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Márcio Vianna - Mônica Prinzac

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O presente dura pouco tempo<br />

um diálogo com o teatro de <strong>Márcio</strong> <strong>Vianna</strong><br />

por <strong>Mônica</strong> <strong>Prinzac</strong><br />

Programa de Bolsas RioArte<br />

Rio de Janeiro - 2003<br />

O presente dura pouco tempo


O presente dura pouco tempo<br />

Este trabalho foi realizado com a contribuição de Claudia Mele, Marcito <strong>Vianna</strong>,<br />

Leonel Brum, Teca Fichinski, Ana Luiza Magalhães, Synval Guimarães e Ramon<br />

Botelho.<br />

Contou com a colaboração teórica de Douglas Mendes e a colaboração técnica de<br />

Tomas Nacht. Todas as fotos utilizadas foram tiradas por <strong>Márcio</strong> <strong>Vianna</strong>.<br />

Agradecimentos<br />

Agradeço à Claudia Mele pela parceria revivida. Aos atores pelos depoimentos,<br />

cadernos de ensaios, textos e lembranças. À Marcito <strong>Vianna</strong> que me permitiu entrar<br />

casa adentro em suas memórias. E ao Programa de Bolsas RioArte pela bela iniciativa.


Apresentação<br />

O presente dura pouco tempo<br />

<strong>Márcio</strong> <strong>Vianna</strong> foi um diretor de teatro atuante na cena contemporânea carioca<br />

entre os anos de 1989 e 1995. Falecido, aos 46 anos, no dia 16 de fevereiro de 1996, o<br />

futuro durou pouco tempo para a realização de um teatro que transforma o espectador<br />

passivo em um indivíduo integrado ao espetáculo. Em busca de um teatro<br />

compromissado com o seu tempo - onde o homem materializa inquietações estéticas e<br />

existenciais no palco - seu objetivo foi o de resgatar a força dramática da cena e<br />

despertar a emoção do espectador numa trajetória repleta de realizações – dezesseis<br />

peças em sete anos.<br />

Trabalhei como atriz e assistente de direção nos seus últimos trabalhos. Passados<br />

sete anos de sua morte, ao longo dos quais me tornei diretora teatral, me senti no<br />

compromisso de fazer um levantamento da obra do encenador. A obra cênica tem a<br />

particularidade de não possibilitar sua preservação após a execução. O teatro é uma arte<br />

tributária do tempo e, a possibilidade de contato com o trabalho de um criador já<br />

falecido é apenas através de fontes de pesquisas.<br />

O presente ensaio é uma tentativa de se dialogar com possibilidades de<br />

linguagens cênicas, a serviço de uma idéia sobre o teatro, resgatando a encenação de<br />

<strong>Márcio</strong> <strong>Vianna</strong> nas suas mais diversificadas experimentações. Falar do teatro de <strong>Márcio</strong><br />

<strong>Vianna</strong> implica em fazer escolhas, pois em cada peça havia um microcosmo de<br />

experimentação. <strong>Márcio</strong> construiu uma obra híbrida, antes de tudo teatral, onde a<br />

identidade estava apoiada em um único e gigantesco objetivo: emocionar o espectador e<br />

transformar a sua realidade, para fazê-lo um novo homem.<br />

Apesar de conhecer de perto um pouco das propostas e idéias do diretor, não tive<br />

a oportunidade de assistir todos os espetáculos apresentados. Por isso, sem a pretensão<br />

de construir uma crítica de valores sobre a obra - rotulando o que é bom e o que não é,<br />

me propus a refletir sobre os espetáculos pensando nas opções estéticas e técnicas que<br />

foram propostas em diálogo com o universo da encenação contemporânea. Uma vez que<br />

nenhuma inovação em matéria de teatro começa do zero e muitas experimentações são<br />

apropriações e incorporações de outras gerações, O Presente dura pouco tempo tem a<br />

ambição de pensar a prática de <strong>Márcio</strong> <strong>Vianna</strong> em cima de questões que continuam<br />

vivas nas preocupações da atualidade.


Formação e percurso<br />

O presente dura pouco tempo<br />

<strong>Márcio</strong> não tinha nada do estereótipo de um diretor de teatro experimental.<br />

Diretor do departamento jurídico da IBM, ensinou direito na PUC e foi um advogado<br />

militante. O primeiro contato de <strong>Márcio</strong> com a arte foi através da fotografia, sempre<br />

uma influência em seu trabalho. Antes do teatro fez trabalhos experimentais em vídeo e<br />

desenvolveu projetos para uma rádio. Em 1986 matriculou-se na CAL onde foi aluno de<br />

Moacyr Góes e conheceu suas primeiras parcerias no teatro. Em 88 participou do<br />

Projeto Sesc Ensaios dirigido por Bia Lessa e, em um exercício de pesquisa cênica,<br />

estreou junto com Marco Velloso sua primeira peça de teatro: Para Acabar com o<br />

Julgamento de Deus. A partir daí, sempre assinou os textos de suas peças, apontava o<br />

filósofo Cioran e o escritor Jorge Luis Borges como duas fortes influências e não parou<br />

mais de produzir até a sua morte repentina em 1996.<br />

<strong>Márcio</strong> criou duas companhias de teatro: Grupo A Contrador e Cia Muito<br />

Prazer. Ocupou durante um ano o teatro Gláucio Gil onde instalou um Projeto de Teatro<br />

Experimental chamado CEU: Centro de Exercício de Utopias e denominava o projeto<br />

“como um espaço comprometido com a pesquisa, a experimentação e, principalmente,<br />

com a crença de que o teatro pode e deve ajudar na reflexão sobre o homem<br />

contemporâneo.” Na porta do teatro foi pendurada uma faixa com duas perguntas: Que<br />

tempo é este? Que Teatro é este? Para os atores dizia: “A cada dia, ao entrar e ao sair<br />

deste teatro devemos nos deparar com as questões: Que artistas somos nestes tempos tão<br />

conturbados? Que público somos deste teatro? Deste tempo? E deste país?” Seus<br />

personagens preferidos eram Van Gogh, Antonin Artaud e Louis Altusser. Os temas<br />

recorrentes eram a loucura, a perda e a morte. A preocupação latente era com o que é o<br />

teatro e o que este pode fazer pelo homem. Os nomes das companhias, os títulos e os<br />

temas das peças já, por si, introduzem a trajetória deste diretor.


O presente dura pouco tempo<br />

Cia de Teatro A Contrador e <strong>Márcio</strong> <strong>Vianna</strong> em frente ao Teatro Gláucio Gil/ 1993


Cronologia das peças<br />

1988 - Para acabar com o julgamento de Deus<br />

1989 - Marat Marat<br />

1990 - Vincent e Confessional<br />

1991 - Farra dos atores<br />

1991 - O caso dos irmãos Feininger<br />

1991 - Coleção de bonecas<br />

1992 - Circo da solidão<br />

1992 - Imaginária<br />

1992 - Livro dos cegos<br />

1993 - 1999<br />

1993 - O futuro dura muito tempo<br />

1994 - A alma quando sonha é teatro<br />

1995 - O último bolero<br />

1995 - Meu pai voa<br />

1995 - Lado fatal<br />

O presente dura pouco tempo


Experimentalismo<br />

O presente dura pouco tempo<br />

Em toda a história e até o bem recente advento da modernidade, o homem media<br />

o mundo com o seu corpo. A idéia de distância, na origem, se limitava à distinção entre<br />

coisas e pessoas próximas ou longínquas, sempre traçada pelos corpos e suas relações<br />

humanas.<br />

No mundo de hoje, com o tempo de comunicação implodindo e encolhendo para<br />

a insignificância do instante, o espaço e os delimitadores físicos deixaram de ser<br />

importantes. O espaço emancipou-se das restrições naturais do corpo humano e as<br />

pessoas não são mais separadas por obstáculos físicos ou distâncias temporais.<br />

Hoje as novas tecnologias eletrônicas constroem um terreno novo de<br />

representação do homem. As mudanças estão em toda parte, ao redor de nós, mas<br />

também em nosso interior, na nossa forma de interpretar o mundo. O mundo atual<br />

globalizado - onde todas as fronteiras e leis da sociedade atual estão sendo redefinidas -<br />

possui uma lógica cultural própria. As mudanças constantes a qual somos expostos são<br />

produtoras de transformações na nossa percepção do mundo. Estamos vivendo<br />

mudanças viscerais em nossas mentes, corpos e subjetividades, na reorganização social<br />

e política de mundo, e conseqüentemente na própria definição de cultura e arte.<br />

O teatro, vendo por esse prisma, é uma arte de resistência. Resistindo a<br />

virtualidade e a explosão das barreiras físicas do humano, as artes cênicas se<br />

concretizam pela presença orgânica e material. Hoje em dia não é necessário se estar<br />

presente – em corporeidade - nem para gerar filhos, mas ainda é qualidade essencial<br />

para se realizar uma obra teatral. Nós, artistas de teatro, estamos localizados aí – nesse<br />

fosso da contemporaneidade e enquanto habitantes desse espaço estamos buscando um<br />

entendimento da presença enquanto objeto de resistência – essencial e transformador.<br />

A questão central da pesquisa teatral, esse gênero de fazer artístico, pode ser<br />

vista como uma investigação sobre corpos de seres humanos, de corporeidade, da<br />

relação dos corpos vivos com outros meios. <strong>Márcio</strong> <strong>Vianna</strong>, nos últimos anos de sua<br />

trajetória, refletia sobre como as transformações na experiência da temporalidade se<br />

apresentavam na esfera da produção artística. O diretor tentava dissecar o olhar<br />

contemporâneo para compreender essa nova experiência. Entender o tempo presente<br />

não é fácil, já que o presente é construído por quem o está fazendo.<br />

A experiência do tempo passou a oferecer-se ao homem sob bases<br />

completamente novas: o efêmero serve como contraponto ao eterno, fomentando um


O presente dura pouco tempo<br />

novo tipo de produção cultural. À medida que as transformações tecnológicas se<br />

impõem, tornando o mundo mais cibernético e a informação mais virtual, é evidente que<br />

as diferenças se acentuam e que as técnicas narrativas se afastam cada vez mais dos<br />

modelos tradicionais. A preocupação contemporânea não é mais com a trama ou<br />

conflito a ser resolvido, mas com o mundo em seu emaranhado de sensações e de<br />

imagens. Para <strong>Márcio</strong> o conflito e o enredo não importavam mais. “Se antes o herói<br />

lutava pela conquista do mundo, agora o mundo deixou de ser um bem a conquistar para<br />

ser uma aparência a elucidar.” 1<br />

Para <strong>Márcio</strong> a experimentação era a razão da existência do teatro. “Um teatro de<br />

talentos e de compatibilidades pressupõe um antiteatro, um teatro de<br />

incompatibilidades, divórcios, rupturas e incoerências, comprometido não com o talento<br />

nem outros juízos de valor e sim com o reiterado e exaustivo exercício da<br />

experimentação. A arte não evolui pela harmonia.” 2<br />

<strong>Márcio</strong> chegou no teatro com a pretensão de transformá-lo. Há quem diga que<br />

era ingenuidade, há quem veja isso como a sua maior qualidade enquanto criador. O<br />

fato é que essa idéia de experimentalismo foi a que movimentou os seus sete anos<br />

dedicados a arte teatral.<br />

Nas palavras de Gerd Bornheim, um confesso admirador das experiências do<br />

encenador: “O teatro parece estar enfim acertando o passo com o que se verifica nas<br />

outras artes. Pois, realmente, o caráter experimental das artes contemporâneas está longe<br />

de configurar um traço aleatório, algo que possa ser displicentemente descartado, ou um<br />

mero desvio de percurso fadado ao esquecimento. O que precisa ser compreendido é<br />

que essa dimensão experimental pertence hoje à própria razão de ser das artes – fato<br />

este que constitui inegável e surpreendentemente uma novidade radical na história da<br />

cultura.” 3<br />

Pensar no experimentalismo é pensar sobre o questionamento da obra de arte e<br />

dos limites de suas disciplinas tradicionais como uma investigação sobre a fronteira que<br />

demarca o espaço da arte e o da vida ordinária. Se um é contíguo ao outro, se um<br />

intervém no outro, as barreiras que os separam podem ser transpostas, o que significa a<br />

possibilidade de intervir na obra – que vai desde a proposta de participar até a idéia de<br />

que sua criação é simultânea à presença deste participante, não mais um simples<br />

1 RAIMOND, Michel. Roman: de Balzac au nouveau roman. Em:Encyclopaedia Universalis. France, 1998.<br />

2 Jornal do Brasil, Caderno Idéias, artigo. 23/12/1990<br />

3 BORNHEIM, Gerd: Brasil 90- desafios e perspectivas. Secretaria do estado da Cultura, São Paulo


O presente dura pouco tempo<br />

espectador. Questionar a obra de arte é pôr em xeque os valores que a circundam –<br />

morais, políticos, sociais, psicológicos – e, portanto, o mundo da qual participa.<br />

Segue artigo escrito por <strong>Márcio</strong> <strong>Vianna</strong> para o Jornal do Brasil


O presente dura pouco tempo


A década de 90<br />

O presente dura pouco tempo<br />

Sabato Magaldi cita a estréia de Macunaíma (1978) de Antunes Filho como a<br />

inauguração da hegemonia dos encenadores-criadores. “A tendência teve acertos,<br />

sublinhando a autonomia artística do espetáculo, e descaminhos como a redução da<br />

palavra a um jogo de imagens. Aparados os excessos, essa linha, da qual participam<br />

nomes como Gerald Thomas, Ulysses Cruz, Aderbal Freire-Filho, Eduardo Tolentino de<br />

Araújo, Cacá Rosset, Gabriel Villela, <strong>Márcio</strong> <strong>Vianna</strong>, Moacyr Góes, Antônio Araújo e<br />

vários outros, está atingindo, nas temporadas recentes, um equilíbrio que ressalta todos<br />

os componentes do teatro.” 4<br />

Toda reflexão sobre o teatro contemporâneo nos conduz ao acontecimento que<br />

literalmente fundou este teatro: a encenação e o encenador. A questão basilar da<br />

encenação surgiu como tentativa de se entender o que é o teatro. O encenador, como um<br />

inventor de sentidos, repensava as formas de criar e produzir teatro. A obra deixou de<br />

possuir uma significação eterna, para ganhar um sentido relativo vinculado ao lugar e ao<br />

momento. “Anteriormente, uma certa ordem regia a troca de relações entre a platéia e o<br />

palco; hoje, esta ordem varia em cada espetáculo.” 5<br />

Na década de 90 os encenadores dominavam os palcos do Rio e o teatro era tema<br />

dos espetáculos mais provocantes da época. Fazia-se e produzia-se um teatro em que o<br />

relevante era o espetáculo, a teatralidade e a valorização daquilo que é especificamente<br />

teatral. O teatro reforçando a especificidade cênica, investindo em si e se concretizando.<br />

Esta década ficou marcada pela apresentação de novas possibilidades de<br />

trabalhos cênicos. No inicio dos anos 90 Moacyr Góes montava Escola de Bufões<br />

reavaliando as formas teatrais, Gerald Thomas redefinia o conceito de espetáculo com<br />

Carmem com filtro 2.5, Fim de Jogo e M.O.R.T.E., Marcio <strong>Vianna</strong> remexia na relação<br />

da platéia com a cena através de Confessional, Imaginária e A Farra dos atores,<br />

Antunes Filho reforçava a teatralidade com Paraíso Zona Norte, Bia Lessa com Cartas<br />

Portuguesas, e outros que como encenadores especulavam a questão essencial da<br />

encenação: a capacidade reveladora do teatro.<br />

<strong>Márcio</strong> defendia – em contrapartida a outros encenadores – que a busca da<br />

beleza fosse substituída pela busca da verdade em “um teatro de imperfeições que<br />

4 MAGALDI, Sabato: O Brasil em CD-ROM e na Internet.<br />

5 DORT, Bernard. O teatro e sua realidade. Perspectiva, São Paulo, 1977.


O presente dura pouco tempo<br />

investe no erro e na precariedade do ato teatral.” 6 Para o diretor só interessava afetar o<br />

espectador e isso deveria ser através da transgressão e da impureza.<br />

Para todos os encenadores da década de 90, havia um ponto comum: trazer a<br />

atualidade para o palco. Hoje, passado dez anos, muitos deles largaram o teatro em<br />

busca de outras tentativas pessoais e outros sentidos para a criação artística.<br />

6 VIANNA, <strong>Márcio</strong>. Caderno de ensaio. 1991.


Um diálogo com o teatro<br />

O presente dura pouco tempo<br />

Para tentar entender os caminhos que <strong>Márcio</strong> desenhou até chegar ao espectador,<br />

optei por focalizar as escolhas estéticas e técnicas utilizadas nas encenações. Até o fim<br />

do século XIX todos os elementos eram usados para atingir o poder ilusionista do<br />

espetáculo. Mas na encenação moderna o espetáculo se define pelos elementos que o<br />

constituem multiplicando os potenciais expressivos e emocionais da cena. Os elementos<br />

da cena são da ordem do palpável, enquanto a reflexão e nostalgia dos mesmos são<br />

pessoais e originais.<br />

Dividi a trajetória de sete anos em cinco fases numa linha cronológica. As<br />

práticas, apesar de bastante diferentes entre si, se alimentam, produzindo o nutriente<br />

principal da obra: a experimentação em busca de um novo contato com o espectador.<br />

Alguns encenadores serão citados e, não há duvida de que falar das suas<br />

experiências - concentrando-se apenas em algumas técnicas postas em ação, isoladas do<br />

contexto teórico e ideológico - comporta o risco de dar uma visão limitada das<br />

produções desse teatro. Mas os criadores aqui apresentados, por uma questão de<br />

identificação, serão fontes de referencia teórica utilizadas para acesso à obra de Marcio<br />

<strong>Vianna</strong>.<br />

“O teatro deve compor a estética do tema, tal a radicalidade da exigência de<br />

criação do novo. É como se cada obra de arte devesse inventar a sua estética exclusiva.<br />

O preço que se paga para sustentar tal situação pode ser alto: a extravagância, o jogo<br />

inútil, o desperdício – ou a esterilidade da repetição do mesmo. É que as apostas do jogo<br />

também são muito altas. Mas não há outro caminho: o ato criador cria tudo, inclusive<br />

principalmente a estética de cada um de seus atos, sem concessões à repetibilidade.” 7<br />

77 BORNHEIM, Gerd: Brasil 90- desafios e perspectivas. Secretaria do estado da Cultura, São Paulo


Primeira fase – A transformação da cena<br />

O presente dura pouco tempo<br />

Da estréia como diretor em 1988 ao quito espetáculo passaram-se apenas dois<br />

anos. Para acabar com o julgamento de Deus - 1988, Marat Marat - 1989, Vincent e<br />

Confessional – 1990 e A Farra dos atores - 1991. Três temáticas transgressoras: Artaud,<br />

Jean Paul Marat e Van Gogh. Quatro propostas de repensar a cena: através do texto, dos<br />

elementos, do espaço e do ator.<br />

Considerando esta fase como a primeira e mais importante da trajetória do<br />

encenador é possível pensar nas cinco propostas em diálogo, ora afirmando, ora<br />

negando a experiência anterior num exercício contundente de experimentalismo.<br />

Para Acabar com o Julgamento de Deus foi a estréia de <strong>Márcio</strong> como diretor de<br />

teatro. O espetáculo, realizado dentro de uma oficina para diretores, tinha como<br />

proposta abordar o trabalho de Antonin Artaud sem as tradicionais referências à<br />

loucura. Acreditando que interpretar Artaud, seria destruí-lo, <strong>Márcio</strong> buscou identificar<br />

os temas e questões mais constantes nas obras literárias deste autor-diretor-ator<br />

pesquisando uma nova visão da temática usualmente apresentada em palcos.<br />

O objetivo de Para Acabar com o Julgamento de Deus era experimentar Artaud,<br />

em lugar de representá-lo, com a esperança de poder refletir sobre as associações<br />

complexas de subjetividade, identidade, desejo e espiritualidade que essas experiências<br />

acarretam. Experimentar Artaud partindo do seu próprio elemento - o teatro – e através<br />

de um passeio não linear pela obra construir um diálogo com as suas idéias de mundo.<br />

O desejo Artaudiano de refazer o corpo e reinventar o homem são temas hoje associados<br />

a uma investigação sobre possibilidades, impossibilidades e práticas incorporadas na<br />

sociedade atual.<br />

Antonin Artaud foi responsável por novas perspectivas de compreensão da linguagem, pois pretendia tocar o princípio desta e<br />

não falar sobre ela. Visto como um guerrilheiro em combate contra a representação, Artaud construiu uma crítica à linguagem<br />

achatada e desvitalizada, reivindicando um livre exercício da vida onde o homem deveria ir até o fim de suas possibilidades,<br />

escapando, assim, à prisão inserida numa certa forma de linguagem clara e que tenta dizer tudo. Independente do resultado<br />

cênico alcançado, as questões viscerais levantadas por esse artista, a partir dos anos 70, despertaram também o interesse de<br />

grandes nomes da filosofia, da literatura, das artes plásticas, do cinema e da psicanálise. Sua obra é considerada um marco<br />

interdisciplinar relacionado a questões da linguagem e da representação.<br />

Para essa experiência, <strong>Márcio</strong>, com sua bagagem de fotografia, pretendia utilizar<br />

a linguagem de vídeo na cena, onde a técnica de edição - utilizando cortes e montagem -<br />

eram fomentadores de um tempo narrativo sem linearidade e causalidade.<br />

O palco era dividido, por cortinas, em quatro partes iguais construindo uma<br />

imagem de pequenas cabines onde as cenas se apresentavam alternadas ou


O presente dura pouco tempo<br />

simultaneamente dentro destes espaços. A divisão do palco foi criada para explorar a<br />

idéia de ilha de edição – cortando, colando e agrupando as cenas. Não havia um texto<br />

dramaturgico, tampouco uma seqüência previsível das ações. As cenas fragmentadas<br />

apresentavam situações cotidianas ou meros estados emocionais onde a imagem<br />

predominante era a impossibilidade do amor - casais brigando, se separando, se<br />

beijando, fragmentos de textos, diálogos interrompidos - tudo sendo focalizado,<br />

diminuído ou acentuado pela luz que ocupava função determinante para a construção da<br />

narrativa.<br />

Para Acabar com o Julgamento de Deus foi a primeira incursão de <strong>Márcio</strong> pelo<br />

teatro e pelo universo do experimentalismo. O diretor estreou já pensando em subverter<br />

a cena ao perceber que as esferas artaudianas por si propõem uma linguagem nova, vital<br />

e original do universo teatral. A grande maioria dos encenadores contemporâneos foram<br />

influenciados por Artaud, mais pelo discurso relacionado à linguagem do que por<br />

propriamente o seu teatro.<br />

“Artaud era um sonhador extraordinário, mas seus escritos tem pouco<br />

significado metodológico porque não são fruto de longa pesquisa prática. São uma<br />

profecia espantosa, não um programa.” 8<br />

Um pouco mais de meio ano após Artaud, <strong>Márcio</strong> voltou à cena, através de mais<br />

uma figura revolucionaria: Jean Paul Marat. Era a vez do espetáculo Marat Marat<br />

inspirado na figura do líder revolucionário, com textos de Jorge Luis Borges.<br />

O diretor desde o primeiro ensaio pretendia criar uma atmosfera de<br />

estranhamento: “A Revolução Francesa inventou a ambigüidade, porque inventou o<br />

cidadão e o terror. Ela provocou uma grande carnificina em nome dos direitos humanos.<br />

Não há herói nem traidor absoluto. A peça procura mostrar isso, refazendo a anatomia<br />

do ator e separando o áudio da imagem. Todas as histórias já foram contadas e todas as<br />

imagens já foram vistas. Para ocorrer uma reflexão, precisamos provocar um<br />

estranhamento” 9 .<br />

Essa atmosfera foi respaldada basicamente por três elementos cênicos que<br />

buscavam criar uma realidade autônoma de forte impacto: máscaras, vozes gravadas em<br />

off e água como elemento narrativo.<br />

8 BROOK, Peter. O Espaço Vazio: O teatro hoje.<br />

9 Jornal O Globo, entrevista. 15/06/1989


O presente dura pouco tempo<br />

O elenco, exceto a atriz que vivia Marat, utilizava máscaras, cobrindo<br />

inteiramente o rosto, em forma de cabeças enormes com expressões amorfas. As<br />

cabeças pediam um corpo ampliado, uma expressividade plástica e descondicionada do<br />

gestual cotidiano, uma vez que o ator era visto com um rosto fixo, sem expressão,<br />

diferente e estranho ao seu.<br />

Vários encenadores modernos utilizaram bonecos, manequins e mascaras em<br />

suas experimentações. Artaud em sua conceituação para a cenografia do Teatro da<br />

Crueldade cita os manequins, as máscaras e os objetos de proporções e formas<br />

singulares. Para ele a deformação e a ampliação causada por esses objetos é suficiente<br />

para des-realizar o objeto, conferindo-lhe uma dimensão outra do real. Esses objetos<br />

eram integrados ao espaço e à ação tornando-se elementos fundamentais para a<br />

estruturação do acontecimento teatral.<br />

Tadeusz Kantor utilizava bonecos e manequins em seus espetáculos, pois<br />

acreditava que esses seres inanimados, através da falta de vida, podiam despertar no<br />

homem sua condição de estar vivo. “Não acho que um manequim (ou figura de cera)<br />

possa substituir, como queriam Kleist e Craig, o ator vivo. Seria fácil e por demais<br />

ingênuo. A aparição destes objetos está de acordo com essa minha cada vez mais forte<br />

convicção de que a vida só pode se exprimir em arte pela falta de vida e pelo recurso à<br />

morte, através das aparências, da vacuidade, da ausência de qualquer mensagem. No<br />

meu teatro, um manequim deve se tornar um modelo que encarna e transmite um<br />

profundo sentimento da morte e da condição dos mortos – um modelo para o ator<br />

vivo.” 10<br />

Para <strong>Márcio</strong> construir esse corpo expressivo que a proposta exigia foi feito um<br />

trabalho de composição física rigorosa dos personagens. Cada ator teve trabalho<br />

individualizado com um profissional de corpo, onde a expressividade foi criada em<br />

cima de desconstruções pela fisicalidade. Novas posturas, gestos e dinâmicas de<br />

locomoção foram pesquisadas e desenhadas para cada ator. (Ver desenhos em anexo)<br />

Grotowski em seu Em Busca do teatro pobre fala sobre o gesto significativo –<br />

não natural - como unidade elementar da expressão de um corpo. “As formas de<br />

comportamento “natural” e comum obscurecem a verdade; compomos um papel como<br />

um sistema de símbolos que demonstra o que está por trás da máscara da visão comum:<br />

10 KANTOR, Tadeusz. O Teatro da morte. (Trad. Angela Leite Lopes.) In: BABLET, Denis. Les Voies de la création théâtrale,<br />

Paris, CNRS. 8


O presente dura pouco tempo<br />

a dialética do comportamento humano. No momento de um choque psíquico, de terror,<br />

de perigo mortal, ou de imensa alegria, o homem não se comporta naturalmente. O<br />

homem num elevado estado espiritual usa símbolos articulados ritmicamente. O gesto<br />

significativo, não o gesto comum, é para todos nós a unidade elementar de expressão.” 11<br />

Além das máscaras e do corpo expressivo, o outro elemento utilizado a favor da<br />

des-realidade foi o texto gravado e apresentado inteiramente em off. Todos os atores<br />

gravaram suas vozes em estúdio e não falavam em cena, com exceção da personagem<br />

Marat que tinha o rosto descoberto e dialogava ao vivo com a gravação.<br />

Por último, a cenografia, composta de uma banheira móvel (onde Marat viveu<br />

seus últimos anos e foi assassinado) utilizava a água como um elemento vital. Pingos<br />

caiam do teto durante todo o espetáculo e nos momentos mais críticos a intensidade<br />

aumentava, ao final, o palco estava inundado de água e os atores todos molhados.<br />

Marat Marat foi um espetáculo que ficou em cartaz durante três temporadas,<br />

ganhou três importantes prêmios para o teatro carioca e teve boa repercussão de público<br />

e crítica. <strong>Márcio</strong> iniciava aí sua romântica rejeição por espetáculos bem sucedidos. A<br />

favor da transgressão, achava que se um espetáculo tinha sido bem recebido deveria<br />

estar no caminho errado.<br />

Ainda durante a última temporada de Marat, no fim de 89, <strong>Márcio</strong> teve a idéia<br />

de montar dois espetáculos ao mesmo tempo: Vincent e Confessional. Questionando-se<br />

sobre o que chamava de teatro visual – vertente claramente predominante entre os<br />

encenadores contemporâneos – achava que deveria radicalizar a experiência da cena em<br />

função da forma que o espectador apreendia a cena. “Acho o teatro visual uma cilada,<br />

porque daí resultam espetáculos bonitos, mas que em geral, trabalham exclusivamente o<br />

olhar do espectador e não o afetam emocionalmente.” 12<br />

Nos anos 60 e 70 alguns diretores e grupos de teatro mexeram com a tradicional<br />

arte dramática transformando-a no que foi chamado de um “novo teatro” ou “teatro de<br />

imagens”. Foram precursores desta nova ótica artistas como Richard Foreman,<br />

Elizabeth Le Compte e Robert Wilson entre outros. Esse teatro dominado por imagens<br />

tinha como fator mais importantes para o seu desenvolvimento as experiências com o<br />

tempo e o espaço. Livre da lógica cartesiana encontrada nas seqüências narrativas, os<br />

diretores e performers pesquisavam uma nova visão e um novo método de trabalho onde<br />

11 Em busca de um teatro pobre. Artigo de Jerzy Grotowski publicado em Odra (Wroclaw, 9/1965)<br />

12 Caderno de ensaios, 1990.


O presente dura pouco tempo<br />

a imagem passava a ser mais importante do que as palavras e o tradicional ritmo das<br />

ações era questionado. Muitas inovações foram apresentadas: performances sem texto,<br />

performances sem atores (substituídos pôr cenários) e diversas propostas de instalações.<br />

Com Vincent e Confessional, <strong>Márcio</strong> <strong>Vianna</strong> pretendia iniciar um trabalho de<br />

experimentação centrado na questão do relacionamento espetáculo-espectador. “A crise<br />

do teatro contemporâneo repousa, essencialmente, na relação entre o espetáculo e o<br />

espectador, e Marat Marat não caminhou neste sentido.” 13<br />

O palco italiano ocupou uma posição dominante em toda a vida teatral do século<br />

XIX e, com algumas exceções, na primeira metade do século XX. Durante essa fase,<br />

houve uma condenação do espetáculo herdado do naturalismo, isso por várias razões,<br />

entre elas o fato do espectador ficar reduzido à pura passividade intelectual. Surge então<br />

a afirmação de que é possível um outro modo de relação palco-pláteia, engajando o<br />

espectador no jogo teatral. “Isso pressupõe uma outra opção estética, na qual a sugestão<br />

substitui a afirmação, a alusão ocupa o lugar da descrição, a elipse o da redundância.<br />

Esse desejo de engajar o espectador na realização dramática, até mesmo de<br />

comprometê-lo com ela, passou a nortear permanentemente as pesquisas do teatro<br />

moderno (...), por mais diferentes que sejam, aliás, as bases teóricas que orientam cada<br />

um desses empreendimentos.” 14<br />

A experiência de <strong>Márcio</strong> <strong>Vianna</strong> dividia-se em Confessional - interpretado por<br />

14 atores para 13 pessoas sentadas em confessionários e Vincent, em palco italiano, com<br />

10 atores para uma platéia de 130 lugares. Enquanto Vincent cortejava o teatro visual,<br />

Confessional representava uma suposta revolução ao propor um teatro intimo: no lugar<br />

de espectadores, indivíduos.<br />

Nesta experimentação, <strong>Márcio</strong> idealizava desconstruir a visão mitificada do<br />

pintor numa reflexão sobre o fracasso de uma vida solitária e obscura. O texto dos dois<br />

espetáculos era o mesmo, com exceção das confissões elaboradas para a relação<br />

individualizada. Nas cenas dentro dos confessionários, os monólogos, com algum<br />

improviso, possuíam apenas um esboço definido em ensaios.<br />

Em Confessional cada ator se relacionava com um espectador por vez,<br />

praticamente sussurando-lhe ao ouvido. Van Gogh ficava no centro e não dialogava –<br />

assim como em Vincent - com os espectadores. Os outros personagens (figuras da sua<br />

13 Carta aos atores. 1990.<br />

14 ROUBINE, Jean-Jacques: A Linguagem da encenação teatral, (trad. e apres. Yan Michalski),


O presente dura pouco tempo<br />

vida) ficavam em confessionários e mantinham uma relação individualizada com cada<br />

espectador.<br />

Vincent, em contrapartida, tratava o publico nos moldes tradicionais de palco-<br />

platéia. O público sentava-se em poltronas ao redor do espaço cênico composto por um<br />

palco móvel e instável. Com a movimentação dos atores, o palco desestabilizava-se<br />

provocando um estado de insegurança. Van Gogh ficava no centro da cena, onde os<br />

personagens da sua vida entravam e saiam.<br />

Foi na década de 60 que a evolução da pratica teatral contemporânea se afirmou<br />

e o espaço cênico passou por uma verdadeira explosão. Atualmente, o teatro oferece<br />

uma grande variedade de novas possibilidades, às vezes até mesmo dentro de um<br />

mesmo espetáculo – com participação mais ou menos ativa da platéia e tentativas de<br />

integração do espectador no universo da ficção. O fato é que o publico vem passando<br />

por diversas aventuras teatrais, podendo viver essas praticas como uma experiência<br />

nova e intensa, como pretendia Artaud entre outros.<br />

Os criadores que transformaram a estética do palco questionavam a posição<br />

estática do espectador sentado do início ao fim no mesmo lugar, condenado a uma<br />

percepção que se faz num angulo e a uma distancia invariáveis e basicamente passiva.<br />

Havia também os partidários da democratização do teatro que reivindicavam por uma<br />

igualdade nas posições dos espectadores, uma vez que a organização da sala sempre foi<br />

desigual.<br />

Artaud foi um dos primeiros a compreender, nos anos 20, que a invenção de um<br />

novo teatro implicava na transformação da relação palco-platéia. A favor de uma<br />

vivência no teatro sem os limites do palco, aberto as circunstâncias do acaso, Artaud<br />

ameaçava o próprio conceito de teatro. A proposta dele foi vista como um convite a<br />

vivência de um corpo destituído de padrões e comportamentos cotidianos. Investindo<br />

em um conceito de corpo sem órgãos – um corpo não obediente a funções orgânicas e<br />

fisiológicas - regido unicamente por intensidades e afetos, a platéia deixaria de cumprir<br />

o papel apático de recepção para experimentar uma vivência de trocas com esse corpo.<br />

O teatro de Artaud abandonava a representação de ações, a existência de personagens, o<br />

texto e a narratividade, explodindo assim, com as regras da dramatização.<br />

Craig, por outro lado, mantinha o palco italiano, pois sua estética exigia o frente-<br />

a frente tradicional com a imobilidade do espectador. Acreditando ser a encenação uma<br />

obra de arte onde o espectador tem o lugar de adorador, o palco italiano era ideal para


O presente dura pouco tempo<br />

manter a função de contemplação e admiração da obra cujos meios de produção devem<br />

permanecer enquanto mistério.<br />

Brecht, rejeitando a desigualdade social refletida pela sala italiana e condenando<br />

o ilusionismo que o espetáculo tradicional instaura graças as possibilidades técnicas do<br />

palco fechado, preservava a relação frontal e os recursos técnicos da relação palco-<br />

platéia do palco italiano. Brecht conservava a estrutura para desfigurá-la, voltando<br />

contra ela os seus próprios recursos técnicos. Para ele não era necessário rejeitar a<br />

estrutura, bastava trabalhá-la no sentido contrário, ajudando a teatralidade a exibir-se<br />

assumidamente - mostrando os seus meios de produção do espetáculo em vez de<br />

escondê-los.<br />

No fim da década de 50, Jerzy Grotowski realizava suas pesquisas sobre o<br />

trabalho do ator sem conhecer as teorias artaudianas. E ambos se orientavam para um<br />

teatro-acontecimento onde o palco tradicional não seria o caminho. Para Grotowski a<br />

relação do ator com o espectador não podia ser separada. O espectador deveria ser parte<br />

integrante daquilo que está sendo desvendado diante dele - a verdade do ator.<br />

Com Confessional, <strong>Márcio</strong> - citando Grotowski - passou a acreditar que o teatro<br />

deveria ser repensado a partir do espaço. E, menos de um mês depois, somando a essa<br />

experiência à idéia de testar os limites da representação através da arte do ator –<br />

também inspirado pelo Teatro Pobre, veio A Farra dos atores.<br />

A primeira Farra não se chamava Farra, chamou-se Audiência de Instrução e<br />

Julgamento do Ator Brasileiro. A proposta inicial, de uma única apresentação, era dar<br />

prosseguimento a uma pesquisa sobre novas formas de se fazer teatro. “Esta é uma<br />

experiência teatral que movimenta, até a exaustão, dezenas de atores que correm<br />

interpretando textos sobre teatro e o ofício do ator. É uma colagem aleatória de textos e<br />

trechos escolhidos para a atuação do artista comprometido apenas com o desejo de dizer<br />

e representar o que quiser, durante o tempo que der e que vier.” 15<br />

O nome Farra dos atores veio em função de uma definição feita por <strong>Márcio</strong><br />

para o acontecimento: “Uma grande farra de atores! Um espetáculo, sem texto definido<br />

nem cenas pré-determinadas, com atores amparados unicamente em meia dúzia de<br />

marcações, numa maratona cujo objetivo não é o espetáculo, mas a experiência dos<br />

limites da representação, sem compromisso algum em acertar.” 16<br />

15 Jornal do Brasil, entrevista.14/01/92<br />

16 Jornal Estado de São Paulo, entrevista. 14/04/1991


O presente dura pouco tempo<br />

Ao todo foram seis Farras em cinco anos, todas tiveram um formato comum,<br />

mudavam-se os textos, os atores e as regras básicas, mas a proposta central era sempre<br />

mantida. Numa maratona onde o objetivo não era o espetáculo e sim os limites da<br />

representação, os atores corriam de seis a dez horas exaustivamente intercalando cenas e<br />

textos, e havia apenas um roteiro programado com códigos ditando o início e o fim das<br />

cenas que se repetiam aleatoriamente.<br />

O espaço cênico das Farras adotava uma área móvel de representação. O<br />

publico ficava livre - em pé ou sentado no chão - normalmente ao redor de uma área<br />

central. As cenas aconteciam por todos os lados e muitas vezes em planos e alturas<br />

(sacadas, escadas, pisos) diferentes dos espectadores, uma vez que a proposta era<br />

incorporar o espaço ao evento, transformando-o. Essa concepção do espetáculo<br />

possibilitava aos espectadores terem liberdade de ir e vir, conversar, passear e até<br />

invadir o palco para participar. Propondo à platéia uma posição diferente, cada<br />

espectador tinha uma percepção individual das paisagens de som, ritmo, ação e imagens<br />

oferecidas. Bob Wilson foi representante de uma geração que explorou intensamente<br />

esses elementos. Ao montar um espetáculo de 12 horas de duração como “A Vida e a<br />

Época de Joseph Stalin” o espectador era instigado a se libertar da posição<br />

contemplativa de espectador passivo, transformando-se em um espectador ativo onde é<br />

possível escolher o momento de assistir, sair do teatro ou mesmo dormir.<br />

A linguagem experimentada na Farra era subordinada a elementos cênicos sem<br />

referências, sem contextos e sem explicações, apoiados em movimentos de ações e de<br />

textos - pedaços de conversas, repetição de frases, palavras avulsas, sons aleatórios,<br />

músicas, movimentos repetidos e coreografados. Alguns fragmentos de textos eram<br />

ditos para a platéia, os atores iam ao espectador, conversavam com ele, ou mesmo o<br />

conduziam a participar.<br />

Na Audiência de Instrução e Julgamento do Ator Brasileiro havia apenas cinco<br />

regras. Com os anos, em outras Farras, o número de regras foi aumentando. Durante os<br />

ensaios construíu-se um vocabulário comum, dando nome às cenas. O esboço das cenas<br />

era levantado em cima de improvisos direcionados: um tema, uma música, uma foto ou<br />

um texto eram usados como base para a criação de uma imagem cênica. As regras,<br />

ditadas por músicas, eram o `start´ para as cenas. As cenas, por serem entre corridas,<br />

eram sempre realizadas com um alto nível de cansaço numa proposta de `exaustão´,


O presente dura pouco tempo<br />

onde os improvisos construíam imagens de forte dramaticidade e emoção. “A<br />

montagem só começa a funcionar quando os atores exaustos cederam em suas defesas,<br />

viram sua técnica falhar e a emoção pode, enfim, correr solta.” 17<br />

<strong>Márcio</strong> usava Grotowski como referência também na relação com os atores. “O<br />

ator deve aprender a não fazer ou não representar”. O cansaço, o esgotamento psíquico e<br />

nervoso permite a emergência de uma verdade refugiada, recalcada, que o autocontrole<br />

não pode mais esconder ou disfarçar. Em resumo, o esgotamento é o estado mais<br />

propício ao autodesvendamento. “Se, ao desafiar-se publicamente a si mesmo, o ator<br />

desafia os outros e, se revela tal como é, arrancando a sua máscara de todos os dias, ele<br />

permite ao espectador empreender um processo semelhante.” 18<br />

A novidade mais marcante do Teatro Pobre reside numa redefinição da função e<br />

da arte do ator. Para ele tudo no palco é supérfluo com exceção do frente-a-frente do<br />

ator e do espectador. Este deixa de estar atrás de um personagem. “O ator passa a ser o<br />

seu próprio personagem, e a representação não é mais a simulação, quer realista ou<br />

estilizada, de uma ação, mas um ato que o ator cumpre, e cuja essência ele tira do mais<br />

profundo de si mesmo.” 19<br />

A Farra, apesar de ter sido criada como um simples exercício de atores,<br />

transformou-se em um verdadeiro happening - com característica de evento, repetiu-se<br />

poucas vezes e foi realizada em espaços não convencionais de encenação.<br />

Os happenings começaram, há meio século atrás, como reivindicações<br />

(futuristas e dadaístas) para a conversão dos artistas em mediadores de um processo<br />

social ou estético social. Esses artistas utilizavam as manifestações performáticas como<br />

meio de provocação na busca de uma abertura nas formas de expressão artística. A<br />

proposta era reduzir a distância entre a vida e a arte. Essas performances eram fruto de<br />

improvisações e ações espontâneas com a utilização de técnicas de teatro, dança,<br />

música, literatura, artes plásticas e cinema - ainda uma nova mídia.<br />

Num diálogo com o teatro - em termos de técnicas de criação e atuação – a<br />

performance fez contato com os mais importantes criadores modernos: as técnicas de<br />

interiorização de Stanislavsky – principalmente através da releitura de Meyerhold e<br />

Grotowski. O teatro dialético-conceitual de Brecht – toda a dialética atuar-interpretar,<br />

tempo ficcional/tempo real e o conceito brechtiano de `distanciamento´. O teatro ritual<br />

17 Jornal O Estado de São Paulo, entrevista. 14/04/1991<br />

18 Em busca de um teatro pobre. Artigo de Jerzy Grotowski publicado em Odra (Wroclaw, 9/1965)<br />

19 ROUBINE, Jean-Jacques: A Linguagem da encenação teatral, (trad. e apres. Yan Michalski),


O presente dura pouco tempo<br />

de Artaud – a ruptura com a representação, o uso do irracional, o discurso da ação não<br />

ligada à palavra.<br />

Muitos encenadores contemporâneos incorporaram aspectos da linguagem da<br />

performance em suas peças, o nome brasileiro mais relevante era o de Gerald Thomas.<br />

Muitas vezes o trabalho de <strong>Márcio</strong> foi comparado ao de Gerald, não somente por<br />

semelhança na linguagem, mas por que ele era uma referência na cena contemporânea<br />

carioca relacionada à experimentação. Ambos trabalhavam – apesar de propostas e<br />

resultados diferentes – com a apropriação da performance e seu `efeito de<br />

desconstrução´. Esse efeito é realizado através de repetição da imagem ou do som num<br />

efeito de eco visual ou sonoro que pode ser interpretado além do visual e estético,<br />

atuando como instrumento de desconstrução da narrativa, também visto como efeito de<br />

des-realidade ou estranhamento.<br />

“Tratamos aqui da repetição sucessiva e não da simultânea. Acontece<br />

quando o modelo é reproduzido linearmente ou em outra configuração –<br />

sucessivamente – e produz um padrão em si, que pode ser visual ou,<br />

metaforicamente, sonoro e mesmo tátil, como no caso de uma mesma<br />

palavra enunciada continuadamente de forma a que o fonema final se<br />

funda ao primeiro criando uma emissão linear sem início ou fim. O ciclo<br />

descrito pode ganhar outras feições desconstrutivas. Começamos a<br />

perceber um comportamento cambiante tanto de significado (quando<br />

percebemos novos sentidos) quanto da própria sonoridade, no caso da<br />

palavra repetida acima – da familiaridade e identificação do modelo ao<br />

estranhamento e à percepção de novas configurações. O fenômeno que<br />

parece ocorrer aqui é que o primeiro padrão criado mantém-se<br />

perceptível até um ponto de saturação da consciência, quando passa a<br />

ganhar novos contornos de configuração. Essa questão de saturação pela<br />

presença continuada é observada experimentalmente na própria sensação<br />

tátil, como uma pressão sobre a pele. Se persiste por minutos, perdemos<br />

a consciência de sua existência. Ou como no caso da mirada demorada<br />

de um rosto qualquer por muito tempo: de familiar, esse rosto ganha<br />

novo sentido para nós e passamos a percebê-lo como estranho. Os<br />

exemplos sugerem que o fenômeno da “dormência” da consciência por<br />

saturação dá-se também no caso da repetição simultânea, como quando


O presente dura pouco tempo<br />

olhamos um padrão de elementos repetidos e saltamos da percepção de<br />

determinadas formas para outras.” 20<br />

Esse efeito de desconstrução foi usado em todos os espetáculos da primeira fase<br />

da trajetória de <strong>Márcio</strong> <strong>Vianna</strong>. Nas primeiras experiências foi usado como elemento da<br />

cena ou recurso da narrativa. Porém, foi na Farra que o efeito assumiu-se como<br />

linguagem propriamente dita.<br />

As realizações desta primeira fase foram fundamentais não somente pelo<br />

impulso criativo e experimental, mas pela construção de uma base para o dialogo com<br />

as experiências posteriores. O espetáculo Para acabar com o julgamento de Deus foi<br />

importante pelo contato com o universo de Artaud – questionando uma linguagem<br />

desvitalizada e experimentando os elementos cênicos para repensar o fazer teatral.<br />

Marat Marat pelos objetivos claramente definidos em relação a uma linguagem<br />

associada a temática e o rigor na forma de conduzi-los. Vincent e Confessional pela<br />

busca de uma relação nova com o público – investindo no espaço para atingir a emoção.<br />

E finalmente a Farra - funcionando como síntese - pela soma de descobertas<br />

apreendidas com o texto, a cena, o público e os atores. A Farra foi a transformação da<br />

cena teatral em um happening onde a arte do ator/espectador se viu lapidada através do<br />

cansaço, da alegria e da dor.<br />

Segunda fase – A criação coletiva<br />

Em 1991 foram realizados dois espetáculos: O caso dos irmãos Feininger e<br />

Coleção de Bonecas.<br />

Feininger tinha como objetivo repetir e aprofundar a experiência de<br />

Confessional, onde o público com uma visão individualizada da cena, poderia interagir<br />

e alterar o resultado da prática teatral. Baseado numa situação fictícia de tribunal, o<br />

público comportava-se como júri. Os atores dialogavam com a platéia utilizando apenas<br />

um esqueleto da argumentação e o texto era improvisado em cima do perfil assegurado<br />

para cada personagem - em resposta as perguntas dos espectadores.<br />

O espetáculo foi realizado numa proposta (nova para <strong>Márcio</strong>) de `criação<br />

coletiva´. Os atores junto com o diretor assinavam a criação do espetáculo que, sem uma<br />

20 COELHO, Luiz Antonio L.. A repetição na cultura. Em SOUZA, Solange Jobim e (org). Mosaico: imagens do conhecimento.<br />

Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos, 2000.


O presente dura pouco tempo<br />

ficha técnica, tinha poucas preocupações estéticas e técnicas. Não havia cenário,<br />

figurino e iluminação – somente lampiões iluminavam a cena. A proposta, concebida<br />

para apenas seis espectadores, pretendia aprofundar uma relação intima com o<br />

espectador.<br />

O espaço cênico contava apenas com seis cadeiras dispostas em círculo e os sete<br />

atores se revezavam entre os seis espectadores. A antiga brincadeira do jogo das<br />

cadeiras foi utilizada como recurso para aproximar o espectador dos sete atores num<br />

revezamento aleatório. No centro da roda, um violinista escolhia, a seu critério, as<br />

musicas que iriam compor a cena. Ao parar a música o ator sentava-se na cadeira mais<br />

próxima e iniciava as suas confissões sobre o caso. O espetáculo era realizado com<br />

diálogos, trilha sonora e desfechos diferentes a cada sessão, uma vez que ao término, o<br />

público no lugar de júri emitia o seu voto pela decisão judicial.<br />

O trabalho do ator construído em cima de improviso com o espectador podia ser<br />

visto como mais um caminho de distanciamento em relação a composição do<br />

personagem tradicionalmente conhecido. Em Marat, Vincent /Confessional e Feininger<br />

os personagens estavam presentes com características e nomes, mas sem a psicologia de<br />

uma história vivida no tempo. O estado dos personagens no instante da sua aparição era<br />

mais importante do que o seu passado e suas memórias. Na Farra, porém, vislumbrava-<br />

se um ruptura mais radical onde no lugar de personagens haveria performers. O<br />

personagem trabalha com o que “é” um suposto indivíduo e sua história. O intérprete-<br />

criador ou performer trabalha com o estado da ação, ou o “como” a ação está sendo<br />

realizada. A não interpretação de personagens pode ser utilizada como veículo libertário<br />

para um sentimento a ser expresso sem que a ele seja atribuído uma história ou<br />

psicologia, buscando-se o estado sem passar por modelos de personagens.<br />

Depois dessa experiência, <strong>Márcio</strong> acreditava que os atores tinham deixado de ser<br />

meros interpretes para ocuparem papel ativo na obra. E, se propondo a aprofundar essa<br />

relação lançou-se em mais uma experiência de criação coletiva.<br />

Em Coleção de Bonecas ao invés de convidar uma ficha técnica, propôs que os<br />

personagens, assim como as marcações do palco, cenários, figurinos, texto e até trilha<br />

sonora, fossem resultado de uma criação do diretor e seus sete atores do Grupo A<br />

Contrador - iniciado em Marat, mas mantendo apenas alguns atores da época.<br />

A clássica aventura de Sherazade serviu de ponto de partida para esta montagem.<br />

Os sete atores ficavam em cena todo o tempo, praticamente confinados no pequeno<br />

palco da Aliança Francesa de Botafogo /RJ - um espaço cênico de 7 por 3 (metros). Os


O presente dura pouco tempo<br />

70 lugares do teatro foram reduzidos a 50 poltronas para que os atores pudessem - num<br />

resgate de experiências anteriores - sair do palco e correr em volta da platéia. Apesar do<br />

espaço ser tradicional, com palco italiano, <strong>Márcio</strong> pretendia trazer para esta cena<br />

experimentações adquiridas com a explosão do palco na Farra, no Confessional e No<br />

caso dos irmãos Feininger- como a proximidade do público, a exaustão dos atores e a<br />

fragmentação do texto criado em cima de depoimentos.<br />

Algumas influências estéticas foram resgatadas para esta montagem. No<br />

pequeno palco da Aliança francesa estavam espalhados 60 bebês de plástico utilizados<br />

na Farra, algumas das máscaras em forma de cabeça usadas em Marat Marat e 80 velas<br />

acessas no lugar de lampiões.<br />

<strong>Márcio</strong>, durante a experiência da criação coletiva, acreditou que nunca estivera<br />

tão perto de suscitar a emoção do ator e do espectador. “Eu não estou muito preocupado<br />

com a técnica, acho que é importante também, mas eu estou priorizando a própria<br />

questão pessoal e a emoção subseqüente. Eu não tenho interesse no ator muito técnico,<br />

porque eu também não sou um diretor. Eu não entendo de teatro. Eu sou uma pessoa<br />

que faz arte e o que eu faço todo mundo pode fazer. Portanto eu não quero atores<br />

brilhantes, quero pessoas brilhantes, que tenham uma postura autoral e que possam<br />

contribuir significantemente para a construção de uma obra.” 21<br />

O Théâtre du Soleil, nos anos 70, foi responsável por uma inovação: elaborar o<br />

texto cênico numa criação coletiva entre atores e direção. O método desenvolvido para<br />

as improvisações era baseado em temas, roteiros ou indicações técnicas e estilísticas<br />

utilizadas como referência. A improvisação deixava de se apoiar exclusivamente na<br />

memória e na espontaneidade dos atores, para ganhar um objetivo comum. A equipe<br />

utilizava como base de criação as reflexões coletivas em cima de leituras de material<br />

teórico, de textos documentários e históricos. Materiais que enriqueciam o<br />

improvisador, a equipe e a construção do texto.<br />

Ao final da temporada de Coleção de bonecas, numa reflexão sobre a sua<br />

trajetória de investimentos cênicos bem diversificados ao longo de dois anos, <strong>Márcio</strong><br />

comentou: “Posso parecer um diretor incoerente, mas o fato é que há inúmeras<br />

possibilidades de se fazer teatro.”<br />

Este último espetáculo não trouxe novas inquietações estéticas e técnicas, mas<br />

foi importante pela afirmação de que o teatro que se estava buscando só seria alcançado<br />

21 Em Teatroarte 7, entrevista. Novembro de 1990.


O presente dura pouco tempo<br />

através da relação ator-espectador e não espetáculo-espectador. <strong>Márcio</strong> dizia acreditar<br />

que estava se aproximando da emoção do espectador através da emoção do ator e que a<br />

qualidade da experiência e do envolvimento dos atores deveria ser investida e<br />

investigada com maior rigor.<br />

“A eliminação da dicotomia palco-platéia não é o mais importante: apenas cria<br />

uma situação de laboratório, numa área apropriada para pesquisa. O objetivo essencial é<br />

encontrar o relacionamento adequado entre ator e espectador, para cada tipo de<br />

representação, e incorporar a decisão em disposições físicas.” 22<br />

Terceira fase – A imagem na cena<br />

Em 1992 <strong>Márcio</strong> correu contra o tempo e realizou três espetáculos em um ano:<br />

Circo da solidão, Imaginária e Livro dos cegos.<br />

Logo após acreditar que estava se aproximando do objetivo de emocionar o<br />

espectador através da proposta de criação coletiva, <strong>Márcio</strong> optou por desconstruir<br />

algumas experimentações cênicas anteriores e afirmar outras. Circo da Solidão veio<br />

para romper com várias convicções e voltar com algumas convenções antes negadas<br />

como: o palco italiano, a ficha técnica, e o teatro de imagens. Como novidade Circo da<br />

Solidão foi o primeiro espetáculo com um patrocínio equiparado às produções de sua<br />

época.<br />

Do romance “Sofrimentos do jovem Werther” de Goethe, <strong>Márcio</strong> retirou o<br />

substrato temático para a criação de Circo da Solidão. “Queremos falar sobre a solidão<br />

dos apaixonados. Elegemos Werther como instrumento, como poderíamos escolher<br />

qualquer mito ocidental da paixão. É um traçado não linear e sem seguir qualquer<br />

lógica” 23 definia <strong>Márcio</strong>.<br />

O texto altamente fragmentado era envolvido por um visual estilizado muito<br />

próximo a uma proposta estética imaginada para um teatro medieval, a construção<br />

cênica entre texto e imagem era propositalmente desarmônica buscando o recurso antes<br />

experimentado do `estranhamento´. O discurso do corpo e o discurso das palavras eram<br />

distantes para criar o típico caos contemporâneo entre o que se faz com o que é dito.<br />

O cenário de Tadeu Burgos apresentava uma catedral repleta de escadas<br />

desencontradas e labirínticas e dez toneladas de barro cobriam o palco. Os atores<br />

22 Em busca de um teatro pobre. Artigo de Jerzy Grotowski publicado em Odra (Wroclaw, 9/1965)<br />

23 Jornal O Globo, entrevista.19/12/1991


O presente dura pouco tempo<br />

vestiam roupas de anjos estilizados com asas nas costas. A trilha sonora era realizada ao<br />

vivo por um octeto vocal que impunha um tom sacro de extrema dramaticidade.<br />

A pesquisa agora girava em torno de uma estética construída sobre a<br />

potencialidade expressiva da escrita cênica – termo utilizado por Artaud. A linguagem<br />

da cena deveria ser mais abrangente que a linguagem das palavras, pois a pesquisa não<br />

visava buscar a representação em cena de um cotidiano, mas um espetáculo onde a vida<br />

é potência e não se pretende parecer com a forma do cotidiano.<br />

<strong>Márcio</strong> estava em busca de uma linguagem que comunicasse através da<br />

teatralidade. Para o espetáculo foram construídas metáforas, símbolos e imagens que só<br />

podiam existir no espaço cênico, ou seja, imagens originais da pratica teatral. No teatro<br />

pode se falar sobre a dor. Pode se explicar a dor sentida. Pode se representar a dor. A<br />

pesquisa visava experimentar uma forma de apresentar essa dor e o espectador seria<br />

criador da dor que ele percebesse.<br />

Nesse espetáculo – totalmente imagético – <strong>Márcio</strong> foi criticado por exibir signos<br />

indecifráveis em meio uma narrativa propositadamente desestruturada e caótica, e mais<br />

uma vez (depois de Marat Marat e da Farra) foi comparado a Gerald Thomas -<br />

disposto a seguir uma trajetória que insiste na feitura de trabalhos herméticos. <strong>Márcio</strong><br />

não identificava semelhança com a proposta de Gerald, apenas reconhecia alguns traços<br />

nos elementos de desconstrução da narrativa.<br />

Eugenio Barba em artigo entitulado “Ações em trabalho” descreve o<br />

entrelaçamento simultâneo de várias ações na representação como algo semelhante ao<br />

que Eisenstein descreve a partir de Vista Del Toledo de El Greco: “o pintor não<br />

reconstrói uma paisagem, mas constrói uma síntese de várias paisagens, fazendo um<br />

montagem dos diferentes lados de um prédio, incluindo até os lados que não são<br />

visíveis, mostrando vários elementos – tirados da realidade, independentemente de cada<br />

um – numa relação nova e artificial.” 24 Para ele em muitos casos, quanto mais difícil se<br />

torna, para um espectador, interpretar ou julgar imediatamente o significado do que está<br />

acontecendo diante de seus olhos em sua cabeça, mas forte é a sensação de viver através<br />

de uma experiência, às vezes de uma maneira obscura, mas talvez mais perto da<br />

realidade de uma experiência.<br />

Circo da solidão talvez tenha sido a experiência de <strong>Márcio</strong> que alcançou o maior<br />

status de um `teatro de imagens´. Não por acaso, em seguida - acreditando que a cena<br />

24 BARBA, Eugenio. Ações em trabalho. Revista Dramaturgia.


O presente dura pouco tempo<br />

não era um processo formal esgotado - <strong>Márcio</strong> <strong>Vianna</strong> tomou o caminho radicalmente<br />

oposto e voltando a criticar a imagem - que inebria o espectador e impede-o de viver a<br />

experiência da emoção – montou Imaginária e Livro dos cegos, as primeiras peças<br />

encenadas completamente no escuro em palcos brasileiros.<br />

<strong>Márcio</strong> pretendia levar ao espectador a experiência da cegueira. Desejava que o<br />

público fosse além do visível e percebesse a realidade através dos demais sentidos,<br />

criando a sua própria imagem da encenação. “A emoção não deve depender da orgia<br />

visual ou da sedução pela imagem”, dizia nos ensaios.<br />

Imaginária, com pequenas histórias costuradas, narrava o encontro num motel<br />

de um cego com sua amante de olhos perfeitos. Com um texto que pode ser visto como<br />

realista, <strong>Márcio</strong> pretendia estimular a imaginação dos espectadores numa experiência<br />

sensorial onde eles veriam o que não enxergam. Os atores deveriam ser preparados não<br />

para serem vistos e sim para serem percebidos pela sua presença.<br />

O espaço cênico foi delimitado por 30 cadeiras dispostas em semi-círculo – local<br />

dos espectadores – e no centro havia uma cama onde o casal principal ficava. Os outros<br />

atores (14), sem participarem do texto propriamente dito, movimentavam-se no círculo<br />

e ao redor dele.<br />

Com a falta total de iluminação os espectadores apreenderiam o espetáculo de<br />

outras formas - os atores (mantendo a proximidade) circulavam entre o público, no<br />

escuro, ilustrando a cena com sons, sussurros, cheiros e estados físicos como o vento.<br />

Numa cena de amor entre o casal exalava-se cheiro de jasmim e ouvia-se o barulho de<br />

água que servia para um banho de banheira à dois. Alem de cheiro de frutas e bebida<br />

alcoólica que supostamente estavam sendo saboreados pelo casal.<br />

<strong>Márcio</strong> pensou Imaginária como uma visão sobre os cegos feita por quem<br />

enxerga. Já O Livro dos Cegos que foi montado posteriormente tinha a pretensão de ser<br />

construído sob a ótica dos cegos, mesmo com a consciência de que essa ótica é<br />

extremamente delicada de se apreender.<br />

“Aprendemos com Imaginária que pôr o ator e o espectador no escuro<br />

possibilita uma reflexão sobre a cena contemporânea - totalmente constituída em cima<br />

da beleza e do impacto visual. Quem assistir ao espetáculo vai perceber que talvez a<br />

cena contemporânea esteja nos iludindo com belas imagens e escondendo o que é mais<br />

importante: a presença do ator. Teatro não é ator sendo visto, é ator sendo vivido. Mas


O presente dura pouco tempo<br />

essa pesquisa está encerrada, porque a experiência de cegar a cena é muito rica, mas não<br />

é o fim.” 25<br />

O Livro dos cegos, com capacidade para 100 espectadores na platéia, começava<br />

com uma imagem de forte impacto visual: 30 atores vestidos de cinza, com olhos<br />

brancos artificiais, envergando tubos de plástico amarelo que emitiam sons ao serem<br />

girados no ar. Depois desta primeira cena era escuridão até o momento final.<br />

Como em Imaginária, os atores circulavam entre o público, no escuro,<br />

ilustrando a cena com sons, sussurros e cheiros. Desta vez, a situação vivida era a de<br />

uma cega de nascença que sonhava em ser atriz e estava numa mesa cirúrgica tentando<br />

ganhar a visão.<br />

Pela segunda vez em sua carreira, Marcio tentou seguidamente aprofundar uma<br />

questão investida anteriormente, Imaginária e Livro dos Cegos partiram de uma mesma<br />

experimentação: o extermino da imagem em favor dos sentidos. Todas as criticas<br />

escritas do espetáculo diziam que apesar da revolução proposta com a ausência total de<br />

luz, a base em que ele partia era extremamente convencional. Um espetáculo sem<br />

inovações cênicas ou dramaturgica sendo realizado no escuro. Em um teatro feito sem<br />

imagem, a palavra ganha força e deve ser pensada para este fim. O que faz um<br />

espetáculo sensorial? Certamente não é a ausência de imagem, mas <strong>Márcio</strong> precisava<br />

experimentar para descobrir. Na encenação contemporânea o que importa não é apenas,<br />

e nem principalmente, a proliferação de imagens, mas a relação que estabelecemos com<br />

elas, ou seja, a função que assumem no processo de apreensão teatral.<br />

“O que me interessa é descobrir qual a temática deste final de milênio. Todas as<br />

artes estão falando do momento presente, menos o teatro. Em vez da Somália, o teatro<br />

está falando da idade Média, da Grécia antiga. As pessoas que fazem teatro parecem<br />

estar de bunda virada para o futuro e completamente debruçada sobre o passado. Existe<br />

uma reação a um tipo de teatro que se opõe ao que é feito hoje, que propõe a um publico<br />

diferente uma temática diferente. A critica que eu percebo desqualifica essa experiência<br />

como teatro. O que me diverte é que isso ainda deve ficar mais louco, porque talvez a<br />

solução do teatro seja acabar com o espetáculo e caminhar na direção das festas,<br />

grandes farras entre espectador e ator. Acho que eu estou me preparando para isso.” 26<br />

25 Jornal O Globo, entrevista.18/12/1992<br />

26 Jornal O Globo, entrevista.18/12/1992


Quarta fase – O teatro como expressão do homem contemporâneo<br />

O presente dura pouco tempo<br />

Em 1993 <strong>Márcio</strong> ganhou a ocupação durante um ano do teatro Gláucio Gil (RJ),<br />

onde junto com O Grupo A Contrador instalou o Projeto de Teatro Experimental<br />

chamado CEU - Centro de Exercício de Utopias. “Um espaço comprometido com a<br />

pesquisa, a experimentação e, principalmente, com a crença de que o teatro pode e deve<br />

ajudar na reflexão sobre o homem contemporâneo.” Duas peças foram realizadas: 1999<br />

e o Futuro dura muito tempo.<br />

<strong>Márcio</strong> ensaiou as duas peças ao mesmo tempo. 1999, realizada com O Grupo A<br />

Contrador, era o rumo das festas e dos ritos que ele apostava ser o caminho do teatro. E<br />

O Futuro dura muito tempo, com apenas dois atores convidados, era um desejo pessoal<br />

de levar Louis Althusser para o palco. Desta vez não havia a proposta de testar duas<br />

formas de se fazer teatro, simplesmente eram dois desejos – um pela cena e outro pela<br />

temática - vividos no mesmo tempo e de acordo com suas expressões.<br />

O Futuro dura muito tempo foi o primeiro espetáculo a estrear. <strong>Márcio</strong><br />

selecionou fragmentos do depoimento de Louis Althusser - baseado nas memórias que<br />

escreveu, numa clinica psiquiátrica por assassinar a mulher, pouco antes de morrer - e<br />

construiu um texto que mesclava palavras do filósofo sobre sua vida pessoal com pontos<br />

cruciais de seu pensamento político. Para <strong>Márcio</strong>, Althusser representava o grande<br />

paradoxo do homem contemporâneo: a fragilidade existente em todos os homens fortes<br />

e os momentos de loucura embutidos na racionalidade.<br />

“Althusser é um comovente precipício sobre a história das violências, das<br />

utopias e das paixões e O Futuro dura muito Tempo é uma reflexão sobre a<br />

perplexidade e a ambigüidade do homem deste final de milênio. A encenação foi<br />

construída com um olhar muito afetuoso sobre os personagens e inspirada numa<br />

advertência de Nietzsche, sempre lembrada nos ensaios por Rubens, de que não<br />

precisamos turvar as nossas águas para que elas pareçam mais profundas. Nesta peça<br />

evitamos as abordagens mais plausíveis e as sentenças mais prováveis, porque as<br />

condenações e absolvições tendem a abreviar o mergulho e a vertigem sobre a condição<br />

humana.” 27<br />

Rubens Correa dava palavras a Althusser num relato imerso em conturbado<br />

universo pessoal. A encenação reforçava o mergulho do filosofo às suas memórias<br />

27 Caderno de ensaio. 12/1993.


O presente dura pouco tempo<br />

soterradas em impactante imagem de uma grande escavação. O palco, mantendo a<br />

relação convencional de palco-platéia era coberto por quilos de areia e centenas de<br />

troncos - nos moldes humanos - feitos em fibra de vidro. Althusser retirava da terra<br />

livros, os corpos mutilados, objetos pessoais e a própria mulher Hélène. “Era uma<br />

verdadeira arqueologia” descrevia Teca Fichinski, cenógrafa da peça.<br />

Novamente com a utilização de efeitos cênicos intensos, <strong>Márcio</strong> construiu<br />

climas e imagens para desenhar a complexidade dos sentimentos e das emoções. Os<br />

atores – em interpretação minuciosa e repleta de tons – criavam a base ou o pretexto<br />

para uma enxurrada de afetos. A iluminação alternava cores quentes e frias, sombra e<br />

claridade, dando vida à atmosfera asfixiante em que se encontrava o personagem<br />

principal.<br />

O Futuro dura muito tempo não era propriamente uma experimentação cênica e<br />

fez do palco um reflexo da condição humana. <strong>Márcio</strong> provou para si mesmo que é<br />

possível emocionar o espectador sem acrobacias experimentais. Mas negou, apesar do<br />

objetivo de emocionar o espectador alcançado, ser este o tipo de espetáculo que leva o<br />

homem para a beira do abismo. Abismo este que era o desafio de estar vivo.<br />

Para o diretor o abismo estava em 1999. Afirmando as suas experiências cênicas,<br />

<strong>Márcio</strong> desta vez pretendia criar um confronto direto da ação cênica com o espectador.<br />

A proposta era analisar a situação do homem no final do século, num ambiente sem<br />

fronteiras entre palco e platéia.<br />

Atores e espectadores se movimentavam livremente por todo o espaço. “Para<br />

mostrarmos isso, tiramos todas as arquibancadas do teatro e eliminamos as fronteiras<br />

entre palco e platéia. Atores e espectadores se movimentam livremente e a peça se<br />

desenvolve ai, abordando a violência, a solidão e a paixão do homem contemporâneo.<br />

Em cada cena se constrói o lugar do ator e do espectador. Este participa menos ou mais,<br />

olhando a cena pelo olhar que quiser”. 28<br />

Espalhado pelo espaço do Teatro Gláucio Gil – transformado em um grande<br />

galpão - havia milhares de fotos de jornais (estampando a violência cotidiana) colados<br />

nas paredes, além de escadas e cubos espalhados pelo chão. Um bar dentro do espaço<br />

servia de apoio cênico e de base para o público - que podia beber cerveja durante o<br />

espetáculo. O espectador ficava solto no espaço (sem acentos).<br />

28 Jornal da Tribuna, entrevista.01/10/1993


O presente dura pouco tempo<br />

A cenografia pretendia pensar o espaço cênico em três dimensões estruturando o<br />

espaço dividido com planos e volumes, mantendo com a realidade uma relação alusiva a<br />

serviço dos atores.<br />

Appia dava o nome de espaços rítmicos para as suas arquiteturas abstratas.<br />

“Uma das intuições mais fecundas de Appia consistiu em constatar que a cenografia<br />

deve ser um sistema de formas e de volumes reais, que imponha incessantemente ao<br />

corpo do ator a necessidade de achar soluções plásticas expressivas. Ele deve manter,<br />

portanto, uma relação complexa com o seu meio ambiente. A adequação psicológica se<br />

combina ali com uma tensão física instaurada por um sistema de planos inclinados, de<br />

escadas e de todos os elementos arquitetônicos suscetíveis de obrigar o corpo a dominar<br />

as dificuldades deles resultantes, e de transformarem essas dificuldades em trampolins<br />

para a expressividade.” 29<br />

Em 1999 apenas um fragmento de texto era dito durante todo o espetáculo. Os<br />

atores alternavam perguntas para o público - “O que você gostaria de estar fazendo no<br />

dia 31 de dezembro de 1999?” - com fragmentos de cenas. Em geral exaltando muita<br />

violência, as cenas eram apresentados aleatoriamente pelo espaço, onde atores e<br />

espectadores se chocavam em correrias. Cenas de prisões, perseguições, medo, fugas e<br />

salvações com momentos de encontro entre supostos sobreviventes a violência<br />

instalada. Uma cena (ensaiada antes do acontecimento) transformou-se em uma<br />

referência a chacina de Vigário Geral onde os atores nus deitavam em uma fileira<br />

estendida de caixões.<br />

“Contidas nas palavras `Teatro da crueldade´ se encontram toda uma<br />

desesperada busca por um teatro mais violento, menos racional, mais extremista, menos<br />

verbal, mais perigoso. Há um jubilo nos choques violentos: o único problema com<br />

choques violentos é que eles se desgastam. O que se segue a um choque? Aqui está a<br />

dificuldade. Disparo uma pistola contra o espectador – foi o que fiz uma vez – e por um<br />

segundo tenho a possibilidade de atingi-lo de uma maneira diferente. Preciso relacionar<br />

essa possibilidade a um propósito, senão um minuto depois o espectador voltará a seu<br />

estado anterior: inércia é a maior força que conhecemos. Quando uma impressão<br />

diferente é formada, a não ser que alguém agarre este momento sabendo como e porque,<br />

e para que fim, este também começará a minguar.” 30<br />

29 ROUBINE, Jean-Jacques: A Linguagem da encenação teatral, (trad. e apres. Yan Michalski),<br />

30 BROOK, Peter: O Ponto de Mudança, (trad. Antônio Mercado e Elena Gaidano), Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1994.


O presente dura pouco tempo<br />

Hoje já é sabido que mesmo em experiências sem a utilização do palco italiano,<br />

onde os espectadores ficam espalhados por toda área de representação, o espaço do<br />

publico pode ser mantido separado e reservado. No início os espectadores ficam livres,<br />

mas rapidamente se estabelecem em algum lugar. Grotowski em seu Teatro Pobre<br />

experimentou através da integração do espaço (público e atores juntos) o principio<br />

oposto, ao invés de tentar incluir na cena, excluía o espectador sem que se tratasse do<br />

retorno à tradição onde este era ignorado. A proximidade e a participação do público<br />

podem reduzir a relação do espetáculo com o espectador a uma ilusão, onde os atores<br />

não levando em conta a reação do publico, representam com teatralidade. Por outro<br />

lado, o espaço sem fronteiras pode provocar um mal estar pela desorientação – deixando<br />

o espectador confuso em relação ao seu papel na cena – o que pode ser interessante se<br />

levá-lo a refletir sobre a necessidade de ser indicado o lugar a ser ocupado. Além disso,<br />

a liberdade de movimento está associada ao uso que se faz do espetáculo, e conseguir<br />

fazer o espectador pensar sobre isso já é uma grande vitória.<br />

1999 e O Futuro dura muito tempo foram espetáculos que ganharam formas<br />

coerentes à expressão de seus conteúdos. O sucesso do Futuro, porém veio na<br />

contramão de 1999, desarmando-o. O Futuro era a prova concreta de que não é só pelo<br />

espaço que se chega à emoção.<br />

Ao final das temporadas, <strong>Márcio</strong> declarou que O Futuro dura muito tempo<br />

fechava um ciclo iniciado em Marat Marat - ambos sucessos de crítica e convencionais,<br />

ao contrário de todas as suas outras experiências teatrais. “Eu acreditava que poderia<br />

fazer anti-espetáculos, mexer com a pauta de reflexões do teatro; mas eu não consegui<br />

me organizar para isso. 1999 ainda era um espetáculo. Talvez eu devesse ter arriscado<br />

mais.” 31<br />

Após a temporada de 1999 e o fim do projeto CEU - Centro de Experimentações<br />

e Utopias no Teatro Gláucio Gil, o Grupo A Contrador acabou.<br />

“Minha utopia era transformar o espectador em quase ator, em participante de<br />

um rito, de uma festa. Pensava que esse teatro total teria uma contundência maior que<br />

outras artes para mudar a vida do espectador. Mas essa busca experimental acabou. Não<br />

me sinto mais interessado em acumular experiências.” 32<br />

Quinta fase – Em busca do teatro<br />

31 Jornal O Globo, entrevista. 01/02/1994<br />

32 ___, idem.


O presente dura pouco tempo<br />

Em 1994, depois de quase um ano parado, <strong>Márcio</strong> voltou aos palcos em um<br />

convite para dirigir a montagem de formatura dos atores da CAL – Casa de Artes de<br />

Laranjeiras – e fez A alma quando sonha é teatro.<br />

Para A Alma, <strong>Márcio</strong> reuniu duas gerações de atores de teatro separadas por mais<br />

de meio século - os alunos formandos do curso profissionalizante da CAL e alguns<br />

atores representantes da antiga geração dividindo o palco numa homenagem a arte<br />

teatral.<br />

Para o diretor, o contato das duas gerações fazia o jovem se despir de<br />

esteriótipos da profissão e se preocupar com a busca de emoções verdadeiras. “Esse<br />

encontro pretende ser, antes de tudo, uma despretensiosa, mas profundamente sincera e<br />

emocionada reflexão sobre a arte, a dor e a alegria de ser ator de teatro no Brasil.” 33<br />

O texto constava de depoimentos recolhidos pelos atores formandos, que junto<br />

com seus próprios depoimentos e fragmentos de outros textos foram trabalhados por<br />

<strong>Márcio</strong> e transformados em uma coletânea impregnada de poesia, paixão e alegria. No<br />

início uma pergunta: O que é o teatro?<br />

Os elementos cênicos, mantendo a relação palco-platéia, construíam uma<br />

atmosfera simples, lúdica e respeitosa. No fundo do palco, longas e estreitas faixas<br />

pendiam do teto e construíam vagamente a idéia de muitas cabines – uma para cada um<br />

dos 22 atores. Os figurinos dos jovens atores eram claros em contrapartida aos longos<br />

vestidos coloridos da outra geração. E a luz difusa era eventualmente rasgada por<br />

explosões de intensa claridade.<br />

Em A alma quando sonha é teatro <strong>Márcio</strong> provou novamente que sabia, com<br />

muita delicadeza, converter em imagens os sentimentos e as emoções do homem<br />

contemporâneo. Para este homem a experiência é fundamental, mas não sobrevive<br />

apenas de propostas estéticas.<br />

Em 1995 o tempo voltava a apertar e <strong>Márcio</strong> tinha pressa. Ao todo foram três<br />

espetáculos com a nova companhia de teatro – Cia Muito Prazer: Meu pai voa,<br />

Ambulâncias na contramão e O último bolero. E um monólogo com a atriz Beatriz<br />

Segall: O Lado fatal.<br />

33 Texto de <strong>Márcio</strong> <strong>Vianna</strong> para o programa da peça.


O presente dura pouco tempo<br />

Os três espetáculos com a Cia de teatro foram ensaiados quase ao mesmo tempo<br />

e tiveram temporadas paralelas.<br />

Ambulâncias na contramão era uma releitura da Farra, cinco anos depois da<br />

primeira apresentação. <strong>Márcio</strong> criou uma Farra compacta de duas horas de duração,<br />

não mais com caráter de evento e com direito a uma temporada de dois meses.<br />

“Ambulâncias na Contramão é uma forma mais branda da Farra em aparições<br />

anteriores - mais curta, mais leve e mais bem-humorada. O espetáculo trata do<br />

relacionamento humano, a partir de trechos de poetisas brasileiras” definia o diretor.<br />

Meu pai voa foi a estréia de <strong>Márcio</strong> como dramaturgo. Apesar de não incluir a<br />

peça entre suas empreitadas experimentais, creditava ao texto uma necessidade de<br />

traduzir dramaticamente emoções pessoais. Durante quase toda a sua carreira o diretor<br />

sempre clamou contra montagens de textos antigos e insistiu na necessidade de se<br />

buscar novas dramaturgias. Meu Pai Voa, construída com uma estrutura dramática<br />

convencional, dividido em cenas, narra a relação de um filho com o pai que está<br />

próximo da morte. “É uma peça absolutamente pessoal, com temas que povoam minha<br />

memória afetiva. Mas não é uma autobiografia fiel. A emoção é verdadeira, mas os<br />

fatos não são. Acho que a peça trata da universalidade das perdas. Não é um exercício<br />

egocêntrico.” 34<br />

Mais uma vez trabalhando com a relação convencional de palco-plateia e se<br />

valendo de efeitos cênicos como meio de expressão, <strong>Márcio</strong> optou por criar uma<br />

atmosfera esfumaçada e onírica colocando uma tela de filó na boca de cena - separando<br />

o espaço cênico e a platéia. O pequeno palco do Museu da República era forrado de<br />

areia e repleto de pequeninas casinhas de madeira. No centro, apenas uma pequena<br />

arquibancada onde os quatro personagens se revezavam em planos. O personagem do<br />

filho, ao longo da peça, manipulava as pequenas casinhas no palco sugerindo construir<br />

uma cidade em miniatura. “Cada peça erguida representa os encontros entre pai e filho<br />

diante das memórias revividas pelo filho.” 35<br />

No outro extremo estava O Último Bolero - uma colagem de poemas escritos por<br />

autoras contemporâneas falando sobre o feminino. Numa proposta próxima novamente<br />

a criação coletiva, o espetáculo não utilizava efeitos cênicos e investia na relação com o<br />

ator. Apenas atores e poemas.<br />

34 Caderno de ensaio.<br />

35 ____idem.


O presente dura pouco tempo<br />

Realizado no Porão do Espaço Laura Alvim (RJ), o espaço cênico era composto<br />

de apenas 25 cadeiras dispostas em círculo. Os atores ficavam em volta dos<br />

espectadores. Não houve marcação de cenas, havia apenas um roteiro dos poemas e a<br />

cada dia os atores escolhiam como e de onde falariam os seus textos. O espetáculo era<br />

iluminado pelos próprios atores que com uma lanterna em mãos a iluminavam a `cena´ -<br />

ou o próximo poema.<br />

Este foi o quarto espetáculo de <strong>Márcio</strong> sem iluminação cênica, sendo que dois<br />

eram totalmente no escuro e os outros dois com recursos manipulados pelos atores. O<br />

palco no século XX explorou as mais opostas formulas de iluminação. A iluminação<br />

atmosférica, a iluminação cenográfica com a luz delimitando e animando o espaço, a<br />

iluminação simbólica. <strong>Márcio</strong> em parceria com Paulo César Medeiros (iluminador<br />

principal de sua carreira) sempre explorou a luz simbólica desenhando climas e estados<br />

da cena. Desta vez, o diretor optou pela simplicidade fazendo da iluminação um<br />

instrumento de tornar o espetáculo visível e mostrar ao espectador onde ele está.<br />

Mais uma vez citando Grotowski, Marcio investiu nos dois grandes eixos<br />

teóricos em torno dos quais se estrutura a sua prática: O absoluto predomínio do ator<br />

sobre todos os elementos do espetáculo. E a rejeição de qualquer intervenção mecânica<br />

capaz de escapar do controle do ator.<br />

Paralelamente a essas experiências, e voltando a utilizar intervenções mecânicas,<br />

<strong>Márcio</strong> estreava o seu último espetáculo. O Lado fatal nem chegou a entrar em cartaz no<br />

Rio antes de Marcio falecer, houve apenas uma apresentação para convidados. A curta<br />

temporada em São Paulo foi realizada após a sua morte.<br />

O texto do espetáculo era uma seqüência de poemas do livro homônimo de Lya<br />

Luft onde todos os poemas falam da dor de perder a figura amada.<br />

A encenação não retratava a personagem de uma escritora – como Lya Luft. A<br />

atriz Beatriz Segall vivia uma escultora e durante todo o tempo do monólogo<br />

permanecia em seu ateliê moldando uma figura humana. A imagem de uma mulher<br />

esculpindo o corpo inacabado de um homem enquanto fala da dor da perda representava<br />

uma idéia de construção, segundo <strong>Márcio</strong>, “no momento em que fala da maior perda de<br />

sua vida, a personagem também está criando uma obra, minha preocupação maior era<br />

mostrar que a dor é forte, mas pode ser vencida”.<br />

A figura construída durante a encenação, feita de barro, era a de um homem<br />

sentado em um banco. A personagem se relacionava com esta imagem - conversando,<br />

sentando ao lado, pegando na mão, deitando no colo ou aos seus pés.


O presente dura pouco tempo<br />

Mais uma vez <strong>Márcio</strong> construiu no palco uma imagem forte e simbólica. Já<br />

havia criado um homem desenterrando o seu passado em um tanque de areia, um<br />

menino tentando construir uma cidade miniatura quando se vê diante da perda do pai e<br />

uma artista disposta a construir a imagem de um corpo masculino enquanto vive a morte<br />

do amado. Com a primeira imagem, depoimentos pessoais, afetuosos e intelectuais de<br />

um homem que assassinou a própria mulher num ato inexplicável. Com a segunda,<br />

fragmentos de emoções e sentimentos diante do medo da perda. E com a terceira,<br />

poemas escritos para aliviar a dor da morte.


Ficha técnica,<br />

comentários,<br />

processo de ensaio,<br />

críticas,<br />

O presente dura pouco tempo<br />

e anexos


O presente dura pouco tempo<br />

Exercício n.4: Para Acabar com o Julgamento de Deus


O que é grave é sabermos que atrás da ordem deste mundo existe uma outra<br />

Que outra? Não o sabemos.<br />

O presente dura pouco tempo<br />

O número e a ordem de suposições possíveis neste campo é precisamente o infinito!<br />

E o que é o infinito? Não o sabemos com certeza.<br />

É uma palavra que usamos para designar a abertura da nossa consciência diante da<br />

possibilidade desmedida, inesgotável, desmedida.<br />

E o que é a consciência? É o nada.<br />

Um nada que usamos para designar quando não sabemos alguma coisa<br />

e de que forma não o sabemos e então dizemos consciência,<br />

do lado da consciência quando há cem mil outros lados.<br />

(trecho de Para acabar com o Julgamento de Deus de Antonin Artaud)


Estréia: Teatro Sesc Tijuca (RJ) / 08 de Outubro de 1988<br />

Temporada: outubro/ novembro<br />

Dramaturgia e Direção: <strong>Márcio</strong> <strong>Vianna</strong> e Marcos Velloso<br />

Baseado em textos de Antonin Artaud<br />

Cenário e Figurino: Graziela Peres e José Renato Mia<br />

Iluminação: Fred Pinheiro<br />

Direção Musical: Caíque Botkay<br />

Supervisão: Bia Lessa<br />

O presente dura pouco tempo<br />

Elenco: Álvaro di Marco, Carla Bessa, Carlos Augusto de Lima, Cibele Santa<br />

Cruz, Emmanuel Marinho, Isa <strong>Vianna</strong>, José Mauro Brant, Leonel Brum, Rodrigo<br />

Bruno (Macarrão), Márcia Thompson, Maria Thomas, Mário Rebehy e Thais<br />

Publio.<br />

Esse espetáculo foi fruto de um Exercício de Pesquisa realizado no Projeto Sesc<br />

Ensaios sob a coordenação da diretora Bia Lessa.<br />

<strong>Márcio</strong> <strong>Vianna</strong> fez sua estréia, juntamente com Marco Velloso, na direção de<br />

teatro, ambos já tinham experiência nas áreas de vídeo, fotografia e dramaturgia.<br />

Processo de ensaio<br />

Durante aproximadamente dois meses de ensaio foram trabalhados,<br />

aleatoriamente, fragmentos de textos de Antonin Artaud. A cada ensaio textos diferentes<br />

eram distribuídos separadamente para cada ator, que em cima de improvisos<br />

direcionados por imagens e situações cotidianas levantavam propostas de cenas. A<br />

dramaturgia foi construída durante os ensaios onde o roteiro final era uma colagem das<br />

cenas levantadas durante os ensaios.


Crítica<br />

O presente dura pouco tempo<br />

Jornal Tribuna da Imprensa<br />

17 de novembro de 1988


O presente dura pouco tempo<br />

Marat Marat


O presente dura pouco tempo<br />

“Eu, de menino, conheci esse horror de uma duplicação ou multiplicação<br />

espectral da realidade, mas diante dos grandes espelhos. Seu infalível e continuo<br />

funcionamento, sua perseguição de meus atos, sua pantomima cósmica, eram então<br />

sobrenaturais, assim que anoitecia. Uma de minhas insistentes suplicas à Deus e ao meu<br />

anjo da guarda era não sonhar com espelhos. Sei que os vigiava com inquietação.<br />

Algumas vezes, receei que começassem a divergir da realidade; outras, ver meu rosto<br />

neles desfigurado por adversidades estranhas. Soube que esse temor está, outra vez,<br />

prodigiosamente no mundo. A história é bastante simples, e desagradável”.<br />

(Jorge Luis Borges em Os Espelhos Velados)


Estréia: Teatro da Aliança Francesa (RJ) - 15 de Junho /1989<br />

Temporada: junho / agosto<br />

O presente dura pouco tempo<br />

Temporada: Teatro Sérgio Cardoso (SP) – 18 de Outubro / 29 de outubro /1989<br />

Temporada: Teatro Cacilda Becker (RJ) - 20 de Novembro/ 30 de dezembro /1989<br />

Prêmios: Molière - Melhor Diretor /1989<br />

FUNDACEN – Melhor Direção/ 1989<br />

Mambembe - Melhor Diretor/ 1989<br />

Criação, Direção e Dramaturgia: <strong>Márcio</strong> <strong>Vianna</strong><br />

Baseado em textos de Jorge Luis Borges<br />

Cenário e Figurinos: Doris Rollemberg.<br />

Iluminação: Paulo César Medeiros<br />

Direção Musical: Carlos Sandroni<br />

Preparação Corporal: Marilena Bibas<br />

Pesquisa Histórica: Denise Rollemberg<br />

Cabeças e Adereços: José Maçaira e Luis Amadi<br />

Áudio: Paulinho Brandão<br />

Registro em Artes Plásticas: Nina Leão<br />

Assistente Direção: Johana Albuquerque<br />

Assistente Cenografia: Carlos Alberto Nunes<br />

Participações em off: Marcos Oliveira, <strong>Mônica</strong> <strong>Vianna</strong>, Coral da Universidade<br />

Santa Úrsula, Regente Eduardo Lopes e cantor solista Felipe Abreu.<br />

Elenco: Ana Luiza Magalhães, Leonel Brum, Maja Vargas, Márcia Favilla, Miguel<br />

Lunardi, Rose Ripoli e Viviane Feder.<br />

O espetáculo, a partir dos textos Sobre o herói e traidor e Encontro consigo<br />

mesmo de Jorge Luis Borges, apresenta o revolucionário, Jean Paul Marat, durante a<br />

Revolução Francesa. Marat foi um dos mais radicais lideres revolucionários e morreu<br />

assassinado por uma mulher, Charlotte Corday, na banheira em que diariamente se<br />

tratava de uma doença de pele adquirida enquanto era perseguido nos esgotos de Paris.<br />

Sua vida inspirou o texto Marat/Sade de Peter Weiss. No espetáculo de <strong>Márcio</strong> <strong>Vianna</strong><br />

Marat é um personagem ambíguo, representado por dois Marats – um, o cientista e<br />

outro, o revolucionário –, ambos interpretados por mulheres. Marat encontra-se consigo


O presente dura pouco tempo<br />

mesmo – o outro Marat – para uma reflexão no momento de sua morte sobre quem é o<br />

herói e quem é o traidor.<br />

<strong>Márcio</strong> declarava que não se tratava de um épico sobre o heroísmo dos<br />

revolucionários franceses, mas de uma visão de ambigüidade pós-revolucionária dos<br />

mitos que desencadearam o processo e Marat surge como pretexto para um<br />

questionamento sobre a sociedade contemporânea.<br />

Anotações nos Cadernos de Ensaios: (Extraído do programa da peça)<br />

1. Não há uma Revolução Francesa, mas inúmeras Revoluções, a partir de 1789.<br />

2. A Revolução Francesa inventou o cidadão, mas também inventou o vandalismo. É<br />

impossível uma visão maniqueísta de qualquer fato ou instituição da época. A partir da<br />

Revolução, a modernidade não pode evitar a ambigüidade.<br />

3. Primeiras anotações sobre alguns personagens: Marat 1 é Jean Paul Marat, um<br />

homem de ciências, alguns anos antes de se iniciar a Revolução. Ambicioso e radical.<br />

Marat 2 é Jean Paul Marat, um homem político, líder revolucionário extremamente<br />

temido e adorado, na véspera de sua morte, em julho de 1973. Convencido de que é o<br />

político mais importante da França, com discurso favorável aos pobres. Doente, não<br />

espera viver muito. Passa horas numa banheira, com água morna e tratada, para<br />

amenizar as dores de sua doença de pele. Não hesita em mandar matar quem pode<br />

ameaçar a Revolução (...).<br />

5. Marat era, antes de tudo, propenso ao delírio. Sua melhor tradução não se encontra<br />

em discursos e citações, e sim em visões de delírios que lhe devem ter sido muito<br />

peculiares. Por isso a temática e a poesia de Borges está tão presente no texto deste<br />

trabalho.<br />

Processo de Ensaio<br />

Durante os cinco meses de ensaios os atores, que obrigatoriamente deveriam ter<br />

um caderno de anotações, tiveram aulas sobre a Revolução Francesa e participaram de<br />

duas horas diárias de preparação corporal com Marilena Bibas. O corpo dos atores<br />

passou por uma composição física com movimentos extremamente marcados onde se<br />

construiu uma base corporal - sem psicologização - para cada figura. (Ver desenho a<br />

seguir em caderno de ensaio)


O presente dura pouco tempo<br />

No início dos ensaios <strong>Márcio</strong> já sabia claramente que a peça seria feita<br />

inteiramente com a utilização do off e os atores usariam cabeças artificiais. Foi<br />

entregue, em um dos primeiros dias, um texto de Antonin Artaud em Teatro da<br />

Crueldade como justificativa para a utilização das cabeças:<br />

“(...) a aparição de um ser inventado, feito de madeira e enchimento, impassível<br />

e, todavia, inquietante por natureza, capaz de reintroduzir em cena um pequeno sopro<br />

desse grande medo metafísico que está na origem de todo teatro antigo.”<br />

<strong>Márcio</strong> <strong>Vianna</strong>, no primeiro encontro com os atores, tinha a proposta de criar<br />

uma Cia de Teatro que viria a se chamar Grupo A Contrador. O único ator de Para<br />

Acabar com o Julgamento de Deus que foi convidado a participar desta cia foi Leonel<br />

Brum.<br />

Desenhos do caderno de ensaio do ator Leonel Brum


Críticas<br />

O presente dura pouco tempo<br />

Jornal O Globo<br />

20 de junho de 1989


O presente dura pouco tempo<br />

Jornal O Dia<br />

02 de julho de 1989


O presente dura pouco tempo<br />

Jornal Folha da Tarde / SP<br />

21 de outubro de 1989


O presente dura pouco tempo<br />

Jornal do Brasil<br />

21 de junho de 1989


O presente dura pouco tempo<br />

Jornal Tribuna da Imprensa Revista Visão<br />

10 de julho de 1989 23 de agosto de 1989


O presente dura pouco tempo<br />

Jornal Diário Popular<br />

21 de outubro de 1989


O presente dura pouco tempo<br />

Vincent e Confessional


Vincent<br />

O presente dura pouco tempo<br />

“Talvez seja necessário repensar o teatro repensando o próprio jeito de assisti-lo.“<br />

Estréia: Teatro Cândido Mendes (RJ) – 07 de Outubro / 1990<br />

Temporada: outubro / dezembro<br />

Texto e Direção: <strong>Márcio</strong> <strong>Vianna</strong><br />

Concepção Cenográfica e Figurinos: Daido Takaishi<br />

Iluminação: Paulo César Medeiros<br />

Preparação Corporal: Ana Luiza Magalhães<br />

(Anotações em caderno de ensaio de <strong>Márcio</strong> <strong>Vianna</strong>)<br />

Direção Musical: <strong>Márcio</strong> <strong>Vianna</strong> e Daido Takaishi ( com trabalho sobre sons de<br />

baleias e músicas invertidas de Latvian Women’s Choir, Solo Vocal Ensemble<br />

Niponia, Toots Thielmans, Monika Rath, Tracy Chapman, Piazzola, Maria Calas<br />

em ária de Ponchielli e Gianni Poggi em ária de Verdi.<br />

Assistência de Direção e Produção: André Luis Câmara.<br />

Elenco: Ana Elisa Pôppe, Ana Luiza Magalhães, Alexandre Carrazzoni, Cláudia<br />

Mele, Eduardo Laus, Evandro Melo, Maja Vargas, Marluce, Mário Janini e Nora<br />

Benayon.


Confessional<br />

Estréia: Teatro Aliança Francesa (RJ) – 07 de outubro /1990<br />

Texto e Direção: <strong>Márcio</strong> <strong>Vianna</strong>.<br />

Concepção Cenográfica: Daido Takaiashi<br />

Coordenação Cenotécnica: José Maçaira e Luis Amadi<br />

Figurinos: Daido Takaishi e elenco<br />

Iluminação: Paulo César Medeiros<br />

Direção Musical: <strong>Márcio</strong> <strong>Vianna</strong> e Daido Takaishi<br />

Preparação Corporal: Claudia Mele<br />

O presente dura pouco tempo<br />

Elenco: Ana Elise Pôppe, Ana Luiza Magalhães, Alexandre Carrazzoni, Claudia<br />

Mele, Evandro Melo, Eduardo Laus, Lalo Gama, Maja Vargas, Mário Janini,<br />

Marluce, Nora Benayon, Rakel Libório e Stela Guz.


O presente dura pouco tempo<br />

Vincent e Confessional foram montados simultaneamente. Os dois espetáculos<br />

tratavam da vida de Van Gogh, inspirados nas 821 cartas que ele escreveu para o irmão.<br />

<strong>Márcio</strong> escolheu a vida do pintor, pois lhe sugeria uma reflexão sobre o fracasso.<br />

“A gente percebe que as biografias sobre Van Gogh são sempre muito<br />

romanceadas. Mas quando se vai ao único fato concreto - as cartas trocadas com o<br />

irmão Theo - vemos que é uma historia sem glamour nenhum, muito dolorosa. Na peça<br />

não é exaltada a genialidade do artista e sim o descompasso de uma vida solitária e<br />

obscura.” (Jornal O Globo, entrevista. 01/10/1990)<br />

Confessional realizado para 13 pessoas sentadas em confessionários e Vincent<br />

em palco italiano com uma platéia de 130 lugares. Os atores saiam do Confessional e<br />

iam de ônibus para Vincent com um intervalo de apenas 1 hora. <strong>Márcio</strong> recomendava<br />

que os espectadores vissem os dois espetáculos no mesmo dia.<br />

Processo de ensaio<br />

Antes de iniciar os ensaios <strong>Márcio</strong> realizou uma oficina de três meses de duração<br />

com duplo objetivo: fazer uma primeira seleção de elenco e saber se sua proposta de<br />

trabalhar com a estrutura de um confessionário realmente poderia funcionar.<br />

Muitas imagens foram levadas para servir como inspiração aos personagens.<br />

<strong>Márcio</strong> trazia fotos com posturas idealizadas para a composição das figuras, e o trabalho<br />

corporal era desenvolvido em cima das imagens. A preparação corporal foi dirigida por<br />

duas atrizes do elenco – Claudia Mele trabalhou no Confessional e Ana Luiza no<br />

Vincent. Mais uma vez na trajetória de <strong>Márcio</strong> um personagem masculino foi vivido por<br />

uma mulher, porém desta vez houve uma explicação: “Van Gogh é vivido por uma atriz,<br />

pois a mulher compreende melhor o universo do personagem.” (Caderno de ensaio)


Segue anotações de <strong>Márcio</strong> sobre os espetáculos<br />

O presente dura pouco tempo


O presente dura pouco tempo


Segue carta aos atores<br />

O presente dura pouco tempo


O presente dura pouco tempo


O presente dura pouco tempo


Críticas<br />

O presente dura pouco tempo<br />

Jornal do Brasil<br />

09 de outubro de 1990


O presente dura pouco tempo<br />

Jornal O Globo<br />

09 de outubro de 1990


O presente dura pouco tempo<br />

Jornal Tribuna da Imprensa<br />

15 de outubro de 1990


O presente dura pouco tempo<br />

Farra dos Atores


O presente dura pouco tempo<br />

Quando escreverem minha história, dirão que pouco antes de morrer me vi<br />

diante de Deus e disse: Eu, que tantos homens fui em vão, quero ser um e eu. E a voz de<br />

Deus responderá: Shakespeare, eu tampouco sou. Sonhei o mundo como tu sonhaste tua<br />

obra teatral. E entre as formas de meu sonho estás tu, que como eu és muitos e não és<br />

ninguém.<br />

(Fragmento de texto da farra, adaptação de Jorge Luis Borges)


Audiência de Instrução e Julgamento do Ator Brasileiro<br />

Casa França-Brasil (RJ) – 12 de Janeiro/1991<br />

Direção: <strong>Márcio</strong> <strong>Vianna</strong><br />

Cenários e Ambientação: Luis Pizarro<br />

O presente dura pouco tempo<br />

Elenco: Grupo A Contrador, Oficina de Teatro do MAM-RJ e Grupo Coral<br />

Aequale.<br />

A proposta de se montar Audiência de Instrução e Julgamento do Ator<br />

Brasileiro nasceu na oficina “O Desejo do ator” promovida no Galpão das artes do<br />

MAM. No release vinha escrito: “Uma instalação cênica aberta ao público com a<br />

participação de 25 atores, do coral Aequale e do artista plástico Pizarro.”<br />

Esta Farra contou com uma colagem de trechos de Borges, peças de<br />

Shakespeare, entrevistas com atores e até transcrições da sentença do caso Bateau<br />

Mouche. Cada ator entrevistou dois atores brasileiros (alguns residentes no Retiro dos<br />

artistas e outros ainda exercendo a profissão) com apenas duas perguntas – “qual era o<br />

desejo e o erro principal de cada um” - e escolheu um personagem da dramaturgia<br />

mundial para vivenciar durante as 6 horas de duração da apresentação.


O Teatro do Fim do Mundo<br />

CCBB-RJ – 23 de Fevereiro /1991<br />

O presente dura pouco tempo<br />

Elenco: Grupo A Contrador, Oficina de Teatro do MAM-RJ e Grupo Coral<br />

Aequale<br />

Nesta segunda versão foram cinco horas seguidas de Farra. O trajeto foi entre a<br />

Candelária e a Rua Primeiro de Março, no Rio de Janeiro. Das 15h às 17h o elenco<br />

começou a se aquecer numa sala fechada do CCBB, para já exausto entrar em cena com<br />

O Teatro do Fim do Mundo - uma remontagem de Audiência de Instrução e Julgamento<br />

do Ator Brasileiro.


Belém/Brasília/Bucareste<br />

Casa França Brasil (RJ) - 06 de Abril /1991<br />

O presente dura pouco tempo<br />

Elenco: Grupo A Contrador, Oficina de Teatro do MAM-RJ e Grupo Coral<br />

Aequale<br />

Esta Farra, com 10 horas de duração, seguiu os mesmos moldes das duas<br />

anteriores. “A eterna procura do ser humano por algo ou alguém sem ao menos saber o<br />

porque e para que. A corrida diária dos perdidos que não sabem nem de onde vêm e<br />

nem para onde vão.” (Release do espetáculo)<br />

Farra dos Atores<br />

Teatro João Caetano (RJ) – 29 de maio /1993<br />

Direção Geral: <strong>Márcio</strong> <strong>Vianna</strong><br />

Iluminação: Paulo César Medeiros<br />

Elenco: Antonio Abujamra, Carla Marins, Claudia Mele, atores do Céu – Centro<br />

de Utopias e da Oficina do João Caetano.<br />

Cantores: Grupo Vozes Contemporânea e Coral Aequale<br />

Regência do maestro André Protásio<br />

Com o nome oficial de Farra dos Atores, esta foi a quarta Farra e aconteceu<br />

dois anos depois da primeira, como comemoração dos 180 anos do Teatro João<br />

Caetano. Com 40 atores e 26 cantores, esta maratona cênica teve seis horas de duração e<br />

21 cenas. “Nesta Farra a maioria dos textos foi extraída de entrevistas feitas com mais<br />

de 60 atores brasileiros consagrados e experientes que responderam a pergunta - O que<br />

você gostaria de estar fazendo no último dia da temporada teatral de 1999? O resultado<br />

dessas perguntas é um painel da desesperança e das utopias do ator brasileiro.”<br />

(Release de <strong>Márcio</strong> <strong>Vianna</strong>)


Farra dos Atores<br />

O presente dura pouco tempo<br />

1º Porto Alegre em Cena: Oficina do Gasômetro - 24 de setembro de 1994<br />

2º Porto Alegre em Cena: Oficina do Gasômetro - 18 de setembro de 1995<br />

As Farras realizadas no Festival de Teatro de Porto Alegre foram a partir de<br />

uma oficina de cinco dias oferecida por <strong>Márcio</strong> e atores do Rio para os atores locais<br />

tiveram quatro horas de duração.


Segue roteiro da Farra<br />

O presente dura pouco tempo


Ambulâncias na Contramão<br />

Estréia: Espaço do Museu da República (RJ) – 20 de Junho /1995<br />

Temporada: junho / agosto<br />

O presente dura pouco tempo<br />

Trechos de poetisas nacionais contemporâneas como Cecília Meireles, Elisa<br />

Lucinda, Adélia Prado, Ana Cristina César, entre outras.<br />

Elenco: Grupo Muito de Prazer<br />

Cinco anos depois da primeira apresentação, em outro momento da carreira e<br />

com a Cia de Teatro Muito Prazer, <strong>Márcio</strong> criou uma Farra compacta (com duas horas)<br />

de nome Ambulâncias na Contramão e ficou em cartaz durante dois meses.


O presente dura pouco tempo<br />

O Caso dos Irmãos Feininger


O presente dura pouco tempo<br />

“O olhar pode ser visto como o ato físico de se ver, como o objeto que é visto,<br />

ou como o sujeito que olha. O olhar de um incêndio não é o mesmo do ponto de vista de<br />

uma testemunha e o do incendiário. Ou o de um parente de quem morreu queimado. E<br />

não há hierarquia entre esses pontos de vista.”<br />

(Trecho do diário de viagem de <strong>Márcio</strong> <strong>Vianna</strong> – 1996)<br />

Estréia: Centro Cultural Banco do Brasil (RJ) - 02 de Abril /1991<br />

Temporada: abril / maio<br />

Direção: <strong>Márcio</strong> <strong>Vianna</strong><br />

Criação coletiva: Grupo A Contrador<br />

Elenco: Claudia Mele, Giselda Mauler, Eduardo Laus, Eduardo Rieche, Nora<br />

Benayon, Evandro Melo e Marluce Fabíola.<br />

Uma peça com sete atores e um violinista para seis espectadores.<br />

Baseado numa situação fictícia de tribunal, o fato acontecido e julgado era a<br />

respeito de uma suspeita relação incestuosa entre dois irmãos - filhos de Feininger, um<br />

filosofo já falecido. A argumentação foi construída em cima do conflito ético entre a<br />

obrigação da imprensa de informar fatos relevantes sobre uma personalidade pública e o<br />

direito à privacidade dos respectivos familiares. Os personagens envolvidos eram o<br />

casal de irmãos, a mãe, a jornalista interessada em publicar o caso, o editor do jornal, o<br />

melhor amigo e a ex-mulher do irmão.<br />

Processo de ensaio<br />

<strong>Márcio</strong> apresentou o esqueleto da argumentação e o texto foi construído pelos<br />

atores em improvisos. As questões trabalhadas constantemente durante os ensaios eram,<br />

desta vez, apoiadas no discurso da palavra: Como estimular a discussão? E como<br />

colocar voz no espectador estimulando uma atitude ativa?


Críticas<br />

O presente dura pouco tempo<br />

Jornal O Globo<br />

08/04/1991


O presente dura pouco tempo<br />

Jornal do brasil<br />

10 de abril de 1991


O presente dura pouco tempo<br />

Coleção de Bonecas


O presente dura pouco tempo<br />

“Sei que a obsessão pela experiência faz com que minha carreira seja feita de um<br />

acúmulo de incoerências, mas estou disposto a correr riscos, sem eles não há teatro.”<br />

(Jornal O Globo, entrevista. 05/02/1995)


Estréia: Teatro da Aliança Francesa Botafogo (RJ) – 06 de Junho /1991<br />

Temporada: junho / julho<br />

Texto e Direção: <strong>Márcio</strong> <strong>Vianna</strong><br />

Dramaturgia baseada em versão livre de “As Mil e Uma Noites”<br />

Cenários e Figurinos: Doris Rollemberg<br />

Iluminação: Paulo César Medeiros<br />

Preparação Vocal: Ana Horta<br />

Consultoria Musical: Ivan Werneck<br />

Assistente de Direção: Paula Horta<br />

Programação Visual: Doriana Mendes e Eduardo Rieche.<br />

Arte: Miguel Mendes Reis.<br />

Máscaras: José Maçaira.<br />

Pintura Artística: Rui e Carla Braga.<br />

Cabeças do Figurino: Carlos Alberto Nunes<br />

Fotos: <strong>Márcio</strong> <strong>Vianna</strong>.<br />

O presente dura pouco tempo<br />

Elenco: Ana Zibecchi, Cláudia Mele, Doriana Mendes, Eduardo Rieche, Evandro<br />

Melo, Leonel Brum, e Márcia Veiga.<br />

A clássica aventura de Sherazade serviu de ponto de partida para esta montagem.<br />

Na história original um rei desconfiado casa-se com uma mulher por dia e, na manhã<br />

após a noite de núpcias, decapita a noiva para não ser traído. Sherazade casa-se com o<br />

rei e, para não perder a cabeça, conta histórias maravilhosas que sempre continuam no<br />

dia seguinte. Depois de mil e uma noites ouvindo histórias como as de Simbad, o<br />

Marujo e, Aladim e a Lâmpada Mágica, o rei, já com três filhos de sua mais sábia<br />

esposa decide ficar com Sherazade inteira e feliz para sempre.<br />

“Não pegamos um texto, mas um pretexto. Estudamos as Mil e Uma Noites, nos<br />

concentrando na história básica de Sherazade, tiramos alguns personagens e criamos<br />

outros novos” Os contos criados se inspiraram também nos escritos do filósofo Cioran,<br />

uma constante referência nos ensaios de <strong>Márcio</strong>.<br />

“As Mil e Uma Noites trata de temas básicos da humanidade, como amor,<br />

traição, êxito material e espiritual. No texto, além do que lemos, também colocamos<br />

histórias nossas, as paixões e traições de cada um de nós.” (Jornal do Brasil Caderno B,<br />

06 /06/1991)


Processo de ensaio<br />

O presente dura pouco tempo<br />

Os ensaios começaram apenas com o monólogo final da peça. Duas perguntas<br />

eram recorrentes durante o processo: “O que você diz para uma pessoa que acabou de<br />

trair?” e “O que é orgia?” <strong>Márcio</strong> propunha uma exploração da personalidade e<br />

fusionava os personagens com os atores na construção do texto.<br />

Nas primeiras semanas, todos os dias, os atores eram obrigados a escrever<br />

poesias e ler em voz alta. Também levavam imagens e objetos pessoais que estavam<br />

presentes na vida deles neste momento. No segundo mês de ensaio os atores tinham que<br />

compor uma música, fazer desenhos a partir de algo que despertava saudades, trazer<br />

retratos de imagens que emocionavam, objetos que despertavam maus sentimentos,<br />

entre outros estímulos emocionais. Ao longo do processo cada ator ganhava os seus<br />

textos separadamente. A narrativa do espetáculo foi dividida em dois blocos: oriental e<br />

ocidental. No oriental entravam os personagens e no ocidental entravam os atores com<br />

seus depoimentos desenvolvidos em cima das seguintes situações:<br />

1) Descreva 5 punições para uma traição.<br />

2) Narre momentos de paixão.<br />

3) “Ele(a) vem vindo para dizer que te traiu”<br />

4) “Ele(a) vem vindo para te dizer adeus”<br />

5) Desencontro<br />

6) Reencontro<br />

7) Porque eu te traí.<br />

O texto final era composto por pequenos monólogos.


Críticas<br />

O presente dura pouco tempo<br />

Jornal O Globo<br />

22/06/1991


O presente dura pouco tempo<br />

Jornal O Dia<br />

22/06/1991


O presente dura pouco tempo<br />

Jornal do Brasil<br />

25/06/1991


O presente dura pouco tempo<br />

Circo da Solidão


O presente dura pouco tempo<br />

Conheci Werther no dia 27 de outubro, há seis anos atrás, por volta das dez da<br />

noite, quando ele veio sentar-se à nossa mesa de bar. Sua paixão pelo teatro o levava a<br />

idéias e emoções crescentemente absurdas. Naquela noite ele afirmou: “Aqui entre nós,<br />

há, na Alemanha, muitos atores e diretores que torturam o cérebro para transformar o<br />

teatro. São uns tolos, porque nunca chegaram à loucura lógica da reforma essencial. O<br />

teatro deve-se, antes de tudo, desprezar, imediatamente, e até o último, todos os atores<br />

profissionais. O realismo radical não pode tolerar ficções imorais.”<br />

(Trecho da peça)


Estréia: Centro Cultural Banco do Brasil (RJ) - 10 de Janeiro /1992<br />

Temporada: janeiro / fevereiro<br />

Dramaturgia e Direção: <strong>Márcio</strong> <strong>Vianna</strong><br />

O presente dura pouco tempo<br />

Baseado em Werther de Goethe, com citações a Brecht, Rilke, Roland Barthes e<br />

Shakespeare.<br />

Ambientação: Tadeu Burgos<br />

Iluminação: <strong>Márcio</strong> <strong>Vianna</strong><br />

Figurino: Ricardo Venâncio<br />

Preparação corporal: Rossela Terranova<br />

Produção executiva: Paula Horta<br />

Direção do Coro: André Protássio<br />

Consultoria para trabalho com barro: Celeida Tostes<br />

Assistência de direção: Márcia Veiga<br />

Elenco: Pedro Paulo Rangel, Ana Zibecchi, Claudia Mele, Paula Horta, Raquel<br />

Libório, Ricardo Venâncio, Frederico Paredes<br />

Cantores: Deco Fiori, Eduardo Feijó, Éster Benatti, Raquel Benatti, Guilherme<br />

Frederico, Malu Cooper, Malu Prates.<br />

De acordo com o release da peça – “Circo da Solidão é um espetáculo sobre<br />

Werther e outros que matam por paixão a partir de textos de Goethe, Barthes, Borges,<br />

Papini, Brecht, Sheakspeare e Rilke.”<br />

A peça propunha retratar imagens do amor destrutivo e atormentado tendo como<br />

base o personagem Werther de Goethe em seus três minutos antes do suicídio, motivado<br />

pela paixão não correspondida por Charlotte. Eram três Werther, sendo que dois vividos<br />

por atrizes. Todo o espetáculo era centrado no encontro do personagem consigo mesmo<br />

- precisamente nos três minutos antes da escolha entre viver ou morrer. Em cena o duelo<br />

feminino entre um Werther ator e um Werther escultor – entre o jovem e o que está<br />

próximo de se matar. O Werther masculino, interpretado por Pedro Paulo Rangel,<br />

conduzia o processo acusatório encarregado de culpar Werther pelos seus passos. “Eu<br />

quero mostrar as imagens que passaram pela cabeça e pelo coração do personagem nos<br />

três minutos anteriores à sua morte” dizia <strong>Márcio</strong>. (Jornal do Brasil, entrevista.<br />

10/01/1992 )


Processo de ensaio<br />

O presente dura pouco tempo<br />

Os ensaios começaram com a distribuição de fragmentos de textos sobre a<br />

paixão. Cada dia era entregue textos diferentes para serem lidos, além de depoimentos<br />

pessoais sobre a paixão. Foram feitos intensos trabalhos com barro e o processo foi<br />

considerado extremamente visceral para os atores. Pedro Paulo Rangel foi ator<br />

convidado para a montagem e como trabalhava pela primeira vez com o diretor, tinha<br />

momentos de pânico diante da capacidade de <strong>Márcio</strong> para o improviso e para mudanças<br />

repentinas no espetáculo como um todo.


Críticas<br />

O presente dura pouco tempo<br />

Jornal O Globo<br />

16/01/1992


O presente dura pouco tempo<br />

Jornal da Tribuna<br />

15/01/1992


O presente dura pouco tempo<br />

Jornal O Dia<br />

31/01/1992


O presente dura pouco tempo<br />

Jornal do Brasil<br />

14/01/1992


O presente dura pouco tempo<br />

Imaginária


“A coisa mais medíocre do mundo é a modalidade inelutável do visível”<br />

O presente dura pouco tempo<br />

(trecho do programa escrito por Geraldo Carneiro)


Estréia: Espaço Cultural Sergio Porto (RJ) - 06 de Agosto /1992<br />

Temporada: 06 a 30 de agosto<br />

Texto: Geraldo Carneiro<br />

Direção Geral: <strong>Márcio</strong> <strong>Vianna</strong><br />

Concepção Cênica: <strong>Márcio</strong> <strong>Vianna</strong> e Márcia Veiga<br />

Iluminação: <strong>Márcio</strong> <strong>Vianna</strong><br />

Música Original: Wagner Tiso<br />

Produção Sonora: Paulo Henrique Cardoso e Betinho<br />

Participação especial em áudio: Vera Holtz e Antonio Abujamra<br />

Duo de Sopranos: Malu Cooper e Malu Prestes<br />

Direção do Duo: André Protássio<br />

O presente dura pouco tempo<br />

Quarteto Vocal: Ana Calvente (soprano), Luis Cláudio Spielmann (baixo), Marco<br />

D`Antonio (tenor) e Sônia Vieira (contralto)<br />

Direção do Quarteto: Marco Dàntonio<br />

Assistente de Direção: Márcia Veiga<br />

Elenco: Bel Kutner, Guilherme Leme, Alexandre de Moraes, Ângela Machado,<br />

Arthur Araújo, Camila Mota, Fábio Libório, Isley Clare, Joana Levi, Marcílio<br />

Nogueira, Márcia Bittencourt, <strong>Márcio</strong> Sued, Marco Santos, Maria Paula, Synval<br />

Guimarães, Tatiana Vereza.<br />

Imaginária, escrita por Geraldo Carneiro e dirigida por <strong>Márcio</strong> <strong>Vianna</strong>, foi a<br />

primeira peça encenada completamente no escuro em palcos brasileiros.<br />

A peça, com pequenas histórias costuradas, narrava o encontro de um cego com<br />

sua amante de olhos perfeitos. O encontro é num quarto de motel onde o personagem<br />

principal vive seus delírios e narra cinco histórias com citações diversas como a lenda<br />

da Rainha de Sabá e O Apocalipse.<br />

Processo de ensaio<br />

Os ensaios começaram já com o texto escrito por Geraldo Carneiro. Somente os<br />

atores principais – Bel Kutner e Guilherme Leme possuíam texto. O processo, com o<br />

grupo de atores, foi todo realizado através de exercícios com os olhos vendados<br />

supervisionados por Rossela Terranova.


Críticas<br />

O presente dura pouco tempo<br />

Revista Time<br />

31/08/1992


O presente dura pouco tempo<br />

Jornal do Brasil<br />

15/08/1992


O presente dura pouco tempo<br />

Jornal O Globo<br />

26/08/1992<br />

Jornal O Dia<br />

07/08/1992


O presente dura pouco tempo<br />

O Livro dos Cegos


A cor da pele muda<br />

quando se sente<br />

vergonha?<br />

Sim, fica um pouco<br />

vermelha.<br />

E quando se está<br />

apaixonado?<br />

Não.<br />

E quando se chora muito?<br />

Também não.<br />

E quando se morre?<br />

Aí o corpo fica pálido.<br />

O que é pálido?<br />

É como se o corpo<br />

perdesse um pouco a cor.<br />

É verdade que os lábios<br />

ficam pretos?<br />

É... azul escuro.<br />

Da cor do céu quando<br />

entardece?<br />

E o que é o céu?<br />

O presente dura pouco tempo<br />

Coloque a mão no chão. Agora levante o braço...mais alto...o mais alto que puder...isso<br />

é o céu.<br />

(Texto da peça)


Estréia: Espaço Cultural Sérgio Porto (RJ) – 18 de Dezembro/1992<br />

Temporada: 18 a 30 de dezembro<br />

Direção e Dramaturgia: <strong>Márcio</strong> <strong>Vianna</strong>.<br />

Cenário e Figurinos: Ricardo Venâncio<br />

Música e Direção Musical: Tim Rescala<br />

Direção do Coro: André Protássio.<br />

Soprano: Malu Prates.<br />

Assistência de Direção e Vídeo: Alexandre Garcia.<br />

O presente dura pouco tempo<br />

Elenco: Ana Elisa Paz, Alexandre de Moraes, Ângela Machado, Arthur Araújo,<br />

Carla Marins, Claudia Mele, Camila Mota, Eliane Abreu, Fábio Libório, Flávia<br />

Vitralli, Gabriela Azevedo, Isley Clare, Jaqueline Revoredo, Joana Levi, Luciana<br />

Martins, <strong>Márcio</strong> Sued, Marcos Santos, Maria Paula, Murilo Elbas, Ramon<br />

Mendonça, Rachel Pando, Sabina Aguiar, Sylvia Pallma, Synval Guimarães,<br />

Tataina Vereza, Uramar Farias, Vanessa Bond, Vilma Fróes e Yara Victória.<br />

Para montar O Livro dos Cegos <strong>Márcio</strong> e os atores mergulharam em<br />

depoimentos de deficientes visuais, médicos e diretores de teatro. O espetáculo, assim<br />

como Imaginária, também se passava todo no escuro.<br />

A história construída era a respeito de uma cega de nascença que tinha duas<br />

obsessões: fazer teatro e enxergar. Ela, que se identifica com a visão de mundo de<br />

Vincent Van Gogh, deseja interpretar o pintor numa montagem do próprio <strong>Márcio</strong><br />

<strong>Vianna</strong>. Eis que de repente ela está numa mesa cirúrgica e delírios são vividos durante a<br />

operação. <strong>Márcio</strong> dizia querer desnundar a imaginação e a ansiedade dessa jovem.<br />

“Uma homenagem a todos os atores que não têm medo do escuro e aos<br />

espectadores disponíveis à aventura teatral.” (Jornal do Brasil, entrevista. 18/12/1992)<br />

Foram inseridos no texto cartas de Van Gogh, textos de Cioram e Jorge Luis<br />

Borges. “A busca do cego é igual a da maioria dos atores jovens: a busca de ser capaz. É<br />

ai que há o encontro com Van Gogh - na sua luta para não ser um fracassado. Me seduz<br />

discutir se teatro é só para pessoas ditas normais ou para qualquer tipo de pessoa.”<br />

(Jornal O Globo, entrevista. 29/10/1992)


Processo de ensaio<br />

O presente dura pouco tempo<br />

Foram quatro meses de ensaio onde os atores com olhos vendados realizaram<br />

passeios literalmente “às cegas” pelas ruas da cidade do Rio de Janeiro. O objetivo era<br />

desvendar o universo e as sensações dos deficientes visuais. O processo de trabalho, de<br />

uma forma indireta, pretendia apreender o período de adaptação à cegueira que passam<br />

os que ficaram cegos depois de terem enxergado um dia. “Com o cego de nascença seria<br />

diferente, pois ele não tem referencia, então não tem a perda” explicava <strong>Márcio</strong>.


Críticas<br />

O presente dura pouco tempo<br />

Jornal do Brasil<br />

30/12/1992


O presente dura pouco tempo<br />

Jornal do Brasil<br />

20/12/1992


O presente dura pouco tempo<br />

Jornal O Globo<br />

21/12/1992


O presente dura pouco tempo<br />

1999


Quando você corre na frente de várias pessoas, você é o guia ou o fugitivo?<br />

O presente dura pouco tempo<br />

Se alguém estende a mão, você é o que olha, o que desvia o olhar ou o que estende a<br />

mão?<br />

Quando você trai alguém, você representa o papel do sincero, do comediante ou da<br />

vítima?<br />

Você prefere ir junto com os outros ou ir mais adiante? Ou caminhar só?<br />

(texto da peça)


Estréia: Teatro Gláucio Gil (RJ) – 01 de Outubro /1993<br />

Temporada: outubro / dezembro<br />

Direção: <strong>Márcio</strong> <strong>Vianna</strong><br />

Cenário e Figurino: Teca Fichinski<br />

Iluminação: Paulo César Medeiros<br />

Trilha sonora: <strong>Márcio</strong> <strong>Vianna</strong><br />

Preparação corporal: Duda Maia<br />

Produção executiva: Filomena Mancuzo<br />

O presente dura pouco tempo<br />

Elenco: Carla Marins, Ana Elisa Paz, Claudia Mele, Synval Guimarães, Artur<br />

Ribeiro, Isley Claire, Camila Motta, Paulo Leonel, Ana Paula Jones, Murilo Elbas,<br />

Tatiana Vereza, Joana Levi.<br />

1999 foi o segundo espetáculo do projeto de ocupação do Teatro Gláucio Gil<br />

pelo Grupo A Contrador, dirigido por <strong>Márcio</strong> <strong>Vianna</strong>, e era apresentado após as sessões<br />

da peça O Futuro dura muito Tempo, paralelamente em cartaz.<br />

<strong>Márcio</strong> definia o espetáculo como a trajetória de um grupo de pessoas que<br />

tentam falar do nosso tempo, levantando questões acerca do que seja o homem de hoje.<br />

“Acredito que já estamos em 1999 - a falta de crença, a solidão e a violência.<br />

Nunca o homem acreditou tão pouco na possibilidade de melhorar o mundo e isso<br />

certamente está determinando sua identidade. Ao mesmo tempo, o mundo nunca mudou<br />

tanto.” (Jornal da Tribuna, entrevista. 01/10/1993)


Processo de ensaio<br />

O presente dura pouco tempo<br />

No primeiro dia de ensaio <strong>Márcio</strong> sabia apenas que queria falar, com um olhar<br />

violento, sobre o fim do século. E propôs a simulação de uma partida de futebol<br />

americano onde os atores corriam e se jogavam com violência no colo um dos outros.<br />

Muitos exercícios baseados nas Farras de Atores foram realizados durante os oito<br />

meses de ensaio. <strong>Márcio</strong> selecionava fotos publicadas em jornais e revistas e trabalhava<br />

em cima delas com os atores. “São fotos que refletem o homem desse tempo. A partir<br />

delas, as cenas foram construídas.” (Caderno de ensaio)<br />

O elenco foi a uma exposição sobre o holocausto no Museu de Belas Artes – Um<br />

dia no gueto de Varsóvia. Cada ator ficou responsável por criar um exercício inspirado<br />

em uma imagem da exposição.<br />

Outras imagens de massacres foram trabalhadas, além de entrevistas com<br />

pessoas torturadas durante a ditadura de 64. O objetivo de <strong>Márcio</strong> era dar pessoalidade a<br />

essas imagens. “O olhar contemporâneo não se comove mais”, desabafava nos ensaios.<br />

Durante os primeiros meses trabalhou-se em cima dessas imagens e fragmentos<br />

de textos baseados em obras de Nietzsche e Focault.<br />

Foram realizados desenhos de cenas e reflexões sobre os textos estudados. “Os<br />

textos definitivos só entraram depois do quarto mês em forma de `Propostas´ e eram<br />

totalmente filosóficos, não colavam com as cenas viscerais e caóticas” definia Claudia<br />

Mele, atriz da peça. <strong>Márcio</strong>, no dia da estréia, insatisfeito com o resultado, cortou todos<br />

os textos da peça, mantendo apenas um texto ensaiado. Os atores ficaram indignados<br />

com a decisão.


Críticas<br />

O presente dura pouco tempo<br />

Jornal O Globo<br />

15/10/1993


O presente dura pouco tempo<br />

Jornal do Brasil<br />

17/09/1993


O presente dura pouco tempo<br />

O Futuro Dura Muito Tempo


A vida ainda pode apesar de seus dramas, ser<br />

bela. Tenho 67 anos. Eu que na juventude não<br />

fui amado por mim mesmo sinto-me jovem<br />

como nunca, ainda que a história deva acabar<br />

brevemente. Sim, Hélène, não quero falar do<br />

passado, não sei o que é esse tempo havido e<br />

vencido, eu estou falando do futuro, e o futuro<br />

querida, o futuro ainda dura muito tempo.<br />

(trecho da peça)<br />

O presente dura pouco tempo


Estréias: Teatro Gláucio Gil (RJ) – 03 de Setembro / dezembro /1993<br />

Teatro Ruth Escobar (SP) – 15 de janeiro / 13 de fevereiro /1994<br />

Teatro Dulcina (DF) – 06 de outubro / 09 de Outubro /1994<br />

III Festival de Curitiba (PR) - Março-1994<br />

1° Porto Alegre em Cena (RS) - Setembro/1994<br />

Prêmios:<br />

Mambembe Rio - Ator: Rubens Corrêa<br />

Mambembe São Paulo – Ator: Rubens Corrêa<br />

Shell – Ator: Rubens Corrêa<br />

Diretor: <strong>Márcio</strong> <strong>Vianna</strong><br />

Cenário: Teca Fichinski<br />

Cenário: Teca Fichinski<br />

Iluminação: Paulo César Medeiros.<br />

Direção Geral: <strong>Márcio</strong> <strong>Vianna</strong><br />

Cenário e figurino: Teca Fichinski<br />

Iluminação: Paulo César Medeiros.<br />

Direção Musical: Marcito <strong>Vianna</strong> e <strong>Márcio</strong> <strong>Vianna</strong><br />

Preparação Corporal: Rosella Terranova<br />

Assistente de Figurino, Cenário e Produção: Vânia Sálvia<br />

Esculturas: Firmo dos Santos<br />

Assistente de Direção: Thais Publio<br />

Elenco: Vanda Lacerda e Rubens Corrêa.<br />

O presente dura pouco tempo<br />

O espetáculo O Futuro dura muito tempo foi livremente criado a partir do livro<br />

homônimo de Louis Althusser. O livro é uma reflexão do filósofo sobre sua vida, seu<br />

amor por Hélène, sua obra e seu ato:<br />

As oito da manhã de 16 novembro de 1980, um assassinato abalou os meios<br />

universitários parisienses. Na Escola Normal Superior, onde lecionaram, entre outros,<br />

Henri Bérgson e Jean-Paul Sartre, o filósofo e professor Louis Althusser, um dos nomes<br />

mais famosos da instituição nos anos 60 e 70, saiu correndo aos berros de seu<br />

apartamento, parou na porta da universidade e gritou aos professores e alunos que


O presente dura pouco tempo<br />

chegavam para as aulas: “Estrangulei Hélène. Matei minha mulher”. Embora tenha sido<br />

considerado juridicamente não responsável no momento do crime (teria sido vítima de<br />

um acesso temporário de demência), a brilhante vida acadêmica do professor foi<br />

interrompida. Ninguém sabe ao certo porque o filosofo matou sua mulher. A sociedade<br />

francesa preferiu aceitar a loucura de um de seus mais lúcidos intelectuais, deixando-o<br />

recluso até morrer, em 1990, aos 72 anos.<br />

Antes de morrer, num asilo na periferia de Paris, Louis Althusser entregou a uma<br />

amiga um manuscrito de 323 laudas. O texto, cujo título é uma frase do general e<br />

estadista francês Charles de Gaulle - O Futuro dura muito tempo - começa dizendo: “é<br />

provável que se julgue chocante eu não me resignar ao silêncio depois do ato que<br />

cometi (...)”<br />

Processo de ensaio<br />

No primeiro encontro com <strong>Márcio</strong>, Rubens fez um pedido imprescindível:<br />

convidar a atriz Vanda Lacerda para viver Hélène. <strong>Márcio</strong> idealizava convidar uma atriz<br />

jovem para o personagem, mas Rubens argumentou que precisava de uma atriz com<br />

idade real em cena.<br />

Os ensaios começaram com textos soltos inspirados no livro. Os atores criavam<br />

cenas em cima desses textos. O processo todo durou três meses, alguns ensaios eram<br />

realizados somente com Rubens Correa. As cenas foram organizadas em forma de texto<br />

com dois meses de ensaio. <strong>Márcio</strong> mudou a ordem do espetáculo até a semana final.<br />

Rubens e Vanda trabalharam com Rossela Terranova a idéia de um corpo em escavação<br />

para dentro de si mesmo.


Críticas<br />

O presente dura pouco tempo<br />

Jornal do Brasil<br />

19/09/1993


O presente dura pouco tempo<br />

Jornal O Globo<br />

12/09/1993


O presente dura pouco tempo<br />

Jornal da Tribuna<br />

03/09/1993


O presente dura pouco tempo<br />

Jornal O Dia<br />

30/09/1993


O presente dura pouco tempo<br />

Jornal da Tarde (SP)<br />

19/01/1994


O presente dura pouco tempo<br />

Jornal Estado de São Paulo<br />

21/01/1994


O presente dura pouco tempo<br />

A Alma quando sonha é teatro


A alma quando amadurece é história.<br />

Quando se explica, é ciência.<br />

Quando se arrepende, é consciência.<br />

Quando se emociona, é arte.<br />

E, quando sonha, a alma é teatro.<br />

(texto da peça)<br />

O presente dura pouco tempo


Estréia: Teatro Carlos Gomes – 20 de Novembro /1994<br />

Temporada: Novembro / Dezembro<br />

Texto e Direção: <strong>Márcio</strong> <strong>Vianna</strong><br />

Cenários, figurinos e adereços: Teca Fichinski<br />

Iluminação: Paulo César Medeiros<br />

Direção musical: Marcito <strong>Vianna</strong><br />

Preparação mímica: Álvaro Assad<br />

Produção executiva: Lu Fraga<br />

Assistência de direção: Marcito <strong>Vianna</strong><br />

O presente dura pouco tempo<br />

Atores convidados: Catalina Bonaki, Lícia Magno, Norma Geraldy, Paulo Porto,<br />

Vanda Lacerda, Yara Victória<br />

Elenco: Adriana Quadros, Álvaro Assad, Andréa Pinheiro, Bruno Patitucci, Catlin<br />

Stuckenbruck, Eduardo Colombiano, Gabriela Buono, Gabriela Duvivier, Gisah<br />

Ribeiro, Isadora Ferrite, José Karini, Monica Assis, Nelson Moreira, Ramon<br />

Mendonça, Suzana Mota, Tânia Lenka<br />

<strong>Márcio</strong> <strong>Vianna</strong> foi convidado para dirigir a montagem de formatura de uma<br />

turma de alunos da CAL. Para isso, reuniu no mesmo palco atores iniciando a carreira<br />

profissional e seis atores experientes, representantes da geração mais antiga ainda em<br />

atividade no Teatro brasileiro.<br />

O texto era baseado em depoimentos de atores sobre as dores e as alegrias do<br />

ofício de ser ator de teatro. Os atores formandos recolheram depoimentos dos atores<br />

mais velhos e reproduziam no palco. Os atores, representantes da velha geração,<br />

testemunhavam seu amor ao teatro representando personagens de sua preferência.<br />

Também foram utilizados fragmentos dos seguintes textos: Palavra de Deus<br />

livremente inspirado na lenda narrada pelo encenador Peter Brook em The Shifting<br />

Point, texto sobre “a condição feminina da arte de representar” livremente inspirado na<br />

autobiografia da atriz Sarah Bernardht, Romeu e Julieta de William Shakspeare,<br />

Woyzeck de George Büchner, Maria Caxuxa de Juracy Camargo, Teste para a escola de<br />

teatro extraído da autobiografia de Ingrid Brgman, “a última cena do velho palhaço”<br />

livremente inspirado no poema de Jorge Luis Borges, Manifesto do Dia Internacional<br />

do Teatro de Magno Bucci.


Processo de ensaio<br />

O presente dura pouco tempo<br />

Todo o processo foi baseado em entrevistas feitas a antigos e consagrados atores<br />

de teatro. Os atores receberam um modelo de folha de entrevista onde constava:<br />

Ator entrevistador:<br />

Ator entrevistado:<br />

Idade:<br />

Profissão:<br />

“Qual o último texto e as últimas frases que você gostaria de dizer no palco antes de<br />

encerrar a carreira de ator/atriz?”


Segue depoimento de Rubens Correa<br />

O presente dura pouco tempo


Crítica<br />

O presente dura pouco tempo<br />

Jornal Tribuna da Imprensa<br />

25/11/1994


O presente dura pouco tempo<br />

O Último Bolero


Aproveitei que estava<br />

Cortando cebola<br />

Dei pra chorar por tudo<br />

A faca implacável<br />

Separando rodelas<br />

Que se dividiam, dividiam<br />

A mãe, o pai, o avô<br />

A casa, o que se perdeu<br />

E o quase.<br />

No jantar ninguém<br />

Notou<br />

Mas comeu<br />

Carne temperada<br />

Com cebola e lágrimas.<br />

(Hóstia - poema de Maria Helena Elle)<br />

O presente dura pouco tempo


O presente dura pouco tempo<br />

Estréia: Porão da Casa de Cultura Laura Alvim (RJ) – 07 de Junho /1995<br />

Temporada: junho / agosto<br />

Direção: <strong>Márcio</strong> <strong>Vianna</strong><br />

Poesias de: Arlete Heringer, Cândida Ortiz, Carmem Moreno, Dayse Mary de<br />

Andrade, Elisa Lucinda, Elisa Pragana, Helena Ortiz, Ilka Matheus, Leila<br />

Miccolis, Liane Orzenchowsky, Maria Lucia Simões, Maria Helena Elle, <strong>Mônica</strong><br />

<strong>Prinzac</strong>, Pámela Ramón, Paula Ferrin, Rosa Maria Biancardi, Tânia Azevedo e<br />

Tatiana Wells.<br />

Seleção do Poemas: Grupo Muito Prazer.<br />

Figurino: Teca Fichinski<br />

Elenco: Adriana Diniz, Álvaro Assad, Andréia Ribeiro, Daniela Milan, Eduardo<br />

Colombiano, Isadora Ferrite, Joana Skiavini, Jorge Soares, Julia Maria Koch,<br />

Leonel Brum, <strong>Márcio</strong> <strong>Vianna</strong>, <strong>Mônica</strong> <strong>Prinzac</strong>, Pámela Ramón, Rodrigo Lima,<br />

Ronaldo Serruya, Sabrina Sulam, Teca Fichinsky e Tereza Sequerra.<br />

O Ultimo Bolero foi a primeira peça bem humorada do diretor. O espetáculo,<br />

com um elenco de 18 atores era uma colagem de poemas de autoras contemporâneas<br />

brasileiras pouco conhecidas. A platéia restrita a 25 lugares, assistia a um desfile de<br />

poemas que traziam à tona a mulher contemporânea - mulheres apaixonadas,<br />

abandonadas, casadas, traídas, com relacionamentos complicados com os pais e ou<br />

filhos. <strong>Márcio</strong> fez sua estréia nos palcos e trabalhou como ator.<br />

Processo de ensaio<br />

O processo foi super rápido e objetivo. Os próprios atores fizeram uma pesquisa<br />

de autoras contemporâneas que escreviam sobre a mulher. Durante um mês e meio de<br />

ensaio foram apresentados e lidos centenas de poemas. A escolha dos textos foi feita em<br />

conjunto onde cada ator propunha os textos que gostaria de falar.<br />

Não houve crítica.


O presente dura pouco tempo<br />

Meu Pai Voa!


“Quais são as grandes datas de sua vida?”<br />

Sim, cada pessoa é como uma guerra ou um país:<br />

Pode ser entendido a partir de suas grandes datas.<br />

E quais são as suas grandes datas?<br />

Elas estão no passado ou no futuro?<br />

Ou seja, a grande festa de sua vida já acabou<br />

O presente dura pouco tempo


Estréia: Museu da República (RJ) – 19 de Maio /1995<br />

Temporada: maio / julho<br />

Texto e Direção: <strong>Márcio</strong> <strong>Vianna</strong><br />

Cenário e Figurino: Teca Fichinski<br />

Iluminação: Paulo César Medeiros<br />

Direção Musical: Marcito <strong>Vianna</strong><br />

Assistente Direção: <strong>Mônica</strong> <strong>Prinzac</strong><br />

O presente dura pouco tempo<br />

Elenco: Gabriela Buono, Ramon Botelho, Synval Guimarães e Isadora Ferrite.<br />

Meu Pai Voa foi a estréia de <strong>Márcio</strong> <strong>Vianna</strong> como autor - o primeiro espetáculo<br />

com um texto totalmente seu. O texto gira em torno da relação de um filho com o pai<br />

que se encontra à beira da morte.<br />

Processo de ensaio<br />

O processo começou com um esboço bem desenvolvido do texto. Durante<br />

algumas semanas <strong>Márcio</strong> tinha somente uma idéia embrionária do que desejava. Optou<br />

então por fazer reuniões de leitura com os quatro atores do elenco e foi assim que, em<br />

um mês, o texto de Meu Pai Voa estava totalmente pronto. Os ensaios foram em cima<br />

do texto - dividido em cenas. As cenas foram trabalhadas de acordo com uma “linha de<br />

estados de emoção” – cores foram escolhidas para cada cena e em uma “linha<br />

cronológica” os estados de emoção dos personagens deviam se transformar de acordo<br />

com as cores. Durante uma semana os ensaios foram em Trancoso – litoral da Bahia –<br />

onde os atores, em busca de emoções diferenciadas e lúdicas, ensaiavam na areia e<br />

dentro do mar.


Crítica<br />

O presente dura pouco tempo<br />

Jornal do Brasil<br />

20/06/1995


O presente dura pouco tempo<br />

O Lado Fatal


O presente dura pouco tempo<br />

Insensato eu estar aqui, e viva.<br />

O rosto dele me contempla<br />

vincado e triste no retrato sobre minha<br />

mesa; em outros, sorri para mim,<br />

apaixonado e feliz.<br />

Insensato, isso de sobreviver:<br />

mas cá estou, na aparência inteira.<br />

Vou à janela esperando que ele<br />

apareça e me acene com aquele seu<br />

gesto largo e generoso, que ao acordar<br />

esteja ao meu lado e que ao telefone<br />

seja sempre a sua voz.<br />

Sei e não sei que tudo isso é<br />

impossível, que a morte é um abismo<br />

sem pontes (ao menos por algum<br />

tempo).<br />

Sobrevivo, mas pela insensatez.<br />

(trecho do livro O Lado Fatal)


Estréia para convidados: Teatro do SESI (RJ) – 15 novembro de 1995<br />

Temporada: Teatro Sesc Anchieta – abril de 1996<br />

Texto: Lya Luft<br />

Criação e Direção: <strong>Márcio</strong> <strong>Vianna</strong><br />

Preparação corporal: Rossela Terranova<br />

Cenário e Figurino: Teca Fichinski<br />

Iluminação: Paulo César Medeiros<br />

Direção musical: Marcito <strong>Vianna</strong><br />

Produção: Arcy Quinhões<br />

Assistência de direção: Joana Skiavini<br />

Elenco: Beatriz Segall<br />

O presente dura pouco tempo<br />

O livro Lado Fatal foi escrito por Lya Luft em 1988 após a morte do psicanalista<br />

Helio Pellegrino com quem viveu durante 2 anos e 3 meses. <strong>Márcio</strong> procurou a autora e<br />

propôs um projeto para o teatro. “O livro me afetou profundamente, os poemas falam da<br />

dor da alma.” O diretor acreditava que embora o livro não tivesse sido concebido para o<br />

teatro, no conjunto dos poemas havia um texto teatral que fala de morte e amor com<br />

delicadeza.<br />

“O <strong>Márcio</strong> conseguiu conservar quase que totalmente a ordem que os poemas<br />

têm no livro e isso é extraordinário, eu me prontifiquei a fazer textos de ligação entre os<br />

poemas, mas isso nem foi necessário”, declarou Lya Luft em véspera das duas únicas<br />

apresentações em terra carioca. O espetáculo teve uma estréia não oficial no Rio, apenas<br />

para convidados, em função de uma exigência contratual do patrocinador. A estréia<br />

oficial estava prevista para alguns meses depois em São Paulo e em seguida voltaria<br />

para o Rio. <strong>Márcio</strong> morreu neste intervalo de tempo e a peça teve apenas uma curta<br />

temporada em São Paulo.<br />

Processo de ensaio<br />

Os ensaios começaram com leituras de mesa do livro Lado Fatal. Lya Luft<br />

participou do processo inicial e do processo final. Ao todo foram três meses de ensaio,<br />

onde Beatriz Segall aprendeu com a ajuda de Rossela Terranova e Teca Fichinski a<br />

trabalhar com o barro, uma vez que atriz dialogava e trabalhava em cima de uma<br />

escultura masculina inacabada.


Crítica<br />

O presente dura pouco tempo<br />

Jornal O Estado de São Paulo<br />

20/04/1996


O presente dura pouco tempo<br />

<strong>Márcio</strong> <strong>Vianna</strong>


O presente dura pouco tempo


O presente dura pouco tempo<br />

“Cada ser humano é um abismo e a gente tem vertigens quando se debruça<br />

sobre eles.” Rubens Corrêa, numa conversa com estudantes de teatro, lembrava essa fala<br />

de um personagem da peça Woyzec, e afirmava que a missão do ator é provocar, dentro<br />

de cada espectador, o abismo e a vertigem de um mergulho em seus personagens. “Para<br />

que as pessoas pensem, se emocionem e amem com mais intensidade”, completava<br />

<strong>Márcio</strong>.<br />

Rubens e <strong>Márcio</strong> se transformaram numa dupla. Ambos, depois da peça,<br />

idealizavam voltar a trabalhar juntos. Alguns planos foram traçados como a adaptação<br />

do livro Hospício é Deus um diário de Maura Lopes Cançado. Rubens viveria Maura, e<br />

mais uma vez os limites entre loucura e racionalidade seriam postos em cheque. Rubens<br />

e <strong>Márcio</strong> eram interessados no grande abismo que é a loucura, ali, eles debruçavam-se e<br />

se encontravam. “Uns nasceram para subir no balão. Outros ficam embaixo aplaudindo”<br />

brincava <strong>Márcio</strong>. Onde estariam os dois nesse encontro?<br />

No último mês da sua vida, Marcio estava se afastando da IBM para viver o<br />

sonho de se dedicar integralmente ao teatro. Tinha recém alugado uma casa em<br />

Botafogo onde seria sede da Companhia de Teatro Muito Prazer dedicada a ensaios e<br />

oficinas.<br />

Apenas um mês separou a morte de Rubens e <strong>Márcio</strong>. <strong>Márcio</strong> morreu com o<br />

sonho de fazer uma homenagem a Rubens, pois havia recém começado a ensaiar. Do<br />

dia em que descobriu estar doente ao dia de sua morte – um câncer de cérebro<br />

fulminante - foram sete longos dias. No hospital pediu que uma pequena equipe se<br />

responsabilizasse pela continuação do projeto. Eu era uma dessas pessoas e junto com<br />

Claudia Mele, Marcito <strong>Vianna</strong>, Teca Fichinski, Caíque Botkai, Paulo César Medeiros e<br />

os atores da Companhia de Teatro Muito Prazer realizamos o espetáculo Ex-Teatrum,<br />

uma homenagem a Rubens e <strong>Márcio</strong>.<br />

“É por meio da arte que a dor se transforma em luz. É por meio da arte, ainda,<br />

que muitos encontram o divino. Por isso, devemos, cada um de nós, tentar buscar nosso<br />

dom, nossa própria forma de expressão. Devemos todos, ao menos uma vez na vida,<br />

seja como for, seja de que forma for, tomar coragem e subir no nosso próprio<br />

banquinho.”<br />

(Texto de <strong>Márcio</strong> <strong>Vianna</strong>)


Segue carta de <strong>Márcio</strong><br />

O presente dura pouco tempo


O presente dura pouco tempo<br />

Na passagem de 1995 para 1996, <strong>Márcio</strong> foi para Paris e me mandou um cartão<br />

postal com a foto de três crianças brincando de “plantar bananeira”. No verso vinha<br />

escrito: “Que este ano você seja muito feliz e me ajude a virar o teatro de cabeça para<br />

baixo. Conto muito com você. Beijos. <strong>Márcio</strong>.”<br />

Agora, em 2003, no exato momento em que encerro esse trabalho, olho para o<br />

cartão e entendo que o presente dura pouco tempo, mas o teatro continua virando almas<br />

de cabeça para baixo a cada vez que a gente se debruça sobre ele.

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