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Alguém tinha que fazer o “trabalho sujo”…<br />
Parece até que foi ontem que estávamos reunidos em nossa híbrida mesa<br />
de reunião/ping-pong para discutir o que seria da primeira edição da revista <strong>+Soma</strong>.<br />
O sentimento geral dos envolvidos era um misto de empolgação, euforia e, é claro,<br />
aquele friozinho na barriga tradicional de quem vai começar um novo projeto.<br />
Não existia outra saída. Não fazia o menor sentido pra gente que em uma cena cultural<br />
tão rica, criativa e efervescente ainda não existisse um projeto como a <strong>+Soma</strong>.<br />
Ficou muito claro que essa era uma missão da qual não poderíamos mais fugir.<br />
Porque se ninguém ainda tinha feito, alguém tinha que fazer.<br />
Um ano se passou e seis edições, incluindo essa que você está lendo nesse momento,<br />
foram lançadas. São milhares de exemplares impressos e distribuídos gratuitamente<br />
que simplesmente “evaporam” dos pontos de distribuição em poucos dias.<br />
E para nós não existe reconhecimento melhor que esse.<br />
E se você está segurando essa edição na mão, considere-se com sorte,<br />
já que, além de distribuirmos mais uma edição com essa qualidade de conteúdo,<br />
papel e impressão, resolvemos celebrar nosso primeiro aniversário encartando um CD,<br />
também de graça, com catorze das melhores bandas/artistas independentes brasileiros,<br />
só para ver se conseguíamos fazer as revistas desaparecerem ainda mais rápido.<br />
Brincadeiras à parte, em meio ao atual marasmo que se encontra o mercado fonográfico<br />
tupiniquim achamos que era hora de aumentar nossos esforços, já que um dos principais papéis<br />
do projeto é o de amplificar e fortalecer a cena. E é uma enorme satisfação conseguir<br />
viabilizar em uma parceria inédita entre a <strong>+Soma</strong>, Nike e RedBull,<br />
o primeiro volume da coletânea <strong>+Soma</strong> Amplifica.<br />
Coloque o disco para girar, aumente o volume, devore as páginas dessa edição mais do que especial<br />
que conta com KL Jay e sua “fita mixada”, a arte do mineiro Eduardo Recife, a voz da experiência<br />
do polêmico Nelson Leirner, as grandes viagens de Above, a música futurista de Mike Ladd,<br />
a relação de Renata Lucas com a cidade e muito mais!<br />
Até a próxima,<br />
+SOMA
Shuffle...................................................................................................................................................14<br />
Na Kombosa ............................................................................................................................................16<br />
Kl Jay, Rapaz Comum ......................................................................................................................................................26<br />
Eduardo Recife . Sampleando Imagens ...........................................................................................................32<br />
SX-70.....................................................................................................................................................40<br />
Nelson Leirner . Ser ou Não Ser Artista? .........................................................................................................48<br />
Low_res nyc trucks and vans mobile cam shots ................................................................................56<br />
+ Soma Amplifica Volume 01........................................................................................................................58<br />
Look Above . Um olhar para cima..................................................................................................................62<br />
Por trás das tramas ...................................................................................................................................70<br />
A música futurista de Mike Ladd ...................................................................................................................76<br />
Camadas da Cidade ...................................................................................................................................80<br />
O mar do Mike Watt....................................................................................................................................................86<br />
Holofortes Reversos ..................................................................................................................................90<br />
Pequenos Prazeres....................................................................................................................................94<br />
Reviews .................................................................................................................................................96<br />
Versões e Subversões.................................................................................................................................99<br />
Quem Soma ...........................................................................................................................................100<br />
Oi, velocidade ........................................................................................................................................102<br />
Dias de um fantasma suicida ...............................................................................................104
10<br />
O projeto <strong>+Soma</strong> é uma iniciativa da Kultur,<br />
estúdio criativo com sede em São Paulo.<br />
Para informações acesse: www.maissoma.com<br />
Iniciativa .<br />
Kultur Studio<br />
Rua Sampaio Gois . 70 . Vila Nova Conceição<br />
04511 070 . São Paulo . SP<br />
www.kulturstudio.com<br />
REVISTA SOMA #6<br />
Julho 2008<br />
Fundadores . Kultur<br />
Alexandre Charro, Fernanda Masini, Rodrigo Brasil e Tiago Moraes<br />
Conselho Editorial .<br />
Alexandre Vianna, Flavio Samelo, Helena Sasseron,<br />
Marcelo Fusco e Rafael Jacinto<br />
Editor . Tiago Moraes<br />
Redação . Arthur Dantas<br />
Revisão . Mateus Potumati<br />
Projeto gráfico . Fernanda Masini<br />
Arte . Fernanda Masini e Tiago Moraes<br />
Fotografia . Cia de Foto<br />
Conteúdo áudio-visual .<br />
Alexandre Charro e Luciano Valério<br />
Colunistas .<br />
Gustavo Mini, Keke Toledo, Lu Krás, Tiago Nicolas e Breno Tamura<br />
Gostaríamos de agradecer os artistas Above, Binho Barreto, Chivitz,<br />
Cristiano Trindade “Gota”, Danielone, Eduardo Recife, Estúdio Colletivo, Fernando Ribeiro,<br />
Nelson Leirner, Rui Amaral, à Cláudio Martini & Zarabatana Books, Barracuda Editora,<br />
Companhia das Letras, Rocco Editora, Cassius Medauar & Pixel Media, Conrad Editora,<br />
Desmonta Discos, Fred & Submarine Records, Rodrigo Brandão, Espião, Estúdio El Rocha,<br />
SESC SP, Galeria A Gentil Carioca, Galeria Luisa Strina, Galeria Fortes Villaça, Galeria<br />
Brito Cimino, Graziela Kunsch, Howard Wuelfing, Hisham Bharoocha, Jesper Eklow e<br />
Matador Records, Simone Nunes, Neon, V.Rom, Maria Garcia, Alexandre Herchcovitch,<br />
todos artistas da Amplifica, as bandas selecionadas para coletânea<br />
<strong>+Soma</strong> Amplifica Volume 1 e à todos que enviaram material para resenha,<br />
aos anunciantes e aos pontos de distribuição da revista.<br />
Nosso mais sincero muito obrigado!<br />
Agradecimento especial a todos que direta ou indiretamente colaboraram<br />
para que essa revista se tornasse realidade. Ao conselho editorial, a todos<br />
os colaboradores de texto, foto, arte, e a todos da Cia de Foto.<br />
Todos os artigos assinados e fotografias são de responsabilidade única de<br />
seus autores e não refletem necessariamente a opinião da revista.<br />
Publicidade . Cristiana Namur Moraes<br />
T. 55 11 3849.2045 . cris@kulturstudio.com<br />
Para anunciar ou enviar material para review, entre em contato através<br />
do telefone 11 3842.6717 ou escreva para info@kulturstudio.com.<br />
Capa<br />
Eduardo Recife<br />
Periodicidade . Bimestral<br />
Distribuição . Gratuita em lojas, restaurantes,<br />
galerias de arte, museus, centros culturais,<br />
shows, eventos e casas noturnas.<br />
Veja os endereços em . www.maissoma.com/info<br />
Impressão . Prol Gráfica<br />
Tiragem . 10.000 exemplares
12<br />
Lauro Mesquita<br />
Jornalista, Lauro edita<br />
a revista ELEELA.<br />
Nas horas vagas do extenuante<br />
trabalho no mundo pornô,<br />
ele escuta um som e aproveita<br />
a vida em São Paulo, Pouso Alegre<br />
e na idílica Heliodora.<br />
Apesar de negar com veemência,<br />
é roqueiro brasileiro nato.<br />
Helena Sasseron<br />
Produtora e stylist<br />
nascida em SP, acredita no<br />
“cada um com seu cada qual”.<br />
Filmes e arte sempre que<br />
sobra um tempo.<br />
Música o tempo todo.<br />
André Maleronka<br />
André é repórter da revista<br />
ELEELA e colaborador<br />
da Rolling Stone Brasil.<br />
Breno Tamura<br />
É quadrinhistra, ilustrador,<br />
dj nas noites vagas, viciado<br />
em videogame e ainda tem duas<br />
bandas, a Brendon Toshiro e Húngaro.<br />
Quando não está com preguiça<br />
faz trabalhos com vídeos, mas na maior<br />
parte do tempo está desenhando<br />
ou jogando vídeogame.<br />
Tiago Mesquita<br />
Tiago nasceu em Pouso Alegre (MG).<br />
Trabalha como crítico de arte desde 1999.<br />
Escreveu ensaios para livros sobre artistas<br />
como Cassio Michalany, Jorge Guinle,<br />
Fábio Miguez, Sérgio Sister, entre outros.<br />
Atualmente faz mestrado no<br />
departamento de Filosofia USP.<br />
Seu retrato é de Ana Prata.<br />
.<br />
Renato Silva<br />
Editor do Fanzine Colateral<br />
e estudante de Letras na<br />
Universidade de São Paulo.<br />
Sua vida se resume a arte,<br />
música, literatura e<br />
nada de televisão.
Fernando Martins<br />
É skatista e fotógrafo<br />
autodidata.<br />
Nasceu no Rio de Janeiro<br />
mas escolheu a cidade de<br />
São Paulo para viver."<br />
Daniel Cacciatore Angelucci<br />
Formado em desenho industrial pela<br />
FAAP, é envolvido com graffiti e tatuagem<br />
desde 1995. Conhecido como Danielone,<br />
desenha desde criança influenciado por<br />
filmes de gangues, fliperamas e capas de<br />
discos de punk, hardcore e metal, mistura<br />
conhecida como crossover.<br />
Faz estampas para marcas de surf e skate<br />
e algumas de suas telas podem ser vistas<br />
na galeria Choque Cultural. E também<br />
é vocalista das bandas Presto? e R.H.D.
Rafael Lopes é menino do Rio, ou melhor: poniboy do Rio. Tenho preguiça de citar aqui todas as bandas das quais ele participou<br />
e todos os instrumentos que toca, mas a maioria das pessoas devem conhecê-lo melhor como o guitarrista de dreadlock do Planet<br />
Hemp e/ou como o “tio” emo do Polara. Atualmente está com uma nova banda, chamada Aspen, além de seu projeto poniboy.<br />
O Rafael colecionador, assim como o músico, passa por várias fases, de um extremo ao outro, e isso fez e faz com que ele tenha<br />
uma discoteca bem variada e interessante. Fiz com que ele colocasse na roda os discos mais importantes de cada uma dessas fases.<br />
Disco da sua fase headbanger?<br />
Minha fase banger começou com Metallica.<br />
Todo mundo fala muito do Master of Puppets ou do<br />
Kill’em All, mas o disco de thrash que eu<br />
mais pirei foi o Ride the Lightning. Aprendi<br />
a tocar guitarra tirando os sons desse disco<br />
e até hoje sei tocar algumas músicas.<br />
Disco da fase funk-o-banger?<br />
Bom, eu nunca pirei muito em funk-o-metal, nem<br />
de Red Hot Chili Peppers eu gostava. O disco mais<br />
foda que se aproxima disso é o Nothing’s Shocking<br />
do Jane’s Addiction, e no Brasil o Kingzofbullshit<br />
do De Falla, que também foi bem marcante.<br />
Disco da fase grunge?<br />
Difícil escolher um disco dessa época porque foi<br />
uma das mais marcantes para mim, tem tanta<br />
coisa boa… Acho que o Superfuzzbigmuff do<br />
Mudhoney foi o primeiro que eu escutei e foi<br />
muito foda. Depois de escutar esse disco, barulho<br />
virou uma coisa fundamental para mim.<br />
Disco da fase shoegaze?<br />
(risos) Bom, Loveless do My Bloody Valentine<br />
é um clássico, mas o que eu mais escutei de<br />
todos foi o Lazer Guided Melodies do<br />
Spiritualized.<br />
Disco da fase straight edge hardline?<br />
Vixe, essa fase pegou todo mundo na época, né?<br />
Eu escutei muita coisa boa, mas muito lixo<br />
também. Só com o tempo consegui distinguir o<br />
que era autêntico do que era embalo, por isso<br />
fico com o Start Today do Gorilla Biscuits. Não vou<br />
citar o Minor Threat porque para mim eles estão<br />
acima de tudo isso. Mas eu nunca fui sxe, viu?<br />
Disco da fase emo?<br />
Analphabetapolothology,<br />
do Cap’n Jazz, sem mais o que dizer.<br />
Disco da fase lurch?<br />
Essa fase veio junto com a fase grunge<br />
e a shoegaze. Teve uma coletânea que saiu<br />
no Brasil, chamada Another Kind of Noise<br />
que era bem legal, mas a banda que eu<br />
mais curtia desse estilo era o<br />
Swervedriver – o disco Raise era demais.<br />
Disco da fase riot grrrl?<br />
Vou citar dois. Um brasileiro que era bem legal,<br />
o Girls Gathering – primeiro do Dominatrix. Gastei<br />
a demo delas de tanto ouvir. Quando eu tinha a<br />
Spicy (antigo selo do Rafael), depois de lançar o<br />
disco do Againe, queria lançar o disco delas, mas<br />
elas preferiram lançar por outro selo. Um disco<br />
gringo que também ouvi até gastar foi o Dig Me Out<br />
do Sleater-Kinney. “three things you should learn, riot girls never<br />
die, every girl is a riot girl, stop boys violeeeennce...”<br />
Disco da fase atual, folk?<br />
De tudo que eu ando escutando, destaco uma banda<br />
da Filadélfia chamada Espers. O último disco deles,<br />
Espers II, é excelente. Tem também Bonnie Prince<br />
Billy, Vetiver, Devendra, etc.<br />
A minha fase preferida dele?<br />
Tempestade Bipolar, do Polara.<br />
15
Por Tiago Moraes<br />
Nesta edição, dando início ao clima festivo de comemorações<br />
de um ano da <strong>+Soma</strong>, resolvemos aproveitar a oportunidade<br />
e prestar uma homenagem mais do que justa à Kombi,<br />
esse veículo charmoso que acaba de completar 50 anos no Brasil.<br />
O simpático nome foi criado pelos criadores germânicos logo após a<br />
Segunda Guerra Mundial e é uma abreviação da palavra alemã<br />
Kombinationsfahrzeug, que no bom e velho português significa<br />
“veículo combinado ou multiuso”, em uma tradução livre.<br />
E a boa e velha “Kombosa”, como foi carinhosamente apelidada por aqui,<br />
faz jus ao nome, sendo desde o início de sua longa e democrática história a mais<br />
querida entre hippies, punks, surfistas, estudantes, feirantes, e a preferida no transporte<br />
de trabalhadores e cargas pesadas. Uma trabalhadora, guerreira e incansável.<br />
Ao invés de mandar ela para uma cirurgia plástica ou aplicar um botox para dar aquela<br />
rejuvenescida, convidamos Binho Barreto, Chivitz, Cristiano Trindade “Gota”, Danielone,<br />
Estúdio Colletivo, Fernando Ribeiro, Kultur Studio e Rui Amaral para darem<br />
uma “tunada” em uma réplica em miniatura da perua. Confira o resultado!<br />
NA KOMBOSA CONTA COM O APOIO DA NIKE QUE, ASSIM COMO A +SOMA, NASCEU DA TÍPICA ENERGIA E PAIXÃO QUE MOTIVA JOVENS NO MUNDO TODO À CORRER<br />
ATRÁS DE SEUS SONHOS E FAZER ACONTECER. UM ESPAÇO DEMOCRÁTICO, QUE CELEBRA A ARTE TRAZENDO A CADA EDIÇÃO NOVOS ARTISTAS E IDÉIAS QUE INSPIRAM.
18<br />
Por Kultur Studio
Por Chivitz
20<br />
Por Danielone
Por Fernando Ribeiro
22<br />
Por Cristiano Trindade “Gota”
Por Binho Barreto
24<br />
Por Rui Amaral
Por Estúdio Colletivo
Rapaz Comum<br />
Por Arthur Dantas. Colaborou Tiago Moraes<br />
“Se o rap fosse um partido, pra mim, ele seria o presidente!”<br />
A frase foi dita pelo DJ Pampa, do grupo Relatos da Invasão, e o presidente em questão seria<br />
Kléber Geraldo Lelis Simões, mais conhecido como KL Jay, DJ do grupo Racionais MCs.<br />
Chamá-lo somente de DJ do Racionais – o que não é pouco, dado que o grupo é desde sempre<br />
o mais importante da história do rap nacional – é reduzi-lo ao seu lado “celebridade”: KL Jay<br />
é pai de cinco filhos, administra em parceria com Xis a 4P – selo, loja de roupas e salão de<br />
cabeleireiros –, cuida de parte dos negócios do Racionais MCs e ainda tem seu próprio selo,<br />
a Equilíbrio Discos. Sobretudo, é um dos personagens mais queridos do rap nacional.<br />
Conversando com ele, fica fácil entender por quê: bastante articulado, KL Jay sorri, brinca,<br />
mas sabe defender seus pontos de vista de forma enfática. E, apesar de ser reconhecido<br />
nacionalmente desde o estrondoso sucesso do álbum Sobrevivendo no Inferno (1997) e de sua<br />
passagem como VJ pelo programa Yo!, da MTV Brasil, mantém a simplicidade de quem um dia foi<br />
office-boy (“Mesmo com ginásio completo, fazendo contas bem etc., não conseguia emprego<br />
melhor. Foi o rap que me fez ver o preconceito, o racismo, o que o sistema faz.”).<br />
Em determinado ponto de nosso papo, falamos sobre Chuck D, lendário líder do<br />
Public Enemy. “Ele é muito humilde, trata todo mundo bem. Esse é o comportamento dos<br />
reis né? A humildade.” A descrição serve perfeitamente para definir o próprio KL Jay,<br />
que continua sendo o bom e velho “rapaz comum” da Zona Norte de São Paulo. “Eu estava<br />
preparado para um possível sucesso. A gente [os membros do Racionais] tava vacinado<br />
sobre isso, porque via pessoas que ficaram pretensiosas por causa da fama. O sistema faz<br />
isso: tem que andar com segurança, com carro do ano, engordar, mudar o cabelo, andar<br />
com jóias... Eu viajei com o lance de dinheiro, caí um pouco no jogo também.<br />
Mas sempre tive pra mim que eu queria continuar indo beber meu suco na rua, andar<br />
de Metrô, de ônibus, quero continuar andando no bairro. O sucesso vem e você tem que<br />
saber lidar com esse veneno. Vejo um monte de gente se perder,” reflete o DJ.<br />
A entrevista teve como mote o lançamento de sua mixtape Fita Mixada Rotação 33,<br />
seu segundo trabalho-solo (o primeiro foi o álbum duplo KL Jay na Batida, Vol. III, de 2004),<br />
contando com participação de nove MCs e redesenhando faixas previamente lançadas de<br />
artistas como Xis, MV Bill, RZO, Sabotage, SP Funk, SNJ, GOG e 509-E, por exemplo.<br />
O trabalho começa com um improviso ao vivo de Mano Brown e Ice Blue, em um show em<br />
Porto Alegre, abrindo alas pra faixa Bem Pior, do primeiro álbum do Xis, devidamente<br />
retrabalhada por KL Jay. No meio, ainda sobra um toque do DJ para o grupo RZO: misturando<br />
trechos de faixas diversas, ele manda um recado para o lendário grupo da Zona Oeste _ está<br />
na hora de voltar. O disco é curto – na medida para animar qualquer festa por aí. Nada para<br />
se espantar, já que KL Jay é um dos melhores DJs da noite paulistana desde sempre.
28<br />
Você usou só discos de rap nacional pra fazer esse álbum?<br />
Quis fazer um lance autêntico. Fiz uma seleção de rap nacional e chamei<br />
alguns MCs para cantar em cima das partes instrumentais. Fiquei<br />
fascinado com a mixtape do FunkMaster Flex. Ele colocava a Erykah Badu<br />
cantando em cima de base do Mobb Deep, a Lauryn Hill cantando em cima<br />
de base do Busta Rhymes... Por isso eles são os melhores. Qual é a<br />
mentalidade deles? Tamo junto no bang, meu! A música é nossa! Os/as<br />
MCs cantavam em cima das bases, e aquilo combinava muito com cada<br />
um. Aí usei só rap nacional, porque tem muita base legal pra usar.<br />
Qual foi o vinil mais antigo e o mais recente que você usou?<br />
O mais antigo foi o som Bem Pior do Xis, e o mais novo foi um do ParteUm.<br />
E você fez tudo ao vivo?<br />
Sim. Porque a maioria das mixtapes são editadas, e eu queria ser autêntico.<br />
Normalmente o pessoal faz algumas passagens ao vivo e depois vai montando.<br />
Você foi estudando, selecionando os discos...<br />
É, e pensando nos MCs pra cantar em cada base. E foi o Márcio, ex-<br />
Código 13, que agora tem uma loja na galeria, que me chamou um dia<br />
quando andava por lá e falou: “Faz uma mixtape, a molecada tá<br />
precisando, tem que movimentar a cena!” Eu falei, “Você acha<br />
mesmo?”, e ele “vai lá e faz, você é o KL Jay, pô! (risos)”. Depois disso,<br />
comecei a selecionar uns discos em casa, escutar um monte de coisa,<br />
treinar pra cacete fazendo a passagem de um som para o outro. Daí<br />
pensei em fazer ao vivo, sem usar computador. Como DJ, não concordo<br />
com isso; computador é para outras coisas. Eu acho que DJ tem que<br />
fazer mixtape sem corte, na hora. Aí chamei o pessoal da 13 Produções<br />
[produtora que fez o DVD que acompanha o CD] para filmar. Selecionei<br />
os MCs e dei as bases para eles pensarem no que iam cantar. Eu pratiquei<br />
muito, marquei o estúdio e fui.<br />
Vai fazer o show com todos esses caras?<br />
Já fiz três shows desse disco. Os caras vão lá e fazem na hora. No disco,<br />
eu gravei a minha parte primeiro, depois o pessoal foi encaixando vocal.<br />
Eu gravei em dois dias – em um deles saí [do estúdio] umas cinco da<br />
madrugada. Porque você erra, tem que gravar vários takes. Eu errava e<br />
começava do zero. Teve take que faltavam cinco minutos pra acabar e eu<br />
errava. Depois do primeiro dia, eu mostrava para os amigos e eles falavam<br />
que tava bom, mas eu sou muito autocrítico e voltei mais um dia, porque<br />
não tava do jeito que eu queria.<br />
E a seleção dos MCs? Você escolheu como?<br />
Pelo flow e, sobretudo, pela admiração. E muita gente ficou de fora, porque<br />
senão ia ter duas horas. Mas eu gostei de fazer essa parada e já tô armando<br />
a próxima (risos). No mesmo formato, mas mais dinâmico e agressivo.<br />
Vai sair em vinil?<br />
Como? Fecharam a fábrica! Conforme for as vendas, lanço uma edição<br />
em vinil. Mando pra uma Tuff Gong da vida fazer, com os Marley (risos).<br />
Porque teve gravação e filmagem, gastei uma grana.<br />
Quanto vai custar o CD?<br />
R$ 35, CD e DVD em duas mídias diferentes. A capa ficou cara, porque<br />
tive cuidado em fazer um lance bonito.<br />
Projetos estão sempre no horizonte do DJ de 39 anos. Em 2009, ele<br />
pretende lançar um Rotação 33 na Batida Vol. 2, misturando a mixtape<br />
com seu trabalho de produtor, o álbum da cantora Flora Mattos, pela<br />
Equilíbrio Discos, sem contar que, pelo que se divulga por aí, 2008 ainda<br />
conhecerá um novo trabalho dos Racionais MCs, ainda sem nome e data<br />
definida de lançamento. Na internet, duas pré-produções deste novo<br />
álbum já estão disponíveis: Tá na Chuva e Mulher Elétrica, um sagaz<br />
elogio às mulheres escrito por Mano Brown. Comento com KL Jay como<br />
algumas amigas gostaram dessa música: “A mulherada chapa com esse<br />
som! Minhas amigas mandam mensagem pro meu celular ‘Tamo indo<br />
na [festa semanal comandada por KL Jay] Sintonia, uma hora e meia<br />
na frente do espelho’”, citando trecho da nova canção dos Racionais,<br />
que caiu na internet e na boca dos fãs. Falo sobre essa qualidade única<br />
de Mano Brown, de criar frases que ganham as ruas e viram bordão.<br />
“O Brown usa palavras populares, fáceis, mas que ninguém usa.<br />
A poesia dele é simples. Pra mim, ele é o maior MC do mundo”, diz.<br />
Tentamos arrancar algo sobre o novo álbum do grupo. KL Jay responde<br />
enfático, com um largo sorriso: “Não posso falar nada! Só vou te falar<br />
que tem só música monstro, e tá muito pra frente. Muita gente vai<br />
estranhar”. Falamos se esse longo intervalo entre um disco e outro<br />
foi necessário. “Sim, melhorou as batidas, estamos com outras idéias...<br />
Não dá pra ficar fazendo a mesma coisa.” Falo que, pelas produções<br />
de Mano Brown para outros projetos, imagino que o disco esteja atrelado<br />
a um estilo próximo da canção 1 Por Amor 2 Por Dinheiro. “Eu ia falar<br />
disso. Você tá esperto, hein”, diz KL Jay, caindo na risada. Dessa forma,<br />
parece que os Racionais vão continuar na “redenção pelo funk”, como<br />
disse Mano Brown na canção “Eu Sou Função”, do rapper Dexter. <br />
Eu queria que você contasse um pouco da tua trajetória até virar DJ.<br />
Quando tinha uns 11 anos, comecei a escutar rádio AM, junto com<br />
minha mãe. Aqueles sons... Roberto Carlos etc. Não me identificava<br />
muito, não. Meu pai tinha um rádio da Sony que ele tinha o maior<br />
cuidado. Mexia escondido no rádio e vi um botão escrito FM. Quando<br />
comecei a ouvir aquilo, Funk anos 80, me identifiquei de cara. Ouvia<br />
as rádios Antena 1, Alfa, Manchete, Excelsior, tocavam Kool and The<br />
Gang, One Way, Gap Band.<br />
Ainda rolava disco music?<br />
Já tinha passado. Isso era 82, 83. A disco acabou no final dos anos 70.<br />
Eu me identifiquei com aquilo e comecei a sair na rua, a ter contato<br />
com os caras mais velhos, de 18 a 20 anos, que iam pras festas de<br />
madrugada. Eles falavam dos bailes, das músicas, das danças, das<br />
mulheres... Aquilo me fascinou. Um lance importante foi o programa do<br />
Juninho Mazzei, Big Apple Show, da Jovem Pan. Ele lançava altos sons,<br />
que estavam no auge em Nova York. Lembro quando ele lançou “Pull<br />
Fancy Dancer/Pull, Pt. 1”, do One Way (do álbum Fancy Dancer, de<br />
1981). Aliás, usamos um trecho desse som na abertura de “Vida Loka II”<br />
(do álbum Nada Como um Dia Após o Outro Dia). A referência pra mim,<br />
pro Brown, pro Blue e pro Edi Rock foi o funk.<br />
Você escutava samba naquela época?<br />
Outros estilos, como o samba, soul, jazz etc., eu fui conhecer pelo rap, que<br />
me levou pra história da coisa, por causa dos samplers. Comecei a me
envolver, ir nos bailes e dançar. Tinha também os clipes no Fantástico, no<br />
programa do Tio Sam. Quando você se envolve, as coisas começam a vir<br />
até você, a informação etc. Tudo isso ainda ali na Zona Norte. Era uma<br />
época que tinha muito baile na casa dos amigos – o pessoal reunia os<br />
aparelhos de som pra tocar, normalmente na sala da casa das pessoas – o<br />
pessoal no bairro fazia e eu ainda não podia ir (risos). O tempo passou e fui<br />
ganhando mais liberdade. Entrei no ginásio em 84 e conheci o Edi Rock – era<br />
época do break. Tinha um vídeo do Chic, da música “Hangin’” (do álbum<br />
Tongue in Chic, de 1982) que tinha um moleque dançando break e eu pirei<br />
com aquilo. Comecei a trocar idéia com o Edi Rock sobre fazer umas<br />
festinhas e comprei um aparelho de som 3 em 1 da Sony para mim. Aí<br />
fizemos uma equipe chamada Bill Black – que era o nome do DJ do Kurtis<br />
Blow. A gente tinha uns amigos com caixa acústica e começamos a fazer<br />
sucesso ali na nossa área, fazendo festa em escola, nas casas. As pessoas<br />
dançavam na sala e a gente colocava os aparelhos no quarto, nem<br />
participávamos da festa. A gente olhava pela fechadura pra ver se o povo<br />
tava dançando (risos). Era louco. E o DJ no quarto tinha regalias – o povo<br />
te trazia bolo, refrigerante. E assim a coisa foi evoluindo e o hip-hop<br />
começou a chegar. Já ia nas festas da Chic Show, no Clube da Cidade e era<br />
aquela febre das equipes de baile.<br />
O Edi Rock era DJ também?<br />
Era. Ele que me ensinou as coisas mais básicas, a mixar, a fazer scratch. Ele<br />
sacou essas coisas antes do que eu. Avançando um pouco na história, teve<br />
o [rapper old school americano] Kool Moe Dee, que a Chic Show trouxe. Eu<br />
“A gente tinha uns amigos<br />
com caixa acústica e<br />
começamos a fazer sucesso<br />
ali na área nossa, fazendo<br />
festa em escola, nas casas.<br />
As pessoas dançavam na<br />
sala e a gente colocava os<br />
aparelhos no quarto, nem<br />
participávamos da festa.<br />
A gente olhava pela<br />
fechadura pra ver se o povo<br />
tava dançando (risos).<br />
Era louco. E o DJ no quarto<br />
tinha regalias – o povo te<br />
trazia bolo, refrigerante.<br />
E assim a coisa foi evoluindo<br />
e o hip-hop começou<br />
a chegar.”<br />
queria ter ido no [show do rapper no ginásio do] Palmeiras, mas fui cortar<br />
o cabelo sozinho pra economizar dinheiro e ir na estica, só que meu cabelo<br />
ficou todo torto e fiquei com vergonha de ir (risos). Tinha o lance da<br />
vaidade, de ir com a melhor roupa que você tinha etc. Daí eu dei um jeito<br />
de cortar o cabelo direito e eu fui no domingo no clube House – eu já tava<br />
com esse lance de ser DJ nessa época. Lá, eu vi o DJ do Kool Moe Dee<br />
tocando um som do Tim Maia, “Você Mentiu”. Quando chegou no refrão, ele<br />
repetiu aquilo até virar outro som. Na hora, eu pensei: “Hã? É isso! É isso<br />
que eu quero fazer! (risos)”.<br />
Quais eram as referências que vocês tinham nessa época?<br />
Eu achava o som do Kurtis Blow louco. O primeiro cara que eu vi e ouvi<br />
mixar foi um DJ que tocava na festa da [equipe de som paulistana]<br />
Sideral. O Grandmaster Flash – ele tinha lançado uma mixtape chamada<br />
As Aventuras de Grandmaster Flash (KL Jay se refere ao álbum The<br />
Adventures of Grandmaster Flash, de 1982), misturando Chic com<br />
Blondie etc. Eu nunca tinha visto ninguém fazer ao vivo, porque nas<br />
festinhas nas casas era quase tudo com fita cassete. E em alguns lugares<br />
o DJ tocava de costas para o público – no Rio, por exemplo. Eu também<br />
ia nas lojas da 24 de maio e os caras gravavam as fitas pra mim, porque<br />
não tinha dinheiro para comprar os vinis. A gente tocava de fita mesmo.<br />
Numa domingueira no Sideral eu vi o DJ mixando [a música] “Martin<br />
Luther King” do Hurt-M-Badd com outra, e achei fantástico. Aquilo pra<br />
mim era mágica. Sei lá, eu vejo o Romário jogar, o Robinho, aquilo é<br />
mágica também (risos).<br />
29
O Chuck D olhou uma hora pra<br />
gente, chamou a gente pra entrar<br />
no palco e os seguranças ficaram<br />
barrando. Daí o Brown, com<br />
aquele jeitão dele, olhou bem pros<br />
caras e falou firme “O Chuck D<br />
falou pra gente entrar!” (risos).<br />
Daí a gente tocou. Foi na hora!<br />
E o público conhecia a gente.<br />
Cantamos “Pânico na Zona Sul”<br />
e “Racistas Otários”<br />
e foi muito bom. Pra gente foi<br />
histórico, participar do show<br />
do grupo que a gente era fã,<br />
foi marcante.
E quando saiu o disco Hip Hop – Cultura de Rua (coletânea histórica<br />
com Thaíde & DJ Hum, Código 13, MC Jack e outros)?<br />
Eu já tava envolvido. Ainda não tinha gravado nada, tava ali me<br />
aperfeiçoando. Os caras que apareceram nessa coletânea eram todos<br />
famosos, ídolos pra gente. Foi o DJ da Sideral que me mostrou a<br />
possibilidade de fazer aquilo com qualquer música. O Edi Rock me ensinou<br />
a mixar naquela época, porque o mixer naquela época era o botão de<br />
volume do aparelho. Me ensinou a fazer scratch, no aparelho normal.<br />
E seus pais? Te apoiaram?<br />
Meu pai apoiou, me ajudou a comprar meu primeiro mixer. Minha mãe<br />
sempre foi muito conservadora, veio do interior, e tinha a mentalidade<br />
da maioria das pessoas, que você tem que ter uma profissão com<br />
carteira assinada.<br />
Quando o rap americano chegou, imagino que mais de 90% das pessoas<br />
não sabiam sobre o que eles estavam cantando. Mas parece que essa<br />
afirmação de negritude chegou junto.<br />
São duas coisas distintas. A linguagem da música propriamente dita, que<br />
te hipnotiza, não importa o que está sendo falado na letra, que é foda; e<br />
outra coisa, que foram as idéias. Eu consigo separar a música que tem um<br />
puta instrumental, uma puta levada, com um cara falando só besteira, e<br />
aquele som que nem tem uma levada tão louca, mas tem um cara falando<br />
coisas boas. E tem a música que tem as duas coisas junto – é o que o<br />
Racionais tenta fazer. Mas foi o Public Enemy que despertou uma<br />
consciência na gente, porque eu ficava pensando “Quem é Malcolm X?<br />
Quem é Martin Luther King? O que é a Ku Klux Klan?” Aquilo te faz buscar<br />
informação. Eu me identifiquei na hora com o barato do Black Power, de<br />
Black Panther, de auto-estima. Tudo isso foi passado pra gente.<br />
No [disco de 1993] Raio X do Brasil, o Racionais MCs já era muito<br />
grande. Mas creio que a primeira grande exposição de mídia pra vocês<br />
foi a participação no show do Public Enemy né?<br />
A gente entrou no meio do show deles. Eles tavam no hotel, a gente foi<br />
até lá, o Chuck D veio falar com a gente, pintou uma identificação e tal.<br />
Ele deu uns ingressos pra gente e ficamos na entrada do palco, mas não<br />
dava pra entrar. Foi louco porque a gente foi com os discos. E ele não<br />
falou pra ninguém da produção ficar de olho em nós. O Chuck D olhou<br />
uma hora pra gente, chamou a gente pra entrar no palco e os seguranças<br />
ficaram barrando. Daí o Brown, com aquele jeitão dele, olhou bem pros<br />
caras e falou firme “O Chuck D falou pra gente entrar!” (risos). Daí a gente<br />
tocou. Foi na hora! E o público conhecia a gente. Cantamos “Pânico na<br />
Zona Sul” e “Racistas Otários” (ambas do álbum Holocausto Urbano, de<br />
1990) e foi muito bom. Pra gente foi histórico, participar do show do grupo<br />
que a gente era fã, foi marcante.<br />
E você teve muita exposição depois com o Yo! MTV [extinto programa<br />
de rap da MTV, do qual KL Jay foi apresentador].<br />
É, tem gente que até hoje pergunta do programa, pede pra voltar, acho<br />
muito legal. Hoje, com o volume de trabalho que eu tenho, não dá mais.<br />
Mas seria bom pro rap ter um programa.<br />
E ninguém te podava na MTV né?<br />
Algumas pessoas tentavam me corromper nas entrelinhas, mas eu sacava<br />
rápido. Mas eles davam muita liberdade pra você ser o que é. Alguns<br />
chegavam sutilmente, pra pedir pra colocar um dente, pra usar certas<br />
roupas, participar de certos programas, mas eu sempre falei não. O<br />
programa era uma das maiores audiências e por isso tiraram do ar:<br />
representava perigo pra eles, pra programação.<br />
A audiência começar a pedir coisas parecidas.<br />
É, música negra, rap. O Yo! fortaleceu muito o rap no Brasil e foi uma<br />
época de glória pro rap: SNJ, Sistema Negro, RZO, Xis, Sabotage, Racionais,<br />
Thaíde, Facção Central, os caras do interior, o pessoal de Brasília;<br />
todo mundo fazendo sucesso. Todo mundo tocando muito, no Brasil<br />
inteiro. E aí o pessoal da MTV resolveu tesourar. Foi muito gratificante<br />
pra mim, porque não fiz o Yo! pra aparecer, foi pelo rap, pela cultura hip<br />
hop. Tinha os quadros na rua que eu adorava fazer, ver tanta gente<br />
talentosa, tanto apresentador em potencial... Teve uma garota numa<br />
festa da Zona Leste que pegou o microfone para apresentar um bloco e<br />
apavorou! Fez melhor que muita gente. E não tem espaço. Um diamante<br />
ali, cheio de pó, de terra.<br />
Você acha que o programa do Rappin Hood [Manos e Minas, todas as<br />
quartas, às 19h30, TV Cultura] pode catalisar toda essa atenção?<br />
Depende dele, do formato, da linguagem, de cada programa ser de um<br />
jeito, ter um dinamismo. Mas é bom. O do Xis (PlayTV, Combo: Fala +<br />
Joga, todas as sextas, às 21:30, canal 21 UHF) é bom pra cacete<br />
também. E gente do meio artístico fala que o programa dele é melhor<br />
que os da MTV. Eu não quero jamais cuspir no prato em que comi, porque<br />
pra mim foi muito bom, deu muitas possibilidades pro rap, mas hoje é<br />
outra época.<br />
As rádios comunitárias foram fundamentais né?<br />
Foram. Eram elas que mantinham a coisa quente, o rap no ar.<br />
O que você anda escutando, além de rap?<br />
Vanessa da Mata e (pensa e cantarola), aquele som “Mulher Sem Razão”<br />
da Adriana Calcanhoto (composição de Bebel Gilberto, Cazuza e Dé Palmeira,<br />
presente no novo trabalho da cantora, Maré). Gosto muito de ver<br />
as mulheres brasileiras cantando. Tem o Stephan e o Damien Marley. Eu<br />
gosto desses reggaes/ragga. Os discos novos da Erykah Badu, a Rihanna,<br />
John Legend.<br />
Como é ver teu filho na tua profissão?<br />
Muito gratificante. Mas subiu muito rápido, tenho medo, porque tem que<br />
se manter lá. O bicho é zica, é bom mesmo. É muito novo e já tem a vida<br />
dele. Ele apareceu em um dos primeiros Hip Hop DJ que a gente fez, lá<br />
no Soweto. Lembro que o Brown tava do meu lado e falou “Meu, os caras<br />
velhos igual à gente não fazem isso, não mixam assim”, e eu falei<br />
(sorrindo e visivelmente orgulhoso) “É negão, é isso aí, meu! (risos)”. Eu<br />
ensinei o básico pra ele, que é a noção de ritmo e tempo. Falo muito isso<br />
quando dou curso. Não dá para começar um prédio pelo quinto andar, tem<br />
que fazer a base do lance primeiro. Com DJ é assim também. <br />
Para ler a continuação da entrevista e ouvir as músicas citadas,<br />
acesse: www.maissoma.com<br />
31
Técnica mista “Misprinted Type”
SAMPLEANDO IMAGENS<br />
Entrevista por Tiago Moraes<br />
Imagens cedidas pelo artista . Fonte do título por Misprinted Type<br />
Se fosse um DJ ou produtor musical, ele<br />
muito provavelmente passaria boa parte do<br />
seu tempo sujando os dedos de pó em<br />
algum sebo de Belo Horizonte – cidade onde<br />
nasceu e vive até hoje – garimpando pérolas em<br />
vinis da década de 1960 e 70, para então chegar<br />
em casa, escutar, recortar trechos, samplear e<br />
produzir uma música recheada de timbres, sons<br />
e texturas nostálgicas.<br />
Conhecido também como Misprinted Type,<br />
Eduardo Recife não produz músicas, mas visita<br />
com freqüência diversos sebos em sua cidade e<br />
em viagens, sujando as mãos de pó e entupindo a<br />
garganta de poeira à procura de matéria-prima<br />
para seus trabalhos. E em vez de samplear<br />
músicas, Recife sampleia imagens.<br />
Designer gráfico de formação, artista plástico e font designer autodidata,<br />
Recife vem construindo uma carreira sólida e cheia de personalidade, com<br />
destaque para suas inconfundíveis colagens de clima nostálgico e certo<br />
ar decadente adornadas por interferências a lápis, como rabiscos,<br />
tipografias, manuscritas e desenhos, fortemente influenciado pelo<br />
movimento dadá e pelo surrealismo.<br />
Em um mundo onde a pasteurização da ilustração vetorial digital parece<br />
ter comprometido a identidade autoral de inúmeros artistas, é sempre<br />
bom ver alguém colocando literalmente a mão na massa e deixando o<br />
“ratinho” um pouco de lado. É como diz o slogan da campanha daquela<br />
famosa marca de sabão em pó, “Se sujar faz bem!”.
34<br />
Para começar, conte-nos sobre a sua formação artística.<br />
Me formei em Design Gráfico em 2005. Mas me considero mais um<br />
autodidata, já que meu trabalho vem se desenvolvendo desde 1997,<br />
quando comecei a criar minhas primeiras fontes e experimentar com<br />
colagens. Na verdade, minha primeira e frustrante opção foi a faculdade<br />
de Publicidade e Propaganda, que acabei largando no sexto período<br />
porque literalmente não conseguia mais suportar as aulas e toda a<br />
hipocrisia. Minha segunda opção então foi a faculdade de Design Gráfico,<br />
mas, se pudesse voltar atrás, teria feito Belas Artes ou optado por estudar<br />
ilustração fora.<br />
Fale um pouco sobre o seu trabalho autoral e comercial.<br />
Meu trabalho autoral começou em 1997, quando lancei a primeira versão<br />
do [site] Misprinted Type. Foi na mesma época em que a internet chegou<br />
até a minha casa e em que pude conhecer um pouco da estética grunge<br />
que estava rolando nos anos 1990.<br />
Me identifiquei muito com as colagens, com as sujeiras, desconstruções<br />
e tudo o que fugia do perfeccionismo que até então eu vinha tentando<br />
alcançar com meus desenhos de retratos. Já meu trabalho comercial veio<br />
como uma conseqüência dos meus trabalhos autorais. Normalmente os<br />
clientes já me contratam para ter um trabalho na linha dos meus<br />
trabalhos pessoais.<br />
Porque você assina seus trabalhos autorais como Misprinted Type e os<br />
comerciais como Eduardo Recife? A lógica não seria o inverso?<br />
Sim, seria (risos)… Mas não foi intencionalmente que isto aconteceu. A<br />
idéia que sempre tive do Misprinted Type era que o nome fosse um<br />
playground, um espaço onde eu poderia expor minhas idéias, criações,<br />
etc. Não queria misturar meus trabalhos comerciais nele e nem criar outro<br />
projeto com um nome completamente diferente para expor esses<br />
trabalhos, então a única idéia que me surgiu foi a de criar o [site]<br />
eduardorecife.com.<br />
No seu website você afirma que desenha desde pequeno, mas hoje<br />
vejo nos seus trabalhos muito mais colagens do que desenhos. Como foi<br />
essa transição? Se cansou de desenhar?<br />
Não cansei de desenhar. Na verdade eu desenho o tempo todo! Mas gosto<br />
muito de colagens e das várias formas de experimentações possíveis<br />
que ela permite. Acabei integrando nas colagens traços de desenhos,<br />
alfabetos, rabiscos. Tudo influencia tudo.<br />
Hoje é cada vez mais comum o uso de samplers na composição de<br />
uma música, mas isso é diferente de como foi duas décadas atrás,<br />
quando o Beastie Boys lançou o clássico Paul’s<br />
Boutique, com dezenas de colagens e trechos<br />
de músicas de artistas renomados como James<br />
Brown, Led Zeppelin, Pink Floyd e The Beatles<br />
entre muitos outros. Hoje é praticamente impossível<br />
samplear coisas desse tipo sem ter<br />
que pagar milhares de dólares em direitos<br />
autorais ou encarar um processo legal. Você<br />
também “sampleia” bastante coisa para criar<br />
sua arte, não é? Como funciona esse processo<br />
de pesquisa, e onde você costuma garimpar<br />
essas imagens? Já teve problemas com direitos<br />
autorais?<br />
A pesquisa é fundamental. Há alguns anos eu ia<br />
semanalmente a alguns sebos no centro da cidade.<br />
Voltava com os dedos pretos de pó e com a<br />
garganta fechada de poeira, mas valia a pena.<br />
Para trabalhar com colagens, você tem que ter um<br />
arsenal de imagens por perto. Hoje em dia ainda<br />
vou ocasionalmente a alguns dos poucos sebos que<br />
sobraram na cidade e compro algumas coisas pelo<br />
Ebay também.<br />
Nunca tive problemas com direitos autorais. Acho<br />
que o bom senso deve ser empregado nas imagens<br />
Técnica mista “Love”
Técnica mista “New Heights”
36<br />
selecionadas e acredito também que no dia em que tudo tiver que ser<br />
pago, será definitivamente o fim da colagem.<br />
Qual foi a coisa mais preciosa que já encontrou em um sebo até hoje?<br />
Acho que a coisa mais preciosa que já encontrei até hoje foi um pacotão<br />
de revistas Manchete das décadas de 1960/70/80. Eram muitas edições<br />
encadernadas em blocos de dez revistas. Elas seguraram a minha<br />
demanda de imagens por um bom tempo.<br />
Grande parte dos seus trabalhos carrega uma estética vintage. De onde<br />
vem essa paixão pelo antigo? Você se considera um saudosista?<br />
Sempre gostei de coisas antigas. Na minha infância, ganhava roupas<br />
usadas dos meus primos e era sempre uma alegria usar todas aquelas<br />
roupas desgastadas. Me lembro também que meu pai me deu uma caixa<br />
com alguns brinquedos que ele guardava desde seus tempos de infância.<br />
Era um carrinho de metal, um revólver de bangue-bangue e um jogo de<br />
botão. Acho que tudo isso acaba influenciando o jeito que a gente enxerga<br />
as coisas, o valor das coisas usadas e a história que elas carregam. Quanto<br />
à estética, acho que tudo era mais bonito em algumas épocas atrás. As<br />
cores, as fotos, as roupas, os papéis… O romantismo.<br />
Como você acha que seu trabalho conseguiu projeção, saindo de Belo<br />
Horizonte, onde acredito que as oportunidades de trabalho para um<br />
designer que carrega um estilo como o seu não<br />
devam ser muitas? Como acha que seu trabalho<br />
ficou tão conhecido mundialmente, ao ponto de<br />
lhe render trabalhos para vários clientes internacionais,<br />
como HBO, Burton Snowboards, Upper<br />
Playground e The New York Times, entre outros?<br />
Acho que sempre acreditei no meu trabalho e<br />
nunca coloquei o sucesso na frente do aperfeiçoamento.<br />
Por volta de 1999, eu muitas vezes<br />
não saía de casa nos fins de semana para criar,<br />
experimentar… Para mim, era algo insuportável<br />
não conseguir fazer as coisas que eu queria fazer<br />
[graficamente falando], e eu tinha um impulso<br />
criativo quase incontrolável. As coisas aconteceram<br />
naturalmente, mas querendo ou não já estou<br />
com meu portfólio online há 10 anos, já<br />
participei de muita coisa, muitos livros, revistas,<br />
sites, projetos, exposições. Mas sempre agradeço<br />
a Deus por tudo que ele colocou no meu caminho<br />
e por ter guiado minhas intuições desde o começo.<br />
Você nasceu e cresceu em BH, certo? O que<br />
mais gosta e o que menos gosta daí? Já pensou<br />
Lápis e tinta acrílica em madeira “Everything Will Be Just Fine”
Colagem digital para a Upper Playground<br />
Técnica mista para a GNU Snowboards<br />
em se mudar para outra cidade ou país?<br />
Sim. Não sou obcecado pela cidade. Culturalmente não rolam muitas<br />
coisas por aqui, exposições, eventos etc. A opção de diversão de 90% da<br />
população é ir beber em bares; o que para mim muitas vezes beira o<br />
patético. Mas gosto muito do clima daqui e acho que o que mais me<br />
conecta por aqui são minha família e meus amigos. Se não fosse por isso,<br />
estaria morando na beira de alguma praia sossegada.<br />
Vendo seu trabalho hoje, é difícil acreditar que você começou pintando<br />
nas ruas. Fale um pouco dessa época.<br />
Na verdade, não comecei pintando nas ruas. Foi por volta de 1993 que<br />
eu me interessei muito por pichação. Eu era novo e gostava da adrenalina<br />
no sangue e de ir contra as regras. O alfabeto dos pichadores me<br />
chamou muito a atenção, foi meu primeiro contato com a tipografia de<br />
rua e acho que daí nasceu meu interesse por tipos. Mas minhas<br />
tentativas de pichar muros foram muito frustradas. Me lembro até hoje<br />
de um caso engraçado que aconteceu: eu e um grande amigo compramos<br />
uma lata de spray e saímos por volta das oito da noite para pichar o<br />
muro nas redondezas do colégio. Andamos dois quarteirões e fomos<br />
assaltados em menos de 5 minutos. Éramos duas crianças esqueléticas<br />
de 13 anos andando sozinhos à noite em uma região perigosa da cidade.<br />
O engraçado é que roubaram nossos tênis, e o meu era um tênis muito<br />
velho e furado que havia ganhado do meu primo. A cena foi muito<br />
engraçada (risos), éramos literalmente dois fracassados na tentativa de<br />
colocar nossos nomes nos muros.<br />
E sua relação com a tipografia, como começou? Lembro que conheci<br />
o seu trabalho há uns cinco ou seis anos mais ou menos, pesquisando<br />
por fontes na internet, e você disponibilizava um monte delas para<br />
<strong>download</strong> gratuito. O que te motivou a começar a desenhar alfabetos?<br />
A relação veio da pichação e depois migrou pro graffiti, artistas como<br />
Daim e toda uma gama de grafiteiros que eu acompanhava diariamente<br />
pelo site ArtCrimes. Eram muitos alfabetos e estilos diferentes, e tudo<br />
aquilo me chamava a atenção. Mais adiante descobri a tipografia grunge,<br />
caras como Rob Dobi, Faizal Reza, Christoph Mueller, Brode Vosloo, etc.<br />
E, daí em diante, foi paixão à primeira vista. Concentrei todas as minhas<br />
forças naquilo e em pouco tempo já tinha minhas primeiras fontes online.<br />
Percebo que muitos de seus trabalhos de colagem começam de forma<br />
manual e depois são finalizados no computador, certo? Fale um pouco<br />
disso, da sua dinâmica de trabalho e quais as vantagens e desvantagens<br />
que você vê no uso do computador como ferramenta na sua criação.<br />
37
38<br />
Faço muita coisa manualmente e vou escaneando e montando tudo no<br />
Photoshop. Algumas peças são completamente manuais, mas a grande<br />
maioria é feita digitalmente, com intervenções manuais. Gosto de poder<br />
saber que existe a mão de alguém por trás da imagem, as imagens<br />
digitais muitas vezes são um pouco frias… O espontâneo, o erro, o acaso<br />
podem trazer muitas surpresas agradáveis. O computador é feito para<br />
ajudar, e não escravizar – ele pode te limitar um bocado também. Mas<br />
a vantagem, principalmente no caso das colagens, é que você pode<br />
reduzir, ampliar e espelhar as imagens livremente. E isso ajuda bastante<br />
em se tratando de colagens.<br />
O que acha de arte digital? Acha que um trabalho 100% digital pode<br />
chegar a ter o mesmo valor que uma pintura, por exemplo? Não falo de<br />
valor financeiro, e sim de valor como criação.<br />
Acho que a arte digital está mais próxima da fotografia, porque você pode<br />
reproduzir em série as imagens. Mas o valor que um trabalho tem é muito<br />
pessoal. Cabe a cada um definir, e cada caso é um caso também.<br />
Porque a paixão pela colagem? Você acha que é a melhor forma que<br />
encontrou para se expressar até agora?<br />
A colagem tem uma força incrível pra mim. Ela tem um lado contestador,<br />
crítico, traz ainda uma bagagem forte do que foi o movimento dadá.<br />
Gosto da forma como se consegue contar uma história ou transmitir uma<br />
mensagem tirando imagens antigas de seu contexto e criando novas<br />
leituras. Eu associo muito a colagem aos sonhos, onde pequenos<br />
fragmentos e metáforas constroem uma história.<br />
Você cria uma narrativa, pensa em um conceito antes de começar a<br />
trabalhar, ou isso vai aparecendo durante o processo?<br />
Tela<br />
Isso varia muito. Mas na maioria das vezes tenho<br />
um conceito e uma idéia pré-concebida na<br />
cabeça antes de efetivamente começar a trabalhar<br />
na imagem.<br />
Você já trabalhou em alguns projetos de design<br />
ligados à música, tendo desenhado capas de<br />
disco e/ou merchandising para artistas como DJ<br />
Hell, Panic at the Disco e Digitaria. Qual sua<br />
relação com a música, o que gosta de ouvir? A<br />
música te ajuda ou te atrapalha no seu processo<br />
criativo?<br />
Tenho uma relação forte com a música. Desde<br />
pequeno gosto de escutar música. Acho que elas<br />
marcam momentos em nossas vidas. Consigo<br />
associar várias fases da minha vida com certas<br />
músicas. Sou frustrado por não ter o mínimo<br />
talento para tocar nada. Sempre escutei muito<br />
rock (grunge, nu metal, hardcore, etc),<br />
mas hoje em dia escuto muito indie, eletrônico<br />
e coisas estranhas que jamais pensei<br />
em escutar.<br />
Gosto muito de Royksopp, Feist, Vampire<br />
Weekend, El Perro Del Mar, Husky Rescue e a<br />
trilha-sonora de Darjeeling Limited. Trabalho<br />
sempre escutando música.<br />
Se tivesse que explicar ou descrever o seu trabalho<br />
tocando uma só música, qual seria?<br />
Difícil escolha… Mas uma música que eu me<br />
identifico muito é “Everlong” do Foo Fighters.<br />
Como divide seu tempo entre trabalhos comerciais<br />
e autorais? O que tem feito mais ultimamente?<br />
Como designer freelancer, como<br />
divide seu tempo entre prospectar clientes<br />
e trabalhar?<br />
Todas as vezes que eu fiquei esperando o<br />
momento ideal para começar a fazer meus<br />
trabalhos pessoais, esse momento nunca chegou,<br />
nunca chega… Você tem que simplesmente achar<br />
tempo e fazer. Ultimamente, tenho feito mais<br />
trabalhos comerciais, mas tenho feito também<br />
muitos trabalhos pessoais. É algo para mim que<br />
não pode ficar de lado.<br />
Você trabalha em casa ou tem um estúdio?<br />
Descreva seu ambiente de trabalho.<br />
Estou agora trabalhando em uma sala com<br />
amigos. Trabalhei em casa por muito tempo e<br />
tenho que admitir que não é uma boa<br />
experiência, é bem difícil de separar as coisas,<br />
saber a hora de descansar, a hora de trabalhar e<br />
você acaba se isolando muito, sem trocar<br />
experiências e idéias com outras pessoas.
Lápis e tinta acrílica em madeira “Are You Together”<br />
Onde você ainda quer chegar como designer?<br />
E como artista? O que podemos esperar de<br />
vocês dois (Eduardo Recife e Misprinted Type)<br />
num futuro próximo?<br />
Espero sempre poder aperfeiçoar o meu trabalho<br />
e aprender sempre. Não tenho grandes ambições,<br />
quero estar feliz e satisfeito com o que<br />
estiver fazendo. Em breve um site novo vai ao ar (Misprinted Type 4)<br />
com muitos trabalhos, pôsteres e fontes novas! <br />
Saiba Mais<br />
www.misprintedtype.com<br />
www.eduardorecife.com<br />
39
Time-Zero<br />
SX70<br />
Um exercício de Armando, Claudio, Ricardo,<br />
Fernando, Roberto, Paulo e Marcelo<br />
de interpretar o instântaneo.<br />
Eles são reais sem tempo.<br />
Nas próximas páginas<br />
www.sx70.com.br<br />
em uma edição da Cia de Foto<br />
Time-Zero é o filme criado para a SX70, em 1980, com camadas<br />
que permitem uma revelação mais rápida e cores mais brilhantes.
Nelson Leirner:<br />
Ser ou Não Ser Artista?<br />
Por Arthur Dantas . Colaborou Tiago Moraes<br />
Imagens Cia de Foto e Divulgação<br />
Nelson Leirner é, sem sombra de dúvida, um dos mais<br />
importantes e influentes artistas brasileiros dos últimos<br />
cinqüenta anos. Sua obra está exposta ou passou por todos<br />
os grandes museus e galerias em nosso país. Ela se baseia em dois<br />
pilares: o primeiro, um caráter intrinsecamente público e<br />
participativo, que rompe com certa aura contemplatória do<br />
objeto artístico, contestando de um lado a sociedade estabelecida<br />
(baseada no autoritarismo da ditadura ou da alienação do consumo,<br />
por exemplo), e, do outro, faz uma crítica acirrada e<br />
perene ao mercado/sistema das artes; o segundo, seu caráter<br />
mobilizador, fazendo com que público, artistas e críticos tomem<br />
partido e posição diante de suas obras. Aos 76 anos, Leirner é um<br />
eterno enfant terrible das artes plásticas brasileiras.<br />
Sua história particular é curiosa. Seu pai, o industrial Isai<br />
Leirner, foi um dos grandes mecenas das artes no país e teve papel<br />
ativo em instituições artísticas durante a década de 1950. Sua<br />
mãe, Felicia Leirner, foi uma escultora de carreira longa e<br />
produtiva. Dessa forma, o que poderia ser um problema – se tornar<br />
artista –, em sua família era o caminho mais do que natural.<br />
Meu pai morreu muito cedo, em 1962. Ele me apoiava<br />
muito. Minha família era muito gozada. No geral, para a<br />
sociedade, todo mundo queria ver o filho numa profissão<br />
liberal – querer um filho artista era um absurdo. Tanto que<br />
a FAAP (faculdade onde lecionou de 1975 até 1996) era<br />
chamada de faculdade ‘espera marido’, porque tinha<br />
muitas mulheres e todas lindas (risos). Elas iam estudar<br />
artes para esperar um marido. Entre nós, professores, [a<br />
FAAP] também era conhecida assim. No meu caso, foi<br />
diferente: meus pais me empurraram para as artes.<br />
Aconteceram coisas comigo que não aconteceram para<br />
ninguém. Quando o [crítico polonês Ryzard] Stanilavski<br />
veio aqui – ele era presidente da AICA (Associação<br />
Internacional dos Críticos de Arte) –, meu pai havia<br />
marcado uma exposição para mim na galeria São Luís, que<br />
era a melhor de São Paulo, e quem escreveu o catálogo foi<br />
o próprio Stanilavski.
Adoração . 1966<br />
Pergunto se um possível privilégio em razão de sua família o<br />
incomodava de alguma forma: Eu não percebia essas coisas. Por<br />
exemplo, acho que fui um dos primeiros caras desconhecidos a<br />
mandarem trabalho para o Salão Paulista e entrar de cara. Quando<br />
entrei na fase das apropriações (usando materiais cotidianos em suas<br />
obras), coloquei um Antes do Meu Pai e Depois de Meu Pai. E ali comecei<br />
a fazer algo que era o inverso do que esperavam. Eu tinha uma<br />
consciência política em fazer arte, e não uma inconsciência<br />
psicanalítica.<br />
Fato é que, dado seu temperamento inquieto, Leirner – que havia sido<br />
jubilado em uma faculdade de engenharia têxtil nos Estados Unidos,<br />
voltara ao Brasil, se casara pela primeira vez (o artista se casaria outras<br />
duas vezes), e começava a se interessar por arte –, esse ambiente familiar<br />
operava de maneira paradoxal em sua vida. Se de um lado havia vantagens<br />
inegáveis, como o acesso a várias obras importantes em sua própria casa<br />
(a família possuía obras de Picasso, Chagall e Alfredo Volpi, por exemplo)<br />
e uma bela biblioteca, por outro lado havia o peso da influência paterna,<br />
que não era tida pelo artista como algo benéfico em si:<br />
Eu pintei inicialmente com o Juan Ponç e o Samson Flexor (entre<br />
1955 e 1957, ainda no período Antes do Meu Pai, que se estende até<br />
1962, quando falece Isai Leirner), até não agüentar mais pintar. Daí,<br />
comecei a me apropriar de coisas que eu encontrava nas ruas que já<br />
tinham pintura (portões etc). Para que pintar, então? Tinha que pintar<br />
a óleo, fazer cinco quadros de uma vez, até porque tinta óleo demora<br />
a secar. E, na minha casa, tinha-se muita informação sobre escultura,<br />
por causa da minha mãe, e pintura moderna até Klee, Picasso, Van<br />
Gogh. Eu era influenciado mais pela biblioteca de meus pais e, na<br />
verdade, não gostava de pintar. Achava muito cansativo. Tenho dois<br />
trabalhos nos anos 60 que são portões. Nesse trabalho [aponta para foto<br />
de um trabalho] do portão eu só coloquei uma interferência – uma faixa<br />
vermelha (Pôr do Sol, de 1962). Tinha que botar a mão do artista nele,<br />
porque não tinha coragem de colocar o portão tal qual havia<br />
encontrado. Foi um dos trabalhos que estavam na Exposição Nãoexposição<br />
da Rex Gallery & Sons Galeria. Assim eu fiz dezenas de<br />
trabalhos. E era rápido. Na minha cabeça tudo isso era muito mais<br />
instigante do que ficar horas numa tela. E eu me sentia preguiçoso por<br />
não ficar horas numa tela.<br />
O trabalho de Leirner que o colocou definitivamente entre os grandes<br />
nomes da arte contemporânea brasileira iniciou-se em 1962. E, é bom<br />
que se diga, trata-se de um trabalho marcado pela polêmica e por seu<br />
enorme poder de influência nas gerações posteriores. O crítico Tadeu<br />
Chiarelli, em seu livro Nelson Leirner – arte e não Arte, define<br />
precisamente o mote da obra de Nelson: “Toda a crítica ao sistema de<br />
arte surge como o próprio cerne da obra de Nelson Leirner a partir de<br />
uma vivência muito intensa e, portanto, de um conhecimento<br />
extremado de alguém que testemunhou, quase que desde sempre, os<br />
meandros do poder no âmbito da arte. (...) Revelar, colocar a nu os<br />
meandros do sistema de arte – que o artista aprendeu a conhecer tão<br />
bem – será a estratégia que o artista sempre usará para salvar a arte”.<br />
Pergunto a Leirner que papel<br />
ele atribui à critica de arte hoje:<br />
Não existe mais. O próprio curador absorveu o papel do<br />
crítico. Eu normalmente peço para amigos fazerem o catálogo<br />
das minhas exposições. A crítica está sumindo, assim como a<br />
historiografia da arte. Tudo isso está dentro desse novo sistema<br />
de arte. Se você pegar os livros dos anos 90, eles passaram a<br />
não ter texto. Têm uma introdução e só. Porque não há mais<br />
ideais, atitude. Hoje você vê um grupo fazendo graffiti,<br />
achando que está fazendo algo crítico, mas se você olhar<br />
historicamente...<br />
O artista paulistano parece acreditar em um eterno descompasso<br />
entre teoria e prática, manifesto no embate entre o objeto artístico<br />
propriamente dito e no que os críticos vêem. A fantasia do artista em<br />
relação ao seu trabalho não tem nada a ver com o conceito dos outros.<br />
Muitas vezes você está pensando em coisas do seu cotidiano, e o crítico<br />
está pensando em motivações mais filosóficas – coisas sobre as quais<br />
você nem pensou a respeito. Depois muitas vezes você acaba chupando<br />
da crítica aquele discurso (risos).
“O Porco do Leirner”<br />
Através de happenings, durante toda a década de 1960 e início de 70,<br />
Nelson Leirner conseguiu criar polêmicas imensas. O Happening da<br />
Crítica, decorrente de sua aceitação no IV Salão de Arte Moderna de<br />
Brasília em 1967, foi o que teve maior ressonância e provocou mais<br />
discussão. Tudo começou com a aceitação de dois trabalhos de Leirner<br />
por parte dos jurados: O Porco – o animal empalhado e devidamente<br />
engradado, com uma corrente que o ligava a um pernil do lado de fora<br />
do caixote –, e O Tronco, em que era possível ver o espaço exato de uma<br />
cadeira cortado no interior de um tronco de árvore imenso, e uma<br />
cadeira já devidamente lixada colada ao mesmo tronco, em outra<br />
posição. Leirner resume a história:<br />
O Porco morou comigo desde 1961. Ele estava em frente ao<br />
Cemitério da Consolação (região central de São Paulo), um taxidermista<br />
colocou aquele porco na vitrine de entrada. Todas as vezes que passava<br />
de carro por ali eu o via. Um dia entrei na loja e comprei aquele porco<br />
e ainda ganhei de brinde um ratinho empalhado – um agrado para quem<br />
levou um porco daquele tamanho (risos). E convivi com o porco e o<br />
ratinho (usado na obra Acontecimento, de 1965) em meu espaço de<br />
trabalho. Às vezes um objeto te fascina, você o adquire e acaba não<br />
usando. Aí aparece o Salão de Brasília, em 1967. Naquele momento<br />
achei que era possível fazer algo com o porco, ao mesmo tempo em que<br />
meu artesão trabalhava com a cadeira. Era um trabalho ligado à idéia<br />
do produto que a sociedade consumia. Ainda mais se lembrarmos que o<br />
pernil (que estava ligado ao porco empalhado por uma corrente) foi<br />
comido pelo pessoal que transportava o trabalho de caminhão (risos).<br />
Aí o trabalho já ganhou outro teor.<br />
Com relação ao engradado, eu fiz ele sem folga nenhuma para<br />
acomodar o porco, de modo que as pessoas poderiam achar que ele<br />
estava vivo em um primeiro momento. Porque, imobilizado, só sobra a<br />
respiração para saber se ele está vivo. Isso me interessou no sentido do<br />
confinamento. Eu fazia apropriações tendo em vista a ditadura,<br />
sobretudo. E a corrente com o pernil era em função da idéia de Matéria<br />
e Forma (nome dado para ambos os trabalhos). Um dia recebo a notícia<br />
que o Salão aceitou o trabalho. E, naquele momento, tínhamos uma<br />
ligação com o Jornal da Tarde, em função do Murilo Felisberto e do Ivan<br />
Ângelo, que tinham uma tendência de esquerda e apoiavam nossos<br />
movimentos. De repente, me veio a idéia sobre os artistas recusados<br />
nas Bienais, sempre reclamando da recusa, mas ninguém contestava a<br />
aceitação. Daí pedi para o Ivan Ângelo publicar uma foto do porco, com<br />
a pergunta ‘Qual o critério dos críticos para aceitarem esse trabalho<br />
no Salão de Brasília?’ E, com isso, todos os críticos responderam.<br />
O Mário Pedrosa (um dos cinco críticos do Salão) escreveu um belíssimo<br />
artigo, os outros também escreveram sobre. E isso começou a suscitar<br />
o debate com outros críticos, chegaram até a falar em ‘o porco do<br />
Leirner’, porque achavam que eu estava gozando todo mundo. E aí<br />
transformei o trabalho no Happening da Crítica, porque o que estava<br />
acontecendo já não mais me pertencia.<br />
Auto-retrato e O Porco . 1967<br />
51
52<br />
Esse ready-made duchampiano (“Quando comprei o Porco, não<br />
conhecia Duchamp. Só vim a conhecer Duchamp bem no fim dos anos<br />
1960. Nunca trabalhei tendo uma relação forte com a História da Arte”),<br />
se não o primeiro trabalho no Brasil a tirar a crítica de sua posição<br />
estável, é um trabalho norteador que alcança ressonância até os dias<br />
atuais. Graziela Kunsch, uma artista jovem de São Paulo e uma das peças<br />
fundamentais no reaquecimento de coletivos artísticos na virada do<br />
milênio, me relata fato ocorrido em 2002, durante o nono salão da<br />
Bahia, do qual participara com seu coletivo de então, Rejeitados: “Um<br />
dos projetos, do grupo Valmet (Goiás), era a criação de um porco.<br />
O autor não conhecia o porco de Nelson Leirner, mas eu conhecia e<br />
comparei os dois. Afinal, a proposta dele tinha tudo a ver com a nossa<br />
proposta. Isso gerou a resposta de um integrante do Valmet: ‘o porco<br />
não é uma metáfora’ ”, resume Graziela.<br />
O Porco, que pertence ao acervo da Pinacoteca, é a obra de Leirner<br />
que mais viaja para o Brasil e exterior.<br />
Teve duas coisas interessantes. Primeiro, a Aracy Amaral<br />
comprou a obra para o acervo da Pinacoteca; depois, o Porco<br />
passou por uma operação plástica. Como ele era empalhado, ia<br />
deteriorar. E hoje existem técnicas mais modernas de<br />
embalsamento, então ele precisou passar por uma operação<br />
plástica (risos).<br />
Acima o<br />
Grupo Rex e ao<br />
lado duas capa<br />
do Jornal Rex Time<br />
Leirner e o Público<br />
Surge mais uma evidência da polaridade na qual se assenta a<br />
contribuição de Nelson Leirner para a arte: ele é, ao mesmo tempo,<br />
aquele que destrói verdades preestabelecidas desse sistema e aquele que<br />
forma novas gerações de artistas. (...) É o atributo mais forte também de<br />
sua produção, desde o início de sua carreira, manifestando-se das mais<br />
distintas formas. - Tadeu Chiarelli em Nelson Leirner – arte e não Arte<br />
Em 1966, a afirmação da identidade do artista viveu outro momento<br />
importante: o surgimento do grupo Rex, que além de Nelson Leirner<br />
contava com Geraldo de Barros, Wesley Duke Lee, Carlos Fajardo,<br />
Frederico Nasser e, posteriormente, Olivier Peroy e Roland Cabot. O<br />
grupo foi idealizado por artistas não alinhados ao abstracionismo reinante<br />
no país à época, e teve um papel definitivo no panorama das artes<br />
brasileiras – mesmo tendo existido por pouco mais de um ano. Criaram a<br />
Rex Gallery & Sons além de publicarem cinco edições do jornal Rex Time,<br />
uma espécie de órgão de difusão das idéias dos artistas do grupo.<br />
Um dos antecedentes apontados pela crítica especializada para a<br />
formação do grupo é a exposição Propostas 65, ocorrida na FAAP em São<br />
Paulo. Ali, mais uma vez, Leirner cria polêmica:<br />
O Rex não tem nada a ver com a expo Propostas 65. Ela veio da<br />
relação da exposição do Waldemar Cordeiro, do Wesley e a do Geraldo<br />
na Atrium, junto comigo. Nessas exposições não se vendeu nada, a<br />
crítica meteu o pau, as pessoas se revoltavam com o que viam. Porque<br />
todos estavam colecionando arte abstrata e diziam que aquilo não podia<br />
ir adiante. Muitos artistas abstratos não aceitaram convite para<br />
participar da Rex porque ficaram com medo de perder o vínculo<br />
comercial com outras galerias. Tinham medo de não vender mais.<br />
Eu pergunto sobre a retirada de seu trabalho dessa exposição em<br />
protesto à censura de um trabalho de Décio Bar, muito crítico à<br />
ditadura, vetado pela direção do museu:<br />
Sim, e depois todo mundo retirou. Assim como na II Bienal Nacional<br />
de Artes Plásticas da Bahia: retirei meus trabalhos, que estavam numa<br />
sala especial (Leirner fechou sua sala em protesto contra censuras às<br />
obras de alguns artistas). Mas eram decisões políticas. E na Rex a idéia<br />
era formar um movimento.<br />
O fechamento da Rex Gallery se deu com a Exposição não-Exposição<br />
de Nelson Leirner. Cerca de quarenta trabalhos de Nelson foram<br />
colocados na galeria, assim como as ferramentas necessárias para<br />
arrancá-los, e a população foi convidada publicamente a levar trabalhos<br />
do artista para casa. O que se passou foi um dos mais marcantes<br />
happenings da história das artes no Brasil:<br />
No happening você nunca tem a dimensão do que vai acontecer. Eu<br />
achei ótimo aquilo. Nada melhor do que esvaziar uma galeria em 5
Time is Money . 2007
Homenagem a Fontana I . 1967<br />
minutos para fechá-la (risos). Até a piscina com os peixes foi levada. O<br />
pessoal vendia os trabalhos (na porta da galeria, aconteceu uma<br />
verdadeira feira, onde algumas pessoas vendiam os trabalhos<br />
retirados), porque às vezes precisavam de três pessoas para levar um<br />
trabalho, então elas tinham que vender o trabalho para dividir o<br />
dinheiro. Dos quase quarenta trabalhos que estavam lá, eu vi apenas um<br />
deles recentemente.<br />
Houve um momento de inflexão por parte do artista, após um<br />
frustrado happening em 1970, a ser realizado na Faculdade de<br />
Arquitetura e Urbanismo da USP (FAU-USP), chamado Plásticos:<br />
Era um happening contra a ditadura. Esse foi o happening que<br />
mais me chocou, pelo resultado. Porque, como estudantes de<br />
uma FAU, eles deviam sim ter entendido minha intenção. Eu atrasei<br />
quinze minutos para chegar e eles arrancaram todo o plástico para<br />
usar (eram quilômetros de plástico preto, dispostos por Leirner no<br />
dia anterior, de forma que inflados, obstruiriam a passagem das<br />
pessoas). Não queria fazer como o artista plástico Christo, que fe-<br />
chou o prédio por fora; queria fechá-lo por dentro, de forma que<br />
alunos, professores e empregados não pudessem entrar. Os alunos<br />
da FAU deviam ter entendido aquilo. Parece que até eles tinham<br />
passado por uma lavagem cerebral. Depois daquilo eu parei<br />
um pouco.<br />
Apesar do fracasso daquele happening, a vocação plural e coletiva<br />
dos trabalhos de Nelson Leirner não se perdeu desde então. Pelo<br />
contrário, boa parte da inquietação na escolha de meios e materiais<br />
para se expressar deriva dessa idéia de trazer o espectador para dentro<br />
do trabalho. Na recente exposição Futuro do Presente, no Itaú Cultural,<br />
em São Paulo, Leirner publicou o jornal do não artista, cuja manchete<br />
era Todo artista não é artista quando é artista. Ao artigo dele,<br />
seguia-se um eloqüente texto de Agnaldo Farias que tratava sobre a<br />
ambigüidade latente do artista, que já se viu como um não-artista ou<br />
Ortista, onde, como definiu Tadeu Chiarelli, Nelson buscava “romper<br />
com o conceito de artista, entendido como herói e, por outro lado,<br />
recuperar o sentimento anônimo e coletivo de fazer artístico. E isso para<br />
salvar a arte dela mesma (...)”<br />
Trabalho exemplar no sentido de participação ativa do espectador<br />
é a série Homenagem a Fontana, na qual panos coloridos se ligam uns<br />
aos outros, por meio de zíperes manipulados pelo público.<br />
[Homenagem a Fontana] Surgiu para mim de uma relação erótica –<br />
não havia pensado sobre o trabalho do Fontana –, era todo um<br />
pensamento em torno do erotismo. Porque aquele zíper tinha a ver com<br />
a vagina de uma mulher, com a virgindade. Quando o Frederico de<br />
Morais escolheu esse trabalho para ir à Bienal de Tóquio, eu não podia<br />
chamar aquele trabalho de Homenagem a uma Virgem, ou Abre-te<br />
Sésamo (risos). Você tem na cabeça a relação de intelectualização, e lá<br />
vi uma relação com os recortes do Fontana. E toda a idéia de erotismo<br />
ficou secundária. Daí o trabalho começa a se relacionar com coisas em<br />
que você não havia pensado.<br />
Comento que, a despeito da opinião dele e de seus pares do grupo<br />
Rex, a historiografia brasileira os coloca como precursores da Pop Arte<br />
no Brasil, ao lado de Waldemar Cordeiro e Antônio Dias.<br />
É um Pop que não era Pop. Era uma relação política. Porque a<br />
ditadura não deixou que a arte Pop chegasse aqui direito. Pegue o<br />
trabalho do Rubens Gerchman, toda a arrumação do trabalho dele era<br />
política, da Lygia Pape também. O Pop com essa idéia americana ou<br />
inglesa de consumo não existia aqui, reflete Leirner.<br />
Lembro que um de seus trabalhos, Adoração – uma espécie de<br />
estandarte com a imagem de Roberto Carlos –, é sempre uma referência<br />
de obra Pop no Brasil:
Futuro do Presente . 2007<br />
Era uma relação com o mito. Era uma época muito rica – os Beatles,<br />
a minissaia –, em que o mito se tornou algo importante. E foi onde, pós-<br />
Guevara, para mim, a sociedade aprendeu a desmistificar o elemento<br />
mito por meio do consumo. Nos Estados Unidos, tudo que era mais crítico<br />
era mais consumido. A sociedade não queria mais apanhar. Então, se ela<br />
consome a crítica, ela pára de ser criticada.” De certa forma, essa<br />
afirmação de Leirner cria um paradoxo com um depoimento seu presente<br />
no DVD sobre seu trabalho, realizado pela Documenta Vídeo Brasil em<br />
2004, em que diz “a glória para o artista é se tornar um produto”.<br />
Nosso papo vai se encaminhando para o fim. Mais de uma hora e meia<br />
de conversa e fico com a nítida sensação de que, por mais que seja<br />
possível eleger temas e preocupações marcantes no trabalho de Leirner<br />
(o que acaba sendo o intuito desta matéria), os seus cinqüenta anos de<br />
carreira são tão fascinantes, variando muito de forma e conteúdo, que<br />
só a visita a suas exposições e a leitura de obras sobre seu trabalho não<br />
conseguirão dar a dimensão exata do quão influente é sua produção para<br />
as gerações posteriores. Quando a aflição resultante dessa reflexão me<br />
abatia, Nelson Leirner, barba e cabelo a serem aparados, portando seu<br />
vistoso e indefectível colar formado de elementos diversos (figa, estrela<br />
de Israel, playmobil etc), sempre tranqüilo, nos conta sobre seu grande<br />
projeto, o que acaba por dar a mim a noção que o próprio artista tem<br />
de sua longa e multifacetada carreira:<br />
Eu tenho uma idéia de fazer um trabalho ou um livro, todo ele<br />
baseado em mentira. Criar toda uma mentira, mas que não pode<br />
ter nem ao menos uma testemunha, porque senão alguém pode<br />
refutá-la. Eu tenho que bolar uma idéia de vida artística que<br />
ninguém possa rebater, não pode haver testemunhas. É um<br />
trabalho em que estou encucado faz tempo: recriar minha vida<br />
artística. Não seria um trabalho prático, é uma coisa de ir<br />
escrevendo, colocar teorias que eu nunca tive na verdade, mas<br />
que ninguém poderia rebater. Seria o crime perfeito, a arte<br />
perfeita (risos).<br />
Saiba Mais<br />
www.britocimino.com.br<br />
Confira mais artes do Leirner na galeria do portal www.maissoma.com<br />
55
+ESPECIAL<br />
58<br />
Ilustração Eduardo Recife<br />
AMPLIFICA<br />
VOL.#1<br />
Amplifica Volume 01 é a primeira de uma<br />
série de coletâneas produzidas pela Revista <strong>+Soma</strong><br />
<strong>+Soma</strong><br />
com o intuito de apresentar o melhor da música<br />
brasileira de vanguarda, independente de gênero ou rótulo.<br />
Para essa primeira edição foram selecionadas 14 músicas<br />
inéditas de bandas ou artistas-solo que, ou já passaram pelas<br />
1 . Sobe Ladeira<br />
Constantina . 2008<br />
Autoria . Constantina<br />
Participação . Coral das<br />
Lavadeiras de Almenara sob<br />
regência de Carlos Farias<br />
Banda . André Veloso, Bruno<br />
Nunes, Daniel Nunes, Glauco<br />
Ferreira e Leonardo Nunes<br />
O grupo mineiro surgiu em 2003, criando uma linguagem baseada em<br />
temas instrumentais recheados de referências eletrônicas sutis e numa<br />
disciplina de composição baseada na improvisação. Seus discos,<br />
lançados pelo selo próprio da banda, representam bem o pós-rock das<br />
alterosas.<br />
Sobre a Música: A escolha da música Sobe Ladeira é algo especial,<br />
porque foi o último registro feito pela banda como um quinteto. Sua<br />
importância para a banda se dá pela descoberta de um novo tipo de<br />
linguagem, onde exploramos a “brasilidade” de nosso som. Éramos<br />
cindo pessoas com mentes, vidas e concepções de mundo diferentes.<br />
Produzido por Constantina . Gravado no Estúdio La Petite Chambre (BH)<br />
Mixado por André Veloso e Daniel Nunes . Gentimelmente cedido por<br />
La Petite Chambre Conheça mais em www.constantina.art.br<br />
páginas da revista nesse nosso primeiro ano de vida, ou que<br />
em breve aparecerão em nossas páginas.<br />
Em comum, são projetos independentes de pessoas extremamente<br />
criativas e talentosas que conseguiram romper<br />
barreiras e criar, cada um no seu estilo, um som de personalidade<br />
forte e marcante.<br />
Um disco eclético e contemporâneo para ouvir até gastar,<br />
copiar para os amigos e compartilhar na internet. Você também<br />
pode fazer o <strong>download</strong> da coletânea para o seu computador<br />
ou mp3 player – é só acessar o nosso site. <br />
Agradecimento especial a todas as bandas e artistas que participaram da<br />
coletânea e a Nike e a Red Bull por nos ajudar a viabilizar esse projeto.<br />
Masterizado por Vander Carneiro no Atelier Studios (SP).<br />
Jozzu<br />
2 . Rainha das Cabeças<br />
Kiko Dinucci & Bando<br />
Afromacarrônico . 2008<br />
Autoria . Douglas Germano<br />
e Kiko Dinucci<br />
Banda . Kiko Dinucci, Douglas<br />
Germano, Railídia Carvalho,<br />
Dulce Monteiro, Julio Cesar,<br />
Rafael e Castro<br />
Kiko é herdeiro desses bambas que não querem deixar a música parada<br />
quietinha. Pode incluir nessa lista um Itamar Assumpção ou Jards<br />
Macalé, por exemplo. Com o Afromacarrônico, turbina sua pesquisa<br />
com muita influência de música africana de origem nagô, unindo festa<br />
e inquietação.<br />
Sobre a Música: Conheci Douglas Germano em meados de 1997.<br />
Começava a me embrenhar pela composição e ele já era um jovem<br />
veterano. Nos reencontramos em 2006, no Bando AfroMacarrônico. A<br />
primeira canção dessa retomada foi “Rainha das Cabeças”, dedicada<br />
a Iemanjá. Quem interpreta a canção é o próprio Douglas.<br />
Produzido por André Magalhães . Gravado, mixado e masterizado pelo<br />
Estúdio Zabumba (SP) . Gentimelmente cedido pela Desmonta . Albúm .<br />
Pastiche Nagô Ouça mais em www.myspace.com/afromacarronico
3 . Saga<br />
Slim Rimografia . 2008<br />
Autoria . Valter Araujo<br />
de Souza (Slim)<br />
Participação . Participação<br />
Andreia Passos<br />
Valter Araújo de Souza aka Bruce Slim aka Slim Rimografia – o rapper<br />
faça-você-mesmo por excelência! Com seu estúdio caseiro, manda<br />
ver nas batidas e letras mais espertas que se pode esperar de um MC<br />
e produtor antenado com sua época e interessado sobretudo em<br />
música brasileira.<br />
Sobre a Música: Na metrópole, música pra acalmar, pra animar, pra<br />
pensar – esta é Saga, um som que fala dos trajetos do trabalho para<br />
casa, da rua para os bailes. Um beat feito numa noite e gravado no dia<br />
seguinte. Eu mostrei à Andréia dois compassos do beat e a garota<br />
desandou a cantar um refrão, feito por ela alguns dias antes.<br />
Produzido por Slim Rimografia . Gravado no Estúdio Mokado Records (SP)<br />
Mixado por Slim Rimografia . Masterizado pelo Ganja man no El Rocha<br />
Estúdio . Gentimelmente cedido pela (©urve)music . Álbum . Introspectivo<br />
Ouça mais em www.myspace.com/slimrimografia<br />
5. Filha da Palavra<br />
Axial . 2008<br />
Autoria . Sandra Ximenez e<br />
Felipe Julián<br />
Banda . Sandra Ximenez,<br />
Felipe Julian, Leonardo<br />
Correa, e Yvo Ursini<br />
Música para se ouvir com os olhos – esse é o lema do grupo paulistano,<br />
interessado em conectar manifestações artísticas díspares e<br />
licenciando seus trabalhos através da inovadora licença Creative<br />
Commons. Nada mais adequado a um grupo que usa a internet como<br />
plataforma de divulgação.<br />
Sobre a Música: Inspirada em um caderninho da artista plástica<br />
Thula Kawasaki, incluído numa instalação de arte contemporânea<br />
com os dizeres “a menina conhecia melhor que ninguém tudo aquilo<br />
que não existia”. A produção foi feita com sons de pedras sendo<br />
atiradas ao chão.<br />
Produzido e Mixado por Felipe Julián . Gravado ao vivo no Teatro do<br />
Shopping Frei Caneca (SP) . Mixado e masterizado por Felipe Julian .<br />
Gentimelmente cedido pelo AXIAL . Álbum . Senóide Ouça mais<br />
www.myspace.com/projectaxial<br />
4 . Indica<br />
Burro Morto . 2007/08<br />
Autoria . Burro Morto<br />
Banda Haley Guimarães,<br />
Leonardo Marinho, Ruy Oliveira,<br />
Daniel Ennes Jesi, Thiago Costa,<br />
Victor Afonso, Felipe Gouveia<br />
e Felipe Tavares<br />
O quinteto paraibano é um bem-sucedido amálgama musical de<br />
influências como afrobeat, jazz, funk e psicodelia. O resultado desse<br />
cruzamento vibrante e dançante é uma música cheia de frescor,<br />
transpirando energia com batidas certeiras, climas lisérgicos e texturas<br />
e timbres altamente imagéticos.<br />
Sobre a Música: A música “Indica” foi escolhida por conter elementos<br />
que sintetizam a sonoridade do Burro Morto: o balanço, as texturas e<br />
timbres psicodélicos, a progressividade dos arranjos, além de possuir<br />
boa variação de climas e nuances.<br />
Produzido e Mixado por Haley Guimarães, Leonardo Marinho, Ruy Oliveira<br />
e Daniel Ennes Jesi . Gravado no Estúdio 24horas . Masterizado no Estúdio<br />
Peixe-Boi (PB) por Marcelo Macedo . Gentimelmente cedido pelo Burro<br />
Morto Ouça mais em www.myspace.com/burromorto<br />
6 . Rocheda<br />
Fossil . 2007<br />
Autoria . George Frizzo<br />
Banda . George Frizzo,<br />
Vitor Colares, Eric Barbosa<br />
e Victor Blhum<br />
Usando o formato tradicional roqueiro, o quarteto cearense Fossil,<br />
surgido em 2004, é o resultado do encontro de quatro amigos<br />
interessados em construir música instrumental contemporânea calcada<br />
em experimentação e manipulação de efeitos sonoros. Ok, se essa<br />
descrição te lembrar pós-rock, fique tranqüilo: o grupo é isso e muito<br />
mais.<br />
Sobre a Música: “Rocheda” surgiu de forma espontânea, como uma<br />
tentativa de reforçar o diálogo com uma linguagem sonora<br />
multicultural, percussiva. Foi uma música composta em um momento<br />
de execução livre, onde tentamos ir além do clima etéreo<br />
característico nosso, e incorporamos outros detalhes e dinâmicas.<br />
Produzido por Fossil . Gravado e mixado no Estúdio Gramophone,<br />
Fortaleza (CE) por Junior Arruda e Fossil . Gentimelmente cedido pelo<br />
Fossil www.myspace.com/fossilsoundtrack<br />
59
+ESPECIAL<br />
60<br />
7 . Tormenta<br />
Ordinaria Hit . 2008<br />
Autoria . Flávio Lepsch<br />
Custódio<br />
Banda . Flávio Bá, João<br />
Branco, João Riveros, Renato<br />
Ferreira e Rodrigo Rosa<br />
Desde 2001, o grupo paulistano se apresenta por todo Brasil, Argentina<br />
e Uruguai, seguindo uma agenda política radical, e ganha fãs com sua<br />
estética pós-punk, seguindo grupos como The Ex e Fugazi. A banda tem<br />
seis lançamentos até o momento (quatro CDs e dois singles virtuais) e<br />
não pára: já há mais dois lançamentos no horizonte.<br />
Sobre a Música: Ela reflete bem um processo de composição diferente,<br />
que de certa maneira adotamos com a entrada do Renato (que<br />
atualmente está em Amsterdã). O rascunho da faixa é dele. Seria a<br />
antítese da música pop, com inserção de vocal quase zero, sem refrão<br />
e um ritmo que confunde a cabeça.<br />
Produzido por Ordinaria Hit . Gravado analogicamente no Clube Berlin<br />
(SP) por Jonas . Mixado por Ordinaria Hit . Gentimelmente cedido pelo<br />
Ordinaria Hit Ouça mais em www.myspace.com/ordinaria<br />
9 . Soltinho<br />
Rockers Control . 2008<br />
Autoria . Bruno B. B. Gusmão,<br />
Cristiano A. M. G. Scabello,<br />
Décio C. Silva, Fabio F. Murakami,<br />
Marietta P. V. Arantes e Mauricio<br />
P. Pregnolatto<br />
Banda . Bruno Borges B. Gusmão,<br />
Cristiano A. M. G. Scabello,<br />
Décio C. Silva, Fabio F. Murakami,<br />
Gustavo Lenza, Guilherme Arantes, Marietta P. V. Arantes e<br />
Maurício P. Pregnolatto<br />
8. A.f.r.i.c.a<br />
MAX B.O. 2008<br />
Autoria . Max B.O.<br />
e Leo Cunha<br />
Verdadeira lenda do freestyle, Max B.O é um dos mais requisitados<br />
MCs do pais, gravando com artistas como Trio Mocotó, Nação<br />
Zumbi, Instituto e O Rappa, por exemplo. Recentemente, participou<br />
no filme Antônia e vem se apresentando com o DJ Marco desde<br />
2004, trabalhando com artistas como Rappin Hood, Beto Villares e<br />
a cantora Céu.<br />
Sobre a Música: Foi uma forma de chamar a atenção para os<br />
problemas daquele continente, que mesmo nas piores condições<br />
ainda consegue se manter firme.<br />
Produzido, Gravado, Mixado e Masterizado por Leo Cunha no Studio<br />
Casa1 (SP) . Gentimelmente cedido por Casa 1 Records . Álbum Sabor<br />
Hip Hop . Vol.2 Conheça mais www.maxbo.com.br<br />
10 . Um abraço na Naná<br />
Algaravia Trio . 2008<br />
Autoria . Murillo Mathias<br />
Banda completa: Felipe<br />
Pagliato, Murillo Mathias e<br />
Demétrius Carvalho<br />
Rockers é um sexteto interessado na vertente mais radical e lisérgica<br />
A música do Algaravia Trio parte de dois pressupostos: de que algo<br />
aparentemente incompreensível para uns pode ter significado profundo<br />
para outros, e que o caos pode ser um bom começo para eventos,<br />
digamos, mais organizados. A vocação da banda para unir elementos<br />
da música jamaicana: o dub. O trabalho do grupo é baseado em<br />
díspares, obtendo resultados às vezes surpreendentes é uma constante,<br />
longas improvisações e seu material gravado é baseado nesses<br />
além das improvisações livres, norteadas unicamente pelo instinto<br />
momentos de execução livre, fiéis ao que escutamos ao vivo.<br />
musical de cada um dos integrantes.<br />
Sobre a Música: “Soltinho” foi gravado ao vivo e, assim como o<br />
Sobre a Música: Fazendo brincadeira com o título de uma das poucas<br />
restante das faixas do disco Jacuípe Sessions, carrega o frescor do<br />
composições conhecidas de João Gilberto, a banda aproveita para<br />
litoral baiano, o aconchego do estúdio e pousada Coaxo do Sapo e a<br />
homenagear uma das grandes amigas da banda. "Um Abraço na Naná"<br />
inspiração no sentimento de liberdade.<br />
traz uma estrutura jazzística mesclada com o clássico formato AABA<br />
da música popular. É um dos temas mais aplaudidos nas apresentações<br />
Produzido e Gravado no Estúdio Coaxo do Sapo em Jacuípe (BA) .<br />
Gravado por Gustavo Lenza . Mixado por Yellow P . Gentimelmente<br />
cedido pelo Dubversão/Traquitana . Álbum . Jacuípe Sessions Ouça<br />
do trio e, por este motivo, escolhido para fazer parte da coletânea.<br />
mais em www.myspace.com/rockerscontrol Produzido, gravado e mixado pelo Algaravia Trio . Gentimelmente cedido<br />
pelo Algaravia Trio Conheça mais em www.algaraviatrio.net<br />
Dani Dacorso<br />
Ana Claudia Lopes
11 . Empate<br />
Polara . 2007<br />
Autoria . Carlos Dias, Mario<br />
Cappi, Rafael Crespo, André<br />
Sato e Fernando Seixlack<br />
Banda . Carlos Dias, Mario<br />
Cappi, Rafael Crespo, André<br />
Sato e Fernando Seixlack<br />
O Polara foi um grupo formado em 1999 por Rafael (ex-Planet Hemp)<br />
Carlinhos (ex-Againe) e Sato (ex-Mickey Junkies). Desde então, o grupo<br />
foi agregando músicos conhecidos da cena indie de São Paulo. O Polara,<br />
sempre é bom dizer, foi um grupo que começou a cantar em português<br />
quando isso era totalmente incomum no cenário independente. Entre<br />
demos e alguns registros em CD, o grupo angariou fiéis fãs, admiradores<br />
dessa tão conturbada banda.<br />
Sobre a Música: A música Empate foi escolhida por Crespo, guitarrista<br />
da banda por ser, segundo ele, “uma das melhores músicas que o Polara<br />
já fez”. Empate foi gravada em 2007 e deveria fazer parte do novo disco<br />
da banda que infelizmente não será mais lançado comercialmente (já<br />
circula um álbum com músicas inéditas do Polara na internet batizado<br />
de “Inacabado”). Seus ex-membros se dedicam à novos projetos como<br />
o Albertinho dos Reys e Aspen, respectivamente, projeto-solo de Carlos<br />
Dias e a nova banda de Rafael Crespo.<br />
Gravado no Estúdio Dal Santo (SP) . Mixado e Masterizado por Rafael Crespo<br />
no Estúdio Superfuzz (RJ) . Gentimelmente cedido por Rafael Crespo (Polara)<br />
. Álbum . Inacabado Ouça mais em www.myspace.com/ppolara<br />
13 . A Força da Sugestão<br />
Parteum . 2008<br />
Autoria . Parteum<br />
Parteum é um rapper e produtor alinhado à tradição de artistas<br />
sofisticados e inovadores do hip-hop mundial, como Pete Rock, Madlib<br />
e Jay Dee. Seu trabalho é marcado pela escolha de batidas refinadas<br />
e rimas de forma e conteúdo incomuns para o cenário rap nacional.<br />
Sobre a Música: Divas de fino trato, entendam meu relato: MP3,<br />
Serato, vinil, CD, eu trato cada linha feito a moça que me deu a mão.<br />
Padrinho do Espião com mais um disco no colchão. Mais tijolos =<br />
Construção! Mais enigmas = Refrão! Mais dinheiro, mais pressão. Te<br />
apresento agora a força da sugestão.<br />
Faixa composta, arranjada e produzida por Parteum para Mzuri Sana® .<br />
Gravado, mixado e masterizado por Vander Carneiro e Parteum no Atelier<br />
Studios (SP) . Gentimelmente cedido pelo Parteum/Mzuri Sana Conheça<br />
mais em www.parteum.com<br />
Jozzu<br />
12 . Uma outra<br />
versão sobre o<br />
mundo de Maya<br />
Guizado . 2008<br />
Autoria . Guilherme Mendonça<br />
Banda . Guilherma Mendonça,<br />
Rian Batista, Regis Damasceno<br />
e Luciano Curumin<br />
Guizado é o projeto do polivalente músico Gui Mendonça. Neste<br />
projeto, sua marca é uma mistura de harmonias criadas por seu<br />
instrumento, o trompete, aliado às texturas encontradas nos<br />
experimentos com toda espécie de parafernália eletrônica.<br />
Sobre a Música: O principal motivo da escolha dessa música para a coletânea<br />
é o fato de ela ter um tema forte, uma melodia facilmente reconhecível<br />
– o que não é tão comum em minhas músicas – e Maya é um<br />
bom exemplo disso. Eu gosto da levada do som, a maneira como o<br />
baixo e a bateria se estruturam.<br />
Produzido por Postan Gallas e Guilherme Mendonça . Mixado por<br />
Postan Gallas . Gravado no Estúdio El Rocha (SP) . Gentimelmente<br />
cedido pelo Diginois/Urban Jungle . Álbum . Punx Ouça mais em<br />
www.myspace.com/guizado<br />
14 . De Manhã<br />
ou de Noite<br />
M. Takara . 2008<br />
Autoria .<br />
Maurício Sanches Takara<br />
Maurício Takara achou o espaço perfeito para nos brindar com seu<br />
trabalho mais pessoal em seu projeto M. Takara. Um dos maiores<br />
destaques da cena independente brasileira dos últimos dez anos, o<br />
músico vem testando diferentes formações e recursos eletrônicos<br />
neste projeto, aliados, obviamente, a seu trabalho percussivo plural.<br />
Sobre a Música: Escolhi esse som por que era um som que eu já<br />
tinha bem encaminhado e não tinha sido lançado. Tem um motivo<br />
bem hipnótico e repetitivo, que vai causando e sofrendo variações<br />
ao longo da música. Achei que por isso seria uma música boa para<br />
uma compilação.<br />
Produzido por Mauricio Takara . Gravado e Mixado no estúdio Cocô Ambulante<br />
(SP) por Mauricio Takara . Gentimelmente cedido pela Desmonta<br />
Ouça mais em www.myspace.com/mtakara<br />
61
Entrevista por Tiago Moraes<br />
Imagens divulgação<br />
É muito comum nas grandes metrópoles mundiais nos depararmos com<br />
pessoas apressadas e cabisbaixas, com o olhar perdido, se esvaindo<br />
no infinito. A evolução das novas formas de comunicação digital,<br />
com suas mensagens instantâneas e torpedos SMS, estão tornando<br />
as pessoas cada vez mais fechadas e tímidas.<br />
Não seria a hora, mesmo que seja um mero exercício, de passar a olhar<br />
mais para cima, além do campo tradicional (e limitado) de visão? Que tal<br />
começar a encarar as pessoas olho no olho dentro de um elevador em vez<br />
de desviar o olhar para baixo? Você pode se surpreender com esse novo<br />
universo a ser descoberto.<br />
O artista urbano norte-americano Above sabe muito bem disso<br />
e foi lá no alto, muito além dos muros nos quais a maioria<br />
dos artistas de rua focam sua atenção, encontrar o espaço<br />
para expor seus trabalhos e dialogar com a cidade.<br />
Não satisfeito em “pendurar” sua arte pelos Estados Unidos inteiro,<br />
da costa Oeste à Leste, do eixo Norte ao Sul, o artista rodou<br />
quase toda a Europa e acaba de terminar uma turnê de mais de<br />
seis meses viajando pelas Américas Central e Sul, tendo inclusive<br />
passado pelas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro.<br />
Nesta entrevista, o artista conta um pouco mais sobre detalhes<br />
e curiosidades de suas viagens mais recentes e compartilha<br />
um pouco mais do seu universo e inspirações. <br />
63
SIGN LANGUAGE TOUR<br />
64<br />
Fale para a gente um pouco sobre o projeto Sign Language.<br />
A turnê Sign Language aconteceu em 2006, e foi [estruturada]<br />
especificamente em cima das instalações de setas móveis que eu vinha<br />
pendurando nas cidades. Eu já havia pendurado setas anteriormente<br />
pela Europa e Estados Unidos, mas a turnê foi concebida para explorar<br />
e disseminar a minha teoria Word/Play. Essa foi sem dúvida a minha<br />
turnê mais intensa até hoje. Criei e pendurei minhas setas em 26 países<br />
da Europa durante cinco meses. Visitei literalmente todos os países<br />
entre Espanha e Turquia e entre Grécia e Finlândia, e em todos pude<br />
pendurar minhas setas Word/Play.<br />
O nome dessa tour e a idéia por trás de tudo era que cada seta trazia<br />
em cada lado uma palavra. As setas têm dois lados e ficam girando<br />
constantemente com o vento. Essa seria uma forma de comunicação que<br />
usaria o movimento em vez do som, exatamente como as pessoas surdas<br />
usam a linguagem dos sinais para se comunicar com outra pessoa.<br />
Você começou esse projeto nos Estados Unidos, certo? Em quantas<br />
cidades você pendurou as setas?<br />
Em 2004, embarquei na minha turnê pela América. Foram três meses<br />
viajando e catorze cidades visitadas nos Estados Unidos, terminando em<br />
Toronto no Canadá. Foi uma espécie de preparação para essa turnê maior<br />
na Europa, já que ainda estava descobrindo maneiras e lugares para<br />
pendurar minhas setas e também como viajar de maneira fácil e segura.<br />
Nessa turnê eu dirigi 4800 km em um carro alugado por todos os Estados<br />
Unidos e Canadá, e pendurei setas em cidades como Chicago, Nova York,<br />
Los Angeles, Seattle, São Francisco, Pittsburgh, Detroit, Portland e<br />
Toronto, para citar algumas.<br />
Logo após atacar as cidades americanas você fez uma viagem para a<br />
Europa. Quantos e quais países você visitou?<br />
Assim que terminei as cidades planejadas nos Estados Unidos, parti para<br />
a Europa. Isso foi em 2005, e eu tive a oportunidade de visitar catorze<br />
países, onde pintei murais e também pendurei as setas. O mais longe<br />
que fui ao leste foi à cidade de Budapeste na Hungria e o mais longe ao<br />
norte foi Reykjavík na Islândia. Essa turnê em 2005 pela Europa foi uma<br />
boa preparação para a Sign Language Tour, que eu faria no ano seguinte<br />
em 26 países.<br />
A maioria de suas setas carregam em ambos os lados palavras de quatro<br />
letras. Como você escolhe essas palavras? Você primeiro escolhe o lugar<br />
em que vai pendurar e depois pensa nas palavras?<br />
Eu descobri que palavras de quatro letras são abundantes na língua<br />
inglesa - existem mais palavras de quatro letras em inglês do que<br />
quaisquer outras, sem falar em alguns dos melhores palavrões (risos).<br />
Então, trabalhando dentro desse conceito, descobri que dentro do limite<br />
de trabalhar com as quatro letras eu poderia escolher palavras que em<br />
conjunto poderiam transmitir toda uma gama de emoções ou sentimentos.<br />
Comecei o projeto colocando no papel todas as palavras com quatro<br />
letras da língua inglesa e depois comecei a trabalhar em cima de<br />
possíveis associações entre elas. Por exemplo: se pegarmos a palavra<br />
“love”, qual outra palavra de quatro letras você poderia escolher para<br />
uma associação? Talvez o significado oposto, a palavra “Hate”, ou fazer<br />
um testemunho como “More/Love”, “Lost/Love”, “Feel/Love” etc.<br />
Eu dedico bastante tempo à escolha das palavras e do local onde<br />
pendurar cada uma das setas. Geralmente, quando vou a um lugar onde<br />
quero pendurar uma, levo de quinze a vinte peças com mensagens<br />
diferentes. Lá, escolho a mais adequada ao ambiente, que dialogue<br />
melhor com ele.<br />
Como você pendura essas setas tão alto? (Ok, eu sei que você não vai<br />
responder essa)<br />
Eu não gosto de responder essa pergunta, porque quero que as pessoas<br />
usem a imaginação e pensem sobre todas as maneiras possíveis de se<br />
pendurar a seta em um determinado lugar. Já ouvi muitos palpites e<br />
idéias interessantes de pessoas que tentam adivinhar como eu penduro<br />
as peças. Acho isso muito mais interessante do que simplesmente falar<br />
como eu faço.<br />
E todos esses padrões diferentes que você usa, de onde vêm?<br />
Os padrões são uma maneira divertida de “vestir” as setas. Como o<br />
espaço que sobra é enorme, achei legal colar tecidos nas setas de<br />
madeira. Os tecidos vêm de lojas onde costumo ir, e sempre escolho<br />
vários padrões e cores diferentes, que transmitam sentimentos e que<br />
sejam engraçados. E já que as setas giram o tempo todo, é importante<br />
escolher padrões que sejam fortes e definidos para chamar a atenção<br />
das pessoas.<br />
Qual foi a história mais marcante da turnê Sign Language na Europa?<br />
Acho que o mais louco foi ter conseguido fazer uma imitação da<br />
passagem de trem da Eurail para viajar de graça de trem por cinco<br />
meses! Transporte gratuito por toda a Europa foi sem dúvida uma das<br />
melhores coisas dessa viagem.<br />
Dos lugares que você visitou nessa turnê, qual você mais gostou?<br />
Por quê?<br />
Eu adorei Barcelona na Espanha, de verdade. Acho que pela mistura<br />
do clima, a praia, o sol, as pessoas e toda a atitude e cultura que a<br />
cidade transborda. Também gostei muito da Dinamarca, da Islândia,<br />
da Romênia e da Grécia. <br />
“Eu descobri que palavras de quatro letras são abundantes<br />
na língua inglesa - existem mais palavras de quatro letras<br />
em inglês do que quaisquer outras, sem falar em alguns<br />
dos melhores palavrões (risos)”.
Istambul . Turquia<br />
São Francisco . USA<br />
Toronto . Canadá
São Paulo . Brasil<br />
Cidade do Panamá . Panamá<br />
Cidade da Guatemala . Guatemala Lima . Peru<br />
Santiago . Chile Santiago . Chile
SOUTH CENTRAL TOUR<br />
Conte um pouco sobre o projeto South Central. Quantos meses você<br />
passou viajando e quantos países você visitou? Por que você decidiu<br />
viajar pela América Central e pela América do Sul?<br />
A turnê South Central foi uma história mais pessoal para mim, uma busca<br />
pelo crescimento como ser humano e artista. Essa foi a primeira turnê<br />
em que não tive vontade de pintar nem de pendurar minhas setas. Para<br />
mim o mais importante dessa viagem foi conhecer novos lugares e<br />
experimentar novos estilos [de pintura].<br />
Foram quase 24 meses para organizar meus contatos e definir quais<br />
lugares eu queria visitar e onde queria pintar. E foi também a turnê mais<br />
longa que já fiz até hoje: seis meses viajando! Tive a oportunidade de<br />
visitar e pintar em treze cidades de onze países diferentes.<br />
Escolhi explorar as Américas Central e do Sul porque esses lugares<br />
trazem muitas possibilidades, é uma área ainda não muito explorada e<br />
com poucas leis e restrições contra o graffiti. Os Estados Unidos e a<br />
Europa já têm diversas leis estabelecidas contra o graffiti, além de<br />
[haver] muita rivalidade entre os artistas de rua. Por outro lado, nesses<br />
lugares é muito fácil ter acesso às melhores tintas e aos melhores<br />
materiais. Já nas Américas Central e do Sul é muito mais difícil conseguir<br />
material como latas de spray, rolos e tinta, e por isso achei que seria<br />
uma viagem atrativa e desafiadora.<br />
Eu fiquei sabendo que você passou por situações delicadas nessa<br />
turnê, como ser esfaqueado no Equador e ser roubado na Argentina.<br />
Conte algumas histórias dessa tour.<br />
Infelizmente, esses problemas realmente aconteceram. Meu amigo El<br />
Tono, artista de Madrid, também estava em Buenos Aires quando eu<br />
estava lá. Nós saímos juntos para pintar em uma área meio perigosa,<br />
estávamos pintando ilegalmente, sem permissão, à luz do dia, e já<br />
estávamos lá há umas duas horas. Dois garotos, de 18 ou 19 anos, se<br />
aproximaram e disseram que estavam armados e que iam roubar a gente.<br />
Nós não acreditamos e continuamos pintando, mas os dois sacaram as<br />
armas e apontaram para as nossas cabeças e mandaram a gente entregar<br />
nosso dinheiro, câmeras e qualquer outro objeto de valor ou eles nos<br />
matariam. Percebi que ambos estavam bem tensos e com medo, mas eles<br />
estavam armados e poderiam nos matar. Foi uma situação desagradável,<br />
porque infelizmente naquele dia nós dois estávamos com nossas câmeras,<br />
e geralmente não levo minha câmera quando saio para pintar, então eles<br />
levaram as duas câmeras e mais uns cem dólares.<br />
Na outra situação, eu estava em Quito, no Equador, quando três viciados<br />
em cocaína vieram correndo pela rua, e um deles enfiou uma faca no<br />
meu braço! Enquanto a faca estava enfiada no meu braço, os outros dois<br />
caras enfiavam as mãos no meu bolso procurando por dinheiro. Ainda<br />
bem que esses caras só levaram doze dólares! Na real, essas situações<br />
são parte do que eu faço, de pintar ilegalmente e andar por lugares<br />
perigosos sozinho à noite. Tenho muita sorte de nada pior ter<br />
acontecido, e vejo essas situações como parte de um aprendizado.<br />
Por que nessa turnê você decidiu se concentrar em pintar grandes<br />
murais, especialmente murais tipográficos?<br />
Essas pinturas maiores foram uma transição progressiva do projeto<br />
anterior, da brincadeira com as palavras e as setas. Trabalhei nesse<br />
projeto anterior por uns quatro anos e queria evoluir, ter mais palavras<br />
e poder me expressar melhor em meus trabalhos. Decidi então priorizar<br />
as pinturas porque muita gente me conhece pelas minhas instalações de<br />
setas móveis e eu queria mostrar que também sei pintar. Gosto de me<br />
sentir um artista completo, e pintar esses grandes murais foi um passo<br />
importante para mim.<br />
Como foi o itinerário dessa viagem? Você planejou tudo antes ou foi<br />
para um país e deixou a coisa fluir? Como você viaja de um país para<br />
outro? Avião, ônibus, trem?<br />
Comecei a organizar essa turnê em 2006, enquanto fazia a Sign Language<br />
Tour. Comecei a fazer uma lista de amigos que eu tinha na América Central<br />
e do Sul e sondar se eu poderia ficar na casa deles, perguntar quais cidades<br />
era legal para pintar. Finalmente, em outubro de 2007, iniciei essa turnê<br />
pelo Rio de Janeiro. Quando cheguei ao Rio, eu tinha uma lista de vinte<br />
cidades e dezoito países que queria visitar e nos quais pretendia pintar. No<br />
decorrer da viagem, você vai gostando mais de alguns lugares e acaba<br />
ficando mais do que o planejado, tira outra cidade do roteiro original etc.<br />
Mas, no final, fiquei bem satisfeito com a quantidade de lugares<br />
visitados e a quantidade de lugares onde tive a oportunidade de pintar.<br />
Ao contrário da Europa, [nas Américas Central e do Sul] eu viajei muito<br />
de ônibus e de avião, nunca de trem.<br />
Entre os países que você visitou nessa turnê, de quais você gostou<br />
mais? Por quê?<br />
Essa pergunta é difícil, porque gostei de conhecer muitos países, por<br />
diferentes motivos. Eu diria que meus três países preferidos foram o<br />
Brasil, a Argentina e o México. Curti muito os três, porque são muito<br />
diferentes [entre si], além de carregarem muita cultura e serem lugares<br />
onde tenho grandes amigos. São Paulo é uma cidade incrível, com aquele<br />
tamanho todo e uma quantidade absurda de pichação e graffiti em todas<br />
as ruas. Buenos Aires tem todo um clima europeu e é cheia de energia.<br />
A Cidade do México tem muito graffiti tradicional e a comida é incrível.<br />
Todos esses motivos, somados ao fato de eu ter grandes amigos em todas<br />
essas cidades, tornaram essa experiência toda inesquecível.<br />
E sobre o Brasil? Você esteve em São Paulo e Rio, certo? Do que você<br />
mais gostou por aqui? E o que você odiou? Você chegou a fazer<br />
contato com artistas da cena de arte urbana local?<br />
Eu gostei muito do clima de praia no Rio e também da ótima comida. Em<br />
Sampa eu amei aquele monte de pichações, os graffitis e a vida noturna.<br />
A única coisa que odiei em Sampa foi o trânsito. Às vezes eu levava de<br />
duas a quatro horas atravessando a cidade para ir pintar um lugar. Isso<br />
foi bem desgastante e nem um pouco legal.<br />
Eu conheci muitos artistas em Sampa – amigos como o 2501, Highgraff,<br />
Prozak, Ciro, Não e Boleta, para citar apenas alguns. <br />
67
68<br />
ACIMA DE TUDO...<br />
Idade? Onde Mora? Educação artística?<br />
Tenho 27 anos. Hoje, aqui; amanhã, lá! Não tenho nenhuma educação<br />
formal de arte, apenas leio bastante, gosto de pesquisar muito em<br />
livros e aprender sempre com a vida.<br />
Como você descreveria o Above?<br />
Como alguém que está sempre tentando aprender coisas novas e se<br />
jogando em novos níveis.<br />
Você tem viajado muito nos últimos anos, e imagino que deve ser<br />
difícil manter um emprego tradicional. Como você consegue bancar<br />
todos os custos dessas viagens e do material que utiliza?<br />
Eu vendo minha arte pelo meu website. Também já trabalhei como<br />
garçom em alguns restaurantes, juntando dinheiro para viajar, mas nos<br />
últimos anos tenho vendido meus trabalhos e é assim que consigo<br />
viajar. Mas o mais importante de tudo é o apoio dos amigos que eu<br />
tenho no mundo todo, que me ajudam muito a economizar no custo de<br />
ter que pagar um albergue ou hotel. Sem os custos de hospedagem,<br />
sobra dinheiro para comprar comida, pagar transporte, tintas e outros<br />
materiais de pintura.<br />
Quando a criação artística se tornou algo importante na sua vida?<br />
Quando eu percebi que não conseguia mais viver sem fazer ou pensar<br />
de maneira criativa no meu dia a dia. Sou muito curioso para conhecer<br />
coisas, lugares novos. Vivo pensando em fazer arte e viajar me faz<br />
bem. É como uma droga positiva que não tem nenhum efeito colateral.<br />
O que mais te motiva nessa sua jornada? Você tem um plano de<br />
dominar o mundo ou algo do tipo? Quais os próximos passos? África?<br />
Oceania?<br />
O que motiva é o desafio de colocar em prática minhas idéias. Eu gosto<br />
de sonhar de forma intensa e estou sempre buscando obstáculos que<br />
me façam crescer e evoluir. Não tenho um plano específico para<br />
dominar o mundo, mas posso te dizer que eu tenho sim planos de viajar<br />
bastante e aproveitar o mundo. Existem tantas culturas diferentes,<br />
línguas, crenças, comidas e tudo o mais, e eu quero experimentar tudo<br />
isso o máximo que puder e seguir minha jornada. Eu quero e vou para<br />
o Sudeste Asiático em breve.<br />
“Já fui preso onze vezes ao redor do mundo.<br />
Já fui perseguido, espancado e sofri algumas ameaças de<br />
morte com armas apontadas para a minha cabeça,<br />
e tudo isso só por insistir em fazer o que gosto”.<br />
Você já apanhou de algum policial ou segurança, ou já foi preso?<br />
Já fui preso onze vezes ao redor do mundo. Já fui perseguido,<br />
espancado e sofri algumas ameaças de morte com armas apontadas<br />
para a minha cabeça, e tudo isso só por insistir em fazer o que gosto.<br />
Como é viver viajando? Qual a melhor parte e a pior parte de estar<br />
sempre em turnê?<br />
A melhor parte de viajar é simplesmente deixar fluir. Ter a oportunidade<br />
de se aventurar em uma nova cidade e experimentar tudo<br />
que ela tem para te oferecer. A pior parte é que, depois de cem dias<br />
dormindo no chão, a primeira coisa que eu quero ver pela frente é<br />
uma cama confortável.<br />
Você ainda tem algum lugar que chama de casa, ou está sempre<br />
em trânsito?<br />
Considero minha casa São Francisco, Paris, Barcelona e, muito em<br />
breve, Buenos Aires.<br />
Do que você gosta mais, pendurar setas ou pintar murais?<br />
Eu gosto dos dois, cada um por um motivo diferente. Amo pintar murais<br />
pelo processo e dimensão, e pendurar as setas pela estética visual e o<br />
movimento. Me divirto muito fazendo ambas a coisas.<br />
Está empolgado com algum novo projeto no momento?<br />
Eu embarco para a Itália amanhã. Estou voltando para a Europa para<br />
desenvolver alguns projetos e pinturas por três meses. Viajar sempre<br />
é estimulante.<br />
Primeiro vou para Roma trabalhar em algumas gravuras de tiragem<br />
limitada, em parceria com o Cromiestudio. Pretendo vender algumas<br />
e depois participar de um grande evento de arte ao ar livre pela Itália,<br />
Espanha e Portugal no verão. Depois, voltarei a Buenos Aires para viver<br />
lá por alguns meses.<br />
Últimas Palavras…<br />
Gostaria de agradecer todos os amigos que me deram um apoio incrível<br />
durante a turnê South Central. É muita gente para citar todos os<br />
nomes, mas se você deixou que eu ficasse na sua casa, dormisse no<br />
seu chão, se me deu alguma comida, se pintou junto comigo ou<br />
simplesmente deu um rolê junto, meu mais sincero muito obrigado!<br />
Obrigado por me ajudar a viabilizar mais esse projeto! <br />
Saiba Mais<br />
www.goabove.com
Bogotá . Colombia
Simone Nunes . Maria Lia costura vestido de tricoline na cor verde adriático
V.ROM . Tetê costura camisa de tricoline estampa savana.
Neon . Amélia costura vestido de seda estampa Gaugin
Alexandre Herchcovitch . Helenice costura vestido de seda estampa tapete
Maria Garcia . Maria Luiza Pacione costura casaqueto de pregas de lamé na cor ice.
Esse ensaio fotográfico é dedicado a todas as costureiras e demais profissionais<br />
que trabalham diariamente para que você fique sempre “na moda”.<br />
. Idealização .<br />
Kultur Studio<br />
. Edição e Produção .<br />
Helena Sasseron<br />
. Fotografia .<br />
Cia de Foto<br />
. Agradecimentos especiais .<br />
Alexandre Herchcovitch e Helenice<br />
Maria Garcia e Maria Luiza<br />
Neon e Amélia<br />
Simone Nunes, Joyce e Maria Lia<br />
V.ROM e Tetê
Você falava que precisa do caos para compor, mas como você<br />
aprimorou sua habilidade de composição, desde a época em que você<br />
começou a ouvir e a se interessar por música?<br />
Praticamente tudo veio como fruto da audição de muita música, da<br />
mesma forma que alguém pode aprender a escrever lendo muito. Minha<br />
mãe ouvia uma estação de rádio que tocava música clássica de manhã,<br />
e durante a tarde e a noite ela ouvia Nina Simone, Jimmy Cliff, Bob<br />
Marley, George McCrae… Rock Your Baby, do George McCrae, rolava<br />
direto no toca-discos. Quando eu era muito criança, essas foram minhas<br />
maiores influências.<br />
Depois descobri o Hendrix e o Funkadelic. Eu era muito fã de punk rock<br />
e de toasting do começo do dancehall: Yellow Man, Charlie Chaplin,<br />
esses caras. Acho que consegui usar essa diversidade quando comecei a<br />
usar samplers, um bom tempo depois, porque toquei em muitas bandas<br />
antes... Quando comecei a usar samplers, eu estava escutando muita<br />
coisa orquestral, e também John e Alice Coltrane, e Pharoah Sanders.<br />
As músicas deles são estruturadas em movimentos, como música<br />
clássica, e é justamente por isso que, especialmente nos meus primeiro<br />
e segundo discos, algumas músicas são arranjadas dessa forma.<br />
Por André Maleronka e Arthur Dantas . Tradução Rodrigo Brasil<br />
Fotos Fernando Martins<br />
Daria um filme: jovem mestiço, dividido entre o punk rock e o rap, as ruas e a universidade, descobre, na ficção científica e nas teorias<br />
intelectuais radicais, enredo e metáforas para sua própria vida, e, no sampler, o poder de síntese necessário pra dar sentido a ela.<br />
MC e produtor, o estadunidense Mike Ladd, infelizmente, fez uma rápida passagem pelo Brasil, se apresentando para uma audiência restrita.<br />
Pra quem pôde conferir seu universo sonoro balançado e conturbado, ficou muito claro que o conceito que batiza seu segundo álbum, Welcome<br />
to the After Future, é o plano diretor de sua produção. Com uma atitude tipicamente pós-moderna, usa análises dialéticas e liberdade semântica<br />
– não é a palavra post (pós) dos teóricos sua escolha, e sim a pedestre after: após, depois – para definir como soa: a partir de um arcabouço<br />
acadêmico, arquiteta resultados simples. O balanço de Ladd – mesmo em suas digressões pelo som instrumental de timbres orgânicos e<br />
construções largamente eletrônicas debitárias do free jazz – pode ser cru ou cozido, mas é sempre saboroso.<br />
Sua música move-se a partir do enfrentamento entre disparidades e descompassos – de alguma maneira, conceitos caros tanto à ficção<br />
científica como aos estudos de Teoria Crítica. Sua afiliação à linhagem do afro-futurismo via a agenda política do Black Arts Movement – uma<br />
transposição dos ideais Black Power liderada pelo poeta, dramaturgo e ativista Amiri Baraka durante os anos 1960 e 70 –, apresentada em uma<br />
trilogia (inacabada) de álbuns que descrevem uma guerra entre os personagens Infesticons e Majesticons – o bem e o mal musical,<br />
respectivamente –, pode parecer contraditória: um amálgama de materialismo e fantasia, tipicamente pós-moderno. É a contradição da capa<br />
de ... After Future, sua melhor obra até agora: uma distopia expressa com postes emaranhados em estranhas ligações elétricas, estatais e<br />
privadas. É uma utopia de caos impensável no Primeiro Mundo e cena cotidiana no Terceiro. “Estou considerando passar um tempo aqui, seria<br />
ótimo para compor”, disse Ladd, impressionado pela quantidade de material que produziu durante sua passagem por São Paulo. Além de<br />
ambiente de trabalho ideal, a capital paulista sintetiza suas previsões para o futuro do bom som, como ele declara na entrevista a seguir.<br />
O seu background é da cena punk hardcore. Por qual motivo você<br />
escolheu o rap como meio de expressão?<br />
O interessante é que eu estava sempre fazendo os dois ao mesmo<br />
tempo. Eu e meu amigo Troy começamos a rimar assim que o hip-hop<br />
chegou a Boston, uns dois anos depois de chegar a Nova York, mais ou<br />
menos em 1981. Eu fazia freestyle, porque nunca conseguia lembrar as<br />
letras dos caras. Quando a gente tinha 12 anos, o Troy inventou uma<br />
parada que era mais ou menos assim (cantarola): “When I was a little<br />
boy I read the comics/ Then I gave my money to Reaganomics/ Now<br />
that I’m poor I live in a shack/ Please Mr. Reagan won’t you give my<br />
money back?” Era muito legal (risos). Eu também era baterista de uma<br />
banda punk. Eu cresci em um lugar muito peculiar, chamado<br />
Cambridge, em Boston. Era um lugar com muitas universidades e<br />
estações de rádio muito boas, muita gente andava de skate, [havia]<br />
uma cena grande de ska, uma cena grande de reggae porque a<br />
[gravadora] Trojan tinha uma sede lá, uma cena enorme de punk rock<br />
e uma cena de rap. E em Cambridge as coisas funcionavam de forma<br />
particular, era diferente de Boston. Então foi meio lógico ter todas<br />
essas influências juntas.<br />
77
78<br />
E o que rolava nas cenas de punk e rap em Boston?<br />
E o Outkast.<br />
No começo dos anos 1980, tinha o Gang Green, Slapshot… Grandes<br />
bandas! Eu era muito fã do The Freeze, The F.U.’s. Isso tudo era de 84,<br />
Exato, não tem como mexer com essas pessoas, são forças da natureza!<br />
85 e 86. Era uma cena muito vibrante. E o hip-hop, nessa época, você Quando sairá o disco final da trilogia?<br />
ouvia na WERS, que era uma estação de rádio fantástica – e ainda é uma Eu não sei (risos), mas tá quase pronto. Acabei de descobrir o enredo, é<br />
das melhores estações de rádio da América. Funcionava mais ou menos mais ou menos assim: o conflito já acabou há anos, mas cinco Infesticons<br />
assim: rock das 16h às 18h, reggae das 18h às 20h, rap até as dez, e ficaram em um bunker. Quando eles finalmente saem, acham que a guerra<br />
depois disso punk rock até a meia-noite. A gente já deixava umas fitas ainda está rolando. Eles vão para algumas festas e não entendem nada. É<br />
cassete de 90 minutos só esperando pra apertar o rec (risos).<br />
um mundo descolado: todo mundo é bissexual e usa roupas fluorescentes.<br />
Eles ficam confusos, porque isso não é hip-hop (risos). Eles estão real-<br />
Você cursou literatura, certo?<br />
mente perdidos. Depois de Negrophilia e Father Divine, quero fazer discos<br />
Eu estudei numa escola experimental e me graduei num curso que era<br />
parte antropologia, parte etnografia, parte literatura, parte ciência<br />
com canções realmente boas, o que na real é mais difícil de fazer.<br />
política e história. Estudei sobre negros americanos expatriados no século E quem faz música boa hoje em dia?<br />
XIX e bastante sobre colonialismo. Na mesma época que estava Não sei muito o que tá rolando. Eu gostei muito do primeiro disco da<br />
escrevendo meu primeiro disco, fiz um mestrado em poesia. Esse foi M.I.A. Há algum tempo eu estava tentando fazer algo como um pingue-<br />
provavelmente o último ano em que trabalhei duro (risos).<br />
pongue cultural, especialmente tentando usar samplers de Bollywood e<br />
mais outras coisas, e ouvindo algumas bandas que estão surgindo em NY<br />
Existe uma tradição de arte radical vinda dos anos<br />
e que estão fazendo coisas impactantes, e que não são<br />
1960. Você enxerga sua obra como uma continuação<br />
daquelas propostas, especificamente o Black Arts<br />
Movement?<br />
Sim, eu estava seguindo a tradição do Black Arts<br />
“EU ESTAVA INTERESSADO<br />
EM ALGO MAIS RADICAL E<br />
POLÍTICO. NO COMEÇO DOS<br />
world music. Eu espero que o próximo grande<br />
movimento não saia de NY ou Los Angeles, mas sim de<br />
São Paulo, Bombaim ou Xangai. Quem sabe o que rola<br />
em Xangai hoje em dia? É isso que eu estou esperando.<br />
Movement de forma consciente, quando comecei a ANOS 90, CHEGUEI A PENSAR<br />
escrever diariamente. Eu tava dividido, porque nessa QUE ROLARIA UMA<br />
Essa idéia de música global, sem ser world music, é<br />
época existiam dois grupos de jovens escritores negros. REVOLUÇÃO – EU TAVA muito interessante… Como você acha que viver na<br />
Tinha um grupo chamado Darkroom Collective, um PRONTO PRA ISSO. O PUBLIC França influencia seu trabalho hoje em dia?<br />
grande coletivo de poetas da minha idade, escritores<br />
ENEMY AINDA NÃO HAVIA SIDO<br />
Olha, eu não mudaria para a França por razões<br />
fantásticos. Mas eles estavam negando o BAM naquele<br />
ponto, e eu não gostava daquilo. Eu estava interessado<br />
em algo mais radical e político. No começo dos anos<br />
90, cheguei a pensar que rolaria uma revolução – eu<br />
CRUCIFICADO E PARECIA QUE<br />
ALGUMAS COISAS PODIAM<br />
REALMENTE ACONTECER.”<br />
artísticas. A França era obviamente um lugar incrível<br />
para um artista do séc. XIX ou XX se mudar, por uma<br />
razão específica: a colisão de novas tecnologias do<br />
modernismo com as antigas tradições, resultando<br />
tava pronto pra isso. O Public Enemy ainda não havia<br />
numa grande explosão que tornaram o lugar muito<br />
sido crucificado e parecia que algumas coisas podiam realmente excitante. Era um enorme epicentro cultural, mas isso não está mais<br />
acontecer. Eu tava andando com um poeta marxista hardcore chamado acontecendo. Já em Bombaim, essa tensão está quente, por isso o lugar<br />
Tony Medina e gostava muito dos ideais marxistas nessa época – na real é interessante. A gente meio que precisa disso. Na minha opinião,<br />
ainda gosto. Hoje em dia, o pessoal do Darkroom se dá bem com o pessoal quando os lados tecnológico e cultural estão para se alinhar, mas ainda<br />
mais velho de spoken word.<br />
não deram o clique, é nesse momento que rola ação.<br />
Quando o disco do Infesticons saiu, o underground era uma esperança<br />
de renovação musical, mas depois de um tempo tudo isso<br />
desapareceu. O que você acha disso?<br />
É exatamente isso. O N.E.R.D mudou tudo. Eu me lembro que antes de<br />
embarcar para a Europa, pra turnê do Majesticons, foram lançadas as<br />
coisas do N.E.R.D./Neptunes. Na hora eu percebi que o que estava<br />
rolando no mainstream era muito mais interessante que o underground.<br />
Ok, tem um monte de bandas que todo mundo gosta porque eles dão<br />
duro, mas sempre existe alguém que é bom porque é realmente bom<br />
pra cacete e é isso. Não tem discussão. E esses são os melhores. Eles<br />
sempre aparecem, como o Bob Marley. Porque o cara vendeu milhares<br />
de disco? Ele era realmente foda!<br />
The Clash?<br />
Exato, é a mesma coisa que o Bob Marley.<br />
Você acha que os EUA, em conjunto com a administração Bush,<br />
passam por um momento extremamente conservador?<br />
Certamente estamos passando por isso, mas está mudando – vamos ver<br />
o que vai acontecer com as eleições. A mídia promove uma agenda<br />
conservadora, você vê as batalhas que o Obama tem que travar, e<br />
algumas coisas parecem piada, como “você não tem um broche da<br />
bandeira americana? Que merda tá errada com você, cara?” Mas isso<br />
não tem nem a ver com conservadorismo. Na verdade mostra o<br />
funcionamento bizarro do processo eleitoral neste momento, a<br />
quantidade de besteiras que são levantadas…<br />
Você fala que vivemos no “After Future”. Você pode falar um pouco<br />
sobre isso? Se pensarmos nos últimos oito anos nos Estados Unidos,<br />
você acredita que o Obama pode ser a pessoa perfeita para encarnar<br />
essa nova era?
Não se engane: gosto muito do Barack, e vou estar na América em novembro<br />
de qualquer jeito, apenas para participar desse momento da História – eu<br />
não vou ficar na França durante a eleição do primeiro presidente negro dos<br />
Estados Unidos. O Obama, em um nível mais abstrato, pode significar uma<br />
nova era, mas ele ainda é a favor do imperialismo e tem interesse em que<br />
os EUA estejam na frente, continuando no papel da maior potência mundial.<br />
E mesmo se em algum lugar do seu subconsciente ele não estiver interessado<br />
nisso, se ele estiver interessado em algo mais igualitário, ótimo,<br />
mas as pessoas com quem ele trabalha e para quem ele trabalha não querem<br />
isso. E ele definitivamente trabalha para outras pessoas, para grupos<br />
de interesse e algumas grandes corporações – não são todas – que ainda<br />
precisam da idéia de nação para fazer dinheiro. Mas o Obama trabalha para<br />
essas pessoas, e mesmo na sua campanha ainda não deu exemplos claros de<br />
como essas mudanças ocorrerão e de quais serão elas. Eu acredito que uma<br />
grande mudança simbólica vai ocorrer e isso é importante, mas ele não está<br />
interessado no modus operandi econômico e social do planeta de maneira<br />
alguma (risos). Mas... dá pra repetir a pergunta?<br />
Você acha que o Obama personifica esse seu “After Future”? Na<br />
minha opinião, e provavelmente na do resto do mundo, se o Obama<br />
ganhar ele vai ser o presidente negro do império, algo completamente<br />
louco e complicado de se imaginar…<br />
Eu concordo, é verdade. Mas é muito interessante: nesse momento<br />
um dos mais perigosos políticos no mundo é uma mulher negra, a Condoleezza<br />
Rice. Você me entende? Ela é diabólica e inteligente, e é uma mulher<br />
negra. Então toda nossa percepção já tá mudando mesmo que a gente não<br />
perceba. Há uma grande diferença entre ser o Barack Obama e ser o<br />
presidente dos EUA, mas isso tudo não é algo pequeno. É muito interessante<br />
o que o 11 de setembro causou também, no momento em que as torres<br />
Show do Mike Ladd com SP Undeground . Sesc Santana . 2008<br />
caíram. Eu estava em NY e de repente os afro-americanos não eram mais<br />
o inimigo público número 1, pela primeira vez desde 1942. Foi muito louco!<br />
Em relação à administração Bush, a minha teoria é que ela tem uma relação<br />
bizarra com o povo afro-americano, acho que no fundo ele ama a América<br />
negra, do seu jeito perverso de ser. A primeira coisa que posso falar é que<br />
o Bush não dá a mínima para a humanidade. Ponto. Mais de uma perspectiva<br />
mais distante ele está interessado na América negra…<br />
Como uma ferramenta?<br />
Pode ser. Mas em algum momento no colegial ele já desejou ser negro. Que<br />
o Clinton queria ser negro, é óbvio. A maioria dos homens brancos americanos<br />
em algum ponto da adolescência já desejou ser negro. Acho que o Bush<br />
tem isso em algum lugar. Ele acha os negros legais, e pela primeira vez na<br />
história um republicano acha isso, o que não significa que ele dá a mínima<br />
para os negros. Ele quer usar os negros e não vai salvá-los se Nova Orleans<br />
estiver afundando. Então, naquele momento em que os prédios caíram a<br />
América branca se ligou que não foram os negros que derrubaram um prédio,<br />
e os negros passaram a ser visto como 100% americano. Quer saber o que<br />
personifca o “After Future” pra mim? Os travestis. Eles alteram seus corpos…<br />
O Michael Jackson também...<br />
O Michael Jackson é o exemplo perfeito! (Risos.) Essas pessoas que alteram<br />
seu físico… Não é uma coisa que eu admire, mas me impressiona, uma<br />
pessoa que muda dessa forma e acha normal. O cara decide que vai fazer<br />
mais grana com uns peitões, pronto. O cara vai e coloca os peitões (risos).<br />
Saiba Mais<br />
www.myspace.com/mikeladd<br />
Veja a entrevista completa em www.maissoma.com<br />
79
80<br />
Camadas<br />
da Cidade<br />
Por Tiago Mesquita . Fotos Divulgação<br />
Renata Lucas é uma das escultoras mais importantes do Brasil.<br />
Com menos de 40 anos de idade, ela já expôs no mundo todo.<br />
Seu trabalho é muito discreto e muitas vezes nem notamos<br />
que se trata de uma ação artística. Ela não é de fazer muitos objetos.<br />
Seus trabalhos mais conhecidos são as suas intervenções; que se<br />
misturam às ruas, edifícios e salas das metrópoles. Elas são feitas<br />
das mesmas coisas que vemos na rua, como elementos do dia-a-dia.<br />
Na rua, essas instalações se parecem com um corpo estranho. Algo que<br />
retira um tipo de normalidade do cotidiano.<br />
Hoje, muito se fala sobre a arte na cidade e sobre como a arte<br />
redescobre a cidade. Na maior parte das vezes, isso é conversa fiada,<br />
mas no caso de Renata Lucas é verdade. Sua última intervenção em São<br />
Paulo mostra o potencial que seu trabalho tem de dar sentido ao que<br />
acontece por aqui.<br />
Fazia algum tempo que Renata Lucas não expunha em São Paulo.<br />
Desde o ano da última Bienal de São Paulo, 2006, não lembro ter visto<br />
nenhum trabalho novo seu. Recebia as notícias. Sabia que ela estava a<br />
toda, trabalhando muito, por todo o mundo. Colocava esculturas<br />
grandes nas galerias e realizava instalações em vários espaços<br />
diferentes. Pude também ver o belo livro sobre sua obra lançado pelo<br />
instituto Red Cat, em Los Angeles, no ano passado.<br />
Galeria Fortes Villaça
Janela
Renata se dedica, sobretudo, a reconfigurar espaços arquitetônicos<br />
e urbanísticos diferentes. Suas instalações e esculturas mudavam os<br />
prédios, salas, corredores, jardins, ruas ou a relação dos passantes com<br />
eles. São feitos a partir de gestos discretos, mas muito radicais. Seu<br />
trabalho intervém diretamente na experiência dos transeuntes. Talvez<br />
por isso dispense enfeites e adornos. É austero. Não quer nada que<br />
pareça diferente do que tem por lá. As peças devem se mostrar como<br />
coisas da cidade.<br />
Ela ainda continua a utilizar materiais e elementos ordinários,<br />
pouco artísticos. Usa pedaços de tábua, compensado, material de<br />
construção, carpetes, móveis, plantinhas etc. O único vídeo dela que<br />
conheço é a extraordinária vídeo-instalação Barulho de fundo, exibida<br />
em 2005 no Instituto Tomie Ohtake e, um ano depois, na Bienal<br />
Internacional de São Paulo.<br />
Em abril agora, vi um dos seus trabalhos. Era uma intervenção<br />
discreta, mas perturbadora, em um espaço para a arte que acabava de<br />
Foto Rubens Mano . Galeria Luisa Strina<br />
inaugurar. A Galeria Fortes Villaça abrira um novo espaço em um<br />
daqueles velhos galpões industriais da Barra Funda, um desses amplos<br />
armazéns que ainda caracterizam a paisagem do bairro paulistano. Aliás,<br />
essa é uma área que ainda se parece muito com o que São Paulo foi<br />
até pouco tempo: uma cidade industrial. Tem armazéns, um pequeno<br />
comércio, residências populares, oficinas, prédios de boa e de má<br />
arquitetura construídos nos anos 50, 60 e 70. Além disso, conta com<br />
espaços como escolas, clubes e grandes avenidas. Agora, a composição<br />
humana do bairro é muito heterogênea e muito simpática. Devido a sua<br />
extensão, a Barra Funda é ao mesmo tempo um bairro boêmio, popular,<br />
muito ativo politicamente e começa a receber os primeiros empreendimentos<br />
de luxo e edifícios públicos – superfaturados ou não.<br />
Entre a fachada azul e alta desse galpão e o amplo interior de<br />
galeria, Renata modificou uma parede, que aparece por detrás das<br />
colunas da galeria. Essa segunda fachada se situa entre os vãos de<br />
entrada. Um lugar que já deve ter sido coberto por portões de ferro,<br />
enrolados durante o dia e desenrolados durante a noite. A peça
planejada pela artista não era um muro fechado de tijolos maciços, mas<br />
a inserção de uma janela grande, típica dos edifícios daquele bairro,<br />
prédios que não se constroem mais, em um painel feito com elementos<br />
vazados de concreto.<br />
Atrás da janela, Renata Lucas dependurou cortinas brancas finas.<br />
Elas ficavam entreabertas e permitiam que o pedestre que passasse por<br />
lá olhasse para a galeria da rua. O mais bonito é que a nova estrutura<br />
da parede permitia uma iluminação suave para a entrada da galeria.<br />
Suavizava tanto a luz branca e difusa de dentro da galeria como o sol<br />
que vinha de fora. Depois da parede, os feixes solares entravam na sala<br />
de exposição de mansinho. Antes de cobrir a entrada de sol, atravessavam<br />
o gradeado de concreto e o tecido diáfano da cortina. A luz<br />
solar entrava já cansada, como se estivesse no fim da tarde, na calmaria<br />
daqueles apartamentos da Barra Funda às seis horas da tarde de um<br />
passado não tão distante. Horário depois do expediente, quando os<br />
aposentados se regozijavam com o fim do burburinho da rua e podiam<br />
curtir suas casas já sem tanto calor e nem tanto barulho. Esse aspecto<br />
Barravento . Instalação<br />
de um recolhimento doméstico é reforçado pelos vasos de planta que<br />
Renata Lucas apóia no parapeito. Só faltou um gato passar por detrás<br />
do vidro.<br />
Todo esse aspecto iconográfico aumenta a estranheza da peça.<br />
Aquela parede não pertence a nenhum dos espaços: nem o que se coloca<br />
em frente dela, nem o que está por trás. Aparece como uma lembrança<br />
de outro tempo, de outro lugar, que teima em permanecer, como a<br />
camada de uma cidade que se constrói em cima de outras cidades. Não<br />
é por acaso que Renata Lucas fala do seu trabalho como uma geologia<br />
urbana. Uma geologia ficcional, claro, mas que encontra camadas da<br />
cidade em um lugar aparentemente homogêneo.<br />
Nessa camada que a artista coloca, há algo da paz e do recolhimento<br />
das cenas do pintor holandês Johannes Vermeer (1632 – 1675). A peça de<br />
Renata tem uma luz difusa e natural, que se coloca entre a brutalidade<br />
viva da rua e a neutralidade da luz clara, branca e artificial da galeria.<br />
Pela primeira vez o trabalho de Renata Lucas parecia funcionar como<br />
um elemento pacificador, mas não era a primeira vez que ela colocava<br />
espaços estranhos uns aos outros em contato. Desde a sua escultura<br />
Barravento (2001), a artista constrói duplos do mesmo espaço. Essa<br />
escultura grande, feita com folhas de madeirite, replicava a sala de<br />
exposição do espaço experimental 10,20 m x 3,60 m. A artista colocava<br />
aquela peça gigante lá e parecia descamar a sala.<br />
Pouco depois, em 2002, Renata fez dois trabalhos que guardavam<br />
características similares às da sua obra mais recente: Comum de dois,<br />
feito no prédio da Maria Antônia, em São Paulo e Mau Gênio, exposta no<br />
Museu da Pampulha, em Belo Horizonte.<br />
Em ambos, a artista parte de edifícios criados para uma função<br />
determinada e depois adaptados como sede de espaços culturais. Nos<br />
anos sessenta, a Mariantonia era a sede da Faculdade de Filosofia,<br />
Ciências e Letras; hoje, é um centro de cultura e pensamento da<br />
Universidade de São Paulo. O Museu da Pampulha, criado para ser um<br />
cassino, com a proibição do jogo passou a abrigar um acervo de obras de<br />
arte e hoje é um museu. Renata aproveita essas estruturas adaptadas,<br />
com emendas e alterações, e insere outra estrutura arquitetônica neles.<br />
Em um, faz uma sala entre duas salas e um corredor. Insere essa sala<br />
dentro das outras salas. No museu da Pampulha, coloca um andaime,<br />
com caixilhos, no segundo andar do museu, atrapalhando a vista.<br />
Em todos os casos tratam-se de estruturas arquitetônicas estranhas,<br />
que entram nos prédios e acentuam o que eles têm de provisório, de<br />
um uso impróprio das salas. De coisas que vão se tornando outras<br />
coisas. As intervenções nos fazem pensar nos usos que damos aos<br />
lugares, e em como essas determinações dos espaços são arbitrárias.<br />
Antes de continuar, é importante ressaltar que o efeito de cada<br />
intervenção é diferente. Uma parece criar um clima de claustrofobia;<br />
a outra parece ampliar a paisagem e o potencial da construção de<br />
Oscar Niemeyer na Pampulha.<br />
Esse modo de lidar com a paisagem, com a cidade e a arquitetura não<br />
é uma novidade em arte. Nas décadas de 1960 e 1970, artistas fizeram<br />
disso o seu modo de esculpir. Nomes importantes como Richard Serra,<br />
83
Galeria Luisa Strina<br />
Falha . Madeira ajuntada e Dobradiças<br />
Foto Wagner Morales . Galeria Luisa Strina<br />
Mau Gênio . Andaimes e compensados de madeira<br />
Foto Edouard Fraipont . Galeria Luisa Strina<br />
Cruzamento .<br />
Compensado de Madeira
Gordon Matta-Clark, Richard Long, Michael Heizer, Robert Smithson e<br />
Walter de Maria não esculpiam objetos e nem realizavam projetos de<br />
arquitetura. Atuavam sobre os lugares. Esses projetos ambientais foram<br />
chamados de projetos para sítio específico (site-specific) ou, de acordo<br />
com a definição da crítica de arte Rosalind Krauss, a escultura no campo<br />
ampliado.<br />
Ao contrário de todos esses artistas, Renata não atua em lugares<br />
com a significação plena. Diferente desses pioneiros do site-specific,<br />
seu trabalho não é uma atuação que muda o sentido do lugar: ela<br />
parece falar de uma arquitetura sem sentido. Inclusive, de uma cidade<br />
que se movimenta quase sozinha, sem contar muito com a vontade de<br />
quem mora nela e nem se preocupar muito com o conforto e a alegria<br />
desses cidadãos.<br />
Muitas vezes ela trabalha em lugares que já foram uma coisa que<br />
se tornou outra e depois adquiriram uma terceira função. No Brasil,<br />
especialmente na cidade de São Paulo, vemos casas se transformarem<br />
em restaurantes por quilo, cinemas que se transformam em<br />
igrejas evangélicas, bairros e favelas que se transformam em avenidas<br />
e prédios de escritórios. Na instalação Atlas (2006), desenvolvida por<br />
Renata na Galeria Millan, em São Paulo, a oficina mecânica que ficava<br />
de frente para a galeria se espraia até ela, bem como a casa que se<br />
avizinhava à galeria toma conta da sua lateral.<br />
Muitas vezes, suas obras inventam situações em que as coisas da<br />
cidade parecem ter ganhado vida própria e se puseram a agir de forma<br />
autônoma, a fazer coisas sem explicação. Mexe-se de um lado e levanta-<br />
Foto Edouard Fraipont . Galeria Luisa Strina<br />
Febre . Carro, cesto de lixo modificado, rádios de carro<br />
se outro lá na frente, como na escultura Falha (2003), em que Renata<br />
cobriu o chão com madeira ajuntada por meio de dobradiças. Uma se<br />
mexia e deslocava as outras, como se o chão estivesse a se deslocar.<br />
Em 2003, a artista fez a intervenção Cruzamento, no Rio de Janeiro.<br />
Nesse trabalho, usava tábuas de compensado que davam um desnível à<br />
avenida e pareciam ter subido alguns milímetros do chão. Assim como<br />
em Febre (2004), instalado em uma rua de São Paulo, onde uma lixeira<br />
de rua engolia um automóvel – e cuspia o toca-fitas. A imaginação de<br />
Renata também fez com que víssemos, através de câmeras de vigilância,<br />
os andares superiores do edifício onde fica a Fundação Tomie Ohtake<br />
serem tomados por animais selvagens. Como se aqueles escritórios<br />
vazios tivessem se tornado o habitat natural de uma fauna silvestre.<br />
Nos trabalhos Atlas (2006) e Gentileza (2005) – onde Renata tenta<br />
fazer com que a galeria A Gentil Carioca se fundisse com os espaços da<br />
rua do Saara, onde ela se situa –, a artista mostra lugares que começam<br />
inclusive a se derreter, mudar as fronteiras e se fundir uns nos outros.<br />
Os espaços deixam de ser determinados por nós, passam a seguir<br />
orientações sobre as quais ninguém mais tem controle, ninguém mais<br />
determina, em uma espécie de racionalidade absurda. Nos trabalhos de<br />
Renata essa situação absurda tem algo de fantástico. Como uma força<br />
incontrolável, parece ser a mesma força incontrolável que cria, além<br />
da vontade de qualquer um, boa parte das agruras da nossa vida.<br />
Saiba Mais<br />
www.galerialuisastrina.com.br<br />
www.agentilcarioca.com.br<br />
85
Parte da discografia<br />
de Mike Watt:<br />
Bandas, Projetos e<br />
participações.
Por Luciano Valério<br />
Colaborou Arthur Dantas e Tiago Moraes<br />
“Não se lance ao mar quem teme o vento”. Esse provérbio<br />
italiano parece adequado para definir a carreira do baixista<br />
Mike Watt, músico que alcançou o status de lenda viva por<br />
sua passagem no trio Minutemen, considerado unanimemente<br />
uma das maiores bandas de punk rock da história.<br />
Filho de um marinheiro, Watt conseguiu visitar os mais<br />
improváveis locais, tal qual seu pai, por meio da música,<br />
empunhando seu baixo – seja no Minutemen, no fIREHOSE, ao<br />
lado dos Stooges (foi com eles que conheceu o Brasil) ou nos<br />
milhares de projetos que manteve através dos anos. Quem<br />
assistiu ao belo documentário sobre o grupo, We Jam Econo,<br />
sabe que as três pessoas por trás do Minutemen, além de<br />
músicos incríveis, eram uma reunião extraordinária de seres<br />
humanos, e por isso mesmo fica fácil entender a depressão na<br />
qual o baixista entrou após a morte de D. Boon, guitarrista e<br />
vocalista do grupo e espécie de irmão de Mike Watt. O peso<br />
da influência e da amizade estabelecida com D. Boon se<br />
estende até hoje: Watt diz que tudo o que faz de alguma<br />
forma continua o que começou com o Minutemen!<br />
Na entrevista que se segue, feita por telefone, o bate-papo<br />
foi marcado por aquela camaradagem tão comum aos grandes<br />
nomes do punk americano, como Jello Biafra ou Ian Mackaye<br />
por exemplo. Aos 50 anos, Watt continua criando boa música<br />
em diversos projetos, dividindo seu tempo entre a prática de<br />
caiaque e passeios de bicicleta e se deliciando ao tocar com<br />
as pessoas que batem à sua porta, sejam eles músicos<br />
famosos ou simples trabalhadores das docas.<br />
Qual a sua idade e onde você nasceu?<br />
Eu tenho 50 anos e nasci na Virgínia, mas estou há 40 anos em San Pedro,<br />
Califórnia. Meu pai foi marinheiro durante a Guerra do Vietnã, então ele<br />
resolveu trazer a família toda para San Pedro porque geograficamente<br />
era mais próximo ao Vietnã.<br />
San Pedro continua sendo um bom lugar para morar e tocar?<br />
Veja bem, San Pedro fica 50 km ao sul de Hollywood e é o porto de Los<br />
Angeles, então só pelo fato de ser uma cidade que tem muita água e<br />
pouco cimento, com um clima relativamente agradável, já é muito bom<br />
viver por aqui. Continuo me divertindo muito tocando, sem contar que<br />
somos cercados por muitas cidades, então fica mais fácil excursionar pela<br />
região. Existe uma cena forte e recente bem interessante, de onde tem<br />
aparecido muita gente boa.<br />
Essa nova geração acaba trazendo motivação para você?<br />
Sim, totalmente! Pra você ter uma idéia, eu fui encontrar o baterista da<br />
minha banda (The Secondmen) no meio dessa molecada, e o cara é 20<br />
anos mais novo do que eu (risos). Eu adoro poder tocar com pessoas mais<br />
novas, sinto que posso ensiná-las algo e também receber algo novo em<br />
troca. A música nos separa por um imenso período de tempo, e é isso que<br />
torna o processo criativo interessante – se você ver bem a minha situação<br />
nos Stooges, eu sou o moleque ali (risos).<br />
E como é pra vocês do Stooges estar em turnê ou em fase de produção?<br />
Me parece que todos vocês estão bem distantes geograficamente, não?<br />
É meio louca esta história, porque cada um de nós está em uma cidade<br />
diferente, a gente acaba se encontrando nos aeroportos e tal (risos).<br />
O Iggy mora em Miami, Ron mora em Michigan, Scott mora no Sul da<br />
Flórida e Steve MacKay mora na Califórnia.<br />
E como foi o fato de ser convidado para tocar em uma banda que<br />
provavelmente tenha te motivado a fazer o que você faz hoje?<br />
Eu tinha só 16 anos quando ouvi Stooges pela primeira vez, e eles eram<br />
realmente o que você poderia imaginar de mais punk na época. Eu paro<br />
pra pensar nisso e é muito louca esta história toda. Sou muito feliz e grato<br />
de tocar com esses caras hoje em dia.
Mas você os conhecia pessoalmente?<br />
Sim. Eu já fiz um trabalho com o Ron Asheton – uma trilha-sonora para um<br />
filme chamado Velvet Goldmine, entramos em estúdio em NY por volta de<br />
1996, depois disso ficamos um tempo sem nos falar, acabei adoecendo<br />
bastante e já me dava por vencido. Quando melhorei, retomei as minhas<br />
atividades e decidi montar alguns projetos em que pudesse tocar músicas<br />
do Stooges. As primeiras pessoas com quem conversei foram o J. Mascis e<br />
o Emmett Murph [guitarrista e baterista do Dinossaur Jr.], daí começamos<br />
a fazer shows pela Costa Leste e Oeste dos Estados Unidos e montei uma<br />
outra banda também tocando Stooges com Stephen Perkins e Peter<br />
Distefano [guitarrista e baterista do Porno for Pyros, respectivamente].<br />
Nesse mesmo período, o J. Mascis estava lançando seu disco solo e ele<br />
pediu que eu o acompanhasse na turnê do disco, porque ele não queria<br />
cantar todas as músicas. Certo dia chegamos em Ann Harbor e J. Mascis<br />
pediu para que eu ligasse para o Ron, e ele veio a um show nosso e<br />
participou de uma jam. A partir daí, passamos a levar ele para todo canto<br />
(risos). Em 2002, [o guitarrista do Sonic Youth] Thurston Moore foi curador<br />
do [festival] All Tomorrow’s Parties em Los Angeles e convidou o Stooges<br />
para fazer um show. Na época, o Scott nem bateria tinha, estava vivendo<br />
dentro de uma van. Tivemos que alugar uma bateria pra ele. Depois disso,<br />
em 2003, o Iggy me ligou para fazermos mais alguns shows, e desde então<br />
nunca mais paramos.<br />
Em comparação às outras bandas que você teve antes, o Stooges é um<br />
projeto maior. Esse trabalho te consome muito tempo?<br />
Pelo contrário! O Stooges é uma banda que só toca em grandes festivais,<br />
então você já tem tudo preparado para acontecer, diferente de quando<br />
estou em turnê com o The Secondmen, onde viajamos em uma van por<br />
sessenta dias para fazer 65 shows (risos).<br />
Durante todo esse tempo, você tocou em diversas bandas, e me parece<br />
que logo após o fIREHOSE você vem se dedicando a projetos mais<br />
pessoais com amigos etc. Que importância tem o fato de estar sempre<br />
tocando com pessoas diferentes e não fazer parte de apenas uma banda?<br />
Olha, depois da morte do D.Boon, eu passei por uma fase muito difícil e<br />
dolorosa, e mesmo assim eu nunca considerei o fim absoluto do<br />
Minutemen. Foi aí que o Ed Crawford veio de Ohio e se juntou a mim e<br />
George Hurley para tocarmos, com o nome de fIREHOSE, o que na verdade<br />
era como uma continuação do Minutemen. Então depois do fIREHOSE eu<br />
decidi ter diferentes bandas de acordo com estilos e situações. Foi isso<br />
que aconteceu com o DOS (duo formado ao lado de Kira, sua ex-mulher e<br />
ex-Black Flag). Todo o meu respeito a Ed, George Hurley e a D.Boon, mas<br />
eu não poderia levar estes projetos paralelos sob o nome de Minutemen<br />
ou fIREHOSE, então procurei dar outros nomes a estes projetos.<br />
Como surgiu a idéia do Funori?<br />
Funori vive em Londres, mas é natural do Japão. Tudo começou pela<br />
internet – ela me mandou algumas músicas, que na verdade são ritmos<br />
bem tradicionais com os quais não estou familiarizado, para que eu<br />
colocasse linhas de baixo. Isso acaba sendo uma experiência e tanto, já<br />
que o baixo é um instrumento de infinitas possibilidades, e como eu não<br />
toco nenhum outro instrumento, tenho que explorá-lo cada vez mais.<br />
Eu vi que o Banyan está saindo para uma grande turnê agora...<br />
Realmente, não posso mais me dedicar tanto ao Banyan como<br />
antigamente. Estarei em turnê com o Stooges na mesma época, mas<br />
sempre que posso eu me junto a eles. Na verdade, Stephen Perkins é<br />
quem coordena este projeto.<br />
E sobre o DOS?<br />
Nós acabamos de gravar um disco novo e logo iremos sair em turnê<br />
também. Nós tocamos quando podemos e eu amo tocar com o DOS, é algo<br />
muito sólido para mim. O mais engraçado é ver que foi a minha banda<br />
mais longeva [o Minutemen durou 6 anos, o fIREHOSE 7 anos e meio, e o<br />
DOS 23 anos].<br />
Com quem você gostaria de desenvolver uma parceria?<br />
Um cara com quem eu gostaria muito de tocar é o Bob Mould [Husker Dü,<br />
Sugar], também tem o Curt Kirkwood [Meat Puppets], isso sem falar no<br />
Jello Biafra. Na verdade, Jello me convidou para tocar com ele no seu<br />
aniversário de 50 anos junto ao Melvins, que é uma banda com quem eu<br />
gostaria muito de tocar junto também.<br />
“...Eu acho que sempre devemos lidar com as situações de forma mais humilde,<br />
e fazer com que novas verdades acabem aparecendo...”<br />
Você ainda tem aquele estúdio em casa?<br />
Hoje em dia eu moro em um apartamento e tenho meu Pro Tools Studio,<br />
que é onde eu gravo minhas músicas, mas quando preciso de uma bateria<br />
ou tocar com alguém a casa ainda está lá.<br />
Você ainda recebe muita gente para tocar em casa?<br />
Sim! Ali eu já tenho tudo arrumado, bateria, amplificadores... Sempre<br />
acabam chegando pessoas de fora e tocando, eu gosto de acolher pessoas.<br />
San Pedro é uma cidade pequena, mas tem muita coisa legal pra se ver,<br />
muita natureza. Também toco com bastante gente aqui da minha cidade,<br />
e na maioria das vezes não precisa ser com pessoas famosas, tem muitas<br />
pessoas legais para tocar, tem o pessoal que trabalha aqui nas docas, é<br />
bem divertido.<br />
Vi um vídeo em que você toca com Ray Barbee e Chuck Treece [dois<br />
importantes skatistas/músicos da velha geração]...<br />
Pois é, o Ray Barbee vive em Long Beach e o Chuck Treece na Filadélfia.<br />
Eles estavam fazendo um programa de TV e vieram até minha casa. Eu já<br />
conhecia eles por serem skatistas, e o mais engraçado é eles dizerem que<br />
faziam sessions escutando músicas minhas (risos).<br />
Você até menciona skate no documentário We Jam Econo, sobre o<br />
Minutemen.<br />
Sim, eu sempre tive a certeza de que o skate e o punk caminham<br />
juntos. Um cara que eu conheço bem é o [pioneiro do skate] Tony Alva,<br />
que também sempre compartilhou dessa opinião, porque tanto no punk<br />
como no skate você não precisa ter muito dinheiro, acaba por criar
seu próprio estilo, e se você cair terá que se levantar. Ambos<br />
são muito faça-você-mesmo.<br />
Então o skate te influenciou de certa forma?<br />
Totalmente! Meu jeito de tocar baixo tem um pouco do que seria<br />
eu andando de skate (risos). Tenho os joelhos completamente<br />
zoados, e isso dificultou muito para que eu andasse de skate.<br />
Sem contar que naquela época a coisa era bem diferente, menos<br />
recursos etc.<br />
E o que mais te inspira hoje em dia?<br />
Eu acredito que todos os lugares aonde vou ainda me influenciam<br />
bastante. Isso é uma das coisas boas de estar em turnê, e acho<br />
que esse sentimento já me acompanha desde criança. Como sou<br />
filho de marinheiro, me lembro de que, quando meu pai chegava<br />
em casa, ele tinha várias histórias para contar sobre os lugares<br />
por onde passava. Ele também veio de uma cidadezinha pequena<br />
e acabou conhecendo o mundo através de um barco. Ele sempre<br />
me alertava para nunca servir a Marinha. Foi aí que decidi servir<br />
o punk rock e conhecer o mundo usando o meu baixo, ainda que<br />
seja dentro de uma van (risos).<br />
O senso de humor ou mesmo o sarcasmo são bem presentes na tua<br />
música desde o início, não?<br />
Eu acho que sempre devemos lidar com as situações de forma mais<br />
humilde, e fazer com que novas verdades acabem aparecendo. Tem muita<br />
merda acontecendo, e às vezes é preciso olhar para essas coisas como se<br />
elas fossem um tipo de piada, e fazer piada até sobre nós mesmos, porque<br />
existe muito orgulho e ódio espalhado por aí. Eu acho que usar o humor<br />
pode ser uma resposta para tais problemas, o humor pode te levar a coisas<br />
muito profundas, às quais o ódio jamais te levaria.<br />
É óbvia a importância que você dá ao fato de estar sempre tocando<br />
com pessoas, viajando, etc. Como você vê essa onda de informação<br />
através da internet? Me parece que muitas vezes a música em si acaba<br />
tornando-se um tanto abstrata. Você concorda com isso?<br />
Eu concordo plenamente com você, mas continuo achando que a internet<br />
é só um veículo de comunicação. As pessoas têm que continuar a ser<br />
criativas. A internet faz com que as coisas cheguem às pessoas com mais<br />
facilidade, mas nós temos que trazer coisas novas, coisas que as façam<br />
chorar e rir novamente – o que é o verdadeiro sentido da arte. A internet<br />
não é uma solução definitiva, é apenas uma ferramenta. É como você<br />
vencer as barreiras geográficas, que são simplesmente geográficas, mas,<br />
para além dela, também existem as barreiras políticas. A coisa vai além<br />
do que parece.<br />
É por isso que as pessoas andam trocando música em vez de apreciá-las?<br />
Eu acho que as pessoas continuam apreciando, mas menos do que<br />
antigamente. Isso também aconteceu na década de 1960, com a chegada<br />
das grandes arenas de shows, e aquilo foi uma merda.<br />
Como é sua relação com [o artista plástico criador de capas de discos<br />
de Minutemen, Black Flag, Sonic Youth e outros,] Raymond Pettibon?<br />
Raymond é um grande amigo. Nós nos conhecemos desde os primeiros<br />
Mike Watt desde<br />
o Minutemen à fase<br />
atual ao lado do<br />
Iggy Pop e The Stooges<br />
dias do punk. Na verdade, ele é meu<br />
melhor amigo hoje em dia, sem contar que<br />
é um ótimo artista, foi ele quem fez a capa<br />
de nosso primeiro disco, capas do Black<br />
Flag, e hoje em dia ele está em grandes<br />
galerias (risos). Mas ele nunca previu isso<br />
também, foi tudo por seu próprio mérito.<br />
Quais são seus projetos para o futuro?<br />
Logo estarei gravando com o The Secondmen,<br />
e depois um disco com o [artista solo<br />
do coletivo Quannum e tecladista do<br />
Beastie Boys] Money Mark, chamado Los<br />
Pumpkinheads..<br />
Saiba Mais<br />
www.hootpage.com<br />
www.myspace.com/wattfrompedro
Por Alexandre Charro e Rodrigo Brasil . Imagens divulgação<br />
Depois de 24 anos, como é a rotina de trabalhos<br />
do Yo La Tengo?<br />
Bom, tudo depende. Nós não temos uma rotina<br />
muito rígida. Atualmente, temos tocado<br />
bastante porque nesses últimos meses estamos<br />
trabalhando em uma trilha sonora.<br />
Enquanto estamos em casa, trabalhamos cinco<br />
dias por semana nesse projeto. Quando<br />
isso terminar, acho que vamos poder relaxar<br />
um pouco entre nossa agenda de shows. Nós<br />
tocamos muito ao vivo.<br />
E como é a diferença entre compor para um<br />
filme e para um disco do Yo La Tengo?<br />
O processo de uma trilha sonora sempre<br />
começa pelas idéias do diretor, que geralmente<br />
tem um pedaço bruto do filme com<br />
uma música temporária. Então ele nos mostra<br />
isso e fala porque gosta dessa música e por<br />
qual motivo ela foi escolhida. Você pega tudo<br />
isso, as emoções que ele descreveu, as qua-<br />
lidades desejáveis do tema provisório e só<br />
então colocamos nossas idéias e traçamos<br />
nosso ponto de partida. Tudo começa com a<br />
idéia do diretor, e não a nossa. É completamente<br />
diferente.<br />
Não sei se vocês viram os filmes em que trabalhamos,<br />
alguns têm um estilo parecido com<br />
o nosso, mas outros são muito diferentes,<br />
acabamos sendo guiados numa direção<br />
diferente. Nós não temos toda a liberdade,<br />
mas eu gosto disso. Se nós tivéssemos total<br />
liberdade nesse processo, estaríamos escrevendo<br />
nossas próprias canções para a banda.<br />
Eu acho interessante fazer coisas diferentes,<br />
nós nunca pensamos seriamente em tornar a<br />
banda maior que um trio, mas, ao mesmo<br />
tempo, quando temos a oportunidade de<br />
trabalhar com outras pessoas, é sempre muito<br />
excitante, e trabalhar com filmes é somente<br />
outra versão disso. De fato, ainda somos um<br />
trio, mas o aspecto de colaboração com<br />
“Holofotes<br />
Reversos”<br />
Qualquer indivíduo que simplesmente ouve ou tem acompanhado a trajetória musical do Yo La Tengo, em qualquer<br />
época da banda, pode imaginar que eles não parecem ser o tipo de pessoas que dão boas risadas, o que talvez seja uma<br />
condição existencial de algumas bandas indie rock. Por outro lado, neste caso, é incrível a seriedade e a consistência<br />
do seu trabalho musical. Depois de 24 anos de estrada, eles estão sempre ampliando seus horizontes musicais e ainda agradam<br />
os fãs mais fiéis. Desabafam em apresentações como as freewheelings, quando estão completamente abertos a interferências<br />
do público e a eventualidades, criando uma experiência musical de entretenimento singular e interessante, tanto para a banda<br />
como para o público. Outro ponto especial é o trabalho da banda compondo para o cinema, quando Ira Kaplan, Georgia Hubley<br />
e James McNew interpretam as imagens e as emoções dos personagens, criando e identificando poesia nessa arte. Em entrevista<br />
por telefone, falamos com Ira, cantor, multiinstrumentista e um dos fundadores da banda, sobre essas e outras questões. Falar<br />
não é um dos fortes da banda – o que realmente os interessa é fazer seu som. O que é muito admirável.<br />
pessoas que respeitamos é sempre fascinante<br />
e nos proporciona coisas novas, legais<br />
e interessantes...<br />
Sobre essas coisas diferentes que acabam se<br />
tornando interessantes, você pode falar um<br />
pouco sobre a turnê Freewheeling?<br />
Claro! Foi engraçado... No ano passado estávamos<br />
no fim de uma turnê e tínhamos<br />
alguns dias de folga em casa e um último<br />
show em Nova York. Então, fomos chamados<br />
para fazer um show numa universidade, e nos<br />
pediram para fazermos uma palestra e eu<br />
disse “sobre o que vocês estão falando?!” Eles<br />
disseram “bem, não precisa necessariamente<br />
ser uma palestra, mas vai acontecer em uma<br />
sala de palestras, pode ser algo diferente”.<br />
Ele disse que poderia ser como a gente<br />
quisesse. Então nós decidimos levar uma guitarra<br />
e alguns equipamentos e ver no que iria<br />
dar. Nós não sabíamos se seria uma boa ou má<br />
91
92<br />
idéia. A gente não fazia idéia de como as<br />
pessoas iriam responder. Não sei se vocês<br />
sabem também do programa de rádio na<br />
estação WFMU, mas foi algo parecido. Nesse<br />
programa, recebemos pedidos de músicas dos<br />
ouvintes e tocamos esses pedidos ao vivo.<br />
Em troca, os ouvintes faziam uma doação para<br />
a rádio. Como acontece no programa, não sabíamos<br />
o que viria na seqüência. A noção de<br />
estarmos completamente despreparados, falando<br />
de maneira que normalmente não falamos<br />
em público, é muito excitante e quase<br />
assustadora para nós. Foi uma coisa que ficou<br />
presa na nossa cabeça: “nossa, nós temos que<br />
fazer isso novamente!” E tivemos uma conversa<br />
com a nossa gravadora sobre o que eles<br />
queriam que fizéssemos, sobre o que nós gostaríamos<br />
de fazer, e shows como esse caíram<br />
como uma luva.<br />
E qual foi o tipo de perguntas que as<br />
pessoas faziam?<br />
Bem, isso variava completamente. Algumas<br />
vezes foram perguntas que estavam mais para<br />
piadas, você sabe... qualquer coisa do tipo<br />
“Quando você vai ao supermercado, escolhe<br />
papel ou plástico?” Piadas como essa. Muitas<br />
vezes as questões são pedidos de músicas.<br />
Você nunca sabe o que pode acontecer. E<br />
outra coisa é que nós nem sempre respondemos<br />
as perguntas honestamente. No fim das<br />
contas, nós estamos lá para entreter...<br />
Alguns dos principais filmes em<br />
que o YLT se envolveu:<br />
Shortbus .<br />
Dir. John Cameron Mitchell . EUA . 2006<br />
Old Joy .<br />
Dir. Kelly Reichardt . EUA . 2005<br />
JuneBug .<br />
Dir. Phil Morrison . EUA . 2005<br />
Game 6 .<br />
Dir. Michael Hoffman . EUA . 2005<br />
The Book Of Life .<br />
Dir. Hal Hartley . França . 1998<br />
E dependendo das perguntas que vocês me<br />
fizerem hoje, eu não vou responder honestamente<br />
também! (Risos contidos.)<br />
Ok, vou tomar cuidado então...<br />
Bem, nós dizemos o que queremos dizer.<br />
Toda noite, mesmo que as pessoas fizessem<br />
perguntas similares nem sempre as<br />
respostas eram as mesmas, então cada<br />
show era completamente diferente. Nós<br />
tocamos músicas que nunca tínhamos tocado<br />
antes. A gente aprendeu coisas novas<br />
sobre algumas cidades. Quando tocamos<br />
em Birmingham, Alabama, aprendemos uma<br />
música do Sex Clark’s Five, que é do<br />
Alabama, coisas como essas...<br />
Vocês têm planos de continuar fazendo isso?<br />
Nós vamos fazer isso pela primeira vez<br />
no exterior agora em junho, vamos pra<br />
Barcelona na próxima semana. É muito<br />
interessante porque acabamos falando muito<br />
e só espero que as pessoas possam<br />
entender o que estamos falando, vamos ver<br />
o que vai acontecer.<br />
“... nós estamos lá para entreter...<br />
E dependendo das perguntas que<br />
vocês me fizerem hoje, eu não vou<br />
responder honestamente...”<br />
Deve ser um show num lugar pequeno,<br />
certo?<br />
É, a freewheeling acontece em lugares menores.<br />
A maioria das apresentações que vocês<br />
tem feito são em lugares menores ou grandes<br />
festivais?<br />
Bem, isso varia bastante. Nós temos feitos<br />
muitas apresentações no estilo da<br />
Freewheeling, mas a maioria dos shows<br />
de rock que fazemos são em grandes<br />
festivais. Para esse mês, nós já temos<br />
três shows grandes planejados. Às vezes<br />
acontece ao contrário.<br />
E sobre seu DJ Set na rádio WFMU, o que<br />
te move a fazer isso?<br />
Estou surpreso de você me perguntar isso...<br />
Sabe quando você coloca um som depois de
“...Eu não costumo pensar<br />
em questões como essa, sobre<br />
o que faz uma banda ser<br />
relevante pra mim...”<br />
outro em sua casa, como um DJ particular?<br />
É assim que funciona. Eu tenho um monte de<br />
discos em casa, e quando alguém da rádio<br />
sugeriu que eu podia fazer isso, perguntei<br />
“Sério? você está brincando?(Risos) Porque<br />
eu acharia demais!” Foi assim que rolou,<br />
acho que já fiz isso umas onze ou doze vezes<br />
este ano.<br />
E o programa é bem cedo, não é? Começa às<br />
seis da manhã?<br />
O programa das seis da manhã é uma<br />
exceção, é sempre pré-gravado, porque é<br />
para a internet, então você não precisa<br />
fazer ao vivo. Rolou um durante uma maratona<br />
que é feita para arrecadar fundos<br />
para a rádio. Nesse programa, as pessoas<br />
ligam para fazer doações, então esse teve<br />
que ser feito ao vivo. Acabei de fazer um<br />
nessa quarta, mas esse foi pré-gravado numa<br />
hora mais decente.<br />
Você é fã da rádio?<br />
Ah, sou! Claro!<br />
Yo La Tengo . 2007<br />
Vocês também participaram de um show<br />
para arrecadar fundos para o clube Tonic<br />
em NY, certo? Vocês fazem os shows beneficentes<br />
de Hanukkah também...<br />
Bem, foi uma pena que o Tonic teve que<br />
fechar, era um lugar único para shows em NY,<br />
todo mundo reclama que a cidade está<br />
mudando pra pior, uma coisa que teve muita<br />
publicidade foi o fim do CBGB’s, até me deu<br />
um pouco de pena, mas na verdade, não; o<br />
CBGB’s, aberto ou não, havia deixado de fazer<br />
parte da minha vida, ou de qualquer outra<br />
pessoa que conheço, há muito tempo. As<br />
bandas que tocavam lá não me interessavam<br />
mais. Nos últimos seis anos fui lá no máximo<br />
duas vezes, pra mim o lugar já tinha fechado.<br />
Mas o Tonic tinha uma vibração própria,<br />
diferente de qualquer outro lugar que havia<br />
em NY, então quando eles enfrentaram pro-<br />
blemas eu quis ajudar da melhor maneira<br />
possível, foi até um pouco egoísta, queria que<br />
o lugar tivesse continuado funcionando.<br />
Os shows de Hanukkah são um pouco diferentes,<br />
mas começou como uma coisa que<br />
era para ser em parte engraçada, e também<br />
como um desafio para a banda. Tocar oito<br />
noites seguidas é bem excitante. Alguns shows<br />
são para arrecadar fundos. Primeiro porque<br />
é muito prazeroso ajudar quem precisa,<br />
segundo porque não teríamos como pagar<br />
algumas bandas que participaram da coisa.<br />
Os shows são meio espetaculares. Nunca poderíamos<br />
pagar um valor justo para as pessoas,<br />
então fica mais fácil dizer “nós não<br />
vamos receber, vocês também não receberão”.<br />
É justo, funciona pra todo mundo, o<br />
dinheiro vai para uma boa causa. O Calexico<br />
já abriu pra gente, o Tortoise também. São<br />
bandas que devem ser a atração principal de<br />
uma noite. Isso só funciona se for beneficente.<br />
Vocês gravaram isso?<br />
Gravamos informalmente, gravamos muito<br />
shows, mas ainda não passou pela nossa<br />
cabeça lançar nada com esse material.<br />
Em meio às milhares de bandas que surgem<br />
todo dia, o que para você torna uma banda<br />
relevante?<br />
Eu não costumo pensar em questões como<br />
essa, sobre o que faz uma banda ser relevante<br />
pra mim... É que nem a coisa de tocar na<br />
rádio, provavelmente isso me engajou mais<br />
em ouvir música do que nos dois anos anteriores,<br />
mas acho tudo relevante, não me<br />
importa se é atual ou não, eu não dou a<br />
mínima pra isso. Acabei de comprar um disco<br />
com músicas dos anos 1960, de um grupo de<br />
artistas do NY Brill Building... Carole King,<br />
Barry Mann, Ellie Greenwich.<br />
Então você prefere os antigos...<br />
É, me identifico mais...<br />
Saiba Mais<br />
www.myspace.com/yolatengo<br />
www.yolatengo.com<br />
93
Formado por um casal de melhores amigos<br />
– Rob Barber e Mary Pearson –, o<br />
duo do Brooklyn High Places se encontra<br />
às vésperas de lançar seu disco de<br />
estréia pelo selo Thrill Jockey, de Chicago.<br />
Pela primeira vez ao longo de sua existência,<br />
eles se deparam com uma nova e diferente<br />
realidade: cresceram e estão saindo de casa.<br />
Os dois se conheceram através de um<br />
amigo em comum que tocava na banda The<br />
Death Set. Rob morava em Nova York e Mary<br />
em Michigan, e a atração foi<br />
imediata: “A Mary tem o mesmo<br />
entusiasmo pela vida que<br />
eu tenho, daí começamos a nos<br />
falar direto. Depois de alguns<br />
meses ela se mudou para cá e<br />
começamos a banda”, diz Rob.<br />
No primeiro momento, gravaram<br />
um CD-R demo de seis<br />
músicas e seguiram rumo à<br />
Costa Oeste, para o que se tor-<br />
nou a primeira turnê da dupla.<br />
“A gente só queria viajar<br />
e fazer a música que naturalmente<br />
fazemos quando<br />
colaboramos. Não idealizamos<br />
nada. Não sabíamos<br />
o que queríamos<br />
fazer da vida”, constata<br />
Mary.<br />
De maneira despretensiosa, eles selecionaram<br />
algumas músicas que haviam sido<br />
previamente lançadas em 7”, fora de catálogo,<br />
e em algumas coletâneas. Disponibilizaram<br />
esse material em formato digital<br />
pelo site Emusic. “Foi uma surpresa agradável.<br />
A gente não tinha idéia de como a<br />
coisa ia rolar. Pensamos que cinco, dez<br />
pessoas no máximo, fariam <strong>download</strong> daquilo”,<br />
declara Mary. No final das contas a<br />
coletânea recebeu boas críticas e alguns<br />
milhares de <strong>download</strong>s foram realizados,<br />
pegando os dois de surpresa.<br />
Em relação à música, Mary e Rob recorrem<br />
ao loft aonde vivem e se utilizam de<br />
gravador, tambores, guitarra, banjo, violão<br />
de doze cordas e alguns instrumentos de<br />
percussão, que, após serem fortemente manipulados,<br />
são agrupados em diversas camadas<br />
sonoras. Sobrepostas, elas dão vida a<br />
ritmos tribais hipnóticos, e, até certo ponto,<br />
dançantes. As letras são inocentes e<br />
vão desde cartas de amor a<br />
desculpas às espécies ameaçadas<br />
de extinção. Os vocais estão imersos no<br />
som, e não acima do mesmo.<br />
Em suas apresentações, Rob faz uso de<br />
bateria eletrônica e máquina de samplers,<br />
Por Alexandre Charro e Rodrigo Brasil . Imagem divulgação<br />
enquanto Mary recita as letras e cuida de<br />
alguns elementos percussivos. Ao mesmo<br />
tempo em que a utilização dos samplers<br />
dá maior flexibilidade e liberdade para a<br />
dupla, enxergar o que realmente está acontecendo<br />
por trás da execução musical se<br />
torna uma tarefa que exige boa vontade,<br />
o que não é um problema para os dois, como<br />
diz Mary: “Achamos que as pessoas já<br />
viram muitas guitarras em cima dos palcos.<br />
Então tudo bem se algo disso estiver por<br />
trás da cena. Isso nos liberta para fazer<br />
outras coisas, como tocar percussão ao vivo,<br />
por exemplo.”<br />
Com a maior visibilidade que a banda<br />
vem ganhando, fica impossível não acontecerem<br />
mudanças substanciais no seu co-<br />
tidiano, o que causa desconforto: “O High<br />
Places até hoje significa Mary e Rob, nossa<br />
amizade, o loft em que moramos e todo o<br />
tempo que passamos juntos. É um pouco<br />
estranho pensar que existem outras pessoas<br />
tomando decisões por nós. Acabamos de<br />
conseguir uma pessoa que cuida da nossa<br />
agenda de shows, isso ajuda um pouco, mas<br />
estamos um pouco tristes de termos parado<br />
de marcar nossas turnês e shows nós<br />
mesmos. Tentamos responder a todos emails<br />
que recebemos, precisamos focar na<br />
música, mas a possibilidade<br />
de perder uma mensagem<br />
gera um certo estresse.”<br />
Essa preocupação pode<br />
ser explicada pelo fato de<br />
a dupla encontrar o prazer<br />
em pequenas coisas, seja<br />
no desejo de nadar ou fazer<br />
caminhadas, ou no reco-<br />
nhecimento de crianças de<br />
uma escola primária: “Fizemos<br />
três sets seguidos<br />
para crianças de diferentes<br />
grupos de idade,<br />
foi bem louco! Fizemos<br />
uma música que virou<br />
o hino do colégio<br />
deles nesse ano”, diz Rob.<br />
Mary completa: “Eles moram<br />
numa cidade bem pequena,<br />
e são bem diferentes das crianças<br />
que vejo em Manhattan todos os dias. Talvez<br />
um pouco mais protegidos, talvez mais<br />
fáceis de impressionar com caixas de som<br />
bem grandes. Eles escreveram um monte de<br />
cartas de agradecimento pra gente, eu dei<br />
um monte de autógrafos! Foi tão doce…”<br />
Para ver e ouvir<br />
hellohighplaces.blogspot.com<br />
www.myspace.com/hellohighplaces<br />
Contatos<br />
www.thrilljockey.com<br />
95
+REVIEWS<br />
96<br />
Lie in the Light .<br />
Bonnie “Prince” Billy<br />
Drag City . 2008<br />
Nos anos 1980, existia<br />
uma expressão muito comum<br />
para caracterizar um disco que causava uma<br />
impressão forte em quem o escutava: clássico instantâneo.<br />
O passar dos anos e o uso abusivo dessa expressão<br />
deram a ela um gosto meio empoeirado.<br />
Afinal, eram tantos clássicos que surgiam em uma semana<br />
e logo depois iam embora que ficou difícil acreditar<br />
na existência de álbuns tão marcantes como Lie<br />
Down the Light, recém lançado por Bonnie “Prince”<br />
Billy. O artista, que também responde pelo nome de<br />
Will Oldham, conseguiu superar o disco anterior (“The<br />
Letting Go”) com fórmula parecida: arranjos grandiosos,<br />
letras e melodias lindas e longe de serem fáceis.<br />
Pra quem trilha um caminho parecido com o dele,<br />
da música do interior dos Estados Unidos, aparecer<br />
com uma coisa nova, tão pessoal e original, parece<br />
difícil. Sobretudo quando inovação não diz respeito à<br />
adesão a gêneros ou equipamentos da moda, mas a<br />
uma nova forma de ver o mundo e a arte. Em músicas<br />
como “You Remind Me of Something”, ele repisa no<br />
estilo balada country, mas carrega na tensão. Tem<br />
alguma coisa nova lá, não dá pra entender até<br />
escutarmos melhor. E não é à toa: ele faz tudo,<br />
menos querer soar como um cantor dos anos 1960 ou<br />
70. Ao mesmo tempo em que lembra de algo que faz<br />
parte dele (as referências à mãe são demais), não<br />
perde a oportunidade de cantar uma canção que fala<br />
de seus amores e de seus sonhos de agora – e que não<br />
acaba nunca. Um passado perene.<br />
O forte do disco, em seus arranjos e melodias,<br />
é tratar do mundo atual sem se desapegar da<br />
tradição. Dialoga com R. Kelly (que tem uma canção<br />
com o mesmo título) e com a música tradicional<br />
norte-americana. Bonnie “Prince” Billy já é um<br />
artista com longa carreira (desde os anos 1990, com<br />
os projetos Palace), mas ainda é quem tem mais<br />
coisas a falar sobre onde vivemos, sem se preocupar<br />
a aderir a gêneros ou a estilos pré-determinados.<br />
Por Lauro Mesquita<br />
Pastiche Nagô . Kiko Dinucci e Bando<br />
Afromacarrônico<br />
Desmonta . 2008<br />
O disco abre com algo que poderia ser uma salsa. Chega o<br />
cavaquinho cortando toda a canção. As vozes conferem uma<br />
doçura, e a letra deixa bem claras as predileções temáticas e<br />
estilísticas do jovem sambista Kiko Dinucci: “Malunga, Água-de-Briga, Marafo, Maria<br />
Branca/ Montuava na subida e três tombo na barranca”. “Engasga Gato”, a faixa de<br />
abertura, põe o sambista em lugar nobre: ao lado daqueles que não têm medo de levar<br />
o samba pra frente, sem reverência excessiva ao passado e ao mesmo tempo marcando<br />
território e respeitando os limites de certa tradição do samba. E qual é essa tradição? A<br />
dos afro-sambas de Baden Powell. O disco comporta um frescor, carregado da<br />
africanidade esperada de alguém que explora a tradição religiosa nagô, aliada a certo<br />
estilo cronístico que faz com que o trabalho dialogue diretamente com o melhor do<br />
samba paulistano. E, ao arquitetar expressões retiradas do vernáculo popular, rende<br />
homenagem ao grande escritor João Antonio. Posso estar exagerando, mas a canção<br />
“Rainha das Cabeças”, composta por Kiko e Douglas Germano – seu contumaz parceiro<br />
e talento digno de nota – é um clássico instantâneo. O violão de Kiko comporta um lado<br />
percussivo determinante à estética do álbum, latente em uma faixa mais lírica como<br />
“Ressurreição”, e é certamente o traço de personalidade marcante do trabalho. A<br />
percussão de Julio César, aliada aos vocais inequívocos de Dulce Monteiro e Railídia,<br />
potencializam a singularidade deste álbum – primeiro grande lançamento nacional de<br />
2008. Junto ao álbum, vem como bônus o primeiro EP do grupo, de 2007, devidamente<br />
remasterizado. O que intriga, já que os elementos distintivos do grupo já estavam<br />
naquele EP, é a quase nula repercussão do mesmo. Por Arthur Dantas<br />
Underworld . Kaz<br />
Zarabatana Books . 2008<br />
Kaz é, assim como um Charles Burns ou um Schiavon<br />
no Brasil, um artista cult entre aqueles cujas predileções<br />
estão no lado negro da força. Não à toa, há comentários<br />
de Art Spiegelman e Daniel Clowes na contracapa da edição nacional de suas tiras. No<br />
início da década de 90, Kaz criou a tirinha semanal conhecida como Underworld, um<br />
exercício estilístico com quarenta graus de febre, pesando nas tintas e em elementos<br />
estabelecidos em tiras clássicas estadunidenses, como Krazy Kat, Dick Tracy, Popeye<br />
e nos desenhos Looney Tunes. De certa forma, esteticamente, o trabalho de Kaz é<br />
pouco requintado, muito mais preocupado em render loas aos mestres do passado do<br />
que em criar algo novo. É na temática que ele surpreende. A impressão corriqueira é<br />
que o autor começa a história de onde os outros pararam, observando tudo de um<br />
ângulo sujo e nonsense, sem espaço para moral de história ou conclusões edificantes.<br />
E assim, com seus personagens estranhos, violentamente patéticos e psicóticos, Kaz,<br />
após oito livros publicados, é um dos queridinhos da crítica nos EUA e tem tudo para<br />
conquistar os leitores daqui, cansados da caretice reinante. Por Arthur Dantas
Grand Theft Auto 4<br />
PS3/XBOX 360 . 2008<br />
Ok, você já deve ter ouvido que esse é o melhor jogo de 2008. E, para quem curte esse tipo de jogo, é sim! Ele tem tudo:<br />
uma boa história, trilha sonora variada, gráficos fora do comum e muita ação. Se você jogou algum GTA, sabe do que eu<br />
estou falando. É um jogo para você desaparecer de baladas, reuniões de trabalho, almoços com os pais, essas coisas. Porém,<br />
não é um jogo 100% em tudo. Antes que vocês me matem, aí vão minhas duas reclamações:<br />
1. A apresentação demora muito, e toda vez que você vai jogar tem que ver!<br />
2. Mesma história de sempre. Vai lá, mata alguém. Volta, mata alguém. Vai pra esquerda, mata alguém. Rouba um carro,<br />
mata alguém. Leva alguém para passear, mata alguém. Foge da polícia, mata alguém...<br />
Eu sei , é o estilo do jogo (depois do GTA, 70% dos outros jogos copiaram esse estilo), o problema é que, depois de fazer trinta vezes a mesma coisa, com<br />
o mapa gigante que o jogo tem, você não agüenta mais ouvir as rádios, fica de saco cheio de andar pela rua e quer chegar logo nas missões. Mas, se você<br />
tem paciência, a diversão é garantida.<br />
E o que o jogo tem de legal? Tudo. Sim, o cenário é muito foda, as rádios de rock, música eletrônica, rap, dub, jazz, etc. A história do jogo é muito<br />
legal, e a novidade é que você agora pode jogar multiplayer. Na história você encarna Niko Belic, que chegou da Europa clandestinamente, para fugir do<br />
seu passado e conseguir fazer fortuna em Liberty City – se você achar a cidade a cara de Nova York, nem esquenta, ela foi construída baseada em NY – só<br />
que para isso você vai ter que trabalhar para o submundo do crime. Já viu, né? GTA 4 é sim um dos melhores jogos de 2008, é um Second Life para quem<br />
quer brincar de bandido... Por Breno Tamura
98<br />
+REVIEWS<br />
King Kong e Cervejas .<br />
Fabrício Corsaletti<br />
Companhia das Letras . 2008<br />
Banalidade e rotina. Esses são os elementos<br />
fundamentais do livro de estréia<br />
na prosa do até então poeta Fabrício<br />
Corsaletti. Os contos desta brilhante<br />
radiografia da juventude no interior do<br />
país não cedem à nostalgia, de um lado, e nem à catarse dramática,<br />
de outro. O trunfo do autor é criar um narrador que vive<br />
em eterno descompasso com o resto da turma. Não porque tenha<br />
uma postura blasé ou se considere melhor que os outros; ele<br />
simplesmente demora a entender o que se passa ao seu redor,<br />
como se a morosidade da vida vivida tivesse encarnado nele.<br />
Obviamente, por trás dessa fachada prosaica, há a mão firme e<br />
certeira de um autor que dá dimensão plena às frases e que revela<br />
um trabalho muito esmerado de linguagem, que contempla o que<br />
se espera de um raciocínio de um jovem (o narrador do livro), mas<br />
revela a acuidade na percepção das pequenas coisas, tão presente<br />
na poesia de Corsaletti. Em um conto, o narrador, ao apanhar de<br />
um colega valentão, lança uma frase patética cheia de fúria:<br />
“Eu vou inventar uma luta!” No conto, os amigos caem na<br />
gargalhada. Na vida real, a luta inventada por Corsaletti – sua<br />
ficção – só merece aplausos. Por Arthur Dantas<br />
Corto Maltese – As Etiópicas . Hugo Pratt<br />
Pixel Media . 2008<br />
At Mount Zoomer . Wolf Parade<br />
Sub Pop . 2008<br />
Após seu disco de estréia, Apologies to the<br />
Queen Mary, a dupla – formada pelo vocalista e<br />
tecladista Spencer Krug e Dan Boeckner,<br />
vocalista e guitarrista –, chegou a escrever quatro ou cinco faixas novas<br />
que supostamente fariam parte do novo trabalho do Wolf Parade.<br />
Descontentes com o material, que julgaram muito parecido com o que já<br />
havia sido feito em Apologies..., resolveram jogar tudo no lixo. Segundo<br />
eles, uma das coisas mais fáceis de fazer seria continuar na mesma linha<br />
do seu primeiro disco, mas, comprometidos com a tarefa de criar algo<br />
novo, seguiram para um período de experimentação numa igreja de<br />
Montreal, de propriedade do Arcade Fire.<br />
O resultado dessas sessões originou At Mount Zoomer, novo disco da<br />
banda. Ao contrário do que aconteceu no álbum anterior, em que os<br />
diferentes estilos dos dois compositores nem colidiram nem se fundiram,<br />
desta vez a questão autoral das músicas deixou de ser fato relevante,<br />
pois, acima de qualquer coisa, nos deparamos com músicas do Wolf<br />
Parade. Exemplo disso pode ser ouvido na faixa “Language City”, escrita<br />
por Dan, onde o piano é veículo para o refrão: All this working/ Just to<br />
tear it down. E não importa quantos projetos essa banda venha a revelar<br />
num futuro próximo, as canções deste disco devem ficar entre nós por<br />
um bom tempo, quem sabe alguns meses. Por Rodrigo Brasil<br />
Muito antes de o multiculturalismo virar uma tendência intelectual chique, do surgimento do rótulo world music, ou, mais<br />
recentemente, música global, havia um artista das histórias em quadrinhos que encarnava as premissas de um mundo sem<br />
fronteiras, onde haveria respeito e entendimento entre as várias culturas e especificidades locais. O autor é Hugo Pratt, e<br />
o personagem apátrida e libertário (alter-ego do autor) é o marinheiro bon vivant Corto Maltese. As Etiópicas, quarto álbum<br />
da série, apresenta as aventuras do marinheiro na África Oriental, durante o período do colonialismo europeu, imediatamente<br />
no pós-Primeira Guerra Mundial. Há ali as ponderações de Corto sobre a inutilidade das guerras, o misticismo de um continente mágico (Pratt<br />
ama e sabe como poucos enaltecer o que é próprio de um povo), os amores na contramão de Corto, lutas fatais, há morte e há alegria. Enfim: toda<br />
história de Pratt é um elogio à vida. Seu estilo é devedor dos grandes clássicos das HQs, seguindo os passos de autores como Milton Caniff e Alex<br />
Raymond, por exemplo. Seus desenhos em preto-e-branco são carregados de dramaticidade, cada quadro expande o texto e guarda um sentimento<br />
muito vivaz. Os personagens de Pratt têm uma atração irresistível pela aventura, não conseguem escapar de confusões e situações arriscadas, e as<br />
paixões são sempre temerárias: em uma passagem do álbum anterior, Corto pergunta diretamente ao leitor “Por que eu sempre me apaixono pelas<br />
mulheres que estão do lado errado?” Ainda que Pratt seja um dos quadrinistas mais eruditos de toda a história, carregava consigo uma paixão pela<br />
HQ de aventura que torna suas histórias sempre acessíveis. Tal qual uma droga, quem se aventura por seus álbuns dificilmente pára por aí; acaba<br />
sempre querendo mais e mais. Por isso, se quiser ler ao menos um grande álbum de HQ em sua vida, escolha Corto Maltese. Por Arthur Dantas
Daniel Cacciatore<br />
Dead Kennedys é uma banda que eu curto<br />
desde meus 11 anos, e as letras do Jello Biafra me<br />
ensinaram mais sobre politica do que qualquer livro<br />
ou filme. Quando eu li a entrevista dele para o<br />
André Barcinski no Noticias Populares (depois<br />
publicada no livro Barulho) em que ele perguntava<br />
sobre o Collor e sobre a Globo eu imaginei como seria<br />
se o Dead Kennedys fizesse um disco sobre o Brasil<br />
falando dos nossos problemas politicos, sociais,<br />
educacionais etc...<br />
99
+QUEM SOMA . Bruno Kaskata . Por Renato Silva<br />
100<br />
vezes eu me sinto um alien<br />
por trabalhar de maneira tão “Às<br />
solitária.” Essa frase não deveria<br />
soar estranha, se não fosse extraída da<br />
fala de Bruno “Kaskata” Lancellotti, jornalista<br />
formado pela Faculdade Casper Líbero<br />
de São Paulo, 30 anos – treze dos quais dedicados<br />
a promover o ska no país – e dono do<br />
selo Radiola Records.<br />
Por tudo que realizou em sua curta trajetória,<br />
chega a espantar essa carga de decepção<br />
naquele que é o responsável por<br />
agradáveis surpresas no que se refere ao<br />
lançamento no Brasil de artistas emblemáticos<br />
ligados à música jamaicana, e, para a<br />
nossa alegria, da vinda de muitos desses ao<br />
país. Numa dessas manhãs sufocantes de céu<br />
por entre os tons de cinza e marrom, sou<br />
convidado a me sentar num aconchegante<br />
sofá de sua casa, onde vive com a mãe. Sou<br />
recebido com a simplicidade com a qual o Sr.<br />
“Kaskata” conduz o seu trabalho.<br />
Conversamos sobre o surgimento do ska no<br />
Brasil e também sobre o fato de artistas bra-<br />
sileiros terem feito versões do gênero na<br />
Jovem Guarda. “O ska pintou por aqui acidentalmente<br />
nos anos sessenta, e a geração<br />
da Jovem Guarda não tinha idéia de que<br />
‘Shame e Scandal’, regravada por Renato e<br />
seus Blue Caps ou ‘My Boy Lollypop’ na versão<br />
da Wanderléia eram ska e rocksteady.”<br />
Questiono uma possível responsabilidade dos<br />
Paralamas do Sucesso em divulgar de fato o<br />
ska no país. “Não, não! O ska de fato foi<br />
divulgado no início dos anos noventa”, afirma,<br />
categórico. Sem deixar espaço para<br />
réplicas, continua: “Toda a informação que<br />
saiu dos Estados Unidos, da Europa, chegou<br />
aqui na mesma época em que chegava à<br />
América Latina, e havia três grandes bandas<br />
no continente com um som influenciado pelo<br />
ska: o Desordem Público da Venezuela, os<br />
Fabulosos Cadilacs da Argentina e os Paralamas.<br />
No caso do Paralamas, aqui se<br />
vendeu como rock brasileiro e não importava<br />
se era punk ou o que seja. A única banda<br />
brasileira que marcava essas características<br />
na época era o Kongo, do Rio.”<br />
Bruno não faz rodeios quando se trata de<br />
suas escolhas e trabalhos, um cara “sem<br />
ideinhas”, como disse Frederico Finelli, dono<br />
da Submarine Records, num elogio que acaba<br />
sendo retribuído pelo amigo quando perguntado<br />
sobre quem no Brasil faz um trabalho<br />
sério e independente. “Um exemplo de cara<br />
sério, que trabalha com integridade. Um cara<br />
que sabe muito bem trabalhar no equilíbrio<br />
entre o que pode e gostaria de fazer e o que<br />
pode realizar, diz Kaskata.”<br />
A Radiola Records, selo do qual é o dono e<br />
que trabalha com o ska e todas as suas vertentes,<br />
é um exemplo de profissionalismo<br />
dentro do mercado independente. Tocando a<br />
empreitada juntamente com Rodrigo Cerqueira,<br />
que integra o grupo Firebug, Bruno<br />
sabe escolher aqueles que quer representar<br />
em sua gravadora, em que a música jamaicana<br />
é o foco. “Meu sonho é poder um dia<br />
organizar melhor a Radiola, estabelecer metas<br />
e cumpri-las de maneira que eu não me<br />
canse tanto.” O mercado independente do<br />
país apresenta resultados pouco gratifican-
tes para quem produz e, na maioria das<br />
vezes, para quem usufrui da produção e dos<br />
frutos por essa gerados.<br />
O trabalho desenvolvido pela Radiola,<br />
apesar de sua relevância dentro do mercado<br />
atual, infelizmente é pouco reconhecido fora<br />
do meio independente. Nada de novo, se relacionarmos<br />
o fato a esse estagnado mercado<br />
musical brasileiro, onde somente os que<br />
se esforçam ao limite do absurdo realizam<br />
façanhas como o festival Sonhos de Uma<br />
Noite de Verão, produzido por Bruno e que<br />
reuniu nos anos de 2006 e 2007 em São Paulo<br />
um pouco da nata do ska e do rocksteady.<br />
A paixão pelo gênero se deu no início dos<br />
anos 1990. “Meu primo, Rica Caveman era<br />
vocalista do Nomad, uma das bandas mais<br />
bacanas do reggae paulistano nos anos 90.<br />
Ele foi pioneiro no dancehall por aqui e ainda<br />
hoje segue participando de shows com a<br />
galera da nova geração. O irmão dele tocava<br />
teclado e hoje é repórter da ESPN Brasil.<br />
Foi ele quem me mostrou pela primeira vez<br />
um LP da Studio One, justamente o Ska<br />
Authentic, dos Skatalites. Mas atribuo a<br />
descoberta e o entendimento do que era o<br />
Ska a um outro primo, ligado ao punk. Quando<br />
ele apareceu com um álbum do Dead<br />
Kennedys é que eu quis ir atrás de música na<br />
galeria do rock.” Essa descoberta rendeu<br />
vários frutos. O primeiro deles foi o zine<br />
Kaskata. Já no final da década, viria o<br />
trabalho que lhe trouxe maior reconhecimento<br />
e, em suas próprias palavras, o que<br />
mais lhe agradou: o “Skabadabadoo!” na<br />
Brasil 2000 FM, de 1997 a 2002.<br />
Kaskata é um apelido que carrega da<br />
época da Brasil 2000. “Éramos eu e outro<br />
cara fazendo o programa, e a rádio pediu um<br />
codinome para os dois. Eles sugeriram o<br />
Kaskata por conta do fanzine e também pela<br />
sonoridade da palavra. O engraçado foi que<br />
pro outro cara, que era um japonês, deram o<br />
codinome de ‘Alemão’(risos).” Sobre o papel<br />
da mídia na divulgação do ska, Bruno solta o<br />
verbo. “Não posso negar que existe uma<br />
bronca com relação à maneira com que a<br />
imprensa trata das coisas. Isso me frustra<br />
demais. Sou jornalista também e sei bem<br />
como funcionam as coisas, como é a cadeia<br />
de prioridades dentro de uma empresa de<br />
comunicação.”<br />
A inquietude perene de Kaskata é latente.<br />
Os rumos a serem tomados, principalmente<br />
se o acaso bater em sua porta e uma possível<br />
mudança se fizer necessária, em direção<br />
àquela que é a sua carreira de origem, não<br />
parecem incomodá-lo muito. Ele busca seus<br />
sonhos e os coloca como prioridades. “Sou um<br />
cara que aprendeu a pensar na faculdade de<br />
jornalismo, mas deixei a CBN pra depois.<br />
Estou bastante longe de conseguir<br />
minha independência financeira. Ainda<br />
moro com minha mãe, minhas coisas<br />
estão todas entulhadas aqui, tenho<br />
minhas contas a pagar. Mas eu tenho<br />
sorte de ser um cara bem instruído,<br />
que não vai ficar na rua caso as coisas<br />
dêem errado.” <br />
Saiba Mais<br />
www.radiolarecords.com.br<br />
Matéria completa em www.maissoma.com<br />
101
Oi, Velocidade<br />
. Por Gustavo Mini<br />
Um dos clichês mais comuns que se ouve em<br />
elevadores e restaurantes a quilo é ouvir comentários<br />
sobre como “as coisas estão<br />
aceleradas”: o ano passa mais rápido, as crianças<br />
crescem mais rápido, os carros correm mais rápido,<br />
os computadores estão mais rápidos, os celulares<br />
ficam descartáveis mais rápido, as bandas surgem e<br />
somem mais rápido, as tendências brotam e se<br />
dissolvem mais rápido.<br />
Pois é. Estamos correndo tanto que não é preciso<br />
nem mesmo correr para estar rápido. Mesmo quem<br />
está chapado na cama, vendo televisão e ouvindo<br />
vinil com um celular de 2005 que só manda e recebe<br />
mensagens, está correndo. Qualquer um que hoje<br />
fique parado no seu lugar está indo mais rápido do<br />
que seus antepassados recentes. Não tem jeito.<br />
Estamos dentro de um trem bala e ninguém ousaria<br />
puxar a cordinha do freio de emergência. Isso<br />
afetaria de modo irreversível o lançamento do<br />
próximo iPhone.<br />
Existe uma série de explicações para esse fenômeno.<br />
Elas podem vir com o viés da economia, da<br />
tecnologia, da biologia, da física ou da história.<br />
Como eu não domino nenhuma dessas disciplinas e<br />
nem li Paul Virilio (considerado o filósofo da velocidade),<br />
tive que inventar minha própria tese.<br />
A velocidade tonteia, mas também dá<br />
barato. Oferece uma sensação maior de suposta<br />
solidez dos nossos mundos interno e externo. É a<br />
vida feito flip-book: se continuarmos folheando<br />
rapidamente, poderemos ver nossa história se<br />
desenrolar. Se pararmos, só sobrarão desenhos<br />
estáticos em seqüência – uma série de fotogramas<br />
pintados à mão que, pausados, surgem com<br />
detalhes. Olhar esses detalhes é o ônus de estancar<br />
a velocidade. Mas é também o bônus. É possível<br />
enxergar os contornos, as pinceladas de cor, a<br />
textura do papel – veja você, se percebe até que<br />
havia papel envolvido na história.<br />
É difícil tratar do assunto sem resvalar em um moralismo<br />
que leve à apologia da lentidão. A velocidade<br />
está aí e ponto final. Mas pelo menos, por<br />
uma questão de educação, a gente podia parar por<br />
um segundo, nem que seja pra olhar na cara dela e<br />
fazer o que não fizemos ainda: dar “oi”.<br />
Gustavo Mini é editor do blog Conector<br />
www.conector.blogspot.com
+ENDEREÇOS<br />
Alexandre Herchcovitch .<br />
Rua Haddock Lobo . 1151<br />
Jardins . São Paulo . SP<br />
11 3063 2888<br />
www.alexandreherchcovitch.com.br<br />
Cia de Foto .<br />
Rua Amaro Cavalheiro . 316/318<br />
Pinheiros . São Paulo . SP<br />
11 3034 6269<br />
www.ciadefoto.com.br<br />
Companhia das Letras .<br />
www.companhiadasletras.com.br<br />
Conrad Editora .<br />
Rua Simão Dias da Fonseca . 93<br />
Cambuci . São Paulo . SP<br />
11 3346 6088<br />
www.conradeditora.com.br<br />
Desmonta .<br />
www.desmonta.com<br />
Devassa .<br />
www.devassa.com.br<br />
Drag City .<br />
www.dragcity.com<br />
Galeria Brito Cimino .<br />
Rua Gomes de Carvalho . 842<br />
Itaim . São Paulo . SP<br />
www.britocimino.com.br<br />
Galpão Fortes Villaça .<br />
Rua James Holland . 71<br />
Barra Funda . São Paulo . SP<br />
www.fortesvilaca.com.br<br />
Galeria Luisa Strina .<br />
Rua Oscar freire . 502<br />
Cerqueria César . São Paulo . SP<br />
www.luisastrina.com.br<br />
Element / Nixon / Von Zipper .<br />
Rua Oscar Freire . 909<br />
Jardins . São Paulo . SP<br />
11 3081 2798<br />
www.elementskateboards.com<br />
Maria Garcia .<br />
Rua Oscar freire . 1105<br />
Cerqueria César . São Paulo . SP<br />
11 3062 0140<br />
www.mariagarcia.com.br<br />
Neon .<br />
Rua Baronesa de Itu . 42<br />
Santa Cecília . São Paulo . SP<br />
11 3828 1920<br />
www.neonbrazil.com<br />
Nike .<br />
www.nike.com<br />
Pintar .<br />
Rua Cotoxó . 110<br />
Pompéia . São Paulo . SP<br />
11 3873 0099<br />
www.pintar.com.br<br />
Pixel Media .<br />
www.pixelmediaquadrinhos.com.br<br />
Playstation .<br />
www.playstation.com.br<br />
Simone Nunes .<br />
Rua Arthur de Azevedo . 1117<br />
Pinheiros . São Paulo . SP<br />
www.simonenunes.com.br<br />
Subpop .<br />
www.subpop.com<br />
Volcom .<br />
Alamenda Lorena . 1835<br />
Jardins . São Paulo . SP<br />
11 3083 1883<br />
info@surfco.com.br<br />
V-Rom .<br />
Alameda Lorena . 1922 .<br />
Jardins . São Paulo . SP<br />
11 3063 5823<br />
www.vrom.com.br<br />
Zarabatana Books .<br />
www.zarabatanabooks.com.br