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Alguém tinha que fazer o “trabalho sujo”…<br />

Parece até que foi ontem que estávamos reunidos em nossa híbrida mesa<br />

de reunião/ping-pong para discutir o que seria da primeira edição da revista <strong>+Soma</strong>.<br />

O sentimento geral dos envolvidos era um misto de empolgação, euforia e, é claro,<br />

aquele friozinho na barriga tradicional de quem vai começar um novo projeto.<br />

Não existia outra saída. Não fazia o menor sentido pra gente que em uma cena cultural<br />

tão rica, criativa e efervescente ainda não existisse um projeto como a <strong>+Soma</strong>.<br />

Ficou muito claro que essa era uma missão da qual não poderíamos mais fugir.<br />

Porque se ninguém ainda tinha feito, alguém tinha que fazer.<br />

Um ano se passou e seis edições, incluindo essa que você está lendo nesse momento,<br />

foram lançadas. São milhares de exemplares impressos e distribuídos gratuitamente<br />

que simplesmente “evaporam” dos pontos de distribuição em poucos dias.<br />

E para nós não existe reconhecimento melhor que esse.<br />

E se você está segurando essa edição na mão, considere-se com sorte,<br />

já que, além de distribuirmos mais uma edição com essa qualidade de conteúdo,<br />

papel e impressão, resolvemos celebrar nosso primeiro aniversário encartando um CD,<br />

também de graça, com catorze das melhores bandas/artistas independentes brasileiros,<br />

só para ver se conseguíamos fazer as revistas desaparecerem ainda mais rápido.<br />

Brincadeiras à parte, em meio ao atual marasmo que se encontra o mercado fonográfico<br />

tupiniquim achamos que era hora de aumentar nossos esforços, já que um dos principais papéis<br />

do projeto é o de amplificar e fortalecer a cena. E é uma enorme satisfação conseguir<br />

viabilizar em uma parceria inédita entre a <strong>+Soma</strong>, Nike e RedBull,<br />

o primeiro volume da coletânea <strong>+Soma</strong> Amplifica.<br />

Coloque o disco para girar, aumente o volume, devore as páginas dessa edição mais do que especial<br />

que conta com KL Jay e sua “fita mixada”, a arte do mineiro Eduardo Recife, a voz da experiência<br />

do polêmico Nelson Leirner, as grandes viagens de Above, a música futurista de Mike Ladd,<br />

a relação de Renata Lucas com a cidade e muito mais!<br />

Até a próxima,<br />

+SOMA


Shuffle...................................................................................................................................................14<br />

Na Kombosa ............................................................................................................................................16<br />

Kl Jay, Rapaz Comum ......................................................................................................................................................26<br />

Eduardo Recife . Sampleando Imagens ...........................................................................................................32<br />

SX-70.....................................................................................................................................................40<br />

Nelson Leirner . Ser ou Não Ser Artista? .........................................................................................................48<br />

Low_res nyc trucks and vans mobile cam shots ................................................................................56<br />

+ Soma Amplifica Volume 01........................................................................................................................58<br />

Look Above . Um olhar para cima..................................................................................................................62<br />

Por trás das tramas ...................................................................................................................................70<br />

A música futurista de Mike Ladd ...................................................................................................................76<br />

Camadas da Cidade ...................................................................................................................................80<br />

O mar do Mike Watt....................................................................................................................................................86<br />

Holofortes Reversos ..................................................................................................................................90<br />

Pequenos Prazeres....................................................................................................................................94<br />

Reviews .................................................................................................................................................96<br />

Versões e Subversões.................................................................................................................................99<br />

Quem Soma ...........................................................................................................................................100<br />

Oi, velocidade ........................................................................................................................................102<br />

Dias de um fantasma suicida ...............................................................................................104


10<br />

O projeto <strong>+Soma</strong> é uma iniciativa da Kultur,<br />

estúdio criativo com sede em São Paulo.<br />

Para informações acesse: www.maissoma.com<br />

Iniciativa .<br />

Kultur Studio<br />

Rua Sampaio Gois . 70 . Vila Nova Conceição<br />

04511 070 . São Paulo . SP<br />

www.kulturstudio.com<br />

REVISTA SOMA #6<br />

Julho 2008<br />

Fundadores . Kultur<br />

Alexandre Charro, Fernanda Masini, Rodrigo Brasil e Tiago Moraes<br />

Conselho Editorial .<br />

Alexandre Vianna, Flavio Samelo, Helena Sasseron,<br />

Marcelo Fusco e Rafael Jacinto<br />

Editor . Tiago Moraes<br />

Redação . Arthur Dantas<br />

Revisão . Mateus Potumati<br />

Projeto gráfico . Fernanda Masini<br />

Arte . Fernanda Masini e Tiago Moraes<br />

Fotografia . Cia de Foto<br />

Conteúdo áudio-visual .<br />

Alexandre Charro e Luciano Valério<br />

Colunistas .<br />

Gustavo Mini, Keke Toledo, Lu Krás, Tiago Nicolas e Breno Tamura<br />

Gostaríamos de agradecer os artistas Above, Binho Barreto, Chivitz,<br />

Cristiano Trindade “Gota”, Danielone, Eduardo Recife, Estúdio Colletivo, Fernando Ribeiro,<br />

Nelson Leirner, Rui Amaral, à Cláudio Martini & Zarabatana Books, Barracuda Editora,<br />

Companhia das Letras, Rocco Editora, Cassius Medauar & Pixel Media, Conrad Editora,<br />

Desmonta Discos, Fred & Submarine Records, Rodrigo Brandão, Espião, Estúdio El Rocha,<br />

SESC SP, Galeria A Gentil Carioca, Galeria Luisa Strina, Galeria Fortes Villaça, Galeria<br />

Brito Cimino, Graziela Kunsch, Howard Wuelfing, Hisham Bharoocha, Jesper Eklow e<br />

Matador Records, Simone Nunes, Neon, V.Rom, Maria Garcia, Alexandre Herchcovitch,<br />

todos artistas da Amplifica, as bandas selecionadas para coletânea<br />

<strong>+Soma</strong> Amplifica Volume 1 e à todos que enviaram material para resenha,<br />

aos anunciantes e aos pontos de distribuição da revista.<br />

Nosso mais sincero muito obrigado!<br />

Agradecimento especial a todos que direta ou indiretamente colaboraram<br />

para que essa revista se tornasse realidade. Ao conselho editorial, a todos<br />

os colaboradores de texto, foto, arte, e a todos da Cia de Foto.<br />

Todos os artigos assinados e fotografias são de responsabilidade única de<br />

seus autores e não refletem necessariamente a opinião da revista.<br />

Publicidade . Cristiana Namur Moraes<br />

T. 55 11 3849.2045 . cris@kulturstudio.com<br />

Para anunciar ou enviar material para review, entre em contato através<br />

do telefone 11 3842.6717 ou escreva para info@kulturstudio.com.<br />

Capa<br />

Eduardo Recife<br />

Periodicidade . Bimestral<br />

Distribuição . Gratuita em lojas, restaurantes,<br />

galerias de arte, museus, centros culturais,<br />

shows, eventos e casas noturnas.<br />

Veja os endereços em . www.maissoma.com/info<br />

Impressão . Prol Gráfica<br />

Tiragem . 10.000 exemplares


12<br />

Lauro Mesquita<br />

Jornalista, Lauro edita<br />

a revista ELEELA.<br />

Nas horas vagas do extenuante<br />

trabalho no mundo pornô,<br />

ele escuta um som e aproveita<br />

a vida em São Paulo, Pouso Alegre<br />

e na idílica Heliodora.<br />

Apesar de negar com veemência,<br />

é roqueiro brasileiro nato.<br />

Helena Sasseron<br />

Produtora e stylist<br />

nascida em SP, acredita no<br />

“cada um com seu cada qual”.<br />

Filmes e arte sempre que<br />

sobra um tempo.<br />

Música o tempo todo.<br />

André Maleronka<br />

André é repórter da revista<br />

ELEELA e colaborador<br />

da Rolling Stone Brasil.<br />

Breno Tamura<br />

É quadrinhistra, ilustrador,<br />

dj nas noites vagas, viciado<br />

em videogame e ainda tem duas<br />

bandas, a Brendon Toshiro e Húngaro.<br />

Quando não está com preguiça<br />

faz trabalhos com vídeos, mas na maior<br />

parte do tempo está desenhando<br />

ou jogando vídeogame.<br />

Tiago Mesquita<br />

Tiago nasceu em Pouso Alegre (MG).<br />

Trabalha como crítico de arte desde 1999.<br />

Escreveu ensaios para livros sobre artistas<br />

como Cassio Michalany, Jorge Guinle,<br />

Fábio Miguez, Sérgio Sister, entre outros.<br />

Atualmente faz mestrado no<br />

departamento de Filosofia USP.<br />

Seu retrato é de Ana Prata.<br />

.<br />

Renato Silva<br />

Editor do Fanzine Colateral<br />

e estudante de Letras na<br />

Universidade de São Paulo.<br />

Sua vida se resume a arte,<br />

música, literatura e<br />

nada de televisão.


Fernando Martins<br />

É skatista e fotógrafo<br />

autodidata.<br />

Nasceu no Rio de Janeiro<br />

mas escolheu a cidade de<br />

São Paulo para viver."<br />

Daniel Cacciatore Angelucci<br />

Formado em desenho industrial pela<br />

FAAP, é envolvido com graffiti e tatuagem<br />

desde 1995. Conhecido como Danielone,<br />

desenha desde criança influenciado por<br />

filmes de gangues, fliperamas e capas de<br />

discos de punk, hardcore e metal, mistura<br />

conhecida como crossover.<br />

Faz estampas para marcas de surf e skate<br />

e algumas de suas telas podem ser vistas<br />

na galeria Choque Cultural. E também<br />

é vocalista das bandas Presto? e R.H.D.


Rafael Lopes é menino do Rio, ou melhor: poniboy do Rio. Tenho preguiça de citar aqui todas as bandas das quais ele participou<br />

e todos os instrumentos que toca, mas a maioria das pessoas devem conhecê-lo melhor como o guitarrista de dreadlock do Planet<br />

Hemp e/ou como o “tio” emo do Polara. Atualmente está com uma nova banda, chamada Aspen, além de seu projeto poniboy.<br />

O Rafael colecionador, assim como o músico, passa por várias fases, de um extremo ao outro, e isso fez e faz com que ele tenha<br />

uma discoteca bem variada e interessante. Fiz com que ele colocasse na roda os discos mais importantes de cada uma dessas fases.<br />

Disco da sua fase headbanger?<br />

Minha fase banger começou com Metallica.<br />

Todo mundo fala muito do Master of Puppets ou do<br />

Kill’em All, mas o disco de thrash que eu<br />

mais pirei foi o Ride the Lightning. Aprendi<br />

a tocar guitarra tirando os sons desse disco<br />

e até hoje sei tocar algumas músicas.<br />

Disco da fase funk-o-banger?<br />

Bom, eu nunca pirei muito em funk-o-metal, nem<br />

de Red Hot Chili Peppers eu gostava. O disco mais<br />

foda que se aproxima disso é o Nothing’s Shocking<br />

do Jane’s Addiction, e no Brasil o Kingzofbullshit<br />

do De Falla, que também foi bem marcante.<br />

Disco da fase grunge?<br />

Difícil escolher um disco dessa época porque foi<br />

uma das mais marcantes para mim, tem tanta<br />

coisa boa… Acho que o Superfuzzbigmuff do<br />

Mudhoney foi o primeiro que eu escutei e foi<br />

muito foda. Depois de escutar esse disco, barulho<br />

virou uma coisa fundamental para mim.<br />

Disco da fase shoegaze?<br />

(risos) Bom, Loveless do My Bloody Valentine<br />

é um clássico, mas o que eu mais escutei de<br />

todos foi o Lazer Guided Melodies do<br />

Spiritualized.<br />

Disco da fase straight edge hardline?<br />

Vixe, essa fase pegou todo mundo na época, né?<br />

Eu escutei muita coisa boa, mas muito lixo<br />

também. Só com o tempo consegui distinguir o<br />

que era autêntico do que era embalo, por isso<br />

fico com o Start Today do Gorilla Biscuits. Não vou<br />

citar o Minor Threat porque para mim eles estão<br />

acima de tudo isso. Mas eu nunca fui sxe, viu?<br />

Disco da fase emo?<br />

Analphabetapolothology,<br />

do Cap’n Jazz, sem mais o que dizer.<br />

Disco da fase lurch?<br />

Essa fase veio junto com a fase grunge<br />

e a shoegaze. Teve uma coletânea que saiu<br />

no Brasil, chamada Another Kind of Noise<br />

que era bem legal, mas a banda que eu<br />

mais curtia desse estilo era o<br />

Swervedriver – o disco Raise era demais.<br />

Disco da fase riot grrrl?<br />

Vou citar dois. Um brasileiro que era bem legal,<br />

o Girls Gathering – primeiro do Dominatrix. Gastei<br />

a demo delas de tanto ouvir. Quando eu tinha a<br />

Spicy (antigo selo do Rafael), depois de lançar o<br />

disco do Againe, queria lançar o disco delas, mas<br />

elas preferiram lançar por outro selo. Um disco<br />

gringo que também ouvi até gastar foi o Dig Me Out<br />

do Sleater-Kinney. “three things you should learn, riot girls never<br />

die, every girl is a riot girl, stop boys violeeeennce...”<br />

Disco da fase atual, folk?<br />

De tudo que eu ando escutando, destaco uma banda<br />

da Filadélfia chamada Espers. O último disco deles,<br />

Espers II, é excelente. Tem também Bonnie Prince<br />

Billy, Vetiver, Devendra, etc.<br />

A minha fase preferida dele?<br />

Tempestade Bipolar, do Polara.<br />

15


Por Tiago Moraes<br />

Nesta edição, dando início ao clima festivo de comemorações<br />

de um ano da <strong>+Soma</strong>, resolvemos aproveitar a oportunidade<br />

e prestar uma homenagem mais do que justa à Kombi,<br />

esse veículo charmoso que acaba de completar 50 anos no Brasil.<br />

O simpático nome foi criado pelos criadores germânicos logo após a<br />

Segunda Guerra Mundial e é uma abreviação da palavra alemã<br />

Kombinationsfahrzeug, que no bom e velho português significa<br />

“veículo combinado ou multiuso”, em uma tradução livre.<br />

E a boa e velha “Kombosa”, como foi carinhosamente apelidada por aqui,<br />

faz jus ao nome, sendo desde o início de sua longa e democrática história a mais<br />

querida entre hippies, punks, surfistas, estudantes, feirantes, e a preferida no transporte<br />

de trabalhadores e cargas pesadas. Uma trabalhadora, guerreira e incansável.<br />

Ao invés de mandar ela para uma cirurgia plástica ou aplicar um botox para dar aquela<br />

rejuvenescida, convidamos Binho Barreto, Chivitz, Cristiano Trindade “Gota”, Danielone,<br />

Estúdio Colletivo, Fernando Ribeiro, Kultur Studio e Rui Amaral para darem<br />

uma “tunada” em uma réplica em miniatura da perua. Confira o resultado!<br />

NA KOMBOSA CONTA COM O APOIO DA NIKE QUE, ASSIM COMO A +SOMA, NASCEU DA TÍPICA ENERGIA E PAIXÃO QUE MOTIVA JOVENS NO MUNDO TODO À CORRER<br />

ATRÁS DE SEUS SONHOS E FAZER ACONTECER. UM ESPAÇO DEMOCRÁTICO, QUE CELEBRA A ARTE TRAZENDO A CADA EDIÇÃO NOVOS ARTISTAS E IDÉIAS QUE INSPIRAM.


18<br />

Por Kultur Studio


Por Chivitz


20<br />

Por Danielone


Por Fernando Ribeiro


22<br />

Por Cristiano Trindade “Gota”


Por Binho Barreto


24<br />

Por Rui Amaral


Por Estúdio Colletivo


Rapaz Comum<br />

Por Arthur Dantas. Colaborou Tiago Moraes<br />

“Se o rap fosse um partido, pra mim, ele seria o presidente!”<br />

A frase foi dita pelo DJ Pampa, do grupo Relatos da Invasão, e o presidente em questão seria<br />

Kléber Geraldo Lelis Simões, mais conhecido como KL Jay, DJ do grupo Racionais MCs.<br />

Chamá-lo somente de DJ do Racionais – o que não é pouco, dado que o grupo é desde sempre<br />

o mais importante da história do rap nacional – é reduzi-lo ao seu lado “celebridade”: KL Jay<br />

é pai de cinco filhos, administra em parceria com Xis a 4P – selo, loja de roupas e salão de<br />

cabeleireiros –, cuida de parte dos negócios do Racionais MCs e ainda tem seu próprio selo,<br />

a Equilíbrio Discos. Sobretudo, é um dos personagens mais queridos do rap nacional.<br />

Conversando com ele, fica fácil entender por quê: bastante articulado, KL Jay sorri, brinca,<br />

mas sabe defender seus pontos de vista de forma enfática. E, apesar de ser reconhecido<br />

nacionalmente desde o estrondoso sucesso do álbum Sobrevivendo no Inferno (1997) e de sua<br />

passagem como VJ pelo programa Yo!, da MTV Brasil, mantém a simplicidade de quem um dia foi<br />

office-boy (“Mesmo com ginásio completo, fazendo contas bem etc., não conseguia emprego<br />

melhor. Foi o rap que me fez ver o preconceito, o racismo, o que o sistema faz.”).<br />

Em determinado ponto de nosso papo, falamos sobre Chuck D, lendário líder do<br />

Public Enemy. “Ele é muito humilde, trata todo mundo bem. Esse é o comportamento dos<br />

reis né? A humildade.” A descrição serve perfeitamente para definir o próprio KL Jay,<br />

que continua sendo o bom e velho “rapaz comum” da Zona Norte de São Paulo. “Eu estava<br />

preparado para um possível sucesso. A gente [os membros do Racionais] tava vacinado<br />

sobre isso, porque via pessoas que ficaram pretensiosas por causa da fama. O sistema faz<br />

isso: tem que andar com segurança, com carro do ano, engordar, mudar o cabelo, andar<br />

com jóias... Eu viajei com o lance de dinheiro, caí um pouco no jogo também.<br />

Mas sempre tive pra mim que eu queria continuar indo beber meu suco na rua, andar<br />

de Metrô, de ônibus, quero continuar andando no bairro. O sucesso vem e você tem que<br />

saber lidar com esse veneno. Vejo um monte de gente se perder,” reflete o DJ.<br />

A entrevista teve como mote o lançamento de sua mixtape Fita Mixada Rotação 33,<br />

seu segundo trabalho-solo (o primeiro foi o álbum duplo KL Jay na Batida, Vol. III, de 2004),<br />

contando com participação de nove MCs e redesenhando faixas previamente lançadas de<br />

artistas como Xis, MV Bill, RZO, Sabotage, SP Funk, SNJ, GOG e 509-E, por exemplo.<br />

O trabalho começa com um improviso ao vivo de Mano Brown e Ice Blue, em um show em<br />

Porto Alegre, abrindo alas pra faixa Bem Pior, do primeiro álbum do Xis, devidamente<br />

retrabalhada por KL Jay. No meio, ainda sobra um toque do DJ para o grupo RZO: misturando<br />

trechos de faixas diversas, ele manda um recado para o lendário grupo da Zona Oeste _ está<br />

na hora de voltar. O disco é curto – na medida para animar qualquer festa por aí. Nada para<br />

se espantar, já que KL Jay é um dos melhores DJs da noite paulistana desde sempre.


28<br />

Você usou só discos de rap nacional pra fazer esse álbum?<br />

Quis fazer um lance autêntico. Fiz uma seleção de rap nacional e chamei<br />

alguns MCs para cantar em cima das partes instrumentais. Fiquei<br />

fascinado com a mixtape do FunkMaster Flex. Ele colocava a Erykah Badu<br />

cantando em cima de base do Mobb Deep, a Lauryn Hill cantando em cima<br />

de base do Busta Rhymes... Por isso eles são os melhores. Qual é a<br />

mentalidade deles? Tamo junto no bang, meu! A música é nossa! Os/as<br />

MCs cantavam em cima das bases, e aquilo combinava muito com cada<br />

um. Aí usei só rap nacional, porque tem muita base legal pra usar.<br />

Qual foi o vinil mais antigo e o mais recente que você usou?<br />

O mais antigo foi o som Bem Pior do Xis, e o mais novo foi um do ParteUm.<br />

E você fez tudo ao vivo?<br />

Sim. Porque a maioria das mixtapes são editadas, e eu queria ser autêntico.<br />

Normalmente o pessoal faz algumas passagens ao vivo e depois vai montando.<br />

Você foi estudando, selecionando os discos...<br />

É, e pensando nos MCs pra cantar em cada base. E foi o Márcio, ex-<br />

Código 13, que agora tem uma loja na galeria, que me chamou um dia<br />

quando andava por lá e falou: “Faz uma mixtape, a molecada tá<br />

precisando, tem que movimentar a cena!” Eu falei, “Você acha<br />

mesmo?”, e ele “vai lá e faz, você é o KL Jay, pô! (risos)”. Depois disso,<br />

comecei a selecionar uns discos em casa, escutar um monte de coisa,<br />

treinar pra cacete fazendo a passagem de um som para o outro. Daí<br />

pensei em fazer ao vivo, sem usar computador. Como DJ, não concordo<br />

com isso; computador é para outras coisas. Eu acho que DJ tem que<br />

fazer mixtape sem corte, na hora. Aí chamei o pessoal da 13 Produções<br />

[produtora que fez o DVD que acompanha o CD] para filmar. Selecionei<br />

os MCs e dei as bases para eles pensarem no que iam cantar. Eu pratiquei<br />

muito, marquei o estúdio e fui.<br />

Vai fazer o show com todos esses caras?<br />

Já fiz três shows desse disco. Os caras vão lá e fazem na hora. No disco,<br />

eu gravei a minha parte primeiro, depois o pessoal foi encaixando vocal.<br />

Eu gravei em dois dias – em um deles saí [do estúdio] umas cinco da<br />

madrugada. Porque você erra, tem que gravar vários takes. Eu errava e<br />

começava do zero. Teve take que faltavam cinco minutos pra acabar e eu<br />

errava. Depois do primeiro dia, eu mostrava para os amigos e eles falavam<br />

que tava bom, mas eu sou muito autocrítico e voltei mais um dia, porque<br />

não tava do jeito que eu queria.<br />

E a seleção dos MCs? Você escolheu como?<br />

Pelo flow e, sobretudo, pela admiração. E muita gente ficou de fora, porque<br />

senão ia ter duas horas. Mas eu gostei de fazer essa parada e já tô armando<br />

a próxima (risos). No mesmo formato, mas mais dinâmico e agressivo.<br />

Vai sair em vinil?<br />

Como? Fecharam a fábrica! Conforme for as vendas, lanço uma edição<br />

em vinil. Mando pra uma Tuff Gong da vida fazer, com os Marley (risos).<br />

Porque teve gravação e filmagem, gastei uma grana.<br />

Quanto vai custar o CD?<br />

R$ 35, CD e DVD em duas mídias diferentes. A capa ficou cara, porque<br />

tive cuidado em fazer um lance bonito.<br />

Projetos estão sempre no horizonte do DJ de 39 anos. Em 2009, ele<br />

pretende lançar um Rotação 33 na Batida Vol. 2, misturando a mixtape<br />

com seu trabalho de produtor, o álbum da cantora Flora Mattos, pela<br />

Equilíbrio Discos, sem contar que, pelo que se divulga por aí, 2008 ainda<br />

conhecerá um novo trabalho dos Racionais MCs, ainda sem nome e data<br />

definida de lançamento. Na internet, duas pré-produções deste novo<br />

álbum já estão disponíveis: Tá na Chuva e Mulher Elétrica, um sagaz<br />

elogio às mulheres escrito por Mano Brown. Comento com KL Jay como<br />

algumas amigas gostaram dessa música: “A mulherada chapa com esse<br />

som! Minhas amigas mandam mensagem pro meu celular ‘Tamo indo<br />

na [festa semanal comandada por KL Jay] Sintonia, uma hora e meia<br />

na frente do espelho’”, citando trecho da nova canção dos Racionais,<br />

que caiu na internet e na boca dos fãs. Falo sobre essa qualidade única<br />

de Mano Brown, de criar frases que ganham as ruas e viram bordão.<br />

“O Brown usa palavras populares, fáceis, mas que ninguém usa.<br />

A poesia dele é simples. Pra mim, ele é o maior MC do mundo”, diz.<br />

Tentamos arrancar algo sobre o novo álbum do grupo. KL Jay responde<br />

enfático, com um largo sorriso: “Não posso falar nada! Só vou te falar<br />

que tem só música monstro, e tá muito pra frente. Muita gente vai<br />

estranhar”. Falamos se esse longo intervalo entre um disco e outro<br />

foi necessário. “Sim, melhorou as batidas, estamos com outras idéias...<br />

Não dá pra ficar fazendo a mesma coisa.” Falo que, pelas produções<br />

de Mano Brown para outros projetos, imagino que o disco esteja atrelado<br />

a um estilo próximo da canção 1 Por Amor 2 Por Dinheiro. “Eu ia falar<br />

disso. Você tá esperto, hein”, diz KL Jay, caindo na risada. Dessa forma,<br />

parece que os Racionais vão continuar na “redenção pelo funk”, como<br />

disse Mano Brown na canção “Eu Sou Função”, do rapper Dexter. <br />

Eu queria que você contasse um pouco da tua trajetória até virar DJ.<br />

Quando tinha uns 11 anos, comecei a escutar rádio AM, junto com<br />

minha mãe. Aqueles sons... Roberto Carlos etc. Não me identificava<br />

muito, não. Meu pai tinha um rádio da Sony que ele tinha o maior<br />

cuidado. Mexia escondido no rádio e vi um botão escrito FM. Quando<br />

comecei a ouvir aquilo, Funk anos 80, me identifiquei de cara. Ouvia<br />

as rádios Antena 1, Alfa, Manchete, Excelsior, tocavam Kool and The<br />

Gang, One Way, Gap Band.<br />

Ainda rolava disco music?<br />

Já tinha passado. Isso era 82, 83. A disco acabou no final dos anos 70.<br />

Eu me identifiquei com aquilo e comecei a sair na rua, a ter contato<br />

com os caras mais velhos, de 18 a 20 anos, que iam pras festas de<br />

madrugada. Eles falavam dos bailes, das músicas, das danças, das<br />

mulheres... Aquilo me fascinou. Um lance importante foi o programa do<br />

Juninho Mazzei, Big Apple Show, da Jovem Pan. Ele lançava altos sons,<br />

que estavam no auge em Nova York. Lembro quando ele lançou “Pull<br />

Fancy Dancer/Pull, Pt. 1”, do One Way (do álbum Fancy Dancer, de<br />

1981). Aliás, usamos um trecho desse som na abertura de “Vida Loka II”<br />

(do álbum Nada Como um Dia Após o Outro Dia). A referência pra mim,<br />

pro Brown, pro Blue e pro Edi Rock foi o funk.<br />

Você escutava samba naquela época?<br />

Outros estilos, como o samba, soul, jazz etc., eu fui conhecer pelo rap, que<br />

me levou pra história da coisa, por causa dos samplers. Comecei a me


envolver, ir nos bailes e dançar. Tinha também os clipes no Fantástico, no<br />

programa do Tio Sam. Quando você se envolve, as coisas começam a vir<br />

até você, a informação etc. Tudo isso ainda ali na Zona Norte. Era uma<br />

época que tinha muito baile na casa dos amigos – o pessoal reunia os<br />

aparelhos de som pra tocar, normalmente na sala da casa das pessoas – o<br />

pessoal no bairro fazia e eu ainda não podia ir (risos). O tempo passou e fui<br />

ganhando mais liberdade. Entrei no ginásio em 84 e conheci o Edi Rock – era<br />

época do break. Tinha um vídeo do Chic, da música “Hangin’” (do álbum<br />

Tongue in Chic, de 1982) que tinha um moleque dançando break e eu pirei<br />

com aquilo. Comecei a trocar idéia com o Edi Rock sobre fazer umas<br />

festinhas e comprei um aparelho de som 3 em 1 da Sony para mim. Aí<br />

fizemos uma equipe chamada Bill Black – que era o nome do DJ do Kurtis<br />

Blow. A gente tinha uns amigos com caixa acústica e começamos a fazer<br />

sucesso ali na nossa área, fazendo festa em escola, nas casas. As pessoas<br />

dançavam na sala e a gente colocava os aparelhos no quarto, nem<br />

participávamos da festa. A gente olhava pela fechadura pra ver se o povo<br />

tava dançando (risos). Era louco. E o DJ no quarto tinha regalias – o povo<br />

te trazia bolo, refrigerante. E assim a coisa foi evoluindo e o hip-hop<br />

começou a chegar. Já ia nas festas da Chic Show, no Clube da Cidade e era<br />

aquela febre das equipes de baile.<br />

O Edi Rock era DJ também?<br />

Era. Ele que me ensinou as coisas mais básicas, a mixar, a fazer scratch. Ele<br />

sacou essas coisas antes do que eu. Avançando um pouco na história, teve<br />

o [rapper old school americano] Kool Moe Dee, que a Chic Show trouxe. Eu<br />

“A gente tinha uns amigos<br />

com caixa acústica e<br />

começamos a fazer sucesso<br />

ali na área nossa, fazendo<br />

festa em escola, nas casas.<br />

As pessoas dançavam na<br />

sala e a gente colocava os<br />

aparelhos no quarto, nem<br />

participávamos da festa.<br />

A gente olhava pela<br />

fechadura pra ver se o povo<br />

tava dançando (risos).<br />

Era louco. E o DJ no quarto<br />

tinha regalias – o povo te<br />

trazia bolo, refrigerante.<br />

E assim a coisa foi evoluindo<br />

e o hip-hop começou<br />

a chegar.”<br />

queria ter ido no [show do rapper no ginásio do] Palmeiras, mas fui cortar<br />

o cabelo sozinho pra economizar dinheiro e ir na estica, só que meu cabelo<br />

ficou todo torto e fiquei com vergonha de ir (risos). Tinha o lance da<br />

vaidade, de ir com a melhor roupa que você tinha etc. Daí eu dei um jeito<br />

de cortar o cabelo direito e eu fui no domingo no clube House – eu já tava<br />

com esse lance de ser DJ nessa época. Lá, eu vi o DJ do Kool Moe Dee<br />

tocando um som do Tim Maia, “Você Mentiu”. Quando chegou no refrão, ele<br />

repetiu aquilo até virar outro som. Na hora, eu pensei: “Hã? É isso! É isso<br />

que eu quero fazer! (risos)”.<br />

Quais eram as referências que vocês tinham nessa época?<br />

Eu achava o som do Kurtis Blow louco. O primeiro cara que eu vi e ouvi<br />

mixar foi um DJ que tocava na festa da [equipe de som paulistana]<br />

Sideral. O Grandmaster Flash – ele tinha lançado uma mixtape chamada<br />

As Aventuras de Grandmaster Flash (KL Jay se refere ao álbum The<br />

Adventures of Grandmaster Flash, de 1982), misturando Chic com<br />

Blondie etc. Eu nunca tinha visto ninguém fazer ao vivo, porque nas<br />

festinhas nas casas era quase tudo com fita cassete. E em alguns lugares<br />

o DJ tocava de costas para o público – no Rio, por exemplo. Eu também<br />

ia nas lojas da 24 de maio e os caras gravavam as fitas pra mim, porque<br />

não tinha dinheiro para comprar os vinis. A gente tocava de fita mesmo.<br />

Numa domingueira no Sideral eu vi o DJ mixando [a música] “Martin<br />

Luther King” do Hurt-M-Badd com outra, e achei fantástico. Aquilo pra<br />

mim era mágica. Sei lá, eu vejo o Romário jogar, o Robinho, aquilo é<br />

mágica também (risos).<br />

29


O Chuck D olhou uma hora pra<br />

gente, chamou a gente pra entrar<br />

no palco e os seguranças ficaram<br />

barrando. Daí o Brown, com<br />

aquele jeitão dele, olhou bem pros<br />

caras e falou firme “O Chuck D<br />

falou pra gente entrar!” (risos).<br />

Daí a gente tocou. Foi na hora!<br />

E o público conhecia a gente.<br />

Cantamos “Pânico na Zona Sul”<br />

e “Racistas Otários”<br />

e foi muito bom. Pra gente foi<br />

histórico, participar do show<br />

do grupo que a gente era fã,<br />

foi marcante.


E quando saiu o disco Hip Hop – Cultura de Rua (coletânea histórica<br />

com Thaíde & DJ Hum, Código 13, MC Jack e outros)?<br />

Eu já tava envolvido. Ainda não tinha gravado nada, tava ali me<br />

aperfeiçoando. Os caras que apareceram nessa coletânea eram todos<br />

famosos, ídolos pra gente. Foi o DJ da Sideral que me mostrou a<br />

possibilidade de fazer aquilo com qualquer música. O Edi Rock me ensinou<br />

a mixar naquela época, porque o mixer naquela época era o botão de<br />

volume do aparelho. Me ensinou a fazer scratch, no aparelho normal.<br />

E seus pais? Te apoiaram?<br />

Meu pai apoiou, me ajudou a comprar meu primeiro mixer. Minha mãe<br />

sempre foi muito conservadora, veio do interior, e tinha a mentalidade<br />

da maioria das pessoas, que você tem que ter uma profissão com<br />

carteira assinada.<br />

Quando o rap americano chegou, imagino que mais de 90% das pessoas<br />

não sabiam sobre o que eles estavam cantando. Mas parece que essa<br />

afirmação de negritude chegou junto.<br />

São duas coisas distintas. A linguagem da música propriamente dita, que<br />

te hipnotiza, não importa o que está sendo falado na letra, que é foda; e<br />

outra coisa, que foram as idéias. Eu consigo separar a música que tem um<br />

puta instrumental, uma puta levada, com um cara falando só besteira, e<br />

aquele som que nem tem uma levada tão louca, mas tem um cara falando<br />

coisas boas. E tem a música que tem as duas coisas junto – é o que o<br />

Racionais tenta fazer. Mas foi o Public Enemy que despertou uma<br />

consciência na gente, porque eu ficava pensando “Quem é Malcolm X?<br />

Quem é Martin Luther King? O que é a Ku Klux Klan?” Aquilo te faz buscar<br />

informação. Eu me identifiquei na hora com o barato do Black Power, de<br />

Black Panther, de auto-estima. Tudo isso foi passado pra gente.<br />

No [disco de 1993] Raio X do Brasil, o Racionais MCs já era muito<br />

grande. Mas creio que a primeira grande exposição de mídia pra vocês<br />

foi a participação no show do Public Enemy né?<br />

A gente entrou no meio do show deles. Eles tavam no hotel, a gente foi<br />

até lá, o Chuck D veio falar com a gente, pintou uma identificação e tal.<br />

Ele deu uns ingressos pra gente e ficamos na entrada do palco, mas não<br />

dava pra entrar. Foi louco porque a gente foi com os discos. E ele não<br />

falou pra ninguém da produção ficar de olho em nós. O Chuck D olhou<br />

uma hora pra gente, chamou a gente pra entrar no palco e os seguranças<br />

ficaram barrando. Daí o Brown, com aquele jeitão dele, olhou bem pros<br />

caras e falou firme “O Chuck D falou pra gente entrar!” (risos). Daí a gente<br />

tocou. Foi na hora! E o público conhecia a gente. Cantamos “Pânico na<br />

Zona Sul” e “Racistas Otários” (ambas do álbum Holocausto Urbano, de<br />

1990) e foi muito bom. Pra gente foi histórico, participar do show do grupo<br />

que a gente era fã, foi marcante.<br />

E você teve muita exposição depois com o Yo! MTV [extinto programa<br />

de rap da MTV, do qual KL Jay foi apresentador].<br />

É, tem gente que até hoje pergunta do programa, pede pra voltar, acho<br />

muito legal. Hoje, com o volume de trabalho que eu tenho, não dá mais.<br />

Mas seria bom pro rap ter um programa.<br />

E ninguém te podava na MTV né?<br />

Algumas pessoas tentavam me corromper nas entrelinhas, mas eu sacava<br />

rápido. Mas eles davam muita liberdade pra você ser o que é. Alguns<br />

chegavam sutilmente, pra pedir pra colocar um dente, pra usar certas<br />

roupas, participar de certos programas, mas eu sempre falei não. O<br />

programa era uma das maiores audiências e por isso tiraram do ar:<br />

representava perigo pra eles, pra programação.<br />

A audiência começar a pedir coisas parecidas.<br />

É, música negra, rap. O Yo! fortaleceu muito o rap no Brasil e foi uma<br />

época de glória pro rap: SNJ, Sistema Negro, RZO, Xis, Sabotage, Racionais,<br />

Thaíde, Facção Central, os caras do interior, o pessoal de Brasília;<br />

todo mundo fazendo sucesso. Todo mundo tocando muito, no Brasil<br />

inteiro. E aí o pessoal da MTV resolveu tesourar. Foi muito gratificante<br />

pra mim, porque não fiz o Yo! pra aparecer, foi pelo rap, pela cultura hip<br />

hop. Tinha os quadros na rua que eu adorava fazer, ver tanta gente<br />

talentosa, tanto apresentador em potencial... Teve uma garota numa<br />

festa da Zona Leste que pegou o microfone para apresentar um bloco e<br />

apavorou! Fez melhor que muita gente. E não tem espaço. Um diamante<br />

ali, cheio de pó, de terra.<br />

Você acha que o programa do Rappin Hood [Manos e Minas, todas as<br />

quartas, às 19h30, TV Cultura] pode catalisar toda essa atenção?<br />

Depende dele, do formato, da linguagem, de cada programa ser de um<br />

jeito, ter um dinamismo. Mas é bom. O do Xis (PlayTV, Combo: Fala +<br />

Joga, todas as sextas, às 21:30, canal 21 UHF) é bom pra cacete<br />

também. E gente do meio artístico fala que o programa dele é melhor<br />

que os da MTV. Eu não quero jamais cuspir no prato em que comi, porque<br />

pra mim foi muito bom, deu muitas possibilidades pro rap, mas hoje é<br />

outra época.<br />

As rádios comunitárias foram fundamentais né?<br />

Foram. Eram elas que mantinham a coisa quente, o rap no ar.<br />

O que você anda escutando, além de rap?<br />

Vanessa da Mata e (pensa e cantarola), aquele som “Mulher Sem Razão”<br />

da Adriana Calcanhoto (composição de Bebel Gilberto, Cazuza e Dé Palmeira,<br />

presente no novo trabalho da cantora, Maré). Gosto muito de ver<br />

as mulheres brasileiras cantando. Tem o Stephan e o Damien Marley. Eu<br />

gosto desses reggaes/ragga. Os discos novos da Erykah Badu, a Rihanna,<br />

John Legend.<br />

Como é ver teu filho na tua profissão?<br />

Muito gratificante. Mas subiu muito rápido, tenho medo, porque tem que<br />

se manter lá. O bicho é zica, é bom mesmo. É muito novo e já tem a vida<br />

dele. Ele apareceu em um dos primeiros Hip Hop DJ que a gente fez, lá<br />

no Soweto. Lembro que o Brown tava do meu lado e falou “Meu, os caras<br />

velhos igual à gente não fazem isso, não mixam assim”, e eu falei<br />

(sorrindo e visivelmente orgulhoso) “É negão, é isso aí, meu! (risos)”. Eu<br />

ensinei o básico pra ele, que é a noção de ritmo e tempo. Falo muito isso<br />

quando dou curso. Não dá para começar um prédio pelo quinto andar, tem<br />

que fazer a base do lance primeiro. Com DJ é assim também. <br />

Para ler a continuação da entrevista e ouvir as músicas citadas,<br />

acesse: www.maissoma.com<br />

31


Técnica mista “Misprinted Type”


SAMPLEANDO IMAGENS<br />

Entrevista por Tiago Moraes<br />

Imagens cedidas pelo artista . Fonte do título por Misprinted Type<br />

Se fosse um DJ ou produtor musical, ele<br />

muito provavelmente passaria boa parte do<br />

seu tempo sujando os dedos de pó em<br />

algum sebo de Belo Horizonte – cidade onde<br />

nasceu e vive até hoje – garimpando pérolas em<br />

vinis da década de 1960 e 70, para então chegar<br />

em casa, escutar, recortar trechos, samplear e<br />

produzir uma música recheada de timbres, sons<br />

e texturas nostálgicas.<br />

Conhecido também como Misprinted Type,<br />

Eduardo Recife não produz músicas, mas visita<br />

com freqüência diversos sebos em sua cidade e<br />

em viagens, sujando as mãos de pó e entupindo a<br />

garganta de poeira à procura de matéria-prima<br />

para seus trabalhos. E em vez de samplear<br />

músicas, Recife sampleia imagens.<br />

Designer gráfico de formação, artista plástico e font designer autodidata,<br />

Recife vem construindo uma carreira sólida e cheia de personalidade, com<br />

destaque para suas inconfundíveis colagens de clima nostálgico e certo<br />

ar decadente adornadas por interferências a lápis, como rabiscos,<br />

tipografias, manuscritas e desenhos, fortemente influenciado pelo<br />

movimento dadá e pelo surrealismo.<br />

Em um mundo onde a pasteurização da ilustração vetorial digital parece<br />

ter comprometido a identidade autoral de inúmeros artistas, é sempre<br />

bom ver alguém colocando literalmente a mão na massa e deixando o<br />

“ratinho” um pouco de lado. É como diz o slogan da campanha daquela<br />

famosa marca de sabão em pó, “Se sujar faz bem!”.


34<br />

Para começar, conte-nos sobre a sua formação artística.<br />

Me formei em Design Gráfico em 2005. Mas me considero mais um<br />

autodidata, já que meu trabalho vem se desenvolvendo desde 1997,<br />

quando comecei a criar minhas primeiras fontes e experimentar com<br />

colagens. Na verdade, minha primeira e frustrante opção foi a faculdade<br />

de Publicidade e Propaganda, que acabei largando no sexto período<br />

porque literalmente não conseguia mais suportar as aulas e toda a<br />

hipocrisia. Minha segunda opção então foi a faculdade de Design Gráfico,<br />

mas, se pudesse voltar atrás, teria feito Belas Artes ou optado por estudar<br />

ilustração fora.<br />

Fale um pouco sobre o seu trabalho autoral e comercial.<br />

Meu trabalho autoral começou em 1997, quando lancei a primeira versão<br />

do [site] Misprinted Type. Foi na mesma época em que a internet chegou<br />

até a minha casa e em que pude conhecer um pouco da estética grunge<br />

que estava rolando nos anos 1990.<br />

Me identifiquei muito com as colagens, com as sujeiras, desconstruções<br />

e tudo o que fugia do perfeccionismo que até então eu vinha tentando<br />

alcançar com meus desenhos de retratos. Já meu trabalho comercial veio<br />

como uma conseqüência dos meus trabalhos autorais. Normalmente os<br />

clientes já me contratam para ter um trabalho na linha dos meus<br />

trabalhos pessoais.<br />

Porque você assina seus trabalhos autorais como Misprinted Type e os<br />

comerciais como Eduardo Recife? A lógica não seria o inverso?<br />

Sim, seria (risos)… Mas não foi intencionalmente que isto aconteceu. A<br />

idéia que sempre tive do Misprinted Type era que o nome fosse um<br />

playground, um espaço onde eu poderia expor minhas idéias, criações,<br />

etc. Não queria misturar meus trabalhos comerciais nele e nem criar outro<br />

projeto com um nome completamente diferente para expor esses<br />

trabalhos, então a única idéia que me surgiu foi a de criar o [site]<br />

eduardorecife.com.<br />

No seu website você afirma que desenha desde pequeno, mas hoje<br />

vejo nos seus trabalhos muito mais colagens do que desenhos. Como foi<br />

essa transição? Se cansou de desenhar?<br />

Não cansei de desenhar. Na verdade eu desenho o tempo todo! Mas gosto<br />

muito de colagens e das várias formas de experimentações possíveis<br />

que ela permite. Acabei integrando nas colagens traços de desenhos,<br />

alfabetos, rabiscos. Tudo influencia tudo.<br />

Hoje é cada vez mais comum o uso de samplers na composição de<br />

uma música, mas isso é diferente de como foi duas décadas atrás,<br />

quando o Beastie Boys lançou o clássico Paul’s<br />

Boutique, com dezenas de colagens e trechos<br />

de músicas de artistas renomados como James<br />

Brown, Led Zeppelin, Pink Floyd e The Beatles<br />

entre muitos outros. Hoje é praticamente impossível<br />

samplear coisas desse tipo sem ter<br />

que pagar milhares de dólares em direitos<br />

autorais ou encarar um processo legal. Você<br />

também “sampleia” bastante coisa para criar<br />

sua arte, não é? Como funciona esse processo<br />

de pesquisa, e onde você costuma garimpar<br />

essas imagens? Já teve problemas com direitos<br />

autorais?<br />

A pesquisa é fundamental. Há alguns anos eu ia<br />

semanalmente a alguns sebos no centro da cidade.<br />

Voltava com os dedos pretos de pó e com a<br />

garganta fechada de poeira, mas valia a pena.<br />

Para trabalhar com colagens, você tem que ter um<br />

arsenal de imagens por perto. Hoje em dia ainda<br />

vou ocasionalmente a alguns dos poucos sebos que<br />

sobraram na cidade e compro algumas coisas pelo<br />

Ebay também.<br />

Nunca tive problemas com direitos autorais. Acho<br />

que o bom senso deve ser empregado nas imagens<br />

Técnica mista “Love”


Técnica mista “New Heights”


36<br />

selecionadas e acredito também que no dia em que tudo tiver que ser<br />

pago, será definitivamente o fim da colagem.<br />

Qual foi a coisa mais preciosa que já encontrou em um sebo até hoje?<br />

Acho que a coisa mais preciosa que já encontrei até hoje foi um pacotão<br />

de revistas Manchete das décadas de 1960/70/80. Eram muitas edições<br />

encadernadas em blocos de dez revistas. Elas seguraram a minha<br />

demanda de imagens por um bom tempo.<br />

Grande parte dos seus trabalhos carrega uma estética vintage. De onde<br />

vem essa paixão pelo antigo? Você se considera um saudosista?<br />

Sempre gostei de coisas antigas. Na minha infância, ganhava roupas<br />

usadas dos meus primos e era sempre uma alegria usar todas aquelas<br />

roupas desgastadas. Me lembro também que meu pai me deu uma caixa<br />

com alguns brinquedos que ele guardava desde seus tempos de infância.<br />

Era um carrinho de metal, um revólver de bangue-bangue e um jogo de<br />

botão. Acho que tudo isso acaba influenciando o jeito que a gente enxerga<br />

as coisas, o valor das coisas usadas e a história que elas carregam. Quanto<br />

à estética, acho que tudo era mais bonito em algumas épocas atrás. As<br />

cores, as fotos, as roupas, os papéis… O romantismo.<br />

Como você acha que seu trabalho conseguiu projeção, saindo de Belo<br />

Horizonte, onde acredito que as oportunidades de trabalho para um<br />

designer que carrega um estilo como o seu não<br />

devam ser muitas? Como acha que seu trabalho<br />

ficou tão conhecido mundialmente, ao ponto de<br />

lhe render trabalhos para vários clientes internacionais,<br />

como HBO, Burton Snowboards, Upper<br />

Playground e The New York Times, entre outros?<br />

Acho que sempre acreditei no meu trabalho e<br />

nunca coloquei o sucesso na frente do aperfeiçoamento.<br />

Por volta de 1999, eu muitas vezes<br />

não saía de casa nos fins de semana para criar,<br />

experimentar… Para mim, era algo insuportável<br />

não conseguir fazer as coisas que eu queria fazer<br />

[graficamente falando], e eu tinha um impulso<br />

criativo quase incontrolável. As coisas aconteceram<br />

naturalmente, mas querendo ou não já estou<br />

com meu portfólio online há 10 anos, já<br />

participei de muita coisa, muitos livros, revistas,<br />

sites, projetos, exposições. Mas sempre agradeço<br />

a Deus por tudo que ele colocou no meu caminho<br />

e por ter guiado minhas intuições desde o começo.<br />

Você nasceu e cresceu em BH, certo? O que<br />

mais gosta e o que menos gosta daí? Já pensou<br />

Lápis e tinta acrílica em madeira “Everything Will Be Just Fine”


Colagem digital para a Upper Playground<br />

Técnica mista para a GNU Snowboards<br />

em se mudar para outra cidade ou país?<br />

Sim. Não sou obcecado pela cidade. Culturalmente não rolam muitas<br />

coisas por aqui, exposições, eventos etc. A opção de diversão de 90% da<br />

população é ir beber em bares; o que para mim muitas vezes beira o<br />

patético. Mas gosto muito do clima daqui e acho que o que mais me<br />

conecta por aqui são minha família e meus amigos. Se não fosse por isso,<br />

estaria morando na beira de alguma praia sossegada.<br />

Vendo seu trabalho hoje, é difícil acreditar que você começou pintando<br />

nas ruas. Fale um pouco dessa época.<br />

Na verdade, não comecei pintando nas ruas. Foi por volta de 1993 que<br />

eu me interessei muito por pichação. Eu era novo e gostava da adrenalina<br />

no sangue e de ir contra as regras. O alfabeto dos pichadores me<br />

chamou muito a atenção, foi meu primeiro contato com a tipografia de<br />

rua e acho que daí nasceu meu interesse por tipos. Mas minhas<br />

tentativas de pichar muros foram muito frustradas. Me lembro até hoje<br />

de um caso engraçado que aconteceu: eu e um grande amigo compramos<br />

uma lata de spray e saímos por volta das oito da noite para pichar o<br />

muro nas redondezas do colégio. Andamos dois quarteirões e fomos<br />

assaltados em menos de 5 minutos. Éramos duas crianças esqueléticas<br />

de 13 anos andando sozinhos à noite em uma região perigosa da cidade.<br />

O engraçado é que roubaram nossos tênis, e o meu era um tênis muito<br />

velho e furado que havia ganhado do meu primo. A cena foi muito<br />

engraçada (risos), éramos literalmente dois fracassados na tentativa de<br />

colocar nossos nomes nos muros.<br />

E sua relação com a tipografia, como começou? Lembro que conheci<br />

o seu trabalho há uns cinco ou seis anos mais ou menos, pesquisando<br />

por fontes na internet, e você disponibilizava um monte delas para<br />

<strong>download</strong> gratuito. O que te motivou a começar a desenhar alfabetos?<br />

A relação veio da pichação e depois migrou pro graffiti, artistas como<br />

Daim e toda uma gama de grafiteiros que eu acompanhava diariamente<br />

pelo site ArtCrimes. Eram muitos alfabetos e estilos diferentes, e tudo<br />

aquilo me chamava a atenção. Mais adiante descobri a tipografia grunge,<br />

caras como Rob Dobi, Faizal Reza, Christoph Mueller, Brode Vosloo, etc.<br />

E, daí em diante, foi paixão à primeira vista. Concentrei todas as minhas<br />

forças naquilo e em pouco tempo já tinha minhas primeiras fontes online.<br />

Percebo que muitos de seus trabalhos de colagem começam de forma<br />

manual e depois são finalizados no computador, certo? Fale um pouco<br />

disso, da sua dinâmica de trabalho e quais as vantagens e desvantagens<br />

que você vê no uso do computador como ferramenta na sua criação.<br />

37


38<br />

Faço muita coisa manualmente e vou escaneando e montando tudo no<br />

Photoshop. Algumas peças são completamente manuais, mas a grande<br />

maioria é feita digitalmente, com intervenções manuais. Gosto de poder<br />

saber que existe a mão de alguém por trás da imagem, as imagens<br />

digitais muitas vezes são um pouco frias… O espontâneo, o erro, o acaso<br />

podem trazer muitas surpresas agradáveis. O computador é feito para<br />

ajudar, e não escravizar – ele pode te limitar um bocado também. Mas<br />

a vantagem, principalmente no caso das colagens, é que você pode<br />

reduzir, ampliar e espelhar as imagens livremente. E isso ajuda bastante<br />

em se tratando de colagens.<br />

O que acha de arte digital? Acha que um trabalho 100% digital pode<br />

chegar a ter o mesmo valor que uma pintura, por exemplo? Não falo de<br />

valor financeiro, e sim de valor como criação.<br />

Acho que a arte digital está mais próxima da fotografia, porque você pode<br />

reproduzir em série as imagens. Mas o valor que um trabalho tem é muito<br />

pessoal. Cabe a cada um definir, e cada caso é um caso também.<br />

Porque a paixão pela colagem? Você acha que é a melhor forma que<br />

encontrou para se expressar até agora?<br />

A colagem tem uma força incrível pra mim. Ela tem um lado contestador,<br />

crítico, traz ainda uma bagagem forte do que foi o movimento dadá.<br />

Gosto da forma como se consegue contar uma história ou transmitir uma<br />

mensagem tirando imagens antigas de seu contexto e criando novas<br />

leituras. Eu associo muito a colagem aos sonhos, onde pequenos<br />

fragmentos e metáforas constroem uma história.<br />

Você cria uma narrativa, pensa em um conceito antes de começar a<br />

trabalhar, ou isso vai aparecendo durante o processo?<br />

Tela<br />

Isso varia muito. Mas na maioria das vezes tenho<br />

um conceito e uma idéia pré-concebida na<br />

cabeça antes de efetivamente começar a trabalhar<br />

na imagem.<br />

Você já trabalhou em alguns projetos de design<br />

ligados à música, tendo desenhado capas de<br />

disco e/ou merchandising para artistas como DJ<br />

Hell, Panic at the Disco e Digitaria. Qual sua<br />

relação com a música, o que gosta de ouvir? A<br />

música te ajuda ou te atrapalha no seu processo<br />

criativo?<br />

Tenho uma relação forte com a música. Desde<br />

pequeno gosto de escutar música. Acho que elas<br />

marcam momentos em nossas vidas. Consigo<br />

associar várias fases da minha vida com certas<br />

músicas. Sou frustrado por não ter o mínimo<br />

talento para tocar nada. Sempre escutei muito<br />

rock (grunge, nu metal, hardcore, etc),<br />

mas hoje em dia escuto muito indie, eletrônico<br />

e coisas estranhas que jamais pensei<br />

em escutar.<br />

Gosto muito de Royksopp, Feist, Vampire<br />

Weekend, El Perro Del Mar, Husky Rescue e a<br />

trilha-sonora de Darjeeling Limited. Trabalho<br />

sempre escutando música.<br />

Se tivesse que explicar ou descrever o seu trabalho<br />

tocando uma só música, qual seria?<br />

Difícil escolha… Mas uma música que eu me<br />

identifico muito é “Everlong” do Foo Fighters.<br />

Como divide seu tempo entre trabalhos comerciais<br />

e autorais? O que tem feito mais ultimamente?<br />

Como designer freelancer, como<br />

divide seu tempo entre prospectar clientes<br />

e trabalhar?<br />

Todas as vezes que eu fiquei esperando o<br />

momento ideal para começar a fazer meus<br />

trabalhos pessoais, esse momento nunca chegou,<br />

nunca chega… Você tem que simplesmente achar<br />

tempo e fazer. Ultimamente, tenho feito mais<br />

trabalhos comerciais, mas tenho feito também<br />

muitos trabalhos pessoais. É algo para mim que<br />

não pode ficar de lado.<br />

Você trabalha em casa ou tem um estúdio?<br />

Descreva seu ambiente de trabalho.<br />

Estou agora trabalhando em uma sala com<br />

amigos. Trabalhei em casa por muito tempo e<br />

tenho que admitir que não é uma boa<br />

experiência, é bem difícil de separar as coisas,<br />

saber a hora de descansar, a hora de trabalhar e<br />

você acaba se isolando muito, sem trocar<br />

experiências e idéias com outras pessoas.


Lápis e tinta acrílica em madeira “Are You Together”<br />

Onde você ainda quer chegar como designer?<br />

E como artista? O que podemos esperar de<br />

vocês dois (Eduardo Recife e Misprinted Type)<br />

num futuro próximo?<br />

Espero sempre poder aperfeiçoar o meu trabalho<br />

e aprender sempre. Não tenho grandes ambições,<br />

quero estar feliz e satisfeito com o que<br />

estiver fazendo. Em breve um site novo vai ao ar (Misprinted Type 4)<br />

com muitos trabalhos, pôsteres e fontes novas! <br />

Saiba Mais<br />

www.misprintedtype.com<br />

www.eduardorecife.com<br />

39


Time-Zero<br />

SX70<br />

Um exercício de Armando, Claudio, Ricardo,<br />

Fernando, Roberto, Paulo e Marcelo<br />

de interpretar o instântaneo.<br />

Eles são reais sem tempo.<br />

Nas próximas páginas<br />

www.sx70.com.br<br />

em uma edição da Cia de Foto<br />

Time-Zero é o filme criado para a SX70, em 1980, com camadas<br />

que permitem uma revelação mais rápida e cores mais brilhantes.


Nelson Leirner:<br />

Ser ou Não Ser Artista?<br />

Por Arthur Dantas . Colaborou Tiago Moraes<br />

Imagens Cia de Foto e Divulgação<br />

Nelson Leirner é, sem sombra de dúvida, um dos mais<br />

importantes e influentes artistas brasileiros dos últimos<br />

cinqüenta anos. Sua obra está exposta ou passou por todos<br />

os grandes museus e galerias em nosso país. Ela se baseia em dois<br />

pilares: o primeiro, um caráter intrinsecamente público e<br />

participativo, que rompe com certa aura contemplatória do<br />

objeto artístico, contestando de um lado a sociedade estabelecida<br />

(baseada no autoritarismo da ditadura ou da alienação do consumo,<br />

por exemplo), e, do outro, faz uma crítica acirrada e<br />

perene ao mercado/sistema das artes; o segundo, seu caráter<br />

mobilizador, fazendo com que público, artistas e críticos tomem<br />

partido e posição diante de suas obras. Aos 76 anos, Leirner é um<br />

eterno enfant terrible das artes plásticas brasileiras.<br />

Sua história particular é curiosa. Seu pai, o industrial Isai<br />

Leirner, foi um dos grandes mecenas das artes no país e teve papel<br />

ativo em instituições artísticas durante a década de 1950. Sua<br />

mãe, Felicia Leirner, foi uma escultora de carreira longa e<br />

produtiva. Dessa forma, o que poderia ser um problema – se tornar<br />

artista –, em sua família era o caminho mais do que natural.<br />

Meu pai morreu muito cedo, em 1962. Ele me apoiava<br />

muito. Minha família era muito gozada. No geral, para a<br />

sociedade, todo mundo queria ver o filho numa profissão<br />

liberal – querer um filho artista era um absurdo. Tanto que<br />

a FAAP (faculdade onde lecionou de 1975 até 1996) era<br />

chamada de faculdade ‘espera marido’, porque tinha<br />

muitas mulheres e todas lindas (risos). Elas iam estudar<br />

artes para esperar um marido. Entre nós, professores, [a<br />

FAAP] também era conhecida assim. No meu caso, foi<br />

diferente: meus pais me empurraram para as artes.<br />

Aconteceram coisas comigo que não aconteceram para<br />

ninguém. Quando o [crítico polonês Ryzard] Stanilavski<br />

veio aqui – ele era presidente da AICA (Associação<br />

Internacional dos Críticos de Arte) –, meu pai havia<br />

marcado uma exposição para mim na galeria São Luís, que<br />

era a melhor de São Paulo, e quem escreveu o catálogo foi<br />

o próprio Stanilavski.


Adoração . 1966<br />

Pergunto se um possível privilégio em razão de sua família o<br />

incomodava de alguma forma: Eu não percebia essas coisas. Por<br />

exemplo, acho que fui um dos primeiros caras desconhecidos a<br />

mandarem trabalho para o Salão Paulista e entrar de cara. Quando<br />

entrei na fase das apropriações (usando materiais cotidianos em suas<br />

obras), coloquei um Antes do Meu Pai e Depois de Meu Pai. E ali comecei<br />

a fazer algo que era o inverso do que esperavam. Eu tinha uma<br />

consciência política em fazer arte, e não uma inconsciência<br />

psicanalítica.<br />

Fato é que, dado seu temperamento inquieto, Leirner – que havia sido<br />

jubilado em uma faculdade de engenharia têxtil nos Estados Unidos,<br />

voltara ao Brasil, se casara pela primeira vez (o artista se casaria outras<br />

duas vezes), e começava a se interessar por arte –, esse ambiente familiar<br />

operava de maneira paradoxal em sua vida. Se de um lado havia vantagens<br />

inegáveis, como o acesso a várias obras importantes em sua própria casa<br />

(a família possuía obras de Picasso, Chagall e Alfredo Volpi, por exemplo)<br />

e uma bela biblioteca, por outro lado havia o peso da influência paterna,<br />

que não era tida pelo artista como algo benéfico em si:<br />

Eu pintei inicialmente com o Juan Ponç e o Samson Flexor (entre<br />

1955 e 1957, ainda no período Antes do Meu Pai, que se estende até<br />

1962, quando falece Isai Leirner), até não agüentar mais pintar. Daí,<br />

comecei a me apropriar de coisas que eu encontrava nas ruas que já<br />

tinham pintura (portões etc). Para que pintar, então? Tinha que pintar<br />

a óleo, fazer cinco quadros de uma vez, até porque tinta óleo demora<br />

a secar. E, na minha casa, tinha-se muita informação sobre escultura,<br />

por causa da minha mãe, e pintura moderna até Klee, Picasso, Van<br />

Gogh. Eu era influenciado mais pela biblioteca de meus pais e, na<br />

verdade, não gostava de pintar. Achava muito cansativo. Tenho dois<br />

trabalhos nos anos 60 que são portões. Nesse trabalho [aponta para foto<br />

de um trabalho] do portão eu só coloquei uma interferência – uma faixa<br />

vermelha (Pôr do Sol, de 1962). Tinha que botar a mão do artista nele,<br />

porque não tinha coragem de colocar o portão tal qual havia<br />

encontrado. Foi um dos trabalhos que estavam na Exposição Nãoexposição<br />

da Rex Gallery & Sons Galeria. Assim eu fiz dezenas de<br />

trabalhos. E era rápido. Na minha cabeça tudo isso era muito mais<br />

instigante do que ficar horas numa tela. E eu me sentia preguiçoso por<br />

não ficar horas numa tela.<br />

O trabalho de Leirner que o colocou definitivamente entre os grandes<br />

nomes da arte contemporânea brasileira iniciou-se em 1962. E, é bom<br />

que se diga, trata-se de um trabalho marcado pela polêmica e por seu<br />

enorme poder de influência nas gerações posteriores. O crítico Tadeu<br />

Chiarelli, em seu livro Nelson Leirner – arte e não Arte, define<br />

precisamente o mote da obra de Nelson: “Toda a crítica ao sistema de<br />

arte surge como o próprio cerne da obra de Nelson Leirner a partir de<br />

uma vivência muito intensa e, portanto, de um conhecimento<br />

extremado de alguém que testemunhou, quase que desde sempre, os<br />

meandros do poder no âmbito da arte. (...) Revelar, colocar a nu os<br />

meandros do sistema de arte – que o artista aprendeu a conhecer tão<br />

bem – será a estratégia que o artista sempre usará para salvar a arte”.<br />

Pergunto a Leirner que papel<br />

ele atribui à critica de arte hoje:<br />

Não existe mais. O próprio curador absorveu o papel do<br />

crítico. Eu normalmente peço para amigos fazerem o catálogo<br />

das minhas exposições. A crítica está sumindo, assim como a<br />

historiografia da arte. Tudo isso está dentro desse novo sistema<br />

de arte. Se você pegar os livros dos anos 90, eles passaram a<br />

não ter texto. Têm uma introdução e só. Porque não há mais<br />

ideais, atitude. Hoje você vê um grupo fazendo graffiti,<br />

achando que está fazendo algo crítico, mas se você olhar<br />

historicamente...<br />

O artista paulistano parece acreditar em um eterno descompasso<br />

entre teoria e prática, manifesto no embate entre o objeto artístico<br />

propriamente dito e no que os críticos vêem. A fantasia do artista em<br />

relação ao seu trabalho não tem nada a ver com o conceito dos outros.<br />

Muitas vezes você está pensando em coisas do seu cotidiano, e o crítico<br />

está pensando em motivações mais filosóficas – coisas sobre as quais<br />

você nem pensou a respeito. Depois muitas vezes você acaba chupando<br />

da crítica aquele discurso (risos).


“O Porco do Leirner”<br />

Através de happenings, durante toda a década de 1960 e início de 70,<br />

Nelson Leirner conseguiu criar polêmicas imensas. O Happening da<br />

Crítica, decorrente de sua aceitação no IV Salão de Arte Moderna de<br />

Brasília em 1967, foi o que teve maior ressonância e provocou mais<br />

discussão. Tudo começou com a aceitação de dois trabalhos de Leirner<br />

por parte dos jurados: O Porco – o animal empalhado e devidamente<br />

engradado, com uma corrente que o ligava a um pernil do lado de fora<br />

do caixote –, e O Tronco, em que era possível ver o espaço exato de uma<br />

cadeira cortado no interior de um tronco de árvore imenso, e uma<br />

cadeira já devidamente lixada colada ao mesmo tronco, em outra<br />

posição. Leirner resume a história:<br />

O Porco morou comigo desde 1961. Ele estava em frente ao<br />

Cemitério da Consolação (região central de São Paulo), um taxidermista<br />

colocou aquele porco na vitrine de entrada. Todas as vezes que passava<br />

de carro por ali eu o via. Um dia entrei na loja e comprei aquele porco<br />

e ainda ganhei de brinde um ratinho empalhado – um agrado para quem<br />

levou um porco daquele tamanho (risos). E convivi com o porco e o<br />

ratinho (usado na obra Acontecimento, de 1965) em meu espaço de<br />

trabalho. Às vezes um objeto te fascina, você o adquire e acaba não<br />

usando. Aí aparece o Salão de Brasília, em 1967. Naquele momento<br />

achei que era possível fazer algo com o porco, ao mesmo tempo em que<br />

meu artesão trabalhava com a cadeira. Era um trabalho ligado à idéia<br />

do produto que a sociedade consumia. Ainda mais se lembrarmos que o<br />

pernil (que estava ligado ao porco empalhado por uma corrente) foi<br />

comido pelo pessoal que transportava o trabalho de caminhão (risos).<br />

Aí o trabalho já ganhou outro teor.<br />

Com relação ao engradado, eu fiz ele sem folga nenhuma para<br />

acomodar o porco, de modo que as pessoas poderiam achar que ele<br />

estava vivo em um primeiro momento. Porque, imobilizado, só sobra a<br />

respiração para saber se ele está vivo. Isso me interessou no sentido do<br />

confinamento. Eu fazia apropriações tendo em vista a ditadura,<br />

sobretudo. E a corrente com o pernil era em função da idéia de Matéria<br />

e Forma (nome dado para ambos os trabalhos). Um dia recebo a notícia<br />

que o Salão aceitou o trabalho. E, naquele momento, tínhamos uma<br />

ligação com o Jornal da Tarde, em função do Murilo Felisberto e do Ivan<br />

Ângelo, que tinham uma tendência de esquerda e apoiavam nossos<br />

movimentos. De repente, me veio a idéia sobre os artistas recusados<br />

nas Bienais, sempre reclamando da recusa, mas ninguém contestava a<br />

aceitação. Daí pedi para o Ivan Ângelo publicar uma foto do porco, com<br />

a pergunta ‘Qual o critério dos críticos para aceitarem esse trabalho<br />

no Salão de Brasília?’ E, com isso, todos os críticos responderam.<br />

O Mário Pedrosa (um dos cinco críticos do Salão) escreveu um belíssimo<br />

artigo, os outros também escreveram sobre. E isso começou a suscitar<br />

o debate com outros críticos, chegaram até a falar em ‘o porco do<br />

Leirner’, porque achavam que eu estava gozando todo mundo. E aí<br />

transformei o trabalho no Happening da Crítica, porque o que estava<br />

acontecendo já não mais me pertencia.<br />

Auto-retrato e O Porco . 1967<br />

51


52<br />

Esse ready-made duchampiano (“Quando comprei o Porco, não<br />

conhecia Duchamp. Só vim a conhecer Duchamp bem no fim dos anos<br />

1960. Nunca trabalhei tendo uma relação forte com a História da Arte”),<br />

se não o primeiro trabalho no Brasil a tirar a crítica de sua posição<br />

estável, é um trabalho norteador que alcança ressonância até os dias<br />

atuais. Graziela Kunsch, uma artista jovem de São Paulo e uma das peças<br />

fundamentais no reaquecimento de coletivos artísticos na virada do<br />

milênio, me relata fato ocorrido em 2002, durante o nono salão da<br />

Bahia, do qual participara com seu coletivo de então, Rejeitados: “Um<br />

dos projetos, do grupo Valmet (Goiás), era a criação de um porco.<br />

O autor não conhecia o porco de Nelson Leirner, mas eu conhecia e<br />

comparei os dois. Afinal, a proposta dele tinha tudo a ver com a nossa<br />

proposta. Isso gerou a resposta de um integrante do Valmet: ‘o porco<br />

não é uma metáfora’ ”, resume Graziela.<br />

O Porco, que pertence ao acervo da Pinacoteca, é a obra de Leirner<br />

que mais viaja para o Brasil e exterior.<br />

Teve duas coisas interessantes. Primeiro, a Aracy Amaral<br />

comprou a obra para o acervo da Pinacoteca; depois, o Porco<br />

passou por uma operação plástica. Como ele era empalhado, ia<br />

deteriorar. E hoje existem técnicas mais modernas de<br />

embalsamento, então ele precisou passar por uma operação<br />

plástica (risos).<br />

Acima o<br />

Grupo Rex e ao<br />

lado duas capa<br />

do Jornal Rex Time<br />

Leirner e o Público<br />

Surge mais uma evidência da polaridade na qual se assenta a<br />

contribuição de Nelson Leirner para a arte: ele é, ao mesmo tempo,<br />

aquele que destrói verdades preestabelecidas desse sistema e aquele que<br />

forma novas gerações de artistas. (...) É o atributo mais forte também de<br />

sua produção, desde o início de sua carreira, manifestando-se das mais<br />

distintas formas. - Tadeu Chiarelli em Nelson Leirner – arte e não Arte<br />

Em 1966, a afirmação da identidade do artista viveu outro momento<br />

importante: o surgimento do grupo Rex, que além de Nelson Leirner<br />

contava com Geraldo de Barros, Wesley Duke Lee, Carlos Fajardo,<br />

Frederico Nasser e, posteriormente, Olivier Peroy e Roland Cabot. O<br />

grupo foi idealizado por artistas não alinhados ao abstracionismo reinante<br />

no país à época, e teve um papel definitivo no panorama das artes<br />

brasileiras – mesmo tendo existido por pouco mais de um ano. Criaram a<br />

Rex Gallery & Sons além de publicarem cinco edições do jornal Rex Time,<br />

uma espécie de órgão de difusão das idéias dos artistas do grupo.<br />

Um dos antecedentes apontados pela crítica especializada para a<br />

formação do grupo é a exposição Propostas 65, ocorrida na FAAP em São<br />

Paulo. Ali, mais uma vez, Leirner cria polêmica:<br />

O Rex não tem nada a ver com a expo Propostas 65. Ela veio da<br />

relação da exposição do Waldemar Cordeiro, do Wesley e a do Geraldo<br />

na Atrium, junto comigo. Nessas exposições não se vendeu nada, a<br />

crítica meteu o pau, as pessoas se revoltavam com o que viam. Porque<br />

todos estavam colecionando arte abstrata e diziam que aquilo não podia<br />

ir adiante. Muitos artistas abstratos não aceitaram convite para<br />

participar da Rex porque ficaram com medo de perder o vínculo<br />

comercial com outras galerias. Tinham medo de não vender mais.<br />

Eu pergunto sobre a retirada de seu trabalho dessa exposição em<br />

protesto à censura de um trabalho de Décio Bar, muito crítico à<br />

ditadura, vetado pela direção do museu:<br />

Sim, e depois todo mundo retirou. Assim como na II Bienal Nacional<br />

de Artes Plásticas da Bahia: retirei meus trabalhos, que estavam numa<br />

sala especial (Leirner fechou sua sala em protesto contra censuras às<br />

obras de alguns artistas). Mas eram decisões políticas. E na Rex a idéia<br />

era formar um movimento.<br />

O fechamento da Rex Gallery se deu com a Exposição não-Exposição<br />

de Nelson Leirner. Cerca de quarenta trabalhos de Nelson foram<br />

colocados na galeria, assim como as ferramentas necessárias para<br />

arrancá-los, e a população foi convidada publicamente a levar trabalhos<br />

do artista para casa. O que se passou foi um dos mais marcantes<br />

happenings da história das artes no Brasil:<br />

No happening você nunca tem a dimensão do que vai acontecer. Eu<br />

achei ótimo aquilo. Nada melhor do que esvaziar uma galeria em 5


Time is Money . 2007


Homenagem a Fontana I . 1967<br />

minutos para fechá-la (risos). Até a piscina com os peixes foi levada. O<br />

pessoal vendia os trabalhos (na porta da galeria, aconteceu uma<br />

verdadeira feira, onde algumas pessoas vendiam os trabalhos<br />

retirados), porque às vezes precisavam de três pessoas para levar um<br />

trabalho, então elas tinham que vender o trabalho para dividir o<br />

dinheiro. Dos quase quarenta trabalhos que estavam lá, eu vi apenas um<br />

deles recentemente.<br />

Houve um momento de inflexão por parte do artista, após um<br />

frustrado happening em 1970, a ser realizado na Faculdade de<br />

Arquitetura e Urbanismo da USP (FAU-USP), chamado Plásticos:<br />

Era um happening contra a ditadura. Esse foi o happening que<br />

mais me chocou, pelo resultado. Porque, como estudantes de<br />

uma FAU, eles deviam sim ter entendido minha intenção. Eu atrasei<br />

quinze minutos para chegar e eles arrancaram todo o plástico para<br />

usar (eram quilômetros de plástico preto, dispostos por Leirner no<br />

dia anterior, de forma que inflados, obstruiriam a passagem das<br />

pessoas). Não queria fazer como o artista plástico Christo, que fe-<br />

chou o prédio por fora; queria fechá-lo por dentro, de forma que<br />

alunos, professores e empregados não pudessem entrar. Os alunos<br />

da FAU deviam ter entendido aquilo. Parece que até eles tinham<br />

passado por uma lavagem cerebral. Depois daquilo eu parei<br />

um pouco.<br />

Apesar do fracasso daquele happening, a vocação plural e coletiva<br />

dos trabalhos de Nelson Leirner não se perdeu desde então. Pelo<br />

contrário, boa parte da inquietação na escolha de meios e materiais<br />

para se expressar deriva dessa idéia de trazer o espectador para dentro<br />

do trabalho. Na recente exposição Futuro do Presente, no Itaú Cultural,<br />

em São Paulo, Leirner publicou o jornal do não artista, cuja manchete<br />

era Todo artista não é artista quando é artista. Ao artigo dele,<br />

seguia-se um eloqüente texto de Agnaldo Farias que tratava sobre a<br />

ambigüidade latente do artista, que já se viu como um não-artista ou<br />

Ortista, onde, como definiu Tadeu Chiarelli, Nelson buscava “romper<br />

com o conceito de artista, entendido como herói e, por outro lado,<br />

recuperar o sentimento anônimo e coletivo de fazer artístico. E isso para<br />

salvar a arte dela mesma (...)”<br />

Trabalho exemplar no sentido de participação ativa do espectador<br />

é a série Homenagem a Fontana, na qual panos coloridos se ligam uns<br />

aos outros, por meio de zíperes manipulados pelo público.<br />

[Homenagem a Fontana] Surgiu para mim de uma relação erótica –<br />

não havia pensado sobre o trabalho do Fontana –, era todo um<br />

pensamento em torno do erotismo. Porque aquele zíper tinha a ver com<br />

a vagina de uma mulher, com a virgindade. Quando o Frederico de<br />

Morais escolheu esse trabalho para ir à Bienal de Tóquio, eu não podia<br />

chamar aquele trabalho de Homenagem a uma Virgem, ou Abre-te<br />

Sésamo (risos). Você tem na cabeça a relação de intelectualização, e lá<br />

vi uma relação com os recortes do Fontana. E toda a idéia de erotismo<br />

ficou secundária. Daí o trabalho começa a se relacionar com coisas em<br />

que você não havia pensado.<br />

Comento que, a despeito da opinião dele e de seus pares do grupo<br />

Rex, a historiografia brasileira os coloca como precursores da Pop Arte<br />

no Brasil, ao lado de Waldemar Cordeiro e Antônio Dias.<br />

É um Pop que não era Pop. Era uma relação política. Porque a<br />

ditadura não deixou que a arte Pop chegasse aqui direito. Pegue o<br />

trabalho do Rubens Gerchman, toda a arrumação do trabalho dele era<br />

política, da Lygia Pape também. O Pop com essa idéia americana ou<br />

inglesa de consumo não existia aqui, reflete Leirner.<br />

Lembro que um de seus trabalhos, Adoração – uma espécie de<br />

estandarte com a imagem de Roberto Carlos –, é sempre uma referência<br />

de obra Pop no Brasil:


Futuro do Presente . 2007<br />

Era uma relação com o mito. Era uma época muito rica – os Beatles,<br />

a minissaia –, em que o mito se tornou algo importante. E foi onde, pós-<br />

Guevara, para mim, a sociedade aprendeu a desmistificar o elemento<br />

mito por meio do consumo. Nos Estados Unidos, tudo que era mais crítico<br />

era mais consumido. A sociedade não queria mais apanhar. Então, se ela<br />

consome a crítica, ela pára de ser criticada.” De certa forma, essa<br />

afirmação de Leirner cria um paradoxo com um depoimento seu presente<br />

no DVD sobre seu trabalho, realizado pela Documenta Vídeo Brasil em<br />

2004, em que diz “a glória para o artista é se tornar um produto”.<br />

Nosso papo vai se encaminhando para o fim. Mais de uma hora e meia<br />

de conversa e fico com a nítida sensação de que, por mais que seja<br />

possível eleger temas e preocupações marcantes no trabalho de Leirner<br />

(o que acaba sendo o intuito desta matéria), os seus cinqüenta anos de<br />

carreira são tão fascinantes, variando muito de forma e conteúdo, que<br />

só a visita a suas exposições e a leitura de obras sobre seu trabalho não<br />

conseguirão dar a dimensão exata do quão influente é sua produção para<br />

as gerações posteriores. Quando a aflição resultante dessa reflexão me<br />

abatia, Nelson Leirner, barba e cabelo a serem aparados, portando seu<br />

vistoso e indefectível colar formado de elementos diversos (figa, estrela<br />

de Israel, playmobil etc), sempre tranqüilo, nos conta sobre seu grande<br />

projeto, o que acaba por dar a mim a noção que o próprio artista tem<br />

de sua longa e multifacetada carreira:<br />

Eu tenho uma idéia de fazer um trabalho ou um livro, todo ele<br />

baseado em mentira. Criar toda uma mentira, mas que não pode<br />

ter nem ao menos uma testemunha, porque senão alguém pode<br />

refutá-la. Eu tenho que bolar uma idéia de vida artística que<br />

ninguém possa rebater, não pode haver testemunhas. É um<br />

trabalho em que estou encucado faz tempo: recriar minha vida<br />

artística. Não seria um trabalho prático, é uma coisa de ir<br />

escrevendo, colocar teorias que eu nunca tive na verdade, mas<br />

que ninguém poderia rebater. Seria o crime perfeito, a arte<br />

perfeita (risos).<br />

Saiba Mais<br />

www.britocimino.com.br<br />

Confira mais artes do Leirner na galeria do portal www.maissoma.com<br />

55


+ESPECIAL<br />

58<br />

Ilustração Eduardo Recife<br />

AMPLIFICA<br />

VOL.#1<br />

Amplifica Volume 01 é a primeira de uma<br />

série de coletâneas produzidas pela Revista <strong>+Soma</strong><br />

<strong>+Soma</strong><br />

com o intuito de apresentar o melhor da música<br />

brasileira de vanguarda, independente de gênero ou rótulo.<br />

Para essa primeira edição foram selecionadas 14 músicas<br />

inéditas de bandas ou artistas-solo que, ou já passaram pelas<br />

1 . Sobe Ladeira<br />

Constantina . 2008<br />

Autoria . Constantina<br />

Participação . Coral das<br />

Lavadeiras de Almenara sob<br />

regência de Carlos Farias<br />

Banda . André Veloso, Bruno<br />

Nunes, Daniel Nunes, Glauco<br />

Ferreira e Leonardo Nunes<br />

O grupo mineiro surgiu em 2003, criando uma linguagem baseada em<br />

temas instrumentais recheados de referências eletrônicas sutis e numa<br />

disciplina de composição baseada na improvisação. Seus discos,<br />

lançados pelo selo próprio da banda, representam bem o pós-rock das<br />

alterosas.<br />

Sobre a Música: A escolha da música Sobe Ladeira é algo especial,<br />

porque foi o último registro feito pela banda como um quinteto. Sua<br />

importância para a banda se dá pela descoberta de um novo tipo de<br />

linguagem, onde exploramos a “brasilidade” de nosso som. Éramos<br />

cindo pessoas com mentes, vidas e concepções de mundo diferentes.<br />

Produzido por Constantina . Gravado no Estúdio La Petite Chambre (BH)<br />

Mixado por André Veloso e Daniel Nunes . Gentimelmente cedido por<br />

La Petite Chambre Conheça mais em www.constantina.art.br<br />

páginas da revista nesse nosso primeiro ano de vida, ou que<br />

em breve aparecerão em nossas páginas.<br />

Em comum, são projetos independentes de pessoas extremamente<br />

criativas e talentosas que conseguiram romper<br />

barreiras e criar, cada um no seu estilo, um som de personalidade<br />

forte e marcante.<br />

Um disco eclético e contemporâneo para ouvir até gastar,<br />

copiar para os amigos e compartilhar na internet. Você também<br />

pode fazer o <strong>download</strong> da coletânea para o seu computador<br />

ou mp3 player – é só acessar o nosso site. <br />

Agradecimento especial a todas as bandas e artistas que participaram da<br />

coletânea e a Nike e a Red Bull por nos ajudar a viabilizar esse projeto.<br />

Masterizado por Vander Carneiro no Atelier Studios (SP).<br />

Jozzu<br />

2 . Rainha das Cabeças<br />

Kiko Dinucci & Bando<br />

Afromacarrônico . 2008<br />

Autoria . Douglas Germano<br />

e Kiko Dinucci<br />

Banda . Kiko Dinucci, Douglas<br />

Germano, Railídia Carvalho,<br />

Dulce Monteiro, Julio Cesar,<br />

Rafael e Castro<br />

Kiko é herdeiro desses bambas que não querem deixar a música parada<br />

quietinha. Pode incluir nessa lista um Itamar Assumpção ou Jards<br />

Macalé, por exemplo. Com o Afromacarrônico, turbina sua pesquisa<br />

com muita influência de música africana de origem nagô, unindo festa<br />

e inquietação.<br />

Sobre a Música: Conheci Douglas Germano em meados de 1997.<br />

Começava a me embrenhar pela composição e ele já era um jovem<br />

veterano. Nos reencontramos em 2006, no Bando AfroMacarrônico. A<br />

primeira canção dessa retomada foi “Rainha das Cabeças”, dedicada<br />

a Iemanjá. Quem interpreta a canção é o próprio Douglas.<br />

Produzido por André Magalhães . Gravado, mixado e masterizado pelo<br />

Estúdio Zabumba (SP) . Gentimelmente cedido pela Desmonta . Albúm .<br />

Pastiche Nagô Ouça mais em www.myspace.com/afromacarronico


3 . Saga<br />

Slim Rimografia . 2008<br />

Autoria . Valter Araujo<br />

de Souza (Slim)<br />

Participação . Participação<br />

Andreia Passos<br />

Valter Araújo de Souza aka Bruce Slim aka Slim Rimografia – o rapper<br />

faça-você-mesmo por excelência! Com seu estúdio caseiro, manda<br />

ver nas batidas e letras mais espertas que se pode esperar de um MC<br />

e produtor antenado com sua época e interessado sobretudo em<br />

música brasileira.<br />

Sobre a Música: Na metrópole, música pra acalmar, pra animar, pra<br />

pensar – esta é Saga, um som que fala dos trajetos do trabalho para<br />

casa, da rua para os bailes. Um beat feito numa noite e gravado no dia<br />

seguinte. Eu mostrei à Andréia dois compassos do beat e a garota<br />

desandou a cantar um refrão, feito por ela alguns dias antes.<br />

Produzido por Slim Rimografia . Gravado no Estúdio Mokado Records (SP)<br />

Mixado por Slim Rimografia . Masterizado pelo Ganja man no El Rocha<br />

Estúdio . Gentimelmente cedido pela (©urve)music . Álbum . Introspectivo<br />

Ouça mais em www.myspace.com/slimrimografia<br />

5. Filha da Palavra<br />

Axial . 2008<br />

Autoria . Sandra Ximenez e<br />

Felipe Julián<br />

Banda . Sandra Ximenez,<br />

Felipe Julian, Leonardo<br />

Correa, e Yvo Ursini<br />

Música para se ouvir com os olhos – esse é o lema do grupo paulistano,<br />

interessado em conectar manifestações artísticas díspares e<br />

licenciando seus trabalhos através da inovadora licença Creative<br />

Commons. Nada mais adequado a um grupo que usa a internet como<br />

plataforma de divulgação.<br />

Sobre a Música: Inspirada em um caderninho da artista plástica<br />

Thula Kawasaki, incluído numa instalação de arte contemporânea<br />

com os dizeres “a menina conhecia melhor que ninguém tudo aquilo<br />

que não existia”. A produção foi feita com sons de pedras sendo<br />

atiradas ao chão.<br />

Produzido e Mixado por Felipe Julián . Gravado ao vivo no Teatro do<br />

Shopping Frei Caneca (SP) . Mixado e masterizado por Felipe Julian .<br />

Gentimelmente cedido pelo AXIAL . Álbum . Senóide Ouça mais<br />

www.myspace.com/projectaxial<br />

4 . Indica<br />

Burro Morto . 2007/08<br />

Autoria . Burro Morto<br />

Banda Haley Guimarães,<br />

Leonardo Marinho, Ruy Oliveira,<br />

Daniel Ennes Jesi, Thiago Costa,<br />

Victor Afonso, Felipe Gouveia<br />

e Felipe Tavares<br />

O quinteto paraibano é um bem-sucedido amálgama musical de<br />

influências como afrobeat, jazz, funk e psicodelia. O resultado desse<br />

cruzamento vibrante e dançante é uma música cheia de frescor,<br />

transpirando energia com batidas certeiras, climas lisérgicos e texturas<br />

e timbres altamente imagéticos.<br />

Sobre a Música: A música “Indica” foi escolhida por conter elementos<br />

que sintetizam a sonoridade do Burro Morto: o balanço, as texturas e<br />

timbres psicodélicos, a progressividade dos arranjos, além de possuir<br />

boa variação de climas e nuances.<br />

Produzido e Mixado por Haley Guimarães, Leonardo Marinho, Ruy Oliveira<br />

e Daniel Ennes Jesi . Gravado no Estúdio 24horas . Masterizado no Estúdio<br />

Peixe-Boi (PB) por Marcelo Macedo . Gentimelmente cedido pelo Burro<br />

Morto Ouça mais em www.myspace.com/burromorto<br />

6 . Rocheda<br />

Fossil . 2007<br />

Autoria . George Frizzo<br />

Banda . George Frizzo,<br />

Vitor Colares, Eric Barbosa<br />

e Victor Blhum<br />

Usando o formato tradicional roqueiro, o quarteto cearense Fossil,<br />

surgido em 2004, é o resultado do encontro de quatro amigos<br />

interessados em construir música instrumental contemporânea calcada<br />

em experimentação e manipulação de efeitos sonoros. Ok, se essa<br />

descrição te lembrar pós-rock, fique tranqüilo: o grupo é isso e muito<br />

mais.<br />

Sobre a Música: “Rocheda” surgiu de forma espontânea, como uma<br />

tentativa de reforçar o diálogo com uma linguagem sonora<br />

multicultural, percussiva. Foi uma música composta em um momento<br />

de execução livre, onde tentamos ir além do clima etéreo<br />

característico nosso, e incorporamos outros detalhes e dinâmicas.<br />

Produzido por Fossil . Gravado e mixado no Estúdio Gramophone,<br />

Fortaleza (CE) por Junior Arruda e Fossil . Gentimelmente cedido pelo<br />

Fossil www.myspace.com/fossilsoundtrack<br />

59


+ESPECIAL<br />

60<br />

7 . Tormenta<br />

Ordinaria Hit . 2008<br />

Autoria . Flávio Lepsch<br />

Custódio<br />

Banda . Flávio Bá, João<br />

Branco, João Riveros, Renato<br />

Ferreira e Rodrigo Rosa<br />

Desde 2001, o grupo paulistano se apresenta por todo Brasil, Argentina<br />

e Uruguai, seguindo uma agenda política radical, e ganha fãs com sua<br />

estética pós-punk, seguindo grupos como The Ex e Fugazi. A banda tem<br />

seis lançamentos até o momento (quatro CDs e dois singles virtuais) e<br />

não pára: já há mais dois lançamentos no horizonte.<br />

Sobre a Música: Ela reflete bem um processo de composição diferente,<br />

que de certa maneira adotamos com a entrada do Renato (que<br />

atualmente está em Amsterdã). O rascunho da faixa é dele. Seria a<br />

antítese da música pop, com inserção de vocal quase zero, sem refrão<br />

e um ritmo que confunde a cabeça.<br />

Produzido por Ordinaria Hit . Gravado analogicamente no Clube Berlin<br />

(SP) por Jonas . Mixado por Ordinaria Hit . Gentimelmente cedido pelo<br />

Ordinaria Hit Ouça mais em www.myspace.com/ordinaria<br />

9 . Soltinho<br />

Rockers Control . 2008<br />

Autoria . Bruno B. B. Gusmão,<br />

Cristiano A. M. G. Scabello,<br />

Décio C. Silva, Fabio F. Murakami,<br />

Marietta P. V. Arantes e Mauricio<br />

P. Pregnolatto<br />

Banda . Bruno Borges B. Gusmão,<br />

Cristiano A. M. G. Scabello,<br />

Décio C. Silva, Fabio F. Murakami,<br />

Gustavo Lenza, Guilherme Arantes, Marietta P. V. Arantes e<br />

Maurício P. Pregnolatto<br />

8. A.f.r.i.c.a<br />

MAX B.O. 2008<br />

Autoria . Max B.O.<br />

e Leo Cunha<br />

Verdadeira lenda do freestyle, Max B.O é um dos mais requisitados<br />

MCs do pais, gravando com artistas como Trio Mocotó, Nação<br />

Zumbi, Instituto e O Rappa, por exemplo. Recentemente, participou<br />

no filme Antônia e vem se apresentando com o DJ Marco desde<br />

2004, trabalhando com artistas como Rappin Hood, Beto Villares e<br />

a cantora Céu.<br />

Sobre a Música: Foi uma forma de chamar a atenção para os<br />

problemas daquele continente, que mesmo nas piores condições<br />

ainda consegue se manter firme.<br />

Produzido, Gravado, Mixado e Masterizado por Leo Cunha no Studio<br />

Casa1 (SP) . Gentimelmente cedido por Casa 1 Records . Álbum Sabor<br />

Hip Hop . Vol.2 Conheça mais www.maxbo.com.br<br />

10 . Um abraço na Naná<br />

Algaravia Trio . 2008<br />

Autoria . Murillo Mathias<br />

Banda completa: Felipe<br />

Pagliato, Murillo Mathias e<br />

Demétrius Carvalho<br />

Rockers é um sexteto interessado na vertente mais radical e lisérgica<br />

A música do Algaravia Trio parte de dois pressupostos: de que algo<br />

aparentemente incompreensível para uns pode ter significado profundo<br />

para outros, e que o caos pode ser um bom começo para eventos,<br />

digamos, mais organizados. A vocação da banda para unir elementos<br />

da música jamaicana: o dub. O trabalho do grupo é baseado em<br />

díspares, obtendo resultados às vezes surpreendentes é uma constante,<br />

longas improvisações e seu material gravado é baseado nesses<br />

além das improvisações livres, norteadas unicamente pelo instinto<br />

momentos de execução livre, fiéis ao que escutamos ao vivo.<br />

musical de cada um dos integrantes.<br />

Sobre a Música: “Soltinho” foi gravado ao vivo e, assim como o<br />

Sobre a Música: Fazendo brincadeira com o título de uma das poucas<br />

restante das faixas do disco Jacuípe Sessions, carrega o frescor do<br />

composições conhecidas de João Gilberto, a banda aproveita para<br />

litoral baiano, o aconchego do estúdio e pousada Coaxo do Sapo e a<br />

homenagear uma das grandes amigas da banda. "Um Abraço na Naná"<br />

inspiração no sentimento de liberdade.<br />

traz uma estrutura jazzística mesclada com o clássico formato AABA<br />

da música popular. É um dos temas mais aplaudidos nas apresentações<br />

Produzido e Gravado no Estúdio Coaxo do Sapo em Jacuípe (BA) .<br />

Gravado por Gustavo Lenza . Mixado por Yellow P . Gentimelmente<br />

cedido pelo Dubversão/Traquitana . Álbum . Jacuípe Sessions Ouça<br />

do trio e, por este motivo, escolhido para fazer parte da coletânea.<br />

mais em www.myspace.com/rockerscontrol Produzido, gravado e mixado pelo Algaravia Trio . Gentimelmente cedido<br />

pelo Algaravia Trio Conheça mais em www.algaraviatrio.net<br />

Dani Dacorso<br />

Ana Claudia Lopes


11 . Empate<br />

Polara . 2007<br />

Autoria . Carlos Dias, Mario<br />

Cappi, Rafael Crespo, André<br />

Sato e Fernando Seixlack<br />

Banda . Carlos Dias, Mario<br />

Cappi, Rafael Crespo, André<br />

Sato e Fernando Seixlack<br />

O Polara foi um grupo formado em 1999 por Rafael (ex-Planet Hemp)<br />

Carlinhos (ex-Againe) e Sato (ex-Mickey Junkies). Desde então, o grupo<br />

foi agregando músicos conhecidos da cena indie de São Paulo. O Polara,<br />

sempre é bom dizer, foi um grupo que começou a cantar em português<br />

quando isso era totalmente incomum no cenário independente. Entre<br />

demos e alguns registros em CD, o grupo angariou fiéis fãs, admiradores<br />

dessa tão conturbada banda.<br />

Sobre a Música: A música Empate foi escolhida por Crespo, guitarrista<br />

da banda por ser, segundo ele, “uma das melhores músicas que o Polara<br />

já fez”. Empate foi gravada em 2007 e deveria fazer parte do novo disco<br />

da banda que infelizmente não será mais lançado comercialmente (já<br />

circula um álbum com músicas inéditas do Polara na internet batizado<br />

de “Inacabado”). Seus ex-membros se dedicam à novos projetos como<br />

o Albertinho dos Reys e Aspen, respectivamente, projeto-solo de Carlos<br />

Dias e a nova banda de Rafael Crespo.<br />

Gravado no Estúdio Dal Santo (SP) . Mixado e Masterizado por Rafael Crespo<br />

no Estúdio Superfuzz (RJ) . Gentimelmente cedido por Rafael Crespo (Polara)<br />

. Álbum . Inacabado Ouça mais em www.myspace.com/ppolara<br />

13 . A Força da Sugestão<br />

Parteum . 2008<br />

Autoria . Parteum<br />

Parteum é um rapper e produtor alinhado à tradição de artistas<br />

sofisticados e inovadores do hip-hop mundial, como Pete Rock, Madlib<br />

e Jay Dee. Seu trabalho é marcado pela escolha de batidas refinadas<br />

e rimas de forma e conteúdo incomuns para o cenário rap nacional.<br />

Sobre a Música: Divas de fino trato, entendam meu relato: MP3,<br />

Serato, vinil, CD, eu trato cada linha feito a moça que me deu a mão.<br />

Padrinho do Espião com mais um disco no colchão. Mais tijolos =<br />

Construção! Mais enigmas = Refrão! Mais dinheiro, mais pressão. Te<br />

apresento agora a força da sugestão.<br />

Faixa composta, arranjada e produzida por Parteum para Mzuri Sana® .<br />

Gravado, mixado e masterizado por Vander Carneiro e Parteum no Atelier<br />

Studios (SP) . Gentimelmente cedido pelo Parteum/Mzuri Sana Conheça<br />

mais em www.parteum.com<br />

Jozzu<br />

12 . Uma outra<br />

versão sobre o<br />

mundo de Maya<br />

Guizado . 2008<br />

Autoria . Guilherme Mendonça<br />

Banda . Guilherma Mendonça,<br />

Rian Batista, Regis Damasceno<br />

e Luciano Curumin<br />

Guizado é o projeto do polivalente músico Gui Mendonça. Neste<br />

projeto, sua marca é uma mistura de harmonias criadas por seu<br />

instrumento, o trompete, aliado às texturas encontradas nos<br />

experimentos com toda espécie de parafernália eletrônica.<br />

Sobre a Música: O principal motivo da escolha dessa música para a coletânea<br />

é o fato de ela ter um tema forte, uma melodia facilmente reconhecível<br />

– o que não é tão comum em minhas músicas – e Maya é um<br />

bom exemplo disso. Eu gosto da levada do som, a maneira como o<br />

baixo e a bateria se estruturam.<br />

Produzido por Postan Gallas e Guilherme Mendonça . Mixado por<br />

Postan Gallas . Gravado no Estúdio El Rocha (SP) . Gentimelmente<br />

cedido pelo Diginois/Urban Jungle . Álbum . Punx Ouça mais em<br />

www.myspace.com/guizado<br />

14 . De Manhã<br />

ou de Noite<br />

M. Takara . 2008<br />

Autoria .<br />

Maurício Sanches Takara<br />

Maurício Takara achou o espaço perfeito para nos brindar com seu<br />

trabalho mais pessoal em seu projeto M. Takara. Um dos maiores<br />

destaques da cena independente brasileira dos últimos dez anos, o<br />

músico vem testando diferentes formações e recursos eletrônicos<br />

neste projeto, aliados, obviamente, a seu trabalho percussivo plural.<br />

Sobre a Música: Escolhi esse som por que era um som que eu já<br />

tinha bem encaminhado e não tinha sido lançado. Tem um motivo<br />

bem hipnótico e repetitivo, que vai causando e sofrendo variações<br />

ao longo da música. Achei que por isso seria uma música boa para<br />

uma compilação.<br />

Produzido por Mauricio Takara . Gravado e Mixado no estúdio Cocô Ambulante<br />

(SP) por Mauricio Takara . Gentimelmente cedido pela Desmonta<br />

Ouça mais em www.myspace.com/mtakara<br />

61


Entrevista por Tiago Moraes<br />

Imagens divulgação<br />

É muito comum nas grandes metrópoles mundiais nos depararmos com<br />

pessoas apressadas e cabisbaixas, com o olhar perdido, se esvaindo<br />

no infinito. A evolução das novas formas de comunicação digital,<br />

com suas mensagens instantâneas e torpedos SMS, estão tornando<br />

as pessoas cada vez mais fechadas e tímidas.<br />

Não seria a hora, mesmo que seja um mero exercício, de passar a olhar<br />

mais para cima, além do campo tradicional (e limitado) de visão? Que tal<br />

começar a encarar as pessoas olho no olho dentro de um elevador em vez<br />

de desviar o olhar para baixo? Você pode se surpreender com esse novo<br />

universo a ser descoberto.<br />

O artista urbano norte-americano Above sabe muito bem disso<br />

e foi lá no alto, muito além dos muros nos quais a maioria<br />

dos artistas de rua focam sua atenção, encontrar o espaço<br />

para expor seus trabalhos e dialogar com a cidade.<br />

Não satisfeito em “pendurar” sua arte pelos Estados Unidos inteiro,<br />

da costa Oeste à Leste, do eixo Norte ao Sul, o artista rodou<br />

quase toda a Europa e acaba de terminar uma turnê de mais de<br />

seis meses viajando pelas Américas Central e Sul, tendo inclusive<br />

passado pelas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro.<br />

Nesta entrevista, o artista conta um pouco mais sobre detalhes<br />

e curiosidades de suas viagens mais recentes e compartilha<br />

um pouco mais do seu universo e inspirações. <br />

63


SIGN LANGUAGE TOUR<br />

64<br />

Fale para a gente um pouco sobre o projeto Sign Language.<br />

A turnê Sign Language aconteceu em 2006, e foi [estruturada]<br />

especificamente em cima das instalações de setas móveis que eu vinha<br />

pendurando nas cidades. Eu já havia pendurado setas anteriormente<br />

pela Europa e Estados Unidos, mas a turnê foi concebida para explorar<br />

e disseminar a minha teoria Word/Play. Essa foi sem dúvida a minha<br />

turnê mais intensa até hoje. Criei e pendurei minhas setas em 26 países<br />

da Europa durante cinco meses. Visitei literalmente todos os países<br />

entre Espanha e Turquia e entre Grécia e Finlândia, e em todos pude<br />

pendurar minhas setas Word/Play.<br />

O nome dessa tour e a idéia por trás de tudo era que cada seta trazia<br />

em cada lado uma palavra. As setas têm dois lados e ficam girando<br />

constantemente com o vento. Essa seria uma forma de comunicação que<br />

usaria o movimento em vez do som, exatamente como as pessoas surdas<br />

usam a linguagem dos sinais para se comunicar com outra pessoa.<br />

Você começou esse projeto nos Estados Unidos, certo? Em quantas<br />

cidades você pendurou as setas?<br />

Em 2004, embarquei na minha turnê pela América. Foram três meses<br />

viajando e catorze cidades visitadas nos Estados Unidos, terminando em<br />

Toronto no Canadá. Foi uma espécie de preparação para essa turnê maior<br />

na Europa, já que ainda estava descobrindo maneiras e lugares para<br />

pendurar minhas setas e também como viajar de maneira fácil e segura.<br />

Nessa turnê eu dirigi 4800 km em um carro alugado por todos os Estados<br />

Unidos e Canadá, e pendurei setas em cidades como Chicago, Nova York,<br />

Los Angeles, Seattle, São Francisco, Pittsburgh, Detroit, Portland e<br />

Toronto, para citar algumas.<br />

Logo após atacar as cidades americanas você fez uma viagem para a<br />

Europa. Quantos e quais países você visitou?<br />

Assim que terminei as cidades planejadas nos Estados Unidos, parti para<br />

a Europa. Isso foi em 2005, e eu tive a oportunidade de visitar catorze<br />

países, onde pintei murais e também pendurei as setas. O mais longe<br />

que fui ao leste foi à cidade de Budapeste na Hungria e o mais longe ao<br />

norte foi Reykjavík na Islândia. Essa turnê em 2005 pela Europa foi uma<br />

boa preparação para a Sign Language Tour, que eu faria no ano seguinte<br />

em 26 países.<br />

A maioria de suas setas carregam em ambos os lados palavras de quatro<br />

letras. Como você escolhe essas palavras? Você primeiro escolhe o lugar<br />

em que vai pendurar e depois pensa nas palavras?<br />

Eu descobri que palavras de quatro letras são abundantes na língua<br />

inglesa - existem mais palavras de quatro letras em inglês do que<br />

quaisquer outras, sem falar em alguns dos melhores palavrões (risos).<br />

Então, trabalhando dentro desse conceito, descobri que dentro do limite<br />

de trabalhar com as quatro letras eu poderia escolher palavras que em<br />

conjunto poderiam transmitir toda uma gama de emoções ou sentimentos.<br />

Comecei o projeto colocando no papel todas as palavras com quatro<br />

letras da língua inglesa e depois comecei a trabalhar em cima de<br />

possíveis associações entre elas. Por exemplo: se pegarmos a palavra<br />

“love”, qual outra palavra de quatro letras você poderia escolher para<br />

uma associação? Talvez o significado oposto, a palavra “Hate”, ou fazer<br />

um testemunho como “More/Love”, “Lost/Love”, “Feel/Love” etc.<br />

Eu dedico bastante tempo à escolha das palavras e do local onde<br />

pendurar cada uma das setas. Geralmente, quando vou a um lugar onde<br />

quero pendurar uma, levo de quinze a vinte peças com mensagens<br />

diferentes. Lá, escolho a mais adequada ao ambiente, que dialogue<br />

melhor com ele.<br />

Como você pendura essas setas tão alto? (Ok, eu sei que você não vai<br />

responder essa)<br />

Eu não gosto de responder essa pergunta, porque quero que as pessoas<br />

usem a imaginação e pensem sobre todas as maneiras possíveis de se<br />

pendurar a seta em um determinado lugar. Já ouvi muitos palpites e<br />

idéias interessantes de pessoas que tentam adivinhar como eu penduro<br />

as peças. Acho isso muito mais interessante do que simplesmente falar<br />

como eu faço.<br />

E todos esses padrões diferentes que você usa, de onde vêm?<br />

Os padrões são uma maneira divertida de “vestir” as setas. Como o<br />

espaço que sobra é enorme, achei legal colar tecidos nas setas de<br />

madeira. Os tecidos vêm de lojas onde costumo ir, e sempre escolho<br />

vários padrões e cores diferentes, que transmitam sentimentos e que<br />

sejam engraçados. E já que as setas giram o tempo todo, é importante<br />

escolher padrões que sejam fortes e definidos para chamar a atenção<br />

das pessoas.<br />

Qual foi a história mais marcante da turnê Sign Language na Europa?<br />

Acho que o mais louco foi ter conseguido fazer uma imitação da<br />

passagem de trem da Eurail para viajar de graça de trem por cinco<br />

meses! Transporte gratuito por toda a Europa foi sem dúvida uma das<br />

melhores coisas dessa viagem.<br />

Dos lugares que você visitou nessa turnê, qual você mais gostou?<br />

Por quê?<br />

Eu adorei Barcelona na Espanha, de verdade. Acho que pela mistura<br />

do clima, a praia, o sol, as pessoas e toda a atitude e cultura que a<br />

cidade transborda. Também gostei muito da Dinamarca, da Islândia,<br />

da Romênia e da Grécia. <br />

“Eu descobri que palavras de quatro letras são abundantes<br />

na língua inglesa - existem mais palavras de quatro letras<br />

em inglês do que quaisquer outras, sem falar em alguns<br />

dos melhores palavrões (risos)”.


Istambul . Turquia<br />

São Francisco . USA<br />

Toronto . Canadá


São Paulo . Brasil<br />

Cidade do Panamá . Panamá<br />

Cidade da Guatemala . Guatemala Lima . Peru<br />

Santiago . Chile Santiago . Chile


SOUTH CENTRAL TOUR<br />

Conte um pouco sobre o projeto South Central. Quantos meses você<br />

passou viajando e quantos países você visitou? Por que você decidiu<br />

viajar pela América Central e pela América do Sul?<br />

A turnê South Central foi uma história mais pessoal para mim, uma busca<br />

pelo crescimento como ser humano e artista. Essa foi a primeira turnê<br />

em que não tive vontade de pintar nem de pendurar minhas setas. Para<br />

mim o mais importante dessa viagem foi conhecer novos lugares e<br />

experimentar novos estilos [de pintura].<br />

Foram quase 24 meses para organizar meus contatos e definir quais<br />

lugares eu queria visitar e onde queria pintar. E foi também a turnê mais<br />

longa que já fiz até hoje: seis meses viajando! Tive a oportunidade de<br />

visitar e pintar em treze cidades de onze países diferentes.<br />

Escolhi explorar as Américas Central e do Sul porque esses lugares<br />

trazem muitas possibilidades, é uma área ainda não muito explorada e<br />

com poucas leis e restrições contra o graffiti. Os Estados Unidos e a<br />

Europa já têm diversas leis estabelecidas contra o graffiti, além de<br />

[haver] muita rivalidade entre os artistas de rua. Por outro lado, nesses<br />

lugares é muito fácil ter acesso às melhores tintas e aos melhores<br />

materiais. Já nas Américas Central e do Sul é muito mais difícil conseguir<br />

material como latas de spray, rolos e tinta, e por isso achei que seria<br />

uma viagem atrativa e desafiadora.<br />

Eu fiquei sabendo que você passou por situações delicadas nessa<br />

turnê, como ser esfaqueado no Equador e ser roubado na Argentina.<br />

Conte algumas histórias dessa tour.<br />

Infelizmente, esses problemas realmente aconteceram. Meu amigo El<br />

Tono, artista de Madrid, também estava em Buenos Aires quando eu<br />

estava lá. Nós saímos juntos para pintar em uma área meio perigosa,<br />

estávamos pintando ilegalmente, sem permissão, à luz do dia, e já<br />

estávamos lá há umas duas horas. Dois garotos, de 18 ou 19 anos, se<br />

aproximaram e disseram que estavam armados e que iam roubar a gente.<br />

Nós não acreditamos e continuamos pintando, mas os dois sacaram as<br />

armas e apontaram para as nossas cabeças e mandaram a gente entregar<br />

nosso dinheiro, câmeras e qualquer outro objeto de valor ou eles nos<br />

matariam. Percebi que ambos estavam bem tensos e com medo, mas eles<br />

estavam armados e poderiam nos matar. Foi uma situação desagradável,<br />

porque infelizmente naquele dia nós dois estávamos com nossas câmeras,<br />

e geralmente não levo minha câmera quando saio para pintar, então eles<br />

levaram as duas câmeras e mais uns cem dólares.<br />

Na outra situação, eu estava em Quito, no Equador, quando três viciados<br />

em cocaína vieram correndo pela rua, e um deles enfiou uma faca no<br />

meu braço! Enquanto a faca estava enfiada no meu braço, os outros dois<br />

caras enfiavam as mãos no meu bolso procurando por dinheiro. Ainda<br />

bem que esses caras só levaram doze dólares! Na real, essas situações<br />

são parte do que eu faço, de pintar ilegalmente e andar por lugares<br />

perigosos sozinho à noite. Tenho muita sorte de nada pior ter<br />

acontecido, e vejo essas situações como parte de um aprendizado.<br />

Por que nessa turnê você decidiu se concentrar em pintar grandes<br />

murais, especialmente murais tipográficos?<br />

Essas pinturas maiores foram uma transição progressiva do projeto<br />

anterior, da brincadeira com as palavras e as setas. Trabalhei nesse<br />

projeto anterior por uns quatro anos e queria evoluir, ter mais palavras<br />

e poder me expressar melhor em meus trabalhos. Decidi então priorizar<br />

as pinturas porque muita gente me conhece pelas minhas instalações de<br />

setas móveis e eu queria mostrar que também sei pintar. Gosto de me<br />

sentir um artista completo, e pintar esses grandes murais foi um passo<br />

importante para mim.<br />

Como foi o itinerário dessa viagem? Você planejou tudo antes ou foi<br />

para um país e deixou a coisa fluir? Como você viaja de um país para<br />

outro? Avião, ônibus, trem?<br />

Comecei a organizar essa turnê em 2006, enquanto fazia a Sign Language<br />

Tour. Comecei a fazer uma lista de amigos que eu tinha na América Central<br />

e do Sul e sondar se eu poderia ficar na casa deles, perguntar quais cidades<br />

era legal para pintar. Finalmente, em outubro de 2007, iniciei essa turnê<br />

pelo Rio de Janeiro. Quando cheguei ao Rio, eu tinha uma lista de vinte<br />

cidades e dezoito países que queria visitar e nos quais pretendia pintar. No<br />

decorrer da viagem, você vai gostando mais de alguns lugares e acaba<br />

ficando mais do que o planejado, tira outra cidade do roteiro original etc.<br />

Mas, no final, fiquei bem satisfeito com a quantidade de lugares<br />

visitados e a quantidade de lugares onde tive a oportunidade de pintar.<br />

Ao contrário da Europa, [nas Américas Central e do Sul] eu viajei muito<br />

de ônibus e de avião, nunca de trem.<br />

Entre os países que você visitou nessa turnê, de quais você gostou<br />

mais? Por quê?<br />

Essa pergunta é difícil, porque gostei de conhecer muitos países, por<br />

diferentes motivos. Eu diria que meus três países preferidos foram o<br />

Brasil, a Argentina e o México. Curti muito os três, porque são muito<br />

diferentes [entre si], além de carregarem muita cultura e serem lugares<br />

onde tenho grandes amigos. São Paulo é uma cidade incrível, com aquele<br />

tamanho todo e uma quantidade absurda de pichação e graffiti em todas<br />

as ruas. Buenos Aires tem todo um clima europeu e é cheia de energia.<br />

A Cidade do México tem muito graffiti tradicional e a comida é incrível.<br />

Todos esses motivos, somados ao fato de eu ter grandes amigos em todas<br />

essas cidades, tornaram essa experiência toda inesquecível.<br />

E sobre o Brasil? Você esteve em São Paulo e Rio, certo? Do que você<br />

mais gostou por aqui? E o que você odiou? Você chegou a fazer<br />

contato com artistas da cena de arte urbana local?<br />

Eu gostei muito do clima de praia no Rio e também da ótima comida. Em<br />

Sampa eu amei aquele monte de pichações, os graffitis e a vida noturna.<br />

A única coisa que odiei em Sampa foi o trânsito. Às vezes eu levava de<br />

duas a quatro horas atravessando a cidade para ir pintar um lugar. Isso<br />

foi bem desgastante e nem um pouco legal.<br />

Eu conheci muitos artistas em Sampa – amigos como o 2501, Highgraff,<br />

Prozak, Ciro, Não e Boleta, para citar apenas alguns. <br />

67


68<br />

ACIMA DE TUDO...<br />

Idade? Onde Mora? Educação artística?<br />

Tenho 27 anos. Hoje, aqui; amanhã, lá! Não tenho nenhuma educação<br />

formal de arte, apenas leio bastante, gosto de pesquisar muito em<br />

livros e aprender sempre com a vida.<br />

Como você descreveria o Above?<br />

Como alguém que está sempre tentando aprender coisas novas e se<br />

jogando em novos níveis.<br />

Você tem viajado muito nos últimos anos, e imagino que deve ser<br />

difícil manter um emprego tradicional. Como você consegue bancar<br />

todos os custos dessas viagens e do material que utiliza?<br />

Eu vendo minha arte pelo meu website. Também já trabalhei como<br />

garçom em alguns restaurantes, juntando dinheiro para viajar, mas nos<br />

últimos anos tenho vendido meus trabalhos e é assim que consigo<br />

viajar. Mas o mais importante de tudo é o apoio dos amigos que eu<br />

tenho no mundo todo, que me ajudam muito a economizar no custo de<br />

ter que pagar um albergue ou hotel. Sem os custos de hospedagem,<br />

sobra dinheiro para comprar comida, pagar transporte, tintas e outros<br />

materiais de pintura.<br />

Quando a criação artística se tornou algo importante na sua vida?<br />

Quando eu percebi que não conseguia mais viver sem fazer ou pensar<br />

de maneira criativa no meu dia a dia. Sou muito curioso para conhecer<br />

coisas, lugares novos. Vivo pensando em fazer arte e viajar me faz<br />

bem. É como uma droga positiva que não tem nenhum efeito colateral.<br />

O que mais te motiva nessa sua jornada? Você tem um plano de<br />

dominar o mundo ou algo do tipo? Quais os próximos passos? África?<br />

Oceania?<br />

O que motiva é o desafio de colocar em prática minhas idéias. Eu gosto<br />

de sonhar de forma intensa e estou sempre buscando obstáculos que<br />

me façam crescer e evoluir. Não tenho um plano específico para<br />

dominar o mundo, mas posso te dizer que eu tenho sim planos de viajar<br />

bastante e aproveitar o mundo. Existem tantas culturas diferentes,<br />

línguas, crenças, comidas e tudo o mais, e eu quero experimentar tudo<br />

isso o máximo que puder e seguir minha jornada. Eu quero e vou para<br />

o Sudeste Asiático em breve.<br />

“Já fui preso onze vezes ao redor do mundo.<br />

Já fui perseguido, espancado e sofri algumas ameaças de<br />

morte com armas apontadas para a minha cabeça,<br />

e tudo isso só por insistir em fazer o que gosto”.<br />

Você já apanhou de algum policial ou segurança, ou já foi preso?<br />

Já fui preso onze vezes ao redor do mundo. Já fui perseguido,<br />

espancado e sofri algumas ameaças de morte com armas apontadas<br />

para a minha cabeça, e tudo isso só por insistir em fazer o que gosto.<br />

Como é viver viajando? Qual a melhor parte e a pior parte de estar<br />

sempre em turnê?<br />

A melhor parte de viajar é simplesmente deixar fluir. Ter a oportunidade<br />

de se aventurar em uma nova cidade e experimentar tudo<br />

que ela tem para te oferecer. A pior parte é que, depois de cem dias<br />

dormindo no chão, a primeira coisa que eu quero ver pela frente é<br />

uma cama confortável.<br />

Você ainda tem algum lugar que chama de casa, ou está sempre<br />

em trânsito?<br />

Considero minha casa São Francisco, Paris, Barcelona e, muito em<br />

breve, Buenos Aires.<br />

Do que você gosta mais, pendurar setas ou pintar murais?<br />

Eu gosto dos dois, cada um por um motivo diferente. Amo pintar murais<br />

pelo processo e dimensão, e pendurar as setas pela estética visual e o<br />

movimento. Me divirto muito fazendo ambas a coisas.<br />

Está empolgado com algum novo projeto no momento?<br />

Eu embarco para a Itália amanhã. Estou voltando para a Europa para<br />

desenvolver alguns projetos e pinturas por três meses. Viajar sempre<br />

é estimulante.<br />

Primeiro vou para Roma trabalhar em algumas gravuras de tiragem<br />

limitada, em parceria com o Cromiestudio. Pretendo vender algumas<br />

e depois participar de um grande evento de arte ao ar livre pela Itália,<br />

Espanha e Portugal no verão. Depois, voltarei a Buenos Aires para viver<br />

lá por alguns meses.<br />

Últimas Palavras…<br />

Gostaria de agradecer todos os amigos que me deram um apoio incrível<br />

durante a turnê South Central. É muita gente para citar todos os<br />

nomes, mas se você deixou que eu ficasse na sua casa, dormisse no<br />

seu chão, se me deu alguma comida, se pintou junto comigo ou<br />

simplesmente deu um rolê junto, meu mais sincero muito obrigado!<br />

Obrigado por me ajudar a viabilizar mais esse projeto! <br />

Saiba Mais<br />

www.goabove.com


Bogotá . Colombia


Simone Nunes . Maria Lia costura vestido de tricoline na cor verde adriático


V.ROM . Tetê costura camisa de tricoline estampa savana.


Neon . Amélia costura vestido de seda estampa Gaugin


Alexandre Herchcovitch . Helenice costura vestido de seda estampa tapete


Maria Garcia . Maria Luiza Pacione costura casaqueto de pregas de lamé na cor ice.


Esse ensaio fotográfico é dedicado a todas as costureiras e demais profissionais<br />

que trabalham diariamente para que você fique sempre “na moda”.<br />

. Idealização .<br />

Kultur Studio<br />

. Edição e Produção .<br />

Helena Sasseron<br />

. Fotografia .<br />

Cia de Foto<br />

. Agradecimentos especiais .<br />

Alexandre Herchcovitch e Helenice<br />

Maria Garcia e Maria Luiza<br />

Neon e Amélia<br />

Simone Nunes, Joyce e Maria Lia<br />

V.ROM e Tetê


Você falava que precisa do caos para compor, mas como você<br />

aprimorou sua habilidade de composição, desde a época em que você<br />

começou a ouvir e a se interessar por música?<br />

Praticamente tudo veio como fruto da audição de muita música, da<br />

mesma forma que alguém pode aprender a escrever lendo muito. Minha<br />

mãe ouvia uma estação de rádio que tocava música clássica de manhã,<br />

e durante a tarde e a noite ela ouvia Nina Simone, Jimmy Cliff, Bob<br />

Marley, George McCrae… Rock Your Baby, do George McCrae, rolava<br />

direto no toca-discos. Quando eu era muito criança, essas foram minhas<br />

maiores influências.<br />

Depois descobri o Hendrix e o Funkadelic. Eu era muito fã de punk rock<br />

e de toasting do começo do dancehall: Yellow Man, Charlie Chaplin,<br />

esses caras. Acho que consegui usar essa diversidade quando comecei a<br />

usar samplers, um bom tempo depois, porque toquei em muitas bandas<br />

antes... Quando comecei a usar samplers, eu estava escutando muita<br />

coisa orquestral, e também John e Alice Coltrane, e Pharoah Sanders.<br />

As músicas deles são estruturadas em movimentos, como música<br />

clássica, e é justamente por isso que, especialmente nos meus primeiro<br />

e segundo discos, algumas músicas são arranjadas dessa forma.<br />

Por André Maleronka e Arthur Dantas . Tradução Rodrigo Brasil<br />

Fotos Fernando Martins<br />

Daria um filme: jovem mestiço, dividido entre o punk rock e o rap, as ruas e a universidade, descobre, na ficção científica e nas teorias<br />

intelectuais radicais, enredo e metáforas para sua própria vida, e, no sampler, o poder de síntese necessário pra dar sentido a ela.<br />

MC e produtor, o estadunidense Mike Ladd, infelizmente, fez uma rápida passagem pelo Brasil, se apresentando para uma audiência restrita.<br />

Pra quem pôde conferir seu universo sonoro balançado e conturbado, ficou muito claro que o conceito que batiza seu segundo álbum, Welcome<br />

to the After Future, é o plano diretor de sua produção. Com uma atitude tipicamente pós-moderna, usa análises dialéticas e liberdade semântica<br />

– não é a palavra post (pós) dos teóricos sua escolha, e sim a pedestre after: após, depois – para definir como soa: a partir de um arcabouço<br />

acadêmico, arquiteta resultados simples. O balanço de Ladd – mesmo em suas digressões pelo som instrumental de timbres orgânicos e<br />

construções largamente eletrônicas debitárias do free jazz – pode ser cru ou cozido, mas é sempre saboroso.<br />

Sua música move-se a partir do enfrentamento entre disparidades e descompassos – de alguma maneira, conceitos caros tanto à ficção<br />

científica como aos estudos de Teoria Crítica. Sua afiliação à linhagem do afro-futurismo via a agenda política do Black Arts Movement – uma<br />

transposição dos ideais Black Power liderada pelo poeta, dramaturgo e ativista Amiri Baraka durante os anos 1960 e 70 –, apresentada em uma<br />

trilogia (inacabada) de álbuns que descrevem uma guerra entre os personagens Infesticons e Majesticons – o bem e o mal musical,<br />

respectivamente –, pode parecer contraditória: um amálgama de materialismo e fantasia, tipicamente pós-moderno. É a contradição da capa<br />

de ... After Future, sua melhor obra até agora: uma distopia expressa com postes emaranhados em estranhas ligações elétricas, estatais e<br />

privadas. É uma utopia de caos impensável no Primeiro Mundo e cena cotidiana no Terceiro. “Estou considerando passar um tempo aqui, seria<br />

ótimo para compor”, disse Ladd, impressionado pela quantidade de material que produziu durante sua passagem por São Paulo. Além de<br />

ambiente de trabalho ideal, a capital paulista sintetiza suas previsões para o futuro do bom som, como ele declara na entrevista a seguir.<br />

O seu background é da cena punk hardcore. Por qual motivo você<br />

escolheu o rap como meio de expressão?<br />

O interessante é que eu estava sempre fazendo os dois ao mesmo<br />

tempo. Eu e meu amigo Troy começamos a rimar assim que o hip-hop<br />

chegou a Boston, uns dois anos depois de chegar a Nova York, mais ou<br />

menos em 1981. Eu fazia freestyle, porque nunca conseguia lembrar as<br />

letras dos caras. Quando a gente tinha 12 anos, o Troy inventou uma<br />

parada que era mais ou menos assim (cantarola): “When I was a little<br />

boy I read the comics/ Then I gave my money to Reaganomics/ Now<br />

that I’m poor I live in a shack/ Please Mr. Reagan won’t you give my<br />

money back?” Era muito legal (risos). Eu também era baterista de uma<br />

banda punk. Eu cresci em um lugar muito peculiar, chamado<br />

Cambridge, em Boston. Era um lugar com muitas universidades e<br />

estações de rádio muito boas, muita gente andava de skate, [havia]<br />

uma cena grande de ska, uma cena grande de reggae porque a<br />

[gravadora] Trojan tinha uma sede lá, uma cena enorme de punk rock<br />

e uma cena de rap. E em Cambridge as coisas funcionavam de forma<br />

particular, era diferente de Boston. Então foi meio lógico ter todas<br />

essas influências juntas.<br />

77


78<br />

E o que rolava nas cenas de punk e rap em Boston?<br />

E o Outkast.<br />

No começo dos anos 1980, tinha o Gang Green, Slapshot… Grandes<br />

bandas! Eu era muito fã do The Freeze, The F.U.’s. Isso tudo era de 84,<br />

Exato, não tem como mexer com essas pessoas, são forças da natureza!<br />

85 e 86. Era uma cena muito vibrante. E o hip-hop, nessa época, você Quando sairá o disco final da trilogia?<br />

ouvia na WERS, que era uma estação de rádio fantástica – e ainda é uma Eu não sei (risos), mas tá quase pronto. Acabei de descobrir o enredo, é<br />

das melhores estações de rádio da América. Funcionava mais ou menos mais ou menos assim: o conflito já acabou há anos, mas cinco Infesticons<br />

assim: rock das 16h às 18h, reggae das 18h às 20h, rap até as dez, e ficaram em um bunker. Quando eles finalmente saem, acham que a guerra<br />

depois disso punk rock até a meia-noite. A gente já deixava umas fitas ainda está rolando. Eles vão para algumas festas e não entendem nada. É<br />

cassete de 90 minutos só esperando pra apertar o rec (risos).<br />

um mundo descolado: todo mundo é bissexual e usa roupas fluorescentes.<br />

Eles ficam confusos, porque isso não é hip-hop (risos). Eles estão real-<br />

Você cursou literatura, certo?<br />

mente perdidos. Depois de Negrophilia e Father Divine, quero fazer discos<br />

Eu estudei numa escola experimental e me graduei num curso que era<br />

parte antropologia, parte etnografia, parte literatura, parte ciência<br />

com canções realmente boas, o que na real é mais difícil de fazer.<br />

política e história. Estudei sobre negros americanos expatriados no século E quem faz música boa hoje em dia?<br />

XIX e bastante sobre colonialismo. Na mesma época que estava Não sei muito o que tá rolando. Eu gostei muito do primeiro disco da<br />

escrevendo meu primeiro disco, fiz um mestrado em poesia. Esse foi M.I.A. Há algum tempo eu estava tentando fazer algo como um pingue-<br />

provavelmente o último ano em que trabalhei duro (risos).<br />

pongue cultural, especialmente tentando usar samplers de Bollywood e<br />

mais outras coisas, e ouvindo algumas bandas que estão surgindo em NY<br />

Existe uma tradição de arte radical vinda dos anos<br />

e que estão fazendo coisas impactantes, e que não são<br />

1960. Você enxerga sua obra como uma continuação<br />

daquelas propostas, especificamente o Black Arts<br />

Movement?<br />

Sim, eu estava seguindo a tradição do Black Arts<br />

“EU ESTAVA INTERESSADO<br />

EM ALGO MAIS RADICAL E<br />

POLÍTICO. NO COMEÇO DOS<br />

world music. Eu espero que o próximo grande<br />

movimento não saia de NY ou Los Angeles, mas sim de<br />

São Paulo, Bombaim ou Xangai. Quem sabe o que rola<br />

em Xangai hoje em dia? É isso que eu estou esperando.<br />

Movement de forma consciente, quando comecei a ANOS 90, CHEGUEI A PENSAR<br />

escrever diariamente. Eu tava dividido, porque nessa QUE ROLARIA UMA<br />

Essa idéia de música global, sem ser world music, é<br />

época existiam dois grupos de jovens escritores negros. REVOLUÇÃO – EU TAVA muito interessante… Como você acha que viver na<br />

Tinha um grupo chamado Darkroom Collective, um PRONTO PRA ISSO. O PUBLIC França influencia seu trabalho hoje em dia?<br />

grande coletivo de poetas da minha idade, escritores<br />

ENEMY AINDA NÃO HAVIA SIDO<br />

Olha, eu não mudaria para a França por razões<br />

fantásticos. Mas eles estavam negando o BAM naquele<br />

ponto, e eu não gostava daquilo. Eu estava interessado<br />

em algo mais radical e político. No começo dos anos<br />

90, cheguei a pensar que rolaria uma revolução – eu<br />

CRUCIFICADO E PARECIA QUE<br />

ALGUMAS COISAS PODIAM<br />

REALMENTE ACONTECER.”<br />

artísticas. A França era obviamente um lugar incrível<br />

para um artista do séc. XIX ou XX se mudar, por uma<br />

razão específica: a colisão de novas tecnologias do<br />

modernismo com as antigas tradições, resultando<br />

tava pronto pra isso. O Public Enemy ainda não havia<br />

numa grande explosão que tornaram o lugar muito<br />

sido crucificado e parecia que algumas coisas podiam realmente excitante. Era um enorme epicentro cultural, mas isso não está mais<br />

acontecer. Eu tava andando com um poeta marxista hardcore chamado acontecendo. Já em Bombaim, essa tensão está quente, por isso o lugar<br />

Tony Medina e gostava muito dos ideais marxistas nessa época – na real é interessante. A gente meio que precisa disso. Na minha opinião,<br />

ainda gosto. Hoje em dia, o pessoal do Darkroom se dá bem com o pessoal quando os lados tecnológico e cultural estão para se alinhar, mas ainda<br />

mais velho de spoken word.<br />

não deram o clique, é nesse momento que rola ação.<br />

Quando o disco do Infesticons saiu, o underground era uma esperança<br />

de renovação musical, mas depois de um tempo tudo isso<br />

desapareceu. O que você acha disso?<br />

É exatamente isso. O N.E.R.D mudou tudo. Eu me lembro que antes de<br />

embarcar para a Europa, pra turnê do Majesticons, foram lançadas as<br />

coisas do N.E.R.D./Neptunes. Na hora eu percebi que o que estava<br />

rolando no mainstream era muito mais interessante que o underground.<br />

Ok, tem um monte de bandas que todo mundo gosta porque eles dão<br />

duro, mas sempre existe alguém que é bom porque é realmente bom<br />

pra cacete e é isso. Não tem discussão. E esses são os melhores. Eles<br />

sempre aparecem, como o Bob Marley. Porque o cara vendeu milhares<br />

de disco? Ele era realmente foda!<br />

The Clash?<br />

Exato, é a mesma coisa que o Bob Marley.<br />

Você acha que os EUA, em conjunto com a administração Bush,<br />

passam por um momento extremamente conservador?<br />

Certamente estamos passando por isso, mas está mudando – vamos ver<br />

o que vai acontecer com as eleições. A mídia promove uma agenda<br />

conservadora, você vê as batalhas que o Obama tem que travar, e<br />

algumas coisas parecem piada, como “você não tem um broche da<br />

bandeira americana? Que merda tá errada com você, cara?” Mas isso<br />

não tem nem a ver com conservadorismo. Na verdade mostra o<br />

funcionamento bizarro do processo eleitoral neste momento, a<br />

quantidade de besteiras que são levantadas…<br />

Você fala que vivemos no “After Future”. Você pode falar um pouco<br />

sobre isso? Se pensarmos nos últimos oito anos nos Estados Unidos,<br />

você acredita que o Obama pode ser a pessoa perfeita para encarnar<br />

essa nova era?


Não se engane: gosto muito do Barack, e vou estar na América em novembro<br />

de qualquer jeito, apenas para participar desse momento da História – eu<br />

não vou ficar na França durante a eleição do primeiro presidente negro dos<br />

Estados Unidos. O Obama, em um nível mais abstrato, pode significar uma<br />

nova era, mas ele ainda é a favor do imperialismo e tem interesse em que<br />

os EUA estejam na frente, continuando no papel da maior potência mundial.<br />

E mesmo se em algum lugar do seu subconsciente ele não estiver interessado<br />

nisso, se ele estiver interessado em algo mais igualitário, ótimo,<br />

mas as pessoas com quem ele trabalha e para quem ele trabalha não querem<br />

isso. E ele definitivamente trabalha para outras pessoas, para grupos<br />

de interesse e algumas grandes corporações – não são todas – que ainda<br />

precisam da idéia de nação para fazer dinheiro. Mas o Obama trabalha para<br />

essas pessoas, e mesmo na sua campanha ainda não deu exemplos claros de<br />

como essas mudanças ocorrerão e de quais serão elas. Eu acredito que uma<br />

grande mudança simbólica vai ocorrer e isso é importante, mas ele não está<br />

interessado no modus operandi econômico e social do planeta de maneira<br />

alguma (risos). Mas... dá pra repetir a pergunta?<br />

Você acha que o Obama personifica esse seu “After Future”? Na<br />

minha opinião, e provavelmente na do resto do mundo, se o Obama<br />

ganhar ele vai ser o presidente negro do império, algo completamente<br />

louco e complicado de se imaginar…<br />

Eu concordo, é verdade. Mas é muito interessante: nesse momento<br />

um dos mais perigosos políticos no mundo é uma mulher negra, a Condoleezza<br />

Rice. Você me entende? Ela é diabólica e inteligente, e é uma mulher<br />

negra. Então toda nossa percepção já tá mudando mesmo que a gente não<br />

perceba. Há uma grande diferença entre ser o Barack Obama e ser o<br />

presidente dos EUA, mas isso tudo não é algo pequeno. É muito interessante<br />

o que o 11 de setembro causou também, no momento em que as torres<br />

Show do Mike Ladd com SP Undeground . Sesc Santana . 2008<br />

caíram. Eu estava em NY e de repente os afro-americanos não eram mais<br />

o inimigo público número 1, pela primeira vez desde 1942. Foi muito louco!<br />

Em relação à administração Bush, a minha teoria é que ela tem uma relação<br />

bizarra com o povo afro-americano, acho que no fundo ele ama a América<br />

negra, do seu jeito perverso de ser. A primeira coisa que posso falar é que<br />

o Bush não dá a mínima para a humanidade. Ponto. Mais de uma perspectiva<br />

mais distante ele está interessado na América negra…<br />

Como uma ferramenta?<br />

Pode ser. Mas em algum momento no colegial ele já desejou ser negro. Que<br />

o Clinton queria ser negro, é óbvio. A maioria dos homens brancos americanos<br />

em algum ponto da adolescência já desejou ser negro. Acho que o Bush<br />

tem isso em algum lugar. Ele acha os negros legais, e pela primeira vez na<br />

história um republicano acha isso, o que não significa que ele dá a mínima<br />

para os negros. Ele quer usar os negros e não vai salvá-los se Nova Orleans<br />

estiver afundando. Então, naquele momento em que os prédios caíram a<br />

América branca se ligou que não foram os negros que derrubaram um prédio,<br />

e os negros passaram a ser visto como 100% americano. Quer saber o que<br />

personifca o “After Future” pra mim? Os travestis. Eles alteram seus corpos…<br />

O Michael Jackson também...<br />

O Michael Jackson é o exemplo perfeito! (Risos.) Essas pessoas que alteram<br />

seu físico… Não é uma coisa que eu admire, mas me impressiona, uma<br />

pessoa que muda dessa forma e acha normal. O cara decide que vai fazer<br />

mais grana com uns peitões, pronto. O cara vai e coloca os peitões (risos).<br />

Saiba Mais<br />

www.myspace.com/mikeladd<br />

Veja a entrevista completa em www.maissoma.com<br />

79


80<br />

Camadas<br />

da Cidade<br />

Por Tiago Mesquita . Fotos Divulgação<br />

Renata Lucas é uma das escultoras mais importantes do Brasil.<br />

Com menos de 40 anos de idade, ela já expôs no mundo todo.<br />

Seu trabalho é muito discreto e muitas vezes nem notamos<br />

que se trata de uma ação artística. Ela não é de fazer muitos objetos.<br />

Seus trabalhos mais conhecidos são as suas intervenções; que se<br />

misturam às ruas, edifícios e salas das metrópoles. Elas são feitas<br />

das mesmas coisas que vemos na rua, como elementos do dia-a-dia.<br />

Na rua, essas instalações se parecem com um corpo estranho. Algo que<br />

retira um tipo de normalidade do cotidiano.<br />

Hoje, muito se fala sobre a arte na cidade e sobre como a arte<br />

redescobre a cidade. Na maior parte das vezes, isso é conversa fiada,<br />

mas no caso de Renata Lucas é verdade. Sua última intervenção em São<br />

Paulo mostra o potencial que seu trabalho tem de dar sentido ao que<br />

acontece por aqui.<br />

Fazia algum tempo que Renata Lucas não expunha em São Paulo.<br />

Desde o ano da última Bienal de São Paulo, 2006, não lembro ter visto<br />

nenhum trabalho novo seu. Recebia as notícias. Sabia que ela estava a<br />

toda, trabalhando muito, por todo o mundo. Colocava esculturas<br />

grandes nas galerias e realizava instalações em vários espaços<br />

diferentes. Pude também ver o belo livro sobre sua obra lançado pelo<br />

instituto Red Cat, em Los Angeles, no ano passado.<br />

Galeria Fortes Villaça


Janela


Renata se dedica, sobretudo, a reconfigurar espaços arquitetônicos<br />

e urbanísticos diferentes. Suas instalações e esculturas mudavam os<br />

prédios, salas, corredores, jardins, ruas ou a relação dos passantes com<br />

eles. São feitos a partir de gestos discretos, mas muito radicais. Seu<br />

trabalho intervém diretamente na experiência dos transeuntes. Talvez<br />

por isso dispense enfeites e adornos. É austero. Não quer nada que<br />

pareça diferente do que tem por lá. As peças devem se mostrar como<br />

coisas da cidade.<br />

Ela ainda continua a utilizar materiais e elementos ordinários,<br />

pouco artísticos. Usa pedaços de tábua, compensado, material de<br />

construção, carpetes, móveis, plantinhas etc. O único vídeo dela que<br />

conheço é a extraordinária vídeo-instalação Barulho de fundo, exibida<br />

em 2005 no Instituto Tomie Ohtake e, um ano depois, na Bienal<br />

Internacional de São Paulo.<br />

Em abril agora, vi um dos seus trabalhos. Era uma intervenção<br />

discreta, mas perturbadora, em um espaço para a arte que acabava de<br />

Foto Rubens Mano . Galeria Luisa Strina<br />

inaugurar. A Galeria Fortes Villaça abrira um novo espaço em um<br />

daqueles velhos galpões industriais da Barra Funda, um desses amplos<br />

armazéns que ainda caracterizam a paisagem do bairro paulistano. Aliás,<br />

essa é uma área que ainda se parece muito com o que São Paulo foi<br />

até pouco tempo: uma cidade industrial. Tem armazéns, um pequeno<br />

comércio, residências populares, oficinas, prédios de boa e de má<br />

arquitetura construídos nos anos 50, 60 e 70. Além disso, conta com<br />

espaços como escolas, clubes e grandes avenidas. Agora, a composição<br />

humana do bairro é muito heterogênea e muito simpática. Devido a sua<br />

extensão, a Barra Funda é ao mesmo tempo um bairro boêmio, popular,<br />

muito ativo politicamente e começa a receber os primeiros empreendimentos<br />

de luxo e edifícios públicos – superfaturados ou não.<br />

Entre a fachada azul e alta desse galpão e o amplo interior de<br />

galeria, Renata modificou uma parede, que aparece por detrás das<br />

colunas da galeria. Essa segunda fachada se situa entre os vãos de<br />

entrada. Um lugar que já deve ter sido coberto por portões de ferro,<br />

enrolados durante o dia e desenrolados durante a noite. A peça


planejada pela artista não era um muro fechado de tijolos maciços, mas<br />

a inserção de uma janela grande, típica dos edifícios daquele bairro,<br />

prédios que não se constroem mais, em um painel feito com elementos<br />

vazados de concreto.<br />

Atrás da janela, Renata Lucas dependurou cortinas brancas finas.<br />

Elas ficavam entreabertas e permitiam que o pedestre que passasse por<br />

lá olhasse para a galeria da rua. O mais bonito é que a nova estrutura<br />

da parede permitia uma iluminação suave para a entrada da galeria.<br />

Suavizava tanto a luz branca e difusa de dentro da galeria como o sol<br />

que vinha de fora. Depois da parede, os feixes solares entravam na sala<br />

de exposição de mansinho. Antes de cobrir a entrada de sol, atravessavam<br />

o gradeado de concreto e o tecido diáfano da cortina. A luz<br />

solar entrava já cansada, como se estivesse no fim da tarde, na calmaria<br />

daqueles apartamentos da Barra Funda às seis horas da tarde de um<br />

passado não tão distante. Horário depois do expediente, quando os<br />

aposentados se regozijavam com o fim do burburinho da rua e podiam<br />

curtir suas casas já sem tanto calor e nem tanto barulho. Esse aspecto<br />

Barravento . Instalação<br />

de um recolhimento doméstico é reforçado pelos vasos de planta que<br />

Renata Lucas apóia no parapeito. Só faltou um gato passar por detrás<br />

do vidro.<br />

Todo esse aspecto iconográfico aumenta a estranheza da peça.<br />

Aquela parede não pertence a nenhum dos espaços: nem o que se coloca<br />

em frente dela, nem o que está por trás. Aparece como uma lembrança<br />

de outro tempo, de outro lugar, que teima em permanecer, como a<br />

camada de uma cidade que se constrói em cima de outras cidades. Não<br />

é por acaso que Renata Lucas fala do seu trabalho como uma geologia<br />

urbana. Uma geologia ficcional, claro, mas que encontra camadas da<br />

cidade em um lugar aparentemente homogêneo.<br />

Nessa camada que a artista coloca, há algo da paz e do recolhimento<br />

das cenas do pintor holandês Johannes Vermeer (1632 – 1675). A peça de<br />

Renata tem uma luz difusa e natural, que se coloca entre a brutalidade<br />

viva da rua e a neutralidade da luz clara, branca e artificial da galeria.<br />

Pela primeira vez o trabalho de Renata Lucas parecia funcionar como<br />

um elemento pacificador, mas não era a primeira vez que ela colocava<br />

espaços estranhos uns aos outros em contato. Desde a sua escultura<br />

Barravento (2001), a artista constrói duplos do mesmo espaço. Essa<br />

escultura grande, feita com folhas de madeirite, replicava a sala de<br />

exposição do espaço experimental 10,20 m x 3,60 m. A artista colocava<br />

aquela peça gigante lá e parecia descamar a sala.<br />

Pouco depois, em 2002, Renata fez dois trabalhos que guardavam<br />

características similares às da sua obra mais recente: Comum de dois,<br />

feito no prédio da Maria Antônia, em São Paulo e Mau Gênio, exposta no<br />

Museu da Pampulha, em Belo Horizonte.<br />

Em ambos, a artista parte de edifícios criados para uma função<br />

determinada e depois adaptados como sede de espaços culturais. Nos<br />

anos sessenta, a Mariantonia era a sede da Faculdade de Filosofia,<br />

Ciências e Letras; hoje, é um centro de cultura e pensamento da<br />

Universidade de São Paulo. O Museu da Pampulha, criado para ser um<br />

cassino, com a proibição do jogo passou a abrigar um acervo de obras de<br />

arte e hoje é um museu. Renata aproveita essas estruturas adaptadas,<br />

com emendas e alterações, e insere outra estrutura arquitetônica neles.<br />

Em um, faz uma sala entre duas salas e um corredor. Insere essa sala<br />

dentro das outras salas. No museu da Pampulha, coloca um andaime,<br />

com caixilhos, no segundo andar do museu, atrapalhando a vista.<br />

Em todos os casos tratam-se de estruturas arquitetônicas estranhas,<br />

que entram nos prédios e acentuam o que eles têm de provisório, de<br />

um uso impróprio das salas. De coisas que vão se tornando outras<br />

coisas. As intervenções nos fazem pensar nos usos que damos aos<br />

lugares, e em como essas determinações dos espaços são arbitrárias.<br />

Antes de continuar, é importante ressaltar que o efeito de cada<br />

intervenção é diferente. Uma parece criar um clima de claustrofobia;<br />

a outra parece ampliar a paisagem e o potencial da construção de<br />

Oscar Niemeyer na Pampulha.<br />

Esse modo de lidar com a paisagem, com a cidade e a arquitetura não<br />

é uma novidade em arte. Nas décadas de 1960 e 1970, artistas fizeram<br />

disso o seu modo de esculpir. Nomes importantes como Richard Serra,<br />

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Galeria Luisa Strina<br />

Falha . Madeira ajuntada e Dobradiças<br />

Foto Wagner Morales . Galeria Luisa Strina<br />

Mau Gênio . Andaimes e compensados de madeira<br />

Foto Edouard Fraipont . Galeria Luisa Strina<br />

Cruzamento .<br />

Compensado de Madeira


Gordon Matta-Clark, Richard Long, Michael Heizer, Robert Smithson e<br />

Walter de Maria não esculpiam objetos e nem realizavam projetos de<br />

arquitetura. Atuavam sobre os lugares. Esses projetos ambientais foram<br />

chamados de projetos para sítio específico (site-specific) ou, de acordo<br />

com a definição da crítica de arte Rosalind Krauss, a escultura no campo<br />

ampliado.<br />

Ao contrário de todos esses artistas, Renata não atua em lugares<br />

com a significação plena. Diferente desses pioneiros do site-specific,<br />

seu trabalho não é uma atuação que muda o sentido do lugar: ela<br />

parece falar de uma arquitetura sem sentido. Inclusive, de uma cidade<br />

que se movimenta quase sozinha, sem contar muito com a vontade de<br />

quem mora nela e nem se preocupar muito com o conforto e a alegria<br />

desses cidadãos.<br />

Muitas vezes ela trabalha em lugares que já foram uma coisa que<br />

se tornou outra e depois adquiriram uma terceira função. No Brasil,<br />

especialmente na cidade de São Paulo, vemos casas se transformarem<br />

em restaurantes por quilo, cinemas que se transformam em<br />

igrejas evangélicas, bairros e favelas que se transformam em avenidas<br />

e prédios de escritórios. Na instalação Atlas (2006), desenvolvida por<br />

Renata na Galeria Millan, em São Paulo, a oficina mecânica que ficava<br />

de frente para a galeria se espraia até ela, bem como a casa que se<br />

avizinhava à galeria toma conta da sua lateral.<br />

Muitas vezes, suas obras inventam situações em que as coisas da<br />

cidade parecem ter ganhado vida própria e se puseram a agir de forma<br />

autônoma, a fazer coisas sem explicação. Mexe-se de um lado e levanta-<br />

Foto Edouard Fraipont . Galeria Luisa Strina<br />

Febre . Carro, cesto de lixo modificado, rádios de carro<br />

se outro lá na frente, como na escultura Falha (2003), em que Renata<br />

cobriu o chão com madeira ajuntada por meio de dobradiças. Uma se<br />

mexia e deslocava as outras, como se o chão estivesse a se deslocar.<br />

Em 2003, a artista fez a intervenção Cruzamento, no Rio de Janeiro.<br />

Nesse trabalho, usava tábuas de compensado que davam um desnível à<br />

avenida e pareciam ter subido alguns milímetros do chão. Assim como<br />

em Febre (2004), instalado em uma rua de São Paulo, onde uma lixeira<br />

de rua engolia um automóvel – e cuspia o toca-fitas. A imaginação de<br />

Renata também fez com que víssemos, através de câmeras de vigilância,<br />

os andares superiores do edifício onde fica a Fundação Tomie Ohtake<br />

serem tomados por animais selvagens. Como se aqueles escritórios<br />

vazios tivessem se tornado o habitat natural de uma fauna silvestre.<br />

Nos trabalhos Atlas (2006) e Gentileza (2005) – onde Renata tenta<br />

fazer com que a galeria A Gentil Carioca se fundisse com os espaços da<br />

rua do Saara, onde ela se situa –, a artista mostra lugares que começam<br />

inclusive a se derreter, mudar as fronteiras e se fundir uns nos outros.<br />

Os espaços deixam de ser determinados por nós, passam a seguir<br />

orientações sobre as quais ninguém mais tem controle, ninguém mais<br />

determina, em uma espécie de racionalidade absurda. Nos trabalhos de<br />

Renata essa situação absurda tem algo de fantástico. Como uma força<br />

incontrolável, parece ser a mesma força incontrolável que cria, além<br />

da vontade de qualquer um, boa parte das agruras da nossa vida.<br />

Saiba Mais<br />

www.galerialuisastrina.com.br<br />

www.agentilcarioca.com.br<br />

85


Parte da discografia<br />

de Mike Watt:<br />

Bandas, Projetos e<br />

participações.


Por Luciano Valério<br />

Colaborou Arthur Dantas e Tiago Moraes<br />

“Não se lance ao mar quem teme o vento”. Esse provérbio<br />

italiano parece adequado para definir a carreira do baixista<br />

Mike Watt, músico que alcançou o status de lenda viva por<br />

sua passagem no trio Minutemen, considerado unanimemente<br />

uma das maiores bandas de punk rock da história.<br />

Filho de um marinheiro, Watt conseguiu visitar os mais<br />

improváveis locais, tal qual seu pai, por meio da música,<br />

empunhando seu baixo – seja no Minutemen, no fIREHOSE, ao<br />

lado dos Stooges (foi com eles que conheceu o Brasil) ou nos<br />

milhares de projetos que manteve através dos anos. Quem<br />

assistiu ao belo documentário sobre o grupo, We Jam Econo,<br />

sabe que as três pessoas por trás do Minutemen, além de<br />

músicos incríveis, eram uma reunião extraordinária de seres<br />

humanos, e por isso mesmo fica fácil entender a depressão na<br />

qual o baixista entrou após a morte de D. Boon, guitarrista e<br />

vocalista do grupo e espécie de irmão de Mike Watt. O peso<br />

da influência e da amizade estabelecida com D. Boon se<br />

estende até hoje: Watt diz que tudo o que faz de alguma<br />

forma continua o que começou com o Minutemen!<br />

Na entrevista que se segue, feita por telefone, o bate-papo<br />

foi marcado por aquela camaradagem tão comum aos grandes<br />

nomes do punk americano, como Jello Biafra ou Ian Mackaye<br />

por exemplo. Aos 50 anos, Watt continua criando boa música<br />

em diversos projetos, dividindo seu tempo entre a prática de<br />

caiaque e passeios de bicicleta e se deliciando ao tocar com<br />

as pessoas que batem à sua porta, sejam eles músicos<br />

famosos ou simples trabalhadores das docas.<br />

Qual a sua idade e onde você nasceu?<br />

Eu tenho 50 anos e nasci na Virgínia, mas estou há 40 anos em San Pedro,<br />

Califórnia. Meu pai foi marinheiro durante a Guerra do Vietnã, então ele<br />

resolveu trazer a família toda para San Pedro porque geograficamente<br />

era mais próximo ao Vietnã.<br />

San Pedro continua sendo um bom lugar para morar e tocar?<br />

Veja bem, San Pedro fica 50 km ao sul de Hollywood e é o porto de Los<br />

Angeles, então só pelo fato de ser uma cidade que tem muita água e<br />

pouco cimento, com um clima relativamente agradável, já é muito bom<br />

viver por aqui. Continuo me divertindo muito tocando, sem contar que<br />

somos cercados por muitas cidades, então fica mais fácil excursionar pela<br />

região. Existe uma cena forte e recente bem interessante, de onde tem<br />

aparecido muita gente boa.<br />

Essa nova geração acaba trazendo motivação para você?<br />

Sim, totalmente! Pra você ter uma idéia, eu fui encontrar o baterista da<br />

minha banda (The Secondmen) no meio dessa molecada, e o cara é 20<br />

anos mais novo do que eu (risos). Eu adoro poder tocar com pessoas mais<br />

novas, sinto que posso ensiná-las algo e também receber algo novo em<br />

troca. A música nos separa por um imenso período de tempo, e é isso que<br />

torna o processo criativo interessante – se você ver bem a minha situação<br />

nos Stooges, eu sou o moleque ali (risos).<br />

E como é pra vocês do Stooges estar em turnê ou em fase de produção?<br />

Me parece que todos vocês estão bem distantes geograficamente, não?<br />

É meio louca esta história, porque cada um de nós está em uma cidade<br />

diferente, a gente acaba se encontrando nos aeroportos e tal (risos).<br />

O Iggy mora em Miami, Ron mora em Michigan, Scott mora no Sul da<br />

Flórida e Steve MacKay mora na Califórnia.<br />

E como foi o fato de ser convidado para tocar em uma banda que<br />

provavelmente tenha te motivado a fazer o que você faz hoje?<br />

Eu tinha só 16 anos quando ouvi Stooges pela primeira vez, e eles eram<br />

realmente o que você poderia imaginar de mais punk na época. Eu paro<br />

pra pensar nisso e é muito louca esta história toda. Sou muito feliz e grato<br />

de tocar com esses caras hoje em dia.


Mas você os conhecia pessoalmente?<br />

Sim. Eu já fiz um trabalho com o Ron Asheton – uma trilha-sonora para um<br />

filme chamado Velvet Goldmine, entramos em estúdio em NY por volta de<br />

1996, depois disso ficamos um tempo sem nos falar, acabei adoecendo<br />

bastante e já me dava por vencido. Quando melhorei, retomei as minhas<br />

atividades e decidi montar alguns projetos em que pudesse tocar músicas<br />

do Stooges. As primeiras pessoas com quem conversei foram o J. Mascis e<br />

o Emmett Murph [guitarrista e baterista do Dinossaur Jr.], daí começamos<br />

a fazer shows pela Costa Leste e Oeste dos Estados Unidos e montei uma<br />

outra banda também tocando Stooges com Stephen Perkins e Peter<br />

Distefano [guitarrista e baterista do Porno for Pyros, respectivamente].<br />

Nesse mesmo período, o J. Mascis estava lançando seu disco solo e ele<br />

pediu que eu o acompanhasse na turnê do disco, porque ele não queria<br />

cantar todas as músicas. Certo dia chegamos em Ann Harbor e J. Mascis<br />

pediu para que eu ligasse para o Ron, e ele veio a um show nosso e<br />

participou de uma jam. A partir daí, passamos a levar ele para todo canto<br />

(risos). Em 2002, [o guitarrista do Sonic Youth] Thurston Moore foi curador<br />

do [festival] All Tomorrow’s Parties em Los Angeles e convidou o Stooges<br />

para fazer um show. Na época, o Scott nem bateria tinha, estava vivendo<br />

dentro de uma van. Tivemos que alugar uma bateria pra ele. Depois disso,<br />

em 2003, o Iggy me ligou para fazermos mais alguns shows, e desde então<br />

nunca mais paramos.<br />

Em comparação às outras bandas que você teve antes, o Stooges é um<br />

projeto maior. Esse trabalho te consome muito tempo?<br />

Pelo contrário! O Stooges é uma banda que só toca em grandes festivais,<br />

então você já tem tudo preparado para acontecer, diferente de quando<br />

estou em turnê com o The Secondmen, onde viajamos em uma van por<br />

sessenta dias para fazer 65 shows (risos).<br />

Durante todo esse tempo, você tocou em diversas bandas, e me parece<br />

que logo após o fIREHOSE você vem se dedicando a projetos mais<br />

pessoais com amigos etc. Que importância tem o fato de estar sempre<br />

tocando com pessoas diferentes e não fazer parte de apenas uma banda?<br />

Olha, depois da morte do D.Boon, eu passei por uma fase muito difícil e<br />

dolorosa, e mesmo assim eu nunca considerei o fim absoluto do<br />

Minutemen. Foi aí que o Ed Crawford veio de Ohio e se juntou a mim e<br />

George Hurley para tocarmos, com o nome de fIREHOSE, o que na verdade<br />

era como uma continuação do Minutemen. Então depois do fIREHOSE eu<br />

decidi ter diferentes bandas de acordo com estilos e situações. Foi isso<br />

que aconteceu com o DOS (duo formado ao lado de Kira, sua ex-mulher e<br />

ex-Black Flag). Todo o meu respeito a Ed, George Hurley e a D.Boon, mas<br />

eu não poderia levar estes projetos paralelos sob o nome de Minutemen<br />

ou fIREHOSE, então procurei dar outros nomes a estes projetos.<br />

Como surgiu a idéia do Funori?<br />

Funori vive em Londres, mas é natural do Japão. Tudo começou pela<br />

internet – ela me mandou algumas músicas, que na verdade são ritmos<br />

bem tradicionais com os quais não estou familiarizado, para que eu<br />

colocasse linhas de baixo. Isso acaba sendo uma experiência e tanto, já<br />

que o baixo é um instrumento de infinitas possibilidades, e como eu não<br />

toco nenhum outro instrumento, tenho que explorá-lo cada vez mais.<br />

Eu vi que o Banyan está saindo para uma grande turnê agora...<br />

Realmente, não posso mais me dedicar tanto ao Banyan como<br />

antigamente. Estarei em turnê com o Stooges na mesma época, mas<br />

sempre que posso eu me junto a eles. Na verdade, Stephen Perkins é<br />

quem coordena este projeto.<br />

E sobre o DOS?<br />

Nós acabamos de gravar um disco novo e logo iremos sair em turnê<br />

também. Nós tocamos quando podemos e eu amo tocar com o DOS, é algo<br />

muito sólido para mim. O mais engraçado é ver que foi a minha banda<br />

mais longeva [o Minutemen durou 6 anos, o fIREHOSE 7 anos e meio, e o<br />

DOS 23 anos].<br />

Com quem você gostaria de desenvolver uma parceria?<br />

Um cara com quem eu gostaria muito de tocar é o Bob Mould [Husker Dü,<br />

Sugar], também tem o Curt Kirkwood [Meat Puppets], isso sem falar no<br />

Jello Biafra. Na verdade, Jello me convidou para tocar com ele no seu<br />

aniversário de 50 anos junto ao Melvins, que é uma banda com quem eu<br />

gostaria muito de tocar junto também.<br />

“...Eu acho que sempre devemos lidar com as situações de forma mais humilde,<br />

e fazer com que novas verdades acabem aparecendo...”<br />

Você ainda tem aquele estúdio em casa?<br />

Hoje em dia eu moro em um apartamento e tenho meu Pro Tools Studio,<br />

que é onde eu gravo minhas músicas, mas quando preciso de uma bateria<br />

ou tocar com alguém a casa ainda está lá.<br />

Você ainda recebe muita gente para tocar em casa?<br />

Sim! Ali eu já tenho tudo arrumado, bateria, amplificadores... Sempre<br />

acabam chegando pessoas de fora e tocando, eu gosto de acolher pessoas.<br />

San Pedro é uma cidade pequena, mas tem muita coisa legal pra se ver,<br />

muita natureza. Também toco com bastante gente aqui da minha cidade,<br />

e na maioria das vezes não precisa ser com pessoas famosas, tem muitas<br />

pessoas legais para tocar, tem o pessoal que trabalha aqui nas docas, é<br />

bem divertido.<br />

Vi um vídeo em que você toca com Ray Barbee e Chuck Treece [dois<br />

importantes skatistas/músicos da velha geração]...<br />

Pois é, o Ray Barbee vive em Long Beach e o Chuck Treece na Filadélfia.<br />

Eles estavam fazendo um programa de TV e vieram até minha casa. Eu já<br />

conhecia eles por serem skatistas, e o mais engraçado é eles dizerem que<br />

faziam sessions escutando músicas minhas (risos).<br />

Você até menciona skate no documentário We Jam Econo, sobre o<br />

Minutemen.<br />

Sim, eu sempre tive a certeza de que o skate e o punk caminham<br />

juntos. Um cara que eu conheço bem é o [pioneiro do skate] Tony Alva,<br />

que também sempre compartilhou dessa opinião, porque tanto no punk<br />

como no skate você não precisa ter muito dinheiro, acaba por criar


seu próprio estilo, e se você cair terá que se levantar. Ambos<br />

são muito faça-você-mesmo.<br />

Então o skate te influenciou de certa forma?<br />

Totalmente! Meu jeito de tocar baixo tem um pouco do que seria<br />

eu andando de skate (risos). Tenho os joelhos completamente<br />

zoados, e isso dificultou muito para que eu andasse de skate.<br />

Sem contar que naquela época a coisa era bem diferente, menos<br />

recursos etc.<br />

E o que mais te inspira hoje em dia?<br />

Eu acredito que todos os lugares aonde vou ainda me influenciam<br />

bastante. Isso é uma das coisas boas de estar em turnê, e acho<br />

que esse sentimento já me acompanha desde criança. Como sou<br />

filho de marinheiro, me lembro de que, quando meu pai chegava<br />

em casa, ele tinha várias histórias para contar sobre os lugares<br />

por onde passava. Ele também veio de uma cidadezinha pequena<br />

e acabou conhecendo o mundo através de um barco. Ele sempre<br />

me alertava para nunca servir a Marinha. Foi aí que decidi servir<br />

o punk rock e conhecer o mundo usando o meu baixo, ainda que<br />

seja dentro de uma van (risos).<br />

O senso de humor ou mesmo o sarcasmo são bem presentes na tua<br />

música desde o início, não?<br />

Eu acho que sempre devemos lidar com as situações de forma mais<br />

humilde, e fazer com que novas verdades acabem aparecendo. Tem muita<br />

merda acontecendo, e às vezes é preciso olhar para essas coisas como se<br />

elas fossem um tipo de piada, e fazer piada até sobre nós mesmos, porque<br />

existe muito orgulho e ódio espalhado por aí. Eu acho que usar o humor<br />

pode ser uma resposta para tais problemas, o humor pode te levar a coisas<br />

muito profundas, às quais o ódio jamais te levaria.<br />

É óbvia a importância que você dá ao fato de estar sempre tocando<br />

com pessoas, viajando, etc. Como você vê essa onda de informação<br />

através da internet? Me parece que muitas vezes a música em si acaba<br />

tornando-se um tanto abstrata. Você concorda com isso?<br />

Eu concordo plenamente com você, mas continuo achando que a internet<br />

é só um veículo de comunicação. As pessoas têm que continuar a ser<br />

criativas. A internet faz com que as coisas cheguem às pessoas com mais<br />

facilidade, mas nós temos que trazer coisas novas, coisas que as façam<br />

chorar e rir novamente – o que é o verdadeiro sentido da arte. A internet<br />

não é uma solução definitiva, é apenas uma ferramenta. É como você<br />

vencer as barreiras geográficas, que são simplesmente geográficas, mas,<br />

para além dela, também existem as barreiras políticas. A coisa vai além<br />

do que parece.<br />

É por isso que as pessoas andam trocando música em vez de apreciá-las?<br />

Eu acho que as pessoas continuam apreciando, mas menos do que<br />

antigamente. Isso também aconteceu na década de 1960, com a chegada<br />

das grandes arenas de shows, e aquilo foi uma merda.<br />

Como é sua relação com [o artista plástico criador de capas de discos<br />

de Minutemen, Black Flag, Sonic Youth e outros,] Raymond Pettibon?<br />

Raymond é um grande amigo. Nós nos conhecemos desde os primeiros<br />

Mike Watt desde<br />

o Minutemen à fase<br />

atual ao lado do<br />

Iggy Pop e The Stooges<br />

dias do punk. Na verdade, ele é meu<br />

melhor amigo hoje em dia, sem contar que<br />

é um ótimo artista, foi ele quem fez a capa<br />

de nosso primeiro disco, capas do Black<br />

Flag, e hoje em dia ele está em grandes<br />

galerias (risos). Mas ele nunca previu isso<br />

também, foi tudo por seu próprio mérito.<br />

Quais são seus projetos para o futuro?<br />

Logo estarei gravando com o The Secondmen,<br />

e depois um disco com o [artista solo<br />

do coletivo Quannum e tecladista do<br />

Beastie Boys] Money Mark, chamado Los<br />

Pumpkinheads..<br />

Saiba Mais<br />

www.hootpage.com<br />

www.myspace.com/wattfrompedro


Por Alexandre Charro e Rodrigo Brasil . Imagens divulgação<br />

Depois de 24 anos, como é a rotina de trabalhos<br />

do Yo La Tengo?<br />

Bom, tudo depende. Nós não temos uma rotina<br />

muito rígida. Atualmente, temos tocado<br />

bastante porque nesses últimos meses estamos<br />

trabalhando em uma trilha sonora.<br />

Enquanto estamos em casa, trabalhamos cinco<br />

dias por semana nesse projeto. Quando<br />

isso terminar, acho que vamos poder relaxar<br />

um pouco entre nossa agenda de shows. Nós<br />

tocamos muito ao vivo.<br />

E como é a diferença entre compor para um<br />

filme e para um disco do Yo La Tengo?<br />

O processo de uma trilha sonora sempre<br />

começa pelas idéias do diretor, que geralmente<br />

tem um pedaço bruto do filme com<br />

uma música temporária. Então ele nos mostra<br />

isso e fala porque gosta dessa música e por<br />

qual motivo ela foi escolhida. Você pega tudo<br />

isso, as emoções que ele descreveu, as qua-<br />

lidades desejáveis do tema provisório e só<br />

então colocamos nossas idéias e traçamos<br />

nosso ponto de partida. Tudo começa com a<br />

idéia do diretor, e não a nossa. É completamente<br />

diferente.<br />

Não sei se vocês viram os filmes em que trabalhamos,<br />

alguns têm um estilo parecido com<br />

o nosso, mas outros são muito diferentes,<br />

acabamos sendo guiados numa direção<br />

diferente. Nós não temos toda a liberdade,<br />

mas eu gosto disso. Se nós tivéssemos total<br />

liberdade nesse processo, estaríamos escrevendo<br />

nossas próprias canções para a banda.<br />

Eu acho interessante fazer coisas diferentes,<br />

nós nunca pensamos seriamente em tornar a<br />

banda maior que um trio, mas, ao mesmo<br />

tempo, quando temos a oportunidade de<br />

trabalhar com outras pessoas, é sempre muito<br />

excitante, e trabalhar com filmes é somente<br />

outra versão disso. De fato, ainda somos um<br />

trio, mas o aspecto de colaboração com<br />

“Holofotes<br />

Reversos”<br />

Qualquer indivíduo que simplesmente ouve ou tem acompanhado a trajetória musical do Yo La Tengo, em qualquer<br />

época da banda, pode imaginar que eles não parecem ser o tipo de pessoas que dão boas risadas, o que talvez seja uma<br />

condição existencial de algumas bandas indie rock. Por outro lado, neste caso, é incrível a seriedade e a consistência<br />

do seu trabalho musical. Depois de 24 anos de estrada, eles estão sempre ampliando seus horizontes musicais e ainda agradam<br />

os fãs mais fiéis. Desabafam em apresentações como as freewheelings, quando estão completamente abertos a interferências<br />

do público e a eventualidades, criando uma experiência musical de entretenimento singular e interessante, tanto para a banda<br />

como para o público. Outro ponto especial é o trabalho da banda compondo para o cinema, quando Ira Kaplan, Georgia Hubley<br />

e James McNew interpretam as imagens e as emoções dos personagens, criando e identificando poesia nessa arte. Em entrevista<br />

por telefone, falamos com Ira, cantor, multiinstrumentista e um dos fundadores da banda, sobre essas e outras questões. Falar<br />

não é um dos fortes da banda – o que realmente os interessa é fazer seu som. O que é muito admirável.<br />

pessoas que respeitamos é sempre fascinante<br />

e nos proporciona coisas novas, legais<br />

e interessantes...<br />

Sobre essas coisas diferentes que acabam se<br />

tornando interessantes, você pode falar um<br />

pouco sobre a turnê Freewheeling?<br />

Claro! Foi engraçado... No ano passado estávamos<br />

no fim de uma turnê e tínhamos<br />

alguns dias de folga em casa e um último<br />

show em Nova York. Então, fomos chamados<br />

para fazer um show numa universidade, e nos<br />

pediram para fazermos uma palestra e eu<br />

disse “sobre o que vocês estão falando?!” Eles<br />

disseram “bem, não precisa necessariamente<br />

ser uma palestra, mas vai acontecer em uma<br />

sala de palestras, pode ser algo diferente”.<br />

Ele disse que poderia ser como a gente<br />

quisesse. Então nós decidimos levar uma guitarra<br />

e alguns equipamentos e ver no que iria<br />

dar. Nós não sabíamos se seria uma boa ou má<br />

91


92<br />

idéia. A gente não fazia idéia de como as<br />

pessoas iriam responder. Não sei se vocês<br />

sabem também do programa de rádio na<br />

estação WFMU, mas foi algo parecido. Nesse<br />

programa, recebemos pedidos de músicas dos<br />

ouvintes e tocamos esses pedidos ao vivo.<br />

Em troca, os ouvintes faziam uma doação para<br />

a rádio. Como acontece no programa, não sabíamos<br />

o que viria na seqüência. A noção de<br />

estarmos completamente despreparados, falando<br />

de maneira que normalmente não falamos<br />

em público, é muito excitante e quase<br />

assustadora para nós. Foi uma coisa que ficou<br />

presa na nossa cabeça: “nossa, nós temos que<br />

fazer isso novamente!” E tivemos uma conversa<br />

com a nossa gravadora sobre o que eles<br />

queriam que fizéssemos, sobre o que nós gostaríamos<br />

de fazer, e shows como esse caíram<br />

como uma luva.<br />

E qual foi o tipo de perguntas que as<br />

pessoas faziam?<br />

Bem, isso variava completamente. Algumas<br />

vezes foram perguntas que estavam mais para<br />

piadas, você sabe... qualquer coisa do tipo<br />

“Quando você vai ao supermercado, escolhe<br />

papel ou plástico?” Piadas como essa. Muitas<br />

vezes as questões são pedidos de músicas.<br />

Você nunca sabe o que pode acontecer. E<br />

outra coisa é que nós nem sempre respondemos<br />

as perguntas honestamente. No fim das<br />

contas, nós estamos lá para entreter...<br />

Alguns dos principais filmes em<br />

que o YLT se envolveu:<br />

Shortbus .<br />

Dir. John Cameron Mitchell . EUA . 2006<br />

Old Joy .<br />

Dir. Kelly Reichardt . EUA . 2005<br />

JuneBug .<br />

Dir. Phil Morrison . EUA . 2005<br />

Game 6 .<br />

Dir. Michael Hoffman . EUA . 2005<br />

The Book Of Life .<br />

Dir. Hal Hartley . França . 1998<br />

E dependendo das perguntas que vocês me<br />

fizerem hoje, eu não vou responder honestamente<br />

também! (Risos contidos.)<br />

Ok, vou tomar cuidado então...<br />

Bem, nós dizemos o que queremos dizer.<br />

Toda noite, mesmo que as pessoas fizessem<br />

perguntas similares nem sempre as<br />

respostas eram as mesmas, então cada<br />

show era completamente diferente. Nós<br />

tocamos músicas que nunca tínhamos tocado<br />

antes. A gente aprendeu coisas novas<br />

sobre algumas cidades. Quando tocamos<br />

em Birmingham, Alabama, aprendemos uma<br />

música do Sex Clark’s Five, que é do<br />

Alabama, coisas como essas...<br />

Vocês têm planos de continuar fazendo isso?<br />

Nós vamos fazer isso pela primeira vez<br />

no exterior agora em junho, vamos pra<br />

Barcelona na próxima semana. É muito<br />

interessante porque acabamos falando muito<br />

e só espero que as pessoas possam<br />

entender o que estamos falando, vamos ver<br />

o que vai acontecer.<br />

“... nós estamos lá para entreter...<br />

E dependendo das perguntas que<br />

vocês me fizerem hoje, eu não vou<br />

responder honestamente...”<br />

Deve ser um show num lugar pequeno,<br />

certo?<br />

É, a freewheeling acontece em lugares menores.<br />

A maioria das apresentações que vocês<br />

tem feito são em lugares menores ou grandes<br />

festivais?<br />

Bem, isso varia bastante. Nós temos feitos<br />

muitas apresentações no estilo da<br />

Freewheeling, mas a maioria dos shows<br />

de rock que fazemos são em grandes<br />

festivais. Para esse mês, nós já temos<br />

três shows grandes planejados. Às vezes<br />

acontece ao contrário.<br />

E sobre seu DJ Set na rádio WFMU, o que<br />

te move a fazer isso?<br />

Estou surpreso de você me perguntar isso...<br />

Sabe quando você coloca um som depois de


“...Eu não costumo pensar<br />

em questões como essa, sobre<br />

o que faz uma banda ser<br />

relevante pra mim...”<br />

outro em sua casa, como um DJ particular?<br />

É assim que funciona. Eu tenho um monte de<br />

discos em casa, e quando alguém da rádio<br />

sugeriu que eu podia fazer isso, perguntei<br />

“Sério? você está brincando?(Risos) Porque<br />

eu acharia demais!” Foi assim que rolou,<br />

acho que já fiz isso umas onze ou doze vezes<br />

este ano.<br />

E o programa é bem cedo, não é? Começa às<br />

seis da manhã?<br />

O programa das seis da manhã é uma<br />

exceção, é sempre pré-gravado, porque é<br />

para a internet, então você não precisa<br />

fazer ao vivo. Rolou um durante uma maratona<br />

que é feita para arrecadar fundos<br />

para a rádio. Nesse programa, as pessoas<br />

ligam para fazer doações, então esse teve<br />

que ser feito ao vivo. Acabei de fazer um<br />

nessa quarta, mas esse foi pré-gravado numa<br />

hora mais decente.<br />

Você é fã da rádio?<br />

Ah, sou! Claro!<br />

Yo La Tengo . 2007<br />

Vocês também participaram de um show<br />

para arrecadar fundos para o clube Tonic<br />

em NY, certo? Vocês fazem os shows beneficentes<br />

de Hanukkah também...<br />

Bem, foi uma pena que o Tonic teve que<br />

fechar, era um lugar único para shows em NY,<br />

todo mundo reclama que a cidade está<br />

mudando pra pior, uma coisa que teve muita<br />

publicidade foi o fim do CBGB’s, até me deu<br />

um pouco de pena, mas na verdade, não; o<br />

CBGB’s, aberto ou não, havia deixado de fazer<br />

parte da minha vida, ou de qualquer outra<br />

pessoa que conheço, há muito tempo. As<br />

bandas que tocavam lá não me interessavam<br />

mais. Nos últimos seis anos fui lá no máximo<br />

duas vezes, pra mim o lugar já tinha fechado.<br />

Mas o Tonic tinha uma vibração própria,<br />

diferente de qualquer outro lugar que havia<br />

em NY, então quando eles enfrentaram pro-<br />

blemas eu quis ajudar da melhor maneira<br />

possível, foi até um pouco egoísta, queria que<br />

o lugar tivesse continuado funcionando.<br />

Os shows de Hanukkah são um pouco diferentes,<br />

mas começou como uma coisa que<br />

era para ser em parte engraçada, e também<br />

como um desafio para a banda. Tocar oito<br />

noites seguidas é bem excitante. Alguns shows<br />

são para arrecadar fundos. Primeiro porque<br />

é muito prazeroso ajudar quem precisa,<br />

segundo porque não teríamos como pagar<br />

algumas bandas que participaram da coisa.<br />

Os shows são meio espetaculares. Nunca poderíamos<br />

pagar um valor justo para as pessoas,<br />

então fica mais fácil dizer “nós não<br />

vamos receber, vocês também não receberão”.<br />

É justo, funciona pra todo mundo, o<br />

dinheiro vai para uma boa causa. O Calexico<br />

já abriu pra gente, o Tortoise também. São<br />

bandas que devem ser a atração principal de<br />

uma noite. Isso só funciona se for beneficente.<br />

Vocês gravaram isso?<br />

Gravamos informalmente, gravamos muito<br />

shows, mas ainda não passou pela nossa<br />

cabeça lançar nada com esse material.<br />

Em meio às milhares de bandas que surgem<br />

todo dia, o que para você torna uma banda<br />

relevante?<br />

Eu não costumo pensar em questões como<br />

essa, sobre o que faz uma banda ser relevante<br />

pra mim... É que nem a coisa de tocar na<br />

rádio, provavelmente isso me engajou mais<br />

em ouvir música do que nos dois anos anteriores,<br />

mas acho tudo relevante, não me<br />

importa se é atual ou não, eu não dou a<br />

mínima pra isso. Acabei de comprar um disco<br />

com músicas dos anos 1960, de um grupo de<br />

artistas do NY Brill Building... Carole King,<br />

Barry Mann, Ellie Greenwich.<br />

Então você prefere os antigos...<br />

É, me identifico mais...<br />

Saiba Mais<br />

www.myspace.com/yolatengo<br />

www.yolatengo.com<br />

93


Formado por um casal de melhores amigos<br />

– Rob Barber e Mary Pearson –, o<br />

duo do Brooklyn High Places se encontra<br />

às vésperas de lançar seu disco de<br />

estréia pelo selo Thrill Jockey, de Chicago.<br />

Pela primeira vez ao longo de sua existência,<br />

eles se deparam com uma nova e diferente<br />

realidade: cresceram e estão saindo de casa.<br />

Os dois se conheceram através de um<br />

amigo em comum que tocava na banda The<br />

Death Set. Rob morava em Nova York e Mary<br />

em Michigan, e a atração foi<br />

imediata: “A Mary tem o mesmo<br />

entusiasmo pela vida que<br />

eu tenho, daí começamos a nos<br />

falar direto. Depois de alguns<br />

meses ela se mudou para cá e<br />

começamos a banda”, diz Rob.<br />

No primeiro momento, gravaram<br />

um CD-R demo de seis<br />

músicas e seguiram rumo à<br />

Costa Oeste, para o que se tor-<br />

nou a primeira turnê da dupla.<br />

“A gente só queria viajar<br />

e fazer a música que naturalmente<br />

fazemos quando<br />

colaboramos. Não idealizamos<br />

nada. Não sabíamos<br />

o que queríamos<br />

fazer da vida”, constata<br />

Mary.<br />

De maneira despretensiosa, eles selecionaram<br />

algumas músicas que haviam sido<br />

previamente lançadas em 7”, fora de catálogo,<br />

e em algumas coletâneas. Disponibilizaram<br />

esse material em formato digital<br />

pelo site Emusic. “Foi uma surpresa agradável.<br />

A gente não tinha idéia de como a<br />

coisa ia rolar. Pensamos que cinco, dez<br />

pessoas no máximo, fariam <strong>download</strong> daquilo”,<br />

declara Mary. No final das contas a<br />

coletânea recebeu boas críticas e alguns<br />

milhares de <strong>download</strong>s foram realizados,<br />

pegando os dois de surpresa.<br />

Em relação à música, Mary e Rob recorrem<br />

ao loft aonde vivem e se utilizam de<br />

gravador, tambores, guitarra, banjo, violão<br />

de doze cordas e alguns instrumentos de<br />

percussão, que, após serem fortemente manipulados,<br />

são agrupados em diversas camadas<br />

sonoras. Sobrepostas, elas dão vida a<br />

ritmos tribais hipnóticos, e, até certo ponto,<br />

dançantes. As letras são inocentes e<br />

vão desde cartas de amor a<br />

desculpas às espécies ameaçadas<br />

de extinção. Os vocais estão imersos no<br />

som, e não acima do mesmo.<br />

Em suas apresentações, Rob faz uso de<br />

bateria eletrônica e máquina de samplers,<br />

Por Alexandre Charro e Rodrigo Brasil . Imagem divulgação<br />

enquanto Mary recita as letras e cuida de<br />

alguns elementos percussivos. Ao mesmo<br />

tempo em que a utilização dos samplers<br />

dá maior flexibilidade e liberdade para a<br />

dupla, enxergar o que realmente está acontecendo<br />

por trás da execução musical se<br />

torna uma tarefa que exige boa vontade,<br />

o que não é um problema para os dois, como<br />

diz Mary: “Achamos que as pessoas já<br />

viram muitas guitarras em cima dos palcos.<br />

Então tudo bem se algo disso estiver por<br />

trás da cena. Isso nos liberta para fazer<br />

outras coisas, como tocar percussão ao vivo,<br />

por exemplo.”<br />

Com a maior visibilidade que a banda<br />

vem ganhando, fica impossível não acontecerem<br />

mudanças substanciais no seu co-<br />

tidiano, o que causa desconforto: “O High<br />

Places até hoje significa Mary e Rob, nossa<br />

amizade, o loft em que moramos e todo o<br />

tempo que passamos juntos. É um pouco<br />

estranho pensar que existem outras pessoas<br />

tomando decisões por nós. Acabamos de<br />

conseguir uma pessoa que cuida da nossa<br />

agenda de shows, isso ajuda um pouco, mas<br />

estamos um pouco tristes de termos parado<br />

de marcar nossas turnês e shows nós<br />

mesmos. Tentamos responder a todos emails<br />

que recebemos, precisamos focar na<br />

música, mas a possibilidade<br />

de perder uma mensagem<br />

gera um certo estresse.”<br />

Essa preocupação pode<br />

ser explicada pelo fato de<br />

a dupla encontrar o prazer<br />

em pequenas coisas, seja<br />

no desejo de nadar ou fazer<br />

caminhadas, ou no reco-<br />

nhecimento de crianças de<br />

uma escola primária: “Fizemos<br />

três sets seguidos<br />

para crianças de diferentes<br />

grupos de idade,<br />

foi bem louco! Fizemos<br />

uma música que virou<br />

o hino do colégio<br />

deles nesse ano”, diz Rob.<br />

Mary completa: “Eles moram<br />

numa cidade bem pequena,<br />

e são bem diferentes das crianças<br />

que vejo em Manhattan todos os dias. Talvez<br />

um pouco mais protegidos, talvez mais<br />

fáceis de impressionar com caixas de som<br />

bem grandes. Eles escreveram um monte de<br />

cartas de agradecimento pra gente, eu dei<br />

um monte de autógrafos! Foi tão doce…”<br />

Para ver e ouvir<br />

hellohighplaces.blogspot.com<br />

www.myspace.com/hellohighplaces<br />

Contatos<br />

www.thrilljockey.com<br />

95


+REVIEWS<br />

96<br />

Lie in the Light .<br />

Bonnie “Prince” Billy<br />

Drag City . 2008<br />

Nos anos 1980, existia<br />

uma expressão muito comum<br />

para caracterizar um disco que causava uma<br />

impressão forte em quem o escutava: clássico instantâneo.<br />

O passar dos anos e o uso abusivo dessa expressão<br />

deram a ela um gosto meio empoeirado.<br />

Afinal, eram tantos clássicos que surgiam em uma semana<br />

e logo depois iam embora que ficou difícil acreditar<br />

na existência de álbuns tão marcantes como Lie<br />

Down the Light, recém lançado por Bonnie “Prince”<br />

Billy. O artista, que também responde pelo nome de<br />

Will Oldham, conseguiu superar o disco anterior (“The<br />

Letting Go”) com fórmula parecida: arranjos grandiosos,<br />

letras e melodias lindas e longe de serem fáceis.<br />

Pra quem trilha um caminho parecido com o dele,<br />

da música do interior dos Estados Unidos, aparecer<br />

com uma coisa nova, tão pessoal e original, parece<br />

difícil. Sobretudo quando inovação não diz respeito à<br />

adesão a gêneros ou equipamentos da moda, mas a<br />

uma nova forma de ver o mundo e a arte. Em músicas<br />

como “You Remind Me of Something”, ele repisa no<br />

estilo balada country, mas carrega na tensão. Tem<br />

alguma coisa nova lá, não dá pra entender até<br />

escutarmos melhor. E não é à toa: ele faz tudo,<br />

menos querer soar como um cantor dos anos 1960 ou<br />

70. Ao mesmo tempo em que lembra de algo que faz<br />

parte dele (as referências à mãe são demais), não<br />

perde a oportunidade de cantar uma canção que fala<br />

de seus amores e de seus sonhos de agora – e que não<br />

acaba nunca. Um passado perene.<br />

O forte do disco, em seus arranjos e melodias,<br />

é tratar do mundo atual sem se desapegar da<br />

tradição. Dialoga com R. Kelly (que tem uma canção<br />

com o mesmo título) e com a música tradicional<br />

norte-americana. Bonnie “Prince” Billy já é um<br />

artista com longa carreira (desde os anos 1990, com<br />

os projetos Palace), mas ainda é quem tem mais<br />

coisas a falar sobre onde vivemos, sem se preocupar<br />

a aderir a gêneros ou a estilos pré-determinados.<br />

Por Lauro Mesquita<br />

Pastiche Nagô . Kiko Dinucci e Bando<br />

Afromacarrônico<br />

Desmonta . 2008<br />

O disco abre com algo que poderia ser uma salsa. Chega o<br />

cavaquinho cortando toda a canção. As vozes conferem uma<br />

doçura, e a letra deixa bem claras as predileções temáticas e<br />

estilísticas do jovem sambista Kiko Dinucci: “Malunga, Água-de-Briga, Marafo, Maria<br />

Branca/ Montuava na subida e três tombo na barranca”. “Engasga Gato”, a faixa de<br />

abertura, põe o sambista em lugar nobre: ao lado daqueles que não têm medo de levar<br />

o samba pra frente, sem reverência excessiva ao passado e ao mesmo tempo marcando<br />

território e respeitando os limites de certa tradição do samba. E qual é essa tradição? A<br />

dos afro-sambas de Baden Powell. O disco comporta um frescor, carregado da<br />

africanidade esperada de alguém que explora a tradição religiosa nagô, aliada a certo<br />

estilo cronístico que faz com que o trabalho dialogue diretamente com o melhor do<br />

samba paulistano. E, ao arquitetar expressões retiradas do vernáculo popular, rende<br />

homenagem ao grande escritor João Antonio. Posso estar exagerando, mas a canção<br />

“Rainha das Cabeças”, composta por Kiko e Douglas Germano – seu contumaz parceiro<br />

e talento digno de nota – é um clássico instantâneo. O violão de Kiko comporta um lado<br />

percussivo determinante à estética do álbum, latente em uma faixa mais lírica como<br />

“Ressurreição”, e é certamente o traço de personalidade marcante do trabalho. A<br />

percussão de Julio César, aliada aos vocais inequívocos de Dulce Monteiro e Railídia,<br />

potencializam a singularidade deste álbum – primeiro grande lançamento nacional de<br />

2008. Junto ao álbum, vem como bônus o primeiro EP do grupo, de 2007, devidamente<br />

remasterizado. O que intriga, já que os elementos distintivos do grupo já estavam<br />

naquele EP, é a quase nula repercussão do mesmo. Por Arthur Dantas<br />

Underworld . Kaz<br />

Zarabatana Books . 2008<br />

Kaz é, assim como um Charles Burns ou um Schiavon<br />

no Brasil, um artista cult entre aqueles cujas predileções<br />

estão no lado negro da força. Não à toa, há comentários<br />

de Art Spiegelman e Daniel Clowes na contracapa da edição nacional de suas tiras. No<br />

início da década de 90, Kaz criou a tirinha semanal conhecida como Underworld, um<br />

exercício estilístico com quarenta graus de febre, pesando nas tintas e em elementos<br />

estabelecidos em tiras clássicas estadunidenses, como Krazy Kat, Dick Tracy, Popeye<br />

e nos desenhos Looney Tunes. De certa forma, esteticamente, o trabalho de Kaz é<br />

pouco requintado, muito mais preocupado em render loas aos mestres do passado do<br />

que em criar algo novo. É na temática que ele surpreende. A impressão corriqueira é<br />

que o autor começa a história de onde os outros pararam, observando tudo de um<br />

ângulo sujo e nonsense, sem espaço para moral de história ou conclusões edificantes.<br />

E assim, com seus personagens estranhos, violentamente patéticos e psicóticos, Kaz,<br />

após oito livros publicados, é um dos queridinhos da crítica nos EUA e tem tudo para<br />

conquistar os leitores daqui, cansados da caretice reinante. Por Arthur Dantas


Grand Theft Auto 4<br />

PS3/XBOX 360 . 2008<br />

Ok, você já deve ter ouvido que esse é o melhor jogo de 2008. E, para quem curte esse tipo de jogo, é sim! Ele tem tudo:<br />

uma boa história, trilha sonora variada, gráficos fora do comum e muita ação. Se você jogou algum GTA, sabe do que eu<br />

estou falando. É um jogo para você desaparecer de baladas, reuniões de trabalho, almoços com os pais, essas coisas. Porém,<br />

não é um jogo 100% em tudo. Antes que vocês me matem, aí vão minhas duas reclamações:<br />

1. A apresentação demora muito, e toda vez que você vai jogar tem que ver!<br />

2. Mesma história de sempre. Vai lá, mata alguém. Volta, mata alguém. Vai pra esquerda, mata alguém. Rouba um carro,<br />

mata alguém. Leva alguém para passear, mata alguém. Foge da polícia, mata alguém...<br />

Eu sei , é o estilo do jogo (depois do GTA, 70% dos outros jogos copiaram esse estilo), o problema é que, depois de fazer trinta vezes a mesma coisa, com<br />

o mapa gigante que o jogo tem, você não agüenta mais ouvir as rádios, fica de saco cheio de andar pela rua e quer chegar logo nas missões. Mas, se você<br />

tem paciência, a diversão é garantida.<br />

E o que o jogo tem de legal? Tudo. Sim, o cenário é muito foda, as rádios de rock, música eletrônica, rap, dub, jazz, etc. A história do jogo é muito<br />

legal, e a novidade é que você agora pode jogar multiplayer. Na história você encarna Niko Belic, que chegou da Europa clandestinamente, para fugir do<br />

seu passado e conseguir fazer fortuna em Liberty City – se você achar a cidade a cara de Nova York, nem esquenta, ela foi construída baseada em NY – só<br />

que para isso você vai ter que trabalhar para o submundo do crime. Já viu, né? GTA 4 é sim um dos melhores jogos de 2008, é um Second Life para quem<br />

quer brincar de bandido... Por Breno Tamura


98<br />

+REVIEWS<br />

King Kong e Cervejas .<br />

Fabrício Corsaletti<br />

Companhia das Letras . 2008<br />

Banalidade e rotina. Esses são os elementos<br />

fundamentais do livro de estréia<br />

na prosa do até então poeta Fabrício<br />

Corsaletti. Os contos desta brilhante<br />

radiografia da juventude no interior do<br />

país não cedem à nostalgia, de um lado, e nem à catarse dramática,<br />

de outro. O trunfo do autor é criar um narrador que vive<br />

em eterno descompasso com o resto da turma. Não porque tenha<br />

uma postura blasé ou se considere melhor que os outros; ele<br />

simplesmente demora a entender o que se passa ao seu redor,<br />

como se a morosidade da vida vivida tivesse encarnado nele.<br />

Obviamente, por trás dessa fachada prosaica, há a mão firme e<br />

certeira de um autor que dá dimensão plena às frases e que revela<br />

um trabalho muito esmerado de linguagem, que contempla o que<br />

se espera de um raciocínio de um jovem (o narrador do livro), mas<br />

revela a acuidade na percepção das pequenas coisas, tão presente<br />

na poesia de Corsaletti. Em um conto, o narrador, ao apanhar de<br />

um colega valentão, lança uma frase patética cheia de fúria:<br />

“Eu vou inventar uma luta!” No conto, os amigos caem na<br />

gargalhada. Na vida real, a luta inventada por Corsaletti – sua<br />

ficção – só merece aplausos. Por Arthur Dantas<br />

Corto Maltese – As Etiópicas . Hugo Pratt<br />

Pixel Media . 2008<br />

At Mount Zoomer . Wolf Parade<br />

Sub Pop . 2008<br />

Após seu disco de estréia, Apologies to the<br />

Queen Mary, a dupla – formada pelo vocalista e<br />

tecladista Spencer Krug e Dan Boeckner,<br />

vocalista e guitarrista –, chegou a escrever quatro ou cinco faixas novas<br />

que supostamente fariam parte do novo trabalho do Wolf Parade.<br />

Descontentes com o material, que julgaram muito parecido com o que já<br />

havia sido feito em Apologies..., resolveram jogar tudo no lixo. Segundo<br />

eles, uma das coisas mais fáceis de fazer seria continuar na mesma linha<br />

do seu primeiro disco, mas, comprometidos com a tarefa de criar algo<br />

novo, seguiram para um período de experimentação numa igreja de<br />

Montreal, de propriedade do Arcade Fire.<br />

O resultado dessas sessões originou At Mount Zoomer, novo disco da<br />

banda. Ao contrário do que aconteceu no álbum anterior, em que os<br />

diferentes estilos dos dois compositores nem colidiram nem se fundiram,<br />

desta vez a questão autoral das músicas deixou de ser fato relevante,<br />

pois, acima de qualquer coisa, nos deparamos com músicas do Wolf<br />

Parade. Exemplo disso pode ser ouvido na faixa “Language City”, escrita<br />

por Dan, onde o piano é veículo para o refrão: All this working/ Just to<br />

tear it down. E não importa quantos projetos essa banda venha a revelar<br />

num futuro próximo, as canções deste disco devem ficar entre nós por<br />

um bom tempo, quem sabe alguns meses. Por Rodrigo Brasil<br />

Muito antes de o multiculturalismo virar uma tendência intelectual chique, do surgimento do rótulo world music, ou, mais<br />

recentemente, música global, havia um artista das histórias em quadrinhos que encarnava as premissas de um mundo sem<br />

fronteiras, onde haveria respeito e entendimento entre as várias culturas e especificidades locais. O autor é Hugo Pratt, e<br />

o personagem apátrida e libertário (alter-ego do autor) é o marinheiro bon vivant Corto Maltese. As Etiópicas, quarto álbum<br />

da série, apresenta as aventuras do marinheiro na África Oriental, durante o período do colonialismo europeu, imediatamente<br />

no pós-Primeira Guerra Mundial. Há ali as ponderações de Corto sobre a inutilidade das guerras, o misticismo de um continente mágico (Pratt<br />

ama e sabe como poucos enaltecer o que é próprio de um povo), os amores na contramão de Corto, lutas fatais, há morte e há alegria. Enfim: toda<br />

história de Pratt é um elogio à vida. Seu estilo é devedor dos grandes clássicos das HQs, seguindo os passos de autores como Milton Caniff e Alex<br />

Raymond, por exemplo. Seus desenhos em preto-e-branco são carregados de dramaticidade, cada quadro expande o texto e guarda um sentimento<br />

muito vivaz. Os personagens de Pratt têm uma atração irresistível pela aventura, não conseguem escapar de confusões e situações arriscadas, e as<br />

paixões são sempre temerárias: em uma passagem do álbum anterior, Corto pergunta diretamente ao leitor “Por que eu sempre me apaixono pelas<br />

mulheres que estão do lado errado?” Ainda que Pratt seja um dos quadrinistas mais eruditos de toda a história, carregava consigo uma paixão pela<br />

HQ de aventura que torna suas histórias sempre acessíveis. Tal qual uma droga, quem se aventura por seus álbuns dificilmente pára por aí; acaba<br />

sempre querendo mais e mais. Por isso, se quiser ler ao menos um grande álbum de HQ em sua vida, escolha Corto Maltese. Por Arthur Dantas


Daniel Cacciatore<br />

Dead Kennedys é uma banda que eu curto<br />

desde meus 11 anos, e as letras do Jello Biafra me<br />

ensinaram mais sobre politica do que qualquer livro<br />

ou filme. Quando eu li a entrevista dele para o<br />

André Barcinski no Noticias Populares (depois<br />

publicada no livro Barulho) em que ele perguntava<br />

sobre o Collor e sobre a Globo eu imaginei como seria<br />

se o Dead Kennedys fizesse um disco sobre o Brasil<br />

falando dos nossos problemas politicos, sociais,<br />

educacionais etc...<br />

99


+QUEM SOMA . Bruno Kaskata . Por Renato Silva<br />

100<br />

vezes eu me sinto um alien<br />

por trabalhar de maneira tão “Às<br />

solitária.” Essa frase não deveria<br />

soar estranha, se não fosse extraída da<br />

fala de Bruno “Kaskata” Lancellotti, jornalista<br />

formado pela Faculdade Casper Líbero<br />

de São Paulo, 30 anos – treze dos quais dedicados<br />

a promover o ska no país – e dono do<br />

selo Radiola Records.<br />

Por tudo que realizou em sua curta trajetória,<br />

chega a espantar essa carga de decepção<br />

naquele que é o responsável por<br />

agradáveis surpresas no que se refere ao<br />

lançamento no Brasil de artistas emblemáticos<br />

ligados à música jamaicana, e, para a<br />

nossa alegria, da vinda de muitos desses ao<br />

país. Numa dessas manhãs sufocantes de céu<br />

por entre os tons de cinza e marrom, sou<br />

convidado a me sentar num aconchegante<br />

sofá de sua casa, onde vive com a mãe. Sou<br />

recebido com a simplicidade com a qual o Sr.<br />

“Kaskata” conduz o seu trabalho.<br />

Conversamos sobre o surgimento do ska no<br />

Brasil e também sobre o fato de artistas bra-<br />

sileiros terem feito versões do gênero na<br />

Jovem Guarda. “O ska pintou por aqui acidentalmente<br />

nos anos sessenta, e a geração<br />

da Jovem Guarda não tinha idéia de que<br />

‘Shame e Scandal’, regravada por Renato e<br />

seus Blue Caps ou ‘My Boy Lollypop’ na versão<br />

da Wanderléia eram ska e rocksteady.”<br />

Questiono uma possível responsabilidade dos<br />

Paralamas do Sucesso em divulgar de fato o<br />

ska no país. “Não, não! O ska de fato foi<br />

divulgado no início dos anos noventa”, afirma,<br />

categórico. Sem deixar espaço para<br />

réplicas, continua: “Toda a informação que<br />

saiu dos Estados Unidos, da Europa, chegou<br />

aqui na mesma época em que chegava à<br />

América Latina, e havia três grandes bandas<br />

no continente com um som influenciado pelo<br />

ska: o Desordem Público da Venezuela, os<br />

Fabulosos Cadilacs da Argentina e os Paralamas.<br />

No caso do Paralamas, aqui se<br />

vendeu como rock brasileiro e não importava<br />

se era punk ou o que seja. A única banda<br />

brasileira que marcava essas características<br />

na época era o Kongo, do Rio.”<br />

Bruno não faz rodeios quando se trata de<br />

suas escolhas e trabalhos, um cara “sem<br />

ideinhas”, como disse Frederico Finelli, dono<br />

da Submarine Records, num elogio que acaba<br />

sendo retribuído pelo amigo quando perguntado<br />

sobre quem no Brasil faz um trabalho<br />

sério e independente. “Um exemplo de cara<br />

sério, que trabalha com integridade. Um cara<br />

que sabe muito bem trabalhar no equilíbrio<br />

entre o que pode e gostaria de fazer e o que<br />

pode realizar, diz Kaskata.”<br />

A Radiola Records, selo do qual é o dono e<br />

que trabalha com o ska e todas as suas vertentes,<br />

é um exemplo de profissionalismo<br />

dentro do mercado independente. Tocando a<br />

empreitada juntamente com Rodrigo Cerqueira,<br />

que integra o grupo Firebug, Bruno<br />

sabe escolher aqueles que quer representar<br />

em sua gravadora, em que a música jamaicana<br />

é o foco. “Meu sonho é poder um dia<br />

organizar melhor a Radiola, estabelecer metas<br />

e cumpri-las de maneira que eu não me<br />

canse tanto.” O mercado independente do<br />

país apresenta resultados pouco gratifican-


tes para quem produz e, na maioria das<br />

vezes, para quem usufrui da produção e dos<br />

frutos por essa gerados.<br />

O trabalho desenvolvido pela Radiola,<br />

apesar de sua relevância dentro do mercado<br />

atual, infelizmente é pouco reconhecido fora<br />

do meio independente. Nada de novo, se relacionarmos<br />

o fato a esse estagnado mercado<br />

musical brasileiro, onde somente os que<br />

se esforçam ao limite do absurdo realizam<br />

façanhas como o festival Sonhos de Uma<br />

Noite de Verão, produzido por Bruno e que<br />

reuniu nos anos de 2006 e 2007 em São Paulo<br />

um pouco da nata do ska e do rocksteady.<br />

A paixão pelo gênero se deu no início dos<br />

anos 1990. “Meu primo, Rica Caveman era<br />

vocalista do Nomad, uma das bandas mais<br />

bacanas do reggae paulistano nos anos 90.<br />

Ele foi pioneiro no dancehall por aqui e ainda<br />

hoje segue participando de shows com a<br />

galera da nova geração. O irmão dele tocava<br />

teclado e hoje é repórter da ESPN Brasil.<br />

Foi ele quem me mostrou pela primeira vez<br />

um LP da Studio One, justamente o Ska<br />

Authentic, dos Skatalites. Mas atribuo a<br />

descoberta e o entendimento do que era o<br />

Ska a um outro primo, ligado ao punk. Quando<br />

ele apareceu com um álbum do Dead<br />

Kennedys é que eu quis ir atrás de música na<br />

galeria do rock.” Essa descoberta rendeu<br />

vários frutos. O primeiro deles foi o zine<br />

Kaskata. Já no final da década, viria o<br />

trabalho que lhe trouxe maior reconhecimento<br />

e, em suas próprias palavras, o que<br />

mais lhe agradou: o “Skabadabadoo!” na<br />

Brasil 2000 FM, de 1997 a 2002.<br />

Kaskata é um apelido que carrega da<br />

época da Brasil 2000. “Éramos eu e outro<br />

cara fazendo o programa, e a rádio pediu um<br />

codinome para os dois. Eles sugeriram o<br />

Kaskata por conta do fanzine e também pela<br />

sonoridade da palavra. O engraçado foi que<br />

pro outro cara, que era um japonês, deram o<br />

codinome de ‘Alemão’(risos).” Sobre o papel<br />

da mídia na divulgação do ska, Bruno solta o<br />

verbo. “Não posso negar que existe uma<br />

bronca com relação à maneira com que a<br />

imprensa trata das coisas. Isso me frustra<br />

demais. Sou jornalista também e sei bem<br />

como funcionam as coisas, como é a cadeia<br />

de prioridades dentro de uma empresa de<br />

comunicação.”<br />

A inquietude perene de Kaskata é latente.<br />

Os rumos a serem tomados, principalmente<br />

se o acaso bater em sua porta e uma possível<br />

mudança se fizer necessária, em direção<br />

àquela que é a sua carreira de origem, não<br />

parecem incomodá-lo muito. Ele busca seus<br />

sonhos e os coloca como prioridades. “Sou um<br />

cara que aprendeu a pensar na faculdade de<br />

jornalismo, mas deixei a CBN pra depois.<br />

Estou bastante longe de conseguir<br />

minha independência financeira. Ainda<br />

moro com minha mãe, minhas coisas<br />

estão todas entulhadas aqui, tenho<br />

minhas contas a pagar. Mas eu tenho<br />

sorte de ser um cara bem instruído,<br />

que não vai ficar na rua caso as coisas<br />

dêem errado.” <br />

Saiba Mais<br />

www.radiolarecords.com.br<br />

Matéria completa em www.maissoma.com<br />

101


Oi, Velocidade<br />

. Por Gustavo Mini<br />

Um dos clichês mais comuns que se ouve em<br />

elevadores e restaurantes a quilo é ouvir comentários<br />

sobre como “as coisas estão<br />

aceleradas”: o ano passa mais rápido, as crianças<br />

crescem mais rápido, os carros correm mais rápido,<br />

os computadores estão mais rápidos, os celulares<br />

ficam descartáveis mais rápido, as bandas surgem e<br />

somem mais rápido, as tendências brotam e se<br />

dissolvem mais rápido.<br />

Pois é. Estamos correndo tanto que não é preciso<br />

nem mesmo correr para estar rápido. Mesmo quem<br />

está chapado na cama, vendo televisão e ouvindo<br />

vinil com um celular de 2005 que só manda e recebe<br />

mensagens, está correndo. Qualquer um que hoje<br />

fique parado no seu lugar está indo mais rápido do<br />

que seus antepassados recentes. Não tem jeito.<br />

Estamos dentro de um trem bala e ninguém ousaria<br />

puxar a cordinha do freio de emergência. Isso<br />

afetaria de modo irreversível o lançamento do<br />

próximo iPhone.<br />

Existe uma série de explicações para esse fenômeno.<br />

Elas podem vir com o viés da economia, da<br />

tecnologia, da biologia, da física ou da história.<br />

Como eu não domino nenhuma dessas disciplinas e<br />

nem li Paul Virilio (considerado o filósofo da velocidade),<br />

tive que inventar minha própria tese.<br />

A velocidade tonteia, mas também dá<br />

barato. Oferece uma sensação maior de suposta<br />

solidez dos nossos mundos interno e externo. É a<br />

vida feito flip-book: se continuarmos folheando<br />

rapidamente, poderemos ver nossa história se<br />

desenrolar. Se pararmos, só sobrarão desenhos<br />

estáticos em seqüência – uma série de fotogramas<br />

pintados à mão que, pausados, surgem com<br />

detalhes. Olhar esses detalhes é o ônus de estancar<br />

a velocidade. Mas é também o bônus. É possível<br />

enxergar os contornos, as pinceladas de cor, a<br />

textura do papel – veja você, se percebe até que<br />

havia papel envolvido na história.<br />

É difícil tratar do assunto sem resvalar em um moralismo<br />

que leve à apologia da lentidão. A velocidade<br />

está aí e ponto final. Mas pelo menos, por<br />

uma questão de educação, a gente podia parar por<br />

um segundo, nem que seja pra olhar na cara dela e<br />

fazer o que não fizemos ainda: dar “oi”.<br />

Gustavo Mini é editor do blog Conector<br />

www.conector.blogspot.com


+ENDEREÇOS<br />

Alexandre Herchcovitch .<br />

Rua Haddock Lobo . 1151<br />

Jardins . São Paulo . SP<br />

11 3063 2888<br />

www.alexandreherchcovitch.com.br<br />

Cia de Foto .<br />

Rua Amaro Cavalheiro . 316/318<br />

Pinheiros . São Paulo . SP<br />

11 3034 6269<br />

www.ciadefoto.com.br<br />

Companhia das Letras .<br />

www.companhiadasletras.com.br<br />

Conrad Editora .<br />

Rua Simão Dias da Fonseca . 93<br />

Cambuci . São Paulo . SP<br />

11 3346 6088<br />

www.conradeditora.com.br<br />

Desmonta .<br />

www.desmonta.com<br />

Devassa .<br />

www.devassa.com.br<br />

Drag City .<br />

www.dragcity.com<br />

Galeria Brito Cimino .<br />

Rua Gomes de Carvalho . 842<br />

Itaim . São Paulo . SP<br />

www.britocimino.com.br<br />

Galpão Fortes Villaça .<br />

Rua James Holland . 71<br />

Barra Funda . São Paulo . SP<br />

www.fortesvilaca.com.br<br />

Galeria Luisa Strina .<br />

Rua Oscar freire . 502<br />

Cerqueria César . São Paulo . SP<br />

www.luisastrina.com.br<br />

Element / Nixon / Von Zipper .<br />

Rua Oscar Freire . 909<br />

Jardins . São Paulo . SP<br />

11 3081 2798<br />

www.elementskateboards.com<br />

Maria Garcia .<br />

Rua Oscar freire . 1105<br />

Cerqueria César . São Paulo . SP<br />

11 3062 0140<br />

www.mariagarcia.com.br<br />

Neon .<br />

Rua Baronesa de Itu . 42<br />

Santa Cecília . São Paulo . SP<br />

11 3828 1920<br />

www.neonbrazil.com<br />

Nike .<br />

www.nike.com<br />

Pintar .<br />

Rua Cotoxó . 110<br />

Pompéia . São Paulo . SP<br />

11 3873 0099<br />

www.pintar.com.br<br />

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Playstation .<br />

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Simone Nunes .<br />

Rua Arthur de Azevedo . 1117<br />

Pinheiros . São Paulo . SP<br />

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Subpop .<br />

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Volcom .<br />

Alamenda Lorena . 1835<br />

Jardins . São Paulo . SP<br />

11 3083 1883<br />

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V-Rom .<br />

Alameda Lorena . 1922 .<br />

Jardins . São Paulo . SP<br />

11 3063 5823<br />

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Zarabatana Books .<br />

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