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Revista - Memorial da América Latina

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GOVERNADOR<br />

ALBERTO GOLDMAN<br />

SECRETÁRIO DE RELAÇÕES INSTITUCIONAIS<br />

MARCOS ANTONIO DE ALBUQUERQUE<br />

FUNDAÇÃO MEMORIAL<br />

DA AMÉRICA LATINA<br />

CONSELHO CURADOR<br />

PRESIDENTE<br />

JOSÉ HENRIQUE REIS LOBO<br />

SECRETÁRIO DE CULTURA<br />

JOÃO SAYAD<br />

SECRETÁRIO DE DESENVOLVIMENTO<br />

LUCIANO SANTOS TAVARES DE ALMEIDA<br />

REITOR DA USP<br />

JOÃO GRANDINO RODAS<br />

REITOR DA UNICAMP<br />

FERNANDO FERREIRA COSTA<br />

REITOR DA UNESP<br />

HERMAN JACOBUS CORNELIS VOORWALD<br />

PRESIDENTE DA FAPESP<br />

CELSO LAFER<br />

ALMINO MONTEIRO ÁLVARES AFFONSO<br />

JOSÉ VICENTE<br />

DIRETORIA EXECUTIVA<br />

DIRETOR PRESIDENTE<br />

FERNANDO LEÇA<br />

DIRETOR DO CENTRO BRASILEIRO<br />

DE ESTUDOS DA AMÉRICA LATINA<br />

ADOLPHO JOSÉ MELFI<br />

DIRETOR DE ATIVIDADES CULTURAIS<br />

FERNANDO CALVOZO<br />

DIRETOR ADMINISTRATIVO E FINANCEIRO<br />

SÉRGIO JACOMINI<br />

CHEFE DE GABINETE<br />

JOSÉ OSVALDO CIDIN VÁLIO<br />

DIRETOR PRESIDENTE<br />

HUBERT ALQUÈRES<br />

DIRETOR INDUSTRIAL<br />

TEIJI TOMIOKA<br />

DIRETOR FINANCEIRO<br />

CLODOALDO PELISSIONI<br />

DIRETOR DE GESTÃO DE NEGÓCIOS<br />

LUCIA MARIA DAL MEDICO<br />

Número 37<br />

ISSN 0103-6777<br />

REVISTA NOSSA AMÉRICA<br />

DIRETOR<br />

FERNANDO LEÇA<br />

EDITORA EXECUTIVA / DIREÇÃO DE ARTE<br />

LEONOR AMARANTE<br />

COLABORADORA DE EDIÇÃO<br />

ANA CÂNDIDA VESPUCCI<br />

ASSISTENTE DE REDAÇÃO<br />

MÁRCIA FERRAZ<br />

TRADUÇÃO<br />

CLÁUDIA SCHILLING<br />

PRODUÇÃO<br />

HENRIQUE DE ARAUJO<br />

DIAGRAMAÇÃO E ARTE - ESTAGIÁRIOS<br />

LUANA DE ALMEIDA<br />

TOMÁS BITTAR BONANI<br />

REVISÃO - ESTAGIÁRIO<br />

ADRIANO TAKESHI MIYASATO<br />

COLABORARAM NESTE NÚMERO<br />

Adolpho José Melfi , Andrés Martín, Elvira Gentil,<br />

Fernando Calvozo, Iara Venanzi, Joca Reiners<br />

Terron, Marco Aurélio Filgueiras Gomes, Paulo<br />

Mendes <strong>da</strong> Rocha, Ricardo Sennes, Shozo Motoyama,<br />

Tereza de Arru<strong>da</strong>, Tuca Vieira e Verónica<br />

Goyzueta.<br />

CONSELHO EDITORIAL<br />

Aníbal Quijano, Carlos Guilherme Mota, Celso<br />

Lafer, Davi Arrigucci Jr., Eduardo Galeano, Luis<br />

Alberto Romero, Luis Felipe Alencastro, Luis<br />

Fernando Ayerbe, Luiz Gonzaga Belluzzo, Oscar<br />

Niemeyer, Renée Zicman, Ricardo Medrano, Roberto<br />

Retamar, Roberto Romano, Rubens Barbosa,<br />

Ulpiano Bezerra de Menezes.<br />

NOSSA AMÉRICA é uma publicação trimestral<br />

<strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção <strong>Memorial</strong> <strong>da</strong> <strong>América</strong> <strong>Latina</strong>.<br />

Re<strong>da</strong>ção: Aveni<strong>da</strong> Auro Soares de Moura Andrade,<br />

664 CEP: 01156-001. São Paulo, Brasil.<br />

Tel.: (11) 3823-4669. FAX: (11)3823-4604.<br />

Internet: http://www.memorial.sp.gov.br<br />

Email: publicacao@fmal.com.br.<br />

Os textos são de inteira responsabli<strong>da</strong>de<br />

dos autores, não refl etindo o pensamento<br />

<strong>da</strong> revista. É expressamente proibi<strong>da</strong> a<br />

reprodução, por qualquer meio, do conteúdo<br />

<strong>da</strong> revista.<br />

CAPA<br />

Foto: Iara Venanzi<br />

EDITORIAL<br />

04<br />

DOCUMENTO<br />

06<br />

DIFUSÃO<br />

12<br />

OLHAR<br />

18<br />

ARTES<br />

26<br />

TEATRO<br />

32<br />

DEPOIMENTO<br />

35<br />

CURTAS<br />

40<br />

EXPOSIÇÃO<br />

46<br />

HOMENAGEM<br />

49<br />

HISTÓRIA<br />

52<br />

INTEGRAÇÃO<br />

54<br />

URbANISMO<br />

60<br />

LIvRO<br />

64<br />

POESIA<br />

66<br />

3<br />

FERNANDO LEÇA<br />

ADOLPHO MELFI<br />

SHOZO MOTOYAMA<br />

TEREZA DE ARRUDA<br />

IARA vENANZI<br />

ANDRÉS MARTÍN<br />

ELvIRA GENTIL<br />

FERNANDO CALvOZO<br />

PAULO M. DA ROCHA<br />

JOCA REINERS TERRON<br />

vERÓNICA GOYZUETA<br />

RICARDO SENNES<br />

MARCO AURÉLIO GOMES<br />

LEONOR AMARANTE<br />

ROQUE DALTON MEDAL<br />

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EDITORIAL<br />

Em um ano especialmente significativo,<br />

pela circunstância <strong>da</strong> celebração<br />

de 200 anos <strong>da</strong> independência de vários<br />

países <strong>da</strong> <strong>América</strong> <strong>Latina</strong>, outros eventos<br />

vêm agregar especial significação<br />

e densi<strong>da</strong>de política ao momento atual.<br />

Alguns deles de conteúdo positivo,<br />

como as eleições no Uruguai, em Honduras<br />

e Bolívia (realiza<strong>da</strong>s no ano passado,<br />

com posse dos eleitos neste ano), na<br />

Costa Rica e no Chile, marcando avanços<br />

na consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> democracia na<br />

região. O mesmo ocorrerá no Brasil e na<br />

Colômbia, ganhando relevância o fato<br />

de que a Corte Constitucional deste país<br />

rejeitou a realização de um referendo<br />

que Uribe pretendia levar a efeito para<br />

tentar um terceiro man<strong>da</strong>to. Bendita<br />

Corte que se arrogou o papel de guardiã<br />

<strong>da</strong> democracia colombiana!<br />

Em dramático contraste, os acontecimentos<br />

registrados no Haiti e, mais<br />

recentemente, no Chile, <strong>da</strong> alternância<br />

democrática e contínua prosperi<strong>da</strong>de,<br />

momentaneamente interrompi<strong>da</strong>. Tanto<br />

um quanto outro revelaram, contudo,<br />

uma corrente de soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de internacional<br />

que continua a manifestar-se, não<br />

apenas em palavras mas também em<br />

aju<strong>da</strong> concreta, sobretudo ao infelicitado<br />

povo haitiano.<br />

Nesta edição de Nossa <strong>América</strong>, os<br />

leitores saberão por que o Brasil demorou<br />

tanto a criar sua primeira universi<strong>da</strong>de,<br />

fun<strong>da</strong><strong>da</strong> somente no início do século<br />

XX. O fato intriga, uma vez que o Novo<br />

Mundo teve suas três primeiras instituições<br />

ain<strong>da</strong> no século XVI: as de Santo<br />

Domingo, Lima e México. Quem esclarece<br />

são os professores Adolpho José<br />

Melfi e Shozo Motoyama, <strong>da</strong> Universi-<br />

4<br />

<strong>da</strong>de de São Paulo, o primeiro também<br />

diretor do Centro Brasileiro de Estudos<br />

<strong>da</strong> <strong>América</strong> <strong>Latina</strong>. Outra questão com<br />

viés acadêmico refere-se a dois dos mais<br />

importantes centros de estudos sobre a<br />

<strong>América</strong> <strong>Latina</strong>, ambos em Berlim, na<br />

Alemanha, em artigo de Tereza de Arru<strong>da</strong>,<br />

historiadora e curadora brasileira,<br />

radica<strong>da</strong> naquele país.<br />

Um olhar especial recai na mais<br />

europeia ci<strong>da</strong>de latino-americana, cujos<br />

cafés dão graça e movimento à paisagem,<br />

conforme captaram as lentes sensíveis<br />

<strong>da</strong> fotógrafa Iara Venanzi. E o Museu<br />

de Belas Artes de Havana, que nos<br />

dá a dimensão <strong>da</strong> riqueza cultural, no<br />

texto de Andrés Martín, coordenador de<br />

exposições do MAM de São Paulo.<br />

O <strong>Memorial</strong> <strong>da</strong> <strong>América</strong> <strong>Latina</strong><br />

realizou seu III Festival de Teatro Ibero-<br />

Americano, trazendo dezenas de companhias<br />

e as mais recentes montagens de<br />

destacados grupos teatrais <strong>da</strong> Espanha,<br />

Portugal, Brasil, Argentina, Uruguai,<br />

Cuba, Peru, México e Colômbia. Fernando<br />

Calvozo, diretor do Departamento<br />

de Ativi<strong>da</strong>des Culturais do <strong>Memorial</strong> <strong>da</strong><br />

<strong>América</strong> <strong>Latina</strong>, e Elvira Gentil escrevem<br />

sobre o saldo positivo que o evento tem<br />

deixado no meio teatral. Outro fato a ser<br />

comemorado, a fun<strong>da</strong>ção de Brasília, há<br />

50 anos, traz às páginas de Nossa <strong>América</strong><br />

um dos mais importantes arquitetos brasileiros,<br />

Paulo Mendes <strong>da</strong> Rocha, prestando<br />

um depoimento exclusivo sobre a<br />

importância <strong>da</strong> iniciativa para o cenário<br />

regional. E uma novi<strong>da</strong>de nesta edição:<br />

uma nova seção para tratar de assuntos<br />

variados e curiosos. Chama-se Curtas e<br />

vai percorrer diversos países <strong>da</strong> <strong>América</strong><br />

<strong>Latina</strong> para registrar diferentes temas, de<br />

30406009 miolo.indd 4 8/4/2010 15:01:54


FOTOs: reprOduçãO<br />

política, à mo<strong>da</strong>, de economia a costumes,<br />

em textos curtos, mas saborosos.<br />

Em análise de Joca Reiners Terron,<br />

escritor e editor, a morte trágica de<br />

Tomás Eloy Martínez, em janeiro deste<br />

ano, representa o fi m de to<strong>da</strong> uma geração<br />

que consolidou o boom <strong>da</strong> literatura<br />

latino-americana no cenário internacional.<br />

Mas o ano de 2010 é também de<br />

celebrações: vários países latino-americanos<br />

comemoram seu bicentenário de<br />

independência, e na opinião de Verónica<br />

Goyzueta, mestre em educação, arte e<br />

história <strong>da</strong> cultura, o momento é propício<br />

às refl exões sobre passado e futuro.<br />

Como estão neste momento as relações<br />

entre os países latino-americanos<br />

e qual o papel do Brasil nesse processo é<br />

o que conta Ricardo Sennes, professor de<br />

relações internacionais <strong>da</strong> PUC-SP, para<br />

quem defi nir um projeto comum em<br />

uma região de diversi<strong>da</strong>des é um grande<br />

desafi o. Importante também para to<strong>da</strong> a<br />

<strong>América</strong> <strong>Latina</strong> foi o intenso intercâmbio<br />

na área de urbanística que os profi ssionais<br />

experimentaram entre os anos 30 e<br />

60, período de industrialização e desenvolvimento,<br />

conforme aponta Marco<br />

Aurélio de Filgueiras Gomes, professor<br />

<strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Federal <strong>da</strong> Bahia.<br />

Por último, Leonor Amarante,<br />

editora de Nossa <strong>América</strong>, analisa um livro<br />

bem-elaborado e curioso, a Roupa de<br />

Artista – O Vestuário na Obra de Arte, <strong>da</strong><br />

historiadora Cacil<strong>da</strong> Teixeira <strong>da</strong> Costa,<br />

sobre o papel <strong>da</strong> indumentária na expressão<br />

artística. A poesia que encerra<br />

a edição é El Gran Despecho, de Roque<br />

Dalton Me<strong>da</strong>l, jornalista e renomado<br />

poeta salvadorenho.<br />

Boa Leitura !<br />

Fernando Leça<br />

Presidente do <strong>Memorial</strong><br />

<strong>da</strong> <strong>América</strong> <strong>Latina</strong><br />

30406009 miolo.indd 5 8/4/2010 15:02:02<br />

5


6<br />

AMÉRICA HISPÂNICA<br />

PIONEIRA<br />

ADOLPHO MELFI<br />

SHOZO MOTOYAMA<br />

DOCUMENTO<br />

UNIVERSIDADES<br />

BRASILEIRAS<br />

SÉCULOS DEPOIS<br />

Ao longo dos primeiros quatro séculos<br />

após sua descoberta, o Brasil<br />

não viu surgir qualquer tipo de<br />

instituição universitária. O fato<br />

intriga e inquieta muita gente interessa<strong>da</strong><br />

no estudo <strong>da</strong> educação<br />

superior brasileira. Por que a universi<strong>da</strong>de tardou<br />

tanto em aparecer nas terras descobertas por<br />

Cabral? Afinal, esse tipo de instituição surgiu há<br />

muito tempo atrás, possuindo uma história quase<br />

milenar. Mesmo no Novo Mundo, os nossos vizinhos<br />

<strong>da</strong> <strong>América</strong> Espanhola podem se orgulhar<br />

de ter criado enti<strong>da</strong>des universitárias já no século<br />

XVI. Com efeito, as primeiras universi<strong>da</strong>des<br />

brasileiras foram fun<strong>da</strong><strong>da</strong>s somente a partir<br />

dos primórdios do século XX, apesar de várias<br />

30406009 miolo.indd 6 8/4/2010 15:02:02


FOTOs: reprOduçãO<br />

iniciativas visando a sua criação nas centúrias<br />

anteriores. A primeira delas parece<br />

ter sido a Universi<strong>da</strong>de do Brasil, instala<strong>da</strong><br />

pelos padres jesuítas em 1592, na Bahia,<br />

mas que não recebeu autorização e reconhecimento<br />

para funcionar nem por parte<br />

<strong>da</strong> Igreja e nem do governo português.<br />

Na Europa, as primeiras universi<strong>da</strong>des<br />

surgiram na I<strong>da</strong>de Média, sendo a<br />

Universi<strong>da</strong>de de Bolonha (Itália) a mais<br />

antiga, fun<strong>da</strong><strong>da</strong> em 1088, segui<strong>da</strong> por<br />

Oxford, em 1096, e pela Universi<strong>da</strong>de<br />

de Paris, em 1170. Entretanto, nos anos<br />

1500, as universi<strong>da</strong>des deixam de ser privilégio<br />

do Velho Mundo, pois na <strong>América</strong><br />

Espanhola o sistema universitário de<br />

fundo religioso <strong>da</strong> Contra-Reforma católica<br />

começou a ser implantado ain<strong>da</strong><br />

no século XVI. A Universi<strong>da</strong>de de São<br />

Domingos, na República Dominicana,<br />

fun<strong>da</strong><strong>da</strong> no ano de 1538, é considera<strong>da</strong><br />

a mais antiga <strong>da</strong> <strong>América</strong> <strong>Latina</strong>. Logo a<br />

seguir, em 1551, foram cria<strong>da</strong>s universi<strong>da</strong>des<br />

no Peru (Universi<strong>da</strong>de Nacional<br />

de San Marcos) e no México (Universi<strong>da</strong>de<br />

Autônoma do México). Por ocasião<br />

<strong>da</strong> separação dessas colônias <strong>da</strong><br />

Espanha, já existiam em funcionamento<br />

cerca de 20 universi<strong>da</strong>des. Na época<br />

colonial, a <strong>América</strong> Espanhola chegou<br />

a formar cerca de 150 mil universitários<br />

(Trin<strong>da</strong>de e Blanquer, 2002), enquanto<br />

que, no Brasil, durante o mesmo período<br />

(1500-1822), somente o ensino médio<br />

era oferecido, pelos jesuítas. Para<br />

os habitantes do país, o ensino superior<br />

tinha de ser feito na Europa, em<br />

Portugal, na Universi<strong>da</strong>de de Coimbra<br />

(Teologia e Direito), fun<strong>da</strong><strong>da</strong> em<br />

1290, em Lisboa, – depois transferi<strong>da</strong><br />

para Coimbra – ou na França, na Uni-<br />

A Universi<strong>da</strong>de de Santo Domingo,<br />

na República Dominicana,<br />

de 1538, é a mais antiga do<br />

Novo Mundo.<br />

versi<strong>da</strong>de de Montpellier (Medicina).<br />

Nesse período, somente 2.500 pessoas<br />

obtiveram o nível universitário.<br />

Por que tanta diferença entre dois<br />

complexos coloniais de metrópoles situa<strong>da</strong>s<br />

na mesma Península Ibérica? As<br />

questões têm várias origens: políticas de<br />

dominação, política interna <strong>da</strong>s metrópoles,<br />

bem como suas reali<strong>da</strong>des e de<br />

suas colônias. Por exemplo: nos domínios<br />

espanhóis, os nativos possuíam um<br />

grau de civilização elevado. Ninguém<br />

duvi<strong>da</strong> <strong>da</strong> alta cultura engendra<strong>da</strong> pelos<br />

maias, astecas e incas. A Coroa espanhola<br />

tinha de se esmerar para poder<br />

se impor culturalmente. Dentro dessa<br />

perspectiva, a universi<strong>da</strong>de – uma <strong>da</strong>s<br />

30406009 miolo.indd 7 8/4/2010 15:02:02<br />

7


expressões mais altas <strong>da</strong> cultura europeia<br />

– tinha de desempenhar o seu papel. No<br />

território dominado pelos portugueses,<br />

os nativos <strong>da</strong> terra não possuíam grande<br />

sofisticação cultural.<br />

A transferência <strong>da</strong> família real<br />

portuguesa para o Brasil, em 1808, viria<br />

a contribuir decisivamente para a<br />

evolução do ensino superior no país. O<br />

fato gerou profun<strong>da</strong>s modificações na<br />

educação superior brasileira, pois exigiu<br />

principalmente a formação de quadros<br />

para atender as deman<strong>da</strong>s do governo<br />

e <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. Porém, a implantação<br />

do ensino superior não se deu por meio<br />

de universi<strong>da</strong>des, considera<strong>da</strong>s pelo governo<br />

português como centros reacionários,<br />

mas sim por meio de facul<strong>da</strong>des<br />

e escolas isola<strong>da</strong>s, seguindo o modelo<br />

francês napoleônico, focado na formação<br />

de profissionais civis e militares.<br />

Logo em segui<strong>da</strong> à chega<strong>da</strong> do príncipe<br />

regente ao Brasil, em janeiro de 1808,<br />

em Salvador, Bahia, um Decreto Real<br />

criava a Escola de Cirurgia <strong>da</strong> Bahia,<br />

hoje Facul<strong>da</strong>de de Medicina <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de<br />

Federal <strong>da</strong> Bahia. Em fevereiro, a<br />

Corte se transfere para o Rio de Janeiro,<br />

e neste mesmo ano é cria<strong>da</strong> a Escola de<br />

Cirurgia e Anatomia, atual Facul<strong>da</strong>de de<br />

Medicina <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Federal do<br />

Rio de Janeiro. Merece destaque, ain<strong>da</strong>,<br />

a fun<strong>da</strong>ção, em 1808, <strong>da</strong> Academia dos<br />

Guar<strong>da</strong>s-marinhas e, em 1810, <strong>da</strong> Academia<br />

Real Militar, além de outras escolas<br />

superiores, sempre com a marca do<br />

prático, como o Gabinete <strong>da</strong> Química<br />

(Rio de Janeiro) e o Curso de Agricultura<br />

(Bahia, 1812).<br />

Somente quatro séculos após<br />

seu descobrimento o Brasil teria as<br />

suas primeiras universi<strong>da</strong>des, e mesmo<br />

assim não de forma permanente.<br />

Foi o caso <strong>da</strong> Escola Livre de Manaus,<br />

cria<strong>da</strong> em 1909, depois denomina<strong>da</strong><br />

Universi<strong>da</strong>de de Manaus, e <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de<br />

do Paraná, impedi<strong>da</strong> de funcionar,<br />

já que só se reconhecia a criação<br />

8<br />

de instituições de ensino superior em<br />

ci<strong>da</strong>des com mais de 100 mil habitantes.<br />

Uma história curiosa refere-se à fun<strong>da</strong>ção<br />

<strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de do Rio de Janeiro,<br />

cria<strong>da</strong> em 1920, reunindo a Escola Politécnica<br />

e as Facul<strong>da</strong>des de Direito e de<br />

Medicina, com o objetivo de conceder o<br />

título de “Doutor Honoris Causa” ao rei<br />

<strong>da</strong> Bélgica, em visita ao Brasil.<br />

A partir de 1929 o governo começou<br />

a fomentar a criação de universi<strong>da</strong>des,<br />

cujo modelo guar<strong>da</strong>va pouca relação<br />

com o conceito atual, de associar<br />

ensino, pesquisa e extensão. Em 1923,<br />

em um artigo publicado em jornal do<br />

Rio de Janeiro, o matemático Amoroso<br />

Costa reclamava <strong>da</strong> mentali<strong>da</strong>de: “a ciência<br />

é útil porque dela precisam os engenheiros,<br />

os médicos, os industriais e<br />

os militares; mas não vale a pena fazê-la<br />

no Brasil, porque é mais cômodo e mais<br />

barato importá-la <strong>da</strong> Europa”.<br />

Em 1930, foi criado o Ministério<br />

<strong>da</strong> Educação e Saúde, que promoveu,<br />

já em 1931, uma grande reforma<br />

educacional em todo o ensino médio<br />

e criou o primeiro Estatuto <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de<br />

Brasileira. A criação <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de<br />

de São Paulo (USP) constituiu<br />

um marco, por iniciar uma nova fase no<br />

desenvolvimento científico e cultural do<br />

país. Cria<strong>da</strong> sobre uma sóli<strong>da</strong> base científica,<br />

obedecia a um ambicioso projeto<br />

político e cultural.<br />

Outras universi<strong>da</strong>des foram cria<strong>da</strong>s<br />

logo depois, como a do Distrito Federal<br />

(atual Rio de Janeiro), em 1935, e<br />

as várias instituições católicas de ensino<br />

superior (embriões <strong>da</strong>s futuras Universi<strong>da</strong>des<br />

Católicas), apoia<strong>da</strong>s pelo poder<br />

público, como resultado <strong>da</strong> aliança entre<br />

a Igreja e o regime em vigor. Nos anos<br />

seguintes, refletindo a ascensão <strong>da</strong>s classes<br />

médias e o avanço do processo de<br />

industrialização, intensificou-se a deman<strong>da</strong><br />

pela educação superior, atendi<strong>da</strong> pela<br />

criação de novas instituições e pela progressiva<br />

absorção, pelo Governo Fede-<br />

30406009 miolo.indd 8 8/4/2010 15:02:02


al, <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de em manter uma<br />

larga parcela <strong>da</strong>s facul<strong>da</strong>des. No fi nal <strong>da</strong><br />

déca<strong>da</strong> de 40, o país contava com 10 universi<strong>da</strong>des<br />

e um número bem maior de<br />

instituições isola<strong>da</strong>s de ensino superior.<br />

Os quase trinta anos que medeiam<br />

a ditadura do Estado Novo (1937) e<br />

aquela do Regime Militar (1964) marcam<br />

um tempo em que foram lança<strong>da</strong>s<br />

as bases do Brasil contemporâneo. Houve<br />

mu<strong>da</strong>nças no aparelho do estado, no<br />

seio <strong>da</strong> economia, <strong>da</strong> educação e, sobretudo,<br />

<strong>da</strong> Ciência e Tecnologia (C&T).<br />

A industrialização, por sua vez,<br />

avançava. A partir de 1955, a economia<br />

brasileira entra em um novo patamar.<br />

Deixando de lado a postura<br />

nacionalista do governo anterior, do<br />

presidente Café Filho (agosto de 1954<br />

- novembro de 1955) abriu as portas<br />

para o capital estrangeiro e permitiuse<br />

a importação de equipamentos sem<br />

a necessária cobertura cambial, provocando<br />

um desenvolvimento industrial<br />

acelerado. Em segui<strong>da</strong>, no governo<br />

de Juscelino Kubitschek (1956-1961),<br />

deu-se a instalação <strong>da</strong> indústria automobilística<br />

dentro do seu famoso<br />

“Programa de Metas”.<br />

A educação sofreu, igualmente,<br />

grandes transformações. A atuação do<br />

governo foi essencial para essa expansão,<br />

criando mecanismos para facilitar<br />

o acesso ao ensino superior. Em 1964,<br />

o Brasil possuía 37 universi<strong>da</strong>des, sendo<br />

28 públicas e nove priva<strong>da</strong>s.<br />

O regime ditatorial (1964-1985)<br />

teve papel relevante na defi nição dos<br />

padrões educacionais do país. A discuti<strong>da</strong><br />

e deseja<strong>da</strong> modernização do ensino<br />

foi realiza<strong>da</strong> segundo o modelo norteamericano,<br />

simbolizado pelo acordo<br />

MEC-Usaid – Ministério <strong>da</strong> Educação e<br />

Cultura e United States Agency for International<br />

Development – , abominado<br />

pela maioria de estu<strong>da</strong>ntes e professores.<br />

Como não era possível para o<br />

poder público atender to<strong>da</strong> a deman<strong>da</strong>,<br />

o Ministério <strong>da</strong> Educação facilitou os<br />

processos de credenciamento de instituições<br />

priva<strong>da</strong>s, embora nem sempre<br />

contemplando os preceitos de quali<strong>da</strong>de.<br />

No fi nal do período <strong>da</strong> ditadura militar,<br />

o país contava com 859 instituições<br />

de ensino superior, sendo 68 universi<strong>da</strong>des,<br />

49 públicas, 20 priva<strong>da</strong>s. Hoje o<br />

ensino superior no Brasil encontra-se<br />

consoli<strong>da</strong>do dentro do mesmo modelo<br />

organizacional estabelecido no período<br />

ditatorial, com pequenas mu<strong>da</strong>nças introduzi<strong>da</strong>s<br />

pela constituição de 1988 e<br />

pela Lei de Diretrizes e Bases <strong>da</strong> Educação<br />

Nacional, de 1996.<br />

Em 2007, o Brasil possuía 2.281<br />

instituições de ensino superior, sendo<br />

183 universi<strong>da</strong>des, 120 centros universitários<br />

e 1.978 instituições isola<strong>da</strong>s. Se<br />

entre as universi<strong>da</strong>des existe certo equilíbrio<br />

entre as públicas e as priva<strong>da</strong>s,<br />

o mesmo não ocorre com os centros<br />

universitários e as instituições isola<strong>da</strong>s,<br />

onde o predomínio <strong>da</strong>s priva<strong>da</strong>s é quase<br />

total. O setor privado responde hoje<br />

por 80% <strong>da</strong>s matrículas. Segundo <strong>da</strong>dos<br />

no Ministério <strong>da</strong> Educação o número<br />

de alunos matriculados em 2008<br />

era de 4,8 milhões, número considerado<br />

baixo para uma população de cerca<br />

de 23 milhões de jovens na faixa etária<br />

entre 18 e 24 anos.<br />

9<br />

Universi<strong>da</strong>de de São Paulo:<br />

cria<strong>da</strong> em 1934, constituiu<br />

um marco no desenvolvimento<br />

científi co e cultural do país.<br />

30406009 miolo.indd 9 8/4/2010 15:02:03


A Universi<strong>da</strong>de de São Marcos, em Lima,<br />

Peru, foi fun<strong>da</strong><strong>da</strong> em 1551.<br />

10<br />

UNIVERSIDADE DE SANTO<br />

DOMINGO<br />

A Universi<strong>da</strong>de Autônoma de Santo<br />

Domingo, pode ser considera<strong>da</strong> a mais<br />

antiga do Novo Mundo. Sua história<br />

teve início com o ensino de Estudo Geral,<br />

ministrado por padres dominicanos,<br />

desde 1518, em São Domingo, na época<br />

sede do Vice-Reinado <strong>da</strong> colonização<br />

espanhola. O ensino seguia o modelo<br />

adotado na Universi<strong>da</strong>de de Alcalá de<br />

Herrares, cria<strong>da</strong> na Espanha em 1499.<br />

Após funcionar por 263 anos sem interrupção,<br />

ensinando Medicina, Direito,<br />

Teologia e Artes, ela fechou devido<br />

a ocupação <strong>da</strong> colônia pelos haitianos e<br />

a consequente saí<strong>da</strong> dos dominicanos.<br />

Reabriu em 1815, como instituição laica,<br />

voltando a fechar em 1822 por falta de<br />

alunos, obrigados ao serviço militar por<br />

causa de uma nova ocupação dos haitianos.<br />

A independência, em 1844, levou<br />

São Domingo a pensar na sua reabertura,<br />

o que ocorreu somente em 1866,<br />

com o nome de Instituto Profi ssional,<br />

mas que fechou, de novo, de 1891 a<br />

1895. Em 1914, o presidente Ramón<br />

Báez, que também era reitor do Instituto<br />

Profi ssional, assinou um decreto<br />

transformando o instituto em Universi<strong>da</strong>de<br />

de Santo Domingo.<br />

UNIVERSIDADE NACIONAL<br />

MAIOR DE SÃO MARCOS<br />

A Universi<strong>da</strong>de de São Marcos foi cria<strong>da</strong><br />

por um ato do rei <strong>da</strong> Espanha, Carlos V,<br />

em 1551, assinado em Valladolid, acolhendo<br />

iniciativa dos dominicanos, de ensino<br />

de Teologia e Artes, nos conventos de<br />

Cuzco e Lima. Por muitos historiadores<br />

considera<strong>da</strong> a mais antiga do Continente,<br />

suas ativi<strong>da</strong>des começaram dois anos mais<br />

tarde com a soleni<strong>da</strong>de de instalação realiza<strong>da</strong><br />

na sala Capitular do Convento do<br />

Rosário <strong>da</strong> Ordem dos Dominicanos.<br />

UNIVERSIDADE NACIONAL<br />

AUTôNOMA DO MÉxICO<br />

Desde o início de 1536, havia entre os<br />

Franciscanos o desenho de que a Nova<br />

Espanha tivesse uma Universi<strong>da</strong>de. O<br />

desejo foi acolhido, pouco mais tarde,<br />

em 1547, pelo Vice-Rei Antonio de Mendoza<br />

e pela Coroa espanhola. O México,<br />

entretanto, teria sua universi<strong>da</strong>de somente<br />

em 1551 (alguns meses após a criação<br />

<strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de São Marcos), com<br />

a criação <strong>da</strong> Real Pontifícia Universi<strong>da</strong>de<br />

do México, que iniciou ativi<strong>da</strong>des em<br />

1553. Com a independência, passou a ser<br />

chama<strong>da</strong> de Universi<strong>da</strong>de Nacional Pontifícia,<br />

para depois fi car com o nome de<br />

Universi<strong>da</strong>de do México.<br />

Adolpho José Melfi - professor titular <strong>da</strong> Escola<br />

Superior de Agricultura Luiz de Queiroz<br />

(USP) e diretor do Centro Brasileiro de Estudos<br />

<strong>da</strong> <strong>América</strong> <strong>Latina</strong>/CBEAL do <strong>Memorial</strong><br />

<strong>da</strong> <strong>América</strong> <strong>Latina</strong>; Shozo Motoyama<br />

é professor titular <strong>da</strong> Facul<strong>da</strong>de de Filosofi a,<br />

Letras e Ciências Humanas/USP.<br />

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11


12<br />

DIFUSÃO<br />

BERLIM<br />

PRESENÇA IBERO-AMERICANA<br />

ALEMANHA MANTÉM<br />

INTERESSE NA REGIÃO<br />

TEREZA DE ARRUDA<br />

A<br />

configuração geopolítica mundial<br />

tem passado por várias alterações.<br />

Ao revermos os últimos<br />

vinte anos após a que<strong>da</strong> do muro<br />

de Berlim podemos contabilizar<br />

uma grande alteração principalmente<br />

referente aos países <strong>da</strong> Europa Oriental.<br />

Muitos deles foram também incorporados à Comuni<strong>da</strong>de<br />

Europeia, enfatizando uma nova relação<br />

interdisciplinar contínua. O foco <strong>da</strong>s relações<br />

internacionais alemãs esteve, portanto, voltado a esta<br />

região, se estendendo consequentemente à Ásia e<br />

mais especificamente à China. Contudo, a Alemanha<br />

não perdeu seu interesse por outros países<br />

e nem mesmo por outros continentes, como é o<br />

caso <strong>da</strong> <strong>América</strong> <strong>Latina</strong>. Aliás, existe uma relação<br />

30406009 miolo.indd 12 8/4/2010 15:02:05


FOTO: reprOduçãO<br />

A imponente biblioteca <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de<br />

Livre de Berlim mantém um acervo com<br />

numerosos títulos de escritores latinos.<br />

30406009 miolo.indd 13 8/4/2010 15:02:06<br />

13


O Instituto de Estudos<br />

Latino-Americanos oferece<br />

várias disciplinas e uma<br />

atuação abrangente.<br />

contínua institucional, que atua de forma<br />

abrangente como plataforma de ensino,<br />

pesquisa, intercâmbio e divulgação<br />

<strong>da</strong> cultura latino-americana na Alemanha.<br />

O Brasil conquistou certo destaque<br />

sendo uma <strong>da</strong>s maiores potências<br />

do Bric – sigla cria<strong>da</strong> para representar<br />

Brasil, Rússia, Índia e China –, quatro<br />

países com um crescimento anual entre<br />

5 e 10%, o que os levará possivelmente<br />

a se tornarem grandes potências<br />

mundiais nas próximas déca<strong>da</strong>s.<br />

O Brasil, o único do grupo localizado<br />

na <strong>América</strong> <strong>Latina</strong>, desvia a atenção<br />

para este continente e seus países vizinhos,<br />

com os quais possue diversos<br />

acordos bilaterais.<br />

14<br />

Em Berlim se encontram dois<br />

grandes centros, os quais contabilizam<br />

focos potenciais de aproximação contínua<br />

com a <strong>América</strong> <strong>Latina</strong>, representados<br />

pelo Instituto Ibero-Americano <strong>da</strong><br />

Fun<strong>da</strong>ção do Patrimônio Cultural Prussiano<br />

e pelo Instituto Latino-americano<br />

<strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Livre de Berlim. O<br />

primeiro foi criado em janeiro de 1930,<br />

tendo já como legado a biblioteca particular<br />

de Ernesto Quesa<strong>da</strong> composta de<br />

82 mil volumes, sendo ain<strong>da</strong> agregado<br />

a este valioso acervo 25 mil volumes<br />

<strong>da</strong> Biblioteca Mexicana, reunidos por<br />

Hermann Hagen com o apoio de vários<br />

colaboradores. Este é o ponto de parti<strong>da</strong><br />

para o entendimento cultural não<br />

30406009 miolo.indd 14 8/4/2010 15:02:06<br />

FOTOs: reprOduçãO


FOTOs: reprOduçãO<br />

só com a <strong>América</strong> <strong>Latina</strong>, mas também<br />

com a Península Ibérica.<br />

A partir de 1934 o Instituto passou<br />

a ser dirigido pelo general de divisão<br />

reformado Wilhelm Faupel, e passou a<br />

ser instrumentalizado, criando material<br />

propagandístico alemão a ser distribuído<br />

no exterior, sem, porém, ter um papel<br />

mais decisivo na política externa do<br />

sistema nazista. O Instituto conseguiu<br />

manter-se ativo mesmo durante a Segun<strong>da</strong><br />

Guerra Mundial, independente<br />

do baixo número de funcionários e de<br />

recursos limitados. Em 1945, no en-<br />

O Instituto Ibero-Americano<br />

manteve-se ativo mesmo<br />

durante a Segun<strong>da</strong> Guerra Mundial.<br />

tanto, contabilizou-se a per<strong>da</strong> de uma<br />

grande parte de seu legado, aproxima<strong>da</strong>mente<br />

40 mil volumes, os quais<br />

continuam desaparecidos até hoje,<br />

após terem sido destruídos nos bombardeios<br />

ou retirados clandestinamente<br />

de depósitos provisórios. Suas ativi<strong>da</strong>des<br />

foram reinicia<strong>da</strong>s como Biblioteca<br />

Latino-Americana, e rapi<strong>da</strong>mente se<br />

retomou a publicação de periódicos<br />

específicos, voltando a ser um local<br />

abrangente de pesquisa científica.<br />

Em 1977 o Instituto Ibero-Americano<br />

se mudou para as dependências<br />

30406009 miolo.indd 15 8/4/2010 15:02:07<br />

15


atuais em um prédio do complexo arquitetônico<br />

criado por Hans Scharoun<br />

na Pots<strong>da</strong>mer Strasse, centro de Berlim.<br />

Hoje o Instituto possui a maior biblioteca<br />

europeia especializa<strong>da</strong> em <strong>América</strong><br />

<strong>Latina</strong>, Caraíbas, Espanha e Portugal.<br />

Como um centro interdisciplicar de<br />

trabalho científico e acadêmico, organiza<br />

em sua sede simpósios, exposições,<br />

oferece bolsa de pesquisa, entre outras<br />

facili<strong>da</strong>des destina<strong>da</strong>s ao entendimento<br />

e à integração cultural <strong>da</strong>s regiões aqui<br />

menciona<strong>da</strong>s.<br />

A Universi<strong>da</strong>de Livre de Berlim<br />

criou em 1970 o Instituto de Estudos<br />

Latino-Americanos, dedicado ao ensino<br />

e à pesquisa, contendo atualmente seis<br />

disciplinas distintas: Antropologia <strong>da</strong>s<br />

<strong>América</strong>s, História, Estudos de Língua,<br />

Literatura e Cultura <strong>da</strong> <strong>América</strong> <strong>Latina</strong><br />

(<strong>América</strong> hispânica e Brasil), Ciências<br />

políticas, Sociologia e Economia. Com<br />

um campo de atuação tão abrangente, o<br />

Instituto passou a estender seus tentáculos<br />

por to<strong>da</strong> a <strong>América</strong> do Sul, criando<br />

parcerias efetivas com diversas universi<strong>da</strong>des<br />

e instituições nas quais trabalham<br />

hoje pessoas atuantes, que passaram, em<br />

muitos casos, um período de sua formação<br />

no instituto berlinense.<br />

Com relação ao Brasil especificamente,<br />

foi recém-criado o Centro de<br />

Pesquisas Brasileiras, celebrado com<br />

uma conferência realiza<strong>da</strong> entre os dias<br />

4 e 6 de fevereiro deste ano. Com uma<br />

programação abrangente e interdisciplinar,<br />

sua intenção é criar e coordenar<br />

projetos e pesquisas na área de ciência,<br />

cultura e sociologia, levando à análise do<br />

Brasil no contexto mundial. Contando<br />

com professores alemães e estrangeiros,<br />

este há de ser mais um atrativo, que levará<br />

a uma maior visibili<strong>da</strong>de do Brasil<br />

em termos comparativos.<br />

Um dos mais atuantes no setor<br />

de “Brasilianística” do Instituto de Estudos<br />

Latino-americanos é o Professor<br />

Berthold Zilly. Atraído pelo Brasil por<br />

16<br />

vias indiretas, Zilly estu<strong>da</strong>va em Caen,<br />

na França, em meados <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 60,<br />

quando passou a se interessar pela literatura<br />

e pela cultura brasileira, que na<br />

época eram muito divulga<strong>da</strong>s naquele<br />

país. Nos anos de 1968 e 1969 ele vivenciou<br />

o Brasil, quando frequentou a<br />

Universi<strong>da</strong>de de São Paulo. A partir <strong>da</strong>í,<br />

sua vivência profissional evoluiu lado a<br />

lado com a cultura brasileira. Uma <strong>da</strong>s<br />

últimas publicações <strong>da</strong> qual participou<br />

foi o livro Brasil, País do Passado, no qual<br />

ele revê a evolução sócio-política nacional<br />

– ain<strong>da</strong> respal<strong>da</strong><strong>da</strong> em estruturas e<br />

problemáticas já conheci<strong>da</strong>s, como a desigual<strong>da</strong>de<br />

social e a falta de ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia.<br />

Em uma entrevista concedi<strong>da</strong><br />

para esta matéria em Berlim, o professor<br />

Berthold Zilly salienta que é um defensor<br />

e divulgador <strong>da</strong> cultura e <strong>da</strong> literatura<br />

brasileira por meio de sua atuação<br />

como especialista na área. Por meio de<br />

sua dedicação, esse contexto tem sido<br />

difundido na Alemanha há muitas gerações.<br />

Ele pede a liber<strong>da</strong>de de se expressar<br />

como um “brasileiro” e ressaltar<br />

suas inquietações e ambições nesse sentido.<br />

Se em algum momento se apresenta<br />

muito crítico, isso ocorre de forma<br />

construtiva e progressiva, sem vestígios<br />

de conformismos ou passivi<strong>da</strong>de, mas<br />

sim com grande otimismo. Poderíamos<br />

dizer que sua “bíblia” literária é o livro<br />

Os Sertões, de Euclides <strong>da</strong> Cunha,<br />

que traduziu para o alemão, além de<br />

ser ponto de parti<strong>da</strong> para sua formação<br />

e sua atuação.<br />

O livro Os Sertões, segundo Berthold<br />

Zilly, não perde sua atuali<strong>da</strong>de,<br />

pelo fato de Euclides <strong>da</strong> Cunha ter salientado<br />

na época várias características e<br />

problemáticas locais que continuam em<br />

vigor até hoje. “Houve sim numerosas<br />

melhorias no setor social e econômico<br />

brasileiro, porém nos encontramos em<br />

um processo lento que tem de permanecer<br />

em vigor e ser aprimorado de forma<br />

progressiva”. Segundo Berthold Zilly,<br />

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FOTO: ArQuIVO pessOAL BerTHOLd ZILLY<br />

“o desempenho depende do empenho”.<br />

O motivo do fascínio não é somente a<br />

obra literária de Euclides <strong>da</strong> Cunha, mas<br />

também sua postura inovadora e pioneira.<br />

O autor pode ser visto como um dos<br />

primeiros ativistas ecológicos, ao alertar<br />

que a paisagem e, neste caso, o sertão,<br />

não existe somente por conta <strong>da</strong>s condições<br />

climáticas, mas pelas queima<strong>da</strong>s, e<br />

também pela simbiose entre natureza e<br />

ser humano. O metabolismo natureza/<br />

homem deveria ser considerado como<br />

um fenômeno atuante neste processo,<br />

desde seus primórdios. O ano de 2010<br />

demarcará uma nova fase para Berthold<br />

Zilly: ao se aposentar e se distanciar de<br />

suas ativi<strong>da</strong>des como professor de literatura<br />

brasileira, ele poderá se dedicar inteiramente<br />

ao conteúdo de seu interesse,<br />

publicando e traduzindo obras literárias a<br />

O Instituto é a casa do professor Berthold Zilly, laureado na Alemanha<br />

com o prêmio Wieland, em 1995, pela tradução <strong>da</strong> obra<br />

Os Sertões de Euclides <strong>da</strong> Cunha. No Brasil, foi eleito pela<br />

União dos Críticos de São Paulo o melhor do ano na<br />

categoria de difusão <strong>da</strong> literatura brasileira.<br />

serem divulga<strong>da</strong>s entre os meios já existentes<br />

e os que virão a surgir.<br />

No ano de 2010 ain<strong>da</strong> se celebra<br />

mundialmente o bicentenário do movimento<br />

de independência na <strong>América</strong><br />

<strong>Latina</strong>. A Casa <strong>da</strong>s Culturas do Mundo,<br />

renoma<strong>da</strong> instituição berlinense cria<strong>da</strong><br />

há 20 anos, apresentará um programa<br />

interdisciplinar composto de concertos,<br />

fi lmes, exposições e discussões, abrindo<br />

mais uma plataforma democrática de integração<br />

entre a Alemanha e a <strong>América</strong><br />

<strong>Latina</strong> na atuali<strong>da</strong>de.<br />

Tereza de Arru<strong>da</strong> trabalha como historiadora<br />

de arte e curadora independente desde 1989<br />

em Berlim, onde estudou História <strong>da</strong> Arte na<br />

Universi<strong>da</strong>de Livre de Berlim.<br />

30406009 miolo.indd 17 8/4/2010 15:02:09<br />

17


18<br />

CAFÉS DE<br />

bUENOS AIRES<br />

IARA vENANZI<br />

OLHAR<br />

O ChARME<br />

DISCRETO<br />

Os cafés, casas às vezes centenárias,<br />

surgem a todo instante<br />

imprimindo graça, cor e movimento<br />

às ruas de Buenos<br />

Aires. Para conversar, ler, sonhar,<br />

ou simplesmente derramar<br />

emoções pelas calça<strong>da</strong>s adjacentes, o hábito<br />

pertence ao charmoso cotidiano <strong>da</strong> mais europeia<br />

ci<strong>da</strong>de latino-americana. Importados nos<br />

tempos áureos de prosperi<strong>da</strong>de argentina, vieram<br />

para ficar calados na alma portenha, como<br />

mostram as lentes sensíveis de Iara Venanzi.<br />

Fotógrafa do mundo, ela correu os bairros mais<br />

boêmios <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de captando a magia que emana<br />

desses espaços transformados em ver<strong>da</strong>deira<br />

instituição local e sem rivais na <strong>América</strong> <strong>Latina</strong>.<br />

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FOTOs: IArA VeNANZI<br />

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O PALÁCIO vIROU<br />

MUSEU NACIONAL DE bELAS ARTES<br />

DE HAvANA<br />

ANDRÉS MARTÍN<br />

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FOTOs: reprOduçãO<br />

O Museu Nacional de Belas Artes<br />

de Havana foi inaugurado oficialmente<br />

no 28 de abril de 1913. A instituição<br />

teve várias, inadequa<strong>da</strong>s e inóspitas sedes<br />

(nesse período houve constantes<br />

doações e compras apenas esporádicas).<br />

Destaca-se a árdua luta de intelectuais,<br />

jornalistas e <strong>da</strong> direção do museu pela<br />

construção de uma sede definitiva com<br />

as condições adequa<strong>da</strong>s – arquitetônicas,<br />

museológicas e financeiras. Já em<br />

1925 tinha-se escolhido o espaço ideal<br />

para o museu, o mesmo que ocupa hoje<br />

a coleção de arte cubana.<br />

Assim, depois de controversas<br />

discussões arquitetônicas com relação<br />

aos projetos apresentados, e <strong>da</strong> contur-<br />

ba<strong>da</strong> situação política nacional nos anos<br />

1950, o tão ansiado Palácio de Belas Artes<br />

é inaugurado em 1954, com sucesso<br />

controverso. A 2ª Bienal Hispano-americana<br />

de Arte abriu o museu, ao mesmo<br />

tempo em que era rejeita<strong>da</strong> pela quase<br />

totali<strong>da</strong>de dos artistas plásticos significativos.<br />

O evento foi chamado de bienal<br />

franquista. Em resposta, foi organiza<strong>da</strong>,<br />

no Lyceum de La Habana, a Mostra<br />

Plástica Cubana Contemporânea, Homenaje<br />

a José Martí, conheci<strong>da</strong> como a<br />

Contrabienal<br />

A instalação <strong>da</strong>s coleções no novo<br />

prédio, construído sobre a base do projeto<br />

do arquiteto Alfonso Rodríguez Pichardo,<br />

ocorreu em 1955.<br />

27<br />

Torso de Sátiro, réplica<br />

de um original grego do século<br />

XV, parte do acervo.<br />

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Retrato de Mary, 1938.<br />

Óleo sobre tela Jorge Arche.<br />

A presença do Museu do Instituto<br />

Nacional de Cultura nessa mesma<br />

sede que, com a assessoria de destacados<br />

intelectuais e artistas, tinha adquirido<br />

obras sobretudo de arte contemporânea<br />

nacional (posteriormente doa<strong>da</strong>s<br />

ao MNBA), tem um papel decisivo na<br />

inclusão de obras <strong>da</strong> produção contemporânea<br />

cubana na coleção do museu.<br />

Com o triunfo revolucionário em<br />

1959, a visão dos líderes do movimento<br />

fez triunfar a grande tradição de pensamento<br />

e ação emancipatórios que havia<br />

nascido no alvorecer <strong>da</strong> nacionali<strong>da</strong>de.<br />

Acontecem, então, mu<strong>da</strong>nças transcendentais<br />

no MNBA. Aos 46 anos de existência,<br />

a instituição vive uma mu<strong>da</strong>nça<br />

radical na concepção museológica, que o<br />

converte num ver<strong>da</strong>deiro museu de arte.<br />

Com o êxodo massivo <strong>da</strong> burguesia<br />

dominante em 1959, sai à luz<br />

um copioso e pouco conhecido tesouro<br />

artístico: obras de arte, objetos,<br />

joias, tapeçaria, objetos de design<br />

e esculturas, que até então eram proprie<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong> elite e desfrutados apenas<br />

por ela. Esse rico acervo, que vai<br />

<strong>da</strong> antigui<strong>da</strong>de à contemporanei<strong>da</strong>de,<br />

é colocado à disposição do povo. A<br />

incorporação <strong>da</strong>s obras favorece o<br />

MNBA, e a instituição aumenta de<br />

forma significativa sua coleção.<br />

Foram transferi<strong>da</strong>s para outras<br />

instituições, como consequência <strong>da</strong> intervenção<br />

do governo revolucionário<br />

em to<strong>da</strong>s as esferas <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, as<br />

coleções de história, arqueologia, artes<br />

decorativas e etnologia. O MNBA deixa<br />

de ser um museu de tipo enciclopédico<br />

para se converter numa instituição<br />

de arte, em cujo patrimônio somente<br />

permaneceram as coleções de pintura,<br />

gravura, desenho e escultura, de Cuba<br />

e do resto do mundo.<br />

Em 1964, com o estabelecimento<br />

<strong>da</strong>s Galerías de Arte Cubano, oferece-se<br />

pela primeira vez um panorama histórico<br />

e crítico <strong>da</strong>s artes visuais de Cuba.<br />

28<br />

Essa ação serve como suporte para a reflexão<br />

sobre to<strong>da</strong> a produção nacional, bem<br />

como para o estabelecimento <strong>da</strong>s linhas de<br />

trabalho do museu (em prática até os dias<br />

de hoje), destacando-se a distribuição <strong>da</strong>s<br />

coleções sob critérios artísticos e históricos;<br />

o enriquecimento, a atualização e a ampliação<br />

contínuos <strong>da</strong>s coleções, garantindo<br />

uma discussão coerente com a tradição e<br />

a evolução <strong>da</strong> produção plástica nacional;<br />

e os riscos e desafios a que uma instituição<br />

cultural dessa magnitude e com essa responsabili<strong>da</strong>de<br />

está exposta.<br />

Espaços expositivos foram criados<br />

simultaneamente, servindo de suporte<br />

para instrumentalizar e consoli<strong>da</strong>r<br />

o objetivo de divulgação <strong>da</strong> tradição<br />

plástica nacional. Vale mencionar El Artista<br />

del Mes e El Pequeño Salón. Por<br />

esses espaços transitaram artistas do<br />

calibre de Raúl Martínez, Acosta León,<br />

Antonia Eiriz, Zaí<strong>da</strong> del Rio, José Bedia,<br />

Consuelo Castañe<strong>da</strong>, Kcho, Tonel, Eduardo<br />

Rubén Rodríguez, Carlos Alberto<br />

Estéves, entre outros.<br />

A Sala Didáctica, cria<strong>da</strong> em 1966<br />

com um viés pe<strong>da</strong>gógico, tinha como<br />

objetivo proporcionar ao público material<br />

preparatório <strong>da</strong> visita às salas permanentes<br />

do museu. O MNBA é, se não<br />

a única, uma <strong>da</strong>s poucas instituições culturais<br />

cubanas com sólido e respeitado<br />

trabalho educativo, que possibilita que<br />

a arte seja vivi<strong>da</strong> e experimenta<strong>da</strong> numa<br />

ampla perspectiva.<br />

Em pleno Período Especial, no<br />

decorrer dos anos 90, o memorável<br />

esforço do Estado Cubano, do Ministério<br />

<strong>da</strong> Cultura e dos Trabalhadores<br />

e de especialistas <strong>da</strong> instituição, em<br />

2001 finalmente reabriu as portas do<br />

Museu Nacional de Belas Artes, no<br />

Palácio de Belas Artes fechado naquele<br />

período para obras de restauro.<br />

Depois de vários anos de restauração<br />

e ampliação <strong>da</strong>s dependências, houve<br />

um incremento no estudo <strong>da</strong> coleção,<br />

bem como na restauração de milhares<br />

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de peças e na ampliação <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de<br />

expositiva em mais de 50%, atendendo<br />

aos padrões internacionais de exibição<br />

e conservação.<br />

Uma questão a se destacar é a situação<br />

<strong>da</strong> arte contemporânea, pelo fato<br />

de que Cuba não conta com um museu<br />

para este fim. Cabe ao MNBA desempenhar<br />

a função de adquirir, conservar,<br />

estu<strong>da</strong>r e expor a arte atual do país.<br />

No MNBA, a instalação <strong>da</strong>s obras<br />

não é definitiva, já que há uma dinâmica<br />

própria no processo de interação do<br />

público. Os especialistas e os projetos<br />

nacionais e estrangeiros que demandem<br />

ou inci<strong>da</strong>m na rotativi<strong>da</strong>de de exposição<br />

<strong>da</strong>s obras possibilitam a plurali<strong>da</strong>de de<br />

discussões e a inserção nas discussões<br />

sobre a arte de modo geral.<br />

Uma vez que a coleção de arte<br />

cubana encontra-se no edifício que<br />

desde 1954 alberga a sede definitiva<br />

do MNBA, o aumento significativo de<br />

obras e o desejo de poder mostrar separa<strong>da</strong>mente<br />

a produção nacional levaram<br />

à reforma do antigo e majestoso prédio<br />

<strong>da</strong>s Socie<strong>da</strong>des Asturianas de Cuba,<br />

inaugurado em 20 de novembro de 1927<br />

e desenhado pelo arquiteto espanhol<br />

Manuel del Busto<br />

Com curadoria e projeto do arquiteto<br />

e museógrafo José Linares, o prédio<br />

se converte na sede <strong>da</strong>s coleções de arte<br />

universal do MNBA. A recuperação<br />

do edifício constitui em si um grande<br />

aporte à cultura nacional, misturando as<br />

chama<strong>da</strong>s belas artes e artes decorativas<br />

como vidraçaria, ebanesteria e autorrelevos,<br />

que dão um forte testemunho <strong>da</strong><br />

época e <strong>da</strong> luxuosa arquitetura eclética<br />

de inspiração espanhola.<br />

As coleções internacionais incluem<br />

obras de sete nações tradicionais,<br />

Itália, Alemanha, Bélgica, Holan<strong>da</strong>, Espanha,<br />

França e Inglaterra, possibilitando<br />

percorrer a história <strong>da</strong> pintura<br />

desde o século XV até o século XIX.<br />

Expõem-se também, de forma per-<br />

manente, recortes <strong>da</strong>s coleções de arte<br />

asiática, norte-americana e <strong>da</strong>s antigas<br />

escolas do México, Antilhas e <strong>América</strong><br />

do Sul. A arte mais contemporânea é<br />

mostra<strong>da</strong> numa sala que expõe de forma<br />

rotativa as transformações, os movimentos<br />

e estilos dos século XX e XXI.<br />

Essas coleções desempenham um papel<br />

fun<strong>da</strong>mental na consoli<strong>da</strong>ção do alto nível<br />

cultural do povo cubano, entendido<br />

como uma forma de liber<strong>da</strong>de.<br />

A experiência <strong>da</strong>s transformações<br />

que têm ocorrido em Cuba desde a Revolução<br />

oferece um panorama diferente,<br />

cujos exemplos práticos são a ampliação<br />

e a remodelação do museu, com a consequente<br />

reavalização <strong>da</strong> posição que deve<br />

ocupar a arquitetura no marco <strong>da</strong> cultura.<br />

As soluções arquitetônicas precisam ser<br />

totalmente alinha<strong>da</strong>s com as necessi<strong>da</strong>des<br />

do homem e <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. Livre de<br />

obstáculos econômicos, sociais e políticos,<br />

bem como <strong>da</strong>s estruturas dominantes La explicación de<br />

Dios, de Carlos Alberto<br />

Estévez, 1993.<br />

30406009 miolo.indd 29 8/4/2010 15:02:44


A obra Gallo del Caribe, de<br />

Wifredo Lam, 1954.<br />

exerci<strong>da</strong>s sobre a socie<strong>da</strong>de e sobre o indivíduo,<br />

começa a integração de to<strong>da</strong>s as<br />

manifestações artísticas em torno de um<br />

objetivo único: satisfazer as necessi<strong>da</strong>des<br />

de um homem que procura chegar ao pleno<br />

desenvolvimento. Não se trata de um<br />

desenvolvimento material, e sim do desenvolvimento<br />

espiritual e cultural, garantindo<br />

que em sua plenitude a arquitetura<br />

seja um instrumento, e não um fim.<br />

E, assim como comenta Robert<br />

Venturi, fala-se de uma arquitetura complexa<br />

e contraditória, basea<strong>da</strong> na riqueza<br />

e na ambigui<strong>da</strong>de <strong>da</strong> experiência moderna,<br />

incluindo a experiência inerente à<br />

arte. Uma arquitetura de complexi<strong>da</strong>de e<br />

contradição tem uma especial obrigação<br />

para como o todo: sua ver<strong>da</strong>de deve estar<br />

na sua totali<strong>da</strong>de ou em suas implicações<br />

de totali<strong>da</strong>de. Deve encarnar a difícil uni<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong> inclusão, melhor que a fácil uni<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong> exclusão. Mais não é menos.<br />

O MNBA tem se inserido em praticamente<br />

todos os eventos relevantes<br />

30<br />

<strong>da</strong> história <strong>da</strong>s artes visuais em Cuba:<br />

o Salón de 70, os Salões <strong>da</strong> Uneac, as<br />

Bienais de Havana. Ao mesmo tempo,<br />

o museu é um trampolim de divulgação<br />

e consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> produção de artistas<br />

participantes desses eventos. Pode-se<br />

lembrar a memorável performance de<br />

Tania Bruguera durante a 5ª Bienal de<br />

Havana, nos jardins do MNBA. Bruguera<br />

é hoje uma artista que conta com<br />

grande reconhecimento internacional.<br />

Vale destacar a importância que<br />

a equipe do MNBA tem <strong>da</strong>do às publicações<br />

que acompanham os excelentes<br />

projetos de exposições organizados<br />

pela instituição ou em parceria com outras<br />

instituições, tais como: Novecento<br />

cubano: La naturaleza, el hombre los<br />

dioses; Pintura cubana del 1900 (com<br />

curadoria de Alejandro Alonso, e a parceria<br />

do MNBA com o governo italiano<br />

em 1995); Exposição e catálogo <strong>da</strong> obra<br />

de Wifredo Lam, em parceria com Caja<br />

Duero (Espanha) nas salas do Palacio<br />

30406009 miolo.indd 30 8/4/2010 15:02:46


de San Boal; Escuela de Nobles y Bellas<br />

Artes de San Eloy (curadoria de Roberto<br />

Cobas Amate); Exposição e catálogo<br />

La ciu<strong>da</strong>d de las columnas, também em<br />

parceria com Caja Duero na sede do<br />

MNBA, em 1997.<br />

Evidencia-se, desse modo, o interesse<br />

do MNBA pela quali<strong>da</strong>de nos projetos<br />

que desenvolve, bem como pela<br />

intensificação do intercâmbio cultural<br />

com outras instituições internacionais,<br />

que oferece a possibili<strong>da</strong>de de discussão<br />

sobre a produção nacional em contextos<br />

variados. Exemplo significativo é a<br />

exposição CUBA! Art and History from<br />

1868 to To<strong>da</strong>y, no Montreal Museum of<br />

Fine Arts em parceria com o MNBA,<br />

em 2008. Vale também destacar a exposição<br />

<strong>da</strong> coleção de arte pop do Ivam<br />

(Instituto Valenciano de Arte Moderna).<br />

No Brasil, em parceria com o Banco<br />

do Brasil, a exposição Arte de Cuba<br />

foi apresenta<strong>da</strong> em 2006 nas três sedes<br />

do Centro Cultural Banco do Brasil, em<br />

São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. A<br />

exposição, com 117 obras entre pinturas,<br />

esculturas, desenhos e fotografias <strong>da</strong> coleção<br />

do MNBA, proporcionou um amplo<br />

panorama do movimento modernista<br />

cubano, com destaque para os representantes<br />

<strong>da</strong>s gerações dos anos 1960, 1970<br />

e 1980 e para uma seleção de obras de<br />

artistas contemporâneos. A discussão e a<br />

compreensão <strong>da</strong>s artes visuais em Cuba,<br />

em todos seus contextos, ressaltando a<br />

relação com a produção brasileira, foram<br />

destaques <strong>da</strong> exposição.<br />

O trabalho desenvolvido pelo<br />

MNBA tem, assim, contribuído de<br />

maneira palpável e decisiva para a fecundi<strong>da</strong>de,<br />

o impacto, a evidência e a<br />

importância <strong>da</strong> produção cubana nos<br />

circuitos nacionais e internacionais <strong>da</strong>s<br />

artes visuais. Uma parte significativa<br />

do patrimônio artístico do país está indissoluvelmente<br />

liga<strong>da</strong> ao MNBA. E a<br />

instituição continua e continuará se inserindo<br />

e orientando a história <strong>da</strong> arte<br />

visual em Cuba.<br />

Andrés Martín é cubano, historiador e coordenador de<br />

mostras do Museu de Arte Moderna de São Paulo.<br />

31<br />

Isla de la Juventud - 1970, de<br />

Kcho (Alexis Leyva Machado).<br />

30406009 miolo.indd 31 8/4/2010 15:02:47


ELvIRA GENTIL<br />

FERNANDO CALvOZO<br />

TEATRO<br />

MISSÃO CUMPRIDA<br />

3º FESTIvAL IbERO-AMERICANO DE TEATRO DE SÃO PAULO<br />

Mais de mil pessoas aplaudiram, na abertura do festival, a peça A Alma Boa de Setsuan, de Bertold Brecht, com Denise Fraga.<br />

30406009 miolo.indd 32 8/4/2010 15:02:51<br />

FOTOs: dIVuLGAçãO


FOTOs: dIVuLGAçãO<br />

O Festival Ibero-Americano de<br />

Teatro nasceu com a missão de difundir<br />

a produção contemporânea <strong>da</strong>s artes<br />

cênicas e traçar um paralelo entre os<br />

países <strong>da</strong> <strong>América</strong> <strong>Latina</strong>, <strong>da</strong> Espanha e<br />

de Portugal. A ideia é fazer uma ponte<br />

cultural que possibilite a troca de experiências<br />

entre artistas e companhias<br />

para refletir sobre a evolução do fazer<br />

teatral dentro <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de desses países.<br />

Isso, sem abstrair a reali<strong>da</strong>de cultural<br />

de ca<strong>da</strong> um, suas origens e a ligação<br />

do teatro com suas comuni<strong>da</strong>des, descobrindo<br />

semelhanças e dificul<strong>da</strong>des<br />

comuns a grupos ou companhias. A<br />

iniciativa deu certo, e atraiu um público<br />

bastante expressivo, que aprovou o<br />

evento e seus propósitos nas edições<br />

realiza<strong>da</strong>s em 2008 e 2009.<br />

A edição de 2010, mais encorpa<strong>da</strong>,<br />

reuniu grandes nomes do cenário<br />

teatral e teve como Comissão Artística<br />

Elvira Gentil, Lima Duarte e Paulo<br />

Betti. O III Festival Ibero-Americano<br />

de Teatro de São Paulo realizado pela<br />

Fun<strong>da</strong>ção do <strong>Memorial</strong> <strong>da</strong> <strong>América</strong> <strong>Latina</strong>,<br />

abriu-se, assim, a mais uma possibili<strong>da</strong>de<br />

de estimular o intercâmbio<br />

cultural entre as novas dramaturgias e<br />

discutir temas do universo teatral. “Estou<br />

muito satisfeito com a quali<strong>da</strong>de<br />

dos espetáculos e com o impacto no<br />

público. Todos os dias tivemos casa<br />

cheia. Sem dúvi<strong>da</strong>, faz sentido organizarmos<br />

um festival desses no <strong>Memorial</strong>.<br />

O Festibero é uma boa forma de<br />

integrar a <strong>América</strong> <strong>Latina</strong> por meio <strong>da</strong><br />

Cultura. Ora, essa é a missão do Me-<br />

Gris Mate, de Iñaki Rikarte, do grupo Katu Beltz, do País Basco, Espanha.<br />

30406009 miolo.indd 33 8/4/2010 15:02:58<br />

33


A Tempestade e os Mistérios<br />

<strong>da</strong> Ilha, <strong>da</strong> obra de<br />

Shakespeare, <strong>da</strong> Santa Estação<br />

Cia. de Teatro.<br />

morial”, segundo Fernando Leça, presidente<br />

do <strong>Memorial</strong>. Na opinião do<br />

diretor português João Leitão, o festival<br />

já é uma reali<strong>da</strong>de.<br />

Lima Duarte abriu o festival com<br />

o monólogo O Ator, de Chico de Assis,<br />

escrito especialmente para ele. Outra surpresa<br />

<strong>da</strong> noite foi sua estreia como roteirista<br />

no curta metragem de animação Folha<br />

<strong>da</strong> Samaúma, produzido pelo Projeto<br />

Bem-Te-Vi com crianças <strong>da</strong> aldeia indígena<br />

Guarani Tekoa Pyau, de São Paulo.<br />

Na sequência Denise Fraga apresentou o<br />

premiado espetáculo A Alma Boa de Setsuan,<br />

de Bertold Brecht.<br />

O Brasil apresentou ain<strong>da</strong> A Tempestade<br />

e os Mistérios <strong>da</strong> Ilha, <strong>da</strong> Santa Estação<br />

Cia. de Teatro, de Porto Alegre;<br />

Sonho de uma Noite de Verão, do Grupo<br />

Rotun<strong>da</strong>, de Campinas; Bala<strong>da</strong> de um Palhaço,<br />

<strong>da</strong> Cia. Arte & Fatos, de Goiás.<br />

Além de As Troianas, com direção de Zé<br />

Henrique de Paula; As Viúvas, direção<br />

de Sandra Corveloni, do Grupo TAPA e<br />

Homem <strong>da</strong>s Cavernas, direção de Alexandre<br />

Reinecke, as três de São Paulo.<br />

As atrações internacionais mostraram<br />

desde o teatro tradicional até<br />

experiências contemporâneas. Fizeram<br />

parte <strong>da</strong> Maratona Cênica do III Festival<br />

Ibero-Americano de Teatro de São<br />

Paulo: Espanha/Países Bascos, Gris<br />

Mate, <strong>da</strong> Cia. Katu Beltz; México, Tom<br />

34<br />

Pain, <strong>da</strong> Cia. Entre Piernas Produciones;<br />

Colômbia, Tu Ternura Molotov, <strong>da</strong> Cia.<br />

Fun<strong>da</strong>ción Teatro Nacional; Portugal,<br />

Lost in Space, <strong>da</strong> Cia. Kind of Black Box;<br />

Peru, La Importancia Del Abrazo, <strong>da</strong> Cia.<br />

Komilfó Teatro; Cuba, Final de Parti<strong>da</strong>, <strong>da</strong><br />

Cia. Argos Teatro/Havana; Argentina,<br />

Ro<strong>da</strong>ndo, e do Uruguai, Los Padres Terribles.<br />

A Mostra Paralela resgatou o circoteatro,<br />

gênero popular dos primórdios,<br />

com o Circo Tubinho, que montou sua<br />

lona na Praça <strong>da</strong>s Sombras. Entre os clássicos<br />

apresentados pelos 35 profi ssionais<br />

<strong>da</strong> companhia estavam: O Ébrio, Marcelino<br />

Pão e Vinho, A Canção de Bernadete, além<br />

de uma comédia <strong>da</strong> própria Cia.<br />

Ain<strong>da</strong> entre as ativi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> Mostra<br />

Paralela, foram programa<strong>da</strong>s a ofi cina de<br />

dramaturgia, com Chico de Assis, e mesas<br />

de debates sobre o universo teatral.<br />

Para falar sobre o panorama atual do<br />

teatro foram organiza<strong>da</strong>s três mesas de debates,<br />

coordena<strong>da</strong>s por Analy Alvarez, que<br />

discutiram os temas: As tendências <strong>da</strong> nova<br />

dramaturgia; A viabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s produções<br />

alternativas; e As escolas de teatro melhoram<br />

o nível dos atores <strong>da</strong> nova geração?<br />

Para debater foram convi<strong>da</strong>dos<br />

profi ssionais conceituados, como Ligia<br />

Cortez, Ênio Gonçalves, José Leitão (diretor<br />

teatral e coordenador do Festival<br />

Fazer a Festa / Porto / Portugal) e Glória<br />

Levy (professora e diretora teatral /<br />

Uruguai), entre outros. A presença de<br />

artistas, técnicos e diretores num festival<br />

deste tipo reforça o intercâmbio que naturalmente<br />

acontece e poderá se transformar<br />

em parceria vitoriosa, tal como<br />

a direção de Gloria Levy (Uruguai) <strong>da</strong><br />

peça Rifar El Corazón, uma montagem<br />

<strong>da</strong> Bolívia. A parceria foi inicia<strong>da</strong> na primeira<br />

edição deste mesmo festival.<br />

Fernando Calvozo é Coordenador do III Festival<br />

Ibero-Americano de Teatro de São Paulo;<br />

Elvira Gentil é membro <strong>da</strong> Comissão Artística<br />

do Terceiro Festival Ibero-Americano de<br />

Teatro de São Paulo.<br />

30406009 miolo.indd 34 8/4/2010 15:03:01


DEPOIMENTO<br />

BRASÍLIA<br />

IDEIA DE UM NOVO BRASIL<br />

PAULO MENDES DA ROCHA<br />

30406009 miolo.indd 35 8/4/2010 15:03:03<br />

35


Brasília lançou a ideia de um novo<br />

Brasil. Foi a realização de um projeto<br />

em an<strong>da</strong>mento, porque não vejo o país<br />

antes ou depois, o que vejo é a continuação<br />

de um processo, o sonho de ocupação<br />

do território, que era um sonho<br />

americano. A <strong>América</strong> foi fun<strong>da</strong><strong>da</strong> com<br />

essa visão, a de construção, a <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong>de<br />

de habitar o planeta; aqui não havia<br />

na<strong>da</strong>. Portanto, como nós sabemos,<br />

é um projeto antigo este de transferir<br />

a capital para o interior do Continente,<br />

que se realizou por manifestação <strong>da</strong><br />

vontade. Acho que foi uma etapa con-<br />

36<br />

Niemeyer e Lúcio Costa<br />

trocando ideias.<br />

soli<strong>da</strong><strong>da</strong>. Veja que uma coisa tão extraordinária<br />

não constituiu uma grande polêmica<br />

nacional, ao contrário, hoje, por<br />

exemplo, quem perguntar para qualquer<br />

ci<strong>da</strong>dão brasileiro sobre Brasília, ele vai<br />

dizer que foi ele que construiu, que é<br />

uma realização do povo brasileiro.<br />

A República estabeleceu-se assim,<br />

com a visão níti<strong>da</strong> de que na <strong>América</strong><br />

a questão é a ocupação territorial.<br />

Vale ressaltar que o interessante no caso<br />

é que essa ocupação já pressupõe parcerias.<br />

Por exemplo: no que diz respeito à<br />

navegação fluvial e à ligação Atlântico-<br />

30406009 miolo.indd 36 8/4/2010 15:03:04<br />

FOTOs: reprOduçãO


FOTOs: reprOduçãO<br />

FOTOs: reprOduçãO<br />

Pacífico, uma questão americana que<br />

tem de ser realiza<strong>da</strong> por meio <strong>da</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de<br />

entre Chile, Peru, Bolívia, Brasil,<br />

Argentina. São projetos já continentais<br />

o que está sendo hoje discutido em política<br />

internacional, horizontes futuros,<br />

a posição <strong>da</strong> <strong>América</strong>, tudo fica muito<br />

ligado a esse espaço territorial latinoamericano<br />

e, sob esse aspecto, é muito<br />

importante o que foi feito em relação à<br />

construção de Brasília. Os detalhes precisam<br />

ser discutidos após a conclusão<br />

e a ocupação <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. Dependem de<br />

uma harmonização <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong>des satélites,<br />

mas, como atitude fun<strong>da</strong>mental, o estabelecimento<br />

<strong>da</strong>quela mu<strong>da</strong>nça imediata<br />

e a construção <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de significaram<br />

uma experiência muito interessante.<br />

Por outro lado, também acho que<br />

a ideia de um concurso com júri internacional<br />

mobilizou uma ampla discussão<br />

pública, o que também foi positivo. Niemeyer<br />

e Lúcio Costa foram exemplares,<br />

inclusive do ponto de vista <strong>da</strong>s relações<br />

do Brasil, ou seja, <strong>da</strong> expressão do Brasil<br />

como cultura no mundo. Na opinião de<br />

amigos de grande prestígio internacional,<br />

Brasília representou um exemplo<br />

de aplicação do princípio <strong>da</strong> arquitetura<br />

contemporânea, no que se refere à questão<br />

habitacional. A graça e o prazer, a<br />

justa proporção do que seria já a moradia<br />

vertical, agregando lazer, trabalho,<br />

tudo isso é muito interessante. Também<br />

a ideia dos eixos: um eixo monumental<br />

e um eixo habitacional, os vazios associando,<br />

por exemplo, no caso <strong>da</strong> universi<strong>da</strong>de,<br />

lazer e conhecimento de uma<br />

forma muito positiva. Eu me lembro,<br />

nos primeiros anos <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de<br />

Brasília, de experiências de convivência<br />

com gente do Brasil inteiro, de vários<br />

pontos do país, estu<strong>da</strong>ndo na Capital<br />

Federal. O que foi uma continuação do<br />

que já se havia visto nos primórdios <strong>da</strong><br />

República, homens como Drummond<br />

Catedral de Brasília pelo traço de<br />

Oscar Niemeyer.<br />

30406009 miolo.indd 37 8/4/2010 15:03:06<br />

37


de Andrade, Pedro Nava, provenientes<br />

de fora para estu<strong>da</strong>r medicina, estu<strong>da</strong>r<br />

direito, ou como a família de meu pai<br />

que era baiana, veio ao Rio de Janeiro,<br />

onde ele estudou engenharia. Agora,<br />

com Brasília comemorando seus 50<br />

anos, devemos lembrar que desses 50,<br />

20 foram de ditadura militar, o que nós<br />

não esperávamos, é um fator de amargura.<br />

Na prática, não é para se esquecer<br />

e, no plano político, podemos dizer que<br />

Brasília está sendo, agora, mais uma vez<br />

refeita, a duras penas nesses primeiros<br />

governos democratas. Esperamos que<br />

tudo isso continue. Eu vejo assim Brasília,<br />

como uma tarefa para nós.<br />

De todo modo, Brasília é uma<br />

obra que contém o máximo valor quanto<br />

ao aspecto artístico, principalmente<br />

<strong>da</strong>quelas realizações de grande envergadura,<br />

que envolvem a mobilização do<br />

esforço público, a parceria entre o pú-<br />

38<br />

Palácio <strong>da</strong> Alvora<strong>da</strong> no gesto de Niemeyer.<br />

blico e o privado. Brasília é exemplar,<br />

é uma atitude de governo, assim como<br />

representa o aproveitamento máximo<br />

<strong>da</strong>s técnicas <strong>da</strong> engenharia e <strong>da</strong> sabedoria<br />

específicas, todos solidários para<br />

implantar o projeto; isso é muito importante<br />

na construção de uma nação.<br />

Ninguém, em particular, pode<br />

se responsabilizar por Brasília, porque<br />

Brasília é um projeto nacional, mas<br />

é estimulante saber que tivemos, em<br />

sua construção, artistas à sua altura. O<br />

grande mérito de Brasília é a fun<strong>da</strong>ção<br />

de uma ci<strong>da</strong>de inteira e a consequente<br />

ocupação de um território. Isso, claro, se<br />

nós tivéssemos explorado essa realização<br />

como deveríamos. Aliás, já estamos<br />

muito atrasados, basta citar a questão <strong>da</strong><br />

navegação fluvial, num país com uma<br />

rede dessas que temos.<br />

Frank Gary disse certa vez em<br />

uma entrevista para o Mais (Folha de São<br />

30406009 miolo.indd 38 8/4/2010 15:03:07<br />

FOTOs: reprOduçãO


FOTO: TuCA VIeIrA<br />

Paulo), que não acredita em urbanismo,<br />

para ele urbanismo estaria nas mãos <strong>da</strong>s<br />

incorporadoras. No entanto, para mim<br />

a ideia de urbanismo e planejamento é<br />

uma ideia que envolve uma visão nacional.<br />

É claro que envolve o caráter arquitetônico,<br />

mas ninguém, isola<strong>da</strong>mente,<br />

vai <strong>da</strong>r a solução. Um projeto desses<br />

exige uma nação, uma consistente forma<br />

de planejamento nacional abrangendo<br />

to<strong>da</strong>s as variáveis envolvi<strong>da</strong>s. Não<br />

se pode imaginar que a <strong>América</strong> <strong>Latina</strong><br />

seja feita, enquanto planejamento, pelas<br />

mãos exclusivas <strong>da</strong> iniciativa priva<strong>da</strong>. A<br />

empresa priva<strong>da</strong> vai estar contempla<strong>da</strong><br />

dentro dos objetivos de uma República,<br />

mas nenhuma <strong>da</strong>s duas partes deve<br />

ser submeti<strong>da</strong> à outra, é uma questão de<br />

consenso. E não existe na<strong>da</strong> que possa<br />

ser feito na dimensão de um continente,<br />

de uma <strong>América</strong>, sem planejamento<br />

e consistência, que tem de começar pela<br />

atitude do Estado. São projetos que só<br />

podem ser implementados com larga<br />

visão, como as barragens, que foram<br />

construí<strong>da</strong>s por empresas priva<strong>da</strong>s, mas<br />

com planejamento de caráter abrangente,<br />

estatal. Basta lembrar que to<strong>da</strong>s as<br />

barragens possuem eclusas, portanto,<br />

o Tietê, para citar um caso, é navegável<br />

até o Paraná; ou seja, a ligação do Amazonas<br />

com o Prata é possível. É muito<br />

importante para o escoamento <strong>da</strong> produção<br />

<strong>da</strong> agroindústria, um sistema que associado<br />

às ferrovias constituiria uma rede<br />

mais ampla. A navegação fl uvial é particularmente<br />

muito estimulante, pois substitui<br />

os caminhões: barcaças transportam<br />

o equivalente a 200 caminhões e não há<br />

na<strong>da</strong> que se compare. Por isso é fácil imaginar<br />

porque outros países já fi zeram os<br />

famosos sistemas como o Volga, o Don,<br />

o Ruhr e o Mississipi.<br />

Então, ain<strong>da</strong> há muito a fazer<br />

para transformar a <strong>América</strong> <strong>Latina</strong>, justamente<br />

naquilo que sempre se sonhou.<br />

Uma esperança para as angústias do<br />

mundo. Sabe-se que o mundo necessi-<br />

ta de uma discussão permanente sobre<br />

a construção <strong>da</strong> paz para inverter essa<br />

produção to<strong>da</strong> destina<strong>da</strong> à guerra. A paz<br />

implica em novas fontes de trabalho.<br />

Tudo isso, na minha opinião, do ponto<br />

de vista simbólico, mas com muita força,<br />

está ligado à esta operação, pensar<br />

na interland com a mu<strong>da</strong>nça <strong>da</strong> capital.<br />

Embora ain<strong>da</strong> seja um gesto simbólico,<br />

é necessário diante do tempos que esperamos<br />

para todos. Hoje eu penso em<br />

ci<strong>da</strong>des novas, fun<strong>da</strong><strong>da</strong>s dentro desse<br />

horizonte de ligações entre o Atlântico e<br />

o Pacífi co, com a navegação fl uvial, que<br />

podem criar um horizonte interessante<br />

para as ci<strong>da</strong>des já satura<strong>da</strong>s e quase impossíveis<br />

de serem sustenta<strong>da</strong>s, como<br />

São Paulo, particularmente, e o próprio<br />

Rio de Janeiro.<br />

Paulo Mendes <strong>da</strong> Rocha, nome consagrado <strong>da</strong><br />

arquitetura, recebeu os prêmios Mies Van Der<br />

Rohe de 2001 e Pritzker de 2006.<br />

39<br />

Paulo Mendes <strong>da</strong> Rocha<br />

em seu escritório.<br />

30406009 miolo.indd 39 8/4/2010 15:03:08


1<br />

CURTAS<br />

5<br />

11<br />

8<br />

12<br />

3<br />

2<br />

6<br />

9<br />

4<br />

7<br />

10<br />

13<br />

30406009 miolo.indd 40 8/4/2010 15:03:12


FOTOs: reprOduçãO<br />

1<br />

O AssAssINATO dAs<br />

IrMãs MIrABAL<br />

As irmãs Mirabal,<br />

Patria Mercedes Mirabal,<br />

Minerva Argentina<br />

Mirabal e<br />

Antonia María Teresa<br />

Mirabal, também<br />

conheci<strong>da</strong>s como<br />

Las Mariposas, cresceram<br />

em uma zona<br />

rural, na República Dominicana. Quando o ditador Trujillo<br />

chegou ao poder, a família <strong>da</strong>s irmãs perdeu a casa e todo o dinheiro<br />

que tinha. Elas acreditavam que Trujillo levaria o país ao<br />

caos econômico e formaram um grupo de oposição ao regime.<br />

Embora presas e tortura<strong>da</strong>s várias vezes, continuaram na luta<br />

contra a ditadura. Trujillo decidiu, então, acabar com elas. Em<br />

25 de novembro de 1960, armou uma tocaia. Quando as três<br />

mulheres iam visitar os maridos na prisão, foram pegas e leva<strong>da</strong>s<br />

para uma plantação de cana de açúcar, onde foram apunhala<strong>da</strong>s<br />

e estrangula<strong>da</strong>s.<br />

Trujillo acreditou que havia eliminado o problema. Ao<br />

contrário. O assassinato teve péssima repercussão no país.<br />

Causou uma grande comoção e levou o povo a fi car ca<strong>da</strong><br />

vez mais inclinado a apoiar os ideais de Las Mariposas, o<br />

que resultou no assassinato de Trujillo em maio de 1961.<br />

Em homenagem ao sacrifício <strong>da</strong>s irmãs Mirabal, em 17 de<br />

dezembro de 1999, a Assembleia Geral <strong>da</strong>s Nações Uni<strong>da</strong>s<br />

declarou que 25 de novembro é o Dia Internacional <strong>da</strong> Eliminação<br />

<strong>da</strong> Violência contra a Mulher.<br />

‘ 2 MArx x BOLÍVAr<br />

‘ 3 Buenos Aires tem mais de 8 mil editoras, 160 selos musicais, 500 cinemas, 3.200 livrarias e 740<br />

BueNOs AIres<br />

O desprezo de [Karl] Marx por<br />

Simón Bolívar era tão profundo<br />

que, no verbete biográfi co que<br />

escreveu para a New American<br />

Encyclopedia, ele analisa em detalhes<br />

ca<strong>da</strong> uma de suas campanhas,<br />

nega suas aptidões militares e, pior<br />

ain<strong>da</strong>, nega-lhe a valentia. Segundo<br />

Marx, Bolívar sempre abandonou<br />

seus homens em batalha para<br />

fugir covardemente.<br />

Marx vai além, dizendo que ele<br />

queria unifi car a <strong>América</strong> do Sul<br />

‘numa república federal <strong>da</strong> qual<br />

seria ditador’. Numa carta que escreveu<br />

para Engels, em 14 de fevereiro<br />

de 1858, disse ‘Simón Bolívar<br />

é um canalha covarde, brutal e miserável’<br />

e o compara com Faustin<br />

Soulouque, o negro haitiano que se<br />

proclamou imperador.<br />

* artigo de José Enrique Miguens (Argentina)<br />

Buenos Aires tem mais de 8 mil editoras, 160 selos musicais, 500 cinemas, 3.200 livrarias e 740<br />

museus, mercado que responde por 6% do PIB argentino. Na<strong>da</strong> mais lógico que fosse eleita pela<br />

Unesco como Capital Mundial do Livro de 2011. É a décima primeira capital nomea<strong>da</strong> e pelo visto<br />

é preciso ter muito gabarito para ganhar o título: suas antecessoras, pela ordem, foram Madri, Alexandria,<br />

Nova Dehli, Montreal, Turim, Bogotá, Amsterdã, Beirute e Liubliana. Buenos Aires foi<br />

seleciona<strong>da</strong> pela quanti<strong>da</strong>de e pela quali<strong>da</strong>de do programa de eventos que apresentou em sua candi<strong>da</strong>tura.<br />

A indicação não representa qualquer prêmio fi nanceiro, mas sim o reconhecimento de uma<br />

ci<strong>da</strong>de que preza os livros e a leitura. E como! É terra de escritores como Jorge Luis Borges, Ernesto<br />

Sábato, Julio Cortázar, César Aira e Manuel Puig, só para citar alguns dos mais conhecidos no mundo<br />

todo. O ano de 2011 será, portanto, será um período de grandes eventos culturais em Buenos Aires.<br />

41<br />

CURTAS<br />

30406009 miolo.indd 41 8/4/2010 15:03:13


CURTAS<br />

‘ 4<br />

CIdAde MAIs dIGITAL<br />

‘ 5<br />

O que Winston Churchill, Al Capone, Getúlio Vargas e<br />

Santos Dumont poderiam ter em comum? Na<strong>da</strong>? Ao contrário,<br />

a cabeça. Como? É: todos eles, e muitos outros figurões<br />

de diferentes estirpes e vertentes usavam o chapéu do<br />

Panamá. Que, aliás, nem do Panamá é, é do Equador, feito<br />

de Carludovica palmata, planta comum no litoral <strong>da</strong>quele país<br />

e que fez a cabeça de homens ilustres como eles. O apogeu<br />

do modelo começou no início do século passado, quando<br />

ficaram conhecidos como Panamá-Hats. O nome é fruto<br />

de um grande mal-entendido: os operários que abriram<br />

o Canal do Panamá usavam chapéus feitos no Equador<br />

para se proteger do sol. Os panamenhos gostaram e passaram<br />

a comprar chapéu e revender no mundo todo; para<br />

os Estados Unidos eram embarcados pelo próprio Canal<br />

do Panamá, o que reforçou o nome. A palha usa<strong>da</strong> para<br />

confeccionar o chapéu do Panamá é muito fina, e só está<br />

pronta para entrar em linha de produção depois de dias<br />

submeti<strong>da</strong> à umi<strong>da</strong>de e à sombra, levando o processo de<br />

fabricação a perdurar, dependendo <strong>da</strong> sofisticação, quatro<br />

meses até a última etapa, a colocação <strong>da</strong> fita.<br />

‘ 6<br />

O prIMeIrO GrAFITeIrO dO BrAsIL<br />

sãO pAuLO<br />

Na <strong>América</strong> <strong>Latina</strong>, a ci<strong>da</strong>de mais digitaliza<strong>da</strong><br />

é São Paulo. A pesquisa feita por<br />

uma empresa de consultoria apontou<br />

em segundo e terceiro lugares Chiuahua<br />

e Méri<strong>da</strong>, no México, depois San Luis,<br />

na Argentina, e Gua<strong>da</strong>lajara, também no<br />

México. O levantamento começou há<br />

um ano e avaliou os níveis de digitalização<br />

de 150 ci<strong>da</strong>des em 15 países latinoamericanos.<br />

Considerou principalmente<br />

a quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> rede de serviços online<br />

oferecidos pela administração municipal.<br />

Além disso, foi avaliado também o<br />

uso de tecnologias <strong>da</strong> informação entre<br />

ci<strong>da</strong>dãos, empresas e outras instituições<br />

públicas. Santiago, do Chile, aparece<br />

em sétimo lugar, depois de Flori<strong>da</strong>, no<br />

Uruguai. Do Brasil, também entra no<br />

ranking, a ci<strong>da</strong>de de Salvador, coloca<strong>da</strong><br />

pelo estudo em 12º lugar.<br />

42<br />

ALex VALLAurI<br />

deu NA CABeçA<br />

Alex Vallauri está em São Paulo: nas ruas, túneis, passarelas, viadutos – Alex<br />

e seus discípulos comunicam para o povo, para o pedestre, para o motorista...<br />

Em 27 de março de 1987, Alex Vallauri deixou lembranças. Um ano após a sua<br />

morte, esse dia foi instituído. O trabalho de Vallauri inspirou diversos artistas e<br />

tornou a arte do grafite mais conheci<strong>da</strong> e respeita<strong>da</strong> no país.<br />

Alex Vallauri, artista plástico etíope, naturalizado brasileiro, é o pioneiro do<br />

grafite nacional. Na déca<strong>da</strong> de 80, Alex Vallauri e o grupo “Tupi não dá”, compunham<br />

a primeira geração de grafiteiros de São Paulo. O trabalho deles era<br />

panfletário e rebelde, uma reação ao momento histórico que vivíamos, e que<br />

gerou o diálogo maior do grafite com o mercado <strong>da</strong>s artes de hoje, mu<strong>da</strong>ndo a<br />

interação dessa arte com o público e a intensificação de seu consumo.<br />

30406009 miolo.indd 42 8/4/2010 15:03:13


‘<br />

7<br />

9<br />

NO uruGuAI se<br />

ApreNde pOrTuGuês<br />

Desde de 2008, a língua portuguesa é disciplina obrigatória para os<br />

estu<strong>da</strong>ntes uruguaios do ensino médio. Para o governo uruguaio, a<br />

medi<strong>da</strong> atende as necessi<strong>da</strong>des dos jovens luso-descendentes que<br />

vivem no país. Até então, o ensino do idioma como língua estrangeira<br />

tinha caráter facultativo. Os estu<strong>da</strong>ntes do ensino médio<br />

podiam optar por fazer a disciplina como matéria extracurricular,<br />

exceção feita às escolas primárias de fronteira com o Brasil, onde<br />

a matéria já era ensina<strong>da</strong>, e também eram feitas pesquisas sobre os<br />

dialetos portugueses no Uruguai, conhecidos na gíria como “portuñol”.<br />

Por questões geográficas e sociológicas, na região fronteiriça<br />

já existiam várias escolas primárias em que estava implementado<br />

desde 2003 o ensino bilíngue em espanhol e português. O objetivo<br />

do governo é formar ci<strong>da</strong>dãos que dominem os dois idiomas.<br />

AGrONeGóCIOs é TeMA<br />

dA CáTedrA MeMOrIAL uNesCO<br />

Está em curso mais um módulo <strong>da</strong> Cátedra<br />

Unesco <strong>Memorial</strong> <strong>da</strong> <strong>América</strong> <strong>Latina</strong>, projeto<br />

realizado em conjunto com a Universi<strong>da</strong>de<br />

de São Paulo, a Universi<strong>da</strong>de Estadual<br />

Paulista e a Universi<strong>da</strong>de Estadual de Campinas.<br />

O tema desta vez é Agronegócio na<br />

<strong>América</strong> <strong>Latina</strong>: Desafios e Oportuni<strong>da</strong>des,<br />

desenvolvido pelo professor Roberto Rodrigues,<br />

ex-ministro <strong>da</strong> Agricultura do Brasil, e se estenderá até meados<br />

do ano. O programa, voltado à pesquisa e ao estudo de questões<br />

concretas <strong>da</strong> <strong>América</strong> <strong>Latina</strong>, ocorre nos campi universitários<br />

<strong>da</strong>s instituições parceiras e no <strong>Memorial</strong>, com cursos de extensão,<br />

seminários, orientação de pesquisa e conferências. Inovação tecnológica,<br />

integração do continente, desenvolvimento sustentável,<br />

energia, mercado e processos de trabalho, são alguns dos temas<br />

abor<strong>da</strong>dos por esse módulo. Participam, além de brasileiros, estu<strong>da</strong>ntes<br />

estrangeiros indicados por universi<strong>da</strong>des, que têm a oportuni<strong>da</strong>de<br />

de um contato mais estreito com as questões políticas,<br />

econômicas e culturais brasileiras, enquanto se aprofun<strong>da</strong>m no<br />

conhecimento sobre a <strong>América</strong> <strong>Latina</strong>.<br />

‘<br />

8<br />

A FAVOr<br />

dA INTeGrAçãO<br />

Durante o último encontro <strong>da</strong> Cúpula<br />

<strong>da</strong> Uni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>América</strong> <strong>Latina</strong> e do<br />

Caribe, realizado em fevereiro deste<br />

ano em Cancún, no México, chefes de<br />

Estado e representantes diplomáticos<br />

de 32 países <strong>da</strong> região subscreveram a<br />

constituição <strong>da</strong> Comuni<strong>da</strong>de de Estados<br />

Latino-Americanos e Caribenhos.<br />

O bloco deverá promover o respeito<br />

ao direito internacional, evitar a ameaça<br />

de força, trabalhar a favor do meio<br />

ambiente <strong>da</strong> região, tratar <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de<br />

entre Estados e <strong>da</strong> integração regional,<br />

bem como do diálogo com outros<br />

blocos. Várias questões também foram<br />

avalia<strong>da</strong>s, como a prospecção de<br />

petróleo nas Ilhas Malvinas por uma<br />

empresa britânica. Entendeu-se que o<br />

Reino Unido deve respeitar a resolução<br />

<strong>da</strong> ONU, que recomen<strong>da</strong> aos dois<br />

países não tomarem decisões unilaterais<br />

enquanto a disputa não for resolvi<strong>da</strong>.<br />

Para os Estados Unidos, a união<br />

de países latino-americanos é positiva,<br />

pois favorece a cooperação regional.<br />

43<br />

CURTAS<br />

30406009 miolo.indd 43 8/4/2010 15:03:13


CURTAS<br />

‘ 10<br />

MILIONárIOs<br />

LATINO-AMerICANOs<br />

‘<br />

Carlos Slim Helú e a sua família lideram<br />

este ano o ranking <strong>da</strong> Forbes: valem US$<br />

53,5 bilhões. É a primeira vez que um<br />

latino-americano lidera a lista, elabora<strong>da</strong><br />

anualmente pela revista americana há<br />

24 anos. Bill Gattes e Warren Buffet, se<br />

intercalaram como os mais ricos do planeta<br />

por uma déca<strong>da</strong> e meia.<br />

A privatização <strong>da</strong> companhia telefônica<br />

mexicana nos anos 90 foi a alavanca<br />

para Carlos Slim se lançar no mundo<br />

dos negócios globais, sendo uma <strong>da</strong>s referências<br />

nas telecomunicações (a <strong>América</strong><br />

Móvil é a maior operadora <strong>da</strong> <strong>América</strong><br />

<strong>Latina</strong>), construção, energia e agora,<br />

aos 70 anos, até na comunicação social,<br />

com destaque para a posição que detém<br />

no capital do New York Times.<br />

“A economia global está se recuperando.<br />

Os mercados financeiros reagiram,<br />

especialmente os emergentes. Houve<br />

11<br />

44<br />

O OsCAr VAI pArA...<br />

ArGeNTINA<br />

um aumento de 50% na riqueza geral<br />

global em relação ao ano passado”,<br />

afirmou Steve Forbes, presidente do<br />

grupo editorial Forbes.<br />

Esse fenômeno se aplicou ao caso de<br />

Carlos Slim, cuja fortuna cresceu em<br />

um ano US$ 18,5 bilhões e já chega a<br />

US$ 53,5 bilhões. O mexicano apareceu<br />

em terceiro lugar na lista o ano passado.<br />

O Brasil também está representado<br />

no “top oito” por Eike Batista (US$ 27<br />

bilhões), dono de gigantes nas áreas do<br />

minério e do petróleo (OGX), matériaprima<br />

que tem ca<strong>da</strong> vez maior peso na<br />

economia brasileira, por causa <strong>da</strong> descoberta<br />

regular de novas reservas, essencialmente<br />

em alto mar – o pré-sal.<br />

Batista é ain<strong>da</strong> proprietário do grupo<br />

EBX, que reúne empresas de mineração,<br />

energia, logística e exploração de<br />

petróleo e gás.<br />

O Segredo dos Seus Olhos, de Juan Jose Campanella, ganhou o Oscar de melhor filme<br />

estrangeiro, <strong>da</strong>ndo à Argentina a segun<strong>da</strong> estatueta e a sexta nomeação <strong>da</strong> Academia<br />

de Cinema de Hollywood. O filme venceu o grande favorito, o alemão A Fita<br />

Branca, bem como outro bastante conceituado no meio, o hispano-peruano A Teta<br />

Assusta<strong>da</strong>, além do francês O Profeta e do israelita Ajami. Apesar <strong>da</strong> trama, que trata<br />

<strong>da</strong> solução de um assassinato depois de 25 anos de investigação, o filme é marcado<br />

por um sutil bom humor. Realizadores, críticos, atores, todos se alegraram na noite<br />

de entrega do prêmio com a vitória conquista<strong>da</strong> pela produção hispano-argentina.<br />

O ator protagonista, Ricardo Darín, que é argentino e assistiu à festa em Buenos<br />

Aires, disse que ao ver os demais filmes concorrentes achou que O Segredo de Seus<br />

Olhos tinha muita chance de vencer: “O filme conta uma história dura e áspera sem,<br />

contudo, perder o bom humor e a essência do cotidiano.”<br />

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‘<br />

‘<br />

13<br />

12<br />

Os 638 ATeNTAdOs<br />

CONTrA FIdeL CAsTrO<br />

El que debe vivir é uma série com oito capítulos de 70 minutos ca<strong>da</strong> um, que levou três anos<br />

de filmagens. É uma série sem precedentes em Cuba: 243 atores e atrizes, mais 800 extras<br />

e figurantes, encarnam figuras históricas como Fulgencio Batista, o ex-diretor <strong>da</strong> Cia Allen<br />

Dulles e os principais líderes revolucionários, incluindo Fidel Castro. A série sobre os 638<br />

atentados contra Fidel Castro mescla ficção e é um drama baseado em material de arquivo<br />

e que irá ao ar todos os domingos em horário nobre.<br />

A lista de planos e atentados frustrados é ampla e rebusca<strong>da</strong>: desde simples atentados e<br />

grana<strong>da</strong>s disfarça<strong>da</strong>s de bolas de beisebol, até a famosa bati<strong>da</strong> de chocolate com cianureto<br />

na cafeteria do hotel Havana Hilton, pouco depois do triunfo <strong>da</strong> revolução, um dos mais<br />

ameaçadores à vi<strong>da</strong> de Fidel.<br />

O primeiro capítulo é dedicado às tentativas de matar Fidel Castro antes de 1959, quando<br />

se preparava no México a invasão do iate Granma e depois, já em Sierra Maestra, ao ser<br />

traído por um camponês chamado Eutimio Guerra.<br />

A série é to<strong>da</strong> permea<strong>da</strong> pela mensagem de que Cuba tem direito de se defender do seu<br />

principal inimigo: os Estados Unidos <strong>da</strong> <strong>América</strong>.<br />

O último capítulo é dedicado às tentativas de magnicídio durante as cúpulas ibero-americanas<br />

de presidentes, sobretudo o ocorrido no Panamá no ano de 2000.<br />

MALVINAs Ou<br />

FALkLANds ?<br />

A população <strong>da</strong>s ilhas Malvinas vive mais um impasse duas déca<strong>da</strong>s depois <strong>da</strong> guerra entre Argentina e<br />

Grã-Bretanha pela soberania do arquipélago, que fica no sul do Oceano Atlântico e é chamado de Malvinas<br />

pelos argentinos e de Falklands pelos britânicos.<br />

O anúncio de que o governo britânico teria autorizado a prospecção de petróleo em uma área próxima às<br />

ilhas causou protestos do governo argentino, que questiona a soberania britânica sobre o arquipélago.<br />

A Argentina levou a questão para a Cúpula <strong>da</strong> <strong>América</strong> <strong>Latina</strong> e Caribe, em Cancún, buscando apoio dos<br />

países <strong>da</strong> região. Durante o encontro, foram aprovados dois textos, um dos quais foi uma declaração de<br />

presidentes em que os chefes de Estado e de governo reafirmam o seu apoio aos legítimos direitos <strong>da</strong><br />

República Argentina na disputa de soberania com o Reino Unido <strong>da</strong> Grã-Bretanha e <strong>da</strong> Irlan<strong>da</strong> do Norte<br />

relativa à questão <strong>da</strong>s Ilhas Malvinas”. O outro foi um comunicado sobre a exploração de hidrocarbonetos<br />

na plataforma continental <strong>da</strong>s Malvinas, pela Argentina. No final <strong>da</strong> cúpula, os líderes latino-americanos<br />

afirmaram que o Conselho de Segurança <strong>da</strong>s Nações Uni<strong>da</strong>s “deve reabrir” a discussão em torno <strong>da</strong> jurisdição<br />

sobre as Malvinas e questionou a soberania britânica sobre as ilhas.<br />

45<br />

CURTAS<br />

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GALERIA MARTA TRABA<br />

40 ARTISTAS EM<br />

JOGOS DE GUERRA<br />

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OBRA DE REGINA SILVEIRA<br />

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No piso, Rendido 2008,<br />

intervenção de Guga Ferraz.<br />

Jogos de Guerra trata de confrontos.<br />

To<strong>da</strong> sorte de confrontos: em<br />

terrenos simbólicos, como os jogos; na<br />

guerra propriamente dita; na política;<br />

na economia; na defesa <strong>da</strong> individuali<strong>da</strong>de;<br />

nas batalhas emocionais; no duelo<br />

do artista com sua obra. Projeto de Leo<br />

Ayres, realizado pela Coletiva Projetos<br />

Culturais, em cartaz na galeria Marta<br />

Traba, reúne obras de Daniel Senise a<br />

Cildo Meireles e Regina Silveira. Nelson<br />

Leirner, por exemplo, remonta sua<br />

instalação A Lot(e), na qual mistura fi -<br />

guras religiosas, animais e personagens<br />

pop de desenhos animados. Adriana<br />

Varejão comparece com um trabalho<br />

pouco conhecido, mas identifi cado<br />

com sua obra, a foto Contingente. Raul<br />

Mourão, por sua vez, trata <strong>da</strong> guerra no<br />

48<br />

campo simbólico, com a escultura O<br />

Campo Todo Fraturado, enquanto Márcia<br />

X discute questões religiosas e sexuais<br />

em Desenhando com Terços, e Rosana Palazyan<br />

toca na violência doméstica com<br />

Love Story II, uma fi ta rósea e bor<strong>da</strong><strong>da</strong>.<br />

Jovens artistas também marcam<br />

presença em Jogos de Guerra, com<br />

trabalhos pertinentes, caso de Felipe<br />

Barbosa, com Homem Bomba, e Leo<br />

Ayres, autor de Operação Camufl agem e<br />

Together, feeling lonely, um vídeo e uma<br />

série de fotos que desven<strong>da</strong>m os bastidores<br />

<strong>da</strong> Academia Militar <strong>da</strong>s Agulhas<br />

Negras. Já Daniel Senise preparou<br />

uma obra inédita, e Cildo Meireles e<br />

Regina Silveira participaram com dois<br />

marcos de suas carreiras, Zero Cruzeiro/Zero<br />

Dólar e Encuentro.<br />

30406009 miolo.indd 48 8/4/2010 15:03:18<br />

FOTO: dIVuLGAçãO


HOMENAGEM<br />

JORNALISTA<br />

&<br />

ESCRITOR<br />

UM ARGENTINO<br />

DA RESISTÊNCIA<br />

JOCA REINERS TERRON<br />

A<br />

morte de Tomás Eloy Martínez<br />

em 31 de janeiro de 2010<br />

representa o fim de to<strong>da</strong> uma<br />

geração. Nascido na província<br />

de Tucumán em 1934, o jornalista<br />

e escritor argentino pertenceu<br />

àquela geração que atingiu a maturi<strong>da</strong>de<br />

na mesma época em que ditaduras militares<br />

se impuseram em to<strong>da</strong> a <strong>América</strong> <strong>Latina</strong>. Marcados<br />

pela perseguição política e pelo exílio,<br />

esses intelectuais escaparam de uma <strong>América</strong><br />

<strong>Latina</strong> que “foi o manicômio <strong>da</strong> Europa, assim<br />

como os Estados Unidos foram sua fábrica”,<br />

no dizer do escritor chileno Roberto Bolaño,<br />

mas “a fábrica agora está em poder dos capatazes<br />

e loucos fugidos são sua mão de obra”.<br />

30406009 miolo.indd 49 8/4/2010 15:03:18<br />

49


Exilado na Venezuela<br />

e nos Estados Unidos após<br />

o golpe militar de 1976,<br />

Eloy Martínez prosseguiu<br />

com a carreira consoli<strong>da</strong><strong>da</strong><br />

no jornalismo de seu país natal.<br />

Não imagine que a citação de<br />

Bolaño é fortuita, pois não é. Excerto<br />

de seu artigo póstumo “Os mitos de<br />

Chtulhu”, é um ataque aos “capatazes”,<br />

representantes de uma literatura<br />

linear e alinha<strong>da</strong> à lógica de mercado,<br />

entre os quais identifica Eloy Martínez,<br />

cuja obra apresenta ingredientes<br />

raros na canônica ficção argentina, de FOTOs:<br />

50<br />

núcleo irradiativo de matiz fantástico<br />

como consagrado em Macedonio<br />

Fernández e em Jorge Luis Borges,<br />

não sendo fortemente marca<strong>da</strong> pelo<br />

naturalismo. Na visão de Bolaño, porém,<br />

essa herança do poder transfigurador<br />

<strong>da</strong> literatura (de Onetti, Rulfo,<br />

Cortázar e Bioy, por exemplo) cessa<br />

na legibili<strong>da</strong>de e na clareza de obras<br />

30406009 miolo.indd 50 8/4/2010 15:03:18<br />

reprOduçãO


como as de Eloy Martínez (e de outros,<br />

tais como Isabel Allende, Ángeles<br />

Mastretta ou Luis Sepúlve<strong>da</strong>),<br />

supostos responsáveis futuros pela<br />

propagação de narrativas volta<strong>da</strong>s ao<br />

consumo e ao entretenimento “ilustrado”<br />

– ou seja, para inglês ver.<br />

Descontado o radicalismo típico<br />

do pensamento do chileno (e que<br />

se mostra ca<strong>da</strong> vez mais equivocado<br />

em seu extremismo purista: basta verificar<br />

sua própria influência crescente<br />

na produção literária atual de língua<br />

espanhola e não somente, galopando<br />

a cascos largos para a canonização), é<br />

fato que o exílio serviu a alguns autores<br />

como espécie de violento sucedâneo<br />

do boom latino-americano, que<br />

já permitira a alguns integrantes <strong>da</strong><br />

geração anterior à de Eloy Martínez<br />

(a de Borges e de Rulfo) e a alguns<br />

de seus contemporâneos (fiquemos<br />

apenas em García Márquez e Vargas<br />

Llosa), o auge <strong>da</strong> profissionalização –<br />

por meio <strong>da</strong> sanção editorial europeia<br />

– e a popularização em escala global.<br />

Exilado na Venezuela e nos Estados<br />

Unidos após o golpe militar de<br />

1976, Eloy Martínez prosseguiu com<br />

a carreira consoli<strong>da</strong><strong>da</strong> no jornalismo<br />

de seu país natal, onde colaborara<br />

inicialmente em La Nación e fun<strong>da</strong>ra,<br />

mais tarde, La Opinión, diário fun<strong>da</strong>mental<br />

no registro do descalabro<br />

político em ascensão na Argentina<br />

de princípio <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 70. Com<br />

o fechamento de La Opinión, perseguido<br />

pelos militares, Martínez abrigou-se<br />

na Venezuela, onde criou em<br />

1979 El Diario de Caracas, periódico<br />

que se impôs como fala influente <strong>da</strong><br />

crônica latino-americana <strong>da</strong>quela déca<strong>da</strong><br />

de ocaso e violência.<br />

Logo após sua mu<strong>da</strong>nça para os<br />

EUA em 1984, Martínez publicou seu<br />

primeiro livro de sucesso mundial,<br />

O Romance de Perón (Companhia <strong>da</strong>s<br />

Letras, 1998). Exímio praticante de<br />

um jornalismo literário nos moldes<br />

de Truman Capote (com quem recebeu<br />

inevitáveis comparações), Martínez<br />

formulou seus romances num<br />

binômio baseado na linguagem clara<br />

e direta do jornalismo (certamente<br />

influencia<strong>da</strong> pelo suspense decalcado<br />

de livros policiais <strong>da</strong> escola noir<br />

de Dashiell Hammett e de Raymond<br />

Chandler), a serviço <strong>da</strong> investigação<br />

de eventos históricos de grande escala<br />

e de fun<strong>da</strong>mental importância para<br />

a compreensão <strong>da</strong> história argentina.<br />

Sua predileção pela mitologia em torno<br />

de Juan Domingos Perón, levou-o<br />

à consagração com a publicação de<br />

Santa Evita (Companhia <strong>da</strong>s Letras,<br />

1995) e, por extensão, à fixação do<br />

espírito trágico argentino em O Cantor<br />

de Tango (Companhia <strong>da</strong>s Letras,<br />

2004) em sua manifestação mais recente,<br />

a <strong>da</strong> crise político-financeira<br />

de 2002.<br />

Protagonista de uma vi<strong>da</strong> trágica<br />

em seus últimos anos, Tomás Eloy<br />

Martínez sobreviveu ao atropelamento<br />

que vitimou em 2001 sua terceira<br />

mulher, a jornalista venezuelana Susana<br />

Rotker. Tendo diagnosticado o<br />

câncer logo depois, porém, sobreviveu<br />

por dez anos à luta contra a doença<br />

que o consumiu, sempre com<br />

a mesma elegância de seus textos e<br />

com a leal<strong>da</strong>de devota<strong>da</strong> aos amigos<br />

que o tornaram conhecido.<br />

Joca Reiners Terron é escritor, artista<br />

gráfico e editor.<br />

30406009 miolo.indd 51 8/4/2010 15:03:19<br />

51


52<br />

HISTÓRIA<br />

BICENTENÁRIOS<br />

vERÓNICA GOYZUETA<br />

ESTE ANO COMEMORAM-SE OS 200 ANOS DA INDEPENDêN-<br />

CIA DE qUATRO PAÍSES hISPANO-AMERICANOS: ARGENTI-<br />

NA, MÉxICO, COLôMBIA E ChILE. AS LUTAS SE ARRASTA-<br />

RAM POR VÁRIOS ANOS E RESULTARAM NA EMANCIPAçÃO<br />

POLÍTICA DESSES PAÍSES, NO INÍCIO DO SÉCULO xIx.<br />

Um importante processo político<br />

e militar instalou-se na <strong>América</strong> hispânica<br />

entre 1810 e 1830, e permanece vivo<br />

duzentos anos depois. Foi nesse período<br />

histórico que uma série de movimentos<br />

de insurgentes buscaram a independência<br />

<strong>da</strong> monarquia espanhola, do México à<br />

Terra do Fogo, para se tornarem as Repúblicas<br />

que são, em sua grande maioria, até<br />

hoje. Esses vinte anos marcaram o continente<br />

para sempre, brin<strong>da</strong>ndo-nos com<br />

o sonho <strong>da</strong> utopia bolivariana que segue<br />

na pauta dos governos sul-americanos.<br />

Passados dois séculos e entrando em um<br />

novo milênio, a integração continua parecendo<br />

necessária e segue sendo busca<strong>da</strong><br />

em projetos econômicos, culturais e políticos,<br />

como o Mercosul, o mais ambicioso<br />

30406009 miolo.indd 52 8/4/2010 15:03:19


FOTOs: reprOduçãO<br />

dos intentos que se criaram desde a déca<strong>da</strong><br />

de 60 – como o Pacto Andino, hoje<br />

Comuni<strong>da</strong>de Andina de Nações (CAN) e<br />

o Parlamento Latino-Americano.<br />

Depois <strong>da</strong> Independência dos Estados<br />

Unidos (1783), que provou ter sido<br />

possível deixar de ser colônia, e <strong>da</strong> Revolução<br />

Francesa (1789), que estimulava a<br />

conquista de princípios como a liber<strong>da</strong>de,<br />

a igual<strong>da</strong>de e os direitos humanos, as<br />

elites intelectuais e mestiças <strong>da</strong> <strong>América</strong><br />

hispânica correram atrás de sua independência,<br />

deixando como contribuição<br />

histórica ao mundo a ideia de que a liber<strong>da</strong>de<br />

está acima <strong>da</strong>s questões raciais.<br />

Foi a primeira vez que mestiços, índios<br />

e negros lutaram em batalhões por um<br />

mesmo ideal, e que conceitos como Pátria<br />

e Nação se construíram sobre a base<br />

<strong>da</strong> convivência de diversas culturas e etnias,<br />

em outro processo que ain<strong>da</strong> marca<br />

o continente; basta pensar, por exemplo,<br />

na Bolívia de Evo Morales, que em julho<br />

celebrou seu bicentenário com toques indígenas.<br />

Outra <strong>da</strong>s heranças desses tempos<br />

é o caudilhismo, o fenômeno social e<br />

político que continua pulsando na região.<br />

Seu melhor representante na atuali<strong>da</strong>de é<br />

o venezuelano Hugo Chávez, por coincidência,<br />

um entusiasta do ideal bolivariano<br />

de seu compatriota Simón Bolívar.<br />

É por motivos como estes que,<br />

nos países hispano-americanos, as celebrações<br />

do bicentenário <strong>da</strong> indepêndencia<br />

não serão apenas espaços de<br />

festas, mas sim de reflexões sobre sua<br />

própria identi<strong>da</strong>de, sua história e seu<br />

futuro, o momento perfeito para discutir<br />

a integração sobre novas bases: a<br />

<strong>da</strong>s experiências aprendi<strong>da</strong>s em intentos<br />

passados de união e a do desafio<br />

de buscar essa integração, agora com<br />

democracias em consoli<strong>da</strong>ção e economias<br />

que têm melhorado consideravelmente,<br />

com ambientes estáveis de crescimento<br />

e de inflação controla<strong>da</strong>, além<br />

de riquezas minerais e agrícolas que<br />

continuam servindo ao mundo.<br />

As independências hispano-americanas<br />

surgiram de um momento de<br />

fragili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> monarquia espanhola, que<br />

em 1808 lutava por sua própria independência,<br />

após sofrer a invasão de Napoleão<br />

Bonaparte. As juntas americanas,<br />

cria<strong>da</strong>s para fomentar a luta contra os<br />

invasores franceses, acabaram por converter-se<br />

em um espaço de cultivo de<br />

discussões patrióticas e de autonomia,<br />

nos territórios que hoje correspondem<br />

a Venezuela, Colômbia, Equador, Peru,<br />

Bolívia, Chile e Argentina. Em 19 de<br />

abril de 1810, a Junta de Caracas rejeitou o<br />

governo designado pela Espanha. Os protestos,<br />

insurreições e batalhas não pararam<br />

mais por todo o Continente, em um processo<br />

de independências que se encerra em<br />

1930, com a morte de Simón Bolívar, em<br />

Santa Marta, Colômbia.<br />

Entre um panteão de figuras, próceres<br />

e heróis – destaque para o indígena<br />

peruano Túpac Amaru II e o argentino<br />

José de San Martín – Simón Bolívar<br />

conduziu o processo de independência e<br />

buscou a união política e econômica em<br />

um continente que havia sido dividido<br />

por interesses coloniais.<br />

Bolívar morreu aos 47 anos, pobre,<br />

tuberculoso e destituído de qualquer poder.<br />

Aparentemente fracassado, Bolívar<br />

se converteu no símbolo de um projeto<br />

que até hoje tira o sono dos governos<br />

latino-americanos. O sonho <strong>da</strong> independência,<br />

alcança<strong>da</strong> uma a uma em todos os<br />

países ibero-americanos, é o sonho de progresso<br />

e de desenvolvimento para onde o<br />

continente ain<strong>da</strong> quer caminhar. Antes fora<br />

desse projeto bicentenário, o Brasil soube<br />

incluir-se e tem mostrado seu interesse em<br />

conduzí-lo. Entender os seus vizinhos é o<br />

primeiro desafio e, para tanto, o <strong>Memorial</strong><br />

<strong>da</strong> <strong>América</strong> <strong>Latina</strong> é uma porta fun<strong>da</strong>mental,<br />

to<strong>da</strong>via ain<strong>da</strong> muito pequena.<br />

Verónica Goyzueta é jornalista peruana, correspondente<br />

no Brasil do jornal espanhol ABC e<br />

colaboradora <strong>da</strong> revista <strong>América</strong>Economia.<br />

53<br />

Fernando VII, <strong>da</strong> Espanha,<br />

reinou no período em que os<br />

insurgentes buscaram a independência.<br />

Retrato do pintor<br />

espanhol Francisco Goya.<br />

30406009 miolo.indd 53 8/4/2010 15:03:19


54<br />

POR UM bLOCO<br />

FORTALECIDO<br />

RICARDO SENNES<br />

INTEGRAÇÃO<br />

A VIABILIDADE<br />

DE UM PROJETO<br />

A<br />

viabili<strong>da</strong>de de um projeto regional<br />

na <strong>América</strong> do Sul e o<br />

papel do Brasil nesse processo<br />

têm ocupado parte importante<br />

<strong>da</strong>s discussões dentro e fora<br />

do Itamaraty e <strong>da</strong> academia. A<br />

discussão está na mídia e tem permeado o debate<br />

eleitoral, o que é inusitado e muito proveitoso.<br />

Desde o final dos anos 70 e início dos 80, a<br />

política regional do Brasil vem se transformando.<br />

A principal característica dessa mu<strong>da</strong>nça é<br />

o caráter crescentemente positivo <strong>da</strong> agen<strong>da</strong><br />

brasileira, em forte contraste com a percepção<br />

anterior de que os países vizinhos eram pouco<br />

importantes ou mesmo ameaças aos interesses<br />

30406009 miolo.indd 54 8/4/2010 15:03:20


FOTOs: reprOduçãO<br />

nacionais. No final dos anos 90, a agen<strong>da</strong><br />

ganhou definição e contornos mais claros.<br />

É exatamente o conteúdo dessa<br />

agen<strong>da</strong> que está em debate e, para tanto,<br />

são inevitáveis as análises sobre as relações<br />

entre os países e seus movimentos<br />

políticos e econômicos. Trata-se de<br />

um tema bastante difícil e controverso,<br />

além de pouco familiar aos brasileiros.<br />

No entanto, um maior número de empresas,<br />

funcionários públicos, políticos<br />

e comerciantes do Brasil na região estão<br />

gerando uma massa crítica importante.<br />

Esse crescente envolvimento, engajando<br />

novos atores, está também alterando a<br />

correlação de interesses e formando novos<br />

agrupamentos políticos contrários<br />

ou favoráveis a tal projeto. De modo geral,<br />

duas questões se sobrepõem: se há<br />

um espaço sul-americano com alguma<br />

convergência de interesses estratégicos,<br />

e qual papel caberia ao Brasil.<br />

É certo que entre 1990 e o início<br />

dos anos 2000 a <strong>América</strong> do Sul tinha<br />

um perfil mais homogêneo que o atual.<br />

Os governos civis que assumiram o<br />

poder na déca<strong>da</strong> de 80, na redemocratização,<br />

tinham agen<strong>da</strong>s com novas estratégias<br />

de desenvolvimento, em geral<br />

convergindo para reformas liberalizantes.<br />

Os modelos de substituição de im-<br />

portação e de razoável nível de restrição<br />

ao comércio exterior – em alguns casos<br />

também ao investimento externo – foram<br />

fortemente redefinidos. Houve uma<br />

on<strong>da</strong> de medi<strong>da</strong>s como a redução de<br />

barreiras tarifárias e não tarifárias, privatizações,<br />

liberação de fluxos de capital,<br />

de atração de investimentos estrangeiros<br />

e de mu<strong>da</strong>nça do papel do Estado<br />

para menos produtor e mais regulador.<br />

No campo político, o retorno <strong>da</strong>s liber<strong>da</strong>des<br />

civis, de eleições livres e diretas e<br />

de ampla liber<strong>da</strong>de de organização sin-<br />

dical, partidária e social, foi visto como<br />

fator de reforço e legitimação <strong>da</strong>s reformas<br />

econômicas.<br />

As estratégias foram semelhantes,<br />

mas a forma de implementá-las e<br />

os resultados variaram bastante. Enquanto<br />

alguns países combinaram estratégias<br />

de abertura econômica com<br />

políticas comerciais, industriais e tecnológicas,<br />

outros focaram nos temas<br />

redistributivos, sejam eles entre classes<br />

sociais ou regiões. Outros ain<strong>da</strong> não definiram<br />

políticas compensatórias nem em<br />

um sentido nem no outro. As medi<strong>da</strong>s<br />

dos anos 90 também foram basea<strong>da</strong>s em<br />

diferentes bases políticas, sendo que em<br />

alguns, por exemplo, foram patrocina<strong>da</strong>s<br />

por partidos e lideranças tradicionais, e<br />

30406009 miolo.indd 55 8/4/2010 15:03:21<br />

55


em outros por novas lideranças e novos<br />

agrupamentos. Dessa forma, ao final<br />

do ciclo de reformas foram observados<br />

diferentes resultados econômicos<br />

e sociais, com diferentes reflexos sobre<br />

os sistemas políticos. Em alguns<br />

casos, motivaram uma forte revisão dos<br />

objetivos <strong>da</strong> fase anterior. Isso gerou, em<br />

grande parte, a atual heterogenei<strong>da</strong>de<br />

dentre os sul-americanos no campo político<br />

e nas estratégias de desenvolvimento.<br />

Assim surgiu, por exemplo, um<br />

grupo de países com opções mais consoli<strong>da</strong><strong>da</strong>s<br />

em ambos os campos, como<br />

Brasil, Colômbia, Chile e Uruguai. Por<br />

vias distintas e com agen<strong>da</strong>s de desenvolvimento<br />

desiguais, esse grupo indica<br />

razoável densi<strong>da</strong>de em suas iniciativas<br />

econômicas e no jogo institucional.<br />

Outro grupo é o <strong>da</strong>queles em que a redefinição<br />

do pacto político predomina,<br />

caso <strong>da</strong> Bolívia, Venezuela e Equador,<br />

seja por deman<strong>da</strong>s de segmentos excluídos<br />

do processo econômico, seja pela<br />

combinação desses com deman<strong>da</strong>s significativas<br />

de populações indígenas. Na<br />

Venezuela, em particular, também existe<br />

a tentativa de mu<strong>da</strong>r o pacto político,<br />

mas as condições institucionais precárias<br />

desde meados dos anos 90, com tentativas<br />

de golpe de estado promovi<strong>da</strong>s por<br />

Hugo Chávez e contra ele, indicam a natureza<br />

belicista <strong>da</strong> disputa política. E isso<br />

tem ocorrido no mesmo tom do questionamento<br />

do modelo de desenvolvimento.<br />

A última eleição presidencial do Paraguai,<br />

em que a oposição tomou o poder<br />

após déca<strong>da</strong>s, emite sinais de novo pacto<br />

político sem grandes questionamentos<br />

do modelo econômico. Na Argentina,<br />

predomina a movimentação em torno <strong>da</strong><br />

definição de um modelo de desenvolvimento<br />

que, desde a crise agu<strong>da</strong> dos anos<br />

2001 e 2002, jogam crescente peso sobre<br />

o sistema político.<br />

Outro indicador de que dentro<br />

desses grupos há diferenças é o Índice<br />

de Estabili<strong>da</strong>de Política (IPE) <strong>da</strong> Amé-<br />

56<br />

rica <strong>Latina</strong>, feito pelo Observatório Político<br />

Sul-Americano (OPSA). O IPE<br />

indica aumento <strong>da</strong> violência política a<br />

partir de 2003 até o primeiro semestre<br />

de 2009. No entanto, na comparação<br />

entre 1990 e 2009, percebe-se que ao final<br />

desse período a violência, em maior<br />

ou menor grau, estava concentra<strong>da</strong> nos<br />

andinos, incluindo a Colômbia. Brasil e<br />

Chile não apareciam no mapa em nenhum<br />

dos dois anos, enquanto Paraguai<br />

e Uruguai saíram dele.<br />

To<strong>da</strong> essa heterogenei<strong>da</strong>de diminui<br />

o espaço de convergência para um<br />

projeto regional, mas não elimina sua<br />

viabili<strong>da</strong>de. Isso porque há uma série<br />

de questões que deman<strong>da</strong>m, no mínimo,<br />

respostas regionalmente coordena<strong>da</strong>s.<br />

Esses temas incluem, por exemplo,<br />

acesso preferencial a mercados, proteção<br />

aos investimentos diretos, preservação<br />

dos ecossistemas comuns, combate<br />

ao tráfico de drogas e de armas e<br />

ao contrabando. Soluções individuais e<br />

bilaterais ou não resolverão esses problemas<br />

ou serão uma resposta parcial e,<br />

portanto, de eficiência reduzi<strong>da</strong>.<br />

O fato de as tentativas de aprofun<strong>da</strong>mento<br />

<strong>da</strong> integração regional<br />

nesta déca<strong>da</strong> terem ficado aquém do<br />

esperado não são indicações claras <strong>da</strong><br />

impossibili<strong>da</strong>de de um projeto regional.<br />

Em vários casos aprofun<strong>da</strong>r a integração<br />

não é necessariamente a melhor estratégia<br />

para li<strong>da</strong>r com o problema. O<br />

fluxo de investimentos diretos entre países<br />

<strong>da</strong> região e o aumento do comércio<br />

demonstram isso. Ou seja, a despeito do<br />

aumento <strong>da</strong> heterogenei<strong>da</strong>de, existe um<br />

claro aumento <strong>da</strong>s relações econômicas<br />

entre os países <strong>da</strong> região, tendo o Brasil<br />

como polo desse processo.<br />

Nesse cenário, é recorrente a pergunta<br />

se e como o Brasil deve participar<br />

de um esforço de projeto regional.<br />

Para um país que faz fronteira com 10<br />

outros na região, a resposta à primeira<br />

pergunta é quase imediatamente positiva.<br />

30406009 miolo.indd 56 8/4/2010 15:03:21


Problemas nos países vizinhos tendem<br />

a transbor<strong>da</strong>r, de uma forma ou de outra,<br />

para dentro do Brasil, até mesmo se<br />

não houver uma fronteira seca, caso do<br />

Equador e Chile. Afinal, um acordo de<br />

livre comércio do Chile com a China nos<br />

impacta, assim como o episódio recente<br />

de disputa entre o governo equatoriano e<br />

uma empresa brasileira pode gerar efeitos<br />

negativos sobre a presença de empresas<br />

nacionais em outros países <strong>da</strong> região.<br />

Nos anos 90, ao definir de maneira<br />

clara que a <strong>América</strong> do Sul é o seu<br />

espaço prioritário de atuação, o Brasil<br />

deu sentido geopolítico ao discurso.<br />

Embora com contornos geográficos e<br />

natureza política distintas, a criação do<br />

Mercosul e a primeira reunião de presidentes<br />

<strong>da</strong> <strong>América</strong> do Sul em 2000,<br />

na qual se instalou a Iniciativa para a<br />

Integração <strong>da</strong> Infra-estrutura Regional<br />

Sul-Americana (IRSA), são os únicos<br />

projetos regionais afirmativos liderados<br />

pelo país e podem ser vistos como<br />

momentos fun<strong>da</strong>dores <strong>da</strong> sua nova<br />

presença regional. O Tratado de Cooperação<br />

Amazônico teve um potencial<br />

político importante, mas acabou tendo<br />

poucos desdobramentos. Mais recentemente,<br />

foram complementados pela<br />

iniciativa de criação <strong>da</strong> União de Nações<br />

Sul-Americanas (Unasur). Nesses<br />

acordos uma ampla gama de temas foi<br />

incorpora<strong>da</strong>, desde acordos comerciais,<br />

energéticos e de infraestrutura, até um<br />

incipiente mecanismo de consulta na<br />

área de defesa. Porém, novamente sua<br />

eficácia tem sido mínima.<br />

É interessante verificar que uma<br />

grande maioria <strong>da</strong> elite política brasilei-<br />

30406009 miolo.indd 57 8/4/2010 15:03:22<br />

57


a concor<strong>da</strong> que a região é e será ca<strong>da</strong><br />

vez mais importante para o país. Mas<br />

essa elite está divi<strong>da</strong> sobre o que fazer.<br />

De maneira simplifica<strong>da</strong>, pode-se dizer<br />

que existem dois modelos para arquitetar<br />

a presença regional do Brasil, diferenciados<br />

pelo nível de institucionalização.<br />

Ambos têm consequências sobre<br />

os recursos necessários, métodos, riscos e<br />

benefícios e implicam em diferentes cenários<br />

sobre como o país irá enfrentar no<br />

futuro os principais temas regionais.<br />

Hoje, predomina o modelo de<br />

baixa institucionali<strong>da</strong>de. Antes de tudo<br />

é uma opção política medita<strong>da</strong> e consoli<strong>da</strong><strong>da</strong><br />

em instituições como o Itamaraty<br />

e as Forças Arma<strong>da</strong>s e nas demais<br />

agências federais e na elite. O alto número<br />

de cúpulas presidenciais na região<br />

ocorre em grande medi<strong>da</strong> pela ausência<br />

de instâncias capazes de captar, formular,<br />

propor e negociar. Não por outra<br />

razão, pequenos incidentes entre os<br />

países logo viram contenciosos diplomáticos,<br />

pois na ausência de instâncias<br />

regionais de mediação acabam atingindo<br />

diretamente os chefes de estado e o<br />

primeiro escalão dos governos, inclusive<br />

no caso do Mercosul.<br />

O problema é que essa opção<br />

tem custo: o de liderar sem instituições,<br />

baseado em bilaterismo (modelo mais<br />

próximo aos dos EUA) e que exige um<br />

alto grau de mobilização para atuar direta<br />

ou indiretamente em ca<strong>da</strong> um dos<br />

problemas, além de um elevado custo<br />

de exposição política. O reforço de<br />

uma liderança basea<strong>da</strong> em instituições,<br />

cujo desenho pode variar consideravelmente,<br />

gera custo, mas pode reduzir os<br />

riscos de o país se ver isolado frente<br />

aos problemas ou mesmo na defesa de<br />

alguns interesses específicos.<br />

O modelo europeu vem sempre<br />

à mente quando o assunto é integração<br />

regional institucionaliza<strong>da</strong>, mas muito<br />

possivelmente não é aplicável à <strong>América</strong><br />

do Sul. Primeiro pelo tipo de lide-<br />

58<br />

rança brasileira e de opções <strong>da</strong> elite do<br />

país em relação à criação e ao envolvimento<br />

com instituições internacionais.<br />

Segundo porque o contexto político <strong>da</strong><br />

<strong>América</strong> do Sul tem pouco em comum<br />

com o europeu, seja nos anos 50, seja<br />

nos dias de hoje. A baixa eficácia relativa<br />

<strong>da</strong> enorme gama de arranjos regionais<br />

amplos e frágeis não parece ser um<br />

rumo acertado para esses objetivos.<br />

A <strong>América</strong> do Sul tem características<br />

próprias e é sobre elas que o Brasil<br />

deve refletir para traçar suas estratégias:<br />

entre suas características está a <strong>da</strong> instabili<strong>da</strong>de<br />

econômica, social e política,<br />

com poucas exceções. Não obstante, o<br />

adensamento <strong>da</strong>s relações econômicas e<br />

sociais segue aumentando, como indicam<br />

os fluxos de capitais, de investimentos,<br />

de mercadorias, de serviços, de comunicações,<br />

turismo, transporte e migratórios<br />

formais e informais. Em apenas algumas<br />

dessas dimensões esse adensamento é<br />

fruto de políticas de integração, como é<br />

o caso dos setores automobilístico e químico.<br />

Parte importante é efeito de outras<br />

medi<strong>da</strong>s governamentais não volta<strong>da</strong>s<br />

para a região, como abertura econômica<br />

ou crédito à exportação, por exemplo, ou<br />

mesmo <strong>da</strong> dinâmica microeconômica,<br />

ambiental e de redes sociais.<br />

Isso significa que a agen<strong>da</strong> regional<br />

é farta e diversifica<strong>da</strong> e, em consequência,<br />

rechea<strong>da</strong> de riscos e crises<br />

em potencial. Portanto, desenhar uma<br />

estratégia consistente para a <strong>América</strong><br />

do Sul não é uma opção, mas um imperativo.<br />

Uma agen<strong>da</strong> puramente reativa<br />

não parece ser a melhor resposta,<br />

assim como uma agen<strong>da</strong> estritamente<br />

diplomática. A natureza desse desafio<br />

sugere que a promoção de uma costura<br />

política mais ampla e mais institucionaliza<strong>da</strong><br />

pode gerar, a médio e longo<br />

prazos, menos custos políticos e oportuni<strong>da</strong>des<br />

econômicas mais estáveis.<br />

Para tanto, serão insuficientes relações<br />

basea<strong>da</strong>s em cúpulas presidenciais e de<br />

30406009 miolo.indd 58 8/4/2010 15:03:22


Ministros de Relações Exteriores, padrão<br />

que hoje predomina. Será necessário<br />

envolver outras pastas <strong>da</strong>s áreas<br />

de economia, comércio, agricultura,<br />

defesa, além do setor privado, <strong>da</strong> academia<br />

e do legislativo.<br />

Um período de relativa instabili<strong>da</strong>de<br />

política e econômica é ain<strong>da</strong><br />

esperado na <strong>América</strong> do Sul. O<br />

conteúdo dessa instabili<strong>da</strong>de está relacionado<br />

à reacomo<strong>da</strong>ção política<br />

e econômica deriva<strong>da</strong> de dinâmicas<br />

democráticas em ambientes de forte<br />

desigual<strong>da</strong>de social e regional – e isso<br />

não pressupõe projetos conspiratórios<br />

contra o Brasil ou outro país <strong>da</strong> região.<br />

Em alguns casos, o componente étnico<br />

reforça essas tendências. Existe a<br />

chance de que novos eventos venham<br />

a impactar a estabili<strong>da</strong>de política no<br />

Peru e mesmo na Argentina. Na Bolívia<br />

e no Equador existem sinais de<br />

certa acomo<strong>da</strong>ção. Na Venezuela ain-<br />

<strong>da</strong> é incerto como será operado o aumento<br />

<strong>da</strong> presença <strong>da</strong> oposição frente<br />

ao governo de Hugo Chávez.<br />

Esse contexto altera a percepção<br />

estratégica dos países <strong>da</strong> região em relação<br />

à possibili<strong>da</strong>de de definir projetos<br />

integracionistas mais ousados, incluindo<br />

a do Brasil. Definir um projeto<br />

comum em ambiente de grande diversi<strong>da</strong>de<br />

e mesmo exercer uma liderança<br />

construtiva num ambiente com essa<br />

natureza redobra o desafio do Brasil.<br />

Trata-se de fazer uma agen<strong>da</strong> estratégica<br />

regional mais construtiva possível,<br />

sem comprometer a segurança e<br />

as priori<strong>da</strong>des <strong>da</strong> agen<strong>da</strong> política e de<br />

desenvolvimento do país.<br />

Ricardo Sennes é professor de Relações Internacionais<br />

<strong>da</strong> PUC-SP e diretor-geral <strong>da</strong> Prospectiva<br />

Consultoria em Negócios Internacionais e<br />

Políticas Públicas.<br />

30406009 miolo.indd 59 8/4/2010 15:03:22<br />

59


NOvAS<br />

PROPOSTAS<br />

MARCO AURÉLIO GOMES<br />

O período<br />

60<br />

URbANISMO<br />

TROCA DE<br />

IDEIAS<br />

que vai dos anos 20<br />

aos anos 60 do século passado<br />

teve fun<strong>da</strong>mental importância<br />

na constituição do urbanismo<br />

na <strong>América</strong> do Sul, conhecendo<br />

tanto intervenções ain<strong>da</strong><br />

de forte viés acadêmico, quanto o advento e a<br />

consoli<strong>da</strong>ção concomitantes do Movimento Moderno,<br />

de inspiração francesa, e de ideias e práticas<br />

norte-americanas de planejamento e gestão<br />

urbana. Rápido desenvolvimento <strong>da</strong> urbanização;<br />

movimentos favoráveis <strong>da</strong> economia; expansão <strong>da</strong><br />

industrialização; presença marcante do Estado por<br />

meio de grandes investimentos públicos de caráter<br />

social, além <strong>da</strong> institucionalização <strong>da</strong>s práticas de<br />

planejamento enquanto atribuição <strong>da</strong> administração<br />

30406009 miolo.indd 60 8/4/2010 15:03:22


FOTO: reprOduçãO<br />

pública contribuíram para a emergência<br />

de novas experiências na arquitetura e<br />

no urbanismo sul-americano.<br />

O urbanismo “de melhoramentos<br />

e embelezamento”, her<strong>da</strong>do do século<br />

XIX, chega ao final, na <strong>América</strong> do Sul,<br />

por volta dos anos 1930, amalgamando,<br />

em graus variados, referências à tradição<br />

Beaux-Arts francesa, aos ensinamentos<br />

sittianos e aos movimentos Ci<strong>da</strong>de Jardim<br />

e City Beautiful. Exemplo revelador<br />

desse momento de inflexão é a presença<br />

simultânea, no Rio de Janeiro do final<br />

dos anos 20, de personagens com<br />

visões urbanísticas tão opostas, como<br />

Alfred Agache, membro ativo <strong>da</strong> Société<br />

Française des architectes-urbanistes, e Le<br />

Corbusier, defensor dos ideais modernos:<br />

o primeiro contratado para elaborar<br />

um plano de “remodelação, extensão e<br />

embelezamento” para o Rio de Janeiro;<br />

e o segundo empenhado em encontrar a<br />

oportuni<strong>da</strong>de que lhe faltava na Europa<br />

para a concretização de suas ideias.<br />

Essa viagem de Le Corbusier à<br />

<strong>América</strong> do Sul (Argentina, Uruguai<br />

e Brasil, com rápi<strong>da</strong> incursão ao Paraguai),<br />

em 1929, é importante para entender<br />

como redes de relações profissionais<br />

começam então a ser articula<strong>da</strong>s<br />

e como, na sequência, elas vão encarregar-se<br />

de disseminar princípios do Movimento<br />

Moderno no Continente. Porém,<br />

nem tudo começa aí, pois as ideias<br />

de renovação na arquitetura e no urbanismo<br />

já eram conheci<strong>da</strong>s de setores <strong>da</strong><br />

intelectuali<strong>da</strong>de e do meio profissional<br />

sul-americano desde o início dos anos<br />

20, por meio <strong>da</strong> revista L´Esprit Nouveau,<br />

dos livros Vers une architecture ou<br />

Urbanisme, ou <strong>da</strong> presença de arquitetos<br />

emigrados, como Wladimiro Acosta, na<br />

Argentina, ou Gregori Warchavchik, no<br />

Brasil, que já traziam o conhecimento<br />

de experiências vanguardistas europeias.<br />

Para o arquiteto argentino Ferrari<br />

Hardoy, a influência que Le Corbusier<br />

exerceu no meio profissional sul-americano<br />

foi “selectiva pero transcendental”,<br />

somando-se às viagens que ele realizou<br />

ao continente (três ao Brasil, cinco<br />

à Colômbia, uma à Argentina), as suas<br />

61<br />

O urbanismo de melhoramentos<br />

e embelezamento chega ao<br />

fim nos anos 30, quando a<br />

<strong>América</strong> <strong>Latina</strong> começa a privilegiar<br />

projetos funcionalistas.<br />

30406009 miolo.indd 61 8/4/2010 15:03:23


Acima, Conjunto Pedregulho,<br />

em São Cristóvão, Rio<br />

de Janeiro, obra de Afonso<br />

Reidy; esboço de um projeto<br />

de Corbusier para Buenos<br />

Aires.<br />

conferências, a difusão de suas obras e<br />

o recebimento de jovens arquitetos em<br />

seu escritório parisiense, como o próprio<br />

Ferrari Hardoy e Juan Kurchan,<br />

também argentino, e os colombianos<br />

Germán Samper e Rogelio Salmona.<br />

A partir dos anos 40, uma nova<br />

geração de arquitetos encarrega-se <strong>da</strong><br />

difusão <strong>da</strong> arquitetura e do urbanismo<br />

funcionalistas por meio de uma série de<br />

projetos referenciais em seus países: Carlos<br />

Raul Villanueva, na Venezuela; Carlos<br />

Martinez, na Colômbia; Emilio Duhart<br />

e Sergio Larrain, no Chile; Amâncio<br />

Williams e Ferrari Hardoy, na Argentina.<br />

Porém, ain<strong>da</strong> segundo Hardoy, o<br />

real impacto <strong>da</strong>s ideias de Le Corbusier<br />

aconteceu por intermédio <strong>da</strong> formação<br />

profi ssional, à medi<strong>da</strong> que seus antigos<br />

discípulos passam a ocupar cargos docentes<br />

nas universi<strong>da</strong>des de seus países.<br />

A força de criações latino-americanas<br />

no campo <strong>da</strong> arquitetura e do<br />

urbanismo modernos, principalmente<br />

no Brasil – onde se destacam o Ministério<br />

<strong>da</strong> Educação e Saúde (1937-43), de<br />

Lúcio Costa e equipe, ou o conjunto <strong>da</strong><br />

Pampulha, de Oscar Niemeyer (1942-<br />

43) – mas também na Venezuela e no<br />

México (mas não só), que souberam valer-se<br />

de conjunturas especiais para sua<br />

emergência, logo recebeu ampla difusão<br />

internacional. Entre os anos 40 e 50 elas<br />

ganharam o mundo por meio de poderosos<br />

instrumentos: exposições em instituições<br />

prestigiosas (como o MoMA,<br />

de Nova York), livros e incontáveis artigos<br />

nas maiores revistas <strong>da</strong> Europa e<br />

dos Estados Unidos.<br />

Contrariamente à interpretação<br />

de que os países latino-americanos, em<br />

termos culturais, sempre receberam<br />

mais do que “ofertaram” aos países<br />

centrais (e ao mundo, de uma maneira<br />

geral) lembremos que eles representaram<br />

um importante território de experimentação<br />

para novas ideias e propostas<br />

no campo do urbanismo. Em 1929, o<br />

62<br />

Corbusier que retorna à Europa, após<br />

o seu séjour sul-americano, não é exatamente<br />

o mesmo que aqui chegara poucos<br />

meses antes. Anos depois, a experiência<br />

latino-americana do escritório<br />

Town Planning Associates, sediado em<br />

Nova York e liderado por José Luis<br />

Sert e Paul Lester Wiener, representará<br />

a oportuni<strong>da</strong>de de transformar a noção<br />

de “ci<strong>da</strong>de funcional”, ao testar novos<br />

conceitos (como o de centro cívico e o<br />

de “tapete urbano”) e ao buscar alternativas<br />

tipológicas e construtivas para<br />

a solução do problema habitacional.<br />

No entanto, nas trocas profi ssionais<br />

que aju<strong>da</strong>ram a mol<strong>da</strong>r a experiência<br />

urbanística no Continente,<br />

nem tudo se reduz aos contatos com<br />

a Europa e com os Estados Unidos.<br />

Como lembrou Arturo Almandoz,<br />

dentre os elementos que contribuíram<br />

para a formação do meio profi ssional<br />

latino-americano, destacam-se o surgimento<br />

de revistas especializa<strong>da</strong>s –<br />

numa relativa sincronia entre diversos<br />

países – e a realização de eventos que<br />

congregavam especialistas locais em<br />

torno de pautas de interesse comum.<br />

O acelerado crescimento urbano<br />

pelo qual passavam as ci<strong>da</strong>des sulamericanas<br />

e o consequente boom <strong>da</strong><br />

construção civil e <strong>da</strong>s obras públicas<br />

explicam (pelo menos em seu início) o<br />

fl orescimento dessas iniciativas, que, de<br />

uma maneira geral, acontecem em todo<br />

o continente desde os anos 1920.<br />

Nos anos 40 ganham destaque<br />

em suas páginas as questões liga<strong>da</strong>s<br />

à ci<strong>da</strong>de, ao urbanismo e à gestão urbana.<br />

De uma maneira geral, em to<strong>da</strong>s<br />

as revistas <strong>da</strong> época ganham espaço as<br />

experiências urbanísticas no próprio<br />

Continente, capitanea<strong>da</strong>s por arquitetos<br />

e urbanistas locais, como as ci<strong>da</strong>des<br />

universitárias de Bogotá, Rio, Caracas,<br />

Panamá, Tucumán e México; planos de<br />

expansão urbana, como o <strong>da</strong> Pampulha,<br />

em Belo Horizonte; ou conjuntos habi-<br />

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tacionais em vários países do Continente.<br />

Na vira<strong>da</strong> dos anos 50, o projeto e a<br />

construção de Brasília tornam-se matéria<br />

presente em to<strong>da</strong>s as revistas.<br />

Interessante notar que existia um<br />

efetivo intercâmbio entre as próprias<br />

revistas do Continente, sendo prática<br />

corrente a publicação de artigos umas<br />

<strong>da</strong>s outras. Artigos publicados em Nuestra<br />

Arquitectura eram publicados em El<br />

Arquitecto Peruano ou em Proa e vice-versa.<br />

Os mais antigos, com mais longa<br />

duração e provavelmente maior audiência<br />

eram os Congressos Pan-Americanos<br />

de Arquitetos, criados em 1920 pela<br />

Socie<strong>da</strong>d de Arquitectos del Uruguay<br />

com a finali<strong>da</strong>de de contribuir para a regulamentação<br />

<strong>da</strong> profissão naquele país,<br />

embora já nascessem com a ideia de<br />

agregar profissionais de outros países.<br />

Na sequência dos eventos com<br />

interesses mais amplos, como os Pan-<br />

Americanos de Arquitetos, eles passam,<br />

nos anos 30, a conhecer maior ênfase<br />

na questão urbana, como os Congressos<br />

de Urbanismo, propostos desde a<br />

déca<strong>da</strong> anterior, os Congressos Pan-<br />

Americanos de Moradia Popular e os<br />

Congressos Interamericanos de Municipali<strong>da</strong>des,<br />

ampliando as possibili<strong>da</strong>des<br />

de interlocução profissional.<br />

Os Congressos Pan-Americanos<br />

de la Vivien<strong>da</strong> Popular voltavam-se para<br />

a problemática <strong>da</strong> moradia popular –<br />

como formas de acesso, financiamento,<br />

legislação, custos, técnicas construtivas<br />

etc. –, a partir <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de de ca<strong>da</strong> país.<br />

Os Congressos Pan-Americanos<br />

de Municípios originaram-se na VI<br />

Conferencia Internacional Americana<br />

(Havana, 1928), embora sua primeira<br />

edição só tenha ocorrido dez anos depois.<br />

Seguindo a ideologia de “fortalecer<br />

e estimular a mais estreita relação<br />

amistosa entre as comuni<strong>da</strong>des americanas”,<br />

eles tinham como temas centrais a<br />

administração municipal e a gestão dos<br />

serviços públicos, com a peculiari<strong>da</strong>de<br />

de constituírem-se em um fórum multidisciplinar,<br />

congregando especialistas<br />

de diferentes áreas: arquitetos, juristas,<br />

economistas, engenheiros, médicos etc.<br />

Devido à amplitude de suas preocupações,<br />

os congressos pan-americanos<br />

foram fóruns de debate abertos a variados<br />

enfoques, contribuindo para o intercâmbio<br />

de ideias e troca de experiências<br />

entre os profissionais dos países participantes.<br />

Como lembra Fernando Atique,<br />

se de um lado, o pan-americanismo foi<br />

um dos caminhos do processo de “americanização”<br />

na <strong>América</strong> <strong>Latina</strong>, servindo<br />

para aproximá-la <strong>da</strong> “Terra do Tio<br />

Sam”, por outro, esses eventos permitiram<br />

que as demais repúblicas americanas<br />

se aproximassem umas <strong>da</strong>s outras.<br />

Contrariamente a imagem muito<br />

difundi<strong>da</strong> de profissionais voltados exclusivamente<br />

para a Europa e os Estados<br />

Unidos, o conteúdo <strong>da</strong>s publicações<br />

desse período e as discussões trava<strong>da</strong>s<br />

nesses congressos revelam-nos a existência<br />

de um intenso processo de trocas<br />

profissionais e acadêmicas dentro do<br />

mundo latino-americano. Seguir a trilha<br />

dessas interlocuções representa não<br />

só a possibili<strong>da</strong>de de conhecer mais as<br />

experiências urbanísticas desenvolvi<strong>da</strong>s<br />

em nível continental nessas déca<strong>da</strong>s cruciais<br />

que redefinem os rumos <strong>da</strong> “ci<strong>da</strong>de<br />

moderna”, mas também a possibili<strong>da</strong>de<br />

de problematizar o lugar <strong>da</strong>s trocas internacionais<br />

na história do urbanismo.<br />

Marco Aurélio Gomes é arquiteto e professor<br />

titular <strong>da</strong> Facul<strong>da</strong>de de Arquitetura <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de<br />

Federal <strong>da</strong> Bahia.<br />

63<br />

Praça do Congresso<br />

em Buenos Aires.<br />

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CONTRIbUIÇÃO<br />

vALIOSA<br />

LEONOR AMARANTE<br />

O Manto <strong>da</strong> Apresentação<br />

do brasileiro Bispo do Rosário.<br />

64<br />

LIvRO<br />

ARTE E VESTUÁRIO<br />

RELAçÃO ÍNTIMA<br />

DA CRIAçÃO<br />

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FOTOs: reprOduçãO<br />

O mercado editorial de arte recebe<br />

um curioso e bem elaborado livro: Roupa<br />

de Artista – O Vestuário nas Obras de Arte,<br />

resultado do trabalho <strong>da</strong> historiadora Cacil<strong>da</strong><br />

Teixeira <strong>da</strong> Costa. Do fi nal do gótico<br />

ao início do Renascimento até os dias de<br />

hoje, a publicação resgata obras pontuais<br />

que exemplifi cam o desafi o dos artistas<br />

de equilibrar as roupas no universo retratado.<br />

A diversi<strong>da</strong>de de informações nos<br />

leva a experimentações, como a de Edgar<br />

Degas, que ao colocar um saiote de tule<br />

em sua escultura Bailarina de Quatorze Anos<br />

(1879/188) se tornou o primeiro artista a<br />

introduzir tecido numa obra em bronze.<br />

Com a evolução do Homem a<br />

roupa deixou de ser um elemento de proteção<br />

do corpo para tornar-se uma medi<strong>da</strong><br />

dentro <strong>da</strong> escala social. Um dos méritos<br />

<strong>da</strong> publicação é focalizar o papel do vestuário<br />

na expressão artística, registrando<br />

interpretações que cruzam experimentos<br />

dos dias de hoje. Caso <strong>da</strong> proposta <strong>da</strong> argentina<br />

Nicola Constantino que trabalha<br />

o tecido de borracha como se fosse a pele<br />

humana. Do brasileiro Bispo do Rosário<br />

o Manto <strong>da</strong> Apresentação nos coloca diante<br />

de um exemplo de um mergulho profundo<br />

trabalhado na superfície do tecido<br />

no qual o artista imprime sua identi<strong>da</strong>de,<br />

sexuali<strong>da</strong>de e metáforas conti<strong>da</strong>s em seu<br />

universo atormentado, vivido num hospital<br />

psiquiátrico. Um dos artistas brasileiros<br />

mais críticos e politizados <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 60,<br />

Rubens Gerchman cria seu vestuário-casa<br />

colocando a população como homem caramujo.<br />

Seus curiosos objetos ambulantes<br />

formam sua instalação Caixas para Morar<br />

e nos remete à situação de grande parcela<br />

dos brasileiros, chamados “sem tetos”.<br />

A arte contemporânea brasileira traz<br />

exemplos de artistas que colocam o vestuário<br />

como meio para discutir seu mundo<br />

particular em contraponto à socie<strong>da</strong>de.<br />

Nazareth Pacheco trabalha elementos leves<br />

e poéticos como cristais e os mistura<br />

à lâminas de barbear criando vestidos aparentemente<br />

leves e soltos quando vistos de<br />

longe, mas ao aproximarmos, a peça causa<br />

uma afl ição. Encarando a mo<strong>da</strong> como uma<br />

representação <strong>da</strong> arte o paulistano Nelson<br />

Leirner desven<strong>da</strong> e brinca com a burguesia<br />

em sua série Bridesmaid and Bridegroom .<br />

Desde os primórdios as roupas<br />

são protagonistas <strong>da</strong> história <strong>da</strong> arte, com<br />

seus drapeados, bor<strong>da</strong>dos, ren<strong>da</strong>s, cetins,<br />

veludos, que aju<strong>da</strong>ram a <strong>da</strong>r volumetria,<br />

brilho, riqueza, tanto à costura quanto à<br />

arte. Desse universo, o livro traz alguns<br />

clássicos como O Balanço (1767), de Jean-<br />

Honoré Fragonard em que o pintor se esmera<br />

nas pincela<strong>da</strong>s para registrar a profusão<br />

de babados de tafetás, e contrapõe-se<br />

com a limpeza formal e a simplici<strong>da</strong>de do<br />

tecido e do modelo do vestido de Ma<strong>da</strong>me<br />

Récamier, um clássico de Jean Louis David.<br />

Com certeza, o luxo do fi gurino <strong>da</strong> corte<br />

sempre atormentou o sono <strong>da</strong> burguesia<br />

endinheira<strong>da</strong>. Em uma passagem, o livro<br />

registra que no século XIV os plebeus<br />

rompem as barreiras sociais, pelo menos<br />

na mo<strong>da</strong>, e passam a copiar, sem cerimônias,<br />

as roupas de seus nobres. A Corte<br />

<strong>da</strong> Borgonha, por exemplo, furiosa ao<br />

ver seus súditos desfi lando com cópias de<br />

seus modelos, passou a destruí-los, ca<strong>da</strong><br />

vez que eram adotados pelos plebeus.<br />

O universo lúdico e mágico que o<br />

livro: Roupa de Artista – O Vestuário nas Obras<br />

de Arte, uma parceria <strong>da</strong> Edusp com a Imesp,<br />

é uma contribuição valiosa para nosso limitado<br />

campo editorial de livro de arte.<br />

Leonor Amarante é jornalista, editora e<br />

crítica de arte.<br />

No alto à esquer<strong>da</strong>, Noivos,<br />

Série Roupas, de Nelson<br />

Leirner. À direita, Vestido<br />

de Mamilos com Gola<br />

de Cabelo Natural <strong>da</strong> argentina<br />

Nicola Constantino.<br />

Abaixo, detalhe de Duas<br />

Damas <strong>da</strong> Corte, de Jean-<br />

Baptiste Debret.<br />

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ROQUE DALTON MEDAL<br />

El gran despecho<br />

País mío no existes<br />

sólo eres una mala silueta mía<br />

una palabra que le creí al enemigo<br />

antes creía que solamente eras muy chico<br />

que no alcanzabas a tener de una vez<br />

Norte y Sur<br />

pero ahora sé que no existes<br />

y que además parece que nadie te necesita<br />

no se oye hablar a ninguna madre de tí<br />

Ello me alegra<br />

porque prueba que me inventé un país<br />

aunque me deba entonces a los manicomios<br />

soy pues un diocesillo a tu costa<br />

66<br />

POESIA<br />

EL GRAN DESPEChO<br />

(Quiero decir: por expatriado yo tú eres ex patria)<br />

Roque Dalton Me<strong>da</strong>l foi jornalista, e renomado poeta salvadorenho que, por motivos políticos, teve<br />

de exilar-se vivendo em vários países como Cuba, Vietnã do norte, Guatemala.<br />

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