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Discurso de Posse - Academia de Letras da Bahia

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Aramis Ribeiro Costa<br />

Ca<strong>de</strong>ira 12 Patrono: Miguel Calmon,<br />

Marquês <strong>de</strong> Abrantes<br />

Fun<strong>da</strong>dor: Miguel Calmon du Pin e Almei<strong>da</strong><br />

2 o . Titular: Alberto Francisco <strong>de</strong> Assis<br />

3 o . Titular: Afonso Rui <strong>de</strong> Souza<br />

4 o . Titular: Itazil Benício dos Santos<br />

Titular atual: Aramis <strong>de</strong> Alma<strong>da</strong> Ribeiro<br />

Costa<br />

<strong>Posse</strong> em 25.11.1999<br />

DISCURSO DE POSSE NA ACADEMIA DE LETRAS DA BAHIA<br />

Senhores Acadêmicos:<br />

Aramis Ribeiro Costa<br />

O menino via esta Casa na distância do <strong>de</strong>sconhecido e do impossível.<br />

Nela habitavam vultos — na<strong>da</strong> mais que vultos — etéreos, formidáveis,<br />

inatingíveis como figuras irreais <strong>de</strong> contos <strong>de</strong> fa<strong>da</strong>, ou como <strong>de</strong>uses <strong>de</strong> um outro<br />

Olimpo, cujas escarpa<strong>da</strong>s encostas, à semelhança <strong>da</strong> mitológica montanha <strong>de</strong><br />

Zeus, tornavam-no inacessível aos simples mortais. Era assim que via esta<br />

Casa aquele menino que amava os livros e as histórias, e que sonhava —<br />

porque já nascera sonhando isto, aquele menino — e que sonhava ser escritor.<br />

A casa — a estrutura física — não era esta, os vultos, os <strong>de</strong>uses que a<br />

habitavam não eram os mesmos que hoje a habitam. Erguia-se em vetusto<br />

sobrado no Terreiro <strong>de</strong> Jesus, no antigo Pátio do Colégio e cenário <strong>da</strong>s antigas<br />

cavalha<strong>da</strong>s que um dia o jovem acompanhou, maravilhado, nas páginas d’As


Minas <strong>de</strong> Prata, <strong>de</strong> José <strong>de</strong> Alencar. Não era esta, a casa, a estrutura física, não<br />

eram os mesmos os seus habitantes, e, no entanto, era esta mesma Casa,<br />

porque era o mesmo o espírito que a animava, sob a égi<strong>de</strong> do mesmo nome <strong>de</strong><br />

três palavras mágicas: Aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> <strong>Letras</strong> <strong>da</strong> <strong>Bahia</strong>. Aca<strong>de</strong>mia, <strong>Letras</strong>, <strong>Bahia</strong>.<br />

As palavras <strong>Letras</strong> e <strong>Bahia</strong>, encerravam, para o menino, o encontro e a<br />

concordância <strong>de</strong> dois amores que já existiam nele muito fortes: a literatura e a<br />

sua terra. Os habitantes <strong>da</strong>quela Casa — o pai dizia isto ao menino — eram os<br />

imortais <strong>da</strong> <strong>Bahia</strong>. E o menino, como se sonhasse um <strong>de</strong>sses sonhos<br />

impossíveis e paradoxalmente plausíveis nas mentes infantis, <strong>de</strong>sejou, <strong>de</strong>sejou<br />

muito, ser um imortal <strong>da</strong> <strong>Bahia</strong>. Mas o que vinha a ser um imortal, se todos os<br />

homens morrem? A resposta a esta pergunta, o menino só veio a formular bem<br />

mais tar<strong>de</strong>, quando o seu conhecimento <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e <strong>da</strong> morte, <strong>da</strong> arte e <strong>da</strong><br />

imortali<strong>da</strong><strong>de</strong>, já lhe permitiam estabelecer um conceito, ain<strong>da</strong> que apenas um<br />

conceito. Bem maior que o interesse por aquela Casa que ele via distante e<br />

<strong>de</strong>sconheci<strong>da</strong>, era o interesse pelas histórias que os avós, o pai, a mãe, o tio<br />

lhe contavam, o encantamento pelos livros <strong>da</strong>s gravuras colori<strong>da</strong>s, o <strong>de</strong>leite<br />

<strong>da</strong>quele mundo <strong>de</strong> fantasia que o tornava realmente feliz.<br />

Aqueles livros... Eram o seu presente preferido, o seu encanto maior. Aos<br />

sábados, pela manhã, o pai levava-o à livraria Civilização Brasileira <strong>da</strong> Rua<br />

Chile — a mesma que seria consumi<strong>da</strong> pelas chamas <strong>de</strong> um dos muitos<br />

incêndios que vitimaram a ci<strong>da</strong><strong>de</strong> naquele tempo —, e o menino corria para o<br />

fundo, para a prateleira dos livros infantis. E, diante do pai, orgulhoso e<br />

satisfeito do interesse do filho, escolhia os seus novos livros. Em pouco tempo<br />

estava íntimo <strong>da</strong>queles autores: Lewis Carroll, An<strong>de</strong>rsen, Perrault, irmãos<br />

Grimm, Con<strong>de</strong>ssa <strong>de</strong> Segur, La Fontaine, Collodi, sem falar <strong>da</strong>s a<strong>da</strong>ptações, tão<br />

em voga na época, dos livros famosos, como As Mil e Uma Noites, Robinson<br />

Crusoe e As Aventuras do Barão <strong>de</strong> Munchausen. E Monteiro Lobato. Que<br />

<strong>de</strong>slumbramento! Descobrir Lobato foi, para aquele menino, <strong>de</strong>scobrir um<br />

mundo. Os livros <strong>de</strong>ste escritor ele nem precisava comprar, porque o tio os<br />

possuía todos, em obra completa luxuosa, <strong>de</strong> capa dura e letras doura<strong>da</strong>s, que<br />

ficava separa<strong>da</strong>, numa pequena estante, em meio a uma imensa biblioteca que<br />

era, também, um dos encantos do menino. Um dia, aos doze anos <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong><br />

tanto ouvir o pai e o tio falarem dos mosqueteiros — <strong>de</strong> um dos quais, o<br />

preferido do pai, vinha o seu nome —, aventurou-se nas páginas mágicas e<br />

febris <strong>de</strong> Alexandre Dumas. Montado à garupa do pangaré amarelado <strong>de</strong><br />

D’Artagnan, percorreu, <strong>de</strong>slumbrado, os caminhos <strong>da</strong> França <strong>de</strong> Luis XIII, Ana<br />

D’Áustria, Richelieu, Mazarino, do Rei Sol e do esplendor <strong>de</strong> Versailles. E leu,<br />

às escondi<strong>da</strong>s, porque não sabia se já podia ler um livro tão ousado, A Relíquia,<br />

do gran<strong>de</strong> Eça. O criador <strong>de</strong> Teodorico e <strong>da</strong> inefável Titi, <strong>de</strong> Amaro e <strong>de</strong> Amélia,<br />

<strong>de</strong> Basílio e <strong>de</strong> Luísa, do conselheiro Acácio e do fi<strong>da</strong>lgo Ramires seria, para<br />

sempre, um dos seus preferidos.<br />

Os autores dos livros que ele amava estavam mortos há muito tempo. E,<br />

no entanto, ali estavam, vivos, nas suas histórias e nos seus personagens. E o


menino via que eles não tinham morrido, que não iam morrer porque<br />

continuariam a ser lidos por outros leitores <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>le, e que, por isto, eram<br />

imortais. E percebeu que a imortali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> obra faz a imortali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Mas<br />

ain<strong>da</strong> não era esta a propala<strong>da</strong> imortali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> Aca<strong>de</strong>mia. A imortali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

acadêmica — não o menino, mas o escritor adulto, em relação com a vi<strong>da</strong><br />

literária, veio a enten<strong>de</strong>r mais tar<strong>de</strong> —, resulta <strong>da</strong> perpetuação <strong>da</strong> memória do<br />

acadêmico pelos confra<strong>de</strong>s que a ele sobrevivem, e pelos confra<strong>de</strong>s que o<br />

suce<strong>de</strong>m. É como uma corrente que se perpetua nos novos elos que vão sendo<br />

acrescidos e que têm por obrigação protocolar e ética reverenciar os que o<br />

antece<strong>de</strong>ram.<br />

Senhores Acadêmicos:<br />

A Ca<strong>de</strong>ira nº 12, para a qual me <strong>de</strong>stinastes nesta Casa, tem como<br />

patrono, bem o sabeis, uma figura do Império: o santamarense Miguel Calmon<br />

du Pin e Almei<strong>da</strong>, Viscon<strong>de</strong>, <strong>de</strong>pois Marquês <strong>de</strong> Abrantes. A feliz coincidência!<br />

De Santo Amaro <strong>da</strong> Purificação, em cujos canaviais, em cujas terras <strong>de</strong><br />

massapê, em cujo leito barrento do rio estão finca<strong>da</strong>s as mais fun<strong>da</strong>s raízes <strong>da</strong><br />

minha família paterna, é que me vem o patrono, um dos mais nobres filhos <strong>da</strong><br />

“Leal e Benemérita” do Recôncavo baiano, como se com isto a própria Ci<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Santo Amaro me viesse, e com ela me viessem os meus que já se foram,<br />

para sentarem comigo à Ca<strong>de</strong>ira nº 12, para comigo sentarem em vossa<br />

companhia! Deixai-me citar, por ser patrono <strong>de</strong> Aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> <strong>Letras</strong>, alguns <strong>de</strong><br />

seus livros: Cartas Políticas <strong>de</strong> Américus, Memória Sobre os Meios <strong>de</strong> Promover<br />

a Colonização, Ensaio Sobre o Fabrico do Açúcar, e A Missão Especial, em dois<br />

volumes, on<strong>de</strong>, no dizer <strong>de</strong> Pedro Calmon, seu biógrafo, “<strong>de</strong>screvia a Prússia, o<br />

milagre alemão, o aparelhamento <strong>de</strong> um império, cuja gran<strong>de</strong>za antevia”. Bem<br />

recebidos e bem conceituados à sua época, não se po<strong>de</strong>ria entretanto creditar a<br />

estes escritos o prestígio do seu nome. O Marquês <strong>de</strong> Abrantes foi uma <strong>da</strong>s<br />

mais ilustres e expressivas personali<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong> política e <strong>da</strong> economia do<br />

primeiro e do segundo reinados. Deputado, ministro <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> por três vezes,<br />

ministro dos Estrangeiros, senador e conselheiro do Estado, marcou <strong>de</strong> forma<br />

in<strong>de</strong>lével, competente e elegante, a sua presença no cenário <strong>da</strong>quele Brasil <strong>de</strong><br />

dois admirados monarcas.<br />

Compreensível, portanto, que, ao ser convocado para a fun<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><br />

Aca<strong>de</strong>mia, o segundo Miguel Calmon du Pin e Almei<strong>da</strong> lembrasse do parente<br />

famoso e homônimo para patrono <strong>da</strong> sua ca<strong>de</strong>ira. Aliás, há semelhanças <strong>de</strong><br />

ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> entre estes ilustres membros <strong>da</strong> família Calmon, o patrono e o<br />

fun<strong>da</strong>dor <strong>da</strong> Ca<strong>de</strong>ira nº 12. Baiano <strong>de</strong> Salvador, o fun<strong>da</strong>dor Miguel Calmon foi<br />

engenheiro, professor <strong>da</strong> Escola Politécnica <strong>da</strong> <strong>Bahia</strong>, secretário <strong>da</strong> Agricultura,<br />

Viação e Obras Públicas neste Estado, <strong>de</strong>putado fe<strong>de</strong>ral por três man<strong>da</strong>tos não<br />

consecutivos, ministro <strong>da</strong> Indústria, Viação e Obras Públicas do presi<strong>de</strong>nte<br />

Afonso Pena, ministro <strong>da</strong> Agricultura, Indústria e Comércio do presi<strong>de</strong>nte Artur<br />

Bernar<strong>de</strong>s, e, finalmente, senador pela <strong>Bahia</strong>. Entre os seus trabalhos


publicados, que o colocam na mesma linhagem <strong>de</strong> escrita do patrono,<br />

encontram-se Aplicações Industriais do Álcool, Fatos Econômicos, e Tendências<br />

Nacionais e Influências Estrangeiras.<br />

Suce<strong>de</strong>u-o um professor e filantropo: Alberto Francisco <strong>de</strong> Assis. Como o<br />

patrono e o fun<strong>da</strong>dor, igualmente não foi um literato. Mas foi um homem <strong>de</strong><br />

letras, por praticar a escrita didática. Era um estudioso <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia e <strong>da</strong><br />

História do Brasil, disciplina que ensinava. Sendo um professor primário,<br />

formou-se mais tar<strong>de</strong> em Direito e manteve-se professor. Lecionou na Escola<br />

Noturna <strong>da</strong> Vitória, no Instituto Normal <strong>da</strong> <strong>Bahia</strong>, do qual foi diretor, no Instituto<br />

Baiano <strong>de</strong> Ensino, que também dirigiu, no Educandário dos Perdões, no Colégio<br />

<strong>da</strong>s Mercês, no Colégio <strong>da</strong> Sole<strong>da</strong><strong>de</strong> e nas Sacramentinas. Homem <strong>de</strong> espírito<br />

e <strong>de</strong> ironia fácil, era reconheci<strong>da</strong>mente um homem bom, voltado para os amigos<br />

e com uma profun<strong>da</strong> preocupação social, em particular para com as crianças<br />

<strong>de</strong>ficientes visuais e carentes, interesse que o levaria a fun<strong>da</strong>r o Instituto <strong>de</strong><br />

Cegos <strong>da</strong> <strong>Bahia</strong>, mais tar<strong>de</strong> justamente chamado Instituto Alberto <strong>de</strong> Assis.<br />

Entre os seus trabalhos didáticos publicados em forma <strong>de</strong> livro, estão Vultos e<br />

Datas do Brasil, Nos Degraus <strong>da</strong> História e Fé e Civismo, este último alentado<br />

volume que alcançou na<strong>da</strong> menos que seis edições e mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z mil<br />

exemplares vendidos.<br />

A ele suce<strong>de</strong> Affonso Ruy <strong>de</strong> Souza. Aqui a bibliografia é vasta e <strong>de</strong>nsa,<br />

impregna<strong>da</strong> to<strong>da</strong> ela <strong>de</strong> larga e fun<strong>da</strong> baiani<strong>da</strong><strong>de</strong>, que se traduz sobretudo nos<br />

costumes e na história. Dão-se as mãos o teatrólogo e o historiador, fundidos e<br />

confundidos em inquestionável amor pela <strong>Bahia</strong>. Affonso Ruy assume a Ca<strong>de</strong>ira<br />

nº 12 aos quarenta e oito anos <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong>, com nome e obra feitos. Trazia, na<br />

bagagem do teatrólogo, além <strong>de</strong> uma fecun<strong>da</strong> atuação no teatro baiano, como<br />

ator, diretor, produtor e professor, <strong>de</strong>zenove textos teatrais, quinze <strong>de</strong>les já<br />

levados à cena. Ao recebê-lo em nome <strong>da</strong> Aca<strong>de</strong>mia, Aloysio <strong>de</strong> Carvalho Filho<br />

cita, com louvores, dois <strong>de</strong> seus trabalhos como autor teatral: Flor do Vício, a<br />

primeira peça a ser escrita, aos vinte e dois anos <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong>, e A Quinta Coluna,<br />

última a ser produzi<strong>da</strong> antes do seu ingresso nesta Casa. Itazil Benício dos<br />

Santos, ao sucedê-lo, iria lembrar, além <strong>de</strong> Flor do Vício, Uma Aventura, Por<br />

Meu Filho, Gente <strong>da</strong> Rua e Lolita. Affonso Ruy publicaria, ain<strong>da</strong>, como estudioso<br />

<strong>de</strong> teatro, resumi<strong>da</strong> porém preciosa História do Teatro na <strong>Bahia</strong>, do século XVI<br />

ao XX. Mas o historiador superaria, para a posteri<strong>da</strong><strong>de</strong>, o teatrólogo. Alguns <strong>de</strong><br />

seus livros tornaram-se <strong>de</strong> referência a todos aqueles que estu<strong>da</strong>m e produzem<br />

sobre a História <strong>da</strong> <strong>Bahia</strong>, particularmente a História <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong><strong>de</strong> do Salvador.<br />

Dois <strong>de</strong>les, A História Política e Administrativa <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong><strong>de</strong> do Salvador e a<br />

História <strong>da</strong> Câmara Municipal <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong><strong>de</strong> do Salvador, encontram-se<br />

circunstancialmente vinculados aos festejos do quarto centenário <strong>de</strong>sta ci<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />

o primeiro por ter sido publicado em 1949, e o segundo por ter merecido, por<br />

concurso, o Prêmio Ci<strong>da</strong><strong>de</strong> do Salvador, instituído pela Câmara dos Vereadores<br />

<strong>da</strong> Capital, como parte <strong>da</strong>s comemorações dos quatro séculos. São ambos<br />

magníficos e alentados trabalhos <strong>de</strong> reconstituição histórica <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>da</strong>


fun<strong>da</strong>ção aos primeiros anos <strong>da</strong> República. Destacaria ain<strong>da</strong> A Primeira<br />

Revolução Social Brasileira — 1798, uma observação precisa e abrangente do<br />

caráter social e reformador na sedição baiana, em cujo infeliz <strong>de</strong>sfecho se fez<br />

erguer a forca na Pie<strong>da</strong><strong>de</strong>. Ali está a visão hoje aceita e amplamente estu<strong>da</strong><strong>da</strong>,<br />

dos ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iros motivos <strong>da</strong> Conspiração dos Búzios, princípios que vinham dos<br />

i<strong>de</strong>ais revolucionários franceses <strong>de</strong> “liber<strong>da</strong><strong>de</strong>, igual<strong>da</strong><strong>de</strong>, fraterni<strong>da</strong><strong>de</strong>”. Desta<br />

maneira, no palco e nos livros, no teatro e na história, Affonso Ruy mostrou-se<br />

fiel ao compromisso assumido no seu discurso <strong>de</strong> posse na Ca<strong>de</strong>ira nº 12,<br />

quando, ao lembrar o lema <strong>de</strong>sta Casa, “Servir à Pátria honrando as <strong>Letras</strong>”,<br />

comprometeu-se antes <strong>de</strong> tudo em “honrar a <strong>Bahia</strong>, servindo às letras”. Serviu<br />

às <strong>Letras</strong>, honrou a <strong>Bahia</strong>, serviu à Pátria, honrou as <strong>Letras</strong>.<br />

Uma tradição secular <strong>da</strong> <strong>Bahia</strong> é a dos médicos que escrevem, que<br />

amam a literatura, e que divi<strong>de</strong>m o tempo <strong>da</strong>s suas vi<strong>da</strong>s entre a “arte <strong>de</strong> tratar<br />

ciência <strong>de</strong> curar” e a arte <strong>da</strong>s letras. Não vos falo <strong>de</strong> médicos que, exercendo a<br />

profissão, ganharam fama e prestígio por serem escritores, a exemplo <strong>de</strong><br />

Tchekhov, Cronin, Macedo, Guimarães Rosa, Jorge <strong>de</strong> Lima, e, na <strong>Bahia</strong>,<br />

Afrânio Peixoto — embora a fama <strong>de</strong>ste se <strong>de</strong>vesse também à medicina. Falovos<br />

<strong>de</strong> um espírito, <strong>de</strong> uma tendência <strong>da</strong> velha Facul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina <strong>da</strong><br />

<strong>Bahia</strong>, a Facul<strong>da</strong><strong>de</strong> do Terreiro que hoje felizmente renasce <strong>de</strong> inadmissíveis<br />

escombros. Esse espírito, essa tendência, fez <strong>da</strong> primeira facul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

medicina do Brasil, do mais importante núcleo <strong>de</strong> ensino <strong>da</strong>s ciências médicas<br />

do país, um respeitado centro <strong>de</strong> cultura em todo o século passado até meados<br />

<strong>de</strong>ste. Os lentes <strong>da</strong> velha facul<strong>da</strong><strong>de</strong> eram, antes <strong>de</strong> tudo, homens <strong>de</strong> vasta<br />

formação humanística, que não se limitavam à ciência que ensinavam aos<br />

alunos e praticavam nos consultórios e nos hospitais, transitando, com a mesma<br />

<strong>de</strong>senvoltura e o mesmo apaixonado interesse pela filosofia, pela sociologia,<br />

pela história, pela antropologia e, sobretudo, pela literatura. Não foram poucos,<br />

entre eles, os gran<strong>de</strong>s oradores, a transformarem as suas aulas em eloqüentes<br />

exibições <strong>de</strong> oratória, em cujo final eclodiam os aplausos dos discípulos<br />

entusiasmados. Os relatórios médicos, as conferências, os estudos científicos,<br />

os artigos na imprensa <strong>de</strong>sses doutores <strong>da</strong> medicina, não <strong>de</strong>sleixavam <strong>da</strong><br />

linguagem e do estilo, não <strong>de</strong>s<strong>de</strong>nhavam <strong>da</strong>s metáforas, não escondiam o gosto<br />

literário. Pedro Calmon, em sua História <strong>da</strong> Literatura Baiana, <strong>de</strong>dica-lhes todo<br />

um capítulo, on<strong>de</strong> não falta uma extensa relação <strong>de</strong> teses, cujos títulos — vários<br />

<strong>de</strong>les — <strong>de</strong>nunciam temas bem mais literários que médicos ou científicos, e<br />

Jorge Amado os recria ficcionalmente em Ten<strong>da</strong> dos Milagres. Porém a maior<br />

evidência <strong>de</strong>sse espírito literário <strong>da</strong> velha Facul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina <strong>da</strong> <strong>Bahia</strong>,<br />

encontra-se nesta Casa. No quadro dos fun<strong>da</strong>dores, havia um professor e<br />

industrial tipográfico, um presbítero, dois jornalistas, dois professores primários,<br />

quatro engenheiros, quinze juristas e <strong>de</strong>zesseis médicos, entre eles Braz do<br />

Amaral, Carlos Chiacchio, Pirajá <strong>da</strong> Silva, Carneiro Ribeiro, Egas Moniz Barreto<br />

<strong>de</strong> Aragão, o Péthion <strong>de</strong> Villar, Gonçalo Moniz, Clementino Fraga e Afrânio<br />

Peixoto. Daí por diante, não faltaram médicos ilustres entre os acadêmicos,<br />

como Estácio <strong>de</strong> Lima, César <strong>de</strong> Araújo, Adriano Pondé, Alberto Silva,


Magalhães Neto, Hélio Simões, Macedo Costa e Thales <strong>de</strong> Azevedo. No quadro<br />

atual <strong>da</strong> Aca<strong>de</strong>mia, os médicos que exercem a medicina, que se notabilizam na<br />

medicina e cultuam as letras, aqui estão entre vós, tão dignamente<br />

representados, pelos doutores José Silveira, Roberto Santos e Jayme <strong>de</strong> Sá<br />

Menezes.<br />

É na esteira <strong>de</strong>ssa tradição baiana e antiga, nasci<strong>da</strong> no mesmo Terreiro<br />

<strong>de</strong> Jesus on<strong>de</strong>, por longos anos, viveu a própria Aca<strong>de</strong>mia, que chega a esta<br />

Casa, no início dos anos setenta, o meu antecessor imediato, Itazil Benício dos<br />

Santos. Foi meu professor <strong>de</strong> radiologia no curso médico, era meu colega e meu<br />

amigo. A sua lembrança ain<strong>da</strong> é muito viva. Vejo-o alto, esguio, elegante, com a<br />

sereni<strong>da</strong><strong>de</strong> que a sabedoria confere aos cientistas, eles que mais sabem dos<br />

riscos e <strong>de</strong>sacertos <strong>da</strong> pressa. Não me recordo <strong>de</strong> tê-lo visto, alguma vez,<br />

exaltado, a erguer a voz ou exagerar os gestos. Itazil era o mesmo homem<br />

educado e aparentemente tranqüilo, nos corredores dos hospitais e nos salões<br />

<strong>da</strong> Aca<strong>de</strong>mia, diante <strong>de</strong> um negatoscópio ou em meio a uma discussão literária.<br />

Com o mesmo sereno entusiasmo, mas com firmeza e competência, explanava<br />

sobre uma imagem radiológica <strong>de</strong> con<strong>de</strong>nsação, num campo pulmonar, ou<br />

sobre os traços <strong>de</strong> uma personagem, num romance <strong>de</strong> Proust ou <strong>de</strong> Jorge<br />

Amado. Ao falar do momento supremo <strong>da</strong> <strong>de</strong>scoberta dos raios X, seus olhos<br />

brilhavam, recriava o episódio sem fugir à ver<strong>da</strong><strong>de</strong> histórica, porém com cores e<br />

tons <strong>de</strong> ficcionista, Roentgen, nas suas palavras, tornava-se um interessante<br />

personagem. Ver<strong>da</strong><strong>de</strong> que, em sua vi<strong>da</strong>, em seus i<strong>de</strong>ais, Itazil pendia mais para<br />

a ciência <strong>de</strong> Hipócrates que para a arte <strong>de</strong> Homero. Especialista e doutor em<br />

radiologia; primeiro professor titular <strong>de</strong> radiologia em facul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> medicina<br />

fe<strong>de</strong>ral no país; examinador <strong>de</strong> concursos; membro e dirigente <strong>de</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s,<br />

conselhos e congressos nacionais e internacionais <strong>de</strong> radiologia; radiologista<br />

conceituado e <strong>de</strong> enorme clientela; e autor <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>zena <strong>de</strong><br />

importantes trabalhos científicos, todos ligados à sua especiali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Esses<br />

trabalhos, foram <strong>de</strong>vi<strong>da</strong>mente registrados e enaltecidos pelo seu sucessor na<br />

Aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> Medicina <strong>da</strong> <strong>Bahia</strong>. Ao sucedê-lo nesta ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> letras, embora<br />

seu colega na profissão médica, cabe-me lembrar seus escritos literários: Vi<strong>da</strong> e<br />

Obra <strong>de</strong> Manuel <strong>de</strong> Abreu — o Criador <strong>da</strong> Abreugrafia; Vultos e Fatos <strong>da</strong><br />

Medicina Brasileira; Vi<strong>da</strong> e Obra <strong>de</strong> Pirajá <strong>da</strong> Silva; Através do Tempo,<br />

coletânea <strong>de</strong> artigos e crônicas publicados em jornais e revistas; Itinerário <strong>de</strong><br />

I<strong>de</strong>ais e Compromissos; e Jorge Amado — Retrato Incompleto.<br />

A biografia e o ensaio eram a sua especiali<strong>da</strong><strong>de</strong> nesta área. Em Jorge<br />

Amado — Retrato Incompleto é on<strong>de</strong> mais Itazil se afasta <strong>da</strong> medicina,<br />

voltando-se, inteiramente, para a literatura. Trabalho <strong>de</strong> extrema dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>!<br />

Jorge Amado atravessa o século <strong>de</strong>rrubando preconceitos, alargando limites <strong>de</strong><br />

linguagem e <strong>de</strong> tema na literatura, combatendo injustiças sociais,<br />

discriminações <strong>de</strong> raça e <strong>de</strong> religião, criando histórias, povoando o imaginário<br />

do mundo com personagens e cenas <strong>da</strong> <strong>Bahia</strong>, povo e terra, <strong>de</strong>núncia, encanto<br />

e magia. Sozinho, vale to<strong>da</strong> uma literatura. Andou por to<strong>da</strong> parte, tornou-se


ci<strong>da</strong>dão do mundo, lido e amado em to<strong>da</strong>s as línguas. Como retratar esse<br />

capitão <strong>de</strong> longo curso, que diz fazer apenas uma navegação <strong>de</strong> cabotagem?<br />

Mas Itazil <strong>de</strong>ixa-nos, ao final <strong>da</strong> leitura do seu livro, a admira<strong>da</strong> sensação <strong>de</strong><br />

uma dificílima tarefa bem executa<strong>da</strong>. Num estilo cativante e fluente, que na<strong>da</strong><br />

recor<strong>da</strong> um sisudo cientista <strong>da</strong> radiologia, passeia pela vi<strong>da</strong>, pelos romances,<br />

pelos personagens, pelas entrevistas <strong>de</strong> Jorge Amado, coloca-o inteiro e vivo<br />

nas suas páginas, traçando-lhe, na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, num primoroso ensaio biobibliográfico,<br />

um dos mais completos retratos do nosso maior escritor. Itazil<br />

Benício dos Santos, em tudo que fez, em tudo que escreveu, <strong>de</strong>ixou-nos um<br />

legado <strong>de</strong> <strong>de</strong>dicação, integri<strong>da</strong><strong>de</strong> e competência.<br />

Como os autores preferidos <strong>da</strong> minha infância, estes vultos evocados,<br />

patrono, fun<strong>da</strong>dor e ocupantes <strong>da</strong> Ca<strong>de</strong>ira nº12, estão mortos. Entretanto aqui<br />

estão redivivos nesta cerimônia <strong>de</strong> posse, como vivos encontram-se nas<br />

sessões <strong>de</strong> sau<strong>da</strong><strong>de</strong>, nos números <strong>da</strong> Revista on<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixaram os seus escritos,<br />

nas palestras, nos cursos, nas publicações, na biblioteca, no arquivo, estão<br />

vivos em ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong>sta Casa, e vivos permanecerão para<br />

sempre na memória <strong>da</strong> Aca<strong>de</strong>mia, <strong>da</strong>s <strong>Letras</strong> e <strong>da</strong> <strong>Bahia</strong>. Vejo, <strong>de</strong>sta forma, a<br />

imortali<strong>da</strong><strong>de</strong> acadêmica, manti<strong>da</strong> nos preceitos estatutário, protocolar e<br />

sobretudo ético, que este palácio <strong>de</strong> cultura abriga e cultua.<br />

Não po<strong>de</strong>ria, aliás, uma instituição como esta, viver sem memória, como<br />

não po<strong>de</strong>ria existir sem fitar longe e largo o futuro. Passado, presente e futuro<br />

visavam os fun<strong>da</strong>dores, naquela noite <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1917, quando, na sala<br />

<strong>de</strong> sessões <strong>da</strong> antiga Câmara dos Deputados, na La<strong>de</strong>ira <strong>da</strong> Praça, Arlindo<br />

Fragoso os reuniu, excluindo-se mo<strong>de</strong>sta e dignamente <strong>da</strong> lista <strong>de</strong> quarenta<br />

nomes que ele próprio elaborara. Ali plantavam-se os fun<strong>da</strong>mentos, ali<br />

estabelecia-se o alicerce sobre o qual seria erguido o sólido edifício. O quadro<br />

dos primeiros quarenta traduzia, inegavelmente, o que havia, na época, <strong>de</strong> mais<br />

representativo na literatura, no saber e no prestígio político <strong>da</strong> <strong>Bahia</strong>. Ruy<br />

Barbosa, Artur <strong>de</strong> Sales, Bernardino <strong>de</strong> Souza, José Joaquim Seabra, Severino<br />

Vieira, Simões Filho, Teodoro Sampaio, Xavier Marques, Octávio Mangabeira,<br />

eram alguns outros <strong>de</strong>sses nomes, além dos aqui citados.<br />

Oitenta e dois anos <strong>de</strong>pois, vejo-vos, Senhores Acadêmicos, como no<br />

tempo dos fun<strong>da</strong>dores, acima <strong>da</strong>s i<strong>de</strong>ologias políticas, acima <strong>da</strong>s escolas,<br />

tendências ou gostos literários, acima <strong>da</strong>s crenças e <strong>de</strong>screnças religiosas,<br />

representantes estelares <strong>da</strong> Aca<strong>de</strong>mia, <strong>da</strong>s <strong>Letras</strong> e <strong>da</strong> <strong>Bahia</strong>. Na ficção,<br />

encontro Jorge Amado, Wilson Lins, Luís Henrique Dias Tavares, James Amado<br />

e Hélio Pólvora, o mestre baiano do conto, que me honra ao me receber nesta<br />

Casa em vosso nome. Na poesia — esta <strong>de</strong>usa maior <strong>da</strong>s letras baianas —<br />

encontro Ol<strong>de</strong>gar Franco Vieira, Myriam Fraga, Epaminon<strong>da</strong>s Costalima, João<br />

Carlos Teixeira Gomes, Fernando <strong>da</strong> Rocha Peres, Florisvaldo Mattos e Clóvis<br />

Lima, meu gran<strong>de</strong> e querido Clóvis Lima que há tantos anos me <strong>de</strong>seja em<br />

vossa companhia. Na história — sobretudo na pesquisa dos vultos e fatos que,


em nossa terra, construíram a civilização brasileira, — encontro Anna Amélia<br />

Vieira Nascimento, Waldir Freitas Oliveira, Cid Teixeira, José Calasans,<br />

Wal<strong>de</strong>mar Mattos, Walfrido Moraes e Consuelo Novais Sampaio. No folclore e<br />

nos costumes Hil<strong>de</strong>gar<strong>de</strong>s Vianna. No ensaio, na biografia e na memória,<br />

Jayme <strong>de</strong> Sá Menezes, José Silveira, Pedro Moacir Maia, Cláudio Veiga, João<br />

Eurico Matta, Gerson Pereira dos Santos e Rubem Nogueira. Na oratória, esta<br />

arte baiana <strong>de</strong> quatro séculos, a voz santamarense <strong>de</strong> Monsenhor Gaspar<br />

Sadoc e a eloqüência parlamentar e acadêmica <strong>de</strong> Josaphat Marinho. No<br />

jornalismo a ética e o talento <strong>de</strong> Jorge Calmon, <strong>de</strong> Cruz Rios e <strong>de</strong> Ari<br />

Guimarães. Nos estudos <strong>da</strong> educação, Edivaldo Boaventura. No patrimônio<br />

Paulo Ormindo <strong>de</strong> Azevedo. Na política, Antônio Carlos Magalhães e Roberto<br />

Santos. E na religião, mas sem <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser escritor, D. Lucas Moreira Neves,<br />

bispo e car<strong>de</strong>al <strong>de</strong> Roma. Assim vos vejo, nos atributos que vos fizeram<br />

pertencer a esta Casa, mas vejo-vos também irmanados nas per<strong>da</strong>s inevitáveis<br />

<strong>da</strong> instituição, per<strong>da</strong>s que a entristecem, mas que lhe dão maiores motivos <strong>de</strong><br />

prosseguir, na guar<strong>da</strong> perpétua <strong>da</strong> memória dos que partem. E aqui inscrevo,<br />

para preservá-los também nesta oração festiva <strong>de</strong> posse, como os guar<strong>da</strong>rei na<br />

lembrança permanente <strong>da</strong> amiza<strong>de</strong>, os nomes <strong>de</strong> Renato Berbert <strong>de</strong> Castro e <strong>de</strong><br />

Carlos Eduardo <strong>da</strong> Rocha.<br />

Cabe-me a tremen<strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ser o primeiro <strong>da</strong> minha<br />

geração a entrar nesta Casa, o primeiro a assumir o compromisso <strong>de</strong> continuar<br />

as tradições octogenárias e perenes <strong>de</strong>ste so<strong>da</strong>lício. Vejo nesta circunstância<br />

apenas um acaso, aqui po<strong>de</strong>riam estar muitos outros com mais brilho e com<br />

mais mérito, mas a circunstância fortuita <strong>de</strong> ser o primeiro, obriga-me a falar,<br />

neste momento, por todos os outros.<br />

A minha geração, Senhores Acadêmicos, é aquela que foi às ruas, não<br />

<strong>de</strong> caras pinta<strong>da</strong>s e quase em festa, com o apoio <strong>da</strong> imprensa e a concordância<br />

do povo, incentiva<strong>da</strong> por políticos po<strong>de</strong>rosos e com a proteção <strong>da</strong> polícia e até<br />

do Exército, mas aquela que saiu às ruas <strong>de</strong> peito aberto para enfrentar as<br />

balas dos fuzis, os cães treinados, as bombas <strong>de</strong> gás lacrimogênio; aquela que,<br />

num dos períodos mais sombrios <strong>da</strong> história política brasileira, num dos<br />

momentos mais duros e arbitrários <strong>da</strong> história <strong>de</strong>ste país, arriscou a vi<strong>da</strong> pela<br />

liber<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> pensamento, pela liber<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão, pela <strong>de</strong>mocracia. Vi<br />

amigos serem presos, e nunca mais os vi, soube <strong>de</strong> torturas, presenciei colegas<br />

<strong>de</strong> colégio serem expulsos, e terem suas vi<strong>da</strong>s, certamente luminosas,<br />

inteiramente apaga<strong>da</strong>s. Mas, apesar disto, a minha geração não <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong><br />

acreditar no país, não <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> acreditar em si própria, não permitiu que lhe<br />

extinguissem os i<strong>de</strong>ais sagrados <strong>da</strong> juventu<strong>de</strong>, não permitiu que lhe subtraíssem<br />

a esperança. Pertenço à geração que, em meio a to<strong>da</strong>s as turbulências e<br />

adversi<strong>da</strong><strong>de</strong>s, a todos os cerceamentos e censuras, não parou <strong>de</strong> criar, e que<br />

fez <strong>da</strong>s artes e <strong>da</strong> literatura um sólido escudo na <strong>de</strong>fesa <strong>da</strong> inteligência, <strong>da</strong><br />

cultura, <strong>da</strong> beleza e <strong>da</strong> liber<strong>da</strong><strong>de</strong>, contra a opressão e a brutali<strong>da</strong><strong>de</strong> política. Às<br />

armas que nos apontavam, às ameaças, respondíamos com festivais <strong>de</strong> música


popular que atraíam e empolgavam multidões, com peças <strong>de</strong> teatro em parte<br />

censura<strong>da</strong>s, quando não inteiramente proibi<strong>da</strong>s, com poemas e contos<br />

publicados em revistas estu<strong>da</strong>ntis, com novelas e romances que os próprios<br />

autores editavam. Pertenço, Senhores Acadêmicos, à geração que participou<br />

dos últimos anos gloriosos do gran<strong>de</strong> Colégio <strong>da</strong> <strong>Bahia</strong>, forja e celeiro <strong>da</strong> cultura<br />

<strong>da</strong> juventu<strong>de</strong> baiana até o final dos anos sessenta. Sem per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista os<br />

acontecimentos políticos, sem <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> lutar pelos princípios <strong>de</strong> liber<strong>da</strong><strong>de</strong> nos<br />

quais acreditávamos, não esquecíamos, no centenário Colégio, a filosofia, a<br />

história, a música, a literatura. Nos intervalos <strong>da</strong>s aulas, nos corredores, nos<br />

pátios, nos bancos <strong>de</strong> cimento à volta <strong>da</strong>s velhas árvores, discutíamos<br />

Graciliano Ramos, Adonias Filho, Jorge Amado, José Lins do Rego, Érico<br />

Veríssimo, Rachel <strong>de</strong> Queiroz, falava-se, com entusiasmo, em Hemingway,<br />

Huxley, Sartre, Hermann Hesse, os mais eruditos citavam Joyce, Proust e<br />

Kafka.<br />

É neste cenário <strong>de</strong> efervescência <strong>da</strong> juventu<strong>de</strong>, à sombra <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>ssas<br />

árvores e cercado por colegas, que vou encontrar um jovem magrinho, <strong>de</strong><br />

óculos, tão falante quanto os outros, tão seguro <strong>da</strong> sua sabedoria quanto os<br />

outros, e que acreditava ser escritor. Havia razões para isto, na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>. A sua<br />

se<strong>de</strong> <strong>de</strong> escrever era tão gran<strong>de</strong> que, na quarta série <strong>de</strong> ginásio, aos quatorze<br />

anos, criara um jornal mural semanal, que ele próprio passara a dirigir, apenas<br />

para ali escrever, semanalmente, crônicas e editoriais, a exemplo do que fazia,<br />

no jornal <strong>de</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, o tio jornalista e cronista diário. E, aos quinze anos <strong>de</strong><br />

i<strong>da</strong><strong>de</strong>, começara a colaborar com aquele mesmo jornal <strong>de</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, A Tar<strong>de</strong>,<br />

publicando, semanalmente, o que fez durante doze anos, histórias infantis, na<br />

Página Infantil que o tio editava, crônicas, contos e poemas na Página Literária.<br />

Vivia embriagado <strong>de</strong> literatura. Então, era escritor aquele jovem, e o fato <strong>de</strong><br />

escrever em A Tar<strong>de</strong> — a po<strong>de</strong>rosa A Tar<strong>de</strong> — conferia-lhe um indiscutível<br />

prestígio literário entre os colegas. Mas era escritor, sobretudo, porque, ain<strong>da</strong><br />

que quisesse — e jamais o quis — não podia <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> escrever, e tinha no<br />

i<strong>de</strong>al literário, o i<strong>de</strong>al <strong>da</strong> sua própria vi<strong>da</strong>.<br />

O sonho maior <strong>da</strong>quele jovem era publicar um livro, na<strong>da</strong> lhe parecia<br />

mais importante do que isto, e sonhava com o seu nome na capa, e sonhava<br />

com o título, o livro, o livro. Reuniu alguns dos contos <strong>da</strong> Página Infantil <strong>de</strong> A<br />

Tar<strong>de</strong>, <strong>de</strong>u-lhes um título, No País <strong>da</strong>s Aventuras, mostrou ao pai, ao tio, por um<br />

tempo viveu em torno <strong>da</strong>quela idéia, mas logo um novo projeto empolgou-o: não<br />

mais a estréia com um livro <strong>de</strong> histórias infantis, porém com um <strong>de</strong> contos para<br />

adultos. Para ele o gênero não importava — e, na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, continuou não<br />

importando. Em literatura, gostava <strong>de</strong> tudo, interessava-se por tudo, e via — e<br />

continuou vendo — no gênero literário apenas a roupagem <strong>da</strong> idéia. Ca<strong>da</strong> idéia,<br />

ca<strong>da</strong> inspiração pe<strong>de</strong> um gênero, cabe vesti-la com a vestimenta a<strong>de</strong>qua<strong>da</strong>. O<br />

romance era um objetivo, mas não se sentia, naquele tempo, preparado para<br />

enfrentá-lo, havia que apren<strong>de</strong>r muito, antes <strong>de</strong> aventurar-se na ficção <strong>de</strong> largo<br />

fôlego. E atirou-se a produzir contos, um após o outro, escrevendo e


eescrevendo, fazendo e refazendo, varando as noites e as madruga<strong>da</strong>s, os<br />

domingos e os feriados, na sua máquina portátil Olivetti Lettera 22, que o pai lhe<br />

<strong>de</strong>ra nos seus quatorze anos, e que fora o melhor presente que ele lhe <strong>de</strong>ra, <strong>de</strong><br />

todos os muitos presentes que lhe <strong>de</strong>u. Escrevia e reescrevia porque era<br />

obcecado pela mais alta quali<strong>da</strong><strong>de</strong> do texto, achando que podia sempre fazer<br />

melhor, e ca<strong>da</strong> vez que reescrevia percebia que era possível, sim, era possível<br />

fazer melhor, sempre melhor, e, um dia, com trinta histórias <strong>da</strong>tilografa<strong>da</strong>s e<br />

postas num classificador <strong>de</strong> papelão, acreditou que tinha, finalmente, o seu livro<br />

<strong>de</strong> contos. Deu-lhe o título do primeiro, “A Moça Triste”, um conto que, <strong>de</strong>pois,<br />

<strong>de</strong> tanto ser reescrito, acabou sendo perdido, como esse próprio livro, que<br />

jamais foi editado. Mas não parou <strong>de</strong> escrever contos, como não parou <strong>de</strong><br />

escrever e publicar histórias e fábulas na Página Infantil, e tocado pelas paixões<br />

e sentimentos <strong>da</strong> juventu<strong>de</strong>, tão exacerbados e tão ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iros, escrevia<br />

também poesias, tempo houve em que escreveu bem mais poesia do que ficção.<br />

O livro A Moça Triste, na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, não seria inteiramente perdido, alguns<br />

dos seus contos, reescritos muitos anos <strong>de</strong>pois, seriam aproveitados. Mas<br />

foram, aqueles trinta contos <strong>da</strong> juventu<strong>de</strong>, um importante aprendizado não<br />

apenas para o gênero, mas para a própria escrita. Entretanto o primeiro livro,<br />

publicado vários anos <strong>de</strong>pois, aos vinte e quatro anos <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong>, um mês antes<br />

<strong>da</strong> formatura em medicina, seria <strong>de</strong> poesia: Quarto Escuro, uma seleção <strong>de</strong><br />

cinqüenta poemas.<br />

Aquele moço escritor, <strong>de</strong> primeiro livro, também via esta Casa na<br />

distância do impossível, embora alimentasse uma secreta e forte esperança <strong>de</strong>,<br />

um dia, chegar aqui. A Aca<strong>de</strong>mia apresentava-se aos <strong>da</strong> minha geração uma<br />

instituição altamente respeitável e respeita<strong>da</strong>, <strong>de</strong>positária e guardiã <strong>da</strong> cultura e<br />

<strong>da</strong>s tradições intelectuais <strong>da</strong> <strong>Bahia</strong>, porém inacessível. O secular sobrado do<br />

Terreiro <strong>de</strong> Jesus abria as suas portas ao público nos gran<strong>de</strong>s acontecimentos,<br />

nota<strong>da</strong>mente nas cerimônias <strong>de</strong> posse. O mais <strong>da</strong>s vezes mantinha-se fechado<br />

e circunspecto, sendo admitidos apenas, no convívio dos acadêmicos, as<br />

personali<strong>da</strong><strong>de</strong>s importantes ou os privilegiados amigos <strong>da</strong> Casa. Mais tar<strong>de</strong> é<br />

que viria habitar este belo e espaçoso Palacete Góes Calmon, <strong>de</strong> magníficos<br />

salões ornados <strong>de</strong> preciosos azulejos, móveis antigos, telas, biscuits. Então, sob<br />

a serena e firme presidência do Professor Cláudio Veiga, a dinâmica e eficiente<br />

direção executiva <strong>de</strong> Carlos Cunha, e o carinho e a <strong>de</strong>dicação <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>zena<br />

<strong>de</strong> funcionários integrados ao espírito <strong>da</strong> Casa, abriria <strong>de</strong> par em par as suas<br />

portas para os escritores, o público, a vi<strong>da</strong> literária, franqueando a valiosa<br />

biblioteca e o arquivo, promovendo lançamentos <strong>de</strong> livros, palestras, cursos,<br />

seminários, concursos, publicações, transformando-se no mais prestigioso<br />

centro gerador <strong>de</strong> cultura do Estado, base e <strong>de</strong>fesa <strong>da</strong> literatura baiana.<br />

E não é <strong>de</strong> pouca importância a presença <strong>de</strong> uma instituição como esta<br />

na <strong>Bahia</strong>, sobretudo no contexto do panorama <strong>da</strong> cultura nacional. O<br />

<strong>de</strong>senvolvimento, visível, inegável, <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> e do estado ain<strong>da</strong> não foi


suficiente para nos libertar <strong>de</strong> um colonialismo cultural que nos constrange, que<br />

nos limita, que nos insulta. A quali<strong>da</strong><strong>de</strong> dos autores baianos e a produção<br />

baiana <strong>de</strong> livros, po<strong>de</strong>m ser comprova<strong>da</strong>s nos lançamentos diários que ocorrem<br />

em Salvador, não raras vezes mais <strong>de</strong> um por dia. Apesar disto, ain<strong>da</strong> não<br />

temos as nossas editoras <strong>de</strong> conexão nacional, que editem os livros dos autores<br />

baianos e os distribuam e os divulguem nacionalmente. A luta pela publicação,<br />

pela divulgação, pela distribuição, pela permanência nas prateleiras <strong>da</strong>s<br />

livrarias, pela ven<strong>da</strong> dos livros, pelo ressarcimento dos livros vendidos, só po<strong>de</strong><br />

ser compara<strong>da</strong>, em pertinácia e força <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong>, à própria vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

escrever, à própria necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> publicar.<br />

A circunstância não ocorre apenas à <strong>Bahia</strong>. Como a injusta distribuição<br />

<strong>de</strong> ren<strong>da</strong> entre as pessoas <strong>de</strong>ste país, tem sido, também, injusta a distribuição<br />

<strong>de</strong> cultura entre os estados, ou seja, a oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> gerar, promover,<br />

distribuir e divulgar nacionalmente a cultura entre os estados, como se ain<strong>da</strong><br />

fôssemos, culturalmente, um Brasil <strong>de</strong> corte e províncias. A <strong>Bahia</strong>, no particular,<br />

tem comprovado não ser uma mera consumidora, mas geradora importante <strong>de</strong><br />

cultura, capaz <strong>de</strong> enriquecer culturalmente os outros estados, bastando, para<br />

isto, que as barreiras <strong>da</strong> distribuição e <strong>da</strong> divulgação sejam venci<strong>da</strong>s. É esta<br />

uma batalha que se trava no dia-a-dia <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> literária <strong>da</strong> nossa ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, do<br />

nosso estado. Nesta luta, que é <strong>de</strong> todos os que escrevem, incorporam-se as<br />

instituições culturais, incorpora-se sobretudo a Aca<strong>de</strong>mia, justificando o seu<br />

presente, com o mesmo empenho com que cultua o passado e ambiciona o<br />

futuro.<br />

Para finalizar, man<strong>da</strong> o protocolo <strong>da</strong> oração <strong>de</strong> posse que vos diga algo<br />

sobre o meu trabalho <strong>de</strong> escritor. Da poesia na<strong>da</strong> vos digo, que <strong>de</strong>la na<strong>da</strong> sei.<br />

Tem sido, para mim, amante infiel e caprichosa, que me surge <strong>de</strong> repente,<br />

quando menos a espero, e subitamente se vai. Quando chega, curvo-me<br />

submisso aos seus encantos e caprichos, <strong>de</strong>ixo que ela, senhora e soberana,<br />

imponha-me as suas tirânicas vonta<strong>de</strong>s. Quando se vai, na<strong>da</strong> faço para <strong>de</strong>tê-la,<br />

não a persigo, não sigo os seus invisíveis passos, e não me é <strong>da</strong>do saber se<br />

algum dia retorna. Procuro nela uma quali<strong>da</strong><strong>de</strong>, para vos exibir, e apenas lhe<br />

encontro um grave <strong>de</strong>feito: o <strong>de</strong> ser excessivamente indiscreta, expondo-me<br />

inteiro nos seus versos. Da ficção, esta fiel, que jamais me <strong>de</strong>ixou e que espero<br />

jamais me <strong>de</strong>ixe, apenas vos aponto um mérito: o <strong>de</strong> ter aprendido as lições <strong>de</strong><br />

Xavier Marques, <strong>de</strong> Vasconcelos Maia e <strong>de</strong> Jorge Amado, fazendo <strong>de</strong> Salvador<br />

o cenário <strong>da</strong>s minhas histórias. Os meus personagens vivem nas ruas, la<strong>de</strong>iras<br />

e largos <strong>de</strong>sta ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, an<strong>da</strong>m, falam, riem, amam e se aborrecem como baianos,<br />

comem dos pratos <strong>da</strong> cozinha baiana, são baianos <strong>de</strong> Salvador. Eu os quero<br />

assim, banhados <strong>da</strong> luz intensa <strong>de</strong>sta ci<strong>da</strong><strong>de</strong> morena e risonha, respirando o<br />

cheiro <strong>de</strong> mar <strong>de</strong>sta ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, impregnados do mistério, <strong>da</strong> preguiça, do <strong>de</strong>ngo, <strong>da</strong><br />

poesia e <strong>da</strong> música <strong>de</strong>sta ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, mas alimentados <strong>da</strong> força <strong>de</strong> quatro séculos e<br />

meio <strong>de</strong>sta ci<strong>da</strong><strong>de</strong>. É <strong>de</strong>sta forma que uno estes dois amores <strong>da</strong> minha vi<strong>da</strong><br />

inteira, a literatura e a Ci<strong>da</strong><strong>de</strong> do Salvador. Ao vos agra<strong>de</strong>cer, comovido, a


honra e o privilégio <strong>de</strong> pertencer à Aca<strong>de</strong>mia, vos afirmo a <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong><br />

prosseguir no caminho que tracei para a minha obra. Para um escritor, mais<br />

importante que o feito é o por fazer, o melhor livro é sempre o próximo, e o<br />

melhor <strong>de</strong> todos por vezes nem tão próximo, esboçado na idéia e na vonta<strong>de</strong>, à<br />

espera <strong>de</strong>, um dia, ser escrito.<br />

Ao me juntar a vós, Senhores Acadêmicos, não vos trago a vai<strong>da</strong><strong>de</strong> e o<br />

orgulho dos que conquistam os lauréis, embora seja esta a mais alta, mais<br />

nobre e mais expressiva láurea que se po<strong>de</strong> cumular a quem escreve nestas<br />

terras baianas. Trago-vos apenas a enorme alegria <strong>da</strong>quele menino que amava<br />

os livros e as histórias, e que via esta Casa na distância do <strong>de</strong>sconhecido e do<br />

impossível. Trago-vos o entusiasmo <strong>da</strong>quele jovem que, ao começar a escrever,<br />

sonhava, dia e noite, em ter um livro publicado. Trago-vos a emoção e as<br />

esperanças <strong>da</strong>quele moço que, ao publicar o seu primeiro livro, ain<strong>da</strong> mais<br />

intensamente do que o menino, mais conscientemente do que o jovem, <strong>de</strong>sejou<br />

muito um dia ser um <strong>de</strong> vós. Trago-vos, finalmente, a afetiva, carinhosa e<br />

reitera<strong>da</strong> afirmação <strong>de</strong> que os vossos votos e a vossa confiança trouxeram-me<br />

para a minha Casa. Por tudo isto, Senhores Acadêmicos, por muito mais que<br />

tudo isto, não vos faço um discurso, mas um canto comovido <strong>de</strong> amor à<br />

Aca<strong>de</strong>mia, um canto <strong>de</strong> amor às <strong>Letras</strong>, um canto <strong>de</strong> amor à <strong>Bahia</strong>.

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