Untitled - Centro de Artes Universidade Federal de Pelotas
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Sérgio Nesteriuk<br />
1ª edição<br />
Uma edição do I Programa <strong>de</strong> Fomento à Produção e Teledifusão<br />
<strong>de</strong> Séries <strong>de</strong> Animação Brasileiras – ANIMATV<br />
apoio realização<br />
São Paulo - 2011
N468<br />
Dados Internacionais <strong>de</strong> Catalogação na Publicação (CIP)<br />
(Bibliotecária Silvia Marques CRB 8/7377)<br />
Nesteriuk, Sergio.<br />
Dramaturgia <strong>de</strong> série <strong>de</strong> animação/ Sergio Nesteriuk, autor.<br />
- São Paulo: Sergio Nesteriuk, 2011.<br />
Uma edição do primeiro Programa <strong>de</strong> fomento à produção e<br />
teledifusão <strong>de</strong> séries <strong>de</strong> animações brasileiras - ANIMATV.<br />
ISBN 978-85-911964-0-1<br />
1.Animação-televisão 2.Animação-produção <strong>de</strong> séries<br />
3. ANIMATV – programa <strong>de</strong> televisão I.Título.<br />
CDD 791.450<br />
Conteúdo sob a licença Creative Commons by-nc-sa. Para ver uma cópia <strong>de</strong>ssa<br />
licença visite o site: http://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/3.0/
Agra<strong>de</strong>ço:<br />
Rune Tavares, i<strong>de</strong>alizador e incentivador do projeto <strong>de</strong>ste livro,<br />
colegas da ABCA – Associação Brasileira do Cinema <strong>de</strong> Animação,<br />
grupo <strong>de</strong> trabalho i<strong>de</strong>alizador do ANIMATV, em especial Ale Mchaddo, Arnaldo<br />
Galvão e Marta Machado (ABCA),<br />
Ministério da Cultura e suas Secretarias do Audiovisual (SAV) e <strong>de</strong> Políticas<br />
Culturais (SPC), a Empresa Brasil <strong>de</strong> Comunicação - TV Brasil, a Fundação<br />
Padre Anchieta – TV Cultura e a ABEPEC - Associação Brasileira das Emissoras<br />
Públicas pela iniciativa pioneira,<br />
Cristiane Oliveira, pela paciência, leitura atenta e constante incentivo,<br />
equipe do ANIMATV por toda atenção e <strong>de</strong>dicação, especialmente Marina<br />
Volpatto e Bárbara Fernan<strong>de</strong>s pela revisão,<br />
Ricardo Troula, por conseguir interpretar tão bem meus <strong>de</strong>vaneios<br />
a la Jacopo Peterman,<br />
Andréa Catropa, pela revisão e dicas <strong>de</strong> estruturação do texto,<br />
colegas, estudantes, alunos, professores e profissionais que tenho convivido e<br />
que tanto me ensinam,<br />
todos aqueles que com muito empenho e <strong>de</strong>dicação mantem viva a animação<br />
no Brasil.<br />
Muito obrigado!
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Prefácio / 10<br />
Introdução / 11<br />
Índice<br />
capÍtulo 1<br />
1. A Narrativa Seriada na Televisão / 16<br />
1.1 Formas Pre<strong>de</strong>cessoras da Narrativa Seriada na Televisão / 19<br />
Séries <strong>de</strong> animação no cinema / 25<br />
1.2 Repetição, Serialida<strong>de</strong> e Fragmentação: A “Estética da Repetição” e o<br />
“Minimalismo Narrativo” / 43<br />
3. Estruturas e Tipologia da Narrativa Seriada na Televisão / 51<br />
6
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
capÍtulo 2<br />
2. Séries <strong>de</strong> Animação Televisiva / 59<br />
2.1 Um Breve Histórico da Televisão e Características do Meio / 62<br />
2.2 História das Séries <strong>de</strong> Animação para Televisão / 72<br />
Séries <strong>de</strong> animação para televisão além dos Estados Unidos e Japão / 115<br />
2.3 A Experiência Brasileira / 119<br />
Séries <strong>de</strong> animação brasileiras / 127<br />
ANIMATV / 139<br />
2.4 Análise das Séries / 147<br />
“Bob Esponja Calça Quadrada” (“SpongeBob Square Pants”) / 147<br />
The Simpsons / 153<br />
capÍtulo 3<br />
3. Dramaturgia Aplicada à Produção <strong>de</strong> Séries <strong>de</strong> Animação / 162<br />
3.1 Conceito Geral da Série / 167<br />
3.2 Apresentação (Overview) / 173<br />
3.3 Criação, Desenvolvimento e Apresentação do Universo / 181<br />
3.4 Criação, Desenvolvimento e Apresentação <strong>de</strong> Cenários / 186<br />
3.5 Criação e Desenvolvimento das Personagens / 192<br />
7
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
3.6 Sinopse Técnica e Sinopse Comercial / 200<br />
3.7 Roteiro / 203<br />
3.8 Storyboard / 218<br />
3.9 Outros Elementos e Aspectos a Consi<strong>de</strong>rar / 236<br />
4. Estudos <strong>de</strong> Caso / 244<br />
capÍtulo 4<br />
4.1 Série Selecionada: “Tromba Trem” / 252<br />
Episódio piloto: “O Estrangeiro” / 255<br />
Entrevista com Zé Brandão, autor <strong>de</strong> “Tromba Trem” / 258<br />
4.2 Série Selecionada: “Carrapatos e Catapultas” / 262<br />
Episódio Piloto: “Caixa <strong>de</strong> Luz” / 265<br />
Entrevista com Almir Correia, autor <strong>de</strong> “Carrapatos e Catapultas” / 269<br />
Consi<strong>de</strong>rações finais / 272<br />
Posfácio / 279<br />
Para saber mais / 281<br />
Referências Digitais / 291<br />
Sobre o autor / 299<br />
8
Dedico este livro a Andrea, Natasha e Ravi. Sempre.
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
prefácio<br />
ANIMATV – PROCESSOS CRIATIVOS, PRÁTICA E RESULTADOS DE SUCESSO<br />
Pensar política pública em animação é muito mais do que simplesmente ampliar a indústria. É promover<br />
a expertise e a capacitação <strong>de</strong> profissionais cada vez mais especializados. É também investir em<br />
novos processos que <strong>de</strong>em vez e voz a experiências e criações singulares a partir <strong>de</strong> processos coletivos.<br />
É oportunizar i<strong>de</strong>ias, propostas e iniciativas por meio do encorajamento <strong>de</strong> cada profissional do setor<br />
produtivo <strong>de</strong> conteúdos audiovisuais <strong>de</strong> animação. Trata-se, sobretudo, <strong>de</strong> respeitar o espectador, na<br />
maioria das vezes, a criança, como cidadã crítica, reflexiva e participante.<br />
Ao resgatar um pouco da história das séries <strong>de</strong> animação e <strong>de</strong> socializar a riqueza das informações<br />
do projeto ANIMATV, este livro tem o mérito <strong>de</strong> chamar a atenção dos leitores para<br />
os bastidores dos processos criativos e <strong>de</strong> produção das séries, servindo como fonte inspiradora<br />
para novas produções.<br />
Ao valorizar os compromissos éticos e estéticos inerentes às séries ora produzidas, a Secretaria<br />
do Audiovisual reconhece a animação como uma área estratégica <strong>de</strong> fomento, formação,<br />
criação e pesquisa; como po<strong>de</strong>rosa ferramenta <strong>de</strong> expressão, linguagem e <strong>de</strong> integração social;<br />
como setor <strong>de</strong> relevância artística e econômica em âmbito nacional e internacional.<br />
A Secretaria do Audiovisual ao longo dos últimos anos investe no setor <strong>de</strong> animação por meio<br />
<strong>de</strong> editais, programas, projetos e experiências singulares e inéditas que estão sendo propostas<br />
e colocadas em prática. Queremos e po<strong>de</strong>mos mais, muito mais. Os animadores brasileiros imprimem<br />
a cada dia sua marca <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>, talento, técnica, responsabilida<strong>de</strong> e compromisso<br />
em suas produções, tornando o Brasil visível no cenário internacional.<br />
Que a leitura <strong>de</strong>ste livro promova reflexões, diálogos, inquietações e, principalmente, ações concretas,<br />
perenes e consequentes em novos processos <strong>de</strong> criação e produção da animação brasileira.<br />
Que o Brasil avance ANIMADO e ANIMANDO!<br />
ANA PAULA DOURADO SANTANA<br />
Secretária do Audiovisual<br />
10
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
introdução<br />
Os primórdios da animação remetem a tempos ancestrais, quando o homem já procurava<br />
registrar o movimento <strong>de</strong> ações diversas por meio da sequência <strong>de</strong> imagens nas pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
cavernas, em tapetes ou em peças <strong>de</strong> cerâmica. Pouco <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>ssas primeiras manifestações<br />
surge, no Oriente, o teatro das formas animadas, em que personagens inanimadas ganham<br />
vida por meio da manipulação direta <strong>de</strong> bonecos. Temos aqui a origem das duas bases centrais<br />
da animação: a técnica e a narrativa, capazes <strong>de</strong> dar vida àquilo que não a tem, ou seja, <strong>de</strong><br />
evocar a anima.<br />
O advento dos brinquedos óticos durante a Ida<strong>de</strong> Média possibilitou um gradativo<br />
aperfeiçoamento da tecnologia da animação e a posterior criação do cinema <strong>de</strong> animação<br />
no final do século XIX. A popularização do cinema e, em seguida, da televisão durante o<br />
século XX consolidaram a cultura do audiovisual, na qual a animação sempre ocupa papel<br />
<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância.<br />
A animação é uma importante forma <strong>de</strong> comunicação e expressão contemporânea, com<br />
forte presença nas artes e na cultura do século XX e início do XXI. Neste sentido, a animação é<br />
um produto cultural que po<strong>de</strong> ser influenciado, como também po<strong>de</strong> influenciar as socieda<strong>de</strong>s<br />
nas quais se encontra inserida. Além disso, tanto o seu pensamento quanto sua prática<br />
envolvem complexas relações inter e transdisciplinares com as mais diversas áreas do saber,<br />
como a administração, as artes, a comunicação, o <strong>de</strong>sign, os estudos culturais, a narratologia,<br />
a psicologia e a tecnologia, entre outras. Com o envelhecimento <strong>de</strong> seus espectadores e a<br />
expansão <strong>de</strong> sua popularida<strong>de</strong> por todo o mundo, a animação atravessou diferentes épocas e<br />
ultrapassou fronteiras e barreiras etárias, étnicas, sociais, econômicas e culturais diversas.<br />
A importância da animação também po<strong>de</strong> ser verificada, além <strong>de</strong> suas dimensões artísticas<br />
e culturais, pelo célere crescimento econômico do setor – um <strong>de</strong> maiores perspectivas no atual<br />
cenário global. Consi<strong>de</strong>rando filmes, séries, games (que, grosso modo, po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong>finidos<br />
11
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
como um tipo <strong>de</strong> animação interativa) e <strong>de</strong>mais produtos e mídias relacionadas, a animação<br />
se apresenta hoje como a maior indústria do entretenimento e uma das maiores entre todas<br />
as outras do mundo.<br />
No Brasil, a animação sempre <strong>de</strong>spertou gran<strong>de</strong> interesse no público, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as primeiras<br />
exibições no país, há mais <strong>de</strong> cem anos. O Anima Mundi, por exemplo, em pouco tempo se<br />
consolidou como o maior festival mundial <strong>de</strong> animação em termos <strong>de</strong> público, com pouco<br />
mais <strong>de</strong> 100.000 espectadores por edição. Raras vezes, entretanto, este fascínio do público<br />
brasileiro com a animação é suprido por obras produzidas no país, que acabam por ficar<br />
restritas a um circuito distante do gran<strong>de</strong> público.<br />
Apesar, ou justamente por conta disso, a animação brasileira conquistou tradição e<br />
reconhecimento internacional nas áreas da publicida<strong>de</strong> e da produção <strong>de</strong> curtas-metragens.<br />
Falta ao país, portanto, expandir essa referência para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> filmes <strong>de</strong> longametragem<br />
e <strong>de</strong> séries <strong>de</strong> animação – sem mencionar as novas possibilida<strong>de</strong>s oferecidas pelas<br />
tecnologias digitais. É justamente nas salas <strong>de</strong> cinema e nas gra<strong>de</strong>s <strong>de</strong> programação das<br />
emissoras <strong>de</strong> televisão que a animação encontra o gran<strong>de</strong> público. Todavia, esses espaços são<br />
ocupados no Brasil quase que em sua totalida<strong>de</strong> por produções estrangeiras. Assim, per<strong>de</strong>m<br />
todos: autores e produtores, que limitam seu campo <strong>de</strong> atuação e mercado <strong>de</strong> trabalho; o<br />
público, que <strong>de</strong>sconhece a qualida<strong>de</strong> e mesmo a existência <strong>de</strong> produções animadas nacionais<br />
e o país, que não aproveita o potencial cultural e econômico <strong>de</strong>ssa significativa forma <strong>de</strong><br />
expressão e comunicação da contemporaneida<strong>de</strong>.<br />
Sob a perspectiva econômica, a exploração <strong>de</strong> novos territórios da animação brasileira<br />
representa uma das maiores possibilida<strong>de</strong>s, não apenas da Economia da Cultura, mas também<br />
<strong>de</strong> toda a chamada Economia Nova. Neste novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> economia, há uma mudança <strong>de</strong><br />
paradigmas em que, a partir da reconfiguração dos mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> produção e circulação, a<br />
capacida<strong>de</strong> criativa passa a ter papel mais importante do que o próprio capital. Ignorar essa<br />
perspectiva seria, portanto, <strong>de</strong>sperdiçar todo um mercado inexplorado com uma das melhores<br />
previsões <strong>de</strong> crescimento no cenário mundial atual.<br />
Da perspectiva cultural, a expansão da animação para além do mercado da publicida<strong>de</strong> e do<br />
circuito <strong>de</strong> curtas-metragens representa a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apresentar ao gran<strong>de</strong> público mais uma<br />
forma <strong>de</strong> manifestação realizada por artistas brasileiros. Assim como outras formas <strong>de</strong> expressão,<br />
como a literatura, as artes plásticas e a música, por exemplo, a animação também po<strong>de</strong> ajudar<br />
a divulgar e valorizar, nacional e internacionalmente, toda a riqueza e a diversida<strong>de</strong> cultural <strong>de</strong><br />
nosso país – seja pela presença <strong>de</strong> conteúdos típicos em seus roteiros ou pelo reconhecimento <strong>de</strong><br />
um estilo ou escola própria da animação brasileira, distinta das <strong>de</strong>mais.<br />
No Festival Anima Mundi <strong>de</strong> 2007, um importante passo foi dado a favor da animação nacional.<br />
Por ocasião do Anima Forum, a Associação Brasileira <strong>de</strong> Cinema <strong>de</strong> Animação -ABCA propôs à<br />
Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura que se fizesse uma projeção para a realização<br />
<strong>de</strong> um programa semelhante ao realizado com documentários no DOCTV (Programa <strong>de</strong> Fomento à<br />
12
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Produção e Teledifusão do Documentário Brasileiro), mas para a área da animação. Pouco <strong>de</strong>pois,<br />
com o apoio da Coor<strong>de</strong>nação Executiva do DOCTV, a ABCA apresentou um primeiro projeto do<br />
que seria o ANIMATV às emissoras TV Brasil e TV Cultura, bem como à Associação Brasileira das<br />
Emissoras Públicas Educativas e Culturais – entida<strong>de</strong>s que posteriormente se associaram ao projeto<br />
e viabilizaram suas ações.<br />
Em 2008, por parte do Ministério da Cultura, é criado o “Programa Nacional <strong>de</strong> Fomento<br />
à Animação Brasileira” (ProAnimação), que tem como objetivo principal: “(...) fomentar o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> ações <strong>de</strong> capacitação, produção, difusão e distribuição da animação brasileira<br />
no Brasil e no exterior”. No Granimado (Festival <strong>de</strong> Animação <strong>de</strong> Gramado) <strong>de</strong>sse mesmo ano, é<br />
lançado o Programa ANIMATV ação que foi incorporada ao ProAnimação. Além das entida<strong>de</strong>s citadas,<br />
o ANIMATV contou ainda com a participação da Secretaria <strong>de</strong> Políticas Culturais do Ministério da<br />
Cultura para sua viabilização.<br />
Além da seleção dos projetos inscritos e da exibição dos episódios pilotos em um circuito<br />
nacional <strong>de</strong> teledifusão, o ANIMATV realizou uma série <strong>de</strong> ações continuadas, as quais veremos<br />
mais <strong>de</strong>talhadamente no <strong>de</strong>correr <strong>de</strong>ste livro, objetivando a capacitação dos agentes envolvidos e<br />
a potencialização <strong>de</strong> inserção das séries selecionadas no mercado internacional.<br />
E é justamente no escopo <strong>de</strong>ssas iniciativas do ANIMATV, e especialmente da estruturação da<br />
Oficina <strong>de</strong> Desenvolvimento <strong>de</strong> Projetos, que surge a proposta <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ste livro,<br />
a partir da percepção <strong>de</strong> uma escassez bibliográfica sobre animação em língua portuguesa. O<br />
objetivo principal, portanto, é o <strong>de</strong> colaborar neste cenário, ao trazer questões que acreditamos<br />
serem caras ao estudo e à produção <strong>de</strong> séries <strong>de</strong> animação.<br />
Neste sentido, o livro está organizado em quatro capítulos. No primeiro, trataremos da<br />
questão da narrativa seriada na televisão, começando com um panorama sobre suas formas<br />
pre<strong>de</strong>cessoras antes da televisão, seguido <strong>de</strong> aspectos conceituais e teóricos referentes a esta<br />
modalida<strong>de</strong> narrativa especificamente na televisão.<br />
O segundo capítulo é focado nas séries <strong>de</strong> animação, apresentando inicialmente as principais<br />
características do meio (televisão), para <strong>de</strong>pois passar a uma abordagem histórica das séries<br />
<strong>de</strong> animação, incluindo a experiência brasileira. No final <strong>de</strong>sse capítulo, foram realizadas<br />
análises <strong>de</strong> duas séries internacionais emblemáticas por conseguirem aliar à criativida<strong>de</strong> traços<br />
autorais e sucesso comercial: “Os Simpsons” e “Bob Esponja Calça Quadrada”.<br />
O capítulo seguinte abordará uma metodologia consagrada para a elaboração <strong>de</strong> uma<br />
bíblia <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> série <strong>de</strong> animação, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a i<strong>de</strong>ia inicial até seu <strong>de</strong>senvolvimento final e<br />
pitch – uma espécie <strong>de</strong> apresentação comercial em que se buscam parceiros para a coprodução<br />
das séries. Dessa maneira, serão vistos nesse capítulo temas relacionados ao conceito geral<br />
da série, sua apresentação (overview), criação do universo narrativo, cenários, personagens,<br />
sinopse técnica (springboards), sinopse comercial, roteiro, storyboard e <strong>de</strong>mais elementos e<br />
aspectos atinentes a serem consi<strong>de</strong>rados na elaboração do projeto.<br />
13
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
O quarto e último capítulo traz um maior <strong>de</strong>talhamento sobre as ações realizadas pelo<br />
ANIMATV e os critérios avaliativos, balizados por parâmetros adotados internacionalmente,<br />
utilizados para a <strong>de</strong>finição das duas séries selecionadas pelo Programa para a produção<br />
<strong>de</strong> outros doze episódios além do piloto. Conhecer esses parâmetros permite levá-los em<br />
consi<strong>de</strong>ração durante a elaboração do projeto e das <strong>de</strong>mais etapas subsequentes, aumentando<br />
assim o potencial da série e <strong>de</strong> suas perspectivas. Esse capítulo apresenta, ainda, análises<br />
narrativas das séries selecionadas pelo ANIMATV (“Tromba Trem” e “Carrapatos e Catapultas”),<br />
seguidas <strong>de</strong> entrevistas com seus respectivos autores.<br />
Ao longo <strong>de</strong>sses capítulos, há uma variação conforme a proposta e a <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> cada<br />
parte do texto, entre abordagens mais teóricas, conceituais, históricas, expositivas, analíticas<br />
e metodológicas. Essa alternância é resultado da própria diversida<strong>de</strong> temática relacionada ao<br />
universo das séries <strong>de</strong> animação, envolvendo complexas questões como as articulações entre<br />
arte e técnica, forma e conteúdo, teoria e prática, educação e entretenimento, <strong>de</strong>mandas<br />
autorais e comerciais, entre outras tantas.<br />
Nas consi<strong>de</strong>rações finais, ao invés <strong>de</strong> fazer uma revisão daquilo que foi abordado durante<br />
todo o livro, procuramos <strong>de</strong>senvolver algumas dicas e conselhos que, acreditamos, possam<br />
auxiliar tanto iniciantes quanto iniciados na área. Contatos, comentários, críticas e sugestões<br />
são benvindos e po<strong>de</strong>m ser dirigidos diretamente ao autor.<br />
Desejamos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já, uma boa leitura a todos.<br />
14
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
capÍtulo 1<br />
atelevisão narrativa<br />
seriada na<br />
15
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
a narrativa<br />
seriada na<br />
1<br />
televisão<br />
1. A Narrativa Seriada na Televisão<br />
O embrião da produção em série acompanha a humanida<strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> tempos remotos, já<br />
que <strong>de</strong>terminados padrões (no campo das artes, da construção <strong>de</strong> artefatos e até mesmo <strong>de</strong><br />
estruturação do pensamento) po<strong>de</strong>m ser observados nos povos mais antigos, o que nos permite<br />
especular que tais padrões <strong>de</strong> produção tenham surgido a partir do momento em que o homem<br />
passou a viver em grupo. Desta forma, a repetição e as inerentes transformações <strong>de</strong>stes<br />
padrões permitiram a transmissão <strong>de</strong> conhecimento através das gerações e a consolidação das<br />
diferentes culturas a partir <strong>de</strong> suas próprias especificida<strong>de</strong>s. Com a expansão das civilizações,<br />
surge um maior intercâmbio entre os povos, nem sempre pacífico, é verda<strong>de</strong>. Surgem também<br />
processos <strong>de</strong> trocas, misturas e, em alguns casos, imposições <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados padrões que<br />
adquirem, assim, aspectos <strong>de</strong> uma serialida<strong>de</strong> comum – ainda que com eventuais características<br />
diferentes em épocas e lugares distintos.<br />
Todavia, é a partir das inovações tecnológicas <strong>de</strong>correntes da Revolução Industrial, em<br />
meados do século XVIII, e <strong>de</strong> seus diversos impactos econômicos, políticos e sociais, que<br />
a produção em série atinge outra escala. A velocida<strong>de</strong> e as dimensões das transformações<br />
<strong>de</strong>correntes da industrialização resultaram em mudanças expressivas no modo <strong>de</strong> vida do<br />
homem e da própria dinâmica <strong>de</strong> boa parte do mundo contemporâneo.<br />
Tal processo também se reflete no contexto das artes e da comunicação. Com a criação<br />
e o aperfeiçoamento <strong>de</strong> alguns dispositivos técnicos inventados previamente, como a prensa<br />
<strong>de</strong> Johannes Gutenberg, a comunicação humana passa <strong>de</strong> uma escala artesanal para outra,<br />
análoga à industrial. É o momento em que surge o fenômeno i<strong>de</strong>ntificado por pensadores da<br />
Escola <strong>de</strong> Frankfurt, como Theodor Adorno e Max Horkheimer, como Indústria Cultural, que<br />
está atrelada à criação dos chamados Meios <strong>de</strong> Comunicação <strong>de</strong> Massa.<br />
16
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
É preciso lembrar que anteriormente a essa etapa, uma obra possuía a aura <strong>de</strong> peça única,<br />
o que provocava o distanciamento e a reverência do público. Nas socieda<strong>de</strong>s primitivas, esse<br />
distanciamento estava calcado nas questões relacionadas ao sagrado e à experiência religiosa<br />
e, paulatinamente, com o advento das gran<strong>de</strong>s civilizações e, posteriormente, dos Impérios,<br />
com o po<strong>de</strong>r. No mundo mo<strong>de</strong>rno, o acesso à arte passa a ser compreendido como símbolo <strong>de</strong><br />
status social.<br />
A “reprodutibilida<strong>de</strong> técnica” (Benjamin, 1985) e o surgimento <strong>de</strong> outras formas <strong>de</strong><br />
comunicação e expressão – como a fotografia e o cinema – eliminam a diferença conceitual<br />
existente entre original e cópia, o que torna mais fácil o acesso do público à obra por meio<br />
<strong>de</strong> sua reprodução e distribuição. Com essa “<strong>de</strong>ssacralização”, a obra se liberta <strong>de</strong> antigos<br />
paradigmas e abre novas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> criação, produção, divulgação e interpretação.<br />
Se por um lado a questão da ampliação do acesso aos produtos culturais ocasionada por esse<br />
processo é enaltecida, por outro, alguns pensadores – como os próprios Adorno e Horkeimer –<br />
enten<strong>de</strong>m esse traço como sendo prejudicial à socieda<strong>de</strong>, na medida em que contribui para a<br />
perda da originalida<strong>de</strong> da obra e também para a instrumentalização <strong>de</strong> uma elite que tem a<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> manipular este processo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua raiz, po<strong>de</strong>ndo interferir efetivamente no<br />
juízo valorativo do público.<br />
Posteriormente, esse aspecto comercial e mercadológico da obra foi explorado por<br />
movimentos como, por exemplo, a pop art entre as décadas <strong>de</strong> 50 e 60, sobretudo nos Estados<br />
Unidos e Inglaterra. As questões introduzidas por esses movimentos passavam, entre outras,<br />
pela apropriação e subversão <strong>de</strong> formas populares <strong>de</strong> cultura <strong>de</strong> massa e influenciaram não<br />
apenas a arte como também, em uma dinâmica <strong>de</strong> retroalimentação, a própria comunicação a<br />
partir da segunda meta<strong>de</strong> do século XX.<br />
Voltando ao tema específico <strong>de</strong>ste livro, as narrativas seriadas, estas surgem provavelmente<br />
junto com as <strong>de</strong>mais modalida<strong>de</strong>s narrativas baseadas na oralida<strong>de</strong>, adquirindo formas e<br />
características distintas por meio <strong>de</strong> diferentes suportes ao longo do tempo. Neste capítulo,<br />
como uma forma <strong>de</strong> melhor contextualizar nosso objeto <strong>de</strong> estudo e proporcionar um sucinto<br />
panorama, trataremos brevemente <strong>de</strong> algumas <strong>de</strong>ssas formas pre<strong>de</strong>cessoras e <strong>de</strong> alguns <strong>de</strong><br />
seus exemplos mais conhecidos.<br />
Especificamente no que tange à animação, a serialida<strong>de</strong> surge, diferentemente do que<br />
po<strong>de</strong>riam imaginar alguns, no cinema - antes mesmo das conhecidas séries <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhos animados<br />
para a televisão. Esse período “pré-televisão” serviu como uma espécie <strong>de</strong> laboratório para as<br />
futuras experiências que a animação passaria a ter com a outrora nova mídia audiovisual.<br />
Em seguida, traremos algumas reflexões sobre conceitos centrais da serialida<strong>de</strong> narrativa,<br />
como a fragmentação, a <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> e a repetição, que nos permitem pensar em certas<br />
estruturas e categorias intrínsecas à narrativa televisiva.<br />
Se este primeiro capítulo tem como objetivo principal contextualizar a seriali da<strong>de</strong> narrativa<br />
e refletir sobre seus aspectos, não po<strong>de</strong>ríamos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> terminá-lo especulando acerca das<br />
possibilida<strong>de</strong>s diante <strong>de</strong> novas tecnologias ainda não exploradas em toda sua potencialida<strong>de</strong><br />
pela animação, como é o caso dos games, da internet, <strong>de</strong> aparelhos celulares e dos <strong>de</strong>mais<br />
dispositivos digitais.<br />
17
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
18
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
formas pre<strong>de</strong>cessoras<br />
1.1 da narrativa seriada na televisão<br />
1.1 Formas Pre<strong>de</strong>cessoras da<br />
Narrativa Seriada na Televisão<br />
Com o <strong>de</strong>senvolvimento da fala, o homem <strong>de</strong>senvolveu também a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> expandir<br />
sua comunicação para além do gestual. A evolução da fala possibilitou a criação das línguas<br />
com vocabulários e sintaxes próprias. A oralida<strong>de</strong>, enquanto modalida<strong>de</strong> presencial, pressupõe<br />
que o emissor <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada mensagem compartilhe com seus receptores um mesmo<br />
tempo e espaço, hic et nunc (aqui e agora). Se por um lado há uma limitação física no alcance<br />
imediato daquela mensagem, por outro, existe a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma interação em tempo<br />
real na construção do texto (discurso) por parte dos receptores – como o que ocorre no caso<br />
<strong>de</strong> perguntas e intervenções durante uma conversa, por exemplo.<br />
Entretanto, a transmissão daquela mensagem sofre transformações inerentes (<strong>de</strong>sejáveis<br />
ou não) em seu conteúdo sempre que se <strong>de</strong>sloca temporal e espacialmente, como ocorre<br />
na brinca<strong>de</strong>ira “telefone sem fio”. Isso porque a fala, por si só, existe essencialmente no<br />
momento <strong>de</strong> sua reverberação muito mais do que no espaço físico enquanto registro. Certa<br />
história transmitida <strong>de</strong> geração para geração, po<strong>de</strong> assumir formas (versões) distintas em<br />
épocas e lugares diferentes.<br />
Um dos gêneros narrativos ancestrais mais significativos na história da humanida<strong>de</strong> é a<br />
mitologia. Alguns autores, como Joseph Campbell, Mircea Elia<strong>de</strong> e Roger Callois <strong>de</strong>dicaram<br />
boa parte <strong>de</strong> suas obras para estudar e pensar a mitologia e suas mais diversas relações com<br />
o homem. Por mitologia po<strong>de</strong>mos enten<strong>de</strong>r o estudo <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> mitos pertencentes<br />
a uma <strong>de</strong>terminada cultura, associado a certas crenças ou sistemas religiosos – e é por esta<br />
associação que a mitologia po<strong>de</strong> ser entendida diferenciadamente das lendas ou do folclore.<br />
Na medida em que a mitologia aborda questões universais e atemporais, <strong>de</strong> caráter<br />
atávico e existencial, seu conhecimento e estudo possuem, além <strong>de</strong> relevância cultural e<br />
social, gran<strong>de</strong> importância para a criação e a análise <strong>de</strong> qualquer história. São narrativas <strong>de</strong><br />
19
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
caráter simbólico que po<strong>de</strong>m ser compreendidas <strong>de</strong> maneiras diferentes: como uma forma<br />
<strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r, explicar ou confortar o homem diante <strong>de</strong> questões para as quais ele não possui<br />
resposta; como um conjunto <strong>de</strong> valores morais ocultados em forma <strong>de</strong> histórias; ou mesmo<br />
como uma gran<strong>de</strong> metáfora da própria natureza humana. Não por acaso, parte expressiva<br />
dos psicanalistas - como o fizeram Freud e Jung - se utilizou <strong>de</strong> conhecimentos e referências<br />
mitológicas para formularem suas i<strong>de</strong>ias e teorias.<br />
Com o surgimento da escrita, inicialmente cuneiforme e por hieróglifos, por volta <strong>de</strong> 5.500<br />
a.C., entre os sumérios e os egípcios e, posteriormente, organizada em alfabeto pelos fenícios,<br />
surge também a possibilida<strong>de</strong> do registro. Com isso, o homem <strong>de</strong>senvolve a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
registrar suas mais diversas mensagens e conhecimentos em um suporte, que preservado ou<br />
reproduzido na íntegra, possibilita a sua fixação. Com a invenção da prensa <strong>de</strong> Gutenberg<br />
(séc. XV) e, <strong>de</strong>pois, com a Revolução Industrial (séc. XVIII), diversificam-se os suportes e as<br />
possibilida<strong>de</strong>s do homem se comunicar por meio <strong>de</strong> mensagens passíveis <strong>de</strong> se <strong>de</strong>slocar no<br />
tempo e no espaço. O aumento expressivo da escala <strong>de</strong> reprodução <strong>de</strong>stes suportes e <strong>de</strong><br />
seu alcance fez com que pensadores da Escola <strong>de</strong> Frankfurt, como vimos, <strong>de</strong>senvolvessem,<br />
por meio <strong>de</strong> um viés sociológico, suas teorias acerca da Indústria Cultural e dos Meios <strong>de</strong><br />
Comunicação <strong>de</strong> Massa – estigmas que permanecem até hoje associados a tais meios, como o<br />
jornal, o rádio, o cinema e a televisão.<br />
Com o aumento na produção <strong>de</strong> livros e o surgimento <strong>de</strong> periódicos (jornais e revistas),<br />
há uma expansão do acesso às modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> produção cultural escrita, que <strong>de</strong>sta forma<br />
pouco a pouco vai abandonando seu caráter prévio <strong>de</strong> restrição às elites. Muitas das histórias<br />
transmitidas oralmente através das gerações foram registradas em suporte impresso,<br />
reproduzidas e disseminadas por todo o mundo. Por outro lado, também po<strong>de</strong>mos observar a<br />
criação e o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> formas narrativas seriadas próprias, como é o caso do romance<br />
<strong>de</strong> folhetim e da história em quadrinhos mo<strong>de</strong>rna.<br />
20
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Embora muitos consi<strong>de</strong>rem que a arte sequêncial tenha surgido com o homem pré-histórico<br />
e explorada por pintores ao longo da história da arte (como po<strong>de</strong>mos observar, por exemplo,<br />
no quadro “A Tentação <strong>de</strong> Santo Antão”, <strong>de</strong> Hieronymus Bosch, pintor em ativida<strong>de</strong> entre os<br />
séculos XV e XVI), a história em quadrinhos mo<strong>de</strong>rna tem sua origem no século XIX. É nesta<br />
época que os jornais começam a trazer sátiras com charges <strong>de</strong> figuras políticas da época. Com<br />
o tempo, o gênero foi se aperfeiçoando e se diversificando em técnicas, estilos e conteúdos.<br />
Entre os precursores, estão os cartunistas Rudolph Topfer e Wilhelm Busch.<br />
No Brasil, <strong>de</strong>staca-se o trabalho pioneiro <strong>de</strong> Angelo Agostini, italiano radicado no Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro, que produziu diversas charges e caricaturas durante o Segundo Reinado e que também<br />
é consi<strong>de</strong>rado um dos primeiros a utilizar textos em forma <strong>de</strong> legenda.<br />
Mas foi somente na década <strong>de</strong> 30 do século XX que estas histórias passaram a ser compiladas e<br />
apresentadas na forma <strong>de</strong> revista, dando origem aos gibis. Com o sucesso do novo formato, artistas<br />
passaram a criar diretamente suas histórias nele, sem necessariamente passar antes pelo jornal.<br />
No final <strong>de</strong>sta mesma década, a dupla Joe Shuster e Jerry Siegel cria “Superman”, o primeiro<br />
<strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> super-heróis que povoam o universo <strong>de</strong>ste gênero. A presença <strong>de</strong> super-heróis nas<br />
histórias em quadrinhos é tão marcante que para alguns é sinônimo do gênero – da mesma forma que,<br />
para alguns, animação é um gênero exclusivamente infantil. “Superman” foi ainda o primeiro superherói<br />
a aparecer em animação, produzida na década <strong>de</strong> 40, pelos irmãos Fleischer.<br />
21
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
O super-herói é uma personagem fictícia baseada em arquétipos ou estereótipos que<br />
possui po<strong>de</strong>res extraordinários ou mesmo sobre-humanos. Suas aventuras, normalmente<br />
voltadas para a <strong>de</strong>fesa da humanida<strong>de</strong> contra os supervilões, po<strong>de</strong>m se prolongar por anos<br />
ou mesmo décadas, criando assim verda<strong>de</strong>iras sagas. Outros atributos e características<br />
recorrentes que po<strong>de</strong>mos associar aos super-heróis são: uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> secreta, a adoção <strong>de</strong><br />
um código ético e moral, o uso <strong>de</strong> um uniforme próprio, amigos ou pessoas próximas que po<strong>de</strong>m<br />
(ou não) saber <strong>de</strong> sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, ter uma se<strong>de</strong> ou um escon<strong>de</strong>rijo, e possuir um ponto fraco<br />
(físico ou psicológico).<br />
Na década <strong>de</strong> 50, a história em quadrinhos já havia se popularizado por todo o mundo e<br />
trazia também outros conteúdos, como suspense, terror e guerra. Dado o sucesso do gênero<br />
entre jovens e crianças, houve gran<strong>de</strong> polêmica acerca da temática, do conteúdo e do<br />
possível efeito nocivo <strong>de</strong> muitas das histórias em quadrinhos – semelhante ao que ocorreu<br />
posteriormente com a televisão e, mais recentemente, com os games. Na década seguinte,<br />
uma série <strong>de</strong> cartunistas consi<strong>de</strong>rados un<strong>de</strong>rgrounds, como Robert Crumb, foi responsável por<br />
uma gran<strong>de</strong> renovação do gênero e ampliação do seu nicho.<br />
Hoje as histórias em quadrinhos possuem estilos e temáticas diversas voltadas para os mais<br />
diferentes públicos e propósitos. O preconceito outrora sofrido <strong>de</strong>u lugar ao respeito e a um<br />
maior entendimento <strong>de</strong>ssa arte, que é, inclusive, pesquisada por um número cada vez maior<br />
<strong>de</strong> pessoas.<br />
22
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
O romance <strong>de</strong> folhetim, por sua vez, é reconhecido como o primeiro gênero literário a explorar<br />
exclusivamente a serialida<strong>de</strong>. Caracteriza-se principal men te pela presença <strong>de</strong> uma narrativa ágil,<br />
com profusão <strong>de</strong> eventos, e a presença dos chamados “ganchos <strong>de</strong> tensão”: efeitos <strong>de</strong> suspensão<br />
que funcionam como uma espécie <strong>de</strong> “isca” para o leitor continuar lendo os próximos números.<br />
Nesse tipo <strong>de</strong> texto, a trama torna-se mais importante do que as próprias personagens, constituindo<br />
o principal elo com o leitor.<br />
O gênero (feuilleton) surgiu no início do século XIX, na França, e foi importado com<br />
gran<strong>de</strong> sucesso para o Brasil. Eram publicados capítulos diários ou semanais, normalmente na<br />
parte inferior das páginas das seções <strong>de</strong>stinadas ao entretenimento nos jornais. Em termos <strong>de</strong><br />
conteúdo, possuía abrangência semelhante a dos <strong>de</strong>mais gêneros literários, indo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> conteúdos<br />
superficiais até outros mais complexos. No entanto, a presença predominante <strong>de</strong> linguagem<br />
clara, temas populares e polêmicos para os padrões da época e a própria acessibilida<strong>de</strong> ao<br />
jornal asseguraram uma disseminação mais ampla <strong>de</strong> muitas <strong>de</strong> suas histórias.<br />
Importantes autores <strong>de</strong> língua portuguesa, como Joaquim Manuel <strong>de</strong> Macedo, Camilo<br />
Castelo Branco, José <strong>de</strong> Alencar, Machado <strong>de</strong> Assis e Lima Barreto escreveram romances <strong>de</strong><br />
folhetim para jornais da época. Em alguns casos, a compilação dos episódios foi publicada,<br />
posteriormente, na forma livro (peça unitária). Um exemplo bastante conhecido é o clássico<br />
da literatura brasileira “O Guarani”, <strong>de</strong> José <strong>de</strong> Alencar. Publicado originalmente entre janeiro<br />
e março <strong>de</strong> 1857, no “Diário do Rio <strong>de</strong> Janeiro”, a história do romance <strong>de</strong> Peri e Ceci tornou-se<br />
<strong>de</strong>pois um livro, que vem sendo comercializado até os dias atuais.<br />
23
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Apesar <strong>de</strong> seu gran<strong>de</strong> sucesso na época, o romance <strong>de</strong> folhetim per<strong>de</strong>, aos poucos, sua importância<br />
e prestígio com a chegada do rádio, a partir da década <strong>de</strong> 20. Muitos autores do gênero passaram<br />
a escrever roteiros para a nova mídia sonora, emprestando todo o conhecimento adquirido para a<br />
criação <strong>de</strong> narrativas em série. Experiências isoladas, entretanto, foram realizadas posteriormente<br />
com algum sucesso, como os romances <strong>de</strong> Suzana Flag (pseudônimo <strong>de</strong> Nelson Rodri gues), nos anos 40,<br />
e <strong>de</strong> Janete Clair, também dramaturga <strong>de</strong> televisão, nos anos 70 e 80.<br />
Durante sua era <strong>de</strong> ouro, que durou até a popularização da televisão nos anos 60, a ficção<br />
era um dos principais gêneros do rádio. Nomes importantes da dramaturgia mundial, como<br />
Bertold Brecht e Orson Welles, entre inúmeros outros, emprestaram seu talento para o gênero.<br />
A ficção no rádio podia se apresentar em forma <strong>de</strong> peça unitária (“radiatros”); em fragmentos<br />
<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> outros programas (sketches) ou em série (radionovelas).<br />
No Brasil, assim como em boa parte da América Latina, ao contrário dos Estados Unidos<br />
e da Europa, as radionovelas prevaleceram sobre os “radiatros” e fizeram enorme sucesso,<br />
principalmente junto ao público feminino da época. Por isso, os principais anunciantes <strong>de</strong>stes<br />
programas eram marcas <strong>de</strong> produtos <strong>de</strong> limpeza, <strong>de</strong> higiene pessoal e <strong>de</strong> cosméticos.<br />
Os roteiros das primeiras radionovelas exibidas no país eram traduzidos <strong>de</strong> autores<br />
estrangeiros, sobretudo cubanos, como “Em Busca da Felicida<strong>de</strong>”, <strong>de</strong> Leandro Blanco, e “O<br />
Direito <strong>de</strong> Nascer”, <strong>de</strong> Félix Caignet. Esta última ficou mais <strong>de</strong> três anos no ar e foi consi<strong>de</strong>rada<br />
a radionovela <strong>de</strong> maior sucesso no país. Entre as décadas <strong>de</strong> 40 e 50, somente a Rádio Nacional<br />
- uma das principais emissoras da época, juntamente com a Rádio Tupi - exibiu um total <strong>de</strong> 807<br />
produções <strong>de</strong> 118 autores distintos.<br />
Entre os autores brasileiros pioneiros da radionovela estão Oduvaldo Viana, Amaral Gurgel<br />
e Gilberto Martins, seguidos <strong>de</strong> outros roteiristas como Dias Gomes, Ivani Ribeiro, Janete Clair<br />
e Mario Lago. Uma das radionovelas <strong>de</strong> autoria nacional mais bem sucedidas foi “Jerônimo, o<br />
Herói do Sertão”, <strong>de</strong> Moysés Weltman, que posteriormente foi adaptada para os quadrinhos e<br />
para a televisão.<br />
A radionovela tinha como principal aliado para seu sucesso o emprego da linguagem sonora<br />
e musical. O uso <strong>de</strong> fala, música, efeitos sonoros e do “silêncio” estimulava a imaginação do<br />
ouvinte, que diante da ausência <strong>de</strong> qualquer imagem pronta era responsável, ele mesmo, pela<br />
construção <strong>de</strong>stas em sua mente. Em outras palavras, cada ouvinte era capaz, a partir <strong>de</strong><br />
uma mesma mensagem original, <strong>de</strong> construir imagens mentais próprias, não necessariamente<br />
parecidas com aquelas que rondavam a mente do autor ou <strong>de</strong> outros ouvintes.<br />
A era <strong>de</strong> ouro do rádio chega ao fim com a chegada da televisão, que o tira do posto <strong>de</strong><br />
principal mídia da época. Ouvintes e, junto com eles, anunciantes migram do rádio para a<br />
televisão. A narrativa seriada, assim como outros gêneros, abandona o rádio, que é obrigado a<br />
se diferenciar da programação televisiva e a se reinventar para não <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> existir.<br />
Apesar <strong>de</strong> haver em diversos países protótipos e experiências <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o final do século XIX,<br />
o boom da televisão se <strong>de</strong>u efetivamente a partir da década <strong>de</strong> 50 do século XX, após o fim da<br />
Segunda Guerra Mundial. Filmes como a “Era do Rádio”, <strong>de</strong> Woody Allen, e “A Hora Mágica”,<br />
<strong>de</strong> Guilherme <strong>de</strong> Almeida Prado, retratam bem este momento <strong>de</strong> transição da era do rádio<br />
para a da televisão.<br />
24
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Todavia, trataremos melhor da história, das características e das formas narrativas da televisão<br />
no segundo capítulo <strong>de</strong>ste livro. Seguindo uma linha um pouco mais cronológica, trataremos<br />
agora especificamente das séries <strong>de</strong> animação, que tiveram a sua origem no cinema no início do<br />
século XX.<br />
Séries <strong>de</strong> animação no cinema<br />
Historiadores da animação, como Beckerman (2003), Bendazzi (1994) e Crafton (1993),<br />
associam os primórdios da animação a <strong>de</strong>terminados registros ancestrais, como as pinturas<br />
nas cavernas <strong>de</strong> Altamira, as cerâmicas do Antigo Egito, a tapeçaria da Pérsia Antiga, passando<br />
pelo teatro das formas animadas no Oriente e os brinquedos óticos na Europa Mo<strong>de</strong>rna (como,<br />
por exemplo, o thaumatrópio, a lanterna mágica, o flip book, o zootrópio, o zoopraxinoscópio<br />
e o fenaquistiscópio).<br />
Contudo é a partir do praxinoscópio e da primeira exibição do teatro ótico <strong>de</strong> Chrales-<br />
Émile Reynaud, no Museu Grevin, em Paris, no ano <strong>de</strong> 1892, que surge o chamado cinema<br />
<strong>de</strong> animação. Este é, curiosamente, mais antigo do que as primeiras experiências <strong>de</strong> cinema<br />
realizadas pelos irmãos Lumière (cinematógrafo, <strong>de</strong> 1895) ou por Thomas Edison (cinetoscópio,<br />
<strong>de</strong> 1891). Reynaud <strong>de</strong>senvolveu animações com até 15 minutos <strong>de</strong> duração, tempo muito<br />
superior ao proporcionado pelos brinquedos óticos pre<strong>de</strong>cessores, que permitiam a criação <strong>de</strong><br />
narrativas mais <strong>de</strong>senvolvidas.<br />
Com a popularização do cinema no início do século XX, muitos animadores se utilizaram<br />
<strong>de</strong>ssa tecnologia e <strong>de</strong> sua linguagem para divulgarem suas obras, que fizeram gran<strong>de</strong> sucesso<br />
junto ao público. Pioneiros do cinema da animação, como J. Stuart Blackton, Émile Cohl,<br />
Ladislav Starevich e Winsor McCay ajudaram a popularizar - por meio <strong>de</strong> histórias carismáticas e<br />
também <strong>de</strong> técnicas e efeitos sofisticados para os padrões da época - o cinema <strong>de</strong> animação.<br />
Os filmes produzidos (curtas-metragens) eram exibidos nos chamados nickelo<strong>de</strong>ons,<br />
ambientes que posteriormente acabaram sendo substituídos pelas salas <strong>de</strong> cinema. Os<br />
25
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
nickelo<strong>de</strong>ons, normalmente localizados nos bairros mais afastados do centro, eram pequenas<br />
salas para a projeção <strong>de</strong> filmes dos mais variados temas e gêneros, com duração média <strong>de</strong> 15<br />
minutos. As exibições dos filmes eram acompanhadas por uma trilha sonora executada ao vivo<br />
em um piano ou órgão. O preço do ingresso era bastante acessível a toda a população, que<br />
normalmente usava “moedinhas” para pagar a entrada nas sessões, que concorriam, na época,<br />
com o teatro <strong>de</strong> varieda<strong>de</strong>s (vau<strong>de</strong>ville). Com a expansão das cida<strong>de</strong>s, foram surgindo salas<br />
<strong>de</strong> cinema maiores, mais confortáveis e mais adaptadas para a exibição dos filmes <strong>de</strong> longametragem,<br />
o que fez com que os nickelo<strong>de</strong>ons fossem gradativamente <strong>de</strong>saparecendo.<br />
A partir do sucesso dos filmes unitários <strong>de</strong> animação em curta-metragem (com duração<br />
média <strong>de</strong> <strong>de</strong>z e máxima <strong>de</strong> 30 minutos), abriu-se espaço para a produção e exibição <strong>de</strong> séries<br />
<strong>de</strong> animação. Ao invés <strong>de</strong> se assistir a um curta unitário, a i<strong>de</strong>ia era que universos e personagens<br />
que tivessem boa aceitação pu<strong>de</strong>ssem cativar o público e fazê-lo retornar e assistir a um<br />
novo episódio. Ao mesmo tempo, o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma série, ao invés <strong>de</strong> vários curtas<br />
unitários, permite a otimização <strong>de</strong> seu processo <strong>de</strong> produção por meio do aproveitamento <strong>de</strong><br />
elementos previamente elaborados.<br />
Exibidas tanto nos nickelo<strong>de</strong>ons quanto nas salas <strong>de</strong> cinema, as séries <strong>de</strong> animação surgem<br />
no final da década <strong>de</strong> 10 e diminuem <strong>de</strong> produção a partir dos anos 60 do século XX, quando<br />
passam a ser produzidas, em sua quase totalida<strong>de</strong>, diretamente para a televisão. Atualmente<br />
a presença da animação no cinema se restringe aos longas e curtas-metragens, estes últimos<br />
exibidos em festivais, mostras ou, eventualmente, antes <strong>de</strong> um filme <strong>de</strong> maior duração em<br />
cartaz no circuito comercial.<br />
26
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
É importante salientar que, da mesma forma como ocorreu por muitos anos com a televisão,<br />
a gran<strong>de</strong> maioria das produções seriadas <strong>de</strong> animação foi realizada nos Estados Unidos, ainda que<br />
algumas <strong>de</strong>stas por animadores estrangeiros. A presença <strong>de</strong> mão <strong>de</strong> obra qualificada e <strong>de</strong> uma boa<br />
infraestrutura facilitou a rápida criação <strong>de</strong> uma indústria do setor no país. Nos <strong>de</strong>mais países, a<br />
animação esteve mais próxima da produção autoral <strong>de</strong> curtas-metragens (unitários) e da publicida<strong>de</strong><br />
(comerciais), com apoio do governo ou da iniciativa privada, mas sem seu aspecto <strong>de</strong> serialida<strong>de</strong>.<br />
Ainda que houvesse animadores norte-americanos consi<strong>de</strong>rados mais experimentais, como Mary Ellen<br />
Bute, os irmãos Quay, Harry Smith, John Whitney e outros tantos estrangeiros resi<strong>de</strong>ntes nos Estados<br />
Unidos, esse tipo <strong>de</strong> produção era restrito a um circuito mais específico e acabava não tendo a<br />
mesma projeção do que as séries comerciais nesse país.<br />
Como veremos, muitas <strong>de</strong>stas séries inicialmente produzidas para o cinema foram e, em<br />
alguns casos, ainda são reaproveitadas e reprisadas em inúmeros canais <strong>de</strong> televisão por todo<br />
o mundo. Outras “migraram” do cinema para a televisão, isto é, <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> ser exibidas no<br />
cinema e passaram a ser produzidas e exibidas exclusivamente na televisão. Outras, ainda,<br />
simplesmente <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> ser produzidas e exibidas, à medida que este tipo <strong>de</strong> produção<br />
per<strong>de</strong>u seu espaço nas salas <strong>de</strong> cinema para os filmes <strong>de</strong> longa-metragem e as próprias séries<br />
<strong>de</strong> animação se consolidaram na televisão.<br />
Nomes importantes da animação, como Otto Messmer, Pat Sullivan, Walt Disney, Ubbe<br />
Iwerks, os irmãos (Max e Dave) Fleischer, Ama<strong>de</strong>e J. van Beuren, Tex Avery, Hugh Harman,<br />
Rudolf Ising, George Pal, Walter Lantz, Paul Terry, William Hanna, Joseph Barbera, Chuck<br />
Jones, entre inúmeros outros, viveram <strong>de</strong> maneira <strong>de</strong>cisiva esse momento. Também foi nessa<br />
fase, por conta da <strong>de</strong>manda e da velocida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produção, que observamos o surgimento dos<br />
primeiros estúdios <strong>de</strong> animação, marcando a passagem <strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong> produção artesanal<br />
para outro mais industrial - favorável à produção em larga escala e em série.<br />
Fato importante quando mencionamos a produção <strong>de</strong> animação em série ocorre em 1914, quando<br />
J.R. Bray e Earl Hund registraram a patente do papel <strong>de</strong> celuloi<strong>de</strong> (acetato), composto originário da<br />
mistura da cânfora com o algodão pólvora. O acetato po<strong>de</strong> ser entendido como um, entre inúmeros<br />
exemplos, da importância que a tecnologia possui na animação, proporcionando a criação <strong>de</strong> novas<br />
técnicas e métodos <strong>de</strong> produção. No caso do acetato, a possibilida<strong>de</strong> do animador <strong>de</strong>senhar e pintar<br />
em uma folha transparente permitiu que elementos do <strong>de</strong>senho estáticos ou repetidos em uma mesma<br />
cena fossem <strong>de</strong>senhados uma única vez e reproduzidos a cada fotograma. Cada <strong>de</strong>senho ocupava<br />
um acetato diferente, que era sobreposto aos <strong>de</strong>mais em diferentes camadas (layers). Por exemplo:<br />
quando uma personagem corresse sobre um cenário estático, mantinha-se o acetato com o <strong>de</strong>senho<br />
<strong>de</strong>sse cenário, substituindo apenas os intervalos com o movimento da personagem.<br />
Esse método possibilitou uma gran<strong>de</strong> economia no trabalho do animador, já que, antes <strong>de</strong><br />
sua criação, todos os elementos do <strong>de</strong>senho tinham que ser elaborados a cada fotograma - o<br />
que, muitas vezes, proporcionava um efeito “trêmulo” a alguns <strong>de</strong>senhos. A nova tecnologia<br />
ainda possibilitou a criação <strong>de</strong> “bibliotecas” <strong>de</strong> cenários e personagens, que podiam, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />
conservado o acetato, ser repetidos em outras animações ad infinitum. No exemplo anterior,<br />
toda vez que quiséssemos fazer uma personagem correr por um novo cenário, bastaria usar a<br />
sequência <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhos previamente feitos da corrida <strong>de</strong>sta per sonagem e substituir apenas<br />
o local (cenário) da ação. O aperfeiçoamento do uso do acetato possibilitou que, durante a<br />
década <strong>de</strong> 50, a United Production of America (UPA) <strong>de</strong>senvolvesse uma técnica posteriormente<br />
27
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
chamada <strong>de</strong> “animação limitada”, também conhecida como “animação econômica”. Esta<br />
técnica, conforme veremos melhor mais adiante, não proporciona a reprodução <strong>de</strong> movimentos<br />
“realistas”, permitindo que <strong>de</strong>senhos animados pu<strong>de</strong>ssem ser produzidos <strong>de</strong> maneira<br />
relativamente mais rápida e barata também para a televisão.<br />
Algumas das primeiras séries <strong>de</strong> animação no cinema estavam ligadas aos irmãos Van<br />
Beuren, que mais tar<strong>de</strong>, em 1921, fundariam sua empresa, responsável pela produção <strong>de</strong><br />
diversas séries <strong>de</strong> animação do período “pré-hollywoodiano”. “Toodle Tales” (1914-1957),<br />
inicialmente produzida pela International Film Service, que tinha como animador responsável<br />
Burt Gillet, foi uma das primeiras séries <strong>de</strong> animação no cinema e contava com a presença, a<br />
cada novo episódio, <strong>de</strong> diferentes fábulas.<br />
O maior sucesso dos irmãos Van Beuren no final da década <strong>de</strong> 10 foi “Out of the Inkwell”,<br />
série resultado das experiências que Max Fleischer inaugurou em rotoscopia alguns anos antes.<br />
Outra referência foi o trabalho <strong>de</strong> Dave van Beuren no campo das artes circenses que, com o<br />
auxílio do animador Dick Huemer, resultou na criação da personagem principal da série “Koko,<br />
the Clown”. Inicialmente produzida por outros estúdios, a série trazia o próprio Max Fleischer<br />
(também colaborando como roteirista e produtor) interagindo diretamente com os <strong>de</strong>senhos,<br />
integrando assim imagens filmadas em live action com animação. Entre 1919 e 1929, foram<br />
produzidos e exibidos mais <strong>de</strong> 100 episódios da série.<br />
Outra série que teve seu início no final da década foi “Aesops Film Fables”, <strong>de</strong> Paul Terry.<br />
Baseada nas fábulas da Grécia Antiga atribuídas a Esopo (tais quais “A Raposa e as Uvas”,<br />
“A Tartaruga e a Lebre” e “O Lobo e o Cor<strong>de</strong>iro”), influenciou diversos animadores, entre<br />
eles, Walt Disney. A série passou a ser produzida pelos estúdios Van Beuren a partir <strong>de</strong> 1929,<br />
totalizando cerca <strong>de</strong> 130 episódios até 1935, ano <strong>de</strong> seu término.<br />
“Out of the Inkwell”, “Aesops Film Fables”<br />
Entretanto, a série mais popular da época revelou uma das fórmulas básicas para o<br />
sucesso do gênero: a presença <strong>de</strong> uma personagem carismática. Trata-se do Gato Félix, cuja<br />
criação é alvo <strong>de</strong> controvérsia entre Otto Messmer e Pat Sullivan. O felino ainda inaugurou<br />
toda uma escola <strong>de</strong> personagens e mesmo um gênero <strong>de</strong> animação baseados em animais com<br />
características humanas, os chamados funny animals.<br />
28
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Sua primeira aparição aconteceu ainda com o nome <strong>de</strong> Master Tom, uma versão inicial <strong>de</strong> Félix<br />
presente no curta “Feline Follies”, <strong>de</strong> 1919. O estrondoso sucesso <strong>de</strong>sta estreia fez o estúdio <strong>de</strong> Pat<br />
Sullivan, on<strong>de</strong> Otto Messmer trabalhava, produzir um novo curta, “The Musical Mews”.<br />
Com outro <strong>de</strong>sign, a personagem volta com seu novo nome em “The Adventures of Felix”,<br />
curta-metragem lançado no final do mesmo ano (1919). Com excelente trabalho <strong>de</strong> apoio na<br />
promoção e divulgação dos filmes e da personagem, a série se tornou um enorme êxito, sem<br />
qualquer prece<strong>de</strong>nte na animação. No universo <strong>de</strong> Félix, qualquer coisa po<strong>de</strong> acontecer a<br />
qualquer momento. A personagem possui uma cauda mágica que po<strong>de</strong> assumir as mais diversas<br />
formas e funções para lhe auxiliar nas aventuras e confusões em que se vê envolvido.<br />
“The Adventures of Felix”, “Alice´s Won<strong>de</strong>rland”, “Oswald, the Lucky Rabbit”<br />
Entre os anos <strong>de</strong> 1919 e 1936, cerca <strong>de</strong> 200 episódios da série foram exibidos no cinema.<br />
O sucesso <strong>de</strong> Félix também proporcionou a criação <strong>de</strong> produtos diversos, principalmente<br />
brinquedos, revelando assim também o potencial do licenciamento <strong>de</strong> produtos na animação.<br />
O Gato Félix estava presente não só no cinema, como também nos quadrinhos da época,<br />
o que ajudou a personagem a se tornar um ícone da cultura popular norte-americana. Além<br />
dos filmes, dos quadrinhos e dos produtos licenciados, sua presença enquanto mascote era<br />
bastante comum nas mais diversas agremiações e associações, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> equipes esportivas até<br />
regimentos militares.<br />
Entretanto, com a transição do cinema mudo para o sonoro, a série passa por algumas<br />
dificulda<strong>de</strong>s técnicas e conceituais <strong>de</strong> adaptação e acaba per<strong>de</strong>ndo espaço para as produções<br />
<strong>de</strong> Disney. Em 1936, após obter permissão do irmão <strong>de</strong> Sullivan, os estúdios Van Beuren<br />
chamaram Burt Gillet, animador formado por Sullivan e que já havia trabalhado em “Toodle<br />
Tales”, para produzir novas animações da personagem, agora coloridas e sonorizadas. Com<br />
uma forte influência do estilo Disney, com quem Gillet também havia trabalhado, a série não<br />
conseguiu reeditar o sucesso <strong>de</strong> outrora e acabou sendo <strong>de</strong>scontinuada. Problemas <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m<br />
pessoal e também <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, que levaram Sullivan à morte em 1933, também colaboraram para<br />
o final da série no cinema. “Bold King Cole”, seu último episódio produzido, em cores e com<br />
som, foi exibido em 1936.<br />
Posteriormente, entre 1958 e 1961, houve uma tentativa <strong>de</strong> reviver a personagem na<br />
televisão, por meio <strong>de</strong> uma série reformulada, dirigida por Grim Natwick, animador também<br />
responsável pela criação da personagem Betty Boop durante a década <strong>de</strong> 30.<br />
29
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Vale lembrar que, antes mesmo da estreia <strong>de</strong> Félix, em 1918, a Rossi Film produziu<br />
“Aventuras <strong>de</strong> Bille e Bolle” no Brasil. O curta-metragem, uma das primeiras animações do<br />
país, teve suas personagens principais inspiradas em duas figuras já conhecidas no mundo dos<br />
quadrinhos <strong>de</strong> Budd Fischer: Mutt e Jeff. Realizada por Eugênio Fonseca Filho, a i<strong>de</strong>ia inicial da<br />
animação era se tornar uma série, o que não chegou efetivamente a acontecer.<br />
Além da continuida<strong>de</strong> do sucesso dos estúdios Van Beuren, a década <strong>de</strong> 20 testemunha o<br />
surgimento dos estúdios Disney, ainda hoje um dos gigantes da animação. Após trabalhar com<br />
<strong>de</strong>senho e animação em algumas agências <strong>de</strong> publicida<strong>de</strong> e estúdios, Walt Disney funda, em<br />
1922, com seu irmão Roy e seu amigo, o também animador Ubbe Iwerks, os Laugh-O-Gram<br />
Studios. Disney, então com 21 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, contratou um time reunindo alguns dos principais<br />
animadores da época, com quem havia tido a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalhar previamente, como<br />
Carmen Maxwell, Hugh Harman, Friz Freleng e Rudolph Ising.<br />
Em seu primeiro ano <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>, a empresa Laugh-O-Gram Studios produziu nove curtasmetragens<br />
baseados em contos <strong>de</strong> fadas, como “Cin<strong>de</strong>rela”, “O Gato <strong>de</strong> Botas” e “Cachinhos<br />
Dourados e os Três Ursos”. Apesar do relativo sucesso que os filmes tiveram na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Kansas, os estúdios não conseguiram custear a folha <strong>de</strong> pagamento <strong>de</strong> seus funcionários,<br />
principal responsável por suas <strong>de</strong>spesas. No ano seguinte, em 1923, produziram sua última<br />
animação, “Alice´s Won<strong>de</strong>rland”, que serviu como uma espécie <strong>de</strong> episódio piloto da próxima<br />
série animada do novo estúdio <strong>de</strong> Disney.<br />
Roy, Walt e Ubbe Iwerks mudaram-se para Hollywood, on<strong>de</strong> fundaram a Disney Brothers<br />
Cartoon Studio, renomeada como The Walt Disney Studio em 1926. A partir <strong>de</strong> 1924, começam<br />
a produzir <strong>de</strong> forma regular episódios da série “Alice Commedies”. A série, que misturava<br />
filmagens em live action com animação, apresentava as aventuras fantásticas <strong>de</strong> uma menina<br />
chamada Alice com seu gato Julius – que para alguns trazia semelhanças em seu <strong>de</strong>sign com<br />
o Gato Félix. Ao todo foram produzidos mais 19 episódios até o final da série, com o episódio<br />
“Alice the Whaler”, em 1927.<br />
Com o fim <strong>de</strong> “Alice Commedies”, os estúdios Disney foram incumbidos <strong>de</strong> criar uma nova série<br />
para distribuição da Universal Pictures. Pensada e <strong>de</strong>senvolvida por Ubbe Iwerks, “Oswald, the Lucky<br />
Rabbit” torna-se um gran<strong>de</strong> sucesso em pouquíssimo tempo. Maxwell, Harman, Freleng e Ising, que<br />
haviam trabalhado com Disney e Iwerks na Laugh-O-Gram Studios, integram a nova equipe. Porém,<br />
em 1928, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> animar nove episódios, Disney <strong>de</strong>scobre que seu produtor, Charles B. Mintz, havia<br />
contratado seus quatro animadores e aberto estúdio próprio, passando a animar os novos episódios<br />
da série, que tiveram seus direitos negociados com a Universal.<br />
Depois <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r os direitos <strong>de</strong> “Oswald” 1 , os estúdios Disney começaram a trabalhar em<br />
um novo projeto. A i<strong>de</strong>ia surgiu <strong>de</strong> Walter Disney, que havia adotado um rato como bicho <strong>de</strong><br />
estimação em seu antigo estúdio em Kansas. A partir <strong>de</strong> alguns esboços <strong>de</strong> Disney, Ubbe Iwerks<br />
trabalhou o <strong>de</strong>sign da personagem pensando em sua animação. Disney emprestou sua própria<br />
voz e personalida<strong>de</strong> para a personagem. A esposa <strong>de</strong> Walt Disney batizou o camundongo com<br />
o nome <strong>de</strong> “Mickey Mouse”.<br />
1. Recentemente, em 2006, a Disney readquiriu os direitos <strong>de</strong> “Oswald” da Universal.<br />
30
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Assim, em 1928, Mickey aparece em sua primeira animação, “Plane Crazy”, episódio em que<br />
a personagem faz alusão ao aviador norte-americano Charles Lindbergh. Um segundo episódio<br />
(“Gallopin’ Gaucho”) foi lançado em 1928, mas, com problemas <strong>de</strong> distribuição e críticas quanto a<br />
eventuais semelhanças visuais e narrativas em relação a outras séries, Disney e Iwerks retrabalharam<br />
a animação e lançaram o terceiro episódio, “Steamboat Whillie”, que utilizou recursos <strong>de</strong> áudio<br />
(como diálogo, efeitos e música) por meio do som ótico na película, uma evolução técnica.<br />
“Plane Crazy”, “Gallopin’ Gaucho”, “Steamboat Whillie”<br />
O lançamento, no ano anterior (1927), daquele que foi consi<strong>de</strong>rado o primeiro filme sonoro<br />
(talkies),“O Cantor <strong>de</strong> Jazz”, contribuiu para que boa parte das salas <strong>de</strong> cinema nos Estados<br />
Unidos estivessem equipadas com dispositivos que permitiam a exibição <strong>de</strong> filmes com essa<br />
tecnologia. Ainda assim, os estúdios <strong>de</strong> animação da época ainda continuavam produzindo<br />
filmes mudos (ainda que muitos <strong>de</strong>les fossem exibidos com trilha sonora executada ao vivo).<br />
Uma exceção a essa regra, ainda que não tenha alcançado muita projeção, foi “Sound Car-<br />
Tunes”, série realizada pelos irmãos Fleischer para exibição <strong>de</strong> som por meio <strong>de</strong> outro sistema<br />
(o fonofilme, inventado por Lee <strong>de</strong> Forest). “Steamboat Whillie”, por sua vez, alcança gran<strong>de</strong><br />
reconhecimento por parte do público e Disney sonoriza os dois episódios anteriores <strong>de</strong> Mickey<br />
Mouse, que são relançados e exibidos com maior projeção.<br />
Entre 1928 e 1953, os estúdios Disney produziram 141 episódios da personagem para o<br />
cinema. Outros quatro episódios isolados para cinema foram produzidos nos anos <strong>de</strong> 1983,<br />
1990, 1995 e 1999, dois <strong>de</strong>stes por ocasião das festivida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> natal. Nos últimos anos da<br />
década <strong>de</strong> 20, Mickey Mouse supera em popularida<strong>de</strong> a personagem do Gato Félix, até então<br />
maior sucesso <strong>de</strong> animação da época. Durante as décadas seguintes, Mickey Mouse se consolida<br />
como uma das principais personagens do mundo da animação, participando <strong>de</strong> histórias em<br />
quadrinhos, filmes <strong>de</strong> longa-metragem, série para televisão, jogos <strong>de</strong> vi<strong>de</strong>ogame, parques<br />
temáticos, além do licenciamento para diversos produtos. Também foi responsável pela<br />
criação <strong>de</strong> <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> outras personagens relacionadas ao seu universo, como Minnie, Pluto,<br />
Pateta, Tico e Teco, Bafo <strong>de</strong> Onça e Pato Donald - que <strong>de</strong>pois mereceu o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong><br />
seu próprio universo ficcional 2 .<br />
2. Após alguns <strong>de</strong>sentendimentos, Ubbe Iwerks rompe, em 1930, com Walt Disney e funda o seu próprio estúdio,<br />
o Ub Iwerks Studio. Apesar <strong>de</strong> contar com financiamento <strong>de</strong> Pat Powers e conseguir um contrato para<br />
distribuição com a MGM, Iwerks não consegue alcançar o mesmo sucesso que havia tido no estúdio anterior<br />
e seu estúdio acaba fechando em 1936. Após trabalhar por algum tempo no Leon Schlesinger Productions<br />
(posteriormente renomeada para Warner Bros), on<strong>de</strong> chegou a dirigir dois episódios da série “Looney Tunes”,<br />
e na divisão <strong>de</strong> cartoons da Columbia Pictures, Iwerks acaba voltando para os estúdios Disney na década<br />
31
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Passando por diferentes utilizações e modificações em seu <strong>de</strong>sign, Mickey Mouse tornouse,<br />
em muitos países do mundo, o principal símbolo dos estúdios Disney, dos Estados Unidos<br />
e até mesmo do capitalismo. Por conta disso, a personagem também vem sendo parodiada<br />
em inúmeros protestos e manifestações (como aquelas ocorridas durante a Guerra do Vietnã<br />
e a Guerra Fria). De forma menos virulenta, também tem sido ironizada em animações tão<br />
diversas quanto “Macaco Feio, Macaco Bonito” (animação brasileira <strong>de</strong> 1933, produzida por<br />
Luiz Seel e João Stamato), “South Park” e “The Simpsons”, por exemplo.<br />
Entusiasmado com a utilização do som na animação, Walt Disney lança, em 1929, sua nova<br />
série, “Silly Simphonies”. Diferentemente das séries produzidas até então, “Silly Simphonies”<br />
não possuía repetição <strong>de</strong> elementos narrativos entre si, como personagens e ambientes. Em<br />
comum, os 75 episódios, produzidos entre 1929 e 1939, havia a utilização da música como<br />
elemento central da animação. Composta inicialmente pelo compositor e arranjador Carl<br />
Stalling, a música era o principal elemento condutor da narrativa em todas as histórias da<br />
série, que juntas formavam uma espécie <strong>de</strong> “filme musical”. Stalling foi também o responsável<br />
por um sistema que permitia trabalhar o ritmo musical ainda no planejamento da animação,<br />
<strong>de</strong> maneira que música e animação estabelecessem uma relação <strong>de</strong> indissociabilida<strong>de</strong> e <strong>de</strong><br />
mútua transformabilida<strong>de</strong>.<br />
No início da década <strong>de</strong> 30, a indústria <strong>de</strong> animação já havia se consolidado nos Estados<br />
Unidos. Disney aproveita a projeção da série “Silly Simphonies” como uma espécie <strong>de</strong><br />
base para experimentação <strong>de</strong> processos <strong>de</strong> produção (tecnologia, técnicas <strong>de</strong> animação,<br />
roteiros, criação e <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> personagens) junto ao público. Um exemplo<br />
<strong>de</strong>stas experiências foi o contrato <strong>de</strong> exclusivida<strong>de</strong>, por cinco anos, para uso do novo<br />
sistema <strong>de</strong> cores Technicolor, que permitia uma projeção full color. O primeiro episódio<br />
da série produzido com esta nova tecnologia foi “Flowers and Trees”, seguido por “Os<br />
Três Porquinhos”. O sucesso da série foi tão gran<strong>de</strong> que outras séries semelhantes foram<br />
criadas por concorrentes, normalmente com nomes parecidos, como “Happy Harmonies”,<br />
“Merrie Melodies” e “Looney Tunes”.<br />
As duas últimas foram produzidas pela Warner Bros e são, provavelmente, o maior<br />
sucesso da produtora em animação. Surgiram inicialmente para concorrer, como vimos,<br />
com “Silly Simphonies”, da Disney, mas também para promover o vasto acervo musical<br />
que a empresa possuía. Li<strong>de</strong>radas pelo produtor Leon Schlesinger, as séries, produzidas<br />
regularmente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1930, contaram ainda com a participação <strong>de</strong> importantes animadores,<br />
como Hugh Harman e Rudy Ising, também responsáveis pela criação dos estúdios <strong>de</strong><br />
animação da Warner Bros 3 .<br />
Entre 1930 e 1970, foram produzidos cerca <strong>de</strong> 1000 episódios <strong>de</strong> “Merrie Melodies” e<br />
“Looney Tunes” para o cinema. Ainda hoje, episódios esporádicos para o cinema são produzidos,<br />
<strong>de</strong> 40. Lá, Iwerks passa a trabalhar com o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> efeitos visuais. Um <strong>de</strong> seus trabalhos mais<br />
conhecidos nesta função foi feito para o filme “Os Pássaros”, <strong>de</strong> Alfred Hitchcock. A partir da década <strong>de</strong><br />
60, auxilia também na criação <strong>de</strong> atrações para os parques temáticos da Disney, lançados em 1955 com a<br />
inauguração da Disneyland.<br />
3. Estes estúdios <strong>de</strong> animação foram <strong>de</strong>sativados nos anos 60, quando a empresa passou a priorizar produções<br />
em live action, como “Who´s Afraid of Virginia Woolf?” e “Bonnie and Cly<strong>de</strong>”.<br />
32
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
mas em número muito menor – <strong>de</strong> 1970 até 2010 foram apenas 33. Além dos filmes em si, toda<br />
uma galeria <strong>de</strong> personagens foi criada, como Gaguinho (Porky Pig), Patolino (Daffy Duck) e<br />
Pernalonga (Bugs Bunny). As séries posteriormente reuniram suas personagens e tornaram-se<br />
uma só, que também foi produzida para televisão e ainda é exibida com sucesso em muitos<br />
países. Apesar, ou justamente por causa <strong>de</strong> seu sucesso, a série foi alvo <strong>de</strong> críticas por tratar<br />
<strong>de</strong> maneira estereotipada culturas e raças estrangeiras.<br />
“Looney Tunes”, “Merrie Melodies”, “Looney Tunes”<br />
Com o sucesso <strong>de</strong> “Mickey Mouse” e “Silly Simphonies”, os estúdios Disney adquiriram<br />
experiência e acumularam conhecimento necessário para a produção <strong>de</strong> seu primeiro longametragem<br />
<strong>de</strong> animação: “Branca <strong>de</strong> Neve e os Sete Anões” 4 . Baseado no conto <strong>de</strong> fadas dos<br />
Irmãos Grimm, o roteiro do filme começou a ser escrito em 1934 e só foi terminado no final <strong>de</strong><br />
1935, quando teve início a produção da animação. O filme, que tem 83 minutos <strong>de</strong> duração,<br />
estreou no final <strong>de</strong> 1937 e foi exibido, no ano seguinte, com sucesso em salas <strong>de</strong> cinema <strong>de</strong><br />
todo o mundo.<br />
A fim <strong>de</strong> favorecer a promoção <strong>de</strong> seu filme <strong>de</strong> longa-metragem, os estúdios Disney lançam,<br />
em 1937, um dos primeiros package films da história do cinema. Um package film é um filme,<br />
em live action ou animação, que apresenta uma compilação ou coleção <strong>de</strong> curtas-metragens,<br />
dirigidos por um ou mais diretores, que se interligam por meio <strong>de</strong> uma temática, evento,<br />
personagem, local ou objeto. Em muitos casos, permite o reaproveitamento <strong>de</strong> materiais<br />
prévios, compilados em uma nova organização, po<strong>de</strong>ndo atingir um público mais novo,<br />
<strong>de</strong>sconhecedor das produções mais antigas, ou ainda fãs saudosistas e os colecionadores.<br />
“Aca<strong>de</strong>my Award Review of Walt Disney Cartoons” apresentava uma compilação <strong>de</strong> cinco<br />
episódios <strong>de</strong> “Silly Symphonies” premiados com o Oscar. Posteriormente, quando foi relançado<br />
em 1966, foram adicionados outros quatro episódios da série. Ao todo, os estúdios Disney<br />
lançaram mais nove package films: “Fantasia” (1940), “Saludos Amigos” (“Alô, Amigos”, 1942),<br />
“The Three Caballeros” (“Você já Foi à Bahia?”, 1944), “Make Minie Music” (“Música, Maestro!”,<br />
1946), “Fun & Fancy Free” (1947), “Melody Time” (1948), “The Adventures of Ichabod and Mr.<br />
Toad” (1949), “The Many Adventures of Winnie the Pooh” (1977) e “Fantasia 2000” (1999).<br />
4. Ao contrário do que alguns afirmam, este não é o primeiro filme <strong>de</strong> longa metragem <strong>de</strong> animação. Os<br />
primeiros longas <strong>de</strong> animação, “El Apostól!” (1917) e “Peludópolis” (1931), este último sonorizado, foram<br />
dirigidos pelo italiano, radicado na Argentina, Quirino Cristiani.<br />
33
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), os estúdios <strong>de</strong> animação norte-americanos<br />
tiveram uma diminuição na oferta <strong>de</strong> trabalho, além <strong>de</strong> uma diminuição <strong>de</strong> parte seu quadro<br />
<strong>de</strong> funcionários, que foi servir ao exército. Os estúdios Disney acabaram encontrando na<br />
propaganda para o governo norte-americano uma fonte <strong>de</strong> renda adicional. Durante esse<br />
período, foram lançados seis filmes <strong>de</strong> longa-metragem: “Pinnochio” (1940), “Fantasia”<br />
(1940), “Dumbo” (1941), “Bambi” (1942), “Saludos Amigos” (“Alô, Amigos,” 1942) e “The<br />
Three Caballeros” (“Você já Foi à Bahia”, 1944). Nestes dois últimos filmes, a ambientação<br />
acontece em países da América Latina, resultado do tour realizado anteriormente por Walt<br />
Disney nestes países como parte da chamada “política da boa vizinhança” do governo norteamericano.<br />
Desse intercâmbio cultural surgem personagens como Panchito (México), Pedro<br />
(Chile), Gauchito (Argentina) e Zé Carioca (Brasil).<br />
Sobre Zé Carioca, conta-se que a personagem foi pensada por Walt Disney enquanto<br />
estava no Rio <strong>de</strong> Janeiro e escutava muitas piadas envolvendo papagaios. Disney teria ainda<br />
se inspirado na personalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> algumas pessoas com quem teve contato em sua visita ao<br />
país. Talvez por isso, a personagem tenha se tornado muito mais popular no Brasil do que nos<br />
Estados Unidos e no resto do mundo. Por aqui, Zé Carioca ganhou produção própria <strong>de</strong> história<br />
em quadrinhos, assim como todo um universo <strong>de</strong> personagens, tais quais Rosinha, Nestor,<br />
Pedrão, Zico e Zeca, Zé Galo, Morcego Ver<strong>de</strong>, e a Anacozeca, uma espécie <strong>de</strong> associação<br />
especializada em cobranças <strong>de</strong> dívidas do protagonista.<br />
“The Three Caballeros”<br />
A viagem <strong>de</strong> Walt Disney serviu ainda para que ele se ausentasse dos estúdios durante uma greve<br />
<strong>de</strong> cinco semanas <strong>de</strong> seus funcionários. A greve foi motivada pela <strong>de</strong>missão <strong>de</strong> um dos seus principais<br />
animadores, Art Babbit, que havia organizado a criação <strong>de</strong> um sindicato <strong>de</strong> animadores para negociar<br />
melhores condições <strong>de</strong> trabalho. Manifestações anteriores já haviam ocorrido nos estúdios Iwerks<br />
(1931) e Van Beuren (1935) e, somadas às outras manifestações posteriores, resultaram na criação <strong>de</strong><br />
um sindicato dos animadores nos Estados Unidos no final dos anos 40.<br />
Ainda a respeito da viagem <strong>de</strong> Disney ao Brasil, vale registrar que, entre 1938 e 1939, o<br />
chargista Luiz Sá produziu “As Aventuras <strong>de</strong> Virgolino” e “Virgolino Apanha”. As animações<br />
tinham, segundo relatos, traços sofisticados e um estilo próprio bastante apurado. Sá pretendia<br />
exibir seus filmes diretamente para Walt Disney. Entretanto, os filmes foram recusados pelo<br />
DIP (Departamento <strong>de</strong> Imprensa e Propaganda). Decepcionado, Luiz Sá acabou ficando sem as<br />
34
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
cópias <strong>de</strong>stes seus filmes <strong>de</strong> animação: uma per<strong>de</strong>u-se no laboratório, e outra foi vendida para<br />
uma loja <strong>de</strong> projetores e distribuída como “brin<strong>de</strong>”, em vários pedaços, para os clientes.<br />
Os estúdios Disney também produziram outras séries que trouxeram importantes<br />
personagens ao seu universo na década <strong>de</strong> 30, como Pluto, Pato Donald (Donald Duck) e Pateta<br />
(Goofy). Mas outras produções, além daquelas produzidas por esses estúdios, também tiveram<br />
êxito no período, como Betty Boop. Baseada na It girl Clara Bow e na cantora Helen Kane, a<br />
personagem se tornou a primeira sex symbol da animação. Criada por Grim Natwick, a série,<br />
produzida pelos estúdios Fleischer, exibiu 110 episódios entre os anos <strong>de</strong> 1932 e 1939. Com<br />
forte presença nos quadrinhos da época (1934-1937), a série foi reprisada na televisão, lançada<br />
em coletâneas <strong>de</strong> DVD - a exemplo do que também aconteceu com boa parte das primeiras<br />
séries <strong>de</strong> animação para o cinema - e se tornou uma espécie <strong>de</strong> ícone pop cult, presente, ainda<br />
hoje, em camisetas, action figures e objetos diversos.<br />
Outra personagem importante na história da animação criada nessa época foi Popeye.<br />
Adaptada dos quadrinhos <strong>de</strong> Elzie Crisler Segar, a animação tem como protagonista um<br />
marinheiro <strong>de</strong> meia ida<strong>de</strong>, com fortes braços tatuados e que fuma cachimbo. Popeye tem<br />
como namorada Olívia Palito e recorre ao espinafre a fim <strong>de</strong> adquirir força extra para superar<br />
seus <strong>de</strong>safios, como, por exemplo, vencer Brutus, seu principal antagonista. Produzida<br />
inicialmente pelos estúdios Fleischer (1933-1942) e <strong>de</strong>pois pelos Famous Studios (1942-1957),<br />
foram exibidos cerca <strong>de</strong> 230 <strong>de</strong> seus episódios no cinema. Entre 1960 e 2003, a série foi<br />
produzida <strong>de</strong> maneira mais ou menos regular para a televisão e exibida em diversos canais e<br />
países, sendo relativamente conhecida até os dias atuais.<br />
O final da década <strong>de</strong> 30 marca também o início da carreira do animador Walter Lantz<br />
na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produtor in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, um dos primeiros na indústria norte-americana <strong>de</strong><br />
animação. Depois <strong>de</strong> passar por alguns estúdios e <strong>de</strong> ter trabalhado em algumas séries, Lantz<br />
cria “Andy Panda”, que é distribuído pela Universal Pictures (1939-1947) e, em sua fase final<br />
(1948-1949), pela United Artists.<br />
Ainda que houvesse uma hegemonia norte-americana na produção <strong>de</strong> séries <strong>de</strong> animação<br />
para o cinema, a Inglaterra registrou, na década <strong>de</strong> 30, uma experiência singular com a<br />
produção e a exibição da série “Puppetoons”, <strong>de</strong> George Pal. A série ficou conhecida por usar<br />
uma variação da técnica <strong>de</strong> stop motion, o puppetoon, na qual um objeto - ou parte <strong>de</strong>le -<br />
é substituído por outros, quadro a quadro (replacement animation). Na década <strong>de</strong> 40, Pal<br />
começa a trabalhar nos Estados Unidos, on<strong>de</strong> passa a ser produzido pela Paramount Pictures e<br />
chega a ter quatro animações indicadas ao Oscar.<br />
“Betty Boop”, “Popeye”, “Puppetoons”<br />
35
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Durante a década <strong>de</strong> 40, novas séries surgem e se juntam às anteriores, que continuavam<br />
sendo exibidas. William Hanna e Joseph Barbera, que haviam trabalhado juntos na década<br />
<strong>de</strong> 30, criam e dirigem sua primeira série <strong>de</strong> sucesso para a MGM, “Tom and Jerry” (“Tom e<br />
Jerry”). Baseada em situações cômicas <strong>de</strong> gato e rato, a série foi feita a partir do sucesso <strong>de</strong><br />
uma animação feita em 1939, “Puss Gets the Boots”. “Tom e Jerry” teve enorme sucesso <strong>de</strong><br />
público e <strong>de</strong> crítica, conquistando sete Aca<strong>de</strong>my Awards. Entre 1940 e 1967, foram produzidos<br />
e exibidos 161 episódios da série para o cinema.<br />
Ao lado <strong>de</strong> “Tom e Jerry”, a outra série <strong>de</strong> maior sucesso <strong>de</strong>ssa década talvez tenha sido<br />
“Woody Woodpecker” (“Pica-Pau”). A i<strong>de</strong>ia da criação da personagem teria surgido durante a<br />
lua-<strong>de</strong>-mel <strong>de</strong> Lantz, em uma cabana às margens <strong>de</strong> um lago, on<strong>de</strong> o casal era constantemente<br />
incomodado por um ruidoso pica-pau carpinteiro. A primeira aparição da personagem aconteceu<br />
em um episódio <strong>de</strong> “Andy Panda”, em 1940, “Knock Knock”, no qual Pica-Pau incomodava o urso<br />
e seu pai (Papa Panda) apenas por diversão. Incomodada, a personagem Andy Panda tentava<br />
capturar a ave, mas sempre por meio <strong>de</strong> formas previsíveis, o que tornava a fuga do pica-pau<br />
<strong>de</strong>masiadamente fácil. Ao final, impotente e incapacitado, o panda acabava enlouquecendo e<br />
<strong>de</strong>sistindo da empreitada. Estava <strong>de</strong>lineada aí a fórmula <strong>de</strong> sucesso da série.<br />
“Pica-Pau” talvez tenha sido a primeira série a introduzir como protagonista uma personagem<br />
agressiva e lunática. O <strong>de</strong>senho fez gran<strong>de</strong> sucesso durante a Segunda Guerra Mundial e a personagem<br />
foi, a exemplo do ocorrido anteriormente com o Gato Félix, amplamente adotada como mascote.<br />
Entre 1940 e 1972, foram produzidos e exibidos cerca <strong>de</strong> 200 episódios para o cinema.<br />
A série ganhou ainda três Aca<strong>de</strong>my Awards e migrou posteriormente para a televisão, on<strong>de</strong><br />
manteve o seu sucesso. No ano <strong>de</strong> 2009, uma emissora televisiva brasileira reprisou alguns<br />
episódios clássicos da série durante o horário nobre e conseguiu picos <strong>de</strong> li<strong>de</strong>rança na audiência.<br />
Por outro lado, “Pica-Pau” sofreu muitas críticas por seu humor negro e sua violência gratuita;<br />
no Canadá, por exemplo, a série chegou mesmo a ter sua exibição proibida.<br />
Além <strong>de</strong> Lantz, outro animador que teve gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>staque no período foi Paul Terry. Fundados<br />
em 1929, os estúdios <strong>de</strong> Terry, Terrytoons, emplacaram, também a partir da década <strong>de</strong> 40, suas<br />
duas séries <strong>de</strong> maior sucesso no cinema: “Heckle and Jeckle” (“Faísca e Fumaça”) e “Mighty<br />
Mouse” (“Super Mouse”), este último criado por Izzi Klein para parodiar o Super-Homem.<br />
“Woody Woodpecker”, “Mighty Mouse”, “Heckle and Jeckle”<br />
36
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
O final dos anos 40 marca, para os estúdios Disney, um período <strong>de</strong> lançamento da maioria<br />
<strong>de</strong> seus package films e <strong>de</strong> início da produção <strong>de</strong> live action, com a série “True Life Adventures”<br />
e do longa “Treasure Island” (“Ilha do Tesouro”). Em 1950, em parceria com a empresa Coca-<br />
Cola, os estúdios promovem sua primeira aparição na televisão, “An Hour in Won<strong>de</strong>rland”,<br />
que foi um especial <strong>de</strong> Natal na re<strong>de</strong> ABC com duração <strong>de</strong> uma hora. Os estúdios só voltariam<br />
à televisão em 1954, com “Disneyland” (<strong>de</strong>pois intitulado “The Won<strong>de</strong>rful World of Disney”,<br />
ou “O Maravilhoso Mundo <strong>de</strong> Disney”, em português). O programa reunia materiais diversos<br />
(preexistentes ou não) e teve 52 temporadas e 1224 episódios exibidos em horário nobre<br />
(prime time). Tem início assim a participação dos estúdios Disney na televisão, processo que<br />
culminaria com a criação <strong>de</strong> um canal próprio, o Disney Channel, no ano <strong>de</strong> 1983.<br />
Com 50 filmes <strong>de</strong> longa-metragem produzidos, inúmeras séries para cinema e televisão,<br />
parques temáticos, canal próprio <strong>de</strong> televisão, jogos, brinquedos, sites, games, licenciamentos<br />
diversos, além das aquisições <strong>de</strong> outras companhias, como a Pixar (2006) e a Marvel (2009),<br />
a Walt Disney Company é uma das maiores companhias comerciais <strong>de</strong> todo o mundo, com<br />
faturamento anual na or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> U$ 40 bilhões. Da admiração à crítica, da idolatria ao ódio,<br />
as opiniões e reações do público e <strong>de</strong> profissionais da animação em relação à Disney são<br />
proporcionais ao crescimento da própria companhia nos últimos 80 anos. Como afirma Moreno<br />
(1978), “apesar da temática pobre, das soluções formais simplistas, i<strong>de</strong>ologia conformista, a<br />
contribuição <strong>de</strong> Disney ao cinema <strong>de</strong> animação é inegável”.<br />
A década seguinte marca o início das séries <strong>de</strong> animação na televisão e a diminuição, como vimos,<br />
do número <strong>de</strong> produções <strong>de</strong>sse gênero para o cinema. Novas tentativas <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> séries originais<br />
foram feitas, sem, contudo, conseguir reeditar o sucesso das décadas anteriores no cinema.<br />
Walter Lantz cria sua segunda série <strong>de</strong> maior sucesso <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> “Pica-Pau”, “Chilly Willy”<br />
(“Picolino”), um simpático pinguim que buscava sempre um meio para permanecer aquecido.<br />
Picolino, que tem como antagonista o cachorro Smedley, gosta <strong>de</strong> panquecas e <strong>de</strong> roubar peixes<br />
da morsa Leôncio (Wally Walrus), personagem que também aparece em outras animações <strong>de</strong><br />
Lantz. Produzida entre 1953 e 1972, a série teve cerca <strong>de</strong> 50 episódios exibidos no cinema.<br />
“Chilly Willy”<br />
Em 1957, após terem saído da MGM, William Hanna e Joseph Barbera fundaram o seu<br />
próprio estúdio <strong>de</strong> animação, Hanna-Barbera. Apesar <strong>de</strong> ter seu nome associado à produção<br />
para televisão, que, <strong>de</strong> fato, foi seu “carro chefe”, o Hanna-Barbera produziu uma única série<br />
<strong>de</strong> animação para cinema, “Loopy le Beau” (“Loopy <strong>de</strong> Loop”). A série, que teve cerca <strong>de</strong><br />
50 episódios produzidos entre 1959 e 1965, contava as aventuras <strong>de</strong> Loopy, um lobo educado<br />
e gentil, com sotaque francês. O objetivo do “lobo bom” era o <strong>de</strong> mudar a imagem <strong>de</strong> sua<br />
espécie junto às pessoas e <strong>de</strong> se integrar à socieda<strong>de</strong>, por isso, além <strong>de</strong> seu comportamento<br />
37
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
impecável, costumava ajudar as pessoas. Porém, além <strong>de</strong> nunca conseguir atingir esse objetivo,<br />
Loopy era constantemente perseguido, inclusive pelas próprias pessoas que havia auxiliado, e<br />
tinha que acabar fugindo da cida<strong>de</strong> simplesmente pelo fato <strong>de</strong> ser um lobo.<br />
Um ano antes do lançamento <strong>de</strong> “Loppy le Beau”, na antiga Tchecoslováquia, Z<strong>de</strong>nìk Miller lança<br />
“Krtek” (“A Toupeira”). Inspirado pelo estilo Disney, Z<strong>de</strong>nìk criou um <strong>de</strong>senho com o objetivo <strong>de</strong> ensinar às<br />
crianças sobre o processamento do linho. A i<strong>de</strong>ia da personagem surgiu após seu criador tropeçar em um<br />
montinho <strong>de</strong> terra durante uma caminhada. O primeiro filme da série, “Jak Krtek ke Kalhotkám Pøišel”<br />
(“Como a Toupeira Conseguiu as suas Calças”), fez gran<strong>de</strong> sucesso em outros países do leste europeu,<br />
além da Austrália, Índia, China, Áustria e Alemanha. Apesar <strong>de</strong> este primeiro episódio ser narrado, Z<strong>de</strong>nìk<br />
<strong>de</strong>cidiu-se por não utilizar falas nos <strong>de</strong>mais episódios, o que garantiu maior universalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua obra.<br />
Até o ano <strong>de</strong> 2002, foram produzidos e exibidos cerca <strong>de</strong> 50 episódios <strong>de</strong>sta série.<br />
“Loopy <strong>de</strong> Loop”, “Jak krtek ke kalhotkám pøišel”<br />
Os anos 60 marcam o término da produção para o cinema <strong>de</strong> séries <strong>de</strong>senvolvidas anteriormente,<br />
como “Faísca e Fumaça”, “Super Mouse”, “Looney Tunes”, “Tom e Jerry”, “Pateta” e “Loopy le Beau”.<br />
Além disso, o sucesso <strong>de</strong> séries como “The Flintstones” (“Os Flintstones”) na televisão pareceu não<br />
ter <strong>de</strong>ixado dúvidas <strong>de</strong> que o futuro da animação seriada estava mesmo na nova mídia. Para muitos<br />
historiadores da animação, como Jerry Beck, este período marca o fim da chamada animação clássica.<br />
38
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
No entanto, foi observada uma espécie <strong>de</strong> “último fôlego” das séries <strong>de</strong> animação no cinema,<br />
antes da efetiva consolidação do gênero na televisão. Novas i<strong>de</strong>ias proporcionaram uma “sobrevida”<br />
para essas séries – ainda que sem contar com a mesma força das décadas anteriores. Uma <strong>de</strong>stas<br />
séries foi “The Beary Family” (“A Família Urso”), que trazia histórias “humanas” com uma família<br />
<strong>de</strong> ursos: Ursolão (Charlie), o pai, Úrsula (Bessie), a mãe, Ursolina (Susi), a filha mais nova, Ursolino<br />
(Junior), o filho mais velho e Goose, um ganso <strong>de</strong> estimação. A trama básica dos cerca <strong>de</strong> 30<br />
episódios, produzidos entre 1962 e 1972, mostra Ursolão tentando economizar dinheiro ao realizar<br />
pequenos serviços técnicos ou construir acessórios para casa, ao invés <strong>de</strong> contratar um profissional<br />
especializado ou <strong>de</strong> adquirir o referido acessório diretamente em uma loja. No final, após uma série<br />
<strong>de</strong> trapalhadas, o prejuízo acaba sendo sempre maior do que a suposta economia que almejava.<br />
Em 1963, dois animadores da extinta Warner Bros Cartoons, Friz Freleng e David DePatie,<br />
fundam a DePatie-Freleng Enterprises, também conhecida por DFE Films. O estúdio <strong>de</strong> animação<br />
situado em Hollywood começou suas experiências por meio <strong>de</strong> séries para o cinema, passando,<br />
posteriormente, para a televisão e a publicida<strong>de</strong>. Após seu fechamento, em 1981, boa parte <strong>de</strong><br />
suas produções foram adquiridas pela Marvel Comics, pertencente hoje à Disney.<br />
O estúdio estreou com o “pé direito” ao fazer os créditos <strong>de</strong> abertura do primeiro filme<br />
<strong>de</strong> “A Pantera Cor-<strong>de</strong>-Rosa”, dirigida por Blake Edwards e estrelada por Peter Sellers, no<br />
papel do impagável inspetor Jacques Clouseau. O sucesso foi tamanho que a personagem<br />
voltou nos créditos das sequências do filme e ganhou sua própria série no cinema, com cerca<br />
<strong>de</strong> 120 episódios exibidos até 1980. Com um estilo novo, temática diferenciada e abordagem<br />
inusitada, a série ganhou inúmeros fãs e também foi produzida e exibida na televisão.<br />
Além <strong>de</strong> “The Pink Panther” (“ A Pantera Cor <strong>de</strong> Rosa”), o estúdio produziu para o cinema a série<br />
“The Inspector” (“O Inspetor”). Apesar <strong>de</strong> alguns acharem que a série é uma referência ao inspetor<br />
Clouseau, a personagem principal não possui nome e, ao contrário do célebre inspetor, é organizada<br />
e relativamente competente. O humor da série surge a partir dos vilões, das situações inusitadas que<br />
se apresentam e do relacionamento do inspetor com o comissário da polícia francesa, a Sureté. Os 35<br />
episódios da série foram exibidos nos cinemas entre 1965 e 1969.<br />
A DePatie-Freleng Enterprises produziu ainda, com pouco sucesso, algumas outras séries<br />
no cinema, como: “Roland and Rattfink” (“Bom Bom e Mau Mau”, entre 1968 e 1971, com 17<br />
episódios), “The Ant and the Aardvark” (“A Formiga e o Tamanduá”, entre 1969 e 1971, com 17<br />
episódios) e “Tijuana Toads” (“Toro e Pancho”, entre 1969 e 1972, com 17 episódios).<br />
Em 1969, surge na União Soviética “Íó, Iîãîäè!” (“Ei, Espere!”), uma série do tipo pastelão<br />
que conta a história <strong>de</strong> um lobo travesso (Âîëê) com pretensões artísticas, que tenta, a todo<br />
custo, capturar uma lebre (Çàÿö). A série, que teve a maioria dos seus episódios dirigidos por<br />
Vyacheslav Kotyonochkin, foi bastante popular na União Soviética e ainda o é na atual Rússia,<br />
apesar das críticas menos favoráveis dos animadores locais.<br />
Experiências isoladas fora dos Estados Unidos, como as <strong>de</strong> George Pal, Z<strong>de</strong>nìk Miller e <strong>de</strong><br />
Vyacheslav Kotyonochkin mostram, apesar da impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se competir quantitativamente<br />
com a indústria norte-americana <strong>de</strong> animação, que o mercado internacional, em toda a sua<br />
dimensão e pluralida<strong>de</strong>, sempre esteve aberto para outros tipos <strong>de</strong> produções; diferentes,<br />
tanto em sua forma quanto em seu conteúdo, daquelas produzidas nos Estados Unidos.<br />
39
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
A década <strong>de</strong> 70 representa o fim da presença das séries <strong>de</strong> animação no cinema. Todas<br />
as séries produzidas regularmente, e que ainda não tinham terminado ou migrado para a<br />
televisão, chegaram ao seu final. A DePatie-Freleng Enterprises ainda tenta algumas últimas<br />
experiências com: “The Blue Racer” (“A Cobrinha Azul”, entre 1972 e 1974, com 17 episódios),<br />
“Hoot Kloot” (“Xerife Hoot Kloot”, entre 1973 e 1974, com 17 episódios) e “The Dogfather”<br />
(“O Po<strong>de</strong>roso Cachorrão”, entre 1974 e 1976, com 17 episódios).<br />
“Hoot Kloot”, “The Blue Racer”, “The Dogfather”<br />
De lá para cá, o cinema, como dissemos, se tornou espaço para a exibição <strong>de</strong> filmes <strong>de</strong><br />
longa-metragem e a televisão, para as séries em animação. Experiências esporádicas e isoladas<br />
aconteceram na década <strong>de</strong> 80 e 90, como a exibição <strong>de</strong> três curtas-metragens da personagem<br />
Roger Rabbit. “Tummy Trouble”, “Roller Coaster Rabbit” e “Trail Mix-Up” foram exibidos antes<br />
<strong>de</strong> filmes <strong>de</strong> longa-metragem da Touchstone/Disney, como “Querida, Encolhi as Crianças”, “Dick<br />
Tracy” e “Viagem ao Gran<strong>de</strong> Deserto”, respectivamente. O mesmo ocorreu com alguns episódios<br />
especiais <strong>de</strong> “Scooby Doo”, exibidos antes <strong>de</strong> seus próprios filmes <strong>de</strong> longa-metragem.<br />
“Roger Rabbit”, “Scooby Doo”<br />
Atualmente alguns estúdios, como a Disney, a Dreamworks e a Pixar estão exibindo filmes <strong>de</strong><br />
curta-metragem antes <strong>de</strong> suas animações principais. Ainda assim, trata-se <strong>de</strong> peças unitárias,<br />
e não seriadas. No final <strong>de</strong> 2007, a Walt Disney Pictures lançou um episódio isolado do Pateta<br />
para cinema: “How to Hook up your Home Theater” (“Como Instalar o seu Home Theater”).<br />
Quase 50 anos após o lançamento <strong>de</strong> seu último episódio para o cinema, Pateta volta em uma<br />
40
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
animação, dirigida por Kevin Deters e Stevie Wermers-Skelton, na qual se envolve em suas<br />
tradicionais confusões e trapalhadas. O episódio isolado foi feito como uma espécie <strong>de</strong> revival<br />
e não há previsão <strong>de</strong> lançamento <strong>de</strong> novos episódios da personagem.<br />
No entanto, a experiência recente mais conhecida <strong>de</strong>sse tipo talvez tenha sido aquela dos<br />
três episódios <strong>de</strong> “Scrat”, o esquilo <strong>de</strong>nte-<strong>de</strong>-sabre do filme “A Era do Gelo”. Sua primeira<br />
aparição aconteceu em 2002, no curta <strong>de</strong> abertura do filme “A Era do Gelo”, do estúdio Blue<br />
Sky. “Gone Nutty”, também conhecido por “Scrat´s Missing Adventure”, mostra as aventuras<br />
do esquilo para conseguir salvar ao menos uma das nozes que havia coletado. Dirigida pelo<br />
brasileiro Carlos Saldanha, a narrativa agradou enormemente ao público e foi indicada ao<br />
Oscar <strong>de</strong> melhor curta <strong>de</strong> animação.<br />
A receptivida<strong>de</strong> a essa primeira experiência fez com que Scrat voltasse em um novo<br />
episódio, “No Time for Nuts”, exibido em 2006, antes do longa “A Era do Gelo 2”. Neste<br />
novo episódio, ao procurar um lugar para escon<strong>de</strong>r sua noz, o esquilo acaba encontrando<br />
uma máquina do tempo próxima ao corpo congelado <strong>de</strong> um cientista, que aparenta ser Albert<br />
Einstein. Ao acionar por aci<strong>de</strong>nte a máquina, Scrat acaba indo parar na Ida<strong>de</strong> Média e, <strong>de</strong>pois<br />
<strong>de</strong> aparentemente ter se dado bem, acaba em um futuro sem nozes.<br />
Scrat volta a aparecer antes <strong>de</strong> “A Era do Gelo 3”, no curta “Surviving Sid”, no qual faz uma<br />
“ponta”, novamente envolvido em sua saga com as nozes. O sucesso da personagem fez com que ela<br />
fosse incorporada em uma trama paralela no próprio longa, <strong>de</strong>sta vez acompanhado por Scratita, um<br />
esquilo fêmea por quem se apaixona - ao mesmo tempo em que rivaliza com ela para ficar com a noz.<br />
Scrat é um entre tantos exemplos existentes na animação <strong>de</strong> “breakout character”, isto<br />
é, personagem que transita entre diferentes histórias em diferentes séries, mídias e formatos,<br />
ainda que com aparições únicas.<br />
“How to hook up your home theater”, “Scrat”<br />
41
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
42
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
1.2<br />
repetição, serialida<strong>de</strong><br />
e fragmentação:<br />
a “estética da repetição”<br />
e o “minimalismo narrativo”<br />
1.2 Repetição, Serialida<strong>de</strong> e Fragmentação: A “Estética da Repetição” e o “Minimalismo<br />
Narrativo”<br />
Como afirmamos, os processos <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ados pela Revolução Industrial <strong>de</strong>ram origem<br />
à elaboração em série dos mais diversos produtos. É o momento em que observamos, por<br />
exemplo, o surgimento do <strong>de</strong>sign mo<strong>de</strong>rno e <strong>de</strong> suas diversas escolas, responsáveis pelo<br />
pensamento <strong>de</strong> diferentes metodologias e processos <strong>de</strong> planejamento e criação dos produtos<br />
industrializados ou industrializáveis. Diferencia-se, assim, o trabalho do <strong>de</strong>signer mo<strong>de</strong>rno<br />
daquele do artesão, uma espécie <strong>de</strong> precursor que se <strong>de</strong>dicava ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> objetos<br />
a partir <strong>de</strong> um conhecimento empírico obtido por transmissão familiar ou via relação mestreaprendiz.<br />
Ao contrário das práticas mo<strong>de</strong>rnas, o trabalho do artesão não era especializado e<br />
ele se responsabilizava por todas as etapas <strong>de</strong> produção <strong>de</strong>sses objetos, necessitando <strong>de</strong> um<br />
tempo <strong>de</strong> aprendizado para se aperfeiçoar em cada um <strong>de</strong>sses estágios.<br />
No esquema <strong>de</strong> produção em série, é observada a recorrência <strong>de</strong> elementos comuns, como<br />
a presença <strong>de</strong> equipamentos e processos sistematizados e padronizados, e cada funcionário se<br />
especializa na repetição <strong>de</strong> uma única e <strong>de</strong>terminada função, repetindo-a maciçamente. Por<br />
conta <strong>de</strong>sta repetição excessiva, houve muitas críticas quanto à <strong>de</strong>sumanização do trabalho e<br />
do próprio trabalhador, consi<strong>de</strong>rado nesse processo - sob um ponto <strong>de</strong> vista negativo - como um<br />
autômato. Alguns movimentos se insurgiram contra esse mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> produção, como o Ludismo,<br />
cujos <strong>de</strong>fensores ficaram conhecidos como “quebradores <strong>de</strong> máquinas”. Inspirado por essa<br />
questão, Charles Chaplin fez o filme “Tempos Mo<strong>de</strong>rnos” (uma crítica divertida e genial ao<br />
ritmo alucinante a que a linha <strong>de</strong> produção submeteu os operários), no qual a personagem<br />
Carlitos interpreta um trabalhador <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> fábrica que, após muitas confusões e<br />
trapalhadas, acaba sendo vítima <strong>de</strong> um colapso nervoso.<br />
43
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Apesar <strong>de</strong>ssa parcela <strong>de</strong> “sofrimento” humano causada pela mudança <strong>de</strong> papéis e <strong>de</strong><br />
expectativas em relação ao <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> cada trabalhador, ao padronizar seus processos e<br />
materiais, a produção em série consegue um aumento expressivo na velocida<strong>de</strong> e no volume da<br />
fabricação <strong>de</strong> produtos, com barateamento progressivo do seu custo. Não tardou, portanto, que<br />
essa racionalização chegasse também à produção cultural. Quando é pensada e produzida em<br />
série, a obra se liberta <strong>de</strong> sua aura, <strong>de</strong> sua condição <strong>de</strong> peça única, associada, como vimos, ao<br />
sagrado ou, posteriormente, ao status social. A “reprodutibilida<strong>de</strong> técnica”, qualida<strong>de</strong> atribuída<br />
pelo pensador alemão Walter Benjamin (1985) às novas formas expressivas - como a fotografia,<br />
o cinema e a gravura - tornava impossível distinguir o original da cópia. Conceitualmente, a<br />
primeira ampliação <strong>de</strong> um negativo não é diferente da segunda; ao contrário do que ocorreria,<br />
por exemplo, com duas telas a óleo pintadas por um mesmo artista. Para Benjamin, essa<br />
“<strong>de</strong>ssacralização” da obra a liberta <strong>de</strong> antigos paradigmas e inaugura novas potencialida<strong>de</strong>s<br />
artísticas e políticas. A reprodutibilida<strong>de</strong> técnica nas artes e na comunicação favoreceria,<br />
portanto, a <strong>de</strong>mocratização da estética, na medida em que essas obras já seriam produzidas<br />
objetivando a própria reprodução. Pensemos no negativo <strong>de</strong> uma foto, por exemplo, que não<br />
carrega o prestígio <strong>de</strong> “original”, mas é visto como uma matriz que carrega a informação a ser<br />
ampliada e, aí sim, estabelecer uma relação com seu público.<br />
44
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Por outro lado, pensadores da Escola <strong>de</strong> Frankfurt (como Adorno e Horkheimer, que no<br />
livro “Dialética do esclarecimento” utilizam pela primeira vez o termo para <strong>de</strong>signar as<br />
novas formas <strong>de</strong> arte reprodutíveis), compreen<strong>de</strong>m esse processo como sendo prejudicial ao<br />
entendimento humano por transformar a cultura em mercadoria, submetendo manifestações<br />
legítimas em instrumento <strong>de</strong> manipulação capitalista.<br />
Movimentos artísticos como a pop art, em meados da década <strong>de</strong> 50 e 60, principalmente<br />
nos Estados Unidos e na Inglaterra, exploram essa questão <strong>de</strong> forma diversa. Ao se apropriarem<br />
<strong>de</strong> ícones da cultura <strong>de</strong> massa e subverterem a sua lógica, agregando a estes ícones o status<br />
<strong>de</strong> obra <strong>de</strong> arte e sua aura, promovem uma espécie <strong>de</strong> retroalimentação, isto é, <strong>de</strong>volvem<br />
para a cultura e para a própria socieda<strong>de</strong> contem porânea novos elementos <strong>de</strong> reflexão sobre<br />
seus usos e costumes. Um dos mais famosos artistas <strong>de</strong>ssa tendência, Andy Warhol, enxergava<br />
nos produtos em série uma possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> partilha <strong>de</strong> um mesmo objeto por todas as classes<br />
sociais, indiscriminadamente. Portanto, utilizava as imagens <strong>de</strong> produtos industrializados,<br />
como as garrafas <strong>de</strong> refrigerante ou as latas <strong>de</strong> sopa, já que estas eram consumidas da mesma<br />
forma tanto pela elite quanto pelos setores populares.<br />
Omar Calabrese (1987) é um pesquisador que busca compreen<strong>de</strong>r o funcionamento da<br />
repetitivida<strong>de</strong> na produção cultural, atribuindo-lhe três funções: como mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> produção<br />
em série a partir <strong>de</strong> uma matriz; como mecanismo estrutural <strong>de</strong> generalizações <strong>de</strong> texto;<br />
e como condição <strong>de</strong> consumo dos produtos comunicativos por parte do público. A primeira<br />
função é condição do próprio modo <strong>de</strong> produção em série. Já a segunda, permite a<br />
45
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
criação <strong>de</strong> um sistema apto às generalizações do conteúdo efetivamente produzido. Por fim,<br />
a terceira função correspon<strong>de</strong> à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> transformar o processo em um bem, atribuirlhe<br />
um valor e comercializá-lo junto ao público. Para o pensador italiano, estas funções geram<br />
uma “estética da repetição”, diferente daquela tradicionalmente presente nas artes clássicas.<br />
Ainda segundo o autor, as formas mais comuns <strong>de</strong> repetição na cultura contemporânea seriam<br />
a retomada <strong>de</strong> um tema prévio <strong>de</strong> sucesso e o <strong>de</strong>calque, isto é, a reformulação <strong>de</strong> narrativas<br />
consagradas a partir <strong>de</strong> pequenas alterações.<br />
46
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Assim é possível consi<strong>de</strong>rar que a produção cultural em série <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> tanto dos elementos<br />
invariáveis quanto dos variáveis. Os elementos invariáveis (fixos) funcionam não apenas<br />
estabelecendo uma continuida<strong>de</strong> com as expectativas e conhecimentos do público, mas,<br />
principalmente, como reiteração das partes estruturais dos códigos do sistema <strong>de</strong> uma série.<br />
Assim, por exemplo, ao assistir a um episódio <strong>de</strong> uma sitcom, o espectador já espera das<br />
personagens <strong>de</strong>terminadas reações, e o roteirista irá interagir com essa <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> forma a<br />
atendê-la ou frustrá-la, <strong>de</strong> acordo com as reações que queira causar. Já os elementos variáveis<br />
têm a função <strong>de</strong> palimpsesto, isto é, <strong>de</strong> introduzir novas peripécias e informações a partir <strong>de</strong><br />
uma estrutura previamente existente. Po<strong>de</strong>mos, portanto, comparar este modo <strong>de</strong> produção à<br />
própria dinâmica da vida cotidiana, que ao se renovar, também se mantém atada às estruturas<br />
cumulativas prévias.<br />
Esse novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> produção altera, obviamente, toda a ca<strong>de</strong>ia da produção cultural. Sob a<br />
perspectiva da criação, a própria noção <strong>de</strong> autoria passa a ser questionada, visto que muitas vezes<br />
o processo criativo em si é resultado direto <strong>de</strong> colaborações diversas em diferentes estágios <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>senvolvimento do produto. A própria serialida<strong>de</strong> implica, muitas vezes, um “autor no gerúndio”,<br />
isto é, um autor <strong>de</strong> uma obra aberta, que se apresenta em constante estágio <strong>de</strong> criação. Em outras<br />
palavras, o autor <strong>de</strong> uma obra seriada tem a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> construí-la em movimento, uma espécie<br />
<strong>de</strong> work in progress sujeito às interferências diretas <strong>de</strong> seu público.<br />
Quanto à recepção <strong>de</strong> produtos culturais, é preciso pensar que a serialida<strong>de</strong> estabelece<br />
novos critérios <strong>de</strong> apreciação da obra. Inicialmente <strong>de</strong>vemos consi<strong>de</strong>rar sua apresentação<br />
como fragmentação <strong>de</strong> um sintagma, <strong>de</strong> um fluxo contínuo maior, seja o episódio, muitas<br />
vezes separado em partes pelos breaks comerciais, seja a própria série, constituída em sua<br />
totalida<strong>de</strong> pela soma <strong>de</strong> seus episódios exibidos separadamente.<br />
À experiência <strong>de</strong> mediação do público, a partir <strong>de</strong> seu próprio repertório, somase<br />
a uma nova experiência que a mensagem seriada é capaz <strong>de</strong> produzir, <strong>de</strong>scontínua e<br />
fragmentariamente, baseada na intertextualida<strong>de</strong>. A esse receptor atribui-se o papel <strong>de</strong><br />
interator capaz <strong>de</strong> reorganizar elementos (objetivos e subjetivos) preexistentes e proporcionar<br />
novas (re)leituras <strong>de</strong>sse mesmo sintagma. Tais leituras só conseguem ser apreendidas em sua<br />
totalida<strong>de</strong> por aqueles que compartilharem a estrutura dos códigos do sistema <strong>de</strong> serialida<strong>de</strong><br />
que se apresenta. Neste caso, as séries passam a funcionar com uma espécie <strong>de</strong> arquitexto, <strong>de</strong><br />
uma enciclopédia na qual, por meio <strong>de</strong> um processo <strong>de</strong> aprendizagem, o próprio espectador<br />
estabelece o seu conceito <strong>de</strong> serialida<strong>de</strong> a partir <strong>de</strong> processos <strong>de</strong> compreensão, interpretação<br />
e <strong>de</strong> diferentes estratégias <strong>de</strong> leitura.<br />
Para Lorenzo Vilches (1984), <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sta estrutura seriada da produção cultural, as séries<br />
<strong>de</strong> televisão se apresentam como um caso à parte. Para o pensador espanhol, há três fatores<br />
principais que interferem diretamente em sua produção: a estrutura produtiva, a estrutura<br />
narrativa e as expectativas dos <strong>de</strong>stinatários. A estrutura produtiva representa como as<br />
rotinas dos aparatos envolvidos interferem sobre o produto. Diz respeito, portanto, aos níveis<br />
e formas <strong>de</strong> autonomia técnica e criativa que o autor e o realizador da série possuem. A<br />
estrutura narrativa, por sua vez, diz respeito à maneira como a serialida<strong>de</strong> será efetivamente<br />
apresentada ao público, como veremos melhor mais adiante. Por fim, a expectativa do público<br />
é um fator que engloba aspectos sociológicos, midiáticos, psicológicos e que aborda suas<br />
relações intertextuais, permitindo integrar as partes distintas <strong>de</strong> uma série com seu todo.<br />
47
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
A intertextualida<strong>de</strong> permite ao público fixar os tópicos centrais da série e <strong>de</strong> suas articulações<br />
com <strong>de</strong>terminadas situações, episódios e com a própria série. É, portanto, uma ativida<strong>de</strong> semântica<br />
que possibilita ao espectador memorizar, em longo prazo, aspectos importantes para que sejam<br />
evocados em momentos oportunos. Também po<strong>de</strong>m ser registrados elementos secundários, que,<br />
eventualmente po<strong>de</strong>m ser esquecidos ao final do episódio. Estes elementos normalmente servem<br />
para ligar uma <strong>de</strong>terminada sequência à outra, ou para “presentear” o espectador mais atento<br />
com informações adicionais (easter eggs), que não chegam a ser cruciais para o entendimento da<br />
narrativa, mas que adicionam um valor, uma sensação ou dado extra.<br />
Para Vilches, as séries <strong>de</strong> televisão possuem ainda elementos que o autor <strong>de</strong>nomina <strong>de</strong><br />
paratextuais, isto é, elementos que, mesmo não pertencendo diretamente à série, acabam<br />
atuando para ela. É o caso, por exemplo, das chamadas exibidas durante os intervalos<br />
comerciais, das críticas e comentários da imprensa, <strong>de</strong> estudos acadêmicos, e das vinhetas <strong>de</strong><br />
abertura e <strong>de</strong> encerramento dos episódios.<br />
Aliás, a respeito <strong>de</strong>ssas vinhetas, usualmente compostas por uma sequência <strong>de</strong> imagens<br />
acompanhada <strong>de</strong> trilha musical, <strong>de</strong>vemos consi<strong>de</strong>rar uma dupla função. Em primeiro lugar,<br />
servem para separar a série do fluxo televisual, isto é, indicar que aquele <strong>de</strong>terminado episódio<br />
está começando e <strong>de</strong>pois terminando. Uma emissora <strong>de</strong> televisão po<strong>de</strong> ter uma programação<br />
bastante diversa e é interessante pontuar a presença <strong>de</strong> uma série específica <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ste<br />
fluxo contínuo e ininterrupto. A segunda função representa a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma exploração<br />
mais subjetiva e simbólica acerca da própria i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> da série. Por tradicionalmente possuir<br />
maior flexibilida<strong>de</strong> em sua criação e estruturação, as vinhetas <strong>de</strong> abertura e encerramento <strong>de</strong><br />
uma série procuram associar <strong>de</strong>terminadas imagens e conceitos a fim <strong>de</strong> agregar certos valores<br />
à própria série.<br />
A serialida<strong>de</strong> narrativa proporciona, como vimos, a construção <strong>de</strong> um texto fragmentado<br />
e <strong>de</strong>scontínuo, na qual a repetição <strong>de</strong> seus elementos constituintes e a imposição <strong>de</strong> um<br />
<strong>de</strong>terminado ritmo <strong>de</strong> exibição da obra <strong>de</strong>terminam características próprias e específicas.<br />
Se, por um lado, algumas pessoas criticam essa forma, associando-a a fatores da produção<br />
industrial – daí, por exemplo, a <strong>de</strong>nominação pejorativa <strong>de</strong> “enlatados” para se referenciar às<br />
séries <strong>de</strong> televisão – e a certo mau gosto, é preciso que reconsi<strong>de</strong>remos alguns fatores.<br />
A noção <strong>de</strong> que a produção em série <strong>de</strong>stitui uma obra <strong>de</strong> sua essência está ainda impregnada<br />
<strong>de</strong> uma visão que atrela a obra à genialida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua autoria, na qual a aura do criador e o<br />
status da obra única ou da peça unitária se fazem presentes. Os novos parâmetros <strong>de</strong> produção<br />
artística e cultural solicitam, portanto, que conheçamos e pensemos os paradigmas presentes<br />
da narrativa em série, libertando-nos <strong>de</strong> preconceitos fundados na reprodução automatizada<br />
<strong>de</strong> uma tradição reflexiva. As transformações <strong>de</strong> gêneros narrativos trazidas pela televisão se<br />
processam <strong>de</strong> forma mais rápida e dinâmica do que normalmente nas outras mídias, por isso<br />
mesmo, muitas vezes <strong>de</strong> forma mais veloz do que a nossa capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> assimilá-las e <strong>de</strong><br />
respon<strong>de</strong>r a elas criticamente. O caráter dinâmico <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> manifestação cultural <strong>de</strong>vese,<br />
sobretudo, ao fluxo contínuo e ininterrupto <strong>de</strong> sua produção, consumida vorazmente por<br />
seu público, invadindo o cotidiano <strong>de</strong> inúmeras pessoas.<br />
Se a própria noção <strong>de</strong> obra é alterada, alteram-se também sua concepção, distribuição,<br />
recepção e interpretação, o que leva Calabrese a <strong>de</strong>finir uma “estética da repetição”. À<br />
48
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
noção clássica <strong>de</strong> autor, incorpora-se agora a dinâmica <strong>de</strong> processos colaborativos e <strong>de</strong> work<br />
in progress. A noção do espectador contemplativo dá lugar a um espectador que, a partir da<br />
constante verificação <strong>de</strong> seus conhecimentos adquiridos, estabelece leituras <strong>de</strong> segundo grau,<br />
uma espécie <strong>de</strong> “bricolagem pós-mo<strong>de</strong>rna” na qual constitui e valoriza o potencial intertextual<br />
da série. A presença <strong>de</strong> uma dialética (entre or<strong>de</strong>m e novida<strong>de</strong>, entre repetição e inovação)<br />
evoca vicissitu<strong>de</strong>s e seduz o espectador, convidando-o a participar <strong>de</strong>sta teia <strong>de</strong> relações na<br />
qual quanto mais emaranhado se estiver, melhor.<br />
49
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
50
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
1.3 estruturas<br />
e tipologia<br />
da narrativa seriada na televisão<br />
3. Estruturas e Tipologia da Narrativa Seriada na Televisão<br />
Assim como qualquer outra metodologia <strong>de</strong> classificação ou estudo <strong>de</strong> gênero, po<strong>de</strong>mos partir<br />
dos mais diversos critérios para chegar a diferentes resultados. Isso significa que é possível pensar<br />
em diferentes formas e mo<strong>de</strong>los classificatórios da narrativa seriada na televisão.<br />
Em um primeiro momento, a partir <strong>de</strong> uma classificação genérica mais abrangente, po<strong>de</strong>mos<br />
aplicar os mesmos critérios já utilizados e consagrados no audiovisual e nas <strong>de</strong>mais formas<br />
narrativas às séries <strong>de</strong> animação. Conforme veremos mais <strong>de</strong>talhadamente no próximo capítulo,<br />
ao longo <strong>de</strong> sua existência, as séries <strong>de</strong> animação exploraram diferentes temáticas, o que, neste<br />
sentido, permite que possam ser pensadas nos mesmos termos classificatórios dos <strong>de</strong>mais produtos<br />
audiovisuais, por exemplo: aventura, suspense, humor, drama, educação etc.<br />
Esta estrutura temática, obviamente, acaba por classificar em um mesmo grupo animações<br />
que, apesar <strong>de</strong> uma eventual semelhança retórica, po<strong>de</strong>m possuir diversas outras diferenças<br />
entre si. Em outras palavras, ao se mudar <strong>de</strong> um critério classificatório para outro, animações<br />
que eventualmente pertençam a um mesmo gênero a partir <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado parâmetro<br />
po<strong>de</strong>m pertencer a gêneros diferentes se baseadas em novos parâmetros.<br />
Os modos <strong>de</strong> produção, distribuição, recepção e interpretação das narrativas seriadas<br />
na televisão possuem características próprias para que as classifiquemos como um gênero<br />
próprio e específico <strong>de</strong>ntro da televisão e do próprio audiovisual. Todavia, sabemos que é<br />
possível aplicar outros critérios para novas classificações <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ste gênero, isto é, existem<br />
diferentes tipos e gêneros <strong>de</strong> séries <strong>de</strong> televisão.<br />
A distinção entre produtos animados e em live action (registros diretamente filmados ou<br />
gravados em tempo real) po<strong>de</strong>, por si só, ser um <strong>de</strong>stes critérios, visto que estas linguagens do<br />
51
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
audiovisual, apesar <strong>de</strong> algumas semelhanças evi<strong>de</strong>ntes, possuem técnicas, estéticas e retóricas<br />
intrínsecas relativamente diferentes entre si. Como nosso objeto <strong>de</strong> estudo se restringe aqui às<br />
séries <strong>de</strong> animação, enfocaremos os aspectos <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> série, o que não significa que parte<br />
do exposto aqui também não se possa aplicar às séries não animadas, em live action.<br />
As séries <strong>de</strong> animação também po<strong>de</strong>m ser classificadas <strong>de</strong> acordo com seu estilo, isto é,<br />
seus processos próprios <strong>de</strong> enunciação. Tal classificação correspon<strong>de</strong> à adoção <strong>de</strong> um conjunto<br />
<strong>de</strong> elementos e estratégias <strong>de</strong> representação do som e da imagem capazes <strong>de</strong> estabelecer um<br />
gosto formal comum. Em animação observamos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os anos 40, uma discussão estilística<br />
que acompanha o universo da animação até os dias atuais.<br />
52
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Em 1943, três animadores “rebelados” dos estúdios Disney - Zack Schwartz, David<br />
Hilberman e Stephen Bosustow - fundam um estúdio que <strong>de</strong>u origem a United Production<br />
Artists (UPA). A nova associação acreditava que a animação não <strong>de</strong>veria ter como mo<strong>de</strong>lo único<br />
<strong>de</strong> referência o estilo “realista” <strong>de</strong> Disney, no qual a animação apresenta um traço sofisticado,<br />
com movimentos fluidos e acabamento impecável. Para esses animadores, a adoção <strong>de</strong> um<br />
mo<strong>de</strong>lo único <strong>de</strong> animação, que busca verossimilhança com representantes imediatos no<br />
“mundo real”, fora da animação, po<strong>de</strong> ser entendida como um fator limitador <strong>de</strong> exploração<br />
<strong>de</strong> suas potencialida<strong>de</strong>s criativas, estéticas e <strong>de</strong> linguagem. Em outras palavras, a animação<br />
não <strong>de</strong>ve obrigatoriamente observar as mesmas regras <strong>de</strong> um universo que lhe é exterior,<br />
ficando assim livre para explorar novos e infinitos estilos que incluam representações mais<br />
estilizadas. A partir <strong>de</strong>sta convicção, o estúdio <strong>de</strong>senvolveu um novo estilo <strong>de</strong> animação: a<br />
“animação limitada”, cuja técnica foi <strong>de</strong>pois aperfeiçoada por outros estúdios, principalmente<br />
Hanna-Barbera.<br />
Em primeiro lugar, nesse estilo é feito um estudo <strong>de</strong> roteiro e <strong>de</strong> storyboard a fim <strong>de</strong> se<br />
<strong>de</strong>tectar a efetiva necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cenas e planos com movimento. Ao se utilizar uma única imagem<br />
estática durante alguns segundos, tem-se uma economia significativa <strong>de</strong> tempo e recursos <strong>de</strong><br />
produção. “Truques”, como pequenos movimentos <strong>de</strong> câmera ou <strong>de</strong> cenário, po<strong>de</strong>m ainda ser<br />
utilizados para a associação ou sensação <strong>de</strong> movimento às imagens estáticas utilizadas. Soma-se a<br />
este estudo prévio a utilização inteligente da linguagem audiovisual, por meio <strong>de</strong> enquadramentos<br />
e da própria edição dos planos.<br />
53
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Proporcionalmente em relação àquelas cenas ou planos em que efetivamente se faz<br />
necessária a presença técnica do movimento, são i<strong>de</strong>alizadas sequências mais simples <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>senhos, que não correspon<strong>de</strong>m necessariamente à representação exata do movimento<br />
trabalhado. Dessa forma, uma personagem po<strong>de</strong> andar com poucos frames e <strong>de</strong> forma cíclica,<br />
movimentando apenas as pernas sem dobrar os joelhos ou sem mexer o resto do corpo, tal<br />
qual faria uma pessoa ao caminhar <strong>de</strong> fato na rua, por exemplo. Assim, as personagens das<br />
animações limitadas costumam estar divididas em diferentes camadas (layers), facilitando a<br />
sua animação. Com maior volume <strong>de</strong> episódios, essas séries passaram a utilizar bibliotecas<br />
<strong>de</strong> movimentos já animados. Uma sequência <strong>de</strong> uma personagem caminhando po<strong>de</strong>ria ser<br />
reaproveitada em inúmeras situações, modificando-se apenas partes <strong>de</strong>sta personagem, como<br />
sua cabeça, suas roupas ou seus acessórios.<br />
Mesmo sequências inteiras já animadas po<strong>de</strong>riam ser reprisadas na íntegra, como um<br />
flashback ou como uma cena que se repete, exatamente da mesma forma, em diferentes<br />
episódios. Para exemplificar, pensemos na transformação <strong>de</strong> uma personagem comum em um<br />
super-herói, que po<strong>de</strong> ocorrer sempre da mesma maneira. Essa cena po<strong>de</strong>rá utilizar um mesmo<br />
trecho animado em todos os seus episódios, facilitando sobremaneira o trabalho do animador<br />
nessa etapa.<br />
Outra característica observada nas animações limitadas é a simplificação do <strong>de</strong>senho<br />
(traço) e da pintura <strong>de</strong> personagens, cenários e objetos <strong>de</strong> cena. Da mesma forma, a ausência<br />
<strong>de</strong> sombras e eventuais rastros nos movimentos tornam o traço mais fácil e rápido. A pintura,<br />
por sua vez, apresenta uma estrutura mais “chapada”, com reduzidas variações em sua paleta<br />
<strong>de</strong> cores e em seu <strong>de</strong>gradê. A retificação <strong>de</strong> formas orgânicas e o uso <strong>de</strong> pinturas “chapadas”<br />
não chegaram a provocar gran<strong>de</strong>s incômodos ao público, visto que este novo estilo <strong>de</strong> animação<br />
está mais próximo <strong>de</strong> uma estética contemporânea, presente nas artes e no <strong>de</strong>sign.<br />
Por fim, uma última característica singular das animações limitadas é o uso expressivo da<br />
linguagem sonora e musical. Trilhas sonoras dinâmicas e sofisticadas, aliadas a efeitos sonoros<br />
caricatos e diálogos ágeis e trabalhados garantem uma atmosfera sonora envolvente que, ao<br />
mesmo tempo em que auxilia na imersão do espectador na trama e no próprio universo da<br />
série, dificulta a percepção dos truques visuais que objetivam a economia <strong>de</strong> movimentos.<br />
Um dos marcos divisores entre uma linha <strong>de</strong> animação mais estilizada e outra, mais<br />
realista, se <strong>de</strong>u em 1950, quando “Gerald McBoing-Boing” ganhou o Oscar <strong>de</strong> melhor curta em<br />
animação. A animação, que foi o primeiro gran<strong>de</strong> sucesso da UPA, apresenta um garoto que, ao<br />
invés <strong>de</strong> falar, comunica-se por meio <strong>de</strong> efeitos sonoros. Este primeiro curta <strong>de</strong>u origem a três<br />
outros, todos indicados ao Oscar. O sucesso dos filmes <strong>de</strong>u origem a uma série <strong>de</strong> televisão,<br />
a primeira a ser exibida regularmente em horário nobre e que fez escola, sendo adotada<br />
como mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> produção entre diversos estúdios e animadores que, <strong>de</strong>sta forma, ajudaram a<br />
consolidar o novo estilo – sobretudo, mas não apenas, na televisão.<br />
Além <strong>de</strong> uma classificação baseada em critérios estilísticos, Lorenzo Vilches afirma<br />
ser possível classificarmos as séries em tipos relativos à estruturação e à apresentação <strong>de</strong><br />
seus elementos narrativos e das relações <strong>de</strong>stes mesmos elementos. Nesse sentido, o tipo<br />
topológico compreen<strong>de</strong> as séries que priorizam o uso <strong>de</strong> locações como forma <strong>de</strong> associações<br />
diversas do espectador. O local se estabelece, portanto, como elemento central da trama e<br />
54
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
toda a dinâmica narrativa da série gira em torno <strong>de</strong> sua ambientação. Apesar <strong>de</strong> normalmente<br />
apresentarem enredos superficiais, po<strong>de</strong>m gerar situações enunciativas originais quando<br />
utilizadas para situações como a ironia, por exemplo.<br />
O tipo enciclopédico representa as séries que estabelecem relações <strong>de</strong> intertextualida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um “sistema enciclopédico”, isto é, a série funciona como um conjunto <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s<br />
virtuais do gênero. Aqui, o papel do espectador é interiorizar um conjunto <strong>de</strong> regras do gênero,<br />
que permite a compreensão <strong>de</strong> uma série potencialmente infinita <strong>de</strong> eventos e episódios.<br />
Já o tipo rendado (encajes) possui uma estrutura baseada na <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> objetivos<br />
ou missões diferentes que <strong>de</strong>vem ser cumpridas a cada novo episódio. Ainda que se trate<br />
<strong>de</strong> missões diferentes, não há a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o espectador ter referências prévias para<br />
compreen<strong>de</strong>r um episódio isoladamente do contexto da própria série. Da mesma maneira,<br />
elementos apresentados em um episódio po<strong>de</strong>m eventualmente não aparecer nos <strong>de</strong>mais,<br />
tendo sua importância restrita a uma única participação.<br />
As funções narrativas resultantes da relação entre os elementos variáveis com os elementos<br />
invariáveis <strong>de</strong> uma série po<strong>de</strong>m, ainda segundo o mesmo autor, criar cinco esquemas possíveis.<br />
No primeiro, fixo, se encaixam os casos das séries com o maior grau <strong>de</strong> redundância. Os<br />
temas e perfis psicológicos das personagens permanecem invariáveis <strong>de</strong> um episódio a outro. A<br />
excessiva repetição <strong>de</strong> elementos o transforma em uma espécie <strong>de</strong> protótipo <strong>de</strong> uma estrutura<br />
extremamente simplificada, com gran<strong>de</strong>s possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> dilatação temporal.<br />
No esquema fixo com variações <strong>de</strong> personagens, o tema central e o perfil psicológico das personagens<br />
principais da série permanecem invariáveis na medida em que novas personagens vão surgindo. Essas<br />
novas personagens, <strong>de</strong> hierarquia secundária, assumem as funções variáveis da série.<br />
O terceiro esquema é <strong>de</strong>nominado pelo pesquisador como fixo com variação psicológica. Neste<br />
esquema, a série avança com a resolução <strong>de</strong> conflitos interiores das personagens principais, que vão<br />
se apresentando paralelamente às ações <strong>de</strong> cada episódio. A profundida<strong>de</strong> psicológica po<strong>de</strong> relegar<br />
a ação ao segundo plano, uma vez que as nuances da psique humana e suas instabilida<strong>de</strong>s po<strong>de</strong>m<br />
gerar o combustível necessário para o <strong>de</strong>senvolvimento narrativo. Há, portanto, uma espécie <strong>de</strong><br />
predomínio da personagem e <strong>de</strong> seu interior sobre as ações exteriores.<br />
Já no esquema fixo com variação <strong>de</strong> tema, a personagem e seu perfil psicológico<br />
permanecem estáveis, mas há uma variação temática (“aventura”) a cada novo episódio.<br />
Neste caso, as personagens se apresentam consolidadas na série e, muitas vezes, fora <strong>de</strong>las –<br />
como é o caso dos super-heróis.<br />
Por fim, o esquema <strong>de</strong> personagens fixos representa as séries nas quais há uma i<strong>de</strong>ntificação<br />
muito forte entre o ator (indivíduo que interpreta um papel) e sua personagem (o papel<br />
representado). Tem-se assim uma série conhecida por apresentar uma personagem que<br />
interpreta diversas “máscaras” e interage com temas diversos, <strong>de</strong> modo que se estabelece<br />
uma espécie <strong>de</strong> biografia <strong>de</strong>sta personagem.<br />
Além <strong>de</strong> critérios estilísticos e narrativos, Arlindo Machado propõe um critério possível <strong>de</strong><br />
classificação das séries televisivas baseado na estruturação e apresentação da fragmentação ofertada<br />
55
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
ao espectador. Como sabemos, a programação televisiva é constituída pela presença <strong>de</strong> diversos<br />
programas que, por sua vez, estão estruturados em diversos blocos. Mesmo filmes produzidos<br />
originalmente para cinema e pensados para serem assistidos sem pausas ou interrupções, quando<br />
exibidos em uma emissora <strong>de</strong> televisão são, normalmente, apresentados <strong>de</strong> maneira fragmentada.<br />
Diferentemente das produções cinematográficas, os programas <strong>de</strong> televisão, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />
<strong>de</strong> seu gênero, são concebidos para aten<strong>de</strong>r a essa fragmentação.<br />
O programa também po<strong>de</strong> ser pensado como parte <strong>de</strong> um todo, que po<strong>de</strong> se esten<strong>de</strong>r<br />
por semanas, meses ou mesmo anos. Neste caso, temos a presença <strong>de</strong> uma narrativa seriada<br />
que se apresenta <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>scontínua e fragmentada. Desta forma, o enredo é apresentado<br />
em diferentes capítulos ou episódios, que po<strong>de</strong>m, por sua vez, estar organizados em blocos<br />
divididos pelos breaks comerciais.<br />
Apesar das pausas oferecerem a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> inserção <strong>de</strong> anunciantes comerciais, principal<br />
fonte <strong>de</strong> renda das emissoras privadas, permitem também uma espécie <strong>de</strong> pausa para o espectador<br />
“respirar” ou mesmo realizar outras ativida<strong>de</strong>s breves. Mesmo emissoras públicas que não possuem<br />
comerciais publicitários também costumam inserir intervalos nos programas.<br />
Para Machado, existem três tipos principais <strong>de</strong> narrativas seriadas na televisão, a partir da<br />
maneira como a fragmentação é oferecida ao espectador e estruturada na própria série. No<br />
primeiro tipo (“capítulos”), há uma ou diversas narrativas (entrelaçadas ou paralelas) principais<br />
que se apresentam <strong>de</strong> forma contínua e linear. Isto é, <strong>de</strong>ve-se assistir aos episódios em uma or<strong>de</strong>m<br />
cronológica pre<strong>de</strong>terminada <strong>de</strong> exibição, na qual o entendimento <strong>de</strong> um episódio é fundamental<br />
para o entendimento do próximo, e assim por diante, em um enca<strong>de</strong>amento teleológico.<br />
No segundo tipo (“episódios seriados”), cada episódio se constitui como uma história<br />
completa e autônoma, com a repetição <strong>de</strong> elementos narrativos centrais na série. A partir <strong>de</strong><br />
um padrão básico, recorrente, elementos variáveis são apresentados possibilitando variações<br />
em torno <strong>de</strong> seu eixo. Não é necessário, portanto, que o espectador assista a episódios prévios<br />
em <strong>de</strong>terminada or<strong>de</strong>m para que se entenda o episódio atual, da mesma forma que este não é<br />
necessário para os próximos. Como não há or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> exibição, os diferentes episódios da série<br />
po<strong>de</strong>m ser exibidos em qualquer or<strong>de</strong>m, garantindo assim maior possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reprises.<br />
O terceiro tipo (“episódios unitários”), por sua vez, apresenta as séries em que cada episódio<br />
possui in<strong>de</strong>pendência narrativa e, ao mesmo tempo, apresenta elementos narrativos diferentes<br />
entre si, po<strong>de</strong>ndo mudar <strong>de</strong> personagens e mesmo <strong>de</strong> universos criativos inteiros. Neste caso, o que<br />
possibilita que os diferentes episódios se constituam como série é uma <strong>de</strong>terminada temática comum<br />
recorrente, como narrativas <strong>de</strong> suspense, terror ou fantásticas, por exemplo.<br />
In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do critério e do próprio gênero a que uma série <strong>de</strong> animação pertença<br />
ou no qual possa estar classificada, é importante registrar que atualmente as séries <strong>de</strong> animação<br />
para televisão possuem algumas estruturas fixas possíveis <strong>de</strong> fragmentação. Em primeiro lugar, a<br />
duração <strong>de</strong> cada episódio po<strong>de</strong> ter <strong>de</strong> um a dois; sete; 11 ou 22 minutos. No primeiro caso, a duração<br />
mais curta é utilizada nos chamados interprogramas, histórias rápidas e dinâmicas apresentadas,<br />
normalmente, no intervalo entre um programa e outro <strong>de</strong> uma emissora <strong>de</strong> televisão. A duração <strong>de</strong><br />
sete minutos é um formato mais tradicional, bastante utilizado principalmente em algumas séries<br />
56
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
<strong>de</strong> animação mais antigas. Já os episódios <strong>de</strong> 11 minutos são os mais praticados nos dias <strong>de</strong> hoje.<br />
Episódios <strong>de</strong> 7 e <strong>de</strong> 11 minutos também costumam ser agrupados em um mesmo programa a fim<br />
<strong>de</strong> completar uma <strong>de</strong>terminada carga horária própria <strong>de</strong> sua janela <strong>de</strong> exibição. Assim, episódios<br />
diferentes <strong>de</strong> séries diferentes po<strong>de</strong>m ser apresentados e exibidos em um mesmo programa.<br />
Por fim, os episódios mais longos, <strong>de</strong> 22 minutos, não costumam ser exibidos junto com outras<br />
animações, tendo, na maioria dos casos, exibição em um programa próprio que se encaixa na<br />
janela <strong>de</strong> meia hora das emissoras <strong>de</strong> televisão.<br />
Os breaks comerciais, e, por consequência, os blocos <strong>de</strong> cada episódio, são <strong>de</strong>finidos por<br />
cada emissora <strong>de</strong> televisão em função da quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus anunciantes. Assim, a quantida<strong>de</strong><br />
e a localização exata do trecho <strong>de</strong> interrupção para as pausas <strong>de</strong> cada episódio competem a<br />
cada emissora exibidora da série. Séries exibidas em emissoras diferentes, normalmente não<br />
concorrentes entre si, po<strong>de</strong>m ter quantida<strong>de</strong> e localização <strong>de</strong> breaks diferentes. Na maioria<br />
dos casos, séries <strong>de</strong> interprogramas ou <strong>de</strong> sete minutos <strong>de</strong> duração não costumam ter breaks<br />
comerciais. Já as séries com 11 minutos <strong>de</strong> duração costumam ter apenas um break e as<br />
<strong>de</strong> 22 minutos três breaks comerciais. Já uma temporada, isto é, o conjunto <strong>de</strong> todos os<br />
episódios exibidos no intervalo <strong>de</strong> um ano, costuma ser composta <strong>de</strong> 26 episódios, po<strong>de</strong>ndo<br />
eventualmente chegar a 52 (“supertemporada”).<br />
No próximo capítulo, <strong>de</strong>linearemos uma breve história da televisão e algumas <strong>de</strong> suas<br />
principais características, para <strong>de</strong>pois traçarmos um panorama da história das séries <strong>de</strong><br />
animação nesta mídia. Em um segundo momento, trataremos da experiência brasileira <strong>de</strong><br />
produção das séries <strong>de</strong> animação para televisão (mais conhecidas como “<strong>de</strong>senhos animados”),<br />
finalizando o capítulo com análises <strong>de</strong> duas séries atuais <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> sucesso internacional.<br />
57
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
capÍtulo 2<br />
séries <strong>de</strong><br />
animação<br />
televisiva<br />
58
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
séries <strong>de</strong><br />
animação<br />
2<br />
televisiva<br />
2. Séries <strong>de</strong> Animação Televisiva<br />
Neste capítulo, discutiremos inicialmente a história e alguns aspectos característicos da<br />
principal mídia da segunda meta<strong>de</strong> do século XX e que, mesmo assim, ainda se apresenta em<br />
<strong>de</strong>terminados aspectos como uma ilustre <strong>de</strong>sconhecida para muitas pessoas: a televisão.<br />
Os estudos sobre a televisão são relativamente recentes e divididos em algumas linhas<br />
distintas, das quais enfatizaremos elementos referentes à crítica social e aos estudos <strong>de</strong> sua<br />
linguagem e estética. Conhecer, mesmo que brevemente, tais características permite uma<br />
ampliação da visão do meio e uma melhor exploração <strong>de</strong> suas potencialida<strong>de</strong>s.<br />
Em seguida, abordaremos a história das séries <strong>de</strong> animação para televisão. Nesse sentido,<br />
veremos que as animações exibidas inicialmente na televisão eram reprises dos antigos<br />
theatricals já exibidos no cinema, proporcionando assim um reaproveitamento <strong>de</strong> material<br />
(ready ma<strong>de</strong>). As primeiras séries <strong>de</strong> animação feitas especificamente para a televisão,<br />
também conhecidas por <strong>de</strong>senhos animados, surgem em 1949 nos Estados Unidos, quando<br />
essa mídia ainda era uma novida<strong>de</strong>. De lá para cá, com a popularização da televisão e, mais<br />
recentemente, com o surgimento da internet, muita coisa aconteceu.<br />
Na maioria dos casos, uma série <strong>de</strong> animação para televisão requer uma gran<strong>de</strong> estrutura<br />
<strong>de</strong> produção, distribuição e comercialização, que permita à série “se pagar” e também se<br />
popularizar, preferencialmente para além <strong>de</strong> seu país <strong>de</strong> origem. Nessa indústria, os Estados<br />
Unidos ocuparam papel praticamente hegemônico até os anos 70, quando os animes japoneses<br />
passam a ser exibidos com maior frequência fora do Japão. Há alguns anos, países como<br />
Canadá, Espanha, França e Inglaterra também têm conquistado maior espaço na criação e<br />
<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhos animados no mercado internacional.<br />
59
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Mesmo que tenha sido <strong>de</strong>finido um mo<strong>de</strong>lo estrutural dominante <strong>de</strong> criação e produção,<br />
experiências, ainda que em menor quantida<strong>de</strong>, realizadas em outros países fora <strong>de</strong>ste eixo<br />
também revelam soluções criativas e o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> produtos inteligentes. Neste<br />
sentido, abordaremos alguns <strong>de</strong>stes casos como uma forma <strong>de</strong> apontar eventuais novos<br />
caminhos estilísticos e <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento.<br />
Em um terceiro momento <strong>de</strong>ste capítulo, trataremos da experiência brasileira em animação<br />
que, grosso modo, possui reconhecimento técnico e criativo em termos <strong>de</strong> produções autorais<br />
<strong>de</strong> curtas metragens e <strong>de</strong> publicida<strong>de</strong>. Os <strong>de</strong>safios para as próximas décadas resi<strong>de</strong>m no<br />
<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> filmes <strong>de</strong> longa-metragem e <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhos animados – além da exploração<br />
dos potenciais das chamadas “novas mídias”. Observaremos em linhas breves esta experiência<br />
<strong>de</strong>senvolvida <strong>de</strong> maneira in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da televisão brasileira.<br />
Durante cerca <strong>de</strong> 40 anos, as únicas animações vistas na televisão brasileira eram criadas<br />
e produzidas no exterior, salvo raras exceções, como o extinto programa “Lanterna Mágica”,<br />
apresentado por Roberto Miller na TV Cultura. Somente no início dos anos 90 é que pequenas<br />
séries <strong>de</strong> curta duração e com número limitado <strong>de</strong> episódios passaram a ser vistas, sobretudo,<br />
nas emissoras públicas e educativas.<br />
A partir do início <strong>de</strong>ste século, a situação parece ter se modificado um pouco. Apenas nos<br />
dois últimos anos, quatro séries brasileiras com coprodução internacional passaram a ser vistas<br />
em emissoras <strong>de</strong> televisão <strong>de</strong> todo o mundo. A TV Rá-Tim-Bum, canal infantil com programação<br />
100% nacional - também assistido no Japão, Estados Unidos e Portugal -, anunciou ainda a<br />
exibição <strong>de</strong> três novas séries em coprodução com estúdios brasileiros.<br />
Neste sentido, <strong>de</strong>stacamos o ProAnimação, criado pelo Ministério da Cultura em 2008 e<br />
<strong>de</strong>stinado ao <strong>de</strong>senvolvimento da indústria da animação brasileira. Como um dos primeiros<br />
resultados <strong>de</strong>sse programa, tivemos o lançamento do ANIMATV, voltado ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong><br />
séries <strong>de</strong> animação brasileiras. Faremos o estudo <strong>de</strong> caso <strong>de</strong> duas <strong>de</strong>stas séries.<br />
Por fim, o capítulo termina com uma análise livre <strong>de</strong> duas séries internacionais, “Bob<br />
Esponja Calça Quadrada” e “Os Simpsons”, escolhidas por conta <strong>de</strong> suas bem sucedidas<br />
trajetórias, o que vai ao encontro do ensejo da criação <strong>de</strong> uma indústria da animação em<br />
nosso país.<br />
Esperamos que as i<strong>de</strong>ias e informações apresentadas neste capítulo sirvam não apenas<br />
para um maior conhecimento histórico e teórico, mas também como importante elemento na<br />
construção <strong>de</strong> um repertório fundamental para a elaboração <strong>de</strong> novas séries <strong>de</strong> animação.<br />
60
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
61
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
um breve histórico<br />
da televisão e<br />
2.1 caracterÍsticas do meio<br />
2.1 Um Breve Histórico da Televisão e Características do Meio<br />
Como afirmamos anteriormente, ao longo <strong>de</strong> sua existência, o homem vem utilizando diferentes<br />
formas e suportes para expressar i<strong>de</strong>ias, sentimentos e sensações resultantes <strong>de</strong> suas vivências.<br />
Des<strong>de</strong> os primórdios da sua existência até os dias atuais, o constante crescimento da comunicação<br />
humana po<strong>de</strong> ser entendido como uma condição <strong>de</strong> nossa espécie, ainda que, para muitos, a<br />
pluralida<strong>de</strong> e diversida<strong>de</strong> proporcionada por este crescimento represente, paradoxalmente, uma<br />
menor capacida<strong>de</strong> do homem efetivamente se comunicar e dialogar com o outro.<br />
Este crescimento comunicacional também po<strong>de</strong> ser entendido como uma forma <strong>de</strong> compensação<br />
humana pela inexorabilida<strong>de</strong> da morte. A produção vertiginosa <strong>de</strong> códigos e signos seria, neste<br />
sentido, resultante da tentativa <strong>de</strong> se explicar o inexplicável, <strong>de</strong> buscar o sentido da vida e <strong>de</strong><br />
perpetuá-la por meio da obra, imortalizando assim o autor e seu legado.<br />
O estudo da comunicação, da linguagem e das mídias, em seus mais diversos aspectos, vem sendo<br />
realizado por diferentes pensadores e pesquisadores em épocas e culturas diferentes. Seguindo esta<br />
i<strong>de</strong>ia, <strong>de</strong>vemos levar em conta que o advento <strong>de</strong> uma nova mídia não aniquila necessariamente<br />
uma anterior – mesmo <strong>de</strong>pois do advento da escrita, o homem continuou usando a fala para se<br />
comunicar, por exemplo. A introdução <strong>de</strong> novas formas do homem se relacionar com o mundo faz<br />
com que algumas <strong>de</strong>stas sejam consi<strong>de</strong>radas mais apropriadas em <strong>de</strong>terminadas situações do que<br />
outras. Também é possível observar a incorporação e a reconfiguração <strong>de</strong> algumas <strong>de</strong>stas formas<br />
prece<strong>de</strong>ntes a outras, como po<strong>de</strong>mos observar na presença da oralida<strong>de</strong> no universo audiovisual,<br />
por exemplo.<br />
O domínio ou a valorização <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>stas formas em <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> outras em uma<br />
cultura ou socieda<strong>de</strong> interfere diretamente no juízo valorativo, nas referências e na própria<br />
interpretação da realida<strong>de</strong>. Para muitos, após o advento da televisão, passamos a viver a “era<br />
do audiovisual”, na qual a imagem passa a ser supervalorizada.<br />
62
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Os primórdios da televisão remontam ao início do século XIX, com as transmissões <strong>de</strong> fotos<br />
por aparelhos <strong>de</strong> facsimile, técnica aperfeiçoada, sobretudo, para a transmissão <strong>de</strong> imagens<br />
jornalísticas à distância. A <strong>de</strong>scoberta da fotocondutivida<strong>de</strong> do selênio (1876) e a invenção<br />
do disco <strong>de</strong> Nipkow (1884) permitiram que vários países, como Estados Unidos, Japão, União<br />
Soviética, Inglaterra, França e Alemanha <strong>de</strong>senvolvessem, entre o final do século XIX e início<br />
do XX, pesquisas em laboratórios sobre a televisão eletromecânica.<br />
Entretanto, com o início da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), as pesquisas e os<br />
projetos para o lançamento da televisão ficam estagnados. As primeiras emissoras, assim como<br />
os primeiros aparelhos <strong>de</strong> televisão comercializados, com cerca <strong>de</strong> 40 linhas <strong>de</strong> resolução,<br />
surgem apenas em 1928. O dado curioso fica por conta da primeira imagem transmitida pela<br />
televisão: um boneco do gato Félix. A personagem foi escolhida por conta <strong>de</strong> seu contraste<br />
(branco e preto) e também pelo fato <strong>de</strong> ser uma imagem amplamente conhecida e <strong>de</strong> fácil<br />
i<strong>de</strong>ntificação. Para os mais supersticiosos, foi uma espécie <strong>de</strong> presságio do sucesso que a<br />
animação teria na nova mídia.<br />
Em 1936, as emissoras e aparelhos passam a trabalhar com o mo<strong>de</strong>lo eletrônico e, após<br />
outro período <strong>de</strong> estagnação, <strong>de</strong>sta vez por conta da Segunda Guerra Mundial (1939-1945),<br />
o novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> televisão se consolida e se <strong>de</strong>senvolve. Com um número muito maior <strong>de</strong><br />
linhas <strong>de</strong> resolução (525 ou 625, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo do sistema), a televisão eletrônica se populariza<br />
rapidamente, <strong>de</strong>sbancando o lugar do rádio como principal meio <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa.<br />
O fato <strong>de</strong> os Estados Unidos terem tido menos prejuízos com os conflitos mundiais e <strong>de</strong> não<br />
terem sofrido ataques em seu próprio território fez com que a economia do país se <strong>de</strong>senvolvesse<br />
sobremaneira no período do pós-guerra. É quando se firma o mo<strong>de</strong>lo do american way of<br />
life baseado, principalmente, na produção e no consumo <strong>de</strong> bens. Nessa esteira, a televisão<br />
surge como um território relativamente virgem para ser explorado. Transmissores, câmeras,<br />
monitores, equipamentos e profissionais diversos, ligados direta ou indiretamente ao setor,<br />
foram responsáveis pela criação <strong>de</strong> todo um mo<strong>de</strong>lo econômico baseado nesta nova mídia.<br />
Em seu “ano zero”, entretanto, os pioneiros da televisão tiveram gran<strong>de</strong>s dificulda<strong>de</strong>s em<br />
pensar uma linguagem própria - assim como normalmente ocorre também com outras mídias.<br />
Apesar <strong>de</strong> nesta mesma época o cinema já ter <strong>de</strong>senvolvido uma gramática mínima, a principal<br />
referência utilizada pela televisão foi o rádio – principal meio <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa nesta<br />
época. Não por acaso, a televisão era chamada inicialmente em muitos países pela alcunha <strong>de</strong><br />
“rádio com imagens”.<br />
Apesar da ausência <strong>de</strong> imagens, o rádio também é consi<strong>de</strong>rado uma mídia terciária, isto<br />
é, um meio <strong>de</strong> comunicação à distância. Além disso, rádio e televisão também tinham em<br />
comum o predomínio dos programas “ao vivo” em sua gra<strong>de</strong>, o que, por si só, assegura uma<br />
característica bastante distintiva em relação à sétima arte.<br />
No final dos anos 50 e início dos anos 60, a televisão se beneficia <strong>de</strong> dois avanços tecnológicos: o<br />
vi<strong>de</strong>otape e a transmissão em cores. Vale observar que o vi<strong>de</strong>otape, ou VT, garantiu não apenas maior<br />
dinamismo à produção televisiva, como também o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> programas que não seriam<br />
viáveis sem a presença <strong>de</strong>ste dispositivo tecnológico, que permite a gravação <strong>de</strong> sons e imagens para<br />
posterior edição e reprodução. Apesar <strong>de</strong>sta nova possibilida<strong>de</strong>, ainda hoje boa parte da programação<br />
63
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
televisiva, principalmente dos canais abertos, é ou possui fortes marcas ou resíduos dos programas ao<br />
vivo, provavelmente em função da maior facilida<strong>de</strong> e da economia <strong>de</strong> sua produção.<br />
Em relação à transmissão em cores, a televisão “tira o atraso” <strong>de</strong> quase três décadas em<br />
relação ao cinema, que já exibia com certa regularida<strong>de</strong> filmes coloridos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a década <strong>de</strong><br />
30. Com o mote “a vida é colorida”, a televisão passa a trabalhar melhor a questão do uso<br />
das cores em suas produções, o que representou um avanço expressivo em sua direção <strong>de</strong><br />
arte, sobretudo em áreas como as <strong>de</strong> figurino e cenografia. Assim, pouco a pouco, a televisão<br />
<strong>de</strong>senvolve e consolida gêneros, estéticas e gramaticas próprias, distintivas do cinema e dos<br />
<strong>de</strong>mais meios e formas <strong>de</strong> comunicação e expressão.<br />
A partir da segunda meta<strong>de</strong> do século passado, o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> televisão eletrônica foi sendo<br />
instalado nos <strong>de</strong>mais países <strong>de</strong> todo o mundo – processo que englobaria praticamente todos<br />
os países do planeta até o final do século XX. Assim como normalmente acontece a maioria<br />
das mídias, a televisão surge <strong>de</strong> forma elitista, restrita a uma camada financeiramente<br />
privilegiada da população em um dado país ou região, e acaba se popularizando, tornando-se<br />
posteriormente acessível para a gran<strong>de</strong> maioria <strong>de</strong>ssa população. Isso fez com que a televisão<br />
se transformasse na principal mídia da segunda meta<strong>de</strong> do século XX, ocupando em muitos<br />
países, como nos Estados Unidos e no Brasil, um papel <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>staque na vida social.<br />
Um importante autor que versou sobre a televisão foi Marshall McLuhan. Em seu terceiro<br />
livro, “Os Meios <strong>de</strong> Comunicação como Extensões do Homem”, <strong>de</strong> 1964, McLuhan i<strong>de</strong>ntifica<br />
o papel da tecnologia na socieda<strong>de</strong> contemporânea como uma extensão do próprio homem<br />
e afirma que a televisão exerce uma força sinestésica unificadora capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar a<br />
sensorialida<strong>de</strong> <strong>de</strong> diversos grupos sociais. O pensador cana<strong>de</strong>nse cunhou ainda, a partir <strong>de</strong> sua<br />
observação sobre o papel da televisão, o termo “al<strong>de</strong>ia global”, no qual as re<strong>de</strong>s eletrônicas e<br />
<strong>de</strong> telecomunicações tornariam as comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> todo o planeta muito mais próximas – fato<br />
consolidado pela disseminação da internet no século XXI.<br />
O autor classifica os meios <strong>de</strong> comunicação em duas categorias, a partir <strong>de</strong> uma terminologia<br />
que tomou emprestado do universo musical do jazz: quente (jazz clássico) e frio (cool jazz).<br />
Meio quente é aquele que em função <strong>de</strong> sua alta <strong>de</strong>finição e baixo ruído, exige pouco esforço<br />
para captação <strong>de</strong> uma mensagem, prolonga um único sentido e não <strong>de</strong>ixa espaços para serem<br />
preenchidos – como, por exemplo, a fotografia. Já o meio frio, como a televisão, possui baixa<br />
<strong>de</strong>finição, exige envolvimento e participação do <strong>de</strong>stinatário para completar as lacunas, uma<br />
vez que pouca informação é efetivamente fornecida. Neste sentido, um meio frio possibilita ao<br />
<strong>de</strong>stinatário uma participação maior e mais ativa do que a <strong>de</strong> um meio quente.<br />
Inúmeros outros estudos vêm sendo realizados <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a segunda meta<strong>de</strong> do século XX sobre os<br />
mais diversos aspectos da televisão. Po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>stacar, obe<strong>de</strong>cendo ao interesse <strong>de</strong>ste livro, duas<br />
gran<strong>de</strong>s vertentes: os estudos sociais e os estudos <strong>de</strong> linguagem. A primeira aborda os aspectos<br />
sociais da televisão com enfoque especial nos estudos da recepção, isto é, na influência <strong>de</strong>sta mídia<br />
na socieda<strong>de</strong> e em seus diversos impactos comportamentais. A presença massiva da televisão no<br />
cotidiano costuma ser interpretada a partir <strong>de</strong> efeitos consi<strong>de</strong>rados negativos ou positivos.<br />
Os efeitos negativos da televisão normalmente estão associados ao caráter pervasivo e<br />
ubíquo da mídia. Pervasivo, pois ten<strong>de</strong> a se espalhar e se fazer efetivamente presente em<br />
64
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
todos os lugares ao qual chega. A imagem <strong>de</strong> indígenas em ocas ou <strong>de</strong> uma família sentada<br />
em um sofá assistindo à televisão é bastante presente no imaginário contemporâneo e<br />
ilustra bem este caráter pervasivo do meio, inclusive em ambientes privados. A ubiquida<strong>de</strong>,<br />
por sua vez, é atribuída por sua onipresença, sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estar em diversos lugares<br />
concomitantemente. Destes dois aspectos associados surgem as maiores preocupações quanto<br />
ao po<strong>de</strong>r da televisão, seu discurso, sua i<strong>de</strong>ologia e a sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> eventualmente<br />
manipular gran<strong>de</strong>s contingentes <strong>de</strong> pessoas <strong>de</strong> uma única vez.<br />
A televisão também costuma ser acusada <strong>de</strong> restringir, em extensão e profundida<strong>de</strong>,<br />
<strong>de</strong>terminados temas e conteúdos, colaborando para uma visão simplificada e limitada da<br />
realida<strong>de</strong>. Além da superficialida<strong>de</strong>, os temas costumeiramente abordados são apontados<br />
como triviais, quando não banais e, em alguns casos, vulgares. Destarte, a superficialida<strong>de</strong> e<br />
a banalida<strong>de</strong> da televisão colaboram na “<strong>de</strong>seducação” do cidadão, transformando o sujeito<br />
em um ser limítrofe, alienado. Quando esta lógica é pensada em termos coletivos, tem-se<br />
a formação <strong>de</strong> um público homogeneizado e virtualmente mais fácil <strong>de</strong> ser manipulado por<br />
aqueles que efetivamente produzem o discurso do meio e que, portanto, <strong>de</strong>têm o po<strong>de</strong>r.<br />
Duas metáforas são comumente evocadas para tentar ilustrar o papel e a relação da televisão<br />
com a socieda<strong>de</strong>: a da janela e a do espelho. Entendida como janela, a televisão permite, quando<br />
aberta, revelar em seu interior um mundo novo, diferente daquele existente do lado <strong>de</strong> fora (ou <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>ntro) da janela. Enquanto espelho a televisão reflete sons e imagens <strong>de</strong> um mesmo mundo no qual<br />
ela também se encontra inserida. As metáforas são empregadas principalmente quando se procura<br />
enten<strong>de</strong>r prioritária ou exclusivamente normas e comportamentos sociais por meio <strong>de</strong> uma possível<br />
relação direta <strong>de</strong> influência e <strong>de</strong> causa-efeito entre televisão e socieda<strong>de</strong>, sem consi<strong>de</strong>rar outros<br />
elementos diversos <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m política, econômica e cultural. Apresenta-se assim, a partir <strong>de</strong> uma<br />
65
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
leitura negativa <strong>de</strong> ambas, um paradoxo ou mesmo um dilema <strong>de</strong> causalida<strong>de</strong>: a televisão é ruim por<br />
conta da socieda<strong>de</strong> na qual ela está inserida ou é a socieda<strong>de</strong> que é ruim por causa da televisão que<br />
possui? Quem influencia quem?<br />
Os efeitos positivos da televisão, por sua vez, são evocados a partir <strong>de</strong> uma visão instrumentalista<br />
do meio, isto é, a televisão não é por si só, boa ou má, ela simplesmente é um instrumento, uma<br />
ferramenta. Sua natureza é <strong>de</strong>terminada assim, pela utilização que se faz <strong>de</strong>la bem como pela motivação<br />
e intencionalida<strong>de</strong> das pessoas que <strong>de</strong>finem este uso. Desta forma, a partir dos mesmos po<strong>de</strong>res <strong>de</strong>sta<br />
mídia, seu potencial é utilizado para a transmissão <strong>de</strong> mensagens educativas ou edificantes, que<br />
colaboram positivamente no processo formativo <strong>de</strong> constituição do cidadão enquanto sujeito próprio,<br />
com autonomia <strong>de</strong> pensamento e que pertence, ao mesmo tempo, a uma coletivida<strong>de</strong>.<br />
Já os estudos sobre a linguagem da televisão buscam i<strong>de</strong>ntificar os signos presentes nesta<br />
mídia e compreen<strong>de</strong>r a dinâmica <strong>de</strong> seus sistemas, utilizada na criação <strong>de</strong> uma gramática<br />
própria. Neste sentido, <strong>de</strong>vemos consi<strong>de</strong>rar alguns aspectos históricos e culturais que<br />
influenciaram no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma linguagem intrínseca à televisão.<br />
Apesar <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> entusiasmo inicial em relação às potencialida<strong>de</strong>s do meio por parte <strong>de</strong> artistas e<br />
teóricos, a televisão foi, pouco a pouco, se distanciando da noção <strong>de</strong> uma nova forma elaborada <strong>de</strong> arte<br />
e expressão. Conforme afirma Machado (2000), se o interesse pela literatura, cinema ou por quaisquer<br />
outras formas sofisticadas <strong>de</strong> arte representam uma <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> “educação, refinamento e<br />
elevação do espírito”, o interesse pela televisão é entendida como “sintoma <strong>de</strong> ignorância, quando não<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>sequilíbrio mental”.<br />
Porém, conforme aponta o mesmo autor, afirmar que na televisão só exista banalida<strong>de</strong> é um<br />
“duplo equívoco”. Primeiro por dar a impressão <strong>de</strong> que as coisas sejam muito diferentes “fora da<br />
televisão”. A banalização é, infelizmente, um fenômeno observável em toda a Indústria Cultural<br />
e não apenas na televisão, diferenciando-se assim, noções como as <strong>de</strong> popular e popularesco,<br />
quantida<strong>de</strong> e qualida<strong>de</strong>. No cinema, por exemplo, os filmes mais assistidos não correspon<strong>de</strong>m aos<br />
filmes consi<strong>de</strong>rados pela crítica especializada como as obras mais significativas do meio, o mesmo<br />
ocorre com a literatura e seus best-sellers e assim por diante.<br />
66
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Em segundo lugar, mesmo que em menor número, é possível i<strong>de</strong>ntificar “vida inteligente”<br />
<strong>de</strong>ntro da televisão. A diferença em relação às outras mídias é a mudança <strong>de</strong> escala<br />
proporcionada pela televisão. Mesmo que uma pequena parcela dos programas exibidos<br />
atinja uma pequena porcentagem do público espectador, estamos falando <strong>de</strong> números muito<br />
maiores do que um trabalho <strong>de</strong> alta qualida<strong>de</strong> po<strong>de</strong>ria almejar em qualquer outra forma <strong>de</strong><br />
comunicação e expressão.<br />
Machado propõe, portanto, uma mudança <strong>de</strong> enfoque: ao invés <strong>de</strong> se enfatizar o que a televisão<br />
tem <strong>de</strong> pior, <strong>de</strong>slocar o foco para a “diferença iluminadora, aquela que faz expandir as possibilida<strong>de</strong>s<br />
expressivas <strong>de</strong>sse meio”. Para tanto, é preciso enten<strong>de</strong>r a televisão como um dispositivo audiovisual,<br />
isto é, olhar também “da tela para <strong>de</strong>ntro” e não apenas seus “impactos sociais”. É preciso, portanto,<br />
rever a falsa noção <strong>de</strong> que na televisão não existe nada além do banal ou do trivial. Em outras<br />
palavras, é fundamental analisar o conjunto <strong>de</strong> seus programas, o que permite enten<strong>de</strong>r a televisão<br />
como uma forma singular <strong>de</strong> comunicação e expressão “através da qual uma civilização po<strong>de</strong> exprimir<br />
a seus contemporâneos os seus próprios anseios e dúvidas, as suas crenças e <strong>de</strong>screnças, as suas<br />
inquietações, as suas <strong>de</strong>scobertas e os voos <strong>de</strong> sua imaginação”.<br />
Ao se conhecer um repertório expressivo fundamental <strong>de</strong> obras televisivas, ao invés<br />
<strong>de</strong> apenas aquilo que o meio tem <strong>de</strong> pior, o público espectador, assim como estudantes,<br />
pesquisadores, produtores, diretores e <strong>de</strong>mais profissionais teriam outro leque <strong>de</strong> referências,<br />
o que permitiria novas e diferenciadas abordagens do meio.<br />
67
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Esta abordagem valorativa da televisão remete ao conceito <strong>de</strong> quality television, surgido<br />
em meados dos anos 80 na Inglaterra. Ao se pensar a televisão a partir <strong>de</strong> uma perspectiva<br />
valorativa, questões acerca do conceito <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> se tornam cruciais. O mote é o <strong>de</strong> que o<br />
mo<strong>de</strong>lo industrial e a <strong>de</strong>manda comercial não necessariamente inviabilizam a produção <strong>de</strong> obras<br />
<strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> acentuada. Ao contrário, a arte não po<strong>de</strong> ser entendida <strong>de</strong> maneira dissociada<br />
<strong>de</strong> sua época, incluindo aí, seus recursos, tecnologias, mo<strong>de</strong>los sociais, culturais e econômicos<br />
vigentes. Não existe razão, portanto, para que a seleção das obras mais significativas para<br />
televisão tenha critérios essencialmente diferentes daqueles utilizados em outras áreas.<br />
Todavia, o conceito <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> se apresentar <strong>de</strong> forma ampla e genérica, suscetível<br />
a diferentes acepções ou entendimentos a partir <strong>de</strong> uma predisposição prévia. Nesse sentido,<br />
o pesquisador Geoff Mulgan (1990) enumera sete acepções possíveis para o termo qualida<strong>de</strong><br />
na televisão. A primeira acepção se refere a um conceito estritamente técnico, isto é, o<br />
uso apropriado dos recursos do meio, como fotografia, roteiro e interpretação, por exemplo.<br />
Uma segunda acepção refere-se à capacida<strong>de</strong> efetiva <strong>de</strong> um programa atingir com êxito seu<br />
público- alvo, isto é, sua audiência e, consequentemente, anunciantes. Desta maneira, um<br />
bom programa po<strong>de</strong> ser entendido como qualquer outro produto <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma lógica <strong>de</strong><br />
marketing. Qualida<strong>de</strong> também po<strong>de</strong> ser entendida como a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um programa ousar,<br />
inovar e romper com padrões preestabelecidos e paradigmas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado gênero,<br />
ampliando assim os horizontes estéticos e <strong>de</strong> linguagem. Uma quarta acepção possível engloba<br />
os aspectos educativos, pedagógicos e morais, ou seja, sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> transmitir mensagens<br />
e valores consi<strong>de</strong>rados socialmente edificantes. Próxima a esta acepção encontra-se outra, a<br />
noção <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> como a capacida<strong>de</strong> interativa <strong>de</strong> um programa gerar reflexão, interesse<br />
público, participação e mesmo mobilizações em torno <strong>de</strong> temas políticos e i<strong>de</strong>ológicos. A<br />
sexta acepção proposta por Mulgan diz que qualida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser entendida como a valorização<br />
das diferenças, das individualida<strong>de</strong>s e das minorias, normalmente excluídas ou abordadas<br />
<strong>de</strong> maneira distorcida pela gran<strong>de</strong> mídia. Por fim, uma última acepção do termo qualida<strong>de</strong><br />
diz respeito à diversida<strong>de</strong>, a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> abordar os aspectos plurais e multiculturais <strong>de</strong><br />
qualquer socieda<strong>de</strong>.<br />
A riqueza e a heterogeneida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stas acepções <strong>de</strong>vem ser entendidas não como um<br />
problema, mas sim como uma virtu<strong>de</strong> da televisão. Para o autor, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente das<br />
acepções utilizadas, a discussão sobre qualida<strong>de</strong> na televisão é não apenas fundamental como<br />
também imprescindível. Além disso, para o pesquisador inglês, quanto mais um programa<br />
conseguir combinar estas diversas acepções, maiores serão seus atributos. Em outras palavras,<br />
a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um programa resi<strong>de</strong> em sua capacida<strong>de</strong> singular <strong>de</strong> aglutinar a maior quantida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>s possível.<br />
Por fim, não <strong>de</strong>vemos esquecer-nos <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar as três formas <strong>de</strong> edição possíveis na<br />
televisão: a da emissora (ao <strong>de</strong>finir a gra<strong>de</strong> <strong>de</strong> programação e as inserções comerciais), a do<br />
programa (por meio da escolha <strong>de</strong> enquadramentos, montagem das cenas e ritmo <strong>de</strong> edição)<br />
e a do espectador (a partir da própria maneira como assiste ao programa, incluindo aí o efeito<br />
<strong>de</strong> mudar <strong>de</strong> canais, conhecido como zapping, estimulado após o advento do controle remoto<br />
na meta<strong>de</strong> da década <strong>de</strong> 50 e popularizado a partir da <strong>de</strong> 70).<br />
Como qualquer outro produto cultural, a televisão acompanha as mudanças e<br />
transformações culturais e sociais <strong>de</strong> maneira inerente e dinâmica, uma vez que ela própria<br />
68
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
se encontra inserida nesta mesma socieda<strong>de</strong>. Desta maneira, novos gêneros, abordagens e<br />
linguagens surgiram <strong>de</strong> forma intrínseca ao próprio <strong>de</strong>senvolvimento da televisão – ainda que<br />
certos paradigmas permaneçam imutáveis.<br />
Tecnologicamente, o mo<strong>de</strong>lo eletrônico permanece, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a década <strong>de</strong> 60 até os dias<br />
atuais (após o advento da transmissão em cores e do vi<strong>de</strong>otape), sem alterações estruturais<br />
expressivas. Entretanto, atualmente estamos passando por um período <strong>de</strong> transição para um<br />
novo paradigma do meio: o mo<strong>de</strong>lo digital <strong>de</strong> televisão.<br />
Vivemos hoje, portanto, um novo e importante momento <strong>de</strong> transformações nesta mídia,<br />
com a mudança do mo<strong>de</strong>lo eletrônico para o digital. Mais do que alterações na resolução do<br />
som e da imagem ou na proporção da tela, a televisão digital representa a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
uma profunda mudança estrutural e conceitual do próprio meio, que instiga novas reflexões<br />
e projeções para o futuro <strong>de</strong>sta mídia – as quais serão discutidas melhor no final <strong>de</strong>ste livro,<br />
junto com as <strong>de</strong>mais perspectivas para o futuro da animação.<br />
69
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
70
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
71
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
2.2<br />
história das séries<br />
<strong>de</strong> animação para televisão<br />
2.2 História das Séries <strong>de</strong> Animação para Televisão<br />
Para Jason Mittell, as séries <strong>de</strong> animação na televisão (conhecidas no Brasil como <strong>de</strong>senhos<br />
animados), constituem um gênero próprio <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sta mídia audiovisual. Para o pesquisador<br />
americano, o principal fator <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição da especificida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste gênero é, mais do que qualquer<br />
fator artístico ou estético, a presença <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo centrado na produção. Nesse sentido, o<br />
papel da indústria da animação foi fundamental para a criação e a efetiva consolidação dos<br />
<strong>de</strong>senhos animados em todo o mundo.<br />
Historiadores da televisão mencionam o fato <strong>de</strong> que, em 1929, a primeira imagem<br />
transmitida à distância sem fios, pelo canal 4 (W2XBS), filial da NBC em Nova Iorque, foi a<br />
<strong>de</strong> um boneco em papel machê do Gato Félix. A escolha da mascote teria se dado, como<br />
vimos anteriormente, pelo fato <strong>de</strong> ser uma imagem popular e <strong>de</strong> fácil reconhecimento em um<br />
dispositivo que possuía, naquela época, apenas 40 linhas <strong>de</strong> resolução.<br />
Dez anos após essa transmissão experimental, em 1939, o mesmo canal (W2XBS) exibe a<br />
primeira animação produzida exclusivamente para a televisão, “Willie, the Worm”, dirigida<br />
pelo animador da Disney Chad Grothkopf. Tratou-se, porém, <strong>de</strong> uma espécie <strong>de</strong> curta-metragem<br />
baseado em um poema infantil, exibido <strong>de</strong> forma isolada e não seriada.<br />
Em seus anos iniciais, a televisão não produziu novas animações, apenas reprisou séries e<br />
episódios já exibidos no cinema (theatrical). Apesar <strong>de</strong> não haver uma duração específica, os<br />
episódios das séries <strong>de</strong> animação no cinema possuíam em média seis ou sete minutos. Ao serem<br />
exibidos na televisão, eram agrupados e apresentados <strong>de</strong>ntro da gra<strong>de</strong> da emissora em um programa<br />
conduzido por um apresentador – formato ainda comum em muitos programas infantis.<br />
O reaproveitamento dos theatricals (ready ma<strong>de</strong>) aconteceu por alguns fatores históricos<br />
distintos. Em primeiro lugar, o enorme volume <strong>de</strong> produção animada acumulado no cinema <strong>de</strong>u<br />
72
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
uma falsa impressão <strong>de</strong> “recurso inesgotável”. Essa visão mais imediatista fez com que muitas<br />
emissoras e produtores não julgassem necessário produzir novos conteúdos, apenas escolher<br />
entre os já existentes.<br />
Em segundo lugar, com o início da crise da exibição das séries <strong>de</strong> animação no cinema<br />
em função da consolidação do longa-metragem, o custo para compra <strong>de</strong>stes episódios caiu<br />
drasticamente, tornando assim muito mais vantajoso financeiramente para as emissoras<br />
comprar os theatricals do que efetivamente produzi-los. Além disso, o valor <strong>de</strong> uma animação<br />
inédita na época podia custar até 16 vezes mais do que o custo <strong>de</strong> um programa em live action<br />
com o mesmo tempo produzido para televisão.<br />
Outro fator que po<strong>de</strong>mos apontar para o reaproveitamento dos theatricals foi a notória ação<br />
da Suprema Corte norte-americana <strong>de</strong> 1949 contra o “block booking”. Nesta ação do Estado, foi<br />
quebrado o monopólio dos principais estúdios <strong>de</strong> cinema, que praticamente obrigavam as salas<br />
<strong>de</strong> projeção a exibir as suas produções “B” e “C” em troca da cessão <strong>de</strong> seus melhores filmes<br />
(“A”). Além <strong>de</strong> favorecer os gran<strong>de</strong>s estúdios, essa prática também inviabilizava a veiculação<br />
<strong>de</strong> produções menores, que não tinham qualquer janela <strong>de</strong> exibição fora do chamado circuito<br />
“in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte” ou “alternativo”. Destarte, os gran<strong>de</strong>s estúdios acabaram expandindo seus<br />
negócios para a televisão, adquirindo e <strong>de</strong>pois comercializando, por exemplo, os antigos<br />
theatricals com as re<strong>de</strong>s (nacionais) e emissoras (regionais) <strong>de</strong> televisão.<br />
73
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Mittell observa um fenômeno curioso na migração <strong>de</strong>stas séries <strong>de</strong> animação do<br />
cinema para a televisão: enquanto no cinema eram assistidas por um público diverso, mas<br />
predominantemente adulto, na televisão estas mesmas séries passaram a ser assistidas quase<br />
que exclusivamente pelo público infantil. Tal perspectiva se manifestou <strong>de</strong> maneira tão forte<br />
que ainda hoje é possível encontrar disseminada a falsa noção <strong>de</strong> que <strong>de</strong>senho animado é<br />
sinônimo <strong>de</strong> entretenimento infantil. Apesar <strong>de</strong> não haver uma única explicação consensual<br />
capaz <strong>de</strong> justificar este fenômeno, po<strong>de</strong>mos apontar as diferenças características fundamentais<br />
entre estas duas mídias como uma <strong>de</strong> suas possíveis causas.<br />
Po<strong>de</strong>mos também atribuir parcialmente esta mudança <strong>de</strong> público à censura que muitas<br />
das animações sofreram por parte da Fe<strong>de</strong>ral Communications Commission (FCC), órgão<br />
responsável pela regulamentação e classificação do conteúdo veiculado na mídia norteamericana,<br />
com atuação marcante a partir da década <strong>de</strong> 40. Diversos episódios ou seus trechos<br />
consi<strong>de</strong>rados ofensivos ou inapropriados foram banidos ou reformulados. Em outras palavras,<br />
a aparição ou menção à violência, humor negro, cigarros, bebidas alcoólicas, armas, erotismo<br />
e qualquer conteúdo “suspeito” era censurado sob a rubrica <strong>de</strong> proteção às crianças. Assim,<br />
inúmeros episódios acabaram sendo excluídos ou mesmo modificados, restringindo o escopo do<br />
material efetivamente exibido na televisão.<br />
Com o aperfeiçoamento das técnicas <strong>de</strong> animação limitada, inicia-se timidamente a produção <strong>de</strong><br />
novas séries específicas para a televisão (cartoons), todavia relegadas ao público infantil. Os episódios<br />
eram exibidos principalmente no horário do sábado <strong>de</strong> manhã, consi<strong>de</strong>rado pelos anunciantes e pelas<br />
próprias emissoras como um horário inexpressivo comercialmente e <strong>de</strong>stinado às crianças. Assim, os<br />
<strong>de</strong>senhos animados foram inicialmente um tipo <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> baixo orçamento, marginalizada pela<br />
crítica, pelos anunciantes e até mesmo pelas próprias emissoras.<br />
O gran<strong>de</strong> precursor das séries <strong>de</strong> animação para a televisão foi o produtor Jerry Fairbanks.<br />
Ele criou a “janela” do horário <strong>de</strong> sábado <strong>de</strong> manhã para programas infantis – horário até<br />
então abandonado pelas emissoras – e produziu, em 1949, o piloto <strong>de</strong> uma das primeiras<br />
séries pensada exclusivamente para televisão, “Crusa<strong>de</strong>r Rabbit”. A série, dirigida pelo<br />
animador Alex An<strong>de</strong>rson, que havia trabalhado anteriormente no Terrytoons Studios, teve<br />
195 episódios produzidos. O enredo girava em torno das aventuras <strong>de</strong> um coelho cavaleiro<br />
e era visualmente consi<strong>de</strong>rada como uma espécie <strong>de</strong> animatic, com poucos movimentos ou<br />
sequências efetivamente animadas. Fairbanks foi responsável ainda pela comercialização,<br />
durante os anos 50 e 60, <strong>de</strong> inúmeras séries <strong>de</strong> animação diretamente para emissoras locais<br />
em todos os Estados Unidos.<br />
Outro <strong>de</strong>senho animado apontado como precursor foi “Tele-Comics”, uma produção da Vallee<br />
Vi<strong>de</strong>o <strong>de</strong> 1949, também exibida em canais regionais. A série foi posteriormente comprada pela<br />
NBC e rebatizada, no ano seguinte, para “NBC Comics”. Os episódios apresentavam histórias<br />
<strong>de</strong> aventura com imagens estáticas (ou com ligeiros movimentos), dubladas por atores <strong>de</strong><br />
rádio, uma espécie <strong>de</strong> “rádio ilustrado” que garantia certa dinâmica narrativa.<br />
Uma terceira série foi exibida em caráter experimental, em um programa local veiculado na<br />
WNBT-TV <strong>de</strong> Nova York, também em 1949: “The Adventures of Pow Wow”. Produzida pela Tempe-<br />
Toons e dirigida pelo animador Tom Baron, a série tinha como personagens principais o pequeno<br />
índio Pow Wow, uma amiga índia e o sábio pajé que, juntos, buscavam salvar a floresta, os animais<br />
74
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
e a vida selvagem <strong>de</strong> diversos problemas. Sem uso <strong>de</strong> fala e com enredos baseados na mitologia e<br />
no folclore nativo norte-americano, a série foi consi<strong>de</strong>rada politicamente correta e obteve relativo<br />
sucesso entre o público infantil, tendo sido reprisada na re<strong>de</strong> CBS em 1956.<br />
“Crusa<strong>de</strong>r Rabbit”, “Tele-Comics”, “Tele-Comics”<br />
Estima-se que, no início da década <strong>de</strong> 50, apenas 9% dos domicílios nos Estados Unidos<br />
possuíam aparelhos <strong>de</strong> televisão. Como a verba publicitária <strong>de</strong>stinada à nova mídia era bastante<br />
restrita, o que limitava o orçamento das emissoras para novos programas que exigissem maior<br />
aporte financeiro, programas ao vivo e baseados no diálogo (fala) eram, portanto, o carro<br />
chefe da programação.<br />
Nos anos seguintes, apenas outras duas séries <strong>de</strong> animação foram produzidas para a<br />
televisão: “Jim and Judy in Teleland” (1949-1950) e “Winky Dink and You” (1953), este último<br />
reconhecido como o precursor do licenciamento em animação, uma vez que o programa servia<br />
para a venda <strong>de</strong> um kit (“Winky Dink Kit”) composto por papel, lápis colorido e crayons, que<br />
permitia às crianças interagirem com o programa por meio <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhos e pinturas.<br />
Em 1951, os estúdios Disney começam a produzir especiais <strong>de</strong> natal para a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> televisão<br />
ABC. Os especiais foram exibidos, por exigência do próprio Walt Disney, sem intervalos<br />
comerciais, apenas com a menção do patrocinador ao início e ao final dos programas. Pouco<br />
<strong>de</strong>pois, em 1954, interessado em uma aproximação com a re<strong>de</strong> ABC para a construção <strong>de</strong><br />
seu parque temático, o estúdio estreia nessa mesma emissora “Disneyland”. Esse programa<br />
era apresentado por Walt Disney em pessoa e exibia materiais (animados e em live action)<br />
pertencentes ao acervo do estúdio, aproveitando assim também os antigos theatricals.<br />
O programa semanal <strong>de</strong> uma hora <strong>de</strong> duração foi exibido praticamente <strong>de</strong> forma ininterrupta<br />
em horário nobre, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua estreia, em diferentes emissoras (ABC, 1954-1960; NBC 1961-<br />
1980; CBS 1981-1983; ABC 1985-1988; NBC 1988-1990; Disney Channel 1990-1996; ABC 1997-<br />
2008). Rebatizado posteriormente como “The Won<strong>de</strong>rful World of Disney” (“O Maravilhoso<br />
Mundo <strong>de</strong> Disney”), a série, que teve seu último programa inédito exibido na véspera do natal<br />
<strong>de</strong> 2008 e que ainda é reprisada em alguns países, é o segundo programa mais duradouro <strong>de</strong><br />
toda a história da televisão, com 52 temporadas e cerca <strong>de</strong> 1300 episódios.<br />
Segundo o pesquisador <strong>de</strong> cartoons Hal Erickson, “Disneyland” foi a primeira série a<br />
promover a animação em horário nobre na televisão e também a aten<strong>de</strong>r todos os grupos<br />
<strong>de</strong>mográficos, sendo consi<strong>de</strong>rada, à época, o quarto programa favorito do público nos Estados<br />
Unidos, logo atrás do tradicional “Ed Sullivan Show”.<br />
75
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
“Winky Dink and You”, “Jim and Judy in Teleland”<br />
A participação <strong>de</strong> Walt Disney na televisão, mídia a qual havia <strong>de</strong>clarado antipatia<br />
e recusado ofertas prévias, causou alvoroço no meio. Para competir com “Disneyland”, a<br />
CBS contratou Paul Terry para dirigir, em 1953, “Barker Bill’s Cartoon Show”, programa que<br />
tinha como apresentador um corpulento chefão <strong>de</strong> circo que anunciava animações antigas da<br />
Terrytoons, como “Farmer Al Fafa” e “Kiko, the Kangaroo”. O sucesso da série, exibida duas<br />
vezes por semana, levou a CBS a comprar todo o acervo <strong>de</strong> 40 anos do estúdio Terrytoons, com<br />
cerca <strong>de</strong> 1.000 animações. Posteriormente, em 1955, a emissora acabou por comprar o próprio<br />
estúdio, que se tornou assim uma divisão da CBS responsável pela produção <strong>de</strong> animações da<br />
emissora durante muito tempo.<br />
Todavia, na meta<strong>de</strong> da década <strong>de</strong> 50, as principais animações exibidas na televisão eram,<br />
em sua quase totalida<strong>de</strong>, frutos do reaproveitamento <strong>de</strong> antigos theatricals que haviam sido<br />
adquiridos por empresas que os revendiam diretamente para diferentes re<strong>de</strong>s ou emissoras -<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que não coincidisse a exibição <strong>de</strong> uma mesma série em uma região comum.<br />
“Barker Bill’s Cartoon Show”, “The Won<strong>de</strong>rful World of Disney”<br />
Uma das exceções <strong>de</strong>ste período foi “The Mighty Mouse” (“Super Mouse”), série que foi<br />
originalmente pensada para parodiar o Super-Homem e que acabou tendo sucesso muito maior<br />
quando reeditada na televisão do que quando exibida pela primeira vez no cinema. O super-<br />
76
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
herói camundongo <strong>de</strong> formas antropomórficas, criado por Izzi Klein, fez enorme sucesso,<br />
principalmente junto ao público infantil.<br />
“The Mighty Mouse”, “The Mickey Mouse Club”<br />
Disney e Terrytoons produziam, eventualmente, algumas novas animações para a televisão<br />
Entretanto, a base permanecia “ready ma<strong>de</strong>”, pois, como afirmamos anteriormente, não havia<br />
a percepção da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> novas produções; os <strong>de</strong>senhos animados ainda eram vistos<br />
como um gênero menor, <strong>de</strong> audiência específica e restrita aos horários menos prestigiados das<br />
emissoras, não justificando, portanto, qualquer tipo <strong>de</strong> gasto ou investimento.<br />
Em 1955, a então pequena empresa <strong>de</strong> brinquedos Mattel resolve, em uma iniciativa<br />
arrojada, investir toda sua verba publicitária no patrocínio <strong>de</strong> um ano do programa “The<br />
Mickey Mouse Club”, exibido na re<strong>de</strong> <strong>de</strong> televisão ABC. O carro chefe <strong>de</strong>sta ação foram<br />
dois brinquedos: a “Mattel’s Burp Gun”, direcionado para os meninos, e a boneca “Barbie”,<br />
direcionada para as meninas. O sucesso sem prece<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong>sta ação fez com que outras<br />
empresas <strong>de</strong> brinquedos e produtos <strong>de</strong>stinados ao público infantil, como cereais matinais, por<br />
exemplo, fizessem o mesmo.<br />
A partir do interesse das empresas, outras emissoras também abriram sua programação no horário<br />
do sábado <strong>de</strong> manhã para novas séries <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhos animados. Apesar da audiência <strong>de</strong>ste horário ser<br />
menor do que a do horário vespertino durante a semana, o anunciante tinha a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
atingir diretamente o seu nicho, tornando assim o custo do investimento mais vantajoso.<br />
No ano seguinte, em 1956, a re<strong>de</strong> americana CBS exibiu um programa <strong>de</strong> meia hora, com<br />
<strong>de</strong>senhos animados da UPA, intitulado “Gerald McBoing-Boing Show”. O programa, exibido em<br />
horário nobre, apresentava episódios <strong>de</strong> novas séries como “Dusty of the Circus”, “Twirlinger<br />
Twins” e “Punch and Judy”, além do próprio “Gerald McBoing-Boing”. O objetivo era rivalizar<br />
com “Mickey Mouse Club”, programa da Disney na ABC, produzindo mais animações por um<br />
custo menor. Apesar da gran<strong>de</strong> audiência, “Gerald McBoing-Boing Show” foi retirado do ar no<br />
ano seguinte, sob pretexto <strong>de</strong> alto custo <strong>de</strong> produção alegado pela emissora.<br />
Com a direção <strong>de</strong> Stephen Bosustow, um dos fundadores da UPA, o estúdio retira-se<br />
<strong>de</strong>finitivamente do cinema em 1959, após produzir cerca <strong>de</strong> 600 animações. Apesar <strong>de</strong> seu<br />
77
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
sucesso com os antigos theatricals, o estúdio não conseguiu reeditar o mesmo <strong>de</strong>sempenho<br />
na televisão. A UPA sofreu gran<strong>de</strong> pressão do comitê <strong>de</strong> investigação anticomunista norteamericano<br />
(“The House Un-American Activities Committee”) 5 , que investigou seus roteiristas<br />
Bill Scott e Phil Eastman e forçou a <strong>de</strong>missão <strong>de</strong> um <strong>de</strong> seus mais talentosos animadores, John<br />
Hubley. Além do aspecto emocional, o fato abalou também a base criativa do estúdio, que<br />
iniciou seu processo <strong>de</strong> crise financeira.<br />
Em 1957, a ABC convida Walter Lantz para produzir novos episódios exclusivos para a<br />
televisão <strong>de</strong> sua série “The Woody Woodpecker” (Pica Pau), que foi exibida na emissora até<br />
1960. Posteriormente, a série foi reeditada na NBC (1970-1972) e é esporadicamente reprisada<br />
com gran<strong>de</strong> sucesso em todo o mundo, a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> críticas quanto ao comportamento da<br />
protagonista, da presença <strong>de</strong> personagens estereotipadas e <strong>de</strong> certo humor negro.<br />
“The Woody Woodpecker”, “Gerald McBoing-Boing Show”<br />
Em 1958, o produtor Joe Oriolo tenta reeditar na televisão o sucesso do gato Félix,<br />
buscando uma atualização da série com algumas mudanças no enredo e a introdução <strong>de</strong> novas<br />
personagens à trama. A série, exibida na CBS entre os anos <strong>de</strong> 1958 e 1961, não consegue,<br />
entretanto, nem <strong>de</strong> perto repetir o êxito obtido anteriormente no cinema.<br />
Neste mesmo ano, a MGM (Metro-Goldwyn-Meyer Studios Inc.), que havia hesitado em<br />
produzir para a televisão, fecha seu <strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> animação para cinema e, entre os seus<br />
funcionários <strong>de</strong>sligados, estavam os experientes animadores William Hanna e Joseph Barbera.<br />
Os dois trabalhavam no estúdio <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a década <strong>de</strong> 30 e juntos haviam ganhado sete Aca<strong>de</strong>my<br />
Awards, sendo responsáveis, entre outros projetos, pelas séries “Tom e Jerry” e “Droopy”.<br />
Em parceria com a Columbia Pictures, sócia em 20% do capital da nova empresa, Hanna e<br />
Barbera fundam a H-B Enterprises, renomeada para Hanna-Barbera Productions em 1959. Nesta<br />
nova empreitada, o estúdio ajudou a formar novos profissionais e contou com uma gran<strong>de</strong><br />
equipe <strong>de</strong> animadores, composta por nomes como Carlo Vinci, Kenneth Muse, Lewis Marshall,<br />
Michel Lah e Ed Barge. O primeiro projeto estreou no final <strong>de</strong> 1957: “The Ruff and Reddy<br />
Show” (“Jambo e Ruivão”), uma série em que Ruff (Jambo), um gato, tem como amigo Reddy<br />
5. Além da UPA, diversos artistas, profissionais e empresas das áreas das artes, da comunicação e da cultura<br />
foram perseguidos e sofreram censuras e outras dificulda<strong>de</strong>s criadas pelo comitê, que tinha como objetivo<br />
principal livrar a América (os Estados Unidos) da ameaça comunista.<br />
78
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
(Ruivão), um cão. A primeira série <strong>de</strong> Hanna e Barbera para a televisão teve boa acolhida, o<br />
que permitiu que a dupla <strong>de</strong>senvolvesse um novo projeto no ano seguinte.<br />
Assim, em 1958, a Hanna Barbera produz “Huckleberry Hound Show” (“Dom Pixote”), que tinha<br />
como principal atração o <strong>de</strong>senho animado, inspirado nas aventuras da célebre personagem Tom Sawyer,<br />
presente em diversas obras do escritor Mark Twain. A série tinha como protagonista um cachorro azul<br />
com sotaque caipira e que cantarolava constantemente a canção “Oh, Querida Clementina”.<br />
Outro <strong>de</strong>senho animado exibido no programa era “Pixie & Dixie and Mr. Jinks” (Plic, Ploc<br />
& Chuvisco), série que trazia o gato Chuvisco contra os ratos Plic e Ploc, em um ambiente<br />
doméstico. Apesar da inevitável comparação com “Tom & Jerry”, esta série tinha uma<br />
atmosfera mais tranquila, uma vez que Chuvisco era menos violento do que Tom - ainda que<br />
alguns o consi<strong>de</strong>rassem mais sinistro do que o outro gato.<br />
“Huckleberry Hound Show” (Dom Pixote) fez gran<strong>de</strong> sucesso e tinha, segundo pesquisas da<br />
época, 40% <strong>de</strong> seu público formado por adultos. Era o início da produção <strong>de</strong> animações com apelo<br />
intergeracional, capazes <strong>de</strong> atingir igualmente crianças e adultos, público <strong>de</strong>signado em língua<br />
inglesa pelo termo “kidult”. Uma das fórmulas para esse feito era a própria estrutura das animações<br />
da Hanna Barbera, que apresentava <strong>de</strong> forma implícita e figurada questões contemporâneas por meio<br />
<strong>de</strong> um visual infantil, com áudio (sobretudo trilha sonora e diálogos) mais adulto.<br />
Com “The Ruff and Reddy Show” (Jambo e Ruivão) e “Huckleberry Hound” (Dom Pixote), o então<br />
recém-formado estúdio Hanna-Barbera <strong>de</strong>finiu as bases <strong>de</strong> um novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> séries<br />
<strong>de</strong> animação para a televisão norte-americana, baseada nos mol<strong>de</strong>s da animação limitada e que<br />
conseguia atingir simultaneamente tanto o público infantil quanto o adulto (kidult).<br />
79
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
“Huckleberry Hound Show”, “The Ruff and Reddy Show”<br />
Na esteira do sucesso <strong>de</strong>ssas experiências da Hanna-Barbera, o produtor pioneiro do<br />
<strong>de</strong>senho animado na televisão Jay Ward, lança as séries “Rocky and His Friends” e “The<br />
Bullwinkle Show” em 1959. Posteriormente ambas fundiram-se numa mesma série chamada<br />
“The Rocky and Bullwinkle Show” (“As Aventuras <strong>de</strong> Rocky and Bullwinkle”) – exibida no Brasil<br />
pela Re<strong>de</strong> Globo no final dos anos 90. Com personagens tolos, roteiros absurdos e recursos <strong>de</strong><br />
linguagem como trocadilhos, duplo sentido e sátiras, a série tinha como protagonistas Rocky<br />
(Dentinho), um esquilo voador e a morsa Bullwinkle (Alceu).<br />
Rocky possuía uma personalida<strong>de</strong> ingênua, honesta e representava o cérebro da dupla.<br />
Bullwinkle por sua vez era moralista, ainda que bem intencionado, otimista e persistente,<br />
porém um tanto quanto estúpido – o que gerava diversas situações cômicas na série. Juntos,<br />
os dois tinham que superar os malvados planos dos antagonistas Mr. Big e Fearless Lea<strong>de</strong>r<br />
(Temerário Lí<strong>de</strong>r), que contavam com o apoio <strong>de</strong> Boris Godunov e da femme fatale Natasha<br />
Fatale, agentes do país fictício <strong>de</strong> Pottsylvania – uma nítida paródia ao contexto da Guerra Fria<br />
do final dos anos 50 e início dos 60.<br />
“Pixie & Dixie and Mr. Jinks”, “The Rocky and Bullwinkle Show”<br />
Um recurso curioso utilizado em “The Rocky and Bullwinkle Show” era a presença <strong>de</strong><br />
quadros específicos <strong>de</strong>ntro do programa, como “O Senhor Sabe Tudo”, no qual Bullwinkle<br />
tentava ensinar ao telespectador uma lição <strong>de</strong> moral, mas acabava sempre se atrapalhando e<br />
dizendo coisas sem sentido. Em 2000, foi lançado um filme em live action baseado nesta série<br />
<strong>de</strong> televisão, porém, sem gran<strong>de</strong> repercussão.<br />
80
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Ainda em 1959, a Hanna Barbera lança outro programa contendo séries apreciadas por crianças e<br />
adultos, “The Quick Draw McGraw Show” (“O Show do Pepe Legal”). No programa, além da série que<br />
contava as aventuras <strong>de</strong> um cavalo antropomórfico homônimo, eram exibidos episódios <strong>de</strong> “Augie Doggie<br />
and Doggie Daddy” (“Bob Pai e Bob Filho”) e <strong>de</strong> “Snooper and Blabber” (“Olho Vivo e Faro Fino”).<br />
Outras séries animadas foram produzidas exclusivamente para televisão por estúdios menores nos<br />
anos 50 e, em alguns casos, foram exibidas apenas em um circuito local ou regional. Entre estas séries,<br />
po<strong>de</strong>mos mencionar: “Tom Terrific” (Terrytoons, 1957-59), “Deputy Dawg” (Terrytoons, 1957-72),<br />
“Spunky and Tadpole” (Beverly Hills Productions, 1958-61), “Capt’n Sailorbird” (Magic Screen Pictures,<br />
1959), “Bucky and Pepito” (Trans-Artists Productions, 1959), “Matty’s Funday Funnies” (Famous<br />
Studios, 1959-61) e “Clutch Cargo” (Cambria productions, 1959). Esta última inaugurou (e praticamente<br />
sepulcrou) a técnica conhecida como syncro-vox, que consiste na utilização da imagem filmada ou<br />
gravada da boca do dublador no lugar da boca da personagem animada, técnica esta consi<strong>de</strong>rada um<br />
exemplo extremo <strong>de</strong> economia do custo <strong>de</strong> produção.<br />
Devemos <strong>de</strong>stacar mais duas séries produzidas fora do eixo dos principais estúdios da época, mas<br />
que tiveram algum reconhecimento posterior. A primeira <strong>de</strong>las foi “Colonel Bleep” (Soundac, 1957),<br />
consi<strong>de</strong>rada a primeira série <strong>de</strong> animação colorida na história da televisão. Criada por Robert D.<br />
Buchanan e dirigida pelo animador Jack Schleh, foi exibida e reprisada até meados dos anos 70. Na<br />
série, o protagonista Coronel Bleep viaja pelo tempo (para o passado e para o futuro) e pelo espaço<br />
si<strong>de</strong>ral, procurando livrar o universo das ameaças do sombrio Dr. Destructo. Para ajudar em sua missão,<br />
Bleep conta com a ajuda <strong>de</strong> dois terráqueos <strong>de</strong> épocas diferentes: Squeek, um menino dos anos 50<br />
caracterizado <strong>de</strong> cowboy e Scratch, um forte e musculoso homem das cavernas. Por suas histórias<br />
inusitadas e seu visual arrojado, a série influenciou alguns futuros animadores, como John Kricfalusi –<br />
criador da série “Ren & Stimpy” nos anos 90.<br />
Outra série diferenciada produzida nos anos 50 foi “Gumby” (1957-1988), provavelmente a<br />
primeira e uma das poucas séries para televisão realizadas com a técnica <strong>de</strong> stop motion. A série, que<br />
utilizava “massinha” (clay), foi inicialmente pensada por Art Clokey em 1953, a partir <strong>de</strong> seu curtametragem<br />
<strong>de</strong> animação “Gumbasia”, realizado como trabalho <strong>de</strong> conclusão <strong>de</strong> curso orientado pelo<br />
artista sérvio Slayko Vorkapić na University of South California. “Gumby” tinha como personagens o<br />
protagonista Gumby (um boneco inspirado nos biscoitos mo<strong>de</strong>lados em forma humana conhecidos<br />
como gingerbreads), seu amigo Pokey (um pônei falante), The Blockheads (um par <strong>de</strong> bonecos<br />
vermelhos <strong>de</strong> cabeça quadrada), Nopey (o cachorro <strong>de</strong> Gumby que respon<strong>de</strong> a tudo com um sóbrio<br />
“não”) e Prickle (um dinossauro amarelo que encarna o papel <strong>de</strong> <strong>de</strong>tetive a la Sherlock Homes).<br />
“Clutch Cargo”, “The Quick Draw McGraw Show”, “Gumby”<br />
81
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Se a década <strong>de</strong> 40 viu o início da produção <strong>de</strong> séries <strong>de</strong> animação para a televisão com<br />
apenas quatro produções (“Crusa<strong>de</strong>r Rabbit”, “Tele-Comics”, “The Advetures of Pow Wow”<br />
e “Jim and Judy in Teleland”), a década <strong>de</strong> 50 se encerra com um total <strong>de</strong> 25 novas séries,<br />
cerca <strong>de</strong> seis vezes mais do que o total produzido na década anterior. Esta base <strong>de</strong> produção<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>senhos animados criada no final dos anos 50 fez com que houvesse uma “corrida pelo<br />
ouro” na década seguinte.<br />
Esse afã atingiu não só os envolvidos na produção <strong>de</strong> séries <strong>de</strong> animação, como também o<br />
mercado publicitário, que passou a produzir uma quantida<strong>de</strong> cada vez maior <strong>de</strong> animações em<br />
suas propagandas na televisão – fato que colaborou com a renda e a receita <strong>de</strong> muitos animadores<br />
e estúdios. O cenário foi favorecido também pela gran<strong>de</strong> oferta <strong>de</strong> animadores disponíveis no<br />
mercado, uma vez que estes haviam sido dispensados dos gran<strong>de</strong>s estúdios <strong>de</strong> animação para<br />
cinema – a exemplo do ocorrido com os próprios William Hanna e Joseph Barbera.<br />
Com a popularização dos programas em cores no início dos anos 60, os antigos theatrical<br />
em preto e branco <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> ser exibidos na televisão, restringindo a oferta dos “ready ma<strong>de</strong>” –<br />
vale lembrar que uma boa parte dos theatricals era em preto e branco. Com isso, forçou-se<br />
a produção <strong>de</strong> novas animações coloridas, que tinham, nessa época, como principal janela<br />
<strong>de</strong> exibição a televisão. Temos aqui mais um exemplo <strong>de</strong> como os elementos tecnológicos<br />
influenciaram na dinâmica <strong>de</strong> produção da animação ao longo <strong>de</strong> sua história.<br />
A partir do sucesso <strong>de</strong> suas séries lançadas no final da década <strong>de</strong> 50, a Hanna-Barbera<br />
amplia sua capacida<strong>de</strong> produtiva e passa a contar com novos talentos em sua equipe, como os<br />
roteiristas Michael Maltese e Warren Foster. Esta estrutura proporcionou a criação, em 1960, da<br />
série <strong>de</strong> animação <strong>de</strong> maior sucesso na história da televisão até então: “The Flintstones” (“Os<br />
Flintstones”). A série, ambientada na Ida<strong>de</strong> da Pedra, mostrava o cotidiano <strong>de</strong> duas famílias<br />
trabalhadoras vizinhas em um subúrbio (bairro periférico) da cida<strong>de</strong> fictícia <strong>de</strong> Bedrock. “The<br />
Flintstones” foi inspirada por uma sitcom (comédia <strong>de</strong> situação) bastante popular na televisão<br />
da época, “The Honeymooners”, e também pela série <strong>de</strong> animação para cinema “Stone Age<br />
Cartoons”, dirigida por Dave Fleischer e distribuída pela Paramount Pictures nos anos 40.<br />
“The Flintstones” foi, provavelmente, a primeira série <strong>de</strong> animação estruturada como<br />
uma sitcom, apresentando enredos domésticos, cenários suburbanos, situações artificiais<br />
(forçadas), humor óbvio e, até mesmo, a inserção sonora <strong>de</strong> efeitos <strong>de</strong> risadas (laugh track).<br />
Com 22 minutos <strong>de</strong> duração por episódio, a série permaneceu sendo exibida por seis anos com<br />
gran<strong>de</strong> sucesso durante o horário nobre.<br />
Nesta visão fantasiosa do passado, os homens da caverna conviviam com animais préhistóricos,<br />
como tigres <strong>de</strong>ntre <strong>de</strong> sabre e dinossauros, e possuíam um estilo <strong>de</strong> vida<br />
contemporâneo, utilizando, porém, uma tecnologia compatível com os recursos disponíveis na<br />
Ida<strong>de</strong> da Pedra. Por exemplo: músicas podiam ser escutadas a partir <strong>de</strong> aparelhos semelhantes<br />
a um toca-discos, mas todo ele feito <strong>de</strong> pedra e com a função da agulha sendo executada pelo<br />
bico afiado <strong>de</strong> uma ave, e assim por diante.<br />
O êxito <strong>de</strong> “The Flintstones” fez com que a Hanna-Barbera se consolidasse como a maior<br />
produtora <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhos animados <strong>de</strong>ssa década e uma das maiores, se não a maior, <strong>de</strong> todos os<br />
tempos – ocupando papel <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>staque no meio até os anos 90. Desta forma, o estúdio<br />
82
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
foi o principal fornecedor <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhos animados, principalmente para o horário do sábado<br />
<strong>de</strong> manhã, das principais re<strong>de</strong>s norte-americanas <strong>de</strong> televisão. Muito criticada pela Disney e<br />
também pelos animadores mais tradicionais, o estúdio conseguia oferecer séries por um custo<br />
até <strong>de</strong>z vezes mais barato do que o das concorrentes.<br />
Na temporada <strong>de</strong> 1961-62, as chamadas “Big Three” (as três maiores emissoras abertas<br />
dos Estados Unidos: ABC, CBS e NBS) possuíam um total <strong>de</strong> sete animações em horário nobre<br />
durante suas gra<strong>de</strong>s semanais. Na opinião <strong>de</strong> Mittell, a “corrida pelo ouro” para preencher essa<br />
<strong>de</strong>manda levou a um ciclo “inovação-imitação-saturação”.<br />
Inúmeras outras séries foram produzidas nos estúdios Hanna-Barbera durante a década<br />
<strong>de</strong> 60, sem, contudo, ter a mesma repercussão do que “The Flinstones”, entre elas: “Top<br />
Cat” (“Mandachuva”; 1961-62) “Jonny Quest” (1962-63), “Wally Gator” (1962-63), “Magilla<br />
Gorilla” (“Maguila, o Gorila”, 1963-67), “The Jetsons” (“Os Jetsons”, 1964-65), “The Atom<br />
Ant” (“A Formiga Atômica”, 1965-67), “Space Ghost” (1966-68), “Frankestein Jr.” (1966-68),<br />
“The Impossible” (“Os Impossíveis”, 1966-68), “Shazzan” (1967-69), “Birdman” (“Homem<br />
Pássaro”, 1967-69), “Galaxy Trio” (1967-69), “Moby Dick” (1967-69), “Young Sanson and<br />
Goliath” (“Jovem Sansão e Golias”, 1967), “The Herculoids” (“Os Herculói<strong>de</strong>s”, 1967-68),<br />
“Fantastic Four” (“Quarteto Fantástico”, 1967-68), “Wacky Racers” (“Corrida Maluca”, 1968-<br />
70) e “Banana Splits” (live action com animação, 1968-70).<br />
83
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
“Banana Splits”, “Jonny Quest”, “Top Cat”<br />
A ABC, objetivando ampliar o sucesso obtido com “The Flintstones”, estreia, em 1960, o<br />
novo programa “The Bugs Bunny Show”. Produzido pela Warner Bros. Cartoons, o programa<br />
reunia episódios das séries <strong>de</strong> “Looney Tunes” e contava ainda com a produção e a direção<br />
dos experientes animadores Chuck Jones e Friz Freleng. Depois <strong>de</strong> três temporadas em horário<br />
nobre, o programa se mudou em <strong>de</strong>finitivo para o horário do sábado <strong>de</strong> manhã da ABC, on<strong>de</strong><br />
permaneceu <strong>de</strong> forma ininterrupta até o ano 2000, totalizando assim a impressionante marca<br />
<strong>de</strong> 40 temporadas e mais <strong>de</strong> 1.000 episódios exibidos.<br />
O universo <strong>de</strong> “Looney Tunes” criou uma das maiores, mais ricas e diversas galerias <strong>de</strong><br />
personagens <strong>de</strong> toda a história do <strong>de</strong>senho animado. Algumas <strong>de</strong>stas personagens ganharam<br />
inclusive suas próprias séries. Entre as personagens <strong>de</strong> maior sucesso <strong>de</strong> “Looney Tunes” estão:<br />
Bugs Bunny (Pernalonga), Duck Dogers, Daffy Duck (Patolino), Elmer Fudd (Hortelino Troca-<br />
Letras), Foghorn Leghorn (Frangolino), Marvin Martian (Marvin Marciano), Pepé Le Pew (Pépe,<br />
o Gambá), Penelope Pussycat (Penélope), Porky Pig (Gaguinho), Road Runner (Papa-Léguas),<br />
Speedy Gonzales (Ligeirinho), Sylvester (Frajola), Tasmanian Devil (Taz), Tweety (Piu-Piu),<br />
Willie E. Coyote (Coiote) e Yosemite Sam (Eufrazino Puxa-Briga).<br />
“Looney Tunes”<br />
Dois anos após “Gerald McBoing Boing Show”, a UPA faz sua segunda tentativa na televisão<br />
com “Dick Tracy” (1961-62). A série <strong>de</strong>tetivesca era normalmente exibida em emissoras locais<br />
após o horário do sábado <strong>de</strong> manhã, reservado aos <strong>de</strong>senhos animados, e era consi<strong>de</strong>rada uma<br />
espécie <strong>de</strong> versão infantil para a prestigiada série em live action “Os Intocáveis”. Baseado na<br />
história em quadrinhos homônima, publicada durante a década <strong>de</strong> 30 por Chester Gould, a<br />
série acabou tendo mais projeção nos anos 90, após o lançamento do filme <strong>de</strong> longa-metragem<br />
“Dick Tracy”, produzido e dirigido por Warren Beatty.<br />
84
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
O estúdio tenta melhor sorte com a exibição <strong>de</strong> dois filmes <strong>de</strong> longa-metragem em animação,<br />
caminho pelo qual os estúdios Disney já haviam conseguido sucesso. O primeiro <strong>de</strong>stes longas<br />
foi “1001 Arabian Nights”, dirigido por Jack Kinney, que apresenta o protagonista Mr. Magoo no<br />
contexto das tradicionais histórias do folclore árabe. O segundo longa animado produzido pela<br />
UPA foi “Gay Purr-ee”, dirigido por Abe Levitow, em 1962, um romance musical envolvendo<br />
dois gatos (Mewsett e Mewrice) em Paris, e que contou com trilha musical interpretada pela<br />
atriz e cantora norte-americana Judy Garland.<br />
Pouco <strong>de</strong>pois, em 1964, a UPA lança a série “The Famous Adventures of Mr. Magoo”, exibida<br />
no mesmo ano na re<strong>de</strong> NBC. Com 26 episódios, a série, mesmo sendo exibida em horário<br />
nobre, acabou não tendo sequência e o estúdio encerra suas ativida<strong>de</strong>s. Sem conseguir êxito<br />
na televisão e na produção <strong>de</strong> filmes <strong>de</strong> longa-metragem, a UPA enfrenta uma séria crise<br />
financeira que culmina com a venda <strong>de</strong> seu acervo cinematográfico para a Columbia Pictures.<br />
Os direitos <strong>de</strong> “Mr. Magoo” passam para a DFE Films, que tenta, também sem êxito, reeditar a<br />
série no final da década <strong>de</strong> 70.<br />
“Dick Tracy”, “Rod Rocket”<br />
De maneira paralela às produções dos estúdios mais conhecidos, “The Beatles” (ABC,<br />
1965-67), dirigida por George Dunning e produzida por Al Brodax, também apontou novas<br />
direções para a animação. A série, exibida durante o auge da popularida<strong>de</strong> da banda inglesa,<br />
se beneficiou do sucesso do quarteto <strong>de</strong> Liverpool e inspirou a criação, em 1968, do aclamado<br />
longa “Yellow Submarine” - no qual foi repetida a dupla Dunning-Brodax. “The Beatles” foi a<br />
primeira <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhos animados adaptados a partir <strong>de</strong> pessoas ou grupos “reais”,<br />
como “The Jackson 5ive” (ABC, 1971-73) e “Harlem Globe Trotters” (CBS, 1970-71).<br />
Além da Hanna-Barbera e da Warner Bros. Cartoons, três outros importantes estúdios, que<br />
iniciaram suas ativida<strong>de</strong>s na década <strong>de</strong> 60, também tiveram relativo sucesso no meio. Um <strong>de</strong>les<br />
foi a Filmation, fundada em 1963 pelos produtores Lou Scheimer e Norm Prescott, que já haviam<br />
produzido anteriormente <strong>de</strong>senhos animados como “Bozo: The World’s Most Famous Clown” (1958-<br />
62) e “Popeye” (1960-62). O primeiro <strong>de</strong>senho animado oficialmente produzido pela Filmation foi<br />
“Rod Rocket”, série que mostrava as aventuras <strong>de</strong> um menino chamado Rod Rocket e seu melhor<br />
amigo, Joey. Juntos eram enviados pelo inteligente e excêntrico Professor Argus para uma missão<br />
espacial cujo objetivo principal era resgatar a neta do professor, a jovem Cassie.<br />
85
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
“The Beatles”<br />
Três anos <strong>de</strong>pois, em 1966, a Filmation lança sua primeira série baseada naquilo que se<br />
constituiria como uma das principais marcas do estúdio: super-heróis – sobretudo da DC Comics.<br />
Assim, vai ao ar em 1966 na CBS “The New Adventures of Superman”, dirigida por Hal Sutherland.<br />
Superman torna-se, portanto, o super-herói pioneiro dos quadrinhos e também das séries <strong>de</strong><br />
animação no cinema e na televisão. A série abre as portas para maior presença <strong>de</strong> super-heróis, já<br />
popularizados nos quadrinhos, que tiveram excelente recepção junto ao público infantil no horário<br />
do sábado <strong>de</strong> manhã. Outras séries <strong>de</strong> super-heróis produzidas pelo estúdio nesta década com boa<br />
repercussão foram “Aquaman” (CBS, 1968-70) e “Batman” (CBS, 1968-69).<br />
“Aquaman”, “The New Adventures of Superman”<br />
A Filmation também utilizava os princípios característicos da animação limitada,<br />
incorporando algumas marcas distintivas, como o corte rápido <strong>de</strong> planos reaproveitados ou<br />
que não estavam <strong>de</strong>vidamente animados. Isso porque, em dois ou três segundos <strong>de</strong> exposição<br />
na tela, os <strong>de</strong>feitos ou truques se tornavam praticamente imperceptíveis diante da condução<br />
narrativa como um todo. Em outras palavras, os cortes rápidos faziam com que o espectador<br />
não tivesse tempo hábil para a percepção <strong>de</strong> eventuais falhas na imagem, apenas para a<br />
compreensão do sentido principal do plano.<br />
Outro expediente bastante utilizado pelo estúdio eram os longos movimentos <strong>de</strong> câmera,<br />
sobretudo panorâmicas, pelos cenários estáticos. Neste caso, o menor movimento <strong>de</strong> câmera<br />
que fosse era o suficiente para quebrar a sensação <strong>de</strong> imagem parada e monotonia do plano.<br />
Além disso, a Filmation possuía em muitas <strong>de</strong> suas séries animadas sequências <strong>de</strong> live action o<br />
uso do recurso <strong>de</strong> rotoscopia – <strong>de</strong>senho por cima <strong>de</strong> imagem previamente registrada.<br />
86
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
As experiências da Filmation fora do nicho <strong>de</strong> super-heróis não tiveram tanto êxito, como<br />
se pô<strong>de</strong> observar com as séries “Journey to the Center of Hearth” (ABC, 1967), “Fantastic<br />
Voyage” (ABC, 1968), “The Archie Show” (“Turma do Archie” – CBS, 1969) e “The Hardy<br />
Boys” (ABC, 1969). Contudo, o estúdio permaneceria na ativa até meados da década <strong>de</strong> 80,<br />
principalmente por conta do seu principal nicho.<br />
O segundo estúdio a iniciar as suas ativida<strong>de</strong>s nessa década foi a Rankin/Bass Productions,<br />
fundada em 1964 por Arthur Rankin e Jules Bass, originalmente com o nome Vi<strong>de</strong>ocraft<br />
International. Especializado em stop motion, o estúdio também produziu animações<br />
tradicionais em 2D com terceirização da mão <strong>de</strong> obra nos estúdios japoneses Toei Animation e<br />
Mushi Production. Um dos seus pontos fortes eram as dublagens realizadas por uma talentosa<br />
equipe, em estúdio <strong>de</strong> áudio próprio. Apesar da presença relativamente discreta, a Rankin/<br />
Bass produziu seis séries nos anos 60, além da participação em filmes <strong>de</strong> longa-metragem e<br />
especiais para a televisão. Os estúdios encerrariam suas ativida<strong>de</strong>s na década <strong>de</strong> 80, após o<br />
término <strong>de</strong> sua série <strong>de</strong> maior sucesso, “Thun<strong>de</strong>rcats”.<br />
O outro estúdio com presença marcante nesse período foi o DePatie-Freleng Enterprises<br />
(também conhecida por DFE Films), fundado no mesmo ano em que a Filmation (1963). A<br />
DFE Films foi estabelecida por Friz Freleng e seu amigo e parceiro David H. DePatie. Juntos,<br />
eles conseguiram montar um estúdio aproveitando todos os equipamentos, infraestrutura e<br />
mesmo os funcionários da Warner Bros. Cartoons, que encerrou suas ativida<strong>de</strong>s com animação<br />
no cinema no ano <strong>de</strong> 1963. Além das séries <strong>de</strong> animação, o estúdio também teve atuação<br />
<strong>de</strong>stacada junto à publicida<strong>de</strong>, especiais para a televisão, aberturas <strong>de</strong> programas e aos<br />
remanescentes theatricals – conforme vimos no capítulo anterior.<br />
Entre as principais séries produzidas pelo estúdio <strong>de</strong> Depatie e Freleng na década <strong>de</strong> 60<br />
estavam: “Super Presi<strong>de</strong>nt” (NBC, 1967-68), “Super Six” (NBC, 1966-69/reeditada em 1978),<br />
“Here Comes the Grump” (1969-71) e “The Pink Panther Show” (1969-78), este último o maior<br />
sucesso do estúdio.<br />
87
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
“Roland and Rattfink”, “The Pink Panther Show”, “The Inspector”<br />
O programa apresentava, além dos episódios da célebre personagem Pantera Cor-<strong>de</strong>-Rosa, que<br />
lhe ren<strong>de</strong>u o único Oscar do estúdio em 1964, outras séries que o estúdio exibia <strong>de</strong> forma simultânea<br />
no cinema (theatricals), como “The Inspector” (O Inspetor), “Roland and Rattfink” (“Bom bom e Mau<br />
Mau”), “The Ant and the Aardvark” (“A Formiga e o Tamanduá”) e “Tijuana Toads” (“Toro e Pancho”) - a<br />
maioria <strong>de</strong>stas criadas pelo talentoso roteirista e animador John W. Dunn.<br />
Além da estrutura, a DFE Films assumiu da Warner Bros. Cartoons também a produção<br />
<strong>de</strong> “Looney Tunes”. Inicialmente dirigido pelo próprio Freleng, o estúdio terceirizado acabou<br />
contratando Robert McKimson para a direção da série até o ano <strong>de</strong> 1967, quando a Warner Bros.<br />
<strong>de</strong>cidiu reabrir seus próprios estúdios e assumir novamente a produção <strong>de</strong> “Looney Tunes”.<br />
Por um lado, a década <strong>de</strong> 60 marca o boom das séries <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhos animados na televisão,<br />
saltando <strong>de</strong> 25 séries produzidas na década anterior para cerca <strong>de</strong> 150. Por outro, marca<br />
também o início da vigilância i<strong>de</strong>ológica, sobretudo nas questões tangentes à violência,<br />
questões estas que outrora já haviam assolado o teatro, o rádio, os quadrinhos e o cinema.<br />
Em 1961, Newton Minow, executivo responsável pela FCC, já havia encabeçado um movimento<br />
<strong>de</strong> crítica à banalida<strong>de</strong> da televisão, que teve como principal alvo justamente os <strong>de</strong>senhos<br />
animados. Em resposta, foram produzidas e exibidas séries <strong>de</strong> caráter predominantemente<br />
educativo, como “Discovery”, “Exploring”, “1,2,3 – Go!” que, apesar <strong>de</strong> agradarem aos<br />
críticos, não tinham audiência expressiva e afastavam os principais anunciantes.<br />
Por isso mesmo, esse nicho <strong>de</strong> programas acaba confinado às emissoras públicas, que<br />
buscam no chamado “edutainment” (entretenimento educativo), uma forma <strong>de</strong> agregar às<br />
séries aspectos educativos <strong>de</strong> forma divertida. Um dos programas <strong>de</strong> maior sucesso na televisão<br />
norte-americana neste formato foi “Sesame Street”, programa em live action com pequenas<br />
cenas animadas e participação <strong>de</strong> bonecos <strong>de</strong> manipulação (puppets), criados pelo bonequeiro<br />
Jim Henson. Garibaldo e sua turma tiveram 37 temporadas e mais <strong>de</strong> 4100 episódios, tornandose<br />
um dos programas infantis <strong>de</strong> maior duração <strong>de</strong> todos os tempos.<br />
“Sesame Street” foi ainda exibido em mais <strong>de</strong> 120 países <strong>de</strong> todo o mundo, ganhando,<br />
em alguns casos, versões próprias que incorporavam conteúdos específicos <strong>de</strong>stes países. No<br />
Brasil, “Vila Sésamo” tinha uma hora <strong>de</strong> duração e foi exibido nas re<strong>de</strong>s Globo e Cultura <strong>de</strong><br />
televisão durante a década <strong>de</strong> 70.<br />
Em 1963, Lyndon Johnson entra no lugar <strong>de</strong> Minow na FCC e adota a política “hands off”,<br />
isto é, <strong>de</strong> não intervenção direta sobre os programas <strong>de</strong> televisão. Contudo, sobretudo após<br />
88
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
a morte <strong>de</strong> John F. Kennedy (1963) e <strong>de</strong> Martin Luther King (1968), aumentam as críticas e<br />
pressões referentes à linguagem e ao conteúdo dos <strong>de</strong>senhos animados por parte da mídia e<br />
também por parte <strong>de</strong> diversos órgãos e entida<strong>de</strong>s como NABB (National Association for Better<br />
Broadcasting) e ACT (Action for Children´s Television).<br />
Teóricos e pesquisadores do campo das ciências sociais dão suporte e legitimida<strong>de</strong> a estas<br />
críticas, como George Gerbner, autor da teoria da enculturação (cultivation theory). Segundo esta<br />
teoria, a televisão teria o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> influenciar a maneira como as pessoas, sobretudo crianças em<br />
fase <strong>de</strong> formação, constroem suas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s e passam a ver e interagir com o mundo. Por meio da<br />
criação <strong>de</strong> um ambiente simbólico comum sem prece<strong>de</strong>ntes, os telespectadores padronizariam seus<br />
pensamentos, comportamentos e atitu<strong>de</strong>s a partir <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los fornecidos pela televisão, que teria<br />
po<strong>de</strong>r semelhante àquele ocupado pelas religiões em tempos ancestrais. Ainda segundo Gerbner, o<br />
nível <strong>de</strong> influência da televisão po<strong>de</strong>ria variar em função da quantida<strong>de</strong> média <strong>de</strong> horas assistidas por<br />
dia pelas pessoas – quanto mais tempo assistido, maior a influência.<br />
Os estudos <strong>de</strong> Gerbner, aliados a pressão <strong>de</strong> órgãos como NABB e ACT, fazem com que<br />
a questão chegue ao congresso norte-americano por meio do senador John Pastore. Como<br />
resultado, além das novas séries educativas, surgem novos <strong>de</strong>senhos animados com humor<br />
mais leve, como “Wacky Racers” (“Corrida Maluca”) e “Scooby Doo”.<br />
“Sesame Street”, “Scooby Doo”, “Wacky Racers”<br />
Desse modo, a década <strong>de</strong> 70 se inicia com um intenso <strong>de</strong>bate sociológico como pano<br />
<strong>de</strong> fundo para as séries <strong>de</strong> animação. No ano <strong>de</strong> 1973, em artigo <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> repercussão <strong>de</strong><br />
Bill Greeley na Revista Variety, os <strong>de</strong>senhos animados voltam a ser atacados. Entida<strong>de</strong>s e<br />
organizações étnicas rezingam visões estereotipadas e reclamam maior representativida<strong>de</strong> nas<br />
séries. In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da audiência, essas questões afetam diretamente os anunciantes,<br />
que, muitas vezes, por conta da pressão <strong>de</strong>sses grupos, repensavam a associação da imagem<br />
<strong>de</strong> suas marcas aos <strong>de</strong>senhos animados.<br />
Ao mesmo tempo, o governo restringe a quantida<strong>de</strong> e o tipo <strong>de</strong> propaganda voltada para<br />
o público infantil (como, por exemplo, comerciais <strong>de</strong> doces ou <strong>de</strong> produtos que contivessem<br />
açúcar), consi<strong>de</strong> rando este público vulnerável às mensagens persuasivas da publicida<strong>de</strong>. Por<br />
fim, o licenciamento <strong>de</strong> produtos, outra importante fonte <strong>de</strong> receita dos estúdios, também é<br />
limitado pelo governo.<br />
89
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Esta nova realida<strong>de</strong> impõe uma redução <strong>de</strong> custos que afeta toda a ca<strong>de</strong>ia produtiva das<br />
séries animadas para a televisão, <strong>de</strong>terminando novas estratégias e métodos <strong>de</strong> produção.<br />
O número <strong>de</strong> episódios por temporada cai <strong>de</strong> 26 para a meta<strong>de</strong>. Reprises <strong>de</strong> séries antigas<br />
também passam a ser frequentes, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que aten<strong>de</strong>ndo aos critérios qualitativos exigidos pelo<br />
governo e pelas entida<strong>de</strong>s sociais representativas.<br />
Inicialmente com o objetivo <strong>de</strong> contemplar estas exigências educativas e sociais, surgem,<br />
como uma espécie <strong>de</strong> subproduto <strong>de</strong>rivado das séries <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhos animados, vinhetas e<br />
interprogramas animados. Trazendo as personagens mais conhecidas das séries, este novo<br />
formato animado, com duração entre 30 segundos e dois minutos, é exibido nos intervalos<br />
dos programas durante toda a gra<strong>de</strong> <strong>de</strong> programação das emissoras, abordando temas<br />
socialmente edificantes <strong>de</strong> forma politicamente correta. Também era comum a presença <strong>de</strong><br />
quadros especiais nos finais dos episódios, nos quais as protagonistas pediam para as crianças<br />
serem boazinhas, respeitarem seus pais, fazerem a lição <strong>de</strong> casa, se alimentarem direito e<br />
praticarem ativida<strong>de</strong>s físicas.<br />
Um dos principais nomes dos <strong>de</strong>senhos animados na década <strong>de</strong> 70 foi o do executivo Fred<br />
Silverman, entusiasta dos cartoons que chegou inclusive, ele mesmo, a dublar diversas vozes<br />
<strong>de</strong> personagens. Com passagem por importantes cargos executivos nas três gran<strong>de</strong>s emissoras<br />
norte-americanas (ABC, CBS e NBC), o executivo garantiu a continuação <strong>de</strong> exibição <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhos<br />
animados nestas emissoras em um período <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s dificulda<strong>de</strong>s financeiras para o setor.<br />
A década <strong>de</strong> 70 também presencia o surgimento <strong>de</strong> novas séries <strong>de</strong> animação para a televisão,<br />
normalmente <strong>de</strong>ntro dos preceitos do socialmente edificante e do humor leve. Entre estas séries<br />
po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>stacar: “The Adventures of Gulliver” (“As Aventuras <strong>de</strong> Gulliver”, Hanna-Barbera, ABC<br />
1970), “Doctor Dolittle” (“Doutor Dollitle”, DFE Films, NBC 1970-71), “Josie and the Pussycats”<br />
(“Josie e as Gatinhas”, Hanna-Barbera, CBS 1970-71), “Sealab 2020” (“Laboratório Submarino”,<br />
Hanna-Barbera, NBC 1972), “The Barkleys” (“Os Caretas”, DFE Films 1972), “Fat Albert and the<br />
Cosby Kids” (Filmation, CBS 1972-84), “Bailey’s Comets” (“Os Cometas”, DFE Films 1973), “The<br />
Addams Family” (“A Família Addams”, Hanna-Barbera, 1973-74), “Valley of the Dinossaur” (“Vale<br />
dos Dinossauros”, Hanna-Barbera, CBS 1974-76), “Baggy Pants and the Nitwits” (“Charlie Gato &<br />
Os Super Velhacos”, DFE Films, NBC 1977), “Captain Caveman and the Teen Angels” (“Capitão<br />
Caverna e as Panterinhas”, Hanna-Barbera, ABC 1977-80).<br />
“Fat Albert and the Cosby Kids”, “Josie and the Pussycats”, “Sealab 2020”<br />
90
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Enquanto isso, do outro lado do mundo, os animes se consolidam na televisão nacional. No<br />
Japão, o termo “anime” é utilizado para <strong>de</strong>signar todo e qualquer tipo <strong>de</strong> animação, on<strong>de</strong> quer que<br />
tenha sido produzido. No oci<strong>de</strong>nte, entretanto, o mesmo termo é utilizado como uma <strong>de</strong>signação<br />
genérica para se referenciar a todo e qualquer tipo <strong>de</strong> animação realizada no Japão, normalmente<br />
exibida em forma <strong>de</strong> série na televisão.<br />
A primeira animação realizada no Japão, “Imokawa Mukuzo Genkanban no Maki”, dirigida por Oten<br />
Shimokawa, é <strong>de</strong> 1917. Até a década <strong>de</strong> 60, o anime é exibido nas salas <strong>de</strong> cinema, principalmente<br />
na forma <strong>de</strong> curta-metragem. O primeiro anime exibido <strong>de</strong> forma não seriada na televisão foi “Three<br />
Tales” <strong>de</strong> Keiko Kozonoe, na NHK, no ano <strong>de</strong> 1960. No ano seguinte, a TBS TV (Tokyo Broadcasting<br />
System Television) exibe “Otogi Manga Calendar”, dirigida por Ryuichi Yokoyama, que é não apenas<br />
a primeira série <strong>de</strong> anime produzida e exibida no Japão, como também a primeira série <strong>de</strong> qualquer<br />
gênero televisivo produzida no país.<br />
O anime está estritamente ligado aos mangás, conhecido atualmente como as histórias<br />
em quadrinhos produzidas no Japão. Assim, é relativamente comum encontrar mangás que se<br />
tornaram animes e vice-versa. As raízes do mangá remontam ao século VIII, no período Nara,<br />
com os emakimonos, os primeiros rolos <strong>de</strong> pintura japonesa. Nestes, já era possível perceber<br />
histórias contadas por meio <strong>de</strong> imagens com texto em separado. No período Edo (séculos XVII a<br />
XIX), os rolos são substituídos por livros e os <strong>de</strong>senhos são comumente utilizados para ilustrar<br />
91
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
romances e poemas. Com o advento da estampa japonesa (ukyo-e), no século XVI, surgem livros<br />
com predomínio <strong>de</strong> imagens em relação ao texto escrito, em outras palavras, livros pensados<br />
muito mais para serem vistos do que propriamente lidos. Estes livros se tornam extremamente<br />
populares no Japão, on<strong>de</strong> o termo mangá, que em romaji (transcrição fonética do japonês para<br />
o alfabeto romano) significa “<strong>de</strong>senhos irresponsáveis”, foi cunhado no século XIX.<br />
O mangá mo<strong>de</strong>rno surge, entretanto, no século XX, a partir da influência das revistas comerciais<br />
européias e norte-americanas. O precursor do mangá mo<strong>de</strong>rno Osamu Tesuka tinha como principais<br />
referências obras <strong>de</strong> Walt Disney e dos irmãos Fleischer – os olhos gran<strong>de</strong>s que caracterizam as personagens<br />
do gênero, por exemplo, teriam vindo <strong>de</strong> Betty Boop. Tezuka foi responsável por criar algumas das<br />
características que <strong>de</strong>finem o gênero contemporaneamente, como o exagero nas proporções dos olhos,<br />
boca, nariz e sobrancelhas (que garantem maior expressivida<strong>de</strong> facial), uso <strong>de</strong> efeitos gráficos (como os<br />
traços e as linhas que fazem alusão ao movimento), alternância <strong>de</strong> planos (semelhante, neste aspecto,<br />
ao storyboard) e uso da figura semântica <strong>de</strong> linguagem das onomatopeias.<br />
Antevendo a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sucesso da adaptação dos mangás para séries <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhos<br />
animados na televisão, dois dos principais estúdios <strong>de</strong> animes do Japão começam a produzir<br />
para a televisão na década <strong>de</strong> 60. O primeiro <strong>de</strong>les foi a Toei Animation, que contava em seu<br />
elenco com animadores como Isao Takahata, Hayao Miyazaki, Mamoru Oshii e Yasuo Otsuka. A<br />
primeira produção do estúdio veiculada na televisão japonesa foi “Ookami Shonen Ken”, no<br />
ano <strong>de</strong> 1963. Atualmente, o estúdio é consi<strong>de</strong>rado o maior produtor <strong>de</strong> anime do mundo.<br />
Após o vencimento <strong>de</strong> seu contrato com a Toei Animation, Osamu Tezuka resolve abrir seu próprio<br />
estúdio <strong>de</strong> animação, formando, inclusive, a própria mão <strong>de</strong> obra. Denominado Mushi Productions, o<br />
estúdio <strong>de</strong> Tezuka é inaugurado com o objetivo <strong>de</strong> concorrer com a Toei Animation. Logo na estreia,<br />
sua primeira série “Mighty Atom” (“Astro Boy”), exibida no Japão em 1963, atinge gran<strong>de</strong> sucesso e<br />
é exibida em diversos países <strong>de</strong> todo o mundo durante as décadas <strong>de</strong> 60 e 70, inclusive nos Estados<br />
Unidos e Brasil. Adaptado a partir <strong>de</strong> um mangá <strong>de</strong> Tezuka originalmente publicado em 1952, “Astro<br />
Boy” foi o primeiro caso <strong>de</strong> um anime para televisão exibido fora do Japão com sucesso. Des<strong>de</strong> então,<br />
a gran<strong>de</strong> maioria dos animes tem relação direta com mangás. Na maior parte das vezes, animes são<br />
feitos a partir do sucesso <strong>de</strong> mangás, mas, em outros casos, o anime também po<strong>de</strong> prece<strong>de</strong>r o mangá<br />
ou mesmo ambos po<strong>de</strong>m ser feitos simultaneamente.<br />
“Astro Boy”, “Ookami Shonen Ken”<br />
92
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
“Astro Boy” é uma série animada <strong>de</strong> ficção científica, ambientada em um futuro no qual seres<br />
humanos convivem com androi<strong>de</strong>s. O protagonista da série é Astro, um po<strong>de</strong>roso robô criado pelo<br />
ministro da Ciência, Dr. Tenma, para compensar a ausência <strong>de</strong> seu filho Toby, morto em um aci<strong>de</strong>nte<br />
<strong>de</strong> carro. Apesar <strong>de</strong> tratar Astro com carinho, Dr. Tenma percebe que o menino robô não é capaz <strong>de</strong><br />
preencher a falta <strong>de</strong> seu filho. O cientista ven<strong>de</strong> o menino robô para um circo, on<strong>de</strong> é posteriormente<br />
<strong>de</strong>scoberto pelo novo ministro da ciência, Professor Ochanomizu, que o adota e o trata como um<br />
filho. Orientado pelo professor, Astro passa, por meio <strong>de</strong> suas habilida<strong>de</strong>s e po<strong>de</strong>res, a combater as<br />
forças do mal, quase sempre representadas por robôs e alienígenas.<br />
Após seu início na década <strong>de</strong> 60, os animes se consolidam no Japão no final da década <strong>de</strong> 70,<br />
favorecendo a criação <strong>de</strong> uma forte indústria <strong>de</strong> animação no país. A Toei Animation produziu, nestas<br />
duas décadas, cerca <strong>de</strong> 50 séries, como “Uchuu Patrol Hopper” (“Space Patrol Hopper”, 1965),<br />
“Kaizoku Ouji” (“Pirate Prince”, 1966), “Himitsu no Akko-chan” (“Akko-chan’s Secret”, 1969-70),<br />
“Mahaou no Mako-chan” (“Magical Mako-chan”, 1970-71), “Mazinger Z” (“Tranzor Z”, 1972-74),<br />
“UFO Robo Grendizer” (1975-77), “Majokko Megu-chan” (“Witch Girl Meg”, 1974-75), “Getter Robo<br />
G” (“Starvengers”, 1975-76), “Magne Robo Gakeen” (“Magnetic Robot Gakeen”, 1976-77) e “Eiko no<br />
Tenshitachi: Pink Lady Monogatari” (“Glorious Angels: The Story of Pink Lady”, 1978-79).<br />
A Mushi Productions realizou um pouco menos neste mesmo período: 16 séries, conseguindo,<br />
entretanto alguma projeção com animes como “Ginga Shonen Tai” (“Galaxy Boys Squad”, 1963-<br />
65), “The Amazing 3” (“W3”, 1965-66), “Kimba, the White Lion” (“Kimba, o Leão Branco”,<br />
1965-66), “Gokū no Daibōken” (“The Adventures of Goku”, 1965-66) e “Princess Knight” (“A<br />
Princesa e o Cavaleiro”, 1967-68).<br />
“Getter Robo G”, “Kimba, the White Lion”, “Mazinger Z”<br />
Desta forma, enquanto a indústria <strong>de</strong> animação vivia um momento <strong>de</strong>licado nos Estados<br />
Unidos, no Japão a década <strong>de</strong> 70 representou a consolidação do anime no país. Além da Toei<br />
Animation e da Mushi Productions, havia a Tatsunoko Production, que produziu cerca <strong>de</strong> 30<br />
séries nestas duas décadas, e a TMS Enterteinment, principal estúdio <strong>de</strong> anime para cinema do<br />
Japão, que acumulou no mesmo período cerca <strong>de</strong> 35 séries exibidas na televisão. Surgem ainda<br />
outros estúdios especializados em animes para televisão, como A Pro, Madhouse Production,<br />
Sunrise e Nippon Animation. Juntos, os estúdios <strong>de</strong> anime no Japão produziram cerca <strong>de</strong> 210<br />
séries <strong>de</strong> animação para a televisão nas décadas <strong>de</strong> 60 (55 ao todo) e 70 (com 155 títulos). Tais<br />
números transformaram o país, ao lado dos Estados Unidos, em um dos maiores produtores <strong>de</strong><br />
séries <strong>de</strong> animação para a televisão e abriram as portas para a gran<strong>de</strong> popularização da cultura<br />
japonesa em todo o mundo a partir da década <strong>de</strong> 80.<br />
93
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Além das diferenças visuais em termos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sign <strong>de</strong> personagem, traços <strong>de</strong> cenários e<br />
paleta <strong>de</strong> cores, os animes também guardam diferenças narrativas estruturais em relação aos<br />
<strong>de</strong>senhos animados norte-americanos, como a presença majoritária <strong>de</strong> universos fantásticos,<br />
batalhas épicas, tramas e subtramas complexas e, até mesmo, a morte da protagonista no final<br />
da série. Algumas das primeiras séries <strong>de</strong> anime exibidas a partir dos anos 70 com sucesso fora<br />
do Japão foram “Uchū Ēsu” (“Space Ace”, 1964-66), “Jungle Taitei” (“Kimba, the White Lion”,<br />
1965-66), “Mahha Gō Gō Gō” (“Speed Racer”, 1966-68), “Taro Kid” (“Skyers 5”, 1967-69) e<br />
“Ribon no Kishi” (“Princess Knight”, 1967-68).<br />
A década <strong>de</strong> 80, nos Estados Unidos, também ficou conhecida como a “Era Reagan”, por<br />
conta do governo do presi<strong>de</strong>nte Ronald Reagan entre os anos <strong>de</strong> 1981 e 1989. Durante boa<br />
parte <strong>de</strong>sse período, a FCC é presidida por Mark S. Fowler, que tinha como principal lema<br />
a máxima “<strong>de</strong>ixe o mercado <strong>de</strong>cidir”. Reflexo <strong>de</strong> uma era marcada por políticas favoráveis<br />
aos gran<strong>de</strong>s negócios e ao laissez-faire, a visão <strong>de</strong> Fowler representa o entendimento da<br />
televisão como um meio <strong>de</strong> negócios mais do que um meio artístico ou mesmo educativo, com<br />
predomínio das formas <strong>de</strong> entretenimento.<br />
94
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Assim, diversas séries baseadas em brinquedos preexistentes ou que foram criados a partir <strong>de</strong><br />
licenciamento, dominam o cenário da animação na televisão. A parceria com empresas como Mattel e<br />
Hasbro promoveu uma espécie <strong>de</strong> saturação <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> série <strong>de</strong> <strong>de</strong>senho animado, também conhecido<br />
em língua inglesa pela expressão “toys-cum-cartoons”. Séries populares pertencentes a esta categoria<br />
foram: “He-Man and the Masters of the Universe” (“He-man e os Mestres do Universo”, Filmation,<br />
1983-85), “Dungeons & Dragons” (“Caverna do Dragão”, coprodução Marvel, Toei Animation e TSR<br />
Entertainment, 1983-85), “Transformers” (Sunbow productions, 1984-87), “Challenge of the GoBots”<br />
(Hanna-Barbera, 1984), “She-Ra, Princess of Power” (“She-Ra, a Princesa do Po<strong>de</strong>r”, Filmation, 1985-<br />
87), “Thun<strong>de</strong>rcats” (Rankin/Bass, 1985-90), “Silver Hawks” (Rankin/Bass, 1986) e “Teenage Mutant<br />
Ninja Turtles” (“Tartarugas Ninjas”, Muramaki Wolf Senson, 1987-96).<br />
“Challenge of the GoBots”, “She-Ra, Princess of Power”, “Teenage Mutant Ninja Turtles”<br />
Nesse contexto <strong>de</strong> novo crescimento do setor, um estúdio francês radicado nos Estados Unidos em<br />
1982 se torna um dos principais produtores <strong>de</strong> séries <strong>de</strong> animação para a televisão. Trata-se da DIC<br />
Entertainment, responsável pela produção <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 40 séries nos anos 80, entre elas: “Inspector<br />
Gadget” (1983-86), “Rainbow Brite” (1984-86), “Denis, the Menace” (“Denis, o Pimentinha”, 1986-<br />
88), “The Real Ghostbusters” (“Os Caça-Fantasmas”, 1986-91) e “G.I. Joe” (1989-91).<br />
A década <strong>de</strong> 80 marca também a entrada <strong>de</strong>finitiva do anime no mercado norte-americano, por<br />
meio da exibição <strong>de</strong> séries como “Robotech” (Harmony Gold e Tatsunoko Productions, 1985-88),<br />
“Macron 1” (Ashi Productions, 1985), e “Tranzor Z” (Toei Animation, 1985-87). Em pouco tempo, o<br />
anime se oferece como uma commodity quente, isto é, um produto sem diferenciação, com baixo<br />
custo <strong>de</strong> produção e, consequentemente, <strong>de</strong> vantajosa aquisição para exibição nas emissoras.<br />
“Macron 1”, “Robotech”<br />
95
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
O sucesso do anime é tão gran<strong>de</strong>, que ele se estabelece como uma espécie <strong>de</strong> um gênero<br />
próprio <strong>de</strong>ntro da animação, atingindo um público segmentado e, na maioria das vezes,<br />
extremamente aficionado - também conhecidos pelo termo otaku. A consolidação do anime no<br />
Japão e em todo o mundo possibilitou que esse tipo <strong>de</strong> animação explorasse diversas temáticas<br />
e que surgissem, com o tempo, alguns subgêneros, como: artes marciais, aventura, comédia,<br />
drama, escolares, esportes, fantasia, ficção científica, garotas mágicas, hentai (erótico,<br />
pornográfico), horror, robôs (mechas), sobrenatural e inúmeros outros.<br />
A presença regular e crescente do anime na televisão <strong>de</strong> todo o mundo a partir <strong>de</strong> meados<br />
dos anos 70 po<strong>de</strong> ter influenciado, ainda na infância, uma série <strong>de</strong> animadores fora do Japão.<br />
Como consequência, é possível observar, sobretudo a partir dos anos 90, uma série <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhos<br />
animados que, apesar <strong>de</strong> não serem consi<strong>de</strong>rados animes em si, incorporaram algumas<br />
características do gênero, como o <strong>de</strong>sign <strong>de</strong> personagens, o estilo da animação ou mesmo seus<br />
elementos narrativos.<br />
O aquecimento do mercado <strong>de</strong> animação fora dos Estados Unidos gerou gran<strong>de</strong> oferta <strong>de</strong><br />
mão <strong>de</strong> obra barata e qualificada, capaz <strong>de</strong> executar os mesmos serviços técnicos realizados<br />
pelos animadores norte-americanos por um custo muito inferior. Assim, muitos estúdios norteamericanos<br />
mantêm seus núcleos criativos no país, mas começam a terceirizar parte <strong>de</strong><br />
suas animações no Japão, Filipinas, Coréia, Tailândia e em alguns países da América Latina,<br />
barateando significativamente os custos <strong>de</strong> produção e aumentando suas margens <strong>de</strong> lucro.<br />
Se por um lado houve o aquecimento do setor, por outro, a concorrência aumentou<br />
sobremaneira. Com a insistência da DFE Films em continuar produzindo séries <strong>de</strong> animação<br />
para o cinema e a rejeição em cortar custos <strong>de</strong> produção em <strong>de</strong>trimento da qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas<br />
animações, o estúdio não consegue se tornar competitivo <strong>de</strong>ntro do novo panorama e acaba<br />
sendo comprado pela Marvel Comics em 1981. Freleng volta aos estúdios da Warner Bros.,<br />
enquanto DePatie faz a transição para a nova empresa.<br />
A Hanna-Barbera também enfrenta problemas e passa pela década com dificulda<strong>de</strong>s. Apesar<br />
<strong>de</strong> emplacar um gran<strong>de</strong> sucesso no começo dos anos 80, com “The Smurfs” (“Os Smurfs”, NBC,<br />
1981-89), per<strong>de</strong> sua li<strong>de</strong>rança <strong>de</strong> duas décadas no setor. Após um novo sucesso, com “Muppet<br />
Babies” (CBS, 1984-91), o estúdio lança “The Funtastic World of Hanna-Barbera”, um programa<br />
semanal que reprisava suas principais séries, além <strong>de</strong> reeditar alguns novos episódios <strong>de</strong> “The<br />
Jetsons” (“Os Jetsons”).<br />
Em seguida, começa a produzir séries baseadas em suas antigas personagens, porém<br />
com ida<strong>de</strong> infantil, como “The Flintstones Kids” (“Os Pequenos Flintstones”, ABC, 1986-<br />
88) e “A Puppett Named Scooby Doo” (“O Pequeno Scooby Doo”, ABC, 1988-91). Em 1987,<br />
o estúdio produziu “Hanna-Barbera Superstars 10”, um programa que incluía <strong>de</strong>z novas<br />
séries baseadas em seus clássicos. Nesse programa, apresenta-se um dos mais famosos<br />
crossovers da história da animação, “The Jetsons Meet the Flintstones” (1987-88), em que<br />
Elroy Jetson constrói uma máquina do tempo que aci<strong>de</strong>ntalmente leva sua família à préhistória,<br />
momento no qual irão conhecer os Flintstones que posteriormente, também por<br />
acaso, viajam no tempo rumo ao futuro.<br />
96
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
“A Puppett Named Scooby Doo”, “The Flintstones Kids”, “The Jetsons Meet the Flintstones”<br />
Em 1989, um especial no canal TNT (“Hanna-Barbera’s 50th: a Yabba Dabba Doo<br />
Celebration”) comemora os seus 50 anos <strong>de</strong> produções para a televisão. Entretanto, com<br />
poucas animações “no ar” e com sua mão <strong>de</strong> obra terceirizada na Ásia e Austrália, diversos<br />
profissionais do estúdio, como o produtor Tom Ruegger, aceitam o convite da Warner Bros.<br />
para a restruturação <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> animação. Lá, os ex-funcionários da Hanna-<br />
Barbera produzem séries como “Tiny Toon Adventures” (CBS, 1992-95) e “Animaniacs” (Fox<br />
Kids, 1993-95). Em 1990, a Hanna-Barbera licencia suas personagens para Universal Studios,<br />
que produzem algumas adaptações para filmes <strong>de</strong> longa-metragem em live-action.<br />
Des<strong>de</strong> 1967, a Hanna Barbera tinha como holding a Taft Broadcasting, empresa pertencente<br />
à família do ex-presi<strong>de</strong>nte norte-americano William Howard Taft. Passando por dificulda<strong>de</strong>s<br />
financeiras, a Taft Broadcasting é comprada pela American Financial Corporation em 1987<br />
e tem seu nome mudado para Great American Broadcasting. Afundada em dívidas, a nova<br />
companhia coloca à venda a Hanna-Barbera, que tem seus estúdios e acervos comprados pela<br />
Turner Broadcasting em 1991 por U$ 320 milhões.<br />
Em 1986, começa a funcionar uma quarta re<strong>de</strong> aberta <strong>de</strong> televisão nos Estados Unidos, a Fox<br />
Broadcasting, com emissoras nas seis maiores cida<strong>de</strong>s norte-americanas, atingindo cerca <strong>de</strong> 25% da<br />
população do país – número bastante inferior aos das “Big Three”. No ano seguinte, é lançado na Fox<br />
“The Tracey Ullman Show”, apresentado pela atriz e humorista homônima e que contava com quadros<br />
musicais, humor e pequenas “pílulas” (“bumpers”) animadas, que eram apresentadas ao início e ao<br />
final <strong>de</strong> cada bloco. Uma <strong>de</strong>ssas pílulas mostrava pequenas animações criadas por Matt Groening com<br />
as personagens <strong>de</strong> uma família chamada Simpson. Em três temporadas, foram produzidos 47 minutos<br />
<strong>de</strong> animação, ao longo <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 50 pílulas no “The Tracey Ullman Show”.<br />
“The Simpsons”<br />
97
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
O sucesso da experiência foi tão gran<strong>de</strong> que, em 1989, a Fox <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> produzir episódios<br />
completos <strong>de</strong>sta série para um programa <strong>de</strong> meia hora na emissora. O primeiro episódio exibido<br />
foi “Simpsons Roasting on an Open Fire”, um especial <strong>de</strong> Natal exibido em 17 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong><br />
1989. O segundo episódio da primeira temporada foi “Bart, the Genius”, exibido em horário<br />
nobre no dia 14 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1990. A primeira temporada <strong>de</strong> “The Simpsons” (“Os Simpsons”)<br />
teve 13 episódios exibidos no primeiro semestre <strong>de</strong> 1990 e, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então, a série não saiu mais<br />
do ar no horário nobre. Atualmente, em sua vigésima segunda temporada e próxima da marca<br />
<strong>de</strong> quinhentos episódios, é uma das séries <strong>de</strong> animação mais assistidas <strong>de</strong> todos os tempos.<br />
O êxito <strong>de</strong> canais a cabo fundados no início dos anos 80 - como MTV, ESPN e CNN - provou<br />
haver espaço para a segmentação das emissoras na televisão. Ao invés do domínio das gran<strong>de</strong>s<br />
emissoras abertas, que tratavam <strong>de</strong> temas gerais, tornou-se possível acompanhar canais<br />
específicos, que abordam um <strong>de</strong>terminado segmento 24 horas por dia, como música, esportes,<br />
jornalismo e, posteriormente, animação.<br />
A partir da segunda meta<strong>de</strong> dos anos 80 e início dos 90, os Estados Unidos presenciaram<br />
o surgimento <strong>de</strong> novos canais UHF, a cabo e também uma maior in<strong>de</strong>pendência das emissoras<br />
locais, que passaram a produzir alguns programas próprios ao invés <strong>de</strong> simplesmente reproduzir<br />
integralmente o conteúdo das gran<strong>de</strong>s re<strong>de</strong>s. Estes eventos proporcionaram um aumento da<br />
<strong>de</strong>manda e, por consequência, uma maior oferta para programas que buscavam, em conteúdos<br />
e abordagens diferenciadas, estratégias para conquistar uma nova audiência. Apesar <strong>de</strong> serem<br />
consi<strong>de</strong>radas menores, estas emissoras estavam, normalmente, mais abertas à inovação e dispostas<br />
a correr mais riscos do que os gran<strong>de</strong>s canais tradicionais. Além disso, a elevada quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stas<br />
emissoras em todo o território norte-americano aumentou o volume <strong>de</strong> produções, ainda que não<br />
atingissem a mesma audiência dos programas exibidos em re<strong>de</strong> nacional.<br />
É importante observar que para a nova geração <strong>de</strong> adultos da época, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />
da qualida<strong>de</strong> em si, os <strong>de</strong>senhos animados pertencem à memória <strong>de</strong> suas infâncias e, <strong>de</strong> uma<br />
forma ou <strong>de</strong> outra, colaboraram na formação i<strong>de</strong>ntitária <strong>de</strong> toda uma geração. E é justamente<br />
na década <strong>de</strong> 90 que o <strong>de</strong>senho animado se expan<strong>de</strong> e começa a ganhar prestígio.<br />
Além do elemento geracional mencionado acima e da diversificação e expansão dos canais<br />
<strong>de</strong> televisão, outros fatores colaboraram para esta transformação. Em primeiro lugar, houve o<br />
ressurgimento <strong>de</strong> longas-metragens em animação entre as maiores audiências, com filmes como<br />
“Who Framed Roger Rabbit” (“Uma Cilada para Roger Rabbit”, 1988), “The Little Mermaid” (“A<br />
Pequena Sereia”, 1989), “Beauty and the Beast” (“A Bela e a Fera”, 1991), e “The Lion King” (“O Rei<br />
Leão”, 1994). Tal ressurgimento fez com que a animação voltasse a se evi<strong>de</strong>nciar na mídia em geral<br />
e também junto ao gran<strong>de</strong> público, o que acabou por favorecer todo o setor.<br />
Outro elemento importante foi a ousadia <strong>de</strong> alguns canais locais e a cabo. Enquanto os canais<br />
abertos <strong>de</strong> televisão viviam uma espécie <strong>de</strong> “ressaca” das experiências passadas, com cópias <strong>de</strong><br />
séries <strong>de</strong> sucesso, adaptações <strong>de</strong> celebrida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong> super-heróis dos quadrinhos, além da reprise <strong>de</strong><br />
séries antigas, os novos canais davam vazão à segmentação das séries animadas para a televisão.<br />
Em alguns casos, inclusive, exibindo séries animadas produzidas em outros países do mundo, o que<br />
auxiliou na diversificação e na ampliação do próprio entendimento do gênero.<br />
Um dos programas pioneiros na exibição <strong>de</strong> animação não americana nos Estados Unidos foi<br />
“Pinwheel”, exibido entre os anos <strong>de</strong> 1977 e 1990 no canal a cabo Nickelo<strong>de</strong>on. No programa,<br />
98
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
eram exibidos inúmeros curtas-metragens e séries <strong>de</strong> animações <strong>de</strong> países como Suécia,<br />
Inglaterra, Bélgica, França e, sobretudo, dos países do Leste Europeu.<br />
Neste sentido, também é válido registrar que a partir das políticas introduzidas por Mikhail<br />
Gorbachev em 1985, como a perestroika e a glasnot, na extinta União Soviética, e também<br />
a partir da queda do muro <strong>de</strong> Berlim (1989), gran<strong>de</strong>s transformações começam a ocorrer<br />
nos países pertencentes ao regime político comunista do Leste Europeu. Se, por um lado,<br />
parâmetros capitalistas oci<strong>de</strong>ntais passam paulatinamente a influenciar o cotidiano <strong>de</strong>stes<br />
países, por outro, o resto do mundo passa a conhecer toda a diversida<strong>de</strong> e riqueza artística<br />
e cultural que se escon<strong>de</strong>u por trás da chamada Cortina <strong>de</strong> Ferro, principalmente nos países<br />
pertencentes às antigas União Soviética, Iugoslávia e Tchecoslováquia.<br />
O gran<strong>de</strong> pioneiro da animação no Leste Europeu foi Vladislav Starevich, conhecido por<br />
suas animações em stop motion com insetos. Por ter ido morar na França, foi um dos poucos<br />
animadores soviéticos a ter sua obra conhecida e difundida mundialmente muito antes do fim<br />
da Guerra Fria. Seu principal trabalho, com gran<strong>de</strong> repercussão internacional, foi o curta “La<br />
Voix du Rossignol” (“The Voice of the Nightingale”, 1923), premiado em todo o mundo.<br />
O cinema foi, como sabemos, um meio extremamente popular nos países do Leste<br />
Europeu, o que fez com que surgissem inúmeros estúdios que produziam propagandas, curtas<br />
e longas-metragens. É curioso notar que o <strong>de</strong>senvolvimento das principais características<br />
da animação nestes países se <strong>de</strong>u <strong>de</strong> forma própria, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, isto é, sem intercâmbio<br />
com os <strong>de</strong>mais países do mundo e longe <strong>de</strong> qualquer influência do dominante mo<strong>de</strong>lo norteamericano<br />
<strong>de</strong> produção. Apesar <strong>de</strong>, em alguns casos, serem utilizadas para propaganda<br />
ou sofrerem algum tipo <strong>de</strong> censura pelo governo, as animações dos países da Cortina <strong>de</strong><br />
Ferro adquiriram formas, linguagens, estéticas e retóricas próprias, que permaneceram,<br />
durante muitos anos, confinadas nesses países, sem serem vistas no resto do mundo. 6<br />
Três gran<strong>de</strong>s escolas <strong>de</strong> animação, responsáveis pela formação da mão <strong>de</strong> obra e pela<br />
produção das animações, po<strong>de</strong>m ser apontadas como as principais do Leste Europeu até meados<br />
dos anos 80, e que ainda continuam ativas. A primeira <strong>de</strong>las, a Soyuzmultfilm, é um estúdio<br />
fundado em 1936, tendo produzido mais <strong>de</strong> 1.500 animações. No seu auge, o estúdio chegou a<br />
empregar mais <strong>de</strong> 700 funcionários e produzir cerca <strong>de</strong> 45 animações por ano. A Soyuzmultfilm<br />
também é conhecida pela enorme diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> temas, estilos e técnicas presentes em suas<br />
animações - diferentemente da maioria dos estúdios, que normalmente buscam <strong>de</strong>terminadas<br />
especializações ou segmentações.<br />
Outra importante escola <strong>de</strong> animação do Leste Europeu é a Escola Checa, também<br />
conhecida por Escola <strong>de</strong> Praga. Suas animações pertencem atualmente a Krátký Film Praha<br />
– instituição criada por <strong>de</strong>creto presi<strong>de</strong>ncial em 1945 – da qual fazem parte dois importantes<br />
estúdios. Um <strong>de</strong>les, o Studio Bratři v triku, é consi<strong>de</strong>rado o maior estúdio <strong>de</strong> animação da<br />
República Checa. Por ele passaram alguns dos principais nomes da animação do país, como Jiři<br />
6. Após nova organização política e geográfica, os atuais países internacionalmente reconhecidos que ocupavam<br />
territórios pertencentes ao Leste Europeu são: Albânia, Armênia, Bielorrússia, Bósnia e Herzegovina,<br />
Bulgária, Croácia, Eslováquia, Eslovênia, Estônia, Georgia, Hungria, Letônia, Lituânia, Macedônia, Moldávia,<br />
Montenegro, Polônia, República Checa, Romênia, Rússia, Sérvia e Ucrânia.<br />
99
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Trnka, Břetislav Pojar, Jiři Br<strong>de</strong>čka e Z<strong>de</strong>něk Miler. Com mais <strong>de</strong> 1.600 animações produzidas<br />
e centenas <strong>de</strong> prêmios no mundo todo, o estúdio trabalha atualmente, além <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver<br />
projetos próprios, em coproduções com a Alemanha, a Suíça, a Holanda e os Estados Unidos.<br />
Além disso, há o estúdio <strong>de</strong> Jiři Trnka, no qual o animador <strong>de</strong>senvolveu a maioria <strong>de</strong> seus filmes<br />
utilizando a técnica <strong>de</strong> stop motion, por meio da manipulação <strong>de</strong> bonecos. Antes <strong>de</strong> animar, Trnka<br />
tinha gran<strong>de</strong> experiência profissional com a criação <strong>de</strong> bonecos e também com ilustração. O animador,<br />
amplamente premiado e reconhecido, tornou-se notório por aliar uma alta carga poética em sua<br />
dramaturgia à pesquisa <strong>de</strong> novos materiais, processos e técnicas para seus trabalhos, tornando-se<br />
uma das maiores e mais importantes referências no mundo da animação.<br />
A terceira escola <strong>de</strong> animação <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> influência no Leste Europeu foi a Escola <strong>de</strong><br />
Zagreb, formada principalmente pela Zagreb School of Animation (pertencente à Zagreb Film,<br />
fundada em 1953 e que produziu mais <strong>de</strong> 600 animações e recebeu inúmeros prêmios. Entre<br />
eles, um Oscar, em 1962, pelo curta “Surogat” (“Lonely Guy”) <strong>de</strong> Dušan Vukotić, que se tornou<br />
o primeiro animador não americano a ganhar tal prêmio. Entre os principais animadores da<br />
Escola, encontram-se nomes como os <strong>de</strong> Nikola Kostelac, Vatroslav Mimica, Dušan Vukotić e<br />
Vladimir Kristl. A Escola <strong>de</strong> Zagreb também se tornou conhecida pela produção <strong>de</strong> 12 séries, a<br />
maioria feita em película, mas também exibidas na televisão, como: “Inspector Mask” (1950-<br />
56), “Professor Balthazar” (1967-74), “Maxi Cat” (1972-73) e “Leteći Medvjedići” (“The Little<br />
Flying Bears”, coprodução com CinéGroup do Canadá, 1990-91).<br />
Além <strong>de</strong>stes três principais, é importante frisar que <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> outros estúdios têm<br />
participação ativa e importante no cenário da animação no Leste Europeu. Dentre esses,<br />
po<strong>de</strong>mos mencionar o NuKu Film Studio, localizado atualmente na Estônia e um dos principais<br />
estúdios <strong>de</strong> stop motion em todo o mundo, e a Pannónia Film Stúdió, produtora estatal húngara<br />
<strong>de</strong> curtas, longas e séries, responsável pela formação dos principais animadores do país, como<br />
Attila Dargay, Marcell Jankovics, Ferenc Rófusz, György Koyásznai, Sándor Reisenbüchler,<br />
István Orosz, Liviusz Gyulai, Dóra Keresztes e Zsolt Richlv.<br />
Com a queda da Cortina <strong>de</strong> Ferro, surgem também diversos novos estúdios <strong>de</strong> animação, não<br />
mais estatais, mas privados. Um <strong>de</strong>les é o estúdio Pilot, um dos primeiros estúdios privados do Leste<br />
Europeu, fundado em 1988 por Aleksandr Tatarskiy, Igor Kovalyov e Anatoliy Prokhorov. Conhecido pelo<br />
senso <strong>de</strong> humor aguçado e pela técnica apurada <strong>de</strong> suas obras, o estúdio, um dos maiores da Rússia,<br />
conseguiu rápida projeção com curtas-metragens como “The Hunter” (1993) e “Bukashki” (2003).<br />
Atualmente, o estúdio também <strong>de</strong>senvolve alguns projetos <strong>de</strong> séries <strong>de</strong> animação para a televisão.<br />
Ressaltamos que, apesar <strong>de</strong> haver um domínio comercial dos <strong>de</strong>senhos animados americanos e<br />
japoneses no mercado mundial, existem inúmeras experiências <strong>de</strong> séries <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhos animados para<br />
televisão em diversos outros países <strong>de</strong> todo o mundo. Ainda que em menor volume e com menor<br />
projeção internacional, estas séries pensadas e produzidas fora do eixo dominante possuem, muitas<br />
vezes, qualida<strong>de</strong> e técnicas criativas tão gran<strong>de</strong>s, senão maiores, do que as séries <strong>de</strong> maior sucesso<br />
comercial. No final <strong>de</strong>ste capítulo, falaremos um pouco mais <strong>de</strong> algumas <strong>de</strong>las.<br />
Além <strong>de</strong> alguns programas <strong>de</strong> televisão, como “Pinwheel”, da Nickelo<strong>de</strong>on, diversas mostras e<br />
festivais começam a exibir com maior frequência e regularida<strong>de</strong> as animações dos países da extinta<br />
Cortina <strong>de</strong> Ferro. Nesses eventos, tanto o público quanto os realizadores passaram a ter um contato<br />
100
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
mais sistemático com essas obras. Também os estúdios do Leste Europeu dão início a coproduções<br />
com estúdios <strong>de</strong> outros países que, aos poucos, começam a ser exibidas na gra<strong>de</strong> regular das gran<strong>de</strong>s<br />
emissoras. Isso sem mencionar os próprios animadores <strong>de</strong>sses países que migraram para os Estados<br />
Unidos e começaram a trabalhar na gran<strong>de</strong> indústria dos <strong>de</strong>senhos animados.<br />
Com tudo isso, foi natural que a animação do Leste Europeu começasse a se tornar uma<br />
referência para a produção <strong>de</strong> séries animadas oci<strong>de</strong>ntais. Po<strong>de</strong>mos, portanto, levantar a<br />
hipótese <strong>de</strong> que, ao lado dos outros fatores aqui apontados, a queda da Cortina <strong>de</strong> Ferro tem<br />
relação direta com a renovação e diversificação dos <strong>de</strong>senhos animados norte-americanos a<br />
partir da década <strong>de</strong> 90. Uma das primeiras séries em que isso se manifestou <strong>de</strong> forma bastante<br />
perceptível foi “Rugrats”, produzida pelo estúdio Klasky Csupó, fundado pelo animador<br />
húngaro Gabor Csupó com sua esposa Arlene Klasky.<br />
Com a ampliação da cobertura para todo o território norte-americano e seu maior<br />
direcionamento para as séries <strong>de</strong> animação, o canal Nickelo<strong>de</strong>on resolve produzir, em 1991,<br />
séries originais <strong>de</strong> animação. Desta iniciativa, saem três das principais séries exibidas pela<br />
emissora nesta década. A primeira <strong>de</strong>las, “Doug” (1991-99), criada por Jim Jinkins, contava<br />
o cotidiano <strong>de</strong> Doug Funnie, um menino <strong>de</strong> onze anos, na cida<strong>de</strong> fictícia <strong>de</strong> Bluffington, para<br />
on<strong>de</strong> sua família havia se mudado.<br />
A segunda série foi justamente “Rugrats” (1991-2004), criada pelo estúdio <strong>de</strong> Gabor Csupó<br />
e Arlene Klasky. A série apresenta uma possível visão <strong>de</strong> mundo <strong>de</strong> uma turma <strong>de</strong> bebês,<br />
que conseguem se comunicar entre si, mas que não são compreendidos pelos adultos, apesar<br />
<strong>de</strong> conseguirem enten<strong>de</strong>r tudo o que estes dizem. Uma das personagens, Angelica Pickles,<br />
posteriormente adicionada à série, consegue se comunicar igualmente com os dois mundos,<br />
sendo assim uma espécie <strong>de</strong> elo entre eles. A série, <strong>de</strong>stinada para o público infantil, conseguiu<br />
um fato raro: oferecer um entretenimento <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> com criativida<strong>de</strong> e que foi elogiado<br />
por pais, adultos e organizações sociais, premiado pelos críticos e adorado pelas crianças.<br />
“Doug”, “Ren & Stimpy”, “Rugrats”<br />
A terceira série lançada pelos novos estúdios da Nickelo<strong>de</strong>on foi “Ren & Stimpy”, do criativo<br />
e irreverente animador cana<strong>de</strong>nse John Kricfalusi. Os episódios giram em torno das bizarras<br />
situações vividas pelos dois protagonistas que dão nome à série: Ren, um cachorro chihuahua<br />
neurótico e Stimpy, um gato bem humorado e estúpido. Com estilo <strong>de</strong> animação semelhante ao<br />
dos theatricals realizados entre as décadas <strong>de</strong> 40 e 60 (período conhecido como a Era <strong>de</strong> Ouro<br />
da Animação Americana), a série abusava <strong>de</strong> humor negro e <strong>de</strong> violentas trapalhadas.<br />
101
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
A i<strong>de</strong>ia inicial da série surgiu em 1978, quando Kricfalusi, então estudante <strong>de</strong> animação,<br />
viu uma fotografia <strong>de</strong> Elliot Erwitt intitulada “New York, 1946”, na qual uma imagem registra<br />
próximo ao chão <strong>de</strong> uma rua urbana um chihuahua em primeiro plano, encarando a câmera ao<br />
lado dos pés <strong>de</strong> uma mulher.<br />
A primeira animação <strong>de</strong> Kricfalusi foi o curta “Ted Bakes One”, <strong>de</strong> 1979, exibido em<br />
festivais e alguns canais a cabo. Nos anos 80, trabalhou em diversas séries na Filmation e<br />
Hanna-Barbera, até passar a trabalhar em alguns projetos do diretor Ralph Bakshi, como o<br />
vi<strong>de</strong>oclipe <strong>de</strong> “Harlem Shuffle”, da banda Rolling Stones, e em alguns episódios do revival da<br />
série “Mighty Mouse” (“Super Mouse”).<br />
Em 1989, Kricfalusi apresenta o projeto <strong>de</strong> sua série para a Nickelo<strong>de</strong>on, que financia a produção <strong>de</strong><br />
um episódio, “Big House Blues”, que foi animado no próprio estúdio <strong>de</strong> Kricfalusi, o Spümcø. No piloto,<br />
Ren e Stimpy são capturados pela carrocinha e vão parar em um canil, on<strong>de</strong> conhecem Jasper e Phil, este<br />
último enviado para tirar um “gran<strong>de</strong> sono”. A vida dos dois parece estar por um fio quando são adotados<br />
por uma doce e <strong>de</strong>licada menina. O episódio foi exibido com sucesso em diversos festivais <strong>de</strong> animação<br />
pelo mundo, até que a Nickelo<strong>de</strong>on promovesse sua estreia na gra<strong>de</strong> da emissora em agosto <strong>de</strong> 1991.<br />
Por conta das inúmeras controvérsias causadas pela série e pela resistência <strong>de</strong> Kricfalusi<br />
em a<strong>de</strong>quá-la ao controle da emissora, o autor acaba <strong>de</strong>sligado <strong>de</strong> “Ren e Stimpy” no final <strong>de</strong><br />
1992. No total, a série teve cinco temporadas e foi exibida até 1996, sem ter, as últimas, a<br />
mesma irreverência e ousadia que caracterizou as duas primeiras temporadas.<br />
Duas séries criadas pelo produtor Peter Keefe e dirigidas pelo animador Tom Burton consolidam<br />
um retorno à produção <strong>de</strong> séries <strong>de</strong> animação mais autorais para a televisão no início dos anos 90.<br />
A primeira <strong>de</strong>las, “Widget” (1990-92), tem como protagonista um extraterrestre roxo, oriundo da<br />
nebulosa Cabeça <strong>de</strong> Cavalo, que tem o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> mudar <strong>de</strong> forma e possui um grupo <strong>de</strong> amigos<br />
formado por jovens humanos. Juntos, eles enfrentam diversos <strong>de</strong>safios, inclusive <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r o planeta<br />
<strong>de</strong> perversos vilões alienígenas interessados em extrair os recursos naturais da Terra.<br />
A outra série criada por Keefe é “Mr. Bogus” (1993-94), dividida em duas partes distintas:<br />
a primeira animada <strong>de</strong> forma tradicional em acetato e a segunda em stop motion. Um dos<br />
ambientes recorrentes da série é um balcão <strong>de</strong> cozinha no qual as personagens passam por<br />
diversas aventuras com utensílios domésticos. A protagonista da série, Mr. Bogus, é uma<br />
estranha criatura que vive nas pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong> uma casa no subúrbio. Em alguns episódios, as<br />
histórias também são ambientadas em seu próprio mundo - Bogusland, uma dimensão paralela<br />
<strong>de</strong> formas curvas e distorcidas -, sempre apresentando enredos <strong>de</strong>lirantes.<br />
“Widget”, “Mr. Bogus”<br />
102
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Após o lançamento <strong>de</strong> “Doug”, “Rugrats” e “Ren & Stimpy”, a Nickelo<strong>de</strong>on produz uma<br />
quarta série, também com gran<strong>de</strong> repercussão. Trata-se <strong>de</strong> “Rocko’s Mo<strong>de</strong>rn Life” (“A Vida<br />
Mo<strong>de</strong>rna <strong>de</strong> Rocko”, 1993-96), criada pelo animador Joe Murray e cujo diretor criativo foi<br />
Stephen Hillenburg, que <strong>de</strong>senvolveria mais tar<strong>de</strong> sua própria série, “SpongeBob SquarePants”<br />
(“Bob Esponja Calça Quadrada”), no final da década.<br />
A série gira em torno <strong>de</strong> Rocko, um marsupial (wallaby) <strong>de</strong> formas antropomórficas, que<br />
imigrou da Austrália para a cida<strong>de</strong> fictícia <strong>de</strong> O-Town, nos Estados Unidos, on<strong>de</strong> passa por<br />
diversas situações e aventuras sui-generis. “Rocko’s Mo<strong>de</strong>rn Life” é carregada <strong>de</strong> duplos<br />
sentidos, insinuações, alusões e paró dias contemporâneas. Os episódios das quatro temporadas<br />
foram escritos por 30 roteiristas dife rentes, o que garantiu uma enorme diversida<strong>de</strong> estilística<br />
<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma linha mestra comum à série.<br />
Em 1996, a Nickelo<strong>de</strong>on <strong>de</strong>senvolve duas novas séries originais: “Kablam!” e “Hey<br />
Arnold!”. A primeira foi uma espécie <strong>de</strong> miscelânea <strong>de</strong> animações realizadas por animadores<br />
diversos com diferentes técnicas, que tinham em comum entre si apenas o tom humorístico do<br />
programa. Apesar da ousadia da proposta, a série teve quatro temporadas e foi <strong>de</strong>scontinuada<br />
no ano <strong>de</strong> 2000. Já “Hey Arnold!”(1996-2002) traz como protagonista um menino cabeçudo,<br />
i<strong>de</strong>alista, que sempre tenta fazer a coisa certa e ver o melhor das pessoas. O tom da série foi<br />
comparado, por muitos, com “The Charlie Brown and Snoopy Show” (1983-85), série baseada<br />
nos populares quadrinhos <strong>de</strong> Charles M. Schulz que, apesar <strong>de</strong> ter apenas duas temporadas na<br />
televisão, <strong>de</strong>ixou uma consi<strong>de</strong>rável legião <strong>de</strong> fãs.<br />
“Rocko’s Mo<strong>de</strong>rn Life”, “Hey Arnold!”, “Kablam!”<br />
O Nickelo<strong>de</strong>on está atualmente presente em mais <strong>de</strong> 200 países do mundo, incluindo Oriente<br />
Médio, Europa, Oceania, América Latina e Índia e possui ainda outros quatro canais a cabo: “Nick<br />
Jr”, voltado para crianças em ida<strong>de</strong> pré-escolar; “TeenNick”, voltado para adolescentes; “TV<br />
Land”, com reprise <strong>de</strong> séries e programas “clássicos”, e “NickToons”, voltado exclusivamente para<br />
<strong>de</strong>senhos animados. O canal possui ainda um braço especializado na produção <strong>de</strong> filmes <strong>de</strong> longametragem<br />
em animação, a maioria <strong>de</strong>les baseados em suas séries <strong>de</strong> maior sucesso.<br />
Além do Nickelo<strong>de</strong>on, outro canal <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância para a história da animação na televisão<br />
foi o Cartoon Network. Como vimos, o canal surge a partir da aquisição, por parte do magnata<br />
das comunicações norte-americano Ted Turner, <strong>de</strong> todo o acervo da Hanna-Barbera. Turner pensou<br />
que, ao invés <strong>de</strong> usar este material <strong>de</strong> forma dispersa entre seus canais, po<strong>de</strong>ria criar um veículo<br />
específico para tal propósito. Em 1994, o Cartoon Network era o quinto canal a cabo mais popular e,<br />
em 2001, o segundo – sucesso maior que as previsões mais otimistas <strong>de</strong> Ted Turner. Em seus primeiros<br />
anos, o canal vivia praticamente da reprise <strong>de</strong> séries adquiridas da Hanna-Barbera e <strong>de</strong> alguns outros<br />
103
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
estúdios. A primeira série original do canal foi “The Moxy Show” (1993), uma das séries <strong>de</strong> animação<br />
pioneiras contendo personagens animadas tridimensionalmente (3D).<br />
Parte do sucesso do Cartoon Network, a partir da década <strong>de</strong> 90, po<strong>de</strong> ser explicada por<br />
políticas e programas inteligentes para a produção <strong>de</strong> novas séries <strong>de</strong> animação. Em 1995,<br />
a Cartoon Network lança “What a Cartoon Show” (também conhecido como “The Cartoon<br />
Cartoon Show”), concebido pelo produtor e diretor criativo Fred Seibert. O conceito central<br />
do projeto foi abrir espaço para novos e talentosos animadores <strong>de</strong>senvolverem pilotos <strong>de</strong><br />
séries autorais. Cada projeto selecionado contou com uma consultoria <strong>de</strong> dois experientes<br />
profissionais (Jesse Stagg e Kelly Wheeler) antes <strong>de</strong> passar por uma estreia mundial no canal.<br />
O primeiro piloto exibido foi “The Powerpuff Girls in Meat Fuzzy Lumpkins”, do animador<br />
russo Genndy Tartakovsky, em fevereiro <strong>de</strong> 1995. Ao todo, foram produzidos e exibidos 48<br />
pilotos, dos quais 18 resultaram em séries regulares, algumas <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> sucesso como “Dexter’s<br />
Laboratory” (“Laboratório <strong>de</strong> Dexter”, 1996-2003), também <strong>de</strong> Genndy Tartakovksy, “Cow and<br />
Chicken” (“A Vaca e o Frango”, 1997-99), <strong>de</strong> David Feiss, “Johnny Bravo” (1997-2004), <strong>de</strong> Van<br />
Partible, “Ed, Edd n Eddy (“Du, Dudu e Edu”, 1999-2009), <strong>de</strong> Danny Antonucci, “Larry and<br />
Steve”, que mais tar<strong>de</strong> <strong>de</strong>u origem à série “The Family Guy”(1999-atual), <strong>de</strong> Seth MacFarlane,<br />
“Courage, the Cowardly Dog” (“Coragem, o Cão Covar<strong>de</strong>”, 1999-2002), <strong>de</strong> John Dilworth e<br />
“Mike, Lu & Og” (1999-2000), <strong>de</strong> Mikhail Shin<strong>de</strong>l.<br />
“Courage, the Cowardly Dog”, “Cow and Chicken”, “Dexter’s Laboratory”<br />
A experiência <strong>de</strong> “What a Cartoon Show” foi consi<strong>de</strong>rada uma mistura do estilo clássico <strong>de</strong><br />
produção dos theatricals da década <strong>de</strong> 40 com o humor e a originalida<strong>de</strong> das séries <strong>de</strong> televisão<br />
da década <strong>de</strong> 90. O êxito da iniciativa fez com que Fred Seibert lançasse “Oh Yeah! Cartoons”,<br />
o maior programa <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhos animados <strong>de</strong> todos os tempos. Entre os anos<br />
<strong>de</strong> 1998 e 2001, o novo programa ren<strong>de</strong>u cerca <strong>de</strong> 100 episódios pilotos produzidos e exibidos,<br />
que <strong>de</strong>ram origem a séries como “The Fairly OddParents” (“Os Padrinhos Mágicos”, 2001-atual),<br />
<strong>de</strong> Butch Hartman, “ChalkZone” (“Mundo Giz”, 2002-2009), <strong>de</strong> Bill Burnett e Larry Huber e “My<br />
Life as a Teenage Robot” (“Uma Robô Adolescente”, 2003-2009) <strong>de</strong> Rob Renzetti.<br />
Juntos, os dois programas <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> séries ajudaram a revelar novos nomes da<br />
animação, como Alex Kirwan, Antoine Guilbaud, Bob Boyle, Bill Burnett, Butch Hartman, Byron<br />
Vaughns, Carlos Ramos, C. Milles Thompson, David Wasson, Jaime Diaz, Greg Emison, John Eng,<br />
John Fountain, Ken Kessel, Larry Huber, Pat Ventura, Rob Renzetti, Seth MacFarlane, Steve<br />
Marmel, Thomas Fitzgerals, Vincent Waller, Zac Moncrief.<br />
104
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Outro canal <strong>de</strong> televisão que teve papel crucial para o <strong>de</strong>senvolvimento das séries <strong>de</strong><br />
animação na década <strong>de</strong> 90 foi a MTV. Fundada em 1981, a emissora atingiu em cheio o público<br />
jovem e praticamente criou a indústria dos vi<strong>de</strong>oclipes. Entre um clipe musical e outro a<br />
emissora costumava <strong>de</strong>senvolver uma série <strong>de</strong> vinhetas utilizando técnicas experimentais <strong>de</strong><br />
animação e <strong>de</strong> vi<strong>de</strong>ografismo, reforçando sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> visual junto ao seu público.<br />
Dez anos após sua inauguração, em parceria com a BBC, a MTV lança uma das experiências<br />
mais radicais em termos <strong>de</strong> séries <strong>de</strong> animação na televisão: “Liquid Television” (1991-94).<br />
Com <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> episódios realizados por animadores in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, isto é, com alguma<br />
experiência em curta-metragem, mas nenhuma em televisão, a série apresentava episódios<br />
diferentes entre si, mas que tinham em comum apenas uma linha mestra pautada em um<br />
visual diferente daquele normalmente visto nos <strong>de</strong>senhos animados. Com episódios variando<br />
da abstração à crítica, “Liquid Television” fez enorme sucesso junto ao público da emissora e<br />
serviu <strong>de</strong> base para o lançamento <strong>de</strong> algumas das futuras séries originais da MTV.<br />
A primeira <strong>de</strong>stas séries foi “Æon Flux” (1991-1995), criada pelo animador coreano Peter<br />
Chung. Ambientada em um futuro distópico, a série incorporou referências diversas do anime,<br />
do artista austríaco Egon Schiele, <strong>de</strong> quadrinistas como Moebius e, segundo o próprio autor, até<br />
mesmo <strong>de</strong> técnicas <strong>de</strong> animação dos “Rugrats”. Com enredo singular e técnica apurada, “Æon<br />
Flux” agradou o público jovem fã <strong>de</strong> ficção científica.<br />
Em 1993, é lançada a série dos anárquicos “Beavis and Butt-Head” (1993-97), dois jovens<br />
fãs <strong>de</strong> rock pesado que vivem em uma conservadora cida<strong>de</strong> no Estado do Texas. A comicida<strong>de</strong> da<br />
série vem da não adoção <strong>de</strong> regras e convenções sociais por parte das personagens principais,<br />
normalmente agindo <strong>de</strong> maneira grosseira e <strong>de</strong>sagradável com os outros – inclusive entre<br />
si. Desprovidos <strong>de</strong> bom senso ou <strong>de</strong> noção moral, Beavis e Butt-Head normalmente agem<br />
instintivamente e terminam os episódios sem maiores problemas, ainda que possam prejudicar<br />
outras personagens. Uma das cenas recorrentes na série mostra a dupla sentando-se em um<br />
sofá, ligando a televisão e começando a comentar um vi<strong>de</strong>oclipe <strong>de</strong> uma banda qualquer.<br />
Em 1996, a série ganhou um filme <strong>de</strong> longa-metragem animado, “Beavis and Butt-Head do<br />
America”. A MTV anunciou que a série <strong>de</strong>ve voltar a partir <strong>de</strong> 2011.<br />
“Æon Flux”, “Beavis and Butt-Head”<br />
105
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Em seguida, a emissora produziu e exibiu as séries “The Brothers Grunt” (1994-95), <strong>de</strong> Danny<br />
Antonucci, “The Head” (1994-96) <strong>de</strong> Eric Fogel, “The Maxx” (1993-98), baseada na personagem <strong>de</strong><br />
Sam Kieth e dirigida por Gregg Vanzo, “Daria” (1997-2002) <strong>de</strong> Glen Eichler e “Downtown” (1999),<br />
uma sitcom animada criada e dirigida por Chris Prynoski, George Krstic e Anne D. Berstein.<br />
A MTV também ficou conhecida por duas séries originalmente <strong>de</strong>senvolvidas para o canal<br />
humorístico “Comedy Central”, mas que foram exibidas na emissora. A primeira <strong>de</strong>las “Dr. Katz,<br />
Professional Therapist” (“Dr. Katz, Terapeuta Profissional”, 1995-2002) criada por Jonathan Katz e<br />
Tom Sny<strong>de</strong>r, na qual o terapeuta Dr. Katz tinha como cliente atores e humoristas famosos. Entre<br />
uma sessão e outra, a série era entrecortada por trechos do cotidiano do terapeuta, envolvendo<br />
normalmente seu filho Benjamin, sua secretaria Laura e seus dois amigos, Stanley e a garçonete<br />
Julie. Muitos dos diálogos da série eram <strong>de</strong>finidos pelos próprios atores, por meio <strong>de</strong> improvisações a<br />
partir <strong>de</strong> temas ou situações norteadoras, <strong>de</strong>pois da escrita do roteiro em si.<br />
A outra série exibida na MTV e produzida originalmente no “Comedy Central” foi “South Park”<br />
(1997-atual), <strong>de</strong> Trey Parker e Matt Stone. A série foi baseada em dois curtas realizados pelos autores<br />
em 1992 e que se tornaram um dos primeiros casos <strong>de</strong> mídia viral da Internet. A série apresenta<br />
quatro meninos (Stan, Kyle, Eric e Kenny, que sempre morre nos episódios) que vivem estranhas<br />
aventuras na cida<strong>de</strong> fictícia <strong>de</strong> South Park. Cercada <strong>de</strong> humor negro e sátira, “South Park” aborda<br />
uma ampla varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> temas como sexo, violência, mídia, cultura pop e outros.<br />
“Dr. Katz, Professional Therapist”, “South Park”, “The PJ’s”<br />
Na esteira do sucesso permanente <strong>de</strong> “The Simpsons” e das <strong>de</strong>mais séries exibidas em<br />
outros canais, a Fox lança, também no final dos anos 90, outros <strong>de</strong>senhos animados originais e<br />
criativos em horário nobre, com relativo sucesso, como “King of The Hill” (“O Rei do Pedaço”,<br />
coprodução da Film Roman, Deedle-Dee Productions, Judgemental Films e 20th Century<br />
Fox Television, 1997 - 2009) <strong>de</strong> Mike Judge e Greg Daniels, “Family Guy” (“Uma Família da<br />
Pesada”, coprodução Fuzzy Door Productions e 20th Century Fox Television, 1999 – atual) <strong>de</strong><br />
Seth MacFarlane, “Futurama” (coprodução The Curiosity Company, Rough Draft e 20th Century<br />
Fox Television, 1999 – 2003; 2008 - atual) <strong>de</strong> Matt Groening e “The PJ’s” (coprodução Imagine<br />
Entertainment, Touchstone Pictures, The Murphy Company e Will Vinton Studios, 1999 - 2001),<br />
série <strong>de</strong> stop motion criada por Eddie Murphy, Larry Wilmore e Steven Tompkins.<br />
Um estúdio que volta a ter <strong>de</strong>staque na produção <strong>de</strong> séries <strong>de</strong> animação para televisão<br />
na década <strong>de</strong> 90 foi a Warner Bros. Cartoons, com duas séries baseadas em personagens do<br />
universo <strong>de</strong> Looney Tunes produzidas por Steven Spielberg e criadas por Tom Rueger: “Tiny<br />
Toon Adventures” (1990-95) e “Animaniacs” (1993-98). Em 1995, o estúdio lança duas séries<br />
originais e inventivas que trariam gran<strong>de</strong> sucesso. A primeira <strong>de</strong>las, “Pinky and the Brain”<br />
106
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
(“Pinky e o Cérebro”, 1995-98), criada pela dupla Spielberg e Rueger, apresenta como<br />
protagonistas uma dupla <strong>de</strong> ratos brancos que utilizam os laboratórios Acme como base para<br />
seu principal plano: dominar o mundo. Pink é um rato branco, alto e bastante bobo, por vezes<br />
idiota. Cérebro é um rato branco baixo, gordinho e bastante inteligente. Os elaborados planos<br />
<strong>de</strong> Cérebro para dominação do mundo acabam sempre dando errado, normalmente por conta<br />
<strong>de</strong> alguma trapalhada <strong>de</strong> Pink. O principal antagonista da dupla é Bola <strong>de</strong> Neve (Snowball) um<br />
hamster amarelo <strong>de</strong> nariz vermelho que possui inteligência tão aguçada quanto a <strong>de</strong> Cérebro<br />
e que também <strong>de</strong>seja dominar o mundo, mesmo que para isso se utilize <strong>de</strong> métodos nefastos.<br />
“Futurama”, “King of The Hill”<br />
A outra série da Warner Bros. Cartoons foi “Freakazoid!” (1995-99), criada por Bruce Timm,<br />
Paul Dini e Steven Spielberg, e que apresenta a história <strong>de</strong> um nerd que acaba aci<strong>de</strong>ntalmente<br />
indo parar no ciberespaço, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> volta na forma <strong>de</strong> um super-herói <strong>de</strong> pele azul. Maníaco e<br />
insano, Frekazoid foge do estereótipo do super-herói clássico e convive em seu universo com<br />
uma série <strong>de</strong> personagens excêntricas, sejam elas aliadas ou não.<br />
“Freakazoid!”, “Pink and the Brain”, “Animaniacs”<br />
“Tiny Toon Adventures” e “Animaniacs” foram exibidas por outro canal importante para a<br />
animação nesta década, a Fox Kids. Entre as cerca <strong>de</strong> 80 séries exibidas pela emissora nesta<br />
década, po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>stacar: “Bobby’s World” (“Mundo <strong>de</strong> Bob”, 1990-98), <strong>de</strong> Howie Man<strong>de</strong>l,<br />
“Taz-Mania” (1991-95), <strong>de</strong> Art Vitello, “Eek, the Cat” (1992-97), <strong>de</strong> Savage Steve Holland e Bill<br />
Koop, “Life With Louie” (1994-98), <strong>de</strong> Matthew O’Callaghan e Louie An<strong>de</strong>rson, “Where on Earth<br />
is Carmen Sandiego?” (“Carmen Sandiego”, 1994-99), criada por Pjil Harnage e dirigida por Joe<br />
Barruso, “Goosebumps” (1995-98), criada por R. L. Stine e dirigida por Deborah Forte.<br />
107
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
“Bobby’s World”, “Taz-Mania”, “Eek, the Cat”<br />
A Fox Kids exibiu ainda novas produções ou adaptações envolvendo antigas personagens dos<br />
<strong>de</strong>senhos animados, como “Tom & Jerry Kids” (1990-93), dirigida por Carl Urbano, Don Lusk,<br />
Paul Sommer, Robert Alvarez e Jay Sarbry, “Droopy, Master Detective” (1993-94) produzida por<br />
Joseph Barbera e dirigida por diversos animadores, “Casper” (“Gasparzinho, o Fantasminha<br />
Camarada”, 1996-98), dirigida por Marija Dail e “Godzilla” (1998-2000), dirigido por Audu<br />
Pa<strong>de</strong>n, Natan Chew, David Hartman e Sam Liu. A emissora a cabo da re<strong>de</strong> Fox também exibiu<br />
séries baseadas em super-heróis criados por Stan Lee, como: “Batman” (1992-95), <strong>de</strong>senvolvida<br />
e produzida por Bruce W. Timm, Eric Randomski e Alan Burnet, “X-Men” (1992-97), dirigida por<br />
diversos animadores e “Spi<strong>de</strong>r-Man” (“Homem-Aranha”, 1994-98), dirigido por Bob Shellhorn.<br />
Além dos canais <strong>de</strong> televisão aqui apresentados, outros três canais voltados para a animação<br />
surgem no final da década <strong>de</strong> 90: “Teletoon” (1997 – atual), “Treehouse TV” (1997 – atual) e<br />
“Animax” (1998-atual), este último voltado apenas ao anime. Juntos, são responsáveis pela<br />
exibição <strong>de</strong> <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> outras séries <strong>de</strong> animação na televisão.<br />
O período a partir do início da década <strong>de</strong> 90 é conhecido nos Estados Unidos como<br />
“American Animation Renaissance” (Renascimento da Animação Americana), e marca um<br />
novo crescimento não apenas quantitativo como qualitativo das séries <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhos animados.<br />
Assim, po<strong>de</strong>mos apontar a ampliação e a diversida<strong>de</strong> dos canais, a abertura da animação<br />
norte-americana para estúdios e animações estrangeiras, o fator intergeracional, os programas<br />
formativos <strong>de</strong> novos talentos, a ousadia criativa <strong>de</strong> novos animadores e as facilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
produção introduzidas pelas tecnologias digitais como os principais elementos responsáveis<br />
por esse “renascimento”.<br />
Todavia, grupos e entida<strong>de</strong>s sociais, como o ACT, voltam novamente a pressionar a FCC<br />
para tomar providências em relação ao conteúdo das novas séries. A ação surte efeito apenas<br />
nas séries <strong>de</strong> animação infantis, que passam a incorporar novas questões politicamente<br />
corretas, como a ecologia, por exemplo. Desta vez, porém, as séries <strong>de</strong> animação são<br />
consi<strong>de</strong>radas iguais aos <strong>de</strong>mais gêneros televisivos e produtos audiovisuais, <strong>de</strong>vendo indicar<br />
a classificação etária e se a<strong>de</strong>quar ao horário <strong>de</strong> exibição. Eventualmente, ações isoladas<br />
na justiça foram movidas contra algumas <strong>de</strong>ssas séries, normalmente envolvendo questões<br />
particulares específicas, associadas à imagem <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas figuras públicas que sentiram<br />
ridicularizadas ou mencionadas in<strong>de</strong>vidamente em <strong>de</strong>terminados episódios.<br />
A virada <strong>de</strong> século vê o surgimento <strong>de</strong> um dos maiores sucessos da história do <strong>de</strong>senho<br />
animado, ao lado <strong>de</strong> “The Flintstones” e “The Simpsons”, “SpongeBob SquarePants” (“Bob<br />
108
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Esponja Calça Quadrada, 1999-atual”), <strong>de</strong> Stephen Hillenburg, série da qual trataremos com<br />
mais <strong>de</strong>talhes no final <strong>de</strong>ste capítulo.<br />
O início do novo século marca a consolidação das séries <strong>de</strong> <strong>de</strong>senho animado na televisão. O<br />
avanço constante das tecnologias digitais facilitou o <strong>de</strong>senvolvimento dos <strong>de</strong>senhos animados,<br />
reduziu o tempo <strong>de</strong> produção, inaugurou novas possibilida<strong>de</strong>s criativas e favoreceu o mo<strong>de</strong>lo<br />
<strong>de</strong> coprodução internacional, aproximando estúdios geograficamente distantes.<br />
Além disso, novos canais exibidores <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhos animados surgem em todo o mundo, como<br />
“Boomerang” (2000), “BBC Kids” (2001), “Adult Swim” (2001), “TV Rá-Tim-Bum” (2004), “Jetix”<br />
(2004-10), “Animania HD” (2004-09), “Cartoonito” (2006), “4Kids TV” (2008), “Tooncast” (2008) e<br />
“The Hub” (2010), ampliando ainda mais a janela <strong>de</strong> exibição das séries <strong>de</strong> animação.<br />
Apesar <strong>de</strong> não termos um distanciamento histórico que nos permita examinar fatos recentes com<br />
a mesma segurança com a qual examinamos o passado, po<strong>de</strong>mos fazer algumas consi<strong>de</strong>rações sobre<br />
os <strong>de</strong>senhos animados nesta primeira década do século XXI. Em primeiro lugar, é possível observar uma<br />
<strong>de</strong>scentralização, ainda que lenta e paulatina, do eixo Estados Unidos – Japão na criação, produção<br />
e distribuição <strong>de</strong> séries <strong>de</strong> animação para a televisão, mesmo que, em alguns casos, sob a forma <strong>de</strong><br />
mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> coprodução. Além da diversida<strong>de</strong> estilística, esse processo tem estimulado a indústria da<br />
animação em outros países que já <strong>de</strong>senvolveram (ou estão <strong>de</strong>senvolvendo) seu potencial no setor.<br />
Além do Leste Europeu, outras localida<strong>de</strong>s vêm criando e produzindo, com alguma regularida<strong>de</strong>,<br />
séries originais <strong>de</strong> animação para a televisão, como Alemanha, Austrália, Canadá, Coréia, Dinamarca,<br />
Espanha, França, Índia, Inglaterra, Itália, Irlanda, México e Suécia.<br />
Outra tendência perceptível é o crescimento das séries adultas <strong>de</strong> animação. Da mesma<br />
forma que é um terrível equívoco consi<strong>de</strong>rar que toda animação seja infantil, também o é<br />
pensar que toda animação adulta seja pornográfica ou contenha palavrões. Devemos aqui,<br />
portanto, fazer uma observação a fim <strong>de</strong> diferenciar o conceito <strong>de</strong> censura do <strong>de</strong> públicoalvo.<br />
Uma série <strong>de</strong> animação adulta não necessariamente contém cenas <strong>de</strong> sexo, palavrões,<br />
violência e <strong>de</strong>mais conteúdos inapropriados para menores. É claro que parte <strong>de</strong>stas séries<br />
exploram temáticas consi<strong>de</strong>radas mais “pesadas”, mas uma animação também po<strong>de</strong>, sem<br />
utilizar tais recursos, ser consi<strong>de</strong>rada adulta pela sutileza <strong>de</strong> seus traços, pelo tipo <strong>de</strong> humor<br />
ou pela complexida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu roteiro, por exemplo.<br />
109
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Uma das primeiras séries na televisão a apontar esta tendência adulta foi “Space Ghost Coast to<br />
Coast” (“Space Ghost <strong>de</strong> Costa a Costa”, 1994-2001), criada por Mike Lazzo e exibida inicialmente<br />
no Cartoon Network. Pensada em um formato <strong>de</strong> paródia aos clássicos programas <strong>de</strong> entrevistas<br />
(talk shows), a série apresenta o protagonista Space Ghost como entrevistador <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong>s<br />
“reais”, que aparecem em uma tela <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o ao seu lado. Variação da série original da Hanna-<br />
Barbera <strong>de</strong>senvolvida nos 60, “Space Ghost Coast to Coast” resgatou uma galeria <strong>de</strong> vilões que<br />
ocupam agora papel <strong>de</strong> auxiliares, como o louva-a-<strong>de</strong>us gigante Zorak (lí<strong>de</strong>r da banda do estúdio),<br />
e o homem <strong>de</strong> lava <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma armadura, Moltar (produtor do programa). Os dois trabalham<br />
como uma espécie <strong>de</strong> pena a ser paga por seus crimes prévios e não escon<strong>de</strong>m seu <strong>de</strong>sgosto e<br />
falta <strong>de</strong> motivação para a realização <strong>de</strong> tais ativida<strong>de</strong>s. Space Ghost ganhou um irmão gêmeo<br />
extremamente inteligente e <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong> maquiavélica, Chad, que po<strong>de</strong> ser distinguido pelo<br />
cavanhaque, por uma voz mais grave e pelo uso <strong>de</strong> gírias em suas falas.<br />
Apesar <strong>de</strong> parodiar o formato <strong>de</strong> um programa <strong>de</strong> entrevistas, os episódios costumam criar<br />
situações inusitadas, como respostas sem sentido (provavelmente editadas previamente para não<br />
respon<strong>de</strong>r às perguntas do entrevistador). Outro exemplo ocorre no início do programa, quando<br />
o protagonista costuma perguntar para o entrevistado - uma personalida<strong>de</strong> humana do “mundo<br />
real” - sobre seus superpo<strong>de</strong>res. Sátira do estereótipo <strong>de</strong> apresentador <strong>de</strong> programas <strong>de</strong> entrevista,<br />
Space Ghost manifesta comportamentos e atitu<strong>de</strong>s egocêntricas e arrogantes, é <strong>de</strong>sinformado,<br />
<strong>de</strong>sconhecedor <strong>de</strong> suas limitações e respon<strong>de</strong> sempre <strong>de</strong> forma violenta às provocações.<br />
Exibidas <strong>de</strong>pois das 23h30min (late night), as séries adultas <strong>de</strong> animação, como “Space<br />
Ghost Coast to Coast”, se proliferam por toda a televisão, culminando, em 2001, com a criação<br />
<strong>de</strong> um canal exclusivo para tal tipo <strong>de</strong> série, o “Adult Swim”. O nome do canal é uma analogia<br />
ao termo utilizado em língua inglesa para os horários em que piscinas públicas estão restritas<br />
ao uso <strong>de</strong> adultos. Entre as principais séries produzidas e exibidas pelo canal estão: “Robot<br />
Chicken” (“Frango Robô”, 2005-atual), <strong>de</strong> Seth Green e Matthew Senreich, “Aqua Teen Hunger<br />
Force” (“Aqua Teen: O Esquadrão Força Total”, 2000 – atual), <strong>de</strong> Matt Maiellaro e Dave Willis,<br />
“Harvey Birdman: Attorney at Law” (“Harvey, o Advogado”, 2000-07), <strong>de</strong> Michael Ouwellen e<br />
Erik Ritcher e “Sealab 2021” (“Laboratório Submarino 2021”, 2000-05), <strong>de</strong> Adam Reed e Matt<br />
Thompson. A maioria <strong>de</strong>stas séries baseia-se em releituras <strong>de</strong> personagens da Hanna-Barbera.<br />
“Harvey Birdman: Attorney at Law”, “Neon Genesis Evangelion”, “Robot Chicken”<br />
O canal também exibe séries originalmente produzidas e/ou exibidas em outros canais, mas<br />
que se encaixem no perfil da programação, como “Family Guy”, “King of The Hill”, “American<br />
Dad”, “Futurama”, “The PJ’s” e também alguns animes mais voltados ao público adulto, como<br />
“Neon Genesis Evangelion” (Studio Gainax, 1995-96), criado por Yoshiyuki Sadamoto e dirigido<br />
110
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
por Hi<strong>de</strong>aki Anno, “Bleach” (2004-atual), criado por Tite Kubo e dirigido por Noriyuki Abe,<br />
“Full Metal Alchemist” (2003-2004), criado por Hiromu Arakawa e dirigido por Seiji Mizushima,<br />
“Ghost in the Shell: Stand Alone Complex” (2002-2003), criado por Masamune Shirow e escrito<br />
e dirigido por Hajime Shimomura e “Cowboy Bebop” (1998-99), <strong>de</strong> Shinichirō Watanabe.<br />
“Aqua Teen Hunger Force”, “Bleach”<br />
Criado a partir do extinto canal TNN (The National Network), surge, em 2003, um novo canal<br />
com programação <strong>de</strong>stinada ao público adulto jovem masculino (young male adults), Spike TV,<br />
posteriormente renomeado apenas como Spike. Apesar <strong>de</strong> não exibir apenas animações, o<br />
canal foi responsável pela criação <strong>de</strong> algumas séries <strong>de</strong>stinadas ao perfil <strong>de</strong> seu público-alvo.<br />
Uma das primeiras iniciativas nesse sentido se <strong>de</strong>u em 2003, quando Kricfalusi foi convidado<br />
pelo canal para voltar a dirigir suas duas personagens, <strong>de</strong>sta vez na série “Ren & Stimpy Adult<br />
Party Cartoon” (“Ren & Stimpy só para Adultos”, 2003-04). Todavia, a ousadia e irreverência<br />
foram tamanhas que a série teve gran<strong>de</strong>s dificulda<strong>de</strong>s em conseguir patrocinadores, o que<br />
acabou levando ao final da temporada no ano seguinte <strong>de</strong> sua estreia.<br />
Outras séries originais exibidas pelo canal foram “Gary, the Rat” (2003), escrito e dirigido<br />
por Mark e Rob Cullen, que tinha como protagonista um imoral rato advogado, “Stripperella”<br />
(2003-04), criada por Stan Lee e dirigida por Kevin Altieri, que apresentava a sexy heroína<br />
Erotica Jones, uma agente secreta que tinha como disfarce a profissão <strong>de</strong> stripper, além da<br />
reprise <strong>de</strong> algumas séries como “Conversation Pieces” (1983), <strong>de</strong> Peter Lord – um dos primeiros<br />
trabalhos do Estúdio Aardman.<br />
“Cowboy Bebop”, “Ren & Stimpy Adult Party Cartoon”<br />
111
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
A animação com temática mais adulta ou “séria” já era realizada há muito tempo por animadores<br />
como Ub Iwerks e Tex Avery. Apesar <strong>de</strong> não chegar a ser uma novida<strong>de</strong> em si, é a partir do século XXI<br />
que elas se multiplicam e ganham maior espaço, <strong>de</strong>finindo assim um novo perfil <strong>de</strong> público e nicho<br />
<strong>de</strong> mercado. Estas séries, muitas vezes <strong>de</strong> baixo orçamento, se caracterizam, <strong>de</strong> uma maneira geral,<br />
por diálogos ágeis e inteligentes, personagens jovens, presença <strong>de</strong> animais estranhos, humor físico e<br />
sofisticado juntos, ironia e referências a temas contemporâneos.<br />
“Gary, the Rat”, “Stripperella”<br />
112
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Além das séries adultas, é importante frisar que diversas outras séries originais infantis<br />
e kidults foram produzidas e exibidas nesta década. Entre as mais conhecidas po<strong>de</strong>mos<br />
mencionar: “Clifford, the Big Red Dog” (“Clifford, o Gigante Cão Vermelho”, 2000-03),<br />
criada por Norman Bridwell, Deborah Forte, Martha Atwater e dirigida por John Over, “Yu-<br />
Gi-Oh” (2000-06), dirigida por Kunihisa Sugishima, “Samurai Jack” (2001-04), criada Gennddy<br />
Tartakovsky e dirigida por Tartakovsky e Rob Renzetti, “The Proud Family” (2001-05), criada<br />
e dirigida por Bruce W. Smith e Dooren Spicer, “What’s With Andy?” (“Lá Vem o Andy”, 2001-<br />
07), criada por Andy Griffiths e dirigida por Tim Deacon, “The Grim Adventures of Billy and<br />
Mandy”, (“As Terríveis Aventuras <strong>de</strong> Billy e Mandy”, 2001-08) dirigida por Maxwell Atoms,<br />
“Hamtaro” (2001-04), dirigida por Osamu Nabeshima, “Jimmy Neutron” (2002-06), dirigida<br />
por Keith Alcorn e Mike Gasaway, “¡Mucha Lucha!” (2002-05), dirigida por Eddie Mort e Lili<br />
Chin, “KND – Kids Next Door” (“Turma do Bairro”, 2002-08), dirigida por Tom Warburton, “Kim<br />
Possible” (2002-07), dirigida por Bob Schooley e Mark McCorkle, “Naruto” (2002-07) e “Naruto<br />
Shippu<strong>de</strong>n” (2007-atual), criadas por Masatohi Kusakabe e dirigidas por Hayato Date, “Teen<br />
Titans” (“Jovens Titãs”, 2003-06), criada e dirigida por Glen Murakami, “Lilo & Stich” (2003-<br />
07), criada por Chris San<strong>de</strong>rs e Dean DeBlois e diridiga por Sna<strong>de</strong>rs, Debois, Roberts Gannaway,<br />
Tony Craig, Vic Cook e Don McKinnon, “Co<strong>de</strong> Lyoko” (2003-07), dirigida por Tania Palumbo<br />
e Thomas Romain, “Atomic Betty” (“Betty Atômica”, 2004-08), dirigida por Trevor Bentley,<br />
Mauro Casalese, Rob Davies e Olaf Miller, “The Backyardigans” (2004-atual), dirigida por Dave<br />
Palmer, “Foster’s Home for Imaginary Friends” (“A Mansão Foster para Amigos Imaginários”,<br />
2004-09), “Brandy and Mr. Whiskers” (“As Aventuras <strong>de</strong> Brandy e Sr. Bigo<strong>de</strong>s”, 2004-06), criada<br />
por Russel Marcus e dirigida por Timothy Björklund, John McIntyre e Steve Loter, “Pocoyo”<br />
(2005-07), dirigida por Guillermo Garcia Carsí, Guillermo Garcia David Cantolla e Luis Gallego,<br />
“Charlie and Lola” (2005-08), criada por Lauren Child e dirigida por Kitty Taylor, “Avatar: the<br />
Last Airben<strong>de</strong>r” (2005-08), criada por Michael Dante DiMartino e Bryan Konietzko e dirigido por<br />
Lauren MacMullan, Dave Filoni, Giancarlo Volpe, Ethan Spaulding e Joaquim dos Santos, “Camp<br />
Lazlo” (“O Acampamento <strong>de</strong> Lazlo”, 2005-08), dirigido por Joe Murray, “Ben 10” (2005-08),<br />
“Ben 10 Alien Force” (“Ben 10: Força Alienígena”, 2008-10), “Ben 10: Ultimate Alien” (“Ben<br />
10: Supremacia Alienígena”, 2010-atual), criados por Duncan Rouleau, Joe Casey, Joe Kelly,<br />
Steven T. Seagle, Dwayne McDuffie e Glen Murakami, “Grossology” (2006-09), dirigida por<br />
Sylvia Branzei, “Pucca” (2006-09), dirigida por Craig McCracken e Rob Renzetti, “Ying Yang Yo”<br />
(2006-09), criada por Bob Boyle e dirigida por Mark Ackland, “The Emperor’s New School” (“A<br />
Nova Escola do Imperador”, 2006-08), criada e dirigida por Mark Dindal, “Back at Barnyard”<br />
(“O Segredo dos Animais”, 2007 – atual), criada e dirigida por Steve Oe<strong>de</strong>kerk, “Total Drama<br />
Island” (“Ilha dos Desafios”, 2008), dirigida por Jennifer Pertsch e Tom McGillis, “The Penguins<br />
of Madagascar” (“Os Pinguins <strong>de</strong> Madagascar”, 2008 – atual), dirigido por Bret Haaland e Nick<br />
Filippi, “Kid vs Kat” (2008 – atual), criada por Rob Boutilier e dirigida por Boutilier, Josh<br />
Mepham e Greg Sullivan, “Phineas and Ferb” (2008 – atual), dirigida por Dan Povenmire e Jeff<br />
“Swampy” Marsh, “The Secret Saturdays” (“Os Sábados Secretos”, 2008 – atual), criada por<br />
Jay Stephens e dirigida por Scott Jeralds, “Inazuma Elleven” (“Super Onze”, 2008 – atual),<br />
“Star Wars: The Clone Wars” (“Star Wars: a Guerra dos Clones” -2008-atual), criada por George<br />
Lucas e dirigida por Genndy Tartakovsky e Rob Coleman, “Bakugan Battle Brawlers” (2010 –<br />
atual), dirigida por Mitsuo Hashimoto e “Kick Buttowski: Suburban Dare<strong>de</strong>vil” (“Kick Buttowski:<br />
um Projeto <strong>de</strong> Dublê”, 2010- atual), criada por Sandro Corsaro e dirigida por Chris Savino.<br />
Outra tendência dos <strong>de</strong>senhos animados neste início <strong>de</strong> século é o crossmedia, processo pelo<br />
qual as séries também se tornam presentes em outras mídias e suportes, como filmes, games, sites<br />
113
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
na Internet, aplicativos e materiais extras (como ringtones, papel <strong>de</strong> pare<strong>de</strong> para computador,<br />
comentários dos diretores, making ofs, etc), garantindo que o aficionado possa continuar interagindo<br />
com o universo da série mesmo após a exibição na televisão – sobretudo consi<strong>de</strong>rando o perfil <strong>de</strong> um<br />
público cada vez mais a<strong>de</strong>pto das chamadas “novas mídias”. Além <strong>de</strong> “premiar” o espectador mais<br />
entusiasta e favorecer a fi<strong>de</strong>lização <strong>de</strong> sua relação com a série, o crossmedia se apresenta ainda<br />
como uma expansão das formas tradicionais <strong>de</strong> licenciamento.<br />
“Ben 10 Alien Force”, “Charlie and Lola”, “Naruto”<br />
Se, na televisão, as séries <strong>de</strong> animação se consolidam como um dos gêneros mais populares<br />
do audiovisual contemporâneo – foram produzidos mais <strong>de</strong>senhos animados nos últimos 15 anos<br />
do que em seus primeiros 45 anos na televisão –, uma nova gama <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s se oferece<br />
na interface com as tecnologias e mídias digitais. Apesar da televisão ainda ser o principal<br />
meio para se produzir e exibir séries <strong>de</strong> animação, com o avanço <strong>de</strong>ssas tecnologias, outros<br />
formatos po<strong>de</strong>m oferecer interessantes possibilida<strong>de</strong>s para futuros animadores.<br />
Des<strong>de</strong> os anos 80, a popularização do sistema <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o cassete doméstico, o VHS (Vi<strong>de</strong>o Home<br />
System), permitiu outras formas <strong>de</strong> distribuição para algumas séries <strong>de</strong> animação. Uma primeira<br />
modalida<strong>de</strong> se <strong>de</strong>u por meio <strong>de</strong> um sistema chamado “direct to ví<strong>de</strong>o”, que possibilitava a venda <strong>de</strong><br />
séries <strong>de</strong> animação diretamente para o público por meio <strong>de</strong> fitas VHS, disponibilizadas em lojas ou<br />
entregues pelo serviço postal, sem necessariamente serem exibidas previamente em emissoras <strong>de</strong><br />
televisão. Assim, muitos estúdios pequenos e médios conseguiram viabilizar seus negócios, por vezes<br />
segmentados, sem <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r das tradicionais estruturas das distribuidoras e emissoras <strong>de</strong> televisão.<br />
Outra modalida<strong>de</strong> inaugurada com o VHS foi a compilação <strong>de</strong> antigas séries “fora do ar”<br />
para colecionadores, ou mesmo para novos espectadores que não tiveram a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
assistir às suas exibições na televisão. Além <strong>de</strong> um aumento no faturamento, esta segunda<br />
modalida<strong>de</strong> possibilitou também que séries antigas permanecessem evi<strong>de</strong>nciadas na memória<br />
do público. Atualmente esta estrutura <strong>de</strong> distribuição ainda existe, tendo atualizado o suporte<br />
do VHS para o DVD (Digital Vi<strong>de</strong>o Disc) ou mesmo diretamente pela internet (on <strong>de</strong>mand).<br />
A própria internet se oferece como território <strong>de</strong> projeção para <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> novas séries <strong>de</strong><br />
animações, sobretudo <strong>de</strong> baixíssimo orçamento ou feitas por realizadores estreantes. Assim, alguns<br />
animadores têm encontrado na re<strong>de</strong> mundial uma forma possível <strong>de</strong> viabilizar suas produções e<br />
exibir seu material. Além do caso mencionado anteriormente <strong>de</strong> “South Park”, que se tornou um<br />
dos primeiros virais na internet, ganhando enorme projeção, outro caso <strong>de</strong> sucesso na re<strong>de</strong> é a<br />
114
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
série “Happy Tree Friends”, criada por Aubrey Ankrum, Rho<strong>de</strong> Montijo e Kenn Navarro, disponível na<br />
internet <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2000, e também exibida em alguns países pela MTV (2006 – atual).<br />
O sucesso da série resi<strong>de</strong> no contraste <strong>de</strong> seu visual “bonitinho” com o humor negro <strong>de</strong><br />
seus enredos extremamente violentos, sendo por vezes comparada à “Itchy & Scratchy”, uma<br />
espécie <strong>de</strong> “metasérie” exibida <strong>de</strong>ntro dos Simpsons. Não indicado para crianças, ainda que seja<br />
bastante popular entre elas, a série não apresenta fala (quando muito grunhidos ininteligíveis)<br />
e mostra, <strong>de</strong> maneira sádica e cruel, <strong>de</strong>talhes <strong>de</strong> alguma morte que irá inevitavelmente<br />
acontecer. Com personagens e protagonistas em formas <strong>de</strong> mamíferos antropomórficos, que se<br />
revezam na participação <strong>de</strong> cada episódio, a animação costuma começar com alguma situação<br />
cotidiana ordinária que antece<strong>de</strong> a anunciada tragédia. Ao final, é mostrado um trocadilho a<br />
partir <strong>de</strong> uma moral que resultou no final funesto da história, como por exemplo: “Por isso,<br />
nunca se esqueça <strong>de</strong> lavar atrás da orelha”. Assim, a série é assistida muito mais para se saber<br />
“como” do que exatamente “o quê” vai acontecer.<br />
Se, por um lado o caráter metamórfico da trajetória dos <strong>de</strong>senhos animados gera certa<br />
imprevisibilida<strong>de</strong> quanto ao seu futuro, por outro, sua constante renovação acompanha as<br />
próprias transformações da socieda<strong>de</strong> contemporânea – ao menos em comparação com certos<br />
gêneros audiovisuais televisivos que parecem permanecer “congelados”.<br />
Séries <strong>de</strong> animação para televisão além dos Estados Unidos<br />
e Japão<br />
Como dissemos anteriormente, a gran<strong>de</strong> maioria dos <strong>de</strong>senhos animados tem sido<br />
produzida pelos Estados Unidos e Japão. A partir da década <strong>de</strong> 80 percebemos o surgimento<br />
<strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s estúdios <strong>de</strong> animação voltados para a produção <strong>de</strong> séries para a televisão em<br />
países como Canadá, Inglaterra, França e, mais recentemente, Coréia do Sul e Espanha. Tais<br />
países produzem, atualmente, muitas séries <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> sucesso comercial exibidas em canais<br />
<strong>de</strong> televisão <strong>de</strong> todo o mundo.<br />
Todavia, <strong>de</strong>vemos lembrar que a animação, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da televisão, é uma arte<br />
universal e que po<strong>de</strong> se manifestar <strong>de</strong> diversas formas em diversos formatos – o <strong>de</strong>senho animado é<br />
apenas uma <strong>de</strong>las. Assim, muitos países <strong>de</strong>senvolveram uma tradição em animação mais expressiva e<br />
constante na produção <strong>de</strong> curtas-metragens do que em séries para televisão, por exemplo.<br />
Interessa-nos aqui, neste final <strong>de</strong> capítulo, mencionar – ainda que brevemente – algumas<br />
séries <strong>de</strong>senvolvidas fora do “gran<strong>de</strong> eixo” comercial e que apresentaram alguma qualida<strong>de</strong><br />
diferenciada, digna <strong>de</strong> análise. Contudo, isso não significa que essa diferenciação só possa se<br />
manifestar fora <strong>de</strong>ste eixo – além <strong>de</strong> algumas das séries já mencionadas anteriormente, cito<br />
aqui, apenas a título <strong>de</strong> novo exemplo, a série americana “Lenore – the Cute Little Dead Girl”<br />
(2002) <strong>de</strong> Roman Dirge, inspirada no universo sombrio da poesia <strong>de</strong> Edgard Allan Poe.<br />
Uma das primeiras séries que gostaríamos <strong>de</strong> <strong>de</strong>stacar é “Krteček” (“The Mole”), criada pelo<br />
animador checo Z<strong>de</strong>něk Miler, que traz como protagonista uma simpática e curiosa toupeira. Com<br />
cerca <strong>de</strong> 50 episódios produzidos e exibidos <strong>de</strong> maneira irregular, entre os anos <strong>de</strong> 1963 e 2002, a<br />
série teve gran<strong>de</strong> sucesso nos países do Leste Europeu. A primeira aparição da protagonista se <strong>de</strong>u em<br />
115
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
um curta-metragem voltado para o público infantil, que tinha como objetivo ensinar para as crianças<br />
o processo <strong>de</strong> produção do linho. A i<strong>de</strong>ia expandiu-se, ainda que normalmente a personagem principal<br />
mostrasse como as coisas são feitas, sempre abordando um tema por episódio, como carro, telefone,<br />
pirulito e guarda-chuva, por exemplo. No primeiro episódio, havia a presença <strong>de</strong> um narrador que<br />
foi retirada. A série tornou-se, então, sem falas, sonoramente apresentando somente interjeições da<br />
toupeira, feitas pelos próprios filhos <strong>de</strong> Miler, que também serviam como uma espécie <strong>de</strong> consultores<br />
(público-alvo) dos episódios.<br />
“Happy Tree Friends”, “Krteček”, “Bolek i Lolek”<br />
Já “Bolek i Lolek” é uma série criada e dirigida por Wladyslaw Nehrebeck, exibida entre os<br />
anos <strong>de</strong> 1963 e 1986 com gran<strong>de</strong> sucesso nas emissoras <strong>de</strong> televisão <strong>de</strong> alguns países do Leste<br />
Europeu. A série infantil apresentava dois irmãos, inspirados nos próprios filhos <strong>de</strong> Nehrebeck,<br />
que passavam muito tempo ao ar livre e se envolviam em algumas aventuras e peripécias em<br />
meio à natureza. Em 1973, em resposta às solicitações feitas pelo público, foi adicionada à<br />
série uma personagem feminina chamada Tola. Com traço singular e a presença <strong>de</strong> uma trilha<br />
sonora que auxiliava a pontuar as diversas situações dramáticas, os episódios também não<br />
possuíam fala. Na Polônia, país <strong>de</strong> origem da série, as personagens ainda hoje po<strong>de</strong>m ser vistas<br />
licenciadas em diversos produtos e mídias. Em 1986, as personagens ganharam um filme <strong>de</strong><br />
longa-metragem em animação, “Bolek i Lolek na Dzikim Zachodzie” (“Bolek and Lolek in the<br />
Wild West”), dirigido por Stanislaw Dulz e produzida pelo Studio Filmów Rysunkowych.<br />
Produzida na Zagreb School of Animation, a série “Professor Balthazar” foi criada pelo<br />
premiado animador croata Zlatko Grgić e dirigida por ele em parceria com Ante Zaninović<br />
e Boris Kolar. A primeira temporada surgiu a partir do sucesso da personagem principal no<br />
curta-metragem “The Inventor”, <strong>de</strong> 1967. No total, foram produzidos 59 episódios em quatro<br />
temporadas (1969, 1971/72, 1977 e 1978) da série, originalmente pensada para o público<br />
infantil. Porém, acredita-se que a presença <strong>de</strong> histórias com bases filosóficas e poéticas<br />
e a presença <strong>de</strong> mensagens humanistas universais tenha atraído também uma parte da<br />
audiência adulta à série. Professor Balthazar é um cientista interessado em sempre fazer<br />
o bem, preocupado com todas as formas <strong>de</strong> vida e em promover bons valores. Aliada à sua<br />
índole, encontra-se a inteligência e a criativida<strong>de</strong> que lhe são características. Elaborada em<br />
uma época na qual muitos cientistas estiveram a trabalho da indústria da guerra, “Professor<br />
Balthazar” mostra que o conhecimento também po<strong>de</strong> ser usado a favor <strong>de</strong> boas causas.<br />
“La Linea”, obra do cartunista e animador italiano Cava (Osvaldo Cavandoli), produzida<br />
pela RAI (Radiotelevisione Italiana), emissora estatal da Itália, foi exibida em mais <strong>de</strong> 40 países<br />
116
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
do mundo entre os anos 1972 e 1991. Em “La Linea”, Cava conseguiu resultados surpreen<strong>de</strong>ntes<br />
a partir da utilização <strong>de</strong> elementos mínimos. O cenário era representado por uma espécie<br />
<strong>de</strong> fundo neutro chapado em uma única cor que, eventualmente, mudava em função da<br />
dramaticida<strong>de</strong> da cena. Em um primeiro plano os episódios começavam sempre com uma linha<br />
branca a partir da qual se <strong>de</strong>senhava o contorno da personagem, que permanecia presa a esta<br />
linha. Ao caminhar horizontalmente pela linha, a personagem se <strong>de</strong>parava com uma série <strong>de</strong><br />
obstáculos e elementos com os quais procurava interagir. Para tanto, a personagem olhava<br />
para cima e costumava recorrer ao próprio animador, cuja mão aparecia na tela para interferir<br />
diretamente no <strong>de</strong>senho.<br />
Com estrutura <strong>de</strong> produção enxuta, a série contava, além <strong>de</strong> Cava, com a participação do músico<br />
Franco Godi na sonorização e trilha sonora (com estilo predominante jazzístico) e do dublador<br />
Carlo Bonomi que interpretava grunhidos ininteligíveis emitidos pela personagem em resposta às<br />
diversas situações apresentadas. A i<strong>de</strong>ia da série foi inicialmente utilizada pelo próprio Cava para a<br />
publicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma marca <strong>de</strong> utensílios domésticos na Itália. Por meio <strong>de</strong> uma estética mínima, o<br />
autor conseguiu criar uma obra na qual a simplicida<strong>de</strong> é a sua própria razão <strong>de</strong> ser, sendo capaz ainda<br />
<strong>de</strong> gerar inúmeras situações <strong>de</strong>correntes da relação entre “criatura e criador”.<br />
Na Hungria, em 1978, a série infantil “Kockásfülű Nyúl” (“The Rabbit with Checkered Ears”),<br />
fez enorme sucesso junto às crianças na Magyar Televizió, canal estatal <strong>de</strong> televisão do país. Criada<br />
pela escritora e artista gráfica Veronika Marék, animada por Zsolt Richly e realizada no Pannónia<br />
Film Stúdió, a série girava em torno das enrascadas <strong>de</strong> quatro crianças (Kriszta, Menyus, Kistöfi e<br />
Mozdony), das quais o coelho com as orelhas listradas procurava livrá-las. A série foi bastante popular<br />
durante sua primeira exibição e ganhou diversas reprises, inclusive nos anos 2000, tornando o coelho<br />
protagonista a principal mascote da animação no país.<br />
“Leteći Medvjedići” (“The Little Flying Bears”) é outra série realizada na Zagreb School of<br />
Animation, em uma coprodução Croácia – Canadá, criada por Pero Kvesić e dirigida por Jean<br />
Sarault no ano <strong>de</strong> 1990. O <strong>de</strong>senho animado apresenta uma rara espécie <strong>de</strong> pequenos ursos<br />
alados que vivem em uma comunida<strong>de</strong> cooperativa utópica, em uma floresta mágica. Juntos,<br />
eles <strong>de</strong>vem impedir que as doninhas Shulk e Sammy, a cobra Slinky, a aranha Grizelda e o rato<br />
Spike consigam poluir a floresta e acabar com sua harmonia. Nessa missão, os ursos contam<br />
com os conselhos <strong>de</strong> Plato, o mais sábio dos ursos, porém muito velho para voar e da intrépida<br />
coruja Ozzy.<br />
“Kockásfülű Nyúl”, “Leteći Medvjedići”<br />
117
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Por fim, outra série recente que gostaríamos <strong>de</strong> <strong>de</strong>stacar é “Bob and Margareth” (1998-<br />
2001), uma coprodução Inglaterra-Canadá, criada por David Fine e Brit Alison Snow<strong>de</strong>n – marido<br />
e mulher na “vida real”. A i<strong>de</strong>ia da série surgiu a partir do curta dirigido pela dupla, “Bob’s<br />
Birthday”, vencedor do Oscar em 1994, que apresentava <strong>de</strong> forma cômica os planos <strong>de</strong> uma<br />
mulher (Margareth) organizando os preparativos para uma festa surpresa do quadragésimo<br />
aniversário <strong>de</strong> seu marido (Bob), enquanto ele lida com uma repentina crise <strong>de</strong> meia-ida<strong>de</strong>.<br />
Na série, os protagonistas são apresentados como um casal inglês trabalhador <strong>de</strong> meia<br />
ida<strong>de</strong> que tem dois cães (William e Elizabeth), mas nenhum filho. Bob é <strong>de</strong>ntista e Margareth<br />
uma podóloga. Juntos, os dois vivem questões cotidianas em uma cida<strong>de</strong> ao sul <strong>de</strong> Londres.<br />
Nas duas últimas temporadas, o casal se muda para a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Toronto, no Canadá e temas<br />
relacionados ao choque cultural tornam-se frequentes.<br />
Produzida nas mais diferentes épocas e lugares, com formas e características diversas, a<br />
animação parece romper barreiras aparentemente intransponíveis e, muitas vezes, aproximar<br />
culturas consi<strong>de</strong>radas distintas e mesmo momentos históricos diversos. No próximo capítulo,<br />
veremos como foi a participação brasileira neste cenário da produção <strong>de</strong> séries <strong>de</strong> animação<br />
para a televisão e qual é o panorama atual do setor no país, tratando da experiência do<br />
ANIMATV e das perspectivas para a futura criação <strong>de</strong> uma indústria da animação no Brasil.<br />
118
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
2.3<br />
a experiência<br />
brasileira<br />
2.3 A Experiência Brasileira<br />
Assim como na maioria dos países no mundo, o Brasil exibiu, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a chegada da televisão<br />
com Assis Chateaubriand, séries <strong>de</strong> animação produzidas principalmente pelos Estados Unidos.<br />
Estas séries eram negociadas com emissoras <strong>de</strong> todo o mundo, isto é, uma mesma série<br />
podia ser exibida simultaneamente por diferentes emissoras, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que não concorressem<br />
diretamente entre si. Como estas séries normalmente já haviam sido “pagas” internamente,<br />
sua comercialização internacional permitia uma receita extra para os estúdios e distribuidoras.<br />
Para as emissoras, o preço era atraente, normalmente inferior ao <strong>de</strong> se produzir o próprio<br />
conteúdo e o retorno comercial era garantido.<br />
No Brasil, a primeira série <strong>de</strong> animação que foi ao ar na televisão foi “Pica-Pau”. No dia<br />
19 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1950, um dia após sua fundação, a TV Tupi, primeira emissora <strong>de</strong> televisão<br />
do país, exibiu o episódio “Pica-Pau Biruta”. A emissora também exibiu posteriormente outras<br />
séries, como “Jambo e Ruivão”, “Pal’s Puppetoons” “Comicolor” e “Terrytoons”. No final dos<br />
anos 50, surgiram “Super Mouse”, “Faísca e Fumaça” e “Deputy Dawg”, <strong>de</strong> Paul Terry. A partir<br />
dos anos 60, foi a vez <strong>de</strong> outras séries serem exibidas na emissora, como “Zé Colméia”, “Os<br />
Flintstones”, “Mandachuva”, “Os Jetsons”, “Popeye”, “A Pantera Cor-<strong>de</strong>-Rosa”, “O Inspetor”,<br />
“XL-5 Stingray”, “Saturnin” (série <strong>de</strong> animação francesa <strong>de</strong> Jean Tourane) e “Speed Racer”,<br />
além <strong>de</strong> alguns curtas animados dos Estúdios Disney.<br />
Inicialmente, os episódios que tinham fala eram exibidos no idioma <strong>de</strong> origem, normalmente<br />
o inglês, sem qualquer tipo <strong>de</strong> legenda ou dublagem. As dublagens para português dos <strong>de</strong>senhos<br />
animados começaram apenas em 1960, na TV Rio, com alguns episódios <strong>de</strong> séries da Hanna-Barbera.<br />
A emissora também exibia episódios da Van Beuren, como “Gato Félix” e, posteriormente, “Dom<br />
Pixote”, “Pepe Legal”, “Comicolors”, “Thun<strong>de</strong>rbirds”, “Wally & Gator”, “Lippy & Hardy”, “Tartaruga<br />
Touché”, “Show do Pernalonga”, “Space Ghost”, “Frankstein Jr. & Os Impossíveis”, “Brasinhas do<br />
Espaço”, “Super-Heróis Marvel”, “Benny & Cecil”, “Os Muzarellas” e “Alvin e os Esquilos”.<br />
119
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Outras emissoras brasileiras da década <strong>de</strong> 60 também exibiam animações, como a TV<br />
Continental (“Gandy Goose e Sourpuss”, <strong>de</strong> Paul Terry) e a TV Excelsior (“Merrie Melodies”,<br />
“Looney Tunes”, “Gasparzinho”, “Popeye”, “Mr. Magoo”, “Sombras e Silhuetas”, “Betty Boop”,<br />
“Hugh Harman”, “Laurel & Hardy”, “Recruta Zero” e alguns curtas animados da Van Beuren).<br />
A partir da primeira meta<strong>de</strong> da década <strong>de</strong> 60, todos os <strong>de</strong>senhos animados exibidos na<br />
televisão brasileira começam a ser dublados. A Re<strong>de</strong> Globo, criada em 1965, exibia inicialmente<br />
quatro séries: “Jambo e Ruivão”, “Hércules”, “Gato Félix” e “Jonny Quest”. A partir <strong>de</strong> 1967,<br />
a emissora passou a exibir também “Maguila Gorila Show”, “Peter Potamus Show”, “Ricochete<br />
e Blau-Blau”, “Bacamarte e Chumbinho”, “Matraca e Fofoquinha”, “Mosquete, Mosquito e<br />
Moscardo”, “Os Herculói<strong>de</strong>s”, “Mobby Dick & Mighty Thor” e “Shazzam”.<br />
Outras séries exibidas no país durante a década <strong>de</strong> 60 foram: “Batfino”, “Dick Tracy”,<br />
“Super Presi<strong>de</strong>nte e o Sombra”, “Gato Coragem e Rato Minuto”, “Simbad Jr.”, “Roger<br />
Ramjet”, “Super 6”, “Clutch Cargo”, “Anjos do Espaço”, “As Viagens <strong>de</strong> Gulliver”, “Josie e<br />
as Gatinhas”, “The Archies”, “Super Seven”, “Jackson Five”, “Viagem Fantástica”, “Sansão e<br />
Golias”, Corrida Maluca”, “Fantomas”, “Captain Scarlet”, “As Novas Aventuras <strong>de</strong> Huckleberry<br />
Finn”, “Laboratório Submarino”, “Banana Split”, “The Beatles”, “Abbot e Costelo”, “Homem-<br />
Aranha”, “Scooby Doo” e “Turma da Gatolândia”.<br />
Com a popularização da televisão no Brasil, as séries <strong>de</strong> animação televisivas já se<br />
constituíam um gênero próprio e faziam parte, portanto, do repertório <strong>de</strong> seus telespectadores,<br />
sobretudo os jovens e as crianças da época – isto é, os adultos <strong>de</strong> hoje. Demoraria ainda,<br />
entretanto, muito tempo até que séries <strong>de</strong> animação brasileiras pu<strong>de</strong>ssem ser <strong>de</strong>senvolvidas.<br />
A dificulda<strong>de</strong> em se falar da história da animação no Brasil é inversamente proporcional<br />
a sua perseverança e qualida<strong>de</strong> técnica e criativa, sobretudo, mas não apenas, no campo da<br />
publicida<strong>de</strong> e do curta-metragem mais autoral. Essa história começa em 1907, <strong>de</strong> maneira<br />
experimental e esporádica, com as pequenas charges animadas feitas por Raul Pe<strong>de</strong>rneiras para<br />
terminar a exibição dos cinejornais projetados nas salas <strong>de</strong> cinema. Em 1910, Alberto Botelho<br />
e Alberto Moreira lançam o curta em animação “Paz e Amor”, uma crítica aos acontecimentos<br />
da campanha civilista e ao governo do presi<strong>de</strong>nte Nilo Peçanha. Os nomes das personagens<br />
principais eram apresentados como anagramas <strong>de</strong> figuras políticas conhecidas da época, como<br />
o próprio presi<strong>de</strong>nte, representado pela personagem El-Rei Olin I. Entretanto, o protagonista<br />
da animação era Tibúrcio da Anunciação, conhecida personagem da época, criada pela Revista<br />
Careta e que era responsável pela condução <strong>de</strong> toda a trama do filme. A animação foi ainda<br />
pintada à mão (fotograma por fotograma), tendo suas projeções exibidas, <strong>de</strong> maneira pioneira<br />
no país, em cores.<br />
Em 1917, Alvaro Marins (Seth), financiado por Sampaio Corrêa, lança “O Kaiser”, uma pequena<br />
história na qual Guilherme II, o lí<strong>de</strong>r alemão perfilava junto aos nacionalistas brasileiros (que<br />
pregavam o alistamento militar obrigatório) e, brincando com o globo mundial 7 , tentava dominar o<br />
mundo com seu capacete. No final, o mundo cresce, foge ao seu controle e acaba engolindo-o.<br />
7. Apesar <strong>de</strong> não haver mais nenhuma cópia <strong>de</strong>sse filme, segundo relatos, a i<strong>de</strong>ia é bastante semelhante à famosa<br />
cena do filme <strong>de</strong> Chaplin (“O Gran<strong>de</strong> Ditador”, 1940), no qual ele brinca com um globo terrestre inflável. Ainda<br />
assim, não há registro sobre o conhecimento do comediante a respeito do curta <strong>de</strong> animação brasileiro.<br />
120
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
No mesmo ano, são exibidos “Traquinagens <strong>de</strong> Chiquinho e seu Inseparável Amigo Jagunço”-<br />
creditado apenas à Kirs Filmes, no qual são utilizados personagens da revista infantil Tico Tico - e<br />
“As Aventuras <strong>de</strong> Bille e Bolle”, com <strong>de</strong>senhos <strong>de</strong> Eugênio Fonseca Filho (Fonk) e produção <strong>de</strong><br />
Gilberto Rossi.<br />
Na década <strong>de</strong> 20, a produção <strong>de</strong> animação no Brasil seguiu <strong>de</strong> forma irregular <strong>de</strong>vido,<br />
sobretudo, às dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> realização oriundas da falta <strong>de</strong> apoio e do distanciamento<br />
técnico e tecnológico dos gran<strong>de</strong>s centros mundiais. Entretanto, o interesse pela novida<strong>de</strong><br />
que a animação representava motivou a criação <strong>de</strong> novas peças, muitas <strong>de</strong>stas utilizadas como<br />
propagandas nas salas <strong>de</strong> cinema, como “Sapataria Pé <strong>de</strong> Anjo” e “Cigarros Sudan”, na cida<strong>de</strong><br />
do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Seth produziu pequenas peças para publicida<strong>de</strong> em cinema e um trecho <strong>de</strong><br />
um minuto para o documentário “Operação <strong>de</strong> Estômago”, <strong>de</strong> Luiz <strong>de</strong> Barros (1928). Luiz Seel<br />
e o caricaturista Belmonte lançam, em 1928, uma série <strong>de</strong> seis charges animadas intituladas<br />
“Brasil Animado”. No ano seguinte, Seel lança “Macaco Feio, Macaco Bonito”, a história <strong>de</strong> um<br />
macaco bêbado que foge do zoológico e é perseguido por animais do local e pela polícia – esta,<br />
provavelmente, a primeira animação brasileira que ainda possui registro fílmico conservado.<br />
Em 1930, Seel lança outro curta, “Frivolitá”, a história <strong>de</strong> uma mocinha coquete que<br />
enfrenta uma série <strong>de</strong> objetos animados ruidosos para tentar dormir até mais tar<strong>de</strong>. Em 1938<br />
e 1939, o quadrinista Luiz Sá produz dois episódios com o protagonista Virgolino: “As Aventuras<br />
<strong>de</strong> Virgolino” e “Virgolino Apanha”. Segundo relatos, eram animações com um traço bastante<br />
sofisticado e um estilo próprio bastante apurado. Sá queria mostrar suas animações para Walt<br />
Disney (que, como parte da política da boa vizinhança norte-americana, visitou o país em<br />
1939), mas foi impedido, porque seus filmes haviam sido recusados pelo DIP (Departamento<br />
<strong>de</strong> Imprensa e Propaganda) do governo <strong>de</strong> Getúlio Vargas. Um <strong>de</strong>sses filmes se per<strong>de</strong>u no<br />
laboratório e outro, foi vendido para uma loja <strong>de</strong> projetores, que o distribuiu cortado em<br />
vários pedaços aos seus clientes.<br />
Com apenas 13 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, Anélio, junto com seu irmão Mário Latini, realizam “Os Azares<br />
<strong>de</strong> Lulu”, em 1940. Dois anos <strong>de</strong>pois, Humberto Mauro, conhecido por seus documentários e um<br />
dos mais importantes nomes do cinema brasileiro, realiza para o INCE (Instituto Nacional <strong>de</strong> Cinema<br />
Educativo) “O Dragãozinho Manso”, primeira animação com manipulação <strong>de</strong> bonecos em tempo real<br />
realizada no país – sem, contudo, utilizar a técnica <strong>de</strong> stop motion. A obra, <strong>de</strong>stinada ao público<br />
infantil, não é consi<strong>de</strong>rada importante na carreira <strong>de</strong> Humberto Mauro e é pouco vista e conhecida.<br />
O filme conta a história do dragão Jonjoca que, ao ser <strong>de</strong>rrotado por São Jorge, torna-se bonzinho,<br />
mas, por sua fama, não consegue fazer amiza<strong>de</strong> com os homens nem com outros animais. Depois <strong>de</strong><br />
ganhar o dom da invisibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Jorge, o dragão voa pelo mundo, em companhia <strong>de</strong> sua amiga<br />
Maria Terezinha, fazendo boas ações. No final, o dragão se transforma em um príncipe, casa-se com<br />
Maria Terezinha e juntos vão morar na Lua.<br />
Na década <strong>de</strong> 50, além da iniciativa privada, o governo passa a utilizar animações como<br />
propaganda, como, por exemplo, na campanha <strong>de</strong>stinada à higiene e prevenção <strong>de</strong> contágio<br />
<strong>de</strong> doenças realizada pelo SESP (Serviço Especial <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Pública) durante o segundo governo<br />
<strong>de</strong> Getúlio Vargas. Entre as animações criadas, estava uma série <strong>de</strong>senvolvida por Rui Pieroti,<br />
que tinha como personagens principais a dupla Sujismundo e Dr. Prevenildo. Em 1953, após seis<br />
anos <strong>de</strong> trabalho árduo e ininterrupto, Anélio Latini finaliza praticamente sozinho, realizando<br />
quase todas as etapas e tarefas, o primeiro filme <strong>de</strong> longa-metragem animado da história da<br />
121
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
animação brasileira: “Sinfonia Amazônica”. Latini chegou a trabalhar até 20 horas por dia para<br />
concluir o filme, que tem cerca <strong>de</strong> 500.000 <strong>de</strong>senhos diferentes.<br />
“Macaco Feio, Macaco Bonito”, “O Dragãozinho Manso”, “Sinfonia Amazônica”<br />
“Sinfonia Amazônica” conta sete lendas amazônicas típicas (“Noite”, “Formação do Rio<br />
Amazonas”, “Fogo”, “Caipora”, “Jabuti e a Onça”, “Iara” e “Arco-Íris”), amarradas pelo<br />
pequeno índio Curumi, que tem como companheiro <strong>de</strong> aventuras um boto. Além <strong>de</strong>ssas, o<br />
filme apresenta outras personagens, como o malandro Jabuti, gran<strong>de</strong> tocador <strong>de</strong> flauta, a<br />
Gran<strong>de</strong> Cobra, mãe <strong>de</strong> todas as águas e sua filha Iara, a <strong>de</strong>usa das águas, o pássaro noturno<br />
Urutau, sempre apaixonado pela Lua, o arteiro Curupira, <strong>de</strong>fensor da floresta, o temido<br />
Caapora, senhor da luz, o pássaro Japu, responsável por trazer o fogo sagrado do céu, o gran<strong>de</strong><br />
Mapinguari e o pajé da tribo.<br />
O filme conta ainda com um importante making of, no qual são apresentadas as técnicas<br />
<strong>de</strong> animação utilizadas por Latini e os <strong>de</strong>talhes <strong>de</strong> produção da obra. O negativo encontra-se<br />
conservado na Cinemateca Brasileira e uma empresa do Rio <strong>de</strong> Janeiro está captando recursos<br />
para restaurar e digitalizar esta obra pioneira da animação brasileira. Apesar do sucesso <strong>de</strong><br />
público, Latini não recebeu <strong>de</strong>vidamente sua parte na renda da bilheteria do filme, o que fez<br />
com que <strong>de</strong>sistisse <strong>de</strong> realizar seu outro projeto, “O Kitan da Amazônia”.<br />
No final da década <strong>de</strong> 50, Rubens Francisco Luchetti e o italiano, radicado no Brasil,<br />
Bassano Vacari fundam o <strong>Centro</strong> Experimental <strong>de</strong> Ribeirão Preto, espaço <strong>de</strong>stinado às<br />
experimentações dos artistas plásticos em animação. Entre 1959 e 1962, a dupla produziu<br />
diversas animações experimentais, como “Abstrações”, “Rinocerontes”, “Vôo Cósmico”,<br />
“Arabescos” e “Cattedrale”.<br />
No mesmo período, Roberto Miller, também conhecido pela alcunha <strong>de</strong> “o feiticeiro das<br />
imagens”, faz um estágio no National Film Board do Canadá junto <strong>de</strong> seu mestre e amigo Norman<br />
McLaren. Ao retornar ao Brasil, Miller participa por algum tempo do <strong>Centro</strong> Experimental <strong>de</strong><br />
Ribeirão Preto, on<strong>de</strong> produziu algumas <strong>de</strong> suas primeiras animações no Brasil, como “Sound<br />
Synthetic”, “Till Ton Special”, “Rock and Roll”, “Sinfonia Mo<strong>de</strong>rna” e “Sound Abstract”.<br />
Com amplo domínio <strong>de</strong> diversas técnicas da animação experimental e abstrata, Miller tem<br />
uma das mais amplas e ricas produções em animação <strong>de</strong> todos os tempos no Brasil, com quase<br />
50 anos <strong>de</strong> carreira. Suas obras foram amplamente exibidas e premiadas em todo mundo;<br />
entre elas <strong>de</strong>stacam-se: “Rumba”, “Boogie Woogie”, a série <strong>de</strong> quatro animações “Desenho<br />
Abstrato”, “Átomo Brincalhão”, “Balanço”, “Carnaval 2001”, “Can-Can”, “Ballet Kaley”, “Opus<br />
122
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
3”, “Spit”, “Biscuit”, “Batucada”, “Faces”, “Feiticeiro Azul”, “Laser Beam”, “Temptation”,<br />
“Triangular Color”, “Visual World”, “Cultura”, “Strip Clip”, “Paralelas”, “Splash”, “Soap”,<br />
“Uma Nova Experiência”, “Spit Voodoo Key” e “Este Número não Existe”.<br />
Em 1965, no MASP (Museu <strong>de</strong> Arte <strong>de</strong> São Paulo), é realizado o “I Festival Internacional <strong>de</strong><br />
Cinema <strong>de</strong> Animação no Brasil”. Em uma época em que o intercâmbio internacional não era<br />
tão frequente, a mostra permitiu aos animadores e ao público conferir animações <strong>de</strong> vários<br />
países do mundo. Além dos curtas, havia um programa especial com filmes <strong>de</strong> animação <strong>de</strong><br />
publicida<strong>de</strong> produzidos na Holanda, Inglaterra e no Brasil. Desse festival, participam <strong>de</strong>z obras<br />
brasileiras produzidas por sete realizadores entre os anos <strong>de</strong> 1957 e 1965: “Ensaio <strong>de</strong> Cor<br />
Animada”, <strong>de</strong> Ana Sacerdote, “Tourbillon” e “Vôo Cósmico”, <strong>de</strong> Rubens Lucchetti e Bassano<br />
Vaccarini, “O Homem e sua Liberda<strong>de</strong>”, <strong>de</strong> Ayrton Gomes, “A Lenda da Vitória Régia” e<br />
“Gorila”, <strong>de</strong> Ype Nakashima, “Uma História do Brasil Tipo Exportação”, <strong>de</strong> Hamilton <strong>de</strong> Souza,<br />
“Rumba”, “Boogie Woogie” e “Átomo Brincalhão”, <strong>de</strong> Roberto Miller.<br />
Em 1967, alunos da Escola <strong>de</strong> Belas <strong>Artes</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro, animadores, artistas plásticos<br />
e entusiastas da animação fundam o CECA – <strong>Centro</strong> <strong>de</strong> Estudos <strong>de</strong> Cinema da Animação. Apesar<br />
<strong>de</strong> ter tido apenas um ano <strong>de</strong> existência, o CECA produziu muitas animações e <strong>de</strong>u origem, em<br />
1968, ao Grupo Fotograma.<br />
O novo grupo produziu diversas mostras no Museu <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna e um programa regular<br />
<strong>de</strong> animação na extinta TV Continental (canal 9, Rio <strong>de</strong> Janeiro). As animações produzidas pelos<br />
integrantes do Grupo Fotograma foram exibidas e premiadas nacional e internacionalmente.<br />
Entre seus membros estavam: Rui Oliveira, Jô Oliveira, Carlos Alberto Pacheco, Pedro Ernesto<br />
Stilpen (Stil), Sérgio Bezerra Pinheiro, Pedro Aares, Ênio Lamoglia Possebox, Hiroqui Ono,<br />
Stenio Pereira, Roberto Chiron, entre outros. O Grupo se <strong>de</strong>sfez em 1969, mas muitos <strong>de</strong> seus<br />
integrantes continuaram animando, como Aares, Ono, Chiron e Stil – este último animador com<br />
bastante projeção com curtas nas décadas <strong>de</strong> 60 e 70 como “Batuque”, “Urbis”, “Os Filhos <strong>de</strong><br />
Urbis”, “Lampião, ou Para cada Grilo uma Curtição”, “Reflexos”, “Statuos Quo”, “Faz Mal”,<br />
“As Quatro Estações”, “Super-Tição” e “Asdrúbal – O que É que Há com o seu Peru?”.<br />
A década <strong>de</strong> 60 marca ainda uma maior entrada da animação na publicida<strong>de</strong> (cinema e<br />
televisão), com a profissionalização <strong>de</strong> animadores como Ruy Peroti, Wilson Pinto e o francês<br />
radicado no Brasil Guy Lebrun. A publicida<strong>de</strong> também funcionou como a principal fonte <strong>de</strong><br />
renda <strong>de</strong> muitos outros animadores que mantinham <strong>de</strong> maneira in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, isto é, com<br />
recursos próprios, suas produções autorais.<br />
No início dos anos 70, Álvaro Henrique Gonçalves, que já havia animado os curtas “A Cigarra<br />
e a Formiga” (1956) e “O Índio Alado” (1967), lança o segundo filme <strong>de</strong> longa-metragem em<br />
animação do Brasil, “Presente <strong>de</strong> Natal”. Terminado em 1971, o filme, totalmente colorido,<br />
teve problemas <strong>de</strong> distribuição e praticamente só foi exibido na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Santos, no estado<br />
<strong>de</strong> São Paulo, permanecendo <strong>de</strong>sconhecido por gran<strong>de</strong> parte do público e da crítica.<br />
No ano seguinte, o japonês radicado no Brasil, Ypê Nakashima, lança “Piconzé”, terceiro<br />
longa-metragem <strong>de</strong> animação do Brasil, feito por Nakashima praticamente sozinho durante<br />
seis anos <strong>de</strong> trabalho. Com trilha sonora composta por Damiano Cozella e letras do poeta e<br />
ensaísta Décio Pignatari, a animação possui gran<strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> técnica, <strong>de</strong>corrente da própria<br />
123
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
atuação profissional <strong>de</strong> Nakashima junto à animação. Com 80 minutos <strong>de</strong> duração, o filme<br />
fez gran<strong>de</strong> sucesso na época. Infelizmente o animador faleceu em 1974, <strong>de</strong>ixando inacabado<br />
seu segundo longa-metragem, “Irmãos Amazonas”. Além <strong>de</strong> inúmeros comerciais animados,<br />
Nakashima realizou ainda os curtas “O Reino dos Botos”, “A Lenda da Vitória Régia” e “O<br />
Gorila” e animou, entre os anos <strong>de</strong> 1961 e 1963, 12 episódios (além <strong>de</strong> outros quatro préproduzidos)<br />
pensando a eventual exibição <strong>de</strong> uma série para televisão chamada “Papa-Papo”,<br />
que apresentava as personagens Tuca, Dado e o papagaio Papa-Papo em diversas aventuras,<br />
como nos episódios “Pescaria” e “No Reino da Fantasia”.<br />
Em 1973, o animador José Mário Perrot, em parceria com o engenheiro Aluizio Arceta,<br />
produziu “Ballet <strong>de</strong> Lissajous”, primeira animação brasileira a utilizar um dispositivo<br />
computacional. A animação realiza um contraponto <strong>de</strong> sons concreto-eletrônicos e <strong>de</strong> imagens<br />
geradas em um osciloscópio, produzidas pelas composições ortogonais <strong>de</strong>scobertas pelo músico<br />
francês Jules Lissajous.<br />
Em 1974, Antonio Moreno, José Rubens Siqueira e Stil formam o Grupo NOS, responsável<br />
por diversas animações amplamente exibidas e premiadas, como “Reflexos”, “Ícaro”, “Ver<strong>de</strong>s<br />
ou Favor não Comer a Grama”, “As Desventuras <strong>de</strong> Coco Banana”, “Papo <strong>de</strong> Anjo”, “Hamlet”,<br />
“O Canto do Cisne Negro”, “PHN – Pequena História do Mundo”, “O Lago” e “Estrela Dalva”.<br />
Em 1975, Wilson Lazzaretti e Mauricio Squarizzi fundam o NCA – Núcleo <strong>de</strong> Cinema <strong>de</strong><br />
Animação <strong>de</strong> Campinas. O NCA Campinas é um dos núcleos <strong>de</strong> animação mais antigos em<br />
ativida<strong>de</strong> no mundo e é responsável por diversas obras e ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ensino e educação<br />
relacionados à animação em todo o país, sobretudo junto às crianças. Com atuação bastante<br />
ativa, o núcleo acumula mais <strong>de</strong> 250 produções e está atualmente produzindo seu primeiro<br />
filme <strong>de</strong> longa-metragem, “História Antes da História”.<br />
Em 1978, a TV Cultura <strong>de</strong> São Paulo exibe o programa semanal “Lanterna Mágica”, que<br />
contava com direção <strong>de</strong> Roberto Miller e era retransmitido para diversas cida<strong>de</strong>s do país.<br />
Exibido à meia-noite das sextas-feiras, com reprise às 18 horas do domingo, o programa exibia<br />
diversas animações internacionais antigas ou que não faziam parte do circuito comercial<br />
<strong>de</strong> exibição. O programa abria espaço também para animações nacionais, assim como para<br />
entrevistas com animadores brasileiros. Po<strong>de</strong>-se afirmar que foi um incentivador <strong>de</strong> uma futura<br />
geração <strong>de</strong> animadores que, por meio <strong>de</strong>le, tomaram contato mais profundo com o universo<br />
da animação.<br />
No mesmo ano, Antonio Moreno lança o livro “A Experiência Brasileira no Cinema <strong>de</strong><br />
Animação”, publicado pela editora Artenova com apoio da Embrafilme. Esgotado há mais <strong>de</strong><br />
20 anos, continua sendo o único livro sobre a história da animação brasileira publicado até os<br />
dias <strong>de</strong> hoje.<br />
Outros animadores que iniciaram sua carreira na década <strong>de</strong> 70, com gran<strong>de</strong> prestígio, foram<br />
Marcos Magalhães e Flávio <strong>de</strong>l Carlo. O primeiro realizou os curtas “Mão Mãe”, “A Semente”<br />
e, o aclamado “Meow!”, no qual um gato faminto, sem leite, é convencido por propagandas<br />
a beber o refrigerante “Soda-Cólica”. Premiado com a Palma <strong>de</strong> Ouro em Cannes, em 1981,<br />
o curta <strong>de</strong>u gran<strong>de</strong> repercussão ao animador, que no ano seguinte realizou, com apoio da<br />
Embrafilme e da Capes, um estágio no National Film Board do Canadá. Como resultado <strong>de</strong> seu<br />
124
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
estágio, produziu outro curta bastante significativo em sua carreira: “Animando”, obra com<br />
gran<strong>de</strong> noção <strong>de</strong> ritmo, que mistura diversas técnicas, como animação tradicional, pixilation,<br />
animação <strong>de</strong> recorte e pintura sobre vidro.<br />
“Boi Aruá”, “Meow!”<br />
Com forte estilo pessoal, Flávio <strong>de</strong>l Carlo, por sua vez, dividiu sua atuação autoral com<br />
a publicida<strong>de</strong>. Entre os curtas mais <strong>de</strong>stacados e premiados do animador, encontram-se<br />
“Paulicéia”, “Veneta”, “Tzubra Tuma”, “Um Minuto para Meia Noite” e “Squich”, no qual<br />
atores filmados em live action interagem com sequências animadas.<br />
No final da década <strong>de</strong> 70, a produção <strong>de</strong> animação para publicida<strong>de</strong> na televisão atinge gran<strong>de</strong><br />
sucesso, com diversas campanhas lembradas por muitas pessoas até os dias atuais. Alguns dos<br />
principais nomes da animação publicitária no Brasil no final dos anos 70 foram: Wilson Pinto, Horácio<br />
Young, Walbercy Ribas Camargo, Alcídio da Quinta, Jorge Bastos, Heucy <strong>de</strong> Miranda, José Campos,<br />
Luiz Briquet, Wilson Robledo e Amandio Amaral. O incremento da produção <strong>de</strong> animação nos anos 70<br />
leva à criação <strong>de</strong> alguns importantes estúdios, sobretudo na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo.<br />
Em 1983, o artista plástico e animador baiano Chico Liberato lança o quarto filme <strong>de</strong> longametragem<br />
em animação do Brasil, “Boi Aruá”. Com temática ligada ao folclore regional e<br />
estilo visual singular, que faz referência à xilogravura, o filme foi exibido em diversos festivais<br />
internacionais, ganhando alguns importantes prêmios.<br />
Em 1985, Marcos Magalhães reúne 30 animadores brasileiros para produzir o filme coletivo<br />
“Planeta Terra”. A animação fez parte do Ano Internacional para a Paz da ONU. Neste mesmo ano,<br />
é firmada uma parceria entre o National Film Board do Canadá com a extinta Embrafilme para o<br />
intercâmbio cultural e tecnológico que resulta na criação do CTAv – <strong>Centro</strong> Técnico do Audiovisual,<br />
órgão vinculado ao Ministério da Cultura. Com o objetivo <strong>de</strong> auxiliar na formação <strong>de</strong> animadores e <strong>de</strong><br />
fomentar a produção <strong>de</strong> animação no país, o CTAv oferece cursos com os cana<strong>de</strong>nses Jean Thomas<br />
Bédard e Pierre Veilleux e colabora com a formação <strong>de</strong> uma nova geração <strong>de</strong> animadores, como César<br />
Coelho, Aida Queiroz e Daniel Schorr.<br />
Marcos Magalhães percorre o país e auxilia, a partir <strong>de</strong>ssa parceria Brasil-Canadá, a criação<br />
<strong>de</strong> núcleos regionais <strong>de</strong> animação na Escola <strong>de</strong> Belas <strong>Artes</strong> da UFMG, em Minas Gerais (com<br />
coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> José Tavares <strong>de</strong> Barros), na Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Ceará (com José Rodrigues<br />
Neto) e no Instituto Estadual <strong>de</strong> Cinema do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, estado este que já possuía um<br />
125
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
expressivo pólo criativo <strong>de</strong> animação com os animadores José Maia, Lancast Motta e Otto<br />
Guerra, formados pelo animador argentino Felix Follonier.<br />
Também em 1985, sob coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> Luiz Gonzaga <strong>de</strong> Lucca, a empresa Mauricio <strong>de</strong><br />
Souza monta a primeira linha industrial <strong>de</strong> cinema <strong>de</strong> animação no Brasil, responsável pela<br />
produção <strong>de</strong> várias animações (séries, curtas e longas-metragens) da “Turma da Mônica”, cujas<br />
personagens foram criadas por Souza para os quadrinhos a partir do final da década <strong>de</strong> 50.<br />
Não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> mencionar que, com <strong>de</strong>stacada atuação no final da década <strong>de</strong> 80,<br />
Cao Hamburguer lança, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> algumas experiências em Super-8 (“A Velinha” e “Bus Stop”),<br />
dois curtas em stop motion com manipulação <strong>de</strong> bonecos <strong>de</strong> “massinha”: “A Garota das Telas”<br />
e, em codireção com Eliana Fonseca, “Frankstein Punk”.<br />
“A Garota das Telas”, “Castelo Rá-Tim-Bum”, “Frankstein Punk”<br />
No final <strong>de</strong>ssa mesma década, em 1989, a TV Cultura lança o programa “Rá-Tim-Bum”,<br />
criado por Flávio <strong>de</strong> Souza e que contou com a direção <strong>de</strong> Fernando Meirelles. Apesar <strong>de</strong><br />
possuir diversas sequências em live action, o programa infantil premiado internacionalmente<br />
mantinha uma equipe fixa <strong>de</strong> animadores responsáveis pela animação <strong>de</strong> diversas partes<br />
e quadros, totalizando cerca <strong>de</strong> três horas <strong>de</strong> animação por ano. O sucesso da série fez a<br />
emissora lançar outro programa infantil nos mesmos mol<strong>de</strong>s, no ano <strong>de</strong> 1992, “Glub-Glub”.<br />
Com o fim da Embrafilme em 1990 e a grave crise financeira vivida no país, a produção <strong>de</strong> cinema<br />
– e <strong>de</strong> animação – cai vertiginosamente no início da nova década. Por outro lado, novos realizadores<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong>spontam com curtas autorais realizados em Universida<strong>de</strong>s ou mesmo com recursos<br />
próprios, como “El Macho”, <strong>de</strong> Ennio Torresan, premiado no Festival <strong>de</strong> Havana em 1993 e que <strong>de</strong>u<br />
gran<strong>de</strong> repercussão internacional ao animador.<br />
Em 1993, a TV Cultura lança “Castelo Rá-Tim-Bum” e convida diversos estúdios para<br />
produzirem animações para o programa. No mesmo ano, Aida Queiroz, Cesar Coelho, Léa<br />
Zagury e Marcos Magalhães criam o Festival Anima Mundi, hoje um dos principais e mais<br />
respeitados festivais <strong>de</strong> animação <strong>de</strong> todo o mundo. Com público anual da or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> 100.000<br />
pessoas, o Festival tem importante papel não só na exibição <strong>de</strong> animações estrangeiras, como<br />
também no estímulo à formação <strong>de</strong> novos animadores, que muitas vezes têm maior contato<br />
com a arte da animação por meio das sessões, palestras e oficinas realizadas anualmente.<br />
Em 1994, Otto Guerra lança, junto com Lancast Motta, o primeiro filme <strong>de</strong> longa-metragem<br />
adulto em animação no país, “Rocky & Hudson”. Inspirado na dupla <strong>de</strong> cowboys gays criada<br />
nos quadrinhos por Adão Iturrusgarai, o filme foi realizado com equipe e orçamento mínimos<br />
conseguindo, entretanto, boa acolhida junto ao público fã dos HQ´s.<br />
126
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Em 1996, após quatro anos <strong>de</strong> trabalho, Clóvis Vieira lança o longa-metragem em<br />
computação gráfica “Cassiopéia”. O filme gerou certa polêmica em relação à superprodução<br />
norte-americana “Toy Story” quanto ao fato <strong>de</strong> qual <strong>de</strong>les foi, efetivamente, o primeiro<br />
longa-metragem totalmente feito em computador na história mundial. Apesar da audácia e<br />
pioneirismo <strong>de</strong> Vieira, o filme não conseguiu, entretanto, uma boa janela <strong>de</strong> exibição nas salas<br />
<strong>de</strong> cinema e teve uma audiência apenas regular.<br />
“Cassiopéia”, “Rocky & Hudson”<br />
A animação brasileira no século XXI parece ter se consolidado <strong>de</strong> vez em termos <strong>de</strong><br />
publicida<strong>de</strong> e produção <strong>de</strong> curtas-metragens. Em 2003, é criada a ABCA – Associação Brasileira<br />
do Cinema <strong>de</strong> Animação -, primeira entida<strong>de</strong> nacional a reunir empresas e profissionais do<br />
setor. No ano seguinte, o Brasil passa a fazer parte do “Dia Internacional da Animação”, evento<br />
realizado em diversos países em 28 <strong>de</strong> outubro.<br />
Em 2005, o Brasil ganha uma mostra especial (“Charmes du Brésil”) no Festival <strong>de</strong> Annecy.<br />
No ano seguinte, o Brasil ganhou uma mostra <strong>de</strong> animação contemporânea no Festival <strong>de</strong><br />
Ottawa, tornando-se ainda o país foco <strong>de</strong> negócios no TAC - Television Animation Conference.<br />
O primeiro <strong>de</strong>safio <strong>de</strong> produção da animação brasileira para o novo século é o filme <strong>de</strong> longametragem.<br />
Até hoje, foram produzidos apenas 21 filmes <strong>de</strong> longa-metragem em animação no país,<br />
boa parte <strong>de</strong>stes com pequena janela <strong>de</strong> exibição – sobretudo, se comparados às gran<strong>de</strong>s animações<br />
estrangeiras, largamente exibidas nas salas comerciais <strong>de</strong> cinema <strong>de</strong> todo o país. Todavia, mais da<br />
meta<strong>de</strong> <strong>de</strong>sses filmes foi produzida nos últimos <strong>de</strong>z anos e outros tantos longas-metragens brasileiros<br />
em animação encontram-se atualmente em diferentes estágios <strong>de</strong> produção – o que, por si só,<br />
configura uma melhoria no cenário e permite a projeção <strong>de</strong> um futuro mais promissor. O segundo<br />
<strong>de</strong>safio é, justamente, a produção <strong>de</strong> séries <strong>de</strong> animação, assunto que trataremos a seguir.<br />
Séries <strong>de</strong> animação brasileiras<br />
A primeira série <strong>de</strong> animação <strong>de</strong>senvolvida no Brasil com o intuito <strong>de</strong> ser exibida na<br />
televisão foi “A Turma da Mônica”, <strong>de</strong> Maurício <strong>de</strong> Souza, que produziu, entre os anos <strong>de</strong><br />
1981 e 1985, 13 episódios da sua turma popularizada nas histórias em quadrinhos. No total,<br />
o estúdio contabiliza mais <strong>de</strong> 100 episódios produzidos <strong>de</strong> maneira irregular, não sistemática<br />
e com diferentes durações <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o ano <strong>de</strong> 1985. Tais episódios, entretanto, não chegaram a<br />
ser exibidos diretamente na televisão durante a sua produção. O estúdio acabou compilando<br />
127
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
muitos <strong>de</strong>stes episódios em formato <strong>de</strong> package films e mesmo comercializando-os no sistema<br />
direct to vi<strong>de</strong>o. Foi a partir <strong>de</strong> 2008 que a série, contendo antigos e novos episódios, passou<br />
a ser exibida na RTP2 <strong>de</strong> Portugal e no Brasil, pela Cartoon Network e pela Re<strong>de</strong> Globo <strong>de</strong><br />
Televisão. “A Turma da Mônica” possui ainda oito filmes <strong>de</strong> longa-metragem animados: “As<br />
Aventuras da Turma da Mônica” (1982), “A Princesa e o Robô” (1983), “Cine Gibi” (2004), “Cine<br />
Gibi 2” (2004), “Uma Aventura no Tempo” (2007), “Cine Gibi 3” (2008), “Cine Gibi 4” (2009) e<br />
“Cine Gibi 5” (2010), sendo toda a série “Cine Gibi” editada na forma <strong>de</strong> package films.<br />
Publicada em 1959 para o Jornal Folha da Manhã, a criação <strong>de</strong> Souza apresentava-se<br />
originalmente em forma <strong>de</strong> “tirinhas”, histórias envolvendo o simpático cachorro Bidu e seu<br />
dono Franjinha. Posteriormente, novas personagens foram adicionadas, incluindo aquelas que<br />
se tornariam as protagonistas da turma: Mônica, Cebolinha, Cascão e Magali. Inspirada em<br />
uma <strong>de</strong> suas filhas, Mônica é uma menina <strong>de</strong>cidida, <strong>de</strong> temperamento forte, dona da rua.<br />
Normalmente trajando um vestidinho vermelho, anda sempre acompanhada <strong>de</strong> seu coelho<br />
<strong>de</strong> pelúcia Sansão, que também serve <strong>de</strong> “arma” contra os meninos da rua. Cebolinha é um<br />
menino <strong>de</strong> cabelo espetado e que ao falar troca a letra “r” pela “l”. Apesar <strong>de</strong> se consi<strong>de</strong>rar<br />
uma vítima da Mônica, vive arquitetando planos infalíveis contra a “baixinha golducha” [sic].<br />
Cascão é o melhor amigo <strong>de</strong> Cebolinha e tem o estranho hábito <strong>de</strong> não tomar banho e <strong>de</strong><br />
temer qualquer fonte <strong>de</strong> água. Já Magali, inspirada em outra filha <strong>de</strong> Souza, é a amiga <strong>de</strong><br />
Mônica que adora comer, principalmente melancia, mas que consegue manter uma boa forma<br />
física. Uma galeria formada por inúmeras personagens secundárias completa a Turma da<br />
Mônica, como Anjinho, Aninha, Franjinha, Humberto, Jeremias, Maria Cascuda, Nimbus, Titi,<br />
Xaveco, entre diversas outras. Maurício <strong>de</strong> Souza criou ainda outras “turmas”, como as do<br />
Chico Bento, Horácio, Bidu, Penadinho, Piteco, Tina, Pelezinho, Papa-Capim, Astronauta e,<br />
mais recentemente, Mônica Jovem – quadrinhos inspirados nos mangás, voltado para o público<br />
adolescente e pré-adolescente.<br />
“Turma da Mônica”<br />
Ao contrário <strong>de</strong> muitos países, nos quais o espaço para a produção in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte na televisão<br />
é gran<strong>de</strong>, no Brasil as emissoras comerciais centralizam toda a produção dos programas exibidos,<br />
permanecendo, na maior parte dos casos, fechadas às produções realizadas fora <strong>de</strong> seus domínios.<br />
A <strong>de</strong>speito da qualida<strong>de</strong> técnica e criativa da animação brasileira, a quase totalida<strong>de</strong> das séries <strong>de</strong><br />
animação exibida hoje no Brasil é estrangeira. Trata-se <strong>de</strong> séries distribuídas por gran<strong>de</strong>s empresas,<br />
que já possuem sucesso internacional e que são adquiridas pelas emissoras por um custo mais barato<br />
do que o da produção <strong>de</strong> material original próprio. Desta forma, as séries adquiridas são meramente<br />
128
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
reproduzidas no país e acabam, diante da falta <strong>de</strong> iniciativa das emissoras privadas <strong>de</strong> televisão,<br />
fechando as portas para a produção nacional. 8 Por conta disso, o espaço mais aberto à produção e<br />
exibição <strong>de</strong> séries <strong>de</strong> animações brasileiras foi, e ainda continua sendo, as emissoras educativas, a<br />
maioria <strong>de</strong>las públicas ou estatais.<br />
Na década <strong>de</strong> 90, algumas das primeiras séries <strong>de</strong> animação brasileira em pequenos formatos<br />
são exibidas nestas emissoras, como na TV Cultura <strong>de</strong> São Paulo – emissora reconhecida e premiada<br />
internacionalmente pela qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua programação infantil. “Os Urbanói<strong>de</strong>s” (1991), <strong>de</strong> Cao<br />
Hamburguer, é uma série infantil <strong>de</strong> interprogramas em stop motion com um minuto <strong>de</strong> duração,<br />
abordando <strong>de</strong> forma bem humorada algum tema ligado à educação. Em um dos episódios, por<br />
exemplo, uma personagem, ao acabar <strong>de</strong> consumir uma bebida em um copo <strong>de</strong>scartável, arremessa-o<br />
por sobre um muro ao invés <strong>de</strong> jogá-lo em um cesto <strong>de</strong> lixo que está ao seu lado na calçada. Instantes<br />
<strong>de</strong>pois, surge atrás do muro um senhor com o mesmo copo virado sobre sua cabeça. Envergonhada,<br />
a personagem que jogou o copo sai lentamente <strong>de</strong> plano, não sem antes ganhar um rabinho e ter seu<br />
rosto transformado no <strong>de</strong> um porco. Ao final, após o “porcalhão” sair <strong>de</strong> cena, o senhor tira o copo<br />
<strong>de</strong> sua cabeça e o joga no cesto do lixo.<br />
Em 1994, a TV PinGuim, estúdio <strong>de</strong> animação formado cinco anos antes por Celia Catunda e<br />
Kiko Mistrorigo, lança duas séries na emissora pública paulista, “Rita” e “Poesias Animadas”. A<br />
primeira, composta por oito interprogramas <strong>de</strong> 30 segundos, mostrava fragmentos do cotidiano<br />
da protagonista, uma menina em ida<strong>de</strong> pré-escolar, valorizando comportamentos saudáveis e<br />
divertidos. Já “Poesias Animadas” apresentou 14 programas <strong>de</strong> 30 segundos com animações<br />
criadas a partir <strong>de</strong> poemas curtos <strong>de</strong> Arnaldo Antunes, Carlos Drummond <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, Cecília<br />
Meireles, Ferreira Goulart, Manuel Ban<strong>de</strong>ira, Mário Quintana, Paulo Leminski e Vinícius <strong>de</strong><br />
Moraes. O estúdio também produziu, em 1996, “O Direito do Trabalhador” série <strong>de</strong> 15 episódios<br />
<strong>de</strong> um minuto em stop motion, exibida na TVE, do Rio <strong>de</strong> Janeiro, que utilizava materiais e<br />
objetos diversos que “ganhavam vida” para explicar os direitos dos trabalhadores.<br />
“Rita”<br />
8. Devemos lembrar que, em outros gêneros televisivos, apesar da mesma condição financeira em relação<br />
aos produtos estrangeiros, há relativo espaço para a produção nacional, como no caso das telenovelas e <strong>de</strong><br />
alguns seriados e programas.<br />
129
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Algum tempo <strong>de</strong>pois, em 2001, a TV Pinguim produz para a TV Futura 24 episódios <strong>de</strong> 1 minuto<br />
e 30 segundos da série “Entre Pais e Filhos”, que abordava o relacionamento familiar em diversos<br />
tipos <strong>de</strong> família. Dois anos <strong>de</strong>pois, a série ganhou uma nova temporada com mais 50 episódios, <strong>de</strong>sta<br />
vez focando, <strong>de</strong> maneira divertida, situações corriqueiras do cotidiano <strong>de</strong> uma família especialmente<br />
criada para a série, os Pereira. No mesmo ano, o estúdio produziu “De On<strong>de</strong> Vem?”, exibida com<br />
sucesso na TV Cultura, TVE Brasil, TV Escola e, atualmente, na TV Rá-Tim-Bum. Nesta série, objetos<br />
animados respon<strong>de</strong>m às dúvidas da curiosa Kika sobre a origem <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas coisas, uma por<br />
episódio, como o açúcar, o arco-íris, o avião, o choro, entre outros exemplos.<br />
Em 2002, a TV Cultura exibe a série <strong>de</strong> animação “Anabel”, cuja primeira temporada teve<br />
13 episódios <strong>de</strong> 11 minutos cada. Os episódios giram em torno da protagonista homônima,<br />
uma curiosa menina <strong>de</strong> sete anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> que vive no Brasil durante a década <strong>de</strong> 30. Entre<br />
suas ativida<strong>de</strong>s prediletas, estão a leitura <strong>de</strong> livros, sobretudo <strong>de</strong> Edgard Allan Poe, e a atenta<br />
escuta <strong>de</strong> radionovelas. E é por meio <strong>de</strong>stas ativida<strong>de</strong>s lúdicas que sua imaginação a leva às<br />
mais incríveis aventuras. Criada por Lancast Mota e <strong>de</strong>senvolvida pela Martinelli Films, a série<br />
fez gran<strong>de</strong> sucesso e, atualmente, encontra-se em uma segunda temporada.<br />
“Anabel”, “De On<strong>de</strong> Vem?”<br />
Outra série da Martinelli Films é “Pinguinics”, produção inventiva criada por José Marcio<br />
Nicolisi e Marina Di Grazia. Os episódios apresentam situações cômicas <strong>de</strong>correntes do encontro<br />
<strong>de</strong> dois alienígenas com um grupo <strong>de</strong> pinguins no polo sul. Com um visual simples e soluções<br />
criativas diferenciadas, a série teve uma primeira temporada exibida pela TVE do Rio e pela TV<br />
Escola. Atualmente, a série também se encontra em uma segunda temporada <strong>de</strong> produção.<br />
Um canal que teve papel importante na trajetória das séries <strong>de</strong> animação nacional para<br />
televisão foi a filial brasileira da MTV. A história das séries animadas nessa emissora começa<br />
quase que por acaso. Em um dos programas regulares, o apresentador João Gordo, vocalista da<br />
banda <strong>de</strong> punk rock Ratos <strong>de</strong> Porão, recebeu uma animação <strong>de</strong> um dos telespectadores na qual<br />
o vocalista da banda Engenheiros do Hawaii, Humberto Gessinger, <strong>de</strong>struía uma cida<strong>de</strong> com<br />
sua música ruim. A animação agradou enormemente o apresentador e, algum tempo <strong>de</strong>pois,<br />
Marco Pavão, o telespectador que havia enviado a animação, acabou sendo contratado pela<br />
emissora, on<strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nou a Drogaria <strong>de</strong> Desenhos Animados, pequeno setor da MTV Brasil<br />
responsável pela produção das animações do canal.<br />
130
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Com baixo orçamento, criativida<strong>de</strong> e humor a<strong>de</strong>quado ao perfil <strong>de</strong> seu público, a emissora<br />
produziu e exibiu cinco séries <strong>de</strong> animação. A primeira <strong>de</strong>las, “MegaLiga <strong>de</strong> VJs Paladinos”,<br />
estreou em 2003 e teve três temporadas com 56 episódios <strong>de</strong> 21 minutos <strong>de</strong> duração cada.<br />
Nesta série, os VJs (apresentadores) da MTV Brasil são super-heróis com estranhos po<strong>de</strong>res e<br />
participam <strong>de</strong> bizarras aventuras junto com nomes populares do meio musical.<br />
“MegaLiga <strong>de</strong> VJs Paladinos”, “Pinguinics”<br />
No ano seguinte, em 2004, a Fundação Padre Anchieta, mantenedora da TV Cultura,<br />
inaugura a TV Rá-Tim-Bum, primeiro canal infantil brasileiro e também primeiro canal a cabo<br />
com programação 100% nacional. Além da reprise <strong>de</strong> alguns programas exibidos originalmente<br />
pela TV Cultura, como “Rá-Tim-Bum”, “Cocoricó”, “X-Tudo” e “Glub-Glub”, o canal também<br />
serviu <strong>de</strong> importante plataforma para lançamento <strong>de</strong> produções próprias e coproduções com<br />
estúdios nacionais <strong>de</strong> animação. Desta forma, a emissora formatou parcerias com realizadores<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes e estimulou a produção nacional <strong>de</strong> séries <strong>de</strong> animação, oferecendo novos<br />
conteúdos e uma gra<strong>de</strong> diferenciada para seus telespectadores.<br />
Assim como acontece na TV Cultura, toda a programação da TV Rá-Tim-Bum é realizada<br />
com a supervisão <strong>de</strong> psicólogos e pedagogos especializados em educação infantil e com vasta<br />
experiência na produção <strong>de</strong> conteúdo para este público. Isso garante a participação <strong>de</strong> temas<br />
importantes à faixa etária da emissora (crianças <strong>de</strong> dois até <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>), apresentados<br />
com uma linguagem divertida, criativa e <strong>de</strong> forma inteligente. A partir das <strong>de</strong>z horas da noite,<br />
a programação é <strong>de</strong>stinada ao público adulto, com a exibição da faixa “Fui Criança Também”,<br />
com reprise <strong>de</strong> programas e séries infantis que fizeram sucesso no passado.<br />
A TV Rá-Tim-Bum expandiu suas fronteiras e também po<strong>de</strong> ser assistida via cabo por brasileiros<br />
resi<strong>de</strong>ntes no exterior e por estrangeiros. Des<strong>de</strong> 2007, a programação da emissora é exibida nos<br />
Estados Unidos, por meio <strong>de</strong> um contrato <strong>de</strong> parceria assinado com a empresa Castalia, responsável<br />
pela distribuição do canal naquele país. Em 2009, foi a vez <strong>de</strong> Portugal assinar, por meio da empresa<br />
ZON Multimédia, uma das maiores operadoras <strong>de</strong> televisão a cabo, internet e telefone (triple play)<br />
da Europa, contrato para exibição da emissora no país lusitano. E finalmente, em 2010, em parceria<br />
com a Cyber TV, o canal também passou a po<strong>de</strong>r ser assistido no Japão.<br />
Com programação 24 horas no ar, a emissora lançou <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> novos programas e séries,<br />
totalizando, entre animação e live action, cerca <strong>de</strong> 300 horas <strong>de</strong> material inédito por ano.<br />
131
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Em seu site na internet (www.tvratimbum.com.br), inaugurado em 2008, é possível enviar<br />
mensagens para os programas, jogar mini games, assistir a ví<strong>de</strong>os, baixar imagens, escutar<br />
uma rádio on-line com músicas dos programas, realizar ativida<strong>de</strong>s (como receitas culinárias,<br />
pinturas, mágicas, experiências científicas e artesanatos), conferir eventos promovidos pela<br />
emissora, ler informações <strong>de</strong>stinadas aos pais e comprar diversos produtos licenciados.<br />
Com cerca <strong>de</strong> três milhões <strong>de</strong> assinantes, as séries <strong>de</strong> animação do canal tem perfil<br />
próximo ao do edutainment, isto é, buscam a transmissão <strong>de</strong> mensagens educativas <strong>de</strong><br />
forma atraente, dinâmica e divertida. Diversas séries foram exibidas e/ou lançadas nos<br />
últimos anos pela emissora como: “Anabel”, “Brichos – A Natureza da Cultura”, “Cantigas <strong>de</strong><br />
Roda”, “Carrinhos”, “Dango Balango”, “De On<strong>de</strong> Vem?”, “Escola <strong>de</strong> Princesinhas”, “Gran<strong>de</strong>s<br />
Personagens”, “Isso Disso”, “Juro que Vi”, “Kiara e os Luminitos”, “O Papel das Histórias”, “O<br />
que Eu Vou Ser Quando Crescer?”, “Os Caça-Livros”, “Os Eco-Turistinhas”, “Os Reciclados”,<br />
“Palavras Mágicas”, “Pequenos Cientistas”, “P.F.C. – Portuguesitos Futebol Clube”, “O Quarto<br />
do Jobi”, “Show do DJ Cão”, “Som na Caixa com o DJ Cão”, “Sidney”, “Simão e Bartolomeu”,<br />
“Tchibum TV”, “Traçando Arte”, “Turma do Lambe-Lambe” e as recém-lançadas “A Mansão<br />
Maluca do Professor Ambrósio”, “Sidnei” e “Nilba e os Desastronautas”.<br />
“A Mansão Maluca do Professor Ambrósio”, “Aline”, “Brichos - A Natureza da Cultura”<br />
No mesmo ano da fundação da TV Rá-Tim-Bum, em 2004, a se<strong>de</strong> brasileira do canal<br />
Cartoon Network cria, por sugestão do experiente animador brasileiro Daniel Messias, que<br />
trabalhou em alguns projetos com a emissora <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o ano <strong>de</strong> 1999, um bloco exclusivo voltado<br />
para a exibição <strong>de</strong> pequenas animações brasileiras. Denominado <strong>de</strong> “Cartum Netiuorque”,<br />
a série apresentou 25 vinhetas com até um minuto <strong>de</strong> duração baseadas em personagens<br />
criadas por importantes nomes do universo do quadrinho brasileiro. No final, o projeto<br />
apesentou animações <strong>de</strong> “Overman” (<strong>de</strong> Laerte), “Geraldão” e “Geraldinho” (<strong>de</strong> Glauco), “Os<br />
Pescoçudos” e “Pequeno Pônei” (<strong>de</strong> Caco Galhardo), “Luke e Tantra” (<strong>de</strong> Angeli) e “Aline” (<strong>de</strong><br />
Adão Iturrusgarai).<br />
Os episódios foram ao ar nos intervalos do bloco “Adult Swim”, faixa da emissora no Brasil,<br />
<strong>de</strong>stinada à exibição <strong>de</strong> séries <strong>de</strong> animação voltadas para o público adulto, às sextas-feiras,<br />
sábados e domingos, a partir das 23 horas. A partir <strong>de</strong>sse mesmo ano, a emissora passou a<br />
exibir também algumas pequenas vinhetas do canal realizadas por estúdios brasileiros, como<br />
a série em origami apresentando personagens dos <strong>de</strong>senhos animados da emissora realizada<br />
pela TV PinGuim.<br />
132
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Um ano <strong>de</strong>pois, em 2005, foi ao ar a primeira série <strong>de</strong> animação brasileira para televisão realizada<br />
com a técnica 3D e, também, a primeira a ser exibida <strong>de</strong> forma regular internacionalmente, pelos<br />
canais Cartoon Network e Animania. Criada por Marco Alemar e Caio Mário Paes <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> (MoP<br />
Brasil Digital), “Pixco<strong>de</strong>lics” conta a história <strong>de</strong> quatro crianças, Pix, o lí<strong>de</strong>r do grupo, que tem<br />
um cachorro chamado Aurroba, o bem-humorado, inteligente e criativo Nerd, o fortão e corajoso<br />
Hack e a charmosa e simpática Mary Chat. Juntos, eles têm que salvar a internet das constantes<br />
ameaças do terrível vilão Dr. Ping e <strong>de</strong> seu atrapalhado assistente, o gato Katslock.<br />
Com temática relacionada ao universo jovem digital, representações gráficas baseadas no<br />
uso <strong>de</strong> caracteres <strong>de</strong> computadores (ASCII art) e animação 3D estilizada, “Pixcoledics” teve 65<br />
episódios produzidos, com a duração média <strong>de</strong> cinco minutos cada.<br />
Também em 2005, a MTV Brasil lança sua segunda série, “Fudêncio e seus Amigos” (2005),<br />
que tem como protagonista a personagem título, originalmente um boneco utilizado por João<br />
Gordo em seu programa, que ganha vida própria em sua forma animada. Depravado, cínico e<br />
macabro, Fudêncio estuda em um sinistro colégio com as outras personagens da série, como<br />
Conrado, um azarado menino com cabeça <strong>de</strong> caqui, a gótica Funérea, o <strong>de</strong>bilitado Safeno, o<br />
malandro Peruíbe e os policiais, também chamados <strong>de</strong> “Os Hômi”, li<strong>de</strong>rados pelo Tenente Kevin<br />
Costa. A série fez gran<strong>de</strong> sucesso na emissora e acumula três temporadas com 52 episódios <strong>de</strong><br />
13 minutos <strong>de</strong> duração cada.<br />
Nos anos seguintes, novos projetos foram ao ar na MTV Brasil, porém sem o mesmo sucesso<br />
das duas séries anteriores. “RockStar Ghost”, <strong>de</strong> 2007, que teve nove episódios <strong>de</strong> 11 minutos<br />
e contava a história <strong>de</strong> um funcionário público chamado Nasi. Com ambientação <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>nte,<br />
a série apresenta as peripécias do funcionário público, próximo <strong>de</strong> sua aposentadoria,<br />
especializado em capturar celebrida<strong>de</strong>s fantasmas do mundo da música. Já “The Jorges”, <strong>de</strong><br />
2008, também com nove episódios <strong>de</strong> 11 minutos produzidos, apresentava a história <strong>de</strong> uma<br />
banda que topava <strong>de</strong> tudo para fazer sucesso. A banda era formada por Fornalha, band lea<strong>de</strong>r<br />
neurótico e <strong>de</strong>sbocado, Amaury, baixista ingênuo e emotivo e Paradise, baterista sociopata.<br />
Juntos, enfrentam as mais inusitadas situações na busca pelo sucesso.<br />
“RockStar Ghost”, “Fudêncio e seus Amigos”, “Pixco<strong>de</strong>lics”<br />
Lançada em 2008, “Princesas do Mar” (Sea Princesses) é uma série <strong>de</strong> animação, baseada<br />
no livro <strong>de</strong> Fábio Yabu, que conta com a produção da brasileira Flamma Films (empresa <strong>de</strong><br />
Reynaldo Marchezini) em parceria com a produtora australiana Southern Star e com o estúdio<br />
catalão Neptuno – on<strong>de</strong> a série é animada. A série é ambientada no fundo do mar, no mundo<br />
<strong>de</strong> Salácia, que é habitado por diversos seres divididos em diferentes reinos: tubarões, polvos,<br />
arraias e outros. Em cada um <strong>de</strong>les, há um rei, uma rainha, princesas e príncipes que são<br />
133
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
responsáveis pelo bem-estar <strong>de</strong> todas as formas <strong>de</strong> vida marinha. Com duas temporadas e 104<br />
episódios, a série é exibida em mais <strong>de</strong> 124 países pelo canal Discovery Kids.<br />
Também em 2008, é finalizado “Osmar, a Primeira Fatia do Pão <strong>de</strong> Fôrma”, dirigido por<br />
Ale MacHaddo, com produção do próprio estúdio do diretor, a 44 Toons. A animação, com 11<br />
minutos <strong>de</strong> duração funciona, na verda<strong>de</strong>, como uma espécie <strong>de</strong> híbrido <strong>de</strong> curta-metragem e<br />
piloto <strong>de</strong> série. Exibido e premiado em diversas mostras e festivais <strong>de</strong> animação e <strong>de</strong> cinema,<br />
como o Festival Internacional <strong>de</strong> Curtas Metragens <strong>de</strong> São Paulo, “Osmar, a Primeira Fatia<br />
do Pão <strong>de</strong> Fôrma”, tornou-se ainda o primeiro projeto <strong>de</strong> série <strong>de</strong> animação brasileiro e da<br />
América Latina a ser premiada na MIPJunior, na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cannes, no ano <strong>de</strong> 2009. O evento<br />
internacional tem periodicida<strong>de</strong> anual e é consi<strong>de</strong>rado um dos maiores e mais importantes<br />
no mercado <strong>de</strong> entretenimento para o público jovem e infantil em todo o mundo. Na final, a<br />
animação brasileira concorreu com outros quatro pilotos <strong>de</strong> séries da Espanha e do Canadá,<br />
países com maior presença e tradição no evento e no próprio mercado mundial <strong>de</strong> animação.<br />
Estruturado como sitcom, “Osmar, a Primeira Fatia do Pão <strong>de</strong> Fôrma” é ambientado em um<br />
universo <strong>de</strong> “café da manhã”, no qual as personagens são diferentes tipos <strong>de</strong> pães e alimentos<br />
correlatos e os cenários são compostos por objetos atinentes, como prédios em forma <strong>de</strong> caixas<br />
<strong>de</strong> cereais, postes <strong>de</strong> colheres e pisos com textura <strong>de</strong> toalhas <strong>de</strong> mesa. Osmar, o protagonista,<br />
é a última fatia do pão <strong>de</strong> forma (a “casca”), que procura o Dr. Croix Saint, um psicólogo com<br />
sotaque francês e aspecto <strong>de</strong> croissant, na esperança <strong>de</strong> resolver seus complexos e traumas<br />
<strong>de</strong> infância. Com apurado senso <strong>de</strong> humor e temáticas universais, a série foi contemplada, no<br />
final <strong>de</strong> 2010, pelo Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) e <strong>de</strong>verá ter sua primeira temporada,<br />
com 26 episódios, exibida na TV Cultura a partir <strong>de</strong> 2012.<br />
“Osmar, a Primeira Fatia do Pão <strong>de</strong> Fôrma”, “Princesas do Mar”<br />
Assim como a animação <strong>de</strong> Ale McHaddo, diversos outros projetos <strong>de</strong> série <strong>de</strong> animação<br />
brasileira vêm participando das principais feiras internacionais do setor, com o importante<br />
apoio <strong>de</strong> alguns órgãos e instituições nacionais, como a ABPI-TV (Associação Brasileira <strong>de</strong><br />
Produtores In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> Televisão), fundada em 1999. Como parte <strong>de</strong> suas ações, a<br />
Associação criou, no ano <strong>de</strong> 2004, o BTVP (Brazilian TV Producers), um programa especial<br />
voltado para a exportação <strong>de</strong> conteúdo audiovisual brasileiro, favorecendo a coprodução<br />
internacional. Contando ainda com apoio da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura<br />
e da APEX-Brasil (Agência Brasileira <strong>de</strong> Promoção <strong>de</strong> Exportações e Investimentos), o BTVP<br />
vem realizando diversas e importantes ações para o setor <strong>de</strong> séries <strong>de</strong> animação no país, como<br />
oficinas, workshops e a organização das comitivas brasileiras para a participação em eventos<br />
como os MIPs (MIPCOM, MIPTV e MIPJunior) e KidScreen, por exemplo.<br />
134
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Em 2009, a MTV lança sua última e mais recente série animada, “Infortúnio com Funérea”,<br />
spin off <strong>de</strong> “Fudêncio e seus Amigos”, no qual a mórbida personagem Funérea é a anfitriã <strong>de</strong><br />
um ácido programa <strong>de</strong> entrevistas, que mistura a animação da personagem com interação em<br />
live action dos entrevistados, personalida<strong>de</strong>s ligadas aos universos temáticos da emissora.<br />
Em 2008, Pavão fundou, junto com Thiago Martins e Cazé Pecini, o Estúdio Estricnina, on<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>senvolve novos projetos em animação e também atua junto à publicida<strong>de</strong>.<br />
Neste mesmo ano, a Cartoon Network Brasil fez um pitch <strong>de</strong> série infantil, durante o<br />
Fórum Brasil – Mercado Internacional <strong>de</strong> Televisão, que premiou a série “As Aventuras <strong>de</strong> Gui<br />
e Estopa”, <strong>de</strong> Mariana Caltabiano, para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> um episódio piloto. A série<br />
apresenta uma turma <strong>de</strong> cachorros que vivem juntos diversas situações. Em um dos episódios,<br />
“Prima Esnobe”, a trama gira em torno da visita <strong>de</strong> uma prima francesa très chique e o choque<br />
cultural proporcionado por seu contato com a turma <strong>de</strong> cachorros brasileira. A série possui<br />
ainda dois spin offs: “Gui e Estopa no Fundo do Mar” e “Gui e Estopa em Bichos do Brasil”,<br />
que misturam sequências <strong>de</strong> animação com imagens da natureza captadas diretamente em<br />
ví<strong>de</strong>o. Exibida no domingo <strong>de</strong> manhã, a série compõe, junto com “Turma da Mônica”, o bloco<br />
<strong>de</strong>nominado pelo canal como “Brazucas”.<br />
“As Aventuras <strong>de</strong> Gui e Estopa”, “Infortúnio com Funérea”<br />
As personagens <strong>de</strong> Caltabiano estrelam ainda o filme “As Aventuras <strong>de</strong> Gui e Estopa”,<br />
exibido pela Cartoon Network em 2009 – o primeiro longa-metragem <strong>de</strong> animação brasileiro<br />
exibido pela emissora. O filme conta a história <strong>de</strong> dois produtores sem experiência, Stress e<br />
Relax, que resolvem fazer uma série <strong>de</strong> animação. Com perfis completamente opostos, as duas<br />
personagens vão <strong>de</strong>scobrindo com se dá o processo <strong>de</strong> criação do <strong>de</strong>senho animado, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
a criação até sua exibição. Além do canal, o filme foi exibido no Festival Anima Mundi e no<br />
circuito brasileiro da re<strong>de</strong> <strong>de</strong> cinemas Cinemark, <strong>de</strong>ntro do Projeto Escola.<br />
A dupla <strong>de</strong> cachorros participará também <strong>de</strong> um segundo filme <strong>de</strong> longa-metragem da<br />
diretora, <strong>de</strong>nominado “Brasil Animado”. Nesse novo filme, Gui e Estopa serão os mestres <strong>de</strong><br />
cerimônia, conduzindo a narrativa do filme que tem por objetivo mostrar a diversida<strong>de</strong> natural<br />
e cultural do país, por meio <strong>de</strong> imagens captadas em ví<strong>de</strong>o e projetadas em 3-D.<br />
Também em 2009, a ABPI-TV organiza, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> seu PIC (Programa Internacional <strong>de</strong><br />
Capacitação), o 1º Workshop <strong>de</strong> Formação para Projetos <strong>de</strong> Séries <strong>de</strong> Animação para TV. De um total<br />
<strong>de</strong> 65 projetos inscritos, 25 foram selecionados para uma semana <strong>de</strong> workshops com importantes<br />
135
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
nomes do setor no Brasil (Andre Breitman, César Coelho, Kiko Mistrorigo, Marta Machado e Reynaldo<br />
Marchezini) e no exterior (Cathy Chilco, Emmanuèle Petry, Heather Kenyon, Jacques Bensimon, Josh<br />
Selig, Ma<strong>de</strong>leine Lévesque e Tanya Kelen). O programa proporcionou apresentação e consultoria dos<br />
projetos selecionados, ampliando a formação profissional do setor no país e aumentando o potencial<br />
<strong>de</strong> comercialização das séries brasileiras <strong>de</strong> animação no atual cenário internacional.<br />
O ano <strong>de</strong> 2009 também marca o lançamento <strong>de</strong> “Escola pra Cachorro” (Doggy Day School),<br />
uma série infantil que mostra o cotidiano <strong>de</strong> cinco pequenos cachorros em uma “creche”<br />
para animais, na qual eles apren<strong>de</strong>m, brincam e fazem novas amiza<strong>de</strong>s com outras espécies.<br />
Com 26 episódios <strong>de</strong> 11 minutos cada, a série, que atualmente se encontra em sua segunda<br />
temporada, é uma coprodução das produtoras Mixer (brasileira) e Cité-Amérique (cana<strong>de</strong>nse).<br />
A série voltada para o público pré-escolar é exibida internacionalmente e po<strong>de</strong> ser assistida no<br />
canal Nickelo<strong>de</strong>on e também pela TV Cultura.<br />
Neste mesmo ano, surge “Peixonauta” (“Peztronaut” ou “Fishtronaut”), apontada pela<br />
TV PinGuim - criadora e coprodutora da série <strong>de</strong> animação ao lado do canal Discovery Kids -<br />
como o primeiro <strong>de</strong>senho animado produzido nos mol<strong>de</strong>s internacionais totalmente feito no<br />
Brasil e exibido em diversos países do mundo. Com uma equipe formada por cerca <strong>de</strong> 160<br />
profissionais, a série, <strong>de</strong>stinada para crianças <strong>de</strong> três a sete anos, encontra-se em uma segunda<br />
temporada, cada qual composta por 52 episódios <strong>de</strong> 11 minutos. “Peixonauta” foi financiada<br />
pelo ProCult, programa do BNDES (Banco Nacional <strong>de</strong> Desenvolvimento Econômico e Social)<br />
para <strong>de</strong>senvolvimento da economia da cultura e conta com um site próprio na internet (www.<br />
fishtronaut.com ou www.peixonauta.com.br), no qual as crianças po<strong>de</strong>m conferir materiais<br />
adicionais ou brincar com algumas ativida<strong>de</strong>s.<br />
A série, <strong>de</strong> cunho educativo e ecológico, conta as aventuras <strong>de</strong> Peixonauta, um peixe que<br />
trabalha como agente secreto para a OSTRA (Organização Secreta para a Total Recuperação<br />
Ambiental) e possui um escafandro cheio <strong>de</strong> água, o Bublex, com o qual consegue viver entre<br />
dois mundos, o molhado e o seco. Em suas missões, Peixonauta conta com a ajuda <strong>de</strong> sua melhor<br />
amiga, a inteligente e curiosa Marina, uma menina <strong>de</strong> oito anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, especialista em<br />
animais e que conversa diretamente com o espectador olhando para a câmera. “Peixonauta”<br />
tem ainda como personagens o macaco pré-adolescente Zico, os gêmeos Pedro e Juca, o<br />
simpático veterinário do parque Dr. Jardim, a agente secreta Rosa e o sábio peixe Chumbo<br />
Fino, que mora tranquilo no fundo do Lago do Sossego. A série convida ainda as crianças a se<br />
levantarem e a repetirem uma sequência rítmica utilizando seus próprios pés e mãos em uma<br />
<strong>de</strong>terminada parte dos episódios.<br />
Depois <strong>de</strong> “Pixcoledics”, “Princesas do Mar”, “Escola pra Cachorro” e “Peixonauta”, a mais<br />
nova série <strong>de</strong> animação com coprodução brasileira e sucesso internacional é “Meu Amigãozão”<br />
(“My Big Big Friend”), com criação e direção <strong>de</strong> Andres Lieban e produção <strong>de</strong> Andre Breitman,<br />
Ira Levy e Peter Williamson. A série é uma coprodução Brasil-Canadá, entre o Estúdio 2DLab, a<br />
Breakthrough Entertainment e a Treehouse TV.<br />
Com 52 episódios <strong>de</strong> 11 minutos, a i<strong>de</strong>ia surgiu a partir <strong>de</strong> um curta-metragem<br />
realizado por Lieban alguns anos antes. Pensada para crianças <strong>de</strong> três a sete anos <strong>de</strong><br />
ida<strong>de</strong>, “Meu Amigãozão” apresenta três personagens em início <strong>de</strong> vida escolar que possuem<br />
três gran<strong>de</strong>s amigos: o solitário Yuri tem a companhia do elefante azul Golias, o arteiro<br />
136
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Matt a do canguru ver<strong>de</strong> Bongo e a mandona Lili a da girafa rosa Nessa. Cada animal ajuda<br />
seu dono a superar medos e <strong>de</strong>feitos, além <strong>de</strong> brincar com ele e o auxiliar no estímulo à<br />
fantasia e à imaginação infantil.<br />
“Escola pra Cachorro”, “Meu Amigãozão”<br />
A partir <strong>de</strong> uma experiência acumulada ao longo <strong>de</strong> seus primeiros anos <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>, a TV<br />
Rá-Tim-Bum chegou, em 2010, a um mo<strong>de</strong>lo próprio <strong>de</strong> coprodução <strong>de</strong> três novas séries, <strong>de</strong>ntro<br />
<strong>de</strong> um formato regular e que já está indo para uma segunda temporada <strong>de</strong> produção. A primeira<br />
<strong>de</strong>stas séries é “A Mansão Maluca do Professor Ambrósio”, realizada pelos Estúdios Tortuga. A cada<br />
episódio, a misteriosa mansão do excêntrico Prof. Ambrósio recebe um novo visitante, que leva a<br />
história para outra dimensão. Participam ainda da série a aranha Floribela, que vive no laboratório<br />
localizado no porão, e o rato Leslie, o esperto e encrenqueiro assistente do professor.<br />
Já “Nilba e os Desastronautas”, da 44 Toons, conta as aventuras <strong>de</strong> uma nave espacial, a<br />
S.S. Geniwald, perdida no espaço e que busca retornar ao planeta Terra. Para isso, a tripulação<br />
formada por adultos <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá do comando nada convencional do capitão Nilton Bawsk (Nilba).<br />
O capitão Nilba é um menino <strong>de</strong> oito anos que, apesar <strong>de</strong> sua inexperiência, procura sempre<br />
superar os inúmeros <strong>de</strong>safios que surgem a cada episódio. Com diversas referências, doses <strong>de</strong><br />
bom humor e situações inusitadas, a série é <strong>de</strong>stinada a crianças <strong>de</strong> seis a oito anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>.<br />
A terceira série é “Sidnei”, da To Beat Animação, que conta a história do protagonista<br />
homônimo, um pequeno rato, e seu amigo, a barata Juca Barato. Juntos, eles vivem escondidos<br />
<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma sala <strong>de</strong> aula, on<strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrem a existência <strong>de</strong> um portal mágico <strong>de</strong>ntro do<br />
telescópio da classe. E é por meio <strong>de</strong>sse portal que eles viajam por diferentes momentos<br />
históricos, apren<strong>de</strong>ndo e vivendo gran<strong>de</strong>s aventuras.<br />
A primeira década do século XX se encerra <strong>de</strong> maneira promissora para a animação brasileira com<br />
os resultados do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), promovidos pela Ancine (Agência Nacional do<br />
Cinema) e pela Finep (Financiadora <strong>de</strong> Estudos e Projetos). O FSA divulgou em outubro o resultado <strong>de</strong><br />
sua linha A, voltada para a produção <strong>de</strong> filmes <strong>de</strong> longa metragem, que contou com sete animações<br />
entre os projetos contemplados: “Até que a Sbornia nos Separe”, <strong>de</strong> Otto Guerra, “As Aventuras do<br />
Avião Vermelho”, <strong>de</strong> Fre<strong>de</strong>rico Pinto, “Bugigangue no Espaço”, <strong>de</strong> Ale McHaddo, “Cuca no Jardim”,<br />
<strong>de</strong> Alê Abreu, “Lutas - O Filme”, <strong>de</strong> Luis Bolognesi, “Tarsilinha” <strong>de</strong> Célia Catunda e Kiko Mistrorigo e<br />
“A Turma do Pererê – O Filme”, <strong>de</strong> Marcos Magalhães.<br />
137
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
No mês seguinte, em novembro <strong>de</strong> 2010, o FSA anuncia o resultado <strong>de</strong> outra linha <strong>de</strong><br />
financiamento, voltada para a produção in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte para televisão aberta ou por assinatura,<br />
incluindo projetos <strong>de</strong> coprodução internacional. No edital, era exigida como interveniente<br />
uma empresa emissora ou programadora <strong>de</strong> televisão, que assumiu a responsabilida<strong>de</strong> pela<br />
aquisição da primeira licença <strong>de</strong> exploração comercial da série e também pela exibição em<br />
sua janela <strong>de</strong> programação. Oito projetos <strong>de</strong> séries <strong>de</strong> animação foram contemplados com<br />
aporte <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> R$ 6,7 milhões e <strong>de</strong>vem ser exibidos a partir <strong>de</strong> 2012: “Osmar, a Primeira<br />
Fatia do Pão <strong>de</strong> Forma” <strong>de</strong> Ale McHaddo (44 Toons/TV Cultura), “Zica e os Camaleões”, <strong>de</strong> Ari<br />
Nicolosi (Cinema Animadores/TV Brasil), “Historietas Assombradas para Crianças Malcriadas”,<br />
<strong>de</strong> Victor Hugo Borges (Glaz Entretenimento/TV Brasil), “Meu Amigãozão”, <strong>de</strong> Andrés Lieban<br />
(LD – Laboratório <strong>de</strong> Desenhos/TV Brasil), “O Baú do Lú”, <strong>de</strong> Victor Hugo Borges (Neoplastique<br />
Entretenimento/TV Cultura), “Boa noite, Martha”, <strong>de</strong> Vivian Altman (Otto Desenhos Animados/<br />
TV Cultura), “Brichos”, <strong>de</strong> Paulo Munhoz (Tecnokena Audiovisual e Multimídia/TV Brasil) e<br />
“Godofredo”, <strong>de</strong> Eva Funari (Um Filmes/TV Cultura).<br />
Aos poucos, as séries <strong>de</strong> animação brasileiras, que iniciaram timidamente em pequenos<br />
formatos <strong>de</strong> maneira irregular, começam a expandir, diversificar e a se consolidar <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />
uma dinâmica <strong>de</strong> produção industrial.<br />
Vale mencionar que, assim como acontece fora do país, algumas séries brasileiras têm<br />
conseguido maior <strong>de</strong>staque utilizando como principal veículo a internet, como é o caso dos<br />
intrépidos irmãos Piologo e seu Mundo Canibal (www.mundocanibal.com.br). No site, é possível<br />
conferir diversas séries animadas produzidas pela dupla, como “Avaiana <strong>de</strong> Pau”, “Beto, o<br />
Magnífico”, “Bonequicha”, “Bob, Psicótico”, “Canibytes”, “Carlinhos”, “Deforméd Baby”, “Sr.<br />
Donizildo e Donizete”, “Urubródi”, “Tomelirolla” e “Youtoba”.<br />
Além <strong>de</strong> assistir às animações, também é possível comprar material licenciado,<br />
fazer downloads, jogar mini games, conferir a agenda <strong>de</strong> eventos e enviar seu próprio<br />
material. Com humor jocoso e <strong>de</strong>bochado, as animações do Mundo Canibal são repletas<br />
<strong>de</strong> trocadilhos, palavrões, humor negro e sátiras, agradando ao público jovem-adulto,<br />
sobretudo masculino. Algumas das animações dos irmãos Piologo foram ainda exibidas e<br />
premiadas em festivais do país.<br />
De caráter menos corrosivo, mas não menos engraçado, o site criado e mantido pelo<br />
chargista Maurício Ricardo Quirino (www.charges.com.br) apresenta charges animadas<br />
envolvendo temas diversos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o universo adolescente até política. Quirino, que<br />
ilustra, anima e dubla as vozes, possui algumas séries on-line como “Charges-okê”, na<br />
qual personalida<strong>de</strong>s nacionais e internacionais interpretam paródias musicais, “Espinha e<br />
Fimose”, dois jovens nerds vivendo a crise da adolescência e “Tobby Entrevista”, na qual o<br />
entrevistador que usa orelhas do Mickey Mouse entrevista personalida<strong>de</strong>s diversas, sempre<br />
representadas na forma <strong>de</strong> personagens animados. No site, é possível ainda jogar mini<br />
games, escutar músicas e enviar cartões virtuais animados para amigos por e-mail. No ar<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2000, o site já ganhou o prêmio na categoria entretenimento do IBest e da Revista<br />
Info Exame. As charges do site também são vistas com frequência em diversos programas da<br />
televisão brasileira.<br />
138
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
ANIMATV<br />
“Charges-okê”, “Espinha e Fimose”, “Mundo Canibal”<br />
O célere crescimento da animação brasileira nos últimos anos não passou <strong>de</strong>spercebido<br />
pelas instâncias públicas do país. Em 2003, foi proposto o projeto <strong>de</strong> lei (PL) nº 1821/03,<br />
com o objetivo <strong>de</strong> incorporar gradativamente na televisão <strong>de</strong>senhos animados brasileiros,<br />
ampliando a exibição <strong>de</strong> conteúdo nacional e estimulando a indústria do setor no país. Após<br />
algumas audiências e pareceres preliminares, o projeto segue em tramitação no legislativo.<br />
No mesmo ano, o então Secretário Executivo do Ministério da Cultura, visualizou o potencial<br />
da animação brasileira, compreen<strong>de</strong>ndo a importância cultural e o fator econômico envolvido na<br />
ativida<strong>de</strong>, dando início a uma série <strong>de</strong> ações a favor do setor. A simples criação <strong>de</strong> alguns editais<br />
específicos para a animação, por exemplo, já se configurou como um avanço significativo, uma<br />
vez que projetos <strong>de</strong> animação tinham que concorrer juntos com projetos em live action, que, por<br />
si só, possuem outros parâmetros avaliativos e mesmo <strong>de</strong> produção, tornando díspar e inviável a<br />
comparação e competição entre estas técnicas distintas do audiovisual.<br />
Posteriormente, em meados <strong>de</strong> 2008, o Ministério da Cultura assina a Portaria Ministerial<br />
nº 68, <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2008, na qual institui a criação do Programa Nacional <strong>de</strong> Fomento<br />
à Animação Brasileira, também conhecido por ProAnimação. A coor<strong>de</strong>nação das ações do<br />
programa está, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então, a cargo da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura,<br />
com recursos <strong>de</strong> Lei Orçamentária, incentivados e <strong>de</strong> outras fontes.<br />
Em outubro <strong>de</strong>ste mesmo ano, durante a realização do 3º Granimado – Festival <strong>de</strong> Animação <strong>de</strong><br />
Gramado, o ministro da Cultura faz um discurso no qual valoriza a função da animação na cultura<br />
contemporânea e enaltece o papel e a responsabilida<strong>de</strong> do Estado no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ste setor<br />
no país. Isso, pois, a escala necessária para se criar uma verda<strong>de</strong>ira indústria da animação envolve<br />
uma gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> profissionais qualificados, uma ampla infraestrutura tecnológica e um<br />
esforço contínuo para comercialização, distribuição e exibição <strong>de</strong>ssas animações. O ministro afirmou<br />
ainda que no atual panorama internacional, a animação é, <strong>de</strong>ntre as indústrias do audiovisual, a mais<br />
promissora economicamente.<br />
No mesmo evento foi apresentado o ProAnimação, cujo escopo já havia incorporado o Programa<br />
ANIMATV. O ProAnimação foi resultado do estudo <strong>de</strong> um grupo <strong>de</strong> trabalho previamente composto por<br />
ABCA, Coor<strong>de</strong>nação Executiva do ANIMATV, ABPITV, Cinemateca Brasileira, CTAv e TV Cultura/TV Rá<br />
Tim Bum, supervisionado pela Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura.<br />
139
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
O programa parte <strong>de</strong> algumas premissas iniciais: o crescimento do setor em nível internacional;<br />
a elevada capacida<strong>de</strong> do setor em gerar emprego, rendas e divisas; o volume <strong>de</strong> material inédito<br />
exibido no Brasil (cerca <strong>de</strong> 1.800 horas apenas consi<strong>de</strong>rando o público infanto-juvenil); a criação<br />
<strong>de</strong> toda uma ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> negócios por meio do licenciamento <strong>de</strong> produtos diversos; o elevado nível<br />
técnico e artístico dos animadores brasileiros (reconhecido nacional e internacionalmente) e a<br />
contribuição para a formação <strong>de</strong> um imaginário nacional numa perspectiva <strong>de</strong> pertencimento e<br />
valorização da cultura brasileira.<br />
140
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
A compreensão <strong>de</strong> toda a ca<strong>de</strong>ia socioeconômica contemplada neste programa po<strong>de</strong> possibilitar<br />
a criação, o <strong>de</strong>senvolvimento e a manutenção <strong>de</strong> uma indústria <strong>de</strong> animação brasileira, capaz <strong>de</strong>,<br />
em longo prazo, se estruturar <strong>de</strong> forma autossustentável e permanente. Contemplando um amplo<br />
conjunto integrado <strong>de</strong> ações, com horizonte <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong> execução e investimentos previstos da<br />
or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> R$ 760 milhões, o objetivo principal do programa é a inserção da animação brasileira no<br />
mercado internacional e nacional – neste último com a meta <strong>de</strong> ocupação <strong>de</strong> 25% do setor no prazo<br />
<strong>de</strong> uma década.<br />
Para tanto, o ProAnimação é constituído <strong>de</strong> três programas principais: formação, para<br />
capacitar os profissionais necessários para a expansão do setor; infraestrutura, para organização<br />
e ampliação da base produtiva, e fomento, para promover a produção e capitalizar os<br />
estúdios. Além <strong>de</strong>sses programas, estão previstas também três linhas auxiliares: diagnóstico,<br />
por meio da elaboração do perfil socioeconômico do segmento no Brasil; comunicação, por<br />
meio da divulgação e promoção das animações brasileiras e preservação, por meio da criação,<br />
manutenção <strong>de</strong> um acervo das produções brasileiras em animação.<br />
O Programa envolve um amplo arco institucional, com a participação <strong>de</strong> diversos órgãos do<br />
governo e da iniciativa privada. Entre as ações anunciadas estava a pesquisa socioeconômica<br />
para diagnosticar o setor, permitindo uma maior e melhor compreensão <strong>de</strong> suas <strong>de</strong>mandas e<br />
potencialida<strong>de</strong>s para uma posterior prospecção <strong>de</strong> negócios. Além da pesquisa, outra ação<br />
anunciada busca contemplar a radiodifusão pública e comercial, por meio da realização <strong>de</strong> três<br />
programas: o AnimaSur, envolvendo séries <strong>de</strong> animação dos países do Mercosul 9 , o Programa <strong>de</strong><br />
Fomento à Produção <strong>de</strong> Séries <strong>de</strong> Animação Adulta e o ANIMATV.<br />
O ANIMATV é o primeiro programa <strong>de</strong> fomento à produção e teledifusão <strong>de</strong> séries <strong>de</strong><br />
animação brasileiras, uma iniciativa pioneira buscando o estímulo da indústria nacional da<br />
animação. O ANIMATV é uma realização da Secretaria do Audiovisual - SAV, da Secretaria <strong>de</strong><br />
Políticas Culturais - SPC (ambas do Ministério da Cultura), da Empresa Brasil <strong>de</strong> Comunicação<br />
- TV Brasil, da Fundação Padre Anchieta – TV Cultura, da ABEPEC - Associação Brasileira das<br />
Emissoras Públicas e contando com o apoio institucional da ABCA - Associação Brasileira <strong>de</strong><br />
Cinema <strong>de</strong> Animação. O ANIMATV é realizado no âmbito do Programa Nacional <strong>de</strong> Estímulo à<br />
Parceria entre a Produção In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e a Televisão, instituído pelo Ministério da Cultura por<br />
meio da Portaria n o 19 <strong>de</strong> 07 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2008.<br />
Esse estímulo buscado po<strong>de</strong> ser medido pelo estabelecimento <strong>de</strong> um circuito nacional<br />
<strong>de</strong> teledifusão <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhos animados nacionais, pela motivação nos estúdios <strong>de</strong> animação<br />
em produzir novos conteúdos e pela potencialização <strong>de</strong> inserção das séries selecionadas no<br />
mercado internacional.<br />
Os objetivos principais do programa são: estimular o <strong>de</strong>senvolvimento da indústria<br />
brasileira <strong>de</strong> animação a partir da sistematização <strong>de</strong> ações que visem à geração <strong>de</strong> projetos <strong>de</strong><br />
série <strong>de</strong> animação em diversos pontos do país; a realização <strong>de</strong> ações regionais <strong>de</strong> capacitação<br />
9. O Mercado Comum do Sul, também conhecido por Mercosul, é a união aduaneira (livre comércio) criada em 1991,<br />
que envolve cinco Estados Partes (Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela), cinco Estados Associados<br />
(Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru) e um Estado Observador com status não oficial (México).<br />
141
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
que reforcem a cultura da série <strong>de</strong> animação para a televisão; a articulação <strong>de</strong> um circuito<br />
nacional <strong>de</strong> teledifusão <strong>de</strong> séries <strong>de</strong> animação brasileiras; a dinamização da produção integrada<br />
entre estúdios no território nacional e a potencialização da inserção da animação brasileira no<br />
mercado internacional.<br />
Durante o ano <strong>de</strong> 2008, a equipe do projeto formatou toda a estrutura do ANIMATV, até<br />
a publicação <strong>de</strong> seu edital. Dado o ineditismo da proposta, em 2009, foram realizadas - nas<br />
cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Belém, Salvador, Goiânia, Belo Horizonte, Rio <strong>de</strong> Janeiro, São Paulo, Curitiba e<br />
Porto Alegre - as Oficinas para Formatação <strong>de</strong> Projetos ANIMATV. Com a realização <strong>de</strong>ssas<br />
oficinas, promoveu-se o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> pré-projetos <strong>de</strong> séries <strong>de</strong> animação a partir do<br />
mo<strong>de</strong>lo proposto no edital, possibilitando ainda o esclarecimento <strong>de</strong> dúvidas e a discussão <strong>de</strong><br />
aspectos diversos relacionados ao tema.<br />
No total, foram inscritos 257 projetos inéditos, <strong>de</strong> 17 Estados brasileiros, no período entre<br />
08 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2008 e 21 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2009. Desse total, 30 foram pré-selecionados para<br />
a segunda fase do programa. A Comissão <strong>de</strong> Seleção foi constituída por cinco membros: Renato<br />
Nery, <strong>de</strong>signado pela SAV e pela SPC do MinC, Berenice Men<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>signado pela Empresa Brasil<br />
<strong>de</strong> Comunicação – TV Brasil, Mário Sérgio Cardoso, <strong>de</strong>signado pela Fundação Padre Anchieta,<br />
Marcelo Braga <strong>de</strong> Freitas, <strong>de</strong>signado pela ABEPEC e Fábio Yamagi, <strong>de</strong>signado pela ABCA.<br />
Os critérios <strong>de</strong> seleção previstos no regulamento e adotados pela comissão <strong>de</strong> avaliação<br />
foram: a criativida<strong>de</strong> das propostas, o potencial <strong>de</strong> formação da audiência e <strong>de</strong> coprodução<br />
internacional, a a<strong>de</strong>quação à faixa etária pretendida, a viabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realização. Em um<br />
segundo momento, <strong>de</strong>dicado à apresentação presencial (pitching), também são avaliados o<br />
entrosamento entre autor e produtor, a capacida<strong>de</strong> produtiva do estúdio e o comprometimento<br />
dos proponentes com a proposta.<br />
Nos dias 12 e 13 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2009, estes 30 projetos pré-selecionados passaram pelo<br />
pitching, <strong>de</strong>pois do qual foram contemplados 17 pré-projetos para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> um<br />
piloto com 11 minutos <strong>de</strong> duração e um projeto completo <strong>de</strong> série (bible).<br />
Entre os dias 10 e 16 <strong>de</strong> maio, os projetos selecionados passaram ainda pela Oficina <strong>de</strong><br />
Desenvolvimento <strong>de</strong> Projetos <strong>de</strong> Séries <strong>de</strong> Animação, na qual tiveram, durante uma semana<br />
<strong>de</strong> imersão, a consultoria <strong>de</strong> Chelo Loureiro (produção), Ennio Torrezan (direção <strong>de</strong> arte e<br />
<strong>de</strong>sign), Reynaldo Marchezini (comercialização) e Sérgio Nesteriuk (roteiro e dramaturgia).<br />
Segue abaixo uma pequena ficha técnica e sinopse dos 17 projetos pilotos realizados.<br />
TÍTULO: A PRINCESA DO CORAÇãO GELADO (THe PRINCeSS OF THe FROzeN HeART)<br />
Autora: Zu Escobar<br />
Produção: Mínima<br />
Sinopse: “As aventuras da Princesa Lucy e <strong>de</strong> seus amigos em busca do elemento que falta<br />
para o feitiço que <strong>de</strong>scongelará o coração <strong>de</strong>la”.<br />
TÍTULO: ABÍLIO E TRAQUITANA (HERBIE & GADGETY)<br />
Autor: Henrique Barone<br />
Produção: Lightbox Studios<br />
Sinopse: “Abílio, um inventor curioso e Traquitana, sua inseparável maquineta têm problemas<br />
142
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
com a lâmpada do projetor <strong>de</strong> cinema. Com a ajuda das Famílias do Conhecimento, eles<br />
<strong>de</strong>scobrem como solucionar o problema e apren<strong>de</strong>m muito mais sobre a luz”.<br />
TÍTULO: BOLOTA & CHUMBREGA (CHUBBIE AND CHEESY)<br />
Autor: Fre<strong>de</strong>rico Pinto<br />
Produção: Armazém <strong>de</strong> Imagens<br />
Sinopse: “Quando o dono do cão Bolota não o <strong>de</strong>ixa experimentar um arroz carreteiro, a gata<br />
Chumbrega convida-o e ao hamster VonVon para uma incrível aventura. Por meio <strong>de</strong> um guardachuva<br />
mágico, os três amigos são levados para uma fazenda on<strong>de</strong> provam o melhor carreteiro”.<br />
TÍTULO: CARRAPATOS E CATAPULTAS (DUCK-TICKS AND CATAPULTS)<br />
Autor: Almir Correia<br />
Produção: Zoom Elefante<br />
Sinopse: “Em outra galáxia, no planeta Vaca, carrapatos bico-<strong>de</strong>-pato gostam <strong>de</strong> se<br />
catapultar, sugar gororoba e explodir para ir morar no mundo dos carrapatos fantasmas”.<br />
TÍTULO: HIPERION<br />
Autor: Bruno Vidigal<br />
Produção: UPX Studio<br />
Sinopse: “Cadu, 12 anos, supera as dificulda<strong>de</strong>s para se tornar um super-herói. Ele enfrenta<br />
o vilão Hyrus com os superpo<strong>de</strong>res da armadura Hiperion e <strong>de</strong>scobre que tem o <strong>de</strong>stino do<br />
universo em seus punhos”.<br />
TÍTULO: HISTORIETAS ASSOMBRADAS PARA CRIANÇAS MALCRIADAS<br />
(HAUNTED TALES FOR WICKED KIDS)<br />
Autor: Victor-Hugo Borges<br />
Produção: Neoplastique Entretenimento<br />
Sinopse: “A chegada da vovó transforma a rotina <strong>de</strong> um garoto <strong>de</strong> onze anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> em<br />
um universo sem limites para a imaginação”.<br />
TÍTULO: ARARA RARA (AMAZON TAILS)<br />
Autor: Fred Mathias<br />
Produção: MOL Toons<br />
Sinopse: “Jajá, uma amalucada ararinha vermelha, e seus amigos Nininha e Salomão, a<br />
maior arara azul do mundo, vivem engraçadas aventuras na Floresta Amazônica”.<br />
TÍTULO: MIúDA E O GUARDA CHUVA (THAINIE AND THE UMBRELLA)<br />
Autor: Victor Cayres<br />
Produção: Santo Forte<br />
Sinopse: “Miúda alimenta sua planta carnívora com formigas que arquitetam um plano<br />
secreto cheio <strong>de</strong> fatos extraordinários, guarda-chuvas e poesia”.<br />
TÍTULO: NAVE SUB-D (STAR TRASH)<br />
Autor: Pedro Aguilera<br />
Produção: Maria Bonita<br />
Sinopse: “A <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>nte nave espacial Sub-D resgata os tripulantes da luxuosa nave G-8. A<br />
partir daí, as duas tripulações são obrigadas a viver juntas”.<br />
143
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
TÍTULO: PIRATAS VS NINJAS VS ROBôS VS CAUBóIS<br />
(PIRATES VS NINJAS VS ROBOTS VS COWBOYS)<br />
Autor: João Penna<br />
Produção: Abuzza Filmes<br />
Sinopse: “ Inimigos naturais se enfrentam em uma batalha no melhor estilo vi<strong>de</strong>ogame”.<br />
TÍTULO: PLATZ NA CIDADE (PLATZ)<br />
Autor: Paulo Miyada<br />
Produção: Animatório<br />
Sinopse: “Platz entrega pizzas em qualquer lugar da cida<strong>de</strong> em até <strong>de</strong>z minutos. Isso se<br />
não houver problemas com quaisquer dos obstáculos oferecidos pela cida<strong>de</strong>”.<br />
TÍTULO: SCRATCH<br />
Autor: Fred Luz<br />
Produção: Cápsula<br />
Sinopse: “As aventuras <strong>de</strong> três baratas que investigam os crimes mais bizarros para ajudar<br />
um incompetente <strong>de</strong>tetive”.<br />
TÍTULO: TROMBA TREM (TRUNK TRAIN)<br />
Autor: Zé Brandão<br />
Produção: Copa Studio<br />
Sinopse: “Um elefante sem memória, uma tamanduá vegetariana e uma colônia <strong>de</strong> cupins<br />
que acredita ser <strong>de</strong> outro planeta viajam juntos em um trem a vapor pela América Latina.<br />
Cada episódio da série apresenta novos lugares e personagens”.<br />
TÍTULO: VAI DAR SAMBA (SAMBA´S CLUB)<br />
Autor: Humberto Avelar<br />
Produção: Urca Filmes<br />
Sinopse: “Os pequenos Catoco, Nonô, Rosinha, Filô e Pan<strong>de</strong>co formam o Clube do Samba,<br />
que se reúne secretamente na mágica loja <strong>de</strong> instrumentos musicais do Seu Viola para<br />
brincar <strong>de</strong> fazer música”.<br />
TÍTULO: VIVI VIRAVENTO (VIVI)<br />
Autor: Alê Abreu<br />
Produção: Mixer<br />
Sinopse: “Vivi é uma menina muito curiosa que vive procurando Viravento, um lugar<br />
secreto revelado por sua avó escritora, Rosa Rara. Vivi se aventura em busca <strong>de</strong>sse mundo<br />
mágico, sempre na companhia <strong>de</strong> seus amigos Mochilão e Lanterninha”.<br />
TÍTULO: WILBOR<br />
Autor: Rodrigo Gava<br />
Produção: Labo Cine<br />
Sinopse: “Wilbor é um cara alto astral que, incentivado pelo narrador, se mete nas mais<br />
engraças situações sem nunca per<strong>de</strong>r o otimismo”.<br />
144
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
TÍTULO: ZICA E OS CAMALEõES (ZICA & THE CHAMELEONS)<br />
Autor: Ari Nicolosi<br />
Produção: Conteúdos Diversos<br />
Sinopse: “O dia-a-dia <strong>de</strong> Zica, uma adolescente <strong>de</strong> 14 anos que busca sempre fazer uma<br />
leitura do mundo através <strong>de</strong> sua arte”.<br />
Os pilotos <strong>de</strong>senvolvidos foram ao ar pela TV Brasil, TV Cultura e mais 20 emissoras<br />
associadas à ABEPEC, a partir <strong>de</strong> 25 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2010. Todos os episódios pilotos<br />
po<strong>de</strong>m ser assistidos nos sites: www.tvcultura.com.br/animatv e www.tvbrasil.org.<br />
br/animatv.<br />
Após a seleção inicial das séries, a Coor<strong>de</strong>nação Executiva do Programa iniciou o trabalho<br />
<strong>de</strong> prospecção <strong>de</strong> parcerias para as séries, apresentando e representando o ANIMATV em<br />
importantes eventos internacionais, como Upto3’, em Toronto, Festival Internacional <strong>de</strong><br />
Animação <strong>de</strong> Ottawa, KidScreen Summit, em Nova Iorque, World Television Festival/Next<br />
Media, em Banff (Canadá), MIPCOM e MIPJunior, em Cannes, Anima Fórum do Anima Mundi, no<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro e na Expotoons, em Buenos Aires.<br />
Além <strong>de</strong>sta importante e ativa presença em feiras e eventos do setor, o ANIMATV também<br />
tem obtido interessantes <strong>de</strong>sdobramentos por meio da seleção e premiação <strong>de</strong> muitos dos<br />
episódios em festivais nacionais e internacionais <strong>de</strong> animação, da exibição em mostras<br />
especiais e também pela reprise nas emissoras parceiras da Re<strong>de</strong> ANIMATV: TV Cultura, TV<br />
Brasil e suas retransmissoras.<br />
Em julho <strong>de</strong> 2010, foi anunciada a coprodução Brasil-Canadá para a realização <strong>de</strong> um dos<br />
17 projetos inicialmente selecionados, “Vivi Viravento”, <strong>de</strong> Alê Abreu. Em uma coprodução da<br />
brasileira Mixer com a cana<strong>de</strong>nse Skywriter, a série, que terá 52 episódios por temporada, será<br />
produzida em 2011 e vai ao ar em 2012 pela TV Ontário, com possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pré-venda para<br />
canais europeus.<br />
A criação e a produção <strong>de</strong> séries <strong>de</strong> animação no Brasil vivem, portanto, seu momento mais<br />
expressivo. Além das séries <strong>de</strong> animação mencionadas neste capítulo e que já se encontram<br />
em uma fase regular <strong>de</strong> produção e exibição na televisão, estima-se que existam cerca <strong>de</strong><br />
50 projetos nacionais <strong>de</strong>vidamente estruturados buscando, por diferentes mecanismos<br />
e estratégias, a viabilida<strong>de</strong> para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> suas produções. Se este cenário<br />
praticamente surgiu e se consolidou em menos <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos, a perspectiva para a próxima<br />
década é, portanto, bastante otimista.<br />
145
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
146
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
2.4 análise<br />
das séries<br />
2.4 Análise das Séries<br />
A seguir, faremos uma sucinta análise narrativa <strong>de</strong> caráter mais livre <strong>de</strong> duas séries<br />
internacionais <strong>de</strong> animação, “Os Simpsons” e “Bob Esponja Calça Quadrada”. Po<strong>de</strong>ríamos ter<br />
escolhido outros casos, entretanto, pautamos nosso critério <strong>de</strong> seleção pelo sucesso <strong>de</strong> ambas<br />
junto ao público, à crítica e ao mercado, o que vai ao encontro do ensejo da criação <strong>de</strong> uma<br />
indústria <strong>de</strong> animação no Brasil.<br />
“Bob Esponja Calça Quadrada” (“SpongeBob Square Pants”)<br />
“Bob Esponja Calça Quadrada” (“SpongeBob SquarePants”) é uma série <strong>de</strong> animação<br />
norte-americana <strong>de</strong>senvolvida por Stephen Hillenburg. Em uma mesa durante o Anima Fórum<br />
realizado no 18º Anima Mundi, em 2010, no Rio <strong>de</strong> Janeiro, o animador contou alguns <strong>de</strong>talhes<br />
sobre o processo <strong>de</strong> criação da série.<br />
Stephen Hillenburg nasceu em 1961 e, em sua infância, tinha a praia como “quintal”,<br />
extensão <strong>de</strong> sua casa. Por conta disso, teve gran<strong>de</strong> contato com o mar e apren<strong>de</strong>u a surfar e<br />
mergulhar. Além disso, se interessava por tudo que fosse relacionado à vida marinha, como os<br />
filmes e documentários produzidos pelo oceanógrafo Jacques Cousteau. Ao terminar o segundo<br />
grau, Hillenburg resolveu cursar biologia marinha, curso em que se formou no ano <strong>de</strong> 1984,<br />
atuando como biólogo marinho e professor do ensino infantil até 1987.<br />
Foi quando resolveu dar uma virada em sua vida e <strong>de</strong>cidiu estudar animação, sua segunda<br />
paixão. Hillenbrug se matriculou na CalArts – tradicional escola <strong>de</strong> animação fundada por Walt e<br />
Roy Disney na década <strong>de</strong> 60 – on<strong>de</strong> conclui a graduação e o mestrado em animação experimental no<br />
ano <strong>de</strong> 1993. Em 1989, ainda quando estava na graduação, criou um gibi chamado “The Intertidal<br />
147
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Zone” sobre criaturas marítimas que vivem nas “poças <strong>de</strong> maré”. O gibi tinha como protagonista<br />
Bob Esponja, que inicialmente era <strong>de</strong>senhado como uma verda<strong>de</strong>ira esponja do mar, mas que,<br />
posteriormente, ganhou formas quadradas para ficar mais engraçado. Hillenburg chegou a enviar o<br />
projeto para algumas editoras, mas, na ocasião, nenhuma <strong>de</strong>las se interessou. Ele mostra então o<br />
gibi para seu colega Martin Olson, um roteirista especializado em humor, que sugeriu reescrever o<br />
projeto no formato <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> animação sobre o fundo do mar.<br />
Durante o curso e após algum tempo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> formado, Hillenburg anima diversos curtasmetragens,<br />
como “The Green Beret” (1991) e “Wormholes” (1992), que participam <strong>de</strong> inúmeros<br />
festivais por todo o mundo. Entre 1991 e 1993, trabalhou ainda na série <strong>de</strong> animação infantil<br />
“Mother Goose and Grimm” – baseada no quadrinho homônimo <strong>de</strong> Mike Peters.<br />
Em um dos festivais em que “Wormholes” estava sendo exibido, Hillenburg conheceu Joe<br />
Murray, criador da série “Rocko’s Mo<strong>de</strong>rn Life” (“A Vida Mo<strong>de</strong>rna <strong>de</strong> Rocko”) que o convidou<br />
para dirigir a série. Além <strong>de</strong> dirigir a série, Hillenburg atuou também como roteirista, produtor<br />
e artista <strong>de</strong> storyboard. Foi por meio <strong>de</strong> “Rocko’s Mo<strong>de</strong>rn Life” que Hillenburg conheceu o ator,<br />
dublador, cantor e comediante Tom Kenny, a futura voz da personagem Bob Esponja em inglês,<br />
além <strong>de</strong> Doug Lawrence, Martin Olson, Paul Tibbit e outros futuros colaboradores da série.<br />
Com o fim <strong>de</strong> “Rocko’s Mo<strong>de</strong>rn Life”, em 1996, Hillenburg retoma seu projeto <strong>de</strong> série<br />
sobre o fundo do mar. No ano seguinte, conta com a colaboração dos colegas com quem<br />
havia trabalhado, que o auxiliam no <strong>de</strong>senvolvimento dos cenários, das personagens e na<br />
direção <strong>de</strong> arte do novo projeto. Dois anos <strong>de</strong>pois, em 1998, Hillenburg faz um inusitado pitch<br />
para o Nickelo<strong>de</strong>on usando um aquário, mo<strong>de</strong>los das personagens, a música tema da série e<br />
o storyboard do episódio piloto, “Help Wanted”. No dia seguinte, recebeu um telefonema<br />
dizendo que seu projeto havia sido aprovado. Algum tempo <strong>de</strong>pois, a série se tornaria o<br />
programa <strong>de</strong> maior audiência e popularida<strong>de</strong> da emissora.<br />
Em “Help Wanted”, Bob Esponja vai até a lanchonete Siri Cascudo se candidatar a<br />
uma vaga <strong>de</strong> chapeiro. Ao perceber que o protagonista se aproxima da lanchonete com a<br />
intenção <strong>de</strong> conseguir o emprego, o mal-humorado Lula Molusco pe<strong>de</strong> ao proprietário do<br />
estabelecimento, Sr. Siriqueijo, para não contratar a esponja, pois isso seria uma catástrofe.<br />
O dono da lanchonete diz então a Bob Esponja que, se ele trouxer um raro tipo <strong>de</strong> espátula,<br />
o emprego será <strong>de</strong>le. Entusiasmado, ele sai do estabelecimento cantarolando alegremente.<br />
Interpelado por Lula Molusco, Sr. Siriqueijo afirma ter pregado uma peça no candidato, pois,<br />
na verda<strong>de</strong>, não existe tal espátula. Nesse momento, diversos ônibus estacionam na frente da<br />
lanchonete, que fica totalmente tomada por peixes famintos. A horda <strong>de</strong> clientes toma conta<br />
<strong>de</strong> todo o espaço interno e Lula Molusco e o Sr. Siriqueijo vão parar no teto da lanchonete,<br />
amedrontados com a situação. Quando tudo parece estar perdido, eis que surge Bob Esponja<br />
voando por cima dos clientes, utilizando a rara espátula encontrada por ele como hélice. O<br />
Sr. Siriqueijo afirma que se Bob Esponja conseguir aten<strong>de</strong>r todos os clientes peixes, o emprego<br />
será <strong>de</strong>le. Motivado, o protagonista vai para a chapa on<strong>de</strong> começa, em um ritmo alucinado, a<br />
montar centenas <strong>de</strong> hambúrgueres até efetivamente alimentar toda a horda faminta. Com um<br />
enorme saco <strong>de</strong> dinheiro e um igualmente gran<strong>de</strong> sorriso no rosto, o Sr. Siriqueijo efetiva Bob<br />
Esponja na lanchonete Siri Cascudo, para <strong>de</strong>sespero <strong>de</strong> Lula Molusco.<br />
148
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
A première da série, com a exibição <strong>de</strong>sse episódio piloto, foi em maio <strong>de</strong> 1999 e os<br />
<strong>de</strong>mais episódios começaram a ser exibidos regularmente a partir <strong>de</strong> julho do mesmo ano. De<br />
início, a série não fez o sucesso estrondoso que alcançaria <strong>de</strong>pois. Porém, teve uma constante<br />
e crescente curva <strong>de</strong> crescimento <strong>de</strong> popularida<strong>de</strong>, o que significa uma maior fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> do<br />
público e perspectiva <strong>de</strong> consolidação da audiência em médio prazo – diferentemente das<br />
séries que apresentam uma curva mais acentuada (“boom”) e que normalmente ten<strong>de</strong>m a<br />
per<strong>de</strong>r a audiência <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> algum tempo.<br />
Hillenburg afirmou que o conceito <strong>de</strong> criação da série possui referências <strong>de</strong> “O Gordo e<br />
o Magro” e da personagem Pee-Wee Herman, criada e interpretada pelo ator Paul Reubens.<br />
No <strong>de</strong>senho animado, há o predomínio do foco nas personagens e em seus relacionamentos,<br />
muito mais que no contexto social em si. Para a ambientação da série foi utilizado, como<br />
referência, um lugar isolado no fundo do mar, no Oceano Pacífico, próximo ao Atol <strong>de</strong> Bikini.<br />
Este se localiza na Micronésia, que pertence atualmente às Ilhas Marshall, e foi utilizado para<br />
testes nucleares pelos Estados Unidos nas décadas <strong>de</strong> 40 e 50. Ao passar uma noção geral <strong>de</strong><br />
comunida<strong>de</strong>, a Fenda do Biquíni funciona mais como ambientação e sustentação do universo<br />
criado do que como elemento ativo na trama.<br />
As relações sociais que <strong>de</strong>finem a própria existência da série giram em torno <strong>de</strong> Bob Esponja,<br />
personagem principal da série, que apesar <strong>de</strong> ser uma esponja do mar tem a forma <strong>de</strong> uma<br />
bucha <strong>de</strong> cozinha. Com gran<strong>de</strong>s olhos azuis, dois <strong>de</strong>ntes da frente aparentes, corpo retangular<br />
amarelo com furos, Bob Esponja normalmente veste calça quadrada marrom, camisa branca<br />
social <strong>de</strong> manga curta, uma pequena gravata vermelha, além <strong>de</strong> calçar sapatos pretos. Ele vive<br />
em um abacaxi <strong>de</strong> dois quartos, com Gary, seu caramujo <strong>de</strong> estimação, que mia como um gato<br />
e, ao se movimentar, <strong>de</strong>ixa um rastro gosmento por on<strong>de</strong> passa.<br />
Originalmente, a protagonista da série se chamaria SpongeBoy, mas foi <strong>de</strong>scoberto que o<br />
nome já estava em uso para uma marca <strong>de</strong> esponjas domésticas, o que obrigou a adoção do<br />
novo nome, Bob Esponja Calça Quadrada. Além <strong>de</strong> ser uma menção à vestimenta, essa alcunha<br />
funciona também como sobrenome da personagem. Apesar <strong>de</strong> não haver alusão clara à sua<br />
ida<strong>de</strong>, Bob Esponja é um jovem adulto, pois mora sozinho, trabalha e quer tirar sua carteira <strong>de</strong><br />
motorista. O <strong>de</strong>senvolvimento da personalida<strong>de</strong> da personagem também foi inspirado na voz e<br />
na interpretação <strong>de</strong> Tom Kenny, dublador original da personagem em língua inglesa.<br />
Mesmo presumindo a faixa etária da protagonista e, por consequência, das <strong>de</strong>mais<br />
personagens, não há na série o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> relacionamentos amorosos. O próprio<br />
Hillenburg afirmou que não pensou nessa questão na criação dos episódios e disse ainda que<br />
o protagonista, Bob Esponja, estaria mais para uma figura assexuada. Entretanto, a partir <strong>de</strong><br />
uma campanha social a favor da diversida<strong>de</strong> e da tolerância realizada nos Estados Unidos no<br />
ano <strong>de</strong> 2005, surge, por parte <strong>de</strong> alguns grupos mais conservadores, uma polêmica em relação<br />
ao entendimento <strong>de</strong> um possível relacionamento homossexual entre Bob Esponja e Patrick. Já<br />
para outras pessoas, há um sentimento amoroso heterossexual não realizado e não manifesto<br />
explicitamente entre Bob Esponja e Sandy.<br />
Com atitu<strong>de</strong>s e comportamentos positivos, Bob Esponja é uma personagem otimista, satisfeita e<br />
bem intencionada. Sempre disposto, é bastante ativo e busca diversão tanto no trabalho quanto fora<br />
149
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
<strong>de</strong>le. Essa sua personalida<strong>de</strong> faz com que tenha uma visão muito particular das coisas do mundo,<br />
gerando inúmeros contrapontos e situações com as outras personagens da série. Por exemplo, quando<br />
quer agradar seu vizinho Lula Molusco, acaba, sem perceber, por irritá-lo cada vez mais.<br />
A inocência e o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> ser bom e correto da protagonista acabam ressaltando alguns<br />
<strong>de</strong>feitos morais das outras personagens da série. As boas intenções <strong>de</strong> Bob Esponja, por contraste,<br />
transformam-se para o espectador em crítica à ganância do Sr. Siriqueijo, da impetuosida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Sandy Bochechas, do mau-humor <strong>de</strong> Lula Molusco e do <strong>de</strong>stempero <strong>de</strong> Patrick. A simplicida<strong>de</strong> da<br />
personagem faz com que ela valorize as pequenas coisas da vida – como no episódio em que se<br />
diverte enormemente com uma caixa <strong>de</strong> papelão que embalava um aparelho <strong>de</strong> televisão. Bob<br />
Esponja é ainda extremamente sentimental e afetuoso, por isso, a frequente alegria que acompanha<br />
a personagem po<strong>de</strong>, eventualmente, ser substituída por um sentimento <strong>de</strong> tristeza e preocupação,<br />
principalmente quando acha que magoou alguém ou quando per<strong>de</strong> algo <strong>de</strong> que gostava.<br />
Bob Esponja trabalha, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início da série, como chapeiro na lanchonete Siri Cascudo,<br />
tendo como colega <strong>de</strong> trabalho seu vizinho Lula Molusco. Des<strong>de</strong> que começou a trabalhar na<br />
lanchonete, ganhou todos os prêmios <strong>de</strong> “funcionário do mês”. Trabalha por prazer, pois adora<br />
fazer os saborosos hambúrgueres, mesmo ganhando um reduzido salário. Não possui gran<strong>de</strong>s<br />
ambições na vida, sua maior motivação e objetivo é apenas ser o melhor chapeiro da Fenda do<br />
Biquíni e fazer lanches que as pessoas adorem. Os hobbies prediletos <strong>de</strong> Bob Esponja são caçar<br />
águas-vivas, fazer bolhas <strong>de</strong> sabão e praticar caratê com Sandy. Ele frequenta ainda as aulas na<br />
autoescola com a Sra. Puff, sua professora, mas nunca conseguiu ser aprovado nos exames.<br />
O melhor amigo da protagonista é Patrick, estrela do mar cor-<strong>de</strong>-rosa, gordinha e que<br />
vive sob uma rocha, ao lado da casa <strong>de</strong> Bob Esponja. Sua principal característica é a absurda<br />
limitação <strong>de</strong> inteligência, o que o torna quase limítrofe, a ponto <strong>de</strong>, às vezes, per<strong>de</strong>r o<br />
controle e se animalizar. Extremamente ingênuo, Patrick também possui uma faceta ciumenta<br />
e possessiva, alternando constantemente entre estados extremos <strong>de</strong> humor.<br />
Patrick não possui emprego ou ativida<strong>de</strong> fixa e, quando não está na companhia <strong>de</strong> seu<br />
melhor amigo Bob Esponja, passa a maior parte do tempo dormindo ou vendo televisão<br />
embaixo da pedra on<strong>de</strong> mora. Apesar <strong>de</strong> não ter essa intenção, acaba muitas vezes colocando<br />
a si mesmo e a seu amigo em situações embaraçosas.<br />
Sandy Bochechas é uma geniosa amiga <strong>de</strong> Patrick e Bob Esponja que mora em uma redoma <strong>de</strong><br />
ar embaixo d´água, na qual foi recriado o habitat <strong>de</strong> um esquilo na terra. Ela usa uma espécie <strong>de</strong><br />
escafandro, que permite a respiração fora da redoma quando está submersa. Oriunda da superfície,<br />
mais precisamente do estado do Texas, nos Estados Unidos, Sandy é uma cientista cujas invenções<br />
são, muitas vezes, aci<strong>de</strong>ntalmente quebradas por seus dois amigos. Praticante <strong>de</strong> caratê e aficionada<br />
por esportes radicais, o esquilo possui gran<strong>de</strong> força e adora <strong>de</strong>safios.<br />
Já Lula Molusco é, mesmo pelo criador da série, ora referido como uma lula, ora como um<br />
polvo, que mora ao lado <strong>de</strong> Bob Esponja e <strong>de</strong> Patrick. Sua casa é feita <strong>de</strong> pedra e se assemelha<br />
fisicamente aos moais, esculturas em forma <strong>de</strong> cabeça humana característica da Ilha <strong>de</strong> Páscoa<br />
(Chile), com os olhos fazendo a função <strong>de</strong> janelas no segundo andar da casa. Lula Molusco tem pele<br />
ver<strong>de</strong> azulada, olhos vermelhos, seis tentáculos, nariz gran<strong>de</strong> e é careca. Além <strong>de</strong> vizinho, é também<br />
colega <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> Bob Esponja na lanchonete Siri Cascudo, on<strong>de</strong> exerce a função <strong>de</strong> caixa. Seus<br />
dois vizinhos o consi<strong>de</strong>ram um amigo, embora o sentimento não seja recíproco.<br />
150
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Rabugento, pretencioso, mal humorado, pedante, individualista e narcisista são alguns<br />
adjetivos que bem po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>finir essa personagem. Sempre reclamando <strong>de</strong> tudo, Lula Molusco<br />
gosta <strong>de</strong> pintar quadros e tocar clarinete, porém não tem a menor consciência <strong>de</strong> sua limitação<br />
artística. Egocêntrico, não gosta <strong>de</strong> dividir nem partilhar qualquer coisa ou experiência. Finge<br />
levar uma vida sofisticada, diferente das <strong>de</strong>mais personagens, mas, na verda<strong>de</strong>, vive da mesma<br />
forma que os outros e não faz nada para mudar essa situação – o que po<strong>de</strong> nos levar a pensar<br />
se ele, <strong>de</strong> fato, quer mudar. O <strong>de</strong>scompasso entre o que <strong>de</strong>seja e o que realmente vive é o<br />
principal motivo que faz com que esteja sempre mal humorado.<br />
O proprietário da lanchonete Siri Cascudo, é o Sr. Siriqueijo, <strong>de</strong> origem humil<strong>de</strong>, sem pai<br />
conhecido, é <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte, por parte <strong>de</strong> mãe, <strong>de</strong> uma família <strong>de</strong> piratas. Em sua juventu<strong>de</strong>,<br />
trabalhou na Marinha, on<strong>de</strong>, após se aposentar, passou por um período <strong>de</strong> <strong>de</strong>pressão, que<br />
termina com a criação da lanchonete Siri Cascudo, estabelecimento bastante popular na Fenda<br />
do Biquíni. Como nunca foi casado, nem teve filhos, resolve adotar a baleia cachalote Pérola<br />
e transformá-la em sua her<strong>de</strong>ira.<br />
O Sr. Siriqueijo convive com as constantes ameaças do vilão Plankton, ex-sócio que, por<br />
<strong>de</strong>savenças passadas nos negócios, tornou-se o maior inimigo do proprietário da lanchonete.<br />
O objetivo do minúsculo Plankton é roubar a fórmula secreta do <strong>de</strong>licioso hambúrguer <strong>de</strong> siri,<br />
fazer sucesso com sua própria lanchonete e levar o Siri Cascudo à falência.<br />
Estereótipo do capitalista burguês, Sr. Siriqueijo é extremamente avarento e ganancioso,<br />
capaz <strong>de</strong> explorar sobremaneira outras personagens e mesmo sacrificar seu próprio bem-estar<br />
para poupar mais dinheiro. O toque <strong>de</strong> humor fica por conta do fato <strong>de</strong> seu amor ao dinheiro<br />
não ser apenas uma metáfora, mas literal, com o apego físico às notas e moedas.<br />
Outras personagens com aparições menos regulares na série são: Sra. Puff, a traumatizada<br />
professora <strong>de</strong> Bob Esponja na autoescola, Pérola, a filha adotiva do Sr. Siriqueijo, Sr. e Sra.<br />
Calça Quadrada, os pais <strong>de</strong> Bob Esponja, o Holandês Voador, fantasma <strong>de</strong> um pirata que assusta<br />
a Fenda do Biquíni, os super-heróis aposentados Homem-Sereia e Mexilhãozinho e o Pirata<br />
Pattie, ator <strong>de</strong> carne e osso, fã <strong>de</strong>clarado da série que possui um papagaio <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira (Potty)<br />
e que faz o papel <strong>de</strong> apresentador <strong>de</strong> alguns episódios.<br />
Inicialmente pensada para o público infantil, “Bob Esponja Calça Quadrada”<br />
acabou agradando também jovens e adultos <strong>de</strong> ambos os sexos. Esse fenômeno po<strong>de</strong><br />
ser explicado por alguns fatores, como pela ambientação original, na qual o universo<br />
do fundo do mar é misturado a elementos externos e inusitados, como a casa-abacaxi<br />
da protagonista, por exemplo.<br />
O <strong>de</strong>senvolvimento das personagens é, ao mesmo tempo, psicologicamente próximo <strong>de</strong><br />
matizes presentes na vida cotidiana em socieda<strong>de</strong> e visualmente fantasioso, com <strong>de</strong>sign<br />
criativo e livre das formas predominantes antropomórficas, criando assim uma relação<br />
ambígua <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação e estranhamento. Do relacionamento ordinário <strong>de</strong>ssas personagens,<br />
emanam temas e situações universais, que nos permitem, aparentemente a partir <strong>de</strong> pequenas<br />
questões, estabelecer uma visão mais crítica e reflexiva.<br />
151
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
152
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
The Simpsons<br />
Durante sua infância, em Portland, Matt Groening não era um gran<strong>de</strong> entusiasta da vida<br />
escolar, o que o levou a <strong>de</strong>senhar com bastante frequência. Ao terminar o segundo grau, cursou<br />
artes plásticas na The Evergreen State College, faculda<strong>de</strong> conhecida pelo seu caráter liberal<br />
na educação e no ensino das artes. Entre 1972 e 1977, Groening atuou ainda como redator do<br />
jornal da faculda<strong>de</strong>, no qual além <strong>de</strong> escrever também produzia algumas tirinhas.<br />
Após terminar os estudos, em 1977, muda-se para Los Angeles para tentar trabalhar como<br />
escritor. Todavia, acaba se virando financeiramente com pequenos “bicos”. Groening <strong>de</strong>screvia<br />
para seus amigos suas experiências na cida<strong>de</strong> por meio <strong>de</strong> um fanzine artesanal, <strong>de</strong> fabricação<br />
própria, chamado “Life in Hell”. A publicação autoral foi inspirada pela leitura do capítulo<br />
“Como Ir ao Inferno”, do livro “Crítica da Religião e da Filosofia”, <strong>de</strong> Walter Kaufmann. O<br />
fanzine também era distribuído em uma loja <strong>de</strong> discos <strong>de</strong> vinil em que trabalhava.<br />
Pouco tempo <strong>de</strong>pois, Groening arruma um emprego em um pequeno jornal alternativo,<br />
chamado “Los Angeles Rea<strong>de</strong>r”, on<strong>de</strong> “fazia <strong>de</strong> tudo um pouco”, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r ao telefone<br />
até a diagramação das páginas do tabloi<strong>de</strong>. Em certa ocasião, apresenta seu fanzine para o<br />
editor, que lhe ce<strong>de</strong> um pequeno espaço para publicação no jornal. Assim, em 1980, estreia a<br />
tirinha “Life in Hell”, que faz sucesso quase que imediatamente.<br />
Quatro anos <strong>de</strong>pois, a partir <strong>de</strong> uma sugestão <strong>de</strong> sua namorada e futura (ex) esposa,<br />
Deborah Caplan, Groening publica uma série <strong>de</strong> livros com o mesmo tipo <strong>de</strong> humor das tirinhas,<br />
como “Love is Hell”, “Work is Hell”, “School is Hell”, “Childhood is Hell”, “The Big Book of<br />
Hell” e “The Huge Book of Hell”. A tirinha “Life in Hell” mantém sua produção semanal e é<br />
publicada atualmente em cerca <strong>de</strong> 250 jornais.<br />
O trabalho <strong>de</strong> Groening <strong>de</strong>spertou o interesse do roteirista e produtor James L. Brooks que, em<br />
1985, contatou o autor para a criação <strong>de</strong> pequenas animações (bumpers) da série “Life is Hell” para<br />
um futuro programa <strong>de</strong> varieda<strong>de</strong>s no canal Fox. Com receio <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r os direitos <strong>de</strong> sua criação,<br />
Groening <strong>de</strong>senvolveu um novo projeto a partir <strong>de</strong> uma família disfuncional, os Simpsons.<br />
Em 1987, a Fox lança o programa “The Tracey Ullman Show” (1987-1990). Criado, dirigido<br />
e apresentado pela polivalente atriz, comediante, cantora, dançarina e roteirista Tracey<br />
Ullman, o programa ganhou três emmy Awards, o “Oscar” da televisão. Entre os quadros fixos<br />
do programa, havia dois pequenos segmentos (“bumpers”) animados.<br />
O primeiro <strong>de</strong>les era “Dr. N!Godatu”, uma série <strong>de</strong> pequenos curtas criados por M.K. Brown e<br />
animados pelo Estúdio Klasky-Csupó. Foi exibida apenas durante a primeira temporada do programa.<br />
No total, foram produzidos e exibidos seis pequenos episódios, que apresentam como protagonista a<br />
sui generis Dra. Janice N!Godatu e seu cotidiano <strong>de</strong>ntro e fora <strong>de</strong> seu consultório.<br />
A segunda série, “The Simpsons”, era exibida logo <strong>de</strong>pois dos comercias - durante a<br />
primeira e a segunda temporada - e no meio <strong>de</strong> um bloco do programa - durante a terceira. As<br />
pequenas animações da família <strong>de</strong>ixariam <strong>de</strong> ser exibidas na quarta temporada, à medida que<br />
ganharam sua própria série in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do programa <strong>de</strong> Tracey Ullman.<br />
153
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Criada e escrita por Matt Groening, os esquetes eram animados por Bill Kropp, David Silverman<br />
e Wes Archer, animadores do Estúdio Klasky-Csupó. No total, foram exibidos 48, com cerca <strong>de</strong> um<br />
minuto <strong>de</strong> duração, entre 1987 e 1989, quando “The Simpsons” se tornou uma série própria.<br />
Inicialmente, a série tinha <strong>de</strong>sign mais sujo, com cara <strong>de</strong> rascunho, mas, aos poucos, foi<br />
ganhando traço e acabamento próprios. Outra curiosida<strong>de</strong> foi a equipe <strong>de</strong> dubladores, formada<br />
por atores do “The Tracey Ullman Show”, que gravava as falas em gravadores portáteis.<br />
Embora a maioria das personalida<strong>de</strong>s das personagens seja semelhante às que estão<br />
atualmente em exibição, Lisa era inicialmente retratada como uma versão feminina <strong>de</strong> Bart,<br />
sem a atual inteligência que bem caracteriza a personagem nos dias atuais.<br />
“The Tracey Ullman Show” não foi consi<strong>de</strong>rado um gran<strong>de</strong> fenômeno em termos <strong>de</strong> audiência,<br />
mas a popularida<strong>de</strong> das pequenas animações da família Simpson teve gran<strong>de</strong> acolhida. Em 1989,<br />
é criada uma série própria com episódios <strong>de</strong> 22 minutos <strong>de</strong> duração. James L. Brook, produtor e<br />
consultor da nova série, conseguiu negociar um contrato <strong>de</strong> autonomia criativa com a Fox, impedindo<br />
a emissora <strong>de</strong> interferir em seu conteúdo. Em pouquíssimo tempo, “The Simpsons” se transforma<br />
em um enorme fenômeno mundial, sendo consi<strong>de</strong>rado o <strong>de</strong>senho animado mais popular <strong>de</strong> todos os<br />
tempos, para a surpresa <strong>de</strong> todos os envolvidos inicialmente no projeto.<br />
Groening, que mencionou como referência a obra do satírico escritor Joseph Heller, criou<br />
uma série que po<strong>de</strong> ser entendida como uma espécie <strong>de</strong> sátira do estilo <strong>de</strong> vida da classe média<br />
trabalhadora norte-americana, representada pelos membros da família Simpsom: Homer, o<br />
pai; Marge, a mãe; Lisa, a filha; Bart, o filho e Maggie, a bêbe recém-nascida. Os nomes das<br />
personagens foram apropriados <strong>de</strong> nomes <strong>de</strong> membros da própria família <strong>de</strong> Groening, com<br />
exceção <strong>de</strong> Bart, que é um anagrama <strong>de</strong> brat (moleque, em inglês).<br />
A série é ambientada na cida<strong>de</strong> fictícia <strong>de</strong> Springfield, <strong>de</strong> médio porte, localizada no interior<br />
dos Estados Unidos. Na série, a cida<strong>de</strong> foi fundada em 1796, por um pequeno grupo guiado por<br />
Jebediah Springfield, lí<strong>de</strong>r religioso que, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ler <strong>de</strong> maneira equivocada uma passagem<br />
da bíblia, tenta encontrar Nova Sodoma. A partir <strong>de</strong> uma dissidência com alguns membros<br />
<strong>de</strong>sse grupo, é fundada também Shelbyville, cida<strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então rival <strong>de</strong> Springfield.<br />
A geografia da cida<strong>de</strong> é absurdamente variada e incognoscível, com a presença, por<br />
exemplo, <strong>de</strong> florestas e <strong>de</strong>sertos, geleiras e praias. Apesar <strong>de</strong>ssa diversida<strong>de</strong>, o local possui<br />
inúmeros problemas ecológicos retratados em diversos episódios da série. A cida<strong>de</strong> possui ainda<br />
estruturas urbanas características, como bairros, estabelecimentos comerciais, <strong>de</strong>legacia <strong>de</strong><br />
polícia, sistema <strong>de</strong> transportes, prefeitura, bancos, supermercados, escolas etc.<br />
Springfield po<strong>de</strong> representar, portanto, qualquer cida<strong>de</strong> dos Estados Unidos, sem ser uma cida<strong>de</strong><br />
específica. O próprio nome do município foi escolhido por ser um dos nomes mais comuns <strong>de</strong> cida<strong>de</strong><br />
naquele país. Além <strong>de</strong> ter representadas as <strong>de</strong>vidas instituições e aparatos sociais, a cida<strong>de</strong> possui uma<br />
enorme usina nuclear que, ao mesmo tempo em que representa uma terrível ameaça, é a principal<br />
geradora <strong>de</strong> renda e <strong>de</strong> empregos, causando uma terrível relação <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência na cida<strong>de</strong>.<br />
Apesar <strong>de</strong> outros <strong>de</strong>senhos animados já terem retratado a classe média trabalhadora norteamericana,<br />
como, por exemplo, “The Flintstones” e “The Jetsons”, “The Simpsons” estabelece uma<br />
154
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
crítica mais ácida quando comparada a estas séries anteriores, cujas famílias são representadas <strong>de</strong><br />
maneira mais harmônica e feliz. A família <strong>de</strong> Springfield dialoga mais proximamente com paradigmas<br />
da socieda<strong>de</strong> contemporânea, explorando outras fronteiras sociais e individuais.<br />
A utilização da matriz familiar - estrutura mínima, indivisível <strong>de</strong> toda e qualquer socieda<strong>de</strong> -<br />
garante, ao mesmo tempo, maior penetração junto a públicos <strong>de</strong> diferentes faixas etárias e uma<br />
espécie <strong>de</strong> licença para a prática <strong>de</strong> um humor tipicamente atual. Desta maneira, as personagens<br />
centrais da série possibilitam simultânea e contraditoriamente sua ridicularização e i<strong>de</strong>ntificação<br />
por parte dos espectadores.<br />
Em relação às personagens centrais, há uma clara distinção em função do gênero: enquanto<br />
Homer e Bart são egoístas, Marge e Lisa respeitam as regras <strong>de</strong> convivência social e zelam<br />
pelo bem-estar da família. Ainda que <strong>de</strong>srespeitem as regras, a conduta “masculina” <strong>de</strong> pai<br />
e filho contribui para a manutenção do status quo baseado no american way of life, levando<br />
ao consumo inconsciente, ao anti-intelectualismo exacerbado, à ausência <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong><br />
em relação ao próximo. Já a conduta <strong>de</strong> mãe e filha, mesmo que também “conservadora” da<br />
estrutura social, reveste-se <strong>de</strong> uma positivida<strong>de</strong> que, no longo prazo, po<strong>de</strong>ria transformar a<br />
qualida<strong>de</strong> da vida e das relações sociais em Springfield.<br />
Essa varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> comportamentos acaba resultando em um equilíbrio baseado na interação<br />
dos familiares: quando se <strong>de</strong>param com a censura ou os conselhos <strong>de</strong> Marge, tanto Bart quanto<br />
Homer corrigem seus comportamentos ina<strong>de</strong>quados. Da mesma forma que Lisa e sua mãe, por<br />
vezes, agem <strong>de</strong> maneira diversa <strong>de</strong> seu comportamento habitual para enfrentarem os “homens<br />
da família” (Homer e Bart).<br />
Além da família protagonista, a série possui uma gigantesca galeria <strong>de</strong> personagens – alguns<br />
até mesmo com aparições especiais em um único episódio. Estas personagens ocupam diferentes<br />
papéis <strong>de</strong> acordo com um <strong>de</strong>terminado tipo ou função presente na cida<strong>de</strong>: a celebrida<strong>de</strong>,<br />
o policial, o padre, o prefeito, o dono <strong>de</strong> mercadinho, o dono da escola, o trabalhador, o<br />
palhaço, o nerd, o arruaceiro etc. Algumas <strong>de</strong>ssas outras personagens possuem ainda um<br />
papel secundário, servindo <strong>de</strong> suporte para a trama e, em algumas ocasiões, ganhando maior<br />
<strong>de</strong>staque ou ênfase em <strong>de</strong>terminados episódios.<br />
A presença relativamente constante <strong>de</strong> personagens com uma única aparição é um<br />
fato incomum em séries <strong>de</strong> animação, uma vez que exige um maior trabalho da equipe e<br />
diminui a margem <strong>de</strong> uso <strong>de</strong> bibliotecas <strong>de</strong> animação. Tais personagens, quando existentes,<br />
costumam ocupar um papel ou função importante no episódio, servindo <strong>de</strong> pretexto para o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento da trama. Eventualmente, essas personagens “bissextas” são mencionadas<br />
em outros momentos da série, ou mesmo voltam para uma segunda aparição, fazendo uma<br />
pequena ponta em outro episódio. Personagens com uma única aparição po<strong>de</strong>m ser classificadas<br />
em duas gran<strong>de</strong>s categorias em “The Simpsons”. A primeira, como um tipo <strong>de</strong> representação<br />
ficcional, isto é, interna ao próprio universo da série, como no caso <strong>de</strong> algum parente distante<br />
que faz uma visita <strong>de</strong> surpresa à cida<strong>de</strong>, por exemplo.<br />
Uma segunda categoria po<strong>de</strong> ser indicada pela representação <strong>de</strong> personagens e<br />
personalida<strong>de</strong>s externas à série, isto é, pertencentes ao “mundo real” ou a outros universos<br />
criativos. Em um dos episódios, por exemplo, as irmãs solteiras <strong>de</strong> Marge, Patty e Selma Bouvier,<br />
155
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
sequestram a personagem MacGyver, interpretada pelo ator Richard Dean An<strong>de</strong>rson, da série<br />
<strong>de</strong> televisão dos anos 80, “Profissão Perigo”. Neste caso <strong>de</strong> “importação” <strong>de</strong> personagens<br />
externas ao universo da série, “The Simpsons” consegue incorporar dinâmicas pertencentes<br />
ao contexto <strong>de</strong> origem do convidado “estrangeiro”, metamorfoseando, assim, sua própria<br />
estrutura narrativa. No exemplo <strong>de</strong> McGyver, após ser sequestrado, amarrado e aprisionado<br />
no quarto das rancorosas irmãs gêmeas, a engenhosa personagem cria suas improvisadas<br />
traquitanas e consegue escapar do cativeiro das irmãs.<br />
De acordo com Groening, a série adotou o conceito <strong>de</strong> utilização <strong>de</strong> um vasto número <strong>de</strong><br />
personagens secundárias e <strong>de</strong> sustentação às tramas dos episódios a partir <strong>de</strong> “Second City Television”<br />
(1976-1984), programa <strong>de</strong> humor cana<strong>de</strong>nse criado por Bernard Sahlins e Andrew Alexan<strong>de</strong>r,<br />
que tinha como eixo central o estranho cotidiano <strong>de</strong> uma emissora <strong>de</strong> televisão in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte,<br />
misturando a exibição <strong>de</strong> seus próprios programas com seus bastidores <strong>de</strong> produção.<br />
O uso <strong>de</strong> alusões, como no caso da participação <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> personagens, é um recurso<br />
extremamente recorrente na série. Tal recurso é pensado <strong>de</strong> maneira que proporcione, ao<br />
mesmo tempo, o estabelecimento <strong>de</strong> novas relações para os espectadores que possuem as<br />
<strong>de</strong>vidas referências <strong>de</strong> origem, sem que comprometa a compreensão da história para aqueles<br />
que não as têm. Isso garante, portanto, a autonomia dos episódios e a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
diferentes formas e níveis <strong>de</strong> leituras.<br />
Destarte, “The Simpsons” utiliza uma estrutura <strong>de</strong> sitcom, porém com um maior<br />
escopo temático que a maioria das comédias <strong>de</strong>sse gênero. Dada a amplitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> universos<br />
potencialmente oferecidos em Springfield, a série explora diversos temas e situações recorrentes<br />
à socieda<strong>de</strong> contemporânea. Estes po<strong>de</strong>m surgir a partir da própria família protagonista, como<br />
as relações <strong>de</strong> trabalho vividas por Homer, o sistema educacional representado pela escola<br />
frequentada por Bart e Lisa, a indústria da comunicação e do entretenimento, sobretudo da<br />
televisão, assistida por toda a família.<br />
Temas e relações políticas e <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r também se fazem presentes <strong>de</strong> maneira direta<br />
e transversal nos episódios. A presença <strong>de</strong> uma ironia e <strong>de</strong> um senso <strong>de</strong> humor mais liberal<br />
aproxima a série, no contexto norte-americano, mais ao gosto dos <strong>de</strong>mocratas do que ao dos<br />
republicanos, tradicionalmente mais conservadores. Todavia, a série faz piada com todo o<br />
universo político, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> sua orientação ou tendência. Também os aparatos sociais<br />
responsáveis pela manutenção da or<strong>de</strong>m são representados <strong>de</strong> maneira irônica, como a polícia,<br />
as gran<strong>de</strong>s corporações, as associações sociais e as religiões.<br />
O humor da série se aproveita, portanto, <strong>de</strong> referências sociais e culturais que abrangem um<br />
amplo espectro da socieda<strong>de</strong> contemporânea em um mundo pós-globalizado. Estas referências<br />
também po<strong>de</strong>m se manifestar por meio <strong>de</strong> microestruturas ou mesmo <strong>de</strong> pontos mais específicos,<br />
muitas vezes em quantida<strong>de</strong> maior do que a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> assimilação do espectador.<br />
É possível ainda i<strong>de</strong>ntificar na série uma crítica quanto ao próprio estado da arte da<br />
televisão, principalmente, mas não apenas, por meio da personagem Krusty, uma clara analogia<br />
ao palhaço Bozo, e do <strong>de</strong>senho animado “Comichão e Coçadinha” (“Itchy & Scratchy”), analogia<br />
à Tom & Jerry, que funciona como uma espécie <strong>de</strong> metasérie extremamente violenta exibida<br />
no programa infantil do referido palhaço e muito apreciada pelas crianças.<br />
156
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
“The Simpsons” concilia esta diversida<strong>de</strong> com alguns elementos recorrentes, como os<br />
bordões <strong>de</strong> Homer, “D’oh!” - com expressão facial paralizada -, do Sr. Burns, “Excelente...” -<br />
enquanto esfrega as duas mãos. Além <strong>de</strong> elementos, algumas situações específicas também se<br />
apresentam <strong>de</strong> maneira recorrente, como os trotes telefônicos <strong>de</strong> Bart para o bar do Moe.<br />
Tal estrutura <strong>de</strong> suporte, que mescla elementos variáveis com outros invariáveis, é o que<br />
dá sustentação para a família Simpson - ou, por outra perspectiva, é o que surge ou se torna<br />
visível a partir <strong>de</strong>la. Apesar dos anos que se passaram, há uma suspensão do tempo, isto é, as<br />
personagens da série não sofrem a ação do tempo, mantendo a mesma ida<strong>de</strong> e aparência em<br />
todas as temporadas.<br />
O eixo central da série é, portanto, a família, que tem como patriarca Homer Simpson, uma<br />
personagem caracterizada por seu baixo nível <strong>de</strong> inteligência, sua preguiça e suas explosões <strong>de</strong><br />
raiva – como quando impulsivamente estrangula Bart. Também não gosta <strong>de</strong> trabalhar e adora<br />
comer junk food e beber cerveja, o que fez com que ficasse acima do peso e portador <strong>de</strong> uma<br />
barriga sobressalente. Seus vizinhos, os Flan<strong>de</strong>rs, família extremamente religiosa e or<strong>de</strong>nada,<br />
são motivo constante <strong>de</strong> inveja, o que o leva a fazer troça e premeditar ações <strong>de</strong>strutivas –<br />
único momento na série em que age <strong>de</strong>sta maneira intencionalmente. O relacionamento com<br />
a família é bastante variável: o mesmo Bart que é por vezes repreendido por ele torna-se<br />
seu aliado em outras situações, normalmente envolvendo algum tipo <strong>de</strong> traquinagem. Em<br />
relação à Lisa, filha com personalida<strong>de</strong> oposta a do pai, ele se mostra carinhoso e atencioso,<br />
muitas vezes <strong>de</strong>sistindo <strong>de</strong> alguma vonta<strong>de</strong> própria para agradar a filha. Apesar <strong>de</strong> interagir<br />
com a pequena Maggie, parece, por vezes, esquecer-se <strong>de</strong> sua existência. Já quanto a Marge,<br />
sua esposa, mesmo fazendo constantemente coisas que a <strong>de</strong>sagradam, <strong>de</strong>monstra não ter<br />
intencionalida<strong>de</strong> nestes atos e, não raramente, sente culpa e remorso, se esforçando para<br />
mudar sua atitu<strong>de</strong> e agradar seu amor. Homer tem ainda um pai, que foi colocado em um lar<br />
<strong>de</strong> idosos e com quem tem contato neutro e <strong>de</strong> forma esporádica.<br />
Dominado por seus impulsos, o protagonista parece ser escravo <strong>de</strong> suas vonta<strong>de</strong>s,<br />
materializadas na série pela tría<strong>de</strong> cerveja, televisão e rosquinhas. Apesar <strong>de</strong> sua limitação<br />
intelectual, Homer é capaz <strong>de</strong> absorver e processar algumas informações em sua mente,<br />
normalmente sobre assuntos muito específicos ou <strong>de</strong> caráter mais simplista. Em muitas<br />
oportunida<strong>de</strong>s, ele dialoga com sua própria mente, como se fosse a voz da consciência ou um<br />
pensamento em voz (off) alta.<br />
Por outro lado, Homer possui certas virtu<strong>de</strong>s, como a simplicida<strong>de</strong>, a alegria, o amor<br />
incondicional à família e a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> modificar sua atitu<strong>de</strong> em favor das pessoas <strong>de</strong><br />
que gosta. Dessa maneira, é uma personagem extremamente humana, com seus <strong>de</strong>feitos e<br />
qualida<strong>de</strong>s, o que o torna tanto <strong>de</strong>sprezível quanto admirável em certos aspectos.<br />
Homer é, portanto, um anti-herói, mas não um vilão. Sua alienação, preguiça e egoísmo<br />
po<strong>de</strong>m ser transformar diante <strong>de</strong> seu arrependimento quando <strong>de</strong>cepciona a família, única<br />
coisa capaz <strong>de</strong> chacoalhar sua inércia. A simpatia com a personagem resi<strong>de</strong>, provavelmente, na<br />
dicotomia razão-emoção, isto é, na ambivalência <strong>de</strong> sua personalida<strong>de</strong> natural e espontânea<br />
e <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>voção familiar. Apesar <strong>de</strong> estar longe <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> ser humano, pai e<br />
marido, ele é capaz <strong>de</strong> amar e, por isso, acredita que po<strong>de</strong> ser uma pessoa melhor, mesmo que<br />
para isso tenha que se comportar, algumas vezes, contra seus hábitos.<br />
157
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Marge é a típica representação da figura materna nos seriados <strong>de</strong> sitcom, uma “Amélia”, a <strong>de</strong>votada<br />
dona <strong>de</strong> casa que vive em função da família, sem muito espaço para suas próprias vonta<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>sejos<br />
– ainda que estes sejam explorados em alguns episódios isolados. Possui duas irmãs, as ranzinzas Patty<br />
e Selma Bouvier, que nunca se casaram, moram juntas e o<strong>de</strong>iam Homer, apesar <strong>de</strong> relacionarem bem<br />
com Marge. Benevolente, é a força moral da família, zelando pela or<strong>de</strong>m e pelo bem-estar <strong>de</strong> todos.<br />
Por isso, sua união com Homer é, em alguns momentos, bastante atribulada. Apesar <strong>de</strong> reconhecer os<br />
<strong>de</strong>feitos <strong>de</strong> seu marido, ela retribui seu amor, o que, no final das contas, faz com que permaneçam<br />
juntos. Ela nunca julga Homer a priori e nem se coloca contra o marido, pois sempre espera boas ações<br />
<strong>de</strong>le. Sua atitu<strong>de</strong> é, portanto, mais reativa do que ressentida: ao i<strong>de</strong>ntificar algum <strong>de</strong>feito procura<br />
corrigi-lo. Apesar <strong>de</strong> sua personalida<strong>de</strong> se aproximar mais da filha, com quem se relaciona muito bem,<br />
Marge também <strong>de</strong>monstra carinho e preocupação com Bart, i<strong>de</strong>ntificando a índole pessoal por trás do<br />
moleque travesso. Quanto à pequena Maggie, mostra-se igualmente uma mãe <strong>de</strong>votada e atenciosa.<br />
Por vezes, o fervor moral <strong>de</strong> Marge ultrapassa os limites do lar e ela participa <strong>de</strong> causas e<br />
associações, tentando expandir frustradamente sua voz da razão para a cida<strong>de</strong>, mas seus moradores<br />
se mostram <strong>de</strong>masiadamente inertes para, <strong>de</strong> fato, transformarem os problemas apontados por<br />
meio <strong>de</strong> ações efetivas. Em outras palavras, a li<strong>de</strong>rança exercida em casa acaba não sendo bemsucedida<br />
na cida<strong>de</strong>. Religiosa, é a principal responsável pelo fato da família frequentar a igreja<br />
aos finais <strong>de</strong> semana. A <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> sua moral, Marge tem, por vezes, que lidar com alguns <strong>de</strong> seus<br />
vícios que eventualmente voltam para assombrá-la, como o jogo, por exemplo.<br />
Um fato curioso aconteceu no ano <strong>de</strong> 1990 envolvendo Barbara Bush e Marge Simpson. Em<br />
uma entrevista para a revista “People Magazine”, a então primeira-dama norte-americana<br />
afirmou ter perplexida<strong>de</strong> em relação à série e a família nela representada, afirmando ser “a<br />
coisa mais estúpida” que ela já assistiu. Os roteiristas da série resolveram escrever uma carta<br />
particular en<strong>de</strong>reçada à primeira-dama, assinada por Marge Simpsons, que posteriormente foi<br />
respondida pela Sra. Bush com um pedido <strong>de</strong> <strong>de</strong>sculpas:<br />
“Estimada Primeira-Dama,<br />
recentemente li suas críticas à nossa família. Eu fiquei profundamente magoada. O céu sabe<br />
que estamos longe da perfeição, eu sei, talvez até mesmo um pouco distante do normal; mas<br />
como Dr. Seuss diz: “uma pessoa é uma pessoa”. Eu tentei educar minhas crianças (...) sempre<br />
estimulando o benefício da dúvida e nunca permitindo que qualquer um falasse mal <strong>de</strong>les,<br />
mesmo que fosse uma pessoa rica. É difícil fazê-los compreen<strong>de</strong>r este ensinamento quando a<br />
própria primeira-dama do país chama-nos não apenas <strong>de</strong> idiotas, mas <strong>de</strong> “a coisa mais estúpida<br />
que ela já viu”.(...) Eu espero que haja alguma maneira <strong>de</strong> sair <strong>de</strong>ssa controvérsia. Pensei que,<br />
talvez, apenas fazendo minha mente falar pu<strong>de</strong>sse ser um bom começo.” 10<br />
Filha <strong>de</strong> Marge e Homer, Lisa é uma menina <strong>de</strong> oito anos com uma inteligência muito acima<br />
<strong>de</strong> sua faixa etária, <strong>de</strong> sua família e da maioria dos moradores da cida<strong>de</strong>. Ela adora escutar<br />
10. Tradução livre do autor <strong>de</strong>: “Dear First Lady, I recently read your criticism of my family. I was <strong>de</strong>eply hurt.<br />
Heaven knows we’re far from perfect and, if truth be known, maybe just a wee bit short from normal; but as<br />
Dr. Seuss says, “a person is a person”. I try to teach my children [...] always to give somebody the benefit of the<br />
doubt and not talk badly about them, even if they’re rich. It’s hard to get them to un<strong>de</strong>rstand this advice when<br />
the very First Lady in the country calls us not only dumb, but “the dumbest thing” she ever saw. [...] I hope there<br />
is some way out of this controversy. I thought, perhaps, it would be a good start to just speak my mind.”<br />
158
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
jazz e tocar saxofone. Reflexiva e preocupada com diversos problemas atuais, costuma se<br />
engajar e participar ativamente <strong>de</strong>ssas causas. Em um episódio especial, Paul McCartney exigiu<br />
como contrapartida <strong>de</strong> sua participação que Lisa se tornasse vegetariana para todo o resto<br />
da série, o que, <strong>de</strong> fato, aconteceu. Outras causas pelas quais Lisa milita são o feminismo,<br />
o ambientalismo, os direitos dos animais e a libertação do Tibet. Lisa também a<strong>de</strong>riu ao<br />
budismo, <strong>de</strong>senvolveu gran<strong>de</strong> espiritualida<strong>de</strong> e busca difundir a cultura da paz.<br />
Consciente, ligada em artes e cultura e dona <strong>de</strong> uma mente e espírito abertos, Lisa parece<br />
ter herdado da mãe a boa intenção e o papel <strong>de</strong> consciência da família. Apesar <strong>de</strong> perceber<br />
que não encontra eco à sua inteligência em casa, nem tampouco ser valorizada por isso,<br />
parece não se importar excessivamente com essa situação, valorizando o relacionamento<br />
mais emotivo e afetivo no convívio com seus parentes. Apesar <strong>de</strong> comumente se <strong>de</strong>sapontar<br />
com as coisas do mundo, Lisa é compassiva e <strong>de</strong>monstra uma atitu<strong>de</strong> relativamente otimista,<br />
principalmente naquilo com que ela pu<strong>de</strong>r efetivamente contribuir.<br />
Normalmente, possui opinião e conhecimento sobre assuntos diversos. Seus temas <strong>de</strong><br />
interesse pessoal são igualmente amplos e variados, como medicina, ciências, astronomia,<br />
filosofia, literatura, artes e música. Todavia, esse requinte intelectual resvala em algumas<br />
falhas humanas, manifestas em sentimentos como raiva, ciúmes, moralismo e arrogância, e<br />
sentimentos tipicamente infantis, nunca se tornando, portanto, uma espécie <strong>de</strong> adulta presa<br />
em um corpo <strong>de</strong> criança. Na verda<strong>de</strong>, estas duas instâncias convivem simultaneamente, o<br />
que po<strong>de</strong>mos perceber nas ocasiões em que se junta ao seu irmão para assistir “Comichão e<br />
Coçadinha”, um <strong>de</strong>senho animado tolo e politicamente incorreto, mas que, por alguma razão,<br />
agrada ao público infantil.<br />
Em seu relacionamento com a família, Lisa <strong>de</strong>monstra, por vezes, <strong>de</strong>saprovação e vergonha<br />
quanto a <strong>de</strong>terminadas atitu<strong>de</strong>s e comportamentos. Em suas aventuras na constante busca do<br />
saber e do conhecimento, encontra uma espécie <strong>de</strong> compensação pela falta <strong>de</strong> estímulos e <strong>de</strong><br />
interação domésticos, porém sua casa é o seu porto seguro.<br />
Oposto <strong>de</strong> sua irmã, Bart é o típico moleque <strong>de</strong>scolado, que vai mal na escola, adora<br />
bagunça, é rebel<strong>de</strong> e tem problemas em aceitar estruturas hierárquicas ou autoritárias. Filho<br />
primogênito, com <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, suas principais ativida<strong>de</strong>s fora da escola incluem andar<br />
<strong>de</strong> skate, ler histórias em quadrinhos e assistir televisão. É gran<strong>de</strong> fã <strong>de</strong> Krusty e chegou<br />
a ajudá-lo em diversos episódios, sem, contudo, ter o <strong>de</strong>vido reconhecido do palhaço malhumorado<br />
e <strong>de</strong>primido. Estereótipo da “criança problema”, Bart foi inspirado na infância do<br />
próprio Groening e também na personagem <strong>de</strong> “Denis, o Pimentinha”. Herdou do pai certo<br />
filisteísmo, porém, ao contrário <strong>de</strong> Homer, isso implica conflitos nas diversas esferas sociais<br />
em que convive. Na escola, é um aluno problemático, que possui como principal antagonista o<br />
diretor Seymour Skinner – que age como a personagem Norman Bates, interpretada por Anthony<br />
Perkins, no filme “Psicose”, e cujo sobrenome é uma alusão ao fundador do behaviorismo. Por<br />
outro lado, <strong>de</strong>monstra certa integrida<strong>de</strong>, tendo, inclusive, em algumas situações, ajudado ao<br />
próprio Sr. Skinner. Assim, apesar <strong>de</strong> seu comportamento inconsequente, po<strong>de</strong>mos afirmar que<br />
Bart é um “bom menino”, que apenas gosta <strong>de</strong> se divertir, não agindo com má intenção mesmo<br />
quando “apronta”. O relacionamento com sua irmã é comum à maioria dos irmãos, alternando<br />
momentos <strong>de</strong> união e fraternida<strong>de</strong> com outros <strong>de</strong> competição e rivalida<strong>de</strong>. Embora às vezes se<br />
envergonhe do tímido e certinho Milhouse, ele é seu melhor amigo.<br />
159
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
A natureza rebel<strong>de</strong> e iconoclasta <strong>de</strong> Bart fez com que sua figura fosse amplamente utilizada<br />
fora da série (“Bartmania”), o que preocupou algumas pessoas mais conservadoras quanto<br />
à possível adoção da personagem como influência ou mo<strong>de</strong>lo para os jovens e as crianças.<br />
Questionado em uma entrevista, no ano <strong>de</strong> 1998, sobre este assunto, Groening respon<strong>de</strong>u:<br />
“Agora que tenho um menino com sete e outro com nove anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, tudo o que posso dizer<br />
é “eu peço <strong>de</strong>sculpas”. Agora sei do que vocês estavam falando. Minha resposta padrão é, se<br />
você não quer que seus filhos sejam como Bart, não haja como Homer.” 11<br />
Após o sucesso <strong>de</strong> “The Simpsons”, Groening apresentou sem sucesso alguns projetos <strong>de</strong><br />
spin-offs da série, como um programa em live action sobre Krusty, o palhaço, “Comichão e<br />
Coçadinha” e uma série sobre os <strong>de</strong>mais moradores <strong>de</strong> Springfield, sem focalizar a família<br />
Simpson. Todavia, “The Simpsons” permanece como a maior série <strong>de</strong> animação <strong>de</strong> todos os<br />
tempos, com a confirmação da realização <strong>de</strong> sua 23ª temporada, permitindo que ultrapasse,<br />
em breve, a marca dos 500 episódios. Além disso, é o segundo programa a permanecer <strong>de</strong> forma<br />
contínua por mais tempo no ar na televisão norte-americana, ganhando inúmeros prêmios e<br />
homenagens. A série gerou ainda o licenciamento <strong>de</strong> diversos produtos, jogos <strong>de</strong> vi<strong>de</strong>ogame e<br />
<strong>de</strong>u origem a um bem sucedido filme <strong>de</strong> longa-metragem.<br />
A maneira simples, <strong>de</strong>scontraída e divertida com que a série aborda temas complexos<br />
da contemporaneida<strong>de</strong> e mesmo da natureza humana conseguiu agregar a um programa <strong>de</strong><br />
qualida<strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s níveis <strong>de</strong> audiência, <strong>de</strong>safiando a máxima sobre a televisão <strong>de</strong> que quanto<br />
melhor o programa, menor seu público. Além disso, a audiência do programa atinge estratos<br />
amplos e diversos, ultrapassando inúmeras barreiras. Isso fez com que “The Simpsons”<br />
reiventasse o gênero sitcom e a própria animação na televisão, servindo <strong>de</strong> referência para<br />
inúmeras séries (em live action e animação) que surgiram posteriormente.<br />
Tais feitos <strong>de</strong>vem-se principalmente à dinâmica criativa e colaborativa da elaboração dos<br />
roteiros dos episódios. A equipe <strong>de</strong> roteiristas é formada, em média, por 16 pessoas que,<br />
no início <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro, se reúnem para apresentar as i<strong>de</strong>ias para os episódios da próxima<br />
temporada. As i<strong>de</strong>ias eleitas são <strong>de</strong>senvolvidas por seus proponentes, que apresentam uma<br />
primeira versão do roteiro. Cópias <strong>de</strong>ssa primeira versão do roteiro são encaminhadas aos<br />
<strong>de</strong>mais roteiristas, que atuam como consultores, fazendo os <strong>de</strong>vidos ajustes e modificações<br />
até se chegar a uma versão final.<br />
Inúmeros roteiristas já passaram pela série, sendo John Swartzwel<strong>de</strong>r o mais creditado,<br />
com a criação <strong>de</strong> 60 episódios. Eventualmente alguns roteiristas convidados participam com a<br />
criação <strong>de</strong> um único episódio, como foi o caso do comediante inglês Ricky Gervais (criador da<br />
série “The Office”), no episódio número 371, “Homer Simpson, This is Your Wife”, exibido na<br />
décima sétima temporada.<br />
Veremos no próximo capítulo os conceitos e as metodologias narrativas e dramatúrgicas<br />
envolvidas no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> um projeto <strong>de</strong> série <strong>de</strong> animação, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a i<strong>de</strong>ia original e o<br />
conceito <strong>de</strong> criação da série até a finalização do animatic.<br />
11. Tradução livre do autor <strong>de</strong>: “I now have a 7-year-old boy and a 9-year-old boy, so all I can say is, I apologize.<br />
Now I know what you guys were talking about. My standard comment is, if you don’t want your kids to be<br />
like Bart Simpson, don’t act like Homer Simpson”.<br />
160
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
capÍtulo 3<br />
dramaturgia<br />
aplicada à produção <strong>de</strong> séries <strong>de</strong><br />
animação<br />
161
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
3 dramaturgia<br />
aplicada à produção <strong>de</strong> séries <strong>de</strong><br />
animação<br />
3. Dramaturgia Aplicada à Produção <strong>de</strong> Séries <strong>de</strong> Animação<br />
Algumas pessoas costumam fazer uma distinção muito rígida entre as dimensões práticas<br />
e teóricas presentes em qualquer área do saber. Em seu afã produtivo, amparados por uma<br />
lógica dominante <strong>de</strong> mercado, essas pessoas costumam dizer, direta ou indiretamente, que a<br />
teoria é irrelevante diante da prática. De fato, esta parece ser mais uma entre as inúmeras<br />
dicotomias com forte presença no mundo contemporâneo oci<strong>de</strong>ntal: a diferença entre corpo e<br />
mente; pensar ou fazer; ser ou ter; entre outras tantas.<br />
Criar um projeto <strong>de</strong> série <strong>de</strong> animação é um processo que envolve diversas dimensões e<br />
variáveis. É neste momento que o autor aproveitará suas referências pessoais e procurará aliar<br />
aspectos teóricos, conceituais, retóricos, técnicos e estilísticos a favor do <strong>de</strong>senvolvimento<br />
<strong>de</strong> um projeto inventivo e criativo. Este talvez seja um bom exemplo <strong>de</strong> que, sobretudo em<br />
processos criativos, teoria e prática <strong>de</strong>vam caminhar juntas ou <strong>de</strong> que, além disso, talvez essa<br />
distinção nem mesmo exista.<br />
Isso significa que, pelo menos inicialmente, cada autor <strong>de</strong>ve se abrir ao mundo e aproveitar<br />
ao máximo suas próprias referências e sua subjetivida<strong>de</strong>, não impondo a si qualquer tipo <strong>de</strong><br />
censura ou restrição e não se preocupando com qualquer obrigação formal. Nesse sentido,<br />
o projeto <strong>de</strong>ve ser, antes <strong>de</strong> qualquer coisa, um processo autoral resultante <strong>de</strong> questões e<br />
reflexões pessoais – ainda que abor<strong>de</strong> questões universais.<br />
Apesar <strong>de</strong> não existir uma fórmula ou regra absoluta referente à dinâmica <strong>de</strong> criação <strong>de</strong><br />
um projeto <strong>de</strong> série <strong>de</strong> animação, é importante observar que sua apresentação, entretanto,<br />
162
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
possui certas formas e estruturas mais consolidadas. Assim, este capítulo apresenta um mo<strong>de</strong>lo<br />
<strong>de</strong> projeto completo <strong>de</strong> série <strong>de</strong> animação, conhecido como “bíblia <strong>de</strong> produção” (production<br />
bible). Este mo<strong>de</strong>lo, baseado no que se pratica atualmente no mercado internacional, também<br />
foi utilizado no Programa ANIMATV.<br />
O terceiro capítulo <strong>de</strong>ste livro parte do aproveitamento das reflexões e das i<strong>de</strong>ias<br />
apresentadas nos capítulos anteriores para apresentar os itens constituintes <strong>de</strong> uma bíblia<br />
<strong>de</strong> produção, amplamente utilizada no mercado internacional <strong>de</strong> projetos <strong>de</strong> séries <strong>de</strong><br />
animação. Cada um <strong>de</strong>stes itens ganhou um subcapítulo próprio no qual são abordadas suas<br />
particularida<strong>de</strong>s, características principais e elementos atinentes. A or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> apresentação<br />
<strong>de</strong>sses itens não implica necessariamente a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento do projeto, que po<strong>de</strong><br />
ser alterada em função <strong>de</strong> cada autor. Da mesma forma, mudanças nestes itens são comuns e<br />
normalmente acarretam em novas alterações nos <strong>de</strong>mais itens também.<br />
O primeiro subcapítulo aborda questões referentes ao início do processo <strong>de</strong> criação: seus<br />
<strong>de</strong>safios, as questões do repertório e da (auto)crítica e o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> um conceito<br />
geral da série, que po<strong>de</strong> ser facilitado a partir do engendramento <strong>de</strong> uma story line específica.<br />
A elaboração do conceito implica o pleno conhecimento da série, isto é, na capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
se respon<strong>de</strong>r a quaisquer questões <strong>de</strong> caráter mais abstratos referentes à sua justificativa,<br />
objetivos e <strong>de</strong>mais aspectos conceituais.<br />
A partir da elaboração <strong>de</strong>sse conceito, o segundo subcapítulo explora a apresentação da série,<br />
na qual se procura evi<strong>de</strong>nciar como os conceitos abstratos serão representados <strong>de</strong>ntro da dinâmica<br />
da série e como haverá uma articulação entre forma e conteúdo. Também é neste item em que se<br />
<strong>de</strong>fine, a partir do conhecimento <strong>de</strong> suas características, o público-alvo do projeto.<br />
Em seguida, trataremos da criação, <strong>de</strong>senvolvimento e apresentação do universo narrativo, no<br />
qual a série estará inserida. Este universo <strong>de</strong>ve ser entendido não apenas como um mero pano <strong>de</strong><br />
fundo no qual as ações acontecem, mas como um conjunto integrado no qual todas as realida<strong>de</strong>s<br />
criadas existem e se relacionam. É preciso consi<strong>de</strong>rar ainda seu contexto <strong>de</strong> criação e a necessida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> uma coerência interna que garanta a imersão e a cumplicida<strong>de</strong> do espectador.<br />
No quarto subcapítulo, é a vez <strong>de</strong> abordar os cenários que irão compor o universo da série. Aqui,<br />
mais importante do que a <strong>de</strong>scrição dos ambientes internos ou externos é pensar qual é a atmosfera<br />
ou a mensagem que estes cenários irão produzir no contexto da série. É válido observar, conforme<br />
veremos, que a composição <strong>de</strong>ssas atmosferas não está restrita aos aspectos visuais, po<strong>de</strong>ndo<br />
explorar também elementos da linguagem sonora e musical. Também trataremos da elaboração <strong>de</strong><br />
concept arts responsáveis por dar forma às i<strong>de</strong>ias escritas sobre os cenários <strong>de</strong> uma série.<br />
Logo <strong>de</strong>pois, apresentaremos algumas informações relacionadas à criação <strong>de</strong> personagens,<br />
cujo papel é central no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> qualquer série – não à toa se costuma dizer que uma<br />
série é conduzida pela personagem (character driven). As personagens po<strong>de</strong>m, grosso modo, serem<br />
i<strong>de</strong>alizadas a partir <strong>de</strong> suas dimensões interiores (perfil psicológico), exteriores (dinâmica visual) e<br />
também possuem representação visual própria, conhecida por mo<strong>de</strong>l sheet.<br />
A partir das <strong>de</strong>finições prévias acerca do conceito da série, seu universo e suas personagens,<br />
é possível pensar em ações que irão compor os episódios <strong>de</strong> uma temporada. Em um projeto,<br />
163
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
algumas sinopses técnicas (springboards) costumam ser elaboradas para se ter uma maior<br />
noção dos episódios da série além <strong>de</strong> seu piloto. Diferentemente da sinopse comercial, a<br />
sinopse técnica <strong>de</strong>ve apresentar, <strong>de</strong> maneira clara, direta, resumida, com começo, meio e fim<br />
e com spoiler, alguns episódios previstos para a série.<br />
A escrita do roteiro vem em seguida e, em um projeto <strong>de</strong> série, ele é <strong>de</strong>senvolvido para<br />
o episódio piloto. Estruturas dramáticas e narrativas são importantes para a realização <strong>de</strong> um<br />
bom roteiro, mas também é fundamental pensar acerca das especificida<strong>de</strong>s e potencialida<strong>de</strong>s<br />
do roteiro para série <strong>de</strong> animação – que, em muitos aspectos, se diferencia <strong>de</strong> um roteiro <strong>de</strong><br />
live action. Consultorias e tratamentos <strong>de</strong> roteiro são sempre <strong>de</strong>sejáveis até que este atinja<br />
sua forma final <strong>de</strong>sejada.<br />
Resultante <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>cupagem do roteiro surge o storyboard, processo que consiste no<br />
<strong>de</strong>senho <strong>de</strong> quadros <strong>de</strong> ação da história e é atualmente utilizado em todas as produções<br />
<strong>de</strong> animação. Quando bem feito e organizado, permite ajustes, diminui custos e tempo <strong>de</strong><br />
produção, além <strong>de</strong> facilitar o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> um animatic bem <strong>de</strong>talhado.<br />
No final <strong>de</strong>ste capítulo, traremos outros aspectos que, mesmo estando além do escopo<br />
narrativo e dramatúrgico <strong>de</strong>ste livro, <strong>de</strong>vem ser consi<strong>de</strong>rados na elaboração do projeto, como<br />
a “bíblia <strong>de</strong> comercialização” e o pitch.<br />
É preciso que o leitor consiga estabelecer e criar suas próprias relações com os subcapítulos<br />
apresentados, assim como com diversos outros aspectos apresentados por todo este livro. A<br />
compreensão do projeto <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma dinâmica interdisciplinar integrada e indissociável <strong>de</strong> seus<br />
mais diversos elementos é uma das chaves para elaboração <strong>de</strong> um projeto coerente e articulado.<br />
164
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
165
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
166
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
3.1 3.1 Conceito Geral da Série<br />
A tela em branco...<br />
conceito geral<br />
da série<br />
Esta já foi a gran<strong>de</strong> preocupação <strong>de</strong> infindáveis autores, criadores, cientistas, artistas e objeto<br />
<strong>de</strong> estudo <strong>de</strong> inúmeros pesquisadores nas mais diversas áreas criativas. Não é e nem po<strong>de</strong>ria ser nosso<br />
objetivo aqui esgotar essa questão, mas, afinal <strong>de</strong> contas, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> vêm as boas i<strong>de</strong>ias?<br />
Apesar <strong>de</strong> não termos uma resposta única, simples e absoluta a esta questão, po<strong>de</strong>mos<br />
seguramente afirmar que elas nunca “vêm do nada”. Ainda que as referências não sejam<br />
apontadas ou não sejam conscientemente reconhecidas, ninguém cria qualquer coisa sem<br />
referências – tenham elas os nomes e as formas que forem. Para isso, basta pensarmos que<br />
somente “somos quem somos” porque nossas formações, experiências, valores e visões <strong>de</strong><br />
mundo são resultantes <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> fatores e combinações improváveis. Se tivéssemos<br />
nascido e sido criados em outras épocas, lugares ou circunstâncias, por exemplo, certamente<br />
seríamos pessoas diferentes.<br />
Com isso queremos dizer que cada pessoa possui motivações e uma carga interior<br />
singulares, que lhe são próprias e que, na maioria das vezes, se expressam <strong>de</strong> inúmeras<br />
maneiras no cotidiano e em suas manifestações criativas. Não seria diferente, portanto, com a<br />
animação. Certa personagem, por exemplo, po<strong>de</strong> representar, <strong>de</strong> uma maneira mais ou menos<br />
consciente, mais ou menos crível, um ex-chefe, um parente, um amigo, uma figura pública,<br />
uma personagem <strong>de</strong> outra narrativa, o próprio autor ou mesmo uma mistura <strong>de</strong> todas em uma<br />
única persona. Da mesma forma, ocorre com os <strong>de</strong>mais elementos narrativos e criativos, sejam<br />
eles pensados ou não a priori.<br />
O acúmulo <strong>de</strong>ssas referências forma o que po<strong>de</strong>mos aqui chamar <strong>de</strong> repertório, instrumento<br />
pessoal bastante útil em duas dimensões complementares na criação <strong>de</strong> qualquer projeto. Em<br />
primeiro lugar, o repertório evita que uma obra seja muito semelhante à outra sem que haja a<br />
intencionalida<strong>de</strong> do autor. É claro que corremos este risco a todo o momento: como saber, com toda<br />
167
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
certeza, que qualquer pessoa em qualquer lugar não teve uma mesma i<strong>de</strong>ia antes <strong>de</strong> nós? Não temos<br />
como nos certificar disso, claro, mas pressupõe-se que, ao menos, isso não ocorra em relação às<br />
obras basilares <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada forma <strong>de</strong> expressão. Em outras palavras, <strong>de</strong>vemos atentar para<br />
não estarmos “reinventando a roda”, como se diz. Neste caso, se o autor não possuir tais referências<br />
básicas, provavelmente será consi<strong>de</strong>rado uma pessoa <strong>de</strong>sonesta ou então alguém que não possui nem<br />
um repertório rudimentar – o que po<strong>de</strong> ser igualmente negativo.<br />
Em segundo lugar, o repertório auxilia no diálogo com uma tradição consolidada em uma<br />
<strong>de</strong>terminada área. Assim, possibilita ao autor buscar referências em <strong>de</strong>terminadas estruturas<br />
e mo<strong>de</strong>los que permitem <strong>de</strong>senvolver sua própria obra. Um exemplo bastante conhecido<br />
no meio narrativo é o livro “A Jornada do Escritor”, <strong>de</strong> Christopher Vogler, no qual o autor<br />
propõe a aplicação <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias e teorias <strong>de</strong>senvolvidas pelo mitólogo Joseph Campbell ao roteiro<br />
audiovisual – como po<strong>de</strong>mos bem perceber nas animações dos Estúdios Disney, nas quais Vogler<br />
atua como consultor.<br />
168
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Mesmo que se proponha a quebra <strong>de</strong> paradigmas, o repertório mostra-se igualmente<br />
fundamental ao autor, uma vez que para se subverter <strong>de</strong>terminadas bases e parâmetros, é<br />
preciso, ao menos, conhecê-los antes.<br />
Boas narrativas não surgiram com a animação e também po<strong>de</strong>m muito bem se manifestar<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong>la. Por isso, é necessário, antes <strong>de</strong> qualquer coisa, que o autor possua o maior<br />
e mais variado repertório possível. As referências que irão compor seu repertório estão na animação<br />
e parte <strong>de</strong>ste livro aborda essa questão. Mas também <strong>de</strong>vem ser buscadas no cotidiano, no teatro,<br />
na literatura, na ópera, no cinema, nos quadrinhos e em diversas outras formas <strong>de</strong> manifestação e<br />
expressão.<br />
Tão importante quanto a questão do repertório, é a necessida<strong>de</strong> da crítica e da autocrítica.<br />
A primeira po<strong>de</strong> surgir por meio <strong>de</strong> consultoria ou mesmo <strong>de</strong> opiniões diversas sobre o seu<br />
projeto. Em alguns casos, boas dicas e conselhos po<strong>de</strong>m partir <strong>de</strong> on<strong>de</strong> menos esperamos; em<br />
outros, por sua vez, <strong>de</strong>vemos ignorar comentários fora <strong>de</strong> contexto ou sem valida<strong>de</strong>. Emitir<br />
e receber críticas em relação a um trabalho pressupõe uma separação das esferas pessoal e<br />
profissional, ou seja, se alguém próximo se sentir <strong>de</strong> alguma forma intimidado para dizer o<br />
que realmente achou <strong>de</strong> seu projeto, esse processo não terá, do ponto <strong>de</strong> vista edificante da<br />
crítica, qualquer valida<strong>de</strong>.<br />
Por isso, em lugares e situações nas quais a separação entre pessoal e profissional não for tão<br />
clara, esse método po<strong>de</strong> não funcionar <strong>de</strong> maneira efetiva. Pelo contrário; ao evitar a emissão<br />
<strong>de</strong> uma opinião sincera, alguém po<strong>de</strong> prejudicar muito mais do que ajudar. Uma alternativa<br />
é sempre contar com consultorias <strong>de</strong> profissionais, que, em função do distanciamento e da<br />
experiência com outros projetos, são capazes <strong>de</strong> emitir pareceres mais imparciais e precisos<br />
antes <strong>de</strong> uma avaliação final <strong>de</strong> seu projeto.<br />
Em relação à autocrítica, que é indiscutivelmente uma das etapas mais importantes em<br />
qualquer processo criativo, <strong>de</strong>vemos consi<strong>de</strong>rar que ela está diretamente ligada à questão do<br />
repertório. Em princípio, quanto maior e mais qualificado for o nosso repertório, maior e mais<br />
criteriosa será nossa autocrítica. Muitas vezes, isso po<strong>de</strong> resultar em um processo conhecido<br />
como “bloqueio criativo”, no qual achamos que nossos projetos não são “originais” ou bons o<br />
suficiente. O mais importante em relação a isso é que busquemos sempre nos atualizar quanto ao<br />
status oscilante <strong>de</strong> nossas potencialida<strong>de</strong>s e limites. Oscilante, porque esses elementos variam<br />
em nossa trajetória pessoal e profissional. Um gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>senhista, ao tornar-se animador, por<br />
exemplo, po<strong>de</strong> ficar preso à própria virtu<strong>de</strong> do traço, esquecendo-se da importância do roteiro<br />
em uma peça <strong>de</strong> sua criação, transformando, assim, uma potencialida<strong>de</strong> em limitação.<br />
A virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> se criar e <strong>de</strong>senvolver um projeto po<strong>de</strong> ser tão gran<strong>de</strong> quanto a <strong>de</strong> perceber o<br />
momento <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixá-lo <strong>de</strong> lado - ainda que apenas por algum tempo. Algumas i<strong>de</strong>ias precisam <strong>de</strong> tempo<br />
para amadurecer, assim como alguns “nós criativos” precisam <strong>de</strong> uma pausa para se <strong>de</strong>sfazer.<br />
Isso posto, <strong>de</strong>ve-se pensar nos primeiros passos da criação <strong>de</strong> um projeto <strong>de</strong> série <strong>de</strong><br />
animação para televisão. Apesar <strong>de</strong> o processo criativo em si po<strong>de</strong>r variar <strong>de</strong> pessoa para<br />
pessoa, é possível observar um mo<strong>de</strong>lo vigente, no qual se elabora um projeto <strong>de</strong> criação<br />
conhecido como bíblia <strong>de</strong> produção (production bible). Usaremos como referência neste<br />
capítulo, portanto, esse mo<strong>de</strong>lo já consolidado no mercado internacional <strong>de</strong> séries <strong>de</strong> animação,<br />
abordando, sempre que necessário, questões adjacentes <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sses próprios itens.<br />
169
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Nesse sentido, o primeiro item apresentado no programa é o conceito geral da série. Aqui,<br />
é necessário um po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> síntese capaz <strong>de</strong> apresentar, em linhas gerais, o projeto em um<br />
único parágrafo, priorizando o tema, o enredo central e o tom da série. Para isso, o primeiro<br />
passo po<strong>de</strong> ser pensar naquilo que <strong>de</strong>nominamos story line, uma sentença conceitual, isto é,<br />
não narrativa, que apresente a i<strong>de</strong>ia central da narrativa em uma única frase, tornando-a,<br />
portanto, mais universal. Vejamos, a título <strong>de</strong> exemplo, o mito grego <strong>de</strong> Perseu e Medusa.<br />
Na versão mais difundida do mito, conta-se a saga do jovem Perseu que, para presentear o<br />
rei Poli<strong>de</strong>ctes, <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> oferecer a cabeça da Medusa. A górgona, até então, havia transformado em<br />
pedra qualquer guerreiro que ousou entrar em seus domínios. Mesmo sabendo do perigo mortal<br />
da empreitada, Perseu, exemplo da figura do herói clássico, não hesita em realizar sua tarefa e<br />
consegue <strong>de</strong>rrotar o ser ctônico ao encará-lo pelo reflexo <strong>de</strong> seu escudo e, não, diretamente nos<br />
olhos. Daí, uma possível story line para este mito seria: “Po<strong>de</strong>mos superar qualquer <strong>de</strong>safio, mesmo<br />
aqueles consi<strong>de</strong>rados intransponíveis, se o encararmos sob uma nova perspectiva”.<br />
O story line po<strong>de</strong>, portanto, servir <strong>de</strong> ponto <strong>de</strong> partida para a criação dos <strong>de</strong>mais elementos<br />
narrativos <strong>de</strong> uma série, mantendo a essência pensada inicialmente, mesmo quando assume<br />
diferentes formas e aparências. Quantas vezes, por exemplo, a tragédia “Romeu e Julieta”,<br />
<strong>de</strong> Shakespeare, não foi recontada com outros nomes, nas mais variadas formas e em inúmeras<br />
mídias, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o final do século XVI?<br />
A partir do exemplo mitológico mencionado anteriormente, po<strong>de</strong>ríamos pensar em uma<br />
série sobre um corajoso jovem que sempre consegue resolver os problemas que os outros não<br />
conseguem solucionar, variando, por exemplo, os <strong>de</strong>safios apresentados a cada novo episódio.<br />
O story line seria mantido, portanto, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da série ser ambientada no espaço<br />
si<strong>de</strong>ral, em uma geleira glacial, no fundo do mar, em uma floresta tropical ou mesmo da<br />
protagonista ser representada por um monstro, uma máquina, um animal ou ser humano.<br />
O story line po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>finido em linhas gerais como uma espécie <strong>de</strong> “frase-conceito”, que<br />
explicita em seus aspectos subjetivos uma narrativa qualquer. Serve como fio condutor, uma espécie<br />
<strong>de</strong> bússola norteadora para o <strong>de</strong>senvolvimento do conceito geral da série e mesmo <strong>de</strong> cada episódio.<br />
Apesar <strong>de</strong>, na maioria das vezes, não ser solicitado isoladamente no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> um projeto,<br />
o story line po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado um dos aspectos centrais do conceito geral. Trata-se <strong>de</strong> um<br />
exercício minimalista e abstrato que, em alguns casos, po<strong>de</strong> ser tão ou mais difícil do que o próprio<br />
<strong>de</strong>senvolvimento do roteiro em si. Já em outros casos, principalmente naqueles em que as animações<br />
possuam maior apelo visual, po<strong>de</strong> até mesmo ser pensado por fim, isto é, após a criação <strong>de</strong> todo o<br />
universo narrativo e <strong>de</strong> seus elementos constituintes.<br />
Além <strong>de</strong>ssa essência apresentada pelo story line, o conceito geral da série <strong>de</strong>ve ainda<br />
explicitar, sempre em linhas gerais <strong>de</strong>, no máximo, um parágrafo (cerca <strong>de</strong> oito linhas), o tom<br />
da série, bem como o enredo central, com a apresentação do universo no qual a série será<br />
<strong>de</strong>senvolvida, das personagens principais e <strong>de</strong> seus relacionamentos. Além <strong>de</strong> sintético, o texto<br />
do conceito geral da série <strong>de</strong>ve ser bastante claro e objetivo, possibilitando um entendimento<br />
em linhas gerais das principais características e elementos propostos pela série.<br />
Atente para o <strong>de</strong>talhe <strong>de</strong> que o processo <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> uma série nunca é inconsciente<br />
e que se o conceito central <strong>de</strong>ssa criação não estiver claro pelo menos para o próprio autor,<br />
não estará para mais ninguém. Vejamos abaixo os conceitos gerais apresentados pelas séries<br />
“Carrapatos e Catapultas” e “Tromba Trem”, posteriormente analisadas neste livro.<br />
170
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
“Em outra galáxia, no Planeta Vaca, os carrapatos bicos-<strong>de</strong>-pato e os carrapatos megafone<br />
gostam principalmente <strong>de</strong> sugar gororoba e objetos com canudinhos, ficar se “catapultando” por<br />
aí e explodir, virando fantasmas que sobem pro “Mundo dos Carrapatos Fantasmas” (o paraíso<br />
para eles). Bum e Bod são dois gran<strong>de</strong>s amigos adolescentes que não engordam feito a maioria.<br />
Eles estudam e trabalham e tem como amigos os carrapatos Bolão e Baixinho. Nesse “mundo<br />
reino” não há automóveis e nem muitos objetos comuns no mundo humano. Inexplicavelmente<br />
tais objetos surgem do nada, após terremotos, e geralmente são catapultados como sucata<br />
alienígena para os lixões da cida<strong>de</strong>. Bum toda noite recebe uma ligação telefônica <strong>de</strong> sua mãe<br />
que já explodiu e “mora” agora no Mundo dos Carrapatos Fantasmas”.<br />
Temos aqui, em poucas linhas, a apresentação dos principais elementos da série e <strong>de</strong> seu tom. O<br />
Planeta Vaca é habitado por carrapatos que gostam <strong>de</strong> se catapultar e sugar comida, sucos e objetos<br />
com canudinhos para engordarem e explodir, exceto os amigos Bum e Bod, que, mesmo sugando,<br />
não conseguem engordar como os <strong>de</strong>mais carrapatos. Nesse “mundo reino”, objetos humanos como a<br />
“caixa <strong>de</strong> luz” (televisão), inexistentes ali, aparecerão do nada e proporcionarão inúmeras situações –<br />
uma vez que assumirão nesse novo mundo outros valores. Infere-se pelo tom do texto a presença do<br />
inusitado, da ironia e a abertura para inúmeras situações resultantes do contexto apresentado, que<br />
se revela potencialmente inventivo e criativo.<br />
Já o conceito geral da série “Tromba Trem”, diz:<br />
“Um elefante sem memória, uma tamanduá vegetariana e uma colônia <strong>de</strong> cupins<br />
paranoicos que acredita ser <strong>de</strong> outro planeta viajam juntos num trem a vapor pela América<br />
Latina. Tromba Trem é uma série <strong>de</strong> animação no formato “filme <strong>de</strong> estrada”, em que a cada<br />
episódio conhecemos uma nova personagem”.<br />
Nesse caso, po<strong>de</strong>mos notar a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> concisão à qual nos referimos anteriormente.<br />
Logo na primeira sentença, localizamos as protagonistas e adjetivos que melhor <strong>de</strong>finem<br />
suas personalida<strong>de</strong>s (“colônia <strong>de</strong> cupins paranoicos”, “tamanduá vegetariana” e “elefante<br />
sem memória”), o ambiente (América Latina) e a ação central da série (uma viagem em um<br />
trem a vapor). Em seguida, é feita uma referência ao gênero narrativo audiovisual “filme <strong>de</strong><br />
estrada” (road movie) e mencionado o fato <strong>de</strong> que, a cada episódio, conheceremos uma nova<br />
personagem. Também é possível inferir que variações narrativas serão apresentadas pelas<br />
situações <strong>de</strong>correntes do relacionamento <strong>de</strong>ssas personagens antagônicas durante a viagem.<br />
Da mesma forma que a introdução <strong>de</strong> um livro é <strong>de</strong>finida inicialmente em linhas gerais e<br />
posteriormente atualizada e reescrita ao término da redação da obra, o conceito geral <strong>de</strong> uma<br />
série, quando escrito como ponto <strong>de</strong> partida para o <strong>de</strong>senvolvimento das <strong>de</strong>mais etapas, vai se<br />
transformando e atualizando automaticamente na medida em que o projeto e seus conceitos<br />
atinentes se metamorfoseiam. Isso po<strong>de</strong> acontecer durante o <strong>de</strong>senvolvimento do projeto, conforme<br />
novas i<strong>de</strong>ias e questionamentos se apresentam, mas também, eventualmente, ao longo <strong>de</strong> novas<br />
temporadas, em função <strong>de</strong> mudanças estruturais ou <strong>de</strong> foco na própria série.<br />
Veremos, a seguir, as <strong>de</strong>mais etapas presentes no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma bíblia <strong>de</strong><br />
produção <strong>de</strong> série <strong>de</strong> animação, nas quais os elementos apresentados nesse primeiro momento,<br />
<strong>de</strong> forma mais conceitual e concisa, começam a efetivamente tomar forma e ganhar volume.<br />
171
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
172
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
3.2 apresentação<br />
(overview)<br />
3.2 Apresentação (Overview)<br />
Na apresentação do projeto, o autor possui um espaço maior, cerca <strong>de</strong> três páginas, para<br />
<strong>de</strong>sdobrar as i<strong>de</strong>ias apresentadas no conceito geral, bem como introduzir outras tantas que<br />
julgar necessárias para melhor compreensão do projeto. É o local no qual se <strong>de</strong>ve apresentar<br />
com mais <strong>de</strong>talhes os elementos constituintes da série e suas articulações. Ao final da leitura da<br />
apresentação do projeto, o avaliador não <strong>de</strong>ve ter nenhuma dúvida quanto às questões centrais<br />
da série, como o tema, o tom, o enredo condutor, o relacionamento entre as personagens, o<br />
estilo visual, as técnicas <strong>de</strong> animação a serem utilizadas e o público-alvo a quem se <strong>de</strong>stina.<br />
Diferentemente do curta-metragem, em que o animador po<strong>de</strong> criar sem necessariamente<br />
pensar na audiência, em um projeto <strong>de</strong> série <strong>de</strong> animação é fundamental que se tenha <strong>de</strong>finido<br />
<strong>de</strong> forma bastante clara seu público-alvo. Nesse caso, o que está sendo dito não é suficiente<br />
se não for direcionado para o público certo.<br />
O primeiro passo para a <strong>de</strong>finição do público-alvo é a segmentação do mercado em<br />
pequenos grupos, por meio <strong>de</strong> semelhanças existentes entre as pessoas pertencentes a um<br />
mesmo segmento. Nesse sentido, o público-alvo que compõe um <strong>de</strong>terminado segmento ten<strong>de</strong><br />
a ter percepções semelhantes em relação a um <strong>de</strong>terminado produto ou obra. A <strong>de</strong>finição<br />
do público-alvo é uma importante etapa em qualquer projeto ou plano <strong>de</strong> negócios e po<strong>de</strong><br />
obe<strong>de</strong>cer a diferentes critérios <strong>de</strong> segmentação (<strong>de</strong>mográficos, psicográficos, comportamentais<br />
etc.), em função da <strong>de</strong>manda da ação planejada. No caso específico <strong>de</strong> séries <strong>de</strong> animação,<br />
o principal critério para segmentação do público-alvo costuma ser o <strong>de</strong> faixa etária: toddlers<br />
(até três anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>), preschoolers (<strong>de</strong> três a seis anos), kids (seis a oito anos), tweens (8<br />
a 12 anos) e teens (12 a 15 anos).<br />
A pedagogia e a psicologia tradicionalmente divi<strong>de</strong>m o ciclo <strong>de</strong> vida humano em algumas etapas<br />
antes da vida adulta: primeira infância, segunda infância, terceira infância e adolescência. Não há,<br />
173
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
entretanto, um consenso absoluto quanto à faixa etária exata atribuída a cada uma <strong>de</strong>stas fases, uma<br />
vez que po<strong>de</strong>m variar em função da época em questão e <strong>de</strong> características sociais específicas. Há<br />
quem diga, por exemplo, que no mundo contemporâneo pós-globalizado, assistimos a um aumento<br />
do período da adolescência: em uma ponta abreviando a infância e na outra atrasando o ingresso<br />
efetivo na vida adulta.<br />
De toda forma, a primeira infância compreen<strong>de</strong> o período comumente compreendido por<br />
crianças com até três anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, etapa em que essas começam a <strong>de</strong>scobrir o mundo, a se<br />
relacionar com o outro, a i<strong>de</strong>ntificar padrões e compreen<strong>de</strong>r um pouco melhor as coisas a sua<br />
volta. Por se presumir que não assistam à televisão nessa ida<strong>de</strong>, se encontram normalmente<br />
fora da classificação <strong>de</strong> público-alvo <strong>de</strong> séries <strong>de</strong> animação.<br />
A segunda infância abrange a faixa etária entre três e seis anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, também<br />
conhecida como pré-escolar. Nessa fase, po<strong>de</strong>mos observar a presença <strong>de</strong> um pensamento<br />
mágico ou lúdico, no qual o elemento maravilhoso começa a <strong>de</strong>spertar maior interesse. O<br />
tempo se manifesta principalmente por meio <strong>de</strong> uma presentida<strong>de</strong>, isto é, pelo predomínio do<br />
tempo presente em relação às noções <strong>de</strong> passado e <strong>de</strong> futuro.<br />
Nesse mesmo período, a criança passa por gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento psicológico e<br />
amadurecimento emocional e social, <strong>de</strong>scobrindo a realida<strong>de</strong> exterior. Apesar disso, a<br />
incompletu<strong>de</strong> cognitiva leva a uma série <strong>de</strong> pensamentos contraditórios acerca <strong>de</strong>ssa nova<br />
realida<strong>de</strong>. Os padrões <strong>de</strong> comportamentos sociais básicos são adquiridos e amiza<strong>de</strong>s com<br />
outras crianças da mesma faixa etária são estabelecidas. Apesar <strong>de</strong> o contato com outras<br />
crianças começar a ter mais importância, a família ainda permanece sendo o núcleo principal<br />
<strong>de</strong> estruturação <strong>de</strong> sua vida.<br />
Com o ingresso obrigatório na escola entre os cinco e seis anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> (o que ocorre na<br />
maioria dos países), a criança se <strong>de</strong>para com situações diferentes daquelas vividas em sua casa<br />
e <strong>de</strong>senvolve maior habilida<strong>de</strong> na resolução <strong>de</strong> problemas e conflitos. As brinca<strong>de</strong>iras e <strong>de</strong>mais<br />
ativida<strong>de</strong>s lúdicas envolvendo a imaginação e a criativida<strong>de</strong> se tornam mais elaboradas. Para<br />
alguns pesquisadores, como o pedagogo francês René Hubert, por exemplo, tudo isso po<strong>de</strong><br />
influenciar na manifestação <strong>de</strong> certo comportamento egocêntrico ou narcisista, característico<br />
<strong>de</strong>sta etapa do <strong>de</strong>senvolvimento infantil.<br />
A terceira infância, por sua vez, é consi<strong>de</strong>rada a faixa etária compreendida entre os<br />
seis e os doze anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>. É na terceira infância que a criança passa a racionalizar seu<br />
pensamento, procurando os “porquês”, e a comparar melhor as coisas do mundo entre si. Há<br />
um crescimento da vida social da criança, o que diminui a referência <strong>de</strong> apoio e <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong><br />
dos pais, em relação a quem passam a agir <strong>de</strong> maneira mais questionadora, aumentando a<br />
importância dos amigos como mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> comportamento.<br />
O incremento da importância do relacionamento com amigos representa, <strong>de</strong> certa forma,<br />
uma superação do egocentrismo e do narcisismo manifestados na fase anterior. Na maioria dos<br />
casos, as amiza<strong>de</strong>s entre as meninas <strong>de</strong>sta faixa etária são mais intensas e íntimas, enquanto<br />
entre os meninos costumam ser mais numerosas, porém menos afetuosas. Os relacionamentos<br />
sociais <strong>de</strong>ssas crianças enfatizam também a importância da confiança e da reciprocida<strong>de</strong>.<br />
174
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Há um aumento sensível <strong>de</strong> habilida<strong>de</strong>s relacionadas à linguagem e à memória, ligado<br />
principalmente ao aproveitamento <strong>de</strong> uma educação formal escolar. Por conta das gran<strong>de</strong>s<br />
transformações presentes nesta etapa e da maior diferença <strong>de</strong> inteligência observada a<br />
cada ano <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, é comum, <strong>de</strong>ntro do mercado <strong>de</strong> séries <strong>de</strong> animação, encontrarmos uma<br />
subdivisão <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ste grupo: seis a oito, oito a <strong>de</strong>z e <strong>de</strong>z a doze anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>.<br />
A autoimagem e a autoestima também começam a se manifestar com mais intensida<strong>de</strong> e<br />
po<strong>de</strong>m ser medidas pelo nível <strong>de</strong> discrepância entre o que a criança pensa ser e aquilo que<br />
ela <strong>de</strong>seja ser. Quanto menor essa discrepância, maior a autoestima e melhor a autoimagem.<br />
Eventuais problemas ou disfunções familiares começam agora a afetar <strong>de</strong> forma mais efetiva<br />
a personalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssas crianças. Também a aceitação (ou rejeição) por <strong>de</strong>terminados grupos<br />
ganha muita importância, explicitando a diferença e o relacionamento entre os gêneros -<br />
meninos e meninas. Por isso mesmo, é uma etapa <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> instabilida<strong>de</strong>, com ampla<br />
imprevisibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reações e comportamentos, em que a maioria das lembranças traumáticas<br />
e <strong>de</strong> eventos marcantes da infância costuma se localizar <strong>de</strong> maneira mais consciente.<br />
Se o início da terceira infância se caracteriza pelo começo da vida escolar propriamente<br />
dita, seu final é marcado, a partir dos <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, por um período conhecido como<br />
“pré-adolescência”. Esse período final da terceira infância se manifesta fisicamente pela<br />
puberda<strong>de</strong> e socialmente pelo aumento <strong>de</strong> <strong>de</strong>veres e responsabilida<strong>de</strong>s, ao mesmo tempo em<br />
que esta criança passa a exigir maior respeito por parte das outras pessoas, principalmente<br />
dos adultos.<br />
O quarto momento do ciclo <strong>de</strong> vida humano, a adolescência, representa o momento <strong>de</strong><br />
transição entre a infância e a vida adulta, englobando o período compreendido entre os doze<br />
e vinte e um anos (apesar da maiorida<strong>de</strong> legal em muitos países, inclusive no Brasil, ser aos<br />
<strong>de</strong>zoito anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>). Laurence Steinberg, professor e pesquisador norte-americano, classifica<br />
a adolescência em três fases: a adolescência inicial (onze a quatorze anos), adolescência<br />
média (quinze a <strong>de</strong>zessete anos) e adolescência final (<strong>de</strong>zoito a vinte e um anos).<br />
Durante a adolescência, a capacida<strong>de</strong> do pensamento abstrato se <strong>de</strong>senvolve expressivamente,<br />
trazendo novas questões em relação à própria existência do adolescente. A constante busca pela<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> torna-se uma questão primordial e se manifesta por meio <strong>de</strong> experiências diversas. As<br />
transformações físicas ocorrem <strong>de</strong> forma mais rápida e acentuada e têm início os relacionamentos<br />
amorosos. Os padrões <strong>de</strong> relacionamento com o outro e com o mundo, <strong>de</strong>senvolvidos nesta fase e que<br />
são influenciados por traços remanescentes das fases anteriores, costumam se transpor para a vida<br />
adulta. Assim, o adolescente costuma se afastar <strong>de</strong> privilégios típicos da infância e adquire certas<br />
condições que o aproximam do papel social <strong>de</strong> um adulto.<br />
Observamos ainda um <strong>de</strong>senvolvimento expressivo da cognição, com um aumento<br />
quantitativo e qualitativo do pensamento e da interpretação das informações, estimulando<br />
a formação <strong>de</strong> uma consciência própria. O adolescente também é capaz <strong>de</strong> estabelecer<br />
diferentes níveis <strong>de</strong> leitura da realida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> relativizar algumas questões, compreen<strong>de</strong>ndo<br />
outros pontos <strong>de</strong> vistas e valores, e <strong>de</strong> estabelecer diferentes conexões entre fenômenos<br />
diversos. Assim, <strong>de</strong>senvolve uma base a<strong>de</strong>quada para lhe oferecer autonomia suficiente para<br />
solucionar os <strong>de</strong>safios <strong>de</strong> seu cotidiano, consi<strong>de</strong>rando, inclusive, possibilida<strong>de</strong>s elaboradas a<br />
partir <strong>de</strong> hipóteses próprias.<br />
175
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
176
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Nesta fase, o pensamento abstrato atinge outro nível, possibilitando o entendimento<br />
<strong>de</strong> estruturas mais complexas e o estabelecimento <strong>de</strong> opiniões próprias em relação a temas<br />
diversos da natureza humana e do mundo contemporâneo, como política, filosofia e relações<br />
sociais, por exemplo. Além disso, o adolescente passa a refletir sobre seu próprio pensamento,<br />
permitindo assim o estabelecimento <strong>de</strong> certa autocrítica e da introspecção.<br />
Em relação às três fases anteriores da infância, é na adolescência on<strong>de</strong> po<strong>de</strong>mos observar<br />
a maior variação no comportamento e na personalida<strong>de</strong> entre indivíduos <strong>de</strong> uma mesma ida<strong>de</strong>.<br />
Isso significa dizer que diferentes indivíduos adolescentes po<strong>de</strong>m ter diferentes ritmos e formas<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, <strong>de</strong>finindo assim suas próprias personalida<strong>de</strong>s – que, por mais que possam<br />
se assemelhar a <strong>de</strong> outros colegas, sempre serão únicas. Esta situação se acentua ainda mais se<br />
consi<strong>de</strong>rarmos as variações que as pessoas e os meios po<strong>de</strong>m oferecer no relacionamento com<br />
os adolescentes nas mais diversas situações. Além disso, na adolescência, os diversos tipos <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>senvolvimentos não se expan<strong>de</strong>m necessariamente juntos com uma mesma velocida<strong>de</strong>, o que<br />
po<strong>de</strong> gerar problemas em seu relacionamento com o mundo. Um adolescente po<strong>de</strong>, por exemplo, ter<br />
sua estrutura física bem <strong>de</strong>senvolvida, dando a falsa impressão <strong>de</strong> ser uma pessoa mais madura, mas<br />
com o <strong>de</strong>senvolvimento psicológico e emocional não condizente com o <strong>de</strong> sua aparência.<br />
Enquanto na infância vivemos sob o domínio do tempo presente, na adolescência os outros<br />
tempos passam a se manifestar, inclusive como importante referencial i<strong>de</strong>ntitário. Na medida<br />
em que a infância se apresenta como uma “presença ausente” durante a adolescência, isto é,<br />
<strong>de</strong>ixa <strong>de</strong>terminados traços e reminiscências na personalida<strong>de</strong> do adolescente ao mesmo tempo<br />
em que é superada diante dos novos <strong>de</strong>safios da vida, o passado costuma ser evocado para<br />
ratificar transformações (“como eu era”) ou para evi<strong>de</strong>nciar uma fase ultrapassada, sobretudo<br />
por meio da memória – lembranças seletivas que parecem ser muito mais antigas do que são<br />
<strong>de</strong> fato. O futuro, normalmente mais imediato, é motivo <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> apreensão e expectativas,<br />
uma vez que se revela incerto e imprevisível.<br />
É, portanto, na adolescência que o indivíduo busca construir sua própria i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> por<br />
meio <strong>de</strong> dois processos complementares: o auto<strong>de</strong>senvolvimento, movimento <strong>de</strong> caráter<br />
externo e o autoconhecimento, <strong>de</strong> caráter interno. De acordo com o professor norte-americano<br />
<strong>de</strong> psicologia Edward Tory Higgins, po<strong>de</strong>mos pensar em três (auto)representações possíveis da<br />
própria pessoa: a real (o que a pessoa é, <strong>de</strong> fato), a i<strong>de</strong>al (o que gostaria <strong>de</strong> ser) e a <strong>de</strong>sejável<br />
(o que “<strong>de</strong>veria” socialmente ser). Ainda segundo Higgins, essas três dimensões tornam ainda<br />
mais complexo o entendimento <strong>de</strong> si mesmo por parte dos adolescentes, uma vez que, graças<br />
às suas discrepâncias, po<strong>de</strong>m constantemente estar em conflito – fato que, em alguns casos,<br />
perdura até a vida adulta. 12<br />
In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> a série ter um cunho mais ou menos educativo, é sempre importante<br />
po<strong>de</strong>r contar com a assessoria <strong>de</strong> um pedagogo e/ou psicólogo infantil, preferencialmente<br />
que tenham experiência na produção <strong>de</strong> materiais para esse público, para garantir que os<br />
conteúdos <strong>de</strong>sejados possam ser transmitidos da melhor maneira possível.<br />
12. Já a vida adulta, cujo estudo enquanto público-alvo encontra-se além do escopo <strong>de</strong>ste livro, apesar <strong>de</strong> também po<strong>de</strong>r<br />
ser dividida por faixas etárias, costuma ser pensada por meio <strong>de</strong> outros critérios para <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado<br />
segmento, como nível <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong>, classe social, localização geográfica, hábitos, consumo etc.<br />
177
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Definido o público-alvo, conhecidas suas características principais, suas <strong>de</strong>mandas e<br />
necessida<strong>de</strong>s, é preciso dissertar sobre o tema principal da série. Em um primeiro momento isso<br />
po<strong>de</strong> ocorrer <strong>de</strong> forma mais <strong>de</strong>scritiva, po<strong>de</strong>ndo evoluir para temas secundários ou para outros<br />
níveis <strong>de</strong> leitura do tema principal, como o que ocorre, por exemplo, no caso <strong>de</strong> metáforas e<br />
alegorias. Assim, tão importante quanto o tema em si é <strong>de</strong>terminar a maneira pela qual ele<br />
será abordado, o que po<strong>de</strong> ser feito pela questão do gênero e do tom da série. Destarte, um<br />
mesmo tema po<strong>de</strong> assumir um sentido completamente diferente <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da abordagem<br />
que <strong>de</strong>le será feita ou mesmo temas diferentes po<strong>de</strong>m apresentar certas semelhanças em<br />
função <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada abordagem comum.<br />
A apresentação da série, assim como a apresentação <strong>de</strong> qualquer projeto, <strong>de</strong>ve ainda abordar, <strong>de</strong><br />
alguma forma, certas questões fundamentais. Em primeiro lugar, é importante que se faça presente<br />
uma justificativa que aponte a relevância do projeto, sua pertinência e seus diferenciais.<br />
Os objetivos também são importantes e <strong>de</strong>vem estar presentes, pois permitem visualizar<br />
<strong>de</strong> maneira mais clara a intencionalida<strong>de</strong> e a motivação por trás do projeto. O objetivo geral<br />
po<strong>de</strong> ser entendido como uma espécie <strong>de</strong> anseio, uma intenção maior que o projeto <strong>de</strong>seja<br />
atingir. Já os objetivos específicos representam as formas mais diretas e objetivas pelas quais<br />
se preten<strong>de</strong> atingir esse objetivo geral.<br />
Se pensarmos, a título <strong>de</strong> exemplo, em uma série <strong>de</strong> temática ecológica, o objetivo geral<br />
po<strong>de</strong>ria ser o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> abordar, <strong>de</strong> maneira lúdica e divertida, a relação do homem com a<br />
natureza, incentivando o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma consciência ecológica nos futuros adultos,<br />
atuais espectadores da série. Os objetivos específicos seriam os meios pelos quais isso po<strong>de</strong>ria<br />
se concretizar, isto é, por meio da realização <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> eventos relacionados à série,<br />
pela associação do protagonista às causas ecológicas, do vilão à poluição etc.<br />
É preciso atentar para que a <strong>de</strong>finição dos objetivos e das justificativas do projeto ocorra<br />
a partir <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>manda própria do criador e não como algo “forçado”, a partir <strong>de</strong> temas<br />
politicamente corretos ou mais evi<strong>de</strong>nciados em uma <strong>de</strong>terminada época. No caso do exemplo<br />
anterior, seria coerente e recomendável – embora não obrigatório – que a própria produção<br />
da série conseguisse estipular maneiras <strong>de</strong> diminuir seus impactos ambientais, evitando a<br />
utilização <strong>de</strong> papel, estimulando a carona entre os funcionários do estúdio, compensando a<br />
emissão <strong>de</strong> carbono, entre outras medidas.<br />
De toda forma, a escolha <strong>de</strong> temas “edificantes” não é, por si só, garantia <strong>de</strong> uma<br />
boa avaliação <strong>de</strong> um projeto – mesmo nos casos <strong>de</strong> projetos em que tais temáticas sejam<br />
obrigatórias. Por isso, no caso da participação em editais, é importante sempre prestar atenção<br />
aos critérios <strong>de</strong> avaliação apresentados, que serão tomados como parâmetros apreciativos por<br />
parte da comissão julgadora. No caso <strong>de</strong> apresentação direta do projeto para um parceiro<br />
potencial, é preciso se inteirar sobre que tipo <strong>de</strong> material ele está procurando. Nesse sentido,<br />
o fato <strong>de</strong> um projeto não ser aprovado ou escolhido po<strong>de</strong> significar que o projeto, apesar <strong>de</strong><br />
eventualmente estar bem elaborado e apresentado, não seja apropriado <strong>de</strong>ntro dos parâmetros<br />
<strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado contexto.<br />
Deve haver ainda uma clara articulação entre forma e conteúdo do projeto, isto é, que<br />
as escolhas <strong>de</strong> linguagem, <strong>de</strong> estética e <strong>de</strong> retórica conversem entre si e não que pareçam<br />
178
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
coisas pensadas e <strong>de</strong>senvolvidas separadamente - afinal, não existe forma sem conteúdo e nem<br />
conteúdo sem forma. O uso da tecnologia durante toda a produção também po<strong>de</strong> ser pensado<br />
como elemento integrador entre as diferentes esferas do projeto.<br />
Assim, é <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> relevância que os principais elementos <strong>de</strong> criação venham escritos<br />
<strong>de</strong> forma contínua e seu conteúdo articulado, coeso e coerente. O estilo da escrita po<strong>de</strong><br />
transitar, conforme a <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> cada momento, entre trechos mais <strong>de</strong>scritivos, conceituais,<br />
criativos e mesmo teóricos. Obviamente, a revisão <strong>de</strong> texto, não só da apresentação como <strong>de</strong><br />
todo o projeto, é não apenas <strong>de</strong>sejável como fundamental. Erros gramaticais, <strong>de</strong> coerência<br />
e <strong>de</strong> sentido po<strong>de</strong>m comprometer o entendimento do texto e, por conseguinte, a própria<br />
avaliação <strong>de</strong> todo o projeto.<br />
Não se <strong>de</strong>ve per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> horizonte que seu texto será lido <strong>de</strong> maneira crítica por alguém, um<br />
avaliador, que não participou da sua elaboração, e, portanto, não conhece o seu projeto tão<br />
bem como você. Isso significa que, antes <strong>de</strong> qualquer coisa, você <strong>de</strong>ve ser capaz <strong>de</strong> apresentar<br />
o projeto <strong>de</strong> maneira clara. Questões que eventualmente sejam evi<strong>de</strong>ntes para você ou que lhe<br />
pareçam menos importantes po<strong>de</strong>m não o ser para alguém que esteja lendo seu projeto uma<br />
primeira (e, talvez, única) vez. Ao mesmo tempo, o texto <strong>de</strong>ve possuir certa aura persuasiva,<br />
sem que isso signifique carta branca para a presença <strong>de</strong> qualquer tipo <strong>de</strong> autoavaliação ou<br />
autopromoção. O i<strong>de</strong>al é sempre que o leitor possa achar seu projeto bom sem que você tenha<br />
efetivamente escrito isso explicitamente.<br />
179
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
180
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
3.3 criação, <strong>de</strong>senvolvimento e<br />
apresentação do universo<br />
3.3 Criação, Desenvolvimento e Apresentação do Universo<br />
O universo <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> animação po<strong>de</strong> ser entendido não apenas como o local on<strong>de</strong> as ações<br />
acontecem, mas como um conjunto integrado, no qual as realida<strong>de</strong>s criadas existem e se relacionam.<br />
Está sujeito, portanto, ao domínio <strong>de</strong> certas regras, princípios ou convenções responsáveis pela<br />
integração <strong>de</strong> suas partes constituintes em um todo articulado e coerente em si mesmo.<br />
Mais do que pensar em cada um dos elementos do universo isoladamente, é importante<br />
a adoção <strong>de</strong> uma reflexão mais sistêmica, na qual as proprieda<strong>de</strong>s essenciais do todo não<br />
possam ser encontradas em nenhuma <strong>de</strong> suas partes <strong>de</strong> forma isolada. Estas proprieda<strong>de</strong>s não<br />
são resultantes, portanto, apenas das partes existentes <strong>de</strong> um universo, mas principalmente<br />
<strong>de</strong> seus complexos relacionamentos, essenciais para a existência daquela totalida<strong>de</strong> e para a<br />
<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> suas características intrínsecas como tal.<br />
Tais i<strong>de</strong>ias vão ao encontro das linhas gerais postuladas pela Gestalt, que enten<strong>de</strong> que a percepção<br />
humana está além dos rudimentos fornecidos por nossos sentidos, uma vez que cada coisa do mundo<br />
seria apreendida como uma unida<strong>de</strong> pela tendência à estruturação inerente ao próprio ser humano.<br />
Assim, a máxima <strong>de</strong>ssa escola da psicologia da percepção - postulada por um <strong>de</strong> seus fundadores, Max<br />
Wertheimer - afirma que “o todo é sempre maior que a soma <strong>de</strong> suas partes”.<br />
Esse pensamento sistêmico implica, portanto, uma compreensão mais holística <strong>de</strong> certa<br />
realida<strong>de</strong>, na qual os elementos constituintes <strong>de</strong> um todo maior encontram-se sempre, <strong>de</strong><br />
alguma forma e com alguma intensida<strong>de</strong>, relacionados entre si. Tal pensamento, em que as<br />
relações são tão ou mais importantes que as coisas em si, po<strong>de</strong> ser encontrado atualmente em<br />
boa parte das ciências, das artes e do conhecimento humano.<br />
Em um nível mais complexo, essas relações, principalmente quando são mais recorrentes<br />
e adquirem <strong>de</strong>terminados tipos <strong>de</strong> rotinas ou padrões, estabelecem re<strong>de</strong>s que, por sua vez,<br />
po<strong>de</strong>m se conectar a outras re<strong>de</strong>s e assim por diante. Tais re<strong>de</strong>s, sejam elas sociais, físicas,<br />
181
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
psicológicas, morais, ou quaisquer outras, estruturam-se em complexas teias <strong>de</strong> relações,<br />
que operam em diversos níveis e que po<strong>de</strong>m ser tecidas <strong>de</strong> inúmeras maneiras diferentes, <strong>de</strong><br />
forma hierárquica ou não, possibilitando assim a constituição <strong>de</strong> um todo que, como vimos, se<br />
apresenta sempre maior que a soma <strong>de</strong> suas partes.<br />
Por conta da riqueza existente em um universo narrativo, da multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus elementos<br />
constituintes e da diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas formas <strong>de</strong> relacionamento e interação, é importante atentar<br />
para a necessida<strong>de</strong> da presença <strong>de</strong> uma visão e <strong>de</strong> uma prática interdisciplinar. A interdisciplinarida<strong>de</strong><br />
permite que áreas do conhecimento historicamente separadas e aparentemente distantes entre si<br />
possam se relacionar <strong>de</strong> maneira integrada, sem suturas. Assim, conhecimentos <strong>de</strong> campos como<br />
os da mitologia, psicologia, sociologia, filosofia, antropologia, administração, narratologia, artes,<br />
<strong>de</strong>sign, comunicação, entre outros, são importantes para melhor criação e conhecimento <strong>de</strong>stas<br />
relações formadoras do universo.<br />
182
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Além da indissociabilida<strong>de</strong> do todo e da relação interdisciplinar essencial existente entre<br />
seus elementos basais, outro fator importante a ser consi<strong>de</strong>rado na criação <strong>de</strong> um universo<br />
narrativo é aquilo que po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>nominar <strong>de</strong> “contexto” - que também po<strong>de</strong> se manifestar<br />
sob as mais diversas formas e meios. Em nosso caso, é preciso pensar como e quanto certas<br />
circunstâncias, conjunturas e condições, ainda que provisórias, po<strong>de</strong>m influenciar o universo<br />
narrativo da série. Em “Carrapatos e Catapultas”, por exemplo, objetos humanos adquirem<br />
diferentes valores quando <strong>de</strong>slocados para o planeta Vaca, um universo próprio, diferente -<br />
ainda que possa guardar algumas semelhanças com o universo <strong>de</strong> origem <strong>de</strong>stes objetos.<br />
Da mesma forma em que o contexto po<strong>de</strong> influenciar o universo, o oposto também po<strong>de</strong> ocorrer.<br />
Certos comportamentos ou atitu<strong>de</strong>s tidos como inapropriados, por exemplo, po<strong>de</strong>m ser consi<strong>de</strong>rados<br />
absolutamente a<strong>de</strong>quados a partir <strong>de</strong> mudanças internas <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado universo ou mesmo<br />
a partir da mudança <strong>de</strong> um universo para outro qualquer. Mantendo o exemplo <strong>de</strong> “Carrapatos e<br />
Catapultas”, sugar lesmas até explodir é consi<strong>de</strong>rado, <strong>de</strong>ntro do universo narrativo <strong>de</strong>ssa série, algo<br />
positivo, diferentemente do que po<strong>de</strong>ríamos consi<strong>de</strong>rar inicialmente.<br />
Destarte, o universo narrativo <strong>de</strong> uma série não <strong>de</strong>ve ser pensado como algo monolítico,<br />
estático, imutável, mas como um sistema aberto e orgânico, que, como tal, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da<br />
alimentação <strong>de</strong> um fluxo contínuo <strong>de</strong> matéria e <strong>de</strong> energia para se manter vivo. Nesse sistema,<br />
estrutura e processo caminham, portanto, pari passu, em uma relação <strong>de</strong> indissociabilida<strong>de</strong> e<br />
<strong>de</strong> mútua transformabilida<strong>de</strong>. Tal qual um jogo, o universo narrativo <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong>ve prever<br />
quais serão suas peças, espaços, regras, estratégias, resultados possíveis e as maneiras pelas<br />
quais esse jogo po<strong>de</strong>rá ser jogado.<br />
Assim como acontece nas diversas socieda<strong>de</strong>s e culturas humanas, também po<strong>de</strong>mos buscar<br />
interessantes elementos e importantes relações <strong>de</strong> um universo narrativo naquilo que escapa à<br />
compreensão, ultrapassa a lógica, a razão ou mesmo a própria existência. Estamos a falar da<br />
dimensão do imaginário, do enigma, do mágico, da crença, do sublime, enfim, do inominável,<br />
que nos permite olhar além da superfície simbólica <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong> mais imediata.<br />
Da mesma maneira que, em uma árvore, apenas aquilo que é aparente ou palpável não<br />
correspon<strong>de</strong> à completu<strong>de</strong> do todo e a realida<strong>de</strong> também po<strong>de</strong>, portanto, se encontrar além<br />
do visível, do imediato, entranhada em suas raízes. Mesmo o visível po<strong>de</strong> escon<strong>de</strong>r mistérios<br />
além do que imaginamos – não conhecemos, por exemplo, todos os segredos contidos em uma<br />
única gota <strong>de</strong> orvalho. Além disso, para mantermos a analogia, a árvore interage com outros<br />
sistemas igualmente complexos, isto é, com pássaros, insetos, com outras árvores e com todo<br />
o meio ambiente no qual se encontra inserida.<br />
Os universos narrativos pertencem à categoria da representação, mas po<strong>de</strong>m se apresentar<br />
<strong>de</strong> duas maneiras distintas em relação à sua diegese: enquanto simulações <strong>de</strong> nosso universo<br />
“real” ou como naturezas próprias. No primeiro caso, o autor busca em seu referencial imediato<br />
elementos e relações factuais pertencentes ao seu próprio universo e os transporta para um<br />
novo universo. Essa representação po<strong>de</strong> ser mais ou menos fiel ao seu referencial – como no<br />
caso <strong>de</strong> personagens representadas por animais antropomorfizados, por exemplo – servindo,<br />
muitas vezes, como forma <strong>de</strong> paródia ou crítica.<br />
Já no segundo caso, o autor criar um novo universo a partir <strong>de</strong> elementos e relações autóctones,<br />
isto é, nativas <strong>de</strong> um dado universo e que não necessariamente guardam semelhanças com a<br />
183
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
realida<strong>de</strong> externa à série – caso bastante recorrente em universos fantásticos, por exemplo. Nesse<br />
caso, o universo narrativo po<strong>de</strong> possuir seus próprios códigos e normas, sem que, contudo, possuam<br />
semelhanças com outros universos nas estruturas e relacionamentos gerados.<br />
Neste sentido, um importante conceito da narratologia introduzido pelo filósofo e poeta<br />
inglês Samuel Taylor Coleridge foi o <strong>de</strong> “suspensão voluntária da <strong>de</strong>scrença”. Desenvolvido<br />
no século XIX e originalmente utilizado no contexto literário, o conceito passou a ser utilizado<br />
com maior frequência em diversas mídias no século XX. Para Coleridge, o uso <strong>de</strong> elementos<br />
fantásticos ou não realistas em uma narrativa po<strong>de</strong> infundir o interesse humano a ponto <strong>de</strong><br />
suspen<strong>de</strong>r qualquer julgamento sobre a plausibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta narrativa. Nessas condições, o<br />
público ten<strong>de</strong> a ignorar as condições e limitações do meio, <strong>de</strong> modo que essas não interfiram<br />
na aceitação das premissas apresentadas na história e em seu próprio <strong>de</strong>senrolar – por mais<br />
absurdas que possam eventualmente parecer à primeira vista.<br />
Longe <strong>de</strong> um julgamento crível, as premissas <strong>de</strong>senvolvidas em tais narrativas estariam<br />
livres para romper as barreiras do realismo e propor <strong>de</strong> maneira fluida teorias, i<strong>de</strong>ias e<br />
pensamentos diversos, que talvez não pu<strong>de</strong>ssem ser assimilados do mesmo modo <strong>de</strong> outra<br />
forma. Aparentemente <strong>de</strong>spretensiosas, as narrativas com elementos fantásticos ou não<br />
realistas seriam capazes <strong>de</strong> estabelecer uma conexão mais livre e direta com o público,<br />
atingindo-o, paradoxalmente, <strong>de</strong> forma mais aberta do que em uma narrativa mais realista.<br />
Coleridge acreditava que, por meio da suspensão voluntária da <strong>de</strong>scrença, seria possível<br />
transferir elementos reais, imaginários e simbólicos da natureza humana capazes <strong>de</strong><br />
proporcionar, em um novo universo, semblantes da verda<strong>de</strong> passíveis <strong>de</strong> serem apreendidos <strong>de</strong><br />
maneira diferente <strong>de</strong> como seriam percebidos na vida em socieda<strong>de</strong>. Também seria possível,<br />
pelo mesmo motivo, ignorar o suporte técnico ou linguagem utilizada, favorecendo a imersão<br />
do público na obra. A i<strong>de</strong>ia é que, se <strong>de</strong>ssa maneira o público passa a aceitar a história<br />
narrada como verda<strong>de</strong>, o mesmo se passará com suas interpretações e reações. Tais histórias<br />
excitariam, portanto, experiências e sensações análogas às do sobrenatural, ao tirar a mente<br />
da letargia cotidiana, dirigindo-a, como vimos, para além do visível imediato.<br />
Todavia, é preciso consi<strong>de</strong>rar que, quanto maior for o universo criado e mais complexas forem suas<br />
relações, mais difícil será sua constituição. Além disso, <strong>de</strong>vemos lembrar que, para que um universo<br />
narrativo se apresente como um todo é preciso que ele possua sempre alguma coerência interna,<br />
isto é, que ele seja, digamos, verossímil em si mesmo. Isso não significa que o universo narrativo<br />
<strong>de</strong>va operar necessariamente <strong>de</strong>ntro dos limites da factualida<strong>de</strong>, do provável ou do plausível. Deve,<br />
sim, apresentar <strong>de</strong>terminadas lógicas ou nexos - ainda que absurdos ou aleatórios - na integração <strong>de</strong><br />
seus elementos constituintes e <strong>de</strong> suas relações, a ponto <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver <strong>de</strong> forma espontânea uma<br />
consistência suficiente para caracterizar um universo narrativo distinto, e não um mero “pano <strong>de</strong><br />
fundo” no qual a história será ambientada.<br />
184
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
185
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
3.4 criação, <strong>de</strong>senvolvimento<br />
3.4 Criação, Desenvolvimento e Apresentação <strong>de</strong> Cenários<br />
Os cenários são todos os ambientes nos quais as ações ocorrem <strong>de</strong>ntro do universo da série.<br />
Tradicionalmente, por uma herança do cinema, costumam ser classificados em duas gran<strong>de</strong>s<br />
categorias: internos e externos. Essa distinção se <strong>de</strong>ve a alguns fatores, como a logística e<br />
uma maior exposição a variáveis não controláveis. Em um ambiente externo, por exemplo,<br />
alterações na luz natural po<strong>de</strong>m ocorrer a qualquer momento, fazendo necessários constantes<br />
ajustes na câmera. Já em um estúdio, por sua vez, a luz artificial po<strong>de</strong> ser totalmente<br />
controlada quanto ao seu posicionamento, intensida<strong>de</strong> e temperatura <strong>de</strong> cor.<br />
e apresentação <strong>de</strong> cenários<br />
Mas, mais importante do que pensar em ambientes internos ou externos, é pensar o cenário em<br />
termos daquilo que os narratologistas chamam <strong>de</strong> “ambiência”, isto é, o “clima” ou a “atmosfera”<br />
que ele irá criar em cada cena. Esse clima proporcionado pelo cenário irá afetar, <strong>de</strong> forma mais ou<br />
menos explícita ou importante para a história, as ações que ali irão se <strong>de</strong>senrolar, além do próprio<br />
comportamento das personagens. Em uma sinistra construção abandonada à noite, por exemplo,<br />
certa personagem se movimentará e se comportará diferentemente <strong>de</strong> outra situação na qual se<br />
encontra em uma praia cheia <strong>de</strong> pessoas durante o dia – e assim por diante.<br />
Nesse sentido, <strong>de</strong>senvolver um cenário para animação é uma tarefa que apresenta duas fases<br />
complementares: uma mais ligada à sua criação e outra, à sua apresentação. No momento da criação<br />
<strong>de</strong> um cenário, a tarefa se assemelha, em alguns aspectos e com as <strong>de</strong>vidas proporções, às funções<br />
<strong>de</strong>sempenhadas por profissionais como arquitetos, paisagistas e <strong>de</strong>signers <strong>de</strong> interiores. Ao pensar em<br />
termos <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>s, bairros, condomínios, edifícios, jardins, parques, apartamentos ou salas <strong>de</strong> estar,<br />
os projetos elaborados por esses profissionais levam em conta diversos aspectos multidisciplinares,<br />
relacionados tanto às suas formas quanto às suas funções, resultando em diferentes maneiras <strong>de</strong> se<br />
organizar o espaço e <strong>de</strong> se construir ambientes.<br />
Assim como ocorre com todos os elementos narrativos trabalhados na criação <strong>de</strong> um<br />
projeto <strong>de</strong> série <strong>de</strong> animação, um cenário nunca po<strong>de</strong> ser construído <strong>de</strong> forma gratuita. Mesmo<br />
ambientes consi<strong>de</strong>rados mais simples, ou que não possuam equivalentes fora do universo da<br />
série, <strong>de</strong>vem i<strong>de</strong>almente apresentar justificativas <strong>de</strong> todas as suas escolhas criativas. Tais<br />
186
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
justificativas precisam, obviamente, ser coerentes e dialogar com as necessida<strong>de</strong>s dramáticas<br />
e com os próprios conceitos apresentados na série.<br />
Uma vez <strong>de</strong>finidos, teórica e conceitualmente, os cenários da série, começa o trabalho<br />
conhecido como “concept art”, que po<strong>de</strong> aqui ser entendido como uma ponte entre os<br />
momentos <strong>de</strong> criação e <strong>de</strong> apresentação. É nesse estágio que as i<strong>de</strong>ias pensadas para os cenários<br />
começam a tomar forma <strong>de</strong> um <strong>de</strong>senho em uma folha <strong>de</strong> papel ou tela <strong>de</strong> computador. Tratase,<br />
portanto, <strong>de</strong> uma tradução da virtualida<strong>de</strong> das i<strong>de</strong>ias e conceitos inicialmente concebidos<br />
para formas efetivamente visíveis – ou “pensar com a mão”, como se diz.<br />
Quando nos referimos anteriormente a uma “sinistra construção abandonada à noite”,<br />
cada pessoa po<strong>de</strong> construir sua própria imagem mental daquele cenário. Em uma animação,<br />
entretanto, este cenário só po<strong>de</strong>rá ter efetivamente uma única forma composta por uma<br />
combinação singular, envolvendo os tipos das máquinas, o mobiliário, o piso, as pare<strong>de</strong>s, o pé<br />
direito, o teto, as vidraças, as cores, a iluminação, a sujeira etc.<br />
Assim como po<strong>de</strong> ocorrer em qualquer etapa criativa <strong>de</strong> um projeto <strong>de</strong> série <strong>de</strong> animação, no<br />
concept art também po<strong>de</strong>m acontecer estudos, ajustes, modificações ou mesmo transformações<br />
não pensadas a priori, mas que trarão ganhos ao projeto. Vale aqui o bom senso: se tais alterações<br />
forem válidas e possíveis <strong>de</strong> serem feitas, melhor sempre fazê-las. Normalmente, em uma animação,<br />
as alterações são feitas ainda na pré-produção, etapa que se encerra – como veremos mais adiante<br />
neste livro - com o animatic. Depois da pré-produção, eventuais alterações implicam refazer ou<br />
recomeçar a animação em si, processo que irá consumir tempo e recursos extras e que, por isso<br />
mesmo, costuma ser evitado graças à sua antecipação.<br />
Com o concept art terminado - o que normalmente ocorre após alguns estudos, esboços e<br />
versões -, é possível “sentirmos o clima” <strong>de</strong>sejado para o cenário. Essa ilustração conceitual, que<br />
funciona como uma espécie <strong>de</strong> perspectiva artística do ambiente, é encaminhada para a pessoa<br />
que será responsável pelo <strong>de</strong>senvolvimento do segundo momento, a apresentação do cenário<br />
finalizado. Partindo do concept art, o artista responsável irá <strong>de</strong>finir os elementos visuais que darão<br />
a aparência e o acabamento final do cenário tal qual ele será utilizado na série.<br />
Tanto no processo <strong>de</strong> elaboração do concept art quanto da finalização dos cenários da animação<br />
é recomendável que o artista possua um amplo domínio da gramática e da sintaxe visual. Referimonos<br />
aos termos “gramática” e “sintaxe”, pois <strong>de</strong> maneira análoga à escrita, a visualida<strong>de</strong> também<br />
possui toda uma gama <strong>de</strong> elementos capaz <strong>de</strong> estabelecer uma linguagem expressiva própria.<br />
Da mesma forma que um escritor domina os códigos da escrita, a partir dos quais <strong>de</strong>senvolve<br />
seu próprio estilo para escrever textos dos mais diversos gêneros e formatos, artistas, <strong>de</strong>signers e<br />
<strong>de</strong>senhistas dominam os elementos técnicos, artísticos e criativos da linguagem visual, como pontos,<br />
linhas, perspectiva, profundida<strong>de</strong>, contraste, luz, sombra, escala, textura e cor. A própria Gestalt,<br />
mencionada anteriormente neste capítulo, possui alguns fundamentos básicos - como continuida<strong>de</strong>,<br />
fechamento, pregnância, proximida<strong>de</strong>, segregação, semelhança e unida<strong>de</strong> -, capazes <strong>de</strong> auxiliar<br />
tanto no processo <strong>de</strong> leitura <strong>de</strong> uma imagem quanto no <strong>de</strong> sua construção.<br />
É importante consi<strong>de</strong>rarmos que além da visualida<strong>de</strong>, elementos da linguagem sonora e<br />
musical também po<strong>de</strong>m ser pensados como constituintes do clima <strong>de</strong>sejado para um <strong>de</strong>terminado<br />
cenário – visto que a animação se apresenta como uma forma <strong>de</strong> expressão audiovisual.<br />
187
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
A música é, portanto, um componente fundamental e po<strong>de</strong> se manifestar <strong>de</strong> forma<br />
diegética (como se estivesse sendo escutada “<strong>de</strong>ntro” da cena) ou extra-diegética (inserida<br />
posteriormente “fora” da cena, não audível para as personagens). Também po<strong>de</strong> variar em<br />
função <strong>de</strong> ser uma canção (letra e voz) ou uma música instrumental, atribuindo, no primeiro<br />
caso, um sentido mais ou menos figurado e exigindo, no segundo, maior capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
abstração. Assim, elementos musicais como altura, timbre, intensida<strong>de</strong>, duração, letra,<br />
melodia, harmonia e ritmo, dialogam constantemente com os elementos visuais apresentados<br />
em uma cena a fim <strong>de</strong> compor uma unida<strong>de</strong> entre estas linguagens.<br />
Além da música, outros elementos sonoros que também <strong>de</strong>vem ser levados em conta são<br />
as vozes, os efeitos sonoros e o “silêncio”. Em relação às vozes, normalmente se apresentam<br />
como falas das personagens – das quais trataremos mais adiante neste capítulo.<br />
Os efeitos sonoros, organizados em um trabalho <strong>de</strong> sound <strong>de</strong>sign, têm a função <strong>de</strong><br />
representar objetos e os chamados ruídos <strong>de</strong> sala (foley), assim como eventualmente aquilo<br />
que não possui equivalente sonoro fora do universo da série – como no caso das onomatopeias<br />
sonoras. Tais efeitos po<strong>de</strong>m ainda ser utilizados <strong>de</strong> maneira não figurativa na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
metáforas, por exemplo: o som <strong>de</strong> um trem apitando quando a personagem comeu algo muito<br />
picante. Devem ainda ser pensados não apenas no eixo vertical, isto é, em sua sucessão<br />
sequêncial, mas também no eixo horizontal, nos sons regulares que permanecem constantes<br />
em um <strong>de</strong>terminado ambiente (“bafo”), como no caso do som do ar condicionado em um<br />
escritório. Juntos, os efeitos contínuos e os esporádicos constituem aquilo que Murray Schafer<br />
<strong>de</strong>finiu como “paisagem sonora”: todas as camadas <strong>de</strong> sons, cada qual com suas próprias<br />
características, que se oferecem simultaneamente em um ambiente.<br />
Por fim, o silêncio, embora tecnicamente só exista no vácuo on<strong>de</strong> não há propagação do som,<br />
também po<strong>de</strong> ser pensado como elemento ativo, isto é, como presença e não ausência – <strong>de</strong>ssa<br />
forma, inserir um “silêncio” é diferente <strong>de</strong> se tirar os sons <strong>de</strong> uma cena. No exemplo da “sinistra<br />
construção abandonada à noite”, o silêncio após uma personagem chamar alguém pelo nome e não<br />
obter resposta reforça ainda mais a atmosfera assustadora do ambiente e da própria cena.<br />
188
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Apresentaremos a seguir, a título <strong>de</strong> ilustração, dois concept art <strong>de</strong> cenários <strong>de</strong>senvolvidos,<br />
um externo, outro interno, acompanhados <strong>de</strong> breves <strong>de</strong>scrições dos conceitos trabalhados e da<br />
atmosfera <strong>de</strong>sejada para a cena.<br />
Nesse concept art, temos um ambiente externo urbano, com edificações em linhas mo<strong>de</strong>rnas<br />
e vias pavimentadas. O céu, ao fundo, começa a passar <strong>de</strong> um tom acinzentado para outro<br />
mais azulado, revelando que estamos no início da manhã. Ao lado da escadaria, é possível ver<br />
raios <strong>de</strong> sol começando a iluminar a parte superior da pare<strong>de</strong>. A paisagem sonora é constituída<br />
por uma música (“Sous le ciel <strong>de</strong> Paris”, com Édith Piaf) ligeiramente grave e abafada, emitida<br />
por algum rádio ligado por perto e que reverbera pela rua. Também é possível escutar sons <strong>de</strong><br />
pássaros e, mais ao longe, <strong>de</strong> carros e pessoas falando.<br />
No primeiro plano, a rua e a calçada mostram-se pouco movimentadas. Um estabelecimento<br />
comercial (que po<strong>de</strong>ria ser um bar ou restaurante), ainda fechado <strong>de</strong>vido ao horário, é parte<br />
importante do ambiente. Assim como a escada, ele po<strong>de</strong> ser cenário <strong>de</strong> diversas ações das<br />
personagens. A arquitetura da fachada sugere um estilo clássico em um prédio que – embora<br />
conservado – não é novo. O uso <strong>de</strong> tons pastéis, com predomínio <strong>de</strong> nuances terrosas e<br />
acinzentadas, cria uma atmosfera <strong>de</strong> introspecção. Tanto as portas fechadas quanto a rua<br />
quase vazia e o homem sentado na escada trazem uma sensação <strong>de</strong> expectativa, <strong>de</strong> placi<strong>de</strong>z<br />
que brevemente será rompida por algum acontecimento (a chegada <strong>de</strong> mais transeuntes, a<br />
abertura do estabelecimento, a passagem dos carros) que <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ará o início da história.<br />
É importante, nesta etapa <strong>de</strong> planejamento do trabalho, visualizar <strong>de</strong> forma clara os locais<br />
aon<strong>de</strong> irão se <strong>de</strong>senrolar os elementos da trama, sejam eles meros lugares <strong>de</strong> passagem, sejam<br />
eles as principais “locações”. A sua caracterização também é fundamental e precisa estar em<br />
consonância com a atmosfera que se preten<strong>de</strong> elaborar para dar suporte a outros pontos chave,<br />
como a aparência das personagens, sua personalida<strong>de</strong> e as rotas <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>slocamento.<br />
189
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
190
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Agora temos um ambiente interno. A visão do alto foi escolhida para melhor representar o<br />
espaço em sua totalida<strong>de</strong>, no caso, uma sala. O objetivo aqui é apresentar um coadjuvante,<br />
que ajuda o protagonista oferecendo sua casa como abrigo. A paisagem sonora é constituída<br />
principalmente pelo nítido som da televisão, que muda <strong>de</strong> característica e <strong>de</strong> volume na<br />
medida em que os canais são zapeados. Todavia, é possível i<strong>de</strong>ntificar em outras camadas,<br />
com menor intensida<strong>de</strong>, ruídos da paisagem sonora da rua, abafados pela pare<strong>de</strong> e, <strong>de</strong> vez em<br />
quando, os sons do motor do elevador do prédio e o latido agudo <strong>de</strong> um cachorro da vizinha<br />
bem ao fundo.<br />
Apesar <strong>de</strong> ter alto po<strong>de</strong>r aquisitivo e ser aficionado por tecnologia, esse amigo é um<br />
sujeito <strong>de</strong>spojado. Por isso a “super TV” e os diversos aparelhos eletrônicos convivem com<br />
móveis simples e aconchegantes. As gran<strong>de</strong>s janelas do ambiente servem para sua iluminação e<br />
também para mostrar a altura do pé direito do apartamento. As cores são sóbrias, contrastando<br />
com algumas ousadias no tapete e nas ca<strong>de</strong>iras, já que o proprietário prefere um estilo<br />
contemporâneo ao clássico suntuoso.<br />
Vemos, assim, como o cenário está inteiramente implicado na caracterização tanto da<br />
ação quanto da personagem, colaborando para uma <strong>de</strong>finição mais clara na elaboração dos<br />
cenários e na própria concepção visual da animação. No próximo capítulo, explicitaremos<br />
como ocorre este processo em relação à criação e o <strong>de</strong>senvolvimento das personagens.<br />
191
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
3.5 criação e <strong>de</strong>senvolvimento<br />
das personagens<br />
3.5 Criação e Desenvolvimento das Personagens<br />
Dentre os elementos centrais <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> animação, talvez a personagem seja o mais<br />
fundamental – não à toa o termo character driven é comumente utilizado para <strong>de</strong>finir a estrutura<br />
narrativa da série em sua especificida<strong>de</strong>. A própria etimologia dos termos “animação” e “personagem”,<br />
em latim, reforça essa proximida<strong>de</strong>: anima (alma, dar vida a) e persona (pessoa).<br />
De modo geral, as personagens costumam ser classificadas em diferentes categorias: quanto à<br />
importância em relação à história, quanto à função narrativa e quanto ao nível <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />
psicológico. Em relação à primeira categoria, as personagens são pensadas em termos hierárquicos:<br />
principais, secundárias e figurantes. Ressaltamos que o critério para tal classificação é baseado na<br />
relevância da personagem para a trama e não necessariamente no tempo total <strong>de</strong> sua aparição. Nos<br />
filmes “Encurralado” (1972) e “Tubarão” (1975), <strong>de</strong> Steven Spielberg, por exemplo, as personagens<br />
principais (um caminhoneiro psicopata e um tubarão assassino) pouco aparecem efetivamente no<br />
filme, embora suas presenças possam ser sentidas todo o tempo.<br />
Quanto à função, as personagens costumam ser classificadas em dois tipos opostos: protagonistas<br />
e antagonistas. As primeiras representam aquelas que buscam alguma coisa na história, figura<br />
normalmente associada ao mocinho ou herói. Já as antagonistas são as personagens que irão procurar<br />
impedir os protagonistas <strong>de</strong> atingirem seus objetivos, figura normalmente associada ao bandido ou<br />
vilão. Mas <strong>de</strong>vemos atentar para o fato <strong>de</strong> que não necessariamente o protagonista será sempre o<br />
herói e o antagonista, o vilão; em uma história cuja trama principal seja a tentativa <strong>de</strong> um assalto<br />
ao banco, por exemplo, o ladrão é o protagonista e o policial, que tenta impedir o roubo, torna-se<br />
antagonista. Em alguns roteiros, acontece justamente <strong>de</strong> se jogar com essa classificação, revelando<br />
para o espectador ao final do filme, que, na verda<strong>de</strong>, aquele que pensávamos ser o protagonista era<br />
o antagonista e vice-versa.<br />
Em relação ao <strong>de</strong>senvolvimento psicológico, as personagens po<strong>de</strong>m ser chamadas <strong>de</strong> planas<br />
(lineares) e esféricas (redondas). Personagens planas são tipos ou caricaturas superficiais, que<br />
192
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
estão associadas a uma única i<strong>de</strong>ia ou qualida<strong>de</strong>, são estáticas e estão mais próximas <strong>de</strong><br />
características genéricas do que singulares, po<strong>de</strong>ndo, sobretudo nos casos <strong>de</strong> humor, serem<br />
estereotipadas ou caricaturadas. Já as personagens redondas possuem maior complexida<strong>de</strong>,<br />
profundida<strong>de</strong> psicológica e apresentam diversas qualida<strong>de</strong>s intrínsecas, po<strong>de</strong>ndo gerar ou até<br />
mesmo transcen<strong>de</strong>r os conflitos da trama.<br />
A noção <strong>de</strong> personagem po<strong>de</strong> ser entendida como a representação <strong>de</strong> uma entida<strong>de</strong> que pratica<br />
e, principalmente, vive as ações apresentadas em uma história. Seja por meio da dinâmica visual<br />
(sua movimentação, ações e características físicas) ou psicológica (a forma <strong>de</strong> pensar, sentir, agir,<br />
as palavras que usa e os comportamentos mais frequentes), a construção <strong>de</strong> uma personagem forte<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> tanto da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> observação do roteirista quanto <strong>de</strong> sua inventivida<strong>de</strong>. Quantas<br />
vezes nos <strong>de</strong>paramos com pessoas que parecem “saídas <strong>de</strong> um filme”, reunindo traços físicos ou<br />
comportamentais tão marcados que, em uma ficção, talvez parecessem inverossímeis? Por outro<br />
lado, mesmo que inspiradas em pessoas reais, as personagens <strong>de</strong> uma animação reagirão aos<br />
estímulos e acontecimentos do universo <strong>de</strong> uma trama ficcional, exigindo do roteirista uma boa dose<br />
<strong>de</strong> imaginação. Criar uma personagem é, portanto, um exercício complexo e envolve duas esferas<br />
complementares, uma interna (psicológica) e outra externa (visual).<br />
Embora não exista qualquer tipo <strong>de</strong> manual consolidado para a construção <strong>de</strong> uma personagem,<br />
abordaremos a seguir alguns aspectos que, acreditamos, possam auxiliar nessa trajetória. Em primeiro<br />
lugar, é preciso consi<strong>de</strong>rar que, mesmo quando a personagem não é representada visualmente por<br />
uma figura humana, como no caso <strong>de</strong> prosopopeias, ela é efetivamente um ser humano. Isso significa<br />
que qualquer personagem é um indivíduo que pensa, sente e se comporta, isto é, que vive e se<br />
relaciona com o universo narrativo da série. Dessa forma, i<strong>de</strong>ias e conceitos da psicologia, como os<br />
tipos psicológicos e os arquétipos <strong>de</strong> Carl Gustav Jung, por exemplo, po<strong>de</strong>m auxiliar na construção<br />
da personagem. Todavia, aventurar-se pelo estudo das veredas da psique humana é não apenas uma<br />
tarefa abstrusa como também infindável.<br />
Por isso, se não é possível oferecer todas as respostas, po<strong>de</strong>mos, ao menos, apontar<br />
algumas trilhas e oferecer alguns recursos para se fazer as perguntas certas. Um bom começo<br />
é pensar a história pregressa, isto é, a biografia da personagem: qual sua ascendência,<br />
quem são seus pais, como eles se conheceram, como é o relacionamento entre eles, em que<br />
circunstâncias a personagem nasceu, como foi sua criação, sua educação, suas amiza<strong>de</strong>s,<br />
sua infância, sua juventu<strong>de</strong>, quais são suas lembranças e traumas. O passado (background)<br />
é elemento fundamental na elaboração da ficha biográfica <strong>de</strong> qualquer personagem, pois<br />
permite conhecermos melhor sua constituição e pensarmos em suas <strong>de</strong>mais características.<br />
Também faz parte da ficha biográfica o nome da personagem, que po<strong>de</strong> ser escolhido por<br />
seu significado, sonorida<strong>de</strong> ou alusão a pessoas ou outras personagens e o perfil psicológico<br />
da personagem, que são suas qualida<strong>de</strong>s distintivas: ida<strong>de</strong>, autoimagem, autoestima,<br />
temperamento, humor, virtu<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>feitos, maneirismos, habilida<strong>de</strong>s, medos, orgulho, pontos<br />
<strong>de</strong> vista, ocupação principal, relacionamentos com outras personagens, sonhos, interesses,<br />
necessida<strong>de</strong>s, superstições, transtornos, enfim como ela pensa, sente e (re)age nas diversas<br />
situações e condições presentes no universo da série.<br />
Devemos consi<strong>de</strong>rar que a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> da personagem, assim como a <strong>de</strong> qualquer pessoa,<br />
po<strong>de</strong> se alterar em função dos domínios pelos quais ela transita, isto é, a maneira como a<br />
193
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
personagem se comporta e é vista nas esferas pública (coletiva), pessoal (restrita às pessoas<br />
mais próximas) e privada (interna do indivíduo). Assim, uma mesma personagem po<strong>de</strong> ser<br />
tida como uma figura arrogante no ambiente <strong>de</strong> trabalho, afável entre os poucos amigos e<br />
reservada (introvertida, não expansiva) em sua vida privada, por exemplo.<br />
Em princípio, quanto mais se conseguir pensar e escrever sobre a personagem, melhor<br />
– mesmo nos casos em que a personagem se apresente <strong>de</strong> forma misteriosa e enigmática ao<br />
espectador. Quanto mais informações e características houver, mais a personagem caminha<br />
em direção à chamada “vida própria”. Em outras palavras, quanto mais <strong>de</strong>senvolvida for sua<br />
personagem, mais autonomia ela ganha para viver <strong>de</strong>ntro do universo narrativo da série. Dessa<br />
forma, é possível antecipar o que ela vai fazer ou como vai reagir em <strong>de</strong>terminadas situações,<br />
assim como evocar traços <strong>de</strong>sta i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> capazes <strong>de</strong> <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar inúmeras situações.<br />
Diferentemente <strong>de</strong> um curta ou longa-metragem, em que a personagem po<strong>de</strong> se submeter<br />
muito mais à ação, em uma série o <strong>de</strong>senvolvimento da personagem é crucial. Mesmo que<br />
este <strong>de</strong>senvolvimento não apareça em sua totalida<strong>de</strong> para o público, permite a autonomia<br />
da personagem <strong>de</strong>ntro do universo narrativo da série e maior i<strong>de</strong>ntificação dos espectadores<br />
com ela, além <strong>de</strong> abrir novas possibilida<strong>de</strong>s narrativas em episódios específicos – como alguma<br />
questão arraigada que seja trazida da história pregressa.<br />
Para que essa dimensão interior da personagem possa ser transmitida, percebida e assimilada<br />
pelo público da série, é preciso que seja <strong>de</strong> alguma forma externada. Deparamo-nos, neste ponto,<br />
com uma questão crítica, não apenas da criação <strong>de</strong> personagens, mas da própria existência humana:<br />
somos o que pensamos ou somos o que fazemos? Embora o filósofo René Descartes tenha colocado<br />
como condição primeira da existência o pensamento 13 , a forma como vivemos nossas vidas é<br />
<strong>de</strong>corrente diretamente <strong>de</strong> nossas ações no mundo. Contradições entre o pensar e o fazer 14 po<strong>de</strong>m<br />
trazer conflitos e diversas situações contraditórias interessantes para o <strong>de</strong>senvolvimento narrativo<br />
da série. Da mesma fora, o alinhamento entre essas duas esferas po<strong>de</strong> ser a gran<strong>de</strong> motivação da<br />
protagonista na trama ou mesmo a principal geradora <strong>de</strong> situações cômicas em um universo no qual<br />
as <strong>de</strong>mais personagens não tenham a mesma conduta.<br />
A dinâmica visual da personagem representa, portanto, a principal maneira pela qual a personagem<br />
se expressará, isto é, pela qual sua dimensão interna se exteriorizará. Assim como nas <strong>de</strong>mais<br />
etapas, a busca por referências criativas costuma ser o primeiro passo. Tais referências não precisam<br />
necessariamente pertencer ao universo da animação, po<strong>de</strong>ndo ser recolhidas e pesquisadas no cinema,<br />
teatro, grafite, quadrinhos, artes plásticas, reino animal e até mesmo no próprio cotidiano do artista.<br />
A partir das referências, po<strong>de</strong>m ser feitos alguns esboços, que funcionam como estudos<br />
da personagem para se verificar a correspondência <strong>de</strong> suas dimensões interiores e exteriores.<br />
Normalmente são <strong>de</strong>senhadas versões bem diferentes entre si para que, ao final, o artista<br />
escolha entre uma <strong>de</strong>las ou mesmo “monte” uma nova versão a partir do “aproveitamento” <strong>de</strong><br />
partes <strong>de</strong> outras versões. Dessa forma, é <strong>de</strong>finido, ainda em uma versão inicial da personagem,<br />
um biótipo característico, com <strong>de</strong>terminada altura 15 , peso e aparência geral.<br />
13. No século XVII, o filósofo elaborou sua célebre frase: “Cogito, ergo sum” (“Penso, logo existo”).<br />
14. “Faça o que eu digo, não faça o que eu faço” – ditado popular.<br />
15. A altura <strong>de</strong> uma personagem costuma ser medida em relação à proporção <strong>de</strong> sua cabeça. Assim, uma<br />
194
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
O passo seguinte consiste em aperfeiçoar a personalida<strong>de</strong> da personagem por meio <strong>de</strong> sua<br />
visualida<strong>de</strong>, afinando seu estilo, seus traços típicos. Costuma-se começar pelos aspectos gerais<br />
para gradativamente passar ao plano <strong>de</strong> <strong>de</strong>talhes específicos. Nesse processo <strong>de</strong> criação, o artista<br />
<strong>de</strong>ve sempre levar em conta, diferentemente do que acontece em um livro ou em uma história<br />
em quadrinhos, que a personagem efetivamente se movimentará. Isso implica, principalmente, a<br />
<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> uma anatomia coerente, que costuma ser mais bem explorada no campo do <strong>de</strong>senho<br />
dinâmico. Além disso, a própria técnica da animação também <strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>rada em suas<br />
especificida<strong>de</strong>s, uma vez que possui diferentes parâmetros e modos <strong>de</strong> produção.<br />
Apesar da liberda<strong>de</strong> criativa na constituição física <strong>de</strong> uma personagem, ela quase sempre<br />
é pensada a partir <strong>de</strong> três paradigmas: a divisão do corpo em cabeça, tronco e membros; a<br />
cefalização (concentração dos órgãos sensoriais na cabeça, próximos ao cérebro) e a simetria<br />
bilateral, na qual a meta<strong>de</strong> <strong>de</strong> um lado do corpo é equivalente a do outro 16 .<br />
Definidos os traços gerais que <strong>de</strong>notam a personalida<strong>de</strong>, a próxima etapa trata do<br />
<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> elementos atinentes à personagem e que lhe atribuem maior estilo e<br />
individualida<strong>de</strong>, como no caso da indumentária e dos acessórios. Além da necessida<strong>de</strong> e da<br />
utilida<strong>de</strong>, as roupas e objetos associados à personagem (como óculos, pulseira, colar, tatuagens<br />
etc.) permitem i<strong>de</strong>ntificar melhor uma <strong>de</strong>terminada personalida<strong>de</strong>: formal, casual, esportivo,<br />
típico (regional), profissional, <strong>de</strong>scolado, <strong>de</strong>sleixado... Em alguns casos, cicatrizes po<strong>de</strong>m ser<br />
pensadas como metáforas ou marcas que a personagem carregará sempre com ela.<br />
personagem humana mais “realista” tem entre oito a nove cabeças <strong>de</strong> altura, enquanto outra mais<br />
“cartunizada” po<strong>de</strong> obe<strong>de</strong>cer a uma proporção diferente.<br />
16. Po<strong>de</strong>mos pensar aqui em algumas exceções, como a série “Barbapapa”, que apresentava uma família <strong>de</strong><br />
“joões-bobos” (homens) e pinos <strong>de</strong> boliche (mulheres) capazes <strong>de</strong> se metamorfosear nas mais diferentes<br />
formas que encontravam pelo seu caminho; e nos irmãos Zan e Jayna, os supergêmeos da série “Super<br />
Amigos”, que se transformam nas formas <strong>de</strong> objetos <strong>de</strong> gelo e <strong>de</strong> animais.<br />
195
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Depois <strong>de</strong> efetivamente constituída com um ser <strong>de</strong>ntro do universo narrativo da série,<br />
a apresentação da personagem costuma acontecer <strong>de</strong> forma híbrida, por meio <strong>de</strong> texto<br />
escrito e <strong>de</strong> ilustrações. No primeiro caso, explora-se a dimensão interior da personagem e<br />
sua escrita costuma ser mais concisa e concentrada em relação a todo o material elaborado<br />
previamente. As principais características e informações são selecionadas e apresentadas, <strong>de</strong><br />
forma con<strong>de</strong>nsada, em até meia página <strong>de</strong> texto para as personagens principais e em até um<br />
parágrafo para as secundárias.<br />
As ilustrações, por sua vez, se organizam na forma <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>l sheet, responsável pela<br />
apresentação da dinâmica visual da personagem. O mo<strong>de</strong>l sheet é apresentado em uma única<br />
folha e traz alguns elementos próprios. No centro da página, mostra-se uma imagem principal<br />
da personagem <strong>de</strong>vidamente finalizada. Essa imagem principal po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada como<br />
uma “imagem síntese”, isto é, uma imagem que representa da melhor maneira possível a<br />
personagem. Se você só pu<strong>de</strong>sse representar a personagem com uma única imagem, como ela<br />
seria mais bem representada: em pose <strong>de</strong> combate? Pensativa? Alegre? Cansada?<br />
O mo<strong>de</strong>l sheet costuma apresentar também, em um canto <strong>de</strong> sua página, o turn around<br />
com a personagem aparecendo, sempre <strong>de</strong> corpo inteiro, <strong>de</strong> frente, perfil, ¾ e <strong>de</strong> costas.<br />
Nesse <strong>de</strong>senho específico, a personagem po<strong>de</strong> ser representada em uma pose mais “neutra” e<br />
linhas horizontais <strong>de</strong> apoio po<strong>de</strong>m ser utilizadas em diferentes alturas dos corpos para que se<br />
mantenha a mesma proporção da personagem nessas cinco posições.<br />
Acompanham ainda o mo<strong>de</strong>l sheet cerca <strong>de</strong> cinco <strong>de</strong>senhos <strong>de</strong> corpo inteiro, nos quais a<br />
personagem é representada em poses dinâmicas (action poses) e expressivas, características <strong>de</strong><br />
suas ações na série. Assim, se a personagem possui <strong>de</strong>terminados padrões <strong>de</strong> comportamento,<br />
ações recorrentes e cacoetes, esses <strong>de</strong>vem aqui ser representados. É importante, portanto,<br />
pensar <strong>de</strong> que maneira a postura (poses) e a linguagem corporal da personagem expressarão<br />
personalida<strong>de</strong>, sentimentos, emoções e estados <strong>de</strong> espírito diversos.<br />
Além dos <strong>de</strong>senhos <strong>de</strong> corpo inteiro, cinco <strong>de</strong>senhos <strong>de</strong> expressões faciais da personagem,<br />
em um plano mais próximo, sem a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> exibir o restante do corpo, fazem parte do<br />
196
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
mo<strong>de</strong>l sheet. O rosto costuma ser consi<strong>de</strong>rado na animação como uma das partes mais difíceis<br />
<strong>de</strong> trabalhar, pois em uma pequena área concentra uma gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> músculos,<br />
capazes <strong>de</strong> gerar, segundo alguns fisiologistas, cerca <strong>de</strong> 20.000 expressões distintas, que<br />
po<strong>de</strong>m ainda se transformar em um curto intervalo <strong>de</strong> tempo.<br />
Para alguns, o rosto representa, inclusive, o principal elemento da linguagem corporal –<br />
daí a presença <strong>de</strong> toda uma tipologia <strong>de</strong> personagens “cabeçudas”, que se expressam muito<br />
mais pelo rosto do que pelas outras partes do corpo. Em uma expressão facial, os elementos<br />
do rosto que melhor transmitem emoções são os olhos, juntamente com as sobrancelhas, as<br />
rugas <strong>de</strong> expressão e a boca. Artistas e animadores usam, muitas vezes, espelhos, ou mais<br />
recentemente webcam, como referência para aperfeiçoar algumas das expressões faciais que<br />
serão utilizadas por suas personagens.<br />
Muitos animadores costumam evitar o cruzamento ou intersecção <strong>de</strong> duas linhas distintas<br />
no <strong>de</strong>senho do corpo da personagem. Da mesma forma, não é recomendável o uso <strong>de</strong> uma<br />
linha contínua para partes diferentes da personagem, impedindo, por exemplo, que o traço<br />
<strong>de</strong> uma calça seja unido ao <strong>de</strong> uma camisa. Também é sugerido buscar a quebra do paradigma<br />
da simetria bilateral, procurando trabalhar alguma assimetria na personagem, ainda que na<br />
forma <strong>de</strong> pequenos <strong>de</strong>talhes entre os lados do corpo.<br />
Eventuais objetos e acessórios que sempre acompanham a personagem também po<strong>de</strong>m,<br />
em algum espaço restante da página, aparecerem sozinhos, como uma espada, varinha ou<br />
mochila. Pequenos textos, com pouquíssimas palavras, po<strong>de</strong>m ser escritos próximos a cada<br />
<strong>de</strong>senho do mo<strong>de</strong>l sheet, reforçando cada representação, por exemplo: “Quando fica triste,<br />
abaixa a cabeça e chora baixinho”.<br />
Por fim, dois testes visuais costumam ser feitos com as personagens. O primeiro, <strong>de</strong><br />
silhueta, em que o mo<strong>de</strong>l sheet elaborado é apresentado em uma versão composta apenas por<br />
sombras, na qual se avalia a força e a eficiência das poses escolhidas.<br />
197
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
No segundo, as personagens são colocadas “lado a lado”, preferencialmente tendo como fundo<br />
algum cenário da série, tornando possível avaliar se há uma integração entre o <strong>de</strong>sign adotado nos<br />
diferentes cenários e personagens, isto é, se eles parecem, <strong>de</strong> fato, pertencer a um mesmo universo.<br />
Assim como acontece com os <strong>de</strong>mais elementos visuais <strong>de</strong> um projeto <strong>de</strong> série <strong>de</strong> animação, a<br />
apresentação do mo<strong>de</strong>l sheet <strong>de</strong>ve ser altamente profissional, ou seja, possuir excelente resolução,<br />
acabamento e diagramação. Ao ver e interpretar as imagens apresentadas em seu projeto, um<br />
avaliador enxerga mais que ilustrações: enxerga a própria animação. Por isso cabe atentar aos<br />
critérios avaliativos e a<strong>de</strong>quar as informações solicitadas aos termos e espaços efetivamente<br />
<strong>de</strong>stinados, tomando cuidado para não pecar nem pela limitação nem pelo excesso.<br />
Posteriormente, durante a animação, novos elementos <strong>de</strong>verão ser incorporados à dinâmica visual,<br />
como a movimentação (que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da anatomia criada), o peso e os gestos da personagem. Além<br />
das poses, o acting, isto é, a linguagem corporal, a maneira como uma <strong>de</strong>terminada personagem anda,<br />
corre, senta, gesticula ou olha para alguém também po<strong>de</strong> revelar bastante <strong>de</strong> sua personalida<strong>de</strong> e <strong>de</strong><br />
sua representação junto ao público. Em alguns casos, o próprio acting dos atores durante a dublagem é<br />
aproveitado como referência para dar maior dramaticida<strong>de</strong> e expressivida<strong>de</strong> à personagem.<br />
Personagens são seres que vivem <strong>de</strong>ntro do universo narrativo da série e, como tal, pensam,<br />
sentem e (re)agem com este universo e com seus outros seres. Suas dinâmicas internas (psicológicas) e<br />
externas (visuais) <strong>de</strong>vem ser pensadas <strong>de</strong> forma complexa e integrada, fazendo com que as personagens<br />
ganhem vida própria. A partir <strong>de</strong>sse momento, quando abandonadas em si mesmas, as personagens<br />
começam a tecer suas próprias tramas e a preencher os espaços vazios que surgem na série.<br />
O campo <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> personagens, também conhecido como character <strong>de</strong>sign, vem crescendo<br />
bastante nos últimos anos, a ponto <strong>de</strong> termos estúdios especializados exclusivamente neste<br />
segmento. Isso acontece pois, além <strong>de</strong> se pensar na tradução <strong>de</strong> elementos internos em externos e na<br />
especificida<strong>de</strong> <strong>de</strong> personagens que serão posteriormente animadas, é preciso consi<strong>de</strong>rar ainda outras<br />
possibilida<strong>de</strong>s que compreen<strong>de</strong>m a mudança <strong>de</strong> suporte, mídia e material, como no caso <strong>de</strong> confecção<br />
<strong>de</strong> bonecos, fantasias, livros, <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> games e outros licenciamentos diversos.<br />
Quando plenamente <strong>de</strong>senvolvidas, as personagens garantem maior i<strong>de</strong>ntificação do público,<br />
assim como maior autonomia em relação à série, po<strong>de</strong>ndo, muitas vezes, viver além <strong>de</strong>la. Não por<br />
acaso, personagens marcantes continuam vivas mesmo <strong>de</strong>pois do final <strong>de</strong> uma série – em outros<br />
casos, são mais facilmente lembradas do que as próprias séries e seus episódios.<br />
Personagens representam, portanto, ao lado do universo narrativo e das ações que irão ocorrer<br />
a cada episódio, a tría<strong>de</strong> básica necessária para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma série e que, como vimos,<br />
interagem constantemente entre si. Após discorrermos sobre o universo narrativo e as personagens,<br />
trataremos nos próximos capítulos das maneiras como as ações se organizam e estruturam na<br />
dinâmica narrativa <strong>de</strong> uma série e <strong>de</strong> seus respectivos episódios.<br />
198
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
estudos <strong>de</strong> <strong>de</strong>composição das partes consituintes da personagem<br />
também po<strong>de</strong>m ser feitos para se pensar em sua expressivida<strong>de</strong>,<br />
funcionando como uma espécie <strong>de</strong> conjunto <strong>de</strong> peças intercambiáveis.<br />
199
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
3.6 sinopse técnica<br />
e sinopse comercial<br />
3.6 Sinopse Técnica e Sinopse Comercial<br />
Em um projeto <strong>de</strong> série <strong>de</strong> animação, costuma-se apresentar cerca <strong>de</strong> cinco episo<strong>de</strong>s<br />
springboards, isto é, sinopses técnicas <strong>de</strong> outros episódios da série. Trata-se das premissas e das<br />
linhas gerais <strong>de</strong> outros episódios – além do piloto – que ajudarão o avaliador a conhecer melhor<br />
a série em seu <strong>de</strong>senvolvimento narrativo. Depois da leitura do projeto da série, incluindo<br />
o roteiro com o episódio piloto, o avaliador consegue prospectar novos episódios a partir<br />
das sinopses técnicas. Em outras palavras, é capaz <strong>de</strong>, a partir <strong>de</strong> poucas linhas elaboradas,<br />
visualizar as ações das personagens, suas falas e ações <strong>de</strong>ntro do universo narrativo da série.<br />
Antes <strong>de</strong> seguirmos adiante, é importante <strong>de</strong>finirmos o termo “sinopse” e diferenciar os<br />
seus dois tipos principais. Por sinopse enten<strong>de</strong>mos um resumo da história, no máximo, com <strong>de</strong>z<br />
linhas, que apresente os elementos principais <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada história. Normalmente, é<br />
conhecida pelo gran<strong>de</strong> público em seu tipo comercial, presente nas embalagens, sites, jornais,<br />
revistas, materiais gráficos e promocionais.<br />
A sinopse comercial é, portanto, um tipo <strong>de</strong> sinopse voltada para o público final, e não<br />
para avaliadores <strong>de</strong> projetos ou para a equipe <strong>de</strong> produção. Por isso mesmo, seu texto<br />
costuma ser escrito por pessoas especializadas em publicida<strong>de</strong> e possui estilo persuasivo:<br />
mostra algumas coisas, ao mesmo em que <strong>de</strong>sperta a curiosida<strong>de</strong> do leitor para saber<br />
outras – o que, obviamente, só conseguirá assistindo à obra ou comprando um produto.<br />
Além do estilo persuasivo, o texto <strong>de</strong> uma sinopse comercial normalmente apresenta o<br />
uso <strong>de</strong> adjetivos, buscando reforçar alguns elementos, características, críticas positivas e<br />
eventuais premiações recebidas.<br />
Todavia, assim como acontece em um anúncio publicitário, quando <strong>de</strong>masiadamente<br />
apelativo, o texto costuma ter efeito contrário: ao invés <strong>de</strong> instigar o público, causa<br />
<strong>de</strong>sconfiança. Por isso mesmo, a sinopse comercial é habitualmente realizada, como dissemos,<br />
por pessoas com o domínio <strong>de</strong> uma retórica própria, normalmente durante a pós-produção,<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> a obra estar finalizada.<br />
200
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Já a sinopse técnica, ao contrário, costuma ser feita ainda na pré-produção, sendo,<br />
muitas vezes, o primeiro passo para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> um episódio. Diferentemente da<br />
sinopse comercial, esta é <strong>de</strong>stinada, portanto, para avaliadores do projeto ou para a equipe<br />
<strong>de</strong> produção, não para o público final da série. A diferença não resi<strong>de</strong> em seu tamanho, já<br />
que ambas possuem <strong>de</strong> três a seis sentenças em no máximo <strong>de</strong>z linhas, mas justamente nas<br />
informações apresentadas e no estilo <strong>de</strong> texto.<br />
O texto <strong>de</strong> uma sinopse técnica possui caráter técnico, por isso dispensa o uso <strong>de</strong> adjetivos<br />
como o artifício persuasivo. A história do episódio é apresentada <strong>de</strong> maneira sintetizada,<br />
sempre com início, meio e fim, incluindo spoilers. Em outras palavras, não se <strong>de</strong>ve ter dúvida<br />
do quê, como, on<strong>de</strong> e por que motivos acontecerão os eventos principais daquele episódio:<br />
seja em seu início, <strong>de</strong>senvolvimento ou final. O objetivo é justamente contar a história <strong>de</strong><br />
forma resumida, sem <strong>de</strong>ixar nada “no ar”; quanto mais claro, melhor.<br />
Deve-se ainda procurar usar as personagens principais da série na elaboração do texto,<br />
isto é, fazer com que elas participem da trama do episódio. À exceção <strong>de</strong> casos específicos<br />
(e que dificilmente ocorrem nos primeiros episódios <strong>de</strong> uma série), personagens secundárias<br />
não possuem maior atenção ou participação nos episódios do que as personagens principais.<br />
Por isso, é importante não se esquecer do papel das personagens principais na história, cuja<br />
participação <strong>de</strong>ve ser sempre enfatizada no próprio texto.<br />
Apesar <strong>de</strong> ter uma função bem específica, a sinopse técnica <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>ixar claro o gênero<br />
narrativo e procurar revelar o próprio tom da série. Assim, ao lermos o texto <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong><br />
humor, por exemplo, não po<strong>de</strong>mos ter dúvidas – seja pela trama apresentada ou mesmo pelo<br />
uso <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado vocabulário – que a história é, ou po<strong>de</strong> ser divertida e engraçada.<br />
É <strong>de</strong>sejável que se elabore, antes da apresentação do projeto, o maior número possível <strong>de</strong><br />
sinopses técnicas para, posteriormente, <strong>de</strong>scartar-se aquelas que você consi<strong>de</strong>rar incompletas<br />
ou não tão bem <strong>de</strong>senvolvidas. Assim, é possível selecionar apenas as cinco melhores, entre<br />
todas as elaboradas, para futura apresentação do projeto <strong>de</strong> série. Não apenas aqui, mas<br />
também em todos os <strong>de</strong>mais itens do projeto, nunca é recomendável a apresentação <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias<br />
ou materiais sobre as quais o próprio autor ainda esteja inseguro.<br />
Antes do início <strong>de</strong> uma temporada, todas as sinopses técnicas são aprovadas previamente,<br />
<strong>de</strong> maneira que se tenha um arco narrativo que compreenda toda aquela sequência <strong>de</strong><br />
episódios. A coerência <strong>de</strong> uma temporada e a articulação dos episódios entre si, mesmo que não<br />
pressuponham uma continuida<strong>de</strong> narrativa linear, é garantida em boa parte pela elaboração<br />
conjunta <strong>de</strong> todas as sinopses técnicas antes do início da produção daquela temporada.<br />
Os métodos criativos utilizados para a escritura e a seleção das sinopses técnicas variam<br />
<strong>de</strong> equipe para equipe e <strong>de</strong> projeto para projeto. O mais importante é que a criativida<strong>de</strong> possa<br />
fluir livremente e que os melhores textos possam ser sempre selecionados. Um dos processos<br />
mais comuns nesse momento consiste em uma espécie <strong>de</strong> brainstorming criativo envolvendo,<br />
além do autor e do roteirista, boa parte da equipe da série, na qual qualquer um po<strong>de</strong> sugerir<br />
i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> episódios. As melhores i<strong>de</strong>ias são <strong>de</strong>senvolvidas no formato <strong>de</strong> sinopses técnicas e<br />
passam para o roteirista que, após consultar o autor, diretor e/ou produtor, po<strong>de</strong>rá refiná-las<br />
em roteiros <strong>de</strong> episódios.<br />
201
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Além da vantagem da abertura para novas i<strong>de</strong>ias que, <strong>de</strong> fato, po<strong>de</strong>m surgir <strong>de</strong> qualquer<br />
pessoa da equipe, esse processo dinâmico e colaborativo também costuma ser apontado como<br />
importante elemento <strong>de</strong> integração e valoração da equipe <strong>de</strong> trabalho. Ao ser convidado a<br />
participar e ao ver uma sugestão própria sendo selecionada ou discutida pela equipe, qualquer<br />
membro se sentirá mais valorizado e motivado, aumentando significativamente sua participação<br />
e envolvimento com o projeto.<br />
Veremos, no próximo capítulo, como essas i<strong>de</strong>ias iniciais, pensadas em poucas linhas na<br />
forma <strong>de</strong> sinopses técnicas são <strong>de</strong>senvolvidas em seus <strong>de</strong>talhes, organizadas e apresentadas<br />
sob a forma <strong>de</strong> roteiros finais dos episódios.<br />
202
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
3.7 roteiro<br />
3.7 Roteiro<br />
Estudos e pesquisas sobre as formas e estruturas narrativas não são novos. Uma das obras<br />
críticas mais antigas nesta área é “Poética”, <strong>de</strong> Aristóteles, escrita em III a.C. e ainda hoje<br />
bastante consultada para questões como as da representação humana, da tragédia, da comédia<br />
e da própria dramaturgia.<br />
Des<strong>de</strong> então, muito foi escrito sobre os elementos e estruturas narrativas em seus mais<br />
diversos gêneros, propósitos e mídias. Entretanto, foi apenas em 1969, no livro “Análise<br />
Estrutural da Narrativa”, que o linguista e filósofo búlgaro Tzvetan Todorov cunhou o termo<br />
“narratologia”, buscando emancipar a narrativa do campo da crítica literária e <strong>de</strong>finindo-a<br />
como um campo próprio <strong>de</strong> estudo.<br />
A <strong>de</strong>speito <strong>de</strong>sta “emancipação”, correntes do pensamento e obras anteriores que abordavam<br />
questões ligadas ao universo narrativo não foram <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>radas. A narratologia dialoga com<br />
obras anteriores às <strong>de</strong> Todorov, como a própria “Poética” <strong>de</strong> Aristóteles, ou ainda com aquelas<br />
elaboradas pelos formalistas russos do início do século XX, sobretudo, com “A Morfologia dos<br />
Contos <strong>de</strong> Fadas” (1928). Nesse trabalho, o autor Vladimir Propp i<strong>de</strong>ntifica e divi<strong>de</strong> diferentes<br />
classes <strong>de</strong> personagens, estágios <strong>de</strong> evolução narrativa e funções dramáticas.<br />
Com o passar do tempo, a narratologia foi se aproximando <strong>de</strong> diversas escolas e correntes<br />
<strong>de</strong> pensamento, como por exemplo, o estruturalismo, a semiótica, o existencialismo, a<br />
fenomenologia e os estudos culturais. Nomes importantes do pensamento contemporâneo<br />
oci<strong>de</strong>ntal, como Roland Brathes, Gerard Genette, Clau<strong>de</strong> Bremond, Christian Metz, Umberto<br />
Eco e Algirdas Julien Greimas escreveram alguns dos textos basais da narratologia.<br />
Apesar <strong>de</strong> po<strong>de</strong>rmos consi<strong>de</strong>rar o roteiro como uma modalida<strong>de</strong> narrativa, não se po<strong>de</strong><br />
associar suas origens às primeiras histórias contadas e transmitidas pelos homens por meio da<br />
oralida<strong>de</strong>. Diferentemente <strong>de</strong> uma história oral ou <strong>de</strong> um livro, po<strong>de</strong>mos dizer que o roteiro<br />
não constitui em si mesmo um fim, mas um meio. Enquanto uma história oral ou impressa se<br />
203
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
apresenta como um produto final ao seu público, o roteiro é mais uma etapa especializada<br />
intermediária, elaborada antes da apresentação da obra em si.<br />
O roteiro possui, portanto, caráter transitório e efêmero. Transitório, pois se estabelece<br />
como um gênero próprio em algum lugar entre a literatura e o audiovisual, isto é, se utiliza<br />
<strong>de</strong> alguns elementos próprios da escrita para contar uma história que será posteriormente<br />
apresentada por meio <strong>de</strong> sons e imagens em uma tela. Efêmero, pois só existe durante o tempo<br />
<strong>de</strong> produção, isto é, sua fixação interessa apenas para especialistas, caso <strong>de</strong> estudantes,<br />
pesquisadores ou fãs, e não para o público em geral.<br />
As origens do roteiro remontam, provavelmente, às primeiras peças <strong>de</strong> teatro originais, ou<br />
seja, àquelas que foram elaboradas para uma apresentação específica e, não, montadas como<br />
uma encenação <strong>de</strong> relatos históricos ou religiosos. Nelas, os autores pensaram em histórias<br />
próprias e inéditas que, por <strong>de</strong>terminadas razões, imaginaram ser mais apropriadas para o<br />
público quando encenadas do que narradas oralmente ou registradas em um livro escrito.<br />
Diferentemente do que abordamos há pouco sobre a questão da efemerida<strong>de</strong>, roteiros<br />
elaborados pelos principais dramaturgos costumam ser pensados também como peças literárias,<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> seus elementos extratextuais, como cenários, atores, figurinos e<br />
direção. Assim, muitas peças, sobretudo as clássicas, po<strong>de</strong>m ser discutidas e analisadas, ainda<br />
que raramente assistidas. Pesa aí o fato <strong>de</strong> haver alguma semelhança estrutural entre as peças<br />
clássicas e certos gêneros da prosa (como o romance), como a presença <strong>de</strong> um narrador e a<br />
base dramatúrgica fundamentalmente dialógica. Além disso, <strong>de</strong>vemos consi<strong>de</strong>rar que o teatro<br />
é uma arte que existe essencialmente no tempo, mais que no espaço. Dessa forma, o roteiro<br />
ocupa no teatro simultaneamente o papel <strong>de</strong> guia e <strong>de</strong> registro <strong>de</strong> uma peça – diferentemente<br />
do audiovisual, cujo registro sempre pô<strong>de</strong> ser assistido tal e qual por meio <strong>de</strong> uma cópia<br />
analógica ou digital.<br />
Ou seja, enquanto o que guardamos <strong>de</strong> uma montagem teatral não é a própria encenação,<br />
mas apenas seus registros parciais (fotos, lista do elenco, figurinos, críticas em periódicos<br />
etc.), no cinema, a obra propriamente dita é o que se fixa em um rolo <strong>de</strong> filme, em fita ou<br />
arquivo digital. Nesse sentido, o “original” <strong>de</strong> um filme é ele próprio, não o texto que guiou a<br />
sua criação. Na dramaturgia contemporânea, temos muitas peças baseadas no improviso ou no<br />
teatro físico. Esses exemplos, obviamente, guardam uma relação menos estreita com o texto<br />
do que as encenações tradicionais.<br />
As origens do roteiro audiovisual, por sua vez, estão atreladas ao <strong>de</strong>senvolvimento do<br />
cinema: na medida em que os filmes foram aumentando sua duração e envolvendo maiores<br />
recursos <strong>de</strong> produção, surge também a necessida<strong>de</strong> do roteiro. Nesse sentido, o roteiro<br />
passa a existir com uma dupla função no cinema. Em primeiro lugar, permite que produtores<br />
visualizem, <strong>de</strong> alguma forma, o filme antes <strong>de</strong>le ser feito. Isso significa que, antes <strong>de</strong> se fazer<br />
um aporte financeiro, produtores executivos e investidores po<strong>de</strong>m ter alguma i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> on<strong>de</strong><br />
estão aplicando seu dinheiro.<br />
Em segundo lugar, facilita a organização da produção, indicando para todos envolvidos na<br />
realização do filme a or<strong>de</strong>m em que as cenas serão apresentadas para o público. Ao apresentar<br />
“o quê”, “por que”, “como” e “on<strong>de</strong>” a história será contada, a equipe <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> um filme<br />
204
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
po<strong>de</strong> provi<strong>de</strong>nciar todos os <strong>de</strong>talhes necessários, como aluguel <strong>de</strong> itens e reserva <strong>de</strong> locações,<br />
por exemplo. Também os atores po<strong>de</strong>m conhecer melhor o enredo e o <strong>de</strong>senvolvimento das<br />
personagens na trama, e assim por diante.<br />
Dispomos hoje <strong>de</strong> centenas <strong>de</strong> livros escritos sobre roteiro, divididos basicamente em<br />
duas categorias: aqueles que apresentam e/ou analisam roteiros <strong>de</strong> obras já realizadas e<br />
aqueles que objetivam auxiliar na formação do roteirista e na escritura <strong>de</strong> roteiros próprios.<br />
Entre os autores mais conhecidos nesta segunda categoria, po<strong>de</strong>mos citar Christopher Vogler,<br />
David Howard, Edward Mabley, Jean-Clau<strong>de</strong> Carriére, Michel Chion, Robert McKee, Syd Field,<br />
além <strong>de</strong> alguns autores nacionais, como Doc Comparato, Flávio Campos, Leandro Saraiva, Luís<br />
Carlos Maciel, Marcos Rey, Newton Cannito e Renata Pallottini.<br />
Evi<strong>de</strong>ntemente que, em cada um <strong>de</strong>sses livros, po<strong>de</strong>mos recolher aspectos interessantes<br />
e pertinentes, por isso suas leituras são <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância – mesmo que não abor<strong>de</strong>m<br />
especificamente séries <strong>de</strong> animação. Todavia, por mais que se estu<strong>de</strong> os elementos<br />
apresentados e se siga eventuais regras ou sugestões, não há qualquer garantia <strong>de</strong> que apenas<br />
isso produza um bom roteiro. Da mesma forma, é possível eventualmente encontrar roteiristas<br />
que não tenham referências <strong>de</strong> boa parte <strong>de</strong>ssas obras e que, mesmo assim, tenham escrito<br />
bons roteiros.<br />
Ainda assim, como acreditamos na importância do conhecimento estrutural narrativo e<br />
da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reflexão sobre a própria prática, recomendamos suas leituras. Também<br />
apresentamos aqui uma relação <strong>de</strong> dicas para roteiristas que, acreditamos, possa auxiliar na<br />
elaboração <strong>de</strong> roteiros para episódios <strong>de</strong> série <strong>de</strong> animação.<br />
Ao se trabalhar com objetos <strong>de</strong> caráter aberto e complexo, como é o caso <strong>de</strong> um roteiro,<br />
uma das sugestões é procurar respon<strong>de</strong>r primeiro ao essencial, antes <strong>de</strong> seguir adiante. As<br />
respostas para estas perguntas, ainda que não respondidas prontamente, po<strong>de</strong>m apontar os<br />
caminhos e as direções a serem tomadas.<br />
É importante, portanto, respon<strong>de</strong>r às perguntas mais elementares da obra, sobretudo no<br />
que tange sua relação com o autor. Em outras palavras, <strong>de</strong>ve-se, com a licença do pleonasmo,<br />
“começar pelo começo”. Por que fazer esta série? Qual a sua relevância? O que se preten<strong>de</strong><br />
com ela? Porque esta série tem que ser feita em animação? Qual o conceito geral? A quem se<br />
<strong>de</strong>stina? Isso po<strong>de</strong> parecer bastante básico - e é, <strong>de</strong> fato -, mas é preciso que o autor <strong>de</strong> uma<br />
série tenha certeza <strong>de</strong>ssas respostas antes <strong>de</strong> seguir adiante no projeto.<br />
O passo seguinte envolve os dois elementos já abordados anteriormente neste capítulo: a<br />
criação do universo narrativo e das personagens da série. Como vimos, as séries são compostas<br />
por esses dois elementos que, juntos <strong>de</strong> um terceiro - as ações -, se apresentam ao público<br />
na forma <strong>de</strong> episódios. Universo, personagens e ações compõem, portanto, a tría<strong>de</strong> básica a<br />
partir da qual uma série toma forma.<br />
Ao se começar a pensar especificamente em episódios para a série, a primeira coisa é<br />
estabelecer um piloto. O episódio piloto funciona como uma espécie <strong>de</strong> protótipo da série e<br />
serve para que os executivos responsáveis possam avaliar melhor o produto. Po<strong>de</strong> acontecer<br />
ainda <strong>de</strong> o episódio piloto ser exibido para o público como uma espécie <strong>de</strong> teste com a<br />
205
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
audiência. Nesse caso, o primeiro episódio da série coinci<strong>de</strong> com o piloto – o que nem sempre<br />
ocorre necessariamente.<br />
Quando não é bem recebido, o piloto po<strong>de</strong> representar o único episódio <strong>de</strong> uma série.<br />
Nos Estados Unidos, principal país produtor <strong>de</strong> séries <strong>de</strong> televisão, estima-se que apenas 25%<br />
dos pilotos realizados resultem em séries regulares. Em outras situações ainda, ressalvas são<br />
feitas ao piloto e modificações po<strong>de</strong>m ser sugeridas para a série, como mudanças no <strong>de</strong>sign,<br />
na técnica <strong>de</strong> animação e a inclusão, remoção ou alteração <strong>de</strong> personagens.<br />
Um equívoco bastante comum ao se pensar o piloto é a tentativa <strong>de</strong> se colocar “tudo”, ou<br />
o máximo <strong>de</strong> informações neste episódio específico. Isso po<strong>de</strong> ocorrer por ansieda<strong>de</strong> do autor<br />
ou por vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> querer convencer que a série possui muitos elementos interessantes. Mas<br />
não se <strong>de</strong>ve presumir que “mais é melhor” e o episódio piloto <strong>de</strong>ve funcionar da mesma forma<br />
que se imagina que os outros episódios <strong>de</strong>vam funcionar.<br />
Em alguns casos, o episódio piloto mostra uma situação inaugural que <strong>de</strong>u origem à série,<br />
por exemplo: como as personagens se conheceram e foram parar em certo lugar. Entretanto,<br />
isto não é uma regra, visto que muitas séries não explicam sua origem ou o faz alguns episódios<br />
mais a frente. O principal é que o roteiro do episódio piloto possa apresentar, da maneira mais<br />
clara e direta possível, ainda que não em sua totalida<strong>de</strong>, o universo narrativo, as personagens<br />
principais e o tom da série.<br />
O passo seguinte na elaboração do roteiro piloto é pensar nas ações que ocorrerão e na<br />
história que será contada, sempre em consonância com o conceito geral da série. Quando se<br />
tem o universo narrativo e personagens bem construídas, a premissa da série oferece algum<br />
tipo <strong>de</strong> condição ou circunstância maior, que permite o <strong>de</strong>sdobramento potencial <strong>de</strong> inúmeras<br />
situações específicas para cada episódio. As maneiras mais comuns para isso acontecer se<br />
manifestam: pela busca <strong>de</strong> objetivos da(s) protagonista(s), pelo relacionamento conflitante<br />
entre personagens <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong>s distintas ou por meio da introdução <strong>de</strong> alguma situação<br />
ou elemento inusitado e <strong>de</strong>sestabilizador <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado modus operandi padrão.<br />
Uma possibilida<strong>de</strong> interessante <strong>de</strong> ser explorada é a realização <strong>de</strong> um roteiro híbrido,<br />
isto é, que possibilite à animação posteriormente ser exibida tanto na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> curtametragem<br />
quanto como piloto <strong>de</strong> série, como foi o caso <strong>de</strong> “Osmar, a Primeira Fatia do Pão<br />
<strong>de</strong> Forma”, <strong>de</strong> Alê McHaddo. Esse hibridismo permite, além <strong>de</strong> maior visibilida<strong>de</strong> à obra,<br />
conhecer a recepção da animação por diferentes tipos <strong>de</strong> público.<br />
Uma das maneiras <strong>de</strong> se começar a pensar a história po<strong>de</strong> ser, como dissemos anteriormente,<br />
por meio da <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> uma story line seguida da escrita <strong>de</strong> uma sinopse técnica. A escolha <strong>de</strong><br />
um título para o episódio po<strong>de</strong> auxiliar no processo <strong>de</strong> passagem da primeira para a segunda,<br />
embora, às vezes, o título <strong>de</strong>finitivo só seja criado após a finalização do episódio.<br />
A partir da sinopse técnica, é possível expandi-la em um argumento com cerca <strong>de</strong> três<br />
páginas. O argumento manterá a essência da sinopse técnica <strong>de</strong> contar a história com spoilers<br />
(<strong>de</strong>scrições e revelações sobre o enredo, que são omitidas previamente do espectador),<br />
começo, meio e fim, porém em um espaço maior, o que permite mais <strong>de</strong>talhes. Po<strong>de</strong>mos<br />
comparar o argumento ao gênero literário do conto, mas com algumas diferenças. Assim como<br />
206
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
o próprio roteiro, o argumento também é mais uma etapa no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> um produto<br />
final que não será escrito, mas, assistido por meio <strong>de</strong> sons e imagens: a animação.<br />
Justamente por não ser o produto final, o argumento diferencia-se do conto, principalmente<br />
pela ausência <strong>de</strong> certos recursos literários formais e <strong>de</strong> caráter mais interpretativo ou subjetivo. O<br />
estilo do texto do argumento <strong>de</strong>ve ser claro, direto e <strong>de</strong>screver os aspectos audiovisuais pelos quais<br />
a história será contada, sempre em terceira pessoa, com o tempo verbal no presente. Deve-se, por<br />
fim, sempre ter em mente <strong>de</strong> que maneira os sons e as imagens, e não as palavras, irão contar uma<br />
história. Portanto, a escrita <strong>de</strong> um argumento não precisa se preocupar em agradar o leitor por meio<br />
<strong>de</strong> seu estilo e construção textual, diferentemente do que acontece com um conto.<br />
Por exemplo: em um conto, po<strong>de</strong>ríamos ler algo como: “Ao entrar na mansão, Fulano sentiu<br />
o maior medo <strong>de</strong> sua vida”. Em um argumento, entretanto, esse texto po<strong>de</strong>ria ser consi<strong>de</strong>rado<br />
<strong>de</strong>masiadamente subjetivo, pois não diz absolutamente nada em termos audiovisuais, exigindo<br />
participação imaginativa do leitor na construção <strong>de</strong> imagens mentais e sensações. Nesse caso,<br />
o argumento <strong>de</strong>veria ser muito mais <strong>de</strong>scritivo e preciso: “Fulano caminha lentamente com<br />
o corpo encolhido, olhos arregalados, mãos trêmulas e respiração ofegante para <strong>de</strong>ntro da<br />
mansão abandonada. A construção em estilo gótico abriga alguns móveis cobertos com lençóis<br />
brancos empoeirados e teias <strong>de</strong> aranha. A luz da lua cheia atravessa as vidraças, que possuem<br />
alguns vidros quebrados, iluminando parcamente o interior da mansão. É possível escutar, na<br />
mata vizinha, o som do vento, das árvores balançando e o sibilar dos morcegos”.<br />
A principal diferença entre o primeiro e o segundo trechos, além do tamanho, resi<strong>de</strong> no fato <strong>de</strong><br />
que no argumento foram utilizadas <strong>de</strong>scrições visuais e sonoras para <strong>de</strong>talhar o ambiente e externar a<br />
sensação <strong>de</strong> medo da personagem por meio <strong>de</strong> suas ações. Assim, o medo que a personagem sentiu no<br />
primeiro exemplo, mais literário, foi manifesto por meio <strong>de</strong> seu acting, mais visual.<br />
Ocasionalmente trechos menos objetivos po<strong>de</strong>m ser utilizados em um argumento para<br />
se reforçar <strong>de</strong>terminado clima ou sensação, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que complementando uma sentença, isto<br />
é, que não se <strong>de</strong>penda exclusivamente <strong>de</strong>sses trechos para a compreensão <strong>de</strong> uma cena ou<br />
passagem. No mesmo exemplo, a primeira sentença po<strong>de</strong>ria eventualmente ser acrescida<br />
<strong>de</strong> uma informação mais subjetiva ao seu final: “Fulano caminha lentamente com o corpo<br />
encolhido, olhos arregalados, mãos trêmulas e a respiração ofegante para <strong>de</strong>ntro da mansão<br />
abandonada, sentido o maior medo <strong>de</strong> toda a sua vida. (...)”. Todavia, o texto <strong>de</strong> um argumento<br />
não po<strong>de</strong>ria ser apenas: “Ao entrar na mansão, Fulano sentiu o maior medo <strong>de</strong> sua vida”.<br />
Apesar <strong>de</strong> sua especificida<strong>de</strong>, o argumento não <strong>de</strong>ve apresentar qualquer tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>talhe<br />
técnico <strong>de</strong> produção, como indicações <strong>de</strong> câmera, por exemplo. A ênfase está, portanto, muito<br />
mais na estrutura narrativa e dramatúrgica do episódio do que em sua linguagem – que costuma ser<br />
mais bem explorada posteriormente, durante a <strong>de</strong>cupagem do roteiro. Também não costumam ser<br />
apresentadas no argumento as falas das personagens. Quando presentes, os diálogos são <strong>de</strong>scritos<br />
<strong>de</strong> maneira genérica em relação ao teor da conversa e não <strong>de</strong> maneira <strong>de</strong>talhada e específica, ipsis<br />
litteris como as falas serão ditas pelas personagens na animação.<br />
Quando terminada a primeira versão, o argumento po<strong>de</strong> passar por eventuais ajustes e novas<br />
versões antes <strong>de</strong> migrar para o roteiro. Assim como acontece em qualquer outro processo criativo,<br />
cabe ao autor <strong>de</strong>cidir o momento em que consi<strong>de</strong>ra que sua obra está pronta, finalizada.<br />
207
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Depois do argumento e antes da escrita do roteiro em si, po<strong>de</strong>-se elaborar uma etapa<br />
intermediária, conhecida por escaleta. Nessa etapa, o autor faz uma primeira <strong>de</strong>cupagem do<br />
argumento, dividindo a história apresentada em cenas. Por cena enten<strong>de</strong>mos uma unida<strong>de</strong><br />
dramática, com sentido próprio, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma história, por exemplo: a cena da família<br />
jantando. A escaleta é montada a partir <strong>de</strong> uma sequência <strong>de</strong> cenas que po<strong>de</strong>m se apresentar<br />
<strong>de</strong> forma contínua ou entrecortada, seguindo ou não a or<strong>de</strong>m cronológica <strong>de</strong> uma história.<br />
Apesar <strong>de</strong> não existir um número exato <strong>de</strong> cenas por episódio, é preciso consi<strong>de</strong>rar que<br />
episódios com ritmo mais lento ten<strong>de</strong>m a ter menos cenas do que episódios mais dinâmicos.<br />
Todavia, um número muito gran<strong>de</strong> ou muito pequeno <strong>de</strong> cenas po<strong>de</strong>, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da maneira<br />
como forem organizadas, comprometer o entendimento da história por parte do público.<br />
No primeiro caso, o número reduzido <strong>de</strong> cenas po<strong>de</strong> dar a impressão <strong>de</strong> que nada está<br />
acontecendo ou causar monotonia. Já no segundo, o número elevado <strong>de</strong> cenas po<strong>de</strong> dificultar<br />
o entendimento da trama e dar a impressão <strong>de</strong> que nada foi <strong>de</strong>vidamente visto. Por isso, em<br />
um roteiro vale o bom senso: nada po<strong>de</strong> sobrar nem faltar.<br />
Ao contrário do story line, da sinopse comercial e do argumento, a escaleta possui, por<br />
herança do cinema, uma formatação <strong>de</strong> texto própria, mais próxima daquela utilizada no<br />
roteiro. Assim, o texto é estruturado em diversos blocos, sendo que cada bloco correspon<strong>de</strong><br />
a uma cena. Em relação à formatação, cada bloco <strong>de</strong> texto começa com um cabeçalho (slug<br />
line), com a indicação do número da cena (1,2,3, etc.), ambiente interno ou externo (INT./<br />
EXT.), nome da locação (COZINHA, por exemplo), e período em que se passa (AMANHECER/DIA/<br />
TARDE/ANOITECER/NOITE/MADRUGADA). O cabeçalho vem sempre no início do bloco <strong>de</strong> texto,<br />
em um parágrafo próprio, com caixa alta e maior espaço entre linhas. Por exemplo:<br />
5. INT. MANSÃO ABANDONADA. NOITE.<br />
FULANO caminha lentamente com o corpo encolhido, olhos<br />
arregalados, mãos trêmulas e respiração ofegante para <strong>de</strong>ntro<br />
da mansão abandonada. A construção em estilo gótico abriga<br />
alguns móveis cobertos com lençóis brancos empoeirados e<br />
teias <strong>de</strong> aranha. A luz da lua cheia atravessa as vidraças,<br />
que possuem alguns vidros quebrados, iluminando parcamente o<br />
interior da mansão. É possível escutar, na mata vizinha, o som<br />
do vento, das árvores balançando e o sibilar dos morcegos.<br />
O conteúdo textual <strong>de</strong> cada bloco correspon<strong>de</strong> a uma espécie <strong>de</strong> sinopse técnica específica<br />
daquela cena e, muitas vezes, é escrito aproveitando trechos do próprio argumento. Assim como<br />
acontece no argumento, a escaleta não apresenta especificações técnicas <strong>de</strong> linguagem e nem<br />
diálogos. Apesar disso, permite melhor visualização da história cena a cena, possibilitando eventuais<br />
ajustes na estrutura narrativa do episódio. Muitas vezes, é durante a escrita da escaleta que se<br />
percebe, por exemplo, que certa situação que inicialmente ocuparia três cenas po<strong>de</strong> ser contada<br />
em duas, ou mesmo, em uma única cena. Da mesma forma, certas ações po<strong>de</strong>m ser retiradas ou<br />
acrescentadas para facilitar a compreensão e enfatizar <strong>de</strong>terminados aspectos da história.<br />
Assim como a sinopse técnica ajuda na elaboração do argumento, a escaleta auxilia na<br />
escrita do roteiro. De uma maneira geral, todas as etapas previamente realizadas acabam<br />
208
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
por facilitar o processo <strong>de</strong> realização do roteiro. Ao se conhecer um universo narrativo, suas<br />
personagens e premissas, tem-se um ponto <strong>de</strong> partida sólido para se pensar nas situações que<br />
se apresentarão em cada episódio.<br />
Ao expandir o resumo <strong>de</strong> cada cena, o roteiro começa a ganhar corpo até ter finalizada<br />
sua primeira versão. O estilo <strong>de</strong> texto claro, direto e <strong>de</strong>scritivo - que apresenta cenários e<br />
ações centradas nas referências audiovisuais - é mantido, garantindo o pleno entendimento da<br />
história apresentada, sem o uso <strong>de</strong> recursos <strong>de</strong> caráter mais subjetivo.<br />
Um dos formatos mais utilizados para formatação <strong>de</strong> roteiro é conhecido como master scenes e<br />
apresenta as cenas em or<strong>de</strong>m cronológica, respeitando a sequência <strong>de</strong>senvolvida pelo autor. Cada<br />
cena se inicia com o cabeçalho, que é estruturado da mesma maneira apresentada anteriormente na<br />
escaleta. Cada mudança <strong>de</strong> cena é representada, portanto, pela mudança <strong>de</strong> cabeçalho.<br />
O conteúdo <strong>de</strong> cada cena, introduzida pelo cabeçalho, é constituída basicamente por três<br />
tipos <strong>de</strong> texto: <strong>de</strong>scrição, narração e diálogos. A <strong>de</strong>scrição é utilizada, como o próprio nome<br />
sugere, para apresentar os ambientes e objetos presentes em cada cena, sejam eles mais<br />
“realistas” ou cartunizados. A primeira aparição <strong>de</strong>stes ambientes e objetos costuma ser mais<br />
<strong>de</strong>talhada, permitindo melhor percepção da atmosfera <strong>de</strong>sejada e <strong>de</strong> seus elementos físicos<br />
constituintes. Determinados ambientes e objetos já apresentados em uma cena prévia não<br />
precisam ser novamente apresentados com seus mesmos <strong>de</strong>talhes em uma nova cena, exceto<br />
quando algo tenha se alterado neles.<br />
A narração por sua vez apresenta as ações que acontecem na cena, aquilo que se manifesta<br />
por meio <strong>de</strong> som e/ou imagem, sejam elas mais ou menos verossímeis. As ações são responsáveis<br />
pela progressão da história; o motor que coloca e mantém a trama em movimento. A fim <strong>de</strong><br />
evitar sua gratuida<strong>de</strong>, cada ação costuma ser pensada, ainda que <strong>de</strong> maneira breve e sucinta,<br />
em relação aos seus aspectos pregressos e progressos. No primeiro caso, é importante saber por<br />
que aquela ação está ocorrendo, isto é, o que motivou sua manifestação. Em alguns roteiros,<br />
ações parecem ser inseridas na trama muito mais para direcionar a história ou justificar<br />
escolhas do autor do que como <strong>de</strong>corrência direta da própria trama – o que po<strong>de</strong> causar uma<br />
quebra da cumplicida<strong>de</strong> estabelecida com o espectador.<br />
Em relação aos aspectos progressos <strong>de</strong> uma ação, é importante consi<strong>de</strong>rar, após sua realização,<br />
seus impactos e reações na própria história. Nesse sentido, as ações po<strong>de</strong>m ser classificadas em dois<br />
tipos: diretas ou indiretas. Ações diretas são aquelas que interferem mais claramente na história, isto<br />
é, cujas reações fazem a história tomar certo rumo que não tomariam <strong>de</strong> outra forma, normalmente<br />
representadas por algo que quebra uma rotina. As ações indiretas por sua vez não interferem<br />
diretamente no rumo da história, mas são importantes ferramentas para se explorar as entrelinhas<br />
ou subtextos <strong>de</strong> uma situação, sobretudo pelo acting da personagem.<br />
Por fim, os diálogos representam as falas que serão ditas pelas personagens. Em animação,<br />
diferentemente do live action, as falas costumam ser compostas por um número reduzido, cerca <strong>de</strong><br />
três, breves sentenças. A ausência <strong>de</strong> falas maiores das personagens po<strong>de</strong> ser explicada pelo fato da<br />
linguagem facial <strong>de</strong> uma personagem animada não ser tão expressiva quanto a <strong>de</strong> um ator humano.<br />
Pequenas nuances no rosto, seja ele humano ou não, exigem uma gran<strong>de</strong> varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> movimentos<br />
sutis, em uma área restrita, durante um curto intervalo <strong>de</strong> tempo – o que dificulta enormemente a<br />
209
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
técnica da animação. Por isso, quanto mais tempo se focar o rosto <strong>de</strong> uma personagem animada,<br />
mais o público perceberá a ausência <strong>de</strong>ssas pequenas nuances, uma vez que estamos acostumados a<br />
elas no contato cotidiano com outras pessoas.<br />
Além disso, muitos autores preferem mostrar ao invés <strong>de</strong> dizer, isto é, sempre que for<br />
possível, optar por passar uma mensagem sem o recurso da fala. De fato, o acting <strong>de</strong> uma<br />
personagem é um recurso suficientemente expressivo a ponto <strong>de</strong> dispensar diálogos. Prova<br />
disso é que po<strong>de</strong>mos observar uma gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> animações que abdicam ou usam<br />
muito pouco este elemento, muito mais frequentemente do que ocorre em live action. Em<br />
termos <strong>de</strong> séries <strong>de</strong> animação que usam esse expediente, po<strong>de</strong>mos citar “La Línea”, “The Red<br />
and The Blue”, “A Pantera Cor-<strong>de</strong>-Rosa” e “Pingu”, entre outras.<br />
Há casos, entretanto, em que os diálogos po<strong>de</strong>m ser não apenas necessários como a própria<br />
raison d´être <strong>de</strong> uma série. Trabalhar com diálogos costuma ser uma das partes mais difíceis<br />
<strong>de</strong> um roteiro, tanto que já existe em alguns lugares uma função conhecida por dialoguista, um<br />
profissional responsável justamente pelo uso apropriado das falas em um roteiro.<br />
Deve-se atentar para a coerência entre o tom da série e dos diálogos. Falas corriqueiras po<strong>de</strong>m<br />
soar estranhas em animações fantásticas e vice-versa. Por isso, sua criação <strong>de</strong>ve manter a mesma<br />
atenção dada às <strong>de</strong>mais partes <strong>de</strong> uma animação e possuir suas mesmas liberda<strong>de</strong>s criativas. Dessa<br />
maneira, o uso <strong>de</strong> indicações <strong>de</strong> estado <strong>de</strong> espírito, canto, rima, sobreposição e efeitos nas vozes<br />
po<strong>de</strong>m ser pensados como recursos expressivos <strong>de</strong> linguagem da própria série.<br />
Em animação, é comum os atores selecionados no casting gravarem as vozes das personagens<br />
ainda durante a pré-produção, e esse processo po<strong>de</strong> ser utilizado a favor da série. Atores e<br />
atrizes possuem conhecimentos e experiências acumulados que não <strong>de</strong>vem ser <strong>de</strong>sperdiçados,<br />
pelo contrário, <strong>de</strong>vem ser aproveitados ao máximo.<br />
A maneira como falamos não é igual à maneira como escrevemos, da mesma forma que<br />
a maneira pela qual escutamos não é igual à maneira como lemos. Isso significa que há uma<br />
tendência espontânea para que um diálogo escrito em um roteiro se aproxime muito mais da<br />
linguagem escrita do que da linguagem oral.<br />
Por isso, muitas vezes, mais importante do que seguir à risca a leitura dos diálogos em<br />
um roteiro é manter o seu sentido, ainda que isso signifique a mudança <strong>de</strong> algumas palavras.<br />
Atores e atrizes po<strong>de</strong>m ser estimulados a colaborar nas falas das personagens, melhorando sua<br />
compreensão ou enfatizando <strong>de</strong>terminados aspectos <strong>de</strong> sua interpretação. Respiração, pausas,<br />
vícios <strong>de</strong> linguagem, hesitações, ênfases e <strong>de</strong>mais nuances da fala po<strong>de</strong>m proporcionar ganhos<br />
significativos à animação e são normalmente indicadas no texto do roteiro por rubricas entre<br />
parênteses antes dos diálogos.<br />
Embora pouco frequente, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se gravar simultaneamente as vozes com<br />
dois ou mais atores em tempo real in loco no estúdio po<strong>de</strong> garantir maior entrosamento e<br />
continuida<strong>de</strong> dramática. Quando o ator contracena apenas com uma gravação prévia em<br />
áudio, sem a presença física <strong>de</strong> outros atores, ou quando, ainda pior, apenas lê suas linhas no<br />
roteiro, uma após a outra, muito se per<strong>de</strong> da expressivida<strong>de</strong> da fala da personagem.<br />
210
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Isso torna necessária uma direção <strong>de</strong> atores capaz <strong>de</strong> garantir a dramaticida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sejada para<br />
cada fala e a sensibilida<strong>de</strong> necessária para incorporar eventuais alterações ou improvisações<br />
realizadas pelos atores aos diálogos previamente escritos no roteiro. A <strong>de</strong>finição das falas<br />
finais é importante para a elaboração do animatic e também da folha <strong>de</strong> exposição (x-sheet),<br />
a partir da qual será feito o processo <strong>de</strong> sincronia labial da personagem. Nesse processo,<br />
sempre é levada em consi<strong>de</strong>ração a maneira como se fala, e não como se escreve, isto é,<br />
são consi<strong>de</strong>rados elementos como a prosódia e a pronúncia das palavras, não as pausas e<br />
os limites típicos da escrita. Por exemplo: em um roteiro, a oralização das palavras “luz e<br />
sombra”, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da varieda<strong>de</strong> dialetal da personagem, po<strong>de</strong> soar como “luzisombra”,<br />
dando continuida<strong>de</strong> ao movimento labial que no texto era representado graficamente por uma<br />
<strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong>, ou seja, três palavras transformaram-se em uma só.<br />
Além das falas, também é possível aproveitar a espontaneida<strong>de</strong> das próprias expressões, gestos e<br />
movimentações físicas dos atores para o acting das personagens na animação. Isso po<strong>de</strong> ser feito por<br />
meio do registro, com uma câmera <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o, da performance do ator durante a gravação do áudio,<br />
buscando transferir posteriormente tais movimentações à personagem animada.<br />
As <strong>de</strong>finições das cenas, suas <strong>de</strong>scrições, narrações e diálogos permitem a escrita do roteiro,<br />
que atualmente costuma ser feita em softwares específicos, proprietários ou gratuitos, que<br />
facilitam sua formatação, organização e modificações. Um dos programas bastante utilizados<br />
211
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
atualmente é o Celtx, que permite, além da escrita do roteiro, a criação <strong>de</strong> diversas anotações<br />
paralelas referentes aos mais diversos aspectos da pré-produção, como ficha <strong>de</strong> personagens,<br />
<strong>de</strong> objetos <strong>de</strong> cena, agenda, notas com comentários, entre outros. O Celtx possui ainda<br />
exemplos <strong>de</strong> roteiros formatados, comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> usuários on-line e possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> impressão<br />
do arquivo em formato pdf. O programa, organizado no mo<strong>de</strong>lo freemiun (programa gratuito<br />
com alguns recursos avançados pagos), possui interface fácil e intuitiva, contando ainda com<br />
tutorial e suporte on-line. Alguns outros programas existentes para formatação <strong>de</strong> roteiro são:<br />
Final Draft, Five Sprockets, Montage, Movie Magic Screenwriter e Page 2 Stage. A formatação<br />
final <strong>de</strong> um roteiro tem estrutura semelhante ao exemplo a seguir.<br />
5. INT. MANSÃO ABANDONADA. NOITE.<br />
FULANO caminha lentamente com o corpo encolhido, olhos<br />
arregalados, mãos trêmulas e respiração ofegante para<br />
<strong>de</strong>ntro da mansão abandonada. A construção em estilo<br />
gótico abriga alguns móveis cobertos com lençóis<br />
brancos empoeirados e teias <strong>de</strong> aranha. A luz da lua<br />
cheia atravessa as vidraças, que possuem alguns vidros<br />
quebrados, iluminando parcamente o interior da mansão. É<br />
possível escutar, na mata vizinha, o som do vento, das<br />
árvores balançando e o sibilar dos morcegos.<br />
FULANO<br />
Olá. (pausa) Alguém em casa?<br />
FULANO caminha mais cinco passos para <strong>de</strong>ntro da mansão,<br />
enquanto examina com a cabeça todos os cantos do interior<br />
da construção.<br />
(etc.)<br />
FULANO<br />
(gritando)<br />
Boa noite. Tem alguém aqui?<br />
Finalizada a escrita da primeira versão do roteiro, são feitos ajustes também conhecidos<br />
por tratamento. Na maioria dos casos, o primeiro tratamento é responsável por uma a<strong>de</strong>quação<br />
do roteiro à duração do episódio – normalmente <strong>de</strong> 11 minutos. Aqui são con<strong>de</strong>nsados alguns<br />
elementos e eliminados outros, dispensáveis à história. Os parâmetros principais para tais<br />
intervenções <strong>de</strong>vem ser baseados no conceito geral da série e na story line do episódio. Em<br />
média, um roteiro <strong>de</strong> episódio <strong>de</strong> série <strong>de</strong> animação <strong>de</strong> 11 minutos terá entre cerca <strong>de</strong> 16 e 22<br />
páginas formatadas – <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo do nível <strong>de</strong> <strong>de</strong>talhamento do texto.<br />
Ao final <strong>de</strong> cada tratamento, tem-se uma nova versão do roteiro, não havendo uma regra<br />
quanto ao número <strong>de</strong> versões necessárias até se chegar à última. Depois <strong>de</strong> ajustado o tamanho<br />
do roteiro, outros tipos <strong>de</strong> tratamento, <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m mais qualitativa, po<strong>de</strong>m ser realizados.<br />
Um <strong>de</strong>les, como vimos há pouco, é o tratamento dos diálogos, que além da a<strong>de</strong>quação à<br />
212
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
espontaneida<strong>de</strong> e à linguagem oral, também po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>senvolvido no sentido <strong>de</strong> manter<br />
certa verossimilhança da fala com um <strong>de</strong>terminado tipo <strong>de</strong> personagem. Um velho e sábio<br />
mestre, por exemplo, tem a fala e o vocabulário diferentes <strong>de</strong> um jovem e irresponsável<br />
aprendiz, <strong>de</strong> maneira que suas falas <strong>de</strong>vam se distinguir não apenas em termos <strong>de</strong> conteúdo,<br />
mas estilisticamente também.<br />
A forma pela qual é estruturada a lógica <strong>de</strong> um pensamento, formalizada por meio da<br />
fala, é um dos modos mais eficientes pelo qual o público tem acesso à personalida<strong>de</strong> e ao<br />
caráter <strong>de</strong> uma personagem. Da mesma forma, bordões po<strong>de</strong>m ser criados, funcionando como<br />
uma espécie <strong>de</strong> marca registrada <strong>de</strong> uma personagem. Nesse caso, o público saberá que<br />
<strong>de</strong>terminado bordão será usado por uma personagem e, portanto, a graça não está meramente<br />
na sua utilização, mas na situação que o leva a ser dito e na forma como isso é feito.<br />
Outros ajustes po<strong>de</strong>m ser feitos pelo chamado tratamento reverso, no qual se realiza a<br />
leitura do roteiro em sua or<strong>de</strong>m reversa (da cena final para a inicial). Dessa forma, é possível<br />
i<strong>de</strong>ntificar mais facilmente eventuais falhas na lógica da estrutura narrativa, sobretudo <strong>de</strong><br />
continuida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> gratuida<strong>de</strong> das ações, assim como trabalhar melhor aspectos como os<br />
bits <strong>de</strong> antecipação. Bit <strong>de</strong> antecipação é um elemento qualquer – fala, ação, objeto cênico<br />
etc. – que permite nova leitura após sua manifestação no roteiro. Po<strong>de</strong> ser, por exemplo,<br />
uma <strong>de</strong>terminada fala que, no momento em que foi dita por certa personagem, passou <strong>de</strong><br />
maneira <strong>de</strong>spercebida pelo público espectador e que posteriormente, ao final da trama, foi<br />
reinterpretada diferentemente a partir da amarração <strong>de</strong> alguns <strong>de</strong> seus elementos.<br />
Também é possível realizar um tratamento objetivando a inserção <strong>de</strong> alguns easter eggs,<br />
isto é, elementos diversos que dialogam com outros elementos ou aspectos apresentados<br />
em diferentes episódios da mesma série. Tais elementos funcionam como uma espécie <strong>de</strong><br />
gratificação para o espectador mais fiel, que acompanha a série regularmente, permitindo o<br />
estabelecimento <strong>de</strong> relações entre episódios e situações diversas. Todavia, os easter eggs não<br />
po<strong>de</strong>m se apresentar como elementos imprescindíveis para a compreensão <strong>de</strong> um episódio,<br />
funcionando muito mais como uma bonificação para o fã da série. Por exemplo, suponhamos<br />
que, em um episódio <strong>de</strong> um seriado, o prato principal servido no jantar do qual participa<br />
uma personagem seja exatamente lasanha, que a mesma personagem afirmou <strong>de</strong>testar num<br />
episódio anteriormente exibido.<br />
Quando consi<strong>de</strong>rado terminado, o i<strong>de</strong>al é que o roteiro seja “esquecido” por algum tempo<br />
para po<strong>de</strong>r passar por um último tratamento pelo roteirista. Esse “esquecimento” favorece<br />
maior distanciamento do autor, fazendo-o voltar com novo olhar sobre seu próprio roteiro. Ao<br />
mesmo tempo em que reconhece seu texto, esse afastamento proporciona ao roteirista ver seu<br />
próprio roteiro como outro, mais próximo, portanto, da visão que o público terá da obra.<br />
Findo este último tratamento, alguns roteiristas costumam, por fim, submeter seus roteiros a<br />
consultores especializados. O trabalho <strong>de</strong> consultoria consiste na leitura, seguida <strong>de</strong> um diagnóstico<br />
avaliativo do roteiro e <strong>de</strong> seus elementos atinentes, como personagens, universo e estrutura narrativa.<br />
São apontadas as potencialida<strong>de</strong>s do roteiro bem como seus pontos mais vulneráveis e sugestões <strong>de</strong><br />
melhorias. O retorno da consultoria costuma ser feito por meio <strong>de</strong> anotações e <strong>de</strong> uma reunião em<br />
tempo real (presencial ou on-line) com o roteirista. Depen<strong>de</strong>ndo do que for acertado entre as partes,<br />
o próprio consultor contratado po<strong>de</strong> realizar um tratamento final do roteiro.<br />
213
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Não é possível esquecer, no entanto, que estamos tratando <strong>de</strong> um roteiro <strong>de</strong> série <strong>de</strong><br />
animação e que, portanto, este possui especificida<strong>de</strong>s próprias do meio. A boa notícia é que as<br />
restrições, no que se refere aos recursos imaginativos, são mínimas neste tipo <strong>de</strong> roteiro. Por<br />
outro lado, aspectos do acting que po<strong>de</strong>riam ser corriqueiros em live action, como expressões<br />
faciais muito elaboradas, po<strong>de</strong>m dificultar a vida do animador. É importante levar isso em<br />
consi<strong>de</strong>ração durante a criação do roteiro.<br />
Não se <strong>de</strong>ve restringir o universo ficcional <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> animação ao realismo, já que<br />
a animação proporciona gran<strong>de</strong> flexibilida<strong>de</strong> em relação à inclusão <strong>de</strong> elementos oníricos ou<br />
fantásticos na sua história, criando novas realida<strong>de</strong>s verossímeis ou então proporcionando<br />
novas abordagens a referências previamente existentes. Não estamos aqui afirmando que toda<br />
animação precisa se passar em universos <strong>de</strong> fantasia ou ficção científica. Mas, sim, que é<br />
sempre bom lembrar-se <strong>de</strong> suas potencialida<strong>de</strong>s peculiares em relação aos filmes em live<br />
action. A título <strong>de</strong> exemplo, uma personagem que fica “roxa <strong>de</strong> raiva” quando é contrariada,<br />
em uma animação, po<strong>de</strong> apresentar isso literalmente <strong>de</strong> forma esteticamente muito mais<br />
convincente do que quando se está trabalhando com atores reais.<br />
Em segundo lugar, o roteirista é um dos primeiros profissionais envolvidos na ca<strong>de</strong>ia<br />
<strong>de</strong> produção <strong>de</strong> uma animação. Por isso, é fundamental enten<strong>de</strong>r o que acontecerá com o<br />
roteiro <strong>de</strong>pois que for escrito, isto é, conhecer o “proscênio” da animação. Neste sentido,<br />
é importante saber que projetos normalmente envolvem três dimensões inter-relacionadas,<br />
para as quais o roteirista <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> animação <strong>de</strong>ve sempre atentar: tempo, escopo e<br />
recursos (humanos e financeiros). Essas dimensões são inter-relacionadas, conforme veremos<br />
mais adiante, pois uma po<strong>de</strong> influenciar diretamente a outra.<br />
A primeira <strong>de</strong>ssas dimensões, o tempo é, muitas vezes, um fator limitador da produção.<br />
Enquanto um longa-metragem <strong>de</strong> animação leva cerca <strong>de</strong> três anos para produzir pouco mais<br />
<strong>de</strong> uma hora <strong>de</strong> animação, uma série po<strong>de</strong> chegar a produzir, no mesmo período, até cinquenta<br />
vezes mais tempo <strong>de</strong> animação. Isso significa que o processo todo <strong>de</strong>ve ser otimizado o máximo<br />
possível, incluindo o roteiro. Em alguns casos, cria-se uma ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> maneira<br />
que, quando um episódio começa a ser finalizado, um segundo começa a ser animado e um<br />
terceiro começa ser escrito – e assim sucessivamente. Em outros casos, todos os roteiros <strong>de</strong><br />
uma temporada são escritos juntos, quase que simultaneamente, antes daquela temporada<br />
começar a ser animada.<br />
Ainda em relação ao cronograma, na maioria dos casos, projetos <strong>de</strong> séries <strong>de</strong> animação são<br />
elaborados com o tempo que for preciso para que se atinja a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sejada, uma vez que<br />
não existem <strong>de</strong>ad lines específicos. Quanto melhor estiver o projeto, maiores são as chances<br />
<strong>de</strong> viabilizar sua produção, por isso, todo e qualquer esforço e ajuste no projeto <strong>de</strong> criação<br />
costuma ser bem-vindo. O mesmo ocorre, sem dúvidas, com o roteiro <strong>de</strong> um episódio piloto.<br />
De qualquer forma, os roteiros <strong>de</strong> todos os episódios <strong>de</strong> uma temporada <strong>de</strong> série só<br />
costumam ser escritos após a efetiva confirmação <strong>de</strong> sua realização. Isso significa que, mesmo<br />
partindo <strong>de</strong> sinopses técnicas prontas, o prazo para o <strong>de</strong>senvolvimento do roteiro dos episódios<br />
regulares será provavelmente menor do que aquele <strong>de</strong>stinado à elaboração do piloto. Por outro<br />
lado, quanto maior o envolvimento com uma série e mais frequente se tornar a prática <strong>de</strong> sua<br />
escrita, maior será a intimida<strong>de</strong> do roteirista e sua facilida<strong>de</strong> em <strong>de</strong>senvolver os episódios.<br />
214
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
O escopo do projeto revela seu alcance: uma série po<strong>de</strong> ser exibida em âmbito local,<br />
regional ou global, variando normalmente os recursos envolvidos em suas produções. Na esfera<br />
comercial, a questão do escopo diz respeito ao custo-benefício: projetos <strong>de</strong> menor alcance<br />
dificilmente contam com o mesmo aporte oferecido para séries <strong>de</strong> maior alcance, uma vez que<br />
objetivam retornos compatíveis com seus investimentos.<br />
Os recursos <strong>de</strong> um projeto dizem respeito a dois aspectos; o primeiro <strong>de</strong>les os recursos humanos<br />
envolvidos, isto é, as capacida<strong>de</strong>s e as características da equipe. Nesse sentido, <strong>de</strong>ve-se ter clareza<br />
quanto à técnica e ao estilo da animação, assim como em relação às referências visuais do processo<br />
criativo para melhor aproveitamento <strong>de</strong>stas características <strong>de</strong>ntro da estrutura narrativa da série.<br />
O segundo aspecto é o orçamento efetivo da série que, obviamente, po<strong>de</strong> variar bastante: séries<br />
com gran<strong>de</strong>s verbas possuem maior estrutura, mas possuem suas próprias dificulda<strong>de</strong>s, diferentes<br />
daquelas que contam com verbas mais restritas.<br />
O roteirista é responsável por escrever roteiros que <strong>de</strong>verão ser efetivamente realizados,<br />
por isso, é preciso pon<strong>de</strong>rar sobre as <strong>de</strong>mandas que serão necessárias. Por exemplo: se o<br />
roteiro envolve muitas cenas com multidão em movimento ou coisas trabalhosas que só vão<br />
aparecer uma única e breve vez na tela, a tendência é que se precise <strong>de</strong> mais tempo e recursos<br />
para sua realização. Da mesma forma, se estiver fazendo um roteiro para uma animação em<br />
stop-motion, não se po<strong>de</strong> esquecer <strong>de</strong> que esse tipo <strong>de</strong> animação é relativamente menos fluida<br />
do que uma em 2D. Nesse sentido, as ações para um boneco em massa <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lar talvez não<br />
possam ser as mesmas que se elaboraria para uma personagem <strong>de</strong>senhada.<br />
Se por um lado é preciso consi<strong>de</strong>rar eventuais limitações, por outro, é preciso consi<strong>de</strong>rar<br />
<strong>de</strong> maneira criativa as potencialida<strong>de</strong>s envolvidas no projeto para po<strong>de</strong>r se tirar o máximo<br />
proveito do roteiro - o i<strong>de</strong>al é que haja uma indissociabilida<strong>de</strong> entre a forma e o conteúdo da<br />
série. Em “Beavis and Butt-Head”, por exemplo, o traço irregular, visual “sujo” e a animação<br />
simples estabelecem esta relação <strong>de</strong> indissociabilida<strong>de</strong> ao criar um diálogo direto com o<br />
universo narrativo da série e sua abordagem temática.<br />
Em terceiro lugar, o roteiro <strong>de</strong> animação normalmente dá mais <strong>de</strong>staque aos aspectos<br />
visuais do que um roteiro em live action. Quando consi<strong>de</strong>ramos os seriados televisivos, então,<br />
po<strong>de</strong>mos afirmar que são praticamente baseados nas falas das personagens e em seu gestual,<br />
muitas vezes se passando em locações fixas. Já uma série <strong>de</strong> animação po<strong>de</strong> ter uma gran<strong>de</strong><br />
varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> cenários e até mesmo universos. Po<strong>de</strong>mos contrastar, por exemplo, “Friends”<br />
(que normalmente mostra as personagens em seus apartamentos, ou em um bar) com “Bob<br />
Esponja Calça Quadrada” (que já mostrou diversos lugares da Fenda do Biquíni, como um<br />
presídio, uma região distante na qual a protagonista <strong>de</strong>verá fazer uma entrega, a praia, o Siri<br />
Cascudo, uma sala <strong>de</strong> aula, as casas <strong>de</strong> cada personagem, etc.).<br />
Além disso, também é possível neste caso transformar visualmente suas personagens <strong>de</strong><br />
forma radical, caso consi<strong>de</strong>re isso necessário. Voltando ao exemplo <strong>de</strong> “Bob Esponja Calça<br />
Quadrada”, há um episódio em que - <strong>de</strong>safiados por Sandy - Bob, Lula Molusco, Patrick e<br />
o Sr. Siriqueijo resolvem se aventurar em terra firme. Chegando lá, há uma gravação em<br />
live action <strong>de</strong> todos eles como “bonecos” ou objetos (Bob é representado por uma esponja<br />
<strong>de</strong> cozinha, Patrick, por uma estrela-do-mar seca etc.). Na mesma série, Bob, por vezes,<br />
também é animado com características diversas, literalmente <strong>de</strong>rretendo-se <strong>de</strong> tanto chorar,<br />
215
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
ou explodindo em músculos <strong>de</strong> tanto levantar pesos. Isso seria difícil <strong>de</strong> conseguir em uma<br />
série em live action já que, nesse caso, o roteirista teria que contar com um trabalho <strong>de</strong> ator<br />
extremamente físico ou com efeitos especiais, mas em ambos, o efeito inverossímil seria<br />
muito maior do que em uma série <strong>de</strong> animação.<br />
Po<strong>de</strong>mos afirmar que a animação, seja qual for seu gênero, suporte ou propósito, é uma<br />
manifestação artística que busca a verda<strong>de</strong> nas formas extremas da artificialida<strong>de</strong>. Por conta<br />
disso, consegue <strong>de</strong>senvolver certas situações sui generis e provocar <strong>de</strong>terminadas reações no<br />
público que dificilmente seriam conseguidas <strong>de</strong> outra forma. É como se o fato <strong>de</strong> aparentemente<br />
não se posicionar próxima àquilo que as pessoas enten<strong>de</strong>m por realida<strong>de</strong> permitisse à animação<br />
abordar as mais diversas questões <strong>de</strong> maneira “inofensiva” e “<strong>de</strong>spretensiosa”. Com a “guarda<br />
baixa”, o público favorece a receptivida<strong>de</strong> da animação e uma maior abertura na recepção e<br />
<strong>de</strong>codificação <strong>de</strong> sua mensagem.<br />
Muitas personagens animadas po<strong>de</strong>m fazer e dizer coisas que não seriam aceitas, às vezes sequer<br />
imaginadas, por personagens humanas reais. A alegoria é, sem dúvida, um recurso po<strong>de</strong>roso não<br />
apenas na animação – conforme <strong>de</strong>notam a durabilida<strong>de</strong> e a universalida<strong>de</strong> das “Fábulas <strong>de</strong> Esopo”,<br />
por exemplo. Esta maneira própria que a animação tem <strong>de</strong> dizer algo sobre a natureza humana,<br />
sejam questões existenciais ou supérfluas, é um <strong>de</strong> seus gran<strong>de</strong> trunfos. A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se chegar<br />
a novos e <strong>de</strong>sconhecidos lugares ou <strong>de</strong> se mudar a maneira <strong>de</strong> enxergar algo ultrapassa o <strong>de</strong>sígnio<br />
primário da animação <strong>de</strong> “dar vida a algo ou alguma coisa”. A animação <strong>de</strong>ve, portanto, acrescentar<br />
algo intrínseco à própria narrativa, <strong>de</strong> uma forma que o live action não possa fazer, e essa questão<br />
<strong>de</strong>ve estar clara para o autor o quanto antes no processo <strong>de</strong> elaboração do projeto.<br />
Em quarto lugar, <strong>de</strong>rivado dos itens anteriores: a série <strong>de</strong> animação costuma ser visualmente<br />
mais estimulante do que as séries em live action. A paleta <strong>de</strong> cores, as características físicas<br />
e psicológicas das personagens, os cenários – tudo em uma animação po<strong>de</strong> ser criado <strong>de</strong> novas<br />
e variadas formas, sem dialogar proximamente com aquilo que se consi<strong>de</strong>ra ser a realida<strong>de</strong><br />
imediata. Quando trabalhamos com atores ou com locações reais, ainda que contando com<br />
efeitos especiais (mecânicos, ópticos ou <strong>de</strong> pós-produção) e com maquiagem, haverá sempre<br />
referências claras <strong>de</strong> comparação para o espectador. Assim, a Londres <strong>de</strong> Harry Potter, mesmo<br />
transfigurada, faz com que o público compare o cenário mostrado no filme com as imagens<br />
da cida<strong>de</strong> inglesa que têm registradas em sua mente; e Cameron Diaz, quando escalada para<br />
um papel, po<strong>de</strong> suscitar para o espectador, mesmo involuntariamente, a imagem que ele tem<br />
<strong>de</strong>ssa atriz, baseando-se nos papeis que ela já incorporou anteriormente.<br />
Com a animação, po<strong>de</strong>mos estimular a percepção e a imaginação daqueles que a criam e<br />
que a assistem <strong>de</strong> forma muito mais livre do que nas outras formas <strong>de</strong> produção audiovisual,<br />
contanto que não cedamos à acomodação e à reprodução <strong>de</strong> coisas já vistas e testadas. É<br />
preciso lembrar que, em uma série <strong>de</strong> animação, fazer uma mulher dar banho em seu cachorro<br />
po<strong>de</strong> exigir tantas horas <strong>de</strong> trabalho do animador quantas seriam necessárias para fazer um<br />
alienígena banhar uma morsa intergaláctica. Ou seja, em termos <strong>de</strong> complexida<strong>de</strong> para sua<br />
realização, ambas as situações são hipoteticamente equivalentes numa série animada.<br />
Por conta da importância e do gran<strong>de</strong> nível <strong>de</strong> <strong>de</strong>talhamento em que as ações e ambientes<br />
são apresentados, o tamanho médio <strong>de</strong> um roteiro para animação po<strong>de</strong> ser até duas vezes<br />
maior do que um em live-action. Se em um roteiro com ações gravadas (ou filmadas) ao vivo<br />
216
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
com atores reais costuma-se ter uma média <strong>de</strong> um minuto por página <strong>de</strong> roteiro, em animação<br />
essa média po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> uma página e meia ou duas por minuto <strong>de</strong> roteiro animado.<br />
Claro que projetos diferentes possuem <strong>de</strong>mandas e dinâmicas <strong>de</strong> produção diferentes. Em<br />
<strong>de</strong>terminadas produções, a autoria po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>scaracterizada por censuras ou intervenções<br />
excessivas <strong>de</strong> produtores e executivos nos processos criativos – normalmente, com o objetivo<br />
<strong>de</strong> tornar a série mais “palatável” e aumentar sua audiência. Em outros casos, a marca autoral<br />
po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada um fator distintivo fundamental e, então, é dada plena liberda<strong>de</strong> criativa<br />
ao autor. Infelizmente, não há como antecipar qual será o caso <strong>de</strong> cada projeto e as <strong>de</strong>cisões<br />
a serem tomadas em relação a isso <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> fatores, que cada autor <strong>de</strong>ve<br />
consi<strong>de</strong>rar.<br />
Da mesma forma, a metodologia <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> um projeto <strong>de</strong> série <strong>de</strong> animação po<strong>de</strong><br />
sofrer alterações <strong>de</strong> acordo com cada projeto. Certos autores talvez prefiram criar primeiro<br />
personagens para, <strong>de</strong>pois, pensar no universo narrativo, enquanto outros fazem exatamente o<br />
contrário. Outros, ainda, po<strong>de</strong>m pensar primeiro em uma história para, <strong>de</strong>pois, <strong>de</strong>finir todo o<br />
resto, ou mesmo, utilizar outros métodos <strong>de</strong> criação. Em qualquer dos casos, é importante que<br />
haja sempre liberda<strong>de</strong> criativa e serieda<strong>de</strong> profissional.<br />
Em “Os Simpsons”, por exemplo, há uma imersão anual, na qual uma equipe rotativa <strong>de</strong> 16<br />
roteiristas se reúne para fechar todos os roteiros <strong>de</strong> uma temporada. A dinâmica consiste na<br />
seleção das melhores sinopses técnicas escritas entre eles, a partir das quais serão realizadas as<br />
primeiras versões <strong>de</strong> roteiros e os tratamentos <strong>de</strong> roteiro dos episódios <strong>de</strong> toda a temporada.<br />
Já em outras séries, como “Bob Esponja Calça Quadrada”, a estrutura narrativa passou, a<br />
partir da experiência acumulada da equipe na série, a ser <strong>de</strong>finida diretamente no storyboard.<br />
Desta maneira, não há a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se passar por um roteiro escrito, o que proporciona<br />
economia <strong>de</strong> tempo e um tipo <strong>de</strong> raciocínio audiovisual específico, no qual o pensamento e as<br />
i<strong>de</strong>ias são transmitidos diretamente por meio <strong>de</strong> sons e imagens, sem passar necessariamente<br />
por palavras em uma folha <strong>de</strong> papel ou tela <strong>de</strong> computador.<br />
No próximo capítulo, veremos exatamente como o storyboard <strong>de</strong>senvolve uma primeira<br />
<strong>de</strong>cupagem do roteiro em termos <strong>de</strong> sons e imagens. A partir <strong>de</strong>ssa nova etapa, é possível ter<br />
uma noção mais completa da integração entre forma e conteúdo <strong>de</strong> uma série, bem como<br />
<strong>de</strong>finir e aperfeiçoar aspectos técnicos como ritmo, ângulos, plano e movimentação <strong>de</strong> câmera,<br />
rumo ao início do processo <strong>de</strong> animação em si.<br />
217
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
3.8 storyboard<br />
3.8 Storyboard<br />
A origem do storyboard remete a meados da primeira década do século XX, quando<br />
Gregory LaCava <strong>de</strong>senvolveu uma série <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhos em miniatura (thumbnails), dispostos<br />
sequêncialmente como uma gran<strong>de</strong> tira em quadrinhos, para a pré-produção das animações<br />
que dirigia para a Hearst´s International Film Service Studios. Neste primeiro mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />
storyboard, LaCava marcava as cenas cortadas, anotava a duração aproximada <strong>de</strong> cada plano<br />
e organizava a sequência correta dos planos da animação – muitas vezes recortando e colando<br />
diretamente os <strong>de</strong>senhos miniaturizados em uma nova folha <strong>de</strong> papel. Apesar <strong>de</strong> não haver<br />
qualquer registro ou evidência, acredita-se que LaCava tenha <strong>de</strong>scoberto essa técnica alguns<br />
anos antes no Raoul Barre Studio, on<strong>de</strong> havia sido treinado. Também é possível especular<br />
sobre uma provável influência das tiras <strong>de</strong> quadrinhos, que começaram a ser publicadas em<br />
praticamente todos os jornais da época.<br />
No final da década <strong>de</strong> 20, Webb Smith, animador dos Estúdios Walt Disney, aperfeiçoou a<br />
técnica original <strong>de</strong> LaCava e utilizou esboços visuais narrativos em trechos <strong>de</strong> alguns curtas do<br />
estúdio, como “Plane Crazy” e “Steamboat Willie”. O advento do som nos filmes <strong>de</strong> animação<br />
tornou os processos técnicos e criativos <strong>de</strong> produção mais complexos, uma vez que era preciso<br />
pensar não apenas na dinâmica visual da história, mas também em sua sincronização com os<br />
elementos da linguagem sonora e musical.<br />
No início da década seguinte, Smith sugeriu aumentar o tamanho <strong>de</strong> cada quadro<br />
<strong>de</strong>senhado, utilizando uma folha <strong>de</strong> papel para cada <strong>de</strong>senho realizado, ao invés <strong>de</strong> diversos<br />
<strong>de</strong>senhos miniaturizados em forma <strong>de</strong> tirinha. Smith também sugeriu pendurar cada <strong>de</strong>senho<br />
sequêncialmente em gran<strong>de</strong>s painéis <strong>de</strong> cortiça, nos quais se tornaria mais simples adicionar<br />
ou remover as folhas com os <strong>de</strong>senhos. Também permitiria <strong>de</strong>ssa maneira que os artistas <strong>de</strong><br />
storyboard pu<strong>de</strong>ssem acompanhar o fluxo visual <strong>de</strong> toda uma sequência <strong>de</strong> uma só vez, em<br />
escala maior <strong>de</strong> tamanho, um pouco mais próxima a <strong>de</strong> uma tela <strong>de</strong> aparelho <strong>de</strong> televisão.<br />
O aperfeiçoamento do storyboard promovido por Smith foi fundamental para a realização <strong>de</strong><br />
“Branca <strong>de</strong> Neve e os Sete Anões” (1937), o primeiro longa-metragem em animação produzido<br />
218
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
pelos Estúdios Disney. Em pouco tempo, os estúdios <strong>de</strong> animação passaram a utilizar o<br />
storyboard em todas as suas produções e, a partir do final da década <strong>de</strong> 20, já havia menções<br />
<strong>de</strong> artistas <strong>de</strong> storyboard nos créditos das animações.<br />
Com o passar do tempo, novas colaborações foram feitas ao uso do storyboard, como a<br />
metodologia adotada pela Warner Bros., na qual uma primeira versão mais rascunhada era<br />
previamente aprovada pelo diretor antes <strong>de</strong> ser finalizada em uma versão <strong>de</strong> trabalho. Os<br />
diálogos eram adicionados posteriormente, <strong>de</strong> maneira que a ação sempre pu<strong>de</strong>sse conduzir<br />
as falas, e não o contrário.<br />
Durante a chamada Era <strong>de</strong> Ouro dos <strong>de</strong>senhos animados norte-americanos, muitos estúdios<br />
passaram a trabalhar a narrativa diretamente em seus storyboards, sem passar previamente<br />
pelo roteiro. Além <strong>de</strong> economizar tempo e dinheiro, tratava-se <strong>de</strong> uma questão <strong>de</strong> pensar<br />
diretamente em termos <strong>de</strong> sons e imagens – o que po<strong>de</strong> ser bastante útil em situações <strong>de</strong> maior<br />
apelo visual, como acontece em muitas gags, por exemplo. Atualmente, como vimos no final<br />
do capítulo anterior, há séries que trabalham das duas maneiras: com e sem a elaboração <strong>de</strong><br />
um roteiro prévio.<br />
O storyboard po<strong>de</strong> ser entendido, portanto, como a representação visual da narrativa,<br />
exibindo uma sucessão <strong>de</strong> imagens, <strong>de</strong> modo a proporcionar uma pré-visualização da animação.<br />
Sua criação é resultado <strong>de</strong> um processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>cupagem do roteiro e permite visualizar melhor<br />
a história por meio <strong>de</strong> uma perspectiva ilustrada sequêncial e não apenas por meio <strong>de</strong> palavras<br />
escritas, como acontece no roteiro. Neste caso, vale o ditado popular: “uma imagem vale mais<br />
do que mil palavras”.<br />
Da mesma forma que um argumento não é igual a um conto, o storyboard não <strong>de</strong>ve ser<br />
entendido como sinônimo <strong>de</strong> HQ, nem vice-versa. Apesar <strong>de</strong> possuir algumas semelhanças com<br />
a história em quadrinhos e <strong>de</strong> provavelmente ter sido influenciado por esta, o storyboard <strong>de</strong>ve<br />
ser entendido como um processo próprio e distinto, que foi sendo aperfeiçoado com o passar<br />
do tempo. Atualmente, a criação e o uso <strong>de</strong> storyboards na produção <strong>de</strong> uma animação são<br />
consi<strong>de</strong>rados indispensáveis.<br />
A utilização do storyboard durante a pré-produção <strong>de</strong> uma animação possui algumas funções<br />
e objetivos primordiais. Em primeiro lugar, permite uma <strong>de</strong>finição estética da linguagem da<br />
animação, com a composição dos planos por meio da escolha <strong>de</strong> enquadramentos, movimentos<br />
<strong>de</strong> câmera, efeitos, trilha sonora, movimentação <strong>de</strong> personagens etc. Destarte, a forma <strong>de</strong>ve<br />
trabalhar a favor do conteúdo, valorizando sempre suas necessida<strong>de</strong>s dramáticas. Em uma<br />
sequência <strong>de</strong> um episódio cujo sentido seja enfatizar a superiorida<strong>de</strong> ou grandiosida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>terminada personagem, por exemplo, o uso <strong>de</strong> uma câmera baixa (que mostra a personagem<br />
em uma angulação <strong>de</strong> baixo para cima) po<strong>de</strong> passar muito melhor essa i<strong>de</strong>ia do que o uso <strong>de</strong><br />
uma câmera plana – cujo sentido normalmente remete à noção <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong>.<br />
Permite, portanto, testar algumas funcionalida<strong>de</strong>s da narrativa, como a continuida<strong>de</strong>, o<br />
acting das personagens e o timing das ações, por exemplo. A <strong>de</strong>cupagem da história em uma<br />
sequência <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhos <strong>de</strong>ve atentar não apenas para a clareza da mensagem, mas também<br />
à intencionalida<strong>de</strong> e aos sentidos por trás <strong>de</strong> cada plano, <strong>de</strong> maneira a não estimular uma<br />
eventual gratuida<strong>de</strong> das ações e a enfatizar aquilo que efetivamente for <strong>de</strong>sejado pelo autor.<br />
219
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
O storyboard serve ainda como importante ferramenta <strong>de</strong> comunicação do diretor com<br />
a equipe <strong>de</strong> produção. Devemos consi<strong>de</strong>rar que uma série <strong>de</strong> animação costuma envolver<br />
um número elevado <strong>de</strong> profissionais com as mais diferentes especializações e que uma<br />
comunicação eficiente é fundamental para o sucesso do trabalho em equipe. Por isso, os<br />
storyboards costumam ficar fixados em uma sala comum para que todos tenham fácil acesso<br />
ao mesmo material.<br />
220
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Um mapa <strong>de</strong> cena, ou planta baixa da locação, po<strong>de</strong> facilitar o entendimento<br />
da movimentação das personagens e posicionamento das câmeras para composição dos planos,<br />
diminuindo a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> erros <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> eixo <strong>de</strong> ação e outras regras do audiovisual<br />
221
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Por ser <strong>de</strong>senhado e, <strong>de</strong> certa maneira, se aproximar mais da animação do que do roteiro<br />
escrito, o storyboard possibilita um melhor dimensionamento do projeto da série, consi<strong>de</strong>rando<br />
seus problemas e <strong>de</strong>safios. Dessa maneira, acaba facilitando a busca por soluções práticas e<br />
inventivas que po<strong>de</strong>rão ser incorporadas à animação. Por exemplo: a partir uma cena que<br />
envolvesse uma multidão em movimento, o artista <strong>de</strong> storyboard, a partir da necessida<strong>de</strong><br />
efetiva <strong>de</strong> realizar essa cena, po<strong>de</strong>ria pensar em diferentes formas <strong>de</strong> viabilizá-la. Assim, a<br />
multidão po<strong>de</strong>ria ser representada <strong>de</strong> maneira <strong>de</strong>sfocada, por meio <strong>de</strong> um borrão disforme ou<br />
ainda simplesmente por meio <strong>de</strong> sons ao fundo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que essas propostas dialogassem com o<br />
próprio conceito da série.<br />
Um artista <strong>de</strong> storyboard <strong>de</strong>ve, assim, pensar sempre em termos da estruturação narrativa do<br />
episódio (contar a história), da intencionalida<strong>de</strong> ou objetivo das ações <strong>de</strong> acordo com os conceitos e<br />
premissas da série (não gratuida<strong>de</strong>) e da articulação forma-conteúdo a fim <strong>de</strong> se explorar o máximo<br />
possível os recursos disponíveis (linguagem e estética). Para tanto, <strong>de</strong>ve também obe<strong>de</strong>cer a<br />
<strong>de</strong>terminadas regras caras ao audiovisual, como a continuida<strong>de</strong>, por exemplo.<br />
Para que o artista <strong>de</strong> storyboard possa <strong>de</strong>senvolver ao máximo as potencialida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ssa<br />
etapa, é fundamental que conheça e domine questões diversas, como composição <strong>de</strong> imagem,<br />
enquadramento, movimentos <strong>de</strong> câmera, acting (poses, gestos e expressões), timing,<br />
paisagem sonora e linguagem musical. Por possuir essa experiência, muitas vezes, animadores<br />
são escolhidos para realizar storyboards ao invés <strong>de</strong> ilustradores que, apesar do domínio da<br />
técnica do <strong>de</strong>senho, não possuem necessariamente igual domínio em relação ao movimento e<br />
às especificida<strong>de</strong>s da linguagem audiovisual.<br />
Antes <strong>de</strong> qualquer coisa, a realização <strong>de</strong> um storyboard <strong>de</strong>ve obe<strong>de</strong>cer a uma regra básica:<br />
é preciso que ele possa ser entendido da mesma forma por diferentes pessoas. Não <strong>de</strong>ve existir<br />
qualquer equívoco sobre o quê, como e on<strong>de</strong> está se <strong>de</strong>senvolvendo a história. Ao se olhar para<br />
um <strong>de</strong>senho, não <strong>de</strong>ve haver dúvida que se trata <strong>de</strong> uma representação da protagonista da<br />
série realizando <strong>de</strong>terminada ação em certo ambiente, e não <strong>de</strong> outras coisas quaisquer.<br />
Atualmente, os storyboards costumam ser realizados <strong>de</strong> duas maneiras: tradigital e<br />
digital, variando em função do costume e da afinida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada artista. Na primeira maneira,<br />
o <strong>de</strong>senho é feito <strong>de</strong> maneira analógica em uma folha <strong>de</strong> papel, inicialmente com lápis azul<br />
não reprográfico e finalizado com caneta ou lápis <strong>de</strong> cor preta. Em seguida, o <strong>de</strong>senho é<br />
digitalizado por meio <strong>de</strong> um scanner. Na maioria dos casos, uma resolução entre 150 e 300<br />
dpis é suficiente, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo do tamanho e do nível <strong>de</strong> <strong>de</strong>talhes da imagem. Uma dica nesse<br />
processo é escanear os <strong>de</strong>senhos finais em modo colorido, aumentar o contraste e só <strong>de</strong>pois<br />
converter para escala <strong>de</strong> cinza (grayscale). Uma vez digitalizado, po<strong>de</strong>-se posteriormente<br />
ajustar alguns dos elementos do <strong>de</strong>senho, como a saturação, por exemplo, em um software <strong>de</strong><br />
tratamento e manipulação <strong>de</strong> imagem.<br />
O método digital, por sua vez, consiste no <strong>de</strong>senho realizado diretamente em um suporte<br />
digital, como as tablets e Cintiqs, que dispensam o processo <strong>de</strong> escaneamento da imagem. Por<br />
ser originalmente digital, a imagem costuma passar pelos processos <strong>de</strong> ajustes e <strong>de</strong>talhamento<br />
durante seu próprio <strong>de</strong>senho. Boa parte dos animadores que começou a animar <strong>de</strong> maneira<br />
analógica prefere utilizar o primeiro método, enquanto o segundo, mais rápido, é preferido por<br />
animadores nativo-digitais. Cada <strong>de</strong>senho finalizado <strong>de</strong>ve ser salvo em um único arquivo digital<br />
222
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
e nomeado com o padrão “nomedoarquivo_0001”. A numeração no final do nome do arquivo<br />
<strong>de</strong>ve ser respeitada <strong>de</strong> acordo com a própria or<strong>de</strong>m dos planos da animação, <strong>de</strong> maneira que,<br />
ao final do trabalho, todos os <strong>de</strong>senhos realizados possam ser or<strong>de</strong>nados na sequência correta<br />
do próprio storyboard.<br />
In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do método utilizado (tradigital ou digital), recomenda-se que cada<br />
<strong>de</strong>senho seja feito em uma folha inteira, em uma moldura <strong>de</strong> proporção 16:9 (1,78:1). Esta<br />
proporção correspon<strong>de</strong> ao aspect ratio dos atuais aparelhos <strong>de</strong> televisão <strong>de</strong> alta <strong>de</strong>finição<br />
(HDTV), mais retangular que a dos antigos monitores, <strong>de</strong> 4:3 (1,33:1) e mais próxima à<br />
proporção <strong>de</strong> boa parte das telas <strong>de</strong> cinema (1,85:1). Apesar do guia <strong>de</strong> campo (field gui<strong>de</strong>)<br />
ser utilizado apenas na produção da animação em si, é importante que os quadros <strong>de</strong>senhados<br />
no storyboard possuam, para melhor composição dos planos, proporção semelhante àquela<br />
que terão posteriormente na tela.<br />
Em relação ao acabamento e sua utilização, os storyboards po<strong>de</strong>m ser divididos em três<br />
categorias: rascunho, trabalho e apresentação. Storyboards <strong>de</strong> rascunho são realizados em<br />
forma <strong>de</strong> thumbnails, <strong>de</strong> forma rápida, com <strong>de</strong>senhos com menos <strong>de</strong>talhes e menor acabamento.<br />
Em alguns casos, inclusive, são esboçados nas margens das páginas <strong>de</strong> um roteiro impresso,<br />
em papéis <strong>de</strong> rascunho para rápido registro <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ia ou em folhas com diagramação livre,<br />
geralmente acompanhadas <strong>de</strong> rabiscos, anotações e observações feitas à mão.<br />
O storyboard <strong>de</strong> trabalho correspon<strong>de</strong> à versão utilizada no cotidiano do estúdio e<br />
apresenta mais <strong>de</strong>talhes e informações que a versão <strong>de</strong> rascunho. Por isso mesmo, costuma<br />
sofrer diversas alterações, normalmente sugeridas pelo diretor, até o início do processo da<br />
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Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
animação em si. Uma versão portátil do storyboard costuma ser feita, na qual cada folha<br />
<strong>de</strong>senhada é reduzida e normalmente disposta ao lado ou abaixo <strong>de</strong> outras duas em uma<br />
mesma página. Dessa maneira, cada página é composta por três (po<strong>de</strong>ndo chegar até a seis)<br />
linhas ou colunas nas quais, além dos <strong>de</strong>senhos, po<strong>de</strong>mos observar um cabeçalho, indicações<br />
<strong>de</strong> ações e ambiente e <strong>de</strong>scrições do áudio (diálogos, paisagem sonora, efeitos ou música),<br />
sempre referentes ao quadro <strong>de</strong> sua coluna.<br />
Cada <strong>de</strong>senho <strong>de</strong> um storyboard correspon<strong>de</strong> a um quadro (panel) <strong>de</strong> um plano (shot) <strong>de</strong><br />
uma cena (scene), <strong>de</strong>vidamente indicado no cabeçalho <strong>de</strong> cada <strong>de</strong>senho – geralmente pouco<br />
acima da moldura. Conforme <strong>de</strong>finimos anteriormente, uma cena correspon<strong>de</strong> a uma unida<strong>de</strong><br />
dramática específica unitária e contínua <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma história. Ainda que seja possível contar<br />
uma história com uma única cena, normalmente os episódios <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> animação são<br />
compostos por algumas cenas distintas.<br />
Os planos, por sua vez, po<strong>de</strong>m ser brevemente <strong>de</strong>finidos pelo “corte” da câmera; cada<br />
vez que a câmera corta <strong>de</strong> seu enquadramento para outro, temos a mudança <strong>de</strong> um plano.<br />
Embora seja possível fazer uma cena e até mesmo um episódio inteiro com um único plano<br />
(por meio <strong>de</strong> câmera estática ou <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> plano sequência), as cenas costumam utilizar<br />
diversos planos. Por exemplo: a cena <strong>de</strong> uma família jantando po<strong>de</strong> ser mostrada por meio<br />
<strong>de</strong> uma sucessão <strong>de</strong> planos intercalados dos rostos das pessoas, <strong>de</strong> <strong>de</strong>talhes <strong>de</strong> objetos <strong>de</strong><br />
cena, ações e enquadramentos mais abertos <strong>de</strong> conjunto. A quantida<strong>de</strong> e a duração <strong>de</strong> cada<br />
plano é resultado <strong>de</strong> uma escolha estilística do diretor: normalmente uma gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> cortes passa maior dinamismo, enquanto planos mais lentos passam a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> calma e<br />
tranquilida<strong>de</strong>.<br />
Finalmente os quadros representam os momentos principais <strong>de</strong> um mesmo plano. Em um<br />
plano com uma personagem falando, movimentando apenas a boca, um único quadro para<br />
representar este momento no storyboard é suficiente. Já em uma situação que apresente<br />
no mesmo plano uma personagem atravessando uma rua, tropeçando em uma pedra, caindo<br />
e batendo a cabeça no meio-fio antes <strong>de</strong> <strong>de</strong>smaiar, é preciso utilizar cerca <strong>de</strong> sete quadros<br />
distintos do mesmo plano para representar os diferentes momentos <strong>de</strong>ssa ação.<br />
Neste exemplo, po<strong>de</strong>r-se-ia pensar na seguinte sequência <strong>de</strong> sete quadros para um mesmo<br />
plano <strong>de</strong> uma mesma cena: personagem andando pela rua, com a pedra do outro lado da rua;<br />
personagem alguns passos mais à frente, no meio da rua, com a pedra na mesma posição;<br />
personagem no final da rua, próxima à pedra; personagem tropeçando na pedra; personagem<br />
<strong>de</strong>sequilibrada com o corpo na diagonal em queda; personagem com o corpo tombado na<br />
vertical batendo a cabeça no meio-fio; personagem <strong>de</strong>itada no chão da rua <strong>de</strong>smaiada, com<br />
o corpo imóvel.<br />
Nos exemplos anteriores, da fala e da queda, o segundo caso exigiria uma quantida<strong>de</strong><br />
muito maior <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhos para representar todos os seus momentos principais – <strong>de</strong> modo<br />
semelhante à <strong>de</strong>finição dos key frames <strong>de</strong> um movimento no processo <strong>de</strong> animação. Assim,<br />
planos com uma mesma duração <strong>de</strong> tempo po<strong>de</strong>m ter diferentes quantida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhos <strong>de</strong><br />
quadros. Quanto mais ações houver ou mais <strong>de</strong>talhadas elas forem, em um plano, maior será<br />
a quantida<strong>de</strong> necessária <strong>de</strong> quadros <strong>de</strong>senhados no storyboard.<br />
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O uso <strong>de</strong> softwares <strong>de</strong> tratamento e composição <strong>de</strong> imagens facilitou o processo <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>senho dos quadros <strong>de</strong> um plano em um storyboard. Elementos que permaneçam estáticos<br />
em uma mesma posição não precisam ser re<strong>de</strong>senhados a cada novo quadro – como no processo<br />
do uso do acetato, que vimos anteriormente. Dessa maneira, artistas <strong>de</strong> storyboard utilizam<br />
diferentes camadas (layers) e <strong>de</strong>senham novamente ou reposicionam apenas aquilo que se<br />
movimenta nos diferentes quadros <strong>de</strong> um plano. Sendo assim, um episódio <strong>de</strong> 11 minutos<br />
po<strong>de</strong> ter mais <strong>de</strong> 600 <strong>de</strong>senhos em seu storyboard, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da <strong>de</strong>manda do nível <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>talhamento dos planos do episódio. Apesar do volume e <strong>de</strong> parecer muito trabalhoso, em<br />
princípio, nesse caso, quanto mais <strong>de</strong>senhos houver, melhor.<br />
No exemplo da personagem que tropeça na pedra, a rua e a pedra não precisariam ser<br />
re<strong>de</strong>senhadas a cada novo quadro, bastando repetir a mesma camada do primeiro <strong>de</strong>senho nos<br />
<strong>de</strong>mais. A camada contendo o <strong>de</strong>senho da personagem po<strong>de</strong>ria ser <strong>de</strong>slocada um pouco mais a<br />
frente, eventualmente alternando um pouco a posição das pernas, <strong>de</strong> maneira a parecer que<br />
a personagem estaria se <strong>de</strong>slocando, no meio e, no quadro seguinte, no final da rua. Para os<br />
<strong>de</strong>mais quadros (tropeço, queda, batida <strong>de</strong> cabeça e <strong>de</strong>smaio), seria necessário o <strong>de</strong>senho da<br />
personagem nas respectivas poses e posições, po<strong>de</strong>ndo-se manter inalteradas as camadas com<br />
os cenários originais do plano.<br />
O artista <strong>de</strong> storyboard <strong>de</strong>ve ter acesso, além do roteiro, à maior quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> materiais<br />
possíveis sobre a série, como o conceito da série, <strong>de</strong>scrição do universo, mo<strong>de</strong>l sheets e<br />
concept arts. Da mesma forma, <strong>de</strong>ve manter diálogo constante com o diretor da série, a<br />
fim <strong>de</strong> tornar mais ágil o processo e garantir que tenha a melhor qualida<strong>de</strong> possível. Caso<br />
alguma parte da trilha, sonoplastia ou dublagem esteja pronta antes ou durante a realização<br />
do storyboard, também po<strong>de</strong> ser disponibilizada para auxiliar o trabalho <strong>de</strong>sse profissional.<br />
Depois <strong>de</strong> revisado e finalizado, o storyboard <strong>de</strong> trabalho costuma ser organizado, como vimos,<br />
em uma versão portátil (impressa e/ou digital), com <strong>de</strong>senhos reduzidos, para consulta rápida e<br />
disponível em qualquer lugar. Já a fixação dos <strong>de</strong>senhos em tamanho original em uma gran<strong>de</strong> pare<strong>de</strong><br />
ocupa, em alguns casos, todas as pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong> uma sala e só está disponível naquele espaço.<br />
Nessa versão presencial, com <strong>de</strong>senhos fixados na pare<strong>de</strong>, po<strong>de</strong> acontecer uma nova etapa<br />
nesse processo, na qual é realizada uma espécie <strong>de</strong> apresentação ou interpretação em tempo<br />
real (com o artista <strong>de</strong> storyboard), como uma dramatização ao vivo <strong>de</strong> cada quadro <strong>de</strong>senhado<br />
no storyboard. Dessa maneira, o diretor consegue ter outra percepção do trabalho realizado<br />
até então e eventualmente sugere novos ajustes e mudanças no storyboard.<br />
Diferentemente do live action, a animação não possui flexibilida<strong>de</strong> para se refazer cenas<br />
ou experimentar novos planos e interpretações durante a sua realização. Isso significaria, em<br />
uma animação, um gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>sperdício <strong>de</strong> tempo e <strong>de</strong> recursos para produção <strong>de</strong> materiais<br />
alternativos que, ao final, não seriam aproveitados. Salvo casos <strong>de</strong> tela dividida (split) ou <strong>de</strong><br />
recursos como máscaras e picture in picture, apenas um plano é utilizado <strong>de</strong> cada vez em um<br />
audiovisual, dispensando-se as opções não escolhidas. Daí, a importância do storyboard e a<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se conseguir antever a própria animação em seus <strong>de</strong>senhos.<br />
Apesar <strong>de</strong> ser sempre utilizado nas animações, o storyboard também costuma ser utilizado<br />
em outros produtos audiovisuais, como comerciais, vi<strong>de</strong>oclipes e mesmo em alguns filmes<br />
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Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
em live action. Isso ocorre principalmente em filmes que exigem rígida marcação <strong>de</strong> cena<br />
para posterior composição com efeitos digitais, ou em casos <strong>de</strong> diretores que exploram certo<br />
preciosismo na fotografia. O mestre do suspense, Alfred Hitchcock, por exemplo, era conhecido<br />
por não iniciar as filmagens antes <strong>de</strong> ter <strong>de</strong>finido o storyboard <strong>de</strong> todas as suas cenas.<br />
Em alguns casos excepcionais, o storyboard <strong>de</strong> trabalho po<strong>de</strong> ser complementado pelo<br />
storyboard <strong>de</strong> apresentação, <strong>de</strong>stinado, como o próprio nome sugere, para a apresentação<br />
junto a alguém que não pertença à equipe técnica da animação. Nessa versão, o storyboard<br />
é ainda mais <strong>de</strong>senvolvido e seu acabamento <strong>de</strong>ve ser o mais próximo possível ao próprio<br />
acabamento final da animação. Uma <strong>de</strong> suas utilizações mais comuns ocorre no mercado<br />
publicitário, quando uma agência ou cliente não conseguem visualizar no storyboard <strong>de</strong><br />
trabalho (muito menos no <strong>de</strong> rascunho) a animação final.<br />
Nesse caso, os <strong>de</strong>senhos são limpos (clean up), retocados, pintados (storyboards <strong>de</strong><br />
trabalho normalmente são feitos em branco e preto) e finalizados com aparência semelhante<br />
à da própria animação. Quando necessário, revela-se um processo bastante trabalhoso e<br />
<strong>de</strong>morado, por isso sua prática costuma se restringir ao universo da publicida<strong>de</strong>. Nas séries<br />
<strong>de</strong> animação, produtores e executivos, mesmo que não dominem a técnica da animação<br />
em si, estão familiarizados com seu meio e conseguem enten<strong>de</strong>r o storyboard <strong>de</strong> trabalho<br />
<strong>de</strong> maneira semelhante ao diretor, sobretudo se ele vier acompanhado <strong>de</strong> outros materiais<br />
visuais mais finalizados.<br />
O storyboard é consi<strong>de</strong>rado indispensável em uma animação, não apenas por conta dos<br />
fatores aqui elencados, mas também porque representa uma maneira <strong>de</strong> se produzir qualitativa<br />
e quantitativamente mais. Quanto mais <strong>de</strong>senvolvido for o storyboard, melhor, mais rápido e<br />
mais barato será a próxima etapa <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento rumo à animação, o animatic.<br />
Também conhecido por leica reel e story reel, o animatic consiste em uma espécie <strong>de</strong><br />
versão audiovisual do storyboard. Cada quadro <strong>de</strong>senhado permanece exibido pelo tempo<br />
pre<strong>de</strong>terminado <strong>de</strong> sua duração em tela cheia até ser substituído pelo <strong>de</strong>senho seguinte e<br />
assim por diante. Apesar <strong>de</strong> apresentar uma sequência <strong>de</strong> imagens ligeiramente diferente<br />
uma das outras, o animatic ainda não possui o acabamento e a flui<strong>de</strong>z <strong>de</strong> movimento <strong>de</strong> uma<br />
animação finalizada. De toda forma, permite uma visualização mais dinâmica dos planos, já<br />
acompanhada do áudio da animação <strong>de</strong>vidamente sincronizado.<br />
Animatics po<strong>de</strong>m ser simples (vi<strong>de</strong>o storyboard) como uma sequência <strong>de</strong> sli<strong>de</strong>s ou mais<br />
sofisticados (high-end), semelhantes a uma animação limitada, com algum movimento <strong>de</strong><br />
câmera, <strong>de</strong>slocamento <strong>de</strong> personagens e objetos, transições e efeitos simples <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o.<br />
In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> seu nível final <strong>de</strong> acabamento, <strong>de</strong>vem sincronizar o áudio com a<br />
imagem apresentada. Para tanto, softwares <strong>de</strong> edição e pós-produção <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o são utilizados<br />
para gerar o arquivo audiovisual.<br />
O animatic gerado é utilizado como uma espécie <strong>de</strong> arquivo guia para o <strong>de</strong>senvolvimento da<br />
animação em si. À medida que cada plano do animatic começa a ser animado, atualiza-se esse<br />
arquivo guia com os novos planos em diferentes estágios <strong>de</strong> animação. Conforme é atualizado,<br />
com planos mais ou menos finalizados, o animatic se transforma naquilo que é conhecido como<br />
rough cut. O rough cut em animação, diferentemente do live action, é entendido como uma<br />
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Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
evolução do animatic e é composto, portanto, por uma sucessão <strong>de</strong> planos sonorizados em<br />
diferentes estágios <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da animação.<br />
Quando o rough cut estiver totalmente atualizado com todos os planos <strong>de</strong>vidamente<br />
animados passa a dar lugar à animação propriamente dita. A animação, por sua vez, geralmente<br />
passará ainda por processos <strong>de</strong> composição, pós-produção e finalização <strong>de</strong> som e imagem antes<br />
<strong>de</strong> ser entregue para exibição.<br />
Com essa abordagem final sobre o storyboard e a importância <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>senvolvimento para as<br />
etapas seguintes <strong>de</strong> produção, terminamos o último item da apresentação <strong>de</strong> uma bíblia <strong>de</strong> produção<br />
<strong>de</strong> série <strong>de</strong> animação. Veremos a seguir alguns outros itens que acabam se aproximando mais dos<br />
aspectos <strong>de</strong> comercialização e produção <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> animação. Apesar <strong>de</strong> extrapolar a dimensão<br />
narrativa e dramatúrgica que propomos abordar neste livro, acreditamos ser importante que o leitor<br />
possua, ao menos, alguma noção <strong>de</strong>stes outros fatores como forma <strong>de</strong> melhor visualizar e conceber,<br />
passo a passo, seu projeto <strong>de</strong> maneira planejada e integrada.<br />
234
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
235
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3.9 outros elementos e<br />
aspectos a consi<strong>de</strong>rar<br />
3.9 Outros Elementos e Aspectos a Consi<strong>de</strong>rar<br />
A metodologia <strong>de</strong> projeto <strong>de</strong> série <strong>de</strong> animação presente neste livro costuma ser compilada<br />
e apresentada em um documento próprio, conhecido no mercado como “bíblia <strong>de</strong> produção”<br />
(production bible). Mas além <strong>de</strong>sse documento específico, é preciso que o autor tenha<br />
conhecimento <strong>de</strong> novas etapas que po<strong>de</strong>rão ser <strong>de</strong>senvolvidas futuramente.<br />
Neste sentido, outro material <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância para quem preten<strong>de</strong> apresentar um<br />
projeto é a chamada “bíblia” (bible), cujo foco está mais voltado à comercialização do projeto<br />
<strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> animação do que à sua produção. Esse documento é apresentado em uma<br />
versão mais enxuta do que a bíblia <strong>de</strong> produção. Assim, não se <strong>de</strong>ve assumir que quanto mais,<br />
melhor. A bíblia <strong>de</strong> comercialização possui textos resumidos contendo a apresentação geral da<br />
série, <strong>de</strong>scrição das personagens principais, sinopses técnicas <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> cinco episódios, a<br />
arte da série (cenários, objetos <strong>de</strong> cena, logo etc.) e o contato dos responsáveis. Trata-se <strong>de</strong><br />
um primeiro documento, que é apresentado pelo autor e/ou produtor proponente da série para<br />
produtores e executivos <strong>de</strong> estúdios interessados na realização do projeto. Essa apresentação<br />
costuma acontecer em eventos internacionais <strong>de</strong>stinados para esse tipo <strong>de</strong> encontro, como<br />
KidScreen e MIPCOM.<br />
O caráter enxuto da bíblia se <strong>de</strong>ve ao fato <strong>de</strong>, nesses eventos, existirem interesses prévios<br />
variados, como temática e público-alvo, que limitam o escopo dos executivos, obrigando-os a<br />
uma filtragem dos projetos que irão se propor a analisar. O fato <strong>de</strong> alguém não se interessar<br />
por um projeto não significa necessariamente que o projeto não esteja bom, mas que apenas<br />
não se encaixa no tipo específico <strong>de</strong> produção que estava sendo buscada. Além disso, é preciso<br />
consi<strong>de</strong>rar que nesses eventos existem muitos projetos apresentados, o que aumenta a<br />
concorrência e restringe o tempo <strong>de</strong> contato entre aqueles que querem ven<strong>de</strong>r e aqueles que<br />
querem viabilizar a realização <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> animação para televisão.<br />
A bíblia serve, ainda, como documento <strong>de</strong> referência para a breve apresentação presencial<br />
(normalmente com duração entre cinco a <strong>de</strong>z minutos) realizada in loco. Essa apresentação,<br />
236
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
essencialmente oral, é conhecida como pitch. E esse é um momento importante para convencer<br />
alguém interessado em seu projeto que ele realmente vale a pena. O uso <strong>de</strong> recursos extras,<br />
como pequenos trechos animados ou um teste <strong>de</strong> animação, música tema, abertura da série e<br />
bonecos das personagens po<strong>de</strong>m ser utilizados, mas, diante do projeto em si, acabam tendo<br />
papel secundário.<br />
O comércio faz parte da cultura humana <strong>de</strong>s<strong>de</strong> tempos imemoráveis e normalmente esta<br />
é uma parte que não costuma agradar autores e profissionais criativos. Seria ótimo se todos,<br />
assim como o próprio autor, tivessem a mesma avaliação <strong>de</strong> seu projeto. Entretanto, para que<br />
o projeto possa ser realizado, <strong>de</strong> fato, é preciso antes que seja comercializado para viabilizar<br />
sua produção – caso contrário continuará sendo “apenas” mais um projeto.<br />
É importante que o pitch seja feito pelo próprio autor ou produtor da série, pois são pessoas<br />
que a conhecem suficientemente bem para apresentá-la e para respon<strong>de</strong>r a quaisquer dúvidas<br />
que possam surgir. Nesse momento, pressupõe-se que a pessoa responsável pela apresentação<br />
acredite e saiba por que o projeto é bom e quais são os diferenciais qualitativos significativos<br />
que o distingue dos <strong>de</strong>mais.<br />
É importante lembrar que a principal qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um bom pitch está na capacida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> conseguir o que o proponente <strong>de</strong>seja. Em outras palavras, conseguir fazer um negócio<br />
é uma parte <strong>de</strong>ste objetivo; a outra é que este negócio mantenha aquilo que o autor do<br />
projeto quer. É fundamental, portanto, estar atualizado quanto às tendências do mercado e<br />
conseguir se imaginar “do outro lado”. Um projeto é avaliado não apenas por sua inventivida<strong>de</strong><br />
e criativida<strong>de</strong>, mas também por sua viabilida<strong>de</strong> e propósitos.<br />
A primeira coisa a se fazer sobre o pitch é buscar formas <strong>de</strong> conseguir efetivamente fazêlo.<br />
É possível, embora bastante raro, realizar um pitch diretamente no escritório <strong>de</strong> uma<br />
empresa <strong>de</strong>sejada, mediante contato e agendamento prévio. Entretanto, a forma mais comum<br />
é por meio <strong>de</strong> apresentações em eventos especializados. Pressupõe-se, é claro, que todo e<br />
qualquer projeto que for apresentado esteja não apenas bem acabado, como também em suas<br />
melhores condições <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento. Mais importante do que ter pressa em apresentar,<br />
é causar uma boa impressão pela qualida<strong>de</strong> final do projeto. Em um pitch vale o ditado: “a<br />
primeira impressão é a que fica”.<br />
É <strong>de</strong>sejável que a pessoa que irá apresentar o projeto seja reconhecida no meio – o<br />
que normalmente é conseguido após algum tempo <strong>de</strong> atuação profissional na área. Por isso,<br />
representantes <strong>de</strong> projetos <strong>de</strong> séries costumam participar ativamente <strong>de</strong> eventos do setor,<br />
expandindo gradativamente seu networking e visibilida<strong>de</strong>. Além da participação em si, é<br />
igualmente importante que esta pessoa seja reconhecida no mercado como um profissional<br />
sério e organizado. Estando bem representado, as portas se abrirão mais facilmente.<br />
Ao conseguir alguém para escutar e avaliar seu projeto, é preciso estar preparado. O pitch envolve<br />
dinâmicas diversas relacionadas à apresentação <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias e <strong>de</strong> estratégias <strong>de</strong> venda. Conhecer em<br />
extensão e profundida<strong>de</strong> o mercado <strong>de</strong> séries <strong>de</strong> animação é fundamental para fazer um diagnóstico<br />
preciso e elaborar as melhores táticas para o <strong>de</strong>senvolvimento e a apresentação <strong>de</strong> um projeto. É<br />
importante que o proponente seja, portanto, um especialista não apenas no projeto apresentado,<br />
mas também na leitura da conjuntura em que se insere esse projeto.<br />
237
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Por mais que possa parecer clichê, <strong>de</strong>monstrar confiança e paixão pelo projeto também é<br />
fundamental. Se o próprio proponente não estiver entusiasmado com o projeto, dificilmente<br />
transmitirá essa sensação <strong>de</strong> envolvimento e comprometimento para o avaliador. Esse<br />
sentimento otimista e apaixonado pelo projeto é tão natural que não po<strong>de</strong> tentar ser simulado<br />
pelo proponente, pelo contrário, sua espontaneida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> inclusive ser contagiante.<br />
Em um pitch, todo o trabalho realizado em um projeto, às vezes <strong>de</strong> anos <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>senvolvimento, é colocado à prova, “cara a cara” com alguém, em alguns poucos minutos.<br />
Essa carga concentrada acaba fazendo com que <strong>de</strong>talhes aparentemente pequenos possam<br />
fazer a diferença, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> coisas óbvias, como ser pontual, educado e saber se comunicar,<br />
até outras mais sutis, como inspirar confiança e usar corretamente <strong>de</strong>terminadas palavras e<br />
respostas. Às vezes, a diferença entre o sucesso ou fracasso <strong>de</strong> um pitch está justamente em<br />
um <strong>de</strong>sses <strong>de</strong>talhes aparentemente pequenos.<br />
Ao apresentar uma personagem jovem, <strong>de</strong>ve-se evitar, por exemplo, apresentar seu perfil como<br />
“alguém que não gosta <strong>de</strong> seguir a moda, nem <strong>de</strong> ser igual a outros jovens”. Mesmo fazendo parte<br />
do perfil psicológico da personagem, esse traço da personalida<strong>de</strong> não po<strong>de</strong> ser apresentado <strong>de</strong>sta<br />
forma, uma vez que esses valores negativos (“não gosta”, “não é”) po<strong>de</strong>m ser interpretados como<br />
futura dificulda<strong>de</strong> para conseguir anunciantes e patrocinadores. Não é preciso mudar o projeto e<br />
a característica da personagem para reverter esta impressão. Po<strong>de</strong>-se apresentar essas mesmas<br />
características por um ponto <strong>de</strong> vista mais positivo, valorativo: uma personagem com i<strong>de</strong>ias próprias e<br />
personalida<strong>de</strong> forte – o que ten<strong>de</strong>, por sua vez, a agregar valor para futuros anunciantes. Observem<br />
238
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
que, em ambos os casos o projeto da série é exatamente o mesmo, a única mudança foi a maneira<br />
como foi apresentado. A diferença entre o “sim” e o “não” para um projeto po<strong>de</strong> estar em <strong>de</strong>talhes<br />
aparentemente pequenos como esse.<br />
Destarte, é importante não per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> horizonte a perspectiva do avaliador durante a<br />
organização e planejamento <strong>de</strong> um pitch. É ele quem <strong>de</strong>ve, em primeiro lugar, enten<strong>de</strong>r o<br />
projeto, para <strong>de</strong>pois tentar compreendê-lo, visualizá-lo e, quem sabe, se interessar por sua<br />
realização. Assim como os episódios <strong>de</strong> uma série, também o pitch é uma experiência para<br />
“um outro” e por isso <strong>de</strong>ve passar por etapas <strong>de</strong> planejamento, organização e possuir alguma<br />
espécie <strong>de</strong> roteiro base para o momento da apresentação.<br />
Normalmente, a fala do pitch em si começa com uma breve saudação e a apresentação<br />
profissional do proponente. É importante nesse momento que o apresentador responsável pelo<br />
projeto saiba exatamente qual sua função na produção da série, evitando a todo custo assumir<br />
o papel do “faz-tudo” ou aquele que faz “um pouco <strong>de</strong> cada coisa”.<br />
Este roteiro <strong>de</strong> apresentação <strong>de</strong>ve ter como público-alvo o avaliador do projeto e, não,<br />
o próprio apresentador, tornando, portanto, a apresentação a mais clara e objetiva possível,<br />
abordando obrigatoriamente os aspectos centrais da série e seus diferenciais qualitativos.<br />
Ensaios são recomendáveis e po<strong>de</strong>m ser realizados inúmeras vezes, com diferentes pessoas<br />
dispostas a colaborar, a fim <strong>de</strong> simular eventuais situações que possam ocorrer posteriormente.<br />
Quanto mais rigorosas forem estas simulações e quanto mais vezes elas forem realizadas,<br />
melhor preparado o pitch estará.<br />
Conversar com pessoas que normalmente você não conversaria sobre o seu projeto também<br />
po<strong>de</strong> ajudar. Pessoas com atuação profissional ligada à parte executiva, ainda que não na área<br />
<strong>de</strong> animação, pequenas amostras <strong>de</strong> seu público-alvo, assim como quaisquer outras pessoas<br />
para quem se pu<strong>de</strong>r mostrar o projeto, po<strong>de</strong>m levantar questões diversas, algumas <strong>de</strong>ssas<br />
talvez bastante relevantes.<br />
Todavia, como po<strong>de</strong>mos imaginar, por mais preparado que se esteja no momento <strong>de</strong> sua<br />
realização, esse roteiro <strong>de</strong> apresentação está sujeito a mudanças: uma pergunta inesperada<br />
po<strong>de</strong> interromper a fala e a linha <strong>de</strong> raciocínio adotada pelo apresentador, fazendo com<br />
que o pitch tome um rumo diferente daquele incialmente imaginado. Por isso, além dos<br />
ensaios, é preciso que o proponente conheça todos os <strong>de</strong>talhes do projeto para que tenha<br />
respostas assertivas e imediatas sempre que forem solicitadas. Da mesma forma, esse domínio<br />
permitirá certos improvisos e variações na apresentação, respeitado os objetivos do pitch e as<br />
características da série.<br />
Para tanto é preciso que o apresentador faça a “lição <strong>de</strong> casa”, se preparando o melhor<br />
possível e respon<strong>de</strong>ndo algumas perguntas fundamentais: para quem será feito o pitch? Quais<br />
são as características <strong>de</strong>sse possível parceiro? O que ele procura? Que tipos <strong>de</strong> projetos ele<br />
costuma realizar? Também é importante se imaginar do outro lado e tentar antecipar perguntas<br />
que provavelmente serão feitas para o apresentador: o que se <strong>de</strong>ve saber sobre este projeto?<br />
Por que <strong>de</strong>veria financiá-lo? Quais são seus diferenciais em relação aos <strong>de</strong>mais projetos? O que<br />
ele agregará à minha empresa?<br />
239
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Nesta preparação prévia, po<strong>de</strong>-se aplicar método semelhante ao da análise S.W.O.T., que<br />
permite fazer um exame abrangente do contexto como instrumento para a gestão e elaboração<br />
<strong>de</strong> ferramentas estratégicas. Esta análise leva em conta as dimensões internas e externas<br />
<strong>de</strong> um projeto, que po<strong>de</strong>m ajudar - forças (strengths) e oportunida<strong>de</strong>s (opportunities)-, ou<br />
atrapalhar - fraquezas (weaknesses) e ameaças (threats) - a conquista <strong>de</strong> um objetivo.<br />
Em relação ao comportamento do apresentador, é importante que ele possua um nível<br />
relativo <strong>de</strong> calma, suficiente para que não seja atrapalhado pela ansieda<strong>de</strong>, tampouco relaxe<br />
<strong>de</strong>mais e se esqueça <strong>de</strong> dar o tônus necessário à sua fala. Da mesma forma que a animação<br />
procura dar vida e criar uma alma para suas personagens e histórias, o pitch <strong>de</strong>ve fazer o mesmo<br />
em relação ao projeto <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> animação. O próprio tom do pitch po<strong>de</strong> mimetizar o<br />
tom da série: se a série tiver humor, o pitch po<strong>de</strong> ser um pouco mais <strong>de</strong>scontraído e informal<br />
- <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que não <strong>de</strong>ixe <strong>de</strong> abordar todos os itens fundamentais do projeto.<br />
O apresentador <strong>de</strong>ve atentar ainda às reações do avaliador para eventuais ajustes durante<br />
o próprio pitch. Precisa escutar com atenção e enten<strong>de</strong>r, sem qualquer tipo <strong>de</strong> dúvida, tudo<br />
o que for dito pela pessoa que estiver do outro lado. Também não <strong>de</strong>ve hesitar em respon<strong>de</strong>r<br />
qualquer questão, da mesma forma que po<strong>de</strong> fazer eventuais perguntas para se certificar que<br />
a apresentação esteja eficiente ou mesmo para melhorá-la para novas oportunida<strong>de</strong>s.<br />
Para começar a participar <strong>de</strong> eventos buscando a viabilização <strong>de</strong> uma série, é recomendável<br />
possuir cerca <strong>de</strong> três projetos distintos, todos com a mesma qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento. A<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> oferecer projetos com diferentes características, conceitos e até mesmo públicosalvo<br />
permite a ampliação da oferta <strong>de</strong> propostas e consequentemente o escopo <strong>de</strong> avaliadores<br />
potencialmente interessados e a própria possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sucesso comercial do pitch.<br />
Também se revela cada vez mais importante diante das gerações nativas-digitais pensar<br />
em termos <strong>de</strong> transmídia, isto é, em maneiras pelas quais o universo <strong>de</strong>senvolvido possa existir<br />
simultaneamente e <strong>de</strong> forma integrada em diferentes plataformas e mídias. Assim, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />
assistir a um episódio na televisão, por exemplo, o público po<strong>de</strong> continuar acompanhando o<br />
universo da série por diversas outras formas, como jogos digitais, website, livros, quadrinhos,<br />
peças <strong>de</strong> teatro e licenciamento <strong>de</strong> produtos diversos.<br />
Tanto na bíblia <strong>de</strong> comercialização quanto na <strong>de</strong> produção, assim como em qualquer outro<br />
material <strong>de</strong> apresentação a ser entregue, é preciso que as informações apresentadas possam<br />
estar acompanhadas <strong>de</strong> um projeto gráfico elaborado, que valorize sua própria apresentação.<br />
A fim <strong>de</strong> se obter melhor resultado, é recomendável trabalhar com um <strong>de</strong>signer gráfico<br />
experiente, capaz <strong>de</strong> pensar no formato da peça gráfica e/ou digital, na escolha ou criação<br />
tipográfica para os diferentes tipos <strong>de</strong> texto, na disposição dos diversos elementos na página,<br />
em eventuais grafismos e intervenções e na impressão e acabamento final da peça. A arte <strong>de</strong>ve<br />
procurar sempre passar alguma emoção e reproduzir formalmente o próprio tom da série.<br />
Ainda que <strong>de</strong> nada adiante uma boa apresentação sem conteúdo interessante, projetos com<br />
apresentação visualmente limitada costumam ser mal avaliados. Quem arriscaria investir em<br />
um projeto <strong>de</strong> série <strong>de</strong> animação que não consegue sequer <strong>de</strong>senvolver uma boa apresentação<br />
visual <strong>de</strong> seus materiais? Diferentemente do que po<strong>de</strong> acontecer em outras áreas, a arte e<br />
a diagramação <strong>de</strong> qualquer material em um projeto <strong>de</strong> série <strong>de</strong> animação representa, <strong>de</strong><br />
240
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
certa forma, a própria animação como um todo, e não um mero esquema, ilustração ou<br />
preenchimento <strong>de</strong> espaços. Além disso, por meio <strong>de</strong> uma boa elaboração e apresentação<br />
<strong>de</strong>sses materiais é possível inferir o esmero e envolvimento presentes por trás do projeto e<br />
a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> causar uma boa impressão para tentar viabilizar a produção da série. Por isso,<br />
po<strong>de</strong>mos afirmar que essa serieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>stinada aos materiais é condição mínima inicial para<br />
que alguém possa olhar <strong>de</strong>vidamente para um projeto <strong>de</strong> série <strong>de</strong> animação.<br />
A partir <strong>de</strong> um interesse nesse primeiro contato o proponente po<strong>de</strong> ser convidado para um novo<br />
encontro, no qual <strong>de</strong>verá apresentar <strong>de</strong> forma mais completa o seu projeto, normalmente por meio<br />
da bíblia <strong>de</strong> produção. É importante frisar aqui que os primeiros aceites do projeto ocorrem sempre<br />
a partir <strong>de</strong> uma avaliação dos aspectos narrativos e criativos da série. Diante <strong>de</strong> um interesse inicial,<br />
é assinado um contrato <strong>de</strong> opção <strong>de</strong> compra (option agreement), a partir do qual se <strong>de</strong>monstra<br />
o interesse do estúdio ou empresa no projeto e a obrigatorieda<strong>de</strong> do autor ou responsável pela<br />
série <strong>de</strong> parar <strong>de</strong> exibir o projeto para outras pessoas. Também costuma ser assinado um termo<br />
<strong>de</strong> confi<strong>de</strong>ncialida<strong>de</strong> (ou NDA – Non-Disclosure Agreement), assegurando que nenhuma informação<br />
sobre o projeto e o processo <strong>de</strong> comercialização da série seja divulgada – em alguns casos, o próprio<br />
contrato po<strong>de</strong> ser mantido em sigilo por meio <strong>de</strong>ste termo.<br />
Apenas em um segundo momento é que são discutidos elementos relacionados à produção<br />
e à comercialização da série. Nesse momento posterior, aspectos sobre o <strong>de</strong>senho <strong>de</strong> produção<br />
(<strong>de</strong>talhes sobre a técnica <strong>de</strong> animação, infraestrutura e formação das equipes), cronograma,<br />
fluxograma <strong>de</strong> produção e orçamento são <strong>de</strong>finidos entre as partes envolvidas. 17 Também po<strong>de</strong>m<br />
ser discutidos, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da participação <strong>de</strong> cada parte envolvida, <strong>de</strong>talhes referentes<br />
ao plano <strong>de</strong> negócios, incluindo a parte <strong>de</strong> licenciamento e marketing (L&M plans). Nesses<br />
processos <strong>de</strong> negociações, alguma flexibilida<strong>de</strong> é necessária <strong>de</strong> ambas as partes para que haja<br />
um ajuste entre o lado criativo e o lado business da produção <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> animação.<br />
Entretanto, <strong>de</strong>vemos lembrar que apenas uma pequena quantida<strong>de</strong>, entre todos os projetos<br />
apresentados, resultam em uma série <strong>de</strong> animação com temporadas regulares. Com isso,<br />
não preten<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>sanimar os autores, mas, ao contrário, estimulá-los a continuar sempre<br />
tentando. Boa parte das séries <strong>de</strong> animação exibidas ou em exibição passou por alguns ajustes<br />
e versões anteriores em seus projetos até serem finalmente escolhidas. Também não são raros<br />
os casos em que algumas séries <strong>de</strong> sucesso foram recusadas antes <strong>de</strong> serem aprovadas por<br />
outras pessoas. Da mesma forma, existem casos <strong>de</strong> aposta no projeto <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas séries<br />
que, entretanto, não chegaram a fazer o sucesso comercial projetado.<br />
Isto porque esse processo não é uma ciência exata e po<strong>de</strong> apresentar gran<strong>de</strong>s equívocos.<br />
Cabe apenas ao responsável realizar uma autoavaliação <strong>de</strong> seu projeto <strong>de</strong> série, mesurar se é<br />
possível ajustá-lo e por quanto tempo se <strong>de</strong>ve insistir nele antes <strong>de</strong> substituí-lo por um novo.<br />
Caso um projeto não seja rapidamente selecionado, o mais importante é não <strong>de</strong>sistir e ter<br />
paciência e perseverança. Com o tempo, aumenta a experiência na elaboração e apresentação<br />
<strong>de</strong> projetos e, consequentemente, as chances <strong>de</strong> que um projeto venha a ser selecionado em<br />
um pitch.<br />
17. O edital do ANIMATV disponibiliza arquivos anexos com instruções <strong>de</strong>talhadas para o preenchimento <strong>de</strong>stes itens.<br />
241
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Da mesma forma, é preciso cautela no caso <strong>de</strong> um pitch exitoso. O fato <strong>de</strong> um projeto ser<br />
escolhido e elogiado não <strong>de</strong>ve gerar um entusiasmo capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> lado a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se<br />
conhecer quem oferece a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> parceria e as condições oferecidas para sua realização.<br />
Além do <strong>de</strong>senvolvimento e da produção <strong>de</strong> uma série, outros aspectos po<strong>de</strong>m colaborar<br />
para seu sucesso, como a distribuição, exibição e o licenciamento <strong>de</strong> produtos. Distribuição,<br />
exibição e licenciamento mo<strong>de</strong>stos certamente resultaram em menor projeção da série,<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> suas virtu<strong>de</strong>s.<br />
Dada a distância existente entre o <strong>de</strong>senvolvimento do projeto e o público final <strong>de</strong> uma série<br />
<strong>de</strong> animação, é importante ter uma boa estrutura e “clima” para o trabalho em equipe, contando<br />
sempre com bons profissionais em todos os setores. Consi<strong>de</strong>rando o gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> artistas e a<br />
diversida<strong>de</strong> dos profissionais envolvidos, conseguir trabalhar <strong>de</strong> maneira harmoniosa e produtiva se<br />
revela como um dos gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>safios da produção <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> animação.<br />
Antes <strong>de</strong> tentar entrar nesse mercado, é preciso saber <strong>de</strong> seu alto nível <strong>de</strong> competivida<strong>de</strong><br />
e dos riscos envolvidos. Além <strong>de</strong> um bom projeto e apresentação, é fundamental possuir uma<br />
entrosada e profissional equipe <strong>de</strong> trabalho, além <strong>de</strong> estar <strong>de</strong>vidamente preparado para essa<br />
jornada. Melhor do que conseguir produzir uma série <strong>de</strong> animação, é produzir várias.<br />
Desta maneira, encerramos este capítulo, que objetivou versar e refletir sobre os diversos<br />
elementos e aspectos envolvidos na dinâmica do <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> um projeto <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> uma<br />
série <strong>de</strong> animação. No próximo capítulo, abordaremos e analisaremos duas experiências realizadas<br />
no âmbito do Programa ANIMATV, as séries “Tromba Trem” e “Carrapatos e Catapultas”.<br />
242
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
4. Estudos <strong>de</strong> Caso<br />
243
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
capÍtulo 4<br />
estudos<br />
<strong>de</strong>caso<br />
244
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
4<br />
estudos<br />
<strong>de</strong> caso<br />
Como vimos no segundo capítulo, o ANIMATV surge como o primeiro programa <strong>de</strong> fomento à<br />
produção e teledifusão <strong>de</strong> séries <strong>de</strong> animação brasileiras, uma iniciativa pioneira buscando o<br />
estímulo da indústria nacional <strong>de</strong> animação. Para tanto, o programa foi resultado <strong>de</strong> uma parceria<br />
inédita entre a Secretaria do Audiovisual (SAv) e a Secretaria <strong>de</strong> Políticas Culturais (SPC) do Ministério<br />
da Cultura (MinC), a Empresa Brasil <strong>de</strong> Comunicação - TV Brasil, a Fundação Padre Anchieta - TV<br />
Cultura, a Associação Brasileira das Emissoras Públicas Educativas e Culturais (ABEPEC), com o<br />
apoio da Associação Brasileira <strong>de</strong> Cinema <strong>de</strong> Animação (ABCA). Esse estímulo foi concretizado pelo<br />
estabelecimento <strong>de</strong> um circuito <strong>de</strong> exibição <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhos animados nacionais na televisão, pela<br />
motivação gerada nos estúdios <strong>de</strong> animação em produzir novos conteúdos e pela potencialização da<br />
inserção das séries selecionadas no mercado internacional.<br />
Os pilotos <strong>de</strong>senvolvidos foram ao ar pela TV Brasil, pela TV Cultura e por mais 20 emissoras <strong>de</strong><br />
toda a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> associadas à ABEPEC, a partir <strong>de</strong> 25 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2010, com reprises em diversos<br />
canais e horários, além <strong>de</strong> exibições em eventos diversos, como o Anima Mundi, por exemplo. 18<br />
Durante a veiculação na televisão, foi realizada uma votação popular na internet, na qual os projetos<br />
“Abílio e Traquitana” e “A Princesa do Coração Gelado” foram os mais bem votados.<br />
Além disso, dois projetos <strong>de</strong> série (“Tromba Trem” e “Carrapatos e Catapultas”) foram<br />
selecionados, entre os 17 exibidos, para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> mais outros 12 episódios. O<br />
processo <strong>de</strong> escolha <strong>de</strong>ssas duas séries aconteceu por meio <strong>de</strong> uma comissão própria <strong>de</strong> seleção,<br />
que levou em conta os seguintes critérios <strong>de</strong> avaliação: qualida<strong>de</strong> do piloto, qualida<strong>de</strong> da<br />
bíblia, relatório <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho da equipe ao longo da produção e os resultados das pesquisas<br />
<strong>de</strong> audiência e <strong>de</strong> grupos focais com o público-alvo <strong>de</strong> cada série.<br />
18. Todos os episódios pilotos po<strong>de</strong>m ser assistidos no site: www.tvcultura.com.br/animatv e<br />
www.tvbrasil.org.br/animatv<br />
245
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Cada um <strong>de</strong>sses itens foi <strong>de</strong>vidamente avaliado pela comissão a partir <strong>de</strong> materiais<br />
elaborados previamente por diferentes agentes: a bíblia e o piloto foram realizados pelos<br />
próprios responsáveis pelos projetos selecionados, enquanto o relatório <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho foi<br />
feito pela Coor<strong>de</strong>nação Executiva do ANIMATV, as pesquisas <strong>de</strong> audiência pelas emissoras TV<br />
Brasil e TV Cultura e a pesquisa <strong>de</strong> grupos focais pela Cultura Data.<br />
A Cultura Data é uma unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> negócio especializada em pesquisas <strong>de</strong> comunicação, mercado<br />
e opinião pública, que foi responsável por elaborar testes qualitativos para os 17 pilotos das séries.<br />
Para tanto, foi utilizada a técnica <strong>de</strong> discussão em grupo, por meio <strong>de</strong> reuniões em salas com cerca<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>z participantes <strong>de</strong>ntro do perfil do público-alvo <strong>de</strong> cada série. Ao todo, foram 17 grupos <strong>de</strong><br />
discussão, formados por 165 crianças e adolescentes espectadores <strong>de</strong> televisão - 87 meninos e 78<br />
meninas - pertencentes à classe socioeconômica B2C, segundo classificação da ABEP (Associação<br />
Brasileira <strong>de</strong> Empresas <strong>de</strong> Pesquisa). Os encontros aconteceram em 2010, nas cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Porto<br />
Alegre, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Salvador e São Paulo.<br />
O procedimento inicial consistia em uma mo<strong>de</strong>ração que procurou <strong>de</strong>ixar os participantes à<br />
vonta<strong>de</strong>, além <strong>de</strong> usar dinâmicas apropriadas, exercícios <strong>de</strong> atenção e técnicas projetivas, tais<br />
como figuras <strong>de</strong> estímulo, kit avaliação e conversas com o mo<strong>de</strong>rador. As figuras <strong>de</strong> estímulo<br />
expressaram sentimentos (<strong>de</strong> “muito” a “nenhum interesse”, em uma escala <strong>de</strong> cinco pontos),<br />
reações (<strong>de</strong> “não quero ver” a “me divirto”, em uma escala <strong>de</strong> quatro pontos) e entendimento<br />
(“entendi” x “não entendi”) em relação às animações exibidas. Por meio do kit avaliação, cada<br />
participante pô<strong>de</strong> colocar seu voto individual e secreto com cartões em uma urna.<br />
Essa pesquisa qualitativa teve como principal objetivo avaliar, da perspectiva do públicoalvo<br />
<strong>de</strong> cada episódio piloto, três aspectos principais: impacto, entendimento e personagens.<br />
O primeiro <strong>de</strong>les, impacto, foi mensurado por meio da observação <strong>de</strong> reações espontâneas, da<br />
aceitação do público, do interesse <strong>de</strong>spertado pelos elementos da série e também por meio<br />
dos <strong>de</strong>staques positivos e negativos <strong>de</strong> cada episódio.<br />
O segundo <strong>de</strong>les, o entendimento, foi avaliado a partir da compreensão do roteiro, pela<br />
facilida<strong>de</strong> ou dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> compreensão do vocabulário e dos diálogos e pela a<strong>de</strong>quação do<br />
piloto exibido ao perfil do público-alvo atribuído pelo próprio autor da série.<br />
Por fim, a avaliação das personagens aconteceu por meio <strong>de</strong> sua aceitação e empatia,<br />
pelas características atribuídas <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong>, incluindo os <strong>de</strong>feitos e as virtu<strong>de</strong>s, pela<br />
i<strong>de</strong>ntificação junto ao público-alvo e pela relação dos atributos mais apreciados e dos mais<br />
<strong>de</strong>saprovados das personagens das séries.<br />
Este mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> avaliação <strong>de</strong> projetos <strong>de</strong> séries <strong>de</strong> animação para televisão, adotado pelo<br />
ANIMATV, está em consonância com aquilo que é utilizado internacionalmente pelas emissoras <strong>de</strong><br />
televisão ao fazer a apreciação e prospecção dos projetos oferecidos para exibição em sua gra<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> programação. Conhecer essa metodologia representa, portanto, a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> levar em<br />
consi<strong>de</strong>ração os aspectos aqui apresentados durante a elaboração do projeto <strong>de</strong> criação da série e<br />
das <strong>de</strong>mais etapas subsequentes, aumentando assim suas potencialida<strong>de</strong>s e perspectivas.<br />
O ANIMATV ofereceu ainda aos 17 selecionados uma ação contínua <strong>de</strong> formação dos<br />
produtores e autores, capacitando-os para a produção e comercialização dos projetos e<br />
246
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
tornando-os mais competitivos no mercado internacional. Além das oficinas ministradas<br />
durante a imersão, já citadas anteriormente neste livro, houve ainda o acompanhamento<br />
regular da Coor<strong>de</strong>nação Executiva do ANIMATV durante todas as etapas <strong>de</strong> produção do<br />
episódio piloto (o que resultou na elaboração do relatório <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho), a Oficina <strong>de</strong><br />
Capacitação em Mercado e a Oficina <strong>de</strong> Criação Transmídia. Esta última foi realizada por<br />
meio <strong>de</strong> uma parceria com o Programa Cinema do Brasil e com o UpTo3’- Brazilian Short<br />
Animation & New Media Exhibition of Toronto.<br />
A Oficina <strong>de</strong> Capacitação em Mercado foi ministrada por três profissionais com experiência<br />
no mercado internacional <strong>de</strong> séries <strong>de</strong> animação: Reynaldo Marchezini, produtor responsável<br />
pela série “Princesas do Mar”, exibida internacionalmente em diversos países; Andre Breitman,<br />
sócio e produtor executivo da 2DLab, estúdio brasileiro que realiza a série “My Big Big Friend”<br />
(em coprodução com a cana<strong>de</strong>nse Breakthrough Entertainment) e Silvia Chicca, cujo currículo<br />
inclui passagens pela Warner Bros. e pela Disney (on<strong>de</strong> foi responsável pelo planejamento,<br />
<strong>de</strong>senvolvimento e implantação das personagens Disney Babies) e gerenciou, <strong>de</strong> 2007 a 2010,<br />
a Cultura Marcas, área <strong>de</strong> licenciamento da TV Cultura.<br />
Nesta oficina, os responsáveis pelos projetos selecionados no ANIMATV tiveram a oportunida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> conhecer aspectos diversos relacionados à comercialização, coprodução internacional e<br />
licenciamento <strong>de</strong> produtos para séries <strong>de</strong> animação. Além disso, pu<strong>de</strong>ram conversar com esses<br />
três profissionais, compartilhar suas experiências, passar por consultorias específicas e pensar<br />
em estratégias a<strong>de</strong>quadas para as necessida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>mandas <strong>de</strong> cada projeto selecionado,<br />
preparando-os assim para uma melhor apresentação no mercado internacional.<br />
A Oficina <strong>de</strong> Criação Transmídia, por sua vez, contou com a participação <strong>de</strong> Jesse Cleverly,<br />
CEO da Connective Media Solutions, palestrante em eventos como MIPCOM e KidScreen e<br />
profissional com ampla experiência na BBC. Na re<strong>de</strong> estatal inglesa, Cleverly trabalhou por<br />
mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos ocupando os cargos <strong>de</strong> editor <strong>de</strong> roteiros na divisão <strong>de</strong> filmes, diretor <strong>de</strong><br />
coprodução e aquisições <strong>de</strong> produções infantis para a BBC Children e chefe <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />
do Fictionlab, unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> inovação <strong>de</strong> conteúdo digital da BBC para projetos transmídia.<br />
Questão relativamente nova, mas <strong>de</strong> crucial importância para se pensar a atual geração - conhecida<br />
por alguns como geração “Y” ou geração “@” -, a transmídia é a realização <strong>de</strong> projetos multiplataforma nos<br />
quais, ao mesmo tempo em que se <strong>de</strong>ve pensar a especificida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada mídia envolvida (geralmente há<br />
um mínimo <strong>de</strong> três), também se <strong>de</strong>ve pensar em todas elas <strong>de</strong> maneira integrada. A tendência apontada<br />
por teóricos e profissionais do mercado, e que já se começa a verificar, é a <strong>de</strong> que a convergência digital<br />
tornará indistinto o acesso a conteúdos e o que <strong>de</strong>finirá a mídia ou suporte para este acesso será muito<br />
mais uma questão <strong>de</strong> conveniência do que necessida<strong>de</strong> ou limitação.<br />
Por trás da questão geracional, a transmídia evi<strong>de</strong>ncia a mudança do paradigma do<br />
comportamento da passivida<strong>de</strong> associado à noção <strong>de</strong> audiência, composta por espectadores,<br />
para o paradigma da interativida<strong>de</strong>, associado à noção <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong> formada por usuários ou<br />
interatores. Destarte, o feedback do público se mostra mais imediato e interativo, permitindo<br />
uma melhor avaliação qualitativa <strong>de</strong>ssa relação. Em comparação com os produtos presentes<br />
exclusivamente na televisão, quando se diz que x pessoas assistiram a um programa, muitos<br />
autores, produtores e executivos permanecem sempre com algumas dúvidas em suas cabeças:<br />
viram mesmo? De que forma? On<strong>de</strong> eles estão? Como eles são?<br />
247
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Comunida<strong>de</strong>s se apresentam como algo muito mais próximo e “palpável” do que um target<br />
elaborado por uma equipe <strong>de</strong> marketing, pois permitem apren<strong>de</strong>r muito mais sobre os hábitos e<br />
características das pessoas que interagem com o universo oferecido. Dizem muito mais sobre as<br />
pessoas com quem estamos lidando, em outras palavras, essas pessoas se tornam algo mais do<br />
que os números que as escondiam. O ambiente digital dá a impressão às pessoas que, ao terem<br />
a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interagir e fazer escolhas em relação a um <strong>de</strong>terminado conteúdo, elas estão<br />
<strong>de</strong>finindo uma extensão <strong>de</strong> suas próprias personalida<strong>de</strong>s, se expressando como elas acham que são.<br />
Este novo paradigma se apresenta não apenas para o público, mas também para os<br />
profissionais envolvidos em todas as etapas <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> conteúdos multiplataformas.<br />
Para a criação <strong>de</strong> projetos transmídia que partam <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> animação, é importante<br />
consi<strong>de</strong>rar a a<strong>de</strong>quação ao público-alvo, <strong>de</strong>scobrir on<strong>de</strong> está esse público quando não está na<br />
televisão e pensar, para diferentes suportes midiáticos, em diferentes maneiras <strong>de</strong> se mostrar<br />
o produto em questão. A transmídia se revela complexa em qualquer aspecto: da perspectiva<br />
teórica e conceitual, dialoga com os conceitos <strong>de</strong> inter e transdisciplinarida<strong>de</strong> abordados<br />
anteriormente neste livro; da perspectiva <strong>de</strong> produção, assim como em um projeto <strong>de</strong> série <strong>de</strong><br />
televisão, envolve uma série <strong>de</strong> etapas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a parte criativa até sua efetiva implementação<br />
e acompanhamento (follow up).<br />
Segundo Cleverly, o princípio por trás <strong>de</strong> qualquer projeto transmídia é a profundida<strong>de</strong><br />
do universo criativo envolvido: enquanto ele for capaz <strong>de</strong> motivar o interesse e fornecer<br />
novos conteúdos estará garantida a energia necessária para a criação <strong>de</strong> novos materiais<br />
multiplataformas. Neste sentido, o i<strong>de</strong>al é sempre começar a pensar estrategicamente a<br />
transmídia, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início do projeto, pois o planejamento bem realizado e a coor<strong>de</strong>nação das<br />
peças ao longo <strong>de</strong> sua produção po<strong>de</strong>m ser a chave para o seu sucesso.<br />
O público nativo digital tem por costume um gran<strong>de</strong> anseio pelo aumento da interativida<strong>de</strong>,<br />
sobretudo quando se trata <strong>de</strong> um produto criativo e <strong>de</strong> entretenimento - como é o caso <strong>de</strong><br />
uma série <strong>de</strong> animação. Por isso, também é preciso adotar sempre, em todas as etapas <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> um projeto transmídia, uma metodologia centrada no usuário <strong>de</strong>ssas<br />
múltiplas plataformas (user center <strong>de</strong>sign).<br />
Além da maior a<strong>de</strong>quação ao perfil das novas gerações, a transmídia também representa a<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> maximizar o valor <strong>de</strong> um projeto por não apenas agregar valor ao universo criado,<br />
como também aumentar as margens <strong>de</strong> lucro do negócio. Atualmente, não são raros os casos, nem<br />
restritos à animação, <strong>de</strong> projetos que possuem faturamento maior nas mídias “agregadas” do que na<br />
própria mídia <strong>de</strong> “origem” daquele conteúdo. Por isso, projetos das mais diferentes áreas, como a<br />
música e o cinema, pensam cada vez mais em termos <strong>de</strong> transmídia.<br />
Porém, <strong>de</strong> nada adianta a adoção <strong>de</strong> um pensamento estratégico eficiente se a origem criativa<br />
e a motivação inicial do projeto não envolverem “paixão”. É este sentimento que <strong>de</strong>ve guiar o<br />
movimento do projeto, <strong>de</strong>finindo todos os passos que serão dados. Nas palavras <strong>de</strong> Cleverly:<br />
“Acho que o problema para muitas pessoas é que muitas propostas que você vê na televisão<br />
não passam essa sensação <strong>de</strong> que são boas, com essa verda<strong>de</strong>ira paixão, e fica a sensação <strong>de</strong><br />
que elas foram criadas por <strong>de</strong>partamentos <strong>de</strong> marketing. Então eu acho que paixão é essencial<br />
se você vai fazer alguma coisa valiosa”.<br />
248
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
A programação da Oficina <strong>de</strong> Criação Transmídia foi dividida em dois dias. No primeiro dia,<br />
os representantes dos projetos selecionados no ANIMATV pu<strong>de</strong>ram participar <strong>de</strong> um <strong>de</strong>bate<br />
sobre transmídia que também contou com a presença <strong>de</strong> André Melmenstein (Revista Tela<br />
Viva), Rogério <strong>de</strong> Campos (Editora Conrad), Camila Machado (TV Brasil), Daniela Vieira (Turner)<br />
e Fábio Monteiro Ribeiro (Associação <strong>de</strong> Mídia Indoor).<br />
No segundo dia, cada um dos produtores presentes realizou um pitch <strong>de</strong> seu projeto e teve<br />
a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ouvir comentários e sugestões <strong>de</strong> Cleverly sobre os planos para expandir o<br />
universo narrativo da série <strong>de</strong> animação para outras plataformas além da televisão.<br />
Em seus dois dias <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s, a programação da Oficina <strong>de</strong> Criação Transmídia abordou<br />
as diversas etapas dos processos pelos quais <strong>de</strong>vem passar um projeto multiplataforma, como<br />
planejamento, <strong>de</strong>senvolvimento, narrativa, produção, audiência e remuneração. 19<br />
A perspectiva para os 17 projetos selecionados pelo ANIMATV, que passaram por um<br />
programa contínuo <strong>de</strong> formação e capacitação para produção <strong>de</strong> séries <strong>de</strong> animação, é que<br />
possuam os recursos e as capacida<strong>de</strong>s necessárias para que possam achar seus parceiros <strong>de</strong><br />
coprodução, viabilizando a realização efetiva <strong>de</strong> seus projetos. 20<br />
Neste último capítulo do livro, abordaremos especificamente os dois projetos selecionados,<br />
“Tromba Trem” e “Carrapatos e Catapultas”, promovendo uma melhor apresentação e análise<br />
<strong>de</strong> seus elementos narrativos e dramatúrgicos, além <strong>de</strong> duas entrevistas realizadas com os<br />
autores das respectivas séries.<br />
19. No site bibliastransmidia.com.br é possível conferir diversos ví<strong>de</strong>os e informações sobre transmídia e a<br />
oficina realizada por Jesse Cleverly no final <strong>de</strong> 2010.<br />
20. Lembramos que é possível acompanhar todas as ações realizadas e notícias atualizadas sobre o ANIMATV e os<br />
17 projetos <strong>de</strong> séries participantes no blog do Programa: blogs.cultura.gov.br/animatv.<br />
249
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
250
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
251
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
4.1<br />
série selecionada:<br />
“tromba trem”21<br />
4.1 Série Selecionada: “Tromba Trem”<br />
“Tromba Trem” reúne um elefante com pretensões artísticas, uma tamanduá hiperativa e<br />
uma colônia <strong>de</strong> cupins paranoicos que viajam juntos em um trem a vapor pela América Latina.<br />
Em formato filme <strong>de</strong> estrada (road movie), a série explora as divertidas situações <strong>de</strong>correntes<br />
do convívio <strong>de</strong> personagens antagônicas e <strong>de</strong> aventuras que surgem a cada novo lugar visitado,<br />
como cordilheiras, planícies, <strong>de</strong>sertos, geleiras e florestas tropicais.<br />
Juntas, essas personagens percorrem diversas regiões atrás <strong>de</strong> um misterioso dirigível.<br />
Gajah, que per<strong>de</strong>u a memória ao chegar ao cerrado, faz isso porque acha que a nave po<strong>de</strong>rá<br />
ajudá-lo a <strong>de</strong>svendar o seu passado. Já a colônia <strong>de</strong> cupins acredita que a aeronave é uma nave<br />
espacial que os levará até seus evoluídos antepassados alienígenas.<br />
A responsabilida<strong>de</strong> na <strong>de</strong>finição das rotas fica a cargo <strong>de</strong> Gajah que, por ser um elefante, possui<br />
apurada orientação espacial. Porém, o que ninguém sabe é que esse paqui<strong>de</strong>rme é uma exceção<br />
à sua raça e não possui essa orientação, transformando a viagem em uma enorme excursão pela<br />
América Latina. A cada novo episódio, os tripulantes do trem – que comumente é utilizado como<br />
metáfora da própria vida em socieda<strong>de</strong> - encontram um novo local, conhecem novas personagens<br />
(geralmente animais da fauna local) e enfrentam inúmeros <strong>de</strong>safios para continuarem sua viagem.<br />
Assim como nossas próprias vidas, essa viagem é, ao mesmo tempo e em certos aspectos, previsível<br />
e imprevisível, marcada por certezas e incertezas, calmaria e turbulências.<br />
Com um ritmo narrativo bastante dinâmico, “Tromba Trem” possui ainda um <strong>de</strong>sign criativo<br />
bastante inteligente, em que há uma valorização do acting, das poses das personagens e a presença<br />
<strong>de</strong> rostos amplos, o que possibilita uma gran<strong>de</strong> área para valorização das reações e expressões faciais.<br />
Sem per<strong>de</strong>r a ênfase na personagem, a série consegue ainda, por meio <strong>de</strong> enquadramentos, ângulos e<br />
movimentos <strong>de</strong> câmera, valorizar os diferentes cenários e paisagens apresentados em toda a série.<br />
21. A série possui um blog no qual é possível acompanhar a rotina <strong>de</strong> produção e as últimas notícias envolvendo<br />
a produção, disponível em: http://trombatrem.blogspot.com<br />
252
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
O episódio piloto da série – que discutiremos um pouco mais adiante – apresenta a situação na<br />
qual Gajah, Duda e a colônia <strong>de</strong> cupins se conhecem e passam a viver juntos. E isso só acontece<br />
graças à presença do elefante fora <strong>de</strong> seu habitat natural, abrindo novos horizontes para todas as<br />
personagens envolvidas: Duda encontra em Gajah uma espécie <strong>de</strong> guru; a colônia <strong>de</strong> cupins <strong>de</strong>scobre<br />
que o elefante é útil para o carregamento <strong>de</strong> água (combustível do trem) e para a manutenção do<br />
vegetarianismo <strong>de</strong> Duda (uma tamanduá naturalmente <strong>de</strong>voradora <strong>de</strong> cupins) e o próprio Gajah faz<br />
novas amiza<strong>de</strong>s e consegue um meio <strong>de</strong> transporte mais rápido em sua perseguição ao dirigível.<br />
Gajah é um jovem elefante indiano, que questiona as regras ao mesmo tempo em que se<br />
mostra um tanto quanto preguiçoso. Seu principal hobbie é a fotografia e seu comportamento<br />
correspon<strong>de</strong> ao estereótipo do “artista avoado”: vive em seu próprio mundo lúdico e se <strong>de</strong>ixa<br />
levar pelas emoções. Vegetariano, adora comer hortaliças, ao mesmo tempo em que se mostra<br />
entusiasmado para <strong>de</strong>scobrir novos gostos e sabores.<br />
Sua vida sofre uma reviravolta quando, <strong>de</strong> maneira misteriosa e inexplicável, é sequestrado<br />
por um dirigível, indo parar no meio do cerrado brasileiro. Ao per<strong>de</strong>r suas memórias mais<br />
antigas, resolve ir atrás do dirigível em busca <strong>de</strong> respostas. Suas pretensões artísticas passam<br />
ainda pelo teatro e geralmente resultam em momentos <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> inspiração, o que, por um<br />
lado constrange os racionais cupins e, por outro, aumenta a admiração <strong>de</strong> Duda.<br />
Na natureza, os tamanduás são mamíferos <strong>de</strong>s<strong>de</strong>ntados, hábeis comedores <strong>de</strong> insetos,<br />
principalmente formigas e cupins. Eles se encontram ameaçados <strong>de</strong> extinção, principalmente<br />
pela redução <strong>de</strong> seu habitat, o que os leva a se <strong>de</strong>slocarem em busca <strong>de</strong> novos espaços para<br />
a sobrevivência. Com visual diferenciado e olfato aguçado, é um animal calmo, cauteloso e<br />
solitário – só sendo visto em grupos durante a primavera, período <strong>de</strong> reprodução.<br />
Apesar <strong>de</strong> solitária, a tamanduá Duda é bastante sociável e comunicativa – como todo tamanduá,<br />
é bastante linguaruda, por isso “fala sem parar”. De boa índole, também é vaidosa, hiperativa,<br />
ansiosa e muito influenciável. Em busca <strong>de</strong> sua própria i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, a<strong>de</strong>re às mais diversas e variadas<br />
formas <strong>de</strong> encontrar “algo maior”, mas sempre <strong>de</strong> forma simplista. Também costuma misturar<br />
conhecimentos e referências diversas como budismo, autoajuda, astrologia e esoterismo.<br />
253
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Duda, que usa óculos grossos, costuma falar bastante e <strong>de</strong> forma muito rápida, sempre<br />
emitindo um som sibilado por conta <strong>de</strong> sua fina e comprida língua. Quando fala mais <strong>de</strong>vagar,<br />
costuma gaguejar, <strong>de</strong>monstrando certa falta <strong>de</strong> hábito para se comunicar <strong>de</strong>ssa maneira. Em alguns<br />
momentos, alterações momentâneas em seu estado <strong>de</strong> humor chegam a assustar os cupins.<br />
No reino animal, os cupins, assim como as abelhas e as formigas, são consi<strong>de</strong>rados seres<br />
eussociais, isto é, que possuem socieda<strong>de</strong>s complexas, nas quais há clara divisão do trabalho,<br />
um cuidado cooperativo com a própria espécie, sobretudo, mas não apenas, com a prole,<br />
e que apresentam a sobreposição <strong>de</strong> gerações em um mesmo habitat. Na série, a unida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> pensamento da colônia <strong>de</strong> cupins é tanta, que é possível pensar nela como uma única<br />
personagem, embora alguns <strong>de</strong> seus cupins tenham mais <strong>de</strong>staque que outros.<br />
254
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Os cupins são extremamente organizados e exímios carpinteiros, sendo capazes <strong>de</strong> construírem<br />
qualquer coisa em ma<strong>de</strong>ira. Também possuem gran<strong>de</strong> domínio tecnológico, que os faz acreditar serem<br />
<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> uma avançada civilização alienígena – esperando apenas pelo regresso da nave mãe,<br />
que acreditam ser o dirigível, para levá-los “<strong>de</strong> volta” à terra natal <strong>de</strong> seus ancestrais. Tal crença faz<br />
com que <strong>de</strong>monstrem certo tom <strong>de</strong> superiorida<strong>de</strong> e arrogância, mesmo que para conseguirem seus<br />
objetivos e conviverem com outras espécies tenham que rever suas i<strong>de</strong>ias e valores.<br />
Os cupins possuem uma rainha, Joaquina Segunda, que reina <strong>de</strong> maneira firme e autoritária.<br />
No começo, a rainha pensa que Gajah é um tipo <strong>de</strong> tamanduá, mas <strong>de</strong>pois percebe ser vantajoso<br />
mantê-lo na companhia da colônia, uma vez que ele po<strong>de</strong> manipular as vonta<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Duda – o que<br />
po<strong>de</strong> ser um mo<strong>de</strong>lo para a educação <strong>de</strong> outros tamanduás para não comerem cupins. Em um futuro<br />
i<strong>de</strong>al, livre <strong>de</strong> predadores naturais, os cupins estariam livres para dominar o mundo e ampliar sua<br />
tecnologia espacial.<br />
O jovem filho da rainha é Júnior, o mais culto e inteligente entre todos os cupins, pois foi<br />
alimentado apenas com livros <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que nasceu. Curioso e menos paranoico do que os <strong>de</strong>mais, é<br />
o cupim que mais se aproxima <strong>de</strong> Gajah e Duda e não está convencido que seus ancestrais vieram,<br />
<strong>de</strong> fato, do espaço. A colônia conta ainda com o eficiente Capitão, uma espécie <strong>de</strong> braço direito<br />
da rainha, responsável pela segurança dos cupins. Bélico e paranoico, ele vive organizando planos<br />
contra os eventuais ataques <strong>de</strong> predadores naturais dos cupins.<br />
Episódio piloto: “O Estrangeiro”<br />
Gajah, um elefante indiano, <strong>de</strong>spenca do céu, tendo sua queda amortecida por algumas árvores.<br />
Duda, que estava meditando no alto <strong>de</strong> uma pedra, percebe o movimento e vai em direção ao local da<br />
queda. No trajeto, é atentamente observada por um sujeito oculto por meio da lente <strong>de</strong> um binóculo.<br />
Chegando ao local, a tamanduá vê o elefante <strong>de</strong>smaiado, um pouco ferido e sustentado por<br />
alguns cipós a poucos centímetros do chão. Duda questiona em voz alta suas dúvidas sobre a origem e<br />
a natureza do animal até que surge Mestre Urubu, um urubu que respon<strong>de</strong> às suas dúvidas e também<br />
é responsável por acordar o elefante por meio <strong>de</strong> um sonoro e fedorento arroto.<br />
255
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Ao acordar, Gajah pergunta quem são eles, mas não consegue respon<strong>de</strong>r à <strong>de</strong>volutiva<br />
<strong>de</strong> sua pergunta dizendo quem é ele mesmo, pois simplesmente não se lembra. O urubu<br />
afirma que o nome <strong>de</strong>le é Gajah e que ele veio da Índia. Perguntado sobre como <strong>de</strong>scobriu,<br />
a ave afirma que viu uma foto na câmera que o elefante carregava junto a ele. Neste<br />
momento, Gajah se recorda <strong>de</strong> que gosta <strong>de</strong> fotografar e começa a clicar sem parar.<br />
Enquanto isso, o Capitão cupim, que <strong>de</strong>scobrimos ser quem estava observando toda<br />
a cena pelo binóculo, avisa à rainha que “os tamanduás” estão arquitetando um plano<br />
contra a colônia. O pequeno e esperto filho da rainha, Júnior, tenta avisar que “o<br />
grandão” não é um tamanduá, mas ninguém o escuta.<br />
Mestre Urubu conversa com Gajah tentando ajudar a <strong>de</strong>scobrir como ele foi parar<br />
ali e chegam à conclusão que teve a ver com o dirigível, uma vez que elefante não sabe<br />
voar. A ave some repentinamente e Duda se oferece para seguir o elefante indiano, a<br />
quem consi<strong>de</strong>ra uma espécie <strong>de</strong> guru. Após algum tempo, Gajah percebe que a tamanduá<br />
não para <strong>de</strong> falar, o que o incomoda bastante. Então ele pe<strong>de</strong> para ela fazer um mantra,<br />
enquanto aproveita para fugir sem ser percebido.<br />
No meio da fuga, entretanto, Gajah é capturado em uma pequena armadilha e levado<br />
pelos cupins à presença da rainha. Esta lhe mostra o trem que levará sua colônia para a<br />
nave-mãe e os conduzirá <strong>de</strong> volta para o avançado mundo <strong>de</strong> seus ancestrais. Os cupins<br />
liberam um gás que faz Gajah dormir, <strong>de</strong>ixando para <strong>de</strong>cidir o futuro do prisioneiro mais<br />
tar<strong>de</strong>. Nesse momento, não muito distante dali, Duda termina seu mantra e percebe que<br />
está sozinha.<br />
Gajah acorda e começa a conversar com Júnior, que pe<strong>de</strong> <strong>de</strong>sculpas pelo comportamento<br />
da colônia. A rainha avista seu filho e, temendo que ele estivesse correndo risco, aciona<br />
o comandante que dá a or<strong>de</strong>m para o início do ataque dos cupins contra o in<strong>de</strong>feso<br />
elefante, que iriam furar algo “muito mais macio que ma<strong>de</strong>ira”. É quando surge Duda<br />
que, completamente enfurecida, pega o capitão cupim e manda soltar seu guru. Fora <strong>de</strong><br />
controle, Duda ameaça <strong>de</strong>vorar os cupins, porém Gajah intervém lembrando-a <strong>de</strong> que é<br />
vegetariana e evocando um mantra que a <strong>de</strong>ixa muito mais calma e tranquila, <strong>de</strong> volta<br />
ao seu estado normal.<br />
Ao perceber que Duda era vegetariana e que Gajah possui controle sobre a vonta<strong>de</strong><br />
da tamanduá, a rainha enxerga em Duda um mo<strong>de</strong>lo, uma possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um futuro<br />
melhor para os cupins - sem predadores - e manda soltar o paqui<strong>de</strong>rme. Nesse exato<br />
momento, passa no céu o dirigível e Gajah sai correndo em direção a uma corda próxima<br />
ao chão, pendurada na aeronave. Atrás <strong>de</strong>le vem Duda e, atrás <strong>de</strong>la, o trem dos cupins<br />
a todo vapor.<br />
O elefante alcança a corda, se segura a ela, mas percebe Duda tropeçando e permanecendo<br />
imóvel em cima dos trilhos, correndo risco <strong>de</strong> ser atropelada pelo trem que vinha logo atrás, a<br />
toda velocida<strong>de</strong>. Nesse momento, Gajah toma uma <strong>de</strong>cisão: se solta da corda e corre em direção à<br />
tamanduá, salvando sua vida. O trem, todavia, já havia sido freado por solicitação <strong>de</strong> Júnior à sua<br />
mãe. A rainha, após hesitar um pouco, or<strong>de</strong>na que o maquinista pare. Duda acaba sendo jogada pelo<br />
256
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
paqui<strong>de</strong>rme, sã e salva, em um lago, enquanto Gajah é que acaba colidindo contra o trem - que a<br />
esta altura já estava parado. O dirigível segue seu caminho e vai embora.<br />
Após uma pequena discussão, o elefante pe<strong>de</strong> para a rainha dos cupins uma carona no trem<br />
para alcançar novamente a aeronave. A soberana explica que o trem está sem combustível<br />
(água) e que levaria semanas para os cupins encherem o reservatório, gota por gota. Gajah<br />
percebe que po<strong>de</strong> ajudar a encher o reservatório <strong>de</strong> forma muito mais rápida, por meio <strong>de</strong> sua<br />
tromba, e se oferece para ajudar. Assim, Gajah e Duda se juntam à colônia <strong>de</strong> cupins e partem<br />
todos em busca do misterioso dirigível.<br />
No final, o urubu volta e “puxa” a música tema da série, que é utilizada para o encerramento,<br />
apresentando os créditos da produção junto com novas imagens das personagens interagindo<br />
com a animada canção tema da série.<br />
Na Índia, o elefante é um animal relativamente comum, sendo utilizado há séculos para<br />
ajudar no trabalho e também como meio <strong>de</strong> transporte – inclusive urbano. Des<strong>de</strong> o ano <strong>de</strong> 2010,<br />
o elefante foi <strong>de</strong>clarado um patrimônio nacional naquele país e sua preservação reforçada. Na<br />
religião hindu, o elefante é associado à Ganesha, filho <strong>de</strong> Shiva e Parvati, consi<strong>de</strong>rado um <strong>de</strong>us<br />
extremamente sábio, provedor <strong>de</strong> fortuna, prosperida<strong>de</strong> e também superador <strong>de</strong> obstáculos –<br />
sejam eles físicos ou espirituais. Sua graça é invocada por meio <strong>de</strong> diversos mantras.<br />
Gajah (que em malaio significa elefante) não possui os atributos nem as virtu<strong>de</strong>s da<br />
divinda<strong>de</strong> hindu e sua presença é completamente inusitada na América Latina, uma vez<br />
que este espaço não correspon<strong>de</strong> ao seu habitat natural. É este elemento estrangeiro que<br />
traz consigo a novida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ia a trama central da série. Sua presença é vista com<br />
admiração por Duda e como novida<strong>de</strong> pela colônia <strong>de</strong> cupins, mas nunca é hostilizada por<br />
qualquer personagem. Da mesma forma, Gajah também trata <strong>de</strong> forma cordial seus novos<br />
colegas, mesmo que para isso tenha que, por vezes, superar suas antigas i<strong>de</strong>ias e valores.<br />
257
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Se Gajah não está em casa, também não <strong>de</strong>monstra sentir sauda<strong>de</strong>s da Índia. Tampouco enfrenta<br />
gran<strong>de</strong> resistência em sua acolhida no novo mundo, pelo contrário. O elefante representa, portanto,<br />
os diferentes povos que vieram, e continuando vindo, para a América Latina e que, junto com seus<br />
habitantes nativos, ajudam a <strong>de</strong>finir as i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s múltiplas e multifacetadas <strong>de</strong> seus países.<br />
Assim, as características internas das personagens, suas virtu<strong>de</strong>s e seus <strong>de</strong>feitos motivam<br />
seus relacionamentos e amiza<strong>de</strong>s, fugindo <strong>de</strong> certo <strong>de</strong>terminismo reservado para essas<br />
espécies: Duda é uma tamanduá, diferentemente da natureza <strong>de</strong> sua espécie, vegetariana;<br />
Gajah, um elefante que <strong>de</strong>scobre uma nova vida em uma localida<strong>de</strong> geográfica da qual não se<br />
originou e os cupins formam uma colônia que reverte seu papel <strong>de</strong> presa (caça) e confinamento<br />
por meio da tecnologia e da motivação baseada em uma crença.<br />
A presença <strong>de</strong> novos lugares e personagens a cada episódio possibilita a inserção <strong>de</strong> elementos<br />
variáveis que potencializam a abertura <strong>de</strong> situações e contextos originais. Desta forma, na medida<br />
em que as próprias personagens principais da série complexificam seus relacionamentos, ampliam<br />
seus conhecimentos e expan<strong>de</strong>m seus horizontes, também o espectador é convidado a embarcar<br />
nesse trem e pensar nas questões propostas, seja no contexto da série ou mesmo em sua própria vida<br />
cotidiana em socieda<strong>de</strong>.<br />
Entrevista com Zé Brandão, autor <strong>de</strong> “Tromba Trem”<br />
Quais as principais diferenças, em termos narrativos, entre um projeto <strong>de</strong> animação<br />
para curta-metragem e para série <strong>de</strong> TV?<br />
O curta-metragem é uma história que se encerra em si mesma. Se ao fim do filme o<br />
expectador sai com a sensação <strong>de</strong> que não há nada mais a ser contado, não há problemas, o curta<br />
cumpriu seu papel <strong>de</strong> entreter e/ou emocionar. Sua estrutura narrativa po<strong>de</strong> ser extremamente<br />
complexa, pois não precisará ser repetida. A série para a TV precisa transmitir a sensação <strong>de</strong><br />
que sempre haverá algo mais a ser mostrado. Despertar a curiosida<strong>de</strong> do expectador <strong>de</strong> que<br />
outras histórias po<strong>de</strong>m surgir a partir daquelas. A narrativa <strong>de</strong>ve ser estruturada <strong>de</strong> forma<br />
que possa ser remontada a cada episódio, pois o formato i<strong>de</strong>ntifica a série, que por natureza<br />
remete à repetição.<br />
Quais são os diferenciais narrativos <strong>de</strong> uma boa série <strong>de</strong> animação?<br />
Apesar <strong>de</strong> respeitar a estrutura narrativa que é comum a todos os episódios, a boa série<br />
o faz <strong>de</strong> maneira que cada capítulo seja único, sempre trazendo um elemento original. Uma<br />
boa série <strong>de</strong>ve ter sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> reconhecida em poucas linhas do roteiro, mas trazer uma<br />
sensação <strong>de</strong> novida<strong>de</strong> ao fim da leitura.<br />
Como se <strong>de</strong>u o processo <strong>de</strong> criação da série? Qual foi o primeiro passo? E as <strong>de</strong>mais<br />
etapas? Como é formada a equipe <strong>de</strong> criação e quais são as tarefas <strong>de</strong>senvolvidas por ela?<br />
Por incrível que pareça o primeiro passo para a criação da série “Tromba Trem” foi um<br />
exercício, uma brinca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> associar palavras aleatórias. Sorteei três palavras que não tinham<br />
nenhuma relação entre si e criei uma história que conectasse todas elas. O resultado era uma<br />
premissa engraçada, porém fraca, não se sustentaria se <strong>de</strong>pois não houvesse um trabalho <strong>de</strong><br />
realmente justificar cada conexão. Então veio o processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver o universo da história,<br />
258
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
<strong>de</strong>senvolver cada personagem separadamente e como se dá a relação entre elas. Quais eram<br />
os objetivos, os medos, as características <strong>de</strong> cada um e como isso se somava na evolução da<br />
premissa. No fim, a história era bem mais <strong>de</strong>nsa que a inicial, com muito mais conteúdo.<br />
Depois, foi colocar essa história sob a apreciação da equipe <strong>de</strong> criação. Essa equipe era<br />
formada <strong>de</strong> pessoas que já haviam trabalhado juntas em processos criativos semelhantes.<br />
Todos que estavam ali apostavam na qualida<strong>de</strong> da premissa, acreditando no seu sucesso. A<br />
equipe veio com sugestões para a história, e muitas <strong>de</strong>las foram aproveitadas, enriquecendo<br />
muito o projeto. Nosso grupo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhistas se juntou para pensar a história graficamente, e<br />
várias coisas que surgiram no <strong>de</strong>senho foram acrescentadas à narrativa.<br />
Quais foram as referências no processo <strong>de</strong> criação da série?<br />
Todas as referências eram unanimida<strong>de</strong> na equipe <strong>de</strong> criação. Queríamos fazer um <strong>de</strong>senho<br />
que nos agradasse, que nos divertisse, portanto, as referências eram sempre as preferidas.<br />
Muitas <strong>de</strong>ssas referências eram <strong>de</strong>senhos em série, como “Bob Esponja”, “Mansão Foster” e<br />
“Caverna do Dragão”, mas não se limitavam a isso, pelo contrário, a maneira como a Pixar<br />
constrói suas personagens em longas-metragens influenciou muito. Nos inspiramos bastante<br />
em nossas próprias experiências <strong>de</strong> vida, em filmes road movie, em épicos, jornadas <strong>de</strong> heróis<br />
etc. Além <strong>de</strong> música, muita música, que ditou o ritmo da série.<br />
Qual ou quais foram os conceitos centrais utilizados para a criação da série? Como você<br />
<strong>de</strong>finiria sua série?<br />
Uma série <strong>de</strong> humor, centrada nas personagens (character driven), que aposta na marcante<br />
diferença entre elas e nas relações que estabelecem. A série também traz consigo o prazer da<br />
<strong>de</strong>scoberta, <strong>de</strong> novos lugares e personagens. Um gigantesco road movie, no qual não existe o<br />
discurso maniqueísta <strong>de</strong> mocinho e vilão. Todos erram e acertam.<br />
Quais são as principais propostas/objetivos da série?<br />
Antes <strong>de</strong> tudo, divertir e entreter. Depois, apresentar em forma <strong>de</strong> <strong>de</strong>senho animado as paisagens<br />
e a cultura da América Latina. Também abordamos temas sociais universais, como o respeito às<br />
diferenças, a aceitação <strong>de</strong> outras crenças e a admiração da diversida<strong>de</strong>.<br />
Como estes conceitos e objetivos são trabalhados nos roteiros dos episódios?<br />
O humor é uma presença constante, porém as piadas dificilmente são gratuitas, <strong>de</strong>vem sempre<br />
levar a história adiante, afinal as personagens têm objetivos, a viagem precisa seguir. A América<br />
Latina é apresentada pelo olhar do estrangeiro, com o frescor do novo. Quando abordamos um tema<br />
social, ele é colocado <strong>de</strong> maneira natural, sem um tom didático, moralista.<br />
Como se dá a articulação da narrativa com os <strong>de</strong>mais elementos (visuais, produção,<br />
comercialização, etc) da série?<br />
Tentamos nunca engessar a narrativa por conta <strong>de</strong> qualquer elemento. Acreditamos no<br />
po<strong>de</strong>r da história e damos muita importância a ela. Porém sabemos que a série tem limitações,<br />
existem coisas que <strong>de</strong>vem ser evitadas, pois visualmente seriam muito trabalhosas/dispendiosas.<br />
Tentamos sempre resolver as coisas <strong>de</strong> maneira criativa visualmente para limitar o mínimo<br />
possível à criativida<strong>de</strong> nos roteiros. E até hoje nunca fizemos nada na história preocupados com<br />
o que ven<strong>de</strong> mais ou menos. Achamos que se fizermos algo genuinamente bom, verda<strong>de</strong>iro, ele<br />
vai agradar a outras pessoas, e naturalmente ven<strong>de</strong>r.<br />
259
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Quais foram, em termos narrativos, as principais dificulda<strong>de</strong>s encontradas? Como foram<br />
contornadas?<br />
A estrutura narrativa básica da nossa série toma muito tempo do roteiro. Precisamos<br />
estabelecer a chegada das personagens num novo lugar, on<strong>de</strong> elas vão conhecer novas<br />
personagens e <strong>de</strong>ssa relação vai surgir uma história. Isso <strong>de</strong>ixa pouco tempo para <strong>de</strong>senvolver<br />
todo o resto numa série que dura apenas 11 minutos (cada episódio). Contornamos esse<br />
problema imprimindo um ritmo intenso na história, uma montanha-russa a cada capítulo.<br />
Que dicas/conselhos você daria para alguém que quer <strong>de</strong>senvolver um projeto <strong>de</strong> série<br />
<strong>de</strong> animação para TV?<br />
Faça algo em que você acredite e <strong>de</strong> que goste muito, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> tendências sociais<br />
ou <strong>de</strong> mercado. Pense que para que dê certo você vai precisar fazer o seu melhor, e se <strong>de</strong>r<br />
certo você terá que conviver com essa i<strong>de</strong>ia durante muito tempo. Se for algo <strong>de</strong> que você não<br />
goste muito, não vai valer a pena.<br />
260
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
261
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
série selecionada:<br />
“carrapatos e<br />
catapultas” 22 4.2<br />
4.2 Série Selecionada: “Carrapatos e Catapultas”<br />
Em outra galáxia, no Planeta Vaca, carrapatos bico <strong>de</strong> pato usam canudinho para sugar<br />
gororoba visando engordar e explodir – o que os levará ao <strong>de</strong>sejado paraíso dos carrapatos.<br />
Nesse estranho mundo, os protagonistas Bum e Bod são dois jovens amigos, que vivem no<br />
trigésimo andar <strong>de</strong> prédios vizinhos. Além disso, eles têm em comum a característica <strong>de</strong> não<br />
conseguirem engordar e explodir como os <strong>de</strong>mais carrapatos.<br />
Bum é um “carrapato bico-<strong>de</strong>-pato” gordinho, realista, sincero e que costuma se enervar<br />
pelas confusões e trapalhadas <strong>de</strong> seu melhor amigo, Bod. Ao contrário dos outros carrapatos,<br />
não tem pressa em explodir, pois acha que tudo está bom do jeito em que está. Assim como<br />
Bod, toda vez que é catapultado para casa erra a janela <strong>de</strong> seu apartamento, batendo contra<br />
a pare<strong>de</strong> e escorregando até a entrada.<br />
Toda noite, Bum recebe as ligações <strong>de</strong> sua mãe chamando direto do Mundo dos Carrapatos<br />
Fantasmas. Além <strong>de</strong> lhe dar conselhos, a progenitora faz alguns presságios. Bum sofre <strong>de</strong><br />
sonambulismo, o que faz com que não se lembre <strong>de</strong> algumas <strong>de</strong> suas ações durante a noite.<br />
Costuma se chatear e se irritar facilmente com Bod, porém, <strong>de</strong> uma forma ou <strong>de</strong> outra, sempre<br />
releva esses sentimentos em nome da amiza<strong>de</strong>.<br />
Alto e magro, Bod é extremamente guloso, mas nunca engorda, pois sofre <strong>de</strong> um problema<br />
hormonal. Depois <strong>de</strong> comer, sempre solta um alto e sonoro arroto. Pouco inteligente, se revela medroso<br />
e expressa isso fisicamente por meio <strong>de</strong> tremores no corpo e ao colocar as mãos na boca diante <strong>de</strong><br />
22. A série possui um blog no qual é possível acompanhar a rotina <strong>de</strong> produção e as últimas notícias envolvendo<br />
a produção, disponível em: http://carrapatosecatapultas.blogspot.com<br />
262
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
algum perigo iminente. Também é bastante atrapalhado, mas como é sortudo, as coisas costumam dar<br />
sempre certo para ele. Toda vez que fica empolgado, Bod repete seu bordão: “- Super carrapatal!”.<br />
No Planeta Vaca, ao mesmo tempo em que há alguns sistemas e objetos semelhantes aos<br />
do nosso mundo, outras coisas são completamente diferentes. Não existem, por exemplo,<br />
refrigeradores, máquinas <strong>de</strong> lavar, rádios, ipods, computadores e nem automóveis. Lá,<br />
o principal meio <strong>de</strong> transporte são as catapultas, por meio das quais os carrapatos são<br />
“catapultados” para os mais diversos lugares.<br />
Comumente, os dois protagonistas conversam diretamente através da janela <strong>de</strong> seus<br />
apartamentos. Quando querem sair <strong>de</strong> casa, fazem como os <strong>de</strong>mais carrapatos: saltam pela<br />
janela em queda livre até que o paraquedas automático que eles mantêm guardado em suas<br />
carapaças seja acionado, permitindo o pouso em segurança no solo. Para retornarem aos<br />
apartamentos ou se <strong>de</strong>slocarem para qualquer outro lugar, utilizam as inúmeras catapultas<br />
espalhadas por todo o planeta. As catapultas são operadas por “catapulteiros” e po<strong>de</strong>m lançar<br />
um ou diversos carrapatos <strong>de</strong> uma única vez em inúmeras trajetórias diferentes, muitas vezes<br />
tão inusitadas que chegam a contrariar as leis básicas da física.<br />
A cida<strong>de</strong> dos carrapatos é ocupada por prédios com formas irregulares, revestidos <strong>de</strong><br />
pedras e repletos <strong>de</strong> janelas abertas, para permitir o entra e sai dos moradores e visitantes.<br />
Por <strong>de</strong>ntro, cada apartamento tem acabamento e <strong>de</strong>corações diferenciadas, <strong>de</strong> acordo com o<br />
perfil <strong>de</strong> cada personagem.<br />
A maioria dos carrapatos adultos já explodiu e se mudou para o <strong>de</strong>sejado Mundo dos Carrapatos<br />
Fantasmas. De lá, po<strong>de</strong>m manter contato com os carrapatos do Planeta Vaca por meio <strong>de</strong> uma<br />
espécie <strong>de</strong> telefone. As explosões são sempre repentinas e acompanhadas pela vibração <strong>de</strong> um grupo<br />
<strong>de</strong> carrapatos que, também inesperadamente, surge comemorando o evento.<br />
263
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Bum e Bod são exceções: Bum tem medo <strong>de</strong> explodir e Bod possui um problema hormonal<br />
que o impe<strong>de</strong> <strong>de</strong> engordar. Os dois se tornam amigos e apren<strong>de</strong>m a curtir a vida cotidiana no<br />
Planeta Vaca, on<strong>de</strong> são felizes. De manhã, estudam em um colégio on<strong>de</strong> os professores vivem,<br />
literalmente, explodindo e à tar<strong>de</strong>, trabalham como estagiários, realizando as mais diversas<br />
tarefas. O chefe <strong>de</strong>les é Bonaparte, um carrapato mal-humorado que usa um chapéu idêntico<br />
ao <strong>de</strong> Napoleão e que vive passando tarefas impossíveis para a dupla que, sempre com o auxílio<br />
da sorte, consegue realizá-las.<br />
O inusitado universo da série permite a apresentação <strong>de</strong> inúmeros elementos insólitos,<br />
como: a “quase roda-gigante” (uma roda-gigante torta); os asteroi<strong>de</strong>s que caem no planeta<br />
e mudam a personalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alguns carrapatos; as pedras flutuantes; os reis que explo<strong>de</strong>m<br />
constantemente; os buracos com olhos que levam a mundos subterrâneos, cheios <strong>de</strong> monstros<br />
<strong>de</strong>sconhecidos; as saborosas frutas pulantes e falantes chamadas <strong>de</strong> tingues-lingues; os<br />
“carrapatos megafone”, que funcionam como emissários <strong>de</strong> notícias e também como<br />
fofoqueiros, e os aviõezinhos <strong>de</strong> papel, que levam mensagens para qualquer en<strong>de</strong>reço.<br />
A abertura inventiva do universo da série e a presença do absurdo permitem a fecunda criação<br />
<strong>de</strong> infinitos elementos e situações, mesmo que não pensadas a priori, uma vez que se tem a<br />
impressão <strong>de</strong> que quase tudo é possível. A série faz ainda referências ao mundo contemporâneo e<br />
possui humor elaborado, tornando-a também atrativa a um público mais adulto.<br />
Com formas físicas semelhantes, os carrapatos variam <strong>de</strong> tamanho, cores e <strong>de</strong><br />
personalida<strong>de</strong>. De <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> suas carapaças, po<strong>de</strong>m ser retirados objetos estranhos e<br />
improváveis, como o paraquedas acionado automaticamente em situações <strong>de</strong> queda livre. Os<br />
objetos alienígenas (terráqueos), que surgem após os terremotos, são recortes fotográficos<br />
dos referidos objetos, dando um visual diferenciado e distinguindo estes dos <strong>de</strong>mais objetos<br />
do mundo dos carrapatos.<br />
264
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Além <strong>de</strong> Bum e Bod, a série apresenta diversas outras personagens. Entre elas, está Bolão,<br />
um “carrapato bico-<strong>de</strong>-pato” <strong>de</strong>ntuço e muito gordo, obcecado em explodir – o que nunca<br />
acontece. Costuma levantar sua enorme barriga que, ao cair, reproduz os sons das coisas que<br />
foram sugadas. Por conta <strong>de</strong> seu tamanho exagerado, Bolão tem dificulda<strong>de</strong> para entrar e para<br />
sair <strong>de</strong> muitos lugares, não raramente ficando entalado.<br />
Baixinho é um “carrapato bico-<strong>de</strong>-pato” criança que, com a explosão simultânea <strong>de</strong> seus pais,<br />
vai morar com seu primo Bum. Curioso e ao mesmo tempo distraído, é viciado em se catapultar,<br />
ficando extremamente agitado quando fica muito tempo sem utilizar uma catapulta.<br />
Episódio Piloto: “Caixa <strong>de</strong> Luz”<br />
O episódio piloto <strong>de</strong> “Carrapatos e Catapultas” começa com a divertida abertura da série, na qual<br />
são exibidas algumas imagens do <strong>de</strong>senho animado e <strong>de</strong> carrapatos dançando ao som da música tema,<br />
até a entrada dos créditos com o logo da série e o título do episódio, no caso do piloto, “Caixa <strong>de</strong> Luz”.<br />
O episódio começa com um terremoto no Planeta Vaca que, assim como outros tremores,<br />
faz surgir misteriosamente alguns objetos. Da janela do seu edifício, Bod convida seu “vizinho<br />
<strong>de</strong> andar” no prédio ao lado, Bum, para ver o fascinante objeto, trazido pelo terremoto,<br />
que surgiu em seu apartamento. Após hesitar um pouco, Bum aceita o convite, saltando pela<br />
janela. Durante a queda livre, diversos carrapatos catapultados atravessam o caminho <strong>de</strong><br />
Bum, saudando-o com cumprimentos <strong>de</strong> bom dia. Alguns instantes <strong>de</strong>pois, um paraquedas<br />
automático é acionado, permitindo o pouso seguro <strong>de</strong> Bum.<br />
No chão, um ambulante anuncia em um megafone pílulas engordativas, boas para explodir.<br />
Bum passa por ele e caminha em direção a uma catapulta, on<strong>de</strong> pe<strong>de</strong> para ir para a casa <strong>de</strong><br />
265
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Bod. Antes que pu<strong>de</strong>sse pedir para ir direto, Bum é catapultado acertando em cheio a pare<strong>de</strong><br />
externa do prédio. Depois, escorrega para a janela do apartamento <strong>de</strong> seu amigo – o que<br />
acontece sempre com a dupla.<br />
Na sala <strong>de</strong> seu apartamento, Bod apresenta a novida<strong>de</strong> “super carrapatal”: uma caixa <strong>de</strong><br />
luz (aparelho <strong>de</strong> televisão). Bum afirma que aquilo é apenas “sucata alienígena”, mas Bod está<br />
apaixonado pela misteriosa caixa, apelidada <strong>de</strong> Cirene, e acha que ela também gosta <strong>de</strong>le. Bod<br />
revela seu trauma em se apaixonar por carrapatas que, nos momentos <strong>de</strong> romance, acabam<br />
sempre explodindo. Por isso, seu <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> substituir uma carrapata pela caixa <strong>de</strong> luz, que<br />
não irá explodir. Os dois amigos vão conversar na cozinha e sugar uma gororoba ver<strong>de</strong> com<br />
tentáculos vivos. Após uma discussão sobre a novida<strong>de</strong> trazida, Bod volta para a sala, enquanto<br />
Bum termina <strong>de</strong> tomar sua gororoba.<br />
Quando chega à sala, Bum percebe que Bod havia sido hipnotizado por Cirene e que seu amigo<br />
estava totalmente dominado. Preocupado, não vê outra saída a não ser arrancar o dispositivo da<br />
frente do amigo e jogá-lo pela janela. Porém, no meio do caminho, Bum é interceptado por Bod e<br />
ambos começam a brigar. Durante o combate, Bolão, um carrapato enorme, chega catapultado no<br />
apartamento, o que gera uma pausa na confusão. Bum ajuda o novo visitante a entrar, uma vez que<br />
este havia ficado, por conta <strong>de</strong> seu enorme tamanho, entalado na janela. Ao <strong>de</strong>sentalar Bolão, Bum<br />
acaba ficando preso, esmagado embaixo do gran<strong>de</strong> colega, enquanto Bod foge com o dispositivo.<br />
Bum só consegue convencer Bolão a se levantar e a segui-los <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> mentir, dizendo que Bod havia<br />
levado com ele toda a comida da casa.<br />
Os dois saltam e veem Bod e Cirene sendo catapultados. Eles correm para a mesma<br />
catapulta e pe<strong>de</strong>m para seguir o carrapato. Porém, no momento em que seriam lançados,<br />
o catapulteiro explo<strong>de</strong> repentinamente e os dois não conseguem segui-lo. Bum acha outra<br />
catapulta logo mais à frente e vai ao encontro <strong>de</strong> seu vizinho hipnotizado, enquanto Bolão fica<br />
em solo firme, sugando uma família <strong>de</strong> lesmas que havia encontrado em uma árvore.<br />
Ao chegar a uma larga pedra <strong>de</strong>licadamente equilibrada no topo <strong>de</strong> uma montanha, como uma<br />
espécie <strong>de</strong> gangorra, Bum encontra Bod ainda hipnotizado por Cirene. Ele consegue arrancar o aparelho<br />
<strong>de</strong> televisão <strong>de</strong> seu amigo e o arremessa direto do alto da montanha para o chão. Desesperado, Bod<br />
salta atrás do aparelho, mas antes <strong>de</strong> conseguir alcançá-lo, seu paraquedas é acionado e Cirene<br />
acaba <strong>de</strong>stroçada no chão. Ao aterrissar, Bod sai do transe e é reconfortado por Bum, que o convida<br />
para sugar alguma gororoba na Suganete. Nesse momento, Bolão aparece repentinamente em cena<br />
e diz: “- Hummm... Alguém falou em gororoba?”.<br />
À noite, Bum está dormindo em seu apartamento quando subitamente seu telefone toca. O<br />
carrapato levanta e aten<strong>de</strong> o aparelho, colocando-o em cima <strong>de</strong> sua própria cabeça. O aparelho<br />
<strong>de</strong> telefone foi recolhido por Bum e é guardado em seu quarto secreto <strong>de</strong> lixos alienígenas. Ele<br />
po<strong>de</strong> ouvir uma voz familiar, que telefonou para lhe dar “conselhos <strong>de</strong> mãe”, pedindo para ele<br />
sugar tudo direitinho a fim <strong>de</strong> explodir rápido e ir logo para o paraíso, juntar-se a ela. A ligação<br />
cai, po<strong>de</strong>-se ouvir um sinal <strong>de</strong> ocupado e o telefone é colocado no gancho.<br />
Surgem os créditos finais da série, com a cida<strong>de</strong> ao fundo e um gran<strong>de</strong> placar que tem<br />
marcado em giz o número 92. Ouvimos um som <strong>de</strong> explosão, seguido <strong>de</strong> breves comemorações<br />
<strong>de</strong> multidão. Um carrapato que estava imóvel, encostado na placa, apaga o último dígito (dois)<br />
266
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
e escreve em seu lugar o número três, <strong>de</strong> maneira que o número exibido no placar se torna 93,<br />
ou seja, mais um carrapato explodiu.<br />
O estranhamento inicial causado pela série, em função da presença do absurdo e do<br />
inusitado, logo dá lugar ao entendimento <strong>de</strong> um universo que, embora não seja factual, é<br />
coerente internamente – o que é conhecido no campo da narratologia como a “suspensão do<br />
<strong>de</strong>scrédito”. Esta outra realida<strong>de</strong>, da qual somos convidados a participar, se apresenta como<br />
uma espécie <strong>de</strong> metáfora ampliada <strong>de</strong> nosso próprio mundo.<br />
267
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Neste sentido, a série, que teve seu nome e conceitos centrais pensados a partir da<br />
sonorida<strong>de</strong> do termo “Carrapatos e Catapultas”, aproxima-se, em certo sentido, <strong>de</strong> “Bob<br />
Esponja”. Todavia, ao <strong>de</strong>slocar e <strong>de</strong>sconstruir objetos e hábitos associados à nossa civilização<br />
contemporânea, a série brasileira reforça a crítica social, o conceito <strong>de</strong> valor das coisas e<br />
inverte a noção <strong>de</strong> absurdo: como po<strong>de</strong> alguém se apaixonar por uma caixa <strong>de</strong> luz a ponto <strong>de</strong><br />
seguir suas or<strong>de</strong>ns, tendo para isso até mesmo que brigar com seu melhor amigo?<br />
O humor e o insólito presentes na série fornecem uma espécie <strong>de</strong> licença para que<br />
questões caras ao nosso mundo possam ser abordadas, ainda que por meio <strong>de</strong> metáforas ou <strong>de</strong><br />
maneira sútil. Quando mais distante do “mundo real” a série parece estar, mais próxima <strong>de</strong>le,<br />
paradoxalmente, ela consegue ficar.<br />
Na vida natural, os carrapatos nascem <strong>de</strong> ovos, e na medida em que crescem, se transformam<br />
durante sua vida. Mesmo sem alimento, po<strong>de</strong>m sobreviver durante anos, ficando, entretanto, com<br />
algumas <strong>de</strong> suas funções limitadas. São parasitas que se alimentam <strong>de</strong> sangue <strong>de</strong> outros animais, por<br />
isso po<strong>de</strong>m ser transmissores <strong>de</strong> diversas doenças e vírus, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da região <strong>de</strong> ocorrência. Apesar<br />
<strong>de</strong> sua associação às zonas rurais, também po<strong>de</strong>m ser encontrados em zonas urbanas. Normalmente,<br />
após sugar sangue, costumam inchar e mudar radicalmente <strong>de</strong> aparência.<br />
Depen<strong>de</strong>ndo da espécie, os carrapatos po<strong>de</strong>m se instalar por tempos variados no corpo do<br />
hospe<strong>de</strong>iro, lá buscando alimento. Removê-los <strong>de</strong> maneira a<strong>de</strong>quada <strong>de</strong>sse corpo que lhes fornece<br />
nutrição é um processo trabalhoso, mas diminui consi<strong>de</strong>ravelmente o risco <strong>de</strong> transmissão <strong>de</strong><br />
doenças.<br />
Na série, os carrapatos <strong>de</strong>vem sugar ao máximo, para engordarem e explodirem. Isso significa<br />
que, quanto mais se conseguir comer, melhor – mesmo que para isso se ultrapasse alguns limites.<br />
Po<strong>de</strong>mos associar esse fato à crescente obesida<strong>de</strong> mundial, <strong>de</strong>corrente da maior presença <strong>de</strong><br />
alimentos menos saudáveis, da perda <strong>de</strong> um paladar apurado e da mudança dos hábitos alimentares,<br />
problema oposto ao da fome que afeta uma gran<strong>de</strong> parte da população mundial.<br />
Diminuído à dimensão <strong>de</strong> “comer-dormir-trabalhar”, o homem se afasta cada vez mais<br />
<strong>de</strong> sua própria natureza, substituindo seus valores existenciais basilares por aquilo que está<br />
mais proximamente ligado à rotina <strong>de</strong> viver em função da aquisição e do consumo <strong>de</strong> bens<br />
materiais. Em um mundo no qual “ter” vale cada vez mais do que “ser” (e/ou que para “ser” é<br />
preciso, por sua vez, “ter”), os produtos preenchem esse vazio e promovem os privilegiados a<br />
um “status superior”. Questionar, portanto, a natureza <strong>de</strong>stes bens e <strong>de</strong> suas relações com os<br />
seres (ainda que representados como carrapatos), assim como com a socieda<strong>de</strong> em que vivem,<br />
é um procedimento crítico legítimo.<br />
O carrapato sugador, parasita do mundo que o cerca, po<strong>de</strong> ser visto como uma paródia ao<br />
homem, impregnado e irremovível <strong>de</strong>ntro da dinâmica do mundo contemporâneo, transmissor<br />
do vírus materialista e <strong>de</strong> todos os males mo<strong>de</strong>rnos, esperando uma vida melhor após sua<br />
explosão. Eis aí o “homem carrapato” <strong>de</strong> nosso mundo, representado no universo da série pelo<br />
“carrapato bico-<strong>de</strong>-pato”.<br />
O fato <strong>de</strong> explodir para ascen<strong>de</strong>r a uma vida melhor po<strong>de</strong> nos fazer lembrar, em um<br />
primeiro momento, dos homens-bomba, comumente presentes entre os xiitas muçulmanos em<br />
268
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
conflitos no Oriente Médio; homens que pren<strong>de</strong>m explosivos aos seus corpos e, por crenças,<br />
religião ou i<strong>de</strong>ologia, sacrificam sua própria vida e <strong>de</strong> suas vítimas em favor <strong>de</strong> um atentado<br />
terrorista com a promessa <strong>de</strong> recompensas na pós-vida. Porém, tirando a explosão física,<br />
os carrapatos da série não se assemelham aos homens-bomba, visto que não arbitram sua<br />
<strong>de</strong>tonação, tampouco prejudicam outras pessoas com a explosão, pelo contrário, ela é motivo<br />
<strong>de</strong> comemoração para todos.<br />
Neste sentido, a explosão dos carrapatos na série po<strong>de</strong> ser interpretada, em relação ao<br />
mundo contemporâneo, <strong>de</strong> maneira simbólica. É esse homem diminuto, reificado, que vai,<br />
ainda que não perceba, se entupindo até o momento em que explo<strong>de</strong>. Esta explosão é a<br />
promessa <strong>de</strong> transformação nesta ou em outra vida, <strong>de</strong> realização daquilo que não se efetivou<br />
em sua existência. Ao não explodirem como os <strong>de</strong>mais, Bum e Bod representam a existência<br />
plena, valorizada em si mesma, enriquecida pelo sentido e que não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da promessa <strong>de</strong><br />
dias melhores.<br />
O universo da série é, portanto, dominado por um espírito jovem, uma vez que os carrapatos<br />
mais velhos já explodiram e os mais novos ainda são crianças, imaturas. E é o frescor da<br />
juventu<strong>de</strong> que fornece a tônica dominante da série e a liberda<strong>de</strong> para que as personagens<br />
vivam as mais diversas e inusitadas aventuras nesse mondo bizarro, ao mesmo tempo tão<br />
distante quanto próximo ao nosso.<br />
Tal qual a personagem <strong>de</strong> Raul Seixas apresentada na música “Ouro <strong>de</strong> Tolo”, os<br />
protagonistas Bum e Bod representam alguma esperança nesse mundo, uma vez que não ficam<br />
esperando a morte chegar “porque longe das cercas/emban<strong>de</strong>iradas/que separam quintais/no<br />
culme calmo/do meu olho que vê/assenta a sombra sonora/<strong>de</strong> um disco voador...”.<br />
Entrevista com Almir Correia, autor <strong>de</strong> “Carrapatos e Catapultas”<br />
Quais as principais diferenças, em termos narrativos, entre um projeto <strong>de</strong> animação<br />
para curta-metragem e para série <strong>de</strong> TV?<br />
Com certeza um curta <strong>de</strong> animação é mais simples. Você cria personagens e um universo só<br />
pra contar aquela história que terá 11 ou 15 minutos. Na série você precisa manter um padrão<br />
imagético e também <strong>de</strong> repetições que dão “cara” para o produto, ou seja, o espectador tem<br />
que assistir a qualquer episódio e conseguir i<strong>de</strong>ntificar <strong>de</strong> imediato à série projetada.<br />
Quais são os diferenciais narrativos <strong>de</strong> uma boa série <strong>de</strong> animação?<br />
Em todo projeto, fugir do lugar comum. E quando for trabalhar com o lugar comum,<br />
<strong>de</strong>sconstruí-lo também. O humor e as gags são elementos importantes, pois mantêm o<br />
interesse. No caso dos “Carrapatos [e Catapultas]”, temos ainda os estranhamentos <strong>de</strong> um<br />
mundo absurdo, que <strong>de</strong> imediato po<strong>de</strong>m ser bem recebidos por alguns e não por outros.<br />
Como se <strong>de</strong>u o processo <strong>de</strong> criação da série? Qual foi o primeiro passo? E as <strong>de</strong>mais<br />
etapas? Como é formada a equipe <strong>de</strong> criação e quais são as tarefas <strong>de</strong>senvolvidas por ela?<br />
O primeiro passo é a i<strong>de</strong>ia. As palavras “Carrapatos e Catapultas” surgiram assim, quase<br />
do nada. Primeiro a i<strong>de</strong>ia era fazer um livro infantil. Depois veio o ANIMATV. Da i<strong>de</strong>ia, vieram<br />
269
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
as personagens e o mundo <strong>de</strong>las, que eu queria diferente do nosso. Não queria os carrapatos<br />
vivendo numa vaca e assim surgiu o Planeta Vaca (total non sense), em outra Galáxia. Foi<br />
interessante; na pesquisa apresentada, muitas crianças acharam que os carrapatos viviam<br />
numa vaca, apesar do episódio piloto mostrar planetas no início. As pessoas sempre pegam a<br />
realida<strong>de</strong> como referência, isso é lógico, afinal é o mundo <strong>de</strong>las, mas têm muita dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
sair <strong>de</strong>ssa realida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> se libertar para novos mundos e fantasias.<br />
A equipe <strong>de</strong> criação é formada pelo autor-roteirista e <strong>de</strong>pois passa pelo artista <strong>de</strong><br />
storyboard, que dá algumas dicas em termos <strong>de</strong> a<strong>de</strong>quação da história aos elementos visuais<br />
propostos e finaliza com os cenaristas e <strong>de</strong>senhistas responsáveis pelos objetos e itens <strong>de</strong> cena.<br />
Na gravação dos diálogos, os atores também fazem pequenas modificações.<br />
Quais foram as referências no processo <strong>de</strong> criação da série?<br />
O cenário, eu queria algo feito <strong>de</strong> prédios <strong>de</strong> pedra, aqui a referência são os Flintstones.<br />
Os absurdos, com certeza, remetem ao Bob Esponja.<br />
Qual ou quais foram os conceitos centrais utilizados para a criação da série? Como você<br />
<strong>de</strong>finiria sua série?<br />
Humor, non sense, estranhamento, mas ao mesmo tempo muito crítica, se as pessoas<br />
realmente prestarem a atenção. O mundo dos carrapatos é o nosso mundo aumentado e<br />
ridicularizado. Muitas coisas da nossa realida<strong>de</strong> po<strong>de</strong>rão ser transpostas para lá.<br />
Quais são as principais propostas/objetivos da série?<br />
Entreter é o primeiro. A partir disso, po<strong>de</strong>mos conseguir muita coisa. Cito novamente Bob<br />
Esponja, que também tem essa finalida<strong>de</strong> e possui alguns episódios extremamente críticos <strong>de</strong><br />
nossa realida<strong>de</strong>. Analisar a nossa socieda<strong>de</strong> humana é outro com certeza, sempre com humor<br />
e crítica.<br />
Como estes conceitos e objetivos são trabalhados nos roteiros dos episódios?<br />
O piloto foi o roteiro mais complicado, por ser o primeiro. Depois que você já tem bem<br />
claro o mundo, e as personagens já têm vida, as coisas vão fluindo. Acho que um bom texto<br />
nar rativo, livro, série, novela começa realmente a funcionar, <strong>de</strong> “acordo com as peças que<br />
colocou no tabuleiro”, quando as personagens começam a falar por si e a direcionar a história.<br />
O autor apenas segue o que está sendo pedido por elas.<br />
Como exemplo <strong>de</strong> humor trabalhado na série, cito a explosão dos carrapatos. Primeiramente,<br />
ela aconteceria <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> os carrapatos sugarem muito, mas aí seria tudo muito previsível. Então<br />
optamos por que os carrapatos explodissem nos momentos mais inusitados. Esse inusitado é um dos<br />
elementos <strong>de</strong> humor da série. O estranhamento é outro elemento <strong>de</strong> humor que colocamos na série.<br />
Os conceitos são trabalhados muitas vezes <strong>de</strong> forma implícita, que faz com que o espectador tenha<br />
que pensar e estabelecer relações com a nossa realida<strong>de</strong> para enten<strong>de</strong>r a proposta apresentada. E<br />
também <strong>de</strong> forma explícita, escancarada, principalmente nas gags.<br />
Como se dá a articulação da narrativa com os <strong>de</strong>mais elementos (visuais, produção,<br />
comercialização etc.) da série?<br />
O visual já está feito. As personagens já têm cara, voz, personalida<strong>de</strong>. O mundo <strong>de</strong>las<br />
já existe e quero que seja mais louco e interessante do que o nosso mundo, mesmo sem<br />
270
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
a tecnologia que já temos. Falei, inclusive (e isso é bacana, pois não foi pensado, apenas<br />
aconteceu naturalmente), que a nossa série é muito ecológica também. Se as pessoas<br />
prestarem atenção, vão <strong>de</strong>scobrir isso e rir ainda mais. No mundo dos carrapatos, não existem<br />
automóveis e eles usam “rolantes” (enormes rodas) para exercícios e para gerar energia para<br />
suas residências <strong>de</strong> pedra.<br />
Os Carrapatos têm uma estética simples e diferente e um universo que foge completamente<br />
ao padrão. Tudo isso com muito humor, o que certamente facilitará a sua comercialização e a<br />
criação <strong>de</strong> outros produtos, como games.<br />
Quais foram, em termos narrativos, as principais dificulda<strong>de</strong>s encontradas? Como foram<br />
contornadas?<br />
Acho que os argumentos iniciais foram a parte mais complicada. Agora está mais fácil<br />
escrever um argumento, porque as personagens já criaram vida. Acho que duas ou três linhas<br />
já resolvem para dar diretriz ao roteiro do episódio.<br />
Que dicas/conselhos você daria para alguém que quer <strong>de</strong>senvolver um projeto <strong>de</strong> série<br />
<strong>de</strong> animação para TV?<br />
Ler é importante. Os animadores e <strong>de</strong>senhistas precisam fazer isso. Muitos <strong>de</strong>senham,<br />
muitos animam, mas poucos conseguem contar uma história. E aí a literatura mostra quão<br />
importante isso é. Eu sou professor, escritor e roteirista. Acho que tudo isso me ajudou muito.<br />
Não adianta fulano criar uma personagem super bem <strong>de</strong>senhada e não saber o que fazer com<br />
ela. Acho que a história vem antes, abstrata na sua cabeça, <strong>de</strong>pois ela passa para o papel na<br />
forma <strong>de</strong> palavras e, então, <strong>de</strong>senhos.<br />
271
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
consi<strong>de</strong>rações finais<br />
Muitas coisas foram afirmadas e comentadas neste livro e, para alguém que esteja<br />
começando a <strong>de</strong>senvolver projetos <strong>de</strong> série <strong>de</strong> animação, talvez este possa parecer um meio<br />
um tanto quanto inacessível, repleto <strong>de</strong> questões técnicas e especializadas. Mas é preciso<br />
lembrar que todo caso <strong>de</strong> sucesso passou, em algum momento <strong>de</strong> sua trajetória, pelas mesmas<br />
dúvidas, problemas e dificulda<strong>de</strong>s pelos quais qualquer projeto irá passar.<br />
Por isso, ao começar o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> um projeto, o mais importante é não ter medo<br />
e seguir a sua própria trajetória sempre <strong>de</strong> maneira confiante. Claro que a confiança, sozinha,<br />
não faz nada, por isso esperamos que este livro possa ter colaborado para quem está no início<br />
<strong>de</strong> sua jornada. Para o leitor já iniciado na área, esperamos que o livro possa ter levantado<br />
novas questões e ter lançado novas luzes sobre outras, já conhecidas.<br />
Para terminar este livro, ao invés <strong>de</strong> fazermos uma síntese ou resumo do que foi apresentado,<br />
optamos por elaborar uma relação <strong>de</strong> 15 dicas e conselhos que, acreditamos, possam ajudar tanto<br />
iniciantes quanto iniciados no sucesso <strong>de</strong> seus projetos e em suas realizações profissionais e pessoais.<br />
1 – Realize antes, ao menos, dois curtas-metragens animados<br />
Apesar <strong>de</strong> cada meio possuir especificida<strong>de</strong>s que diferenciem suas produções, é <strong>de</strong>sejável<br />
alguma experiência prévia em curta-metragem antes <strong>de</strong> se aventurar em projetos <strong>de</strong> séries<br />
<strong>de</strong> animação para televisão. Na maioria dos casos, a primeira experiência <strong>de</strong> um animador na<br />
área se dá pela realização <strong>de</strong> um curta-metragem autoral com recursos próprios, adquirindo a<br />
experiência necessária para um segundo trabalho.<br />
Depen<strong>de</strong>ndo do <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong>ssa primeira experiência autoral, normalmente medida por<br />
seleções e eventuais premiações em festivais, o animador consegue o aporte <strong>de</strong> algum edital<br />
para a realização <strong>de</strong> uma nova obra. Agora, além <strong>de</strong> aperfeiçoar aquilo que não funcionou bem<br />
272
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
na primeira vez, o animador <strong>de</strong>verá trabalhar com cronograma e orçamento mais rigorosos e<br />
criteriosos, tendo que prestar contas ao agente financiador no final do processo.<br />
Essas experiências prévias permitem ao animador uma noção mais próxima do processo<br />
<strong>de</strong> produção <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> animação, em comparação com alguém que não as possui. Boa<br />
parte, se não a totalida<strong>de</strong> dos autores <strong>de</strong> séries, passou por esse processo. Em alguns casos,<br />
inclusive, essas experiências se apresentaram como embriões <strong>de</strong> futuros projetos <strong>de</strong> séries.<br />
2 – Esteja atualizado<br />
Estar sempre atualizado em relação à área é fundamental e <strong>de</strong>ve acontecer por diferentes<br />
formas simultaneamente: assistindo e analisando séries antigas e atuais, conversando com<br />
diferentes pessoas relacionadas ao meio, participando <strong>de</strong> eventos, visitando regularmente sites,<br />
lendo livros e revistas especializados, fazendo cursos, acompanhando sessões <strong>de</strong> pitchs abertas<br />
etc. Enfim, <strong>de</strong>ve procurar as mais diversificadas maneiras pelas quais consiga ter um panorama<br />
abrangente do mercado <strong>de</strong> séries <strong>de</strong> animação.<br />
3 – Procure sempre expandir suas referências<br />
O proponente <strong>de</strong> projetos <strong>de</strong> séries <strong>de</strong> animação <strong>de</strong>ve buscar sempre sair <strong>de</strong> sua zona <strong>de</strong> conforto e<br />
buscar “outras” referências, pertençam elas à animação ou não. Expandir quantitativa e qualitativamente<br />
o repertório exige um movimento voluntário do autor. Devemos consi<strong>de</strong>rar que a inteligência e a<br />
criativida<strong>de</strong> humana po<strong>de</strong>m se manifestar nas mais diferentes épocas, lugares e suportes.<br />
Ainda que seja fundamental conhecer o métier da animação, também é fundamental<br />
explorar outros territórios como a dança, música, teatro, ópera, literatura, enfim, qualquer<br />
forma <strong>de</strong> expressão. Como o conhecimento e a produção cultural humana são praticamente<br />
infinitos e vivem em constante expansão, é importante que esse processo nunca seja freado.<br />
Não po<strong>de</strong>mos saber, entretanto, quando, como e <strong>de</strong> que forma serão aproveitadas estas referências<br />
– e mesmo se serão efetivamente aproveitadas. Em alguns casos ainda, este aproveitamento po<strong>de</strong><br />
se dar <strong>de</strong> maneira não muito clara e consciente para o autor. De qualquer forma, é importante que<br />
as referências estejam sempre por perto, guardadas em algum lugar acessível para que possam ser<br />
evocadas a qualquer momento – o que nem sempre ocorre <strong>de</strong> forma imediata.<br />
Além disso, a ampliação do repertório diminui a possibilida<strong>de</strong> da chamada “reinvenção da roda”.<br />
Ainda que não haja uma forma <strong>de</strong> se assegurar completamente sobre o ineditismo do projeto, quanto<br />
maior e mais diversificado o repertório, menor serão as chances <strong>de</strong> que isso aconteça.<br />
4 – A paixão pelo projeto <strong>de</strong>ve ser a principal motivação<br />
Embora possa parecer clichê, a motivação principal <strong>de</strong> um projeto <strong>de</strong> série <strong>de</strong>ve sempre<br />
ser a paixão. Além da competência técnica, que po<strong>de</strong> ser adquirida, o que distingue um projeto<br />
bom <strong>de</strong> outro excelente é, muitas vezes, a paixão envolvida.<br />
273
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Mesmo que não possa ser facilmente <strong>de</strong>finida, a ausência <strong>de</strong> paixão em um projeto po<strong>de</strong> ser<br />
facilmente percebida. A presença da paixão em um projeto é sempre espontânea e transparece<br />
em todas as etapas. Projetos motivados apenas por glamour ou por sucesso comercial parecem<br />
ser criados por setores <strong>de</strong> marketing, carentes <strong>de</strong> alma.<br />
5 – A criativida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve sempre se fazer presente<br />
Assim como a paixão, a criativida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve ser sempre um dos pilares <strong>de</strong> qualquer projeto <strong>de</strong><br />
série <strong>de</strong> animação. Não se autocensure: o pior tipo <strong>de</strong> censura que po<strong>de</strong> ocorrer é a censura do<br />
próprio autor. Para evitar isso, é preciso achar o ponto em que se localiza a tênue linha entre<br />
a (auto)crítica e a liberda<strong>de</strong> criativa; em outras palavras, o meio termo entre o “vale-tudo”<br />
e o “não vale nada”.<br />
O universo da animação não possui limites e assim também <strong>de</strong>ve ser a cabeça do autor.<br />
Séries <strong>de</strong> animação já existem há muito tempo e possuem um público bastante exigente: o que<br />
o seu projeto po<strong>de</strong> acrescentar ou trazer <strong>de</strong> novo?<br />
6 – Veja o quadro geral e consi<strong>de</strong>re aspectos diversos<br />
Priorizando sempre a paixão e a criativida<strong>de</strong>, não se <strong>de</strong>ve esquecer <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar aspectos<br />
diversos que tornem viáveis e atraentes a realização da série. Isso exige uma percepção acurada<br />
do contexto e da realida<strong>de</strong> envolvidos no projeto, além <strong>de</strong> um hábil jogo <strong>de</strong> cintura com os<br />
<strong>de</strong>mais setores e agentes envolvidos na produção. Daí, mais uma vez, a importância da formação<br />
<strong>de</strong> uma equipe não apenas competente profissionalmente, mas também comprometida e que<br />
compartilhe com o autor os mesmos sentimentos em relação à série.<br />
7 – Crítica, autocrítica e consultoria: saber procurar e escutar<br />
Não apenas ouvir, mas escutar os outros e a si mesmo. Procurar enten<strong>de</strong>r as críticas,<br />
edificantes ou não, é tão importante quanto à capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver uma autocrítica<br />
aguçada. Consultores especializados po<strong>de</strong>m ajudar bastante ao fornecer uma visão externa<br />
e imparcial, apontando, ou mesmo realizando alterações e modificações fundamentais no<br />
roteiro e na estrutura do projeto.<br />
Todavia, nem todas as críticas e sugestões <strong>de</strong>vem obrigatoriamente ser sempre incorporadas<br />
ao projeto. É preciso bom senso para saber quais as críticas que <strong>de</strong>vem realmente ser levadas<br />
em conta e quais não. Em outras situações, mesmo concordando com uma crítica em relação<br />
a algum aspecto específico, ela não será incorporada ao projeto <strong>de</strong>vido a outros elementos ou<br />
fatores prioritários na produção.<br />
Às vezes, as mais importantes críticas e sugestões po<strong>de</strong>m surpreen<strong>de</strong>ntemente surgir nas<br />
situações em que menos se espera. Procure escutar a maior quantida<strong>de</strong> e varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> pessoas<br />
possível e esteja sempre aberto – muitas vezes, um olhar diferenciado sobre algo presente no<br />
cotidiano ou aparentemente simples po<strong>de</strong> levar a lugares interessantes.<br />
274
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Da mesma forma, não ignore suas i<strong>de</strong>ias e pensamentos, por mais ingênuos e <strong>de</strong>spretensiosos<br />
que possam parecer à primeira vista. Muitas i<strong>de</strong>ias “geniais” surgiram <strong>de</strong> situações e pensamentos<br />
inusitados ou inesperados. Certa vez, uma maçã madura mudou para sempre a história da ciência<br />
ao cair <strong>de</strong> uma macieira e atingir certeiramente a cabeça <strong>de</strong> um jovem físico inglês que <strong>de</strong>scansava<br />
à sua sombra. Este simples fato, que em outros casos teria resultado apenas em uma ligeira dor na<br />
cabeça, <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ou a fundamentação <strong>de</strong> toda a mecânica clássica e da lei da gravitação universal,<br />
mudando para sempre a história da ciência e os rumos da própria humanida<strong>de</strong>. Assim como aconteceu<br />
com Newton na Física, é possível que a “maçã” <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> animação esteja em qualquer lugar,<br />
a qualquer hora. É preciso achar o estopim que <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ará algo maior que seu fato <strong>de</strong> origem e<br />
que resultará em alguma coisa imprescindível ao projeto.<br />
8 – Conheça o seu projeto e nunca o apresente antes do tempo<br />
O autor ou proponente do projeto <strong>de</strong>ve conhecer, mais do que ninguém, seu próprio projeto. Por<br />
isso mesmo, não se <strong>de</strong>ve pensar em apresentá-lo oficialmente antes que se tenha certeza sobre todas<br />
as <strong>de</strong>cisões e pleno conhecimento <strong>de</strong> todos os seus elementos. Assim como acontece em qualquer<br />
outra área, é preciso que o projeto atinja a sua maturida<strong>de</strong> antes <strong>de</strong> ser apresentado.<br />
Em um pitch, por exemplo, ao ser indagado sobre alguma questão, o proponente não<br />
<strong>de</strong>ve hesitar ou (aparentar) <strong>de</strong>sconhecer a resposta. Eventuais inseguranças são assimiladas<br />
imediatamente pelo avaliador, que pensará duas vezes antes <strong>de</strong> investir em um projeto<br />
incompleto ou in<strong>de</strong>finido. Lembre-se: o autor não faz o projeto <strong>de</strong> uma série para si próprio.<br />
9 – Consi<strong>de</strong>re a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conviver com seu projeto<br />
É preciso consi<strong>de</strong>rar a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> convívio com a realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalho do meio por muito<br />
tempo, uma espécie <strong>de</strong> casamento. Apesar <strong>de</strong> que, provavelmente, a gran<strong>de</strong> maioria das pessoas<br />
que <strong>de</strong>senvolve projetos <strong>de</strong> séries o faz por gostar <strong>de</strong> animação, é preciso consi<strong>de</strong>rar que assistir<br />
ou se pensar em um projeto é bem diferente <strong>de</strong> se trabalhar cotidianamente com ele.<br />
In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do prazer e da satisfação <strong>de</strong> ver um projeto próprio realizado não se <strong>de</strong>ve<br />
esquecer que, em muitos aspectos, trata-se <strong>de</strong> um ofício como outro qualquer, incluindo os<br />
seus altos e baixos. Também é preciso consi<strong>de</strong>rar o nível <strong>de</strong> envolvimento e a disponibilida<strong>de</strong><br />
regular e constante que uma série <strong>de</strong> animação exige.<br />
Além disso, o eventual reconhecimento, quando existente, se dá <strong>de</strong> maneira muito mais restrita<br />
e específica do que em outras áreas, nas quais se conhece a partir do autor suas obras. Para o gran<strong>de</strong><br />
público espectador, o nome do autor <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> animação é menos conhecido do que o da<br />
própria série, fazendo com que a imagem do criador viva na sombra <strong>de</strong> sua própria obra.<br />
10 – Seja profissional<br />
Vivemos em uma época em que o profissionalismo é cada vez mais exigido nas mais diversas áreas<br />
e segmentos - sobretudo em nichos <strong>de</strong> mercado competitivos, como é o das séries <strong>de</strong> animação. Ser<br />
275
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
um profissional da área <strong>de</strong> animação exige conhecimentos, habilida<strong>de</strong>s e competências específicas<br />
da área, mas também diversos outros comuns à maioria das áreas. O estereótipo do artista “maluco<br />
beleza” aqui não vale; é preciso ven<strong>de</strong>r uma imagem <strong>de</strong> profissional criativo.<br />
Apesar <strong>de</strong> séries <strong>de</strong> animação muitas vezes envolverem humor e certo clima informal, é<br />
importante não confundir isso com uma atitu<strong>de</strong> relapsa. O i<strong>de</strong>al é buscar conciliar essa atmosfera,<br />
importante para se formar uma equipe harmoniosa e motivada, com o profissionalismo. Neste<br />
sentido, a união <strong>de</strong> fatores como formação, experiência, competivida<strong>de</strong>, responsabilida<strong>de</strong>,<br />
pontualida<strong>de</strong>, comprometimento, <strong>de</strong>dicação, motivação, carisma e saber trabalhar em<br />
equipe com os conhecimentos, habilida<strong>de</strong>s e competências específicas da área é fundamental<br />
para o sucesso profissional em animação. Também é preciso o domínio pleno <strong>de</strong> um idioma<br />
estrangeiro, normalmente o inglês, para conseguir se comunicar fluentemente em situações<br />
diversas, sobretudo com eventuais parceiros internacionais.<br />
11 – Procure acompanhar e participar <strong>de</strong> todas as etapas<br />
Da mesma forma que o autor, por vezes, po<strong>de</strong> ou <strong>de</strong>ve ouvir produtores, executivos e<br />
<strong>de</strong>mais pessoas envolvidas em uma série <strong>de</strong> animação, também é importante que ele possa<br />
acompanhar e participar das <strong>de</strong>mais etapas <strong>de</strong> produção. Isso possibilita que a “essência” da<br />
obra perpasse pelas mais diversas etapas e também po<strong>de</strong> garantir a formação <strong>de</strong> uma equipe<br />
<strong>de</strong> trabalho mais coesa e harmoniosa, fundamental para se manter a qualida<strong>de</strong> final da série.<br />
Claro que fatores como remuneração e condições <strong>de</strong> trabalho também influenciam<br />
bastante na dinâmica <strong>de</strong> processo <strong>de</strong> uma equipe e <strong>de</strong>ve-se buscar formas para que sejam<br />
sempre as melhores possíveis. Mas, além disso, quanto mais a paixão do autor contaminar e for<br />
compartilhada com todos os envolvidos – o que ocorre sempre <strong>de</strong> forma pessoal e espontânea -<br />
melhor para toda a equipe e o público final. Quanto mais o autor conseguir acompanhar todas<br />
as etapas <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> sua série, maiores são as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> que a essência criativa<br />
e os objetivos iniciais da obra perpassem todas as etapas e cheguem ao público espectador.<br />
Participar <strong>de</strong>ssas etapas permite uma visão mais abrangente e integrada sobre o projeto e,<br />
também, po<strong>de</strong> auxiliar no processo <strong>de</strong> criação ao se consi<strong>de</strong>rar previamente aspectos que não<br />
seriam levados em consi<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> outra forma.<br />
12 – Dê o máximo <strong>de</strong> si, sempre<br />
Em mercados competitivos, como é o das séries <strong>de</strong> animação, ser apenas bom não basta.<br />
Ao examinarem qualquer projeto, os avaliadores vão enten<strong>de</strong>r que aquilo que for apresentado<br />
representa o máximo que po<strong>de</strong> ser feito. Então, mais importante que correr para conseguir<br />
apresentar o projeto em um <strong>de</strong>terminado lugar, é apresentar um projeto maduro e competitivo.<br />
Em algumas situações, entretanto, o cronograma po<strong>de</strong> não fornecer o tempo necessário<br />
para o <strong>de</strong>senvolvimento e amadurecimento <strong>de</strong> um projeto <strong>de</strong> série <strong>de</strong> animação. Por isso, o<br />
i<strong>de</strong>al é que o autor possua <strong>de</strong> antemão pelo menos três projetos <strong>de</strong>vidamente elaborados.<br />
Assim, em um caso <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>, basta reativar estes projetos e, eventualmente, fazer<br />
pequenos ajustes para uma apresentação profissional.<br />
276
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
É preciso que o proponente mantenha, sempre e em qualquer etapa ou circunstância, o<br />
máximo <strong>de</strong> sua capacida<strong>de</strong> e potencial. Além disso, é preciso que este “máximo” possa se<br />
expandir constantemente, isto é, que se procure continuar melhorando e aperfeiçoando seu<br />
trabalho, aumentando sistematicamente os padrões e expectativas sobre seu projeto.<br />
13 – Bom senso, coerência e jogo <strong>de</strong> cintura<br />
Bom senso, coerência e jogo <strong>de</strong> cintura são três termos diferentes aqui utilizados para<br />
<strong>de</strong>finir um mesmo conselho. Em um projeto que li<strong>de</strong> com ironia, por exemplo, é preciso que<br />
o autor tenha autoironia também, da mesma forma que um projeto que abor<strong>de</strong> questões<br />
sobre meio ambiente e preservação da natureza <strong>de</strong>ve ter algum tipo <strong>de</strong> preocupação com<br />
essas questões além dos próprios episódios - diminuindo ou eliminando a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
papel utilizado na produção, plantando árvores para compensação dos impactos ambientais,<br />
combatendo o <strong>de</strong>sperdício, utilizando fontes <strong>de</strong> energias renováveis, estimulando a carona<br />
entre os funcionários etc.<br />
Em certas situações po<strong>de</strong> não haver consenso entre as diferentes partes envolvidas em uma<br />
série <strong>de</strong> animação. Nesses momentos, é importante saber como e, mesmo, se é possível ce<strong>de</strong>r,<br />
negociar ou manter uma posição. O radicalismo po<strong>de</strong> ser tão prejudicial quanto a falta <strong>de</strong><br />
opiniões próprias ou <strong>de</strong> um ponto <strong>de</strong> vista coerente com o projeto. É necessário ter, portanto,<br />
sensibilida<strong>de</strong> e po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> persuasão no trato <strong>de</strong> questões diversas que envolvam negociações<br />
e <strong>de</strong>cisões.<br />
Às vezes, a opção que parece ser a melhor no calor do momento po<strong>de</strong> implicar em coisas<br />
menos favoráveis posteriormente. Por isso, é preciso consi<strong>de</strong>rar todas as opções e seus<br />
<strong>de</strong>sdobramentos e apren<strong>de</strong>r a negociar com seus parceiros – eventualmente, posicionando-se<br />
como agente intermediário entre dois <strong>de</strong>les. Por exemplo: a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> licenciamento <strong>de</strong> um<br />
<strong>de</strong>terminado tipo <strong>de</strong> produto po<strong>de</strong> ir <strong>de</strong> encontro aos conceitos da série, po<strong>de</strong>ndo ser vista<br />
como contradição, ou mesmo hipocrisia, por parte do público. Assim, seria mais apropriado<br />
repensar esse produto diminuindo o índice <strong>de</strong> rejeição da série.<br />
Por outro lado, o simples fato <strong>de</strong> um produtor sugerir alguma i<strong>de</strong>ia em relação ao aspecto<br />
criativo da série não significa que ela seja ruim. Tão importante quanto manter uma posição<br />
ou saber negociá-la é ter humilda<strong>de</strong> e reconhecer o momento <strong>de</strong> abrir mão <strong>de</strong>la. Não são raros<br />
os casos <strong>de</strong> autores que afirmaram terem sido contrários inicialmente a algum tipo <strong>de</strong> sugestão<br />
<strong>de</strong> terceiros e que acabaram por adotá-la. Nestes casos, os autores acabam convencidos <strong>de</strong><br />
que se trata, <strong>de</strong> fato, <strong>de</strong> uma boa sugestão para o projeto e que não tinham conseguido ver<br />
isso com clareza no momento <strong>de</strong> sua elaboração.<br />
14 – Apren<strong>de</strong>ndo a lidar com o “fracasso”<br />
O “fracasso” faz parte <strong>de</strong> qualquer ativida<strong>de</strong> humana e, muitas vezes, está mais perto do<br />
“sucesso” do que se po<strong>de</strong> imaginar. O fato <strong>de</strong> um projeto não ter sido bem avaliado por alguém não<br />
significa necessariamente que ele seja ruim. Quantas vezes não ouvimos histórias <strong>de</strong> projetos em<br />
diversas áreas que foram recusados por certas pessoas e <strong>de</strong>pois acabaram fazendo enorme sucesso<br />
277
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
quando agenciados por outras? Como diz o ditado popular: “só erra quem faz e só faz quem não tem<br />
medo <strong>de</strong> errar”. Determinação e perseverança são palavras- chave. Se você acredita nas suas i<strong>de</strong>ias<br />
e em seu projeto, não <strong>de</strong>sista diante dos percalços do caminho.<br />
15 – Aprenda a lidar com o “sucesso”<br />
Talvez mais difícil que lidar com o “fracasso” seja lidar com o “sucesso”. Antes <strong>de</strong> qualquer<br />
coisa é preciso consi<strong>de</strong>rar se o projeto foi, <strong>de</strong> fato, um sucesso. Para isso é preciso verificar<br />
se os objetivos propostos foram alcançados e pon<strong>de</strong>rar sobre o sentido <strong>de</strong>ste termo. O que<br />
significa o “sucesso” <strong>de</strong> seu projeto? A sua simples realização? Remuneração financeira?<br />
Reconhecimento do público? Realização pessoal e profissional? Críticas favoráveis? Prêmios?<br />
Mesmo que não haja dúvidas que o projeto tenha sido um sucesso sob diversas perspectivas,<br />
é preciso consi<strong>de</strong>rar o que po<strong>de</strong> ser melhorado para a próxima temporada e o que po<strong>de</strong> ser<br />
feito com esse “sucesso”. A máxima <strong>de</strong> que é mais difícil manter o sucesso do que chegar a<br />
ele vale neste caso. Não por coincidência, existem algumas séries <strong>de</strong> animação com número<br />
reduzido <strong>de</strong> temporadas, ou mesmo, com uma única temporada realizada.<br />
Conseguir a realização <strong>de</strong> uma primeira temporada <strong>de</strong> série <strong>de</strong> animação <strong>de</strong>ve, portanto,<br />
ser entendido como o primeiro passo na trajetória <strong>de</strong> um caminho exitoso. Além <strong>de</strong> novas<br />
temporadas, o êxito <strong>de</strong> um primeiro projeto po<strong>de</strong>, por exemplo, abrir portas para a realização<br />
<strong>de</strong> novos projetos <strong>de</strong> séries, diversificando a experiência e aumentando os <strong>de</strong>safios.<br />
Assim chegamos ao final <strong>de</strong>ste livro. Contatos, comentários, críticas e sugestões são<br />
benvindos e po<strong>de</strong>m ser feitos diretamente com o autor. Esperamos que possamos ter colaborado<br />
com a bibliografia sobre animação em língua portuguesa, assim como com o <strong>de</strong>senvolvimento<br />
<strong>de</strong> novas i<strong>de</strong>ias e projetos <strong>de</strong> série <strong>de</strong> animação e quiçá com o próprio <strong>de</strong>senvolvimento do<br />
setor da animação no país.<br />
278
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
posfácio<br />
O sucesso não vem barato, nem rápido, nem certo, nem sempre e, mesmo assim, não<br />
se <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>sistir, pois o seu bilhete po<strong>de</strong> ser o da vez. Basta uma i<strong>de</strong>ia simples e brilhante,<br />
um passo à frente <strong>de</strong> tudo. Ou, talvez, ao contrário, ir pela contramão, mas ainda com a<br />
intenção <strong>de</strong> inovar. A dúvida, no entanto, é difícil. A espera pela aprovação do investidor, que<br />
está preocupado em obter o máximo retorno para os custos, é sempre um fator <strong>de</strong> tensão<br />
para o animador.<br />
“What a Cartoon” (1994), do estúdio Hanna-Barbera, foi uma das primeiras experiências<br />
bem-sucedidas na produção <strong>de</strong> curtas para reinventar um mercado ultrapassado e tentar<br />
reconquistar o sucesso <strong>de</strong> outras décadas. Dos vinte e tantos produzidos, três fizeram história - “Garotas<br />
Super Po<strong>de</strong>rosas”, “Johnny Bravo” e “A Vaca e o Frango”-, criados por recém-formados cheios<br />
<strong>de</strong> criativida<strong>de</strong>.<br />
Em 1998, a Nickelo<strong>de</strong>on também fez sua tentativa, com “Oh Yeah, Cartoon”, no qual<br />
um orçamento anual era <strong>de</strong>dicado à criação <strong>de</strong> curtas que se tornariam seriados, conforme<br />
a votação do público infantil. Nessa época, surgiu na contracorrente “Bob Esponja Calça<br />
Quadrada”, uma série que ousou não seguir nenhum padrão tradicional.<br />
Agora, esta brilhante i<strong>de</strong>ia tem versão brasileira, com o Programa ANIMATV. A sorte foi<br />
lançada e se transformou em 17 fantásticos pilotos, que não <strong>de</strong>vem nada àqueles produzidos<br />
fora do país. Cada um <strong>de</strong>les é genial, inovador e, acima <strong>de</strong> tudo, brasileiro.<br />
Todos trabalharam intensamente para cumprir datas e respeitar o orçamento, num trabalho<br />
sério, que exigiu qualida<strong>de</strong> artística específica e inteligência emocional coletiva para que os<br />
grupos produzissem em equipe por longos períodos.<br />
279
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
O processo <strong>de</strong> criar tudo a partir do nada é exaustivo: conseguir aprovar o roteiro, <strong>de</strong>pois,<br />
conduzir os storyboards para além do roteiro, além da palavra, adicionando humor. Este<br />
aparece na hora do traço e é potencializado pela escolha do enquadramento a<strong>de</strong>quado à<br />
gag, ao jargão. E, hoje, este quer perpassar todas as faixas etárias, criando vários níveis <strong>de</strong><br />
compreensão. A piada <strong>de</strong> um jargão apenas, criada nos primórdios da animação, atualmente<br />
já não satisfaz. Ela vem triplicada na estrutura dramatúrgica, concentrada, na proporção <strong>de</strong><br />
três em um.<br />
Por exemplo: uma estrela do mar aparece grudada embaixo <strong>de</strong> uma pedra, que se levanta<br />
feito tampa para surpreen<strong>de</strong>r uma outra personagem aquática com um alegre “olá”. Esta é<br />
apenas a primeira parte <strong>de</strong> uma piada em três partes. A estrela nota que está nua, sente-se<br />
envergonhada e a pedra se fecha com rapi<strong>de</strong>z para, logo em seguida, reabrir, mostrando a<br />
estrela já a<strong>de</strong>quadamente vestida e saudando novamente o seu parceiro. Este retribui com a<br />
mesma alegria, parecendo não notar nada. Neste momento, a piada se encerra no espectador,<br />
que acaba assumindo o papel <strong>de</strong> testemunha única dos fatos. Aí é que está a graça multiplicada.<br />
Ela não está apenas no primeiro, nem no segundo ou no terceiro fato, ela está além dos fatos,<br />
ela está no espectador e é intrínseca à natureza <strong>de</strong> suas personagens.<br />
As personagens não po<strong>de</strong>m jamais ser traídas por seus criadores. Elas <strong>de</strong>vem ir além dos<br />
animadores e dubladores, médiuns finais da alma <strong>de</strong>stas criaturas que, <strong>de</strong> fato, não existem<br />
em plano algum além do tempo dos fotogramas. A criança ri da brinca<strong>de</strong>ira, das cores, da<br />
música alegre, do som caricato e se i<strong>de</strong>ntifica com as coisas que são comuns à sua ida<strong>de</strong>. E o<br />
adulto se i<strong>de</strong>ntifica com a neurose e a ingenuida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sses seres e ri <strong>de</strong> si mesmo. Desenhos que<br />
<strong>de</strong>safiam faixas etárias diversas e parâmetros estabelecidos por suas emissoras, encantando o<br />
público em seus variados níveis <strong>de</strong> compreensão, parecem existir mais e mais nas animações<br />
contemporâneas.<br />
O po<strong>de</strong>r do bom <strong>de</strong>senho animado ultrapassa fronteiras, dá exemplo, alimenta o imaginário<br />
para além da lógica convencional.<br />
No final das contas, a sua personagem principal <strong>de</strong>ve ter o charme e o encanto da inocência.<br />
A vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> vencer da forma jovem, ingênua, <strong>de</strong> quem acredita que po<strong>de</strong> mudar o mundo.<br />
Esse ser está <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> todos nós e é com ele que nos i<strong>de</strong>ntificamos, não importa qual seja<br />
a nossa a ida<strong>de</strong>, cor ou origem. O encanto da personagem é o segredo da dramaturgia em<br />
animação, do sucesso e da longa vida <strong>de</strong> um seriado.<br />
ennio Torresan 1<br />
1. Ennio Torresan é storyboar<strong>de</strong>r da série “Bob Esponja Calça Quadrada”, trabalhou também em longas<br />
como”Madagascar”, “Kung Fu Panda”,” Kung Fu Panda 2” e “Master Mind”, pela DreamWorks.<br />
280
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
para saber mais<br />
Indicamos a seguir algumas referências que acreditamos possam ser úteis àqueles que<br />
<strong>de</strong>sejarem aprofundar nos diversos assuntos abordados neste livro.<br />
Capítulo 1<br />
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Pág. 80 Fig. 1 “Huckleberry Hound Show” - http://i.ytimg.com/vi/xZQyyL40zr0/hq3.jpg<br />
Fig. 2 “The Ruff and Reddy Show” - http://www.animationarchive.org/pics/ruff13b.jpg<br />
Pág. 80 Fig. 3 “Pixie & Dixie and Mr. Jinks” - http://www.tvsinopse.kinghost.net/au/p/plic%20e%20<br />
ploc_arquivos/foto5.jpg<br />
Fig. 4 “The Rocky and Bullwinkle Show” - http://americanthings.files.wordpress.<br />
com/2010/08/rocky-by-images-onset-freedomdotcom.jpg<br />
Pág. 81 Fig. 1 “Clucth Cargo” - http://www.animationarchive.org/pics/clutchcargo.jpg<br />
Fig. 2 “The Quick Draw McGraw Show” - http://ehtrem.files.wordpress.com/2008/11/pepelegal.jpg?w=370<br />
Fig. 3 “Gumby” - http://i.ytimg.com/vi/3Y5p2hI-YW0/hq3.jpg<br />
Pág. 84 Fig. 1 “Banana Splits” - http://images.tvrage.com/shows/1/340.jpg<br />
Fig. 2 “Jonny Quest” - http://1.bp.blogspot.com/_oT_Or6ocZc8/S7KvdTCPiuI/<br />
AAAAAAAAEXo/TibEY47W7kY/s1600/jonny_quest_02.jpg<br />
Fig. 3 “Top Cat” - http://www.interestment.co.uk/wp-content/uploads/2009/02/top-cat-<br />
380x253.jpg<br />
Pág. 84 Fig. 4 “Looney Tunes” - http://www.webix.com.br/fotos/1062-foto-turma-do-looney-tunes.<br />
html<br />
Fig. 5 “Looney Tunes” - http://fantazmigoriuh.files.wordpress.com/2010/04/bugs-daffypromo.jpg?w=500&h=323<br />
Fig. 6 “Looney Tunes” - http://www.imotion.com.br/imagens/<strong>de</strong>tails.php?image_id=1629<br />
Pág. 85 Fig. 1 “Dick Tracy” - http://www.breadshoppe.com/cops.html<br />
Fig. 2 “Rod Rocket” - http://www.toontracker.com/rodrock/rodrock.htm<br />
Pág. 86 Fig. 1 “The Beatles” - http://www.tvparty.com/sat66.html<br />
Fig. 2 “The Beatles” - http://www.buscatube.com/vi<strong>de</strong>os-1/beatles-cartoon/<br />
A7F2X3rSSCU?lucy-in-the-sky-with-diamonds-(the-beatles)<br />
Pág. 86 Fig. 3 “Aquaman” - http://<strong>de</strong>senhosantigosecia.com/loja/product_info.php?products_id=9&o<br />
sCsid=0c9ddfad148e864a60eea7748a9fee31<br />
Fig. 4 “The New Adventures of Superman” - http://animatedviews.com/2007/the-newadventures-of-superman-dc-comics-classics/<br />
Pág. 88 Fig. 1 “Roland and Rattfink” - http://images.quebarato.com.br/T440x/bom+bom+e+mau+ma<br />
u+roland+and+rattfink+colecao+completa+em+dvd+sp+brasil__3BF604_2.jpg<br />
Fig. 2 “The Pink Panther Show” - http://www.kobisiteniz.com/image.php?resim=http%3A//<br />
dvdmedia.ign.com/dvd/image/article/683/683832/the-pink-panther-classic-cartooncollection--20060126042734513-000.jpg&title=animated%20pink%20panther%3A%20hi<br />
Fig. 3 “The Inspector” - http://www.dvdtalk.com/reviews/images/<br />
reviews/190/1204246077_1.jpg<br />
Pág. 89 Fig. 1 “Sesame Street” - http://muppet.wikia.com/wiki/Sesame_Street<br />
Fig. 2 “Scooby Doo” - http://upload.wikimedia.org/wikipedia/en/1/12/Scooby-cousins-1976.<br />
jpg<br />
Fig. 3 “Wacky Racers” - http://farm1.static.flickr.com/46/188684246_797a04f138.jpg<br />
293
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Pág. 90 Fig. 1 “Fat Albert and the Cosby Kids” - http://<strong>de</strong>senhosantigosecia.com/loja/images/O%20<br />
Gordo%20Alberto%20-%20pagina.jpg<br />
Fig. 2 “Josie and the Pussycats” - http://3.bp.blogspot.com/_Oyg7hdiGW2I/TIVPByxDlDI/<br />
AAAAAAAABH4/V0uPoRWTgWg/s1600/JosiePussycats.gif<br />
Fig. 3 “Sealab 2020” - http://3.bp.blogspot.com/_FUk-TpPbxNc/S0n6lf9KDdI/<br />
AAAAAAAAB7M/DRY2sUj0b3s/s320/Laboratório+Submarino+2020+1.jpg<br />
Pág. 92 Fig. 1 “Astro Boy” - http://2.bp.blogspot.com/_xEXHTEK4U20/TMwYDgnV_LI/<br />
AAAAAAAAAMk/s_ZdpBQy1lg/s1600/astroboy.jpg<br />
Fig. 2 “Ookami Shonen Ken” - http://www.animeclick.it/prove/serie/OokamiShounenKen/<br />
OokamiShounenKen5.jpg<br />
Pág. 93 Fig. 1 “Getter Robo G” - http://vnsharing.net/forum/showthread.php?t=97544<br />
Fig. 2 “Kimba, the White Lion” - http://www.madman.co.nz/wallpapers/jungle_emperor_<br />
leo_kimba__119_1280.jpg<br />
Fig. 3 “Mazinger Z” - http://i.ytimg.com/vi/SyRoF689VRE/hq1.jpg<br />
Pág. 95 Fig. 1 “Challenge of the GoBots” - http://www.cartoonscrapbook.com/02pics/<br />
challengeofthegobots01.jpg<br />
Fig. 2 “She-Ra, Princess of Power” - http://www.dvdbits.com/images/reviewimages/<br />
shera002.jpg<br />
Fig. 3 “Teenage Mutant Ninja Turtles” - http://www.absoluteanime.com/reviews/tmnt_<br />
vol_5/in<strong>de</strong>x[02].jpg<br />
Pág. 95 Fig. 4 “Macron 1” - http://www.macron-1-serial.narod.ru/zastavka-macron.jpg<br />
Fig. 5 “Robotech” - http://4.bp.blogspot.com/_KQoA3GEFcpY/R5F4FTPrxFI/AAAAAAAAA0A/<br />
u3hRmKKxkLg/s320/robotech+3.jpg<br />
Pág. 97 Fig. 1 “A Puppett Named Scooby-Doo” - http://scoobydoofans.webs.com/a-pup-namedscooby-doo.jpg<br />
Fig. 2 “The Flintstones Kids” - http://i.ytimg.com/vi/V_SZWUzBLuI/hq<strong>de</strong>fault.jpg<br />
Fig. 3 “The Jetsons Meet the Flintstones” - http://www.scarlet.nl/~ivo/movie_MEET.JPEG<br />
Pág. 97 Fig. 4 “The Simpsons” - http://2.bp.blogspot.com/_jt0aZ9KQ2eg/TL-ZY17tvDI/<br />
AAAAAAAAMvk/8M0N2AvAvF4/s1600/the-simpsons.jpg<br />
Fig. 5 “The Simpsons” - ZY17tvDI/AAAAAAAAMvk/8M0N2AvAvF4/s1600/the-simpsons.jpg<br />
Pág. 101 Fig. 1 “Doug” - http://sacoladasi<strong>de</strong>ias.blogspot.com/2010/07/doug-funnie.html<br />
Fig. 2 “Ren & Stimpy” - http://avaxhome.ws/vi<strong>de</strong>o/genre/comedy/Ren_stimpy.html<br />
Fig. 3 “Rugrats” - http://i.ytimg.com/vi/ZYMdqrdQq8U/hq3.jpg<br />
Pág. 102 Fig. 1 “Widget” - http://www.buscatube.com/vi<strong>de</strong>os-1/widget/6B_Cnj_o52U?widget-opening<br />
Fig. 2 “Mr Bogus” - http://www.buscatube.com/vi<strong>de</strong>os-1/mr-bogus/0OCnMDHai2I?mr-bogus-<br />
(la-red-1991)-no-6<br />
Pág. 103 Fig. 1 “Rocko’s Mo<strong>de</strong>rn Life” - http://somentecoisaslegais.blogspot.com/2009/10/20melhores-<strong>de</strong>senhos-animados-dos-anos.html<br />
Fig. 2 “Hey Arnold” - http://heyarnold.blog.hu/?token=4557ce4f48894dad9e9388c2ac8b688a<br />
Fig. 3 “Kablam!” - http://nicktoonseclassicos.blogspot.com/2010/06/kablam-kablam-e-uma-<br />
294
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
serie-televisiva.html<br />
Pág. 104 Fig. 1 “Courage, the Cowardly Dog” - http://3.bp.blogspot.com/_w4VnmXyM4g8/ShbjQpfkvI/AAAAAAAAJkU/IPI04PAXQjg/s1600-h/wallpaper2_1024x768.jpg<br />
Fig. 2 “Cow and Chicken” - http://3.bp.blogspot.com/_PCHPr-Ha-c8/TDpW_epFfOI/<br />
AAAAAAAAASc/vYL67huD1Y0/s320/vaca+e+frango.JPG<br />
Fig. 3 “Dexter’s Laboratory” - http://www.dan-dare.org/FreeFun/Games/CartoonsMoviesTV/<br />
DextersLaboratoryWallpaper1024.htm<br />
Pág. 105 Fig. 1 “Æon Flux” - http://streamingtvepiso<strong>de</strong>s.org/Aeon-Flux.html<br />
Fig. 2 “Beavis and Butt-Head” - http://www.chartattack.com/news/2010/jul/15/heh-hehbeavis-and-butt-head-heh-heh-returning-to-television-heh-heh-snort<br />
Pág. 106 Fig. 1 “Dr. Katz, Professional Therapist” - http://dvdmedia.ign.com/dvd/image/<br />
article/709/709720/dr-katz-professional-therapist-season-one-20060523114129941-000.jpg<br />
Fig. 2 “ South Park” - http://www.badaueonline.com.br/dados/imagens/SouthPark.JPG<br />
Fig. 3 “The PJ’s” - http://newsone.com/files/2010/12/151918__pjs_l.jpg<br />
Pág. 107 Fig. 1 “Futurama” - http://www.nanonerd.com.br/wp-content/uploads/1235611417_geektv-futurama.jpg<br />
Fig. 2 “King of The Hill” - http://tv.ign.com/articles/758/758584p1.html<br />
Pág. 107 Fig. 3 “Freakazoid!” - http://www.collectorsquest.com/blog/2009/04/25/freakazoid-whatexists-of-season-two-on-dvd/<br />
Fig. 4 “Pink and the Brain” - http://powet.tv/powetblog/wp-content/uploads/2006/03/<br />
pinkybrain.jpg<br />
Fig. 5 “Animaniacs” - http://images2.fanpop.com/images/soapbox/animaniacs_27369_4.<br />
jpg?cache=1251835333<br />
Pág. 108 Fig. 1 “Bobby’s World” - http://www.moonscoop.com/files/FREE/bobbys_world/GRAPHICS/<br />
big/9.jpg<br />
Fig. 2 “Taz-Mania” - http://4.bp.blogspot.com/_FUk-TpPbxNc/TFSBs6Nud6I/<br />
AAAAAAAAHxc/q_xEdJNrzTo/s1600/Taz-Mania+A+Serie+Animada1.jpg<br />
Fig. 6 “Eek, the Cat” - http://i.ytimg.com/vi/ksZ-W6j_A1w/hq<strong>de</strong>fault.jpg<br />
Pág. 110 Fig. 1 “Harvey Birdman: Attorney at Law” - http://www.reviewbusters.net/images/game/<br />
harvey_birdman_attorney_at_law_psp_001.jpg<br />
Fig. 2 “Neon Genesis Evangelion” - http://3.bp.blogspot.com/_kDYycpRh64k/TJppYq0An1I/<br />
AAAAAAAAA04/_dmLKckKxMA/s320/evangelion.jpg<br />
Fig. 3 “Robot Chicken” - http://dvdmedia.ign.com/dvd/image/article/964/964010/robotchicken-star-wars-episo<strong>de</strong>-ii-20090318033356248-000.jpg<br />
Pág. 111 Fig. 1 “Aqua Teen Hunger Force” - http://www.hipsterwave.com/aqua-teen-hunger-forceall-the-hipsters-be-lovin-it/<br />
Fig. 2 “Bleach” - http://1.bp.blogspot.com/_9be0YkAZ4sE/TA5jLogi1jI/AAAAAAAAAdA/<br />
oIaist6T2nw/s400/bleach-3.jpg<br />
Pág. 111 Fig. 3 “Ren & Stimpy Adult Party Cartoon” - http://1.bp.blogspot.com/_B174YzF4ZM0/<br />
TM76WVTHLtI/AAAAAAAAAKU/yoAbtXkxeNA/s320/renandstimpy.jpg<br />
Fig. 4 “Cowboy Bebop” - http://alexwillging.files.wordpress.com/2010/06/cowboy-bebop-<br />
295
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
still.jpg?w=300&h=200<br />
Pág. 112 Fig. 1 “Gary, the Rat” - http://www.watkinschow.com/images/estudio_images/gtr08_f.jpg<br />
Fig. 3 “Stripperella” - http://4.bp.blogspot.com/_Ot2E-EUZnnY/TOAergCc__I/<br />
AAAAAAAAHQo/BwP61xrHZpU/s1600/Stripperella.jpg<br />
Pág. 114 Fig. 1 “Ben 10 Alien Force” - http://<strong>de</strong>senhosanimados.brwww.com.br/wp-content/<br />
uploads/2009/10/Ben_10_Alien_Force.JPG<br />
Fig. 2 “Charlie and Lola” - http://beirouth.files.wordpress.com/2010/05/charlie_lola_f_011.<br />
jpg<br />
Fig. 3 “Naruto” - http://animemedia.ign.com/anime/image/article/841/841682/naruto-<br />
20071214040321821_640w.jpg<br />
Pág. 116 Fig. 1 “Krteček” - http://nd01.jxs.cz/940/592/f0f6fe932b_29628539_o2.jpg<br />
Fig. 2 “Happy Tree Friends” - http://aspergers.dasaku.net/wp-content/uploads/2009/02/<br />
happy_tree_friends_2.png<br />
Fig. 3 “Bolek i Lolek” - http://i.ytimg.com/vi/Rm6qvzNqN18/hq1.jpg<br />
Pág. 117 Fig. 1 “Kockásfülű Nyúl” - http://4.bp.blogspot.com/_3QcwWTo8M4g/SC8LjB021zI/<br />
AAAAAAAAAV4/AUt98tRfRmk/s400/kockasfulu_nyul.jpg<br />
Fig. 2 “Leteći medvjedići” - http://skomdra.travoltino.org/wp-content/uploads/2009/03/<br />
medvjedici2.jpg<br />
Pág. 122 Fig. 1 “Macaco Feio, Macaco Bonito” - http://vi<strong>de</strong>o.globo.com/Vi<strong>de</strong>os/<br />
Player/0,,GIM1250736-7759-VEJA+O+CURTA+MACACO+FEIO+MACACO+BONITO+MUDO,00.html<br />
Fig. 2 “O Dragãozinho Manso” - http://www.divercida<strong>de</strong>scriativas.org.br/in<strong>de</strong>x.<br />
php?pid=1&conteudo=102<br />
Fig. 3 “Sinfonia Amazônica” - http://1.bp.blogspot.com/_nOjxsZa4HcI/SkI4WqyyTSI/<br />
AAAAAAAAAMQ/ye7nNHs0Zrc/s400/sinam.bmp<br />
Pág. 125 Fig. 1 “Boi Aruá” - http://www.youtube.com/watch?v=Fd8FT3UEP-g<br />
Fig. 2 “Meow!” - http://www.planetaeducacao.com.br/portal/imagens/artigos/portacurtas/<br />
Desenho-do-Meow_01.jpg<br />
Pág. 126 Fig. 1 “A Garota das Telas” - http://www.youtube.com/watch?v=v0NgsfkvLVE<br />
Fig. 2 “Castelo Rá-Tim-Bum” - http://3.bp.blogspot.com/_gfQ2LYBFah4/TIJTiM1KXCI/<br />
AAAAAAAAAMQ/aQqGZdf-Ai0/s1600/rato.jpg<br />
Fig. 3 “Frankstein Punk” - http://www.caohamburger.com/frank.html<br />
Pág. 127 Fig. 4 “Cassiopeia” - http://media.adorocinema.com/media/film/images/1169/1244856285_<br />
cassiopeia03.jpg<br />
Fig. 5 “Rocky & Hudson” - http://www.meucinemabrasileiro.com.br/filmes/rock-e-hudson/<br />
rock-e-hudson01.jpg<br />
Pág. 128 Fig. 1 “Turma da Mônica” - http://s.glbimg.com/og/rg/f/original/2010/08/20/monica.jpg<br />
Fig. 2 “Turma da Mô nica” - http://colunistas.yahoo.net/content/uploads/2010/07/<br />
turmadamonica.jpg<br />
Pág. 129 Fig. 1 “Rita” - http://www.tvpinguim.com.br/<br />
296
Dramaturgia <strong>de</strong> Série <strong>de</strong> Animação<br />
Fig. 2 “Rita” - http://www.tvpinguim.com.br/<br />
Pág. 130 Fig. 1 “Anabel” - http://www.tvratimbum.com.br/secoes/imagens/?id=1562<br />
Fig. 2 “De On<strong>de</strong> Vem?” - http://www.tvratimbum.com.br/midia/<strong>de</strong>on<strong>de</strong>vem8_1218307756.<br />
jpg<br />
Pág. 131 Fig. 1 “MegaLiga <strong>de</strong> VJs Paladinos” - http://baconfrito.com/site/wp-content/<br />
uploads/2009/07/mega-liga.jpg<br />
Fig. 2 “Pinguinics” - http://spf.fotolog.com/photo/31/20/48/majusabe/1192069899_f.jpg<br />
Pág. 132 Fig. 1 “A Mansão Maluca do Professor Ambrósio” - http://f.i.uol.com.br/folha/ilustrada/<br />
images/10344750.jpeg<br />
Fig. 2 “Aline” - http://www.buscatube.com/vi<strong>de</strong>os-1/aline-ado-iturrusgarai/<br />
QSKlTqQXhu0?aline-adão-iturrusgarai<br />
Fig. 3 “Brichos - A Natureza da Cultura” - http://www.tvratimbum.com.br/secoes/<br />
imagens/?id=1481<br />
Pág. 133 Fig. 4 “RockStar Ghost” - http://arquivo42.com.br/wp-content/uploads/2010/10/<br />
rockstarghost.jpg<br />
Fig. 5 “Fudêncio e seus Amigos” - http://s0.flogao.com.br/s42/13/10/05/115/28266676.jpg<br />
Fig. 6 “Pixco<strong>de</strong>lics” - http://1.bp.blogspot.com/_E5cbY1tpoto/TCjms5_DchI/<br />
AAAAAAAABmg/_NvsUuVGgok/s1600/pix1.jpg<br />
Pág. 134 Fig. 1 “Osmar, a Primeira Fatia do Pão <strong>de</strong> Fôrma” - http://www.brasilnocanada.com.br/<br />
brasilnocanada/fotos_alta/osmar.jpg<br />
Fig. 2 “Princesas do Mar” - http://smellycat.com.br/wp-content/uploads/2009/04/pmar1.<br />
jpg<br />
Pág. 135 Fig. 1 “As Aventuras <strong>de</strong> Gui e Estopa” - http://www.samshiraishi.com/wp-content/<br />
uploads/2009/07/aventuras-<strong>de</strong>-gui-e-estopa-400x250.jpg<br />
Fig. 2 “Infortúnio com Funérea” - http://4.bp.blogspot.com/_W1ov5vvPZYo/TKkAnHMuUPI/<br />
AAAAAAAAHXs/acsm0kdboEQ/s1600/01_funerea_wando.jpg<br />
Pág. 137 Fig. 1 “Escola pra Cachorro” - http://petmag.uol.com.br/e/wp-content/2010/03/29_escola_<br />
cachorro.jpg<br />
Fig. 2 “Meu Amigãozão” - http://s.glbimg.com/jo/g1/f/original/2010/08/09/<br />
amigaozao1620.jpg<br />
Pág. 139 Fig. 1 “Charges-okê” - http://charges.uol.com.br<br />
Fig. 2 “Espinha e Fimose” - http://charges.uol.com.br<br />
Fig. 3 “Mundo Canibal” - http://charges.uol.com.br<br />
297
sobre o autor<br />
Sergio Nesteriuk é graduado em Comunicação Social – Rádio e Televisão pela<br />
UNESP, com mestrado e doutorado em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP.<br />
Foi consultor <strong>de</strong> roteiro e dramaturgia dos projetos selecionados no ANIMATV.<br />
Leciona disciplinas relacionadas a projetos, roteiro, animação, games e<br />
hipermídia, além <strong>de</strong> orientar projetos <strong>de</strong> naturezas diversas nos cursos <strong>de</strong><br />
Animação, Design <strong>de</strong> Games, Comunicação em Multimeios e Tecnologia e<br />
Mídias Digitais. É realizador in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte nas áreas <strong>de</strong> audiovisual, produção<br />
sonora e hipermídia. Atua ainda como consultor <strong>de</strong> roteiros e projetos.<br />
Contatos com o autor po<strong>de</strong>m ser feitos pelo e-mail: nesteriuk@hotmail.com