15.06.2013 Views

Arte, Artistas e Arteiros - MultiRio

Arte, Artistas e Arteiros - MultiRio

Arte, Artistas e Arteiros - MultiRio

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

<strong>Arte</strong>, <strong>Artistas</strong><br />

e <strong>Arte</strong>iros


<strong>Arte</strong>, artistas e arteiros<br />

.................................................................................<br />

Série televisiva: textos complementares<br />

<strong>MultiRio</strong> - Empresa Municipal de Multimeios ltda.<br />

Largo dos Leões, 15 • Humaitá • Rio de Janeiro/RJ • Brasil • CEP 22260-210<br />

Central de Atendimento ao Cidadão: 1746 • Fora do Rio: (21) 3460-1746 • Fax: (21) 2535-4424<br />

www.multirio.rj.gov.br • ouvidoria.multirio@rio.rj.gov.br


Sumário<br />

introdução .............................................................................................................................. 5<br />

<strong>Arte</strong>, artistas e arteiros no giro da terra .............................................................................. 7<br />

As relações fundamentais entre arte e natureza, facilitando o entendimento da participação de cada ser humano<br />

como integrante, dependente e agente transformador do meio ambiente.<br />

Capítulo i - A terra gira, o tempo passa<br />

Bom dia, boa tarde, boa noite .......................................................................................... 9<br />

E mudam as estações ................................................................................................... 21<br />

Capítulo ii - No giro da terra, preservar, mudar, transformar<br />

Aqui encontrei meu lugar .............................................................................................. 35<br />

Meio ambiente em alerta .............................................................................................. 48<br />

<strong>Arte</strong>, artistas e arteiros deixam sua marca ......................................................................... 65<br />

A arte como marca de identidade do ser humano, que, com o seu espírito investigativo, sempre utilizou diferentes<br />

linguagens expressivas como meio para produzir e comunicar suas ideias.<br />

Capítulo iii - Nossas marcas no mundo<br />

Marcando presença ....................................................................................................... 67<br />

Registros de identidade ................................................................................................ 81<br />

Capítulo iV - Encontro marcado<br />

De volta ao passado ...................................................................................................... 97<br />

Marca registrada ........................................................................................................... 107<br />

<strong>Arte</strong>, artistas e arteiros em toda parte .............................................................................. 123<br />

A arte como forma de expressão, fonte de pesquisa e identificação cultural, ressaltando a articulação entre o passado<br />

e o presente e a relação das concepções e dos sentimentos próprios de cada indivíduo com o imaginário coletivo.<br />

Capítulo V - Quem tem arte reparte<br />

Entre o fazer e o saber .................................................................................................. 125<br />

A parte de cada um ...................................................................................................... 137<br />

Capítulo Vi - tecendo e participando da festa<br />

Ponto de partida ........................................................................................................ 149<br />

Festa para todos ........................................................................................................ 162<br />

<strong>Arte</strong>, artistas e arteiros brincantes .................................................................................... 177<br />

A ludicidade do ato criador e as inúmeras possibilidades de “brincar” com a imaginação em um jogo que desenvolve<br />

a capacidade de inventar, transformar, contestar e descobrir novas soluções.<br />

Capítulo Vii - Brincar de inventar<br />

Construindo o brincar .................................................................................................... 179<br />

A participação lúdica ..................................................................................................... 192<br />

Capítulo Viii - Pensar para brincar<br />

Imagens que brincam .................................................................................................. 203<br />

Brincar para contestar ................................................................................................. 216<br />

<strong>Arte</strong>, artistas e arteiros em novos tempos ........................................................................... 233<br />

As linguagens contemporâneas da arte e as novas possibilidades de criação diante dos avanços tecnológicos, mostrando<br />

como a separação e a reaproximação entre arte e ciência influenciam as relações dos homens entre si e deles com o universo.<br />

Capítulo iX - tempo de transformação<br />

A captura da imagem ................................................................................................... 235<br />

Imagem em ação .......................................................................................................... 248<br />

Capítulo X - tempo de novas mídias<br />

Rede de comunicações ................................................................................................ 267<br />

Criação e tecnologia .................................................................................................... 280


Introdução<br />

A arte se faz em um tempo, em um lugar e pela ação das pessoas envolvidas nesse fazer. A<br />

arte não existe sem o artista, sem o espectador e, principalmente, sem o arteiro que habita<br />

cada um deles. <strong>Arte</strong>, artistas e arteiros se entrelaçam no processo criativo.<br />

O artista é aquele que direciona suas buscas e investigações no caminho específico da<br />

produção nos diferentes campos da arte. E o arteiro? Ele é o que ousa, enfrenta desafios e<br />

não tem medo de experimentar o novo.<br />

É importante observar que dentro de todo artista existe um arteiro, mas nem todo arteiro se<br />

realiza no campo específico da arte. Pode escolher outros caminhos de realização pessoal<br />

e profissional, mas segue mantendo a sensibilidade e o prazer criativo em seu cotidiano.<br />

<strong>Arte</strong>, artistas e arteiros caminham sempre juntos, e, com certeza, as obras que nos<br />

sensibilizam, nos instigam e fazem pensar contêm viva a essência dessa união.<br />

A série <strong>Arte</strong>, <strong>Artistas</strong> e <strong>Arte</strong>iros tem como principal compromisso estimular alunos e<br />

professores a explorar os diferentes caminhos das linguagens artísticas, sem medo de se<br />

aventurar pelas trilhas que se apresentem nesse percurso.<br />

São tantas e tão diversas as questões da arte que, mais do que aprofundar um determinado<br />

conhecimento, procuramos mostrar a riqueza que o assunto oferece, tomando-se por base<br />

recortes temáticos selecionados com o objetivo de favorecer discussões e reflexões, sem<br />

que se perca a poética implícita no próprio sentido da arte.<br />

As temáticas trabalhadas nos textos e nos programas pretendem colaborar com as práticas<br />

educativas, abrindo possibilidades para novas pesquisas, novas articulações e novos<br />

desdobramentos, inter-relacionando os diferentes saberes de todos os envolvidos nesse<br />

universo de comunicação e de troca.<br />

O professor, como mediador do conhecimento, deve procurar apresentar o conteúdo a ser<br />

estudado, instigando seu aluno a encontrar respostas para possíveis dúvidas, a considerar<br />

novos pontos de vista, a descobrir diferentes possibilidades e, principalmente, a despertar<br />

o desejo de aprender mais sobre algo que faz parte da vida – a arte.<br />

Cabe ao professor escolher seu caminho, de acordo com as necessidades e os interesses<br />

das turmas, construindo uma proposta didático-pedagógica em <strong>Arte</strong>, para que seus alunos<br />

desenvolvam competências e habilidades. Assim, por meio de suas próprias escolhas, eles<br />

encontrarão maneiras individuais de se colocar no mundo, possibilitando a expressão das<br />

muitas mensagens poéticas e de significados estéticos, dando vez e voz para o arteiro em<br />

potencial que cada um traz em seu interior.


ARTE, ARTISTAS E ARTEIROS<br />

NO GIRO DA TERRA<br />

Roda mundo, roda gigante<br />

Roda moinho, roda pião.<br />

O tempo rodou num instante<br />

Nas voltas do meu coração...<br />

Roda Viva / Chico Buarque de Hollanda


A Terra gira,<br />

o tempo passa<br />

Bom dia, boa tarde, boa noite...<br />

Depois do dia vem noite,<br />

Depois da noite vem dia.<br />

E depois de ter saudades,<br />

Vem as saudades que havia.<br />

Fernando Pessoa<br />

A Terra gira, o tempo passa, o Sol e a Lua<br />

se alternam, e a paisagem se transforma em<br />

cores, cheiros e sons. É uma mágica que<br />

nos instiga infinitamente.<br />

Por que o Sol brilha em um lugar enquanto<br />

é noite em outro?<br />

A Terra, como todos os corpos do universo,<br />

não está parada. Ela realiza inúmeros<br />

movimentos. O giro que faz em torno de si<br />

mesma chama-se rotação e dura, aproximadamente,<br />

24 horas.<br />

A luz solar vai iluminando, progressivamente,<br />

diferentes áreas do nosso planeta à medida<br />

que ele gira, e, como o movimento é de<br />

oeste (onde o sol se põe) para leste (onde o<br />

sol nasce), em alguns lugares anoitece e em<br />

outros amanhece.<br />

Por que percebemos de formas diferentes o<br />

amanhecer e o anoitecer?<br />

1 . Fotografia da Terra tirada a 7 de dezembro de 1972 durante<br />

a missão Apollo 17.<br />

O nascer e o pôr do sol nos provocam diferentes<br />

emoções. São momentos únicos, mas<br />

que se repetem de maneiras diferentes para<br />

cada um de nós que lhes assistimos.<br />

Olhar não é apenas ver, pois a nossa maneira<br />

própria de perceber transforma as coisas<br />

que vemos, e, muitas vezes, elas podem se<br />

materializar em diferentes linguagens: gráfica,<br />

plástica, corporal, escrita, falada, musical.<br />

A percepção e a sensibilidade são janelas<br />

para o mundo e possibilitam a troca<br />

entre o que está dentro e o que está<br />

fora. A todo instante, nossos sentidos são<br />

A Terra gira, o tempo passa<br />

9


A Terra gira, o tempo passa<br />

10<br />

2 . Claude Monet. Impressão: Nascer do Sol, 1872.<br />

estimulados. Estabelecemos relações com<br />

alguns estímulos, selecionando, valorizando<br />

ou negando. Nesse movimento interno,<br />

surgem constelações de significados e diferentes<br />

configurações.<br />

No começo do mundo, só havia dia. A noite estava adormecida nas profundezas das águas com<br />

Boiuna, uma cobra grande que era senhora do rio.<br />

A filha de Boiuna, uma moça muito bonita, havia se casado com um rapaz de um vilarejo, nas<br />

margens do rio. Na hora de dormir, ela não conseguia e explicava para o marido:<br />

— É porque ainda não é noite.<br />

Um dia, a moça pediu ao marido que fosse buscar a noite na casa de sua mãe. Ele mandou<br />

três amigos às profundezas do rio para falar com Boiuna.<br />

Boiuna colocou a noite dentro de um caroço de tucumã, uma fruta da palmeira, e mandou<br />

entregar como se fosse um presente para sua filha.<br />

Os três amigos carregavam o tucumã quando ouviram o barulho de sapinhos e grilos, bichinhos<br />

que só cantam à noite. Curiosos, resolveram abrir o tucumã para ver que barulho era<br />

aquele. Quando o tucumã foi aberto, a noite escapou e tomou conta de tudo. O mundo virou<br />

uma escuridão só.<br />

A filha de Boiuna viu o que tinha acontecido e tentou separar a noite do dia. Pegou dois fios,<br />

enrolou o primeiro, pintou de branco e disse:<br />

— Você será Cujubim e vai cantar sempre que o dia nascer.<br />

Então, soltou o fio, que se transformou em pássaro e saiu voando.<br />

Depois, enrolou o outro fio, jogou cinza sobre ele e disse:<br />

— Você será Coruja e cantará quando a noite chegar. A coruja saiu voando.<br />

A partir de então, o mundo passou a ter dia e noite.<br />

É com base nessa realidade que construímos<br />

um repertório particular de sensações e<br />

interpretamos o mundo.<br />

O ser humano, em diferentes grupos sociais,<br />

constrói uma cultura própria, atribuindo<br />

sentidos específicos para os fenômenos<br />

da natureza. São lendas, músicas, danças,<br />

crenças, registros pictóricos que contam a<br />

história dessa cultura através dos tempos.<br />

Um desses exemplos é a narrativa que explica<br />

o surgimento da noite. Ela integra a riqueza<br />

da tradição oral de vários povos indígenas<br />

e apresenta variantes em diferentes sociedades,<br />

dos caiapós aos tupis da costa brasileira.<br />

A narrativa de como a noite começou a existir<br />

parece falar da contribuição que a humanidade<br />

pode ter na própria feição do planeta.<br />

3 . Página à direita: Marc Chagall. Saint Jean Cap Ferrat, 1952.


imagem<br />

noite


Como o dia e a noite, somos envolvidos por sentimentos<br />

opostos, contrastantes. Aprender a lidar<br />

com eles nos faz inventar ideias que movem<br />

nossos pensamentos sobre o sentido da vida.<br />

Fazer parte desse mundo mágico movimenta<br />

nossas dúvidas e certezas, nossas verdades<br />

e mentiras, nossos sonhos e realidades.<br />

Quanto mais fecho os olhos,<br />

melhor vejo...<br />

Meu dia é noite quando estás ausente...<br />

E à noite vejo o Sol<br />

se estás presente.<br />

William Shakespeare<br />

Desde sempre, a Lua e o Sol iluminam não<br />

só os caminhos do ser humano, mas também<br />

sua poesia e sua arte.<br />

Os gregos consideravam a luz como símbolo<br />

do conhecimento e as trevas como símbolo<br />

do desconhecido, do medo.<br />

Na Idade Média, os vitrais surgem como um<br />

grito de luz, colorindo o interior sombrio das<br />

catedrais. Os vitrais contam histórias luminosas<br />

aos fiéis, inaugurando um novo domínio<br />

da luz.<br />

4 . Rosácea da Catedral de Notre Dame de Paris (séc. XIII).<br />

A luz, historicamente, personifica tudo o que<br />

é bom, porque nos permite enxergar cores,<br />

linhas e formas. A escuridão nos traz medo<br />

e insegurança, mas abre brechas à imaginação,<br />

pois tentamos ver, com a mente, aquilo<br />

que os olhos não conseguem distinguir.<br />

No teatro, no cinema e nas artes visuais, a<br />

luz é usada como um recurso expressivo. A<br />

distribuição intencional de luzes e sombras<br />

pode, por exemplo, dar profundidade e dramaticidade<br />

às cenas.<br />

Quando há luz, há sombra. A sombra participa<br />

da cor do objeto, de acordo com a menor ou<br />

maior distância e luminosidade dele. Esse contraste<br />

entre luz e sombra é chamado de efeito<br />

claro/escuro. Em desenhos e pinturas, a técnica<br />

é utilizada também para dar noção de volume.<br />

VITRAIS<br />

Conjunto figurativo ou decorativo formado por pequenos pedaços de vidro de várias cores unidos por liga de<br />

chumbo. Através de vitrais coloridos, a luz penetra o interior de grandes igrejas medievais, como a Catedral de<br />

Chartres (1194) e a Sainte-Chapelle de Paris (1241). Os imensos espaços iluminados criados por novas técnicas<br />

construtivas buscam aproximar os fiéis de forma quase palpável do pensamento da época, que vinculava a luz ao<br />

próprio conceito de Deus.<br />

COR<br />

A cor somente pode existir por causa de três elementos: a luz, o objeto e o espectador. Em 1666, o físico Isaac Newton<br />

descobre que a luz branca de um raio de sol, ao passar por um prisma de cristal, se decompõe em uma série de cores<br />

com comprimentos de onda diferentes. Tal como em um arco-íris, violeta, anil, azul, verde, amarelo, laranja e vermelho<br />

formam o espectro visível.<br />

5 . Página à esquerda: Vitral da Catedral d’Évreux (França).<br />

A Terra gira, o tempo passa<br />

13


Todos os corpos se revestem de luzes e<br />

de sombras. As luzes são de duas nature-<br />

zas: original e derivada. Original é a pro-<br />

duzida pela chama do fogo, ou pela luz<br />

do sol ou do ar; derivada é a luz refletida.<br />

leonardo da Vinci<br />

Foi leonardo da Vinci que, na Renascença, introduziu<br />

a técnica de representação chamada<br />

“chiaroscuro”. As formas são representadas<br />

sem usar linhas de contorno, mas apenas pelo<br />

contraste entre as cores do objeto e do fundo,<br />

reproduzindo na pintura a passagem da luz e<br />

da sombra, simulando, assim, o relevo.<br />

6 . Leonardo da Vinci.<br />

Mona Lisa (ou A Gioconda),<br />

1503-1505.<br />

Como os pintores renascentistas que conheciam<br />

a força da luz e da sombra, artistas<br />

como Caravaggio, Rembrandt e Vermeer exploraram<br />

o claro/escuro em suas obras. O<br />

domínio técnico da iluminação, da composição<br />

e da cor tornou esses artistas conhecidos<br />

como “os mestres da luz”.<br />

7 . Rembrandt van Rijn. A Companhia de Frans Banning Cocq e<br />

Willem van Ruytenburch (conhecido como A Ronda Noturna), 1642.<br />

8 . Johannes Vermeer. Garota<br />

com um Brinco de Pérola,<br />

c. 1667.<br />

LEONARDO DA VINCI<br />

(Vinci, 1452 – Amboise, 1519)<br />

Artista, filósofo, cientista, matemático, escritor e músico italiano. Sua habilidade em várias áreas do conhecimento está<br />

ligada ao humanismo renascentista, que considerava o homem como centro do universo e dotado de capacidade ilimitada<br />

de desenvolvimento. Considerando o artista como um criador dotado de inteligência, Leonardo defende a arte como uma<br />

atividade intelectual cuja base, o desenho (disegno), constitui a própria ideia, a concepção mental de determinado objeto.<br />

REMBRANDT VAN RIJN<br />

(Leyden, 1606 – Amsterdã, 1669)<br />

Pintor, desenhista e gravador, Rembrandt é considerado o grande artista da poderosa Holanda do século XVII. Produziu<br />

retratos individuais e de grupos e também uma extensa série de autorretratos que abrangem desde sua juventude até<br />

sua velhice. O artista valoriza mais a verdade e a franqueza do que a harmonia e a beleza e assim estuda intensamente<br />

espaço, atmosfera e luz, de modo a exibir rostos de seres humanos “reais”, sem sinais de pose ou de vaidade.<br />

JOHANNES VERMEER<br />

(Delft, 1632 – 1675)<br />

Pintor holandês, Vermeer executou retratos, vistas de cidades e, principalmente, quadros de interiores domésticos. Na<br />

busca da descrição objetiva da atividade da luz, ele suaviza os contornos das figuras sem perder o efeito de solidez e<br />

firmeza. Resultam composições de senso sereno de equilíbrio, muitas vezes baseadas em harmonia de azul, cinza, branco<br />

e amarelo e luz moderada, que nos fazem enxergar a beleza de uma cena singela com um olhar sempre revigorado.<br />

9 . Página à esquerda: Rembrandt van Rijn. A Companhia de Frans Banning Cocq e Willem van Ruytenburch (conhecido como A Ronda<br />

Noturna), 1642 (detalhe).<br />

A Terra gira, o tempo passa<br />

15


A Terra gira, o tempo passa<br />

16<br />

Tentar entender o mundo, encontrar respostas<br />

e se expressar de algum modo é um<br />

caminho que o ser humano percorre continuamente<br />

desde a infância, transformando<br />

o seu conhecimento por meio da sua imaginação<br />

e de novas conquistas.<br />

A capacidade de imaginar precede as descobertas,<br />

tanto no campo da arte quanto<br />

no da ciência.<br />

Imaginar é projetar, é antever,<br />

é a mobilização interior orientada<br />

para determinada finalidade,<br />

antes mesmo de existir<br />

a situação concreta.<br />

Edith Derdyk<br />

Ciência e arte se completam nas formas de<br />

investigação e de entendimento da vida.<br />

Ambas são caminhos para a compreensão<br />

do mundo. São formas de conhecimento<br />

que transformam e antecipam o futuro,<br />

pois são inovadoras e descortinam uma<br />

nova maneira de ver.<br />

As manifestações artísticas e o modo<br />

como assimilamos e representamos a vida<br />

sofrem influências das descobertas e invenções<br />

científicas.<br />

Mas, certamente, nenhuma explicação científica<br />

sobre os fenômenos da natureza tira<br />

o encantamento de assistir a um pôr do sol<br />

ou de contemplar uma noite de luar.<br />

Acorda, vem ver a Lua<br />

Que dorme na noite escura<br />

Que surge tão bela e branca<br />

Derramando doçura...<br />

Melodia Sentimental / Villa-lobos e<br />

Dora Vasconcelos<br />

Essa magia poética se concretiza por diferentes<br />

formas de expressão. Tentar captar e eternizar<br />

um momento como o do verso anterior<br />

mobiliza a imaginação e pode se traduzir em<br />

canção, poesia, expressão corporal, desenho,<br />

foto, pintura, escultura e tudo mais que a<br />

criatividade humana possa ousar.<br />

10 . Antônio Bandeira. A Grande Cidade Iluminada, 1953.<br />

Tradicionalmente, as pessoas relacionam o dia<br />

a trabalho, compromissos, horários, ansiedade,<br />

renovação, produção, realizações, passeios; a<br />

noite lembra descanso, meditação, família, sonhos,<br />

festas, medo, solidão, angústia.<br />

Mas sabemos que nem sempre é assim,<br />

principalmente nos tempos atuais, nos quais<br />

as cidades não dormem.<br />

CIÊNCIA E ARTE<br />

Ciência e arte são formas de conhecimento do mundo que visam a ampliar os limites do que nós sabemos e de<br />

como o sabemos. A relação entre arte e ciência, porém, constitui tema complexo, já que, em diferentes épocas,<br />

essas atividades são vistas ora como percepções de mundo divergentes, ora como perspectivas complementares.<br />

No início do Renascimento, arte e ciência compartilhavam o mesmo terreno: na perspectiva, regras de projeção<br />

geométrica definem o espaço da pintura.


Agora o Sol se deita,<br />

sombras se levantam gigantescas.<br />

Logo, logo tudo é sombra.<br />

Poemas Haikai/ tomas tranströmer<br />

Você prefere a chegada do dia ou o cair da<br />

noite? Com qual deles você se identifica? Esses<br />

momentos trazem diferentes lembranças.<br />

As sensações decorrentes dessas lembranças<br />

são filtradas e registradas pela sensibilidade<br />

do artista. É ele que, combinando<br />

intuição, análise, realidade e simbolismo,<br />

abre caminhos para diferentes percepções,<br />

transformando nosso comportamento e<br />

nossa visão de mundo.<br />

Podemos rejeitar ou nos sentir atraídos por<br />

uma obra de arte. Mas, qualquer que seja a<br />

nossa reação, a inquietude que a obra provoca<br />

nos leva a pensar e a rever nossos próprios<br />

conceitos.<br />

Desse modo, ao vivenciarmos um trabalho<br />

artístico, são as nossas impressões que<br />

completam seu sentido.<br />

O artista não é o único a concluir<br />

o ato de criação, porque o espectador<br />

estabelece o contato da obra com o<br />

mundo exterior, decifrando e<br />

interpretando suas qualidades<br />

profundas e assim juntando sua<br />

própria contribuição ao<br />

processo criativo.<br />

Marcel Duchamp<br />

A dualidade dia/noite está fora e dentro de<br />

cada um de nós. Saber aceitar e se permitir<br />

rejeitar diferentes aspectos desses opostos<br />

são atitudes que facilitam o encontro de<br />

uma existência em equilíbrio.<br />

11 . Vincent van Gogh. O Vinhedo Vermelho (detalhe), 1888.<br />

12 . Vincent van Gogh. A Noite Estrelada (detalhe), 1888.<br />

Muitas pessoas buscam e encontram na arte<br />

o ponto de equilíbrio para suas vidas.<br />

A Terra gira, o tempo passa<br />

17


O artista Arthur Bispo do Rosário, na reclusão,<br />

aprendeu a ver, a sentir e a expressar o escuro<br />

que abrigou a sua criação.<br />

Ele criou assemblages, bordados, trajes e<br />

o extraordinário Manto da Apresentação,<br />

obras que o colocam no patamar de qualquer<br />

grande artista de vanguarda.<br />

É importante lembrar que Bispo nunca teve<br />

intenção de ser artista, e sim procurar a luz,<br />

na escuridão, através de sua arte.<br />

Dizem que o que eu faço é arte,<br />

mas é minha salvação na Terra.<br />

Arthur Bispo do Rosário<br />

A sabedoria popular, muitas vezes, cria<br />

formas simbólicas para lidar com os contrastes<br />

da vida humana, de uma maneira<br />

crítica, saudável, alegre e carregada de<br />

muito humor.<br />

Em Pernambuco, na brasileiríssima cidade<br />

de Olinda, os bonecos gigantes do Homem<br />

da Meia-Noite e da Mulher do Meio-Dia expressam<br />

a magia dessa dualidade que encanta<br />

e encantará o ser humano através dos<br />

14 . Página à esquerda: Um exemplo de assemblage — Robert Rauschenberg. Cama, 1955.<br />

tempos. Esses personagens fazem parte da<br />

cultura local e trocam de roupa todos os<br />

anos, exibindo aspectos significativos da<br />

tradição nordestina.<br />

São doze em ponto<br />

E a Lua cheia clareia os quatro cantos<br />

Para ver quem vem passar<br />

É o homem da Meia-Noite que vem<br />

Vestindo fraque e colete<br />

Gigantes pernas de pau<br />

Dançando na multidão<br />

Alceu Valença<br />

13 . Arthur Bispo do Rosário. Manto da Apresentação, sem data.<br />

ARTHUR BISPO DO ROSÁRIO<br />

(Japaratuba, SE, 1911 – Rio de Janeiro, 1989)<br />

Bispo do Rosário produz a maior parte de sua obra em um hospital psiquiátrico do Rio de Janeiro. Tomando por base<br />

utensílios comuns (canecas de metal, botões, colheres, madeira, etc.), ele faz uma espécie de inventário do mundo para<br />

apresentar a Deus no dia do Juízo Final, quando, como representante dos homens e das coisas, ele vestiria seu Manto<br />

da Apresentação. Reconhecida no Brasil no início dos anos 1980, sua obra ganha reconhecimento internacional na<br />

Bienal de Veneza de 1995.<br />

ASSEMBLAGES<br />

Arranjo tridimensional de materiais heterogêneos, artísticos e/ou não artísticos que sugere ruptura de limites entre arte<br />

e vida cotidiana. “Assembler” em francês significa “juntar, reunir”. Uma assemblage reúne elementos díspares que<br />

mantêm seus sentidos originais no interior do conjunto final. O procedimento passa a ser empregado nos anos 1950<br />

e 1960 por artistas como Jean Dubuffet, Robert Rauschenberg, Jean Tinguely, Rubens Gerchman e Wesley Duke Lee.<br />

A Terra gira, o tempo passa<br />

19


A Terra gira, o tempo passa<br />

20<br />

15 . Homem da Meia-Noite no carnaval de Olinda, Pernambuco. 16 . Bloco de rua no carnaval de Olinda, Pernambuco.<br />

Acompanhados por uma orquestra de frevo,<br />

típica do estado de Pernambuco, e saudados<br />

pelos fogos de artifício, o Homem da Meia-<br />

-Noite e a Mulher do Meio-Dia percorrem as<br />

históricas ladeiras olindenses, ano após ano,<br />

desde o século passado, arrastando multidões<br />

para abrir e fechar o carnaval da cidade.<br />

Varei o dia,<br />

revirei a noite<br />

Clareou de novo<br />

e eu ficando lá...<br />

Frevo de Itamaracá / Edu lobo<br />

O ser humano nasce com a capacidade de<br />

descobrir, de ousar e de enfrentar desafios,<br />

sem medo do novo.<br />

As dualidades, no nosso interior, confrontam<br />

sentimentos e emoções, pondo à prova nosso<br />

potencial para transgredir e transformar<br />

luzes e sombras.<br />

Nessa busca, é importante caminhar junto<br />

com o arteiro que habita cada um de nós.<br />

O céu e o inferno, o bem e o mal,<br />

a luz e as trevas integram as<br />

contingências humanas em genes<br />

perpétuos, em que seres de um<br />

gênero se transformam em espécies<br />

de outro, abrindo as cortinas de<br />

um fabuloso teatro alquímico de<br />

onde surgirão Goyas, Klees, Kafkas<br />

e Garcias Márquez.<br />

israel Pedrosa<br />

ORQUESTRA DE FREVO<br />

O carnaval pernambucano tem sua música e dança próprias e originais. Surgido nas ruas do Recife, o frevo tem<br />

características singulares, tais como o bailado de passos acrobáticos e a inconfundível sombrinha. O frevo apresenta<br />

as variedades frevo de rua, frevo-canção, frevo de bloco. A orquestra de frevo é um grupo musical que acompanha<br />

e anima os foliões. Uma orquestra de frevo conta com integrantes distribuídos entre os instrumentos: trombone,<br />

trompete, saxofone, surdo, bombo, tarol e outros.


E mudam as estações...<br />

Por seres tão inventivo<br />

E pareceres contínuo<br />

Tempo tempo tempo tempo<br />

És um dos deuses mais lindos<br />

Tempo tempo tempo tempo...<br />

Oração ao Tempo / Caetano Veloso<br />

Na Antiguidade, os sábios, os mitos e a religião<br />

tentaram explicar o grande enigma do<br />

espaço celeste.<br />

De onde viemos? Para onde vamos?<br />

17 . Albrecht Dürer. Mapa Celeste do Hemisfério Norte, c. 1515.<br />

A Terra já foi considerada o centro de<br />

tudo, o “Umbigo do Universo”. A partir do<br />

Renascimento, com as grandes descobertas<br />

e as invenções científicas, o Sol ocupa seu<br />

lugar de destaque, estrela respeitada por<br />

todos os planetas; e a percepção da Terra,<br />

pelo homem, se transforma, adquirindo novas<br />

representações.<br />

Surgem mapas que combinam arte e ciência<br />

e que são verdadeiras obras-primas,<br />

como as xilogravuras do hemisfério norte,<br />

feitas pelo artista alemão Albrecht Dürer,<br />

que foram publicadas em 1515.<br />

18 . Johannes Vermeer. O Astrônomo, 1668.<br />

RENASCIMENTO<br />

Grande movimento cultural que se origina no Mediterrâneo europeu em meados do século XIV e expande-se<br />

pela Europa e pelo Novo Mundo até fins do século XVI. O termo refere-se ao renovado interesse por formas<br />

da Antiguidade clássica como verdadeira fonte da beleza e do saber. O Humanismo, com a revalorização do<br />

homem e de sua ilimitada capacidade de desenvolvimento, está na base do movimento, que se caracteriza<br />

por maior conhecimento da arte, filosofia e literatura antigas e pelo progresso científico e técnico. Observa-se<br />

então crescente prestígio da pintura, escultura e arquitetura, que passam a ser compreendidas como atividades<br />

intelectuais, e não meramente mecânicas. Do mesmo modo, o artista ganha novo estatuto social e cultural, sendo<br />

considerado um criador dotado de inteligência e dignidade.<br />

A Terra gira, o tempo passa<br />

21


A Terra gira, o tempo passa<br />

22<br />

E o esplendor dos mapas,<br />

caminho abstrato para a imaginação concreta,<br />

letras e riscos irregulares abrindo para<br />

a maravilha.<br />

O Esplendor / Álvaro de Campos<br />

Em seu giro em torno do Sol, a Terra reverencia<br />

o astro rei, fonte de luz e de calor. Ela<br />

se inclina, rodopia, exibindo toda a beleza<br />

azul do planeta que encantou o astronauta.<br />

Nessa ciranda, a Terra não vai sozinha e,<br />

durante um ano, junto com outros planetas,<br />

brinca em um movimento chamado translação.<br />

Inclinando-se para o Sol, a Terra vaidosa<br />

muda sua roupagem, de acordo com o aquecimento<br />

maior ou menor dos raios solares.<br />

Surgem as estações do ano, e, em cada uma<br />

delas, a natureza cria cenários próprios para<br />

o desfile da vida.<br />

São cores, sons, cheiros e sabores que provocam<br />

sensações diferentes, estimulando nossa<br />

imaginação. As mudanças das estações sinalizam<br />

que tudo na vida tem um tempo.<br />

Batidas na porta da frente<br />

é o tempo...<br />

Resposta ao Tempo / Cristóvão Bastos e Aldir Blanc<br />

Tempo romântico para as flores, a construção<br />

dos ninhos e o namoro dos animais.<br />

Borboletas e abelhas voam de flor em flor<br />

em busca do néctar. É uma época agradável<br />

com temperaturas amenas.<br />

Tempo para o calor, a alegria fervendo no ar,<br />

os dias bem longos e as noites curtas. A felicidade<br />

das cores que vibram com a luz do Sol<br />

se unindo à algazarra das férias escolares.<br />

Tempo gostoso para as frutas maduras e as<br />

folhas de todos os tamanhos e cores que<br />

caem e cobrem o chão das ruas, dos parques<br />

e dos jardins; dias mais curtos e mais frescos.<br />

Tempo para o sonho e o recolhimento, com períodos<br />

de frio intenso, dias curtos e noites longas.<br />

Alguns animais hibernam, e o homem também<br />

prefere ficar em casa, no calor das cobertas.<br />

A Terra se prepara para uma nova primavera, e,<br />

então, o que seria o fim precede o recomeço.<br />

19 . Sandro Botticelli.<br />

Primavera, 1477.<br />

20 . Página à direita: Sandro Botticelli. Primavera, 1477 (detalhe).


As quatro estações: primavera, verão, outono<br />

e inverno alternam-se durante o ano,<br />

atendendo a necessidades vitais dos seres<br />

que habitam o nosso planeta.<br />

Atividades como a agricultura e a pecuária estão<br />

diretamente relacionadas às estações do<br />

ano, que também determinam os tipos de vegetação<br />

e o clima de todas as regiões da Terra.<br />

As antigas civilizações sempre tentaram explicar<br />

os fenômenos cíclicos da natureza,<br />

unindo imaginação e realidade, através de<br />

diferentes expressões artísticas. Era comum,<br />

na tradição oral, as forças da natureza adquirirem<br />

formas humanas.<br />

Na mitologia romana, Ceres é a deusa da terra<br />

cultivada, das colheitas e das estações do<br />

ano. Desde aquela época, era realizado um<br />

festival na primavera em sua homenagem.<br />

Na mitologia grega, Ceres é representada<br />

como Deméter.<br />

Uma interessante lenda simboliza a influência<br />

dessa deusa no ciclo anual da colheita.<br />

Deméter teve uma filha, Perséfone, com Zeus.<br />

Perséfone foi raptada por Hades, senhor do reino<br />

subterrâneo da Terra. Zeus ordenou que Hades devolvesse<br />

Perséfone. Mas, como ela havia comido<br />

uma romã, estava ligada a Hades, não podendo<br />

ficar totalmente livre.<br />

Estabeleceu-se um acordo: Perséfone passaria<br />

uma parte do ano no mundo subterrâneo. Nesse<br />

período, a mãe Deméter, entristecida, deixava<br />

os campos áridos no verão, antes das chuvas de<br />

outono, que, novamente, tornavam o solo fértil.<br />

Deméter representava a terra cultivada, de<br />

onde nascia Perséfone, a semente que brota<br />

periodicamente.<br />

O rapto de Perséfone, filha de Ceres, foi<br />

celebrado por poetas como Ovídio e também<br />

serviu de inspiração para diversos<br />

pintores do Renascimento, época em que<br />

foram revividos os ideais da antiga cultura<br />

greco-romana.<br />

21 . Luca Giordano.<br />

Rapto de Perséfone, 1684-1686.<br />

MITOLOGIA<br />

Elemento característico das mais diversas culturas, o mito é uma forma de expressão do ser humano em sua<br />

perplexidade diante do mundo. Mitologia é o conjunto de mitos ou narrativas simbólicas transmitidos ao longo do<br />

tempo, dentro de um grupo social, por tradições orais ou escritas que explicam a origem de determinados fenômenos,<br />

seres, costumes sociais, etc.<br />

22 . Página à esquerda: François Girardon. O Rapto de Proserpina, 1677-1699.<br />

A Terra gira, o tempo passa<br />

25


A Terra gira, o tempo passa<br />

26<br />

As estações do ano são temas recorrentes<br />

em diferentes lugares e épocas, traduzidos<br />

nos modos de viver do homem e representados<br />

nas mais diversificadas formas de arte.<br />

As antigas tribos de pastores hebreus já comemoravam<br />

a festa da primavera com o ressurgimento<br />

do pasto para os rebanhos e o<br />

nascimento das novas ovelhas.<br />

A chegada do ano novo lunar na China é<br />

marcada pelo festival da primavera, quando<br />

o povo expressa sua alegria, enfeitando<br />

ruas, parques, lojas e casas com lanternas<br />

vermelhas, flores e fitas coloridas.<br />

No Nordeste brasileiro, São José é o patrono<br />

da boa colheita. A crença popular associa as<br />

chuvas no dia do santo (19 de março) a um<br />

sinal de que a colheita do ano será farta.<br />

O tema das quatro estações já surgiu no<br />

carnaval carioca, como um enredo denominado<br />

Cântico à Natureza, da Estação Primeira<br />

de Mangueira.<br />

Brilha no céu o astro rei<br />

com fulguração,<br />

abrasando a Terra,<br />

anunciando o verão...<br />

As Quatro Estações do Ano / Nelson Sargento,<br />

Jamelão e Alfredo Português<br />

Os ciclos da natureza, no giro da Terra, mostram<br />

a continuidade, a renovação e a força da vida.<br />

Sempre quis que minhas obras<br />

tivessem a leveza e a alegria<br />

da primavera.<br />

Matisse<br />

Cada um de nós elege uma estação preferida.<br />

Corpo e mente sofrem influências das<br />

forças climáticas. E, assim como a Terra, mudamos<br />

as roupagens externas e as internas<br />

que se inter-relacionam no nosso modo particular<br />

de ser e de viver.<br />

As estações do ano interferem também no<br />

ciclo da moda. As criações seguem tendências<br />

e estilos ligados às coleções primavera-<br />

-verão e outono-inverno.<br />

A moda, intimamente associada ao conceito<br />

de mudança, está em constante metamorfose.<br />

Mudam as estações, mudam também os<br />

estilos, os tecidos, as cores, as padronagens,<br />

os acessórios, os modelos.<br />

A razão de termos uma paixão<br />

universal por adornos... é que<br />

desejamos ser, além de obras<br />

da natureza, obras de arte.<br />

Nancy Etcoff<br />

Como as roupas podem ser obras de arte?<br />

23 . Yves Saint Laurent. Vestido Mondrian, 1965.


24 . Piet Mondrian. Composição Losangular com Vermelho,<br />

Preto, Azul e Amarelo, 1925.<br />

Ao longo da história do homem, essa ideia<br />

germinou e deu origem a uma série de produções<br />

estilísticas inspiradas em obras de<br />

artistas plásticos como Van Gogh, Monet,<br />

Bispo do Rosário e Mondrian.<br />

O designer ou estilista cria “uma arte que<br />

se veste”, registrando nela o que imagina<br />

tornar real a sociedade e seu tempo.<br />

A moda é a transmissão da civilização.<br />

Pierre Cardin<br />

Figurinos para peças de teatro, filmes, shows<br />

e clipes musicais nos situam em relação<br />

ao local, ao clima e à época onde ocorrem,<br />

compondo personagens em suas vivências.<br />

Afinal, para que serve a arte?<br />

Podemos dizer que a arte é uma forma de<br />

interpretação e representação do mundo.<br />

Ela vem para provocar, sacudir os hábitos,<br />

transformando ideias e conceitos.<br />

A arte, independentemente da época em que<br />

foi feita, torna-se atemporal quando nos sensibiliza,<br />

parecendo estar viva dentro de nós.<br />

Tudo para mim é hoje e agora.<br />

Eu ouço obras do Pixinguinha e sei<br />

que elas foram feitas no século<br />

passado. Eu vivo aquilo. Ela não só<br />

me emociona, mas é como se fizesse<br />

parte do meu ser. Esse tempo é o<br />

tempo da minha vida.<br />

Paulinho da Viola<br />

Através dos tempos, o processo vital da natureza<br />

é uma das fontes de inspiração que alimentam<br />

diferentes linguagens artísticas, sempre<br />

conservando a essência da criação individual.<br />

As quatro estações serviram de tema a vários<br />

artistas. Entre os nomes que mais se<br />

destacaram, está o compositor de música<br />

italiana barroca Antonio Vivaldi.<br />

PIET MONDRIAN<br />

(Amersfoort, 1872 – Nova York, 1944)<br />

Pintor e teórico holandês, Mondrian é talvez quem mais contribuiu para a formulação da abstração concreta na arte<br />

moderna. É mentor intelectual do Neoplasticismo, movimento de vanguarda que chega a uma nova concepção da forma<br />

através da redução das múltiplas formas e cores da natureza a planos, linhas (horizontais e verticais) e cores (primárias,<br />

preto e branco). Essa compreensão racionalista e abstrata da forma se estende para o design, a arquitetura e a moda.<br />

ANTONIO VIVALDI<br />

(Veneza, 1678 – Viena, 1741)<br />

Compositor e maestro, foi autor de numerosas obras, tais como óperas e consertos, consagrando-se pela série As<br />

Quatro Estações. Foi ordenado padre, porém dedicou-se quase completamente à música. Apesar do seu prestígio,<br />

terminou a vida sem recursos e em esquecimento por dois séculos. Seus originais, vendidos a particulares após sua<br />

morte, foram redescobertos somente no século XX, quando sua obra voltou a ser reconhecida.<br />

A Terra gira, o tempo passa<br />

27


A Terra gira, o tempo passa<br />

28<br />

A obra de Vivaldi As Quatro Estações, com sua<br />

riqueza melódica, consegue transportar o ouvinte,<br />

convidando os sentidos a uma viagem.<br />

Vivaldi, buscando completar a experiência sensorial<br />

de seus músicos e da plateia, acrescentou<br />

ao trabalho a exibição de pinturas e sonetos,<br />

relacionando música, arte visual e poesia.<br />

Que a arte nos aponte uma resposta,<br />

mesmo que ela não saiba.<br />

E que ninguém a tente complicar<br />

porque é preciso simplicidade<br />

para fazê-la florescer.<br />

Porque metade de mim é a plateia<br />

e a outra metade, a canção.<br />

Metade / Ferreira Gullar<br />

25 . Giuseppe<br />

Arcimboldo.<br />

Outono, 1572.<br />

26 . Giuseppe<br />

Arcimboldo.<br />

Verão, 1563.<br />

Assim como Vivaldi na música, o pintor italiano<br />

Giuseppe Arcimboldo criou uma série de<br />

obras plásticas inspiradas nas quatro estações.<br />

Esses trabalhos distinguem-se das representações<br />

características de sua época, pois<br />

são retratos feitos tomando-se por base a<br />

combinação de objetos, frutas, verduras,<br />

flores e legumes, típicos de cada estação,<br />

com roupas e paisagens que variam de acordo<br />

com o clima.<br />

27 . Giuseppe Arcimboldo. Inverno, 1563.<br />

28 . Giuseppe<br />

Arcimboldo.<br />

Primavera,<br />

1563.<br />

Como podemos observar, o clima fertilizou<br />

ideias, fazendo desabrochar criações geniais<br />

ao longo da história.


Não sei que paisagista doidivanas<br />

Mistura os tons... acerta... desacerta...<br />

Sempre em busca de nova descoberta,<br />

Vai colorindo as horas quotidianas...<br />

Jogos da luz dançando na folhagem!<br />

Do que eu ia escrever até me esqueço...<br />

Pra que pensar?<br />

Também sou da paisagem...<br />

A Rua dos Cata-Ventos / Mario Quintana<br />

Durante as estações do ano, a luminosidade<br />

do sol modifica o colorido das paisagens,<br />

produzindo efeitos diferentes de cor e de luz<br />

em um mesmo dia.<br />

Os pintores impressionistas observaram detalhadamente<br />

essas transformações, estabelecendo<br />

mudanças em seu modo de pintar e<br />

no colorido de suas palhetas.<br />

29 . A Catedral de Rouen (França).<br />

As estações, que, até então, eram representadas<br />

de forma simbólica ou alegórica, passam<br />

a surgir, nas pinturas impressionistas,<br />

com uma nova visão.<br />

O pintor francês Claude Monet, um dos precursores<br />

desse estilo, retratava um mesmo<br />

motivo diversas vezes, explorando as variações<br />

luminosas nas paisagens, nas árvores,<br />

nos rios, nas pessoas.<br />

O encanto que sentia pela luz e sua ousadia<br />

em representá-la intensamente fizeram<br />

dele um dos mais importantes artistas<br />

desse movimento.<br />

Um clássico da persistência de Monet em representar<br />

os efeitos da luz é a série de pinturas<br />

realizadas pelo artista mostrando as<br />

modificações nas cores da construção da Catedral<br />

de Rouen durante o passar das horas.<br />

Os impressionistas, querendo captar os<br />

momentos efêmeros da vida, pintavam rapidamente,<br />

pois o sol logo mudava de posição,<br />

alterando todas as sombras, as luzes<br />

30 . Claude Monet. A Catedral 31 . Claude Monet. A Catedral 32 . Claude Monet. A Catedral<br />

de Rouen (O Portal, Efeito de Rouen (O Portal ao Sol), de Rouen (Pôr do Sol),<br />

da Manhã), 1894.<br />

1894.<br />

1894.<br />

IMPRESSIONISMO<br />

Movimento artístico constituído na Paris da segunda metade do século XIX por grupo de pintores insatisfeitos<br />

com as regras acadêmicas de arte. Na busca de experiência direta e imediata da realidade, eles registram motivos<br />

cotidianos, muitas vezes dedicando-se à pintura ao ar livre (plein air). Notas cromáticas puras são inseridas na<br />

tela com pinceladas rápidas, leves e imprecisas, sendo percebidas pelo espectador em sua mistura óptica.<br />

A Terra gira, o tempo passa<br />

29


e as cores. É também a primeira vez que<br />

Monet, Renoir, Degas e outros artistas da<br />

época começam a sair dos ateliês para pintar<br />

ao ar livre.<br />

33 . Pierre-Auguste Renoir. Duas Irmãs (no Terraço), 1881.<br />

34 . Edgar Degas. Aula de Balé, 1879-1880.<br />

CLAUDE MONET<br />

(Paris, 1840 – Giverny, 1926)<br />

Um dos mais característicos representantes do Impressionismo ao manter-se fiel às impressões resultantes da experiência<br />

direta da realidade. Sua pintura se destaca por explorar a qualidade da luz e da cor que mudava em diferentes<br />

condições atmosféricas e em várias horas do dia.<br />

PIERRE-AUGUSTE RENOIR<br />

(Limoges, 1841 – Cagnes, 1919)<br />

Um dos principais expoentes do Impressionismo. Aborda variados temas através de um modelado de cores brilhantes.<br />

Pinta com pequenos toques de cores puras que, percebidas isoladas ou unidas às outras, produzem efeito que consiste<br />

na própria luz que emana do quadro.<br />

EDGAR DEGAS<br />

(Paris, 1834 – 1917)<br />

Pintor que mantinha afinidades e diferenças com os impressionistas: justapunha pinceladas de tinta ou pastel, mas<br />

pouco pintava ao ar livre ou diante do motivo. Preferia temas urbanos e a luz artificial. Atento às cenas cotidianas,<br />

buscava enquadrá-las com ênfase na análise do movimento.<br />

36 . Página à esquerda: Claude Monet. Vétheuil no Verão, 1880 (detalhe).<br />

35 . Claude Monet. Mulher com uma Sombrinha, 1875.<br />

O colorido do mundo está em nós.<br />

israel Pedrosa<br />

No final do século XIX, a pintura brasileira se<br />

enriquece com o colorido impressionista trazido<br />

da Europa. Essa mudança chega mais<br />

A Terra gira, o tempo passa<br />

31


A Terra gira, o tempo passa<br />

32<br />

clara na obra de Eliseu Visconti, que inova no<br />

uso da cor na pintura de paisagens, nas cenas<br />

cotidianas e em retratos. Seu aprendizado<br />

na França e suas pesquisas no contato direto<br />

com a natureza, na pintura ao ar livre, são fundamentais<br />

para compor as decorações que faz<br />

para o Theatro Municipal do Rio de Janeiro.<br />

As características das quatro estações podem<br />

ser relacionadas com as fases da vida<br />

do homem na Terra. O início da caminhada<br />

na primavera, a energia do verão na adolescência,<br />

os frutos do outono que chegam com<br />

a maturidade e a sabedoria de uma velhice<br />

cultivada no aconchego do inverno.<br />

Nós somos mutantes como as estações do<br />

ano. Sazonais como a natureza, temos nossos<br />

momentos de inverno e de verão, comportamentos<br />

outonais e primaveris.<br />

A natureza está, constantemente, nos enviando<br />

mensagens. É necessário percebê-las, senti-las<br />

e interpretá-las.<br />

Monet, Vivaldi e Arcimboldo são exemplos<br />

de artistas sintonizados de tal forma com a<br />

natureza que deixaram germinar as sementes<br />

de um espírito arteiro, em obras instigantes e<br />

revolucionárias, modificando os caminhos da<br />

arte através dos tempos.<br />

O mundo se encurta, o tempo se dilui:<br />

o ontem vira agora; o amanhã já está<br />

feito. Tudo muito rápido.<br />

Paulo Freire<br />

37 . Eliseu Visconti. Plafond (teto sobre a plateia) do Theatro<br />

Municipal do Rio de Janeiro (detalhes), 1908.<br />

ELISEU VISCONTI<br />

(Vila de Santa Catarina, Itália, 1866 – Rio de Janeiro, 1944)<br />

Pintor e desenhista italiano, Visconti inicia formação artística no Rio de Janeiro (Liceu de <strong>Arte</strong>s e Ofícios e Academia Imperial<br />

de Belas <strong>Arte</strong>s). Sua pintura participa do processo de modernização da arte no Brasil e se abre a tendências internacionais<br />

da passagem do século XIX para o XX – Art Nouveau, Simbolismo e Impressionismo. Atento à relação arte-indústria, ele<br />

projeta objetos em ferro, cerâmica, estamparia de tecidos, etc. Decora também o Theatro Municipal do Rio de Janeiro.


Conhecimentos em arte<br />

• Os efeitos da cor, luz e sombra na natureza<br />

e em diferentes horas do dia.<br />

• A descoberta e o uso do claro-escuro<br />

na pintura renascentista.<br />

• As variações da técnica de claro-escuro.<br />

• O Impressionismo e principais artistas<br />

representantes.<br />

• O designer de moda e a influência das<br />

estações climáticas nos figurinos.<br />

ARTiculando em sala de aula<br />

Professor(a), com base no texto lido, sugerimos<br />

algumas atividades para propor aos<br />

alunos:<br />

• Observar as áreas de luz e sombra<br />

dos objetos.<br />

• Fazer desenhos com efeitos de luz<br />

e sombra.<br />

• Selecionar e fazer releituras de obras<br />

artísticas que usaram o dia, a noite e<br />

as estações do ano como tema.<br />

• Fotografar ou desenhar a mesma cena<br />

vista de dia e de noite.<br />

• Utilizar a técnica de colagem em composições<br />

com papéis pretos e brancos<br />

(negativo e positivo), alternando configurações<br />

de forma e fundo.<br />

• Analisar e comparar registros do dia e<br />

da noite e da natureza nas estações<br />

do ano, em diferentes linguagens<br />

artísticas (músicas, poesias, narrativas<br />

– como lendas –, fotografias,<br />

pinturas, teatro).<br />

• Observar obras de pintores impressionistas<br />

e as transformações colorísticas<br />

das paisagens pintadas em diferentes<br />

horas do dia.<br />

• Propor atividades ao ar livre, observando<br />

o efeito das cores e da luz na natureza<br />

e fazendo registros de forma criativa.<br />

• Fazer pinturas com pequenas pinceladas<br />

de cores primárias e secundárias<br />

para obter efeitos semelhantes à técnica<br />

impressionista.<br />

38 . Vincent van Gogh. O Vinhedo Vermelho, 1888 (detalhe).<br />

• Observar a obra O Vinhedo Vermelho<br />

em Arles (1888), de Van Gogh, e realizar<br />

experiências, com base em um mesmo<br />

desenho, representando o dia e a noite.<br />

Utilizar efeitos de diferentes usos das<br />

cores: as sensações de frio ou calor,<br />

proximidade ou afastamento provocadas<br />

por suas combinações.<br />

• Perceber como os temas “dia e noite” e<br />

“estações do ano” são trabalhados por<br />

vários artistas e diferentes técnicas.<br />

• Fazer desenhos de padronagens para tecidos,<br />

apresentando variações em suas<br />

cores, inspiradas nas diferentes estações.<br />

• Criar estilos de roupas diferentes para<br />

cada estação do ano.<br />

A Terra gira, o tempo passa<br />

33


A Terra gira, o tempo passa<br />

34<br />

Para visitar<br />

instituto Moreira Salles – Centro cultural que realiza exposições, palestras, shows,<br />

sessões de cinema e eventos.<br />

Endereço: Rua Marquês de São Vicente, 476, Gávea.<br />

Tel.: (21) 2274-2149.<br />

observatório Nacional – Instituição de pesquisa, ensino e prestação de serviços<br />

tecnológicos na área de astronomia.<br />

Endereço: Rua Gal. José Cristino, 77, São Cristóvão.<br />

Tel.: (21) 3878-9100.<br />

Planetário da Gávea – Instituição que desenvolve projetos culturais de ciência<br />

e astronomia.<br />

Endereço: Rua Vice-Governador Rubens Berardo, 100, Gávea.<br />

Tel.: (21) 2274-0046.<br />

Senai/Cetiqt – Centro de formação profissional para o setor têxtil, estudo de<br />

Moda e Design.<br />

Endereço: Rua Magalhães Castrim, 174, Sampaio.<br />

Tel.: (21) 2582-1000.<br />

theatro Municipal do Rio de Janeiro – Inaugurado em 1909, com arquitetura<br />

inspirada na Ópera de Paris, possui coro, orquestra sinfônica e uma companhia<br />

de balé. Sua decoração apresenta obras de arte de autoria de Rodolfo Amoedo,<br />

dos irmãos Bernardelli e de Eliseu Visconti.<br />

Endereço: Avenida 13 de Maio, 33, Centro.<br />

Tel.: (21) 2332-9123.


No giro da Terra, preservar,<br />

mudar, transformar<br />

Aqui encontrei meu lugar<br />

Anda, quero te dizer nenhum segredo<br />

Falo desse chão, da nossa casa,<br />

vem que tá na hora de arrumar.<br />

O Sal da Terra / Beto Guedes e Ronaldo Bastos<br />

O mundo que habitamos é o encontro de<br />

nossas referências, pessoais e sociais, com<br />

os estímulos externos a que somos expostos.<br />

O ambiente que nos abriga causa sensações<br />

às quais reagimos com múltiplas combinações<br />

de ideias e respostas, que nos levam à<br />

necessidade de criar, recriar, inventar e modificar<br />

o espaço.<br />

As formas, individuais e coletivas, de apreensão<br />

do mundo e a necessidade de interpretar<br />

e expressar pensamentos estão presentes<br />

em todas as culturas.<br />

O homem é um “ser de encontro”;<br />

constitui-se, desenvolve-se e se<br />

aperfeiçoa encontrando-se com<br />

realidades de seu meio ambiente<br />

que em princípio lhe são distintas,<br />

distantes, externas e estranhas.<br />

Estética / Alfonso lópez Quintás<br />

39 . Iole de Freitas.<br />

Dora Maar na Piscina, 1999.<br />

No giro da Terra, preservar, mudar, transformar<br />

35 35


No giro da Terra, preservar, mudar, transformar<br />

36<br />

Qual o lugar que ocupamos no mundo?<br />

Cada espaço guarda em si a história e a identidade<br />

do grupo social que dele faz parte.<br />

Meio ambiente é tudo o que nos rodeia, inclusive<br />

nós mesmos e nossas criações. Não é algo abstrato,<br />

idealizado e distante do nosso cotidiano.<br />

A todo instante, nos deparamos com múltiplas<br />

realidades que precisam ser discutidas, pois<br />

fazem parte do ecossistema como um todo.<br />

A utilização de nossa capacidade para sentir,<br />

perceber e conhecer o meio ambiente amplia<br />

a necessidade de explorar e representar o<br />

mundo, constituindo, assim, a cultura local.<br />

As coisas estão no mundo,<br />

eu é que preciso aprender.<br />

Coisas do Mundo, Minha Nega / Paulinho da Viola<br />

Em lugares e tempos diferentes, aliando a<br />

intenção e o gesto criador, os artistas falaram<br />

da natureza à sua volta, de seus sonhos,<br />

seus desejos, suas esperanças, sua<br />

realidade, sua cultura.<br />

A natureza é fonte de inspiração da canção brasileira,<br />

em vários momentos, por várias décadas.<br />

O compositor baiano Dorival Caymmi consegue<br />

aproximar o homem e a natureza por<br />

meio de suas canções.<br />

Vamos chamar o vento<br />

Vento que dá na vela<br />

Vela que leva o barco<br />

Barco que leva a gente<br />

Gente que leva o peixe<br />

Peixe que dá dinheiro, Curimã<br />

O Vento / Dorival Caymmi<br />

Como extensões dos fenômenos da natureza,<br />

as canções de Caymmi nos convidam<br />

a ver o mar, a sentir o vento, a ouvir as<br />

ondas quebrando, a ver o brilho do sol e o<br />

balançar dos coqueiros.<br />

Será que a natureza tem alma<br />

de artista?... Haverá uma analogia<br />

entre a natureza e o espírito humano?<br />

Serão os homens apenas a natureza<br />

tomando consciência de si?<br />

Rubem Alves<br />

Podemos dizer que tanto a natureza quanto<br />

a sua representação artística não têm limite.<br />

São exemplos dessa liberdade expressiva<br />

as paisagens surrealistas de Magritte e<br />

a dramaticidade lírica do Lago dos Cisnes<br />

de tchaikovsky.<br />

PIOTR ILITCH TCHAIKOVSKY<br />

(Votkinsk, 1840 – São Petersburgo, 1893)<br />

É um dos mais populares compositores da música clássica e considerado o maior compositor romântico da Rússia. Aos<br />

23 anos, deixou a profissão de advogado para dedicar-se inteiramente à música. Produziu diversas sinfonias, mas foi o<br />

balé que lhe deu a unanimidade de público e de crítica. Com O Lago dos Cisnes, A Bela Adormecida e O Quebra-Nozes,<br />

conseguiu atribuir uma grandeza ao gênero, até então visto com inferioridade.


Esses artistas preferiram visitar seus sonhos,<br />

embelezando e transformando o mundo,<br />

para nos fazer também sonhar e inventar<br />

outras realidades, criar projetos e soluções<br />

para melhorar a condição humana. Essa é<br />

uma das razões de ser da arte.<br />

40 . René Magritte. A Condição Humana, 1933.<br />

Não devemos ter medo de inventar<br />

seja o que for. Tudo o que existe em<br />

nós existe também na natureza, pois<br />

fazemos parte dela.<br />

Pablo Picasso<br />

A arte é indispensável e um constante exercício<br />

de liberdade.<br />

Alguns artistas buscaram, em suas formas<br />

de expressão, uma parceria efetiva com<br />

a natureza.<br />

A pintora brasileira Cristina Oiticica fez a<br />

experiência de deixar que seus trabalhos<br />

secassem expostos à ação do tempo e descobriu<br />

que o pó, a terra, as folhas e alguns<br />

insetos haviam-se integrado à tela.<br />

A artista começou essa técnica pintando nas<br />

florestas, nos vales e nas montanhas dos Pireneus,<br />

na França. O resultado do trabalho virou<br />

o livro As Quatro Estações. Entre 2004 e 2005,<br />

Cristina enterrou várias telas na Floresta Amazônica<br />

e esperou um ano para desenterrá-las.<br />

A floresta úmida e equatorial deixou suas marcas.<br />

Geralmente, as telas ficam na terra pelo período<br />

de nove meses (o ciclo de uma gestação)<br />

ou por um ano (o ciclo das quatro estações).<br />

Assim, a artista consegue uma participação<br />

singular do meio ambiente, que interfere<br />

nas obras, deixando a impressão digital da<br />

própria natureza.<br />

Quando deixo meus trabalhos nos campos,<br />

nas florestas, nos leitos dos rios,<br />

ele não somente capta o elemento físico,<br />

espacial, mas o elemento energético.<br />

Quando ele está na natureza, vai-se identificando,<br />

e ela vai reagir a esse corpo.<br />

Cristina oiticica<br />

RENÉ FRANÇOIS MAGRITTE<br />

(Lessines, 1898 – Bruxelas, 1967)<br />

Pintor, desenhista, gravador e fotógrafo belga, Magritte produziu imagens espirituosas ao retratar objetos cotidianos<br />

em locais inesperados. Um dos maiores representantes do Surrealismo, o artista se distingue pela figuração realista<br />

de objetos, capaz de gerar situações ao mesmo tempo estranhas e familiares. Propôs uma espécie de lógica do<br />

absurdo, enfatizada nas “pinturas de palavras”, capazes de desfazer a conexão que espontaneamente estabelecemos<br />

entre objetos, imagens e palavras.<br />

No giro da Terra, preservar, mudar, transformar<br />

37 37


Os modos de buscar parcerias estéticas com<br />

o meio ambiente fazem parte dos ideais sociais<br />

de muitos artistas, para que suas obras<br />

sejam democraticamente contempladas por<br />

diferentes observadores, no dia a dia.<br />

Em diversas épocas e em vários lugares do<br />

mundo, chafarizes, esculturas e monumentos,<br />

expostos em praças e parques, são<br />

incorporados à paisagem urbana, dando<br />

identidade cultural e memória histórica ao<br />

espaço local. São exemplos no Brasil: o chafariz<br />

de Mestre Valentim, a estátua equestre<br />

de D. Pedro I, a Escultura para o Rio de<br />

Janeiro, o Passante, o Cristo Redentor e o<br />

Monumento aos Pracinhas, todos no Rio de<br />

Janeiro. Em Brasília, a escultura O Meteoro;<br />

em Salvador, a estátua de Castro Alves; em<br />

São Paulo, o Monumento às Bandeiras.<br />

Na Europa, podemos citar dois exemplos: a<br />

Fontana di Trevi, em Roma; e a Stravinsky<br />

Fountain, em Paris. Esta última, idealizada<br />

pelos artistas Niki de Saint Phalle e Jean Tinguely,<br />

é composta por 16 esculturas que representam<br />

a obra A Sagração da Primavera,<br />

do compositor Stravinsky. A harmonia entre<br />

a visualidade das esculturas e a música executada<br />

no ambiente estimula os sentidos,<br />

dando lugar ao prazer estético e ao encantamento<br />

proporcionado pelas obras.<br />

Os artistas usam a natureza como tema,<br />

como local para expor suas obras e como<br />

fonte de materiais plásticos.<br />

NIKI DE SAINT PHALLE<br />

(Neuilly-sur-Seine, 1930 – La Jolla, Califórnia, 2002)<br />

Francesa criada em Nova York, é uma das artistas internacionais que se destacaram usando a técnica do papel machê.<br />

Criou as Nanás (moças, em francês), esculturas que lhe deram fama. São grandes bonecas que representam o mundo<br />

feminino. A artista fez também esculturas da Praça Igor Stravinsky, em Paris. Com uma linguagem aparentemente<br />

infantil, trata de temas como a morte, o pensamento místico, os mistérios do destino, o mundo animal, o paraíso ou<br />

o inferno e o amor.<br />

IGOR STRAVINSKY<br />

(Oranienbaum, atual Lomonóssov, 1882 – Nova York, 1971)<br />

Compositor russo, estudou música desde os 9 anos, cursou a faculdade de Direito, mas não chegou a exercer a<br />

profissão. Em 1910, seu balé O Pássaro de Fogo, encenado em Paris, proporcionou-lhe o início da fama. Mas foi<br />

com A Sagração da Primavera (1913) que entrou para a história da música universal. Na década de 1930, foi morar<br />

na Europa e, com a Segunda Guerra, mudou-se para os Estados Unidos, onde fez uma brilhante carreira.<br />

43 . Página à esquerda: Niki de Saint Phalle e Jean Tinguely. Fonte Stravinski, Paris (detalhe).<br />

41 . Niki de Saint Phalle e Jean Tinguely. Fonte Stravinsky,<br />

1983 (Paris).<br />

No Instituto Cultural Inhotim, em Brumadinho,<br />

Minas Gerais, dentro dos domínios da<br />

Mata Atlântica, obras de arte contemporânea,<br />

de artistas nacionais e estrangeiros, ficam<br />

ao ar livre, em meio aos jardins, imersas na<br />

mata, no topo da montanha, sobre um espelho<br />

d’água e também em pavilhões especiais.<br />

42 . Cildo Meireles. Inmensa, 1982-2002.<br />

No giro da Terra, preservar, mudar, transformar<br />

39 39


No giro da Terra, preservar, mudar, transformar<br />

40<br />

Inhotim é considerado o maior museu de<br />

arte contemporânea a céu aberto do mundo,<br />

onde a coexistência das obras em espaços<br />

abertos e fechados promove uma experiência<br />

singular de fruição da obra de arte.<br />

Outro exemplo de integração entre obras de<br />

arte e natureza é o Parque de Esculturas Felícia<br />

Leirner, em Campos do Jordão, São Paulo.<br />

O local reúne grandes esculturas de cimento<br />

branco feitas pela artista, que se distribuem<br />

pelos campos como mensagens enigmáticas.<br />

Jardins podem ser obras de arte?<br />

O contato com a natureza estimula o homem<br />

a reforçar os elos existentes entre ambos, por<br />

meio da criação de novos elementos estéticos.<br />

Assim, surgem, por exemplo, os jardins planejados,<br />

que estabelecem uma constante<br />

mediação com a paisagem existente, através<br />

de formas, cores, espécies e contrastes.<br />

Os Jardins Suspensos da Babilônia, considerados<br />

uma das sete maravilhas do mundo<br />

antigo, e os jardins do Palácio de Versalhes,<br />

na França, são exemplos de que a jardinagem<br />

teve lugar proeminente em todas as grandes<br />

civilizações ao longo da história.<br />

No século XX, Roberto Burle Marx foi um<br />

reformulador do paisagismo brasileiro. Tornou<br />

nossas cidades e nossas vidas muito<br />

mais belas e agradáveis.<br />

Um paisagista lê a vida de maneira<br />

florida e sombreada. Fazer um jardim<br />

é reler o mundo, reordenar o texto<br />

natural. E quando os jardineiros<br />

barrocos instalavam assombrosas<br />

grutas e jorros d’água entre seus<br />

canteiros estavam saudando as<br />

elipses do mistério nos extremos<br />

que são a pedra e a água,<br />

o movimento e a eternidade.<br />

Affonso Romano de Sant’Anna,<br />

em O Globo, 12/11/2000<br />

Ao planejar um jardim, ele considerava plantas,<br />

pedras, lagos, cursos, quedas d’água e<br />

a dinâmica dos animais que ali viviam. Respeitava<br />

os diversos tipos de ambiente e os<br />

elementos presentes, criando uma estética<br />

singular, na qual se destacavam a sinuosidade<br />

dos elementos e as manchas contínuas<br />

de cor.<br />

Burle Marx foi considerado o “poeta dos<br />

jardins”, pois seus projetos eram verdadeiras<br />

pinturas. Reunia plantas e flores com<br />

formatos, texturas e cores complementares<br />

que, entremeadas a painéis e esculturas,<br />

transformavam a paisagem em uma<br />

obra de arte.<br />

JARDINS SUSPENSOS DA BABILÔNIA<br />

Foram construídos no século VI a.C. por determinação de Nabucodonossor II, rei da Babilônia, inspirado,<br />

segundo historiadores do passado, por Semiramis, sua esposa preferida. Ela, deprimida, sentiria saudades de<br />

sua terra natal, de arredores montanhosos que contrastavam com o relevo plano e monótono da Babilônia. Os<br />

jardins eram uma construção monumental com seis grandes plataformas sustentadas por colunas que mediam,<br />

aproximadamente, de 25 a 100 metros. Não restou nenhum vestígio de sua existência.<br />

PALÁCIO DE VERSALHES<br />

Foi a principal residência da corte francesa e sede de governo durante mais de cem anos. Nele, ocorreram fatos<br />

importantes da Revolução Francesa. Em 1837, Luís Filipe transformou o palácio em museu. Depois, voltou a ser sede<br />

do Parlamento e, em 1875, foi o local escolhido para a proclamação da Terceira República. Lá, foram assinados<br />

importantes tratados, como o que pôs fim à Primeira Guerra Mundial. O palácio foi restaurado e modernizado durante<br />

a presidência de Charles de Gaulle e, juntamente com o parque, classificado Patrimônio Mundial pela Unesco em 1979.


Entendia a relação humana com a natureza,<br />

criando a possibilidade de, até hoje, penetrarmos<br />

em suas obras, quando passamos pelo<br />

Aterro do Flamengo ou pela Avenida Atlântica,<br />

no Rio de Janeiro; pelo Parque Ibirapuera,<br />

em São Paulo; ou pela Pampulha, em Belo<br />

Horizonte; além de dezenas de parques e jardins<br />

públicos que projetou mundo afora.<br />

Artista múltiplo, Burle Marx, além de seus<br />

projetos paisagísticos, criou pinturas, desenhos,<br />

gravuras, tapeçarias, esculturas,<br />

cerâmicas, cenografias, joias, sempre preocupado<br />

com a estética e os conceitos fundamentais<br />

da arte.<br />

44 . Burle Marx. Projeto paisagístico do Aterro do Flamengo, 1961. 45 . Burle Marx. Vista aérea do calçadão em mosaico<br />

português, 1970.<br />

46 . Burle Marx. Projeto paisagístico do Aterro do Flamengo, 1961.<br />

ROBERTO BURLE MARX<br />

(São Paulo, 1909 – Rio de Janeiro, 1994)<br />

Paisagista, arquiteto, botânico, desenhista, pintor, realizou importante obra paisagística, cujas formas orgânicas<br />

e sinuosas se integram à arquitetura moderna de Lucio Costa, Affonso Reidy, Oscar Niemeyer, entre outros. O<br />

estudo da paisagem natural brasileira é elemento fundamental de seus projetos, que incorporam espécies vegetais<br />

descobertas em excursões pelo cerrado, pela Amazônia e pelo sertão nordestino.<br />

No giro da Terra, preservar, mudar, transformar<br />

41 41


No giro da Terra, preservar, mudar, transformar<br />

42<br />

Roberto Burle Marx foi um humanista<br />

que, embora em consonância com a<br />

contemporaneidade, tinha raízes que<br />

bebiam nas fontes da Renascença.<br />

Sua atenção esteve sempre voltada<br />

para a capacidade de criar ou<br />

transformar o meio social.<br />

lucio Costa<br />

Para descobrir novas espécies de plantas,<br />

Burle Marx realizou expedições por diversas<br />

regiões do Brasil, como já haviam feito os<br />

artistas viajantes que, desde o século XVII,<br />

vieram da Europa para as terras brasileiras.<br />

Com a missão de documentar as novas regiões<br />

descobertas, holandeses e franceses<br />

registraram as paisagens tropicais, muitas vezes<br />

acentuando o caráter exótico e a cor local.<br />

47 . Albert Eckhout.<br />

Abacaxi, Melancias<br />

e Outras Frutas, sem<br />

data (detalhe).<br />

Durante o domínio holandês em Pernambuco,<br />

Maurício de Nassau trouxe “artistas repórteres”<br />

que documentaram a região. Frans Post<br />

registrou, em suas telas, edificações e fortificações,<br />

e Albert Eckhout pintou os habitantes locais<br />

e as frutas tropicais em naturezas-mortas.<br />

<strong>Artistas</strong> viajantes, como Rugendas e Debret,<br />

vieram também em expedições que percorreram<br />

nosso país, desenhando e pintando<br />

tudo o que encontraram de interessante.<br />

48 . Jean-Baptiste Debret. Uma Tarde na Praça do Palácio, 1826.<br />

Esses registros foram de grande importância<br />

para o conhecimento da flora e da fauna<br />

brasileiras. Os detalhados estudos desses<br />

artistas sobre o Brasil foram publicados, no<br />

século XIX, na França.<br />

A obra de Debret foi especialmente importante<br />

pela documentação histórica do cotidiano da<br />

vida carioca naquela época. Sensível observador,<br />

ele desenhou e pintou mais de 400 aquarelas,<br />

que, hoje, fazem parte do acervo do Museu<br />

da Chácara do Céu, no Rio de Janeiro.<br />

ALBERT VAN DER ECKHOUT<br />

(Groningen, c. 1610–c. 1666)<br />

Pintor e desenhista holandês, retrata fauna, flora e tipos humanos brasileiros durante o governo holandês em Pernambuco<br />

(1637-1644). Torna-se conhecido principalmente por nove retratos de indígenas, africanos e mestiços que então habitavam<br />

o Brasil e 12 naturezas-mortas com frutas e vegetais tropicais – um valioso grupo de imagens do Novo Mundo na época.<br />

JEAN-BAPTISTE DEBRET<br />

(Paris, 1768-1848)<br />

Pintor e desenhista francês, Debret chegou ao Brasil em 1816 com a Missão Artística Francesa, cujo objetivo foi promover o<br />

ensino artístico no país. Como pintor da corte, ele documentou os primeiros eventos da história do novo Estado. Também<br />

registrou em aquarelas fauna e flora brasileiras e o cotidiano de indígenas, homens livres, escravos e negros de ganho da<br />

sociedade colonial. Algumas delas foram litografadas e publicadas no livro Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil (1834-1839).<br />

49 . Página à direita: Jean-Baptiste Debret. Uma Tarde na Praça do Palácio, 1826 (detalhe).


A ilustradora botânica Margaret Mee foi uma artista<br />

viajante do século XX. De origem inglesa,<br />

mudou-se para o Brasil em 1952 e explorou durante<br />

30 anos as florestas tropicais brasileiras,<br />

principalmente a Floresta Amazônica, registrando<br />

a flora que encontrava nos ambientes visitados.<br />

Pintou orquídeas, bromélias, cactos e outras<br />

famílias botânicas com riqueza de detalhes, utilizando<br />

tinta guache com a técnica de aquarela.<br />

Também atuou como ativista ambiental,<br />

sempre pronta a denunciar a destruição da<br />

Floresta Amazônica, já naquela época.<br />

Os trabalhos de Margaret Mee ilustraram livros<br />

no Brasil e no exterior, deixando um precioso<br />

acervo para os estudiosos de botânica,<br />

que ainda utilizam a observação e a sensibilidade<br />

humana para retratar uma nova espécie,<br />

apesar dos recursos tecnológicos existentes.<br />

Eu sei que a minha morte não será o<br />

fim do meu trabalho. Aonde quer que<br />

eu vá, eu tentarei influenciar quem<br />

estiver destruindo nosso planeta, de<br />

modo que a Terra tenha uma chance<br />

de sobreviver.<br />

Margaret Mee<br />

51 . Página à esquerda: Flor amazônica pintada por Margaret Mee, 1977.<br />

50 . Margaret Mee. Flor da Lua (Selenicereus wittii), década<br />

de 1980.<br />

Para representarmos a natureza, precisamos<br />

copiá-la?<br />

No final do século XIX, o artista francês<br />

Henri Rousseau, de forma diferente dos pintores<br />

viajantes, não pintava fielmente a natureza.<br />

Mergulhava em sonhos simbólicos<br />

para criar suas florestas imaginárias.<br />

Apesar de ter estudado plantas e animais no<br />

Jardim Zoológico de Paris, interpretou a realidade<br />

com paisagens fantásticas, ingênuas,<br />

cheias de bichos estranhos e flores imensas.<br />

MARGARET MEE<br />

(Chesham, 1909 – Seagrave, 1988)<br />

Artista botânica inglesa, Mee contribuiu de modo significativo para os campos da ciência e da conservação ambiental.<br />

Especializou-se no registro de plantas nativas da Floresta Amazônica, algumas das quais não haviam sido até então<br />

identificadas. Preocupada com a proteção da região e de toda a sua flora, começou a incluir em suas ilustrações o<br />

habitat natural das espécies que desenhava, enfatizando a interdependência entre planta e ambiente.<br />

HENRI-JULIEN-ROUSSEAU<br />

(Laval, 1844 – Paris, 1910)<br />

Pintor francês autodidata, Rousseau produziu uma obra fora de padrões acadêmicos que foi valorizada pelos artistas<br />

modernos da Paris do início do século XX. Trabalhou vários temas, sendo mais conhecido por cenas imaginárias de<br />

selva inspiradas em cartões-postais, fotografias, jornais populares e visitas a zoológicos e jardins botânicos. São telas<br />

grandes, nas quais as figuras, fora de qualquer hierarquia, são dispostas no mesmo plano, estabelecendo estrutura<br />

formal característica de toda a arte moderna.<br />

No giro da Terra, preservar, mudar, transformar<br />

45 45


No giro da Terra, preservar, mudar, transformar<br />

46<br />

52 . Henri Rousseau. Paisagem Exótica, 1910 (detalhe).<br />

Seus quadros de acabamento meticuloso<br />

têm ar de mistério, com paisagens que parecem<br />

de outro mundo.<br />

Com características semelhantes, a pintora<br />

brasileira Marília Kranz cria uma obra contemporânea,<br />

na qual as paisagens parecem<br />

intocadas pelo homem. Silenciosas, tranquilas,<br />

delicadas e com luminosidade intensa,<br />

as formas simples da natureza surgem<br />

coloridas em tons pastéis.<br />

53 . Marília Kranz. Sem título, 1988.<br />

O mundo que Marília constrói retrata um<br />

meio ambiente que nos conforta.<br />

A essência da natureza é ser uma<br />

obra de arte liberta, fonte de criação<br />

da humanidade.<br />

O Museu de <strong>Arte</strong> Contemporânea de Niterói<br />

é um exemplo de que a liberdade plástica<br />

não tem limite, mesmo quando se utiliza<br />

um material rígido e pesado como o<br />

concreto armado.<br />

Em seu projeto arquitetônico, oscar Niemeyer<br />

conseguiu, segundo ele mesmo diz,<br />

fazer surgir uma flor, apoiada em um forte<br />

caule, emergindo de um espelho d’água.<br />

A flor vem da natureza e a ela se integra,<br />

compondo a paisagem da Baía de Guanabara.<br />

MARÍLIA KRANZ<br />

(Rio de Janeiro, 1937)<br />

Pintora, desenhista, gravadora e escultora brasileira, Kranz alcança em suas telas efeitos de translucidez ao fazer uso<br />

de tinta vinílica sobre lisos suportes de eucatex. O procedimento confere leveza cromática a formas geometrizadas que,<br />

inspiradas pela natureza, apresentam sensualidade e certo ar de sonho.<br />

OSCAR NIEMEYER<br />

(Rio de Janeiro, 1907)<br />

Arquiteto brasileiro, Niemeyer é referência internacional no campo da arquitetura moderna. A partir das construções coloniais<br />

brasileiras e do funcionalismo do arquiteto Le Corbusier, ele desenvolve vocabulário próprio, baseado em curvas desenvoltas<br />

que fluem no espaço. Tira proveito das possibilidades plásticas do concreto armado no projeto de edifícios situados em todo<br />

o mundo. No Brasil, destacam-se edifícios de Brasília, como os Palácios da Alvorada, do Planalto e do Itamaraty.<br />

54 . Página à direita: Henri Rousseau. Numa Floresta Tropical, Combate entre Tigre e Búfalo, 1908/1909 (detalhe).


No giro da Terra, preservar, mudar, transformar<br />

48<br />

55 . Museu de <strong>Arte</strong> Contemporânea (MAC), Niterói.<br />

A sinuosidade e as ondulações ambientais<br />

das paisagens brasileiras estão presentes<br />

nos jardins de Burle Marx, nas pinturas de<br />

Marília Kranz e na arquitetura de Niemeyer.<br />

Nos ensina a sonhar mesmo se<br />

lidamos com a matéria dura:<br />

o ferro o cimento a fome<br />

de humana arquitetura. (...)<br />

Oscar nos ensina<br />

que a beleza é leve.<br />

Lição de Arquitetura –<br />

para Oscar Niemeyer / Ferreira Gullar<br />

Cada um de nós, ao sentir-se parte da natureza<br />

e dela absorvendo todos os ensinamentos,<br />

a beleza e a perfeição que transmite,<br />

certamente conseguirá instigar o arteiro<br />

criativo, dando-lhe voz para encontrar nosso<br />

próprio caminho de expressão.<br />

Eu sou a terra, eu sou a vida.<br />

Do meu barro primeiro veio o homem.<br />

De mim veio a mulher e veio o amor.<br />

Veio a árvore, veio a fonte.<br />

Vem o fruto e vem a flor.<br />

O Cântico da Terra / Cora Coralina<br />

Meio ambiente em alerta<br />

Tudo o que acontece à Terra,<br />

acontece com os filhos e filhas da Terra.<br />

O homem não tece a teia da vida;<br />

ele é apenas o fio.<br />

Tudo o que faz à teia,<br />

ele faz a si mesmo.<br />

A Teia da Vida / ted Perry,<br />

inspirado no chefe Seattle in CAPRA, F.<br />

E se o nosso planeta ainda fosse habitado<br />

por dinossauros?<br />

56 . Ilustração da Terra habitada por dinossauros.<br />

Há milhões de anos atrás, o planeta Terra<br />

era assim.<br />

Com a extinção dos dinossauros e a evolução<br />

dos mamíferos e dos hominídeos, surgiu<br />

o Homo sapiens, e hoje ocupamos todo o<br />

planeta. Chegamos a sete bilhões de habitantes,<br />

cobrindo a Terra com cidades, derrubando<br />

florestas, desviando rios, extinguindo<br />

animais e plantas, mudando o clima.


Na minha rua estão cortando<br />

as árvores<br />

botando trilhos<br />

construindo casas.<br />

Minha rua acordou mudada.<br />

Os vizinhos não se conformam.<br />

Eles não sabem que a vida<br />

tem dessas exigências brutas. (...)<br />

A Rua Diferente / Carlos Drummond de Andrade<br />

Se continuarmos a destruir nossa morada Terra,<br />

perderemos nosso lugar aqui. Os recursos naturais,<br />

indispensáveis à vida, chegarão ao fim, e,<br />

consequentemente, o ser humano também.<br />

Talvez a Terra se transforme em um planeta<br />

habitado por robôs, como antecipam os filmes<br />

de ficção científica.<br />

Assim, os robôs representarão uma futura<br />

etapa da evolução – o Robô sapiens.<br />

Os robôs, mecânicos ou biônicos, não<br />

precisam de ar puro, poderão viver sem<br />

água e sem alimento e aprenderão a<br />

tirar do sol a energia necessária. Não<br />

precisarão da beleza dos crepúsculos<br />

das estepes, nem do ímpeto do vento<br />

salgado às margens do mar, nem da<br />

música de Mozart, nem da pintura<br />

de Michelangelo.<br />

Meu Manifesto pela Terra / Mikhail Gorbachev<br />

A Terra é viva e abriga todos os seres em<br />

uma interdependência única.<br />

Nossa responsabilidade é universal, pois fazemos<br />

parte, ao mesmo tempo, de um meio<br />

ambiente local, de uma nação e do mundo.<br />

Conscientes de que somos uma única humanidade,<br />

vivendo em um mesmo espaço, muitos<br />

de nós já mudamos nossas atitudes em<br />

relação ao meio ambiente. Devemos todos<br />

buscar o bem-estar comum, seja por meio<br />

da participação em grandes movimentos de<br />

luta pela preservação do planeta ou em pequenas<br />

ações que são fundamentais, pois<br />

repercutem no espaço local e no coletivo.<br />

Qual o papel da arte como agente de<br />

transformação?<br />

A arte sempre teve um papel de vanguarda<br />

na reflexão e na discussão de questões ligadas<br />

à vida do homem na Terra.<br />

Alguns artistas denunciam a devastação do<br />

meio ambiente através de suas obras.<br />

Frans Krajcberg faz essa trajetória com seu<br />

trabalho, um manifesto contra a destruição<br />

da natureza. Constrói montagens tridimensionais,<br />

transformando, artisticamente, sucatas<br />

coletadas em áreas devastadas por<br />

queimadas feitas pelo homem.<br />

Krajcberg tira terras do chão, quebra e tritura<br />

pedras para fazer seus pigmentos e<br />

pintar as esculturas. Dessa forma, com sua<br />

obra, o artista chama a atenção do mundo<br />

para a devastação do solo brasileiro e<br />

também para a beleza deste solo, através<br />

dos infinitos tons de ocre, cinza, marrom,<br />

verde, vermelho.<br />

FRANS KRAJCBERG<br />

(Kozienice, 1921)<br />

Escultor, pintor, gravador e fotógrafo polonês, Krajcberg encontra na natureza principal tema e matéria-prima de sua<br />

arte. Radicou-se no Brasil em 1948, onde desenvolveu trajetória artística marcada por pesquisa e utilização de elementos<br />

naturais. Recolhe galhos, raízes e troncos de árvores calcinadas que são usados em esculturas e fotografa desmatamentos<br />

e queimadas, denunciando, assim, a destruição de nosso meio ambiente.<br />

No giro da Terra, preservar, mudar, transformar<br />

49 49


57 . Frans Krajcberg. Vista de exposição na Oca – Parque<br />

Ibirapuera, São Paulo, 2008.<br />

Eu apanhava madeiras mortas nos<br />

campos queimados e fiz minhas<br />

esculturas dando a elas cores das<br />

terras. Queria dar-lhes uma outra vida.<br />

Frans Krajcberg<br />

Na Alemanha, em 1982, o artista Joseph Beuys,<br />

veterano da Segunda Guerra Mundial,<br />

engajado politicamente com as questões socioambientais,<br />

elaborou um projeto visando<br />

ao plantio de 7 mil mudas de carvalho,<br />

marcadas por colunas de basalto, em frente<br />

à sede da Documenta, exposição de arte<br />

contemporânea que se realiza, na cidade de<br />

Kassel, a cada cinco anos.<br />

Seu projeto pretendia mostrar a importância<br />

do ser humano na transformação do meio<br />

ambiente, mesmo diante da devastação provocada<br />

por uma guerra.<br />

A regeneração da Terra ainda é possível?<br />

Proteger e restabelecer a integridade e a<br />

saúde dos ecossistemas deve ser meta de<br />

todos nós, transformados em verdadeiros<br />

guardiões do meio ambiente.<br />

58 . Joseph Beuys. 7000 Carvalhos, 1982.<br />

JOSEPH BEUYS<br />

(Krefeld, 1921 – Düsseldorf, 1986)<br />

O alemão Beuys foi um dos artistas mais influentes da segunda metade do século XX. Fora das tradicionais<br />

categorias de pintura e de escultura, produziu desenhos, objetos, ações e instalações que participavam de um<br />

“conceito expandido de arte”, visando à total integração da vida cotidiana com atos criativos. Afirmava que “toda<br />

pessoa é um artista”, o que significa que cada homem possui um potencial produtivo, capacidade de plasmar o<br />

mundo em que vive.<br />

59 . Página à esquerda: Escultura de Frans Krajcberg.<br />

No giro da Terra, preservar, mudar, transformar<br />

51 51


Práticas simples, mas importantes, fazem a<br />

diferença, por exemplo, no volume de lixo descartado.<br />

Aprender a reduzir, reutilizar e reciclar<br />

deve tornar-se um hábito em nossas vidas.<br />

A sociedade contemporânea, que produz<br />

uma incalculável quantidade de lixo, não<br />

pode mais prescindir do importante trabalho<br />

dos catadores de material reciclável.<br />

As associações responsáveis pela coleta seletiva<br />

dão destino e funcionalidade ao material<br />

desprezado.<br />

A transformação da sucata em diferentes tipos<br />

de objetos tem início nas próprias associações,<br />

que incentivam a criatividade das<br />

pessoas interessadas, gerando, muitas vezes,<br />

fontes de renda.<br />

Muitos artistas fazem obras instigantes e criativas<br />

que nascem do lixo.<br />

Vik Muniz é um artista plástico brasileiro que<br />

faz experimentos com novas mídias e materiais.<br />

Recentemente, ele vem realizando grandes<br />

obras, esculpidas sobre a terra, utilizando lixo.<br />

Após dar forma às pilhas de material coletado<br />

nos lixões, ele fotografa e filma os resultados.<br />

O premiado documentário Lixo Extraordinário<br />

mostra o trabalho de Vik Muniz com os catadores<br />

de lixo de Duque de Caxias.<br />

Recentemente, o artista reuniu 2.200 instrumentos<br />

musicais já usados e doados ao projeto<br />

Por um Mundo Melhor, organizado pela<br />

produção do festival Rock in Rio/2011. Com<br />

esse material, Vik construiu, em um galpão<br />

em Parada de Lucas, o símbolo do festival.<br />

60 . Vik Muniz. Marat (Sebastião), 2008.<br />

Kurt Schwitters, na Alemanha arrasada pela<br />

Primeira Guerra Mundial, também construiu<br />

uma obra com base em elementos descartados<br />

pela sociedade.<br />

VIK MUNIZ<br />

(São Paulo, 1961)<br />

Fotógrafo, desenhista, pintor e gravador brasileiro, Muniz questiona a função e as tradições da representação visual<br />

ao usar materiais inusitados para criar os temas de suas fotografias. Entre suas séries de imagens, estão aquelas<br />

compostas com chocolate, açúcar, poeira ou recortes de revistas, que são dispostos sobre uma superfície e depois<br />

fotografados. Tais imagens exploram modos de ilusão do espectador, que questiona a fotografia como reprodução<br />

fiel da realidade.<br />

61 . Página à esquerda: Vik Muniz. Marat (Sebastião), 2008 (detalhe).<br />

Eu não vejo por que bilhetes usados<br />

de trem, pedaços de compensado,<br />

botões e restos do sótão, pilhas de lixo<br />

não serviriam bem como materiais para<br />

pinturas; elas servem a esse propósito<br />

assim como tintas industrializadas...<br />

É possível gritar usando fragmentos<br />

de lixo, e foi isso que eu fiz, colando<br />

e pregando essas coisas.<br />

Kurt Schwitters<br />

Outros artistas pelo mundo transformam a realidade<br />

cotidiana com grandes instalações de lixo.<br />

No giro da Terra, preservar, mudar, transformar<br />

53 53


No giro da Terra, preservar, mudar, transformar<br />

54<br />

62 . Tim Noble e Sue Webster.<br />

A Fenda, 2004.<br />

Os artistas britânicos<br />

tim Noble e Sue<br />

Webster recolhem todo<br />

tipo de sucata para<br />

criar suas “esculturas<br />

de sombra”, utilizando<br />

o recurso teatral da<br />

luz, que, direcionada<br />

ao amontoado de lixo,<br />

nos faz perceber o sentido<br />

figurativo da obra<br />

na sombra projetada.<br />

O artista, como agente transformador, em<br />

sintonia com seu tempo, percebe a necessidade<br />

de incorporar elementos da realidade a<br />

sua volta, inclusive a sucata.<br />

Porque a sucata,<br />

na verdade<br />

seja o que for<br />

que tenha sido<br />

é um mero estado transitório<br />

do material em disponibilidade.<br />

Não tem nada de trágico.<br />

A sucata é o material em férias... (...)<br />

Porque a sucata quanto mais sucata<br />

Mais pode vir a ser UMA OUTRA COISA!<br />

História do Futuro / Mario Quintana<br />

Francis Alÿs realiza, desde a década de 1980,<br />

uma obra de “passeios”, registrados por fotos,<br />

vídeos e objetos coletados.<br />

63 . Francis Alÿs. Sapatos Magnéticos, 1994.<br />

Na obra Sapatos Magnéticos, o artista concebeu<br />

um par de sapatos magnéticos incomuns. Com<br />

eles, percorre as ruas e colhe com seus pés uma<br />

série de objetos metálicos que passam despercebidos<br />

aos habitantes. Andando pela cidade, ele<br />

coleta, seleciona, combina, imanta o “lixo” do<br />

ambiente, fazendo-nos ver os vestígios econômicos<br />

e culturais da civilização contemporânea.<br />

A observação atenta do espaço cotidiano pode<br />

ser fonte de inovação, de transformação dele.<br />

O reaproveitamento artístico de materiais<br />

sempre fez parte da cultura de muitos povos.<br />

O trabalho com sobras de tecidos (patchwork)<br />

é tradicional em pequenas cidades dos Estados<br />

Unidos, da Europa e do Brasil. Consiste<br />

na reunião de retalhos, das mais diferentes<br />

cores e estampas, que resulta em colchas, almofadas,<br />

roupas e enfeites decorativos.<br />

TIM NOBLE E SUE WEBSTER<br />

(Stroud, 1966 – Leicester, 1967)<br />

Dupla de artistas britânicos que entra na cena artística londrina em meados dos anos 1990. Entre seus trabalhos mais<br />

conhecidos, estão as séries de sombras em que coisas banais, inclusive lixo e animais empalhados, são agrupadas e então<br />

iluminadas a partir de certo ângulo, de modo a projetar sombras que exibem grande semelhança com algo identificável.<br />

Essas peças transformam detritos da sociedade em algo interessante, desafiando noções convencionais de beleza.<br />

FRANCIS ALŸS<br />

(Antuérpia, 1959)<br />

Artista visual belga, Alÿs explora questões urbanas, de áreas de conflito ou os benefícios e prejuízos do progresso<br />

por meio de vídeos, performances, objetos, mapas, desenhos, pintura e fotografia. Fundamentais em sua arte são as<br />

caminhadas, como a que ele fez em Havana (1994): ele percorreu a cidade com sapatos magnetizados que coletavam<br />

pequenos objetos, restos, os indícios do ambiente econômico, social e cultural da cidade.<br />

64 . Página à direita: Tim Noble e Sue Webster. Vida Selvagem Britânica, 2000.


Lembrando uma colcha de retalhos, a obra<br />

do artista Romero Britto possui tratamento<br />

gráfico semelhante, aplicado à pintura.<br />

Ele combina padrões geométricos, cores vibrantes<br />

e figuras em composições harmoniosas,<br />

alegres e decorativas. O contorno<br />

preto com que envolve as formas confere<br />

também ao trabalho características semelhantes<br />

às de um vitral, técnica que une<br />

pedaços de vidro colorido.<br />

Qual a ligação que podemos estabelecer entre<br />

a técnica de unir retalhos com outras expressões<br />

de arte?<br />

Coletar, selecionar e compor com pedaços<br />

dos mais diferentes materiais é um desafio à<br />

criação do artista, apresentando numerosas<br />

possibilidades de soluções com liberdade de<br />

expressão. Geralmente, os materiais disponíveis<br />

na comunidade servem como elementos<br />

detonadores do processo criativo.<br />

A obra do espanhol Antoni Gaudí sintetiza<br />

a força da natureza, vinculando a Terra ao<br />

homem. A originalidade do seu estilo aparece<br />

não só na arquitetura, mas também no<br />

revestimento que faz, nas diversas construções,<br />

utilizando mosaicos de retalhos de<br />

azulejos, cerâmicas, vidros, formando composições<br />

com desenhos inusitados.<br />

Gaudí imaginou e criou uma fantástica cidade<br />

jardim, o Parque Güell, na cidade de<br />

Barcelona. Respeitando a natureza local,<br />

adaptou a arquitetura à geografia do terreno<br />

e utilizou, na construção, materiais existentes<br />

no próprio meio.<br />

65 . Antoni Gaudí. Salamandra (Parque Güell), 1900-1914.<br />

Para o revestimento em mosaicos, procurou<br />

fábricas de cerâmicas onde coletou desperdícios,<br />

refugos, cacos e estilhaços, que aplicou<br />

nas construções do parque.<br />

Muito longe de Barcelona, a Casa da Flor<br />

é uma obra-prima da arquitetura espontânea<br />

no nosso país. Foi construída por Gabriel<br />

Joaquim dos Santos, simples trabalhador<br />

das salinas de São Pedro da Aldeia,<br />

no Rio de Janeiro, filho de uma índia e um<br />

ex-escravo africano.<br />

Durante toda a sua vida, ele criou a casa dos<br />

seus sonhos, utilizando material de sucata.<br />

A pequena casinha de pau a pique foi toda<br />

revestida de cacos de cerâmica, de louça, de<br />

vidro, de ladrilhos e restos de objetos velhos,<br />

como bibelôs, lâmpadas, tampas, além<br />

daqueles encontrados na natureza.<br />

Com sua única e poética obra, Gabriel se incluiu<br />

no seleto grupo dos “construtores do<br />

imaginário”, artistas/arquitetos que, como<br />

Gaudí, fugiram dos padrões tradicionais,<br />

criando uma arquitetura surreal e orgânica.<br />

ANTONI GAUDÍ<br />

(Reus, 1852-1926)<br />

Arquiteto e designer espanhol, Gaudí desenvolveu obra de formas orgânicas que, inspiradas na natureza,<br />

estruturam suas construções. Influenciado pelo movimento Arts and Crafts, da segunda metade do século XIX,<br />

que defendia a unidade das artes, ele integrava cerâmica, vitral, ferro fundido, carpintaria e mosaicos à sua<br />

arquitetura. Entre suas obras, concentradas em Barcelona, encontram-se a Catedral da Sagrada Família, o Parque<br />

Güell, a Casa Batlló e a Casa Milà.<br />

66 . Página à esquerda: Antoni Gaudí. Casa Batló, 1905-1907.<br />

No giro da Terra, preservar, mudar, transformar<br />

57 57


No giro da Terra, preservar, mudar, transformar<br />

58<br />

E ali quase por um século, viveu um<br />

preto solitário, transformando a pedra<br />

em flor. Inutilmente. Ludicamente.<br />

Lindamente, com aquela pureza que<br />

só os iluminados têm... Com suas flores<br />

de pedra Seu Gabriel inventava a<br />

primavera. A primavera possível.<br />

Affonso Romano de Sant’Anna<br />

Outra obra que merece destaque, usando o<br />

mosaico feito com sucatas, é a escadaria do<br />

Convento de Santa Teresa, tombada pela Prefeitura<br />

do Rio de Janeiro, que une o bairro da<br />

Lapa a Santa Teresa.<br />

67 . Jorge Selarón. Escadaria Selarón (Rio de Janeiro).<br />

Seu idealizador é o artista Jorge Selarón, que<br />

revestiu os 215 degraus da escadaria com<br />

quase 2 mil peças de cerâmicas, pastilhas e<br />

azulejos, inteiros ou em cacos, coletados no<br />

Brasil e no mundo.<br />

Selarón, morador do local, sentiu a necessidade<br />

de embelezar o ambiente, não só revestindo<br />

a escadaria como também fazendo<br />

jardins suspensos, utilizando banheiras antigas<br />

cobertas com azulejos.<br />

A “escada de Selarón” confere um toque mágico<br />

ao lugar.<br />

Objetos podem ser retalhos de lembranças.<br />

Para eternizá-las, o artista carioca Barrão<br />

participou, em 1999, da exposição A Imagem<br />

do Som de Chico Buarque, no Paço Imperial,<br />

no Rio de Janeiro.<br />

Tomando-se por base a canção Maninha, de<br />

Chico, Barrão criou uma escultura com pedaços<br />

quebrados de antigos bibelôs de louça.<br />

Olhar a obra de<br />

Barrão ouvindo a<br />

canção de Chico é<br />

como juntar recortes<br />

de fragmentos<br />

do passado.<br />

68 . Jorge Barrão. Assemblage inspirada na canção Maninha,<br />

exposta em A Imagem do Som de Chico Buarque, 1999.<br />

JORGE SELARÓN<br />

(Chile, 1947 – Atualmente reside no Brasil)<br />

Pintor e ceramista, Selarón criou um dos pontos mais visitados do Rio de Janeiro: a Escadaria do Convento de<br />

Santa Teresa, entre os bairros da Lapa e de Santa Teresa. Por essa obra, que sempre muda sua composição, ele<br />

recebeu da Prefeitura título de Cidadão Honorário do Rio de Janeiro.<br />

JORGE VELLOSO BORGES LEÃO TEIXEIRA, O BARRÃO<br />

(Rio de Janeiro, 1959)<br />

Artista multimídia que produz objetos, vídeo, música, capas de disco, cenografia e vinhetas de TV. Barrão retira objetos<br />

cotidianos de seus contextos originais e lhes dá novos sentidos. Constrói peças irreverentes e inúteis que criticam a<br />

sociedade de consumo com um humor tipicamente carioca.


Se lembra da fogueira<br />

Se lembra dos balões<br />

Se lembra dos luares dos sertões<br />

A roupa no varal, feriado nacional<br />

E as estrelas salpicadas nas canções...<br />

Maninha / Chico Buarque<br />

O aproveitamento de sucatas não só colabora<br />

com o meio ambiente, mas é um desafio<br />

para o ser criador, que consegue unir<br />

partes em um todo, em diferentes expressões<br />

artísticas.<br />

Na era planetária, é necessário situar o humano<br />

no universo.<br />

O sentimento de pertencer à mesma espécie<br />

nos ajuda a reconhecer a identidade terrena<br />

e a esperança de uma cidadania que<br />

busque a solidariedade entre os homens e<br />

a conscientização ecológica.<br />

O cidadão planetário tem o olhar<br />

sobre o planeta, tem carinho pelo<br />

mundo como o berço de todo mundo.<br />

Pensa em séculos, não vive em função<br />

do dia de hoje.<br />

Herbert de Souza, o Betinho<br />

Para despertar todos os que habitam este<br />

planeta, alguns artistas acharam necessária<br />

a criação de obras quase tão imensas quanto<br />

o universo e os problemas que ele enfrenta.<br />

O artista norte-americano John Quigley projeta<br />

obras de arte que chamam a atenção<br />

para assuntos humanitários. Depois de prontos,<br />

seus trabalhos são registrados em fotos<br />

e filmes aéreos.<br />

Recentemente, John recriou o desenho O Homem<br />

Vitruviano, no Ártico, em tamanho colossal.<br />

Propositalmente, ele fez apenas uma<br />

parte da obra, deixando-a incompleta.<br />

69 . Leonardo da Vinci. Homem Vitruviano, 1492.<br />

HOMEM VITRUVIANO<br />

(Galeria da Academia, Veneza, c. 1492)<br />

Desenho de Leonardo da Vinci baseado no tratado do arquiteto romano Vitrúvio, que acreditava que a boa<br />

arquitetura e as perfeitas proporções do homem seguiam leis da natureza. Com seu vasto conhecimento de<br />

anatomia e geometria, Leonardo obteve sucesso com esse desenho, que chegou a representar o padrão da<br />

beleza física humana.<br />

No giro da Terra, preservar, mudar, transformar<br />

59 59


70 . John Quigley. Homem Vitruviano Derretendo.<br />

Intitulou seu trabalho de Homem Vitruviano<br />

Derretendo, com a intenção de denunciar o<br />

que vem acontecendo com o derretimento<br />

das calotas polares.<br />

Desde que o Homem Vitruviano foi<br />

criado, na Renascença, o homem<br />

distanciou-se de sua essência, por<br />

isso está derretendo.<br />

John Quigley<br />

Nas águas de Cancún, no México, o artista<br />

Jason de Caires Taylor projetou para as futuras<br />

gerações um museu submarino.<br />

Criou centenas de esculturas humanas, em<br />

tamanho natural, tendo como modelos os<br />

moradores da região.<br />

Feitas de um material especial, as esculturas<br />

são submersas para que vivam em<br />

constante mutação.<br />

O Parque Nacional Marinho e suas estátuas<br />

cobertas de algas fazem o papel de corais<br />

vivos em perfeita harmonia com o meio ambiente<br />

local, onde o trabalho do artista se<br />

funde com o trabalho da natureza.<br />

A água é vista aqui como uma promessa de<br />

vida, um recomeço.<br />

A mesma imagem pode ser percebida na<br />

canção Águas de Março, de Antonio Carlos<br />

Jobim, que se enquadra em um repertório de<br />

canções ecológicas. Ela revela o talento do<br />

maestro como letrista e reafirma suas preocupações<br />

com o meio ambiente.<br />

A sequência de versos breves, como uma<br />

chuva de pensamentos recortados sobre<br />

o cotidiano, apresenta elementos da flora,<br />

da fauna, do folclore, de brasilidade,<br />

alternando otimismo e pessimismo, vida<br />

e morte, mas muitas promessas de uma<br />

vida renovada.<br />

São as águas de março fechando o verão<br />

É a promessa de vida no teu coração<br />

pau, pedra, fim, caminho<br />

resto, toco, pouco, sozinho<br />

caco, vidro, vida, sol, noite, morte, laço, anzol<br />

HOMEM VITRUVIANO DERRETENDO<br />

Obra criada pelo artista e ativista ambiental britânico John Quigley a 800km do Polo Norte. Ele recriou o célebre Homem<br />

Vitruviano, de Leonardo da Vinci, com chapas de cobre sobre o gelo para chamar a atenção para o fenômeno do<br />

aquecimento global.<br />

71 . Página à esquerda: Leonardo da Vinci. Homem Vitruviano, 1492 (detalhe).<br />

Águas de Março / tom Jobim<br />

Hoje, a questão não é ter mais, mas ser mais.<br />

Ser mais consciente, mais solidário, mais<br />

pacífico, mais atuante, com um olhar<br />

mais abrangente.<br />

No giro da Terra, preservar, mudar, transformar<br />

61 61


No giro da Terra, preservar, mudar, transformar<br />

62<br />

A memória é fragmentada,<br />

e o sentido de identidade do<br />

indivíduo depende, em parte,<br />

da organização desses fragmentos.<br />

A Formação Integrada / Maria Ciavatta<br />

Precisamos ser muito, muito mais arteiros<br />

para, de posse de nossas memórias sensíveis,<br />

podermos, conscientemente, avaliar e organizar<br />

todas as possibilidades criativas para somar<br />

forças e unir nossas ações no sentido de<br />

preservar, mudar e transformar o mundo.<br />

O importante é não estar aqui<br />

ou ali, mas ser. E ser é uma ciência<br />

delicada feita de pequenas-grandes<br />

observações do cotidiano dentro e<br />

fora da gente. Se não executamos<br />

essas observações, não chegaremos a<br />

ser: apenas estamos e desaparecemos.<br />

Conhecimentos em arte<br />

Carlos Drummond de Andrade<br />

• Percepção dos elementos visuais (ponto,<br />

linha, forma, cor e textura) na natureza.<br />

• <strong>Artistas</strong> que se inspiraram na natureza<br />

para criar.<br />

• Técnicas e recursos usados em obras<br />

de arte.<br />

• Reprodução e estilização de elementos<br />

da natureza por meio do desenho<br />

de observação.<br />

• <strong>Arte</strong> como intervenção urbana.<br />

• Tridimensionalidade aplicada aos trabalhos<br />

artísticos.<br />

• Reutilização e reciclagem de materiais<br />

em objetos artísticos.<br />

ARTiculando em sala de aula<br />

Professor(a), com base no texto lido, sugerimos<br />

algumas atividades para propor aos alunos:<br />

• Ilustrar a letra de uma música cujo tema<br />

seja a natureza.<br />

• Observar a obra A Grande<br />

Família, de Magritte,<br />

na qual o céu aparece<br />

através da silhueta de<br />

um pássaro.<br />

72 . René Magritte.<br />

A Grande Família, 1963.<br />

• Fazer uma composição cujo contorno seja<br />

uma forma da natureza e preencher com<br />

elementos ligados ao tema, utilizando<br />

técnicas de desenho, colagem ou pintura.<br />

• Ouvir a música O Lago dos Cisnes, de Tchaikovsky,<br />

e traçar linhas contínuas, de olhos fechados,<br />

ao som da melodia. Preencher as áreas<br />

delimitadas com diferentes texturas e cores.<br />

• Assistir ao vídeo do balé O Lago dos Cisnes.<br />

Debater as sensações suscitadas, os movimentos<br />

dos bailarinos, a suavidade e a dramaticidade<br />

das cenas e a beleza estética do espetáculo.<br />

• Observar a ação do tempo nas obras de Cristina<br />

Oiticica. Trazer, para a sala de aula, objetos que<br />

tenham sofrido a ação do tempo. Em grupo,<br />

fazer uma instalação utilizando esses materiais.<br />

• Pesquisar sobre o Cristo Redentor e outras<br />

esculturas importantes da cidade do<br />

Rio de Janeiro.


• Fazer um projeto para melhorar a praça do<br />

bairro, incluindo uma escultura criada pelos<br />

alunos.<br />

• Trazer um elemento da natureza (folha,<br />

flor, concha...) para a sala de aula. Fazer<br />

um desenho de observação do elemento<br />

escolhido, representando-o o mais próximo<br />

possível da realidade. Realizar um<br />

segundo desenho, estilizando as formas<br />

do primeiro.<br />

• Registrar, por meio de desenhos, diferentes<br />

espaços naturais escolhidos pelos alunos,<br />

utilizando a técnica de aquarela para<br />

a finalização do trabalho.<br />

Para visitar<br />

• Após conhecer o trabalho Flor da Lua, de<br />

Margaret Mee, e o empenho da artista<br />

em encontrar essa espécie botânica, os<br />

alunos poderão criar sua própria flor-da-<br />

-lua, utilizando pedaços rasgados de papel.<br />

Descrever e desenhar a flor criada.<br />

• Colecionar formas interessantes, encontradas<br />

na natureza, e juntá-las, transformando-as em<br />

interessantes esculturas (trabalho em grupo).<br />

• Utilizar sucatas para criar uma composição<br />

de alerta contra a destruição da natureza.<br />

• Fazer cartazes que alertem para a preservação<br />

do meio escolar.<br />

instituto Moreira Salles – Centro cultural que realiza exposições, palestras, shows,<br />

sessões de cinema e eventos.<br />

Endereço: Rua Marquês de São Vicente, 476, Gávea.<br />

Tel.: (21) 2274-2149.<br />

Museu do Açude – Situado na Floresta da Tijuca, no Alto da Boa Vista, em uma área<br />

de 150m 2 , possui ricos acervos de arte pertencentes à coleção Castro Maya.<br />

Endereço: Estrada do Açude, 764, Alto da Boa Vista.<br />

Tel.: (21) 2492-2119.<br />

Sítio Roberto Burle Marx – Antiga residência do paisagista Burle Marx, atualmente<br />

é uma instituição de conservação e pesquisa de recursos naturais. Possui um dos<br />

mais importantes acervos botânicos e paisagísticos de plantas vivas do mundo.<br />

Endereço: Estrada Roberto Burle Marx, 2.019, Barra de Guaratiba.<br />

Tel.: (21) 2410-1412.<br />

Museu de <strong>Arte</strong> Contemporânea de Niterói – O MAC foi projetado por Oscar Niemeyer,<br />

sendo um dos marcos da arquitetura brasileira e símbolo da cidade de Niterói.<br />

Endereço: Mirante da Boa Viagem, s/n., Niterói.<br />

Tel.: (21) 2620-2400.<br />

Jardim Botânico – Criado por D. João VI, em 1808, hoje é um espaço de lazer, estudo e pesquisa<br />

que abriga numerosas espécies raras de plantas da flora brasileira e de outros países.<br />

Endereço: Rua Jardim Botânico, 920, Jardim Botânico.<br />

Tel.: (21) 3874-1214.<br />

No giro da Terra, preservar, mudar, transformar<br />

63 63


ARTE, ARTISTAS E ARTEIROS<br />

DEIXAM SUA MARCA<br />

Toda a produção do homem carrega<br />

a sua história de humanidade<br />

e tem na arte<br />

a sua marca de sujeito.<br />

Telma Cintrão


Nossas marcas no mundo<br />

Marcando presença<br />

antes de existir alfabeto existia a voz<br />

antes de existir a voz existia o silêncio<br />

o silêncio<br />

foi a primeira coisa que existiu<br />

um silêncio que ninguém ouviu.<br />

O Silêncio / Arnaldo Antunes<br />

O homem deixa marcas, evidenciando a sua<br />

passagem pela Terra. Mas a configuração das<br />

galáxias, os desenhos deixados pelo vento<br />

na areia, o caminho percorrido pelos animais,<br />

as nervuras das folhas e até mesmo as rugas<br />

na face dos homens identificam também as<br />

marcas da natureza na identidade terrena.<br />

73 . Nervuras de uma folha.<br />

A aventura da existência mostra a necessidade<br />

vital do ser humano em deixar registros,<br />

marcar sua presença, seu domínio e<br />

sua identidade em um território.<br />

Antes mesmo de desenvolver a linguagem<br />

verbal, o homem já se comunicava por meio<br />

de símbolos.<br />

A capacidade de comunicação<br />

humana não se restringe às palavras.<br />

Fayga ostrower<br />

Nas cavernas, os desenhos e as pinturas rupestres<br />

expressavam e transmitiam os hábitos<br />

e as experiências do homem pré-histórico,<br />

mostrando sua sensibilidade visual e<br />

capacidade de abstração.<br />

Na solidão e na segurança das cavernas, o<br />

homem sonhava, imaginava e criava, em sua<br />

tentativa de compreender o mundo. Assim,<br />

ele fez da caverna o seu primeiro ateliê.<br />

ARTE RUPESTRE<br />

Consiste em traços, gravações ou pinturas sobre rochas feitos em cavernas ou ao ar livre. É considerada a primeira<br />

manifestação da criatividade humana, pois remonta à pré-história, mas não se limita a esse período. Encontrada em<br />

diferentes épocas e locais, essa arte emprega linhas e grafismos geométricos, representa formas humanas e de animais<br />

ou marcas de mãos e pés. Possui prováveis significados rituais e/ou religiosos, mas não detém sentido estético evidente.<br />

Nossas marcas no mundo<br />

67 67


Nossas marcas no mundo<br />

68<br />

Usando recursos rudimentares, desenhava,<br />

contornava as formas rochosas e, às vezes,<br />

usava como molde as próprias mãos. Estas<br />

eram colocadas contra a parede, e, soprando-se<br />

pó colorido, as silhuetas das mãos ficavam<br />

gravadas e, com elas, a identidade<br />

era marcada para a posteridade.<br />

74 . Impressões de mãos em Cuevas de las Manos (Argentina).<br />

As primeiras cores eram feitas de madeiras<br />

e ossos queimados, cal, terra e minérios em<br />

pó, misturados com água ou gordura animal.<br />

Os contornos das pinturas eram desenhados<br />

com os dedos, com musgos ou com pincéis<br />

feitos de pequenos galhos de árvores, pelos<br />

ou penas de animais. Para preencher as formas,<br />

sopravam os pós através de tubos feitos<br />

de ossos ou de caules vegetais, como se fosse<br />

um spray.<br />

Podemos dizer que as cavernas revelaram os<br />

primeiros artistas do grafite.<br />

75 . Pintura de um bisão na caverna de Altamira (Espanha).<br />

O homem pré-histórico apropriava-se do seu<br />

mundo, capturando visualmente o meio em<br />

que vivia, dando-lhe novos significados em<br />

formas simbólicas e estabelecendo um diálogo<br />

singular com seu tempo.<br />

A arte é muitas coisas. Uma das<br />

coisas que a arte é, parece, é uma<br />

transformação simbólica do mundo.<br />

Quer dizer: o artista cria um mundo<br />

outro – mais bonito ou mais intenso<br />

ou mais significativo ou mais<br />

ordenado – por cima da<br />

sensibilidade imediata.<br />

Sobre a <strong>Arte</strong> / Ferreira Gullar<br />

GRAFFITI (GRAFITE)<br />

Refere-se a inscrições em muros ou outras superfícies em espaços públicos urbanos. O termo é plural de graffito, que,<br />

em italiano, significa “arranhado, rabiscado”. Abrange de imagens gráficas coloridas a monogramas estilizados e<br />

tem origem na Nova York dos anos 1970, quando se usaram tinta em spray e outros materiais para traçar palavras<br />

e imagens em edifícios e trens do metrô, de modo a intervir na cidade sem a mediação de instituições artísticas.<br />

HOMEM PRÉ-HISTÓRICO<br />

A pré-história é o período anterior à invenção da escrita (até 4000 a.C. aproximadamente), e os homens que<br />

viveram na época pertenciam a diferentes espécies. Entre elas, estavam a do Homo neanderthalensis (homem de<br />

Neanderthal), que existiu de cerca de 300 mil anos a.C. até 29 mil anos a.C., e a do Homo Cro-Magnon, e as duas<br />

competiam entre si. Há várias hipóteses sobre a extinção da espécie neandertal, como doenças, mudanças climáticas<br />

e violência em conflitos.<br />

76 . Página à direita: <strong>Arte</strong> rupestre.


Nossas marcas no mundo<br />

70<br />

Por meio dos símbolos, o homem está em<br />

condições de perceber, possuir e ter juntas,<br />

de uma só vez, muitas coisas. Por essa razão,<br />

a mente vive sempre aberta a mil caminhos<br />

e possibilidades.<br />

Nas décadas de 1970 e 1980, munidos de<br />

pincéis atômicos, giz, carimbos, pincéis e<br />

latas de tinta spray, grafiteiros marcaram a<br />

cena urbana cobrindo, com símbolos, palavras<br />

e imagens, muros e vagões de trens em<br />

diferentes lugares do mundo.<br />

A arte do grafite mostra que a necessidade<br />

humana de deixar marcas é atemporal.<br />

Como na pré-história, esses artistas eram,<br />

em sua maioria, anônimos.<br />

O primeiro artista de<br />

formação profissional<br />

a usar o grafite foi o<br />

norte-americano Keith<br />

Haring, na década de<br />

1970. As pinturas no<br />

metrô de Nova York<br />

são marcas registradas<br />

de sua obra.<br />

77 . Keith Haring.<br />

Desenho no metrô de<br />

Nova York, 1983.<br />

Decidi voltar ao desenho, que mudou<br />

pouco desde a pré-história e ainda<br />

guarda a mesma origem.<br />

Keith Haring<br />

O artista norte-americano Jean-Michel Basquiat,<br />

na década de 1980, também ganhou popularidade,<br />

deixando suas marcas simbólicas no<br />

mundo cosmopolita de Nova York.<br />

78 . Jean-Michel Basquiat. Cabeza, 1982.<br />

Como grafiteiro, incorporava palavras, letras,<br />

números, pictogramas, logos, símbolos<br />

de mapas, diagramas em suas pinturas. A<br />

obra ainda exerce forte influência em artistas<br />

do grafite contemporâneo.<br />

Grafite: sujeira, vandalismo ou arte?<br />

KEITH HARING<br />

(Reading, 1958 – Nova York, 1990)<br />

Artista de rua norte-americano, Haring começou a atrair a atenção pública com seus desenhos de giz no metrô de<br />

Nova York no fim dos anos 1970. Marcado pela cultura urbana e pela explosão da cena de dance music dos anos<br />

1980, seu trabalho tem aspecto caricatural e cores vívidas. Haring queria fazer uma arte para a pessoa comum que<br />

circulava pela ruas, e não somente para ricos colecionadores que frequentavam galerias de arte.<br />

JEAN-MICHEL BASQUIAT<br />

(Nova York, 1960-1988)<br />

Pintor, escultor e desenhista, Basquiat é um dos pioneiros da arte de rua. Já no fim dos anos 1970, começou a<br />

cobrir prédios abandonados de Manhattan com grafites. Suas referências pintadas e escritas incluíam imagens<br />

e símbolos das culturas africana, asteca, grega e romana e também de sua herança porto-riquenha e haitiana.<br />

Trouxe uma perspectiva bicultural à figuração dos anos 1980, ao incluir a cultura negra e o imaginário urbano em<br />

desenhos e pinturas diretas e espontâneas.


O grafite revela uma forma viva, inquieta e<br />

provocativa de participação e de comunicação.<br />

Atende ao espírito rebelde e contestador<br />

dos jovens, que também precisam marcar sua<br />

presença no mundo.<br />

Diferentemente da pichação sem propósito<br />

definido, o grafite já se consolidou como<br />

uma realidade da arte contemporânea.<br />

No Brasil, a dupla de irmãos Otávio e Gustavo<br />

Pandolfo, conhecida como os Gêmeos,<br />

desenvolve, desde 1987, uma obra que se estendeu<br />

das cidades paulistanas ao exterior.<br />

79 . Os Gêmeos. O Estrangeiro, 2011.<br />

Influenciando outros jovens artistas, Os Gêmeos<br />

ajudaram a tornar a arte de rua aceita<br />

pela população e a definir um estilo brasileiro<br />

de grafite. Os temas abordados são: retratos<br />

de família, política e crítica social. Hoje, ocupam<br />

galerias e museus de todo o mundo.<br />

Nossas influências começam com a<br />

arte brasileira, a cultura popular brasileira<br />

e vão até tudo o que a gente<br />

sonha, vê, sente, ouve.<br />

otávio Pandolfo<br />

No início da carreira, no final dos anos 1980,<br />

Otávio e Gustavo fizeram apresentações de<br />

break, modalidade de dança de rua que, com o rap<br />

e o grafite, é marca do movimento hip-hop, que<br />

nasceu nos Estados Unidos na década de 1970.<br />

Na cidade do Rio de Janeiro, na década de<br />

1990, o hip-hop dava os primeiros passos,<br />

apresentando nomes como Gabriel O Pensador,<br />

MV Bill e Marcelo D2.<br />

Não somos donos da verdade<br />

Mas conhecemos bem as ruas<br />

A nossa realidade é nua e crua<br />

Rap é cultura de rua e<br />

não vou dizer mais nada<br />

Para bom entendedor meia<br />

palavra basta.<br />

Rappers Reais / Planet Hemp<br />

OS GÊMEOS<br />

(São Paulo, 1974)<br />

Dupla formada pelos gêmeos Otávio e Gustavo Pandolfo, que se destaca na arte de rua brasileira. Os irmãos<br />

aderiram ao grafite no final dos anos 1980, influenciados pela pichação feita em São Paulo e por vídeos<br />

e revistas do movimento hip-hop americano. Desenvolveram, então, um estilo próprio (figuras amareladas<br />

de pernas finas), ganhando reconhecimento aqui, nos Estados Unidos, na Inglaterra e na Alemanha. Hoje, também<br />

produzem trabalhos que são expostos em galerias de arte.<br />

HIP-HOP<br />

Manifestação cultural que envolve o rap, o break e o grafite. Desenvolveu-se pelas comunidades jamaicana,<br />

latina e afro-americana de Nova York. Espalhou-se pelo mundo, reportando temas relacionados às classes menos<br />

favorecidas ou a grupos sociais excluídos. O rap é sigla, em inglês, de “ritmo e poesia” e representa as canções;<br />

o break é a dança; e o grafite é a pintura e o desenho.<br />

Nossas marcas no mundo<br />

71 71


Nossas marcas no mundo<br />

72<br />

Se o grafite é uma arte que tem, basicamente,<br />

sua expressão nas ruas, o homem primitivo<br />

sempre encontrou, no abrigo das cavernas,<br />

a segurança e a proteção para desvendar o<br />

mundo desconhecido que sonhava compreender,<br />

imaginando e criando com suas mãos.<br />

No Brasil, existem pinturas rupestres em<br />

vários estados, destacando-se o sítio arqueológico<br />

do Parque Nacional da Serra da<br />

Capivara, no município de São Raimundo<br />

Nonato, no Piauí.<br />

80 . Inscrição rupestre na Serra da Capivara (Piauí).<br />

Foram encontradas, nas grutas da região, pinturas<br />

naturalistas (cenas movimentadas de<br />

caças, guerras e trabalhos coletivos) e pinturas<br />

geométricas (linhas paralelas, grupos de<br />

pontos, círculos, cruzes, espirais, triângulos).<br />

Além das pinturas, muitos sítios arqueológicos<br />

apresentam a técnica da gravura, feita<br />

pela raspagem das pedras, surgindo figuras<br />

em baixo-relevo. Há registros em diferentes<br />

suportes, como paredes e tetos de cavernas<br />

e abrigos, blocos no chão, pedras nos leitos<br />

dos rios e lajes a céu aberto.<br />

Essas pinturas e gravuras deixadas pelo homem<br />

antes de o Brasil ser descoberto são<br />

testemunho da passagem de grupos nômades<br />

por aqui.<br />

O baixo-relevo reaparece em outras civilizações<br />

– no Egito, na Grécia, na Mesopotâmia<br />

– de forma aprimorada, mas guardando a<br />

mesma essência primitiva.<br />

81 . Baixo-relevo no templo de Edfu (Egito).<br />

Esse mesmo recurso técnico de raspar, tirar<br />

material com estiletes e goivas é utilizado<br />

até hoje pelos artistas, seja na elaboração<br />

das matrizes para gravuras como também<br />

para conseguir texturas variadas sobre pinturas<br />

e esculturas.<br />

As sociedades antepassadas caçadoras,<br />

pescadoras e coletoras nunca morrem,<br />

como todas as outras se refazem e se<br />

recriam de diversas formas no contexto<br />

de vida das futuras sociedades.<br />

Michel Justamand<br />

BAIXO-RELEVO<br />

Refere-se a elementos da escultura feitos em superfícies planas de pedra, como os frisos do Parthenon ou os entalhes<br />

nas laterais de edifícios antigos. As figuras esculpidas pouco se projetam a partir da superfície, apresentando menos<br />

profundidade do que seus modelos reais; elas retêm seus contornos naturais e podem ser vistas de vários ângulos<br />

sem qualquer distorção. Já no alto-relevo, as figuras se destacam com muito mais ênfase da superfície.<br />

82 . Página à direita: Baixo-relevo assírio (c. 883-859 a.C.).


Os desenhos simplificados da arte das cavernas<br />

aparecem de forma mais geometrizada<br />

na arte indígena. Normalmente, são<br />

traços que imitam a natureza com um significado<br />

especial para cada povo.<br />

É comum entre os povos indígenas brasileiros<br />

encontrarmos desenhos que representam as<br />

gotas de chuva, o formato do cipó, a espinha<br />

do peixe, o movimento da cobra, a nervura<br />

das folhas, a pele da onça, o couro do tatu.<br />

Os padrões utilizados nesse trabalho decorativo<br />

são característicos do grupo, e não, especificamente,<br />

de quem o faz. É por isso que<br />

as características formais diferem de forma<br />

significativa de uma tribo para a outra.<br />

Os grafismos indígenas combinados formam<br />

interessantes composições decorativas, que<br />

aparecem nos objetos domésticos.<br />

83 . Vaso de cerâmica marajoara.<br />

O requinte da geometrização na arte indígena<br />

brasileira é notório na cerâmica da cultura<br />

marajoara. Seus objetos apresentam padrões<br />

decorativos com desenhos repetitivos,<br />

em forma de labirinto, traços simétricos em<br />

baixo e alto-relevo, combinados com formas<br />

entrelaçadas e riqueza de grafismos.<br />

Esse estilo decorativo, original e sofisticado,<br />

é único e próprio da cultura marajoara,<br />

marca que faz dela uma das mais admiráveis<br />

manifestações artísticas da humanidade.<br />

As mesmas composições decorativas dos<br />

objetos domésticos aparecem na pintura<br />

corporal, pois é também uma forma característica<br />

da cultura indígena usar a pele do<br />

corpo como suporte de expressão artística.<br />

A pintura corporal possui função social, conferindo<br />

dignidade, posição hierárquica, intermediando<br />

a passagem da natureza para<br />

a cultura do grupo. Ela revela intenções pacíficas<br />

ou guerreiras, sentimentos, emoções,<br />

comemorações, por meio de símbolos que<br />

contêm mensagens que podem ser lidas.<br />

O corpo humano é a tela onde os<br />

índios mais pintam e aquela que<br />

pintam com mais primor.<br />

CERÂMICA MARAJOARA<br />

Tipo de cerâmica colorida produzida por habitantes da Ilha de Marajó (Pará), entre 400 e 1350 d.C. Principal técnica<br />

de arte marajoara, a cerâmica apresenta tipos distintos de decoração conforme as diferentes fases de ocupação da<br />

região. Na “fase marajoara da tradição policrômica da cerâmica amazônica”, sofisticados objetos rituais, utilitários e<br />

decorativos retratam figuras humanas e animais, por meio de padrões gráficos simétricos, em baixo ou alto-relevo.<br />

84 . Página à esquerda: Urna funerária, fase marajoara (400 a 1000 d.C.).<br />

Darcy Ribeiro<br />

A pintura corporal apresenta também outras<br />

funções, tais como: espantar insetos, proteger<br />

a pele dos efeitos dos raios solares e, ainda, a<br />

intenção mágica de afastar os maus espíritos.<br />

Nossas marcas no mundo<br />

75 75


Nossas marcas no mundo<br />

76<br />

85 . Crianças caiapós.<br />

Ao pintarem os corpos, os indígenas usam,<br />

preferencialmente, o vermelho, do urucum, o<br />

negro, do jenipapo, e o branco, da tabatinga,<br />

cores importantes porque, segundo eles, estão<br />

associadas ao desejo de transmitir ao corpo a<br />

alegria contida nas cores vivas e intensas.<br />

Entre as culturas indígenas brasileiras, destaca-se<br />

a elaborada pintura corporal dos<br />

kadiwéus. Seus complexos desenhos geométricos<br />

revelam equilíbrio e beleza ímpar.<br />

Sobre a arte corporal dos kadiwéus, o antropólogo<br />

lévi-Strauss comenta: “as pinturas<br />

do rosto conferem, de início, ao indivíduo<br />

sua dignidade de ser humano; elas<br />

operam a passagem da natureza à cultura,<br />

do animal ‘estúpido’ ao homem civilizado.<br />

Em seguida, diferentes quanto ao estilo e<br />

à composição segundo as castas, elas exprimem,<br />

em uma sociedade complexa, a<br />

hierarquia do ‘status’. Elas possuem, assim,<br />

uma função sociológica”.<br />

Todas as sociedades humanas possuem padrões<br />

de cobrir, enfeitar e exibir o corpo. Esses<br />

adornos e seus simbolismos são marcas culturais,<br />

e, por meio delas, compreendemos os<br />

aspectos essenciais para a vida em sociedade.<br />

86 . Mão pintada de<br />

noiva indiana.<br />

A cultura hindu, por<br />

exemplo, também utiliza<br />

a pintura corporal<br />

nos rituais de casamento.<br />

As noivas são<br />

enfeitadas, por todo o<br />

corpo, com desenhos<br />

decorativos que representam<br />

sorte.<br />

Algumas tribos africanas usam a pintura<br />

corporal para se embelezar e comunicar<br />

significados rituais dos grupos. Também a<br />

natureza aparece retratada de modo simplificado<br />

nessa pintura, com pigmentos fortes,<br />

extraídos de vegetais, do barro, de rochas<br />

vulcânicas e da cal branca.<br />

87 . Pintura de homens africanos (Nigéria).<br />

KADIWÉUS<br />

Tribo nômade original do Mato Grosso do Sul. Eram conhecidos como mayabas guaikurus. Única tribo brasileira<br />

que domava cavalos e gado, por isso foi a última a ser dominada. Como cavaleiros, guerreavam e saqueavam<br />

acampamentos agrícolas, dos quais cobravam tributos. Destacam-se também pelo magnífico artesanato e pinturas<br />

corporais. Tiveram acesso aos metais por meio de grupos andinos, e os trabalhos realizados nesse material<br />

revelam grande destreza.<br />

CLAUDE LÉVI-STRAUSS<br />

(Bruxelas, 1908 – Paris, 2009)<br />

Grande pensador do século XX, ficou conhecido na França, onde contribuiu, fundamentalmente, para o<br />

desenvolvimento da Antropologia. Lecionou no Brasil, na recém-fundada Universidade de São Paulo, de 1930 a<br />

1939. Fez várias expedições ao Brasil central, que resultaram no famoso livro Tristes Trópicos (1955). O método<br />

utilizado em seus estudos da organização social das tribos deu origem ao Estruturalismo, de grande repercussão<br />

nas Ciências Sociais.<br />

88 . Página à direita: Índio enawene-nawe, Mato Grosso.


O que significa a pintura facial nas sociedades?<br />

A pintura facial tem grande importância e uma<br />

função bem significativa, não só para africanos<br />

e indígenas, mas também nas sociedades<br />

modernas, nas quais pintar o rosto e os cabelos<br />

é um comportamento usual.<br />

A maquiagem sempre foi um artifício de beleza,<br />

seguindo tendências e padrões culturais,<br />

sociais e de época. É muito usada no<br />

teatro, na dança, no cinema e nas fotografias<br />

artísticas.<br />

Há pelo menos três mil anos, as egípcias tingiam<br />

os cabelos e pintavam o rosto. E outras<br />

civilizações usaram também esse recurso<br />

para os mais variados fins.<br />

Na atualidade, em eventos marcantes como a<br />

Copa do Mundo, podemos observar imagens<br />

de torcedores com rostos e cabelos pintados<br />

com as cores de seus países ou de seus clubes,<br />

em um espetáculo de rara beleza.<br />

89 . Torcedores brasileiros na Copa da África do Sul.<br />

Esse fato se repete em comemorações festivas<br />

como o carnaval, em shows musicais e<br />

até em manifestações de protesto político.<br />

Muitas vezes, a maquiagem facial não é<br />

suficiente, pois há muito mais simbolismos<br />

a expressar.<br />

O homem sente a necessidade de criar outro<br />

rosto. Assim, surgem as máscaras, com<br />

diversas finalidades, nas sociedades ao longo<br />

dos tempos. Elas marcam forte presença,<br />

seja no teatro grego, no carnaval de Veneza,<br />

na Commedia dell’<strong>Arte</strong>, no kabuqui japonês<br />

ou nas culturas indígenas e africanas.<br />

COMMEDIA DELL’ARTE<br />

Forma de teatro que tem origem no século XV, na Itália e na França, mantendo-se popular até o século XVIII. Encenado<br />

com base em um roteiro (“canovacio”), com personagens fixos, esse gênero se distingue da “Comédia Erudita” pela<br />

improvisação. Apresentando-se em ruas e praças públicas, a Commedia dell’<strong>Arte</strong> permanece até hoje por meio de<br />

grupos de teatro mambembe, com seus personagens, tais como a Colombina e o Arlequim.<br />

KABUQUI<br />

Forma tradicional do teatro japonês originária do século XVII. Aborda temas históricos, conflitos morais e<br />

relacionamentos amorosos. Usa uma linguagem antiga, com acompanhamento de instrumentos tradicionais<br />

japoneses. No início, homens e mulheres atuavam em peças de kabuqui. Papéis femininos chegaram a ser<br />

interpretados por prostitutas, o que gerou polêmica e levou à proibição da atuação de mulheres. Hoje,<br />

personagens femininos são interpretados por atores masculinos.<br />

91 . Página à esquerda: Máscaras venezianas.<br />

90 . Máscaras venezianas.<br />

Nossas marcas no mundo<br />

79 79


Nossas marcas no mundo<br />

80<br />

Todas essas criações artísticas têm a magia<br />

de contribuir para a construção de outros<br />

personagens, permitindo a expressão de uma<br />

dualidade do ser humano ou até de muitas<br />

faces que ele possa assumir.<br />

Uma parte de mim<br />

é todo mundo:<br />

outra parte é ninguém:<br />

fundo sem fundo.<br />

Traduzir uma parte<br />

na outra parte<br />

– a que é uma questão<br />

de vida ou morte –<br />

será arte?<br />

Traduzir-se / Ferreira Gullar<br />

Além da pintura artística do rosto e do corpo,<br />

diferentes grupos sociais, na intenção de perpetuar<br />

os desenhos, fazem uso da tatuagem.<br />

Os indígenas brasileiros utilizam marcas tribais<br />

para caracterizar indivíduos de um mesmo<br />

povo. Eles praticam a tatuagem perfurando<br />

a pele com espinhos e colorindo com o<br />

preto do jenipapo. Os desenhos vão dos elementos<br />

mais simples, como os círculos nas faces<br />

dos carajás, até os mais complexos, como<br />

os dos índios artistas da tribo kadiwéu.<br />

O ilustrador norte-americano Michael Whelan<br />

inspirou-se no rosto de um índio carajá, marcado<br />

por seus desenhos tribais, para compor<br />

o projeto da capa do disco Roots (Raízes), da<br />

banda brasileira Sepultura. Essa ilustração foi<br />

premiada e correu o mundo, divulgando a beleza<br />

da arte indígena brasileira.<br />

92 . LP Roots, do grupo Sepultura.<br />

Ao ser incorporada pela sociedade ocidental,<br />

a tatuagem ficou muito tempo restrita a<br />

grupos isolados e era considerada um símbolo<br />

de marginalidade.<br />

93 . Tatuagem<br />

em um homem<br />

europeu.<br />

MICHAEL WHELAN<br />

(Culver City, 1950)<br />

Um dos artistas de ficção científica e fantasia mais aclamados desde a década de 1980, reconhecido por mais de 350<br />

livros e capas de álbuns que ilustrou para artistas como Isaac Asimov, Anne McCaffrey, Sir Arthur C. Clarke, Stephen King,<br />

Os Jacksons, Sepultura e Meatloaf ou para empresas como National Geographic, Roadrunner Records e The Franklin Mint.<br />

Sua atividade de criação constitui-se de obras repletas de um simbolismo que se presta a muitos sentidos.<br />

SEPULTURA<br />

Considerada a banda brasileira de maior sucesso no exterior, Sepultura foi formada em Belo Horizonte pelos irmãos<br />

Igor e Max Cavalera no início da década de 1980. Competente em seu gênero musical, o heavy metal, recebe<br />

diversas influências musicais: da música brasileira, da música tribal africana, indígenas, entre outras. Sepultura já<br />

vendeu aproximadamente 20 milhões de unidades em vários países do mundo.


Na época contemporânea, tornou-se popular<br />

e passou a ser respeitada como uma forma<br />

de expressão artística e estética do corpo.<br />

Pode estar ligada ao desejo de expressar<br />

algo, a um estilo, a uma opinião.<br />

Muitas tribos urbanas têm a tatuagem como<br />

marca de uma patente.<br />

A necessidade estética de fazer do corpo<br />

um suporte da arte é parte integrante da<br />

formação da maioria das sociedades e, acima<br />

de tudo, uma característica de manifestação<br />

cultural.<br />

O caminho percorrido pelo ser humano,<br />

desde sempre, deixou marcas que, como na<br />

história de João e Maria, construíram a possibilidade<br />

de um retorno para o resgate da<br />

história vivida antes de nós.<br />

Mesmo sendo difícil o caminho de volta,<br />

nem todos os sinais foram destruídos,<br />

como na fábula dos Irmãos Grimm.<br />

Na busca desses sinais, a curiosidade e a<br />

ousadia de profissionais “arteiros” – arqueólogos,<br />

historiadores, cientistas – recuperaram<br />

a produção de artistas anônimos que,<br />

até hoje, são fonte de inspiração e criação,<br />

em um contínuo processo para perpetuar<br />

as marcas do homem na Terra.<br />

O homem é o grande autor das<br />

páginas da história, expressa pelos<br />

objetos, instrumentos, imagens que<br />

ele mesmo inventou, deixando suas<br />

pegadas para que o futuro percorra<br />

o mapa em busca do tesouro.<br />

Edith Derdyk<br />

Registros de identidade<br />

A arte, como linguagem nascida<br />

da invenção humana,<br />

é reinventada por cada criança,<br />

por cada um de nós.<br />

Mirian Celeste Martins<br />

Qualquer superfície riscada sugere que alguém<br />

passou por ali, deixando suas marcas.<br />

São rastros que humanizam a superfície: as<br />

marcas dos pés na areia da praia ou no solo<br />

da Lua, a mão gravada nas cavernas ou impressa<br />

em um vidro embaçado, a pintura no<br />

rosto de um índio ou a marca de batom deixada<br />

carinhosamente na face de alguém.<br />

94 . Pegada do primeiro astronauta na Lua.<br />

Os registros gráficos são gestos depositados<br />

em diferentes superfícies, revelando a<br />

natureza criadora do ser humano, comprovada<br />

desde as marcas pré-históricas até a<br />

expressão universal dos grafismos infantis.<br />

Então, nascemos com a capacidade de desenhar?<br />

Nossas marcas no mundo<br />

81 81


Nossas marcas no mundo<br />

82<br />

Todos nós, quando pequenos, já fomos arteiros,<br />

talvez “candidatos” a futuros artistas.<br />

Sem medo de arriscar, queríamos deixar<br />

nossas marcas em um mundo a descobrir.<br />

Gostávamos de desenhar, de dançar, de cantar<br />

e de nos expressar de todas as formas<br />

possíveis, explorando garatujas gráficas, sonoras<br />

e corporais que nos proporcionavam<br />

um prazer estético inerente.<br />

Vamos brincar de novo?<br />

95 . Steinberg, 1966.<br />

Quando a criança está envolvida no processo<br />

criativo, ela adora repetir o mesmo desenho,<br />

a mesma história, a mesma música, o mesmo<br />

gesto. Repetir, exaustivamente, perseguindo<br />

ideias até esgotar. Como em um jogo, a<br />

criança pequena vai exercitando sua ação e<br />

seu pensamento de vários modos que, em<br />

sucessivas tentativas, desvendam o mundo.<br />

Por que desenhar era tão fácil?<br />

Certamente, quando pequenos, nosso impulso<br />

de criar, registrando descobertas e comunicando<br />

ideias, fazia do desenho um instrumento<br />

de prazer tão forte quanto comer e brincar.<br />

A tentativa experimental é a técnica<br />

da vida, operação natural de aquisição<br />

de conhecimento através da<br />

experiência, da vivência.<br />

Célestin Freinet<br />

96 . Maria Eduarda. Desenho infantil espontâneo, 2006.<br />

Era como se todo o corpo, em um movimento<br />

conjunto para deixar suas marcas, concentrasse<br />

a energia na direção da ponta do<br />

lápis, elo entre o corpo e o papel.<br />

Desenhar é um hábito prematuro.<br />

Por ser tão simples é que surge<br />

tão cedo e é, com toda a certeza,<br />

a maneira mais direta de se registrar<br />

o que quer que seja.<br />

Edith Derdyk<br />

GARATUJA<br />

A criança passa pelo estágio da garatuja perto de 1 ano de idade. Ela sente prazer em traçar linhas em todos<br />

os sentidos, sem levantar o lápis, o qual é como se fosse o prolongamento de sua mão. Como uma forma de<br />

comunicação não verbal, a garatuja pode revelar o estágio de desenvolvimento das crianças sobre a percepção<br />

de formas e objetos.<br />

97 . Página à direita: Saul Steinberg. Mulheres, 1950 e Cinco Mulheres com Animais de Estimação, 1945.


Nossas marcas no mundo<br />

84<br />

Semelhante à ação espontânea da criança<br />

nessa fase, o pintor americano Jackson<br />

Pollock desenvolveu uma técnica de pintura<br />

que unia o movimento do corpo à tinta que<br />

respingava sobre imensas telas colocadas<br />

no chão.<br />

Passeando pelo quadro, como se fosse um<br />

palco, ele fazia gestos em uma coreografia<br />

semelhante à improvisação de uma dança,<br />

configurando a obra.<br />

A performance saía da tela, e a força que comandava<br />

o gesto transformava-o em pintura.<br />

Como no trabalho de Pollock, existe também<br />

uma força criativa na produção gráfica<br />

dos pequenos arteiros que guarda semelhanças<br />

no desenvolvimento formal, em diferentes<br />

épocas e lugares, apesar de sofrer<br />

influências culturais.<br />

98 . Jackson Pollock pintando (1950).<br />

A mão, o braço e o corpo inteiro do<br />

artista não dependem da vontade<br />

nem da mente, mas são instrumentos<br />

de uma espécie de furor e euforia,<br />

desligados de quaisquer normas de<br />

composição e estéticas.<br />

Jackson Pollock<br />

Só o prazer do gesto é que conta, o<br />

traço ativo que se desenvolve e vive<br />

sua própria vida. Esse dinamismo do<br />

traço – que é uma das bases da pintura<br />

contemporânea – faz da criança um<br />

verdadeiro ator que se projeta na sua<br />

obra até que ambos se tornem um só.<br />

Florence de Mèredieu<br />

Até hoje, nos desenhos infantis, os rabiscos<br />

iniciais, como novelos de linha, se desenrolam<br />

em formas circulares, triangulares, quadrangulares,<br />

irregulares, que vão aos poucos<br />

se tornando mais complexas.<br />

JACKSON POLLOCK<br />

(Cody, 1912 – Long Island, 1956)<br />

Pintor americano, Pollock é um dos maiores expoentes do Expressionismo Abstrato – movimento artístico que<br />

se caracteriza pelo forte caráter expressivo manifesto em telas de grande formato. Desenvolveu técnica pessoal<br />

(dripping) em que despejava tinta sobre tela estirada no chão conforme se movimentava por ela. O resultado<br />

é um entrelaçado de linhas e gotas de tinta que, sem hierarquizar qualquer parte da superfície da tela, garante<br />

vibração uniforme da pintura.<br />

PERFORMANCE<br />

Forma de arte que associa teatro, dança, música e artes visuais. Emergiu nos anos 1960, ao desafiar as<br />

tradicionais categorias artísticas (pintura e escultura) e colocar em questão o próprio conceito de arte. Na base<br />

da performance, está o questionamento das relações entre arte e vida cotidiana. <strong>Artistas</strong> performáticos mais<br />

conhecidos: John Cage, o grupo Fluxus, Marina Abramovic, Vito Acconci e, aqui no Brasil, Flavio Carvalho e o<br />

grupo Rex.<br />

99 . Página à direita: Detalhe de obra de Jackson Pollock.


Nossas marcas no mundo<br />

86<br />

Os gestos que, inicialmente, produziam<br />

marcas aleatórias no papel vão ganhando<br />

ritmo, e o desenho começa a sofrer<br />

uma metamorfose.<br />

As formas circulares amadurecem, e surgem<br />

as mandalas, os sóis e radiais, que são<br />

a base das primeiras formas e o início da<br />

compreensão, pela criança, do significado<br />

dos seus desenhos.<br />

100 . Maria Eduarda. Desenho infantil (mandala), 2007.<br />

Com um círculo e poucas linhas, a criança<br />

representa a figura humana, e a simplicidade<br />

inicial vai-se enriquecendo de detalhes,<br />

influenciando os futuros desenhos.<br />

As mandalas estão presentes, na arte, em diferentes<br />

culturas, principalmente na estrutura<br />

dos santuários, nos objetos e na decoração.<br />

O círculo, bem como a espiral,<br />

está presente em configurações<br />

do universo: no desenho das<br />

galáxias, no movimento do Sol,<br />

no movimento de rotação da Terra,<br />

nas digitais, nos redemoinhos,<br />

nos furacões, nas conchas,<br />

nos caracóis, nas células.<br />

Edith Derdyk<br />

No desenho infantil, as mandalas têm<br />

um significado simbólico de ordenação e<br />

de estruturação na busca da harmonia e<br />

estabilidade estética. 101 . Autor desconhecido. Quatro mandalas tibetanas (século XIV).<br />

MANDALA<br />

Palavra original do idioma sânscrito que significa “círculo”, representação geométrica da dinâmica relação entre<br />

o homem e o cosmo. É um diagrama composto de formas geométricas concêntricas utilizado no hinduísmo, no<br />

budismo e em outras práticas como objeto ritualístico e ponto focal para meditação. Há tradições espirituais que<br />

utilizam as mandalas para indução ao transe e compreensão da vida espiritual.


Antigamente, os espaços sagrados no Oriente<br />

e no Ocidente apresentavam a configuração<br />

circular. Muitas basílicas e catedrais cristãs<br />

tinham esse formato, na arquitetura, nos vitrais<br />

e nos elementos ritualísticos. A Catedral<br />

de Brasília, projeto de Oscar Niemeyer, é um<br />

exemplo típico e atual da forma de mandala.<br />

O desenho infantil é importante?<br />

Segundo Rudolf Arnheim, “todas as características<br />

fundamentais que operam de maneiras<br />

refinadas, complicadas e modificadas<br />

na arte madura apresentam-se com clareza<br />

elementar nas pinturas de uma criança”.<br />

A partir da modernidade, alguns artistas<br />

passam a se interessar pelas diferentes fases<br />

da produção gráfica infantil como fonte<br />

de alimentação da arte abstrata.<br />

Animados por um desejo de desestruturação,<br />

eles desenvolvem pesquisas no sentido de<br />

uma arte de caráter espontâneo e inventivo.<br />

Voltam-se para o folclore, o artesanato, as<br />

produções primitivas e o grafismo infantil.<br />

Foi o desejo de recomeçar tudo desde as bases<br />

da criação que permitiu uma redescoberta do universo<br />

gráfico e plástico da criança, assim como<br />

os de vários povos então chamados “primitivos”.<br />

Assim, esses artistas retornaram ao grafismo<br />

desenvolvido na infância, não só para buscar<br />

uma simplificação formal, mas também recusando-se<br />

a separar arte e vida para recuperar<br />

valores essenciais que caracterizam a infância.<br />

Não foi um simples retorno, mas uma volta<br />

consciente do artista que, para alcançar plenamente<br />

o pensamento conceitual abstrato,<br />

percorreu um longo caminho, acumulando<br />

uma bagagem estética que lhe permitiu ousar<br />

em novas conquistas criativas.<br />

Toda criança é um artista.<br />

O problema é como manter-se<br />

artista depois de crescido.<br />

Pablo Picasso<br />

A frase de Pablo Picasso, um dos nomes<br />

mais famosos e versáteis da arte moderna,<br />

demonstra a importância que ele dava à expressão<br />

infantil.<br />

A obra dinâmica do artista mostra o domínio<br />

que possuía nas mais diferentes técnicas<br />

artísticas: pintura, desenho, escultura,<br />

cerâmica e gravura.<br />

O temperamento inquieto de Picasso buscava<br />

sempre inovar o seu trabalho, com novas<br />

formas e soluções.<br />

Quando criança, ele gostava de representar<br />

cenas de touradas e, já adulto e<br />

famoso, fez uma série de gravuras e desenhos<br />

com touros. As obras são, em grande<br />

parte, esquemáticas.<br />

PABLO PICASSO<br />

(Málaga, 1881 – Mougins, 1973)<br />

Pintor, desenhista, gravador e escultor espanhol, Picasso representa o típico artista moderno, por sua falta<br />

de preconceitos e criatividade inesgotável. Descobriu a arte africana e desenvolveu, no início do século XX,<br />

com Georges Braque, o Cubismo – uma radical reestruturação das linguagens plásticas que fundamenta<br />

diversas vanguardas artísticas. Posteriormente, Picasso alternou temáticas e estilos diversos, posicionando-se<br />

politicamente em relação à guerra civil espanhola na tela Guernica.<br />

Nossas marcas no mundo<br />

87 87


Nossas marcas no mundo<br />

88<br />

No conjunto denominado Bull, 11 litografias<br />

apresentam simplificações sucessivas para<br />

uma imagem realista do animal até seu esqueleto<br />

ficar estritamente linear.<br />

102 . Pablo Picasso. Série Touro, 1945.<br />

Picasso consegue expressar na forma mais<br />

simples a ideia do touro, como a criança<br />

que, na fase esquemática, não desenha o<br />

que vê, mas o que sabe e sente.<br />

A arte não imita o visível,<br />

torna visível.<br />

103 . Paul Klee. Lenda do Nilo, 1937.<br />

Paul Klee<br />

Paul Klee foi outro artista cuja liberdade gráfica,<br />

muitas vezes, assemelha-se aos desenhos<br />

esquemáticos da criança. Klee criou seu<br />

próprio mundo pictórico, associando a poética<br />

e a musicalidade da linha que passeava<br />

sobre a superfície, fazendo surgir formas que<br />

uniam as linguagens musical e visual.<br />

PAUL KLEE<br />

(Münchenbuchsee, 1879 – Locarno, 1940)<br />

Pintor, desenhista, gravador, professor e teórico suíço, Klee produziu expressiva quantidade de trabalhos que<br />

enfatizam o próprio processo de formação destes por meio da experimentação de diversos materiais. Explorou<br />

temas da natureza e buscou aplicar à técnica artística princípios da composição musical, o que confere à cor um<br />

desenvolvimento polifônico e garante a seus trabalhos extraordinária liberdade de linguagem expressiva.


Nunca antes de Klee, havia-se<br />

deixado uma linha sonhar.<br />

Henri Michaux<br />

A formação musical de Klee, na infância,<br />

influenciou sua produção plástica<br />

quando adulto. Suas obras incluíam, com<br />

frequência, palavras, notações musicais e até<br />

símbolos hieroglíficos.<br />

Mesmo se você não tivesse me<br />

contado que ele tocava violino,<br />

eu teria adivinhado isso em várias<br />

ocasiões em que seus desenhos<br />

eram transcrições de música.<br />

Rainer Maria Rilke, sobre Paul Klee<br />

104 . Joan Miró. A Estrela da Manhã (da série Constelações), 1940.<br />

Assim como Picasso e Klee, o artista Joan<br />

Miró também criou sua própria linguagem<br />

simbólica, inventando uma escrita ágil, cursiva<br />

e musical.<br />

Seus trabalhos revelam espontaneidade no<br />

traçado e elaboração na técnica, representando<br />

a natureza, em um sentido poético e<br />

transcendental como as produções gráficas<br />

do homem primitivo ou da criança.<br />

Ao artista é indispensável a coragem<br />

de ver a vida inteira como no tempo em<br />

que se era criança, pois a perda dessa<br />

condição nos priva da possibilidade de<br />

uma maneira de expressão original, isto<br />

é, pessoal.<br />

Será que desenho é letra?<br />

105 . Maria Eduarda.<br />

Escrita fictícia, 2008.<br />

Henri Matisse<br />

Há uma fase do grafismo<br />

infantil em que a<br />

riqueza de invenções<br />

formais se repete, em<br />

um tipo de escrita fictícia,<br />

com os traços alinhados<br />

em uma espécie<br />

de magia, que busca<br />

uma comunicação.<br />

Alguns signos visuais são resgatados, lembrando<br />

letras que, como desenhos, possuem<br />

ritmo e pulsação.<br />

JOAN MIRÓ<br />

(Barcelona, 1893 – Palma de Maiorca, 1983)<br />

Pintor, escultor e gravador espanhol, Miró produziu inovações técnicas e artísticas decisivas para a arte do século XX.<br />

Expoente de viva autonomia do Surrealismo, criou um mundo próprio, por meio de composições líricas e coloridas<br />

baseadas em um equilíbrio dinâmico. Construiu espaços ritmados com linhas energéticas e formas fantásticas que<br />

sugerem organismos vivos – céus estrelados, pássaros, figuras femininas que se referem à realidade percebida e<br />

também ao universo dos sonhos.<br />

Nossas marcas no mundo<br />

89 89


Nossas marcas no mundo<br />

90<br />

A estrutura vertical-horizontal é<br />

inerente à composição visual da<br />

mesma forma que o ritmo à música.<br />

Rudolf Arnheim<br />

Os desenhos e os símbolos das crianças,<br />

quando representam ideias, são como a necessidade<br />

de comunicação escrita de antigas<br />

civilizações.<br />

Os astecas e os maias desenvolveram sistemas<br />

de comunicação por sinais. Os escritos<br />

em língua maia eram uma espécie de desenhos<br />

esculpidos em pedra. A cultura egípcia<br />

usou uma forma de escrita – os hieróglifos<br />

– que era pintada e tinha uma enorme variedade<br />

de sinais.<br />

A tradução desses escritos é a fonte histórica<br />

para o conhecimento dessas civilizações.<br />

106 . A Pedra<br />

de Roseta no<br />

Museu Britânico.<br />

Tão difícil quanto a tradução dos primeiros<br />

hieróglifos é também o entendimento das<br />

produções simbólicas infantis. Geralmente,<br />

é necessário que a criança “traduza” suas<br />

notações para que o adulto possa entender.<br />

Descobrir a existência de códigos socioculturais<br />

de representação leva a criança a<br />

sentir a necessidade de imitar e repetir o<br />

mundo adulto.<br />

Podemos dizer que todos nós já nascemos<br />

mergulhados em símbolos, sinais e textos.<br />

107 . Gabriel. Desenho esquemático infantil, 2008.<br />

Ao aprendermos os símbolos da linguagem<br />

escrita no processo de alfabetização, muitas<br />

vezes deixamos de criar nossa própria linguagem<br />

simbólica para dominar os códigos<br />

visuais e gráficos da cultura.<br />

A criança, ao reconhecer a letra que inicia seu<br />

nome, estabelece com ela um sentimento afetivo<br />

e de posse. Passa a identificá-la em diferentes<br />

situações, e cresce seu interesse em<br />

copiá-la, escrevê-la e desenhá-la.<br />

HIEROGLIFOS OU HIERÓGLIFOS<br />

São os caracteres utilizados nos sistemas antigos de escrita pictórica (composto por imagens). Largamente<br />

difundidos na Antiguidade, os hieroglifos até podem ter semelhança com objetos que representam, no entanto,<br />

o comum é que eles representem sons particulares ou grupos de sons, como os sistemas de escrita modernos.<br />

Hieroglifos compõem sistemas de escrita, tais como maia, hitita e cretense antigo.<br />

PEDRA DE ROSETA<br />

Elemento fundamental para a decifração da escrita egípcia. É um bloco de granito negro, com cerca de 762kg,<br />

com inscrições em três escritas diferentes: hieroglífica (escrita sagrada dos sacerdotes), demótica (a escrita comum<br />

egípcia) e grega (escrita nativa dos faraós ptolomaicos). Descoberta em 1799 perto de El-Rashid (Roseta, para os<br />

europeus), no Egito, por um soldado de Napoleão. O inglês Thomas Young e, mais tarde, o francês Jean-François<br />

Champollion foram os responsáveis pela decifração.


O desenho é um pensamento visual que<br />

podemos adaptar a qualquer natureza do<br />

conhecimento, seja ele científico, artístico,<br />

poético ou funcional, como, por exemplo, as<br />

letras do alfabeto.<br />

A criança quer expressar e comunicar pensamentos,<br />

sentimentos e desejos por meio da<br />

linguagem escrita. Quando aprende a escrever<br />

seu nome, que é muito importante por<br />

ser a primeira palavra com a qual trabalha,<br />

faz e reformula hipóteses.<br />

A assinatura do próprio nome é um modelo de<br />

escrita que ganha estabilidade antes de outras<br />

palavras. É uma marca de identidade, desenho<br />

único, presença gráfica que identifica cada um<br />

de nós no mundo e nos dá posse e autoria.<br />

A história da arte nos mostra que, na Antiguidade,<br />

nem sempre as obras eram identificadas,<br />

assinadas por seus autores. Somente<br />

na época medieval se instituiu a autoria, que<br />

se consolidou, mais tarde, no Renascimento.<br />

A assinatura fortalece a obra como criatura<br />

do seu criador e perpetua o indivíduo.<br />

108 . Assinatura de<br />

Salvador Dalí.<br />

110 . Assinatura de Claude Monet.<br />

109 . Assinatura de<br />

Pablo Picasso.<br />

Picasso vive no Cubismo ou o Cubismo vive<br />

em Picasso?<br />

Do mesmo modo que a assinatura dá voz<br />

ao artista, também um movimento artístico<br />

aliado ao estilo individual dá validade a essa<br />

voz. Por isso, o Cubismo lembra Picasso, o<br />

Impressionismo é relacionado a Monet, e o<br />

Surrealismo está ligado a Dalí.<br />

O mesmo processo ocorre em outras linguagens<br />

artísticas.<br />

A força criativa individual é, às vezes, tão<br />

presente que, mesmo quando os artistas,<br />

por diferentes motivos, se escondemem personagens<br />

usando outras assinaturas, transparecem<br />

nas obras as identidades reais.<br />

Esse é o caso dos heterônimos do poeta<br />

Fernando Pessoa, que assinam muitos de<br />

seus poemas; e de Julinho da Adelaide, um<br />

pseudônimo do compositor Chico Buarque<br />

de Hollanda nos anos de repressão política<br />

no Brasil.<br />

Todo tempo de grande opressão é<br />

tempo de grandes sutilezas.<br />

Millôr Fernandes<br />

FERNANDO PESSOA<br />

(Lisboa, 1888-1935)<br />

Considerado o maior poeta de língua portuguesa, ao lado de Luís de Camões, ou da poesia universal, junto com<br />

Homero, Fernando Pessoa é celebrado pelas suas diversas personalidades literárias, os “heterônimos”, como<br />

Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis. Quando morreu, em 1935, não era muito conhecido, mas deixou<br />

milhares de originais datilografados ou manuscritos que, descobertos e publicados, o tornaram um dos maiores<br />

escritores da literatura ocidental.<br />

CHICO BUARQUE<br />

Nasceu no Rio de Janeiro, em 1944. Cantor e compositor consagrado, é reconhecido pela diversidade temática<br />

de suas canções, que alcançam grande sucesso desde a década de 1960. Também é escritor, tendo publicado as<br />

peças Roda Viva (1968), Calabar (1973), Gota d’Água (1975) e Ópera do Malandro (1979); a novela Fazenda Modelo<br />

(1974); e os romances Estorvo (1991), Benjamim (1995) e Budapeste (2003).<br />

Nossas marcas no mundo<br />

91 91


Será que letra é desenho?<br />

111 . Van Gogh, Carta a John Russell, 1888.<br />

O desenho é uma das formas de representação<br />

gráfica e, como a escrita, serve para<br />

registrar as nossas ideias e os nossos pensamentos.<br />

Assim, desenho e escrita são recursos<br />

de expressão e comunicação.<br />

Na Idade Média, antes da invenção da imprensa,<br />

os ensinamentos cristãos eram marcados<br />

em folhas de papel.<br />

Os copistas transcreviam os textos, deixando<br />

espaços para que os artistas fizessem as imagens,<br />

os cabeçalhos, os títulos ou as letras<br />

maiúsculas com que iniciavam as escrituras.<br />

Essas imagens eram denominadas iluminuras.<br />

Com grande rigor técnico e qualidade estética,<br />

os manuscritos iluminados exibiam<br />

ornamentações, letras desenhadas e cores<br />

fortes, ouro e prata na pintura decorativa.<br />

Essas letras eram verdadeiras obras de arte<br />

e aparecem, ao longo do tempo, transformadas<br />

em monogramas que identificam objetos<br />

de uso pessoal das classes da nobreza.<br />

112 . Manuscrito iluminado francês, c. 1470.<br />

ILUMINURAS<br />

<strong>Arte</strong> de ilustração dos livros antigos, manuscritos, que remonta à Idade Média, praticada e desenvolvida em sociedades<br />

islâmicas e, principalmente, na Europa. Originalmente, “iluminura” significava a ornamentação dos livros manuscritos<br />

com ouro ou, mais raramente, prata, o que dava a impressão de que a página ficava literalmente iluminada. Atualmente,<br />

remete à ilustração ou à decoração, feita com ou sem ouro, de antigos manuscritos.<br />

CALIGRAFIA<br />

A palavra “caligrafia” tem origem no grego kallos (“beleza”) e graphein (“escrever”). Para alcançar uma boa caligrafia, é<br />

necessário ter um conhecimento seguro da forma correta das letras e bastante habilidade para reproduzi-las da mesma<br />

forma ao longo de todo o texto. A arte da caligrafia privilegia a beleza da forma, não necessariamente a maior clareza<br />

da escrita.<br />

113 . Página à esquerda: iluminura medieval (detalhe).<br />

O desenho manual de letras e de palavras<br />

deu origem à arte da caligrafia, que se desenvolveu,<br />

de formas diferenciadas, desde<br />

as civilizações tradicionais até as vanguardas<br />

artísticas do século XX.<br />

Nossas marcas no mundo<br />

93 93


Nossas marcas no mundo<br />

94<br />

114 . Caracteres góticos na capa da Bíblia de Lutero, 1541.<br />

A caligrafia está para a escrita como<br />

a voz está para a fala.<br />

A cor, o comprimento e espessura<br />

das linhas, a curvatura, a disposição<br />

espacial, a velocidade, o ângulo de<br />

inclinação dos traços da escrita correspondem<br />

a timbre, ritmo, tom, cadência,<br />

melodia do discurso falado.<br />

Entonação gráfica.<br />

Sobre a Caligrafia / Arnaldo Antunes<br />

A letra tem um estilo que nos identifica?<br />

Todos nós temos um traçado próprio para<br />

a escrita, embora usemos o mesmo código<br />

padrão – o alfabeto. Por isso, a maneira<br />

como escrevemos é uma forma de identificação.<br />

A assinatura se transforma no decorrer<br />

dos anos.<br />

São vários ensaios, principalmente na juventude,<br />

buscando um traçado ideal que atenda<br />

a características individuais. A assinatura<br />

é o acesso à sociedade formal, funcionando<br />

como um crédito de identificação.<br />

115 . M. C. Escher. Mãos Desenhando, 1948.<br />

E, se nossas mãos não desenvolveram a<br />

habilidade da escrita, elas também podem<br />

funcionar como registros de identidade, por<br />

meio das impressões digitais, desenhos que<br />

a natureza fez em nossa pele, nos marcando<br />

como seres únicos.<br />

As mãos simbolizam o próprio “eu”<br />

da criatura. A personalidade nelas<br />

está gravada. Muito mais que na cara<br />

e no nome, nossa identidade está nas<br />

impressões digitais.<br />

luis Fernando Veríssimo<br />

E onde ficaram nossas expressões artísticas?<br />

Muitas vezes, elas estão esquecidas no<br />

passado, nos desenhos em cadernos, no<br />

registro das agendas, nas lembranças das<br />

músicas da infância, nas brincadeiras dramatizadas<br />

de faz de conta, junto com o arteiro<br />

que nasceu com cada um de nós.


A aquisição de diferentes códigos sociais<br />

pode, de certo modo, desestimular os processos<br />

de investigação das linguagens artísticas<br />

e bloquear o crescimento da expressão<br />

estética. Os saberes adquiridos devem<br />

ser sempre aliados ao exercício do pensar<br />

imaginativo. Dessa forma, podemos encontrar<br />

soluções inovadoras e ousadas, seja no<br />

campo da arte ou em qualquer outro campo<br />

de conhecimento.<br />

Digitais e assinaturas são desenhos exclusivos,<br />

próprios da identidade.<br />

A procura e a descoberta de um estilo pessoal,<br />

mesclado com os códigos culturais,<br />

certamente vão construindo a poética que<br />

marca a nossa existência.<br />

116 . Saul Steinberg. Sem título, c. 1950-1954.<br />

Minha tarefa pode ser comparada à<br />

obra de um explorador que penetra<br />

numa terra desconhecida.<br />

Descobrindo um povo, aprendo sua<br />

língua, decifro sua escrita e<br />

compreendo cada vez melhor sua<br />

civilização. Acontece o mesmo com<br />

todo adulto que estuda a arte infantil.<br />

Arno Stern<br />

Conhecimentos em arte<br />

• Os elementos visuais presentes<br />

na natureza.<br />

• Os efeitos conseguidos com o uso de<br />

diferentes técnicas e materiais.<br />

• A geometrização e simplificação de<br />

formas nos desenhos do homem primitivo,<br />

das crianças e de artistas<br />

contemporâneos.<br />

• A função simbólica da arte.<br />

• As marcas de identidade.<br />

• As formas específicas de expressão de<br />

cada linguagem artística.<br />

• A comunicação por meio da arte.<br />

ARTiculando em sala de aula<br />

Professor(a), com base no texto lido, sugerimos<br />

algumas atividades para propor<br />

aos alunos:<br />

• Observar marcas na natureza: as originais<br />

e aquelas deixadas pela ação<br />

do tempo ou por outras interferências.<br />

Registrar marcas de folhas, troncos,<br />

flores e frutos, imprimindo as texturas<br />

com lápis cera deitado sobre a superfície<br />

do papel.<br />

• Perceber a importância das mãos<br />

como símbolo da presença humana,<br />

desde a idade das cavernas até a passarela<br />

da fama em Hollywood. Fazer<br />

o contorno da própria mão sobre um<br />

papel. Recortar a forma e colocá-la<br />

sobre uma base de cartolina. Salpicar<br />

guache, com o atrito de uma escova<br />

de dentes sobre uma peneira, para<br />

obter a silhueta.<br />

Nossas marcas no mundo<br />

95 95


Nossas marcas no mundo<br />

96<br />

• Pesquisar imagens com os desenhos<br />

primitivos das cavernas. Fazer formas<br />

simplificadas que mostrem ações cotidianas<br />

na atualidade, usando canetas<br />

hidrocor sobre papel pedra.<br />

• Olhar os grafites nos muros do bairro.<br />

Em grupo, pintar com hidrocor e guache<br />

um painel com desenhos semelhantes<br />

aos grafites.<br />

• Criar raps com assuntos escolhidos<br />

pela turma. Ilustrar a capa para o CD<br />

das músicas. Fazer uma coreografia de<br />

break, dançando ao ritmo das músicas.<br />

• Observar os elementos geométricos utilizados<br />

nos trabalhos artísticos indígenas.<br />

Geometrizar, por meio do desenho,<br />

formas de objetos do meio ambiente<br />

dos alunos.<br />

• Trabalhar em duplas, nas quais um aluno<br />

faz o contorno do corpo do outro<br />

colega sobre papel 40kg. Preencher a<br />

silhueta do próprio corpo, imitando a<br />

pintura corporal indígena e usando as<br />

cores branca, preta e vermelha.<br />

• Repetir a atividade acima, preenchendo<br />

outro contorno do corpo com tatuagens<br />

características do homem urbano e colorindo<br />

com três cores diferentes das<br />

anteriores.<br />

• Ler a poesia Traduzir-se, de Ferreira<br />

Gullar, e ouvir a canção composta por<br />

Fagner para esse poema. Fazer máscaras<br />

faciais divididas ao meio, com desenhos<br />

diferentes em cada lado, abordando os<br />

seguintes temas: futebol, carnaval, teatro,<br />

protesto e outros.<br />

• Criar formas diferentes para a escrita<br />

do próprio nome: letras em terceira dimensão,<br />

letras rebatidas, monogramas,<br />

assinaturas e outras.<br />

• Observar diferentes formas de mandalas.<br />

• Confeccionar, em grupos, grandes mandalas<br />

desenhadas no chão e preenchê-<br />

-las com elementos naturais: folhas, flores,<br />

sementes, terra...<br />

Para visitar<br />

117 . Mandalas tibetanas.<br />

Museu do Índio – A construção de 1880<br />

abriga um dos mais importantes acervos<br />

indígenas da América Latina, entre<br />

objetos, documentos e obras sobre a<br />

etnologia desses povos.<br />

Endereço: Rua das Palmeiras, 55, Botafogo.<br />

Tel.: (21) 2286-8899.<br />

Museu Nacional – O palácio pertenceu ao<br />

príncipe regente D. João VI e desde 1892<br />

abriga o museu. Possui uma coleção de<br />

esqueletos de animais pré-históricos, armas<br />

e objetos indígenas do mundo todo,<br />

além de minerais e animais.<br />

Endereço: Quinta da Boa Vista, s/n.,<br />

São Cristóvão.<br />

Tel.: (21) 2568-8262.


Encontro marcado<br />

De volta ao passado<br />

Nós só podemos ver as coisas com<br />

clareza e nitidez porque temos um<br />

passado. E o passado se coloca<br />

para ajudar, ver e compreender<br />

o momento que estamos vivendo.<br />

iberê Camargo<br />

A arte está relacionada à natureza e a<br />

seus simbolismos, ao desenvolvimento individual<br />

das pessoas, à herança cultural<br />

dos grupos e à história da humanidade e<br />

de suas conquistas.<br />

O conhecimento e a dimensão estética se<br />

constroem e se reconstroem nas ações mais<br />

simples das experiências cotidianas, como<br />

também nas produções artísticas dos diferentes<br />

períodos históricos.<br />

118 . Busto de<br />

Nefertiti, 1345 a.C..<br />

Encontros marcados com o passado alimentam<br />

o entendimento do presente e nos projetam<br />

para o futuro.<br />

Existe um único lugar onde o ontem e<br />

o hoje se encontram e se reconhecem e<br />

se abraçam, e este lugar é o amanhã.<br />

Eduardo Galeano<br />

É importante assumir nosso papel como alguém<br />

que tem coisas a dizer, experiências e histórias<br />

para compartilhar, acreditando que, no encontro<br />

e na troca com o outro, crescemos mesmo<br />

quando nossas verdades são questionadas.<br />

Vivemos em um mundo que transforma, a todo<br />

momento, paisagens, imagens e informações,<br />

com as quais temos que conviver. Mudanças<br />

são inerentes a todas as épocas e influenciam<br />

modos de ver, de pensar e de expressar.<br />

119 . Piero della<br />

Francesca. Retrato<br />

de Federico de<br />

Montefeltro, Duque<br />

de Urbino, 1465-66.<br />

Encontro marcado<br />

97


A vida social está em permanente<br />

mudança, por mais que haja períodos<br />

de estabilidade nos quais todo<br />

conflito pareça superado. (...)<br />

Essas transformações resultam de<br />

oposições, de descobertas e de<br />

revoluções, e as mudanças que<br />

promovem repercutem no gosto e<br />

na arte, numa busca constante por<br />

formas que expressem melhor o<br />

momento vivido.<br />

Cristina Costa<br />

É por meio da sensibilidade estética que<br />

buscamos o entendimento da vida. A atitude<br />

de emoção e encantamento diante<br />

de uma obra de arte é própria dos<br />

seres humanos.<br />

O prazer estético, além de ser próprio de cada<br />

indivíduo, se transforma ao longo do tempo,<br />

pois toda época elege os critérios estéticos<br />

que melhor representam a arte e a cultura do<br />

momento. Essa dinâmica nos meios de produção<br />

artística influencia os padrões e o gosto<br />

estilísticos de determinado período histórico.<br />

Será que gosto não se discute?<br />

121 . Página à esquerda: Leonardo da Vinci. A Última Ceia, 1495-1498 (detalhe).<br />

Cada um de nós tem preferências relacionadas<br />

à idade, às experiências e aos modos de<br />

viver. Selecionamos paisagens, cores, imagens,<br />

palavras, sons, ritmos, muitas vezes,<br />

sem percebermos a razão de nossas escolhas,<br />

por não estarmos atentos às emoções<br />

que nos provocam. Do mesmo modo, o ato<br />

de rejeitar algo é também produto de uma<br />

emoção que sentimos e da qual nem sempre<br />

conseguimos identificar as origens.<br />

É importante aprendermos a distinguir por<br />

que temos determinados gostos e de onde<br />

vem o prazer que nos despertam, respeitando<br />

outras preferências e novas possibilidades.<br />

Nosso gosto não deve ser compartilhado<br />

como demonstração de verdade absoluta,<br />

mas como aquilo que nos identifica e difere.<br />

A história da arte evidencia bem a questão<br />

do “gosto”, que se traduz nos estilos e nos<br />

ideais de beleza, inerentes a épocas e a lugares<br />

diferentes nos quais as obras foram<br />

produzidas, mas também na estética do incômodo,<br />

do feio, do grotesco.<br />

Que tal marcarmos um encontro com o passado?<br />

Voltando no tempo, ao século XVIII,<br />

estamos dentro de uma igreja barroca em<br />

Minas Gerais.<br />

O esplendor da arquitetura e da decoração<br />

interior com seus dourados e rebuscados<br />

nos envolve, aprisionando nosso olhar nos<br />

120 . Leonardo da Vinci.<br />

A Última Ceia, 1495-1498.<br />

Encontro marcado<br />

99


Encontro marcado<br />

100<br />

detalhes esculpidos na madeira, nos anjos<br />

gorduchos que se espalham por toda parte,<br />

parecendo cuidar do local.<br />

Ao levantarmos a cabeça, a pintura que<br />

toma todo o teto da igreja nos encanta com<br />

sua leveza e instiga nossa curiosidade sobre<br />

a forma como foi realizada. Para completar o<br />

ambiente, uma música inesperada preenche<br />

todo o espaço local e o nosso interior, pelos<br />

acordes de um órgão centenário.<br />

Esse é um cenário barroco que se repete em<br />

várias cidades brasileiras, despertando as<br />

emoções humanas através dos tempos.<br />

No Brasil, o estilo barroco se desenvolveu<br />

adquirindo características próprias no encontro<br />

da cultura europeia, trazida pelos<br />

122 . Mosteiro de São Bento – Capela-mor. Fundado em 1590.<br />

portugueses, com os princípios enraizados<br />

da nossa identidade miscigenada. O dinamismo,<br />

as emoções, os contrastes estavam<br />

presentes nas diferentes linguagens da arte.<br />

O barroco foi tão marcante em nossa cultura<br />

que encontramos elementos como a curva e o<br />

movimento reinterpretados conceitual e estilisticamente<br />

na atualidade, seja na resolução<br />

espacial da arquitetura de Oscar Niemeyer ou<br />

nas releituras formais encontradas nas obras<br />

plásticas de Hilton Berredo e Adriana Varejão.<br />

123 . Adriana Varejão. Azulejões, 2000-2001.<br />

BARROCO<br />

Remete à ênfase em efeitos dinâmicos encontrada na música, na literatura, no teatro e nas artes visuais por volta<br />

dos séculos XVII e XVIII em diversas partes do mundo. Nas artes visuais, as obras barrocas caracterizam-se pelo uso<br />

de contrastes abruptos de luz e sombra e diagonais e curvas. Em oposição às belas formas clássicas, evidencia-se<br />

certo realismo, com a valorização da experiência cotidiana, do drama humano ou da plástica comunicativa.<br />

ADRIANA VAREJÃO<br />

(Rio de Janeiro, 1964)<br />

Pintora carioca, começou a produzir no fim dos anos 1980 com base em referências do período colonial brasileiro:<br />

apropriou-se de mapas, azulejos e obras dos artistas viajantes, evocando o barroco na articulação entre pintura,<br />

escultura e arquitetura. No fim dos anos 1990, empregou cortes e suturas em telas que permitem entrever tinta e<br />

outros materiais que sugerem o aspecto de carne.


Entre os mais importantes artistas do barroco<br />

brasileiro, está Antônio Francisco lisboa,<br />

o Aleijadinho, cuja obra caracteriza diferentes<br />

cidades de Minas Gerais.<br />

O conjunto de esculturas dos profetas e das<br />

capelas em Congonhas do Campo mostra<br />

a grandiosidade do trabalho desse artista.<br />

Nas figuras de Aleijadinho, os olhos amendoados,<br />

o nariz reto e alongado, o queixo<br />

pontiagudo são assinaturas que marcam<br />

seu trabalho.<br />

124 . Aleijadinho. Profeta Joel, 1800-1805.<br />

... na paz das minas exauridas,<br />

conversam entre si os profetas.<br />

Aí onde os pôs a mão genial de<br />

Antônio Francisco, em perfeita comunhão<br />

com o adro, o santuário, a<br />

paisagem toda – magníficos, terríveis,<br />

graves e eternos –, eles falam<br />

de coisas do mundo que, na linguagem<br />

das Escrituras, se vão transformando<br />

em símbolos.<br />

Colóquio das Estátuas /<br />

Carlos Drummond de Andrade<br />

É importante observar que, mesmo quando<br />

a obra está relacionada aos princípios estéticos<br />

de um determinado período histórico,<br />

a marca do artista, seus gostos, suas características<br />

pessoais e a influência cultural se<br />

evidenciam, identificando seus trabalhos.<br />

Isso ocorre, ao longo da história da arte,<br />

quando alguns artistas sobressaem no conjunto<br />

de obras de uma época pela força expressiva<br />

que define sua criação.<br />

Se formos mais longe no tempo, encontraremos,<br />

no período renascentista na Itália,<br />

a genialidade de Michelangelo, que, aos 23<br />

anos, fez sua primeira obra-prima – a Pietá,<br />

escultura em mármore que reúne Cristo e a<br />

Virgem Maria.<br />

ANTÔNIO FRANCISCO LISBOA, O ALEIJADINHO<br />

(Vila Rica, atual Ouro Preto, MG, 1730-1814)<br />

Escultor, arquiteto e entalhador, foi o principal artista brasileiro do período colonial. Mesclou influências brasileiras<br />

populares e europeias eruditas e realizou obra singular no cenário barroco-rococó internacional. Esculturas devocionais,<br />

projetos arquitetônicos, ornamentos em pedra-sabão e conjuntos de talha de sua autoria acompanharam apogeu, crise<br />

e declínio do ciclo do ouro em Vila Rica, atual Ouro Preto.<br />

MICHELANGELO DI LODOVICO BUONARROTI SIMONI<br />

(Caprese, 1475 – Roma, 1564)<br />

Escultor, pintor, arquiteto e poeta toscano, foi o primeiro artista reconhecido como um gênio por seus<br />

contemporâneos. Treinado na pintura e depois na escultura, desenvolveu trabalho no afresco ou no mármore<br />

que revelou pleno domínio no desenho do corpo humano em qualquer posição e ângulo. Criou figuras que se<br />

contorcem em movimentos violentos, mas cujos contornos se mantêm sempre firmes e serenos.<br />

Encontro marcado<br />

101


Encontro marcado<br />

102<br />

125 . Michelangelo. Pietà, 1499.<br />

O Renascimento, no encontro com a arte<br />

greco-romana, retomou os ideais de beleza<br />

que, nas mãos de Michelangelo, adquiriram<br />

expressividade única, comprovando a identidade<br />

do artista.<br />

Por considerar a escultura uma arte divina,<br />

Michelangelo transportou características escultóricas<br />

também para a pintura. Um dos<br />

exemplos mais extraordinários é o teto da Capela<br />

Sistina, que, a pedido do Papa Júlio II,<br />

foi pintado em afresco.<br />

126 . Michelangelo. A Criação de Adão, 1508-1512.<br />

As mais de 300 figuras em movimento, idealizadas<br />

pelo artista, têm uma qualidade de<br />

relevo como se tivessem sido esculpidas em<br />

pedra colorida.<br />

Mesmo distantes dois séculos e pertencentes<br />

a movimentos artísticos com princípios<br />

estéticos opostos (Renascimento e Barroco),<br />

Michelangelo e Aleijadinho encontram-se na<br />

capacidade de expressar a arte de seu tempo,<br />

de forma única, desenvolvendo pesquisas próprias,<br />

apresentando novos padrões de representação<br />

plástica, revelando maestria incomparável<br />

em suas obras.<br />

O ser humano, em contato com uma obra de<br />

arte, faz dela uma leitura diretamente relacionada<br />

às suas referências pessoais e culturais.<br />

Assim, toda e qualquer linguagem é um instrumento<br />

que pode nos levar a viver diferentes<br />

momentos e decolar para outros espaços.<br />

E qual é o passaporte para a viagem da imaginação<br />

do artista?<br />

127 . Michelangelo. Teto da Capela Sistina, 1508-1512.<br />

Ainda bem que a mente viaja<br />

sem passagem...<br />

Eduardo Galeano


Percebemos que a liberdade de criação permite<br />

viagens por épocas e lugares diferentes,<br />

expressando o que o artista imagina,<br />

mesmo quando as obras são encomendadas<br />

e os temas são impostos.<br />

No passado, era comum a arte ser financiada<br />

por mecenas – nobres ricos – que determinavam<br />

o que queriam e pagavam pelas obras.<br />

A imaginação humana é tão fértil que possibilita<br />

ao artista representar fatos fora de seu<br />

tempo, de sua época.<br />

No período romântico, quando a emoção e o lirismo<br />

caracterizavam a arte, Victor Meirelles, artista<br />

brasileiro de formação acadêmica, pintou o<br />

quadro A Primeira Missa no Brasil, em 1861.<br />

128 . Victor Meirelles. A Primeira Missa no Brasil, 1861.<br />

Quase 400 anos depois da chegada dos<br />

portugueses, o pintor imaginou toda a composição<br />

da cena, procurando ser fiel ao relato<br />

de Pero Vaz de Caminha na carta ao rei<br />

D. Manuel.<br />

Em nosso país, essa é uma das pinturas<br />

mais populares e já faz parte do imaginário<br />

cultural brasileiro. Foi reproduzida em<br />

cédulas de dinheiro, em capas de caderno<br />

e em livros escolares, representando esse<br />

momento da história do Brasil de maneira<br />

tão forte que consolidou como “verdadeira”<br />

a criação do artista.<br />

Acreditamos na imagem criada por Victor<br />

Meirelles como se ela fosse uma foto<br />

do acontecimento.<br />

ROMANTISMO<br />

Movimento artístico, literário, filosófico que reagiu ao racionalismo iluminista e teve seu auge na Europa do<br />

início do século XIX. Em contraposição ao equilíbrio e à clareza clássicos, as obras românticas se caracterizavam<br />

pelo excesso – paixões e emoções manifestas por uma viva subjetividade. Foi nesse período que surgiu a<br />

própria ideia de criação artística, que passou a ser entendida como produto de uma individualidade.<br />

VICTOR MEIRELLES<br />

(Desterro, atual Florianópolis, 1832 – Rio de Janeiro, 1903)<br />

Pintor e desenhista acadêmico brasileiro, foi um dos maiores representantes de nossa pintura romântica, ou pintura<br />

histórica, que visa construir a imagem da nação recém-independente por meio da representação dos primeiros<br />

habitantes e de eventos históricos marcantes. Recebeu várias encomendas de quadros oficiais, entre eles, A Primeira<br />

Missa no Brasil e a Batalha de Riachuelo.<br />

Encontro marcado<br />

103


...esta imagem do descobrimento<br />

dificilmente poderá vir a ser apagada<br />

ou substituída. Ela é a primeira<br />

missa no Brasil.<br />

Jorge Coli<br />

O quadro de Victor Meirelles, anos depois,<br />

foi fonte de inspiração para os pintores Candido<br />

Portinari e Glauco Rodrigues.<br />

Portinari, em 1948, retomou o tema em um<br />

mural encomendado para a sede do Banco<br />

Boavista, na cidade do Rio de Janeiro, com a<br />

função educativa de aproximar o público da<br />

arte e da sua história.<br />

129 . Candido Portinari. A Primeira Missa no Brasil, 1948.<br />

A obra tem características modernistas, sem<br />

preocupação com a descrição feita na carta<br />

de Caminha, apresentando uma composição<br />

cenográfica com figuras geometrizadas.<br />

130 . Glauco Rodrigues. Carta de Pero Vaz de Caminha —<br />

26 de Abril de 1500, 1971.<br />

CANDIDO PORTINARI<br />

(Brodósqui, SP, 1903 – Rio de Janeiro, 1962)<br />

Pintor e desenhista brasileiro, foi talvez o principal representante de nosso Modernismo artístico ao realizar obra<br />

afinada com a ênfase social do governo de Getúlio Vargas nos anos 1930. De formação acadêmica, teve interesse pela<br />

arte moderna, em especial por Picasso, e pelo Muralismo mexicano, cujo forte caráter social vai ao encontro de seu<br />

objetivo de criar uma arte baseada em tipos populares e trabalhadores.<br />

GLAUCO OTÁVIO RODRIGUES<br />

(Bagé, RS, 1929 – Rio de Janeiro, 2004)<br />

Consagrado artista brasileiro, pintor, desenhista, gravador, ilustrador e cenógrafo. Em 1958, mudou-se para o Rio de<br />

Janeiro e integrou a primeira equipe da revista Senhor. Produziu obras sobre temas nacionais, como o índio, o carnaval,<br />

o futebol, a natureza tropical e a história do Brasil. É autor do painel em mosaico na entrada da Fundação Oswaldo Cruz<br />

(RJ) e de outro que se encontra no Aeroporto Internacional de Salvador (BA).<br />

131 . Página à esquerda: Carta de Pero Vaz de Caminha (detalhe).<br />

Glauco Rodrigues, em 1971, para contestar o<br />

modelo cultural vigente no país, elaborou a<br />

série A Carta de Pero Vaz de Caminha, com<br />

26 quadros que, como uma história em quadrinhos,<br />

narram o descobrimento com legendas<br />

retiradas da própria carta. Um desses<br />

quadros remete diretamente à obra de Victor<br />

Meirelles, mas com características de uma<br />

irreverente alegoria, apresentando figuras<br />

pertencentes a várias épocas brasileiras.<br />

Do mesmo modo que na pintura, a carta de<br />

Pero Vaz de Caminha deu origem a criações<br />

artísticas em outras linguagens. São exemplos<br />

o livro A Viagem do Descobrimento, de<br />

Eduardo Bueno, publicado em 1998, e o texto<br />

Segunda Carta de Pero Vaz de Caminha<br />

a El Rei, de Darcy Ribeiro, escrito em 1960,<br />

que narra a construção de Brasília.<br />

Assuntos, temas, tendências e estilos se<br />

propagam por todas as linguagens da arte,<br />

deixando marcados os lugares e as épocas<br />

onde e quando floresceram.<br />

Encontro marcado<br />

105


Encontro marcado<br />

106<br />

Cada obra pede uma interpretação<br />

diferente. A história de uma obra<br />

de arte é a história de seu autor e<br />

de sua época, mas é, também, a<br />

história das sucessivas leituras<br />

dela que foram feitas.<br />

Frederico de Morais<br />

No Brasil do século XIX, o Romantismo procurou<br />

uma linguagem própria, nacional, com temas<br />

ligados ao índio, a fatos históricos, a costumes<br />

brasileiros. Nas diferentes linguagens<br />

artísticas, esse estilo apareceu e se consolidou,<br />

conferindo prestígio e popularidade às<br />

artes, com uma maior frequência da sociedade<br />

a espetáculos teatrais, musicais e exposições.<br />

O tema indianista aparece na literatura de<br />

José de Alencar e na música de Carlos Gomes;<br />

o negro está na obra de Bernardo Guimarães<br />

e na poesia de Castro Alves.<br />

Os tipos regionais brasileiros são representados<br />

no teatro de Martins Pena e, mais<br />

tarde, no trabalho de Arthur Azevedo. Essa<br />

mesma temática caracteriza a obra do pintor<br />

Almeida Júnior, que, com seus tipos populares<br />

do interior do Brasil, mostra a paisagem,<br />

a luz e o sabor da terra.<br />

Em nosso país, o Romantismo foi um movimento<br />

eclético que perdurou por cerca de 50<br />

anos e envolveu estilos e temas diferenciados<br />

em torno da busca de uma brasilidade, com<br />

paixão e liberdade de criação e aberto a mudanças<br />

na pesquisa da sensibilidade humana.<br />

132 . Almeida Júnior. O Violeiro, 1899.<br />

As ideias geradas por nossa imaginação, as<br />

mensagens que trazemos dentro de nós tornam-<br />

-se realidade em diferentes encontros. O encontro<br />

com o nosso tempo, com o nosso espaço,<br />

com a nossa sensibilidade. O encontro com as<br />

origens, com o passado, com o legado artístico<br />

e cultural. E um provável encontro futuro do<br />

que de nós ficar com as próximas gerações.<br />

Esses encontros se tornam marcantes na troca e<br />

comunicação das criações de artistas e arteiros.<br />

Às vezes me reconheço nos demais.<br />

Me reconheço nos que ficarão, nos<br />

amigos abrigos, loucos lindos de<br />

justiça e bichos voadores da beleza e<br />

demais vadios e mal cuidados que andam<br />

por aí e por aí continuarão, como<br />

continuarão as estrelas da noite e as<br />

ondas do mar. Então, quando me reconheço<br />

neles, eu sou ar aprendendo a<br />

saber-se continuado no vento. (...)<br />

Quando eu já não estiver, o vento<br />

estará, continuará estando.<br />

O Ar e o Vento / Eduardo Galeano<br />

ALMEIDA JÚNIOR<br />

(Itu, SP, 1850 – Piracicaba, SP, 1899)<br />

Pintor e desenhista brasileiro, ocupa lugar em nossa história da arte com sua pintura regionalista. Renova a<br />

temática de nossa pintura ao retratar sua região, a expressão e os costumes do homem da terra; enfatiza a<br />

luminosidade solar, patente no clareamento de sua paleta. Ao valorizar o que é próprio de nossa cultura, é<br />

celebrado por alguns intelectuais como precursor do Modernismo.


Marca registrada<br />

O tempo se esvai, mas suas<br />

marcas ficam registradas<br />

a partir das linguagens.<br />

larissa Alves<br />

Qual a marca do seu tempo, da sua cidade,<br />

do seu país?<br />

Alguns sinais registram flagrantes da vida<br />

urbana: outdoors, vitrines, placas, sinais, letreiros<br />

luminosos inundam as cidades, buscando<br />

comunicação com as pessoas que<br />

passam nas ruas.<br />

133 . Times Square, Nova York.<br />

Talvez a agitação dos tempos atuais tenha,<br />

nesses flashes rápidos, a marca dos grandes<br />

centros urbanos.<br />

Ao entrarmos nas lojas, o jogo de formas<br />

e de cores dos produtos, dos rótulos e das<br />

embalagens procura prender o nosso olhar<br />

e apela para o consumo. Isso acontece na<br />

sociedade a partir da Revolução industrial,<br />

quando uma nova maneira de conceber a realidade<br />

impôs um modo de vida diferente<br />

nos centros urbanos.<br />

A produção em larga escala passou a oferecer<br />

uma grande quantidade de produtos<br />

para venda e precisava de consumidores<br />

para adquiri-los. A produção, nessa época,<br />

superava a demanda.<br />

REVOLUÇÃO INDUSTRIAL<br />

Período em que ocorreu a mudança de uma economia, agrária e artesanal, para outra, dominada pela industrialização<br />

mecanizada e produção em grande escala. Esse processo iniciou-se na Inglaterra no século XVIII e, favorecido pela<br />

reforma protestante (com o enfraquecimento da nobreza, a redução do poder do clero e a redistribuição de terras e<br />

bens da Igreja), espalhou-se para outras partes do mundo.<br />

Encontro marcado<br />

107


Encontro marcado<br />

108<br />

A necessidade de organizar, racional e visualmente,<br />

os produtos que seriam consumidos<br />

fez surgir o marketing e o design,<br />

que usam estratégias de comunicação para<br />

estimular o consumo e os negócios.<br />

Esses novos campos da criação desenvolveram-se<br />

com a colaboração de artistas<br />

plásticos, responsáveis pela visualidade<br />

das campanhas, e de músicos que criavam<br />

jingles para serem veiculados no rádio e,<br />

mais tarde, na televisão.<br />

No século XIX, o artista francês toulouse-<br />

-lautrec foi o precursor da publicidade moderna,<br />

pois, com seus cartazes, descobriu os<br />

segredos da comunicação. Segundo Giulio<br />

Argan, ele “foi o primeiro a intuir a importância<br />

daquele novo ‘gênero’ artístico, tipicamente<br />

urbano, que é a publicidade – desenhar<br />

um cartaz ou a capa de um programa<br />

constituía, para ele, um compromisso tão<br />

sério quanto fazer um quadro”.<br />

Paris conheceu o gênio gráfico de Lautrec<br />

a partir dos cartazes com as bailarinas do<br />

Moulin Rouge, marca registrada do artista,<br />

que fizeram dele o cartazista mais solicitado<br />

da época.<br />

Ultrapassando os limites da contemplação<br />

impressionista, Lautrec buscou representar<br />

modos de viver a vida, de forma crítica e<br />

irônica, expressando uma maneira ativa<br />

de estar no mundo, ao produzir uma arte<br />

de comunicação.<br />

134 . Henri de Toulouse-Lautrec. Moulin Rouge: La Goulue, 1891.<br />

Até hoje, os cartazes da Belle Époque alcançam<br />

grande sucesso como objetos de decoração,<br />

aparecendo em diferentes lugares no<br />

nosso dia a dia. São coloridos, divertidos e<br />

nos remetem à alegria dos cafés parisienses.<br />

135 . Jules Chéret.<br />

Cosmydor Savon,<br />

1891.<br />

HENRI DE TOULOUSE-LAUTREC<br />

(Albi, 1864 – Saint-André-du-Bois, 1901)<br />

Pintor, gravador e desenhista francês, retratou o cotidiano urbano parisiense do século XIX, em particular o mundo<br />

efêmero e brilhante do teatro de variedades. Sua arte coincidiu com dois dos maiores desenvolvimentos da cidade<br />

no período: o nascimento da gravura moderna e a explosão da cultura da vida noturna. Com seus pôsteres, levou o<br />

meio popular da litografia de propaganda ao campo da alta arte.<br />

BELLE ÉPOQUE<br />

Literalmente, “Bela Época”, nome dado na França ao período de efervescência cultural, avanços tecnológicos e<br />

euforia capitalista vivenciado na Europa entre o fim do século XIX e o início do século XX, em que se verificou uma<br />

elevação no padrão de vida das classes média e alta. Tal desenvolvimento foi favorecido pela existência de longo<br />

período de paz, encerrado com a eclosão da I Guerra Mundial (1914).<br />

136 . Página à direita: Henri de Toulouse-Lautrec. A Palhaça Cha U-Ka no Moulin Rouge, 1897.


Encontro marcado<br />

110<br />

Os objetos da vida cotidiana podem ser trabalhos<br />

artísticos?<br />

No século XIX, já havia uma preocupação estética<br />

com os objetos, aproximando artistas<br />

plásticos e artesãos, mas ainda predominava<br />

a produção artesanal.<br />

No fim desse século, o movimento Art<br />

Nouveau procurou preservar o contato do<br />

artista com a natureza, por meio de um artesanato<br />

habilidoso, com linhas sinuosas,<br />

elementos vegetais e características dos animais,<br />

transformando formas naturais em formas<br />

decorativas.<br />

Os teóricos do movimento Art<br />

Nouveau preconizavam que a<br />

arte devia estar presente em todos<br />

os momentos de nossa vida, os<br />

artistas deviam desenhar desde<br />

quadros, até colheres e cadeiras.<br />

Esses objetos deviam também ser<br />

produzidos a baixo custo para<br />

poderem ser adquiridos pelas<br />

diferentes camadas sociais.<br />

Desejavam, portanto, o<br />

desaparecimento da divisão<br />

entre artes menores e maiores e<br />

o reconhecimento de uma única<br />

forma de arte, presente em todos<br />

os momentos e aspectos da vida.<br />

leonardo Visconti Cavalleiro<br />

137 . René Lalique. Mulher Libélula (ornamento de corpete),<br />

1897-1898.<br />

O Art Nouveau chegou ao Brasil?<br />

O artista Eliseu Visconti, conhecedor do movimento<br />

na Europa, procurou adaptar o estilo<br />

à nossa cultura e aos recursos existentes no<br />

país. Realizou, no Rio de Janeiro, a primeira<br />

exposição de arte aplicada à indústria, sendo<br />

considerado pioneiro do design no país.<br />

A mostra incluía vários projetos: objetos de<br />

ferro, luminárias públicas, grades, cerâmica,<br />

vitrais, estamparia em tecido, papel de parede,<br />

capas de livros, revistas e cartazes.<br />

138 . Eliseu Visconti. Moringa executada para a inauguração do<br />

Theatro Municipal, 1909.<br />

ART NOUVEAU<br />

Estilo artístico internacional que se desenvolveu na Europa da passagem do século XIX para o XX e espalhou-se pelo<br />

mundo. Na busca por comunicar o dinamismo moderno, arabescos e linhas sinuosas inspiradas em formas naturais<br />

foram aplicados em arquitetura, mobiliário e artes gráficas. O estilo buscou adaptar-se ao modo de produção industrial<br />

ao utilizar novos materiais, como o ferro e o vidro.<br />

139 . Página à direita: Koloman Moser. Envelope para partitura de ópera, 1909 (detalhe).


Encontro marcado<br />

112<br />

O estilo Art Nouveau uniu arquitetos de<br />

vanguarda às transformações da indústria.<br />

As formas da natureza foram transportadas<br />

para os novos materiais de construção – o<br />

vidro e o ferro –, abrindo um caminho estético<br />

para uma arquitetura diferente.<br />

São exemplos do estilo Art Nouveau: a Vila<br />

Penteado, em São Paulo, e o interior da<br />

Confeitaria Colombo, no Rio de Janeiro, onde<br />

beleza e elegância são marcas registradas<br />

de uma época.<br />

Com raízes no Art Nouveau, mas apresentando<br />

uma maior simplicidade no estilo, o<br />

Art Déco adaptou princípios do Cubismo na<br />

geometrização das formas e influenciou as<br />

artes gráficas, o cinema e diferentes campos<br />

das artes visuais.<br />

140 . Confeitaria Colombo.<br />

As marcas do Déco na arquitetura estão espalhadas<br />

pelo nosso país. A cidade de Goiânia<br />

possui um grande acervo; em São Paulo,<br />

encontramos o Estádio do Pacaembu e, no<br />

Rio de Janeiro, o Teatro Carlos Gomes e a<br />

torre do relógio da Central do Brasil.<br />

Observamos, também, a presença desse estilo<br />

no Monumento às Bandeiras, de Victor<br />

Brecheret, em São Paulo, e no Cristo Redentor,<br />

projeto do engenheiro Heitor da Silva<br />

Costa, no Rio de Janeiro, considerada a<br />

maior estátua art déco do mundo.<br />

141 . Victor Brecheret. Monumento às Bandeiras, 1936-1953.<br />

142 . Cristo Redentor, 1931.<br />

ART DÉCO<br />

Estilo decorativo francês presente na arquitetura, no design e na moda dos anos 1920/30. Influenciado pelo<br />

Art Nouveau, dele se distingue por emprego de linhas retas, curvas regulares e padrões geométricos. Adaptou<br />

formas dos movimentos artísticos de vanguarda a objetos, mobiliário, joias, design gráfico, etc. Surgiu como<br />

estilo luxuoso, mas adequou-se a materiais e formas compatíveis com a produção industrial ao expandir-se<br />

pelo mundo.


Assim, a partir do século XX, surgiram novas<br />

ideias para integrar arte, artesanato e indústria,<br />

tornando os objetos não só funcionais, mas<br />

também possuidores de uma beleza estética.<br />

Com esses objetivos, o arquiteto Walter<br />

Gropius fundou, na Alemanha, a Escola<br />

Bauhaus, onde professores-artistas pesquisavam<br />

cores, formas e materiais para a criação<br />

de objetos artísticos.<br />

143 . Marcel Breuer. Cadeira em Tubo de Aço, 1928.<br />

A Bauhaus procurava reunir pintura,<br />

escultura, arquitetura, desenho industrial<br />

numa mesma ação:<br />

reconciliar as artes e os ofícios<br />

às artes e a técnica.<br />

Michel Ragon<br />

Os princípios do Art Nouveau e da Bauhaus<br />

ultrapassaram sua história e seu tempo,<br />

contribuindo para o desenvolvimento de<br />

uma preocupação estética na indústria,<br />

cujos resultados podem ser observados em<br />

nosso cotidiano.<br />

Então, a indústria e a arte estabeleceram<br />

uma aliança eterna?<br />

Em determinados momentos, uma se vale da<br />

outra, em alianças instáveis e temporárias, às<br />

vezes gerando conflitos. Mas devemos reconhecer<br />

que a indústria imprimiu um novo ritmo<br />

à produção cultural, além de popularizá-la.<br />

A vida que a tecnologia industrial criou nos<br />

grandes centros urbanos marcou, por exemplo,<br />

as origens da Pop Art, movimento artístico<br />

que surgiu nos Estados Unidos, no século<br />

XX, e alcançou repercussão internacional.<br />

Os temas utilizados pelos artistas pop são<br />

os símbolos e os produtos industrializados<br />

destinados ao público em geral.<br />

O principal representante da Pop Art foi o<br />

americano Andy Warhol, que desafiou as<br />

convenções tradicionais sobre unicidade, autenticidade<br />

e autoria da obra de arte, colocando-a<br />

em outro patamar, em uma atitude<br />

de ousadia e provocação.<br />

WALTER GROPIUS<br />

(Berlim, 1883 – Boston, 1969)<br />

Arquiteto, teórico e professor alemão, Gropius realizou uma das obras mais influentes do movimento moderno.<br />

Idealizador e diretor da Bauhaus, propôs arquitetura inovadora, marcada por emprego ousado de materiais<br />

(vidro, aço, concreto). Na busca por integrar indivíduo e sociedade, arte e indústria, forma e função, baseou sua<br />

obra na definição de uma metodologia do projeto capaz de encontrar soluções de aplicação universal.<br />

BAUHAUS (1919-1933)<br />

Escola alemã de arte, design e arquitetura que buscou unir arte e ofícios ao restabelecer a ligação entre criatividade<br />

artística e manufatura. Idealizada em 1919 por Walter Gropius, objetivou criar prédios, utensílios, mobiliário,<br />

livros, etc. tomando-se por base um projeto capaz de determinar uma forma racional adequada à produção<br />

em série. Seus professores se ligaram às mais avançadas tendências artísticas e propuseram a pesquisa de forma<br />

e materiais em aulas teóricas e oficinas práticas.<br />

POP ART (ARTE POP)<br />

Movimento artístico internacional que se apropriou de imagens da cultura de massa (história em quadrinhos, propaganda)<br />

veiculadas em diversas mídias. O termo surgiu na Inglaterra (1954) com a sátira de um grupo de artistas à sociedade<br />

de consumo. Manifestou-se com vigor nos EUA dos anos 1960, quando a relação direta entre produção de imagens e<br />

tecnologias de reprodução em série evidenciou o aspecto anônimo adquirido pelo objeto, consumido por sua imagem, e<br />

não por seu valor.<br />

Encontro marcado<br />

113


Encontro marcado<br />

114<br />

Sua inspiração partia das prateleiras dos<br />

supermercados. Eram latas de sopa, molho<br />

de tomate, garrafas de refrigerante, detergentes,<br />

caixas de sabão em pó, marcas da<br />

cultura americana que, por meio da técnica<br />

da serigrafia, eram reproduzidas, repetidas<br />

e ressignificadas.<br />

A Pop Art não é um movimento coeso, mas<br />

tem, no gosto pelo imaginário popular e pelas<br />

técnicas comerciais, o registro de sua<br />

principal marca.<br />

O artista observa a sua volta e escolhe imagens<br />

prontas para compor o seu trabalho, extraindo<br />

beleza e crítica de um simples produto.<br />

Trata-se, então, de uma “arte pirata”?<br />

Mesmo copiando imagens existentes no cotidiano,<br />

artistas como Andy Warhol as tomam<br />

por empréstimo e fazem uma nova leitura<br />

compositiva, transformando, com ironia, esses<br />

objetos em obras de arte.<br />

144 . Andy Warhol. Latas de Sopa Campbell’s, 1962.<br />

Querendo mostrar que políticos, artistas<br />

e celebridades têm suas imagens públicas<br />

também consumidas como um produto, pela<br />

mídia, Andy manipulava fotos instantâneas<br />

de personalidades que eram símbolos de<br />

beleza, glamour ou poder, multiplicando e<br />

compondo diversas galerias de retratos.<br />

No futuro, sem dúvida, todo<br />

o mundo ficará famoso<br />

durante 15 minutos.<br />

Andy Warhol<br />

Warhol cultivou o gênero do retrato ao longo<br />

de toda a sua carreira e se autorretratou<br />

com frequência, com a mesma ironia que caracteriza<br />

sua obra.<br />

ANDY WARHOL<br />

(Filadélfia, 1930 – Nova York, 1987)<br />

Artista e cineasta norte-americano, trabalhou tomando por base os signos banais e anônimos que circulavam em<br />

jornais e publicidade. Adotou como técnica principal a serigrafia, valendo-se da lógica da produção serial para<br />

questionar a noção de criatividade no mundo da reprodução e do consumo, os limites entre alta e baixa cultura e<br />

entre público e privado.


E a pintura de retratos tem espaço na<br />

atualidade?<br />

O retrato está na origem da pintura, mas,<br />

nos dias de hoje, ainda é comum, nas<br />

praças de nossa cidade, encontrarmos<br />

desenhistas especializados em retratar<br />

as pessoas.<br />

O ser humano, para se sentir eternizado,<br />

sempre quis deixar uma marca registrada<br />

de sua própria imagem e, assim, ser lembrado<br />

no futuro.<br />

Retratos e autorretratos estão presentes na<br />

história da arte, de formas diferentes, ao<br />

longo do tempo.<br />

A moda da pintura de retratos surgiu no século<br />

XVI, e o artista deveria ter a habilidade<br />

de transparecer a identidade, a classe social<br />

e a semelhança do retratado.<br />

Toda pessoa abastada posava pelo menos<br />

uma vez na vida para que um pintor fizesse<br />

seu retrato.<br />

No século XIX, a fotografia substituiu, em<br />

grande parte, o retrato pintado, que voltou a<br />

surgir de outras formas no século XX.<br />

145 . Andy Warhol. Díptico<br />

Marilyn, 1962.<br />

146 . Rafael Sanzio. Senhora com Unicórnio, 1505-1506.<br />

O retrato é um ajudante da memória;<br />

ele sobrevive à morte do modelo e<br />

será testemunha silenciosa nas<br />

gerações futuras.<br />

Véronique Antoine-Andersen<br />

Encontro marcado<br />

115


Se, em outras épocas, o artista tinha o compromisso<br />

de representar fielmente o modelo,<br />

após a invenção da fotografia, o pintor<br />

adquiriu mais liberdade expressiva na representação<br />

da figura humana, que pode ganhar<br />

massas coloridas, geometrizações, texturas<br />

e inúmeras possibilidades de interferências.<br />

Na história da arte, o artista que mais se autorretratou<br />

foi Rembrandt, com mais de cem obras.<br />

Desde jovem, pintou seu rosto e, ao longo<br />

da vida, registrou as marcas que o tempo<br />

desenhou, transformando sua aparência.<br />

147 . Rembrandt. Autorretrato, 1660.<br />

Quererão saber que espécie<br />

de pessoa eu fui.<br />

Rembrandt<br />

Na busca de outro sentido para o autorretrato,<br />

o pintor holandês Vincent van<br />

Gogh também fez numerosas telas. Sua<br />

vida breve não necessitou de um registro<br />

da passagem do tempo em seu rosto, mas<br />

sim das marcas intensas deixadas pelo sofrimento<br />

e pelos conflitos interiores de um<br />

temperamento ardente.<br />

148 . Vincent van Gogh. Autorretrato com chapéu de feltro,<br />

inverno de 1887-1888.<br />

A cor era, para Van Gogh, o elemento fundamental<br />

da pintura. Em suas obras expressionistas,<br />

libertou-se de qualquer naturalismo<br />

no emprego das cores. Cada espaço da tela<br />

foi preenchido pela tinta, pelo pincel, pela<br />

cor, matéria e linha. Ele queria captar a beleza<br />

dos seres e a essência da vida humana,<br />

por meio de uma explosão de cores.<br />

Prefiro pintar olhos humanos<br />

a catedrais...<br />

A alma de um ser humano é<br />

mais interessante em minha opinião.<br />

VINCENT VAN GOGH<br />

(Zundert, 1853 – Auvers-sur-Oise, 1890)<br />

Pintor holandês, típico artista romântico, cuja obra foi incompreendida durante sua vida. Estruturou suas telas<br />

com pinceladas marcadas de cores vibrantes, cuja comunicação direta e efeito imediato fizeram de seus girassóis,<br />

ciprestes e autorretratos as mais conhecidas pinturas modernas. Desinteressado pela representação exata da<br />

natureza, exagerava cores e formas para transmitir o que sentia em relação às coisas que pintava.<br />

149 . Página à esquerda: Rembrandt. Autorretrato, 1640.<br />

Van Gogh<br />

Encontro marcado<br />

117


Encontro marcado<br />

118<br />

Rostos verdes, amarelos e azuis nos retratos<br />

expressionistas. E por que não?<br />

No Expressionismo, a tinta pura explode,<br />

com ousadia e vivacidade, procurando representar<br />

as angústias e as emoções humanas,<br />

o medo e a solidão do homem às vésperas<br />

da Primeira Guerra Mundial.<br />

Após voltar da Academia de Belas <strong>Arte</strong>s de<br />

Berlim, a pintora Anita Malfatti mostrou suas<br />

pinturas expressionistas em exposições na<br />

cidade de São Paulo.<br />

150 . Anita Malfatti. A Estudante Russa, c. 1915.<br />

Anita, distante do academicismo ainda em voga<br />

na época, retratou os modelos com coloridos<br />

fortes. Suas telas foram muito criticadas, mas<br />

tiveram importância histórica na construção de<br />

uma visão modernizadora de nossa cultura.<br />

Pintei A Estudante Russa, O Homem<br />

Amarelo, O Japonês, A Mulher de<br />

Cabelos Verdes e muitos quadros...<br />

Eu estava em pleno idílio pictórico.<br />

Anita Malfatti<br />

<strong>Artistas</strong> inovadores uniram-se em torno de<br />

Anita e alimentaram a ideia de, em grupo,<br />

apresentarem o que se fazia de mais moderno<br />

no país. Para eles, a arte brasileira<br />

deveria marcar o encontro da cultura europeia<br />

com a diversidade da cultura nacional,<br />

registrando de elementos da miscigenação à<br />

singularidade da natureza tropical.<br />

A valorização nacional era o propósito da Geração<br />

22, que culminaria na Semana de <strong>Arte</strong><br />

Moderna, no Theatro Municipal de São Paulo,<br />

com espetáculos e exposições que reuniam<br />

pintores, escultores, músicos, desenhistas, arquitetos<br />

e escritores com trabalhos que buscavam<br />

uma arte genuinamente brasileira.<br />

EXPRESSIONISMO<br />

Tendência artística moderna, encontrada em pintura, poesia, cinema, dança e teatro, que surgiu na Alemanha<br />

no início do século XX e se difundiu pelo mundo. Caracterizou-se pela ênfase na visão subjetiva em relação à<br />

representação objetiva do mundo: artistas distorciam formas, cores e sons para comunicar suas próprias emoções<br />

interiores que se projetavam sobre a realidade e provocavam efeito emocional.<br />

ANITA MALFATTI<br />

(São Paulo, 1889-1964)<br />

Pintora, desenhista e gravadora, Malfatti foi pioneira nas artes visuais do Modernismo brasileiro ao executar<br />

nossas primeiras pinturas com características modernas (uso de cores intensas ou distorção do desenho). Em 1917,<br />

após temporada no exterior, onde se formou em meio à intensa atividade artística e cultural de Berlim e Nova<br />

York, a artista realizou uma mostra em São Paulo que provocou polêmica em nosso meio cultural provinciano.<br />

SEMANA DE 22 (OU SEMANA DE ARTE MODERNA)<br />

Mostra de artes plásticas e sessões literomusicais realizada no Theatro Municipal de São Paulo entre 13 e 18 de<br />

fevereiro de 1922. Integrante das festividades do Centenário da Independência do Brasil, o evento manifestou<br />

o desejo de independência cultural a partir da ruptura com o academicismo de cunho europeu. Sem programa<br />

estético definido, configurou marco simbólico de nosso Modernismo, sobretudo pelos debates então mobilizados.


A pintora tarsila do Amaral, apesar de não<br />

haver participado da Semana de 1922, colaborou<br />

decisivamente com sua obra para o<br />

desenvolvimento de uma expressão artística<br />

moderna ligada às nossas raízes.<br />

151 . Di Cavalcanti. Capa do Catálogo de<br />

Semana de <strong>Arte</strong> Moderna.<br />

Tarsila recriou, em um clima de magia, a realidade<br />

cultural brasileira. Em sua fase chamada<br />

“pau-brasil”, segundo o crítico Sérgio<br />

Milliet, as principais características são “as<br />

cores ditas caipiras, rosas e azuis, as flores<br />

de baú, a estilização geométrica das frutas e<br />

plantas tropicais, dos caboclos e negros, da<br />

melancolia das cidadezinhas, tudo isso enquadrado<br />

na solidez da construção cubista”.<br />

Por meio de formas e cores, Tarsila reencontrou<br />

as fontes culturais regionais nas lembranças<br />

de sua experiência de menina criada<br />

em uma fazenda.<br />

A fase seguinte de sua pintura, chamada<br />

“antropofágica”, é marcada pela obra Abaporu,<br />

que hoje é a tela brasileira mais valorizada<br />

no mundo.<br />

“Abaporu” é uma palavra indígena que significa<br />

“homem que come gente” e fazia uma<br />

referência à chamada antropofagia modernista,<br />

que se propunha a digerir a cultura estrangeira<br />

e adaptá-la à realidade brasileira.<br />

Nos anos seguintes, o Modernismo buscou<br />

a sua consolidação, e surgiram manifestos<br />

com diferentes propostas estéticas que tinham<br />

também um cunho político e social.<br />

O ambiente modernista ganhou espaço em<br />

todas as linguagens da arte.<br />

152 . Tarsila do Amaral. Abaporu, 1928.<br />

A obra musical de Heitor Villa-Lobos incorporou<br />

elementos do folclore, das músicas<br />

populares, das melodias indígenas, a sonoridade<br />

dos pássaros e a realidade brasileira.<br />

O rádio popularizou as gravações de nomes<br />

importantes da música popular, como Pixinguinha,<br />

Noel Rosa e Ary Barroso. O cinema<br />

ganhou impulso com a criação de estúdios e<br />

a obra de Humberto Mauro.<br />

TARSILA DO AMARAL<br />

(Capivari, SP, 1886 – São Paulo, 1973)<br />

Pintora e desenhista, Tarsila foi uma figura central do Modernismo visual brasileiro. Sua arte se desenvolveu com<br />

base na fusão entre arte moderna europeia (em especial, o Cubismo) e o Modernismo de Malfatti, Mário e Oswald<br />

de Andrade. Atenta à plasticidade moderna, voltou-se para o que é próprio à nossa cultura: usou cores, trabalhou<br />

temas brasileiros e inspirou Oswald de Andrade na concepção do movimento antropofágico com a tela Abaporu.<br />

Encontro marcado<br />

119


Encontro marcado<br />

120<br />

O arquiteto Lúcio Costa dirigiu a Escola de<br />

Belas <strong>Arte</strong>s, abrindo espaço para a modernização<br />

do ensino. A pintura enfocou temas<br />

regionalistas e a preocupação social nas telas<br />

de Guignard e Portinari.<br />

153 . Alberto Guignard. Paisagem Imaginante, 1960.<br />

154 . Candido Portinari. Café, 1935.<br />

A Semana de 1922 foi a marca registrada da<br />

modernidade das artes em nosso país, que,<br />

tendo por base a visão do nacional e do particular,<br />

influenciou a vida cultural brasileira<br />

por cerca de duas décadas.<br />

Marcas são símbolos, registros, ícones que<br />

identificam e perpetuam momentos, épocas,<br />

lugares, pessoas. Elas podem estimular nossos<br />

sentidos quando encontram eco em nossa<br />

percepção.<br />

Se uma música nos marcou, sempre que a<br />

ouvirmos voltaremos a um momento, a um<br />

lugar, a uma pessoa. Um perfume que nos<br />

envolve retoma sonhos perdidos na lembrança.<br />

O olhar, estimulado por uma tela, por um<br />

espetáculo de teatro, pelas flores de um jardim,<br />

aprisionará para sempre as imagens.<br />

Essas e tantas outras marcas, mesmo aquelas<br />

mais sofridas, ficam gravadas e fazem parte<br />

do nosso repertório de vida e do modo sensível<br />

como nos relacionamos com o mundo.<br />

As marcas registradas, em cada um de nós,<br />

são a matéria-prima da criação que impulsiona<br />

e identifica o fazer de artistas e arteiros.<br />

No fim tu hás de ver que as coisas mais<br />

leves são as únicas<br />

que o vento não conseguiu levar:<br />

um estribilho antigo<br />

um carinho no momento preciso<br />

o folhear de um livro de poemas<br />

o cheiro que tinha um dia o próprio vento.<br />

Conhecimentos em arte<br />

Mario Quintana<br />

• Os estilos de arte em diferentes épocas<br />

e culturas.<br />

• As principais características de diferentes<br />

períodos da história da arte: Renascimento,<br />

Barroco, Pop Art, Romantismo,<br />

Expressionismo e Modernismo.<br />

• As “marcas” que identificam artistas e<br />

estilos de arte.<br />

• A Bauhaus e o desenho industrial.<br />

• Os movimentos artísticos transformando<br />

as linguagens da arte.


ARTiculando em sala de aula<br />

Professor(a), com base no texto lido, sugerimos<br />

algumas atividades para propor aos alunos:<br />

• Pesquisar o Barroco brasileiro e conhecer<br />

a obra de Aleijadinho.<br />

• Comparar a escultura Pietá, de Michelangelo,<br />

com um dos Profetas, de Aleijadinho,<br />

percebendo características estéticas<br />

do Renascimento e do Barroco.<br />

• Analisar A Primeira Missa no Brasil, de<br />

Victor Meirelles (1861), e compará-la às<br />

obras de Portinari (1948) e de Glauco Rodrigues<br />

(1971), percebendo o mesmo tema<br />

pintado em épocas diferentes e a contextualização<br />

social. Escolher um elemento<br />

de cada uma das obras analisadas anteriormente,<br />

disponíveis em cópias recortadas.<br />

Criar uma composição que integre os<br />

elementos, utilizando desenho, colagem e<br />

pintura com materiais diversos.<br />

• Selecionar uma imagem e descrevê-la,<br />

detalhadamente, em uma carta para<br />

um amigo pintor. As cartas serão distribuídas,<br />

aleatoriamente, para a turma,<br />

e cada aluno será o pintor, que deverá<br />

criar uma imagem, para o texto recebido,<br />

por meio de desenho e pintura.<br />

Comparar as imagens iniciais com o texto<br />

descritivo e com os trabalhos plásticos<br />

dos alunos.<br />

• Observar obras de Toulouse-Lautrec com<br />

as bailarinas do Moulin Rouge e os cartazes<br />

da Belle Époque. Em dupla, fazer<br />

um cartaz para um show, um baile ou<br />

uma festa que acontecerá no bairro.<br />

• Imaginar um produto diferente. Em grupo,<br />

criar a logomarca e a propaganda<br />

do produto para ser veiculada em revista,<br />

outdoor, rádio e televisão. Apresentar<br />

os trabalhos para a turma.<br />

• Conhecer a obra de Andy Warhol e a Pop<br />

Art. Trazer rótulos de produtos para sala<br />

de aula e fazer montagens compositivas,<br />

com repetição ou alternância dos elementos<br />

presentes nos rótulos. Poderão ser<br />

usados recursos do computador para a<br />

elaboração dos trabalhos.<br />

• Observar autorretratos pintados por Rembrandt<br />

e Van Gogh e retratos pintados<br />

por Anita Malfatti. Trabalhando em dupla,<br />

fazer o retrato do colega, e vice-versa. De<br />

posse do desenho do próprio rosto, decorar<br />

com cores e formas preferidas.<br />

• Pesquisar sobre o Modernismo no Brasil<br />

e a Semana de 22. A partir da silhueta<br />

do Abaporu, de Tarsila do Amaral, transformar<br />

a figura em outro personagem.<br />

Em um diedro feito com papel cartão,<br />

criar um cenário com pintura, desenho e<br />

colagem para receber o novo Abaporu.<br />

• Comparar as obras de Anita Malfatti e<br />

Tarsila do Amaral pintadas com o mesmo<br />

tema: As Margaridas de Mário de<br />

Andrade. Sortear um mesmo tema para<br />

duplas de alunos. Cada participante deverá<br />

criar seu próprio desenho ou sua<br />

própria pintura com base no tema sorteado.<br />

Analisar os trabalhos dos alunos.<br />

155 . Anita Malfatti.<br />

As Margaridas de Mário,<br />

1922.<br />

156 . Tarsila do Amaral.<br />

Margaridas de Mário<br />

de Andrade, 1922.<br />

• Pensar, responder e trocar experiências<br />

com o grupo: Qual seria a sua<br />

“marca registrada”? Qual música, imagem,<br />

filme que mais o marcou? Como<br />

representaria essa “marca” em linguagem<br />

plástica?<br />

Encontro marcado<br />

121


Encontro marcado<br />

122<br />

Para visitar<br />

Centro Cultural Banco do Brasil – O CCBB está instalado na antiga sede do Banco do<br />

Brasil, um prédio histórico construído em 1880, em estilo neoclássico, que abriga salas<br />

de exposições, teatros, salas de vídeo e cinema, bibliotecas e auditório. O setor<br />

educativo apoia professores com cursos, palestras e visitas guiadas para alunos.<br />

Endereço: Rua Primeiro de Março, 66, Centro.<br />

Tel.: (21) 3808-2070.<br />

Museu Nacional de Belas <strong>Arte</strong>s – Possui um grande acervo de obras de arte brasileiras<br />

do século XVII ao século XX e obras de artistas estrangeiros, entre pinturas,<br />

esculturas e desenhos.<br />

Endereço: Avenida Rio Branco, 199, Centro.<br />

Tel.: (21) 2240-0068.<br />

Mosteiro de São Bento – Fundado em 1590, o mosteiro beneditino do Rio de Janeiro<br />

é um dos principais monumentos da arte colonial do país. Possui um interior<br />

riquíssimo, nos estilos barroco e rococó.<br />

Endereço: Rua Dom Gerardo, 68, Centro.<br />

Tel.: (21) 2206-8100.<br />

Cristo Redentor – Cartão-postal carioca, com 38m de altura, possui um mirante de<br />

onde se descortina uma das mais belas vistas da cidade. Foi eleito uma das<br />

7 Novas Maravilhas do Mundo Moderno.<br />

Endereço: Rua Cosme Velho, 513, Cosme Velho.<br />

Tel.: (21) 2558-1329.<br />

Caminho Niemeyer – Conjunto arquitetônico projetado por Oscar Niemeyer que integra<br />

várias construções, entre elas a Fundação Oscar Niemeyer, o Teatro Popular, o<br />

Museu do Cinema e o MAC.<br />

Endereço: Rua Plínio Leite, s/n., Boa Viagem, Niterói.<br />

Tel.: (21) 2613-2613.


ARTE, ARTISTAS E ARTEIROS<br />

EM TODA PARTE<br />

Minhas características distintivas talvez sejam a contraditória<br />

vontade insofreável de compreender e o gosto do fazer,<br />

que me converteram em híbrido de intelectual e fazedor.<br />

Darcy Ribeiro


Quem tem arte reparte<br />

Entre o fazer e o saber<br />

Quem somos nós senão uma combina-<br />

tória de experiências, informações,<br />

de leitura, de imaginações?<br />

Cada vida é uma enciclopédia,<br />

uma biblioteca, um inventário de<br />

objetos, uma amostragem de estilos,<br />

onde tudo pode ser continuamente<br />

remexido e reordenado de todas<br />

as maneiras possíveis.<br />

italo Calvino<br />

O homem acumula experiências ao longo de<br />

sua vida, e, muitas vezes, são os objetos do<br />

cotidiano que contam essas vivências.<br />

O cesto indígena, com trançado de palha,<br />

guarda as revistas da semana; a moringa<br />

de barro do Nordeste, hoje, abriga flores no<br />

centro da mesa; a trama delicada do crochê<br />

é um tecido decorativo cobrindo o sofá; o<br />

prato de porcelana pintado, que pertenceu a<br />

um familiar, agora enfeita a parede da sala.<br />

São todos exemplos de produtos da criação<br />

artística do homem, ressignificados em<br />

nosso ambiente.<br />

Não é só a utilidade que torna os objetos<br />

artesanais tão atraentes; eles também despertam<br />

os nossos sentidos por meio de uma<br />

energia vital, pois são feitos por mãos humanas<br />

para mãos humanas. Carregam, assim,<br />

o potencial estético tanto de quem os<br />

criou quanto de quem os possui. Mantêm<br />

sua força criativa ao serem reordenados e<br />

até redirecionados em novas funções, estimulados<br />

pela imaginação do homem.<br />

157 . Vaso de barro com flores.<br />

No trabalho do artesão, há um<br />

constante movimento pendular entre<br />

utilidade e beleza. Esse intercâmbio<br />

contínuo tem um nome: prazer.<br />

As coisas são prazerosas porque<br />

são úteis e belas.<br />

octavio Paz<br />

Quem tem arte reparte<br />

125


Quem tem arte reparte<br />

126<br />

A atividade manual é muito antiga, com suas<br />

diversas técnicas de produção, que foram<br />

passadas pela tradição e pela necessidade<br />

do grupo, em diferentes culturas e épocas.<br />

Os objetos artesanais produzidos guardam<br />

características locais e podem ter função utilitária,<br />

lúdica, decorativa ou religiosa.<br />

158 . <strong>Arte</strong>sanato.<br />

É importante lembrar que o mundo foi construído<br />

integralmente de modo artesanal até<br />

a Revolução Industrial, que só aconteceu há<br />

cerca de três séculos. Os objetos manufaturados,<br />

entretanto, continuaram a ser produzidos<br />

e hoje convivem com os produtos industrializados,<br />

compondo o nosso dia a dia.<br />

Geralmente, os artesãos utilizam material disponível<br />

na comunidade, transformando com<br />

suas mãos essa matéria-prima em objeto único<br />

e original, mesmo quando ele apresenta<br />

um padrão característico de seu grupo social.<br />

Todo artista vê na matéria a ser trabalhada<br />

um grande desafio para o fazer criativo. Seu<br />

imaginário cria algo novo e inusitado com o<br />

barro, a madeira, os fios, a pedra e tudo o<br />

que estiver ao alcance.<br />

(...) o material pode ser nobre ou pobre,<br />

não importa, mas a forma, qualquer que<br />

seja, tem que se impor à nossa visão por<br />

sua expressividade. (...)<br />

Ferreira Gullar<br />

O barro e a madeira, que a natureza nos oferece,<br />

são materiais de vasta utilização pelo<br />

homem em suas manifestações artísticas<br />

através dos tempos.<br />

Um extraordinário exemplo do uso artesanal<br />

do barro é o exército de terracota (210-209<br />

a.C.) feito por artistas desconhecidos para o<br />

imperador da China, com o objetivo de acompanhá-lo<br />

em sua “vida após a morte”. Na<br />

construção desse mausoléu, mais de oito mil<br />

figuras foram enterradas em valas, ocupando<br />

uma área de 16 mil metros quadrados.<br />

159 . Guerreiros de Xian.<br />

Mausoléu do primeiro<br />

imperador da China.<br />

GUERREIROS E CAVALOS DE TERRACOTA<br />

(210-209 a.C.)<br />

Série de esculturas moldadas em tamanho natural por cerca de 700 mil trabalhadores, que representa os<br />

exércitos de Qin Shi Huang, primeiro imperador da China, e que foi enterrada com ele em seu mausoléu. Em 1974,<br />

camponeses descobriram 1.087 guerreiros e cavalos em uma fossa. Estima-se que haja outras 6.000 estátuas desse<br />

tipo. O trabalho foi listado pela Unesco em 1987 como uma das heranças culturais do mundo.


Os guerreiros foram esculpidos em tamanho<br />

natural, com seus uniformes, suas armas,<br />

seus cavalos e suas carruagens. Estão de pé,<br />

em formação de batalha, entre as muralhas<br />

de barro. Parte desse rico conjunto escultórico,<br />

descoberto em 1974, viaja em exposições<br />

itinerantes pelo mundo e impressiona os observadores<br />

com sua beleza enigmática.<br />

Obras como essa comprovam que a criação<br />

humana não tem limites e deixam nossa<br />

curiosidade sem respostas. Quantas mãos<br />

se uniram nesse trabalho? Como desenvolveram<br />

técnicas tão eficientes e sofisticadas?<br />

Como conseguiram dar expressões tão fortes<br />

às figuras feitas em barro?<br />

Do outro lado do mundo, as civilizações antigas<br />

que habitaram o continente americano<br />

deixaram também uma herança artística que<br />

inclui a arquitetura de monumentos, pinturas,<br />

esculturas e cerâmicas. Trata-se das<br />

manifestações culturais de civilizações do<br />

México, da América Central e do norte da<br />

América do Sul.<br />

Os artesãos pré-colombianos se expressaram<br />

por meio de diferentes materiais. Em barro,<br />

produziram formas de arte sofisticadas. As<br />

cerâmicas eram confeccionadas para uso diário<br />

ou cerimonial, sendo estas mais decoradas<br />

e com desenhos pintados.<br />

A confecção de objetos cerâmicos é uma linguagem<br />

visual universal, por meio da qual o<br />

homem vem, ao longo do tempo, procurando<br />

traduzir sua concepção de mundo.<br />

160 . Vaso maia<br />

decorado com<br />

quatro figuras humanas<br />

sentadas,<br />

550-850 d.C.<br />

Na busca por reunir o passado ao presente<br />

e o imaginário à realidade, o ofício de<br />

transformar o barro em objetos de arte vem<br />

sendo exercido também por muitos artistas-<br />

-artesãos brasileiros.<br />

No Vale do Jequitinhonha, estranhas e belas<br />

figuras que trazem marcas da cerâmica indígena<br />

e as inusitadas moringas antropomórficas,<br />

pintadas com arabescos e flores, são<br />

exemplos da inventividade do nosso povo.<br />

161 . Cerâmica do Vale<br />

do Jequitinhonha.<br />

162 . Ulisses. Moringa de Três<br />

Cabeças, década de 1980.<br />

ARTE PRÉ-COLOMBIANA<br />

Refere-se à produção de utensílios, relevos, pinturas, esculturas, amuletos, tecidos, templos e edifícios dos<br />

povos nativos da América espanhola antes da chegada de Cristóvão Colombo (1492). A vinda dos europeus<br />

desestabilizou e destruiu grande parte das civilizações maia (América Central), asteca (México) e inca (América<br />

do Sul). Parte de sua cultura material, porém, sobreviveu, o que permite a realização de pesquisas sobre essas<br />

culturas como um todo.<br />

MORINGA ANTROPOMÓRFICA<br />

Moringa é um vaso de barro bojudo e de gargalo estreito que serve para acondicionar água e conservá-la<br />

fresca. O prefixo grego “anthropos” significa “homem”. Moringas antropomórficas são vasos que possuem formas<br />

assemelhadas à humana ou que remetem a atributos humanos.<br />

Quem tem arte reparte<br />

127


Quem tem arte reparte<br />

128<br />

Do mesmo modo, o barro, que, nas mãos de<br />

Mestre Vitalino, se transformava em pequenos<br />

personagens que habitavam o cotidiano<br />

do artista, também ganha força expressiva<br />

nas grandes esculturas de Brennand.<br />

Vitalino Pereira dos Santos, pernambucano,<br />

viveu em Caruaru e, inicialmente, vendia suas<br />

peças nas feiras como brinquedos. Hoje, suas<br />

esculturas são reconhecidas nacionalmente<br />

pelo registro de imagens da cultura nordestina:<br />

costumes, personagens e crenças.<br />

Perpetuada no barro, a tipologia<br />

estabelecida pelo artista,<br />

fruto de suas observações<br />

atentas ao modo de vida do<br />

povo, estimulou seguidores entre<br />

familiares e membros da comunidade,<br />

que continuam desenvolvendo<br />

experiências com<br />

o mesmo material, dando continuidade<br />

à temática do mestre.<br />

163 . Mestre Vitalino. Lampião.<br />

164 . Mestre Vitalino. Retirantes, década de 1960.<br />

(...) o artista sabe imprimir com<br />

poucos detalhes, na fisionomia<br />

simples de suas figuras, sentimentos<br />

bem conhecidos do homem das pequenas<br />

cidades e povoados nordestinos.<br />

Graça Proença<br />

Também nascido em Pernambuco e contemporâneo<br />

de Vitalino, o artista Francisco<br />

Brennand utiliza o barro de forma mística e<br />

mágica, em obras de grandes dimensões,<br />

com formas criadas pelo imaginário inquieto<br />

do artista.<br />

165 . Museu e Oficina Francisco Brennand.<br />

Alguns de seus trabalhos têm a temática ligada<br />

à mitologia greco-romana, mas apresentam<br />

uma concepção moderna na simplicidade<br />

das linhas, sem excessos decorativos.<br />

MESTRE VITALINO (VITALINO PEREIRA DOS SANTOS)<br />

(Caruaru, PE, 1909-1963)<br />

Ceramista. Desde a infância, produziu bonecos de barro para vendê-los nas feiras nordestinas com os trabalhos de louça<br />

da mãe. Suas esculturas em barro abordam os temas da vida do homem sertanejo, os animais e os costumes de sua<br />

região. A obra de Vitalino e a sua influência sobre outros artistas locais fizeram com que o povoado de Alto do Moura,<br />

onde viveu, fosse reconhecido como o maior “Centro de <strong>Arte</strong> Figurativa das Américas” pela Unesco.<br />

FRANCISCO BRENNAND<br />

(Recife, 1927)<br />

Ceramista, escultor, desenhista, pintor, tapeceiro, ilustrador, gravador. Iniciou sua carreira como pintor e escultor<br />

no fim da década de 1940. Em novembro de 1971, começou a reconstruir a velha Cerâmica São João da Várzea,<br />

fundada pelo seu pai em 1917. Esse conjunto, encontrado em ruínas, deu início a um colossal projeto de esculturas<br />

cerâmicas. Hoje, abriga 2.000 peças do artista e é um importante centro de atração turística e cultural do Recife.<br />

166 . Página à direita: Escultura de Francisco Brennand (detalhe).


Quem tem arte reparte<br />

130<br />

Vitalino e Brennand, com o mesmo material,<br />

expressam o mundo com singularidades próprias.<br />

Apesar de distintas, suas obras constroem<br />

um universo cultural, relacionando-<br />

-se dialeticamente com o espaço, o tempo<br />

e o público através da experiência estética.<br />

(...) temos realmente a impressão<br />

de que o sonhador que modela<br />

segue melhor os interesses do<br />

devaneio íntimo do que o sonhador<br />

que contempla.<br />

Gaston Bachelard<br />

O trabalho de pesquisas sucessivas em torno<br />

da organicidade da argila, do barro ancestral,<br />

tornou-se um elemento marcante na obra da<br />

carioca Celeida tostes. Em 1982, ela expôs<br />

um múltiplo com dez mil ovos de barro, representando<br />

a fertilidade e dessacralizando a<br />

obra de arte como objeto único e raro.<br />

Outro trabalho inusitado de Celeida é a Aldeia<br />

Furnarius Rufus, inspirado no pássaro<br />

joão-de-barro, oleiro que constrói sua casa<br />

para procriar e, depois, abandona-a.<br />

167 . Celeida Tostes. Aldeia Furnarius Rufus, 1992.<br />

A Aldeia é composta por 50 casas, sendo cinco<br />

originais do joão-de-barro e 45 feitas com<br />

moldagens e interferências da artista. A obra<br />

refere-se tanto ao pássaro quanto a uma aldeia<br />

xavante às margens do Rio das Mortes,<br />

possibilitando o estabelecimento de conexões<br />

socioculturais, discutindo-as esteticamente.<br />

Segundo a artista, “o trabalho é um contraponto<br />

entre dois ceramistas: um com<br />

uma ‘tecnologia’ genética e outro, eu, Celeida<br />

Tostes, com uma tecnologia adquirida<br />

pelo homem”.<br />

A Aldeia Furnarius Rufus representou o Brasil,<br />

em 1984, na exposição Arquitetura da Terra,<br />

no Centro Georges Pompidou, em Paris.<br />

Certamente, a atividade de Celeida como<br />

professora, paralela à experiência de artista<br />

plástica, enriqueceu sua obra pelo exercício<br />

da observação e pelo registro das marcas<br />

individuais deixadas, por diferentes mãos,<br />

na plasticidade do barro.<br />

Celeida Tostes foi mais uma artista que dividiu<br />

sua sensibilidade e seu conhecimento,<br />

recriando a matéria do barro, da argila, da<br />

cerâmica, por partes diversificadas nos muitos<br />

lugares onde esteve.<br />

Feliz aquele que transfere o que<br />

sabe e aprende o que ensina.<br />

Cora Coralina<br />

CELEIDA TOSTES<br />

(Rio de Janeiro, 1929-1995)<br />

Escultora e professora, encontrou no barro a matéria-prima por excelência de sua arte. Explorou as características<br />

físicas e sensoriais desse material ancestral em esculturas e instalações que vão além da funcionalidade. Evidenciou o<br />

vínculo orgânico entre cerâmica, feminilidade, fertilidade, nascimento e morte, presentes em formas circulares, vênus<br />

e ovos e em seu Rito de Passagem. Sempre na busca da prática coletiva, realizou projetos em comunidades periféricas do<br />

Rio de Janeiro.


Uma verdadeira escola de artesãos formou-<br />

-se em torno da obra de Ana das Carrancas,<br />

na cidade de Petrolina, Pernambuco.<br />

Para fazer seus trabalhos de barro, essa<br />

artista inspirou-se nas figuras de madeira,<br />

multicoloridas, que vinham na proa das barcaças<br />

que aportavam às margens do Rio São<br />

Francisco. O barro utilizado era retirado do<br />

leito do rio para depois ser amassado, modelado<br />

e então cozido.<br />

168 . Ana das Carrancas no trabalho.<br />

As peças de Ana, em um estilo próprio, com<br />

formas simples e primitivas, são conhecidas<br />

mundialmente.<br />

As carrancas, que antes eram esculpidas pelos<br />

artesãos para afastar os perigos existentes<br />

nas águas, perderam sua função original<br />

e, hoje, confeccionadas em barro ou madeira,<br />

continuam a ser produzidas e são utilizadas<br />

como objetos de decoração.<br />

169 . Carranca tradicional de madeira na proa de um barco.<br />

Se, ao trabalhar com o barro, o escultor pode<br />

modelar diretamente, a madeira pede ferramentas<br />

que, funcionando como extensões da<br />

mão, possibilitam que a habilidade do artista<br />

dê forma ao rígido material.<br />

O trabalho de entalhes na madeira, herança<br />

da colonização portuguesa, foi difundido de<br />

Norte a Sul do país, adquirindo feições e funções<br />

locais. No Nordeste, a arte da xilogravura<br />

é utilizada na impressão dos folhetos da<br />

literatura de cordel, transformando em imagens<br />

aspectos da temática do poema popular.<br />

170 . Folhetos de cordel.<br />

XILOGRAVURA<br />

Técnica de gravura que consiste no entalhe de imagem feito com instrumento cortante em bloco de madeira<br />

(matriz), imagem que depois é impressa sobre papel ou tecido especial. As partes não impressas são removidas, e<br />

aquelas a serem impressas permanecem na superfície do bloco. Um rolo embebido em tinta cobre essa superfície,<br />

que, depois de pressionada sobre o papel, revela a imagem. De provável origem chinesa, no Ocidente, a técnica se<br />

afirmou durante a Idade Média. Chegou ao Brasil com os portugueses e é muito usada com a literatura de cordel<br />

do Nordeste brasileiro.<br />

Quem tem arte reparte<br />

131


Quem tem arte reparte<br />

132<br />

Era bonito nas feiras se ver os grandes<br />

rodados de matutos para ouvirem os<br />

folhetinhos cantados por poetas, ao ar<br />

livre, com gestos bem-humorados.<br />

J. Borges<br />

O famoso cordelista e gravador de folhetos<br />

José Francisco Borges, que nasceu em Bezerros,<br />

Pernambuco, em 1935, conjuga a xilogravura<br />

e a literatura de cordel, descrevendo<br />

a vida das pessoas, sua fé, suas esperanças.<br />

O artista, conhecido como J. Borges, na década<br />

de 1960, teve seu trabalho reconhecido nacionalmente.<br />

Publicou álbuns com um vasto repertório<br />

do universo cultural nordestino, exibindo<br />

figuras exóticas, histórias e lendas populares.<br />

Sua obra tem muitos<br />

seguidores,<br />

principalmente familiares<br />

que aprenderam<br />

com ele a<br />

arte da xilogravura.<br />

171 . J. Borges. Briga da<br />

Onça com a Serpente.<br />

A mão feliz do trabalho renasce em nós<br />

no ofício do gravador.<br />

O trabalho da goiva testemunha a força<br />

desenhante que reanima a madeira morta.<br />

Cavando, riscando, sulcos vão criando<br />

vazios e cheios, comandados por uma<br />

caligrafia geométrica.<br />

Da madeira à impressão no papel<br />

branco, nada é esquecido pela mão-<br />

-compasso do artista.<br />

Mirian Celeste Martins e Gisa Picosque<br />

172 . Gilvan Samico.<br />

Comedor de Folhas, 1962.<br />

Transcendendo as fronteiras do cordel, o artista<br />

Gilvan Samico reelabora o romanceiro<br />

popular, recriando em seus trabalhos lendas<br />

sertanejas, reinos imaginários e mitos de<br />

suas raízes culturais.<br />

JOSÉ FRANCISCO BORGES<br />

(Bezerros, PE, 1935)<br />

Conhecido como J. Borges, é cordelista e xilogravurista. Entre os temas da cultura nordestina presentes em seu<br />

repertório, estão: o cotidiano do pobre, o cangaço, o amor, os crimes, a corrupção, os folguedos populares, a<br />

religiosidade. Premiado no Brasil e no exterior, foi condecorado com a Ordem do Mérito Cultural (Ministério da Cultura,<br />

1999), recebeu o prêmio da Unesco Ação Educativa/Cultural. Sua xilogravura A Vida na Floresta foi escolhida para abrir<br />

o calendário das Nações Unidas de 2002.<br />

GILVAN SAMICO<br />

(Recife, 1928)<br />

Gravador, pintor, desenhista, professor universitário. Sua obra é inspirada pelo Nordeste, por meio das gravuras que<br />

ilustram os cancioneiros populares, mesclando elementos simbólicos e religiosos – caboclos, santos, monstros, diabos e<br />

estranhas aves de rapina. Suas gravuras expressam uma dicotomia, o claro e o escuro, o dia e a noite, o bem e o<br />

mal. Em 1971, foi convidado por Ariano Suassuna a integrar o Movimento Armorial, voltado à cultura nordestina e à<br />

literatura de cordel. Tem obras em importantes museus do Brasil e do exterior e já foi premiado na Bienal de Veneza.<br />

173 . Página à direita: J. Borges. São Francisco.


Impulsionado pelo poeta Ariano Suassuna,<br />

Samico encontrou, no universo popular, uma<br />

linguagem própria.<br />

Nos anos 1950, em contato com oswaldo<br />

Goeldi, Samico enriqueceu ainda mais a sua<br />

técnica de gravura, conduzindo a carga expressiva<br />

do seu trabalho de modo cada vez<br />

mais elaborado.<br />

Goeldi grava a linha branca.<br />

A maioria dos gravadores de cordel<br />

grava a linha preta.<br />

A partir de certo momento, começa<br />

a se evidenciar a linha preta em<br />

minhas gravuras. (...)<br />

Tem crítico que diz que a matriz<br />

de minha obra é muito mais antiga<br />

que o cordel. (...)<br />

É como se fossem histórias<br />

antigas se repetindo nos genes<br />

até chegar a mim.<br />

Gilvan Samico<br />

A gravura brasileira encontra forte expressão<br />

na obra de Oswaldo Goeldi, que, com<br />

apuro técnico ímpar, deixa transparecer,<br />

em uma atmosfera de lirismo, a solidão<br />

humana, o abandono e o desamparo, elementos<br />

que caracterizam a construção de<br />

seu repertório temático.<br />

Em suas gravuras, predomina o preto das<br />

formas, contrastando com os poucos traços<br />

brancos do papel, que deixam a luz passar<br />

sobre as superfícies negras. As cores surgem<br />

posteriormente, destacando detalhes da obra.<br />

174 . Oswaldo Goeldi. Chuva, c. 1957.<br />

175 . Oswaldo Goeldi. Xilogravura para o livro<br />

Cobra Norato, de Raul Bopp, 1937.<br />

ARIANO VILAR SUASSUNA<br />

(João Pessoa, 1927)<br />

Dramaturgo, poeta, romancista, professor universitário. Membro da Academia Brasileira de Letras desde 1989. Foi<br />

Secretário de Cultura de Pernambuco. Fundou em 1970 o Movimento Armorial com o objetivo de valorizar a cultura<br />

do Nordeste, realizando uma arte brasileira erudita com base nas raízes populares. Suas obras mais conhecidas são<br />

Auto da Compadecida e Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta.<br />

OSWALDO GOELDI<br />

(Rio de Janeiro, 1895-1961)<br />

Gravador, ilustrador e desenhista, encontrou na xilogravura o meio preferencial para expressar sua angústia. Retratou<br />

pescadores, indivíduos solitários, casas, ruas, latas, urubus, cães vadios – objetos comuns, e abandonados, de um Rio<br />

de Janeiro cuja urbanização produziu indivíduos à margem da sociedade. Em cenas escuras, feitas da superfície negra da<br />

tinta pontuada por “traços de luz” (branco do papel) das incisões feitas na madeira, figuras se misturam ao fundo, formas<br />

se parecem umas com as outras, revelando uma atmosfera misteriosa – o assombro que faz parte de nosso cotidiano.<br />

176 . Página à esquerda: Oswaldo Goeldi. Sem título, 1950 (detalhe).<br />

Quem tem arte reparte<br />

135


Quem tem arte reparte<br />

136<br />

Que estranho homem será esse que<br />

resolve as nossas emoções mais subter-<br />

râneas com figuras de pavor, de solidão<br />

e tristeza. Que sortilégio especial<br />

emana daqueles quadrados escuros<br />

saídos da madeira e que nos gritam<br />

um apelo tão profundo e dramático,<br />

despertando inesperadas ressonâncias?<br />

Rachel de Queiroz<br />

A xilogravura é uma técnica que serve a diferentes<br />

propósitos criativos dos artistas. Sua<br />

vitalidade, vinda das marcas gravadas na madeira<br />

e impressas no papel, atende ao relato<br />

de aspectos da vida cotidiana feito na literatura<br />

de cordel de J. Borges, à apresentação do<br />

mundo místico de Gilvan Samico e também à<br />

representação da dramaticidade da vida urbana<br />

retratada pelo carioca Oswaldo Goeldi.<br />

Perceber os signos e a poética desses artistas<br />

conduz um olhar diferente sobre a arte,<br />

de modo a compreender, ressignificar e contextualizar<br />

a expressividade imaginativa do<br />

povo brasileiro.<br />

A capacidade inventiva do ser humano<br />

é evidenciada, por toda parte, por meio<br />

de expressões diversificadas, influenciadas<br />

pelo meio social e carregadas de<br />

bagagens individuais.<br />

Há os artistas que repartem seus conhecimentos<br />

em torno de seu trabalho, formando<br />

seguidores prontos para trilhar seus próprios<br />

caminhos expressivos. Há os artistas que,<br />

solitariamente, seguem seu percurso criativo,<br />

mas tornam-se referência por terem uma<br />

obra marcante e inovadora.<br />

Considerando que a imaginação humana não<br />

tem limites, é o talento do artista que o leva<br />

a observar e captar sensações, formas, atitudes,<br />

gestos, transportando-os para o barro,<br />

a madeira e qualquer outro material. Por<br />

isso, são tênues as fronteiras que separam a<br />

criação popular da criação erudita.<br />

As produções artísticas, renovadas e marcadas<br />

pela atualidade, tornam-se signos de seu tempo.<br />

Existe, então, diferença entre arte e artesanato?<br />

A partir do século XX, com a quebra de preconceitos<br />

anunciada pela Semana de <strong>Arte</strong><br />

Moderna de 1922, pelo movimento regionalista<br />

pernambucano, liderado por Gilberto<br />

Freyre, pelas Bienais de São Paulo e por<br />

grandes exposições nacionais, a arte popular<br />

passou a ser valorizada e sua estética<br />

contribuiu para aproximá-la da arte erudita.<br />

As discussões entre o fazer popular e a criação<br />

erudita são complexas, envolvendo valores<br />

e concepções que foram implementados<br />

177 . Prédio da Bienal de São Paulo, projetado por Oscar Niemeyer.<br />

BIENAL INTERNACIONAL DE SÃO PAULO<br />

Mostra internacional de arte realizada de dois em dois anos, criada pelo empresário Ciccillo Matarazzo em 1951.<br />

Primeira exposição de arte moderna de grande porte realizada fora dos centros culturais europeus e norte-americanos,<br />

permitiu o confronto entre a arte realizada entre nós e a produção moderna internacional, integrando o sistema<br />

de arte local ao circuito mundial. É realizada em prédio do Parque Ibirapuera com projeto de Oscar Niemeyer e<br />

Burle Marx.


socialmente, ocasionando, frequentemente,<br />

um desnível de prestígio e de poder entre<br />

o trabalho manual e o trabalho intelectual.<br />

É importante lembrar que as produções artísticas<br />

artesanais mostram a sabedoria popular<br />

em vários campos do conhecimento.<br />

O conhecimento das numerosas matérias-<br />

-primas utilizadas: barro, madeira, palmeiras,<br />

cipós, fibras e outras. O conhecimento<br />

do local onde essas matérias podem ser<br />

encontradas, da forma correta de coletá-las<br />

e prepará-las para serem trabalhadas. O conhecimento<br />

sobre tinturas, vernizes e colas<br />

para dar terminalidade ao trabalho. O conhecimento<br />

sobre os elementos decorativos,<br />

sua adequação e organização espacial.<br />

A soma desses e tantos outros conhecimentos<br />

presentes no artesanato evidenciam<br />

que ação e pensamento seguem juntos no<br />

caminho da criação, valorizando a obra e o<br />

artista popular.<br />

Caminhamos para um redirecionamento no<br />

uso dessas categorias, pois, na verdade, o<br />

fazer e o saber não são realidades distantes<br />

e distintas entre si nem devem ser transformados<br />

em instrumento de discriminação,<br />

criando hierarquização entre objetos e pessoas.<br />

Eles se complementam na construção<br />

artística e em seus conteúdos simbólicos,<br />

não produzindo arte popular nem arte erudita,<br />

mas, simplesmente, arte.<br />

Afirmemos, sem discutir por enquanto,<br />

que todo artista tem de ser ao mesmo<br />

tempo artesão. Isso parece incontestável<br />

e, na realidade, se perscrutamos a<br />

existência de qualquer grande pintor,<br />

escultor, desenhista ou músico, encontramos,<br />

por detrás do artista, o artesão.<br />

Mário de Andrade<br />

A parte de cada um<br />

Não é possível o desenvolvimento de<br />

uma cultura sem o desenvolvimento<br />

de suas formas artísticas.<br />

Ana Mae Barbosa<br />

Através dos tempos, muitos músicos, cantores,<br />

bailarinos, poetas, escritores, pintores,<br />

atores e escultores desenvolvem seus talentos<br />

apenas por amor e paixão, de modo informal.<br />

Já se identificaram com alguma linguagem<br />

da arte, percebendo seu próprio potencial<br />

criativo, mas, por algum motivo, não se inseriram<br />

profissionalmente no meio artístico.<br />

Na verdade, todos nós fazemos arte ou nos<br />

relacionamos com os outros através dela. Temos<br />

a capacidade inata para apreciar o sentido<br />

estético e a poética da vida, mas precisamos<br />

vivenciar a experiência da criação.<br />

Como nos tornamos artistas?<br />

Ao direcionarmos nossa capacidade criativa<br />

para o campo das linguagens da arte, assumimos<br />

também as responsabilidades que<br />

a profissionalização em qualquer área exige.<br />

Além de respeito às regras, ao estudo e ao<br />

trabalho, o comprometimento com essa atividade<br />

requer dedicação, e não só prazer.<br />

Desse modo, podemos até nos considerar<br />

artistas, mas o reconhecimento público envolve<br />

muitos outros fatores.<br />

Convém lembrar que, em muitas civilizações,<br />

a arte foi construída por artistas anônimos.<br />

E, muitas vezes, eles não eram aceitos na<br />

sociedade intelectual, porque trabalhavam<br />

com as próprias mãos para viver, sendo por<br />

Quem tem arte reparte<br />

137


Quem tem arte reparte<br />

138<br />

isso considerados pessoas inferiores. Esse é<br />

o caso de alguns autores das maravilhosas<br />

esculturas gregas, tão valorizadas pela sua<br />

beleza clássica.<br />

Mais importante do que se tornar um artista<br />

famoso é a possibilidade de dar voz à força<br />

latente da criação que o ser humano possui,<br />

canalizando seu potencial criador, qualquer<br />

que seja o campo profissional de atuação.<br />

A predisposição em procurar na arte uma forma<br />

de justificar a própria existência conduz<br />

algumas pessoas a se inserir no campo artístico<br />

como autodidatas. Muitos se descobrem<br />

artistas na própria atividade que exercem.<br />

É o caso de Antônio Batista da Silva, que,<br />

de simples oleiro “fazedor de potes”, se tornou<br />

um dos mais conceituados ceramistas<br />

do país. Conhecido como Antônio Poteiro,<br />

esse português natural do Minho e residente<br />

em Goiânia manuseava o barro de forma<br />

simples e poética, levando em conta o imaginário<br />

popular. Criou narrativas circulares,<br />

reescrevendo no barro histórias que recolhia<br />

da vida e dos sonhos.<br />

178 . Antônio Poteiro. 179 . Antônio Poteiro. Cristo Carregando<br />

a Cruz, década de 1960.<br />

Sua obra revela, de formas diferentes, vivências<br />

pessoais em que se misturam o plástico<br />

e o narrativo, a ingenuidade e a irreverência.<br />

Poteiro também se expressa pela pintura e<br />

transporta para seus quadros histórias do<br />

povo. Sonha suas telas, e, no espaço colorido,<br />

rodam cirandas, cavalhadas, festas, futebol,<br />

em um mundo que não para de girar<br />

na arte e na vida.<br />

180 . Antônio Poteiro. Cavalhadas, 2008.<br />

O ceramista e o pintor revelam de forma<br />

singular a originalidade da criação de<br />

Antônio Poteiro.<br />

Os potes são compulsivos, formam<br />

histórias incríveis, escritas e inscritas<br />

em suas superfícies em relevo tátil e<br />

sensual. Sua pintura é hoje a melhor<br />

do país entre os naïfs.<br />

Alberto Beuttenmüller<br />

ANTÔNIO POTEIRO<br />

(Minho, 1925 – Goiânia, 2010)<br />

Escultor, pintor e ceramista. Filho de ceramista português, chegou ao Brasil ainda criança. Morou em São Paulo e em<br />

Minas Gerais, radicou-se em Goiânia. Começou a trabalhar cedo com cerâmica e escultura. Ganhou a vida com a fabricação<br />

de cerâmica utilitária (daí o sobrenome “artístico” Poteiro). Incentivado por artistas, começou a pintar e transportou os<br />

temas religiosos e regionais das peças de cerâmica para a tela. Participou de exposições no Brasil e no exterior.<br />

181 . Página à direita: Adailton. Folia de Reis, década de 1980 (detalhe).


A necessidade de se expressar por meio de<br />

uma das linguagens da arte pode ser tão forte<br />

que procura caminhos para se concretizar,<br />

em qualquer época da vida.<br />

Ousar sem constrangimentos, desenvolver<br />

um trabalho sem regras definidas foi o caminho<br />

encontrado por alguns artistas autodidatas<br />

que fizeram uma pintura conhecida,<br />

no Brasil, como <strong>Arte</strong> Naïf.<br />

São os poetas anarquistas do pincel.<br />

lucien Finkelstein<br />

Podemos encontrar pintores naïfs entre donas<br />

de casa, comerciantes, professores, jornalistas,<br />

médicos, advogados. São pessoas<br />

que pintam com a alma, de modo espontâneo,<br />

retratando a vida com liberdade estética<br />

e livres de convenções.<br />

O termo <strong>Arte</strong> Naïf foi utilizado, pela primeira<br />

vez, no início do século XX para identificar<br />

as pinturas do francês Henri Rousseau, um<br />

autodidata admirado pela vanguarda artística<br />

de sua época. Sua obra abriu caminhos para<br />

outros pintores, conquistando a crítica, ganhando<br />

espaço em museus e marcando lugar<br />

na história da arte.<br />

182 . Henri Rousseau. Uma Noite de Carnaval, 1886.<br />

Rousseau deixou a natureza entrar nas telas de<br />

um modo todo próprio. Plantas exóticas, animais<br />

estranhos, lugares inusitados dão caráter<br />

ingênuo e fantasioso ao seu trabalho. O uso<br />

ritmado dos elementos e a palheta de cores vivas<br />

também caracterizam a pintura do artista.<br />

Admirador de Rousseau, o pintor francês<br />

Paul Gauguin busca no ambiente da natureza<br />

e na cultura popular elementos para criar<br />

com autenticidade e espontaneidade.<br />

Em determinado momento de sua carreira,<br />

opondo-se à sociedade industrial, porque nela<br />

não encontra condições para revigorar seu trabalho,<br />

ele inverte a rota, viajando para o Taiti.<br />

ARTE NAÏF<br />

O termo naïf significa “ingênuo” em francês. <strong>Arte</strong> Naïf é a arte produzida por autodidatas, que não têm formação<br />

artística erudita. Caracteriza-se por ausência de técnicas tradicionais de representação, pelo uso de cores brilhantes<br />

e pela descrição minuciosa de elementos. No final do século XIX, o francês Henri Rousseau foi reconhecido como<br />

um pintor naïf. No século XX, a <strong>Arte</strong> Naïf foi considerada uma modalidade específica e desenvolveu-se sobretudo<br />

na França, na Itália, na Iugoslávia, no Haiti e no Brasil.<br />

PAUL GAUGUIN<br />

(Paris, 1848 – Atuona, 1903)<br />

Pintor, escultor e gravador, foi um dos maiores renovadores da arte europeia do final do século XIX. Juntamente<br />

com Van Gogh e Cézanne, explorou possibilidades do Impressionismo, abrindo caminho para vanguardas artísticas.<br />

Desencantado com a civilização ocidental, seguiu para o Taiti em busca de autenticidade em uma cultura ainda não<br />

corrompida pelo progresso. Simplificou contornos das formas e empregou extensos planos de cor não naturalista para<br />

fins simbólicos e expressivos.<br />

183 . Página à esquerda: Henri Rousseau. O Monumento a Chopin nos Jardins de Luxemburgo, 1909 (detalhe).<br />

Quem tem arte reparte<br />

141


Quem tem arte reparte<br />

142<br />

184 . Paul Gauguin. Arearea, 1892.<br />

Lá, Gauguin se interessa pela arte folclórica<br />

e estuda as técnicas dos artesãos locais,<br />

construindo uma obra mais instintiva, colorida<br />

e sensual.<br />

Gauguin, no Taiti, via os mitos<br />

“bárbaros” com os olhos do parisiense<br />

em férias; Rousseau, em Paris, vê o<br />

mito da civilização moderna com os<br />

olhos do primitivo deslocado em uma<br />

sociedade evoluída.<br />

Argan<br />

No Brasil, o movimento modernista, com sua<br />

valorização das raízes nacionais, prestigiou o<br />

trabalho de artistas que, sem formação acadêmica<br />

em arte, usavam elementos da tradição<br />

popular como temática, combinando-os<br />

plasticamente com uma intenção poética.<br />

...não se ignora o papel que a arte<br />

primitiva, o folclore, a etnografia<br />

tiveram na definição das estéticas<br />

modernas, muito atentas aos elementos<br />

arcaicos e populares comprimidos<br />

pelo academicismo. No Brasil, as<br />

culturas primitivas se misturam à vida<br />

cotidiana ou às reminiscências ainda<br />

vivas de um passado recente.<br />

Antonio Candido<br />

A <strong>Arte</strong> Naïf brasileira reflete uma realidade<br />

extremamente rica, variada, autêntica e,<br />

muitas vezes, otimista e alegre.<br />

Entre os naïfs brasileiros, destaca-se Heitor<br />

dos Prazeres, que foi premiado na I Bienal<br />

de São Paulo, em 1951. Seus trabalhos são<br />

cheios de detalhes e muito coloridos, com<br />

enfoque na figura humana, que, em frequente<br />

movimento, parece andar ou dançar.<br />

185 . Heitor dos Prazeres. Frevo, sem data.<br />

HEITOR DOS PRAZERES<br />

(Rio de Janeiro, 1898-1966)<br />

Compositor, instrumentista e pintor. Notabilizou-se como compositor de música popular. Foi parceiro de Noel Rosa<br />

e um dos fundadores da Mangueira e da atual Portela. Iniciou-se na pintura na década de 1930, como autodidata.<br />

Seus quadros representam cenas do próprio cotidiano: a música, os bairros boêmios cariocas, as mulatas e os<br />

malandros. Premiado na I Bienal Internacional de São Paulo, em 1951. Em comemoração ao centenário de seu<br />

nascimento, foi realizada, em 1999, uma mostra retrospectiva no Espaço BNDES e no Museu Nacional de Belas <strong>Arte</strong>s.<br />

186 . Página à direita: Paul Gauguin. O Espírito dos Mortos à Espreita, 1892 (detalhe).


Antes de dedicar-se à pintura, Heitor dos<br />

Prazeres foi músico e compositor, parceiro<br />

de Noel Rosa na célebre marchinha<br />

Pierrô Apaixonado.<br />

Outros artistas do meio musical encontraram<br />

caminhos de expressão na pintura naïf. É o<br />

caso de Manezinho Araújo e Gilvan Chaves.<br />

O primeiro pintor naïf brasileiro a ter o trabalho<br />

reconhecido por seu valor estético foi<br />

José Bernardo Cardoso Jr., o Cardosinho.<br />

187 . Cardosinho. Paisagem, 1947.<br />

Depois de aposentar-se como professor, aos<br />

70 anos, produziu uma obra significativa, com<br />

cerca de 600 telas. Foi muito admirado por<br />

Portinari. Seu trabalho faz parte do acervo do<br />

Museu de <strong>Arte</strong> Moderna de Nova York (Moma).<br />

O Brasil, a França, o Haiti, a Itália e a região<br />

da antiga Iugoslávia são considerados os<br />

“cinco grandes” da <strong>Arte</strong> Naïf no mundo, sendo<br />

que os pintores brasileiros ocupam lugar<br />

de destaque nos principais museus.<br />

Na cidade do Rio de Janeiro, o colecionador Lucien<br />

Finkelstein fundou o Museu de <strong>Arte</strong> Naïf<br />

do Brasil, em 1995, que reúne cerca de oito<br />

mil obras de 130 países. Nesse museu, encontramos<br />

as duas maiores telas do gênero, pintadas<br />

por Lia Mittarakis e Aparecida Azevedo.<br />

Nessas pinturas, observamos que o espaço e<br />

o tempo estão conjugados em perfeita harmonia,<br />

em um mesmo plano, transparecendo a<br />

profusão de ideias, elementos e cores que as<br />

artistas expressam com singular beleza.<br />

188 . Lia Mittarakis. Ilha de Paquetá, 1973.<br />

A pureza com que pintam mostra que<br />

eles não estão querendo provar nada,<br />

apenas exprimir o sentimento através<br />

do pincel. Essa é a força da arte deles.<br />

lucien Finkelstein<br />

A pureza da <strong>Arte</strong> Naïf também aparece na<br />

obra da pintora Djanira, que resume seu universo<br />

pictórico articulando elementos fundamentais,<br />

conseguindo a forma harmoniosa<br />

buscada pelo Modernismo.<br />

CARDOSINHO (JOSÉ BERNARDO CARDOSO JÚNIOR)<br />

(Coimbra, 1861 – Rio de Janeiro, 1947)<br />

Conhecido por Cardosinho, iniciou suas atividades em pintura aos 70 anos de maneira autodidata, sendo incentivado<br />

por Candido Portinari. Identificado como precursor da pintura naïf no Brasil. Sua pintura usou de cores puras e<br />

possui marcas de espontaneidade que resultaram em obras que aparentam uma desenvoltura natural.<br />

DJANIRA (DJANIRA DA MOTTA E SILVA)<br />

(Avaré, SP, 1914 – Rio de Janeiro, 1979)<br />

Pintora, desenhista, ilustradora, cartazista, cenógrafa e gravadora. Neta de imigrantes austríacos e de indígenas. A<br />

partir da década de 1940, expôs seus trabalhos em salões nacionais e internacionais. Uma das mais importantes<br />

artistas do século XX no Brasil, é conhecida pela representação, em linguagem simples, de cenas e costumes brasileiros.<br />

189 . Página à esquerda: Heitor dos Prazeres. Dança, 1965 (detalhe).<br />

Quem tem arte reparte<br />

145


Quem tem arte reparte<br />

146<br />

A artista autodidata afirmava: “Eu é que sou<br />

ingênua, não a minha pintura”. A arte intuitiva<br />

da paulista Djanira é uma crônica da vida<br />

brasileira na qual cenas simples revelam aspectos<br />

comuns do trabalho e da vida diária<br />

do povo.<br />

As emoções têm história. Há uma<br />

sociologia das emoções. Há qualquer<br />

coisa nos quadros de Djanira que<br />

ensina ao sociólogo brasileiro.<br />

Guerreiro Ramos<br />

Mantendo vínculos com o passado, no interior<br />

de São Paulo, a artista pintou o país de<br />

Norte a Sul, sua gente, seus costumes, sua<br />

terra, sua luz.<br />

190 . Djanira. Costureira, 1951.<br />

A pintura era para Djanira um modo natural de<br />

se relacionar com a vida. Sua obra reflete essa<br />

espontaneidade em vários aspectos: na procura<br />

da pureza das cores e na relação entre elas,<br />

na ousadia das combinações vibrantes, nos ritmos<br />

que as linhas construíam com a cor, criando<br />

formas simplificadas nas superfícies planas.<br />

Djanira não mantinha com a<br />

linguagem da pintura uma relação<br />

questionadora e crítica. (...) A sua<br />

história é outra, o seu mundo<br />

cultural é outro: a relação com<br />

o mundo é simples, ingênua.<br />

É nessa simplicidade e nessa<br />

ingenuidade que está a sua força,<br />

porque é a expressão natural<br />

de sua personalidade.<br />

Ferreira Gullar<br />

Os artistas autodidatas reinventaram a memória<br />

iconográfica brasileira esquecida nas periferias<br />

das cidades e nos interiores do país.<br />

É também evidente a incorporação desses<br />

elementos culturais na obra de artistas dos<br />

grandes centros urbanos, tais como Glauco<br />

Rodrigues, Aldemir Martins, Rubem Valentim.<br />

191 . Aldemir Martins. Bumba Meu Boi, 1992.<br />

192 . Glauco Rodrigues. O Estado da Guanabara, 1960-1970.


193 . Rubem Valentim. Série Emblemas, 1989.<br />

<strong>Artistas</strong> e arteiros, em suas multiplicidades<br />

culturais, vivenciam experiências particulares<br />

que exigem sensibilidade e entendimento,<br />

tanto nos espaços consagrados da arte como<br />

nos ambientes da vida cotidiana.<br />

É preciso que o nosso olhar vá além do objeto<br />

artístico, descobrindo o verdadeiro significado<br />

da arte. Ela é o encontro que esse<br />

objeto promove entre o artista e o espectador,<br />

dois sujeitos compartilhando a emoção<br />

poética, que só é possível através das culturas<br />

em que ambos se inserem e constroem<br />

sua sensibilidade.<br />

(...) o “outro” está frequentemente<br />

em nós mesmos. Somos o “eu” e<br />

o “outro” simultaneamente e no<br />

mínimo o confronto com o “outro”<br />

nos autodefine.<br />

Ana Mae Barbosa<br />

Conhecimentos em arte<br />

• A valorização das produções estéticas<br />

de diferentes culturas.<br />

• A diversidade das manifestações artísticas<br />

populares.<br />

• As técnicas, os estilos e as temáticas<br />

utilizados na arte popular.<br />

• As principais características da <strong>Arte</strong> Naïf.<br />

• A produção artística artesanal brasileira.<br />

• Os aspectos simbólicos, expressivos e<br />

comunicativos das formas visuais que<br />

caracterizam a arte popular nas diferentes<br />

regiões brasileiras.<br />

ARTiculando em sala de aula<br />

Professor(a), com base no texto lido, sugerimos<br />

algumas atividades para propor<br />

aos alunos:<br />

• Transformar peças de sucata de material<br />

plástico (pratos, garrafas, potes diversos)<br />

em outros objetos, utilizando a técnica<br />

de “papietagem”. Cobrir toda a superfície<br />

do objeto com tiras de papel coladas. Esperar<br />

secar e dar uma base com guache<br />

branco. Observar e redefinir a forma conseguida,<br />

decorando o novo objeto com<br />

guache ou tinta plástica colorida.<br />

• Observar reproduções de obras feitas em<br />

argila pela artista contemporânea Celeida<br />

Tostes e pelos artistas populares Mestre<br />

Vitalino, Antônio Poteiro e Ana das Carrancas.<br />

Analisar os estilos, os temas e<br />

as técnicas utilizados. Criar objetos, com<br />

temáticas e estilos próprios, utilizando<br />

a técnica de modelagem em argila, ou<br />

massa plástica, ou papel machê.<br />

Quem tem arte reparte<br />

147


Quem tem arte reparte<br />

148<br />

• Pesquisar artistas que trabalham com<br />

xilogravura e o uso dessa técnica na<br />

literatura de cordel. Em grupo, criar<br />

uma história e confeccionar um livreto<br />

no estilo da literatura de cordel. Criar a<br />

capa para o livreto com uma técnica de<br />

impressão que utiliza, como base, pratinhos<br />

descartáveis de isopor. Desenhar<br />

com caneta esferográfica, fazendo sulcos<br />

na superfície do isopor. Passar tinta<br />

guache preta, com um rolinho de espuma,<br />

esticando bem e sem deixar a tinta<br />

penetrar nos sulcos. Colocar uma folha<br />

de papel sobre essa matriz, fazendo<br />

pressão com as mãos, e retirar cuidadosamente<br />

a “isoporgravura”. Expor os<br />

livretos confeccionados pelos grupos,<br />

avaliando os diferentes resultados.<br />

• Analisar uma reprodução da obra Mulher<br />

Olhando na Janela, da pintora<br />

Djanira, quanto ao uso das cores, das<br />

formas e dos elementos compositivos<br />

distribuídos no espaço. Criar um desenho<br />

com o título O que vejo da minha<br />

janela, colocando tudo o que estiver<br />

imaginando sobre o tema proposto. Colorir<br />

o trabalho com lápis aquarela.<br />

194 . Djanira. Mulher Olhando na Janela, 1950<br />

Para visitar<br />

Museu Casa do Pontal – Possui uma das<br />

mais bonitas e abrangentes coleções<br />

de arte popular brasileira, com cerca de<br />

oito mil obras de mais de 200 artistas<br />

de todo o país.<br />

Endereço: Estrada do Pontal, 3.295,<br />

Recreio dos Bandeirantes.<br />

Tel.: (21) 2490-3278.<br />

Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular<br />

– O museu, instalado em dois casarões<br />

do século XIX, abriga um acervo<br />

significativo da cultura popular brasileira.<br />

Endereço: Rua do Catete, 179.<br />

Tel.: (21) 2285-0441.<br />

Centro de <strong>Arte</strong>s Calouste Gulbenkian –<br />

Local de cursos nas diversas linguagens<br />

da arte. Possui um acervo com documentos<br />

e obras doados por artistas e pessoas<br />

que fazem parte da história da instituição.<br />

Endereço: Rua Benedito Hipólito, 125,<br />

Praça Onze.<br />

Tel.: (21) 2221-6313.<br />

Centro luiz Gonzaga de tradições<br />

Nordestinas – Conhecido como Feira de<br />

São Cristóvão, o espaço de 34m 2 tem<br />

700 barracas padronizadas com artesanato<br />

e comidas típicas, além dos dois<br />

palcos para a apresentação de shows e<br />

músicas da cultura do Nordeste.<br />

Endereço: Campo de São Cristóvão, s/n.<br />

Tel.: (21) 3860-2929.


Tecendo e participando<br />

da festa<br />

Ponto de partida<br />

Cada um lê com os olhos que tem.<br />

E interpreta a partir de onde os pés<br />

pisam. Todo ponto de vista é a vista<br />

de um ponto.<br />

leonardo Boff<br />

Para tecer ideias, precisamos organizar o<br />

emaranhado de fios que nos envolvem: o fio<br />

da memória, o fio da natureza, o fio cultural<br />

e outros tantos fios que, nas mãos humanas,<br />

se entrelaçam criando formas.<br />

195 . Teia de aranha.<br />

Puxando pelo fio da memória, é na natureza<br />

que encontramos o sofisticado trabalho<br />

produzido pela aranha que constrói, com habilidade<br />

e precisão, a teia perfeita em sua<br />

beleza e com a funcionalidade necessária à<br />

vida de sua artesã.<br />

A artista francesa louise Bourgeois considerava<br />

a aranha um símbolo de proteção,<br />

carinho e zelo. Para ela, esse animal representava<br />

a infinitude da vida, que é tecida<br />

constantemente, pouco a pouco, como uma<br />

fascinante teia.<br />

A artista associa seu próprio trabalho<br />

com uma teia de emoções e memórias<br />

que ela fia e desfia novamente,<br />

como Penélope, ao longo da vida.<br />

texto da exposição do<br />

Centro Georges Pompidou (2008)<br />

LOUISE BOURGEOIS<br />

(Paris, 1911 – Nova York, 2010)<br />

Escultora, pintora e desenhista francesa naturalizada americana, produziu desenhos, textos e objetos em madeira,<br />

bronze e mármore, látex, gesso e tecido que tratam de memória, inconsciente, solidão e vulnerabilidade. Atravessando<br />

Surrealismo, Expressionismo Abstrato e Minimalismo, seu trabalho escapa a tentativas de classificação artística; entre<br />

o geométrico e o orgânico, pode ser associado a uma rede de emoções e memórias que ela tece e desembaraça, de<br />

modo ininterrupto.<br />

Tecendo e participando da festa<br />

149


Tecendo e participando da festa<br />

150<br />

O repertório de lembranças de infância de<br />

Louise constituiu a própria matéria-prima de<br />

seu trabalho. Desde pequena, ela conviveu<br />

com as tecelãs, em meio a rocas, novelos<br />

e agulhas no ateliê de restauração de tapetes<br />

de seus pais. Esses materiais aparecem<br />

constantemente em seus trabalhos, principalmente<br />

as agulhas, que, para ela, significavam<br />

a costura e a união com seus afetos.<br />

A artista desenvolveu uma série de aranhas<br />

escultóricas na década de 1990, nas quais as<br />

agulhas aparecem representadas nas patas<br />

do animal.<br />

196 . Louise Bourgeois. Maman, 1999.<br />

Em um gesto simbólico, ela homenageou<br />

sua mãe, intitulando essas obras de Maman.<br />

Minha melhor amiga era minha mãe.<br />

Ela era reflexiva, inteligente, paciente,<br />

apaixonada, razoável, delicada,<br />

refinada, indispensável, ordenada e<br />

útil, como uma aranha.<br />

louise Bourgeois<br />

Na mitologia grega, Aracne personifica uma<br />

inigualável tecelã que, com tênues fios,<br />

constrói sua enorme teia pelo infinito, tramando<br />

vidas e fiando destinos.<br />

Esse tema mitológico inspirou o espanhol<br />

Diego Velázquez na construção de sua obra<br />

As Fiandeiras, também conhecida como Fábula<br />

de Aracne. A pintura atesta o domínio,<br />

pelo artista, do espaço e da perspectiva. É<br />

uma tela que apresenta o trabalho artesanal<br />

das fiandeiras, com ritmo e vida, na qual<br />

a maestria de Velázquez se vale das cores<br />

para conferir uma surpreendente luminosidade<br />

à cena.<br />

197 . Diego Velázquez. As Fiandeiras, 1657.<br />

Quem sabe se do mito de Aracne nasceu o<br />

homem artesão que, desde os tempos primitivos,<br />

entrelaça fios?<br />

A inspiração do ser humano para tecer, certamente,<br />

veio da observação das tramas<br />

construídas pelos animais na natureza. São<br />

infinitas as possibilidades de criação por<br />

meio da tecelagem manual, usando fios e<br />

urdiduras diversos.<br />

DIEGO VELÁZQUEZ<br />

(Sevilha, 1599 – Madri, 1660)<br />

Pintor espanhol, membro da corte de Filipe IV, chegou em suas maiores pinturas a um efeito de realidade singular.<br />

Influenciado pelo Naturalismo de Caravaggio, foi absolutamente fiel à impressão visual e subordinou regras de<br />

composição e perspectiva clássicas a um sentido absoluto de verdade. Ele não nos ilude: deixa a tinta e as pinceladas<br />

bem nítidas na superfície da tela, da qual devemos nos afastar para obter uma impressão geral – a sensação é a de<br />

que quase podemos tocar os objetos.<br />

198 . Página à direita: Louise Bourgeois. Maman, 1999 (detalhe).


Na América Latina, a tecelagem sempre ocupou<br />

um papel muito importante, pois, ao<br />

longo de milhares de anos, foi o meio de<br />

sobrevivência dos povos andinos. Os têxteis<br />

podiam caracterizar a hierarquia social, podiam<br />

ser usados nas transações comerciais<br />

e até oferecidos como forma de recompensa.<br />

199 . Tecido andino.<br />

Os tecidos, elaborados com detalhes da vida<br />

desses povos, exerciam também a função<br />

de um sistema gráfico de comunicação e<br />

de transmissão de conhecimentos, sendo,<br />

assim, uma forma de registro cultural e expressão<br />

artística de grande significado.<br />

Ainda hoje, a tecelagem da lã em teares é<br />

muito usada na confecção de grande variedade<br />

de peças para vestuário e de tapeçarias,<br />

constituindo um rico artesanato local.<br />

200 . Tecelã em tear.<br />

A técnica tradicional do tecido, da<br />

tecelagem, é um grande símbolo<br />

da vida, o urdume que são os<br />

dados que nós recebemos na vida<br />

e a trama que é como lidamos com<br />

os dados que recebemos.<br />

lala Martinez Corrêa<br />

As tramas perfeitas, resultantes de técnica,<br />

paciência e sensibilidade, atingem de certa<br />

forma a condição de objetos artísticos. Surgem<br />

a renda, o crochê, o tricô, a cestaria, a<br />

tapeçaria, em diferentes culturas e épocas.<br />

A arte de transformar fios em renda é uma<br />

tradição antiga, trazida pelos colonizadores<br />

europeus, que se espalhou por todo o Brasil.<br />

Entre o ritmo sonoro dos bilros, as rendeiras,<br />

em suas almofadas, tecem a renda<br />

fina e delicada.<br />

TEAR<br />

Ferramenta simples utilizada na tecelagem artesanal que permite o entrelaçamento ordenado de dois conjuntos de fios<br />

(trama e urdidura), a fim de produzir o tecido. A tecelagem é uma das formas de artesanato mais antigas da história e<br />

presente ainda hoje. Trazida por colonizadores portugueses, desenvolveu-se no Brasil principalmente em Minas Gerais.<br />

O tear possibilitou confecção de roupas em algodão e lã que serviam para o trabalho no campo e para os dias de festa.<br />

BILROS<br />

São peças de madeira, de até 15cm, compostas de uma haste com extremidade em forma de bola ou fuso, utilizadas para enrolar<br />

as linhas que farão a renda, junto a outros materiais, como fios, almofada cilíndrica, alfinetes e cartões furados (piques). De<br />

provável origem europeia, a renda de bilros é praticada em várias regiões do Brasil, como no Nordeste e no Sul (Santa Catarina).<br />

201 . Página à esquerda: Tecidos de Thimphu, Butão.<br />

Tecendo e participando da festa<br />

153


Tecendo e participando da festa<br />

154<br />

Respeitando os limites dos bastidores, as<br />

artesãs fazem um intrincado código de nós<br />

entrelaçados, construindo um rendendê inigualável.<br />

Seguindo desenhos feitos no papel,<br />

as ágeis agulhas das rendeiras criam a<br />

bela renascença, fino trabalho com grande<br />

variedade de formas.<br />

A renda artesanal brasileira, por sua infinita<br />

originalidade e delicadeza, é famosa em nosso<br />

país e encanta em outros lugares do mundo.<br />

202 . Renda brasileira (bilros).<br />

203 . Renda brasileira (renascença).<br />

As curvas, os arabescos e os caracóis, encontrados<br />

nas rendas e nos bordados, são elementos<br />

recorrentes na obra de vários artistas,<br />

como na pintura da carioca Beatriz Milhazes.<br />

Diferentemente do trabalho de Louise Bourgeois,<br />

no qual a referência ao universo da<br />

costura e do bordado se faz de maneira mais<br />

marcante pelo percurso de sua história, na<br />

obra de Beatriz, as referências aparecem na<br />

elaboração de desenhos, impressos e pinturas<br />

de aspecto essencialmente decorativo, que<br />

lembram rendilhados e estamparias.<br />

204 . Beatriz Milhazes. Beleza Pura, 2006.<br />

A artista usa, em seus quadros, um repertório estrutural<br />

que inclui curvas, formas circulares exuberantes,<br />

tons vibrantes e motivos florais. Beatriz<br />

organiza, “tece” os elementos, dando-lhes ritmo e<br />

movimento, conferindo musicalidade à sua obra.<br />

A arte de tecer se concretiza de outras formas?<br />

Vindas da natureza, as fibras, as palhas e<br />

muitas outras espécies vegetais são matéria-<br />

-prima para confecção de objetos trançados:<br />

cestos, balaios, bolsas, tapetes, esteiras,<br />

mantas, redes de dormir e de pescar.<br />

O domínio do trançado e da tecelagem ainda<br />

hoje é praticado com o uso de rústicos instrumentos.<br />

Técnicas e formas ancestrais são<br />

encontradas, por exemplo, na cultura indígena<br />

do nosso país.<br />

As cestarias decoradas com padrões de desenhos<br />

que contêm abstrações com significados<br />

próprios fazem parte da produção artesanal<br />

desses povos.<br />

BEATRIZ MILHAZES<br />

(Rio de Janeiro, 1960)<br />

Pintora e gravadora brasileira, explora a profusão barroca, sobretudo o ritmo de arabescos, motivos florais e padrões<br />

circulares em cores fortes e luminosas. Integrou o grupo de artistas cariocas que renovou a pintura nos anos 1980<br />

(Geração 80) e chegou a desenvolver técnica própria: pinta placas de plástico e as transfere para a tela, sobrepondo<br />

elementos circulares em um único plano. Valorizada no mercado internacional de arte, sua obra integra acervos de<br />

importantes museus norte-americanos.<br />

205 . Página à direita: Toalha de mesa de crochê (detalhe).


206 . Cestaria indígena.<br />

As técnicas indígenas de entrelaçar fibras vegetais<br />

foram absorvidas por outras culturas e<br />

aparecem, nos dias de hoje, em diferentes pontos<br />

do país, adaptadas aos tipos de vegetação<br />

local e com formas diversificadas de produção.<br />

Uma das fibras mais apreciadas na atualidade<br />

é o capim dourado, encontrado, principalmente,<br />

na região do Jalapão, no estado<br />

do Tocantins.<br />

Descoberto em épocas remotas pelos índios<br />

que trançavam e costuravam as fibras, dando<br />

forma a diferentes utensílios, chegou às mãos<br />

escravas de quilombolas, que aperfeiçoaram<br />

a técnica, passada de geração em geração.<br />

Atualmente, o capim dourado é uma fonte<br />

de renda importante para muitos artesãos<br />

e suas famílias. A valorização da produção<br />

de peças que utilizam essa matéria-prima<br />

despertou o interesse de muitos artistas<br />

do design. Eles passaram a trocar conhecimentos<br />

com os artesãos, e foram agregados,<br />

desse modo, novos valores aos produtos<br />

confeccionados.<br />

As inovações propostas procuram sempre<br />

manter o traço regional que caracteriza<br />

esse artesanato.<br />

208 . Página à esquerda: Cesto de palha (detalhe).<br />

207 . Peça feita de capim dourado.<br />

A técnica tradicional de transformar o capim<br />

in natura é feita pela costura com a<br />

utilização do fio de seda extraído do buriti.<br />

Nos dias de hoje, usam-se também outros<br />

fios dourados e coloridos, sementes, miçangas,<br />

pedras e outros adereços.<br />

Capim dourado, buriti, babaçu, carnaúba,<br />

piaçaba, junco, taquara e cipós são transformados,<br />

pela habilidade e capacidade criadora<br />

de artistas artesãos, em peças originais<br />

que ultrapassam a condição de simples meio<br />

de sobrevivência para tornarem-se objetos<br />

artísticos, propiciando aos seus autores um<br />

caminho de profissionalização.<br />

O trançar de fios, usado em diferentes técnicas,<br />

é uma forma de expressão, um símbolo<br />

tecido e tramado que mostra a vida em uma<br />

trajetória milenar.<br />

Quando o homem fez o primeiro<br />

palmo de tecido criou uma coisa nova,<br />

um corpo novo no mundo –<br />

e uma relação espacial nova.<br />

Na verdade, criou o plano que seria<br />

mais tarde o suporte da tapeçaria.<br />

Ferreira Gullar<br />

Tecendo e participando da festa<br />

157


Uma das mais notáveis criações do homem<br />

nas artes visuais de todos os tempos é a<br />

arte da tapeçaria.<br />

Os tapetes sempre encantaram as pessoas,<br />

seja no chão das casas, seja enfeitando paredes<br />

ou pendurados nas janelas saudando<br />

cortejos, ou até voando na imaginação aventureira<br />

dos textos literários.<br />

Muitos simbolizam atos de homenagem em<br />

momentos religiosos ou cerimoniais.<br />

209 . Tapeçaria de Bayeux (um registro histórico da conquista da<br />

Inglaterra por William, o Conquistador da Normandia), c. 1070.<br />

As histórias tecidas, bordadas e contadas pelos<br />

tapetes fizeram parte da vida dos povos<br />

em várias épocas, em diferentes culturas.<br />

No Oriente, foram manufaturados os mais<br />

variados e ricos exemplares de tapetes, que<br />

são exibidos, na atualidade, em diferentes<br />

museus do mundo. Na Europa Ocidental, há<br />

registros de tapetes anteriores às cruzadas,<br />

e são conhecidas tapeçarias feitas em várias<br />

cidades medievais francesas.<br />

Foi durante o período monárquico francês<br />

que a produção de tapeçarias teve seu auge,<br />

com a criação da Manufatura Nacional dos<br />

Gobelins e, mais tarde, da Escola de <strong>Arte</strong>s<br />

Decorativas Aubusson.<br />

Os tapeceiros eram artesãos importantes que<br />

transformavam cartões criados no papel ou nas<br />

telas por outros artistas em verdadeiras obras<br />

de arte. A habilidade manual, o conhecimento<br />

técnico no uso dos fios e das cores trouxe reconhecimento<br />

a esse trabalho, principalmente,<br />

durante a Idade Média e o Renascimento.<br />

Grandes pintores, como Leonardo da Vinci,<br />

Rubens, Van Dyck, Rafael e Goya, fizeram<br />

cartões que serviam como referência para<br />

serem tecidos pelos artesãos.<br />

210 . Joan Miró.<br />

Tapeçaria,<br />

1979.<br />

MANUFATURA NACIONAL DOS GOBELINS<br />

Manufatura de tapeçaria criada em Paris, em 1662, pela Coroa francesa, era chamada de Manufatura Real dos<br />

Móveis da Coroa e reunia tecelões, pintores, fundidores, carpinteiros e ourives que fabricavam objetos para os<br />

palácios do rei ou que serviam como presentes reais. Por dificuldades financeiras, fechou em 1694 e reabriu em 1699,<br />

então somente para produzir tapeçarias, que eram consideradas as mais finas da Europa dos séculos XVII e XVIII.<br />

ESCOLA NACIONAL DE ARTES DECORATIVAS AUBUSSON<br />

Escola francesa especializada em artes têxteis. Inspirada nas Escolas de <strong>Arte</strong>s Decorativas de Paris e de Limoges,<br />

foi criada em 1884 a partir da nacionalização da Escola Municipal de Desenho de Aubusson. No final dos anos<br />

1930, passou por reforma no ensino com introdução de técnicas novas, como a do cartão numerado (Jean<br />

Lurçat). Nos anos 1990, juntou-se à escola de arte de Limoges, formando a atual Escola Nacional Superior de <strong>Arte</strong><br />

Limoges-Aubusson.<br />

211 . Página à esquerda: Tapete Gobelin (detalhe).<br />

Tecendo e participando da festa<br />

159


Tecendo e participando da festa<br />

160<br />

Do mesmo modo, desde o início do Modernismo<br />

na Europa, artistas de vanguarda, como<br />

Picasso, Braque, Matisse, Dufy, Chagall, Paul<br />

Klee e Miró, também se dedicaram à confecção<br />

de cartões para tapeçaria.<br />

É importante lembrar que há sempre um compromisso<br />

do tapeceiro com a intenção do pintor,<br />

mas cabe a ele a interpretação do cartão,<br />

segundo as técnicas usadas na arte de tecer.<br />

O tapeceiro “diz” a pintura em outra técnica.<br />

O fio jamais denuncia o pincel, muito<br />

pelo contrário, tudo o que aparece<br />

no contexto do quadro, de maneira<br />

enfática, será otimizado na tradução<br />

para a tapeçaria.<br />

Sylvie Forestier<br />

212 . Albert Eckhout. A Negra Carregada numa Rede.<br />

As primeiras tapeçarias com temática brasileira<br />

são gobelinos confeccionados no século<br />

XVII, com base em pinturas de Albert Eckhout.<br />

No século XVIII, essas tapeçarias são repetidas,<br />

e cinco delas pertencem ao acervo do<br />

Museu de <strong>Arte</strong> de São Paulo (Masp).<br />

O artista francês Jean lurçat criou uma técnica<br />

de redução das cores, facilitando o trabalho<br />

dos tapeceiros e reduzindo os custos.<br />

Sua exposição no Museu de <strong>Arte</strong> Moderna<br />

do Rio de Janeiro (MAM), na década de 1950,<br />

despertou grande interesse dos artistas e<br />

impulsionou a tapeçaria moderna no Brasil.<br />

Utilizando também a temática brasileira, o<br />

baiano Genaro de Carvalho tropicalizou cores<br />

e formas, tornando-se um artista conhecido e<br />

admirado em nosso país e no exterior.<br />

Ele criou uma escola na Bahia, deixando seguidores<br />

que valorizam em sua produção aspectos<br />

regionais, multiplicando e desenvolvendo<br />

variações de pontos em ritmos e cores<br />

que remetem à arte popular brasileira.<br />

213 . Genaro de Carvalho. O Pássaro Solitário, 1956.<br />

JEAN LURÇAT<br />

(Bruyères, 1892 – Saint-Paul-de-Vence, 1966)<br />

Pintor, ceramista, figurinista e tapeceiro francês, destacou-se por renovar e atualizar a linguagem da tapeçaria.<br />

Afinado com as tendências artísticas modernas, atuou em decoração, figurinos e tapeçaria nos anos 1920 e 1930. Em<br />

1939, em Aubusson, buscou revigorar a tapeçaria, que estava em crise: introduziu o cartão numerado e a tecelagem<br />

de ponto largo. Nos anos 1950, seu trabalho chegou ao Brasil, e foi influência importante para artistas que se<br />

iniciavam nessa arte.<br />

GENARO DE CARVALHO<br />

(Salvador, 1926-1971)<br />

Tapeceiro, pintor, desenhista, atuou na renovação da arte na Bahia ao lado do pintor Carybé e do fotógrafo Mario<br />

Cravo Jr. Estudou pintura e dedicou-se à arte do tecer no início dos anos 1950. Em 1955, criou o primeiro ateliê de<br />

tapeçaria no Brasil, em Salvador. Conjugou sua visão local com o que de melhor se fazia em outras partes do mundo,<br />

como a tapeçaria de Lurçat, que então chegava ao Brasil.


O pernambucano Francisco Brennand desenvolve<br />

também estudos para tapeçarias,<br />

em uma linha construtivista, apresentando<br />

formas de frutas e flores típicas de sua região,<br />

com uma beleza cromática inigualável.<br />

214 . Tapeçaria de Francisco Brennand.<br />

Na segunda metade do século XX, uma versão<br />

moderna e ousada de tapeçaria em tear<br />

foi desenvolvida, em São Paulo, no ateliê<br />

Douchez-Nicola, pelo francês Jacques Douchez<br />

e pelo paulista Norberto Nicola.<br />

Esses artistas realizaram trabalhos com<br />

técnicas mistas, usando materiais variados<br />

como lã, estopa, cânhamo, sisal, linho e algodão.<br />

Nessa investigação formal, chegaram<br />

a modelos de tapeçarias escultóricas<br />

e à confecção de tapetes objetos, rompendo<br />

com a bidimensionalidade tradicional<br />

da tapeçaria.<br />

Como nos antigos ateliês europeus, Douchez<br />

e Nicola convidaram pintores brasileiros renomados<br />

para pintar cartões que, em seus<br />

teares, transformavam-se em tapeçarias.<br />

Desses projetos, participaram artistas como:<br />

Di Cavalcanti, Volpi, Da Costa, Maria Leontina,<br />

Aldemir Martins, Djanira, Rubem Valentim,<br />

Iberê Camargo, Carybé e Burle Marx.<br />

215 . Roberto Burle Marx. Sem título, 1973.<br />

A herança de trançar, bordar e tecer foi o ponto<br />

de partida para artesãos artistas encontrarem<br />

um caminho criativo e de sobrevivência<br />

nos mais longínquos locais do nosso país.<br />

As esteiras de junco, palha e fibras vegetais<br />

diversas, de origem indígena, continuam<br />

a ser confeccionadas. São usadas no chão,<br />

como tapetes, ou revestindo paredes à maneira<br />

de tapeçarias.<br />

Entender essa terra de contrastes e mistura<br />

de culturas leva a uma reflexão desse<br />

espelho multifacetado, tanto na vida quanto<br />

na arte da nossa gente, conduzindo-nos<br />

a uma melhor compreensão da criatividade<br />

de um povo, em meio ao qual arte, artistas<br />

e arteiros convivem e buscam sua<br />

liberdade expressiva.<br />

JACQUES DOUCHEZ e NORBERTO NICOLA<br />

(Mâchon, 1921) e (São Paulo, 1931-2007)<br />

Tapeceiros e pintores, criaram, no final dos anos 1950, o Ateliê Douchez-Nicola, onde desenvolveram formas tecidas<br />

que saem da dimensão do plano para ganhar o espaço a partir das especificidades dos materiais utilizados. A tapeçaria<br />

de Douchez se destaca pelos elementos geométricos; a de Nicola é orgânica, sensorial, feita a partir da mescla dos<br />

materiais tradicionais (lã, linho, estopa, sisal, cânhamo) com raízes, folhas, terra, penas, árvores e cipós entrelaçados.<br />

Tecendo e participando da festa<br />

161


Tecendo e participando da festa<br />

162<br />

Festa para todos<br />

Um galo sozinho, não tece a manhã:<br />

ele precisará sempre de outros galos.<br />

(...) outros galos que com muitos outros galos<br />

se cruzem os fios de seus gritos de galo,<br />

para que a manhã, desde uma teia tênue,<br />

se vá tecendo, entre todos os galos.<br />

João Cabral de Melo Neto<br />

Quando o primeiro galo cantou, ao amanhecer,<br />

o trabalho coletivo recebia os últimos acertos.<br />

Era assim, todos os anos, na noite que<br />

antecedia a festa de Corpus Christi. Durante<br />

semanas, os preparativos para a festa tinham<br />

envolvido os moradores da pacata cidade.<br />

Divididos em grupos, planejaram o projeto,<br />

estudaram o percurso, criaram os desenhos,<br />

selecionaram os materiais, escolheram as<br />

cores que dariam vida aos “quadros” e<br />

“passadeiras,” nos quais as mensagens de<br />

amor e solidariedade ganhariam forma no<br />

extenso tapete.<br />

216 . Pessoas trabalhando no tapete de Corpus Christi.<br />

A confecção final foi feita nessa noite de<br />

vigília, com muita confraternização, muitas<br />

histórias e conversas. Os desenhos delineados<br />

no chão das ruas foram preenchidos<br />

com os mais diversos materiais: pétalas,<br />

flores, sal, serragem, pó de café, cascas de<br />

ovo, pigmentos coloridos e tudo o que estivesse<br />

disponível no local.<br />

A festa de Corpus Christi é uma tradição religiosa<br />

trazida por imigrantes açorianos que<br />

ganhou força na cidade de Ouro Preto, adquirindo<br />

contornos do barroco português.<br />

217 . Tapete de Corpus Christi.<br />

Hoje, é celebrada com a grandiosidade desses<br />

tapetes em várias cidades brasileiras. A<br />

devoção entoada nos cânticos e o ritual litúrgico<br />

culminam com a passagem da procissão<br />

sobre a produção criativa da comunidade.<br />

O trabalho coletivo feito por voluntários<br />

anônimos, assim como uma arte efêmera,<br />

dura o tempo do processo de criação e as<br />

poucas horas da passagem do cortejo. Seu<br />

registro fica nas fotos, nos filmes, nas reportagens<br />

e, principalmente, na lembrança<br />

sensível daqueles que participaram executando<br />

ou apreciando esses belos tapetes,<br />

encontro da vida e da cultura popular.


(...) perceber o modo como o outro<br />

olha depende da disponibilidade<br />

para ouvir o outro e compreender<br />

a singularidade como leitor.<br />

italo Calvino<br />

Ano após ano, no contexto das festas natalinas,<br />

tem lugar outro cortejo popular de caráter religioso<br />

que chegou ao Brasil com os portugueses:<br />

a Folia de Reis. Realizada em várias cidades<br />

brasileiras, esse teatro do povo conta a história<br />

da visita dos Reis Magos ao Menino Jesus.<br />

Os componentes do grupo cumprem um ritual:<br />

batem à porta dos fiéis, arrecadam doações<br />

e entram nas casas, cantando e pedindo<br />

bênçãos para os moradores. Do lado de fora,<br />

palhaços mascarados com suas fantasias enfeitadas<br />

e coloridas dançam ao som do violão,<br />

do pandeiro e do cavaquinho, recitando para<br />

o povo. A função desses participantes é intrigar<br />

e divertir, fazendo malabarismos, dançando<br />

e improvisando versos durante o cortejo.<br />

218 . O Auto da Folia de Reis.<br />

A folia é uma festa que ultrapassou o caráter<br />

religioso e desenvolveu-se aqui com características<br />

próprias, tornando-se um auto popular,<br />

um teatro do povo que conjuga o sagrado<br />

e o profano.<br />

Como um país pode preservar suas memórias?<br />

Uma forma de preservação cultural é o que<br />

acontece com a Folia de Reis, que, mantendo<br />

a tradição com seus ensinamentos passados<br />

de geração em geração, permite improvisações<br />

e uma recriação constante do ritual. Essa<br />

manifestação folclórica de rara beleza vive<br />

até hoje por guardar a essência da criação<br />

artística renovada pelo imaginário popular.<br />

Um símbolo importante da Folia de Reis é a<br />

bandeira que segue à frente do cortejo. Podendo<br />

apresentar diferentes formatos, ela geralmente<br />

retrata temas variados, ligados aos<br />

Reis Magos ou à Sagrada Família, e, muitas<br />

vezes, é enfeitada com ex-votos, fitas, flores<br />

de plástico ou de papel colocados pelo povo.<br />

219 . Folia de Reis<br />

(palhaço).<br />

FOLIA DE REIS<br />

Auto popular natalino de origem portuguesa que une aspectos sagrados e profanos. Inspirada na visita dos três Reis<br />

Magos ao Menino Jesus, ocorre principalmente no Norte do Brasil, de 24 de dezembro a 6 de janeiro, fechando o<br />

ciclo natalino. Grupos musicais fazem paradas em casas previamente escolhidas, apresentando danças dramáticas,<br />

como o terno de reis, o rancho e o bumba meu boi, em troca de donativos.<br />

Tecendo e participando da festa<br />

163


Tecendo e participando da festa<br />

164<br />

Bandeiras, mastros, fantasias e máscaras<br />

são elementos presentes na maioria das<br />

nossas festas populares. Eles têm origem<br />

no medievo europeu e foram incorporados<br />

à nossa tradição desde o período barroco.<br />

A Festa do Divino também possui em sua<br />

bandeira um símbolo de identificação e agregação<br />

da comunidade: uma pomba branca<br />

sobre raios solares, destacando-se do fundo<br />

vermelho da bandeira.<br />

No alto de seu mastro, outra pomba talhada<br />

em madeira, rodeada de fitas coloridas, parece<br />

levantar voo. Essa é a principal, mas não é<br />

a única bandeira a estar presente na Festa do<br />

Divino. Muitas outras, representando diferentes<br />

localidades, participam do cortejo, levando<br />

intenções e desejos dos fiéis seguidores.<br />

220 . Bandeira de Folia de Reis.<br />

Como a Folia de Reis, a Festa do Divino também<br />

apresenta aspectos religiosos e profanos<br />

e tem origem portuguesa. Nas comemorações<br />

do Divino, um dos pontos altos é a solenidade<br />

na igreja, durante a missa de Pentecostes,<br />

na qual um jovem da comunidade é coroado<br />

Imperador do Divino.<br />

221 . Bandeira da Festa do Divino.<br />

222 . Coroação do Imperador.<br />

Do lado de fora, grupos de danças folclóricas,<br />

como as congadas, os catiras e os moçambiques,<br />

festejam a coroação.<br />

As festas populares brasileiras apresentam<br />

várias linguagens da arte com uma estética<br />

própria das comunidades onde se desenvolvem.<br />

A dança, a música, o canto, a poesia,<br />

a indumentária, as alegorias compõem<br />

um espetáculo teatral que reúne as tradições<br />

culturais com contribuições estéticas<br />

das novas gerações.<br />

FESTA DO DIVINO<br />

Acontece sete semanas depois do Domingo de Páscoa, no dia de Pentecostes, para comemorar a descida do Espírito<br />

Santo sobre os 12 apóstolos. São festejos tradicionais populares, com registro no Brasil desde o século XVII, que<br />

mesclam manifestações profanas e religiosas, como cavalhadas (batalhas entre mouros e cristãos) e representações<br />

teatrais, ao lado de novenas, missas e procissões.<br />

223 . Página à direita: 62º Encontro Nacional de Folia de Reis em Muqui, Espírito Santo.


Tecendo e participando da festa<br />

166<br />

A dinâmica de toda festa é um<br />

complexo de relações onde todos são<br />

atores e espectadores, produtores e<br />

consumidores; ela é performática.<br />

(...) A festa é o ato mesmo da<br />

produção da vida.<br />

léa Freitas Perez<br />

A Folia de Reis e a Festa do Divino estão<br />

presentes, praticamente, em todo o território<br />

brasileiro, e a sua força expressiva também<br />

toma forma na obra de pintores como Debret,<br />

Tarsila do Amaral e Djanira, no teatro<br />

de Ariano Suassuna, na música de Tim Maia,<br />

Milton Nascimento, Martinho da Vila, Ivan<br />

Lins, Vítor Martins.<br />

224 . Djanira. Folia do<br />

Divino, 1959.<br />

Como podemos compartilhar experiências<br />

da tradição popular sem pertencermos ao<br />

grupo em que ela está inserida?<br />

Ao nos propormos olhar para uma manifestação<br />

artística de outra cultura, precisamos<br />

ter os sentidos abertos para nos deixarmos<br />

estimular, percebendo os valores estéticos e<br />

de vida que nela estão enraizados. 225 . Bumba meu boi.<br />

Os devotos do Divino<br />

vão abrir sua morada<br />

Pra bandeira do menino<br />

ser bem-vinda, ser louvada, ai, ai<br />

Deus nos salve esse devoto<br />

pela esmola em vosso nome<br />

Dando água a quem tem sede,<br />

dando pão a quem tem fome, ai, ai.<br />

Bandeira do Divino / ivan lins e Vítor Martins<br />

Os rituais simbólicos são essenciais para a<br />

compreensão e organização da experiência<br />

humana e da renovação da vida em sociedade.<br />

Uma das mais expressivas manifestações da<br />

cultura popular do nosso país, que agrega<br />

em seu formato vários tipos de danças, cantos<br />

e encenações teatrais, se realiza em torno<br />

da figura do boi.<br />

O folguedo do boi acontece no Brasil há mais<br />

de um século e se mantém vivo até hoje por<br />

ser um dos brinquedos populares encontrados<br />

em quase todos os estados, fazendo parte<br />

do universo cultural do país. Está presente<br />

em diferentes ocasiões, nas festas mais marcantes<br />

da comunidade onde está inserido.<br />

FOLGUEDO DO BOI<br />

Festa folclórica, mais conhecida como boi-bumbá ou bumba-meu-boi. Tem influências indígenas, africanas e europeias.<br />

Dependendo da região e da modalidade do boi, pode ocorrer durante as festas juninas, o Natal ou o carnaval. Compõe-se<br />

de dança, drama e música e, em geral, apresenta o tema da morte e da ressurreição do boi, em uma encenação em<br />

que se agregam vários personagens, com variações conforme o contexto local.


No Maranhão, o boi é símbolo da cultura local,<br />

e a encenação do auto é, muitas vezes,<br />

dedicada a São João. As promessas ao santo<br />

são pagas com o acolhimento dos brincantes<br />

nas casas, o que equivale a um ex-voto.<br />

Essa manifestação popular apresenta<br />

traços regionais, com caras e jeitos próprios<br />

e nomes diferentes, tais como: bumba<br />

meu boi, boi-bumbá, boi de mamão,<br />

boi-pintadinho, boi de reis, boi-calemba, boi de<br />

matraca, bumba.<br />

No Brasil, adquiriu uma forma de crítica à situação<br />

social de negros e índios, tornando-se<br />

um auto brasileiro, de tríplice criação mestiça.<br />

Procura mostrar, a seu modo, a realidade<br />

e a história do país por meio da cultura.<br />

Sobre todos os aspectos,<br />

o bumba meu boi é o bailado<br />

mais notável do Brasil.<br />

Renato de Almeida<br />

O cortejo do boi pode ocorrer em qualquer<br />

espaço onde circule, sem necessitar de cenários,<br />

unindo realidade e imaginação. Os<br />

brincantes fazem, intuitivamente, peripécias<br />

e gracejos animados para o povo. O espetáculo<br />

agrega falas, músicas, danças, histórias,<br />

poesias, piadas e louvores.<br />

Os personagens, que usam vestuário próprio,<br />

alegorias e complementos, saem dançando e<br />

cantando, ao som das violas, rabecas, zabumbas,<br />

matracas e harmônicas. As fantasias, os<br />

objetos de mão, os enfeites, os adereços e os<br />

animais fantásticos utilizados em cena, além<br />

do próprio boi, são feitos pelos participantes<br />

com muita criatividade e poucos recursos.<br />

226 . Cortejo de boi.<br />

O enredo, mesmo com adaptações regionais,<br />

tem seu auge na morte e na ressurreição do boi.<br />

O meu boi morreu<br />

Que será de mim?<br />

Manda buscar outro, maninha<br />

Lá no Piauí.<br />

Cultura popular<br />

O bumba meu boi foi inserido por Mário de Andrade<br />

em sua obra Macunaíma. Foi a primeira transposição<br />

desse folguedo para a literatura erudita.<br />

EX-VOTO<br />

Abreviação do termo latino ex-voto suscepto (“o voto realizado”), designa placas, pinturas, estatuetas e variados<br />

objetos (entre eles, réplicas em barro, madeira ou cera de partes do corpo afetadas por doenças) oferecidos a<br />

divindades em agradecimento a uma graça alcançada. Manifestação ligada diretamente à arte religiosa e à arte<br />

popular, desperta interesse de historiadores da arte e da cultura, arqueólogos e antropólogos.<br />

MÁRIO DE ANDRADE<br />

(São Paulo, 1893-1945)<br />

Mário Raul de Morais Andrade foi poeta, romancista, crítico de arte, folclorista, musicólogo, ensaísta e um dos<br />

realizadores da Semana de <strong>Arte</strong> Moderna de 1922. Nos anos 1930, criou e dirigiu o Departamento de Cultura da<br />

Municipalidade Paulistana, que originou a Secretaria Municipal da Cultura. Escreveu o romance Macunaíma (1928),<br />

no qual recria mitos e lendas indígenas para traçar um painel do processo civilizatório brasileiro.<br />

Tecendo e participando da festa<br />

167


Tecendo e participando da festa<br />

168<br />

227 . Capa do livro Macunaíma, de Mário de Andrade.<br />

Em Macunaíma, há fragmentos da cultura<br />

popular do nosso país, reorganizados com<br />

novos significados.<br />

O auto do boi inspirou o teatrólogo pernambucano<br />

Joaquim Cardozo na criação<br />

dos textos teatrais O Coronel de Macambira<br />

(1963), De uma Noite de Festa (1971) e Boi<br />

de Carro (1975). Essas peças seguem o modelo<br />

do bumba meu boi, e sua estrutura<br />

formal pertence à estética dessa festa.<br />

A popularidade do folguedo do boi transformou-se<br />

em cores e formas plásticas, através<br />

do olhar e do talento de alguns de nossos<br />

artistas. Di Cavalcanti, Portinari, Sonia Furtado,<br />

Bianco transportaram a encenação para<br />

as telas; J. Borges, para o cordel; Vitalino e<br />

Manoel Eudóxio, para o barro.<br />

228 . Candido Portinari. Bumba Meu Boi, 1959.<br />

O que confere tanta popularidade à figura do<br />

boi em nosso país?<br />

Segundo Mário de Andrade, o boi se tornou<br />

o “substituto histórico do bandeirante, e o<br />

maior instrumento desbravador, socializador<br />

e unificador de nossa pátria”.<br />

O artista Humberto Espíndola desenvolve um<br />

trabalho focado em temas regionais e procura<br />

traduzir a importância do boi, animal-<br />

-símbolo que retrata o cenário político, econômico<br />

e social da população do cerrado do<br />

Centro-Oeste do Brasil.<br />

A obra de Humberto é questionadora, e sua<br />

“bovinocultura” pinta a representação sarcástica<br />

de uma sociedade que, como no<br />

bumba, gira em torno da figura do boi, que<br />

nela é moeda e símbolo de poder.<br />

A humanização do animal é um elemento de<br />

informação, denunciando, muitas vezes, a<br />

vontade de poder do ser humano.<br />

HUMBERTO ESPÍNDOLA<br />

(Campo Grande, 1943)<br />

Pintor e desenhista brasileiro, inspirou-se em temáticas regionais, com destaque para o tema do boi, visto como<br />

símbolo da riqueza de Mato Grosso. Por meio de um grafismo caricatural, realiza retrato sarcástico da sociedade<br />

do boi: emprega crachás e medalhas que remetem a exposições agropecuárias, usa as cores da bandeira brasileira<br />

ou antropomorfiza o boi para denunciar a ganância do ser humano. Em 1974, criou o Museu de <strong>Arte</strong> e Cultura<br />

Popular, ligado à Universidade Federal de Mato Grosso.<br />

229 . Página à direita: Mestre Vitalino. Boi Zebu.


230 . Humberto Espíndola. Painéis do palácio do governo de<br />

Mato Grosso, 1975.<br />

A permanência da figura do boi se estende por<br />

todo o ano, em comemorações marcantes como<br />

as festas juninas, o ciclo natalino, o carnaval.<br />

A onda que me levou<br />

Me embalou<br />

Dela pra cá numa legal<br />

E o vento que soprou<br />

Me avisou que tinha boi no carnaval.<br />

O Boi Dá Bode / Djalma Branco e Caruso<br />

Vestígios de diferentes folguedos regionais<br />

aparecem reunidos na grande festa popular<br />

brasileira, que é o carnaval. Nela, está presente<br />

não só o boi, mas também as bandeiras,<br />

as máscaras, as fantasias, a música, a<br />

dança, os cortejos.<br />

Desde o período greco-romano, havia festas<br />

com características carnavalescas, incluindo<br />

cortejos de pessoas mascaradas que cantavam<br />

e dançavam em homenagem a figuras<br />

mitológicas, como Baco e Saturno.<br />

231 . Página à esquerda: Jean-Baptiste Debret. Carnaval, 1823 (detalhe).<br />

Mesmo após a queda do Império Romano, a<br />

tradição das festividades carnavalescas na<br />

Europa continuou e chegou ao Brasil trazida<br />

pelos colonizadores portugueses.<br />

A partir do século XI, com a implantação da<br />

Semana Santa pela Igreja Católica, a festa<br />

pagã do carnaval ficou restrita aos três dias<br />

que antecedem o período da quaresma. Assim,<br />

haveria um momento de interrupção da<br />

vida cotidiana, com suas normas e proibições,<br />

dando lugar a uma liberdade utópica.<br />

O carnaval é a segunda vida<br />

do povo, baseada sobre o<br />

princípio do riso.<br />

Mikhail Bakhtin<br />

O carnaval brasileiro deriva também de<br />

festividades leigas como, por exemplo,<br />

a coroação de D. João IV, rei de Portugal,<br />

no século XVII, e o casamento do futuro<br />

D. João VI com Carlota Joaquina, no século<br />

XVIII. Esses acontecimentos, apesar de<br />

ocorridos na Europa, foram comemorados<br />

por três dias na cidade do Rio de Janeiro,<br />

com festas populares que incluíram carros<br />

alegóricos, desfiles e fantasias, envolvendo<br />

diferentes classes sociais.<br />

A predisposição popular para as brincadeiras<br />

de rua incorporou outras tradições<br />

europeias: o entrudo português, no qual<br />

limões de cheiro eram atirados à população,<br />

as máscaras de Veneza, que aqui<br />

foram reproduzidas em cera ou papelão,<br />

os bailes de salão e os cortejos de<br />

carros alegóricos.<br />

Tecendo e participando da festa<br />

171


Tecendo e participando da festa<br />

172<br />

E vieram os ranchos, os cordões, os blocos<br />

e as sociedades carnavalescas, presentes em<br />

diversos pontos do país, com músicas e instrumentos<br />

próprios das tradições regionais.<br />

232 . Rodolpho Chambelland. Baile à Fantasia, 1913 (detalhe).<br />

No Rio de Janeiro, brincava-se ao som do<br />

maxixe; em Pernambuco, o frevo e o maracatu<br />

comandavam a festa; na Bahia, o afoxé<br />

contagiava a população.<br />

O samba, que teve a sua primeira gravação<br />

em 1917, com a composição Pelo Telefone,<br />

de autoria de Donga, passou a ganhar espaço<br />

na preferência popular dos cariocas,<br />

em lugar do maxixe.<br />

O chefe da folia<br />

Pelo telefone manda me avisar<br />

Que com alegria<br />

Não se questione para se brincar<br />

Pelo Telefone / Donga<br />

233 . Partitura da música Pelo Telefone, de Donga.<br />

Entre 1927 e 1930, surgem, na trilha dos ranchos,<br />

blocos e cordões, as primeiras escolas de<br />

samba: a Deixa Falar, a Mangueira e a Vai Como<br />

Pode. Mas o primeiro desfile oficial só acontece<br />

em 1932, na Praça Onze, no Rio de Janeiro.<br />

Mais tarde, as marchinhas passaram a disputar<br />

com os sambas a preferência dos foliões.<br />

O carnaval revelou artistas que criaram e<br />

interpretaram músicas lembradas até hoje.<br />

Noel Rosa, Ary Barroso, Lamartine Babo,<br />

Carmen Miranda e as irmãs Linda e Dircinha<br />

Batista foram alguns dos talentos popularizados<br />

pela era do rádio e dos discos.<br />

Quem foi que inventou o Brasil?<br />

Foi seu Cabral!<br />

Foi seu Cabral!<br />

No dia vinte e um de abril<br />

Dois meses depois do carnaval<br />

História do Brasil / lamartine Babo<br />

DONGA (ERNESTO JOAQUIM MARIA DOS SANTOS)<br />

(Rio de Janeiro, 1890-1974)<br />

Integrante do núcleo que daria origem ao samba atual, participava das rodas de música na casa da lendária Tia<br />

Ciata, ao lado de João da Baiana, Pixinguinha e outros. Compositor de sambas e diversos outros gêneros musicais de<br />

raízes africanas, como toadas, macumbas e lundus. Tocava cavaquinho, violão-banjo e violão. Sua composição mais<br />

conhecida é Pelo Telefone, considerada o primeiro samba gravado (1917).<br />

234 . Página à direita: Augusto Malta. Carnaval, 1932.


Tecendo e participando da festa<br />

174<br />

235 . Guilherme Santos. Carnaval na Avenida Central.<br />

236 . J. Carlos. Capa da revista Fon Fon.<br />

Cenas de carnaval aparecem reproduzidas<br />

em desenhos e pinturas de Debret, Tarsila<br />

do Amaral, Di Cavalcanti, Orlando Teruz,<br />

J. Carlos e Portinari e flagradas nas fotografias<br />

de Augusto Malta. São temas de espetáculos<br />

no teatro de revista de Walter Pinto,<br />

em diversos filmes da Atlântida e nos desenhos<br />

animados Alô, Amigos, de Walt Disney,<br />

e Rio, de Carlos Saldanha.<br />

237 . Foto de divulgação do filme Rio.<br />

E agora, para onde vai esse bloco?<br />

Cada vez mais, em todo o país, o carnaval<br />

de rua continua guardando traços de suas<br />

origens, mas se reinventando e se ressignificando,<br />

movido pela vitalidade e criatividade<br />

do povo e pelo caráter dinâmico da cultura.<br />

238 . Cordão do Boitatá.<br />

É uma festa democrática que engloba as<br />

diferentes linguagens da arte, permitindo<br />

expressões individuais e coletivas que, ao<br />

longo de mais de três séculos, vêm conquistando<br />

novos participantes, artistas e arteiros,<br />

de diferentes origens, que, em uma<br />

intensa relação cultural, interagem, subvertendo<br />

a realidade para simplesmente brincar.<br />

CARLOS SALDANHA<br />

(Rio de Janeiro, 1968)<br />

Diretor de cinema brasileiro, especializou-se em animação por computação gráfica em Nova York. Foi animador<br />

em Bunny, Oscar de melhor curta-metragem de animação (1998). Dirigiu o curta Time for Love, premiado no<br />

Canadá (1994) e na Suíça (1995). Assinou a direção de animações de A Era do Gelo (2002), com Chris Wedge,<br />

A Era do Gelo 2 (2006), A Era do Gelo 3 (2009) e Rio (2011).


Todos os elementos próprios da<br />

praça pública ligam-se à alegre<br />

matéria do mundo, ao que nasce,<br />

morre, dá a vida, é devorado e<br />

devora, mas que definitivamente<br />

cresce e se multiplica sempre,<br />

torna-se sempre cada vez maior,<br />

melhor e abundante.<br />

Conhecimentos em arte<br />

Mikhail Bakhtin<br />

• Os elementos artístico-culturais presentes<br />

nas manifestações populares.<br />

• As características regionais das festas<br />

tradicionais brasileiras.<br />

• A produção artística artesanal e a influência<br />

de outras culturas.<br />

• A apreciação e a análise de diferentes<br />

expressões artísticas.<br />

• O papel das diferentes manifestações culturais<br />

na construção da identidade nacional.<br />

ARTiculando em sala de aula<br />

Professor(a), com base no texto lido, sugerimos<br />

algumas atividades para propor aos alunos:<br />

• Conhecer as esculturas de Louise de<br />

Bourgeois que homenageiam simbolicamente<br />

sua mãe por meio de enormes aranhas.<br />

Representar, com o desenho da forma<br />

de um animal, alguém que conheça,<br />

pela semelhança de atitudes, qualidades<br />

e maneira de ser. Apresentar seu trabalho<br />

descrevendo as relações estabelecidas.<br />

• Entrevistar pessoas na comunidade que<br />

fazem artesanato, preenchendo uma ficha<br />

com o nome do artesão, o tipo de<br />

artesanato, o material utilizado e as possíveis<br />

ferramentas necessárias. Contabilizar<br />

quantos artesãos trabalham com<br />

fios e descrever as técnicas empregadas.<br />

• Confeccionar um trabalho com fios de lã<br />

ou barbante colorido. Fazer um desenho<br />

em papel cartão e colar, bem juntinho, os<br />

fios com as cores selecionadas, contornando<br />

o desenho e preenchendo toda a forma.<br />

Analisar as composições, valorizando<br />

o projeto e a execução do trabalho.<br />

• Observar a reprodução da obra O Guitarrista,<br />

de Beatriz Milhazes, que utiliza<br />

impressão de rendilhados, flores e arabescos.<br />

Criar um painel em grupo, usando<br />

impressão com moldes vazados. Usar<br />

formas circulares de papel dobradas, em<br />

seis partes, diametralmente. Fazer desenhos<br />

nas dobras, recortar e abrir as<br />

formas. Usar alguns desses círculos rendilhados<br />

para fazer impressões, batendo<br />

com uma esponja molhada em guache<br />

sobre as formas. Colar os outros rendilhados,<br />

sobre o painel, e complementar<br />

com desenhos de arabescos. Avaliar as<br />

etapas e a finalização do trabalho.<br />

239 . Beatriz Milhazes. O Guitarrista, 2000.<br />

• Observar reproduções de tapeçarias e projetos<br />

feitos por artistas famosos, em forma<br />

de cartões. Criar uma pequena composição,<br />

com desenhos e colagens de formas<br />

recortadas, que possa ser transformada<br />

em uma tapeçaria. Reunir os diferentes<br />

trabalhos, descobrindo afinidades quanto<br />

às formas e/ou cores escolhidas.<br />

Tecendo e participando da festa<br />

175


Tecendo e participando da festa<br />

176<br />

• Pesquisar festas populares brasileiras,<br />

religiosas e pagãs, ressaltando as alegorias,<br />

fantasias e indumentárias utilizadas.<br />

Observar o uso de bandeiras e/<br />

ou estandartes como forma de identidade<br />

dessas festividades, nas mais diversas<br />

ocasiões. Criar, em grupo, uma<br />

bandeira ou um estandarte para a escola,<br />

escolhendo um símbolo que melhor<br />

a represente. Analisar com a turma os<br />

projetos dos grupos, escolhendo o melhor<br />

para ser confeccionado e representar<br />

o colégio.<br />

Para visitar<br />

• Conhecer a história tradicional do<br />

bumba meu boi e algumas interpretações<br />

feitas por artistas plásticos.<br />

Em grupo, construir um boi, usando<br />

materiais e técnicas diversificados.<br />

Planejar uma apresentação para o<br />

trabalho realizado.<br />

• Observar vários tipos de máscaras<br />

usadas em festas populares e confeccionar<br />

uma usando a técnica de papel<br />

machê. Organizar uma exposição com<br />

essas máscaras.<br />

Cidade do Samba – Espaço na zona portuária do Rio de Janeiro onde se concentram os<br />

centros de produção artística das escolas de samba do Grupo Especial. É aberto à visitação<br />

turística e também promove shows de samba.<br />

Endereço: Rua Rivadávia Correia, 60, Gamboa.<br />

Tel.: (21) 2213-2503.<br />

Passarela Professor Darcy Ribeiro – Conhecido como Sambódromo, o projeto do arquiteto<br />

Oscar Niemeyer foi inaugurado em 1984. O local concentra o desfile das escolas de<br />

samba do Grupo Especial, no período do carnaval. Durante o ano, também é palco de<br />

outros acontecimentos.<br />

Endereço: Avenida Marquês de Sapucaí, Cidade Nova.<br />

Tel.: Riotur/Serviço de informações: (21) 2542-8080.<br />

Fundação Eva Klabin – Situada na antiga residência da colecionadora, a casa-museu<br />

possui um acervo de aproximadamente 2 mil peças de arte entre pinturas, esculturas,<br />

antiguidades, mobiliário e tapeçarias.<br />

Endereço: Rua Epitácio Pessoa, 2.480, Lagoa.<br />

Tel.: (21) 2523-3471.


ARTE, ARTISTAS E ARTEIROS<br />

BRINCANTES<br />

Na parede de um botequim de Madri, um cartaz avisa: Proibido Cantar.<br />

Na parede do aeroporto do Rio de Janeiro, um aviso informa: É proibido<br />

brincar com os carrinhos porta-bagagem.Ou seja: Ainda existe gente<br />

que canta, ainda existe gente que brinca.<br />

Janela sobre as Proibições / Eduardo Galeano


Brincar de inventar<br />

Construindo o brincar<br />

Bola de meia, bola de gude<br />

O solidário não quer solidão<br />

Toda vez que a tristeza me alcança<br />

O menino me dá a mão.<br />

Bola de Meia, Bola de Gude / Milton Nascimento<br />

e Fernando Brant<br />

A brincadeira, o jogo, a imitação, o desafio e<br />

a ilusão nos permitem criar, construir e estabelecer<br />

relações lúdicas com a vida.<br />

Quando crianças, as experiências que nos<br />

trazem a compreensão do mundo são vivenciadas<br />

no ato de brincar.<br />

Assim como a obra de arte possibilita ampliar<br />

o conhecimento do homem sobre o<br />

ambiente que o rodeia, o mesmo pode ser<br />

aplicado às brincadeiras e aos brinquedos<br />

tão comuns na infância.<br />

Brincando, fortalecemos o elo entre a nossa<br />

realidade interior e a exterior. Assim, ordenamos<br />

e estruturamos o mundo que percebemos<br />

através dos símbolos, estabelecendo também<br />

a criação de elementos culturais.<br />

A criação da cultura é, consequentemente,<br />

um ato da imaginação<br />

humana. É um ato de jogar com<br />

os dados do mundo material para<br />

construir uma ordem e um sentido.<br />

João Francisco Duarte Júnior<br />

Os brinquedos dizem muito sobre o tempo,<br />

a cultura e as características de um povo.<br />

Foram construídos, em diferentes épocas,<br />

pelas sociedades para as suas crianças.<br />

240 . Milton Dacosta. Ciranda, 1942. 241 . Cavalo de brinquedo feito de bronze (Alemanha).<br />

Brincar de inventar<br />

179


Brincar de inventar<br />

180<br />

As comunidades indígenas brasileiras utilizam<br />

materiais encontrados em seu meio<br />

ambiente para a confecção dos brinquedos<br />

infantis. A palha, por exemplo, é usada em<br />

dobraduras, representando animais e até reproduzindo<br />

elementos estranhos à cultura,<br />

como os aviões que sobrevoam as aldeias.<br />

As mulheres da tribo carajá costumam fabricar<br />

minibonecas de barro para as suas crianças.<br />

As chamadas “licocós” são pequenas<br />

figuras que reproduzem a vida da tribo, comprovando<br />

a importante presença das vivências<br />

no desenvolvimento do processo criador.<br />

242 . Licocó carajá.<br />

As sobras do barro das cerâmicas utilitárias<br />

feitas na tribo são também oferecidas aos<br />

pequenos, que com elas constroem outros<br />

objetos para brincar.<br />

Qualquer material, por mais simples que<br />

seja, poderá virar brinquedo nas mãos de<br />

uma criança. Basta que ele a faça pensar,<br />

intrigue ou, simplesmente, divirta.<br />

O brinquedo nos convida, nos desafia a medir<br />

forças, sejam elas físicas ou intelectuais.<br />

Sua criação envolve o pensamento nascido<br />

do desejo e, por isso, constrói conhecimento.<br />

Todo adulto, em algum momento da infância,<br />

criou seus próprios brinquedos e inventou<br />

brincadeiras, vivendo tempos de ludicidade<br />

e prazer que ficaram gravados na memória.<br />

No meu tempo, parte da alegria<br />

de brincar estava na alegria de<br />

construir o brinquedo.<br />

Rubem Alves<br />

Muitos artistas reconhecem a importância do<br />

brincar na infância como elemento detonador<br />

de seu próprio processo criativo.<br />

Os designers brasileiros Fernando e Humberto<br />

Campana consideram que a infância<br />

no campo, onde construíam seus próprios<br />

brinquedos, foi determinante em<br />

seu trabalho.<br />

A obra dos irmãos Campana é lúdica, divertida<br />

e alegre como a infância. Apresenta experiências<br />

inusitadas com os materiais mais<br />

comuns e propostas ousadas que transformam<br />

projetos de objetos “utilitários” em<br />

verdadeiras peças escultóricas.<br />

LICOCÓ<br />

Boneco de cerâmica feito por índias carajás. É confeccionado com barro branco retirado dos barrancos do Rio<br />

Araguaia e pintado com padrões decorativos tradicionais. O licocó barro tem função lúdica para as crianças<br />

e funciona como instrumento de socialização das meninas ao representar acontecimentos da vida cotidiana.<br />

Atualmente, tornou-se mais um meio de subsistência do grupo, ao ser vendido a turistas.<br />

FERNANDO E HUMBERTO CAMPANA<br />

(Brotas, 1961) e (Rio Claro, 1953)<br />

Designers brasileiros, os irmãos Campana desenvolvem obra que privilegia a matéria-prima sobre forma e função,<br />

transformando materiais banais em produtos inusitados. Mesclam o urbano e o rural em combinações inesperadas<br />

de elementos cotidianos (mangueira de borracha, correntes, brinquedos de pelúcia, etc.) que celebram o<br />

descartado e o mundano, criando design vibrante, marcadamente brasileiro.


243 . Irmãos Campana. Cadeira Vermelha, 1993 a 1998.<br />

244 . Irmãos Campana. Banquete, 2004.<br />

Um trabalho clássico desses artistas é a<br />

Cadeira Vermelha, feita com mais de 300<br />

metros de corda trançada à mão. Desse<br />

emaranhado derivaram-se outros objetos,<br />

tramados com diferentes fios, que<br />

deram origem a uma famosa sapatilha<br />

de plástico, comercializada no Brasil em<br />

larga escala.<br />

Fernando e Humberto resgatam, em uma expressão<br />

contemporânea, as raízes brasileiras<br />

do artesanato indígena e popular.<br />

Fernando e Humberto tiram do<br />

cotidiano popular a inspiração para<br />

suas criações, percorrem o mundo e<br />

retornam para o campo, para Brotas,<br />

a cidadezinha onde cresceram.<br />

Esse ir e vir constante traz como<br />

resultado uma obra de matriz<br />

brasileira e expressão universal.<br />

Maria Helena Estrada<br />

As brincadeiras vividas na infância também<br />

influenciaram a obra do americano Alexander<br />

Calder. Incentivado pela família, construía<br />

seus próprios brinquedos, tomando-se<br />

por base diferentes materiais, entre eles: latas,<br />

fios e madeiras.<br />

Ainda menino, Calder presenteou os pais<br />

com duas pequenas esculturas feitas de chapa<br />

de latão: um cão e um pato, com formas<br />

simplificadas, que já apresentavam suas primeiras<br />

experiências com o movimento.<br />

Depois veio um jogo de tabuleiro, no qual<br />

um tigre, um leão e três ursos de madeira<br />

se movimentavam, e a seguir uma série de<br />

outras experiências construtivas, cujas pesquisas<br />

já indicavam a descoberta de uma<br />

futura forma de arte inovadora.<br />

ALEXANDER CALDER<br />

(Lawnton, 1898 – Nova York, 1976)<br />

Escultor, pintor e gravador, foi um dos pioneiros da arte cinética ao criar esculturas movidas por motor ou pela ação<br />

de correntes de ar. Suas construções articuladas, apoiadas no chão ou suspensas (os móbiles), cujos elementos são<br />

feitos de materiais industriais e possuem formas biomórficas, remetem ao Construtivismo e ao Surrealismo. Baseadas<br />

em um equilíbrio instável, marcam o espaço com uma grafia delicada, que remete à dinâmica da morfologia natural.<br />

Brincar de inventar<br />

181


Calder formou-se em Engenharia Mecânica e<br />

nunca deixou de construir brinquedos com<br />

movimento, como o Circo Calder.<br />

245 . Alexander Calder. Circo Calder, 1926-1930.<br />

Esse conjunto de bonecos e animais foi projetado,<br />

construído, dirigido e apresentado<br />

pelo artista, em diferentes lugares, ao longo<br />

de 40 anos.<br />

Sua ousadia criativa não se limitou aos brinquedos.<br />

As experiências com eles vieram a<br />

caracterizar a obra que o tornou conhecido<br />

mundialmente: o “móbile”.<br />

As esculturas cinéticas de Calder, que conjugam<br />

arte e engenharia, encantam qualquer<br />

pessoa pela sua beleza e ludicidade.<br />

A herança da arte construída por Calder<br />

aparece, ainda hoje, ressignificada e popularizada<br />

em outros objetos, como nos<br />

brinquedos tão comuns nos quartos e<br />

nos berços das crianças em todo o mundo,<br />

pendurados em um contínuo, lento e<br />

infinito movimento.<br />

246 . Alexander Calder. Vermelho Triunfante, 1963.<br />

O brinquedo alimenta a imaginação?<br />

Por ser um desafio ao conhecimento, o<br />

ato de brincar impulsiona a imaginação<br />

de diferentes modos: a exploração do funcionamento<br />

do brinquedo, o desdobramento<br />

de suas funções e até a criação de<br />

novas possibilidades.<br />

Muitas experiências da infância ganham força<br />

criativa na vida adulta.<br />

A utilização de uma forma lúdica<br />

dos meios acessíveis, sem nenhum<br />

propósito predeterminado, abre as<br />

possibilidades de um sem-número<br />

de organizações e associações.<br />

Maria de lourdes Mäder Pereira<br />

JOAQUÍN TORRES GARCÍA<br />

(Montevidéu, 1874-1949)<br />

Pintor, desenhista e teórico uruguaio, participou da vanguarda artística parisiense nos anos 1920 e estabeleceu o<br />

Construtivismo como movimento chave na América Latina. Enfatizou a linha ortogonal do Neoplasticismo holandês<br />

ao empregar a grade como principal estrutura compositiva. Diferentemente dos europeus, preencheu os espaços<br />

dessa grade com figuras geométricas, números e símbolos, em cores terrosas, inspiradas nas artes egípcia,<br />

africana e, principalmente, inca e asteca.<br />

247 . Página à esquerda: Alexander Calder. Cinco Espadas, 1976.<br />

O artista uruguaio torres García buscou na<br />

pintura uma renovação constante, desenvolvendo<br />

suas primeiras obras construtivistas.<br />

Brincar de inventar<br />

183


Brincar de inventar<br />

184<br />

248 . Joaquín Torres García. Construção em preto<br />

e branco, 1931.<br />

Paralelamente, elaborou uma produção significativa<br />

de brinquedos artesanais desmontáveis<br />

em madeira, que foram apreciados em<br />

toda a Europa e considerados obras de arte<br />

por sua originalidade e linguagem estética.<br />

249 . Joaquín Torres García. Cachorro, 1924-1925.<br />

Torres García escreveu o livro Universalismo<br />

Construtivo, tomando como ponto de partida<br />

numerosos textos, anotações e desenhos de<br />

sua autoria, que definem e defendem uma<br />

arte americana com abrangência universal.<br />

(...) a linguagem deve ser a mais<br />

universal e a mais compreensível.<br />

Geometria e simbolismo teriam que<br />

ser a maneira natural de expressar<br />

o artista. E foi assim que, encontrando<br />

todas as peças do quebra-<br />

-cabeça, pude formá-lo por inteiro.<br />

torres García<br />

No percurso lúdico das brincadeiras, o casal<br />

de arquitetos americanos Charles e Ray<br />

Eames é considerado pioneiro em projetos<br />

que apontaram caminhos para a construção<br />

dos brinquedos na era tecnológica.<br />

250 . Charles e Ray Eames.<br />

Elefante, 1945.<br />

Peças modulares e<br />

de encaixes, casas<br />

de bonecas e miniaturas<br />

de mobiliários<br />

são alguns<br />

dos projetos desenvolvidos<br />

pelo casal<br />

de arquitetos, que<br />

se inspirava em sua<br />

coleção particular<br />

de brinquedos.<br />

CHARLES E RAY EAMES<br />

(St. Louis, 1907-1978) e (Sacramento, 1916 – Los Angeles, 1988)<br />

O arquiteto Charles Eames e a pintora Ray Eames se casaram em 1941 e formaram parceria que desenvolveu<br />

projetos de design, arquitetura e cinema. Seus edifícios, brinquedos de crianças e mobiliário, em plástico moldado,<br />

espuma, couro artificial e alumínio fundido, participaram da modernização da América pós-guerra. Nos anos 1960,<br />

envolveram-se com a comunicação, especialmente com o cinema.<br />

251 . Página à direita: Joaquín Torres García. Formas Abstratas Metafísicas, 1930.


Brincar de inventar<br />

186<br />

Cuidadosamente pensadas, as criações do<br />

casal encantavam pela variação cromática e<br />

gráfica, pela exploração da tridimensionalidade<br />

e do espaço, pelo desafio construtivo<br />

dos módulos, pelas infinitas possibilidades<br />

criativas oferecidas por quem adorava<br />

brincar e construir.<br />

Alguns tipos de brincadeiras e brinquedos<br />

antigos ainda permanecem reinventados<br />

pela indústria e pelas crianças, mantendo<br />

sua riqueza e um valor lúdico inestimável.<br />

<strong>Arte</strong>sãos, em diferentes lugares do nosso<br />

país, também perpetuam essa magia que<br />

nos transporta ao mundo maravilhoso do<br />

faz de conta: bonecas de pano, carrinhos e<br />

barcos de chapas de lata, jogos de encaixe<br />

em madeira, fantoches e mamulengos.<br />

Os bonecos artesanais têm suas raízes históricas<br />

no teatro medieval europeu.<br />

252 . Vahram Davtian. Teatro Medieval, 2007. 254 . Mamulengos.<br />

As marionetes eram utilizadas, naquela<br />

época, para difundir o catolicismo. Atualmente,<br />

retratam situações cômicas e sátiras<br />

do cotidiano. Manipulados por atores, os<br />

bonecos podem ser de luva, de vareta, de<br />

haste ou de fio.<br />

253 . Giovanni Volpato. Os Fantoches, 1764.<br />

No Brasil, o teatro de marionetes chegou por<br />

volta de 1700, adquirindo contornos locais e<br />

dando origem ao chamado mamulengo, brinquedo<br />

popular inigualável na dinâmica, simplicidade<br />

e alegria.<br />

O mamulengo quase sempre é conduzido pelo<br />

próprio dono dos bonecos, que assume diferentes<br />

papéis: é artesão, ator, manipulador, dançarino,<br />

poeta, improvisador e cantador. O ritmo e<br />

a dança dão o clima do espetáculo, que atrai e<br />

encanta o público por sua energia criativa.<br />

MAMULENGO<br />

Teatro de bonecos muito popular no Nordeste. Sua origem no Brasil remonta aos séculos XVI a XVIII. Os<br />

fantoches, feitos em geral de madeira, massa ou papelão e pano, são chamados mamulengos no interior do<br />

Brasil, principalmente no Nordeste. São manobrados com as mãos, como se fossem luvas. O encenador, escondido<br />

atrás de um anteparo, lhes dá movimento e voz. Os temas representados vão de dramas bíblicos a comédias,<br />

retratando, também, temas da atualidade.


255 . Mamulengo.<br />

Só pode brincar de mamulengo<br />

se for poeta. Se não for poeta não<br />

pode brincar.<br />

Mestre luiz Serra, mamulengueiro de<br />

Vitória de Santo Antão/PE<br />

Uma versão atual e sofisticada de teatro de<br />

bonecos é o grupo Giramundo, criado em<br />

1970 pelo artista plástico Álvaro Apocalypse<br />

quando era professor da Universidade<br />

Federal de Minas Gerais (UFMG). Suas filhas<br />

deram continuidade ao projeto, que hoje,<br />

além do teatro, inclui cinema e animação.<br />

O Giramundo é um dos teatros de bonecos<br />

mais premiados no Brasil e no exterior, tendo<br />

como uma de suas características o planejamento<br />

de cada personagem por meio<br />

de desenhos, antecipando a concepção do<br />

boneco como obra de arte.<br />

256 . Teatro de bonecos Giramundo.<br />

As peças teatrais agradam ao público infantil<br />

e adulto, propondo questões estéticas, sociais<br />

e políticas que traduzem poeticamente<br />

a cultura brasileira. Além de uma marcante<br />

atuação profissional, o grupo possui uma<br />

extensa coleção de marionetes, projetos técnicos,<br />

estudos de cenografia, figurinos e livros<br />

sobre teatro de bonecos no mundo.<br />

Recentemente, o Giramundo participou, com<br />

seus personagens, de um trabalho desenvolvido<br />

pela banda Pato Fu, no show/DVD Música<br />

de Brinquedo.<br />

Nesse projeto, a banda mineira recriou frases<br />

melódicas de velhas canções, com arranjos<br />

especiais, tirando sons de brinquedos<br />

e instrumentos musicais infantis.<br />

GIRAMUNDO<br />

Um dos grupos de teatro de bonecos mais importantes do mundo, criou mais de 30 peças em cerca de 40 anos<br />

de atividade. Com sede em Belo Horizonte, surgiu no início da década de 1970. Sua atuação envolve oficinas,<br />

exposições, educação ambiental e apresentações em teatro e rua, bem como a instituição de um museu do teatro<br />

de bonecos. Recentemente, passou a aplicar a tecnologia da videoanimação, que se aliou à expressão corporal<br />

dos intérpretes e ao aprimoramento dos bonecos.<br />

PATO FU<br />

Banda de rock formada em 1992, em Belo Horizonte, integrada por Fernanda Takai, John Ulhoa, Ricardo Koctus,<br />

Xande Tamietti e Lulu Camargo. O primeiro álbum, Rotomusic de Liquidificapum, saiu em 1993. Com o CD Gol de<br />

Quem?, conseguiu projeção nacional, em 1995. Apresentou-se em festivais como Hollywood Rock e Rock in Rio 3. Em<br />

2010, lançou um CD gravado apenas com brinquedos infantis, como tecladinhos, xilofones e caixinhas de música.<br />

Brincar de inventar<br />

187


257 . Espetáculo Música de Brinquedo, da banda Pato Fu.<br />

Acho que adultos vão relembrar<br />

canções de que gostavam e a criançada<br />

poderá ser introduzida à boa<br />

música pop que já foi produzida.<br />

Fernanda takai, vocalista do Pato Fu<br />

Os brinquedos que produzem sons, que<br />

voam, que pulam, como piões, pipas, bolas,<br />

continuam encantando e fazendo parte do<br />

universo infantil. Muitos deles estão perpetuados<br />

em diferentes obras de arte.<br />

Um registro antigo dessa temática é a pintura intitulada<br />

Jogos Infantis, de Pieter Bruegel, datada<br />

de 1560. São mais de 84 tipos de brincadeiras,<br />

com riqueza de detalhes, ocupando todo o espaço<br />

da tela, envolvendo cerca de 250 crianças.<br />

258 . Pieter Bruegel. Jogos Infantis, 1560 (detalhe).<br />

259 . Ivan Cruz. Brincadeiras de Criança, 2004.<br />

PiEtER BRuEGEl (O VELHO)<br />

(Bree, 1525/30 – Bruxelas, 1569)<br />

Pintor e gravador, foi membro de importante família de artistas ativa nos Países Baixos nos séculos XVI e XVII. A partir da<br />

observação direta da natureza e do ambiente urbano, produziu composições brilhantemente organizadas e controladas.<br />

Retratou atividades cotidianas do homem comum, prestando atenção particular em detalhes de roupas e gestos. Inovou<br />

nas paisagens ao separá-las de extensa tradição iconográfica, alcançando uma visão palpável do mundo natural.<br />

iVAN CRuZ<br />

(Rio de Janeiro, 1947)<br />

Formado em Direito, deixou a profissão para dedicar-se à pintura. Seu tema principal liga-se à infância nos anos<br />

1940/1950, pela série Brincadeiras de Criança, que retrata jogo de bola de gude, de pular corda, de amarelinha, de<br />

rodar pião e outros. Em suas exposições, além de quadros, estão os brinquedos retratados, há oficinas de brincadeiras<br />

e de confecção de brinquedos, contadores de histórias, além de uma ambientação com músicas da época.<br />

260 . Página à esquerda: Ivan Cruz. Ciranda, 2005 (detalhe).<br />

Os jogos pintados na obra são, em sua<br />

maioria, conhecidos e brincados até hoje.<br />

Apresentando uma composição semelhante<br />

ao trabalho de Bruegel, o brasileiro ivan<br />

Cruz constrói uma obra contemporânea,<br />

também baseada em jogos infantis, intitulada<br />

Brincadeiras de Criança.<br />

Brincar de inventar<br />

189


Brincar de inventar<br />

190<br />

Colecionador de brinquedos antigos, Ivan<br />

retrata, com cores fortes e variadas, imagens<br />

de suas memórias de infância, entre<br />

elas, a brincadeira de soprar bolinhas de<br />

sabão, tema também pintado, em 1867,<br />

pelo francês Édouard Manet.<br />

261 . Édouard Manet. As Bolas de Sabão, 1869.<br />

Canudo e canequinha,<br />

Sabão, água e a bolinha<br />

Flutua solta no ar. (...)<br />

Bolinhas que voam alto<br />

Bolinhas que sobem leve<br />

Desviam pra escapar,<br />

Dançando sua vida breve.<br />

Mércia M. leitão e Neide Duarte<br />

Outra infância vivida e registrada em telas<br />

foi a de Candido Portinari, na cidade de Brodósqui,<br />

no interior de São Paulo. Cirandas,<br />

papagaios no ar, piões rodopiando, bolas rolando<br />

nos campos, o vai e vem dos balanços<br />

e das gangorras ganharam formas e cores<br />

nas pinturas do artista.<br />

262 . Ivan Cruz. Soltando Bolinha de Sabão, 1999 (detalhe). 263 . Candido Portinari. Menino com Pião, 1947.<br />

ÉDOUARD MANET<br />

(Paris, 1832-1883)<br />

Pintor francês, marcou decisivamente a pintura moderna ao abandonar as sombras suaves e os meios-tons da pintura acadêmica<br />

e explorar os fortes contrastes de cor da visão de objetos ao ar livre. Formado na grande tradição da pintura, mas<br />

compreendendo a arte como reflexo do presente, reelaborou temas dessa tradição. Recusado no Salão do Louvre, exibiu<br />

no Salão dos Recusados, chocando público e crítica. Suas inovações, porém, possibilitaram o advento do Impressionismo.


Nossa imaginação fértil e variada<br />

nos socorria constantemente nas<br />

invenções de novos passatempos.<br />

(...) Não tínhamos nenhum brinquedo<br />

comprado. Fabricávamos nossos<br />

papagaios, piões, diabolôs.<br />

264 . Jean-Baptiste Debret. Meninos Brincando de Soldados<br />

ou O Primeiro Ímpeto da Virtude Guerreira, 1827.<br />

265 . Carlos Scliar. Na Rua, 1940.<br />

Candido Portinari<br />

No Brasil, a representação de crianças brincando<br />

é uma constante na obra de artistas<br />

de todos os tempos: marchando como soldados,<br />

na aquarela de Debret; jogando bilboquê,<br />

na tela de Belmiro de Almeida; tocando<br />

tambor, na pintura de Rodolfo Amoedo.<br />

E continuaram ganhando espaço com os<br />

brinquedos populares pintados por Volpi; a<br />

brincadeira de cabra-cega, de Teruz; a ciranda,<br />

de Milton Dacosta; os jogos de gude, de<br />

Carlos Scliar; a boneca, de Tarsila.<br />

As experiências do brincar, desde a invenção<br />

ou reinvenção de uma brincadeira, passando<br />

pela construção do brinquedo, podem<br />

ficar registradas de diferentes formas.<br />

Esses momentos prazerosos são assim eternizados,<br />

guardando o sonho e a descoberta<br />

da infância vivida por todos os arteiros<br />

e artistas.<br />

Quem brinca sabe que a alegria se<br />

encontra precisamente no desafio e na<br />

dificuldade. Letras, palavras, números,<br />

formas, bichos, plantas, objetos (ah!<br />

o fascínio dos objetos!), estrelas, rios,<br />

mares, máquinas, ferramentas, comidas,<br />

músicas – todos são desafios que olham<br />

para nós e nos dizem: “Veja se você<br />

pode comigo!”.<br />

Rubem Alves<br />

CARloS SCliAR<br />

(Santa Maria, RS, 1920 – Rio de Janeiro, 2001)<br />

Pintor, desenhista, gravador e ilustrador gaúcho, realizou obra diversificada (naturezas-mortas, paisagens e<br />

retratos). Em São Paulo (1939-1947), integrou a Família Artística Paulista, realizando pinturas e gravuras expressivas<br />

com temas sociais. Fundou o Clube de Gravura de Porto Alegre (1950), importante na renovação das<br />

artes no estado. A partir de 1956, no Rio de Janeiro, produziu trabalhos gráficos em jornais, além de pintura e<br />

colagem, com destaque para naturezas-mortas.<br />

Brincar de inventar<br />

191


Brincar de inventar<br />

192<br />

A participação lúdica<br />

Por meio dos sentidos suspeitamos<br />

o mundo.<br />

Bartolomeu Campos de Queirós<br />

Enquanto a visão se perde no horizonte,<br />

onde o mar parece encontrar o céu, os pés<br />

pisam na areia fofa, ora seca, ora molhada.<br />

A brisa traz o cheiro da maresia, anunciando<br />

o gosto salgado da água, lembranças que<br />

se perdem no vai e vem sonoro das ondas.<br />

Momentos como esse só podem ser desfrutados<br />

plenamente por um corpo disponível,<br />

aberto às sensações.<br />

O poeta Bartolomeu Campos de Queirós afirma<br />

que os olhos, os ouvidos, o nariz e a<br />

boca “têm raízes pelo corpo inteiro” e “a<br />

pele é raiz cobrindo esse corpo”.<br />

Na história das artes plásticas, a contemplação<br />

foi privilegiada durante muito tempo,<br />

sendo o estímulo visual a principal entrada<br />

para a fruição do espectador.<br />

Buscando uma maior interação com o público,<br />

surgem, no século XX, obras que propõem<br />

jogos visuais nos quais, através de<br />

ilusões momentâneas, o olhar é estimulado<br />

a perceber novas possibilidades que desarticulam<br />

o estabelecido, apresentando realidades<br />

múltiplas e simultâneas.<br />

Ao observarmos algumas obras do holandês<br />

M. C. Escher, percebemos que as imagens<br />

brincam com a geometria e as regras de<br />

perspectiva, questionando a realidade.<br />

266 . M. C. Escher. Relatividade, 1955.<br />

BARTOLOMEU CAMPOS DE QUEIRÓS<br />

(Papagaio, MG, 1944 – Belo Horizonte, 2012)<br />

Escritor e educador. Publicou mais de 40 livros, alguns no exterior. Sua obra questiona a vida e o tempo e ressalta<br />

a infância como momento propício às descobertas. Cursou o Instituto de Pedagogia em Paris e participou<br />

de importantes projetos de leitura no Brasil, como o ProLer. Integrou a arte ao processo educativo. Foi um dos<br />

fundadores do Movimento por um Brasil Literário, presidente da Fundação Clóvis Salgado/Palácio das <strong>Arte</strong>s e<br />

membro do Conselho Estadual de Cultura de Minas Gerais.<br />

M. C. ESCHER (MAURITS CORNELIS ESCHER)<br />

(Leeuwarden, 1898 – Laren, 1972)<br />

Artista gráfico holandês, produziu gravuras inspiradas na Matemática que representam realidades impossíveis. Realizou<br />

muitas viagens, entre elas, a Granada, onde conheceu a arte árabe, que despertou seu interesse pela divisão<br />

regular do plano em figuras geométricas que se transfiguram e se repetem. Para preencher as superfícies, substituía<br />

as figuras abstratas e geométricas, usadas pelos árabes, por elementos existentes na natureza, como pássaros,<br />

peixes, pessoas, répteis, etc.<br />

267 . Página à direita: M. C. Escher. Relatividade, 1955 (detalhe).


A construção das formas abriga jogos de ilusão<br />

e estabelece lugares que convidam a percursos<br />

inusitados. Sua arte e sua técnica criam estratégias<br />

que levam ao prazer da descoberta,<br />

chave de um jogo que constrói conhecimento.<br />

O saber entra pelos sentidos e não<br />

somente pelo intelecto.<br />

Frei Betto<br />

As formas e as combinações imprevisíveis<br />

desenhadas por Escher causam sensações<br />

de magia, desafiando o olhar e o entendimento<br />

do espectador que está sempre<br />

buscando respostas.<br />

As figuras estão paradas ou andando? O objeto<br />

está dentro ou fora? A forma é côncava ou<br />

convexa? E, afinal, a escada sobe ou desce?<br />

Escher é um construtor de mundos impossíveis.<br />

Brincando também com os processos de<br />

percepção, surge, na década de 1960, a Op<br />

Art, que provoca os limites da visão através<br />

das sensações de movimento e da ilusão<br />

das três dimensões.<br />

Um dos principais artistas desse estilo<br />

foi Victor Vasarely, criador da plástica do<br />

movimento. Usando figuras geométricas, ele<br />

brinca com permutações de cores, formando<br />

novos conjuntos pictóricos, que se modificam<br />

conforme o ângulo do olhar do espectador.<br />

268 . Victor Vasarely. Hexa 5, 1988.<br />

Como a própria vida contemporânea, a op Art<br />

é uma arte que está em constante alteração.<br />

Os tempos modernos fizeram com que se<br />

deixasse de lado a percepção da totalidade<br />

da vida através dos sentidos. Para alguns<br />

artistas contemporâneos, já não era suficiente<br />

estimular o espectador apenas visualmente,<br />

nem pelo jogo óptico ou mesmo pela<br />

contemplação das inocentes brincadeiras de<br />

infância guardadas nas lembranças e registradas<br />

em telas.<br />

Em uma visão provocativa, pretendiam que<br />

as emoções vividas nos momentos dessas<br />

brincadeiras fossem “re-vividas”, sensorialmente,<br />

no contato direto com as novas<br />

expressões artísticas.<br />

VICTOR VASARELY<br />

(Pécs, 1908 – Paris, 1997)<br />

Pintor e artista gráfico húngaro, trabalhou em publicidade e decoração e desenvolveu pesquisas no campo da óptica-cinética<br />

com um método claramente científico, tornando-se um dos primeiros representantes da Op Art. Suas estruturas pictórico-dinâmicas,<br />

baseadas em variantes graduais de cor, exploram as diversas leituras das séries de formas geométricas<br />

coloridas: na vertical, na horizontal, nas diagonais ou na inversão da relação positivo-negativo entre figuras e intervalos.<br />

OP ART<br />

Abreviação do inglês Optical Art (<strong>Arte</strong> Óptica), o termo refere-se à pintura e à escultura que exploram efeitos e ilusões<br />

ópticas produzidos por incapacidade do olho e/ou cérebro de processar corretamente cores e formas em certas situações.<br />

A partir do estudo dos processos ópticos e psicológicos envolvidos na percepção, explora fenômenos como imagem fantasma,<br />

figuras ambíguas, perspectiva reversível ou sugestão de movimento pelo ritmo sincopado de padrões geométricos.<br />

269 . Página à esquerda: Orgulho I, 1981-1982 (detalhe), obra da artista inglesa Bridget Riley, representante da Op Art.<br />

Brincar de inventar<br />

195


Brincar de inventar<br />

196<br />

Assim, para esses artistas, o aspecto lúdico<br />

nas artes visuais deveria sair da figuração<br />

e da moldura, produzindo obras mais participativas,<br />

com a liberdade de um jogo que<br />

estimulasse os cinco sentidos.<br />

Pode-se brincar, mexer em uma obra de arte?<br />

Buscando resgatar a percepção sensível do<br />

mundo, alguns artistas modernos propõem<br />

que a ludicidade na arte seja um caminho para<br />

o espectador brincar, sonhar, interagir, experimentar<br />

e divertir-se, convidando os sentidos<br />

a participar, ativamente, mediando a fruição.<br />

A atividade puramente lúdica é,<br />

em princípio, a melhor maneira<br />

de iniciar qualquer tipo de<br />

trabalho artístico.<br />

Maria de lourdes M. Pereira<br />

Hélio oiticica, artista performático, pintor,<br />

escultor, pensador e inventor, a partir de<br />

1960, abandona os trabalhos bidimensionais<br />

e sai das telas para o espaço ambiental,<br />

convidando o espectador a observar, sob<br />

múltiplos ângulos, seus Relevos Espaciais,<br />

soltos no espaço.<br />

O artista foi cada vez mais longe e idealizou<br />

as obras Penetráveis, Núcleos, Bólides e Parangolés,<br />

afirmando: “foram o caminho para<br />

a descoberta do que eu chamo de estado<br />

de invenção”.<br />

Só existe o grande mundo da invenção.<br />

Hélio oiticica<br />

Passista da Estação Primeira de Mangueira,<br />

em sua ousadia e inventividade, Hélio Oiticica,<br />

quando cria Parangolés, que tinha por<br />

base capas de vestir, remete a obra ao jeito<br />

do corpo da malandragem carioca.<br />

270 . Grupo de pessoas no Morro da Mangueira com Parangolés P<br />

25 Capa 21 “Xoxoba” (1968), P 08 Capa 05 “Mangueira” (1965),<br />

P 05 Capa 02 (1965), P 04 Capa 01 (1964).<br />

O parangolé pamplona você mesmo faz<br />

O parangolé pamplona a gente mesmo faz<br />

Com um retângulo de pano de uma cor só<br />

E é só dançar<br />

E é só deixar a cor tomar conta do ar<br />

Verde Rosa.<br />

Parangolé Pamplona / Adriana Calcanhotto<br />

HÉLIO OITICICA<br />

(Rio de Janeiro, 1937-1980)<br />

Artista e teórico da arte, destaca-se no experimentalismo artístico brasileiro dos anos 1960 ao propor arte de alcance social e<br />

ético. Começou a produzir a partir da geometria herdada das vanguardas construtivas modernas e tomou parte da arte mais<br />

avançada da época (Neoconcretismo, 1959). Na busca por integrar arte e vida cotidiana, visou superar os limites do quadro<br />

ao fazer a cor ganhar o espaço (Núcleos, Bólides, Parangolés e Penetráveis), com o crescente envolvimento do espectador.<br />

271 . Página à direita: Hélio Oiticica manipulando B 07 Bólide Vidro 01, 1964.


Brincar de inventar<br />

198<br />

Unindo corpo e som, as capas foram usadas,<br />

inicialmente, por sambistas que, com<br />

sua dança, rodopiavam e criavam a ilusão<br />

da cor em movimento, em uma manifestação<br />

cultural coletiva.<br />

Hélio afirmou que só com a participação do<br />

público os Parangolés conseguiam alcançar<br />

sua plenitude plástica, um sentido de arte<br />

total, unindo recursos que antes agiam separadamente:<br />

cor, estruturas, sentido poético,<br />

dança, palavra, fotografia.<br />

Chamarei então Parangolé, de agora<br />

em diante, a todos os princípios<br />

formulados aqui (...). Parangolé é<br />

a antiarte por excelência; inclusive<br />

pretendo estender o sentido de<br />

“apropriação” às coisas do mundo<br />

com que deparo nas ruas, terrenos<br />

baldios, campos, o mundo ambiente<br />

enfim (...). Museu é o mundo; a<br />

experiência cotidiana.<br />

Hélio oiticica<br />

E surgiram as chamadas Manifestações Ambientais,<br />

entre as quais se destacou a obra<br />

Tropicália, de 1967, instalação em forma de<br />

labirintos, sem teto, feitos de diferentes<br />

materiais e texturas, em que Hélio faz analogias<br />

com as paisagens tropicais de Tarsila<br />

do Amaral.<br />

O artista convida o público a participar de<br />

uma experiência multissensorial. O espaço<br />

a ser percorrido sobre areia, pedrinhas, capim,<br />

asfalto, terra, em meio a tecidos, palhas,<br />

cordas e plantas, exige experiências<br />

através do gesto, do corpo e de todos os<br />

sentidos do participante, que vive por inteiro<br />

a proposição do artista.<br />

272 . Hélio Oiticica. Tropicália PN 2 e PN 3, 1967.<br />

273 . Hélio Oiticica. Tropicália PN 2 e PN 3, 1967.<br />

A repercussão do trabalho foi tal que Tropicália<br />

passou a designar o conjunto de desdobramentos<br />

culturais brasileiros, na música,<br />

no teatro, no cinema e na poesia, encabeçados<br />

por Gilberto Gil e Caetano Veloso.<br />

(...) a arte é um exercício<br />

experimental da liberdade.<br />

Mário Pedrosa<br />

Na mesma linha de pensamento de Hélio<br />

Oiticica, na qual o quadro se dissolve e extrapola<br />

suas barreiras tradicionais, em uma


transição entre o bidimensional e o tridimensional<br />

e permitindo a inserção do espectador<br />

na obra, está a artista lygia Clark.<br />

Contemporânea de Hélio, ela também deixa<br />

de pintar quadros e, da superfície para o<br />

espaço, cria “não objetos” construídos com<br />

placas de metal dobráveis, criando um espaço<br />

interno: são os Casulos.<br />

Depois, surgem os Bichos, que possuem dobradiças.<br />

Estas funcionam como uma espinha<br />

dorsal da estrutura, permitindo diferentes<br />

configurações, por meio da manipulação<br />

do espectador.<br />

A experiência singular de Lygia se desenvolveu<br />

em novas propostas: Abrigos Poéticos,<br />

Caixa Cubos, Objetos Relacionais e Livro-<br />

-Obra, que registra as reflexões da artista<br />

sobre seu trabalho.<br />

274 . Lygia Clark. Bicho, 1960.<br />

Sua pesquisa se amplia gradativamente, investigando<br />

as relações sensoriais entre corpo<br />

e arte e ressuscitando, através de diferentes<br />

materiais, as memórias do corpo.<br />

Lygia e Oiticica, de maneiras próprias, ao<br />

romperem com o quadro e construírem diretamente<br />

no espaço, desenvolveram caminhos<br />

que apontaram novos rumos para a<br />

arte contemporânea brasileira, nos quais a<br />

participação, a interação e a ludicidade buscavam<br />

transformar os processos de criação<br />

artística em sensações de vida.<br />

Hélio era o lado de fora de uma<br />

luva, a ligação com o mundo<br />

exterior. Eu, a parte de dentro.<br />

Nós dois existimos a partir do<br />

momento em que há uma mão<br />

que calce a outra.<br />

lygia Clark<br />

Integrados ao espírito da arte difundido nos<br />

anos 1960, no qual o artista era um propositor<br />

de situações, um coautor da obra de arte,<br />

são organizados por Frederico de Morais, no<br />

Museu de <strong>Arte</strong> Moderna do Rio de Janeiro, os<br />

chamados Domingos da Criação, que aconteceram<br />

de janeiro a agosto de 1971.<br />

Com o objetivo de atrair, conquistar e conhecer<br />

o público, esses eventos ofereciam<br />

oportunidades para que os participantes<br />

exercitassem sua criatividade. Foram seis<br />

LYGIA CLARK<br />

(Belo Horizonte, 1920 – Rio de Janeiro, 1988)<br />

Artista experimental brasileira, trocou a superfície plana da pintura pelo espaço físico do mundo, convocando intensa<br />

participação física do espectador. Uma das fundadoras do grupo neoconcreto, desenvolveu objetos tridimensionais que<br />

solicitam manipulação pelo espectador (Bichos, 1960; Caminhando, 1964). Na década de 1970, dedicou-se ao estudo das<br />

possibilidades terapêuticas da arte sensorial e dos objetos relacionais, considerando seu trabalho próximo à psicanálise.<br />

FREDERICO DE MORAIS<br />

(Belo Horizonte, 1936)<br />

Crítico de arte e curador independente, vive e trabalha no Rio de Janeiro. Exerce a crítica de arte desde 1956, em que se<br />

destaca nos anos 1960 e no início da década de 1970, ao acompanhar alguns dos artistas mais importantes do período<br />

e criar eventos marcantes, como <strong>Arte</strong> no Aterro (MAM-Rio, 1968) e Do Corpo à Terra (Belo Horizonte, 1970). No Rio de<br />

Janeiro, assinou coluna de artes plásticas no Diário de Notícias (1966-1973) e em O Globo (1975-1987).<br />

Brincar de inventar<br />

199


Brincar de inventar<br />

200<br />

275 . Domingos da Criação.<br />

encontros, estimulando experimentos com<br />

papel, terra, tecido, corpo, som e fio, reunindo<br />

a população ao redor da arte, em um<br />

espaço público, em plena ditadura militar.<br />

Os Domingos questionavam posturas e opiniões<br />

conservadoras sobre a arte brasileira<br />

daquele momento. Em uma livre manifestação<br />

do fazer estético, conferiam poder<br />

à imaginação, por acreditar na capacidade<br />

criadora inerente a todo ser humano.<br />

Os Domingos, portanto, tinham<br />

como meta colocar o consumidor<br />

diretamente dentro do processo<br />

criador, retirá-lo de sua passividade,<br />

tornando-o parte ativa da criação.<br />

Frederico de Morais<br />

Nesses Domingos, era possível a participação<br />

ativa do público, vivendo experiências,<br />

individuais e coletivas, não só de ver,<br />

apreciar, mas também de tocar, bulir, apalpar,<br />

cheirar, devorar a obra, criando, dessa<br />

forma, novas relações sociais dentro da arte.<br />

Tomando-se por base materiais simples, a<br />

arte brasileira mostrava ser capaz de reunir<br />

pessoas com a proposta de brincar com as<br />

diferentes linguagens.<br />

A “arte-atividade” ganha espaço em objetos,<br />

performances, rituais, eventos, como um<br />

plano piloto para uma futura cidade lúdica.<br />

A arte é uma forma de lidar com a incerteza,<br />

o conflito, o desafio, mas também com o<br />

prazer, a alegria e a ludicidade implícitos no<br />

viver e necessários para que, “arteiros”, nos<br />

arrisquemos no mundo, em uma busca constante<br />

e apaixonada da realização criativa.<br />

Criar é tão difícil ou tão fácil como viver.<br />

E do mesmo modo necessário.<br />

Fayga ostrower


Conhecimentos em arte<br />

• A ludicidade na arte.<br />

• A brincadeira como estímulo à criação.<br />

• O fazer artístico e a experimentação lúdica.<br />

• Os brinquedos e as brincadeiras de diferentes<br />

culturas.<br />

• A interação entre o público e a criação<br />

artística.<br />

ARTiculando em sala de aula<br />

Professor(a), com base no texto lido, sugerimos<br />

algumas atividades para propor aos alunos:<br />

• Trazer, para a sala de aula, brinquedos<br />

antigos que pertenceram aos familiares.<br />

Preencher uma ficha com as características<br />

do brinquedo, o material com que<br />

foi feito, a quem pertenceu e se existe<br />

algum similar na atualidade. Organizar<br />

uma exposição com todos os brinquedos<br />

trazidos pela turma.<br />

• Assistir ao filme Toy Story 3. Discutir sobre<br />

ele e sobre a importância dos brinquedos<br />

na vida de uma criança. Comentar,<br />

com os colegas, quais as preferências<br />

pessoais em relação a brinquedos.<br />

• Imaginar um brinquedo diferente. Fazer<br />

um projeto para ele, desenhando-o com<br />

detalhes, descrevendo suas características<br />

e seu funcionamento. Apresentar<br />

o projeto para a turma. Selecionar seis<br />

projetos e construí-los em grupos.<br />

• Observar reproduções de objetos feitos<br />

pelos irmãos Campana. Em grupo,<br />

transformar uma peça descartada do<br />

mobiliário escolar em outra, mais lúdica<br />

e interessante. Poderão ser feitas<br />

colagens com figuras recortadas de revistas,<br />

pedaços de tecidos, fitas e qualquer<br />

material disponível que inspire a<br />

criação. Criar títulos para as peças, expor<br />

os trabalhos e, se possível, fotografar<br />

e divulgar pela internet.<br />

• Criar uma pequena história, em grupo,<br />

que envolva brinquedos. Fazer fantoches,<br />

de diferentes tipos, para os personagens<br />

da história, usando materiais<br />

diversos, tais como: meias, sacos de<br />

papel, caixas pequenas, papéis coloridos,<br />

cartolina, plástico resistente, espetos<br />

de churrasco, entre muitos outros.<br />

Construir um cenário e improvisar um<br />

palco para apresentação da história,<br />

manipulando os fantoches criados.<br />

• Observar reproduções de obras plásticas<br />

executadas por diferentes artistas<br />

que apresentem brincadeiras e brinquedos<br />

infantis como tema. Fazer releituras<br />

das obras escolhidas com desenhos,<br />

pinturas e colagens. Recortar as formas<br />

e montar um painel com os desenhos<br />

da turma.<br />

• Verificar, na obra de Ivan Cruz, os brinquedos<br />

populares que aparecem nas<br />

telas. Produzir brinquedos artesanais:<br />

bolas de meia, pipas, bonecas de pano,<br />

peteca e outros de fácil confecção. Organizar<br />

um painel coletivo com a turma, no<br />

qual serão pintados personagens infantis<br />

e fixados os brinquedos confeccionados.<br />

• Pesquisar a arte cinética e os móbiles criados<br />

por Calder. Construir um móbile com<br />

diferentes figuras circenses. Os desenhos<br />

deverão ser feitos, em frente e verso, sobre<br />

um papel resistente e depois coloridos<br />

e recortados. Fazer armações com arame<br />

maleável e pendurar as formas, com fios<br />

de náilon, nas extremidades de cada arame.<br />

Interligar as armações, equilibrando-<br />

-as para formar o móbile. Ornamentar a<br />

sala com os móbiles criados.<br />

Brincar de inventar<br />

201


Brincar de inventar<br />

202<br />

• Pesquisar a Op Art e perceber seus efeitos<br />

visuais, suas ilusões puramente ópticas<br />

e não cinéticas. Observar reproduções<br />

de trabalhos de Victor Vasarely, nas<br />

quais o dinamismo é conseguido por contrastes,<br />

aproximações e distanciamentos<br />

que geram sensações de movimento.<br />

276 . Victor Vasarely. Zebras, 1938.<br />

277 . Victor Vasarely. Completion, 1957.<br />

Para visitar<br />

• Criar um desenho com efeitos ópticos,<br />

como esses ao lado, em preto e branco,<br />

explorando contrastes, a partir da silhueta<br />

da forma de um brinquedo (pipa,<br />

bola, boneca, pião, etc.). Traçar linhas,<br />

em toda a folha de papel, cortando a<br />

forma desenhada. Os espaços entre<br />

elas poderão variar. Pintar com preto,<br />

alternadamente, os espaços entre as linhas,<br />

tanto na forma desenhada quanto<br />

fora dela, respeitando as linhas de contorno.<br />

Avaliar se os trabalhos conseguiram<br />

produzir os resultados desejados.<br />

• Observar vídeos sobre os Parangolés de<br />

Hélio Oiticica. Perceber os efeitos conseguidos<br />

com os diferentes movimentos feitos<br />

pelas pessoas que vestem os Parangolés.<br />

Fazer uma coreografia, utilizando<br />

dois metros de TNT colorido, que busque<br />

efeitos com o movimento do tecido.<br />

Museu Histórico Nacional – Um dos mais importantes museus do Brasil, reúne precioso acervo<br />

histórico com exposições que vão da pré-história brasileira ao período republicano. Abrindo um<br />

espaço para representação da criança, o museu possui ainda cerca de 300 brinquedos em seu<br />

acervo, entre os quais um jogo de xadrez e um brinquedo de corda que pertenceram a D. Pedro I.<br />

Endereço: Praça Marechal Âncora, s/n., Centro.<br />

Tel.: (21) 2568-8262.<br />

Parque Brigadeiro Eduardo Gomes – Conhecido como Aterro do Flamengo, por ter sido construído<br />

com diversos aterros realizados no início do século XX e se localizar no bairro do Flamengo.<br />

É um centro de lazer da cidade do Rio de Janeiro em ampla área ajardinada, com projetos<br />

de Roberto Burle Marx. Possui quadras esportivas, pista de aeromodelismo e de skates, parquinhos<br />

e outras diversões.<br />

teatro de Marionetes Carlos Werneck – Situado no Aterro do Flamengo, atualmente faz<br />

parte do Projeto Parque Criativo da Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro. Aos domingos,<br />

oferece diversas atividades recreativas e culturais, para públicos de todas as idades.<br />

Endereço: Praia do Flamengo, altura do n. 300.


Pensar para brincar<br />

Imagens que brincam<br />

Na dialética das relações sociais,<br />

as pessoas formam-se no contraponto<br />

das imagens recíprocas,<br />

como em um jogo de espelhos,<br />

compreendendo-se ou opondo-se,<br />

contemplando-se ou estranhando-se.<br />

octavio ianni<br />

O rosto pintado de branco, os olhos contornados<br />

de preto e a boca exageradamente desenhada<br />

ressaltam as expressões faciais. As<br />

mãos enluvadas se movimentam em gestos<br />

mágicos, transmitindo mensagens e comunicando-se,<br />

sem palavras, com o público. Não<br />

há quem não preste atenção naquela imagem.<br />

278 . Mímico.<br />

Os atores da mímica se fazem presentes<br />

em nossas vidas, brincando com os fatos<br />

do cotidiano e chamando a atenção para<br />

o que, muitas vezes, não percebemos: os<br />

sentimentos de alegria ou tristeza, a raiva,<br />

a dor, o absurdo e o ridículo de certos comportamentos,<br />

tentando corporificar a vida<br />

em sua plenitude.<br />

Essa arte do gesto está nos teatros, nos parques,<br />

nas praças de alimentação dos shoppings,<br />

nos sinais de trânsito. Ela procura<br />

retratar a ação, o movimento da vida e é<br />

considerada um dos meios mais antigos de<br />

autoexpressão, sendo a base da comunicação<br />

do homem pré-histórico, que, em seus<br />

ritos, incorporava gestos e sons.<br />

Na Grécia Antiga e em Roma, a mímica era<br />

um recurso usado em sátiras e comédias<br />

como forma de interpretação dramática. A<br />

arte da mímica, na Idade Média, foi preservada<br />

por atores que se deslocavam percorrendo<br />

cidades e apresentando espetáculos<br />

teatrais e circenses, principalmente em praças<br />

e mercados.<br />

No século XVI, as companhias italianas<br />

da chamada commedia dell’arte exibiam<br />

uma concepção teatral característica, incluindo<br />

várias formas de representação<br />

– o gesto mímico, a dança, a acrobacia –,<br />

MÍMICA<br />

Imitação ou o ato de copiar gestos e características de outro indivíduo. Como expressão artística (gênero teatral),<br />

é uma forma de arte dramática baseada principalmente nos movimentos ou gestos, que tem o fim de contar uma<br />

história ou descrever uma situação ou personalidade. Por prescindir da palavra, a mímica, assim como a música,<br />

traz em sua história o atributo de superar as fronteiras linguísticas.<br />

Pensar para brincar<br />

203


Pensar para brincar<br />

204<br />

intensificadas pela presença plástica das<br />

máscaras, que determinavam papéis para<br />

os atores, conduzindo pensamentos e sentimentos<br />

através da ação.<br />

279 . Marcel Marceau em cena.<br />

O trabalho dos mímicos tornou-se extremamente<br />

popular por apresentar temáticas<br />

contemporâneas, com forte caráter crítico,<br />

e estabelecer fácil comunicação com as plateias.<br />

Essa manifestação artística chegou<br />

ao século XX, quando vários artistas destacaram-se<br />

individualmente, como o brilhante<br />

ator francês da mímica Marcel Marceau,<br />

criador do personagem Bip, adaptado do<br />

pierrô da commedia dell’arte.<br />

A arte da mímica construiu também seu espaço<br />

no cinema mudo, no qual surgiu a figura de<br />

Carlitos, interpretada brilhantemente por Charles<br />

Chaplin, que expressava, com humor e romantismo,<br />

a ansiedade dos tempos modernos.<br />

Na década de 1950, essa técnica teatral chegou<br />

ao Brasil com o português luís de lima,<br />

ator, tradutor, diretor, mímico e professor.<br />

Luís de Lima influenciou toda uma geração<br />

de artistas direcionados ao estudo e à representação<br />

da sutil linguagem da mímica,<br />

tais como: Ricardo Bandeira, Juarez Machado,<br />

Denise Stoklos, Jiddu Saldanha, Luís<br />

Louis e Josué Machado.<br />

MARCEL MARCEAU<br />

(Estrasburgo, 1923 – Cahors, Lot, 2007)<br />

Mímico francês, começa a ser conhecido no fim dos anos 1940 ao se apresentar a plateias do mundo todo, em<br />

teatro, cinema e TV. Inspirado por grandes artistas do cinema mudo norte-americano, estudou com mímicos franceses<br />

técnicas para condensar tempo e espaço em cenas visuais, capazes de evidenciar a comédia e a tragédia<br />

da humanidade sem o uso das palavras. Em 1947, criou o personagem Bip, um clown tão conectado com o artista<br />

que foi considerado seu alter-ego.<br />

CHARLES CHAPLIN<br />

(Londres, 1889 – Corsier-sur-Vevey, 1977)<br />

Ator e diretor de cinema inglês, encantou o mundo do cinema e conquistou lugar no imaginário popular com o<br />

personagem “o vagabundo”, um pobre andarilho de chapéu-coco e bengala de bambu, de jeito gentil e ingênuo,<br />

com maneiras de um verdadeiro cavalheiro. Perfeccionista, atuava de forma graciosa e elegante em situações de<br />

brincadeiras inteligentes. Era muito preciso na direção de outros atores e também no uso da edição para impulsionar<br />

a narrativa.<br />

LUÍS DE LIMA (LUÍS JOSÉ LIMA DA SILVA)<br />

(Lisboa, 1925 – Rio de Janeiro, 2002)<br />

Ator e diretor. Formado no Conservatório Nacional de Teatro de Lisboa, estudou arte dramática e mímica em Paris,<br />

onde trabalhou com Marcel Marceau. Em 1953, apresentou seu primeiro trabalho no Brasil, o mimodrama O Escriturário,<br />

adaptado do conto de Herman Melville, espetáculo premiado que introduziu a mímica moderna no país. Aqui<br />

se radicou, tendo sido o pioneiro do Teatro do Absurdo brasileiro, além de atuar como tradutor, professor de teatro<br />

e dirigente sindical.<br />

280 . Página à direita: Pôster, feito na Suécia, do filme Luzes da Cidade, 1931.


Ser mímico é um exercício de<br />

liberdade e amor, é uma forma de<br />

tornar o mundo possível.<br />

Jiddu Saldanha<br />

A mímica nos permite viver experiências de<br />

descoberta e redescoberta das coisas do<br />

mundo, por meio da interpretação do gesto,<br />

presente também na habilidade dos desenhistas,<br />

dos pintores e dos escultores, nos<br />

movimentos dos bailarinos, na interpretação<br />

dos músicos e dos cantores e na atuação de<br />

muitos atores, como humoristas e palhaços.<br />

Então, o palhaço também é um mímico?<br />

Nos circos europeus, o palhaço sempre<br />

usou mais a mímica do que a palavra para<br />

estabelecer a comunicação com as plateias.<br />

O trabalho itinerante circense, por lugares<br />

e culturas diferentes, tinha na arte do<br />

gesto uma aliada, quebrando a barreira<br />

dos idiomas.<br />

As imagens brincantes dos personagens<br />

do circo nos remetem a um mundo de magia,<br />

no qual a alegria dos palhaços, a flexibilidade<br />

dos acrobatas e o mistério que<br />

envolve os mágicos prescindem da palavra<br />

em favor do gesto e da música.<br />

O russo Marc Chagall era um apaixonado<br />

pela vida circense e seu mundo fantástico.<br />

O pintor, como o circo, tinha uma vida nômade,<br />

pois morou em diferentes lugares.<br />

Na primeira metade do século XX, Chagall<br />

realizou uma obra que contava histórias<br />

mágicas, nas quais o lúdico, o imaginativo<br />

e a fantasia envolviam os personagens, que<br />

se vestiam de cor e mistério.<br />

Suas pinturas sobre o circo apresentam a<br />

poética circense com simplicidade temática,<br />

magia e musicalidade.<br />

281 . Palhaço. 282 . Marc Chagall. O Cavalo de Circo, 1964.<br />

MARC CHAGALL<br />

(Vitebsk, 1887 – Saint-Paul de Vence, 1985)<br />

Pintor, ilustrador, gravurista e cenógrafo russo, criou um mundo de fábula e fantasia com formas geometrizadas<br />

e cores intensas a partir de lembranças e sentimentos de sua infância. Viveu na fervilhante Paris do início do<br />

século XX, quando absorveu a cor do Fauvismo e a decomposição das formas do Cubismo, recriando imagens da<br />

cultura popular russa e da tradição judaica, em um espaço imaginário por onde se movem músicos, saltimbancos,<br />

animais e temas bíblicos.<br />

283 . Página à esquerda: Marc Chagall. Dança, 1950-1952 (detalhe).<br />

Pensar para brincar<br />

207


Pensar para brincar<br />

208<br />

O artista faz do circo uma metáfora da vida,<br />

na qual o mundo gira em torno do picadeiro,<br />

em uma dimensão misteriosa e nostálgica.<br />

Um olhar, olhares. Cada um à sua<br />

maneira, o mundo que o circunda,<br />

este circo que chamamos de vida.<br />

Marc Chagall<br />

A arte circense, com suas cores e suas formas,<br />

existe desde a Antiguidade, mantendo<br />

o mesmo encantamento.<br />

O circo contemporâneo inclui aspectos tradicionais<br />

e novidades tecnológicas. Os espetáculos<br />

do internacional Cirque du Soleil e dos<br />

grupos brasileiros, como a Intrépida Trupe e<br />

os Parlapatões, são exemplos da permanência<br />

e da renovação da arte circense.<br />

284 . Cirque du Soleil.<br />

Hoje, a profissionalização técnica pode ser<br />

feita em escolas como a Escola Nacional<br />

de Circo, que existe desde 1982, na cidade<br />

do Rio de Janeiro. Mesmo assim, ainda é<br />

presente o aprendizado nos grupos familiares<br />

circenses, criando personagens que<br />

alimentam a imaginação e dão alegria às<br />

nossas vidas.<br />

As leituras que fazemos das imagens circenses,<br />

das expressões mímicas e do mundo<br />

que nos rodeia possuem interpretações<br />

próprias relacionadas ao que sentimos e<br />

pensamos. Muitas vezes, sons, imagens,<br />

ações que nos sensibilizaram e causaram<br />

prazer podem nos conduzir a novas formas<br />

de apropriação.<br />

É comum, entre os artistas, a realização de<br />

releituras de obras, como forma de interpretar<br />

trabalhos de diferentes autorias pelos<br />

quais tenham interesse ou admiração.<br />

Então, releitura é cópia?<br />

A cópia está relacionada a um aprimoramento<br />

técnico cuja única preocupação é reproduzir<br />

os mesmos procedimentos utilizados por<br />

um artista.<br />

A releitura também parte de um trabalho artístico,<br />

mas com o objetivo de interpretar,<br />

transformar e criar, com base em um referencial,<br />

apresentando diversidade de significados<br />

de acordo com as vivências, as informações<br />

e o contexto cultural de quem realiza a<br />

nova experiência. Assim, as diferentes linguagens<br />

da arte se utilizam das obras como suportes<br />

interpretativos para as novas criações,<br />

mantendo o elo com a fonte inspiradora.<br />

CIRQUE DU SOLEIL<br />

Circo do Sol, em francês, é uma companhia fundada por artistas de rua em Quebec (Canadá), em 1984. Atualmente,<br />

soma milhares de artistas em todo o mundo: trapezistas, malabaristas, entre outros, que baseiam os espetáculos<br />

na linguagem corporal do teatro e do balé e na utilização de tecnologia. A sede internacional em Montreal é um<br />

laboratório multiétnico de criatividade, onde artesãos, especialistas em diversas áreas e artistas dos mais talentosos<br />

colaboram nos projetos.<br />

285 . Página à direita: Apresentação do Cirque du Soleil em The Bryce Jordan Center, Pensilvânia, 2009.


Pensar para brincar<br />

210<br />

Quantas Mona Lisas fazem parte da vida?<br />

Elas estão por aí... reinterpretadas nos<br />

outdoors, nas revistas, nas roupas e em<br />

outras mídias.<br />

Talvez a imagem original e única da Mona<br />

Lisa, pintada por Leonardo da Vinci no século<br />

XVI, seja a obra mais utilizada em diferentes<br />

apropriações ao longo da história<br />

da arte.<br />

O rosto da Mona Lisa aparece com irônicos<br />

bigodes na releitura de Duchamp, com<br />

traços fortes e modernos em tela de Basquiat,<br />

jovem e gordinha na visão de Botero,<br />

duplicada nas serigrafias de Warhol e até<br />

preenchida, em seus contornos, com geleia<br />

e pasta de amendoim por Vik Muniz.<br />

286 . Fernando Botero. Monalisa, 1977.<br />

287 . Marcel Duchamp. L.H.O.O.Q., 1919.<br />

Além de redesenhada, estilizada e transformada,<br />

essa obra de Da Vinci serviu de tema<br />

para romances, filmes e canções, tornando-<br />

-se um ícone de referência mundial.<br />

Nas artes plásticas, são muitos os exemplos<br />

dessas criações que retomam as ideias de<br />

outros artistas em formas criativas reinventadas,<br />

dando nova vida a imagens poéticas.<br />

No século XIX, o espanhol Francisco de Goya<br />

pintou a tela As Majas no Balcão, que foi<br />

reinterpretada por Manet. Mais tarde, já no<br />

século XX, Magritte fez uma releitura da<br />

obra de Manet.<br />

GOYA (FRANCISCO DE GOYA Y LUCIENTES)<br />

(Fuendetodos, 1746 – Burdeos, 1828)<br />

Pintor e gravador espanhol, era hábil na captura da personalidade de seus retratados e em técnica capaz de<br />

reproduzir em pinceladas marcadas jogos de luz e o brilho do fino vestuário da realeza. Retratista da corte<br />

espanhola, bem registrou a feiura, vacuidade e ambição de seus membros. Destacou-se também na gravura,<br />

arte na qual visões fantásticas de monstros e outras aparições sobrenaturais traduziam pesadelos pessoais e<br />

acusações à estupidez e tirania do governo espanhol.<br />

288 . Página à direita: Francis Picabia. Capa da revista 391, n. 12, 1920, com uma versão de L.H.O.O.Q., de Marcel Duchamp.


289 . Francisco de Goya. As Majas no Balcão, 1810-1812.<br />

290 . Édouard Manet. O Balcão, 1868-1869.<br />

Na década de 1950, Picasso criou um conjunto<br />

com 44 estudos com base na obra As<br />

Meninas, de Velázquez. Esses trabalhos revelam<br />

a interpretação inventiva do artista,<br />

que assimilou elementos da obra de Velázquez,<br />

transformando-a ao seu estilo.<br />

291 . Eliseu Visconti. Gioventù, 1898.<br />

292 . Amador Perez.<br />

Gioventù, 2002.<br />

AMADOR PEREZ<br />

(Rio de Janeiro, 1952)<br />

Artista gráfico, professor e desenhista de raro domínio do grafite, trabalha com a apropriação e a recriação de<br />

imagens em desenho, gravura e outros processos de cópia e impressão. Começou por usar imagens anônimas,<br />

publicadas em jornais e revistas. Posteriormente, manipulou reproduções de obras de arte para evidenciar a estrutura<br />

interna das imagens por meio de fragmentações e das variações entre o branco do papel e sua saturação<br />

total com grafite ou pigmento.<br />

293 . Página à esquerda: Édouard Manet. O Balcão, 1868-1869 (detalhe).<br />

O carioca Amador Perez realizou uma série<br />

com desenhos tomando por base uma reprodução<br />

da obra Gioventù, de Eliseu Visconti.<br />

O artista recriou, em múltiplas imagens, 63<br />

obras únicas, delicadas e precisas na exploração<br />

de efeitos, reflexos e texturas que<br />

esse mestre do grafite domina de forma<br />

tão virtuosa.<br />

Picasso e Amador Perez reinterpretaram,<br />

também, outras obras famosas feitas por<br />

artistas de diferentes épocas, dando novos<br />

sentidos, de modo renovador e instigante,<br />

às suas criações.<br />

Pensar para brincar<br />

213


Pensar para brincar<br />

214<br />

A arte não é o espelho da realidade. É o<br />

campo da percepção, da imaginação, de<br />

tudo além do real. Descobrir o que está por<br />

trás de uma obra é enigmático e instigante.<br />

Mirian Celeste Martins<br />

Na investigação de referências para a produção<br />

artística, está a pesquisa formal feita<br />

pelo brasileiro Nelson Screnci.<br />

A série de dez quadros intitulada Metamorfose<br />

Cultural sofre intervenções, transformações<br />

sucessivas, partindo da Infanta Margarida,<br />

de Velázquez, para chegar até A Negra,<br />

de Tarsila do Amaral.<br />

294 . Nelson Screnci. Metamorfose Cultural, 1997.<br />

Nelson apropria-se, também, de outros trabalhos<br />

consagrados pela história da arte<br />

para redefini-los em uma estética pop. É o<br />

caso das telas Os Excluídos, As Meninas<br />

nos Espelhos e Saudades do Brasil, relendo,<br />

respectivamente, obras de Almeida Júnior,<br />

Velázquez e Guignard.<br />

As soluções estéticas e os resultados encontrados<br />

por esses artistas desafiam o pensamento<br />

lúdico e criativo, concretizando-se em<br />

composições originais e únicas.<br />

Releituras e interferências em trabalhos de<br />

arte diminuem o distanciamento entre o espectador<br />

e a obra, permitindo o prazer de<br />

brincar, de se apropriar, de provocar e de<br />

renovar as formas de expressão. Quem nunca<br />

teve a sensação de já ter visto, lido ou<br />

ouvido algo pela segunda vez?<br />

NELSON SCRENCI<br />

(São Paulo, 1955)<br />

Pintor, desenhista e professor, desenvolve trabalho baseado na releitura de obras consagradas pela história da<br />

arte (Tarsila do Amaral, Guignard, Almeida Júnior, Diego Velázquez, Édouard Manet) a partir de uma estética pop.<br />

Atento à cultura urbana, apropria-se também de elementos e de imagens que circulam na metrópole, reelaborando-os<br />

em uma pintura que critica aspectos da cultura de massa e o próprio circuito de arte.


Esse fenômeno acontece porque muitas<br />

obras de arte “conversam entre si”, interagem<br />

por meio de um jogo de referências e,<br />

mediadas pelo talento dos artistas, encontram<br />

eco na nossa sensibilidade, mantendo<br />

um universo de comunicação e troca.<br />

As releituras também podem ser entendidas<br />

como versões criativas de obras musicais,<br />

teatrais, cinematográficas e literárias.<br />

O poema Canção do Exílio, escrito por Gonçalves<br />

Dias, é considerado uma das obras<br />

mais reinterpretadas da literatura brasileira.<br />

Minha terra tem palmeiras,<br />

Onde canta o sabiá;<br />

As aves, que aqui gorjeiam,<br />

Não gorjeiam como lá.<br />

Canção do Exílio / Gonçalves Dias<br />

Na versão de Oswald de Andrade, por exemplo,<br />

a poesia canta o regresso à pátria.<br />

Minha terra tem palmares<br />

Onde gorjeia o mar<br />

Os passarinhos aqui<br />

Não cantam como os de lá.<br />

Canto de Regresso à Pátria /<br />

oswald de Andrade<br />

A obra de Gonçalves Dias apresenta diferentes<br />

interpretações por poetas como Murilo Mendes,<br />

Carlos Drummond de Andrade, Ferreira Gullar<br />

e Mario Quintana, revelando a diversidade e a<br />

capacidade inventiva do pensamento humano.<br />

Em 1968, Chico Buarque de Holanda e Tom<br />

Jobim também se “alimentaram” da Canção<br />

do Exílio, de Gonçalves Dias, para compor<br />

Sabiá, uma canção melancólica e nostálgica<br />

que sugere o contraste entre o que se deseja<br />

e o que de fato se tem, uma saudade de<br />

um lugar, mesmo estando-se nele.<br />

295 . Tom Jobim, Chico Buarque, Cynara e Cybele no III Festival<br />

Internacional da Canção, 1968.<br />

Vou voltar<br />

Sei que ainda vou voltar<br />

Para o meu lugar<br />

Foi lá e é ainda lá<br />

Que eu hei de ouvir cantar<br />

Uma sabiá<br />

Cantar uma sabiá<br />

Sabiá / Chico Buarque de Hollanda<br />

e tom Jobim<br />

GONÇALVES DIAS (ANTÔNIO GONÇALVES DIAS)<br />

(Caxias, MA, 1823 – Atins, MA, 1864)<br />

Um dos mais consagrados poetas brasileiros. Consolidou o Romantismo no país e serviu de modelo às gerações seguintes.<br />

Desenvolveu o nacionalismo na literatura configurado na exaltação do índio, cujas qualidades o identificavam<br />

com o herói medieval, e nas formas de representação da natureza e de paisagens brasileiras. Essa valorização<br />

do elemento nacional se materializa nos conhecidos poemas I-Juca-Pirama e Canção do Exílio. Faleceu vítima de um<br />

naufrágio no litoral maranhense.<br />

Pensar para brincar<br />

215


Pensar para brincar<br />

216<br />

Dez anos depois de Sabiá, Chico Buarque<br />

compôs, para o teatro musical, a Ópera do<br />

Malandro, adaptada da Ópera dos Três Vinténs,<br />

feita em 1928 por Bertold Brecht e Kurt<br />

Weill, sendo esta última baseada na Ópera<br />

do Mendigo, escrita em 1728 por John Gray.<br />

Os três trabalhos brincam com as imagens<br />

encenadas, apresentando um retrato satírico<br />

das classes dominantes em suas diferentes<br />

épocas.<br />

O nosso trabalho tem<br />

a estrutura da peça de Gray,<br />

o enfoque crítico de Brecht, mas<br />

é essencialmente brasileiro.<br />

Chico Buarque de Holanda<br />

Os estímulos artístico-culturais nos abastecem<br />

com informações que, filtradas pelo<br />

olhar do artista, muitas vezes são colocadas<br />

à disposição da sensibilidade de cada<br />

um de nós.<br />

Na atualidade, é permitida, mais do que<br />

nunca, a apropriação da arte como meio<br />

para uma melhor compreensão do mundo e<br />

o desenvolvimento criativo da imaginação e<br />

da percepção do ser humano.<br />

Ninguém ensina ninguém<br />

nem tampouco ninguém<br />

aprende sozinho.<br />

Os homens aprendem em comunhão,<br />

midiatizados pelo mundo.<br />

Paulo Freire<br />

Brincar para contestar<br />

A ironia é sobretudo uma<br />

brincadeira do espírito.<br />

O humor seria antes uma<br />

brincadeira do coração, uma<br />

brincadeira da sensibilidade.<br />

296 . Guia Prático de Quadrinhos <strong>MultiRio</strong>.<br />

Jules Renard<br />

A brincadeira é uma forma de comunicação<br />

carregada de vários tipos de mensagens.<br />

Ela transmite sentimentos, aspirações, valores<br />

sociais e é também um importante recurso<br />

de contestação.<br />

No campo da arte, são muitos os modos<br />

de brincar por meio da expressão gráfica.<br />

E uma das formas mais criativas, por sua<br />

fácil e imediata comunicação popular, é a<br />

arte dos quadrinhos.


Geralmente, as histórias são baseadas em<br />

observações sobre a vida em família, as relações<br />

de trabalho, expressando não só a<br />

opinião do artista, mas também os valores<br />

de sua época.<br />

E quem inventou a história em quadrinhos?<br />

Os homens pré-históricos já contavam as<br />

histórias do seu cotidiano, suas aventuras e<br />

suas caçadas em imagens pintadas nas cavernas.<br />

Os egípcios usaram a mesma ideia<br />

para passar hábitos e crenças, desenhando<br />

em diferentes paredes no Egito.<br />

297 . Pintura egípcia encontrada em túmulo do Novo Reino<br />

de Mennah, em Tebas.<br />

Nas igrejas medievais, as cenas que narravam<br />

os últimos momentos da vida de Jesus<br />

na Terra também podem ser consideradas<br />

ancestrais das tirinhas em quadrinhos. Nessas<br />

histórias pintadas, não havia texto, só<br />

as imagens comunicavam a sequência das<br />

ideias, como ainda acontece em algumas<br />

propostas de quadrinhos contemporâneos.<br />

Somente no século XIX, a história em quadrinhos<br />

se desenvolveu e se firmou como<br />

um gênero com características próprias,<br />

graças à expansão da indústria jornalística<br />

nos Estados Unidos. Os grandes jornais<br />

americanos constataram o sucesso da comunicação<br />

através da arte sequencial em<br />

quadrinhos e passaram a publicá-la em<br />

suplementos semanais.<br />

Começaram a surgir desenhistas que se destacaram<br />

no desenvolvimento desse trabalho,<br />

cuja temática ampliou-se, indo do humor à<br />

crítica social. Na década de 1930, foram lançadas<br />

as primeiras revistas totalmente dedicadas<br />

aos quadrinhos, e muitos dos personagens<br />

das tiras dos jornais apareceram<br />

nessas revistas.<br />

Surgiram vários gêneros da arte – mistério,<br />

aventura, ação, comédia, drama, policial –,<br />

marcados em diferentes épocas por famosos<br />

personagens, como Dick Tracy, Príncipe<br />

Valente, Flash Gordon, Tarzan, Recruta Zero,<br />

Mandrake, Batman, Superman, Fantasma,<br />

Popeye, entre outros.<br />

298 . Capa da revista Superman.<br />

Publicada em 1951.<br />

299 . Capa da revista Batman.<br />

Publicada em 1948.<br />

Os quadrinhos contemporâneos se transformaram<br />

com novas tecnologias e com a inclusão<br />

de diferentes recursos de outras linguagens<br />

artísticas.<br />

Essas imagens, através das histórias, apresentam<br />

um dinamismo que, aliado a qualidades<br />

plásticas e literárias, estimula o imaginário<br />

do leitor.<br />

Pensar para brincar<br />

217


Pensar para brincar<br />

218<br />

O brasileiro Mauricio de Sousa vem acompanhando<br />

várias gerações com suas histórias e<br />

personagens interessantes.<br />

O cachorrinho Bidu foi a primeira criação da<br />

Turma da Mônica e apareceu em uma tirinha<br />

em quadrinhos no jornal Folha de S. Paulo,<br />

em 1959. Depois, vieram Mônica, Magali, Cebolinha,<br />

Cascão e muitos outros.<br />

300 . Capa da revista<br />

Bidu. Autor: Mauricio<br />

de Sousa.<br />

Esses personagens divertidos brincam até<br />

hoje nas revistas, nos jornais, na televisão,<br />

no cinema e até em adaptações feitas para<br />

os mangás. Eles aparecem, também, como<br />

figuras ilustres da arte mundial, em uma<br />

série com mais de 50 releituras de obras<br />

consagradas, feitas por Mauricio de Sousa a<br />

partir de 1989.<br />

Nesses trabalhos, Mônica surge como uma<br />

das meninas de Renoir, em Rosa e Azul,<br />

transformada na Mulher com Sombrinha do<br />

quadro de Manet, participando do Nascimento<br />

de Vênus de Botticelli e até posando<br />

de Mônica Lisa, lembrando a famosa tela de<br />

Leonardo da Vinci.<br />

301 . Pierre-Auguste Renoir. Rosa e Azul, 1881.<br />

302 . Mauricio de Sousa. Magali e Mônica<br />

de Rosa e Azul, 1989.<br />

Os trabalhos de Mauricio respeitam as cores,<br />

os movimentos, a luz e a composição<br />

original de cada pintura, mas conservam a<br />

originalidade de seu próprio traço. Desse<br />

modo, atraem o público por meio das associações<br />

evidentes com as obras citadas, em<br />

uma atmosfera alegre e descontraída.<br />

MAURICIO DE SOUSA<br />

(Santa Isabel, SP, 1937)<br />

Jornalista e cartunista, criador da famosa história em quadrinhos Turma da Mônica. Em 1959, era repórter policial no<br />

jornal Folha da Manhã, de São Paulo, quando apresentou uma série de tiras em quadrinhos com um cãozinho e seu<br />

dono – Bidu e Franjinha. O jornal aceitou a proposta, e Mauricio passou a se dedicar integralmente aos quadrinhos.<br />

As revistas vendem-se aos milhões, e entre suas realizações estão parques temáticos, animações para TV e um<br />

grande projeto de alfabetização.<br />

303 . Página à direita: Pierre-Auguste Renoir. Rosa e Azul, 1881 (detalhe).


Pensar para brincar<br />

220<br />

Outro grande nome dos quadrinhos brasileiros,<br />

Ziraldo, também brinca com imagens<br />

consagradas. Seus personagens denominados<br />

Zeróis interagem, em grandes telas pintadas,<br />

com trabalhos de Picasso, Velázquez, Goya,<br />

Warhol, entre outros.<br />

Essas releituras de conhecidos ícones da<br />

cultura contemporânea contestam, com humor,<br />

o mito norte-americano do poder, da<br />

força e da invencibilidade.<br />

305 . Ziraldo. Capa do livro<br />

O Menino Maluquinho, 1980.<br />

Na linha dos quadrinhos,<br />

Ziraldo criou<br />

os personagens da<br />

Turma do Pererê, a<br />

Supermãe, o Menino<br />

Maluquinho. Outras<br />

vertentes criativas<br />

do artista aparecem<br />

em cartazes, painéis,<br />

símbolos e na literatura<br />

infantil.<br />

304 . Ziraldo. Super-Warhol<br />

Nº 1 – 6 (série Zeróis).<br />

A paixão pelos quadrinhos está refletida<br />

em toda a sua obra, traduzindo o humor do<br />

chargista, a crítica do caricaturista e a contemporaneidade<br />

do cronista.<br />

Há muita diversão em seus quadros;<br />

há sutilezas, humor crítico, mas sempre<br />

a sensação de que o autor se diverte<br />

junto conosco, feito menino arteiro.<br />

Catálogo da exposição Zeróis: Ziraldo na Tela<br />

Grande. CCBB – 2010.<br />

Caricaturas, charges e cartuns são formas de<br />

expressão gráfica que apresentam desenhos<br />

feitos, geralmente, com traços rápidos e informais.<br />

São recursos artísticos muito usados<br />

para criticar os costumes da sociedade, os<br />

regimes políticos ou simplesmente fazer uma<br />

brincadeira bem-humorada.<br />

ZIRALDO (ZIRALDO ALVES PINTO)<br />

(Caratinga, MG, 1932)<br />

Jornalista, escritor e artista gráfico. Nos anos 1960, publicou a primeira revista em quadrinhos brasileira de um só<br />

autor, A Turma do Pererê. Foi um dos fundadores do jornal O Pasquim, de oposição ao regime militar. Em 1980,<br />

ganhou o Prêmio Jabuti com o livro O Menino Maluquinho, adaptado para teatro, cinema e internet, e, em 2004,<br />

o prêmio internacional Hans Christian Andersen, com o livro Flictis. Seu estilo pode ser reconhecido em logotipos,<br />

ilustrações, cartazes, camisetas e símbolos de campanhas públicas ou privadas.


306 . Honoré Daumier. Gargantua, 1831.<br />

Existe diferença entre caricatura, charge e cartum?<br />

A caricatura é um retrato que ressalta, com<br />

exagero, alguns traços e expressões característicos<br />

de uma pessoa. A charge e o cartum<br />

são formas da linguagem caricatural que comunicam<br />

fatos.<br />

A charge define a época, o contexto social e<br />

econômico em que ocorre determinada situação,<br />

enquanto o cartum mostra um tema universal,<br />

atemporal, que pode ser compreendido<br />

em diferentes épocas, lugares e culturas.<br />

São modos de contestar nos quais a tônica<br />

são a brincadeira e o humor, que propiciam<br />

um diálogo constante com o público. Eles<br />

desempenham papel importante, levando à<br />

reflexão de questões sociais, e servem de<br />

fonte como registro da história.<br />

307 . Caricatura de Charles Chaplin (1990). Autor: Greg Williams.<br />

A sátira é a indignação moral<br />

transformada em arte cômica.<br />

Philip Roth<br />

A caricatura, pela forte expressividade, clareza<br />

estrutural e simplicidade linear, é um<br />

dos meios mais poderosos para criticar pessoas<br />

e costumes, sendo facilmente aceita<br />

pela sociedade, mesmo quando se utiliza do<br />

exagero formal em suas representações.<br />

O mesmo não ocorreu com a pintura expressionista,<br />

que teve muita resistência em ser<br />

aceita, em sua época, pois era considerada<br />

308 . Jaguar. Cartum.<br />

Pensar para brincar<br />

221


“feia” e grotesca. Entre os pintores que chocaram<br />

o público, por mostrar a realidade<br />

sem idealizá-la, está o norueguês Edvard<br />

Munch, com a obra O Grito, feita em 1895.<br />

309 . Edvard Munch. O Grito, 1893.<br />

Por simbolizar um momento de angustiante<br />

emoção, as impressões sensoriais “gritam”<br />

na cabeça da figura, que é representada com<br />

distorções semelhantes à de uma caricatura.<br />

A caricatura sempre foi “expressionista”,<br />

pois o caricaturista joga com<br />

o retrato de sua vítima e distorce-o<br />

para expressar justamente o que sente<br />

a respeito do seu semelhante.<br />

E. H. Gombrich<br />

310 . Manuel de Araújo Porto Alegre. Caricatura, 1837.<br />

EDVARD MUNCH<br />

(Löten, 1863 – Ekely, 1944)<br />

Pintor, gravador e desenhista norueguês, voltou-se para a análise das feridas da sociedade e do indivíduo através de um<br />

realismo simbólico que gira em torno da melancolia, da angústia, do desespero, da paixão e da mulher. Associado ao<br />

Simbolismo dos anos 1890 e reconhecido como precursor do Expressionismo, alcança dramaticidade por meio de grande<br />

expressividade da linha, que contorna as figuras e as prolonga em sucessivas ondas, sugerindo tensão psicológica.<br />

ARAÚJO PORTO ALEGRE (MANUEL DE ARAÚJO PORTO ALEGRE)<br />

(Rio Pardo, RS, 1806 – Lisboa, 1879)<br />

Pintor, arquiteto, professor e crítico de arte, desempenhou papel central na mobilização das artes figurativas no Brasil do<br />

século XIX, defendendo a importância dessas artes na construção de uma identidade nacional. Aluno de Debret na Academia<br />

Imperial de Belas <strong>Arte</strong>s, estudou na Europa e participou da criação de vários periódicos. Foi nomeado professor e<br />

depois diretor da academia, onde instituiu reformas a fim de criar condições para o desenvolvimento das artes entre nós.<br />

311 . Página à esquerda: Edvard Munch. O Grito, 1893 (detalhe).<br />

A ideia de conceber retratos “exagerados”<br />

originou-se na Itália no século XVIII. Depois, o<br />

humor crítico apareceu como forma de contestação<br />

em numerosas caricaturas de Luís XIV.<br />

Através da história, essa forma de arte tem<br />

sido um recurso de protesto, que vem ao<br />

encontro dos interesses da sociedade, pois<br />

promove denúncias e reivindicações.<br />

Um dos pioneiros da caricatura no Brasil, no<br />

século XIX, foi Manuel de Araújo Porto Alegre.<br />

Ele dirigiu a revista Lanterna Mágica,<br />

que publicava desenhos com humor, sátira e<br />

conteúdo político.<br />

Durante o Segundo Reinado, o italiano Angelo<br />

Agostini, radicado no Brasil, foi considerado<br />

o mais importante artista gráfico da<br />

época: caricaturista, cartunista, ilustrador.<br />

Pensar para brincar<br />

223


Pensar para brincar<br />

224<br />

Em 1869, publicou Nhô Quim, Impressões<br />

de uma Viagem à Corte, tornando-se precursor<br />

da história em quadrinhos brasileira.<br />

Com a vinda de Angelo Agostini para o Brasil,<br />

a caricatura se transformou e ganhou<br />

identidade própria, tornando-se um gênero<br />

também utilizado por artistas plásticos.<br />

312 . Angelo Agostini. Caricatura de Dom Pedro II, 1887.<br />

É o caso de Pedro Américo e, anos mais tarde,<br />

de Di Cavalcanti, que modernizou o traço<br />

do desenho humorístico e publicou, em<br />

1932, o álbum A Realidade Brasileira, com<br />

críticas ao momento nacional.<br />

Na virada do século XX, tornaram-se populares<br />

as publicações críticas em jornais e<br />

revistas. Entre estas, se destacam O Malho,<br />

O Careta, Fon-Fon e a Revista da Semana,<br />

que projetaram nomes da arte satírica<br />

como J. Carlos, Nássara, Lan, Belmonte e<br />

Nair de Tefé, primeira mulher do mundo a<br />

publicar caricaturas.<br />

313 . Nair de Tefé. Cari-<br />

catura do presidente<br />

Juscelino Kubitschek.<br />

Os anos 1960 foram marcados, mundialmente,<br />

por agitações políticas, sociais e<br />

culturais, caracterizando um período de<br />

inquietação e transformação. Surgiram, então,<br />

grandes nomes do desenho de humor<br />

que conduziram em tom de brincadeira e<br />

ironia os problemas da época.<br />

Criada em 1964, a personagem Mafalda,<br />

do desenhista argentino Quino, apresenta<br />

um comportamento contestatório e um<br />

discurso filosófico.<br />

Mafalda coloca em discussão temas como<br />

feminismo, moralismo, educação, censura,<br />

repressão e poder.<br />

ANGELO AGOSTINI<br />

(Vercelli, 1843 – Rio de Janeiro, 1910)<br />

Desenhista, ilustrador, pintor e gravador, destaca-se na publicação de charges em vários periódicos, entre eles,<br />

a Revista Ilustrada, fundada por ele (1876), que marcou a imprensa nacional ao exercer autonomia de imprensa<br />

no Segundo Reinado. Seu traço acadêmico e realista serviu de veículo para posições anticlericais e republicanas.<br />

Agostini atuou também como crítico de arte e criou a primeira história em quadrinhos do Brasil, Nhô Quim, assim<br />

como a revista infantil Tico-Tico (1905).<br />

QUINO (JOAQUÍN SALVADOR LAVADO TEJÓN)<br />

(Mendoza, 1932)<br />

Quadrinista argentino reconhecido internacionalmente. Em 1954, começou a publicar em periódicos locais e, em<br />

1964, criou sua personagem mais famosa, Mafalda, menina de 8 anos, curiosa e questionadora, que aborda com<br />

humor questões políticas e grandes preocupações que afligem o homem. Novas histórias protagonizadas pela<br />

menina foram criadas até 1973, mas suas tiras continuam a ser publicadas na América Latina e Europa.


314 . Quino. Toda Mafalda.<br />

O constante questionamento de Mafal-<br />

da mostra sua recusa em ser integra-<br />

da no mundo adulto que condena. Por<br />

outro lado, sua precocidade permite<br />

compreender, melhor que os mais<br />

velhos, o mundo presente.<br />

Álvaro Moya<br />

No Brasil, a década de 1970 trouxe o humor<br />

sarcástico dos Fradinhos e da Graúna, criações<br />

do desenhista Henfil, que, com traços rápidos<br />

e espontâneos, dava forma aos inusitados<br />

personagens, que criticavam e cobravam soluções<br />

dos governantes e atitude da sociedade.<br />

<strong>Artistas</strong> de diferentes épocas, com características<br />

próprias, deixaram figuras inesquecíveis.<br />

O Amigo da Onça, de Péricles; as mulatas<br />

cariocas, do Lan; os Fradinhos nervosos,<br />

do Henfil; e o Menino Maluquinho, de Ziraldo,<br />

tornaram-se personagens imortais.<br />

315 . Henfil. A Volta da Graúna.<br />

A arte brasileira reúne um grupo de desenhistas<br />

de humor de repercussão internacional,<br />

com nomes como Claudius, Jaguar e Millôr<br />

Fernandes, que, brincando, nos fazem rir e<br />

pensar, principalmente, sobre conquistas de<br />

direitos, de liberdade e transformações comportamentais<br />

necessárias.<br />

HENFIL (HENRIQUE DE SOUSA FILHO)<br />

(Ribeirão das Neves, MG, 1944 – Rio de Janeiro, 1988)<br />

Humorista, desenhista e escritor. Renovou o desenho humorístico com personagens como Os Fradinhos, Capitão Zeferino,<br />

Graúna e Bode Orelana. Começou a fazer caricatura política no Diário de Minas. Fez charges esportivas para o Jornal<br />

dos Sports, do Rio de Janeiro, em 1967, e colaborou nas revistas Visão, Realidade, Placar e O Cruzeiro. Em O Pasquim e<br />

no Jornal do Brasil, seus personagens ganharam popularidade. Teve marcante atuação política pela redemocratização.<br />

MILLÔR FERNANDES (MILTON VIOLA FERNANDES)<br />

(Rio de Janeiro, 1923-2012)<br />

Escritor, artista plástico, autor e tradutor teatral. Humorista fino e pensador cético. Transformou com sua marca pessoal o<br />

campo da tradução teatral. Traduziu textos diversos, desde clássicos, como Shakespeare, a modernos, como Brecht, por<br />

vezes interferindo no original, em uma quase recriação. Autor de Liberdade, Liberdade (1965), com Flávio Rangel, uma das<br />

peças pioneiras do teatro de resistência, e É... (1977), comédia de costumes.<br />

Pensar para brincar<br />

225


Pensar para brincar<br />

226<br />

316 . Millôr Fernandes. Cartum.<br />

A tradição da brincadeira e do humor para<br />

contestar a sociedade também se faz presente<br />

em outras linguagens da arte.<br />

Molière, dramaturgo francês, foi um dos mestres<br />

da chamada “comédia de costumes”. No<br />

século XVII, criticava, em seus textos, os abusos<br />

da corte francesa e os costumes da época,<br />

com tom sarcástico, espirituoso e cômico.<br />

No Brasil do século XIX, destacaram-se Martins<br />

Pena e Artur Azevedo. Este, com grande<br />

domínio de todos os setores das artes<br />

cênicas, reuniu a comédia de costumes e o<br />

musical, na época do império.<br />

Com peças que ironizam o poder, retratando a<br />

vida sertaneja, o paraibano Ariano Suassuna<br />

escreveu vários textos literários que brincam<br />

com os hábitos e com a cultura do povo.<br />

As encenações do teatro moderno brasileiro<br />

devem ao romancista e dramaturgo a multiplicidade<br />

da riqueza poética tirada das inúmeras<br />

manifestações culturais de caráter popular.<br />

Em 1955, Suassuna escreveu o Auto da Compadecida,<br />

que o tornou conhecido nacionalmente.<br />

Com várias e diferentes montagens<br />

teatrais, esse texto foi também adaptado<br />

para a televisão e o cinema.<br />

317 . Cartaz do filme O Auto da Compadecida,<br />

dirigido por Guel Arraes.<br />

Odorico, o Bem-Amado, peça escrita por<br />

Dias Gomes em 1962, faz, com muito humor,<br />

uma caricatura do Brasil, principalmente de<br />

sua classe política. Suas frases antológicas<br />

ficaram famosas, pelas criações e interpretações<br />

de jargões em seus discursos.<br />

DIAS GOMES<br />

(Bahia, 1922 – São Paulo, 1999)<br />

Dramaturgo, conquistou diversos prêmios por sua atuação no rádio e por sua obra para teatro, cinema e televisão. Sua primeira<br />

peça foi A Comédia dos Moralistas, escrita aos 15 anos. Ganhou projeção com a peça O Pagador de Promessas (1959).<br />

Como autor de novelas, Dias Gomes estreou, em 1969, com A Ponte dos Suspiros e escreveu sucessos como O Bem-Amado<br />

e Roque Santeiro. Em 1991, foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras. Morreu em um acidente de trânsito.<br />

318 . Página à direita: Caricatura de Millôr Fernandes.


Pensar para brincar<br />

228<br />

Isto deve ser obra da esquerda<br />

comunista, marronzista e<br />

badernenta.<br />

odorico Paraguaçu<br />

A versão do texto da peça O Bem-Amado<br />

para a televisão resultou na primeira novela<br />

a ser transmitida a cores em nosso país.<br />

Depois, vieram uma minissérie e um filme<br />

de sucesso.<br />

A música também é usada como forma<br />

de contestação por meio de letras<br />

bem-humoradas?<br />

As composições musicais podem ser usadas<br />

como documentos de registro histórico-cultural,<br />

em que o autor manifesta<br />

a sua visão crítica sobre a sociedade<br />

em que vive.<br />

No Brasil do final dos anos 1950, a bossa<br />

nova embalava a juventude, com suas músicas<br />

de ritmo suave e intimista, que falavam<br />

da vida, do amor e do mar.<br />

Em 1958, o compositor Juca Chaves, famoso<br />

por suas sátiras políticas, compôs Presidente<br />

Bossa-Nova, usando o estilo musical,<br />

dominante na época, para fazer uma caricatura<br />

ao então presidente da República,<br />

Juscelino Kubitschek.<br />

Bossa nova mesmo é ser presidente<br />

Desta terra descoberta por Cabral.<br />

Para tanto basta ser tão simplesmente:<br />

Simpático, risonho, original.<br />

Presidente Bossa-Nova / Juca Chaves<br />

No mesmo ano, Juca apresentou outra sátira<br />

musical, Brasil Já Vai à Guerra, sobre a discutida<br />

compra do porta-aviões Minas Gerais<br />

pelo governo de JK.<br />

Brasil já vai à guerra,<br />

comprou um porta-aviões<br />

um viva pra Inglaterra de<br />

oitenta e dois bilhões<br />

Brasil Já Vai à Guerra / Juca Chaves<br />

O gênero sátira já vinha sendo usado em<br />

nossa música popular, com grande sucesso,<br />

desde os anos 1920.<br />

Mas, a partir de 1930, Noel Rosa produziu,<br />

paralelamente às suas líricas e românticas<br />

composições, várias letras que, de forma humorística<br />

e irônica, fizeram uma crônica da<br />

vida carioca e de seu universo cultural.<br />

JUCA CHAVES<br />

(Rio de Janeiro, 1938)<br />

Cantor, compositor e humorista conhecido como “menestrel”. Nascido Jurandyr Czaczkes, sempre gostou de poesia e,<br />

ainda criança, começou a estudar música. Compôs sátiras políticas, como Presidente Bossa-Nova, e sociais de autocrítica,<br />

como Sim, Sou Feio. Na década de 1960, exilou-se em Portugal e na Itália, retornando ao Brasil em 1970, onde apresentou<br />

diversos programas de TV. Entre suas canções mais conhecidas, estão A Cúmplice, Menina e Por Quem Sonha Ana Maria.<br />

NOEL ROSA<br />

(Rio de Janeiro, 1910-1937)<br />

Nascido no bairro de Vila Isabel, tornou-se conhecido como o Poeta da Vila. Compôs mais de 300 músicas, entre sambas,<br />

marchinhas e canções. Ingressou na Faculdade de Medicina, mas, envolvido com a música e a boemia, abandonou o<br />

curso. Seu primeiro grande sucesso foi Com que Roupa?, de 1930. Entre suas músicas, destacam-se ainda Conversa de Botequim,<br />

Feitiço da Vila e Fita Amarela. Eu Sei Sofrer foi sua última composição. Faleceu aos 27 anos vítima de tuberculose.


319 . Noel Rosa. Autocaricatura.<br />

Você tem palacete reluzente<br />

Tem joias e criados à vontade<br />

Sem ter nenhuma herança ou parente<br />

Só anda de automóvel na cidade…<br />

E o povo pergunta com maldade:<br />

Onde está a honestidade?<br />

Onde está a honestidade?<br />

Onde Está a Honestidade? / Noel Rosa<br />

O poeta e músico Noel era um observador<br />

atento de seu tempo e dos acontecimentos<br />

a sua volta. Suas contestações bem-humoradas,<br />

talvez por descreverem a natureza humana,<br />

ainda podem ser aplicadas à sociedade<br />

contemporânea.<br />

Através do humor vemos, no que parece<br />

racional, o irracional; no que parece<br />

importante, o insignificante. Ele também<br />

desperta o nosso sentido de sobrevivência<br />

e preserva a nossa saúde mental.<br />

Charles Chaplin<br />

Muitas vezes, porém, a contestação aparece<br />

na arte sem o tom de humor, camuflada<br />

em letras de música, na literatura, na<br />

poesia, em imagens e em outras formas<br />

criativas. Mesmo em momentos de forte repressão,<br />

artistas conseguiram subverter as<br />

proibições, usando formas sutis e metafóricas<br />

de expressão.<br />

Movimentos de rebelião contra o autoritarismo<br />

e a repressão, na década de 1960,<br />

surgiram em diferentes lugares do mundo.<br />

No Brasil, jovens artistas também protestaram<br />

contra o regime político vigente<br />

no país.<br />

A música alcançou grande repercussão, por<br />

meio dos festivais, mobilizando a juventude<br />

e dando visibilidade a cantores, compositores<br />

e músicos. Esse clima de contestação<br />

está presente nas canções de Chico Buarque,<br />

Edu Lobo, Milton Nascimento.<br />

Para além das fronteiras da música, a busca<br />

pela liberdade de expressão se materializou,<br />

também, na poesia de Ferreira Gullar,<br />

no teatro de Augusto Boal e Guarnieri, no<br />

cinema de Glauber Rocha e Nelson Pereira<br />

dos Santos e nas artes visuais, com as<br />

obras de Carlos Vergara, Rubens Gerchman<br />

e João Câmara.<br />

Em 1967, surgiu um movimento rebelde<br />

e original, liderado por Caetano Veloso<br />

e Gilberto Gil, denominado Tropicália. De<br />

origem estética e ideológica, tinha como<br />

objetivo “devorar” tudo o que estivesse<br />

sendo produzido em termos culturais no<br />

mundo e adaptar à realidade brasileira,<br />

com inspiração na antropofagia de Oswald<br />

de Andrade.<br />

A Tropicália buscava outros interlocutores<br />

para construir uma grande rede que reunisse<br />

todas as linguagens da arte, derrubando<br />

fronteiras, à procura do fortalecimento<br />

de uma identidade nacional.<br />

Pensar para brincar<br />

229


Pensar para brincar<br />

230<br />

320 . Capa do disco Tropicália ou Panis et Circencis, 1968.<br />

Eu organizo o movimento<br />

Eu oriento o carnaval<br />

Eu inauguro um monumento<br />

No planalto central do país.<br />

Tropicália / Caetano Veloso<br />

Mensagens de contestação, sejam elas tratadas<br />

com humor, por metáforas ou ironia, encontram<br />

caminhos em todas as linguagens da arte.<br />

O importante é que a forma de abordagem,<br />

escolhida por artistas e arteiros, tenha seriedade,<br />

mesmo sob o aspecto de uma brincadeira.<br />

E que a estratégia usada encontre eco<br />

no cenário social, político e cultural a que se<br />

destina, provocando reflexões e transformações<br />

para um viver mais solidário.<br />

Todas as ideias trazem em si<br />

sua contestação. A palavra<br />

contraria a palavra.<br />

Marcel Proust<br />

Conhecimentos em arte<br />

• A arte do gesto e da mímica.<br />

• A leitura de imagens e a releitura de<br />

obras de arte visuais.<br />

• A transformação da obra, por meio de releituras,<br />

nas diferentes linguagens da arte.<br />

• A história em quadrinhos, sua função<br />

narrativa, lúdica e contestatória.<br />

• As mensagens transmitidas pelas linguagens<br />

das charges, dos cartuns e das<br />

caricaturas; sua força de comunicação e<br />

crítica social.<br />

• As expressões artísticas contemporâneas<br />

que têm características lúdicas e<br />

contestatórias.<br />

• O papel contestatório da arte em momentos<br />

de repressão social.<br />

ARTiculando em sala de aula<br />

Professor(a), com base no texto lido, sugerimos<br />

algumas atividades para propor aos alunos:<br />

• Brincar de mímica, fazendo movimentos<br />

com o corpo que identifiquem profissões<br />

artísticas: pintor, escultor, bailarino, músico,<br />

escritor, ator, publicitário e outras.<br />

Imitar as ações desses profissionais, durante<br />

um tempo determinado por você,<br />

professor(a), para que os colegas descubram<br />

quem está sendo representado.<br />

• Observar reproduções de trabalhos de<br />

Marc Chagall, caracterizados pela magia e<br />

fantasia. Com base no quadro O Cavalo<br />

de Circo, criar personagens circenses, em<br />

uma atmosfera semelhante à representada<br />

por Chagall, colorindo com lápis aquarela.<br />

A pintura será feita sobre recortes


irregulares de cartolina. Esses recortes<br />

deverão fazer parte de quebra-cabeças circulares,<br />

organizados e previamente marcados<br />

e distribuídos por você, professor(a).<br />

Ao final do trabalho individual, os alunos<br />

vão procurar os colegas que receberam recortes<br />

com a mesma marca e montar os<br />

trabalhos nos grupos que se formarem. As<br />

diferentes partes deverão ser encaixadas<br />

para compor os quebra-cabeças circulares,<br />

lembrando o circo. Analisar as composições<br />

formadas pelos grupos.<br />

• Perceber como o artista Nelson Screnci,<br />

em sua obra Metamorfose Cultural, transforma<br />

a Infanta Margarida, de Velázquez,<br />

na Negra de Tarsila do Amaral. Trabalhar<br />

sobre a reprodução de uma obra plástica<br />

(pode ser uma cópia xerox), previamente<br />

escolhida, fazendo interferências com pinturas,<br />

desenhos e colagens. Comparar o<br />

trabalho realizado com a obra original.<br />

• Trabalhar com um elemento, recortado da<br />

reprodução de uma obra de arte, disponibilizado<br />

por você, professor(a). Colar o<br />

recorte em uma folha de papel e criar um<br />

novo contexto para ele. Desenhar esse<br />

cenário, colorindo com canetinhas hidrocor,<br />

lápis de cor e/ou giz de cera. Avaliar<br />

as etapas e a finalização do trabalho.<br />

• Conhecer a História em Quadrões, de<br />

Mauricio de Sousa, telas nas quais a<br />

Turma da Mônica aparece em releituras<br />

de obras artísticas mundiais. Criar uma<br />

história, com base em uma reprodução<br />

da obra Mônica com Sombrinha, paródia<br />

do quadro Mulher com Sombrinha,<br />

de Claude Monet. O quadro de Mauricio<br />

de Sousa poderá aparecer no início, no<br />

meio ou no fim da sequência de uma<br />

tira com três quadrinhos. Fazer os desenhos<br />

e as pinturas, no estilo da obra<br />

selecionada, dando destaque aos personagens,<br />

criando diálogos nos balões<br />

e usando diferentes recursos das histórias<br />

em quadrinhos.<br />

321 . Mauricio de Sousa, Mônica com Sombrinha, 1991.<br />

• Observar reproduções dos Zeróis, criados<br />

por Ziraldo, que interagem com releituras<br />

de obras de Picasso, Velázquez,<br />

Goya e Warhol. Pesquisar, na internet,<br />

um super-herói e uma obra de arte na<br />

qual ele possa se encaixar. Imprimir as<br />

imagens selecionadas e recortar o super-herói.<br />

Colar a figura sobre a obra<br />

escolhida e trabalhar a imagem para<br />

integrá-la ao contexto, acrescentando<br />

detalhes, brincando e dando um toque<br />

de humor à nova composição.<br />

• Pesquisar e selecionar, em jornais e revistas,<br />

caricaturas, charges e cartuns, feitos<br />

por diversos artistas. Organizar uma<br />

pequena coleção dessas imagens, percebendo<br />

as diferenças entre essas expressões<br />

gráficas críticas e humorísticas.<br />

• Observar as características marcantes<br />

de um colega: o contorno da cabeça, os<br />

detalhes do rosto, como o tamanho e<br />

formato dos olhos, da boca e do nariz.<br />

Após estudar as expressões, de frente<br />

e de perfil, fazer a caricatura do colega,<br />

exagerando seus pontos característicos.<br />

Expor o trabalho, junto com os outros<br />

da turma, para que cada um se reconheça<br />

e avalie sua caricatura.<br />

Pensar para brincar<br />

231


Pensar para brincar<br />

232<br />

Para visitar<br />

Escola Nacional de Circo – Preserva e difunde a tradição milenar da arte circense, contribuindo<br />

também para renovar a linguagem do circo. Realiza cursos regulares de formação<br />

e reciclagem de artistas.<br />

Endereço: Praça da Bandeira, 4.<br />

Tel.: (21) 2273-2144.<br />

Estúdio impacto – É escola, agência e estúdio de quadrinhos. Oferece cursos para desenvolver<br />

e/ou aprimorar habilidades em diferentes campos do desenho artístico.<br />

Endereço: Rua General Polidoro, 10, Botafogo.<br />

Tel.: (21) 2471-9547.<br />

Casa de Cultura laura Alvim – A casa onde morou Laura Alvim tornou-se, em 1986, um importante<br />

polo de cultura do Rio de Janeiro. Lá funcionam cinemas, teatros, galeria de arte<br />

e museu. Possui em seu acervo parte da obra do artista Angelo Agostini, avô de Laura.<br />

Endereço: Av. Vieira Souto, 176, Ipanema.<br />

Tel.: (21) 2332-2016.<br />

Biblioteca Nacional – O prédio em estilo neoclássico foi inaugurado em 1910. É a maior<br />

e mais importante biblioteca do Brasil, reunindo um acervo de aproximadamente nove<br />

milhões de peças, entre livros, revistas, mapas, gravuras, desenhos e caricaturas.<br />

Endereço: Av. Rio Branco, 219, Centro.<br />

Tel.: (21) 3095-3879.<br />

Sites<br />

• Museu dos Gibis<br />

http://museudosgibis.blogspot.com.br<br />

• Universo HQ<br />

http://universohq.com/quadrinhos


ARTE, ARTISTAS E ARTEIROS<br />

EM NOVOS TEMPOS<br />

A vida é movimento de transformação. Há sempre certo nível de<br />

tensão para que novos significados possam fluir. A mesma tensão<br />

que desorganiza também organiza, gerando caos ou criatividade,<br />

alienação ou sabedoria.<br />

Rogério Thaddeu


Tempo de transformação<br />

A captura da imagem<br />

Treine seus olhos para capturar<br />

a história que você quer contar.<br />

Vered Koshlano<br />

A praça já não é a mesma. Pessoas sentadas<br />

nos bancos, crianças correndo por entre<br />

os jardins, jovens que chegavam para<br />

encontros marcados. Lugar de conversa, de<br />

brincadeira, de namoro, de lazer e de ver o<br />

tempo passar.<br />

Não faltava o cheiro de pipoca quentinha no<br />

ar, o colorido atraente do algodão-doce e<br />

o canto alegre dos pássaros nas árvores. E<br />

lá sempre estava ele, fotógrafo de jardim,<br />

registrando e guardando a memória desse<br />

tempo com sua caixinha preta.<br />

322 . Manuel Eudócio. Lambe, Lambe.<br />

A histórica máquina fotográfica do lambe-lambe<br />

era um produto artesanal construído e reconstruído<br />

pelos numerosos fotógrafos ambulantes<br />

que um dia ocuparam as praças<br />

deste país.<br />

Sem procedência definida, sem autoria registrada,<br />

sem marca nem patente, essa câmera<br />

laboratório só possuía identificação<br />

em sua preciosa lente.<br />

Tão anônimo quanto a máquina, o criativo fotógrafo,<br />

algumas vezes, era identificado pelo<br />

carimbo deixado atrás da foto que tirava.<br />

A câmera não faz diferença nenhuma.<br />

Todas elas gravam o que você está<br />

vendo. Mas você precisa ver.<br />

Ernst Haas<br />

Uma das explicações para a origem do<br />

nome “lambe-lambe” deve-se ao gesto feito<br />

pelo fotógrafo, que molhava os dedos com<br />

saliva para identificar o lado sensível da<br />

chapa de impressão.<br />

LAMBE-LAMBE<br />

Fotógrafo que exercia sua profissão em praças e jardins públicos utilizando uma câmera laboratório que revelava<br />

as fotos quase que instantaneamente. Não há certeza sobre a origem do termo. Uma das teorias diz que, para<br />

saber de qual lado da placa de vidro estava o material sensível, o lambe-lambe usava a saliva, que gerava uma<br />

reação química e marcava o lado da emulsão.<br />

Tempo de transformação<br />

235


Tempo de transformação<br />

236<br />

A caixa de madeira escura com uma lente<br />

objetiva ficava apoiada em um tripé, enquanto<br />

o habilidoso fotógrafo, escondido<br />

atrás de um pano preto, enquadrava a imagem<br />

e, com um clique, tirava a foto.<br />

Ali mesmo ela era revelada e entregue ao<br />

retratado, que, ansiosamente, esperava<br />

para ver seu momento eternizado.<br />

(...) aquilo que a fotografia reproduz até<br />

o infinito só aconteceu uma vez:<br />

ela repete mecanicamente o que nunca<br />

mais poderá repetir-se existencialmente.<br />

Roland Barthes<br />

As fotos contam histórias e marcam momentos<br />

importantes, muitos deles eternizados,<br />

em épocas anteriores, pela pintura.<br />

323 . Jan van Eyck. O Casal Arnolfini, 1434.<br />

Os álbuns de fotografia tornaram-se guardiões<br />

da memória de muitos grupos familiares.<br />

Lá estão registros de casamentos, de<br />

fotos na escola (algumas com o mapa do<br />

Brasil ao fundo), de festas de formatura, de<br />

batizados, de grupos fantasiados, em um<br />

carnaval distante, e das numerosas reuniões<br />

de familiares e grupos de amigos.<br />

324 . Casamento em Cruzília. Família desconhecida.<br />

325 . Estudante do Colégio Pedro II, 1957.<br />

Os fotógrafos lambe-lambes preservavam a<br />

memória da comunidade, do bairro, da cidade.<br />

326 . Fotógrafo Onofre na Praça de Pirapora do Bom Jesus, 1993.<br />

327 . Página à direita: Jan van Eyck. O Casal Arnolfini, 1434 (detalhe).


Tempo de transformação<br />

238<br />

Como verdadeiros cronistas visuais, testemunhavam<br />

e registravam a vida cotidiana e a trajetória<br />

dos grupos locais, principalmente das<br />

classes populares, que não podiam deixar-se<br />

fotografar nos sofisticados estúdios profissionais.<br />

Contribuíram, assim, para a democratização<br />

do acesso ao retrato fotografado.<br />

Ao longo de diferentes gerações, esse trabalho<br />

foi importante para a preservação e transmissão<br />

das memórias familiares, estabelecendo<br />

um elo entre as antigas e as novas gerações.<br />

328 . Foto antiga de uma família. Coleção particular.<br />

(...) Na fotografia<br />

Estamos felizes (...)<br />

Anos Dourados / Chico Buarque e tom Jobim<br />

Mas quem inventou a fotografia?<br />

A fotografia, como técnica de reprodução, surgiu<br />

no século XIX, reunindo pesquisas, experiências<br />

e ensaios desenvolvidos por cientistas,<br />

técnicos, matemáticos, astrônomos, físicos e<br />

químicos que, junto com alguns inventores,<br />

contribuíram para as descobertas no campo<br />

da captação e revelação de imagens.<br />

Daguerre e Niépce, na França, Talbot, na Inglaterra,<br />

e Herschel, na Alemanha, buscaram<br />

com o uso da câmara obscura e das regras<br />

de perspectiva renascentista uma forma de<br />

reprodução de objetos, paisagens e pessoas<br />

através da impressão da luz.<br />

Eles conseguiram suas primeiras conquistas<br />

no campo da fotografia por volta de 1830, e<br />

Daguerre descobriu um processo mais prático,<br />

que ficou conhecido como daguerreótipo,<br />

ponto de partida para a fotografia.<br />

329 . Daguerreótipo, câmera de Louis Daguerre.<br />

A possibilidade de fixar uma imagem prolongava<br />

o alcance do olhar no tempo e no<br />

espaço, trazendo, para perto, como em uma<br />

mágica, objetos e lugares distantes. Desse<br />

modo, a fotografia fascinava a sociedade<br />

europeia em plena expansão industrial.<br />

Imagens são palavras que nos faltaram.<br />

Manoel de Barros<br />

DAGUERRE (LOUIS-JACQUES-MANDÉ DAGUERRE)<br />

(Cormeilles-en-Parisis, 1787 – Bry-sur-Marne, 1851)<br />

Pintor e cenógrafo, um dos inventores franceses da fotografia. Como cenógrafo teatral, criou o diorama, forma de<br />

espetáculo inovadora que consistia em jogos de luzes conjugados com o movimento de cenários. Aperfeiçoou as<br />

pesquisas de Joseph Nicéphore Niépce, com quem trabalhou, e após a morte do parceiro inventou o daguerreótipo,<br />

aparelho capaz de fixar imagens permanentes em uma chapa metálica, com menor tempo de exposição que<br />

o obtido por Niépce.


A invenção da fotografia revolucionou as relações<br />

do homem com a arte e a produção<br />

de imagens, cujo aspecto realista respondia<br />

às novas necessidades sociais.<br />

Até então, a pintura cumprira o papel de registrar<br />

e documentar imagens como forma<br />

de eternizá-las no tempo.<br />

Assim, a criatividade tomou conta,<br />

livre dos grilhões da estética<br />

tradicional, que estipulara que a<br />

arte tinha de mostrar coisas bonitas<br />

para fazer bem à alma.<br />

Jean-Pierre le Grand<br />

Com o advento da fotografia, os pintores da<br />

época tiveram reações diversificadas às reproduções<br />

pelo daguerreótipo. Muitos artistas,<br />

como o pintor fovista Vlaminck, temiam que a<br />

pintura fosse substituída pela fotografia.<br />

Delacroix, Ingres, Coubert, Manet e Degas<br />

achavam que as fotografias poderiam auxiliar<br />

seu trabalho, como estudos prévios para<br />

as pinturas.<br />

Essa possibilidade informativa e documental<br />

também conquistou escultores como Constantin<br />

Brâncusi e Auguste Rodin.<br />

Rodin usava a fotografia como base para as<br />

suas peças e também as utilizava para registrar<br />

e documentar suas esculturas. Deixou cerca de<br />

7 mil fotos em seu acervo, muitas das quais<br />

tornaram-se cartões-postais de suas obras.<br />

330 . Ateliê de Rodin.<br />

331 . Auguste Rodin. O Beijo, 1901-1904.<br />

Fotografia é arte?<br />

À medida que a fotografia se desenvolvia,<br />

os fotógrafos também almejavam o reconhecimento<br />

de seu trabalho como uma forma<br />

de arte. Alguns se inspiravam em temáticas<br />

de pinturas famosas para compor<br />

suas fotos.<br />

AUGUSTE RODIN (FRANÇOIS-AUGUSTE-RENÉ RODIN)<br />

(Paris, 1840 – Meudon, 1917)<br />

Escultor e desenhista francês reconhecido como um dos grandes artistas de seu tempo. Estudioso da estatuária clássica<br />

e entusiasta da arte de Michelangelo. Suas obras são formadas por partes (pés, mãos, joelhos) repetidas dentro de<br />

uma série de combinações diferentes, que exibem marcas de solda, evidenciando seu processo de produção. Com tal<br />

modelado “inacabado”, a massa escultórica se abre para o espaço, ocupando-o com efeitos de esbatimento de luz.<br />

Tempo de transformação<br />

239


332 . Jan Steen. Toilete Matinal, 1665.<br />

333 . Louis Camille d’Olivier. Estudo a Partir da Natureza, 1856.<br />

Eles começaram a imaginar formas criativas<br />

que produzissem diferentes efeitos em suas<br />

fotos: desfocavam a imagem, retocavam negativos,<br />

coloriam as cópias impressas e usavam<br />

outras maneiras de intervenção.<br />

NADAR<br />

(Paris, 1820-1910)<br />

Pseudônimo do fotógrafo, jornalista e caricaturista francês Gaspard-Félix Tournachon, que compartilhava com os escritores<br />

e artistas românticos da época a paixão pelo não convencional. Em 1854, abriu estúdio de fotografia onde captava<br />

com perspicácia a personalidade moral de seus retratados. Aberto a novas ideias e descobertas, foi um dos primeiros a<br />

fotografar com luz artificial e emprestou seu estúdio para o que veio a ser a primeira exposição impressionista, em 1874.<br />

335 . Página à esquerda: Nadar. Retrato de Vitor Hugo, c. 1840.<br />

Muitos profissionais se destacaram com tipos<br />

diferenciados de fotografias. No gênero<br />

de retratos, o francês Nadar usou recursos<br />

de iluminação e figurinos para conceber poses<br />

em arranjos cênicos que, segundo ele,<br />

caracterizavam a personalidade de figuras<br />

famosas da época, como Sarah Bernhardt,<br />

George Sand e Corot.<br />

334 . Sarah Bernhardt fotografada por Nadar, 1864.<br />

Na fotografia documental, o norte-americano<br />

Jacob Reis, repórter fotográfico em Nova<br />

York, denunciava com suas fotos a vida e<br />

as condições degradantes de trabalho dos<br />

pobres urbanos de Manhattan.<br />

No século XX, a fotografia já era considerada<br />

uma forma de arte produzida pelo olhar sensível<br />

do homem e pela modernização da máquina.<br />

Tempo de transformação<br />

241


Tempo de transformação<br />

242<br />

Temos que ver, olhar.<br />

É tão difícil fazer isso.<br />

Estamos acostumados<br />

a pensar, todo o tempo.<br />

É um processo muito lento e<br />

demorado aprender a olhar.<br />

Um olhar que tenha certo peso,<br />

um olhar que questione.<br />

Henri Cartier-Bresson<br />

O francês Henri Cartier-Bresson, pintor cubista,<br />

também dedicou-se à fotografia. Suas<br />

fotos revelam ações humanas curiosas ou<br />

emocionantes e cristalizam o momento de<br />

um breve instante em que os elementos em<br />

movimento entram em equilíbrio.<br />

336 . Henri Cartier-<br />

-Bresson. Atrás da<br />

Estação Saint-Lazare,<br />

Paris, 1932.<br />

Para Bresson, o fotógrafo precisava saber<br />

olhar o mundo e estar atento para transformar<br />

em imagem fixa algo que, na realidade,<br />

era passageiro. Seu trabalho procurava, segundo<br />

ele, “capturar um momento decisivo”.<br />

A fotografia é a poesia da mobilidade:<br />

é através da fotografia que os<br />

momentos deixam-se ver tal como são.<br />

Peter urmenyi<br />

Muitos “momentos decisivos”, únicos, marcaram<br />

a história da fotografia, capturados<br />

por diferentes artistas. O Beijo na Times<br />

Square, fotografado por Victor Jorgensen,<br />

em 1945, registrou o entusiasmo e a euforia<br />

diante do anúncio do término da Segunda<br />

Guerra Mundial.<br />

337 . Victor Jorgensen. O Beijo na Times Square, 1945.<br />

A mais famosa revolta estudantil na China,<br />

em 1989, ficou marcada pela foto Massacre<br />

na Praça da Paz Celestial, de Jeff Widener,<br />

que registrou a força simbólica de um jovem<br />

solitário e desarmado que fez parar um tanque<br />

de guerra.<br />

HENRI CARTIER-BRESSON<br />

(Chanteloup-en-Brie, 1908 – Montjustin, 2004)<br />

Fotógrafo francês, marcou a visualidade do século XX com imagens capazes de captar o drama humano em momentos<br />

ordinários. Com a pequena e leve câmera Leica, conseguia ficar anônimo na multidão ou discreto em uma<br />

situação íntima. Assim, obtinha espontaneidade dos retratados. Um dos fundadores da agência Magnum Photos<br />

(1947), viajou por várias partes do mundo na busca do que chamou de “momento decisivo”, em que elementos<br />

fugazes se equilibram em uma unidade formal.


Arthur Sasse, em 1951, mostrou a irreverência<br />

de Einstein, exibindo a língua para o assédio<br />

dos fotógrafos.<br />

Mas, talvez, um dos “momentos únicos”<br />

mais repetidos por releituras de diferentes<br />

artistas e, também, pela curiosidade de turistas<br />

do mundo inteiro que viajam até o local<br />

para lá serem fotografados é a imagem<br />

dos Beatles atravessando a Abbey Road, em<br />

1969, de Iain Macmillan.<br />

338 . Capa do álbum Abbey Road, The Beatles, 1969.<br />

O fotógrafo escolhe apenas uma entre<br />

múltiplas realidades, capturando, em<br />

alguns casos, momentos tão fugidios<br />

e vistas tão temporárias que o<br />

resultado só poderia ser chamado<br />

de ficção ou poesia.<br />

Jean-Pierre le Grand<br />

No Brasil, em 1840, o abade francês Louis<br />

Compte trouxe a daguerreotipia (processo<br />

fotográfico imaginado por Daguerre que<br />

consistia em fixar em uma película de prata<br />

pura, aplicada ao cobre, a imagem obtida<br />

na câmara escura) e realizou, com ela, uma<br />

série de três vistas dos arredores do Paço<br />

Imperial, na cidade do Rio de Janeiro.<br />

339 . Louis Compte.<br />

Vista do Paço Imperial<br />

na cidade do Rio de<br />

Janeiro, 1840.<br />

Mas foi o imperador D. Pedro II o primeiro brasileiro<br />

nato a se interessar pelo invento, encomendando<br />

um equipamento em Paris. Ele<br />

iniciou, pessoalmente, a prática da fotografia<br />

e tornou-se um entusiasta dessa arte, patrocinando<br />

e distribuindo títulos e honrarias aos<br />

fotógrafos que se destacaram na época.<br />

D. Pedro II foi um colecionador de fotografias,<br />

formando o maior acervo particular com<br />

vários tipos de imagens do período imperial.<br />

Incentivou a prática da fotografia entre artistas<br />

como Pedro Américo, que a utilizou como<br />

um recurso auxiliar para a sua pintura.<br />

340 . Joaquim Insley<br />

Pacheco. Dom<br />

Pedro II, 1870.<br />

PEDRO AMÉRICO<br />

(Areia, PB, 1843 – Florença, 1905)<br />

Pintor oficial do Estado brasileiro, recebeu encomendas de quadros que representavam eventos históricos marcantes,<br />

como Independência ou Morte ou Batalha de Avaí, que gerou polêmica pelo realismo empregado. Abordou<br />

também um imaginário orientalista e o estudo da anatomia (Tiradentes Esquartejado). Com talento reconhecido<br />

por Pedro II, foi muito premiado e valorizado pela crítica da época por certa superação dos limites acadêmicos.<br />

Tempo de transformação<br />

243


Tempo de transformação<br />

244<br />

A fotografia tornou-se um precioso instrumento<br />

para a visão do mundo até então<br />

desconhecido e também para a divulgação<br />

de trabalhos artísticos.<br />

Mais tarde, Marc Ferrez, um dos grandes<br />

destaques no documentário fotográfico, realizou<br />

trabalhos que mostravam a família imperial,<br />

o país e a paisagem da época.<br />

Ele compunha com arte e sensibilidade a<br />

cena, indo muito além do simples registro<br />

de uma foto.<br />

341 . Marc Ferrez. Inauguração da ponte ferroviária sobre o rio<br />

Paraíba, Rio de Janeiro, 1888.<br />

Com o aperfeiçoamento da aparelhagem fotográfica,<br />

a captura da imagem seguiu novos<br />

caminhos, sempre reinventando formas de<br />

comunicação através da fotografia artística.<br />

Na atualidade, o mineiro Sebastião Salgado realiza<br />

um trabalho de grande expressão, mostrando<br />

sua impressão pessoal de mundo ao<br />

retratar as massas populares, os movimentos<br />

migratórios e denunciando a opressão social.<br />

342 . Sebastião Salgado no Fórum Social Mundial 2003.<br />

Você não fotografa com sua máquina.<br />

Você fotografa com toda a sua cultura.<br />

Sebastião Salgado<br />

Além do reconhecimento da fotografia<br />

como forma de arte, sua inclusão em outros<br />

campos profissionais foi o caminho<br />

natural para essa descoberta tão significativa.<br />

Ela aparece ilustrando textos na<br />

imprensa, como fotomontagem aplicada à<br />

publicidade e incorporada ao trabalho de<br />

muitos artistas plásticos.<br />

A fotomontagem é uma composição visual<br />

que reúne recortes de diferentes<br />

fotografias e que, muitas vezes, é convertida<br />

novamente em uma foto. Foi muito<br />

utilizada por dadaístas, surrealistas<br />

e construtivistas.<br />

MARC FERREZ<br />

(Rio de Janeiro, 1843-1923)<br />

Fotógrafo brasileiro, um dos principais cronistas visuais do Brasil da segunda metade do século XIX. Registrou a<br />

família imperial, igrejas, monumentos, pontes, cachoeiras, rios e portos em vários estados brasileiros e, principalmente,<br />

aspectos da cidade do Rio de Janeiro. Suas imagens circularam em diversos tipos de publicação, ajudando<br />

a moldar uma imagem da nação brasileira a partir de suas especificidades.<br />

SEBASTIÃO RIBEIRO SALGADO<br />

(Aimorés, MG, 1944)<br />

Fotógrafo brasileiro, formado em Economia, descobriu a fotografia como a melhor forma de denunciar a miséria e<br />

os problemas sociais em várias partes do mundo. Explorando o uso da luz e negros intensos, retrata a fome e seca<br />

na África, as precárias condições de trabalho na América Latina, a luta pela terra ou o movimento de populações,<br />

muitas vezes com foco na gravidade dos rostos humanos. É um dos mais respeitados fotojornalistas do mundo.


Diferentemente da colagem cubista, em que<br />

artistas como Picasso e Braque acrescentavam<br />

às suas telas elementos variados, a<br />

fotomontagem usava exclusivamente recortes<br />

de fotografias, imagens e tipografias<br />

nas composições.<br />

No Brasil, essa técnica teve como precursor<br />

Jorge de Lima, que, além de poeta, era pintor<br />

e dedicou-se também à pesquisa e composição<br />

com colagens fotográficas.<br />

Justapondo elementos que chamavam a<br />

atenção pelo absurdo, Jorge de lima se utilizou<br />

da estética surrealista em seus trabalhos<br />

inovadores.<br />

Atualmente, por meio da edição de imagens<br />

por programas de computador, essa técnica<br />

é manipulada digitalmente, sem filme, em<br />

um efeito similar à fotomontagem.<br />

Em 1970, o artista múltiplo Aloísio Magalhães<br />

utilizou em seu processo criativo a<br />

fotografia como suporte, extrapolando sua<br />

função inicial e alargando suas fronteiras.<br />

Ele criou os Cartemas, partindo inicialmente<br />

da justaposição de imagens, buscando sempre<br />

novas e complexas composições.<br />

Seu trabalho com postais mistura, inverte e<br />

recorta imagens para realizar novas composições<br />

harmônicas.<br />

343 . Jorge de Lima. Fotomontagem, 1930-40. 344 . Aloísio Magalhães. Cartemas.<br />

JORGE DE LIMA (JORGE MATEUS DE LIMA)<br />

(União, AL, 1893 – Rio de Janeiro, 1953)<br />

Poeta, romancista, artista plástico, ensaísta, médico e político. Formou-se em Medicina, em 1914, quando escreveu<br />

o primeiro livro de poemas. Publicou outros mais nos anos 1920, sendo Essa Nega Fulô sua poesia mais conhecida.<br />

Foi médico e deputado em Alagoas. Mudou para o Rio em 1930, onde montou consultório que servia de ateliê<br />

de pintura e ponto de encontro de intelectuais. Invenção de Orfeu é o seu livro mais consagrado.<br />

ALOÍSIO MAGALHÃES<br />

(Recife, 1927 – Pádua, 1982)<br />

Designer, artista plástico e cenógrafo, realizou trabalho pioneiro de programação visual e teve relevante atuação na política<br />

de bens culturais, como diretor do Iphan em 1979. Nos anos 1950, estudou Museologia na França e <strong>Arte</strong>s Gráficas<br />

nos EUA. Em 1960, abriu escritório de design gráfico no Rio de Janeiro e participou da criação da Escola Superior de<br />

Desenho Industrial. Realizou importantes projetos para órgãos públicos e também desenhou notas e moedas brasileiras.<br />

Tempo de transformação<br />

245


Tempo de transformação<br />

246<br />

Segundo Ariano Suassuna, o cartema é “um<br />

trabalho matematicamente organizado e poeticamente<br />

resolvido”.<br />

Embora simples, o cartema não é<br />

um achado. Tem toda a vivência e<br />

o treinamento de um olho atento a<br />

tudo. O cartão-postal é importante e<br />

universal. Tão importante que ficou<br />

banal. A arte anda meio trágica,<br />

densa, sufocada. Perde diariamente<br />

o caráter lúdico e a graça. O cartema<br />

restitui ao espectador a alegria perdida.<br />

Ninguém fica indiferente.<br />

Aloísio Magalhães<br />

Aloísio Magalhães, como designer, foi também<br />

responsável pelo projeto gráfico das<br />

cédulas do cruzeiro em 1960, pela criação<br />

do símbolo da Bienal de São Paulo e pela<br />

marca do Quarto Centenário da cidade do<br />

Rio de Janeiro, talvez um de seus trabalhos<br />

de maior alcance popular.<br />

345 . Projeto gráfico do Padrão Monetário Brasileiro de 1967.<br />

346 . Aloísio Magalhães. Logotipo da Bienal de São Paulo.<br />

347 . Aloísio Magalhães. Logotipo do Quarto Centenário do Rio.<br />

Todas as experiências feitas em torno da fotografia<br />

geraram múltiplas possibilidades de<br />

registros criativos.<br />

Tendo a ação da luz como aliada indispensável,<br />

artistas de diferentes épocas se utilizaram<br />

de recursos fotográficos como o fotograma,<br />

técnica presente nos movimentos<br />

surrealista, cubista e na pop art.<br />

Man Ray, pintor e fotógrafo norte-americano,<br />

realizou trabalhos em que expunha à luz<br />

objetos organizados sobre papel fotográfico<br />

para que as formas ficassem gravadas, sem<br />

o uso da máquina fotográfica.<br />

MAN RAY (EMMANUEL RADNITZKY)<br />

(Filadélfia, 1890 – Paris, 1976)<br />

Pintor e fotógrafo norte-americano, participou ativamente dos círculos de artistas e escritores dadaístas e surrealistas<br />

e destacou-se na fotografia. Em Paris, realizou experimentações técnicas e artísticas como a raiografia<br />

(variante do fotograma que produz imagens diretamente de objetos sobre papel fotossensível) e a solarização<br />

(técnica muito apreciada pelos surrealistas). Reconhecido depois como fotógrafo de retratos, dedicou-se, nos anos<br />

1920 e 1930, à fotografia de moda.<br />

348 . Página à direita: Man Ray. Lingerie, 1931.


sugestão de imagem:<br />

Man Ray


Tempo de transformação<br />

248<br />

349 . Man Ray.<br />

Raiografia, 1926.<br />

Pinto o que não pode ser fotografado,<br />

algo surgido da imaginação, ou um<br />

sonho, ou um impulso do subconsciente.<br />

Fotografo as coisas que não<br />

quero pintar, coisas que já existem.<br />

Man Ray<br />

Desde a descoberta da fotografia, sua história<br />

se mistura com a da pintura. Ao contrário<br />

do que muitos pensavam, a fotografia<br />

fortaleceu a pintura, libertando-a de tradicionais<br />

compromissos com a representação<br />

da realidade, apontando caminhos de evolução,<br />

recriação e transformação.<br />

Do mesmo modo, a fotografia se consolidou<br />

como linguagem, evoluiu tecnicamente e hoje<br />

está presente no cinema, na televisão, no vídeo,<br />

na holografia e em muitos usos científicos.<br />

Não fazemos uma foto apenas com<br />

uma câmera; ao ato de fotografar<br />

trazemos todos os livros que lemos,<br />

os filmes que vimos, a música que<br />

ouvimos, as pessoas que amamos.<br />

Ansel Adams<br />

Imagem em ação<br />

No princípio era a ação.<br />

Goethe<br />

A representação do tempo e do movimento<br />

da vida em imagens foi sempre um desafio<br />

para o homem.<br />

Os desenhos de animais e de pessoas, no<br />

interior das cavernas pré-históricas, muitas<br />

vezes, já sugeriam o movimento, por meio<br />

da repetição e da continuidade de formas.<br />

De maneira semelhante, trabalhos artísticos<br />

na Grécia Antiga comprovam essa tentativa,<br />

como em representações de animais com um<br />

número maior de patas que o normal.<br />

Na China, cerca de 5000 a.C., o teatro de<br />

sombras, com marionetes articuladas, já procurava<br />

representar a noção de deslocamento<br />

das figuras.<br />

350 . Figuras do teatro de sombra chinês – dois guerreiros,<br />

c. 1780.<br />

Todo esse caminho percorrido pelo homem<br />

mostra experiências que anunciavam a época<br />

em que, futuramente, ele seria capaz de<br />

captar e de exibir imagens em movimento.


A partir da Revolução Industrial, na segunda<br />

metade do século XVIII, com o surgimento<br />

das máquinas, o homem tomou conhecimento<br />

da velocidade concretamente.<br />

No século XIX, o fotógrafo Eadweard Muybridge<br />

descobriu um aparelho capaz de pesquisar<br />

os movimentos de animais e do homem que<br />

muito contribuiu para estudos científicos.<br />

Mais tarde, Thomas Eakins foi pioneiro na<br />

técnica de fotografia, fazendo exposições<br />

rápidas, múltiplas e sequenciais de um homem<br />

correndo ou arremessando um dardo,<br />

registrando, assim, o deslocamento provocado<br />

pelo movimento.<br />

351 . Thomas Eakins. Saltador com vara: fotografia de exposi-<br />

ção múltipla de George Reynolds, 1884.<br />

Essas pesquisas se intensificaram, e, em<br />

1895, aconteceu a primeira sessão de cinema<br />

em Paris.<br />

Quem se lembra da primeira sessão de cinema<br />

a que assistiu? Talvez fosse melhor perguntar:<br />

quem não se lembra?<br />

Para a criança e para o adulto, a experiência<br />

de participar da magia que o cinema provoca,<br />

certamente, é uma lembrança que não<br />

se apaga.<br />

A sala cheia de lugares sendo ocupados<br />

aos poucos; a iluminação que diminuía, fazendo<br />

o coração acelerar e, de repente, a<br />

luz! Vinda por trás, de um buraquinho na<br />

parede do fundo da sala, em raios, construía<br />

na tela as imagens que se movimentavam<br />

contando histórias.<br />

O cinema é um modo divino de<br />

contar a vida.<br />

352 . Conjunto do cinematógrafo Lumière.<br />

Federico Fellini<br />

Reunindo trabalhos e experiências anteriores,<br />

os irmãos lumière inventaram uma estranha<br />

máquina com a finalidade científica<br />

de pesquisar o movimento.<br />

Eles não imaginavam que o “cinematógrafo”<br />

seria o ponto de partida para o sucesso de<br />

uma nova linguagem, que conquistaria, rapidamente,<br />

o gosto popular.<br />

IRMÃOS LUMIÈRE E CINEMATÓGRAFO<br />

Em 1895, os irmãos Auguste e Louis Lumière inventaram o cinematógrafo, dispositivo que produz efeito de movimento<br />

ao reproduzir imagens estáticas em certa velocidade. A nova máquina, movida à manivela, combinava câmera<br />

e projetor e dependeu de avanços tecnológicos como o rolo de filme em celuloide, cujas laterais perfuradas<br />

permitiam que ele girasse durante a filmagem e a projeção. No mesmo ano de sua invenção, foram realizadas as<br />

primeiras exibições de filmes.<br />

Tempo de transformação<br />

249


Tempo de transformação<br />

250<br />

A primeira exibição de cinema mostrou filmes<br />

curtos, em preto e branco, sem som,<br />

filmados com câmera parada, que, mesmo<br />

assim, conseguiram emocionar e surpreender<br />

o público.<br />

353 . Estreia do filme O Cantor de Jazz, 1927.<br />

Quem nasceu primeiro: o filme ao vivo ou o<br />

desenho animado?<br />

Alguns anos antes da invenção do cinematógrafo,<br />

já existiam desenhos animados.<br />

Depois de muitas tentativas para dar movimento<br />

a desenhos, bonecos e objetos em<br />

aparelhos estranhos de nomes complicados,<br />

foi criado o Teatro Óptico, por Émile Reynaud.<br />

354 . Primeira apresentação pública do Teatro Óptico de Émile<br />

Reynaud em Paris, 1892.<br />

Sua invenção permitia a sincronia de movimentos<br />

dos desenhos projetados em uma<br />

tela em tamanho natural, durante vários minutos,<br />

que podiam ser vistos por muitos espectadores<br />

ao mesmo tempo.<br />

Após a criação dos irmãos Lumière, a animação<br />

passou a contar com um meio muito mais prático<br />

e preciso de movimentar imagens. A filmagem<br />

era feita quadro a quadro, com pequenas<br />

mudanças na posição dos desenhos, e o cérebro<br />

do espectador percebia como movimento<br />

contínuo essa sucessão de imagens paradas.<br />

As histórias em quadrinhos abriram caminho<br />

para o desenho animado, conquistando o<br />

grande público. Foi nos Estados Unidos, com<br />

a crescente estruturação industrial, que a animação<br />

mais se desenvolveu.<br />

Surgiram figuras imortais, como Gato Félix,<br />

Pica-Pau e, mais tarde, Popeye e Betty Boop.<br />

355 . Autor: Dave Fleischer.<br />

Betty Boop.<br />

356 . Autor: Otto Messmer.<br />

Gato Félix.


Os desenhos dos quadrinhos combinam<br />

com cinema?<br />

Os quadrinhos apresentam uma história em<br />

sequência, como nos desenhos animados<br />

do cinema.<br />

Antigamente, era comum ver as crianças<br />

construírem seus próprios “cineminhas”, utilizando<br />

uma caixa de papelão e uma história<br />

criada e desenhada por elas ou recortada de<br />

revistas em quadrinhos. As cenas, emendadas<br />

em tiras, eram exibidas através de um<br />

recorte feito na caixa de papelão.<br />

Esse protótipo rudimentar abria espaço para<br />

a imaginação infantil, com a criação de intervenções,<br />

diálogos, músicas que reuniam e<br />

alegravam a criançada.<br />

Se uma pessoa não conseguir<br />

imaginar coisas, não as consegue<br />

fazer, e qualquer coisa que se<br />

imagine é real.<br />

Alexander Calder<br />

A liberdade criativa, tão comum nas crianças,<br />

talvez tenha sido a força que impulsionou<br />

Walt Disney a criar, em 1923, em<br />

Hollywood, um estúdio especialmente destinado<br />

à produção de desenhos animados.<br />

357 . Autor: Walt Disney.<br />

Mickey Mouse.<br />

Assim, surgiram o Mickey Mouse, sua primeira<br />

animação falada, e muitos outros personagens<br />

que até hoje fazem parte do universo<br />

infantil.<br />

Disney implantou uma arte-indústria em<br />

crescente atividade, sempre com inovações<br />

tecnológicas, marcando a história<br />

da animação.<br />

No Brasil, a animação ganhou impulso nos<br />

anos 1980, com a premiação em Cannes<br />

do desenho Meow!, de Marcos Magalhães,<br />

e com a produtora de Mauricio de Sousa,<br />

que levou seus personagens dos quadrinhos<br />

para as telas.<br />

358 . Cena de Meow!, dirigido por Marcos Magalhães, 1981.<br />

WALT DISNEY (WALTER ELIAS DISNEY)<br />

(EUA, 1911-1966)<br />

Desenhista, produtor e diretor de cinema de animação. Utilizou novas técnicas e criou personagens famosos, como o<br />

camundongo Mickey (1928). Produziu longas-metragens de animação, como Branca de Neve e os Sete Anões (1938) e<br />

Peter Pan (1953). Em 1955, criou nos EUA a Disneylândia, grande parque temático que recria os cenários dos desenhos<br />

animados. Sua ideia foi ampliada com a criação do Disneyworld (1971), nos EUA, e da Eurodisney (1990), na França.<br />

MARCOS MAGALHÃES<br />

(Rio de Janeiro, 1958)<br />

Desenhista e animador brasileiro, é autor de vários curtas de animação, entre eles Meow! (1982), marco na história do<br />

cinema de animação entre nós. Premiado no festival de cinema de Cannes, o filme conta a história de um gato que, seduzido<br />

pela publicidade de um refrigerante, deixa de tomar leite. Cria em 1993 o Anima Mundi, um dos cinco principais festivais<br />

de animação no mundo hoje. Desde 2002, ministra aulas de Cinema de Animação no curso de Design da PUC-Rio.<br />

Tempo de transformação<br />

251


Os fãs dos quadrinhos, recentemente, viram<br />

ressuscitar, no filme Os Vingadores, seis heróis<br />

da Marvel Comics juntos na missão de salvar<br />

a Terra: Capitão América, Homem de Ferro,<br />

Hulk, Gavião Arqueiro, Viúva Negra e Thor.<br />

359 . Cartaz do filme Os Vingadores.<br />

Muita ação e magníficos efeitos especiais em<br />

tecnologia 3D mostram o quanto os avanços<br />

tecnológicos têm influenciado a qualidade<br />

dos filmes na atualidade, levando o espectador<br />

a um mundo virtual inigualável, que<br />

extrapola a realidade e a fantasia.<br />

A tecnologia influenciou, também, outras linguagens<br />

artísticas?<br />

361 . Página à esquerda: Marcel Duchamp. Nu Descendo a Escada, 1912 (detalhe).<br />

No início do século XX, o avanço tecnológico,<br />

que imprimiu velocidade e ritmo acelerado<br />

à vida contemporânea, influenciou<br />

também outros campos da arte. Havia uma<br />

necessidade dos artistas em expressar a natureza<br />

dinâmica do movimento. Utilizavam a<br />

composição das cores, a fragmentação dos<br />

planos e a repetição de elementos para recriar<br />

a mudança do tempo e do espaço.<br />

O pintor francês Marcel Duchamp, em 1912, retratou<br />

em estágios superpostos o movimento<br />

de uma figura que se decompõe em formas<br />

abstratas. Sua obra Nu Descendo a Escada<br />

causou grande impacto quando foi exposta<br />

em Nova York.<br />

360 . Marcel Duchamp. Nu Descendo a Escada, 1912.<br />

Surgiu a corrente artística denominada Futurismo,<br />

tendo como um dos princípios a expressão<br />

do próprio movimento.<br />

MARCEL DUCHAMP<br />

(Blainville-Crevon, 1887 – Neuilly-sur-Seine, 1968)<br />

Artista e escritor francês, representante do Dadaísmo e importante referência para a arte contemporânea, enfatiza a arte<br />

como processo mental em oposição ao valor dado ao produto final. Explorou o dinamismo em Nu Descendo a Escada, sob<br />

influência do Cubismo e da Cronofotografia, mas logo deixou a pintura na busca de uma arte que superasse o puramente<br />

visual e considerações estéticas. Concebe o ready-made ao deslocar objetos cotidianos para o âmbito artístico.<br />

FUTURISMO<br />

Movimento artístico e literário lançado na Itália em 1909 com o manifesto de Filippo Marinetti, que incitava à ação<br />

e subversão da cultura e das tradições sociais, exaltando o mundo mecânico, a velocidade da vida moderna e a<br />

guerra. Tematizava-se o movimento das metrópoles com seus carros e sua energia luminosa em experimentações<br />

plásticas, literárias, teatrais e musicais que analisavam e fragmentavam imagens e sons a fim de captar o ritmo<br />

vibrante do movimento urbano moderno.<br />

Tempo de transformação<br />

253


Tempo de transformação<br />

254<br />

umberto Boccioni, com sua escultura em<br />

bronze Formas Únicas de Continuidade no<br />

Espaço, e Giacomo Balla, com a tela Automóvel<br />

em Alta Velocidade, são exemplos de<br />

artistas que exaltaram o futuro por meio do<br />

dinamismo das formas.<br />

362 . Umberto Boccioni. Formas Únicas de Continuidade no<br />

Espaço, 1913.<br />

363 . Giacomo Balla. Automóvel em Alta Velocidade, 1912.<br />

Os artistas futuristas criaram a ilusão<br />

de velocidade, recorrendo ao estilo fragmentado<br />

do Cubismo para retratar o<br />

movimento mecanizado.<br />

De algum modo, esses artistas expressaram<br />

o princípio da representação do movimento,<br />

decompondo-o em uma série de imagens fixas<br />

para recuperá-lo em suas obras.<br />

O pintor tinha a obrigação de<br />

reagir à câmera e à industrialização<br />

e o dever de questionar a própria<br />

natureza da arte.<br />

Frank Wynne<br />

O mundo em movimento foi o que a “caixa<br />

mágica” dos irmãos Lumière conseguiu<br />

fazer: captar a realidade, estabelecendo<br />

um diálogo com a fantasia, levando a vida<br />

para a tela.<br />

A impressão da realidade talvez tenha sido o<br />

motivo do grande sucesso do cinema.<br />

A ilusão durava o tempo da projeção, como<br />

um sonho.<br />

O cinema foi fruto de descobertas tecnológicas<br />

e a expressão que mais caracterizou,<br />

no campo artístico, a forma de produção<br />

industrial em série voltada para o consumo<br />

de massa.<br />

UMBERTO BOCCIONI e GIACOMO BALLA<br />

(Reggio Calabria, 1882 – Verona, 1916) e (Turim, 1871 – Roma, 1958)<br />

Pintores e escultores italianos, contribuíram com ideias e práticas para formular uma estética futurista, baseada<br />

no contraste de linhas de força e na interseção de planos. A escultura de Boccioni busca captar visualmente o<br />

movimento multidirecional ao representar a extensão dos objetos no espaço real. A pintura de Balla procura<br />

evidenciar a forma através da representação de luz e movimento, a partir de pesquisas técnicas sobre a decomposição<br />

da cor e da luz.


Apesar de suas origens como uma<br />

espécie de entretenimento popular,<br />

há muito que o cinema, graças a<br />

uma mistura de avanço tecnológico,<br />

divulgação para as massas, industrialização<br />

e criatividade humana,<br />

tinha amadurecido e se tornado a<br />

sétima arte.<br />

Christopher Frayling<br />

Desde os primeiros filmes mudos e em preto<br />

e branco, passando pelo filme sonoro e<br />

colorido, até os inusitados efeitos especiais<br />

e os recursos em terceira dimensão da atualidade,<br />

a transformação cinematográfica não<br />

afetou a essência do cinema como arte.<br />

Ainda hoje, as plateias se emocionam com<br />

Tempos Modernos e a atuação inigualável<br />

de Charles Chaplin, envolvem-se com Cantando<br />

na Chuva e a dança contagiante de<br />

Gene Kelly, surpreendem-se com os efeitos<br />

especiais de 300 e a metamorfose de Rodrigo<br />

Santoro.<br />

364 . Fotograma Tempos Modernos, dirigido por Charles<br />

Chaplin, 1936.<br />

365 . Cartaz do filme Cantando na Chuva, dirigido por Stanley<br />

Donen e Gene Kelly, 1952.<br />

366 . Cartaz do filme 300, dirigido por Zack Snyder, 2006.<br />

SÉTIMA ARTE<br />

Denominação dada ao cinema, em 1912, pelo italiano Ricciotto Canudo em sua obra Manifesto das Sete <strong>Arte</strong>s e Estética<br />

da Sétima <strong>Arte</strong>. O cinema é considerado a sétima arte porque integra elementos básicos de outras artes: música<br />

(som), dança/coreografia (movimento), pintura (cor), escultura (volume), teatro (representação) e literatura (palavra).<br />

Tempo de transformação<br />

255


Tempo de transformação<br />

256<br />

Os primeiros filmes eram mudos, característica<br />

que lhes dava universalidade e maior<br />

teatralidade. Necessitavam, por vezes, de<br />

legendas para estabelecer uma melhor comunicação<br />

com os espectadores. A exibição<br />

era quase sempre acompanhada pelo som<br />

ao vivo de um piano, com músicas e efeitos<br />

sonoros escolhidos pelo próprio pianista.<br />

Muitos filmes mudos atingiram qualidade<br />

técnica e sensibilidade artística que,<br />

mesmo na atualidade, continuam sendo<br />

reconhecidas.<br />

Em 1912, iniciou-se a indústria cinematográfica,<br />

que produziu grandes clássicos, com<br />

atores como Charles Chaplin, Buster Keaton<br />

e Harold Lloyd, trio de comediantes inesquecíveis<br />

do cinema mudo.<br />

Charles Chaplin criou o personagem Carlitos,<br />

que, por meio da pantomima, transmitia<br />

uma dignidade sem par com sua figura simplória,<br />

da qual o chapéu-coco e a bengala<br />

eram a marca registrada e imortalizada nos<br />

filmes da época.<br />

367 . Charlie Chaplin em um<br />

retrato de estúdio para o<br />

O Vagabundo, de 1915.<br />

Chaplin foi uma das figuras<br />

mais marcantes do<br />

cinema mudo, atuando<br />

em filmes de sucesso,<br />

como O Garoto, Luzes<br />

da Cidade, Em Busca do<br />

Ouro e O Circo, que lhe<br />

deu um Oscar, em 1929.<br />

O Grande Ditador foi seu<br />

primeiro filme falado,<br />

um clássico que recebeu<br />

numerosas premiações.<br />

368 . Fotograma do filme O Garoto, dirigido por<br />

Charles Chaplin, 1921.<br />

Em 1972, Charles Chaplin conquistou um Oscar<br />

especial pelo conjunto de sua obra, em<br />

meio a uma das maiores aclamações de um<br />

público presente à premiação.<br />

Mais do que máquinas, precisamos de<br />

humanidade, mais do que inteligência,<br />

precisamos de afeição e doçura.<br />

trecho do discurso do filme<br />

O Grande Ditador / Charles Chaplin<br />

Durante três décadas, o cinema mudo encantou<br />

as plateias, mesmo sem a magia sonora.<br />

Na América, mais voltado para a diversão,<br />

com suas comédias e melodramas. Na Europa,<br />

apresentando uma linha mais elitista e<br />

conceitual, trazendo para o cinema movimentos<br />

revolucionários, como o Cubismo, o Surrealismo<br />

e o Expressionismo. As ideias relacionadas<br />

a essas correntes estéticas inovaram<br />

formas de representação cinematográfica.<br />

SURREALISMO<br />

Movimento literário, intelectual e artístico que começou em Paris em 1924 a partir da insatisfação com valores sociais<br />

e artísticos tradicionais. Influenciado pela psicologia de Sigmund Freud e liderado por André Breton, baseou-se no<br />

interesse pelos sonhos e na noção de inconsciente. Imagens em pintura, colagem ou fotomontagem retratam objetos<br />

banais em contextos absurdos, de modo a provocar o espectador, levando-o a reagir fora da expectativa habitual.<br />

369 . Página à direita: Retrato de Buster Keaton.


Tempo de transformação<br />

258<br />

Constituía-se uma nova estética, autônoma,<br />

procurando um caminho próprio, que sendo,<br />

ao mesmo tempo, sofisticada e popular conseguiria<br />

representar o imaginário do seu tempo.<br />

E surgiu o som...<br />

Os primeiros filmes sonoros causaram grandes<br />

dificuldades para cineastas e atores da<br />

época. A necessidade de adaptações técnicas<br />

e, principalmente, humanas fez com que o<br />

avanço tecnológico representado pela chegada<br />

do som provocasse um retrocesso na qualidade<br />

estética da produção cinematográfica.<br />

Recentemente, o premiado filme O Artista<br />

mostrou a mudança do cinema mudo para o<br />

sonoro e a difícil adaptação dos atores e dos<br />

recursos técnicos à nova modalidade.<br />

370 . Cartaz do filme O Artista, dirigido por<br />

Michel Hazanavicius, 2011.<br />

Esse filme retomou o momento de transição,<br />

apresentando aspectos da arte cinematográfica<br />

e dos atores da época, trazendo essa<br />

memória histórica para as plateias de hoje.<br />

À proporção que os grandes estúdios se<br />

adaptaram à nova realidade, descobriram<br />

formas de explorar o som. Entre elas, os<br />

filmes musicais, que alcançariam grande<br />

popularidade e que levaram os estúdios a<br />

fazer investimentos em produtores musicais,<br />

orquestras, compositores e atores que dançavam<br />

e cantavam.<br />

Esses novos profissionais trouxeram a possibilidade<br />

de, até hoje, conhecermos outras<br />

épocas e lugares cantando e dançando com<br />

A Noviça Rebelde, voando com Mary Poppins,<br />

entrando na tela e vivendo as emoções dos<br />

personagens em Cinema Paradiso e A Rosa<br />

Púrpura do Cairo.<br />

371 . Cartaz do filme Mary Poppins, dirigido por<br />

Robert Stevenson, 1964.<br />

372 . Cartaz do filme Cinema Paradiso, dirigido por<br />

Giuseppe Tornatore, 1988.


O cinema falado se solidificou, conferindo<br />

maior qualidade, dramaticidade e naturalismo<br />

às suas cenas. Desse modo, continuamos<br />

viajando por épocas e lugares diferentes, conhecendo<br />

personalidades importantes, no<br />

espaço e no tempo que dura a projeção de<br />

um filme como Uma Noite em Paris.<br />

O cinema é uma maravilhosa máquina<br />

do tempo.<br />

Bernardo Bertolucci<br />

A primeira sessão de cinema no Brasil foi realizada<br />

em 8 de junho de 1896, com grande<br />

expressão na sociedade.<br />

Inaugurou-se ontem, às duas horas<br />

da tarde, em uma sala da Rua do<br />

Ouvidor, número 57, um aparelho<br />

que projeta sobre uma tela diversos<br />

espetáculos e cenas animadas por<br />

meio de uma série enorme de<br />

fotografias (...) Cremos ser este<br />

o mesmo aparelho a que se dá o<br />

nome de cinematógrafo. (...)<br />

entrando em função o aparelho,<br />

a cena anima-se e as figuras<br />

movem-se.<br />

Carlos Roberto de Souza<br />

O Rio de Janeiro se modernizou, e o cinematógrafo<br />

passou a fazer parte da vida da cidade,<br />

saudado por cronistas da época, como<br />

João do Rio, afirmando que o país havia entrado<br />

na “idade do cinema”.<br />

Os salões e teatros se abriram para exibições de<br />

cinema, e, no início do século XX, foram inauguradas<br />

as primeiras salas especiais de projeção.<br />

Em 1925, o empresário Francisco Serrador<br />

idealizou a Cinelândia, no Centro da cidade<br />

do Rio de Janeiro, reunindo os cinemas Capitólio,<br />

Glória, Odeon e Império.<br />

O local tornou-se um ícone carioca, reunindo<br />

a população nos mais diferenciados tipos de<br />

manifestações culturais e políticas.<br />

373 . Cinelândia, 1956/57.<br />

Os primeiros filmes brasileiros foram produzidos<br />

por cinegrafistas muitas vezes ligados<br />

à prática da fotografia. É o caso dos irmãos<br />

Ferrez, que filmaram, em 1908, a primeira<br />

comédia nacional, Nhô Anastácio Chegou de<br />

Viagem. Nessa época, óperas e operetas tiveram<br />

versão para o cinema, como O Guarani,<br />

de Carlos Gomes.<br />

Na década de 1930, a ida do cineasta Humberto<br />

Mauro para o Instituto Nacional iniciou a<br />

produção de vários curtas e médias-metragens.<br />

IRMÃOS FERREZ<br />

Filhos do fotógrafo Marc Ferrez, Julio e Luciano Ferrez vendiam equipamentos e filmes. Julio foi um dos principais<br />

operadores de câmera do início de nosso cinema. Proprietários do Cinema Pathé, no Rio de Janeiro, inaugurado<br />

em 1907, produziram o filme Nhô Anastácio Chegou de Viagem (1908), a primeira comédia brasileira. A família Ferrez<br />

teve grande importância para nosso cinema, dominando parte do circuito exibidor constituído pelos cinemas<br />

Pathé, Palace, Paratodos e Mauá.<br />

Tempo de transformação<br />

259


Tempo de transformação<br />

260<br />

O cinema brasileiro alcançou grande popularidade<br />

a partir da década de 1940, com as produtoras<br />

Atlântida e Vera Cruz. A primeira, com<br />

suas comédias musicais e “chanchadas”; a segunda,<br />

que procurou dar padrão internacional<br />

a filmes que fizeram sucesso, como Floradas<br />

na Serra e Tico-Tico no Fubá.<br />

Eu que pego o bonde 12 de Ipanema<br />

Pra ver Oscarito e o Grande Otelo no cinema<br />

Domingo no Rian<br />

Me deixa eu querer mais, mais paz...<br />

Rio Antigo / Chico Anysio e Nonato Buzar<br />

E o que acontecia com as outras linguagens<br />

da arte?<br />

A partir do final da primeira metade do século<br />

XX, o cenário artístico brasileiro ficou<br />

marcado por acontecimentos importantes.<br />

O Museu de <strong>Arte</strong> de São Paulo (Masp), projetado<br />

por Lina Bo Bardi, foi fundado em<br />

1947, e lá foram realizadas as primeiras<br />

374 . Museu de <strong>Arte</strong> de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp).<br />

exposições de fotografia como forma de expressão<br />

artística e a 1ª Bienal Internacional<br />

de São Paulo, colocando o país no circuito<br />

das mostras de arte mundiais e dos acontecimentos<br />

de vanguarda.<br />

Alguns anos depois, em 1958, aconteceu a<br />

inauguração do Museu de <strong>Arte</strong> Moderna do Rio<br />

de Janeiro, em um magnífico prédio projetado<br />

por Affonso Eduardo Reidy, tendo ao seu redor<br />

os jardins do paisagista Roberto Burle Marx.<br />

375 . Museu de <strong>Arte</strong> Moderna do Rio de Janeiro.<br />

A arte brasileira passou por grandes transformações,<br />

e, embora coexistissem diversas formas<br />

expressivas, os artistas procuravam novos<br />

caminhos experimentais, adequando-se<br />

às necessidades do país, que se abria para a<br />

expansão industrial.<br />

A música popular brasileira alcançou grande<br />

sucesso; o teatro e o cinema procuraram novos<br />

caminhos.<br />

A arquitetura ganhou prestígio com a construção<br />

de Brasília, e o Abstracionismo tomou lugar<br />

de destaque na escultura de Bruno Giorgi.<br />

O artista apresentou uma nova dinâmica no<br />

espaço, em um jogo de cheios e vazios, integrando<br />

a escultura à arquitetura moderna.<br />

ATLÂNTIDA E VERA CRUZ<br />

A Atlântida Cinematográfica foi fundada em 1941 e ficou conhecida pelas famosas chanchadas ou comédias populares.<br />

Moleque Tião, Matar ou Correr e O Homem do Sputnik são algumas de suas produções. A Cinematográfica<br />

Vera Cruz Ltda., fundada em 1949, produziu e coproduziu mais de 40 filmes de longa-metragem, como Caiçara,<br />

Tico-Tico no Fubá e O Cangaceiro, além de alguns documentários.


376 . Bruno Giorgi. Meteoro, 1967/8.<br />

O experimentalismo também chegou à literatura,<br />

marcando o romance nacional, com<br />

destaque na obra de Guimarães Rosa, na<br />

poesia de João Cabral de Melo Neto e na<br />

irreverência de Clarice Lispector, ao lado de<br />

muitos expoentes das letras.<br />

Vou experimentar tudo o que possa,<br />

não quero me ausentar do mundo...<br />

Clarice lispector<br />

O som da música de grandes cantores, compositores<br />

e instrumentistas apontou para<br />

uma renovação musical em conjunção com<br />

as novas tecnologias.<br />

A transformação na música, os questionamentos<br />

formais nas artes plásticas e na literatura,<br />

as mudanças tecnológicas com o<br />

cinema e o rádio repercutiram no teatro, no<br />

qual a renovação começou a acontecer nos<br />

anos 1940, com a peça Vestido de Noiva,<br />

de Nelson Rodrigues, que revolucionaria a<br />

dramaturgia nacional.<br />

E o cinema brasileiro? Encontrou seu caminho?<br />

A indústria cinematográfica sofreu com<br />

os altos e baixos das produções, a falta<br />

de apoio do governo e a concorrência dos<br />

filmes estrangeiros.<br />

377 . Cartaz do filme O Cangaceiro, dirigido por Lima Barreto, 1953.<br />

BRUNO GIORGI<br />

(Mococa, SP, 1905 – Rio de Janeiro, 1993)<br />

Escultor e pintor brasileiro, desenvolveu parte de sua obra afinado com a estética modernista na busca de uma<br />

identidade brasileira. Após estudar arte na Europa, voltou a São Paulo em 1939, onde conviveu com expoentes do<br />

Modernismo e participou de grupos de artistas. Entre os anos 1940 e 1960, realizou obras para espaços públicos<br />

importantes, como Monumento à Juventude Brasileira (1947), no Palácio Capanema, no Rio de Janeiro, e Candangos<br />

(1960), na Praça dos Três Poderes, em Brasília.<br />

Tempo de transformação<br />

261


sugestões de imagem:<br />

Central do Brasil ou o<br />

Quatrilho


Desde os filmes O Cangaceiro, de Lima Barreto,<br />

premiado em Cannes em 1953 como<br />

melhor filme de aventuras, e Rio 40 Graus,<br />

de Nelson Pereira dos Santos, em 1955, inaugurou-se<br />

um novo ciclo do cinema nacional,<br />

com temática popular e denúncia social.<br />

Em 1954, a produtora Vera Cruz encerrava<br />

uma fase de importância histórica para o cinema<br />

nacional e um grupo de jovens cinéfilos<br />

defendia a criação de filmes vinculados à<br />

realidade brasileira, que traduzissem criticamente<br />

a história do país.<br />

De toda essa inquietação, surgiu o Cinema<br />

Novo. Cineastas como Glauber Rocha,<br />

Cacá Diegues e Paulo César Saraceni faziam<br />

parte do grupo, que apostava em<br />

outro formato e outro discurso para os<br />

filmes nacionais.<br />

Nossa geração tem consciência: sabe<br />

o que deseja. Queremos fazer filmes<br />

anti-industriais; queremos fazer filmes<br />

de autor, quando o cineasta passa a<br />

ser um artista comprometido com os<br />

grandes problemas do seu tempo.<br />

Glauber Rocha<br />

Focalizando questões sociais, mudou a<br />

produção cinematográfica brasileira, e o<br />

cineasta ganhou legitimidade. As premiações<br />

obtidas em vários festivais internacionais<br />

contribuíram para o prestígio do<br />

Cinema Novo.<br />

O cinema brasileiro deixou de ser<br />

uma crônica da sociedade brasileira,<br />

deixou de ser um estereótipo, um<br />

pastiche, e passou a adotar uma<br />

visão antropológica do homem brasileiro,<br />

da própria cultura brasileira.<br />

378 . Cena do filme Central do Brasil, dirigido por Walter<br />

Salles, 1998.<br />

GLAUBER ROCHA<br />

(Vitória da Conquista, BA, 1939 – Rio de Janeiro, 1981)<br />

Diretor de cinema, destacou-se na produção cultural brasileira pela realização de filmes e pela reflexão sobre nosso cinema.<br />

Reconheceu em certos filmes da passagem dos anos 1950 para os anos 1960 uma nova forma de fazer cinema – o Cinema<br />

Novo, do qual foi um dos principais representantes. Em oposição a grandes produções cinematográficas, propôs renovação<br />

estética com “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça” a partir de foco sobre nossas próprias questões sociais e culturais.<br />

379 . Página à esquerda: Foto de cena do filme Deus e o Diabo na Terra do Sol, dirigido por Glauber Rocha, 1964.<br />

Cacá Diegues<br />

Mas a produção cinematográfica não se esgotou<br />

nas propostas do Cinema Novo, e surgiram<br />

outras tendências para conquistar o<br />

mercado brasileiro.<br />

No final do século XX, o cinema se solidificou<br />

com diversidade de produções, conquistando<br />

o mercado nacional e internacional. Importantes<br />

cineastas levaram o nome do Brasil<br />

aos principais festivais de cinema mundiais.<br />

O Quatrilho (1995), de Fábio Barreto, foi indicado<br />

ao Oscar de melhor filme estrangeiro, e<br />

Central do Brasil (1998), de Walter Salles, premiado<br />

como melhor filme no Festival de Berlim,<br />

juntamente com a protagonista Fernanda<br />

Montenegro, premiada como melhor atriz.<br />

Tempo de transformação<br />

263


Tempo de transformação<br />

264<br />

Assim, sucederam-se tempos de grande euforia<br />

criativa, períodos de concessões, épocas<br />

de recessões e lutas por novos ideais,<br />

em um eterno renascer, movido por pessoas<br />

que acreditam no poder de transformação<br />

da arte.<br />

No fascínio pelo cinema, a presença<br />

de uma disposição moderna, de um<br />

olhar atento à informação nova. Traços<br />

de uma geração que surgia na<br />

esteira de 64 e que procuraria dar<br />

um passo à frente em relação aos<br />

pressupostos da produção cultural<br />

nacionalista e engajada.<br />

Heloísa Buarque de Hollanda<br />

Como todos os movimentos artísticos que<br />

caracterizam a história da arte, também o<br />

cinema reflete os momentos sociais, econômicos<br />

e políticos de sua época. E ele, como<br />

nenhuma outra forma de arte, foi o que mais<br />

rompeu fronteiras, tornando-se universal em<br />

um pequeno espaço de tempo.<br />

Em menos de um século, o cinema venceu<br />

caminhos de maneira tão rápida quanto a<br />

velocidade que expressa, transformando-se<br />

e, chegando à contemporaneidade, surpreendendo<br />

com suas infindáveis renovações<br />

tecnológicas, mas trazendo ainda as marcas<br />

de sua origem.<br />

O cinema não tem fronteiras nem limites.<br />

É um fluxo constante de sonho.<br />

orson Welles<br />

Conhecimentos em arte<br />

• A apreciação artística e estética<br />

de imagens.<br />

• As mudanças na arte com o advento<br />

da fotografia.<br />

• A fotografia como registro e recurso na<br />

arte e na ciência.<br />

• A decomposição e recomposição da forma<br />

na obra de arte.<br />

• A pesquisa da figura em movimento e o<br />

advento do cinema.<br />

• A produção cinematográfica em diferentes<br />

épocas.<br />

• O uso dos recursos tecnológicos na manipulação<br />

e na edição de imagens.<br />

ARTiculando em sala de aula<br />

Professor(a), com base no texto lido, sugerimos<br />

algumas atividades para propor aos alunos:<br />

• Pesquisar, em grupo, a evolução da<br />

máquina fotográfica: do lambe-lambe<br />

à máquina digital. Construir uma máquina<br />

fotográfica, utilizando materiais<br />

diversificados, contidos em um “envelope<br />

surpresa”, preparado e distribuído<br />

aos alunos. Apresentar o trabalho do<br />

grupo para os colegas da turma, explicando<br />

o funcionamento e destacando<br />

as vantagens do invento. Expor a<br />

máquina com as outras criadas pelos<br />

diferentes grupos.<br />

• Selecionar imagens fotográficas de diferentes<br />

épocas, destacando fotos que<br />

ficaram famosas (Einstein mostrando<br />

sua língua, os Beatles atravessando a<br />

rua, o beijo na Times Square e outras).


Analisar as fotos, percebendo detalhes,<br />

enquadramentos e a qualidade<br />

das imagens obtidas pelos fotógrafos.<br />

Reunir todas as reproduções trazidas<br />

pela turma e montar o painel Memória<br />

das Gerações.<br />

• Observar, através de um visor (rolo de<br />

papel, janelinha de cartolina ou a própria<br />

mão fechada em forma de tubo),<br />

detalhes de imagens interessantes encontradas<br />

em revistas. Escolher um detalhe<br />

de uma das imagens e reproduzi-<br />

-lo, em uma folha de papel, pintando<br />

com as mesmas cores do desenho original.<br />

Trocar os desenhos com os colegas,<br />

para que sejam identificados com<br />

as imagens originais.<br />

• Escolher, em duplas, uma reprodução<br />

de obra de arte figurativa. Imitar a pose<br />

do personagem do quadro, para que o<br />

colega tire uma foto com máquina digital.<br />

Se possível, improvisar a indumentária<br />

e o arranjo cênico para ficar<br />

o mais idêntico possível à obra. Trocar<br />

de posição, fotografando o colega. Observar<br />

as fotos no computador, avaliando<br />

as que mais se assemelharam com a<br />

obra famosa.<br />

• Observar a decomposição e a recomposição<br />

de imagens nas fotomontagens<br />

de Jorge de Lima e nos cartemas de<br />

Aloísio Guimarães. Criar uma colagem<br />

inusitada com imagens recortadas de<br />

revistas. Tirar pedaços, colocar outros,<br />

de modo que as formas fiquem bem<br />

encaixadas. Brincar e experimentar as<br />

soluções possíveis. Colar os recortes<br />

em uma folha de papel, fazendo os<br />

“transplantes” nas imagens com precisão,<br />

colorindo as emendas e desenhando<br />

os detalhes que achar necessários.<br />

Observar e avaliar os trabalhos<br />

realizados pela turma.<br />

380 . Aloísio Magalhães. Cartema.<br />

• Fazer uma composição alongada com<br />

dois cartões-postais iguais. Dividir os<br />

cartões no mesmo número de partes,<br />

em tamanhos idênticos, numerando os<br />

pedaços no verso. Organizar uma composição<br />

única, juntando as tiras iguais<br />

dos dois cartões, colando e unindo todos<br />

os pedaços, até completar uma única<br />

imagem alongada. Avaliar as etapas<br />

e a finalização do trabalho.<br />

• Criar uma história, em grupo, com uma<br />

sequência de seis quadros desenhados<br />

em folhas de papel ofício. Unir os quadros<br />

formando uma tira contínua, um<br />

“filme”. Fazer um cineminha com uma<br />

caixa de papelão na qual tenham sido<br />

feitos furos, para passar dois pauzinhos<br />

como os de churrasco. Colar o início da<br />

tira de quadros em um dos pauzinhos,<br />

enrolar o “filme” e colar a ponta final<br />

no outro pauzinho. Encaixar os pauzinhos<br />

nos furos da caixa. Passar a história,<br />

contando-a para os colegas como<br />

se fosse um cineminha.<br />

Tempo de transformação<br />

265


Tempo de transformação<br />

266<br />

• Que tal fazer um desenho animado?<br />

Atualmente, existem muitas técnicas<br />

para dar movimento aos desenhos, desde<br />

as mais artesanais até a utilização<br />

de programas de animação computacionais.<br />

Um recurso simples é movimentar<br />

rapidamente os desenhos como no cinemascópio.<br />

É muito fácil confeccionar,<br />

basta seguir estas etapas: reproduzir<br />

uma tira, como a apresentada no modelo,<br />

criando seu próprio desenho; recortar<br />

e dobrar a tira nas marcações indicadas,<br />

formando uma estrela de quatro<br />

pontas. Para dar movimento ao desenho,<br />

colar um eixo no centro (pauzinho<br />

de churrasco, carga de caneta ou algo<br />

similar); em seguida, girar rapidamente,<br />

pegando pelas extremidades do eixo, e<br />

ver o que acontece com o desenho.<br />

Para visitar<br />

Museu da imagem e do Som – Primeiro<br />

museu audiovisual do país, reúne valioso<br />

acervo de filmes, vídeos, partituras,<br />

fotos, gravuras, instrumentos musicais,<br />

rádios e vitrolas, além de várias coleções<br />

de importantes artistas nacionais.<br />

Endereço: Praça Rui Barbosa, 1, Centro.<br />

Tel.: (21) 2224-8461.<br />

Ateliê da imagem – Escola que oferece<br />

cursos livres e workshops de fotografia,<br />

artes visuais, vídeo, cinema e mídias digitais.<br />

Endereço: Avenida Pasteur, 453, Urca.<br />

Tel.: (21) 2541-3314.<br />

Spectaculu Escola Fábrica de Espetáculos –<br />

Organização social sem fins lucrativos que<br />

reúne jovens de comunidades da periferia<br />

da cidade do Rio de Janeiro em uma escola<br />

de arte que oferece atividades gratuitas<br />

ligadas à área da imagem e da tecnologia.<br />

Endereço: Avenida Rodrigues Alves, 847, Centro.<br />

Tel.: (21) 2223-2976.<br />

Dobrar para baixo<br />

Dobrar para cima<br />

Recortar


Tempo de novas mídias<br />

Rede de comunicações<br />

(...) vivemos hoje em dia uma des-<br />

tas épocas limítrofes na qual toda a<br />

antiga ordem das representações e<br />

dos saberes oscila para dar lugar a<br />

imaginários, modos de conhecimento<br />

e estilos de regulação social ainda<br />

pouco estabilizados.<br />

Pierre lévy – A Escola Entre Mídias/<br />

<strong>MultiRio</strong>, 2011<br />

Existiu um tempo em que a comunicação humana<br />

era essencialmente presencial, restrita<br />

aos pequenos agrupamentos.<br />

O conhecimento era passado e perpetuado,<br />

principalmente, por meio da oralidade, de<br />

geração para geração.<br />

O enriquecimento cultural era construído<br />

nos encontros e nas trocas entre determinados<br />

grupos sociais, reafirmando a necessidade<br />

vital de comunicação do ser humano,<br />

que se fez presente na história de<br />

todas as civilizações.<br />

381 . Wilhelm Gentz. Contador de Histórias Oriental, 1878.<br />

Através dos séculos, a socialização dos saberes<br />

entre os povos se fazia de modo lento<br />

e gradativo. O caminho percorrido desde a<br />

escrita alfabética fenícia, passando pelo alfabeto<br />

árabe, pela tradicional caligrafia chinesa<br />

e pelos manuscritos da Idade Média, já<br />

configurava o início de uma rede de comunicações,<br />

mas ainda tecida muito lentamente.<br />

A grande revolução na forma de comunicação<br />

se deu no século XV, com a invenção<br />

da prensa, pelo alemão Johannes Gutenberg,<br />

propiciando, por meio da escrita, a difusão<br />

do conhecimento e da informação.<br />

GUTENBERG<br />

(Mainz, c. 1397-1468)<br />

Johann Gensfleisch zur Laden, conhecido como Johannes Gutenberg, é considerado o criador do processo de impressão<br />

com tipos móveis: a tipografia, condição tecnológica que possibilitou o desenvolvimento da imprensa.<br />

Cada letra era feita à mão, e cada página era montada juntando-se as letras. No início da década de 1450, Gutenberg<br />

iniciou a impressão da Bíblia, que ajudou a torná-lo reconhecido em todo o mundo.<br />

Tempo de novas mídias<br />

267 267


Tempo de novas mídias<br />

268<br />

382 . Prensa de Gutenberg.<br />

Além de despertar o interesse pela leitura, a<br />

descoberta de Gutenberg permitiu o acesso,<br />

por meio da técnica de reprodução, aos textos<br />

que documentavam os acontecimentos.<br />

Essa invenção abriu caminhos para uma maior<br />

comunicação social, pois a tipografia possibilitou<br />

que livros e imagens fossem impressos e<br />

o conhecimento pudesse chegar a diferentes<br />

lugares do mundo, eliminando fronteiras.<br />

A invasão das letras no universo humano transformou<br />

as sociedades da época e continua exercendo<br />

poder no mundo atual, mesmo depois<br />

que outros meios tecnológicos de comunicação<br />

vieram competir com essa descoberta milenar.<br />

E o homem que contava histórias em<br />

volta do fogo metamorfoseou-se, ao<br />

longo dos tempos, nos poetas de<br />

todas as épocas, nos escritores de<br />

todas as pátrias, nos contos de carochinhas<br />

de todas as infâncias ou nas<br />

reminiscências dos pais que legam<br />

suas histórias aos filhos.<br />

A Escola Entre Mídias/<strong>MultiRio</strong><br />

O homem mudou a forma de ver e de representar<br />

o mundo através das letras e das imagens.<br />

A invenção da câmara escura, no século XVI,<br />

foi um importante passo para uma melhor<br />

percepção da realidade, auxiliando os artistas<br />

plásticos no planejamento de suas obras.<br />

383 . Johannes Vermeer. A <strong>Arte</strong> da Pintura, 1666.<br />

Nessa época, pintar era um trabalho artesanal<br />

em todo o seu processo de elaboração.<br />

E como seria o ateliê de um artista<br />

desse tempo?<br />

O ateliê se assemelhava a um laboratório de<br />

pesquisas científicas, com numerosos vidros<br />

nos quais eram guardados os pigmentos, os<br />

aglutinantes, os solventes.<br />

As cores, em uma gama restrita, eram conseguidas<br />

por meio dos pigmentos de origem<br />

mineral (terras e rochas) e orgânica<br />

(vegetais e animais). Eles passavam por<br />

um processo demorado de moagem, depois<br />

eram peneirados e misturados com substâncias<br />

para se conseguir a tinta.<br />

384 . Página à direita: Johannes Vermeer. A <strong>Arte</strong> da Pintura, 1666 (detalhe).


Tempo de novas mídias<br />

270<br />

A cor mais difícil de ser conseguida era o<br />

azul, produzido a partir de uma pedra chamada<br />

lápis-lazúli, mais valiosa que o ouro.<br />

Por isso, o azul ultramar era usado com restrições,<br />

aparecendo prioritariamente nos mantos<br />

dos santos, nos detalhes dos altares ou para<br />

realçar algum elemento importante na pintura.<br />

Os pincéis eram feitos com pelos de animais, e as<br />

telas passavam por um longo processo de preparo.<br />

Nesses ateliês do século XV, existia uma tecnologia<br />

manual na qual arte e ciência se interligavam<br />

em uma produção que expressava as experiências,<br />

o conhecimento e a imaginação do artista.<br />

Leonardo da Vinci integrava, em sua visão<br />

de mundo, a ciência e a arte, que, segundo<br />

ele, complementavam-se, constituindo a<br />

atividade intelectual.<br />

A experiência, aliada ao conhecimento, fazia<br />

o artista. Era necessário entender os materiais,<br />

os pigmentos, as diluições, as misturas<br />

e saber usar a cor com toques do pincel e<br />

superposições das cores.<br />

Para saber da imagem, tem que saber<br />

de ponto, de formas, de traços, de<br />

manchas, de cores, de matizes, que ela<br />

se faz de luz, de luz refratada.<br />

Maria Helena Silveira<br />

O pintor flamengo Jan van Eyck aprimorou<br />

a técnica de misturar os pigmentos em pó<br />

com óleo de linhaça, que deu origem à chamada<br />

tinta a óleo.<br />

Essa técnica revolucionou a pintura, pois<br />

permitia um trabalho com maior luminosidade,<br />

minucioso e rico em detalhes, devido à<br />

secagem mais lenta da tinta.<br />

385 . Jan van Eyck. Retrato de um Homem, 1433.<br />

Até então, a tinta em pó era misturada a<br />

gema de ovo e água para ganhar consistência,<br />

mas secava muito rapidamente e, às<br />

vezes, rachava ao endurecer. Esse processo<br />

era conhecido como têmpera.<br />

LÁPIS-LAZÚLI<br />

“Lápis” e “lazúli” são palavras que em latim significam “pedra” e “azul”, respectivamente. Lápis-lazúli é uma gema que,<br />

lapidada e polida, torna-se uma joia azul de brilho vítreo (semelhante ao vidro). Arqueólogos registram seu uso já há 7.000<br />

anos. Na Antiguidade, os egípcios utilizavam-na para ornamentos; na Idade Média e na Renascença, enriqueciam as cores<br />

de obras de arte. O lápis-lazúli sempre esteve associado ao misticismo e à pureza. Atualmente, continua sendo explorado.<br />

JAN VAN EYCK<br />

(?, c. 1380/90 – Bruges, 1441)<br />

Pintor flamengo, foi logo reconhecido por sua habilidade em criar ilusionismo pictórico. Viajou por vários locais<br />

da Europa e pintou muitas encomendas religiosas e retratos de nobres e comerciantes. Seus quadros revelam<br />

sistemático estudo do mundo natural e seu grande interesse nos efeitos de luz, que podia ser bem representada<br />

graças ao uso da pintura a óleo, que permitiu a sobreposição da tinta em camadas translúcidas.


Ao lado da têmpera tradicional, usava-se<br />

também a pintura com afresco, aplicada sobre<br />

paredes, muros ou tetos. Sua durabilidade<br />

devia-se à técnica de revestir a parede<br />

com a nata de cal e aplicar o pigmento puro,<br />

diluído em água, sobre a superfície úmida.<br />

O afresco, usado desde a Grécia Antiga, se<br />

estendeu pelos séculos, utilizado por mestres<br />

das artes medieval, renascentista e<br />

barroca. Teve seu apogeu no Renascimento,<br />

com Michelangelo e o maravilhoso teto da<br />

Capela Sistina, onde a pintura revela grande<br />

intensidade expressiva no vigor das figuras.<br />

386 . Michelangelo. Deus Separa a Terra da Água, 1508-1512.<br />

Foi também no Renascimento que a pintura<br />

de cavalete ganhou impulso com as novas<br />

possibilidades trazidas pela tinta a óleo. A<br />

partir de então, pelas facilidades oferecidas<br />

por essa técnica de pintura e pela difusão<br />

mais rápida dos conhecimentos e da comunicação<br />

entre os artistas, a pintura a óleo<br />

superou a prática do afresco.<br />

Assim como a descoberta da prensa transformou<br />

a linguagem escrita, a descoberta<br />

da tinta a óleo mudou radicalmente a forma<br />

de pintar.<br />

No século XIX, as tintas passaram a ser industrializadas,<br />

produzidas em larga escala e<br />

vendidas em tubos. Os artistas deixaram de<br />

manipular suas próprias fórmulas, que eram,<br />

muitas vezes, mantidas secretas, como na<br />

época do Renascimento.<br />

Mais tarde, surgiram os pigmentos sintéticos<br />

e artificiais, que foram aperfeiçoados<br />

para atender às exigências da indústria e<br />

dos artistas.<br />

387 . Tubos de tinta industrializada.<br />

Por meio das tecnologias, a arte incorporou<br />

a ciência, mudando as formas de ver, de registrar<br />

e de expressar ideias e imagens.<br />

As cidades cresceram, as descobertas científicas<br />

se desenvolveram ainda mais, e o homem<br />

passou a acreditar que a ciência era a<br />

única fonte verdadeira de aquisição do saber,<br />

capaz de solucionar os problemas do mundo.<br />

A arte ficou responsável pelo estímulo das<br />

emoções e dos sentimentos, expressando a<br />

subjetividade, sendo considerada sem valor<br />

na produção de conhecimento.<br />

<strong>Arte</strong> e ciência voltaram a se interligar?<br />

CAPELA SISTINA<br />

Localiza-se no Palácio Apostólico, no Vaticano. Seu nome faz referência ao papa Sisto IV, que, entre os anos de 1477 e<br />

1480, restaurou a Capela Magna, da qual foram utilizados os alicerces para a construção da Capela Sistina. Michelangelo<br />

(1475-1564) pintou seu teto durante quatro anos (1508-1512). Entre os afrescos pintados pelo artista, A Criação do<br />

Homem é o mais famoso. É na Capela Sistina que se realiza o conclave, processo de escolha do novo papa.<br />

Tempo de novas mídias<br />

271 271


Separadas conceitualmente por um largo<br />

tempo, arte e ciência voltaram a se reaproximar<br />

no final do século XIX, quando se desenvolveram<br />

as ciências humanas, cujo objeto de<br />

estudo era o homem e, consequentemente,<br />

suas manifestações simbólicas e artísticas.<br />

Os estudos de Sigmund Freud, no início do<br />

século XX, investigaram a mente humana,<br />

com seus sonhos, seus medos e suas emoções,<br />

que acontecem, muitas vezes, independentes<br />

da razão e da lógica. Para desvendar<br />

os significados dos sonhos, Freud via<br />

na arte um dos meios de manifestação do<br />

inconsciente, rico de possibilidades para o<br />

entendimento da psique humana.<br />

Essas descobertas da Psicanálise influenciaram<br />

a arte europeia, que foi além de uma<br />

suposta interpretação fiel da realidade, expressando,<br />

muitas vezes, situações absurdas<br />

e ilógicas.<br />

O bom artista não deve representar<br />

somente o corpo, mas também a alma.<br />

Sócrates<br />

388 . Salvador Dalí. A Persistência da Memória, 1931.<br />

SIGMUND FREUD<br />

(Morávia, 1856 – Inglaterra, 1939)<br />

Neurologista e fundador da Psicanálise. Ingressou na Faculdade de Medicina de Viena aos 17 anos e começou seus estudos<br />

usando a hipnose em seus pacientes. Insatisfeito com a hipnose, desenvolveu o que é uma das bases da técnica<br />

psicanalítica: a livre associação, na qual o paciente fala o que lhe vem à mente para revelar memórias reprimidas. Entre<br />

os seus ensaios mais famosos, estão O Ego e o Id, A Interpretação dos Sonhos e Três Ensaios sobre a Sexualidade.<br />

ANDRÉ BRETON<br />

(Tinchebray, 1896 – Paris, 1966)<br />

Médico, poeta, crítico, editor. Mentor do Surrealismo, movimento de vanguarda que trouxe o inconsciente, a fantasia e o<br />

sonho para a arte, muito influenciado pela Psicanálise. No Manifesto Surrealista, em 1924, propôs a expressão do “verdadeiro<br />

funcionamento do pensamento”, ditado “fora de qualquer controle exercido pela razão” e “de quaisquer preocupações<br />

estéticas ou morais”. É autor de Nadja (romance), O Amor Louco (conto) e Manifestos do Surrealismo (ensaios).<br />

SALVADOR DALÍ<br />

(Figueres, 1904-1989)<br />

Pintor, desenhista e escultor espanhol, representou com detalhes mundos fantásticos, como os dos sonhos. Sua mais<br />

significativa contribuição à arte do século XX se deu por sua associação com o Surrealismo. Concebeu o “método<br />

paranoico-crítico”, que consistia em transmitir conflitos psicológicos profundos por meio de imagens ambíguas, sugestivas<br />

de significados ocultos, capazes de desestabilizar o conhecimento que se tinha do mundo supostamente “real”.<br />

389 . Página à esquerda: Salvador Dalí. O Jogo Lúgubre, 1929.<br />

O movimento surrealista concentrou essas<br />

ideias nas mãos de escritores e artistas<br />

plásticos. Segundo André Breton, um dos<br />

fundadores do movimento, o Surrealismo<br />

podia ser definido como “automatismo psíquico<br />

puro, pelo qual buscamos exprimir,<br />

por escrito ou de qualquer outra maneira, o<br />

funcionamento da mente (...)”.<br />

Salvador Dalí foi um artista que se destacou<br />

nesse movimento, tratando das questões do<br />

inconsciente com meticuloso realismo e técnica<br />

apurada, por vezes distorcendo os objetos<br />

e colocando-os em paisagens irreais.<br />

Essas características do artista são evidentes<br />

na obra A Persistência da Memória, um dos<br />

trabalhos mais marcantes em sua trajetória.<br />

Tempo de novas mídias<br />

273 273


Tempo de novas mídias<br />

274<br />

Ciência e arte são, assim, produtos<br />

que expressam as experiências<br />

e representações imaginárias de<br />

distintas culturas.<br />

Parâmetros Curriculares Nacionais<br />

<strong>Arte</strong> e ciência podem se complementar ou<br />

se influenciar reciprocamente. E, assim, vão<br />

tecendo, ao longo do tempo, redes de conhecimento,<br />

de visualidades, de certezas<br />

e incertezas.<br />

Muitas vezes, antigos conhecimentos se renovam<br />

na criação e nas mãos do artista. No<br />

século XX, por exemplo, ao lado do consumo<br />

e da produção de massa, surgiram novas<br />

formas de expressão artística. Mas a pintura<br />

mural, praticada por antigas civilizações,<br />

também ressurgiu com sua força comunicativa,<br />

no México, junto com o movimento revolucionário.<br />

Os artistas retornaram a essa forma<br />

original de pintar pelo seu apelo visual<br />

de grande alcance social e mostraram uma<br />

arte nacional e engajada.<br />

Destacaram-se, no Muralismo mexicano, os<br />

artistas Siqueiros, orozco e Rivera, que buscaram<br />

suas fontes de inspiração nas antigas<br />

culturas maia e asteca, na arte popular, no<br />

folclore mexicano e nas vanguardas europeias,<br />

principalmente no Expressionismo.<br />

390 . David Alfaro Siqueiros. Eco de um Grito, 1937.<br />

A obra de Siqueiros revela seu inconformismo<br />

social e exalta a liberdade, aliada<br />

à força de figuras realçadas pelo volume<br />

e pelo movimento, enquanto a de<br />

Orozco é mais histórica, com caráter<br />

profundamente expressionista.<br />

391 . José Clemente Orozco.<br />

Bombardeiro de Mergulho<br />

e Tanque, 1940.<br />

JOSÉ CLEMENTE OROZCO e DAVID ALFARO SIQUEIROS<br />

(Ciudad Guzmán, 1883 – Cidade do México, 1949) e (Cidade do México, 1896 – Cuernavaca, 1974)<br />

Pintores e desenhistas mexicanos, participaram, juntamente com Diego Rivera, do Movimento Muralista Mexicano<br />

e influenciaram gerações mais novas de artistas muralistas em outras partes do mundo. A força da pintura de<br />

Orozco encontra-se nas tensões dinâmicas criadas entre imagens expressionistas e elementos arquitetônicos.<br />

Siqueiros sempre alternou entre a atividade artística e a política e desenvolveu novas técnicas de pintura mural.<br />

392 . Página à direita: David Alfaro Siqueiros. O Povo Pega em Armas, 1957.


Tempo de novas mídias<br />

276<br />

O trabalho de Diego Rivera evidencia uma<br />

temática nacionalista, relacionando elementos<br />

de antigas culturas mexicanas e aspectos<br />

do homem da era industrial, das máquinas<br />

e das engrenagens.<br />

O povo é protagonista de sua pintura, e não<br />

só espectador. Sua obra A Fábrica de Detroit,<br />

com 27 painéis em afresco, pintados<br />

de 1932 a 1933, sintetiza as ideias e preocupações<br />

sociais do artista.<br />

393 . Diego Rivera. Indústria de Detroit, 1932-1933.<br />

A Cidade do México possui numerosos<br />

murais em afresco, nos edifícios públicos,<br />

com temáticas ligadas à história do país,<br />

cujas narrativas exercem uma grande comunicação<br />

com o povo, projetando uma<br />

ideologia social.<br />

O Muralismo mexicano influenciou artistas<br />

brasileiros, entre eles, Candido Portinari,<br />

que fez pinturas de grandes dimensões,<br />

como as da Via Crucis, para a Igreja de São<br />

Francisco, na Pampulha, em Belo Horizonte,<br />

os painéis de Tiradentes, que estão no<br />

Palácio Bandeirantes, em São Paulo, e os<br />

murais Guerra e Paz, para a ONU, em Nova<br />

York. Estes, terminados em 1957, foram os<br />

dois últimos e maiores trabalhos realizados<br />

por Portinari, que, apesar de sentir os sintomas<br />

de uma forte intoxicação pelas tintas,<br />

aceitou o imenso desafio.<br />

394 . Candido Portinari.<br />

Guerra, 1952-1956.<br />

395 . Candido Portinari.<br />

Paz, 1952-1956.<br />

DIEGO RIVERA<br />

(Guanajuato, 1886 – Cidade do México, 1957)<br />

Pintor e desenhista, uma das principais figuras do Movimento Muralista Mexicano dos anos 1920, quando o governo<br />

do país encomendou monumentais murais didáticos que representavam a história do México em paredes de<br />

prédios públicos. Formado em Paris, onde entrou em contato com a arte moderna, é reconhecido internacionalmente<br />

por sua iconografia baseada em ideias socialistas e na herança indígena da cultura mexicana.


Guerra e Paz representam sem dúvida<br />

o melhor trabalho que já fiz (...)<br />

Dedico-os à humanidade.<br />

Portinari<br />

Essa arte pública sempre teve uma estreita<br />

relação com a arquitetura e ocupou muitos<br />

espaços urbanos, permitindo que os artistas<br />

expressassem suas ideias para além dos<br />

ambientes fechados dos museus.<br />

A pintura mural acompanhou a arte do homem,<br />

construindo uma rede de conhecimentos<br />

que, da Antiguidade até a época<br />

contemporânea, estabeleceu uma via de comunicação<br />

social.<br />

Na sociedade atual, vemos uma interação<br />

crescente entre arte, ciência, tecnologia e<br />

indústria.<br />

As novas formas de construção de imagens,<br />

trazidas pela fotografia e pelo cinema e nas<br />

quais a relação do artista com sua obra é<br />

intermediada pela máquina, mudaram a essência<br />

significativa da arte e a compreensão<br />

estética do mundo.<br />

A tecnologia não deve se assenhorear<br />

do processo criativo, mas sim<br />

articular-se a ele, respondendo<br />

aos desígnios da própria obra.<br />

luiz Camillo osorio<br />

A tecnologia influenciou outras linguagens<br />

da arte?<br />

A sociedade mediada pela tecnologia e pelos<br />

meios de comunicação de massa transformou<br />

a vida, e, consequentemente, surgiram<br />

novas tendências artísticas. A tecnologia<br />

passou a ser mais um recurso técnico utilizado<br />

pelos artistas e um meio de difusão das<br />

linguagens da arte.<br />

Uma das formas mais abrangentes de comunicação<br />

e disseminação cultural é a linguagem<br />

oral. Foi através das ondas do rádio<br />

que o som, a palavra e a música se propagaram,<br />

ampliando a rede de comunicações<br />

e possibilitando outras invenções, como o<br />

telefone, o fonógrafo, o microfone.<br />

E a voz do homem se fez ouvir na primeira<br />

transmissão eletrônica, que foi ao ar em<br />

1906 nos Estados Unidos. Duas décadas depois,<br />

com Roquette-Pinto, acontecia o mesmo<br />

no Brasil.<br />

396 . Rádio (1932).<br />

Aos poucos, o rádio passou a fazer parte da<br />

vida das pessoas: nas casas, no comércio,<br />

nos carros, nas ruas, em diferentes formatos<br />

e tamanhos, tornando-se, assim, um veículo<br />

popular de comunicação, lazer e informação,<br />

atingindo as regiões mais distantes do país.<br />

Tempo de novas mídias<br />

277 277


Tempo de novas mídias<br />

278<br />

Até mesmo as propagandas comerciais, que<br />

eram veiculadas nas páginas de jornais e revistas,<br />

passaram a ocupar os horários das principais<br />

emissoras de rádio, tornando-se uma questão de<br />

sobrevivência financeira para elas. Muitos desses<br />

comerciais utilizavam o jingle, uma forma de propaganda<br />

musical que, além de divulgar, conquistava<br />

popularidade pela facilidade de memorização<br />

do produto, de suas qualidades e sua marca.<br />

Essa forma de expressão cultural fez e faz<br />

parte do cotidiano de diferentes gerações.<br />

Voltando no tempo, podemos até dizer que<br />

os vendedores ambulantes do período colonial,<br />

ao lançarem seus pregões para atrair<br />

os consumidores, já empregavam elementos<br />

fundamentais de comunicação dos jingles.<br />

397 . Jean-Baptiste Debret. Vendedoras de Pão de Ló, 1826.<br />

Na década de 1930, Antônio Gabriel Nássara<br />

compôs aquele que é considerado o primeiro<br />

jingle do rádio brasileiro para a Padaria Bragança:<br />

“Oh, padeiro desta rua, tenha sempre<br />

na lembrança, não me traga outro pão que<br />

não seja o pão Bragança...”.<br />

Os jingles alcançaram grande sucesso comercial<br />

e artístico a partir dos anos 1950, quando compositores<br />

famosos criaram slogans que marcaram<br />

produtos e sua época em rede nacional. O<br />

apelo popular dessa ferramenta de propaganda<br />

também foi e continua sendo muito utilizado na<br />

política, principalmente em períodos eleitorais.<br />

Um dos mais famosos compositores de sambas<br />

e marchinhas, que também produziu<br />

para esse tipo de música comercial, foi Miguel<br />

Gustavo. Ele compôs para produtos e<br />

para campanhas políticas, como a de JK.<br />

Segundo o pesquisador Ricardo Cravo Albin,<br />

seu maior sucesso foi um jingle composto para<br />

uma cervejaria que patrocinava as transmissões<br />

da Copa do Mundo de Futebol em 1970.<br />

O jingle acabou tornando-se hino da seleção<br />

brasileira tricampeã no México e continua na<br />

memória coletiva dos brasileiros.<br />

JINGLE<br />

Termo inglês cujo significado refere-se à música composta para promover uma marca ou um produto. O jingle publicitário<br />

é criado para cativar o público. Geralmente, é curto e tem letra e melodia simples, para que sejam facilmente<br />

memorizadas. O primeiro jingle foi feito nos Estados Unidos em 1926. Ademar Casé, em 1932, veiculou o primeiro<br />

jingle no rádio brasileiro, da Padaria Bragança, composto por Nássara, um dos redatores do Programa Casé.<br />

NÁSSARA<br />

(Rio de Janeiro, 1910-1996)<br />

Caricaturista, compositor, autor do primeiro jingle no Brasil. Criador de sucessos carnavalescos das décadas de 1930<br />

e 1940, ficou conhecido por seu estilo de parodiar. Passou por vários jornais e revistas, como O Globo, O Cruzeiro e<br />

Última Hora. No jornal O Pasquim, trabalhou com Jaguar, Ziraldo e Millôr Fernandes. Em 1996, um mês antes de falecer,<br />

concluiu sua última obra: 30 desenhos para o livro infantil Moça Perfumosa, Rapaz Pimpão, de Daniela Chindler.<br />

SLOGAN<br />

Slogan é uma frase concisa, marcante, de fácil memorização que enaltece as qualidades de um produto, um serviço ou<br />

uma ideia. É um meio eficaz de chamar a atenção para um ou mais aspectos de um produto ou marca, que contribui<br />

para superar a visibilidade de seus concorrentes, conquistando um número maior de consumidores. Palavra inglesa,<br />

“slogan” vem de “sluagh-ghairm” (pronuncia-se “slogorm”), forma do idioma gaélico-escocês de dizer “grito de guerra”.<br />

MIGUEL GUSTAVO (MIGUEL GUSTAVO WERNECK DE SOUSA MARTINS)<br />

(Rio de Janeiro, 1922-1972)<br />

Compositor, jornalista, radialista e poeta. Largou os estudos com 19 anos para ser discotecário na Rádio Vera Cruz.<br />

Destacou-se como compositor de jingles que se tornaram famosos, como o das Casas da Banha e o do Leite Glória. Fez<br />

sucesso também como autor de sambas e marchas. Sua composição mais conhecida é Pra Frente, Brasil, de 1970, que<br />

se tornou hino do tricampeonato mundial de futebol no México.


398 . Seleção Brasileira – Copa de 1970.<br />

Noventa milhões em ação,<br />

Pra frente Brasil, do meu coração...<br />

Miguel Gustavo<br />

Ficaram famosos os jingles criados por Zé<br />

Rodrix, Sá e Guarabira, Renato Teixeira, Gilberto<br />

Gil e muitos outros que marcaram a<br />

memória do rádio.<br />

Pipoca na panela<br />

Começa a arrebentar<br />

Pipoca com sal<br />

Que sede que dá (...)<br />

Quero ver pipoca pular, pular<br />

Pipoca com guaraná (...)<br />

Campa, Mineiro e Brunetti/DM9<br />

Atualmente, a publicidade também se vale<br />

de canções já conhecidas pelo público para,<br />

com base nelas, criar jingles que alcançam<br />

grande repercussão.<br />

A abertura de outras emissoras de rádio e o<br />

desenvolvimento da tecnologia da produção<br />

de discos propiciaram a propagação da música<br />

popular brasileira. Os ritmos regionais,<br />

o samba-canção e as músicas instrumentais<br />

passaram a viver influências mútuas e a<br />

conviver com expressões musicais internacionais<br />

– o bolero, o jazz, o rock.<br />

A música divulgada pelo rádio alcançou<br />

grande sucesso, e seus intérpretes tornaram-se<br />

ídolos populares: de Francisco Alves<br />

a Roberto Carlos, de Marlene e Emilinha Borba<br />

a Gal Costa e Maria Bethânia, dos Beatles<br />

ao Barão Vermelho, e muitos outros.<br />

399 . Os Beatles em sua<br />

chegada a Nova York<br />

em 1964.<br />

400 . Capa do álbum<br />

Barão Vermelho.<br />

Tempo de novas mídias<br />

279 279


Tempo de novas mídias<br />

280<br />

É verdade, porém, que certas tendências<br />

musicais foram direcionadas por algumas<br />

emissoras que, até hoje, influem no sucesso<br />

alcançado por determinadas composições<br />

e constroem ícones que se firmam no gosto<br />

popular. Assim, a mídia radiofônica, no<br />

mundo contemporâneo, segue construindo<br />

sucessos e incorporando ritmos da cultura<br />

de massa, como o pagode, o axé, o rap, o<br />

funk, reforçando determinados sons em um<br />

mosaico de expressões musicais variadas.<br />

Cabe ressaltar ainda que, por meio das notícias<br />

e das novelas veiculadas pelo rádio, a criatividade<br />

ganhou formas próprias e individuais no<br />

imaginário do povo. Para cada interpretação da<br />

voz de um locutor ou de um ator, eram construídas<br />

pelos ouvintes numerosas faces diferentes.<br />

O sentido da audição era privilegiado, e<br />

as imagens, deixadas por conta dos ouvintes.<br />

Em uma época em que a tecnologia da imagem<br />

já ganhava espaço com a fotografia e o<br />

cinema, o rádio conseguiu marcar seu território,<br />

pois tinha a possibilidade de penetrar,<br />

mais facilmente, em todos os lugares. Ele<br />

construiu e mantém sua popularidade em diferentes<br />

classes sociais, sendo hoje um meio<br />

de comunicação em que o público ouve, mas<br />

também se faz ouvir, por meio dos serviços<br />

oferecidos e das redes interativas.<br />

É fundamental, contudo, partirmos de<br />

que o homem é um ser de relações e<br />

não só de contatos, não apenas está<br />

no mundo, mas com o mundo.<br />

Paulo Freire<br />

Criação e tecnologia<br />

Quando o conhecido e o desconhecido,<br />

certo e incerto, definido e indefinido se<br />

agregam e congregam, a mente se solta.<br />

Jean-Pierre le Grand<br />

Integrando eletricidade, fotografia, cinematografia<br />

e radiofonia, a atração emanada de<br />

um aparelho de televisão veio competir com<br />

o mistério do rádio. A televisão representou<br />

a conquista da transmissão simultânea da<br />

imagem e do som, em tempo real.<br />

A transmissão de imagens a distância já vinha<br />

sendo pesquisada por matemáticos e<br />

físicos desde o século XIX.<br />

É interessante observar que a luz e o processo<br />

de análise e decomposição de imagens<br />

não eram só objetos de estudo dos cientistas,<br />

mas também dos artistas da época.<br />

O Impressionismo teve como centro de interesse<br />

o movimento transitório da luz durante<br />

o dia, e o Pontilhismo, sobretudo com Seurat,<br />

401 . Georges Seurat. Banhistas em Asnières, 1883-1884.<br />

GEORGES SEURAT e PONTILHISMO<br />

(Paris, 1859-1891)<br />

Pintor e desenhista francês. Insatisfeito com a espontaneidade impressionista, voltou-se para pesquisas científicas no<br />

campo da óptica e da cor para desenvolver método próprio de pintura que ele chamou de Divisionismo (ou Pontilhismo).<br />

Líder do Neoimpressionismo, colocava na tela pequenos pontos de tinta, em vez de misturá-los na paleta. Quando<br />

vistos a distância, esses pontos fundiam-se em áreas de cores sólidas, produzindo pulsação de luz sobre a tela.<br />

402 . Página à direita: Georges Seurat. Banhistas em Asnières, 1884-1886 (detalhe).


Tempo de novas mídias<br />

282<br />

analisou a luz e a cor por meio da técnica de<br />

pintura, utilizando pequenos pontos de cor<br />

pura, bem próximos, que se fundiam quando<br />

vistos a distância.<br />

Mas, para a transmissão de imagens a distância,<br />

não eram suficientes o olho e a mão<br />

do artista, e foi necessária a invenção de<br />

uma máquina que, só no século XX, as ciências<br />

exatas entregaram às ciências humanas:<br />

a televisão.<br />

Esse poderoso meio de comunicação foi uma<br />

das maiores conquistas da ciência moderna<br />

e, em poucos anos de existência, passou a<br />

ser o maior veículo de entretenimento e de<br />

informação, mostrando sua forte influência e<br />

poder em todo o mundo.<br />

403 . Aparelho de TV (1955).<br />

As possibilidades comunicativas da TV vão<br />

muito além do entretenimento e envolvem<br />

questões sociais, econômicas e culturais<br />

da modernidade. Ela agrega elementos das<br />

mais diversas linguagens da comunicação<br />

e da arte, tais como jornalismo, literatura,<br />

teatro, cinema, fotografia, vídeo, música e<br />

dança, que chegam às pessoas transmitindo<br />

ideias e ideais.<br />

Em 1950, aconteceu a primeira apresentação<br />

de televisão no Brasil, com a TV Tupi de<br />

São Paulo.<br />

Senhoras e senhores telespectadores,<br />

boa noite. A PRF3TV – Emissora<br />

Associada de São Paulo orgulhosamente<br />

apresenta, neste momento, o<br />

primeiro programa de televisão da<br />

América Latina.<br />

Abertura da transmissão da tV tupi de<br />

São Paulo, apresentada pela atriz Yara lins<br />

Nos anos iniciais, eram poucos os aparelhos<br />

televisivos, e a população disputava um espaço<br />

para assistir aos primeiros programas produzidos<br />

pela TV brasileira. Eram transmissões<br />

ao vivo, pois não havia ainda o videoteipe.<br />

Assim, a imaginação e a capacidade de improvisar<br />

eram qualidades indispensáveis aos artistas<br />

da época, fossem eles atores, cantores,<br />

músicos, jornalistas, apresentadores, bailarinos,<br />

“garotas-propaganda”, além de outros<br />

profissionais por trás das câmeras, viabilizando<br />

as melhores imagens na “telinha”.<br />

404 . Garota-propaganda na TV Piratini. Comercial ao vivo<br />

de lavar roupa.<br />

A televisão oferecia espaço e oportunidades<br />

a todas as linguagens da arte e, com<br />

sua tecnologia, estendeu uma rede de comunicação<br />

por grande parte do território<br />

nacional, exercendo papel importante na<br />

vida social, cultural e política do país.


Nos anos seguintes, surgiram outras emissoras,<br />

entre elas, a Rede Globo, com recursos<br />

tecnológicos sofisticados, tornando-se<br />

um centro de geração de imagens, com numerosas<br />

afiliadas por todo o Brasil.<br />

O brasileiro, através da TV, conheceu imagens<br />

de seu país e do mundo, possibilitadas<br />

por uma tecnologia que, a cada dia,<br />

ganhava mais espaço nos lares das mais<br />

distantes cidades.<br />

405 . O astronauta Buzz Aldrin, piloto do módulo lunar,<br />

caminha sobre a superfície da Lua. Fotografado por Neil A.<br />

Armstrong (20/7/1969).<br />

As imagens propagadas na tela têm, muitas<br />

vezes, mais força do que as imagens do mundo<br />

real.<br />

O filme Bye, Bye Brazil (1979), de Cacá Diegues,<br />

mostra o poder da televisão gerando<br />

problemas de natureza cultural. Indica, em<br />

sua trama, uma preocupação pela crescente<br />

influência manipuladora da imaginação e dos<br />

sentimentos das pessoas exercida, muitas vezes,<br />

por algumas emissoras.<br />

406 . Cartaz do filme Bye, Bye Brazil, 1979.<br />

A televisão ocupa um lugar de destaque na<br />

vida contemporânea, pois a linguagem utilizada,<br />

com sofisticadas técnicas narrativas e visuais,<br />

cada dia mais avançadas, atrai e pode<br />

ser vista por milhares de telespectadores.<br />

O destino de toda figura enquadrada<br />

na tela do tubo de imagens é terminar<br />

dissolvida na trama de retículas,<br />

devolvida à condição de linha e de<br />

ponto sobre uma superfície, como a<br />

chuva de elétrons que é construída.<br />

Arlindo Machado<br />

Quem dividiu mais a imagem: os impressionistas,<br />

a televisão ou o computador?<br />

As imagens geradas pelo computador não<br />

são resultado da pintura de um artista, nem<br />

do clique da máquina fotográfica, nem de<br />

CACÁ DIEGUES<br />

(Maceió, 1940)<br />

Carlos José Fontes Diegues, diretor de cinema. Um dos principais nomes do Cinema Novo, movimento cinematográfico<br />

brasileiro reconhecido internacionalmente que buscava retratar a realidade social do país. Alguns dos seus filmes são:<br />

Cinco Vezes Favela (1961), Quando o Carnaval Chegar (1973), Bye, Bye Brazil (1983), Tieta do Agreste (1996) e Orfeu<br />

(1999). Defende a participação do cinema nas discussões sociais e a liberdade de opinião expressa na obra de arte.<br />

Tempo de novas mídias<br />

283 283


Tempo de novas mídias<br />

284<br />

uma filmagem feita para o cinema ou a televisão.<br />

Seu suporte de formas é um programa.<br />

O computador permitiu o acesso ao<br />

menor ponto de uma imagem (o pixel) e o<br />

ordenamento desse mosaico eletrônico por<br />

meio do cálculo automático.<br />

Aparelhos imensos para acessar os menores<br />

pontos...<br />

Foi uma longa caminhada, mas os computadores<br />

gigantes de até 24 toneladas passaram<br />

por transformações conceituais e físicas<br />

que lhes permitiram ganhar um lugar<br />

em nossas casas, com os micros e todos os<br />

seus descendentes.<br />

407 . Pesquisadores utilizam computadores Univac no início<br />

dos anos 1950.<br />

Assim, eles deixaram de ser equipamentos<br />

com finalidades apenas comerciais para se<br />

tornarem uma tecnologia da comunicação e<br />

também da arte, a chamada arte digital.<br />

Atualmente, uma pessoa pode ouvir música,<br />

escrever textos, selecionar imagens, receber<br />

mensagens, postar fotos usando apenas<br />

uma máquina. Todos os recursos estão lá,<br />

nesse potente equipamento que ousadamente<br />

consegue integrar a fotografia, o cinema,<br />

a televisão e o som.<br />

408 . Tablet.<br />

A possibilidade de utilização dessas mídias, de<br />

maneira rápida e integrada, facilitou a criação<br />

dos artistas produtores de imagens, que hoje,<br />

através da comunicação em rede, exploram<br />

novas possibilidades estéticas e expressivas.<br />

Seria interessante imaginarmos uma visita de artistas<br />

plásticos de outras épocas a este desconcertante<br />

e fascinante mundo da tecnologia virtual.<br />

Leonardo da Vinci captaria e transformaria<br />

imagens por circuitos lógico-digitais.<br />

Seurat ficaria recriando formas com<br />

suas unidades matemáticas em infinitas<br />

variáveis. Mondrian se perderia, talvez,<br />

em ambientes com tramas geométricas<br />

de estruturas binárias. Bosch percorreria<br />

mundos de colagens eletrônicas. Escher<br />

criaria armadilhas em espaços ambíguos<br />

de variáveis. Picasso e Braque imaginariam<br />

a simultaneidade de diversos pontos<br />

de vista em processos de animação.<br />

Marcel Duchamp jogaria, tranquilamente,<br />

seu xadrez via internet, num chat, dizendo:<br />

“A arte nunca esteve tão próxima da vida”.<br />

Adaptado de DoMiNGuES, Diana. A <strong>Arte</strong> no<br />

Século XXI: introdução à Humanização das<br />

tecnologias pela <strong>Arte</strong>. São Paulo: unesp, 1997.<br />

TABLET<br />

Tablet é um dispositivo eletrônico móvel em forma de prancheta que, por meio de aplicativos, pode realizar as mesmas<br />

tarefas que um PC. É possível navegar na internet, editar documentos, rodar jogos, comunicar-se por sistemas de<br />

mensagens instantâneas, realizar videoconferências, explorar mapas, etc. A diferença é que, em vez de usar teclado e<br />

mouse, usa-se uma interface 100% tátil, que é a tela, o que em inglês chama-se touchscreen.


Certamente, esses artistas, que já eram inovadores<br />

em seu tempo, se integrariam aos<br />

novos meios de comunicação como fizeram<br />

aqueles em que o espírito de ousadia, curiosidade,<br />

pesquisa e inovação foi mais forte<br />

que a segurança dos antigos conceitos, dos<br />

tradicionais suportes e do domínio de técnicas<br />

já consagradas.<br />

São realmente os artistas que<br />

pesquisam, que podem proporcionar<br />

essencialmente o contato com o<br />

inesperado, vivificando assim o que<br />

chamamos de criatividade.<br />

Abraham Palatnik<br />

No contexto tecnológico, o espírito inventivo<br />

de Abraham Palatnik, aliado à percepção e à<br />

criatividade, fez dele um precursor que quebrou<br />

convenções.<br />

Desde o final do século XIX, os estudos sobre<br />

luz, movimento, tecnologia e suas relações<br />

já eram foco de interesse, não só de<br />

pesquisadores científicos, mas também de<br />

artistas do teatro, da música, do cinema,<br />

das artes plásticas.<br />

Na década de 1950, Palatnik criou o cinecromático,<br />

uma “máquina de luzes e cores”, pioneira<br />

na convergência de arte cinética e tecnologia.<br />

A obra inovadora desse artista usava<br />

motores elétricos que projetavam a luz artificial<br />

em movimento, formando figuras coloridas<br />

e abstratas sobre um suporte plástico.<br />

O cinecromático era um aparelho construído<br />

com um motor que se movimentava, em um<br />

ritmo lento e com dezenas de lâmpadas, funcionando<br />

com base em uma combinatória que<br />

se repetia de acordo com o projeto do artista.<br />

Desde a invenção da fotografia, a pintura<br />

foi evoluindo da cor para a luz. Dito<br />

de outra maneira, em vez de se pintar<br />

com pincéis e cores, pintar-se-ia com a<br />

luz, transformando em estruturas luminosas<br />

as superfícies de duas dimensões.<br />

Mario Pedrosa<br />

409 . Abraham Palatnik.<br />

Aparelho Cinecromático,<br />

1969/1986.<br />

Em 1951, Palatnik participou da I Bienal de São<br />

Paulo, apresentando seu primeiro aparelho cinecromático,<br />

intitulado Azul e Roxo em Primeiro<br />

Movimento, uma obra projetada durante 15 minutos<br />

e que não se adequava às categorias tradicionais<br />

– pintura, desenho e escultura. Nesse<br />

trabalho, os movimentos ritmados de luzes e cores<br />

invadiam o espaço, seduzindo o espectador.<br />

ABRAHAM PALATNIK<br />

(Natal, 1928)<br />

Escultor e pintor brasileiro, é considerado um dos precursores da arte cinética. No fim dos anos 1940, teve contato<br />

com ideias construtivas, interessando-se pelas relações entre arte e tecnologia. A partir de pesquisas sobre luz e movimento,<br />

criou os Aparelhos Cinecromáticos, exibidos em 1951, e os Objetos Cinéticos, nos anos 1960, em que lâmpadas<br />

ou formas coloridas e fios, acionados por motores, movem-se em intervalos regulares, definidos pelo artista.<br />

Tempo de novas mídias<br />

285 285


Palatnik tomou uma direção própria, tecnológica<br />

e cinética, com os cinecromáticos, que apontaram<br />

caminhos experimentais para outros artistas.<br />

Na produção de Palatnik, entre o devir<br />

poético da tecnologia e o devir tecnológico<br />

da arte, não há nenhuma nostalgia<br />

humanista fora do lugar.<br />

luiz Camillo osorio<br />

Outra experiência artística que envolveu<br />

a tecnologia foi a videoarte, que no Brasil<br />

teve sua primeira mostra pública em 1974,<br />

410 . Anna Bella Geiger. Zona Portuária, 2010.<br />

no MAC, em São Paulo. Reuniu artistas<br />

visuais pioneiros munidos de sua própria<br />

aparelhagem para apresentar trabalhos por<br />

meio da linguagem do vídeo.<br />

A gravadora Anna Bella Geiger, que participou<br />

dessa mostra, já realizava um trabalho experimental<br />

na busca de novas formas de expressão,<br />

se aventurando em tecnologias contemporâneas.<br />

Fotogravura, fotomontagem, serigrafia,<br />

xerox, cartão-postal, vídeo, superoito foram algumas<br />

das mídias utilizadas pela artista.<br />

Nos seus trabalhos em videoarte, são abordadas<br />

questões de identidade, cultura nacional<br />

e temas referentes ao artista e à arte,<br />

nos quais as formas sofrem metamorfoses<br />

diante do espectador, favorecidas pela temporalidade<br />

do vídeo.<br />

VIDEOARTE<br />

Forma de arte que explora aparatos e processos da TV e do videoteipe para além da função documental. Surgiu com<br />

imagens de programas de TV modificadas pelos artistas e, hoje, pode ser combinada com o computador. <strong>Artistas</strong><br />

transmitem gravações em galerias e museus ou as distribuem em DVDs; realizam instalações ou performances com<br />

monitores; exploram relações entre eles, o espaço da sala e da tela, através de montagem de imagem e som.<br />

ANNA BELLA GEIGER<br />

(Rio de Janeiro, 1933)<br />

Gravadora, pintora, artista intermídia e professora, tem obra marcada pelo emprego de diversos meios e materiais.<br />

Iniciou trajetória em arte com a gravura, tema de suas aulas no MAM/RJ nos anos 1960. Nos anos 1970, pesquisou<br />

a imagem e a cartografia, explorando fotografia, xerox e vídeo – campo em que realiza trabalho pioneiro entre nós,<br />

com os seus alunos. A partir dos anos 1990, voltou a trabalhar com a cartografia.<br />

411 . Página à esquerda: Um exemplo de videoarte — Nam June Paik e Charlotte Moorman. Concerto por TV, Violoncelo e Videoteipes, 1971.<br />

Tempo de novas mídias<br />

287 287


Tempo de novas mídias<br />

288<br />

Anna Bella procurou encontrar na imagem<br />

em movimento, além de um suporte, um<br />

novo procedimento artístico, criando obras<br />

mistas, nas quais elementos plásticos e tecnológicos<br />

se entrecruzavam.<br />

Desde o início do século XX, a arte procura<br />

novas formas de interagir mais diretamente<br />

com o público. O rádio e a televisão conseguiram<br />

essa interatividade pela facilidade de<br />

entrar nos lares, proporcionando uma relação<br />

próxima, ao lado das novas tecnologias interativas,<br />

cada vez mais acessíveis ao homem.<br />

Os artistas plásticos também buscaram desenvolver<br />

experiências nesse sentido, surgindo<br />

propostas expressivas, como performances,<br />

instalações e happenings.<br />

Esses novos gêneros de formas artísticas<br />

transformaram o antigo conceito de museu<br />

como espaço de exclusiva contemplação,<br />

para dar lugar a uma fruição que dependia<br />

da participação do espectador.<br />

No Brasil, o Neoconcretismo é considerado<br />

um marco da entrada da modernidade,<br />

propondo uma arte que não tinha<br />

por finalidade a produção de um objeto.<br />

Mas que, por meio de propostas dinâmicas,<br />

usando novas técnicas e materiais,<br />

estabelecesse uma relação direta com<br />

o espectador.<br />

<strong>Artistas</strong> de diferentes linguagens iniciaram<br />

esse movimento: Lygia Clark, Amilcar de<br />

Castro, Ferreira Gullar, Lygia Pape, Franz<br />

Weissmann e, mais tarde, Hélio Oiticica e<br />

Willys de Castro.<br />

412 . Amilcar de Castro. Sem título, 1970.<br />

A busca da interatividade com o público se<br />

torna mais concreta nas experiências artísticas<br />

por meios digitais.<br />

INSTALAÇÃO<br />

Forma de arte contemporânea que surgiu nos anos 1960 e 1970 e se caracteriza pelo arranjo de materiais variados<br />

em uma sala a fim de construir um ambiente que deve ser percorrido. Esse tipo de obra solicita de nós não somente<br />

o sentido da visão, como ocorre na experiência da pintura ou escultura tradicional, mas, eventualmente, apela para<br />

os sentidos da audição e do olfato e exige sempre nossa mobilização corporal.<br />

HAPPENING<br />

Forma de arte contemporânea, criada no final dos anos 1950, que combina artes visuais e uma espécie de teatro sem<br />

enredo, orientado pela improvisação e pelo acaso. Distintos materiais e elementos são dispostos em locais variados,<br />

como antigos lofts, lojas vazias, ruas, etc., de modo a atrair o público, que, assim, participa do evento (ao contrário da<br />

performance, que não inclui participação do público).<br />

NEOCONCRETISMO<br />

Movimento artístico brasileiro que visava revitalizar a linguagem geométrica para romper com a distância entre o espectador<br />

e o espaço da obra. Seu marco inicial é o Manifesto Neoconcreto (1959), do grupo de mesmo nome, formado a<br />

partir de cisão com o Concretismo brasileiro. Contra a ênfase nos aspectos técnicos e a recusa concreta da subjetividade,<br />

buscou-se resgatar a expressividade do artista e incorporar o espectador ao processo de constituição da obra.<br />

AMILCAR DE CASTRO<br />

(Paraisópolis, MG, 1920 – Belo Horizonte, 2002)<br />

Escultor e desenhista, destaca-se pela escultura executada em chapas de ferro que são cortadas e/ou dobradas, formando<br />

objetos tridimensionais com os espaços vazios. Começou estudos em arte nos anos 1940, em Minas Gerais. Na década de<br />

1950, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde, após tomar contato com as ideias construtivas, trabalhou na reforma do projeto<br />

gráfico do Jornal do Brasil – marco em nosso design – e participou do grupo neoconcreto.<br />

413 . Página à direita: instalação de Joseph Beuys. A Matilha, 1969.


Tempo de novas mídias<br />

290<br />

A propagação dos computadores como<br />

recurso de comunicação e expressão<br />

abriu novas possibilidades estéticas. Muitas<br />

criações artísticas são realizadas por<br />

meios digitais, interagindo com o espectador<br />

através de imagens virtuais, programas<br />

de música, poesia aleatória e outros<br />

recursos eletrônicos.<br />

<strong>Artistas</strong> brasileiros contemporâneos,<br />

como Eduardo Kac, Julio Plaza, Gilberto<br />

Prado, Diana Domingues e Suzete Venturelli,<br />

têm criado obras significativas por<br />

meios digitais.<br />

Entre estes, Eduardo Kac, com sua obra Teleportando<br />

um Estado Desconhecido, propôs<br />

uma interseção entre arte, ciência e<br />

tecnologia.<br />

414 . Eduardo Kac. Teleportando um Estado Desconhecido, 1994.<br />

Nesse trabalho, o artista promoveu uma rede<br />

de interação social, através da internet, na<br />

qual espectadores-participantes ao redor do<br />

mundo forneceram a luz que, projetada para<br />

um único ponto, possibilitou a germinação<br />

de uma semente, colocada sobre um leito de<br />

terra no espaço escuro de uma galeria em<br />

Nova Orleans.<br />

Eduardo Kac pretendeu, assim, representar<br />

a nova condição da existência em um ambiente<br />

tecnológico, construindo a metáfora<br />

de um sistema de apoio à vida, por meio<br />

da ação colaborativa, da responsabilidade<br />

compartilhada de indivíduos anônimos de<br />

todo o mundo.<br />

Imerso no contexto das interações<br />

com as tecnologias, cada homem<br />

poderá dizer a si próprio: eu sou na<br />

medida de minhas conexões.<br />

Diana Domingues<br />

A rede de comunicação criada pela internet<br />

permite a qualquer pessoa se conectar com o<br />

mundo através de seu computador pessoal,<br />

abrindo novos espaços de construções estéticas<br />

e expressivas. Esse mundo de cultura<br />

global assusta, desconcerta, mas encanta e<br />

possibilita que espíritos arteiros se abram a<br />

novas experiências poéticas, tentando desvelar<br />

dúvidas e enigmas destes novos tempos.<br />

Criando em rede, conectado com<br />

outros artistas ou outras máquinas,<br />

o autor assiste como espectador,<br />

observador, ao nascimento de sua<br />

própria arte.<br />

Philadelpho Menezes<br />

EDUARDO KAC (Rio de Janeiro, 1962)<br />

Artista multimídia, escritor e professor. Explora a relação entre arte e tecnologia em fotografia, instalações, performances,<br />

painéis eletrônicos, holografia, telepresença, sistemas de telecomunicação baseados em computador<br />

e internet e também a arte transgênica, ligada à técnica de engenharia genética. Seus trabalhos consideram a<br />

reprodução pela mídia de massa e solicitam participação do público para sua concretização.


Conhecimentos em arte<br />

• As formas de comunicação em diferentes<br />

sociedades.<br />

• A evolução da tecnologia da pintura.<br />

• A força expressiva e comunicativa da<br />

pintura mural narrativa no século XX.<br />

• A interação entre arte, ciência, tecnologia<br />

e indústria.<br />

• O rádio e a televisão como veículos de<br />

comunicação, lazer, informação e produção<br />

artística.<br />

• A tecnologia da comunicação e da arte<br />

através dos computadores, integrando<br />

fotografia, cinema, televisão e som.<br />

• Os artistas e a criação tecnológica.<br />

ARTiculando em sala de aula<br />

Professor(a), com base no texto lido, sugerimos<br />

algumas atividades para propor aos alunos:<br />

• Desenvolver experiências com misturas de<br />

pigmentos em pó, anotando as diferentes<br />

combinações encontradas e criando nomes<br />

para as cores criadas. Utilizar essas cores<br />

sobre suportes diversificados: papel fino,<br />

madeira, tela, pintando com os dedos, espátulas,<br />

pincéis, espumas. Analisar os trabalhos<br />

realizados, individualmente e em grupo.<br />

• Observar uma reprodução da obra surrealista<br />

Casal com as Cabeças Cheias de<br />

Nuvens, de Salvador Dalí. Divididos em<br />

grupos, conversar com os colegas sobre<br />

as paisagens deste tempo que vivemos,<br />

no qual as mudanças são rápidas e inesperadas.<br />

E como fica a nossa paisagem<br />

interior? Escolher uma das silhuetas das<br />

figuras de Dalí fornecidas pelo professor e<br />

preenchê-la com suas ideias, usando desenhos,<br />

colagens e/ou pinturas. Colar o trabalho<br />

sobre um papel resistente, recortar e<br />

montar móbiles com os colegas.<br />

415 . Salvador<br />

Dalí. Casal com<br />

as Cabeças<br />

Cheias de<br />

Nuvens, 1936.<br />

• Produzir um programa de rádio no qual diferentes<br />

grupos se apresentarão, criando<br />

narrativas próprias ou selecionando textos<br />

de outros autores. As apresentações poderão<br />

ser enriquecidas com fundos musicais,<br />

diferentes modulações de voz e efeitos de<br />

sonoplastia improvisados, como acontecia<br />

nos antigos programas de rádio. Seria interessante<br />

gravar o programa para que os<br />

grupos possam avaliar seu desempenho.<br />

• Pesquisar jingles veiculados pelo rádio e<br />

pela televisão. Selecionar os preferidos<br />

pela turma, justificando as escolhas. Criar<br />

jingles em grupos para uma campanha<br />

que mobilize a escola em torno de algum<br />

objetivo comum. Apresentar as criações<br />

para a turma, elegendo o jingle que será<br />

utilizado na campanha. Gravar e divulgar<br />

o vencedor para toda a escola.<br />

• Pesquisar na internet instalações criadas<br />

por artistas contemporâneos, observando<br />

os elementos que caracterizam uma instalação.<br />

Utilizar pedaços de papelão de diferentes<br />

tamanhos para criar individualmente formas<br />

tridimensionais, a partir de uma dobra<br />

e um corte feitos no suporte. Decorar a escultura<br />

com pinturas, colagens e desenhos.<br />

Reunir todos os trabalhos da turma, organizando<br />

uma instalação em um determinado<br />

espaço. Acrescentar som, luzes e outros<br />

elementos que se tornem necessários. Convidar<br />

o público a explorar e interagir com a<br />

obra, documentando o trabalho por meio<br />

de um vídeo para posterior avaliação.<br />

Tempo de novas mídias<br />

291 291


Tempo de novas mídias<br />

292<br />

Para visitar<br />

Museu de <strong>Arte</strong> Moderna do Rio de Janeiro – Inaugurado em 1948 e projetado pelo<br />

arquiteto Affonso Reidy, destaca-se pelo emprego de estruturas vazadas e pela<br />

integração com o entorno. Palco de acontecimentos de grande relevância da vanguarda<br />

artística brasileira, possui uma coleção de arte moderna altamente representativa.<br />

Endereço: Avenida Infante Dom Henrique, 85, Parque do Flamengo.<br />

Tel.: (21) 2240-4944.<br />

Museu de <strong>Arte</strong> Contemporânea de Niterói – Projetado por Oscar Niemeyer, foi inaugurado<br />

em 1996. Sua forma estrutural circular, com grandes vãos e leveza, confere uma<br />

beleza poética à criação arquitetônica do museu.<br />

Endereço: Mirante da Boa Viagem, s/n., Niterói.<br />

Tel.: (21) 2620-2481.<br />

Centro Municipal de <strong>Arte</strong> Hélio oiticica – Instalado em um prédio neoclássico do<br />

século XIX, preserva e divulga a obra do artista plástico Hélio Oiticica. Realiza<br />

também exposições temporárias de artistas nacionais e estrangeiros.<br />

Endereço: Rua Luís de Camões, 68, Centro.<br />

Tel.: (21) 2232-4213.<br />

Palácio Gustavo Capanema – Construído entre 1936 e 1945, é considerado um marco<br />

da arquitetura brasileira do século XX. Possui um vasto acervo de obras de artes<br />

plásticas, partituras, gravações, literatura.<br />

Endereço: Avenida Rodrigues Alves, 847, Centro.<br />

Tel.: (21) 2223-2976.


Créditos das imagens<br />

Capítulo 1<br />

1. NASA/ Wikimedia Commons.<br />

2. Óleo sobre tela, 48X63cm. Acervo Musée<br />

Marmottan Monet, Paris.<br />

3. Litografia, 26 3/4”X19 1/4”. Criada para<br />

a exposição na Galerie Ponchettes em<br />

Nice, França. Impressão Mourlot.<br />

4. Krzysztof Mizera, alterado por Chagler<br />

e Mathknight/ Wikimedia Commons.<br />

5. Vassil/ Wikimedia Commons.<br />

6. Óleo sobre madeira, 76,8X53cm. Acervo<br />

Musée du Louvre, Paris.<br />

7. Óleo sobre tela, 363X437cm. Acervo<br />

Rijksmuseum, Amsterdã.<br />

8. Óleo sobre tela, 44,5X39cm. Acervo Real<br />

Gabinete de Pinturas Mauritshuis, Haia.<br />

9. Detalhe da imagem número 7.<br />

10. Óleo sobre tela, 74,4X91,4cm. Acervo Museu<br />

Nacional de Belas <strong>Arte</strong>s, Rio de Janeiro.<br />

11. Óleo sobre tela, 75X93cm. Acervo Museu<br />

de Belas <strong>Arte</strong>s Pushkin, Moscou.<br />

12. Óleo sobre tela, 73,7X92,1cm. Acervo<br />

Museum of Modern Art, Nova York.<br />

13. Tecido, linha, papel e metal, 118,5X141,2cm.<br />

Acervo Museu Arthur Bispo do Rosário<br />

<strong>Arte</strong> Contemporânea, Rio de Janeiro.<br />

14. Óleo e lápis sobre travesseiro, colcha,<br />

lençol sobre suporte de madeira,<br />

191,1X80X20,3cm. Acervo The Museum<br />

of Modern Art, Nova York.<br />

15. Antonio Cruz – Abr/ Wikimedia Commons.<br />

16. Antonio Cruz – Abr/ Wikimedia Commons.<br />

17. Xilogravura, 42,7X42,7cm. Acervo Metropolitan<br />

Museum, Nova York.<br />

18. Óleo sobre tela, 50X45cm. Acervo Musée<br />

du Louvre, Paris.<br />

19. Óleo sobre madeira, 203X314cm. Acervo<br />

Galleria degli Uffizi, Florença.<br />

20. Detalhe da imagem número 19.<br />

21. Afresco no Palazzo Medici Riccardi,<br />

Florença.<br />

22. Parque de Versailles, Bosque de La<br />

Colonadde.<br />

23. Instituto do Vestuário de Kioto. Foto:<br />

Taishi Hirokawa.<br />

24. Óleo sobre tela, 77X77cm. Eixo vertical<br />

108cm. Coleção particular.<br />

25. Óleo sobre tela, 77X63cm. Acervo Musée<br />

du Louvre, Paris.<br />

26. Óleo sobre tela, 76X64cm. Acervo Musée<br />

du Louvre, Paris.<br />

27. Óleo sobre tela, 76X63,6cm. Acervo<br />

Musée du Louvre, Paris.<br />

28. Óleo sobre tela, 76X63,5cm. Acervo<br />

Musée du Louvre, Paris.<br />

29. Yoyo6507/ Wikimedia Commons.<br />

30. Óleo sobre tela, 60X99,7cm. The Museum<br />

of Modern Art, Nova York.<br />

31. Óleo sobre tela, 107X74cm. Acervo<br />

Fondation Beyeler, Basileia.<br />

32. Óleo sobre tela, 100X65cm. Acervo National<br />

Gallery of Art, Washington, DC.<br />

293<br />

293


294<br />

33. Óleo sobre tela. Acervo Musée Marmottan<br />

Monet, Paris.<br />

34. Óleo sobre tela, 100,5X81cm. Acervo<br />

The Art Institute of Chicago.<br />

35. Óleo sobre tela, 42X49cm. Acervo Corcoran<br />

Gallery of Art, Washington, DC.<br />

36. Óleo sobre tela, 100X81cm. Acervo National<br />

Gallery of Art, Washington, DC.<br />

37. Portal Eliseu Visconti.<br />

38. Detalhe da imagem número 11.<br />

Capítulo 2<br />

39. Acervo Museu do Açude, Rio de Janeiro. Fonte:<br />

MAMMI, Lorenzo (org.). Iole de Freitas:<br />

Sobrevoo. São Paulo: Cosac & Naify, 2002.<br />

40. Óleo sobre tela, 100X81cm. Acervo National<br />

Gallery of Art, Washington, DC.<br />

41. Mark e Allegra/ Wikimedia Commons.<br />

42. Aço, 400X810X445cm. Acervo Instituto de<br />

<strong>Arte</strong> Contemporânea e Jardim Botânico Inhotim.<br />

Réginne Debatty/ Wikimedia Commons.<br />

43. Howard Stanbury/ Flickr.<br />

44. Fonte: SIQUEIRA, Vera Beatriz. Burle<br />

Marx. São Paulo: Cosac & Naify, 2001.<br />

45. Fonte: SIQUEIRA, Vera Beatriz. Burle<br />

Marx. São Paulo: Cosac & Naify, 2001.<br />

46. Fonte: SIQUEIRA, Vera Beatriz. Burle<br />

Marx. São Paulo: Cosac & Naify, 2001.<br />

47. Óleo sobre tela, 91X91cm. Acervo Nationalmuseet,<br />

Copenhagen, Dinamarca.<br />

48. Aquarela sobre papel, 15X21,4cm. Acervo<br />

Museus Castro Maya, Rio de Janeiro.<br />

49. Detalhe da imagem número 48.<br />

50. Fonte: MEE, Margaret; MORRISON, Tony<br />

(ed.). Margaret Mee, in search of flowers of<br />

the Amazon forests: diaries of an English<br />

artist reveal the beauties of the vanishing<br />

rainforest. Woodbridge, Suffolk: Nonesuch<br />

Expeditions, 1988.<br />

51. Fonte: MEE, Margaret; MORRISON, Tony<br />

(ed.). Margaret Mee, in search of flowers<br />

of the Amazon forests: diaries of<br />

an English artist reveal the beauties of<br />

the vanishing rainforest. Woodbridge,<br />

Suffolk: Nonesuch Expeditions, 1988.<br />

52. Óleo sobre tela, 162X130cm. Norton Simon<br />

Collection, Pasadena.<br />

53. Óleo sobre tela, 100x80cm. Fonte: RIBEI-<br />

RO, Angela Brant (texto e versão para o<br />

inglês). 15 pintores contemporâneos brasileiros.<br />

Rio de Janeiro: Spala Editora, 1990.<br />

54. Óleo sobre tela, 46x55cm. Acervo Museu<br />

Hermitage, São Petersburgo.<br />

55. Wikimedia Commons.<br />

56. Fonte: National Geographic.<br />

57. Cadorj/ Wikimedia Commons.<br />

58. Fonte: CENTRE GEORGES POMPIDOU.<br />

Joseph Beuys (cat. Exposição). Paris:<br />

Éditions de Centre Pompidou, 1994.<br />

59. Frans Krajcberg/ Flickr.<br />

60. Série Pinturas de lixo. Impressão digital,<br />

129,5X101,6cm.<br />

61. Detalhe da imagem número 60. Universo<br />

Produção/ Flickr.<br />

62. Metal, madeira, projetor, 20,5X45X129,5cm.<br />

Andy Keate/ Wikimedia Commons.<br />

63. Fotograma do vídeo Sapatos Magnéticos,<br />

1994. (Havana, Cuba). Vídeo em<br />

domínio público.<br />

64. 88 animais empalhados, madeira, fibra<br />

de vidro, musgo artificial, arame, projetor.<br />

Acervo Gagosian Gallery, Londres.<br />

65. Parque Güell, Barcelona, Espanha.<br />

Fonte: The Artchive.


66. Wikimedia Commons.<br />

67. SeLuSaVa/ Flickr.<br />

68. Objetos de porcelana. Foto: Neide Duarte.<br />

69. Bico de pena com lavado sobre ponta<br />

seca sobre papel, 34,3X24,5cm. Acervo<br />

Galleria dell’Accademia, Veneza.<br />

70. Fonte: Nick Cobbing/ Greenpeace.<br />

71. Detalhe da imagem número 69. Domínio<br />

Público/ Wikimedia Commons.<br />

72. Óleo sobre tela, 100X81cm. Acervo<br />

Utsomiya Museum of Art, Japão<br />

Capítulo 3<br />

73. Jon Sullivan/ Wikimedia Commons.<br />

74. Mariano/ Wikimedia Commons.<br />

75. Ramessos/ Wikimedia Commons.<br />

76. Joachim Huber/ Flickr.<br />

77. Fonte: The Artchive.<br />

78. Acrílico e crayon, 169,5X152,4cm. Coleção<br />

particular.<br />

79. Grafite conhecido como O estrangeiro,<br />

removido do Vale do Anhangabaú, São<br />

Paulo. Boneysp/ Wikimedia Commons.<br />

80. Vitor 1234/ Wikimedia Commons.<br />

81. Rémih/ Wikimedia Commons.<br />

82. Peter Roan/ Wikimedia Commons.<br />

83. Vsolymossy/ Wikimedia Commons.<br />

84. Marie-Lan Nguyen/ Wikimedia Commons.<br />

85. Fabio Rodrigues Pozzebom/ ABr.<br />

86. Portal IndianShaadi.<br />

87. Dan Lundberg/ Wikimedia Commons.<br />

88. Yves Picq/ Wikipedia.<br />

89. Marcello Casal Junior/ ABr.<br />

90. Portal Cornell in Rome.<br />

91. Peter Lee/ Flickr.<br />

92. Divulgação.<br />

93. GrishaMaslov/ Wikimedia Commons.<br />

94. Buzz Aldrin/ NASA/ Wikimedia Commons.<br />

95. Fonte: DERDYK, Edith. Formas de pensar<br />

o desenho: desenvolvimento do grafismo<br />

infantil. São Paulo: Scipione, 1989.<br />

96. Anilina sobre papel seda. Acervo particular.<br />

97. Tinta sobre papel, 36,5X58,4cm. The<br />

Saul Steinberg Foundation; Tinta sobre<br />

papel, 36,8X58,4cm. The Saul Steinberg<br />

Foundation.<br />

98. Foto: Hans Namuth. Acervo National<br />

Portrait Gallery, Smithsonian Institution,<br />

Washington, DC.<br />

99. YoungDoo Moon/ Flickr.<br />

100. Lápis cera sobre papel colorido. Acervo<br />

particular.<br />

101. Wikimedia Commons.<br />

102. Litografia, 30,5X44,4cm. Acervo The<br />

Museum of Modern Art, Nova York.<br />

103. Pastel sobre tecido de algodão montado<br />

em juta, 69X61cm. Acervo Kunstmuseum,<br />

Berna, Suíça.<br />

104. Guache, óleo e pastel sobre papel, 38X46cm.<br />

Acervo Fundació Joan Miró, Barcelona.<br />

105. Hidrocor sobre papel. Acervo particular.<br />

106. Hans Hillewaert/ Wikimedia Commons.<br />

107. Hidrocor sobre papel celofane. Acervo<br />

particular.<br />

108. Portal Icollector.<br />

295<br />

295


296<br />

109. Portal Icollector.<br />

110. Portal Icollector.<br />

111. Fonte: DERDYK, Edith. Formas de pensar<br />

o desenho: desenvolvimento do grafismo<br />

infantil. São Paulo: Scipione, 1989.<br />

112. Portal Collectors.<br />

113. Domínio Público/ Wikipedia.<br />

114. Xilogravura de Lucas Cranach. Domínio<br />

Público/ Wikimedia Commons.<br />

115. Litografia, 28,2X33,2cm. Fonte: THE<br />

MAGIC of M. C. Escher. Nova York: Ed.<br />

Harry N. Abrams, Inc., 2000.<br />

116. Tinta sobre fotografia colada em papel,<br />

21,3X15,9cm. Acervo The Saul<br />

Steinberg Foundation.<br />

117. Wikimedia Commons.<br />

Capítulo 4<br />

118. Calcário e estuque. Acervo Ägyptisches<br />

Museum, Berlim.<br />

119. Têmpera sobre painel, 47X33cm. Acervo<br />

Galleria degli Uffizi, Florença.<br />

120. Óleo e têmpera sobre gesso, 420X910cm.<br />

Convento de Santa Maria delle Grazie, Milão.<br />

121. Detalhe da imagem número 120.<br />

122. Halley Pacheco de Oliveira/ Wikimedia<br />

Commons.<br />

123. Gesso sobre tela pintado a óleo,<br />

100X100cm (cada uma). Acervo Banco<br />

Itaú, São Paulo.<br />

124. Luis Rizo/ Wikimedia Commons.<br />

125. Mármore. Basílica de São Pedro, Vaticano.<br />

Foto: Stanislav Traykov/ Wikimedia Commons.<br />

126. Afresco. Palácio Apostólico, Cidade do Vaticano.<br />

127. Afresco. Palácio Apostólico, Cidade do Vaticano.<br />

128. Óleo sobre tela, 268X356cm. Acervo Museu<br />

Nacional de Belas <strong>Arte</strong>s, Rio de Janeiro.<br />

129. Painel a têmpera/tela, 266X598cm. Coleção<br />

particular, Rio de Janeiro.<br />

130. Acrílica sobre tela, 81X100cm. Coleção<br />

Gilberto Chateaubriand, MAM/Rio.<br />

131. Arquivo Nacional da Torre do Tombo,<br />

Portugal.<br />

132. Óleo sobre tela, 141X172cm. Acervo Pinacoteca<br />

do Estado de São Paulo.<br />

133. Francisco Diez/ Wikipedia.<br />

134. Litografia, 191X117cm. The Yorck Project:<br />

10.000 Meisterwerke der Malerei/<br />

Wikimedia Commons.<br />

135. Litografia. The Yorck Project: 10.000<br />

Meisterwerke der Malerei/ Wikimedia<br />

Commons.<br />

136. Litografia, 40,7X31,7cm. Acervo Albertina,<br />

Viena.<br />

137. Ouro, esmalte, crisópraso, pedras semipreciosas<br />

e diamantes, 23X26,5cm.<br />

Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa.<br />

138. 28X18cm. Foto: Francisco Sales.<br />

139. 28X20,5cm. Wikipaintings.<br />

140. Portal Confeitaria Colombo. Foto: Rogério<br />

Von Kruguer e Felipe Cohen.<br />

141. Granito. Mario Roberto Duran Ortiz<br />

Mariordo/ Wikimedia Commons.<br />

142. Pedra-sabão. Wikimedia Commons.<br />

143. Acervo Hofmobiliendepot, Möbel Museum,<br />

Viena.<br />

144. Tinta polímero sintético sobre tela,<br />

51X41cm (cada). Acervo Museum of<br />

Modern Art, Nova York.<br />

145. Acrílico sobre tela, 205,44X289,56cm.<br />

Tate Modern, Londres.


146. Óleo sobre tela, 65X51cm. Galleria Borghese,<br />

Roma.<br />

147. Óleo sobre tela, 80,3x67,3cm. Acervo<br />

Metropolitan Museum, Nova York.<br />

148. Óleo sobre tela, 44X37,5cm. Acervo<br />

Van Gogh Museum, Amsterdã.<br />

149. Óleo sobre tela, 102X80cm. Acervo National<br />

Gallery, Londres.<br />

150. Óleo sobre tela, 76X61cm. Coleção Mário<br />

de Andrade, Instituto de Estudos<br />

Brasileiros da USP.<br />

151. Wikimedia Commons.<br />

152. Óleo sobre tela, 85X73cm. Coleção<br />

Constantini, Buenos Aires, Argentina.<br />

153. Óleo sobre madeira, 38X46cm. Coleção<br />

Nininha Nabuco Magalhães Lins.<br />

154. Óleo sobre tela, 130X195cm. Museu Nacional<br />

de Belas <strong>Arte</strong>s, Rio de Janeiro.<br />

155. Óleo sobre tela, 51,5X53cm. Coleção<br />

Mário de Andrade, Instituto de Estudos<br />

Brasileiros da USP.<br />

156. Óleo sobre tela. 100x96cm. Coleção particular,<br />

São Paulo. Foto: Romulo Fialdini.<br />

Capítulo 5<br />

157. Portal Layla Marques.<br />

158. Allan Patrick/ Wikimedia Commons.<br />

159. Wikimedia Commons.<br />

160. Walters Art Museum/ Wikimedia Commons.<br />

161. Portal Sonia Novaes.<br />

162. Fonte: MASCELANI, Angela. O mundo<br />

da arte popular brasileira. Rio de Janeiro:<br />

Museu Casa do Pontal/Mauad<br />

Editora, 2002.<br />

163. Portal Museus do Estado do Rio de Janeiro.<br />

164. Fonte: MASCELANI, Angela. O mundo da<br />

arte popular brasileira. Rio de Janeiro: Museu<br />

Casa do Pontal/ Mauad Editora, 2002.<br />

165. Francisco Brennand/ Wikimedia Commons.<br />

166. Francisco Almeida/ Flickr.<br />

167. 46 ninhos feitos pelo joão-de-barro e<br />

pela artista, 300X300X80cm.<br />

168. Portal <strong>Arte</strong> Popular Brasil.<br />

169. Portal Xiquexiquense.<br />

170. Portal Esquizofia.<br />

171. Xilogravura. Museu Oscar Niemeyer,<br />

Curitiba.<br />

172. Xilogravura, 48X43cm. Coleção Mônica<br />

e George Kounis.<br />

173. Xilogravura. Funarte/ Divulgação.<br />

174. Xilogravura, 25X24,5cm. Coleção Banerj.<br />

175. Edição <strong>Arte</strong>sanal do Mestre Armindo<br />

di Monaco, 1937. Coleção Frederico de<br />

Moraes, Rio de Janeiro.<br />

176. Coleção particular. Fonte: BRITO, Ronaldo.<br />

Goeldi. Rio de Janeiro: Silvia Roesler/<br />

Instituto Cultural The Axis, 2002.<br />

177. Foto: Gabriel de Andrade Fernandes.<br />

178. Portal Catedral das <strong>Arte</strong>s.<br />

179. Fonte: MASCELANI, Angela. O mundo da<br />

arte popular brasileira. Rio de Janeiro: Museu<br />

Casa do Pontal/Mauad Editora, 2002.<br />

180. Óleo sobre tela, 60X70cm.<br />

181. Fonte: MASCELANI, Angela. O mundo da<br />

arte popular brasileira. Rio de Janeiro: Museu<br />

Casa do Pontal/Mauad Editora, 2002.<br />

182. Óleo sobre tela, 117,3X89,5cm. Acervo<br />

Museu de <strong>Arte</strong> da Filadélfia.<br />

183. Óleo sobre tela, 38X47cm. Acervo Museu<br />

Hermitage, São Petersburgo.<br />

297<br />

297


298<br />

184. Óleo sobre tela, 75X94cm. Acervo Musée<br />

d’Orsay, Paris.<br />

185. Acervo Museu do Rio Grande do Sul<br />

Ado Malagoli.<br />

186. Óleo sobre juta montado em tela,<br />

72,4X92,4cm. Acervo Albright-Knox Art<br />

Gallery, Buffalo, Nova York.<br />

187. Óleo sobre tela, 47X33cm.<br />

188. Óleo sobre tela, 54X38cm.<br />

189. Óleo sobre tela, 50,2X61,3cm. Acervo<br />

Museu de <strong>Arte</strong> de São Paulo.<br />

190. Têmpera sobre tela, 54X46cm. Museu<br />

Nacional de Belas <strong>Arte</strong>s, Rio de Janeiro.<br />

191. Acrílica sobre tela, 80X100cm.<br />

192. Litografia. Série Guia Turístico e Histórico<br />

da Cidade do Rio de Janeiro, 1979.<br />

193. Serigrafia em cores, 100X70cm. Pinacoteca<br />

do Estado de São Paulo.<br />

194. Óleo sobre tela, 80X63,5cm. Coleção<br />

João Sattamini.<br />

Capítulo 6<br />

195. Luis Nunes Alberto/ Wikimedia Commons.<br />

196. Bronze. Jardim do MAM-Rio (exposição<br />

temporária).<br />

197. Óleo sobre tela, 220X289cm. Museo<br />

Nacional Del Prado, Madri.<br />

198. Bronze, mármore e aço inoxidável,<br />

895X980X1.160cm. Acervo Guggenheim<br />

Museum, Bilbao.<br />

199. Portal Tanglewood Threads.<br />

200. Photo Phiend/ Flickr.<br />

201. Dirk/ Wikimedia Commons.<br />

202. Nicoli Barea/ Flickr.<br />

203. Portal Mucambe <strong>Arte</strong>sanato.<br />

204. Acrílico sobre tela, 199,5X400,5cm.<br />

205. Alvesgaspar/ Wikimedia Commons.<br />

206. Portal Povos Indígenas no Brasil.<br />

207. Casa Museu do Objeto Brasileiro.<br />

208. Tijolo Photo/ Flickr.<br />

209. Wikimedia Commons.<br />

210. Lã, 750X750cm. Fundació Joan Miró,<br />

Barcelona.<br />

211. Andreas Praefcke/ Wikimedia Commons.<br />

212. Acervo Nationalmuseet, Copenhagen,<br />

Dinamarca.<br />

213. Tapete, 136X192cm.<br />

214. Lã. Fonte: ALVES, Leila (coordenação<br />

editorial). A <strong>Arte</strong> do Nordeste. Rio de<br />

Janeiro: Spala Editora Ltda., 1996.<br />

215. 328X483cm. Salão do Congresso Nacional,<br />

Brasília. J. Cassiano/ Flickr.<br />

216. Portal Rondônia Ao Vivo.<br />

217. Foto: Rogério Formighieri.<br />

218. Éden Barbosa/ Flickr.<br />

219. Ana Lucia Fernandes Camacho Câmara/<br />

Wikimedia Commons.<br />

220. Foto: J. Marconi.<br />

221. Portal Maragogipe.<br />

222. Portal Maragogipe.<br />

223. Pit Thompson/ Flickr.<br />

224. Óleo sobre tela. Acervo Banco Itaú, São Paulo.<br />

225. Michael Swan/ Flickr.<br />

226. Fundação Franklin Cascaes, Florianópolis.<br />

227. Divulgação.


228. Óleo sobre madeira, 32,5X32,5cm. Coleção<br />

particular, São Paulo.<br />

229. Fonte: MASCELANI, Angela. O mundo da<br />

arte popular brasileira. Rio de Janeiro: Museu<br />

Casa do Pontal/Mauad Editora, 2002.<br />

230. Mármore, granito e pintura. Portal Secretaria<br />

de Desenvolvimento Rural e<br />

Agricultura Familiar – MT.<br />

231. Aquarela sobre papel, 18X23cm. Acervo<br />

Museus Castro Maya, Rio de Janeiro.<br />

232. Óleo sobre tela, 150X208cm. Acervo Museu<br />

Nacional de Belas <strong>Arte</strong>s, Rio de Janeiro.<br />

233. Acervo Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.<br />

234. Coleção Augusto Malta. Acervo Museu<br />

da Imagem e do Som do Rio de Janeiro.<br />

235. Coleção Guilherme Santos. Acervo Museu<br />

da Imagem e do Som do Rio de Janeiro.<br />

236. Acervo Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.<br />

237. Divulgação.<br />

238. Marcio Rodrigues/ Flickr.<br />

239. Acrílico sobre tela, 280X160cm.<br />

Capítulo 7<br />

240. Óleo sobre tela, 75,5X88cm.<br />

241. Wikimedia/ Commons.<br />

242. Cerâmica cozida e policromada. Portal<br />

Precolombianartbrasil.<br />

243. Corda e aço inoxidável.<br />

244. Bichos de pelúcia e ferro.<br />

245. Madeira, arame, metal, pano, bolas,<br />

papel, papelão, couro, cordas, tubos de<br />

borracha, cortiça, botões, tampinhas<br />

de garrafas. Acervo Whitney Museum<br />

of American Art, Nova York.<br />

246. Metal, vara e tinta. O’Hara Gallery, Nova York.<br />

247. Marius Watz/ Flickr.<br />

248. Óleo sobre madeira, 83X40cm. Museu<br />

Oscar Niemeyer, Curitiba.<br />

249. Madeira pintada, 19,5X12,5X2,2cm. Coleção<br />

particular, Nova York.<br />

250. Madeira compensada. Designtrustforpublicspace/<br />

Flickr.<br />

251. Óleo sobre tela, 1,46X1,14m. Coleção Sucesión<br />

Augusto Torres, Nova York. Fonte:<br />

ADES, Dawn. <strong>Arte</strong> na América Latina. São<br />

Paulo: Cosac & Naify, 2009, p. 145.<br />

252. Óleo sobre tela, 50,8X61cm.<br />

253. Gravura. Publicado por Nicolo Cavalli.<br />

254. Passarinho/Pref. Olinda/ Flickr.<br />

255. Passarinho/Pref. Olinda/ Flickr.<br />

256. Junior Oliveira/ Flickr.<br />

257. Divulgação.<br />

258. Óleo sobre tela, 118X161cm. Acervo<br />

Kunsthistorisches, Viena.<br />

259. Plotter, 200x350cm. www.brincadeirasdecrianca.com.br.<br />

260. Acrílico sobre tela, 80x100cm. Fonte:<br />

LEITÃO, Mércia Maria; DUARTE, Neide.<br />

Folclorices de brincar. São Paulo: Editora<br />

do Brasil, 2009.<br />

261. Óleo sobre tela, 100,5X81,4cm. Museu<br />

Calouste Gulbenkian, Lisboa.<br />

262. Acrílico sobre tela, 100x100cm. Fonte: LEI-<br />

TÃO, Mércia; DUARTE, Neide. Folclorices de<br />

brincar. São Paulo: Editora do Brasil, 2009.<br />

263. Óleo sobre tela, 65X54cm. Museus<br />

Castro Maya, Rio de Janeiro.<br />

264. Aquarela sobre papel, 15,3X21,6cm.<br />

Museus Castro Maya, Rio de Janeiro.<br />

265. Óleo sobre tela, 45X59,5cm. Coleção<br />

Gilberto Chateaubriand, MAM-Rio.<br />

299<br />

299


300<br />

266. Litografia, 28X29cm. Fonte: ESCHER,<br />

M. C. M. C. Escher: The Graphic Work.<br />

Colônia: Taschen, 2001.<br />

267. Detalhe da imagem número 266.<br />

268. Serigrafia assinada e numerada a lápis,<br />

74,9X99,6cm.<br />

269. Óleo sobre tela, 65X56 1/4”.<br />

270. Foto: Andreas Valentim. Fonte: RAMI-<br />

REZ, Mari Carmen. Helio Oiticica: The<br />

body of colour. Houston/Londres: The<br />

Museum of Fine Arts/ Tate, 2007.<br />

271. Foto: Claudio Oiticica. Fonte: RAMIREZ,<br />

Mari Carmen. Helio Oiticica: The body<br />

of colour. Houston/Londres: The Museum<br />

of Fine Arts/ Tate, 2007.<br />

272. Materiais variados, 2100X12100X40<br />

mm. Acervo Tate Modern, Londres.<br />

273. Materiais variados, 2100X12100X40<br />

mm. Acervo Tate Modern, Londres.<br />

274. Alumínio, dimensões variadas. Coleção<br />

Gilberto Chateaubriand, MAM-Rio.<br />

275. Thefuturistics/ Flickr.<br />

276. Fonte: www.wikipaintings.org.<br />

277. Fonte: Official Website of Victor Vasarely.<br />

Capítulo 8<br />

278. Mikalkov/ Wikimedia Commons.<br />

279. Portal Answers.<br />

280. Divulgação.<br />

281. Portal Agência Yin.<br />

282. Guache sobre papel, 49,4X61,8cm. Coleção<br />

particular.<br />

283. Óleo sobre tela, 238X176cm. Acervo<br />

Musée National d’Art Moderne, Centre<br />

Pompidou, Paris.<br />

284. Divulgação.<br />

285. Penn State University/ Flickr.<br />

286. Óleo sobre tela, 183X166cm. Acervo<br />

Museo Botero, Bogotá.<br />

287. Cartão-postal com reprodução da Monalisa<br />

de Da Vinci, lápis. Acervo Musée National<br />

d’Art Moderne, Centre Pompidou, Paris.<br />

288. Bibliothèque Littéraire Jacques Doucet,<br />

Paris. Foto: Charmet. ADAGP/SI-<br />

PADEM, Paris e DACS, Londres, 1993.<br />

Fonte: FER, Brinoy; BATCHELOR, David;<br />

WOOD, Paul. Realismo, Racionalismo,<br />

Surrealismo: a arte no entre-guerras.<br />

São Paulo: Cosac Naify, 1998.<br />

289. Óleo sobre tela, 194,9X125,7cm. Acervo<br />

Metropolitan Museum, Nova York.<br />

290. Óleo sobre tela, 170X129cm. Acervo<br />

Musée d’Orsay, Paris.<br />

291. Óleo sobre tela, 65X49cm. Museu Nacional<br />

de Belas <strong>Arte</strong>s, Rio de Janeiro.<br />

292. Gravura. Acervo MAM-SP.<br />

293. Detalhe da imagem número 290.<br />

294. Acrílico sobre tela, 30x200cm. Coleção<br />

do artista. Fonte: Catálogo Brasil +500.<br />

Mostra do Redescobrimento. CCBB, 2000.<br />

295. Fonte: Agência JB.<br />

296. GUIA prático de quadrinhos. Rio de Janeiro:<br />

<strong>MultiRio</strong>, 2011.<br />

297. Portal Ancient Art.<br />

298. Denny O’Neil (autor), Curt Swan e Murphy<br />

Anderson (ilustradores), DC Comics<br />

(publicação). Divulgação.<br />

299. Bill Finger (autor), Bob Kane (ilustrador),<br />

Charles Paris (impressor).<br />

Divulgação.<br />

300. SOUSA, Mauricio de. Bidu 50 Anos.<br />

Barueri (SP): Panini Comics, 2009.<br />

Divulgação.


301. Óleo sobre tela, 74X119cm. Acervo Museu<br />

de <strong>Arte</strong> de São Paulo.<br />

302. Tinta acrílica sobre tela, 115X95cm.<br />

Acervo Estúdios Mauricio de Sousa.<br />

Foto: José Carlos Buldrini. Fonte: HIS-<br />

TÓRIA em Quadrões – Pinturas de Mauricio<br />

de Sousa. São Paulo: Globo, 2001.<br />

303. Detalhe da imagem número 301.<br />

304. Catálogo da exposição Zeróis: Ziraldo<br />

na Tela. CCBB, 2010.<br />

305. Divulgação.<br />

306. Litografia. Acervo Bibliothèque Nationale<br />

de France.<br />

307. Wikimedia Commons.<br />

308. Fonte: JAGUAR; AUGUSTO, Sérgio (org.).<br />

O Pasquim – Antologia 1969-1971 (vol. 1).<br />

Rio de Janeiro: Editora Desiderata, 2006.<br />

309. Giz de cera e têmpera sobre papel,<br />

91X73,5cm. Najsjonalmuseet, Oslo, Noruega.<br />

310. Primeira caricatura brasileira. Publicado<br />

no Jornal do Commercio do Rio de Janeiro,<br />

n.277, de 14 de dezembro de 1837.<br />

311. Detalhe da imagem número 309.<br />

312. Publicado em Revista Illustrada. Wikipedia.<br />

313. Acervo do Arquivo Histórico do Museu<br />

Histórico Nacional, Rio de Janeiro.<br />

314. Fonte: QUINO. Toda Mafalda. Buenos<br />

Aires: Ediciones de la Flor, 2001.<br />

315. Fonte: HENFIL. A volta da Graúna. São<br />

Paulo: Geração Editorial, 1993.<br />

316. Fonte: JAGUAR; AUGUSTO, Sérgio (org.). O<br />

Pasquim: Antologia 1969-1970 (vol.1). Rio<br />

de Janeiro: Editora Desiderata, 2006, p. 161.<br />

317. Divulgação.<br />

318. Fonte: JAGUAR; AUGUSTO, Sérgio (org.). O<br />

Pasquim: Antologia 1969-1970 (vol.1). Rio<br />

de Janeiro: Editora Desiderata, 2006.<br />

319. Arquivo Manchete.<br />

320. Divulgação.<br />

321. Acrílica sobre tela, 127X107cm. Acervo<br />

Estúdios Mauricio de Sousa. Foto: José<br />

Carlos Buldrini. Fonte: HISTÓRIA em Quadrões<br />

– Pinturas de Mauricio de Sousa.<br />

São Paulo: Globo, 2001.<br />

Capítulo 9<br />

322. Barro pintado.<br />

323. Óleo sobre tábua, 83,7X57cm. Acervo<br />

National Gallery, Londres.<br />

324. Thiago Mangia/ Flickr.<br />

325. Crédito: Colégio Pedro II – Núcleo de<br />

Documentação e Memória. Fonte: LON-<br />

ZA, Furio. História do Uniforme Escolar<br />

no Brasil. [s. l.]: Furio Lonza, 2005.<br />

326. Foto: Élcio Mello.<br />

327. Detalhe da imagem número 323.<br />

328. Fotografia. Coleção particular, Rio de Janeiro.<br />

329. Portal Focus Foto.<br />

330. Portal Rodin Web.<br />

331. Mármore. Acervo Musée Rodin, Paris.<br />

332. Óleo sobre tela, 37X27,5cm. Acervo<br />

Rijksmuseum, Amsterdã.<br />

333. Impressão de papel salgado, 21X15,7cm.<br />

Acervo George Eastman House, International<br />

Museum Of Photography, Rochester.<br />

334. Fotografia. Nadar/ Wikimedia Commons.<br />

335. Fotografia. Acervo The Museum of Modern<br />

Art, Nova York.<br />

336. Divulgação.<br />

337. Vitor Jorgensen/ Wikimedia Commons.<br />

338. Divulgação.<br />

301<br />

301


302<br />

339. Fonte: DE VOLTA à luz: Fotografias<br />

nunca vistas do imperador. São Paulo:<br />

Banco Santos; Rio de Janeiro: Fundação<br />

Biblioteca Nacional, 2003.<br />

340. Joaquim Insley Pacheco/ Wikimedia Commons.<br />

341. Marc Ferrez/ Wikimedia Commons.<br />

342. Marcelo Casal Junior/ Abr.<br />

343. Fonte: Arquivo do Instituto de Estudos<br />

Brasileiros-USP/ Fundo Mário de Andrade.<br />

344. Cartão-postal.<br />

345. Projeto gráfico de cédulas monetárias.<br />

346. Logotipo.<br />

347. Logotipo.<br />

348. Fotogravura montada em papel. 26x<br />

20,5cm. Acervo Smithsonian American<br />

Art Museum, Washington.<br />

349. Impressão em gelatina de prata. Coleção<br />

particular, Nova York<br />

350. Dr. Meierhofer/ Wikipedia.<br />

351. Acervo Pennsylvania Academy of the Fine Arts.<br />

352. Portal José Alves.<br />

353. Portal The Cinementals.<br />

354. Louis Poyet/ Wikipedia.<br />

355. Wikipedia.<br />

356. Wikipedia.<br />

357. The Walt Disney Company/ Wikipedia.<br />

358. Fotograma do curta de animação Meow!,<br />

1981. Direção: Marcos Magalhães.<br />

359. Divulgação.<br />

360. Óleo sobre tela, 89X146cm. Acervo Philadelphia<br />

Museum of Art, Pensilvânia.<br />

361. Detalhe da imagem numero 360.<br />

362. Bronze. Acervo The Museum of Modern<br />

Art, Nova York.<br />

363. Óleo sobre madeira, 55,8X68,9cm.<br />

Acervo The Museum of Modern Art,<br />

Nova York.<br />

364. Fotograma do filme Tempos Modernos,<br />

1936. Direção: Charles Chaplin.<br />

365. Divulgação.<br />

366. Divulgação.<br />

367. Divulgação.<br />

368. Fotograma do filme O Garoto, 1921. Direção:<br />

Charles Chaplin.<br />

369. Foto de Buster Keaton.<br />

370. Divulgação.<br />

371. Divulgação.<br />

372. Divulgação.<br />

373. Portal Rio que Passou.<br />

374. Morio/ Wikipedia.<br />

375. Portal Arquitetura e Urbe. Foto: Rafael Ferreira.<br />

376. Mármore. Fonte: CASTELO, Roberto. Brasília:<br />

Monumentos, marcos e esculturas.<br />

Editora Cavaleiro dos Pireneus, 1999.<br />

377. Divulgação.<br />

378. Fotograma do filme Central do Brasil,<br />

1998. Direção: Walter Salles.<br />

379. Divulgação.<br />

380. Cartão-Postal. Coleção Chefs-d’Oeuvre<br />

de la Photographie, Galeria Agathe<br />

Gaillard, Paris.<br />

Capítulo 10<br />

381. Wikimedia Commons.<br />

382. Garza Roja/ Wikimedia Commons.


383. Óleo sobre tela, 120X100cm. Acervo<br />

Kunsthistorisches, Viena.<br />

384. Detalhe da imagem número 383.<br />

385. Óleo sobre madeira, 33,3X25,8cm.<br />

Acervo National Gallery, Londres.<br />

386. Afresco. Palácio Apostólico, Cidade do Vaticano.<br />

387. Portal Oilpainting and frame.<br />

388. Óleo sobre tela, 24,1X33cm. Acervo The<br />

Museum of Modern Art, Nova York.<br />

389. Óleo e colagem sobre cartão, 44,4X<br />

30,3cm. Coleção particular.<br />

390. Piroxilina, 125X90cm. Acervo The Museum<br />

of Modern Art, Nova York.<br />

391. Afresco, 275X550cm. Acervo The Museum<br />

of Modern Art, Nova York.<br />

392. Afresco. Acervo Museo Nacional de<br />

Historia, Cidade do México (INAH).<br />

393. Afresco. The Detroit Institute of Arts.<br />

394. Painel a óleo, 1400X1058cm (aproximado).<br />

Obra executada para a sede da Organização<br />

das Nações Unidas, ONU, Nova York.<br />

395. Painel a óleo, 1400X953cm (aproximado).<br />

Obra executada para a sede da Organização<br />

das Nações Unidas, ONU, Nova York.<br />

396. Portal Tube Radio Land.<br />

397. Aquarela sobre papel, 16,3X20,8cm. Acervo<br />

Museus Castro Maya, Rio de Janeiro.<br />

398. Divulgação.<br />

399. United States Library of Congress’s Prints and<br />

Photographs Division/ Wikimedia Commons.<br />

400. Divulgação.<br />

401. Óleo sobre tela, 200X300cm. Acervo<br />

National Gallery, Londres.<br />

402. Detalhe da imagem número 401.<br />

403. Portal Early Television.<br />

404. Portal Fundo da Gaveta do Yuri.<br />

405. NASA/ Wikimedia Commons.<br />

406. Divulgação.<br />

407. Lawrence Livermore National Laboratory<br />

(LLNL), Livermore.<br />

408. Portal Guia dos Tablets.<br />

409. Madeira, metal, tecido sintético, lâmpadas,<br />

motor, 61,5X81,5X20cm. Coleção<br />

Galeria Nara Roesler, São Paulo.<br />

410. Fotografia panorâmica e vídeo,<br />

90X480cm. Foto: Rubber Seabra.<br />

411. Performance com monitores de vídeo. Fonte:<br />

FOSTER, Hal et alli (org.). Art since 1900.<br />

Nova York: Thames and Hudson, 2004.<br />

412. Aço, 195X200X90cm. Acervo Museu de<br />

<strong>Arte</strong> Moderna de São Paulo.<br />

413. Instalação com uma kombi Volkswagen<br />

e 24 trenós de madeira com feltro,<br />

lanternas, corda, cinto de couro, gordura.<br />

Acervo Staatliche Museen Kassel,<br />

Neue Galerie, Fotografia de Ute<br />

Klophaus na exposição deste trabalho<br />

no Kunstmarkt, Colônia, 1969. Fonte:<br />

BORER, Alain. Joseph Beuys. São Paulo,<br />

Cosac & Naify, 2001.<br />

414. Planta, internet, madeira, webcam,<br />

projetor de vídeo. Foto: Wonbin Yang.<br />

415. Acervo Museum Boymans van Beuningen,<br />

Roterdã.<br />

303<br />

303


Editoria<br />

Regina Protasio<br />

Assessoria Editorial<br />

Denise das Chagas Leite<br />

Consultoria, conteúdo e redação<br />

Mércia Maria Leitão<br />

Neide Duarte<br />

Revisão<br />

Jorge Eduardo Machado<br />

Colaboração<br />

Lúcia Barreiros<br />

Luiz Eduardo Ricon<br />

Marília Scofano de Aguiar<br />

Pesquisa de imagem e Verbetes<br />

Lucia Mendes<br />

Anna Faria<br />

Davi Bonela<br />

Fábio Jorge<br />

Fernanda Torres<br />

Fernando Madeu<br />

Juliana Paixão<br />

<strong>Arte</strong>s Gráficas<br />

Marcelo Salerno<br />

Ana Cristina Lemos<br />

Projeto Gráfico<br />

Aloysio Neves<br />

Editoração<br />

Roberta Motta<br />

ilustrações<br />

Camila Paixão<br />

Roberta Motta<br />

impressão<br />

Gráfica e Editora Rio DG<br />

tiragem<br />

6.000 exemplares<br />

Setembro 2012


MULTIRIO - Empresa Municipal de Multimeios Ltda.<br />

Largo dos Leões, 15 • Humaitá • Rio de Janeiro/RJ • Brasil • CEP 22260-210<br />

Central de Atendimento ao Cidadão: 1746 • Fora do Rio: (21) 3460-1746 • Fax: (21) 2535-4424<br />

www.multirio.rj.gov.br • ouvidoria.multirio@rio.rj.gov.br

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!