<br />
conviver” (BORGO, 2003, p. 11).<br />
Gosto da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrimento. Mas prefiro reconhecer em Mazzini a idéia do “tecelão<br />
<strong>de</strong> inventos cotidianos” (ABREU, 2005, p. 138), assumida pelo narrador <strong>de</strong> “O dia <strong>de</strong> ontem”, <strong>de</strong><br />
Caio Fernando Abreu, por achar que Mazzini transcen<strong>de</strong> à captação direta do universo externo.<br />
Suas revelações — em um sentido fotográfico — <strong>de</strong>ixam claro que a criação supera a representação.<br />
São particulares, dizem muito do próprio narrador e seu mundo permeado por anos <strong>de</strong><br />
leitura, pelo apreço ao cinema, pelo estudo, pelo trabalho, por viagens. Falam até mesmo da in-<br />
51 |
fância, <strong>de</strong> um convívio com a família <strong>de</strong> forte tradição italiana, da fé católica, <strong>de</strong> paixões pueris<br />
e <strong>de</strong> sentimentos duradouros.<br />
O cotidiano é relido, reinventado, guarnecido <strong>de</strong> imagens que sugerem uma urbanida<strong>de</strong><br />
tecida a partir da alma do narrador, mas que se permite experimentável graças às suas “confluências”.<br />
Na narrativa homônima, que abre Crônicas, Mazzini articula o que se po<strong>de</strong> chamar<br />
<strong>de</strong> associação imagética, recurso dos mais atraentes em sua escritura, segundo o qual a realida<strong>de</strong><br />
captada parece estar à espera <strong>de</strong> correlações, <strong>de</strong> intersemioses. Cabe ao narrador (e ao leitor)<br />
fazê-lo, tornando o texto pura experiência intertextual.<br />
Em “Confluências”, o narrador reconhece um passante <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> avançada como sendo<br />
personagem <strong>de</strong> uma antiga história <strong>de</strong> sua infância. Trata-se <strong>de</strong> o Celerado, epíteto enigmático<br />
que se mostra mais adiante um gran<strong>de</strong> símbolo a ser <strong>de</strong>cifrado por alusões e recordações em<br />
abismo:<br />
| 52<br />
Enquanto o observava, foram surgindo estranhas palavras em sua memória:<br />
biltre, imbecil, facínora, que afinal <strong>de</strong>ram o contorno para justificar<br />
o cognome do Celerado que ele mesmo lhe havia posto <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma<br />
<strong>de</strong>morada análise dos termos que pu<strong>de</strong>ssem ser os mais ofensivos. Envolvido<br />
por essas palavras que tinham um certo peso cabalístico, na verda<strong>de</strong><br />
viu-se transportado <strong>de</strong> Camburi para uma mansarda da rua Gama<br />
Rosa, no início dos anos quarenta. (BORGO, 1995, p. 12).<br />
O sujeito é lembrado como um rapaz <strong>de</strong> outrora, “o gran<strong>de</strong> sedutor ostentando seu bigo<strong>de</strong><br />
preto à Clark Gable e seus vinte e cinco anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, no mínimo” (BORGO,1995, p. 13). É o pivô<br />
<strong>de</strong> uma <strong>de</strong>silusão sofrida entre o narrador, com então treze anos, e sua i<strong>de</strong>alização amorosa, a<br />
Menina <strong>de</strong> Trança. É ele quem “rouba” a namorada imaginária antes mesmo <strong>de</strong> o jovem Mazzini<br />
se <strong>de</strong>clarar. Ao final, vencido e sem expectativas <strong>de</strong> viver o amor, reconhece: “Seu magro consolo<br />
foi o <strong>de</strong> recorrer ao recém-<strong>de</strong>scoberto vocabulário dos heróis das histórias em quadrinhos, dos<br />
gibis que levara para o sótão. Um vocabulário usado contra criminoso: biltre, imbecil, celerado,<br />
‘prendam esse facínora’” (BORGO, 1995, p. 13).<br />
A confluência se dá pelo fragmento urbano captado pelo olhar, um sujeito comum, tornado<br />
personagem <strong>de</strong> uma trama do passado. A ligação entre sujeito e história resi<strong>de</strong> no termo<br />
“celerado”, <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ador <strong>de</strong> outras expressões que culminam na lembrança <strong>de</strong> um vocabulário<br />
próprio da literatura <strong>de</strong> sua infância. As referências se cruzam; ficção e real per<strong>de</strong>m a marca<br />
in<strong>de</strong>lével <strong>de</strong> seus territórios. Quem sabe o sujeito nem seja o mesmo personagem da história<br />
antiga. Mas as palavras e seus intercâmbios assim o fizeram por um “conluio sistemático que<br />
os fados resolveram organizar para azucriná-lo” (BORGO, 1995, p. 14). Assim como fazem em “A<br />
palavra”, que traz Roma como ambiente <strong>de</strong> confluências.<br />
No trajeto do aeroporto até o hotel, Mazzini <strong>de</strong>ixa falar seu lado acadêmico, e a capital<br />
ganha uma <strong>de</strong>scrição sem força poética: “A civilização industrial, sabem todos, uniformizou<br />
<strong>de</strong> tal modo esses lugares que, seja em que cida<strong>de</strong> estivermos, temos sempre uma não muito
REVISTA DA ACADEMIA ESPÍRITO-SANTENSE DE LETRAS | 2012<br />
agradável sensação <strong>de</strong> ubiquida<strong>de</strong>” (BORGO, 1995, p. 40). Descrição <strong>de</strong>sfeita à medida que entra<br />
em cena o “tecelão” e seu olhar revelador sobre o <strong>de</strong>talhe banal.<br />
Da janela do hotel, Mazzini avista a referência inóspita, cobrindo o muro adiante. O que<br />
vem a ser risparmio? Em primeiro momento, uma palavra que contrasta sua visibilida<strong>de</strong> “em<br />
gran<strong>de</strong>s caracteres” com o <strong>de</strong>sconhecimento <strong>de</strong> seu significado. A palavra também mostra a<br />
angustiante distância entre o Mazzini ítalo-brasileiro e o idioma <strong>de</strong> seus antepassados. Aos<br />
poucos a referência colhida quase que sem intenção começa a <strong>de</strong>senrolar fios invisíveis <strong>de</strong> uma<br />
intertextualida<strong>de</strong> cinematográfica e/ou cinéfila:<br />
Sento-me na cama e sou invadido por um súbito <strong>de</strong>sconsolo. Há uma<br />
inesperada melancolia envolvendo-me como uma nevoa. Há um filme<br />
retrospectivo que se encaixa e minha cabeça sem ser convidado e que se<br />
impõe como algo inexorável. Não <strong>de</strong>mora e percebo que o tema do filme<br />
nada mais é do que referências mais ou menos diretas à minha própria<br />
circunstância (BORGO, 1995, p. 41).<br />
O filme mazziniano aponta para uma terra <strong>de</strong> outrora, on<strong>de</strong> chama a atenção o exército<br />
Brancaleone, “aquele que vai sempre para o exterior a fim <strong>de</strong> superar crises” (BORGO,<br />
1995, p. 41), mas que não consegue superar a própria crise da incomunicabilida<strong>de</strong> com<br />
sua origem. 3 Muito tempo se passou e já não é mais possível compreen<strong>de</strong>r o ancestral, é a<br />
constatação “<strong>de</strong>le” ao voltar à base <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma longa excursão pelo exterior. Pela contiguida<strong>de</strong><br />
da imagem, retorna-se ao real on<strong>de</strong> o narrador sofre a crise da perda da referência<br />
e reconhece que muito tempo se passou entre sua viagem a Itália e a Itália do tempo <strong>de</strong><br />
seus avós. Seria um fato a aceitar a incomunicabilida<strong>de</strong> do idioma ancestral figurado no<br />
termo risparmio.<br />
Ao sair do <strong>de</strong>vaneio e voltar ao quarto <strong>de</strong> hotel, Mazzini capta o <strong>de</strong>talhe <strong>de</strong> um dos móveis.<br />
É a efígie <strong>de</strong> Julio César, fragmento romano <strong>de</strong> on<strong>de</strong> surge então Shakespeare, segunda<br />
confluência a substituir o filme e sua alegoria Brancaleone. A fala <strong>de</strong> Cássio em Júlio César, a<br />
peça, adverte Mazzini a não procurar o mal nas estrelas. Fala cifrada que faz muito sentido aos<br />
leitores que souberem colher pistas na brinca<strong>de</strong>ira bio-ficcional da crônica.<br />
O texto acaba sem apontar soluções maiores ao enigma da palavra estrangeira que,<br />
em tradução literal, significa “economia”, “reserva”. Chapada em uma pare<strong>de</strong> amarela e,<br />
portanto, <strong>de</strong>slocada do contexto usual, risparmio ganha uma atmosfera lírica nas interconexões<br />
suscitadas pelo narrador. Transforma-se em obra <strong>de</strong> arte a ser compreendida com<br />
olhos também artísticos, longes do intuito <strong>de</strong> cercar as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sua interpretação.<br />
O som das letras ecoa e busca equivalências fônicas, sem se preocupar com equivalências<br />
<strong>de</strong> sentido. Risparmio é Mazzini, ou melhor, o lado profissional <strong>de</strong> Ivan Borgo, estranhado a<br />
ponto <strong>de</strong> dar vazão ao lado poético do sujeito. O termo acaba que por aludir tanto às origens<br />
conhecidas quanto às <strong>de</strong>sconhecidas do narrador/autor, transformando-se em um enigma<br />
ou uma <strong>de</strong>cifração, a <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r da visão projetada na narrativa. Ficção e real assim como<br />
53 |
<strong>de</strong>cifração e velamento são faces anversas da poética mazziniana. E o narrador brinca com<br />
elas com uma liberda<strong>de</strong> que confere aos seus textos um jogo intertextual alheio aos limites<br />
do que po<strong>de</strong> ser literatura.<br />
A adoção do gênero crônica parece reafirmar a busca <strong>de</strong> uma liberda<strong>de</strong> narrativa <strong>de</strong><br />
or<strong>de</strong>m lírica. Sobretudo quando se associa aos textos a i<strong>de</strong>ia que o autor faz da crônica. Para<br />
Borgo, trata-se <strong>de</strong> um tipo <strong>de</strong> escrita que prescin<strong>de</strong> <strong>de</strong> um fim bem marcado, como ocorre nos<br />
contos. Além disso, a crônica traz estreito contato com a realida<strong>de</strong>, coisa que Borgo aprecia muito.<br />
Ao fazer um texto repleto <strong>de</strong> interferências <strong>de</strong> outros discursos, o autor não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>sprezar<br />
as narrativas que compõem o chamado real. Em algumas crônicas, o uso do texto histórico<br />
dá um sabor a mais aos relatos. Exemplo disso é “Cafés/livrarias”, on<strong>de</strong> Mazzini conta o auge<br />
dos espaços cafés surgidos na Europa, a vida intelectual mantida neles e sua substituição na<br />
contemporaneida<strong>de</strong> por dois outros espaços: as lanchonetes e as livrarias.<br />
Mazzini faz questão <strong>de</strong> nomear esses centros <strong>de</strong> vivência na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Vitória, inventariando<br />
junto seus amigos, gran<strong>de</strong>s nomes da literatura e artes do estado. Vale à pena citar um<br />
trecho que, frise-se, amostra uma parcela das referências feitas:<br />
| 54<br />
Faço questão <strong>de</strong> nomear aqui esses perigosos subversivos. Ao grupo<br />
inicial da Logos, que já comemorou <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong> existência, pertenceram<br />
João Bonino Moreira e Sérgio Bechara. Depois vieram Victor Biasutti,<br />
Francisco Grijó, Carlos Campos Jr., Renato Pacheco, Ivantir Borgo,<br />
Hormízio Muniz, Luiz Guilherme Santos Neves, Getulio Marcos Pereira<br />
Neves, Fernando Achiamé, José Neves, Henrique Herkenhoff, Léa Brígida<br />
Rocha <strong>de</strong> Alvarenga Rosa, Pedro J. Nunes, Michel Minassa Jr., Luiz Romero<br />
<strong>de</strong> Oliveira” (BORGO, 2003, p. 136-137).<br />
Além <strong>de</strong> explicitar a vida intelectual da capital capixaba, Mazzini realiza uma ligação<br />
quase que inusitada <strong>de</strong> nossa cida<strong>de</strong> com o resto do mundo, ao criar contiguida<strong>de</strong> entre o pensamento<br />
dos cafés franceses com uma livraria local. Por assim dizer, Mazzini torna visível um<br />
lado até então invisível <strong>de</strong> Vitória. Ele mostra que o espaço urbano é híbrido, cabendo ao narrador<br />
da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong>senhar em palavras os recantos on<strong>de</strong> o imaginário coletivo acessa com menos<br />
força. Se para muitos, Vitória não passa <strong>de</strong> uma província, talvez seja porque faltam narrativas<br />
que suplementem a cida<strong>de</strong>, formando uma experiência urbana mais plural.<br />
É importante lembrar o papel do narrador como aquele que salienta o hibridismo<br />
urbano, entendido na forma <strong>de</strong> múltiplas culturas que ocupam um mesmo espaço. Os diversos<br />
canais <strong>de</strong> informação — com <strong>de</strong>staque especial ao papel da mídia — dão conta <strong>de</strong><br />
multiplicar ainda mais os sentidos e experiências urbanos. Tudo converge para a criação <strong>de</strong><br />
narrativas individuais e coletivas, formadoras <strong>de</strong> uma percepção fictícia (no sentido lúdico<br />
do termo). A cida<strong>de</strong> conta com um patrimônio histórico visível e material, mas nele encontra-se<br />
latente outro patrimônio, chamado por Néstor García Canclini <strong>de</strong> “patrimônio invisível<br />
e intangível”:
REVISTA DA ACADEMIA ESPÍRITO-SANTENSE DE LETRAS | 2012<br />
Este patrimonio constituido con leyendas, historias, mitos, imágenes,<br />
pinturas, películas que hablan <strong>de</strong> la ciudad, ha formado un imaginario<br />
múltiple, que no todos compartimos <strong>de</strong>l mismo modo, Del que seleccionamos<br />
fragmentos <strong>de</strong> relatos, y los combinamos en nuestro grupo, en<br />
nuestra propia persona, para armar una visión que nos <strong>de</strong>je poco más<br />
tranquilos y ubicados en la ciudad (CANCLINI, 2007, p. 93).<br />
Uniformizar a cida<strong>de</strong> é <strong>de</strong>sarticular o po<strong>de</strong>r da própria intertextualida<strong>de</strong> nesse espaço.<br />
O mesmo prejuízo provoca qualquer olhar que não se entenda parcial. Isso porque a cida<strong>de</strong> faz<br />
coexistir diferentes linguagens, tempos e experiências, sendo ela própria um somatório caótico<br />
<strong>de</strong> referências, à maneira <strong>de</strong> um vi<strong>de</strong>oclip. 4 Em “Um olhar”, Mazzini tem forte a sensação <strong>de</strong> contradições<br />
referenciais da urbe ao ver sua nonna do distrito <strong>de</strong> Araguaia em plena Vitória <strong>de</strong> final<br />
dos anos quarenta. Diz ele: “Tomei um susto. Era muito difícil imaginar aquela velhinha andando<br />
pelas ruas da cida<strong>de</strong>” (BORGO, 1995, p. 65). Da parte <strong>de</strong> sua avó, o susto era o mesmo: “Confessoume<br />
que estava realmente apavorada com tudo o que via na cida<strong>de</strong>. Nunca podia imaginar que a<br />
cida<strong>de</strong> fosse tão gran<strong>de</strong> e com tanta confusão” (BORGO, 1995, p. 65). O estranhamento confirma<br />
a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Canclini sobre a cida<strong>de</strong> como lugar para cada sujeito viver e principalmente imaginar.<br />
Quando penso diretamente nas crônicas <strong>de</strong> Roberto Mazzini, esse imaginário urbano<br />
traduz-se em narrativas acumuladas que aguardam por passagens para se manifestar. O papel<br />
<strong>de</strong> cada fragmento colhido em ruas, livrarias, hotéis é ser esse duto comunicante, ponte da memorabilia<br />
do narrador até a (in)formação narrativa.<br />
O leitor <strong>de</strong> Roberto Mazzini precisa ter consciência das associações imagéticas. Precisa<br />
<strong>de</strong>sconfiar do significado literal <strong>de</strong> cada expressão apresentada, ficando longe <strong>de</strong> encarar a<br />
narração como gratuita. Uma ironia refinada promove a diatribe que tanto quer o autor em<br />
relação aos seus leitores. Muito se per<strong>de</strong>, caso referências a músicas, filmes, obras literárias<br />
e acontecimentos históricos não sejam percebidas. É preciso sempre lembrar que se trata <strong>de</strong><br />
“cida<strong>de</strong>s visíveis” os locais que Mazzini <strong>de</strong>dica-se a tecer. E sua visibilida<strong>de</strong> é intenso jogo <strong>de</strong><br />
reconhecimento <strong>de</strong> falas, <strong>de</strong> lendas, <strong>de</strong> narrativas anteriores, enfim, <strong>de</strong> linguagem em potencial<br />
intenso <strong>de</strong> comunicação.<br />
Referências<br />
ABREU, Caio Fernando. O ovo apunhalado. Porto Alegre: L&PM, 2001.<br />
ANDRADE, Mário <strong>de</strong>. Poesias Completas (Edição crítica <strong>de</strong> Diléa Zanotto Manfio). Belo Horizonte/<br />
São Paulo. Itatiaia/EDUSP, 1987.<br />
BENJAMIN, Walter. Charles Bau<strong>de</strong>laire: Um lírico no auge do capitalismo. Tradução José Carlos<br />
Martins Barbosa; Hemerson Alves Baptista. 3. Ed. São Paulo: Brasiliense, 1994, v. 3. (Obras<br />
Escolhidas)<br />
55 |
BORGO. Ivan. Crônicas <strong>de</strong> Roberto Mazzini. Vitória: Ufes-SPDC, 1995.<br />
______. Novas crônicas <strong>de</strong> Roberto Mazzini. Vitória: Gráfica <strong>Espírito</strong> Santo, 2003.<br />
CALVINO, Italo. As cida<strong>de</strong>s invisíveis. Tradução: Diogo Mainardi. 2. Ed. São Paulo: Companhia das<br />
<strong>Letras</strong>, 2007.<br />
CANCLINI, Néstor García. Imaginarios urbanos. 3. Ed. Buenos Aires: Eu<strong>de</strong>ba, 2007.<br />
SPEDICATO, Paolo. Ripensare la storia e la scrittura <strong>de</strong>gli italo-brasilliani: ter voci dallo <strong>Espírito</strong><br />
Santo. In: OLIVEIRA, Vera Lúcia et alii. Revista <strong>de</strong> Italianística / Departamento <strong>de</strong> <strong>Letras</strong> Mo<strong>de</strong>rnas,<br />
Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Filosofia, <strong>Letras</strong> e Ciências Humanas, Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo: DLM/FFLCH/<br />
USP, 2004, p. 19-27.<br />
Notas<br />
1 Refiro-me à coletânea <strong>de</strong> poemas da seção “Paisagem” em Paulicéia <strong>de</strong>svairada, <strong>de</strong> Mário <strong>de</strong><br />
Andra<strong>de</strong>. Indiretamente, foram citados versos que fazem parte do poema “Paisagem nº 1”.<br />
2 Em artigo para a revista Italianística, Paolo Spedicato afirma que é marcante nas colônias<br />
italianas estabelecidas no <strong>Espírito</strong> Santo a persistência do folclore <strong>de</strong> origem. No caso específico<br />
<strong>de</strong> Ivan Borgo, o comentarista salienta a constante recuperação <strong>de</strong> cenas familiares e<br />
<strong>de</strong> um cotidiano vividos no estado, e que também alu<strong>de</strong>m à pátria dos antepassados.<br />
3 Em outras crônicas, Mazzini faz referência àquilo que chama <strong>de</strong> “drama da incomunicabilida<strong>de</strong><br />
humana”. Vi<strong>de</strong>, por exemplo, o texto “Veneza e Hemingway”.<br />
4 Esta noção da cida<strong>de</strong> vi<strong>de</strong>oclip aproxima-se da visão <strong>de</strong> Néstor Garcia Canclini em Imaginarios<br />
urbanos.<br />
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REVISTA DA ACADEMIA ESPÍRITO-SANTENSE DE LETRAS | 2012<br />
| 57 57|
Expediente<br />
PRESIDENTE<br />
Idalberto Luiz Moro<br />
GERENTE EXECUTIVO<br />
Dorval uliana<br />
Coor<strong>de</strong>nadora <strong>de</strong> Programas e Projetos<br />
Ivete Paganini<br />
Coor<strong>de</strong>nador <strong>de</strong> Projetos<br />
Danilo Pacheco<br />
Jornalista<br />
Silvana Sarmento Costa<br />
Analista <strong>de</strong> Projetos<br />
Lívia Caetano Brunoro<br />
Assistente <strong>de</strong> Projetos<br />
Patricia Soares<br />
| 58
REVISTA DA ACADEMIA ESPÍRITO-SANTENSE DE LETRAS | 2012<br />
4º CONCuRSO ARTÍSTICO-LITERÁRIO INSTITuTO SINCADES<br />
Palavra do Presi<strong>de</strong>nte<br />
Idalberto Luiz Moro<br />
INSTITUTO SINCADES E SINCADES<br />
há quatro anos atrás, quando iniciamos o <strong>Instituto</strong> Sinca<strong>de</strong>s, tinhamos como foco<br />
o apoio à cultura. Naturalmente, não sabíamos ainda a dimensão que isto significava.<br />
Não tínhamos noção da diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> instituições parceiras que conosco<br />
dividiriam responsabilida<strong>de</strong>s institucionais, nem <strong>de</strong> profissionais que seriam contratados,<br />
beneficiados e teriam oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressar seus talentos por meio<br />
da nossa instituição. Nossos números, hoje, são impressionantes, consi<strong>de</strong>rando a<br />
realida<strong>de</strong> do Espirito Santo. O Governo do Estado tem sido parceiro em projetos<br />
que muito nos orgulham. A socieda<strong>de</strong>, hoje, reconhece o <strong>Instituto</strong> Sinca<strong>de</strong>s como<br />
uma importante entida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apoio e fomento à cultura. Mais <strong>de</strong> 450 mil pessoas já<br />
foram, diretamente, impactadas pelo conjunto <strong>de</strong> nossas ações.<br />
O foco na juventu<strong>de</strong>, predominante nestas ações, acalenta a nossa esperança<br />
<strong>de</strong> vermos um futuro breve, on<strong>de</strong> as oportunida<strong>de</strong>s do crescimento econômico<br />
encontrarão esses jovens mais felizes, informados, educados e humanizados.<br />
Tudo isto é que move nosso esforço em realizar, pelo quarto ano consecutivo,<br />
o Concurso Literário <strong>Instituto</strong> Sinca<strong>de</strong>s.<br />
Destinado à participação dos empresários, colaboradores e seus familiares,<br />
esta iniciativa conta com a importante assinatura, como realizadora, da <strong>Aca<strong>de</strong>mia</strong><br />
<strong>Espírito</strong>-<strong>santense</strong> <strong>de</strong> letras. Nossos imortais empenham sua credibilida<strong>de</strong> e os 91<br />
anos <strong>de</strong> sua história para realizarmos conjuntamente um projeto que tem, mais<br />
que objetivos, sonhos que são <strong>de</strong> toda uma socieda<strong>de</strong> que quer aproveitar o bom<br />
momento econômico para crescer também na formação <strong>de</strong> um novo cidadão.<br />
Agra<strong>de</strong>cemos, penhoradamente a todos os que, nestes quatro anos participaram<br />
do concurso. São mais <strong>de</strong> mil inscritos nas quatro edições, com <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong><br />
premiados. Agra<strong>de</strong>cemos aos acadêmicos que julgaram os trabalhos, aos empresários<br />
e executivos, que motivaram seus colaboradores a escrever, a participar. Agra<strong>de</strong>cemos<br />
também aos pais, que animaram seus filhos a concorrer. Nessa hora, eles<br />
estavam contribuindo, <strong>de</strong> forma estruturante, para incentivar a adoção ao hábito<br />
da leitura e da escrita pelos seus filhos.<br />
Esta tem sido a receita <strong>de</strong> sucesso. Assim continuará. Uma gran<strong>de</strong> união <strong>de</strong><br />
esforços em prol <strong>de</strong> um futuro melhor, com cidadãos que têm, com base na sua formação<br />
educacional, a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> exercer seus direitos e cumprir seus direitos<br />
<strong>de</strong> forma exemplar.<br />
Muito obrigado a todos.<br />
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| 60<br />
Vencedores
NArrAÇÃo<br />
REVISTA DA ACADEMIA ESPÍRITO-SANTENSE DE LETRAS | 2012<br />
4º CONCuRSO ARTÍSTICO-LITERÁRIO INSTITuTO SINCADES<br />
Wesley Moreira Oliveira<br />
Empresa: MOTOCICLO S/A<br />
Ler para sempre<br />
JOVEM<br />
Porque me sinto revigorado a cada página virada. Ler pra ter morada, base, riqueza diferenciada. E<br />
menos uma chance <strong>de</strong>sperdiçada, uma alma embaçada. Quando leio, torno-me mais forte, e faço<br />
<strong>de</strong> mim casa <strong>de</strong> sentimentos bons. On<strong>de</strong> a má fé não faz morada e a malda<strong>de</strong> não se cria. Ler faz<br />
bem pra mente e faz com que cada vez mais nos entendamos. Costumo dizer que ler traz renovo pra<br />
alma, suspiro, calma. Só <strong>de</strong> ler meus lábios se abrem <strong>de</strong> um lado ao outro, e logo vem um sorriso com<br />
gosto. Posso <strong>de</strong> tal forma viajar na imensidão <strong>de</strong> pensamentos e conceitos que, às vezes, complexos,<br />
sempre me preenche <strong>de</strong> sabedoria cada vez mais, e, acima <strong>de</strong> tudo, <strong>de</strong> bem estar. É <strong>de</strong> tal maneira,<br />
misturar <strong>de</strong> forma unificada e harmoniosa, luci<strong>de</strong>z com imaginação e pensamento. Sonho. Esperança.<br />
Realida<strong>de</strong>. Dinamismo. Que consequentemente é crescente, rica e cidadã. Tratando <strong>de</strong> assuntos<br />
cotidianos mo<strong>de</strong>rnos, necessários e positivos. Isso é leitura!<br />
E a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> valores só aumenta. O estímulo <strong>de</strong> pensamentos e <strong>de</strong> querer ler cada vez<br />
maior. Quem lê existe, e quem existe pensa. Quem pensa logo tem opiniões, opiniões essas que se<br />
tornam em atitu<strong>de</strong>s e são essas atitu<strong>de</strong>s que po<strong>de</strong>m mudar o mundo. São <strong>de</strong> pequenos atos, que<br />
ganhamos coisas gigantes. E por que não um futuro gigante em todos os sentidos. Você acredita?<br />
Só quem lê sabe o quanto é importante na formação <strong>de</strong> opiniões com base, e o quão imensa é a<br />
absorção <strong>de</strong> conhecimento e formação <strong>de</strong> ser humano completo, eu diria. Formação tal que, resumidamente<br />
e abrangentemente, consiste em <strong>de</strong>finir um cidadão recíproco, consciente, sustentável,<br />
sábio, responsável e, acima <strong>de</strong> tudo, sinceramente feliz, que saiba viver no mundo atual. Afinal, é o<br />
que precisamos. Porque a vida está aí pra quem sabe viver...<br />
Ler é ser feliz. É tornar-se gigante a cada dia. É ser real. Ler transforma, <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro pra fora.<br />
Transborda. Renova. Traz mudanças, esperanças e resultados. Leitura faz-nos qualificados, estruturados<br />
e, com o tempo, nos faz enxergar o nosso papel na socieda<strong>de</strong>. O mundo é uma corrente em que<br />
os seus elos são seus habitantes, afirmo-lhes com total certeza e convicção, <strong>de</strong> que uma das mais<br />
preciosas ferramentas do saber é a leitura, e o saber é preciso, é uma necessida<strong>de</strong> e, acima <strong>de</strong> tudo,<br />
uma arte. Arte para poucos. Ler é assim, faz em mim, toca em mim, é parte <strong>de</strong> mim. Por isso, <strong>de</strong>sejo<br />
que leiamos para sempre, e que sempre haja <strong>de</strong>fensores da boa cultura, leitura, cujo conhecimento<br />
seja multiplicante, <strong>de</strong> boa qualida<strong>de</strong> e que chegue aos confins da terra. Leitura, sonho lírico. Felicida<strong>de</strong><br />
à parte. Combina com música, dança, tempero e sabor. Afeto, amparo, carinho e calor. Ler pra<br />
sempre; constantemente. É o que há. Que nossos olhos, voltados pro papel cheio <strong>de</strong> vida, sejam nosso<br />
melhor amigo. Que haja mais incentivo à leitura, à escrita e formação cidadã. Afinal, o mundo precisa<br />
<strong>de</strong> ações ágeis e eficazes. Que a leitura seja multiplicada em ações. Ações por um mundo melhor.<br />
61 |
| 62<br />
PoesIA<br />
JOVEM<br />
Vinícius Afonso Catazano <strong>de</strong> Souza<br />
Empresa: Polipeças Distribuidora Automotiva Ltda.<br />
A importância da<br />
leitura na formação<br />
da cidadania.<br />
Quando se começa a ler um livro<br />
Uma porta se abre.<br />
De página em página, vou entrando.<br />
On<strong>de</strong> vou parar, quem é que sabe?<br />
Os personagens vão surgindo,<br />
Um a um vão entrando na minha memória.<br />
Passo a passo vou lendo, vou seguindo,<br />
Até entrar no clima da história.<br />
Po<strong>de</strong> ser uma história inventada,<br />
Po<strong>de</strong> ser uma história real,<br />
Quero sempre uma boa história<br />
Para ser lida até o final.<br />
Quando acabo, me sinto diferente,<br />
Parece que fiquei mais humano,<br />
Parece que fiquei mais consciente,<br />
Com mais i<strong>de</strong>ias e planos.<br />
Já li alguns contos, algumas poesias,<br />
Leio na internet, gosto <strong>de</strong> cultura,<br />
Quem quer ter mais cidadania<br />
Tem que ter gosto pela leitura.
NArrAÇÃo<br />
REVISTA DA ACADEMIA ESPÍRITO-SANTENSE DE LETRAS | 2012<br />
4º CONCuRSO ARTÍSTICO-LITERÁRIO INSTITuTO SINCADES<br />
Yasmim dos Santos Durão<br />
Empresa: RDG AÇOS DO BRASIL S/A<br />
INFANTIL<br />
O amiguinho que<br />
não gostava <strong>de</strong> ler<br />
Carlos estava passando em frente da casa do seu amiguinho Lucas, viu que a<br />
janela estava aberta e viu que Lucas estava lá <strong>de</strong>ntro lendo um livrinho, e perguntou:<br />
– O que você está fazendo, Lucas?<br />
Lucas respon<strong>de</strong>u:<br />
– Estou lendo um livrinho que meu pai me <strong>de</strong>u, quer ver?<br />
Carlos respon<strong>de</strong>u:<br />
– Eu não, não gosto <strong>de</strong> ler, acho os livros muito chatos.<br />
Lucas disse:<br />
– Você não sabe o que está per<strong>de</strong>ndo, com eles a gente apren<strong>de</strong> tanta coisa,<br />
conhece até lugares que não po<strong>de</strong>mos ir, conhecemos os bichos, sabemos sobre<br />
os heróis que gostamos.<br />
Carlos disse:<br />
– Quando quero ver isto, eu vejo a televisão, que é mais divertido.Lucas torceu<br />
o nariz e falou:<br />
– A televisão não faz a gente viajar na história, e lendo a gente se sente como<br />
se estivesse nela. Quer tentar?<br />
Carlos respon<strong>de</strong>u:<br />
– Está bom, sobre qual historinha você está lendo?<br />
Lucas mostrou ao amigo:<br />
– É sobre um menino que não gostava <strong>de</strong> ler.<br />
Carlos disse:<br />
– Nossa, acho que já comecei a gostar da história, porque parece alguém que<br />
eu conheço.<br />
Os dois começaram a sorrir da situação, e, <strong>de</strong>pois daquele dia, Carlos e Lucas<br />
se encontravam sempre em suas casas para lerem livros e mais livros, e até<br />
chamaram seus amigos para participarem <strong>de</strong> rodas <strong>de</strong> leitura.<br />
Fim.<br />
63 |
| 64<br />
PoesIA<br />
Eu leio e você ?<br />
INFANTIL<br />
Vitória dos Santos Castro Maia<br />
Empresa: Bressan Distribuidora <strong>de</strong> Pecas e Motores<br />
Leio todas as palavrinhas...<br />
Até aquelas que vêm na sopa <strong>de</strong> letrinhas.<br />
Com algumas faço confusão...<br />
Principalmente se for um nome bem grandão.<br />
Leio sem me cansar...<br />
Para inteligente eu ficar.<br />
Não é mole não, com esse monte <strong>de</strong> palavras com acentuação.<br />
Leio para adquirir sabedoria,<br />
e apren<strong>de</strong>r mais e mais a cada dia.<br />
Gosto <strong>de</strong> brincar, mas, quando eu leio,<br />
minha imaginação voa pelo ar.<br />
Leio com emoção...<br />
Para, no futuro, eu ser um bom cidadão.
HIstÓrIA em QUADrINHos<br />
REVISTA DA ACADEMIA ESPÍRITO-SANTENSE DE LETRAS | 2012<br />
4º CONCuRSO ARTÍSTICO-LITERÁRIO INSTITuTO SINCADES<br />
Lailla Costa Machado<br />
Empresa: BELMAX<br />
INFANTIL<br />
“Fases da leitura na<br />
formação do homem”<br />
65 |
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NArrAÇÃo<br />
Cristiane Paiva Siqueira<br />
Empresa: ATACADO SÃO PAULO LTDA<br />
ADULTO<br />
A importância da<br />
leitura para a formação<br />
da cidadania<br />
Quando criança, ficava a observar os adultos, olhando para aquele mon-<br />
te <strong>de</strong> letrinhas que se traduziam numa linda historinha.<br />
À medida que fui crescendo, fui apren<strong>de</strong>ndo a <strong>de</strong>senhar cada letrinha<br />
daquela e a <strong>de</strong>scobrir que cada uma na sua individualida<strong>de</strong> tinha um som, uma<br />
forma <strong>de</strong> se expressar.<br />
Conforme fui evoluindo, compreendi que várias letras juntas formavam<br />
verda<strong>de</strong>iras palavras e isso me estimulava a querer sempre mais apren<strong>de</strong>r a ler,<br />
queria compor minhas próprias histórias.<br />
Hoje, adulta, compreendo que o meu mundo é melhor, pois sou uma<br />
cidadã formada, ciente dos meus direitos e obrigações, vivendo numa socieda<strong>de</strong><br />
on<strong>de</strong>, infelizmente, nem todos tiveram a mesma condição <strong>de</strong> aprendizado;<br />
porém, graças ao hábito da leitura, me sinto mais humanizada.
PoesIA<br />
Ler é po<strong>de</strong>r<br />
REVISTA DA ACADEMIA ESPÍRITO-SANTENSE DE LETRAS | 2012<br />
4º CONCuRSO ARTÍSTICO-LITERÁRIO INSTITuTO SINCADES<br />
ADULTO<br />
Mônica <strong>de</strong> Souza Meneguite Lopes<br />
Empresa: MB 5 COMÉRCIO IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO LTDA<br />
Viajar pela leitura,<br />
sem rumo, sem intenção,<br />
e viver a aventura<br />
que é ter um livro nas mãos.<br />
A leitura é muito mais<br />
que palavras pra enten<strong>de</strong>r.<br />
Ler é bom <strong>de</strong>mais<br />
pra gente se <strong>de</strong>senvolver.<br />
Desenvolver a consciência<br />
e praticar a <strong>de</strong>mocracia,<br />
ter cultura e sapiência<br />
e conquistar a cidadania.<br />
A leitura é importante<br />
pra se ter conhecimento<br />
e funciona a todo instante<br />
como alicerce e cimento.<br />
É com a ajuda da leitura<br />
que se viaja sem <strong>de</strong>slocar<br />
e a cada palavra se estrutura<br />
a nossa forma <strong>de</strong> pensar.<br />
A leitura ainda auxilia<br />
na preparação do consumidor,<br />
ela elucida a <strong>de</strong>magogia<br />
e capacita o eleitor.<br />
Na leitura o homem amplia<br />
o conhecimento e a competência,<br />
aprimora a grafia<br />
e aumenta a eficiência.<br />
A leitura é ferramenta<br />
que serve para esclarecer<br />
o que a cidadania representa,<br />
o que é esse po<strong>de</strong>r:<br />
é respeitar a <strong>de</strong>mocracia,<br />
é lutar pela nação,<br />
é saber o que é direito,<br />
é cumprir a obrigação<br />
Para exercer a cidadania<br />
é preciso cultivar<br />
a inteligência, a força, a alegria<br />
e saber comunicar.<br />
Para ser um cidadão,<br />
é preciso ler e estudar,<br />
apren<strong>de</strong>r a dizer não<br />
e a realida<strong>de</strong> mudar.<br />
Ser ou não cidadão<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada um,<br />
fazer a reflexão<br />
e pensar no bem comum.<br />
67 |
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HIstÓrIA em QUADrINHos<br />
Romulo <strong>de</strong> Brito Souza<br />
Empresa: MB5 Comercio <strong>de</strong> Importação e Exportação Ltda<br />
ADULTO
REVISTA DA ACADEMIA ESPÍRITO-SANTENSE DE LETRAS | 2012<br />
4º CONCuRSO ARTÍSTICO-LITERÁRIO INSTITuTO SINCADES<br />
VENCEDORES<br />
69 |
| 72<br />
REALIzAçãO APOIO ExECuçãO<br />
uM PROjETO