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BRASIL 1900-1910 - Fundação Biblioteca Nacional

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BIBLIOTECA NACIONAL<br />

COLEÇÃO RODOLFO GARCIA<br />

<strong>BRASIL</strong> <strong>1900</strong>-<strong>1910</strong><br />

RIO DE JANEIRO


<strong>BRASIL</strong> <strong>1900</strong>-<strong>1910</strong>


MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA<br />

MINISTRO: EDUARDO PORTELLA<br />

SECRETARIA DE ASSUNTOS CULTURAIS<br />

SECRETARIO: MÁRCIO TAVARES D'AMARAL<br />

BIBLIOTECA NACIONAL<br />

DIRETOR: PLÍNIO DOYLE<br />

Divisão de Aquisição e Processamento<br />

Francisco das Chagas Pereira da Silva<br />

Divisão de Referência Geral<br />

Mário Ferreira da Luz<br />

Divisão de Referência Especializada<br />

Lygia da Fonseca Fernandes da Cunha<br />

Divisão de Divulgação<br />

Ilda Centeno de Oliveira<br />

Divisão de Conservação<br />

Lila Leite Ferreira


BIBLIOTECA NACIONAL<br />

COLEÇÃO RODOLFO GARCIA<br />

<strong>BRASIL</strong> <strong>1900</strong>-<strong>1910</strong><br />

APRESENTAÇÃO<br />

PLÍNIO DOYLE<br />

V. 2<br />

RIO DE JANEIRO<br />

I980


COLEÇÃO RODOLFO GARCIA<br />

SÉRIE A — TEXTOS<br />

ISBN 85-7017-009-2 obra completa<br />

ISBN 85-7017-011-4 v. 2<br />

Brasil <strong>1900</strong>-<strong>1910</strong> / Luiz Antônio Severo da Costa /e<br />

outros/ Apresentação: Plinio Doyle. Rio de Janeiro,<br />

<strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong>, 1980.<br />

3 v., il. (Rio de Janeiro. <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong>.<br />

Coleção Rodolfo Garcia. Série A. Textos)<br />

1. Brasil — Civilização. 2. Brasil — Vida intelectual.<br />

I. Costa, Luís Antônio Severo da. II. Doyle.<br />

Plinio, 1906 — III. Rio de Janeiro. <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong>.<br />

IV. Série.<br />

CDD 918.1


SUMÁRIO<br />

Apresentação 9<br />

Música sacra no Rio de Janeiro em redor de <strong>1910</strong> —<br />

Mons. Guilherme Schubert 11<br />

A Igreja no início do século XX — Américo Jacobina<br />

Lacombe 47<br />

O Convento da Ajuda — Antonio Carlos Villaça 61<br />

Literatura: A prosa — Homero Senna 75<br />

A literatura infantil no Brasil de <strong>1900</strong> a <strong>1910</strong> — Laura<br />

Sanãroni 107<br />

A imprensa — Barbosa Lima Sobrinho 123<br />

O acervo da <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong> — Lygia. da Fonseca Fernandes<br />

da Cunha 143<br />

A <strong>Biblioteca</strong> e suas andanças — Eduardo Canabrava Barreiros<br />

169<br />

A <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong> Carmo — Passeio — Cinelândia —<br />

Augusto Maurício 173


APRESENTAÇÃO<br />

Para comemorar os 107 anos de sua existência a ser-<br />

viço da cultura no Brasil e os 70 anos de inauguração<br />

de sua sede atual, a <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong> faz publicar uma<br />

série de monografias, agrupadas em três volumes, onde se<br />

historiam aspectos variados da vida brasileira no período<br />

de <strong>1900</strong> a <strong>1910</strong>. A intenção que nos moveu, ao encomen-<br />

darmos a especialistas os estudos que ora lançamos ao<br />

público, foi apresentar um quadro histórico, o mais com-<br />

pleto possível, da fase em que se planejava, construía e<br />

se inaugurava o edifício da Avenida Rio Branco para<br />

abrigar a <strong>Biblioteca</strong> trazida por D. João, Príncipe-Regente,<br />

e que, no final do século XIX, já atingia o acervo consi-<br />

derável para a guarda ão qual urgiam instalações condi-<br />

zentes.<br />

Podemos ordenar as monografias deste v. II em três<br />

grupos principais sob os títulos: a Igreja, as Letras e a<br />

<strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong>.<br />

O primeiro reúne o estudo do Prof. Américo Jacobina<br />

Lacombe sobre a Igreja no inicio do século XX, com a<br />

organização de novas dioceses, seus movimentos religiosos<br />

e sua ação pastoral; a história de um convento que na<br />

época representava um centro de destaque na vida reli-


giosa e social do Rio de Janeiro, o Convento da Ajuda,<br />

num trabalho de Antonio Carlos Villaça. Monsenhor Guilherme<br />

Schubert ãâ uma visão da música sacra que se<br />

produzia e se executava nos templos católicos ao redor<br />

de <strong>1910</strong>.<br />

Das Letras cobrem-se três importantes áreas: a prosa<br />

literária, em estudo de Homero Senna, o desenvolvimento<br />

da atividade jornalística no Brasil, por Barbosa Lima Sobrinho,<br />

e a literatura infantil, por Laura Sandroni.<br />

Finalmente um esboço histórico da <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong><br />

— sua transferência de Lisboa para o Rio e suas andanças<br />

do Convento do Carmo para a Rua do Passeio e,<br />

daí, para a sede atual — é traçado por Eduardo Canabrava<br />

Barreiros e Augusto Maurício. O progressivo enriquecimento<br />

do acervo da BN, a incorporação de novas coleções<br />

durante o período são objetos da exaustiva pesquisa<br />

de Lygia da Fonseca Fernandes da Cunha.<br />

Estamos certos de que os nomes das autoridades que<br />

assinam os trabalhos aqui reunidos recomendam por si<br />

mesmos a mais atenta e interessada leitura.<br />

Plinio Doyle<br />

Diretor


MÚSICA SACRA NO RIO DE JANEIRO EM REDOR DE <strong>1910</strong><br />

Möns. Guilherme Schubert


Ao incluir um tema musical numa publicação comemorativa<br />

da inauguração de seu edifício atual, a <strong>Biblioteca</strong><br />

<strong>Nacional</strong> continua uma louvável tradição. Pois com<br />

a ocupação de sua atual sede, ela cedeu o prédio anterior<br />

na Rua do Passeio (na época "Rua Joaquim Nabuco") ao<br />

Instituto <strong>Nacional</strong> de Música, onde ainda hoje encontramos<br />

a Escola de Música.<br />

Diremos alguma coisa sobre a Música Sacra no período<br />

entre <strong>1900</strong> e <strong>1910</strong>, dando algumas "olhadelas" para<br />

trás e para frente, ou para alguma outra cidade do Brasil,<br />

quando isso for necessário para compreender certos detalhes.<br />

Por motivos práticos (apenas) limitamo-nos à Música<br />

Sacra do cultò católico, para não ofender por falta de<br />

informação exata. No período em questão já estavam presentes<br />

no Rio comunidades não-católicas: luteranos (desde<br />

1827), presbiterianos (1862; no Brasil desde 1859),<br />

batistas (1884), anglicanos (1889; em 1809 já tinham<br />

recebido de D. João VI um cemitério), a Sociedade Bíblica<br />

(1876), a Associação Cristã de Moços (1893). Outras vieram<br />

depois de <strong>1910</strong>, como os metodistas, desde 1876 no<br />

Brasil, mas não no Rio.<br />

Se bem que estas comunidades dão muito valor ao<br />

órgão e ao canto, apresentando hoje corais de muita qualidade,<br />

não temos a impressão que em <strong>1910</strong> tenham exercido<br />

grande influência na criação e execução musical. Em<br />

todo caso, julgamos que um elemento evangélico informará<br />

melhor do que nós sobre o assunto.<br />

13


Durante as pesquisas para este trabalho ficamos surpreendidos<br />

com o grande número de composições feitas<br />

pelos melhores músicos brasileiros e estrangeiros residentes<br />

na época.<br />

Como se apresenta este Rio católico de <strong>1910</strong>, comparado<br />

com o de 1980?<br />

<strong>1910</strong><br />

1 Cardeal: D. Joaquim Alcovcrde<br />

de Albuquerque Cavalcanti<br />

(1897 - 1930)<br />

2 bispos auxiliares: D. Joaquim<br />

Silvério que não chegou a tomar<br />

posse; e D. Sebastião Leme<br />

da Silveira Cintra (1911)<br />

150 sacerdotes<br />

539 religiosas<br />

31 igrejas Matrizes (paróquias)<br />

190 igrejas simples e capelas<br />

47 oratórios privados<br />

16 ordens masculinas<br />

17 ordens femininas<br />

3 Colegiadas ("Coros" em S. Pedro,<br />

Candelária, Misericórdia,<br />

importantes para a Música<br />

Sacra)<br />

327 Irmandades, Ordens Terceiras,<br />

Confrarias e outras associações<br />

•<br />

4 colégios católicos (oficiais;<br />

outros particulares)<br />

19 hospitais<br />

20 cemitérios<br />

População da cidade:<br />

c. 1 milhão<br />

14<br />

1 Cardeal<br />

1980<br />

6 bispos auxiliares<br />

634 sacerdotes<br />

1999 religiosas<br />

198 igrejas Matrizes<br />

325 igrejas simples e capelas<br />

46 ordens masculinas, em 102<br />

comunidades<br />

90 ordens femininas, em 208<br />

comunidades<br />

85 Irmandades, Ordens Terceiras,<br />

Confrarias e outras associações,<br />

das quais 79 em<br />

igreja própria<br />

93 estabelecimentos de ensino<br />

9 asilos<br />

9 creches<br />

22 hospitais<br />

11 orfanatos<br />

12 pensionatos femininos<br />

9 obras sociais<br />

c. 5 i/j milhões


Quem fez executar Música Sacra<br />

Não é por acaso que apresentamos esta estatística.<br />

Por ela vemos quem se interessou pela execução de Música<br />

Sacra. Todas estas igrejas, estas Irmandades e Ordens<br />

celebraram suas festas, procurando dar-lhes brilho litúrgico<br />

que, além dum bom pregador, incluía invariavelmente<br />

um programa musical com órgão, canto coral, possivelmente<br />

orquestra, nas Procissões também banda.<br />

A freqüência destas Missas, Novenas, Te Deuns era<br />

grande, fazendo parte integrante da vida da cidade; de<br />

maneira que os compositores se sentiam motivados para<br />

escreverem músicas a serem executadas nestas solenidades,<br />

certos de que seriam ouvidas e apreciadas por boa<br />

parte da população.<br />

Gêneros de música<br />

Que gêneros de música foram executados? Bem diferentes<br />

— em grande parte — dos de hoje. Os músicos da<br />

geração presente farão bem em inteirar-se destas práticas<br />

do passado para compreender melhor as composições<br />

de então e interpretá-las adequadamente, já que muitas<br />

delas hoje são apresentadas somente nas salas de concerto.<br />

I. Em Latim<br />

Era a língua oficial, obrigatória na Missa solene (cantada)<br />

e no Ofício (recitação do breviário), sendo usada<br />

também em outras partes.<br />

1 — Missa solene:<br />

a) partes invariáveis: Kyrie — Glória — Credo —<br />

Sanctus — Benedictus — Agnus Dei.<br />

Por um motivo não completamente esclarecido<br />

chamaram então de "Missa" o conjunto de "Kyrie"<br />

e "Glória", enquanto "CREDO" significava<br />

um conjunto de "Credo — Sanctus — Benedictus<br />

15


— Agnus Dei". Talvez, porque as partes de um<br />

grupo eram executadas em música figurada e as<br />

demais em Cantochão. Quando a composição<br />

abrangia todas as 6 partes, era chamada de "Missa<br />

completa".<br />

b) partes variáveis para acompanhar o caráter particular<br />

da celebração: Natal — Páscoa — um<br />

Santo — pelos defuntos: Intróito — Gradual —<br />

Tractus — Aleluia — Seqüência (Dies irae...<br />

Stabat Mater...) Ofertório — Communio.<br />

Antes da Missa: Asperges me; Vidi aquam.<br />

2 — Ofício: o breviário rezado e, em dias especiais, cantado<br />

pelos clérigos, alternando com o coral: Matinas —<br />

Laudes — Vésperas. As outras partes: Terça — Sexta —<br />

Noa — Completas, fora dos Mosteiros, só foram rezadas.<br />

Cada parte continha salmos — antífonas para estas<br />

ou isoladas (Salve Regina...), hinos (Te Deum...) —<br />

cânticos (Benedictus... Magnificat...)<br />

3 — Bênção do Santíssimo: Motetes para a exposição (O<br />

salutaris...), Tantum ergo.<br />

4 — Ladainhas — Ave Maria — Veni Creator — Ecce sacerdos<br />

e outros.<br />

II. Em Português<br />

1 — Missa rezada, "com cânticos": motetes mais ou menos<br />

apropriados ao seguimento litúrgico.<br />

2 — Ofício "pequeno" de Nossa Senhora: aos sábados, em<br />

igrejas ou casas particulares, semelhante ao "grande"<br />

porém mais reduzido e com uma única fórmula.<br />

3 — Devoções diversas: Via Sacra;<br />

Festas de Deus, de Nossa Senhora, de Santos, que incluíam,<br />

além da Missa na manhã do dia estabelecido<br />

(vide supra), uma preparação feita durante vários dias em<br />

horário vespertino, celebrada com sermão (Ave Maria...<br />

16


Veni Creator...), ladainha, cânticos; terminando com a<br />

Bênção Eucarística.<br />

Chamavam a isso Tríduos, Septenas, Novenas, Trezenas<br />

conforme o número de dias destinados: Trezena de<br />

Santo Antônio (dia 13...), Septenas para as 7 dores de<br />

N. Senhora.<br />

4 — Procissões: cânticos vários de acordo com o caráter<br />

da Procissão: Eucarística, de Penitência, da Semana Santa,<br />

em honra de um Santo.<br />

Os textos — fora dos cantos populares —• eram principalmente<br />

quando em Latim, fixos, o que garantiu a utilidade<br />

do trabalho do compositor para sempre. As composições<br />

com texto em Latim podiam ser cantadas — e foram<br />

— em qualquer país, mesmo de idioma diferente.<br />

Algumas das grandes festas de outrora ainda são celebradas<br />

hoje: de N. Senhora da Glória do Outeiro (que,<br />

por sua vez, se chamava de "Outeiro da Glória") — N. S.<br />

da Penha — Corpus Christi — as 3 festas do mês de junho:<br />

Sto. Antônio, S. João, S. Pedro.<br />

As festas particulares hoje se limitam à celebração<br />

da Missa com Sermão e uma ou outra procissão.<br />

Matinas e Laudes e as Vésperas até pouco tempo faz,<br />

podiam ser ouvidas nas "Trevas" da Semana Santa. Atualmente<br />

o Ofício cantado só pode ser ouvido no Mosteiro de<br />

S. Bento, mas em Canto Gregoriano (Cantochão). Em<br />

música figurada não há mais.<br />

Vejamos um exemplo de programa de uma Novena:<br />

1 — Introdução: "Deus vos salve, Maria".<br />

2 — Deus in adjutorium intende. Gloria Patri (ambos<br />

em Latim).<br />

3 — Jaculatória: "Amado Jesus, José, Ana, Maria: eu<br />

vos dou o meu coração, minha alma e vida."<br />

4 — Ladainha (em Latim ou em Português)<br />

5 — Oração<br />

6 — Hino: Salve Rainha<br />

7 — Bênção do Santíssimo<br />

8 — Canto final.<br />

17


Os executantes<br />

A Capeia Imperial<br />

A prática da Música Sacra recebeu um forte impacto<br />

com o desaparecimento da "Capela Imperial", melhor, dos<br />

músicos contratados no tempo do Império para servir nela<br />

(é uma das "olhadelas" necessárias): regentes, compositores,<br />

copistas, arquivistas, organistas (mais 2 "foleiros"<br />

para que o órgão não ficasse "sem fole"...), cantores e<br />

músicos instrumentistas. Eram 79 no tempo de D. João VI,<br />

diminuindo depois para 69, 67, 33. Era um celeiro de músicos,<br />

atraídos pela segurança material garantida pelo<br />

contrato. Em notas biográficas, também do nosso período,<br />

encontramos freqüentemente a observação: Antônio<br />

Bruno, secretário da Sociedade Musical Beneficente, "cantor<br />

da Capela Imperial" — N. N., "primeiro violino da<br />

Capela Imperial" — Archangelo Fiorito (*1813, Nápoles<br />

— + 1887, Rio), "maestro e compositor da Capela Imperial".<br />

Veio para o Brasil no navio que trouxe a Imperatriz<br />

Teresa Cristina (Escreveu um. "Libera me", "Salutaris" e<br />

outras peças sacras). O pianista Hugo Bussmeyer agradou<br />

D. Pedro II num de seus concertos e foi convidado para<br />

mestre da Capela Imperial (1876).<br />

O serviço na Capela Imperial não impedia outras atividades<br />

musicais, mas nem todas eram legítimas, nem<br />

oportunas. Já o contrato (citamos um de 1875) diz: Art.<br />

4.°: os que faltarem para irem exercer sua profissão fora<br />

dela (Capela) serão suspensos por um mês; e na reincidência<br />

ficará sem efeito seu contrato;<br />

Art. 7.°: os cantores e músicos que chegarem depois<br />

de ter principiado a função, serão multados na metade da<br />

quantia marcada na tabela, os que chegarem no meio do<br />

serviço, serão multados na quantia inteira.<br />

E um "Aviso" do Barão de Cotegipe, Ministro dos Negócios<br />

do Império ao Inspetor da Capela Imperial (24/12/<br />

1887) determina:<br />

2.°: aos músicos contratados é absolutamente proibido<br />

cantar ou tocar em outras funções que coincidem com as<br />

da Capela Imperial;<br />

18


3.°: é lhes vedado mandar substitutos para ensaios ou<br />

funções sem licença do Mestre de Capela;<br />

4.°: Serão multados em 2$000 os cantores ou instrumentistas<br />

que repetidamente chegarem depois de começada a<br />

função; e igual multa será imposta aos que se ausentarem<br />

sem licença antes de findo o serviço;<br />

5.°: quando faltarem, serão multados conforme a tabela<br />

seguinte:<br />

Missa com orquestra 5$000<br />

Dita sem orquestra 4$000<br />

Matinas 6$000<br />

Te Deum 5$000<br />

Ensaio 3$000<br />

Nota: o ordenado anual dum cantor em 1875 era de<br />

600$000.<br />

Se vê: as queixas dos regentes atuais de coros ou orquestras<br />

não são tão inéditas...<br />

Abusos<br />

Falamos de "atividades não oportunas" pelo receio —<br />

justificado, como logo veremos — do resultado da mistura<br />

entre música sacra e profana. Adelelmo Francisco Nascimento<br />

(* 1848, Bahia — + 1898, Paris), foi bom violinista<br />

e simultaneamente Mestre da Capela Imperial e Regente<br />

do Teatro São João. É provável que o teatro tenha sofrido<br />

menos influência da música sacra do que a Capela<br />

Imperial do estilo profano do teatro.<br />

E que dizer dum João Raymundo Rodrigues Júnior<br />

(*1867, Rio — + 1935, Rio)? Filho dum barbeiro que veio<br />

ao Brasil com a Imperatriz Teresa Cristina, foi educado<br />

no Asilo dos Meninos Desvalidos, onde aprendeu a tocar<br />

trombone. Até aí tudo bem. Mas este cavaleiro organizou e<br />

regeu orquestras em teatros, banquetes (era o preferido<br />

do Barão do Rio Branco que não dispensou sua colabora-<br />

19


ção nos banquetes do Itamaraty) e nas igrejas da Candelária,<br />

de S. José, do Santíssimo Sacramento. As graças<br />

do Barão lhe proporcionaram um emprego no Serviço de<br />

Aguas da Diretoria de Obras Públicas que ocupou até a<br />

morte. Receamos somente que teatro e banquetes tenham<br />

deixado reflexos em repertório e execução nos<br />

templos.<br />

Assim não estranhamos o desabafo do Visconde de<br />

Taunay, pouco antes de sua morte (+ 25/11/1899): "Fui<br />

ouvir a "Missa Mimosa" do Padre José Maurício na Igreja<br />

da Cruz dos Militares... Segundo as "boas tradições" que<br />

todo o empenho e esforço da comissão de música sacra não<br />

poderão abalar, começou a cerimônia religiosa pela ouverture,<br />

tão ouvida, corriqueira e estafada da Gazza ladra<br />

de Rossini.. Adequado preparo para uma função religiosa,<br />

aquela saltitante protofonia da "Pega ladra"! Enfim,<br />

seja tudo pelo amor de Deus!" (Dois Artistas Máximos,<br />

José Maurício e Carlos Gomes, pág. 69s.).<br />

Também Manuel Araújo Porto Alegre reclamou contra<br />

o abuso de "transformar o canto sagrado em óperas<br />

italianas e o libreto em hinos de igreja". E menciona o<br />

protesto da Academia de Belas-Artes junto ao governo imperial<br />

(Rev. do IHGB 1856, p. 354-369).<br />

Wanderley Pinho, em seu livro "Cotegipe e Seu Tempo,<br />

pág. 596, transcreve: "No Convento (sic) de S. Bento, além<br />

da POLCA na ocasião do Glória tocaram ainda aquela<br />

Arieta da Rosina do Barbeiro (de Sevilha)... Tocou-se<br />

ontem em S. Francisco de Paulo quadrilhas francezas"...<br />

O "Largo" de Haendel, a "Humoresque" de Dvorak, o<br />

"Canto hindu" de Rimsky-Korsakow, a "Meditation" de<br />

Thais (...) de Massenet, a as Marchas da ópera "Lohengrin"<br />

de Wagner, da "Aida" de Verdi; os Interlúdios das<br />

óperas "Traviata" ou "Cavalaria Rusticana" iniciaram<br />

uma "marcha" persistente que chegou até os nossos dias,<br />

refreada durante alguns períodos de reforma, mas depois<br />

retomando seu lugar, alternando repertório antigo com<br />

temas de filmes e músicas pseudo-religiosas de cantores<br />

em moda.<br />

20


Com um pouco de jeito conseguiram até cantar, nas<br />

igrejas, melodias profanas, e mesmo teatrais, de Pergolesi,<br />

Cimarosa, Jomelli, substituindo as palavras originais por<br />

um texto sacro. (Renato de Almeida, História da Música<br />

Brasileira, pág. 132)<br />

E não foram somente os leigos que assim procederam.<br />

Os "Cânticos espirituais", coligidos pelos Padres da Missão<br />

Brasileira, em edição de Garnier, contêm de preferência<br />

cantos profanos e de óperas de Mozart, Haydn,<br />

Rossini, Weber, Bellini, Meyerbeer, Lambelotte, Herman,<br />

Nicou-Cheron e outros. Bastava o chapéu novo dum texto<br />

sacro para tornar "espiritual" uma ária, uma cavatina,<br />

um coro de ópera.<br />

Cernichiaro, embora não concordando "in toto" com<br />

o rigor do Motu Proprio, reconhece a existência, em redor<br />

de <strong>1900</strong>, de graves abusos (e os lamenta): 1) as introduções<br />

a solenidades religiosas tiradas de óperas, como<br />

"Marcos Spada" (Auber), "I Briganti" Mercadante), "Le<br />

Vispe Comari" (Suppé);<br />

2) adaptações "sui generis": em "Laudamus" (do Glória)<br />

é transformada uma cavatina da ópera "II Corsário":<br />

"Domine Deus" (também do Glória) nada mais é do que<br />

uma ária de ópera de Donizetti; "Salutaris" resulta de<br />

uma lânguida e erótica romanza de Pallani; e a ária<br />

"Quand j'étais roi de Beocie" (do "Orfeu no inferno, de<br />

Offenbach, uma ópera bastante livre.. ) chega às honras<br />

de uma "Ave Maria"! (Storia delia Musica nel Brasile,<br />

Pág. 17)<br />

Os maestros "double face" nos levaram a falar destes<br />

desvios que, aliás, não eram os únicos no mundo. O Pe.<br />

João Bat. Lehmann SVD (* 1873, Alemanha 1-1955, Rio),<br />

alemão que passou grande parte de sua vida no Brasil,<br />

prestando ótima colaboração, também no campo da Música<br />

Sacra, lembrando a decadência musical encontrada em<br />

1901 (ano em que chegou ao Brasil), não esquece de dizer<br />

que também na Alemanha se ouviu em certas épocas ao<br />

órgão POLCAS e MAZURCAS para iniciar a missa solene,<br />

e "lindas e perturbadoras SERENATAS" executadas nas<br />

cerimônias do mês de Maria.<br />

21


Reação<br />

A reação oficial da Igreja Universal foi o Motu Proprio<br />

do Papa Pio X sobre Música Sacra, publicado em<br />

22/11/1903 (festa de Santa Cecília).<br />

Mas o Rio de Janeiro já tinha reagido antes disso!<br />

Atendendo a uma "Mensagem do Centro Artístico" sobre<br />

adoção de música sacra nas igrejas, o Arcebispo D. Joaquim<br />

Arcoverde (Cardeal a partir de 1905), nomeou, para<br />

tratar do assunto, uma comissão especializada, da qual<br />

fez parte também Alberto Nepomuceno. Ouvimos as referências<br />

do Visconde de Taunay a esta comissão. Deve ter<br />

sido instalada em 1898, porque o Pe. Pedro Hermes Monteiro,<br />

Protonotário Apostólico (* 1871, Icó, Ceará — + —?<br />

estava em nosso período no Rio) que em 1896 tinha publicado<br />

um livrinho de 39 págs. sobre a "Arte do Cantochão<br />

ou Canto Litúrgico" (Tip. Edit. Carlos Schmidt, Rio),<br />

apresentou, impresso, em 1898 "Um parecer perante uma<br />

Comissão", expondo as razões por ele apresentadas à mencionada<br />

Comissão.<br />

Por outro lado, o Pe. José Alpheu Lopes de Araújo,<br />

cónego da Catedral Metropolitana, Mestre de Capela do<br />

Cabido e (1924) professor de órgão e harmónio do Instituto<br />

<strong>Nacional</strong> de Música, ordenado em 1894 no Colégio Pio<br />

Latino em Roma, organizou, logo que voltou ao Brasil, um<br />

notável coro de meninos na Matriz de Santana, dando<br />

um exemplo prático de Música Sacra correta.<br />

Também anteriormente ao Motu Proprio trabalharam<br />

em defesa da verdadeira música sacra dois franciscanos:<br />

Frei Pedro Sinzig OFM (* 1876, Linz, Alemanha — + 1952,<br />

Duesseldorf Alemanha) e Frei Basílio Roewer OFM (*1877,<br />

Neviges, Alemanha — + 1958, Rio). Ambos compositores<br />

e escritores, era, contudo, Frei Pedro quem cuidava mais<br />

da parte organizadora e editorial. Já em 1899 publicou o<br />

"Benedicite", manual de cânticos sacros, em português e<br />

latim, com um apêndice de orações — 184 pág., pela<br />

Tipografia de Frederico Pustet, Ratisbona, Alemanha, com<br />

2. a edição em 1902, por Herder, Freiburg im Breisgau. Na<br />

coleção "Sursum Corda", Tip. Fr. Pustet, Ratisbona, <strong>1900</strong>,<br />

reuniu em 44 páginas autores clássicos e modernos sele-<br />

22


cionados. Mas foi sobretudo no livrinho "Cecília", manual<br />

de cânticos sacros; texto revisto pelo Conde de Affonso<br />

Celso, com música (composição ou revisão) de Frei Pedro<br />

e Frei Basílio, saído à luz em 9/8/<strong>1910</strong> que se encontrou<br />

uma coleção válida; e ela, de edição em edição, modificando<br />

isso e aquilo, ainda hoje presta bons serviços.<br />

É importante observar a prudência dos dois franciscanos,<br />

nascidos fora do Brasil, ao tratar dum assunto que<br />

envolve literatura brasileira e música que deve corresponder<br />

ao gosto do país. No Prefácio explicam: 1 — usam<br />

da liberdade permitida no Motu Proprio quanto ao caráter<br />

nacional; 2 — fazem concessões "ao caráter de nossos<br />

patrícios" (i.e. dos brasileiros...) sem ultrapassar o limite<br />

traçado: os cânticos não façam má impressão a<br />

qualquer povo de outra índole; 3 — "A glória de Deus<br />

e a edificação religiosa dos fiéis é o que pretendemos e<br />

esperamos."<br />

O Conde de Affonso Celso, em boa hora convocado<br />

para a parte literária, explica: 1 — deixou intactos os<br />

textos de autores declarados; 2 — fez discretas modificações<br />

na linguagem e no metro nos textos anônimos; 3 —<br />

cuidou de fazer isso sem tirar a singeleza e o candor<br />

primitivos.<br />

Assim encontramos na parte dos textos, além das palavras<br />

litúrgicas e de traduções, textos originais de: Maria<br />

L. de Souza Alves — Amélia Rodrigues — D. Antonio<br />

de Macedo Costa — Frei Joaquim do Espirito Santo, OFM<br />

— Barão de Paranapiacaba — Conde de Affonso Celso —<br />

Pe. Arch. Ganarini — M. dAbrantes.<br />

Evidentemente recebeu o livrinho, já na l. a edição, a<br />

aprovação do Núncio Apostólico, do Cardeal Arcoverde e<br />

de outros 7 bispos.<br />

Pelas exigências do Motu Proprio tinham de aparecer<br />

algumas áreas de atrito: 1 — canto de senhoras na igreja;<br />

2 — proibição de certos instrumentos: piano, tambor,<br />

bombo, pratos, campainhas e outros semelhantes (hoje...?);<br />

3 _ banda de música, permitida nas procissões<br />

fora da igreja, mas proibida nas igrejas. Frei Basílio que<br />

fez um notável "Comentário do Motu Proprio" (Petrópolis,<br />

1907), nesta publicação, portanto em 1907, ainda<br />

23


aguarda as providências dos bispos locais. Sabemos, contudo,<br />

que o Arcebispo do Rio "expediu claras determinações,<br />

cominando com penas eclesiásticas os desprezadores<br />

das leis, no Motu Proprio estabelecidas a respeito da música,<br />

como a Igreja a quer e não quer nas funções litúrgicas"<br />

(Pe. João Bat. Lehmann SVD, in rev. Música Sacra,<br />

1946, p. 65).<br />

Em parêntese: Em 14/4/1856 D. Manuel do Monte<br />

Rodrigues de Araújo, Conde de Irajá e Bispo-Capelão-mor<br />

criou a "Sociedade Episcopal de Música Religiosa do Rio<br />

de Janeiro", cujos Estatutos, em belíssima caligrafia, estão<br />

guardados no Arquivo da Arquidiocese.<br />

Música Sacra nas igrejas<br />

Voltemos a examinar a questão dos corais. Na Capela<br />

Imperial, Francisco Manuel da Silva substituiu nas partes<br />

de Soprano e de Contralto os "castrados" importados por<br />

D. João VI (não havia nunca locais...) pelos alunos do<br />

Conservatório fundado por ele. Já em 1854, por ocasião<br />

das exéquias de D. Maria II de Portugal, irmã de D. Pedro<br />

II, a crítica musical elogiou a atuação destes alunos,<br />

saudando vivamente a nova prática. No Arquivo do Cabido<br />

Metropolitano guarda-se um Recibo de F. M. da Silva,<br />

datado em 3/5/1861, de 180$000 recebidos pelo canto destes<br />

alunos do Conservatório na Capela Imperial. Não possuímos<br />

documentos que provam a continuação desta prática<br />

após a morte dele (4- 18/12/1865). Tão pouco há notícias<br />

da atuação de cantoras no coro da Catedral. E sim,<br />

vemos várias partituras, compostas para coro misto, serem<br />

transcritas no fim do século para vozes masculinas somente:<br />

Tenor, Barítono, Baixo. Grupos de vozes masculinas<br />

que atuaram na Capela Imperial e depois na Catedral<br />

Metropolitana, certamente cantaram também nas festas<br />

de outras igrejas.<br />

Porém, com o desaparecimento da Capela Imperial<br />

como tal, e a não-dotação financeira pelo Governo da<br />

República, entre outras coisas, de seus músicos e cantores,<br />

por força das circunstâncias começou uma nova modalidade:<br />

conjuntos de amadores, reforçados por alguns<br />

24


profissionais, certamente remunerados como se faz hoje.<br />

O Visconde de Taunay, em suas crônicas de Música Sacra<br />

(Dois Artistas Máximos... pág. 72) nos oferece um exemplo<br />

instrutivo por suas indicações detalhadas: "... a MIS-<br />

SA MIMOSA (do Pe. José Maurício) que ouvimos na festa<br />

solene de Nossa Senhora da Piedade da Cruz dos Militares,<br />

executada por uma orquestra organizada pelo professor<br />

José Leverero e sob a regência do maestro João Pereira<br />

da Silva e cantada por distintíssimos amadores e por um<br />

coro em que se notavam as senhoras da nossa mais alta<br />

sociedade.<br />

O LAUDAMUS (do Glória), escrito já com o intuito<br />

de fazer brilhar o cantor, foi admiravelmente interpretado<br />

por Mme. Elvira Gudin, que soube conservar seu<br />

solo a altura da solenidade.<br />

O DOMINUS DEUS é um dueto cuja beleza foi traduzida<br />

com sentimento religioso por Mme. Candida Vianna<br />

e pelo Professor Carlos de Carvalho. O QUI SEDES é um<br />

solo de baixo em que predomina o elemento decorativo;<br />

mas a melodia principal é singela e de bonito corte, e<br />

podia facilmente ser acentuada e evidenciada, eliminando-se<br />

com vantagem aquele excesso de ornamentação.<br />

Nesta ária ouvimos a voz fresca e bem timbrada do Sr.<br />

Dr. Antonio Carlos de Arruda Beltrão, que desempenhou,<br />

com a distinção de costume, o solo que lhe foi confiado.<br />

Para não deixar em silêncio parte da festa, acrescentaremos<br />

que Mmes. Meira e Mello Moraes nos solos do<br />

CREDO de Theodoro Fach, Mme. Corina Rocha na AVE<br />

MARIA de Mariani e Senhorita Georgina Becker no O<br />

SALUTARIS de Massenet, confirmaram os créditos que<br />

conquistaram já como amadoras exímias. Presente "tout<br />

Rio"..., não é?<br />

Em outra ocasião (1. c. pág. 69) observa que a orquestra,<br />

demasiadamente resumida (falta de verba...) e áspera,<br />

ressentia-se da falta de ensaios. As vozes, porém,<br />

eram boas e disciplinadas, graças ao belo grupo de amadoras<br />

da nossa melhor sociedade, tão amorosamente dirigido<br />

pelo zelo e incansabilidade da Exma. Sra. D. Maria<br />

Nabuco, centro hoje de bem aproveitáveis elementos artísticos."<br />

25


D. Maria Nabuco, irmã do grande Joaquim Nabuco,<br />

solteirona, possuidora de bela voz, dedicou seus esforços<br />

à Religião e à Arte, seja na formação de corais de amadores,<br />

como ouvimos, seja dando freqüentadíssimos concertos<br />

de canto em benefício de igrejas em construção.<br />

Tanto que se dizia "que foi ela a verdadeira construtora<br />

da igreja do Sagrado Coração na rua Benjamin Constant",<br />

na Glória.<br />

Tanta boa vontade de colaborar não pôde ser repelida.<br />

Por outro lado, tinha de ser cumprida a lei. A solução<br />

foi distinguir entre liturgias oficiais e particulares,<br />

usando nas primeiras só vozes masculinas (pois vozes infantis<br />

só havia no coral do Cónego Alpheu), tanto em<br />

originais como em arranjos; e permitindo corais de vozes<br />

femininas em cerimônias não oficiais e em colégios e conventos<br />

femininos. H. Oswald, Fr. Braga, Barrozo Netto<br />

e Villa-Lobos, como Fr. Pedro, Fr. Basílio, Pe. Lehmann,<br />

F. Franceschini e outros escreveram para estas soluções.<br />

Compositores e Composições<br />

Com grande satisfação damos em seguida notícia dos<br />

compositores brasileiros e estrangeiros radicados no Brasil<br />

que escreveram Música Sacra no período em questão,<br />

e, com poucas exceções, no Rio de Janeiro.<br />

— Aragão, José de Souza — (*7/12/1819 — Cachoeira,<br />

Bahia — + 13/9/1904, Cachoeira) — violinista, professor<br />

de piano.<br />

7 Missas festivas — 2 Credos.<br />

— Araújo, João Gomes de (*5/8/1846, Pindamonhangaba,<br />

S. Paulo — + 8/9/1943, S. Paulo).<br />

6 Missas, entre as quais uma de S. Benedito, para a<br />

inauguração de igreja dedicada a este santo em Lorena.<br />

— Bahiense: Manuel dos Santos Santa Cruz (Bahiense)<br />

— (*14/6/1851, Laranjeiras, Sergipe — +20/12/<br />

1919?).<br />

26


Marcha fúnebre Pio X<br />

Ave Maria<br />

Outras peças de música sacra<br />

— Barretto, Homero Sá — (*25/3/1884, Cravinhos, S.<br />

Paulo — + 2/12/1924, Rio) — professor do Inst. Nac. de<br />

Música.<br />

Missa pro defunctis — Ecce Sacerdos Magnus — Kyrie<br />

— Ladainha — Ave Maria — poema sinfônico "Fiat lux".<br />

— Barrozo, Joaquim Antonio Netto — (*30/l/1881,<br />

Rio — + 1/9/1941, Rio).<br />

Canto "Jesus" — Ave Maria — Salutaris — Tantum<br />

ergo.<br />

Coro "Ó Jesu mi" — coro infantil com órgão: Oração a<br />

N. Senhora.<br />

Invocação a Jesus — Depois da comunhão<br />

Coro a seco (3 v.): Oração — Prece<br />

Coro a seco (4 v.): Ave Maria — Paz!<br />

Coro a seco (6 v.): Padre nosso<br />

— Braga, Francisco — (*15/4/1864, Rio — +14/3/<br />

1945, Rio).<br />

Missa S. Francisco Xavier: 4 v. m. e órgão — Missa<br />

S. Sebastião: 3 v. e orquestra — Te Deum: 4 v. e orquestra<br />

— Stabat Mater: 2 v. ig. e orquestra; texto do Barão<br />

de Paranapiacaba — Ave Maria: coro a capela — O salutaris:<br />

solo e harmónio — Jaculatória a N. S. da Penha —<br />

Trezenas de S. Francisco de Paula: 4 v. e orquestra — Pastoral<br />

de S. João — Ladainha de N. Senhora da Conceição<br />

— Gloria in excelsis Deo: solo e harmónio — Laudate<br />

Dominum: hinos — ò vos omnes: Paixão — Cântico para<br />

a l. a Comunhão: coro infantil — Cântico da coroação:<br />

coro infantil — Cântico ao Sagrado Coração de Jesus (texto<br />

de Affonso Celso: "Coração adamantino") — Hino a<br />

N. Senhora da Glória: coro e orquestra — Hino a Santa<br />

Rita (Affonso Celso) — Hino à Senhora Santana — Padre<br />

nosso: coro, solo e harmónio. — Hino a S. José (letra de<br />

José Agostinho): coro — Hino a N. Senhora de Lourdes<br />

27


(Affonso Celso) — Hino a S. Francisco Xavier (Barão de<br />

Paranapiacaba) — Hino a S. Sebastião (Barão de Paranapiacaba).<br />

Improviso — para grande órgão — Prelúdio, Pastoral<br />

a N. S. de Lourdes.<br />

Visitação: 2.° episódio da peça "Pastoral" com texto<br />

de Coelho Neto.<br />

— Bussmeyer, Hugo — (*26/2/1842, Brunswick, Alemanha<br />

—, -f 1/2/1912, Rio) pianista, estudou com Litolff,<br />

von Buelow. 1862 e 1876 no Rio para concertos. Nomeado<br />

por D. Pedro II. Mestre da Capela Imperial.<br />

Marcha fúnebre para piano — S. Petrus: ópera sacra.<br />

Magnificai (2 T, 2 B, orquestra) — 3 Te Deuns —<br />

Missa completa — Matinas de Natal.<br />

— Cernichiaro, Vincenzo — (* 23/7/1858, Torraco, Salerno,<br />

Itália — + 1928, Rio) — regeu na Candelária o "Requiem"<br />

de Verdi nas exéquias oficiais pelos mortos do<br />

encouraçado brasileiro "Aquidabã" — escreveu uma "Storia<br />

delia Musica nel Brasile dai Tempi Coloniali ai Nostri<br />

Giorni" (1549-1925).<br />

2 Ave Marias: canto e instrumentos de corda — Salutaris.<br />

— Eggers, Roberto (* 18/12/1899, Porto Alegre — + ?)<br />

— drama lírico "Missões" — poema sinfônico "A noite<br />

de Natal".<br />

— Fonseca, Euclides — (* 6/1/1864, Recife — + 31/12<br />

1929, Recife) — pianista, prof. da Escola Normal de Recife.<br />

Te Deum para solenizar a extinção da escravatura.<br />

— Franceschini, Furio — (*4/4/1880, Roma, Itália —<br />

+ 15/4/1976, S. Paulo) — aluno de Capocci, veio em 1908<br />

para o Brasil; organista da Catedral de S. Paulo e prof.<br />

no Seminário. Inaugurou o órgão da Catedral do Rio, em<br />

1915.<br />

Memorare (diatónico e cromático) — Missa "Aleluia"<br />

— Missa em Português — outras 6 Missas (uma a 8 v.,<br />

28


em 2 coros) — Te Deum: 4 v.m. e órgão — "Te Deum<br />

Azul" (fácil): 1 v. e órgão ou harmónio — Sete palavras<br />

para a 6. a Feira Santa — Hino do IV Congr. Eucarístico<br />

Nac. em S. Paulo — trechos para órgão ou harmónio —<br />

Introdução e Fuga para grande órgão sobre a palavra<br />

" Independência."<br />

Coleção de Cânticos Sacros em latim e em vernáculo<br />

(de vários autores).<br />

— Gianetti, Giovanni — (*25/3/1869, Nápoles — + 10/<br />

12/1934, Rio).<br />

Estudou em Viena e Milão — pianista, compositor, regente<br />

— ópera sacra "Cristo alia festa di Purim", calcada numa<br />

obra literária do filósofo italiano Giovanni Bovio, estreada<br />

aos 18/12/1904 no Rio — ópera sacra "II Nazareno".<br />

— Gomes, João (João Gomes de Araujo Júnior) —<br />

(*23/10/1971, Pindorama, S. Paulo — + 19/7/1963, S.<br />

Paulo).<br />

Filho do M.° João Gomes de Araújo, estudou em Milão.<br />

4 Missas: Terezinha de Jesus — N. S. da Aparecida —<br />

Santo Antônio — São Paulo.<br />

— Gondim, Zacharias — Thomaz da Costa — (*29/12/<br />

1851, Sobral, Ceará — + 13/12/1907, Fortaleza) — prof. de<br />

música, promotor, tabelião, advogado, deputado.<br />

Hino de N. Senhora de Lourdes — Missa solene em<br />

Sol: 4 v. — Te Deum em Sol: 4 v. — Tantum ergo —<br />

Motetes — Regina caeli: grande coral — Regina caeli<br />

simples — Ladainhas.<br />

— Gonzaga, Francisca Hedwiges (Chiquinha) —<br />

(+ 17/10/1847, Rio — + 28/2/1935).<br />

Antes da fase popular... escreveu, aos 11 anos a "Canção<br />

aos Pastores", com letra de um seu irmão de 7 anos.<br />

— Gouvéa, Arnaud Duarte de — (*agosto de 1865, S.<br />

João Nepomuceno, Minas — + 12/7/1942).<br />

Estudou órgão com Alberto Nepomuceno — foi organista<br />

da igreja da Cruz dos Militares.<br />

Ofertório para órgão<br />

29


— Gouveia, Agostinho Luiz de (*? — -f 9/9/1941, Rio).<br />

Ave Maria 4 v. m. — Ladainha de S. José — Missa<br />

Santa Isabel.<br />

— Guanabarino, Oscar — (*29/ll/1851, Niterói —<br />

+ 17/1/1937, Rio) — comédia para teatro(?) "Ave Maria."<br />

— Itiberê, Brasilio I. da Cunha — (*1848, Paranaguá,<br />

Paraná — 1913, Berlim) — diplomata de carreira e músico<br />

— tio de outro compositor, Brasilio I. da Cunha...<br />

Messe de Noel<br />

— Lachmund, Charley — (* 29/6/1877, New York —<br />

+ ?, Rio) — chegado em nov. de 1877 ao Rio, aqui se estabelece<br />

definitivamente em <strong>1910</strong>; pianista, professor de piano,<br />

história da música, estética musical.<br />

Ave Maria(s) — cantos sacros<br />

— Lehmann, Padre João Batista, SVD. — (*25/8/1873,<br />

Alemanha — + 1955, Rio).<br />

Rosas Eucarísticas (letra de Durval de Moraes) — Semana<br />

Santa — Hino do Congr. Eucar. de Belo Horizonte<br />

— Hinos diversos — peças para órgão — O órgão festivo,<br />

coleção de peças para órgão — Coleção de cânticos sacros<br />

"Harpa de Sião."<br />

— Limeira, Ernesto de Souza — (*25/5/1839, Itaparica,<br />

Bahia — + 1/8/1897, Valença).<br />

Diretor do Teatro S. João — prof. de música (harmonia,<br />

contraponto, fuga) no Liceu de Artes e Ofícios — pianista,<br />

tocando também violino e violão.<br />

5 missas festivas<br />

— Lobo, Elias Alvares — (*9/8/1834 — Itu, S. Paulo<br />

— +15/12/1901, S. Paulo).<br />

Missa — Te Deum<br />

— Mesquita, Amélia de — (*27/4/1866, Rio — +27/<br />

8/1954, Rio) — estudou órgão com Saint-Saens — profes-<br />

50


sora de órgão durante 25 anos no Instituto Benjamin<br />

Constant.<br />

Missa a 2 v. — 3 Salutaris — Padre Nosso — Motetos —<br />

6 Ave Marias.<br />

— Milanez, Abdon Felinto — (* 10/8/1858, Areias, Paraíba<br />

do Norte — + 1/4/1927, Rio.<br />

Diretor do Instituto Nac. de Música<br />

Missa a Santa Luzia — outras peças sacras<br />

— Nopomuceno, Alberto — (*6/6/1864, Fortaleza, Ceará<br />

— -}- 16/10/1920, Rio) estudos em Roma e Berlim; em<br />

Paris, órgão com Alexandre Guilmant — diretor do Inst.<br />

Nac. de Música — empenhado em divulgar a obra do Pe.<br />

José Maurício.<br />

Mater dolorosa, canto — Cantos Eucarísticos — Invocação<br />

à Cruz: coro a capela — Comunhão: para órgão — Sinos<br />

de Natal: página de álbum.<br />

Natal: 3.° episódio da ópera "Pastoral", com letra de Coelho<br />

Neto.<br />

— Nunes, Francisco — (* 14/5/1875, Diamantina, Minas<br />

Gerais — + 1934, Belo Horizonte).<br />

Professor e diretor do Inst. Nac. de Música — clarinetista<br />

Prelúdio, Coral e Fuga para orquestra<br />

— Oswald, Henrique (* 14/4/1852, Rio — + 9/6/1931,<br />

Rio).<br />

Missa: 4 v. m., órgão e orquestra — Missa de Requiem:<br />

4 v. m. a capella — Ave Maria: 4 v. — O salutaris 4 v. —<br />

Memorare: 4 v. — Tantum ergo: 3 v. — Tantum ergo: 4 v.<br />

— Pater noster 4 v. — Veni Sancte Spiritus — 3 v. — Magnificat<br />

— 4 v. e órgão — Sonata para órgão — "Anunciação"<br />

— 1.° episódio da "Pastoral" com letra de Coelho<br />

Neto.<br />

— Pastor, Estefania de Freitas (*6/9/1843, Maranhão<br />

— + 27/9/1913, Paris) — pianista, professora de música<br />

— compositora.<br />

31


Salutaris para a primeira comunhão na igreja de Grenelle,<br />

França.<br />

— Pedrosa, Luiz (* 26/12/1854. Rio — + 18/7/1925,<br />

Rio) — de família pobre, estudou no Arsenal da Marinha<br />

e no Inst. Nac. de Música.<br />

Missa: 4 v. e grande orqu., dedicada a D. Pedro II — Missa<br />

Santa Rosa (nome da progenitora) — Credos — Te Deuns<br />

— Ave Marias — Salutaris — Tantum ergo — Tríduos —<br />

Septenários — Novenas — Trezenas — Jaculatórias — Hinos<br />

— Marchas — Ladainhas — Motetes — Ecce Sacerdos<br />

— Prelúdios para órgão.<br />

— Pereira, Elpídio — (* 16/10/1872, Caxias, Maranhão<br />

— + 13/4/1961, Rio) — estudos musicais no Brasil e em<br />

Paris — Cônsul do Brasil na França e na Inglaterra.<br />

Missa a N. S. da Conceição<br />

— Pereira, Dr. Victor.<br />

Mestre — capela e organista da Catedral do Rio, id. da<br />

Colegiada de S. Pedro — Autor dum Tratado de Modulação.<br />

O Cor Jesu para vozes de meninos, T, Bar, B e órgão.<br />

— Porto Alegre, Ignácio Francisco de Araújo — (*26/<br />

10/1854, — + 16/10/<strong>1900</strong>, Rio) — filho de Manuel A. P.<br />

Alegre — estudou na Europa — prof. de solfejo e canto<br />

coral do Inst. Nac. de Música.<br />

Corais — peças para órgão — música sacra para orquestra.<br />

— Rebouças, Alípio — (+ 1851, Bahia — + 1881, Bahia)<br />

— flautista.<br />

Missas festivas — Requiem — Te Deum<br />

— Reis, Júlio Cesar do Lago — (*23/10/1870, S. Paulo<br />

— + 1933, Rio).<br />

Ave Maria: para piano e coros, apresentada numa festa<br />

de Santa Cecília na igreja do Smo. Sacramento do Rio,<br />

sob a regência do M.° Henrique Alves de Mesquita (1883)<br />

— Marcha triunfal para órgão, para o Jubileu do Papa<br />

Leão XIII, executada em Roma, em 1887.<br />

52


Órgão da Coroa, no Mosteiro de São Bento, Rio de Janeiro


— Republicano, Antônio Assis — (M5/11/1897, Porto<br />

Alegre, — + 26/5/1960, Rio) — aluno de Fr. Braga e Agnelo<br />

França no Inst. Nac. de Música.<br />

ópera "A Natividade de Jesus" (A Vida de Jesus), com<br />

libreto do Conde de Afonso Celso, estreada em 25/3/1937<br />

no Teatro Municipal do Rio, mas já escrita durante o<br />

tempo de estudos.<br />

— Roewer, Frei Basilio, OFM — (* 2/11/1877, Neviges,<br />

Alemanha — + 19/8/1958, Rio) — chegou em 1894 ao<br />

Brasil — trabalhou em Salvador e no Rio — comentário<br />

do Motu Proprio de Pio X — também historiador — Missas<br />

— Ladainhas — Hinos — Motetes — Semana Santa —<br />

cânticos sacros — Cantata "Santa Inês" — Ave Maria.<br />

— Santos Lima, José Joaquim, dos (* 18/5/1880, Rio<br />

h ?) — órfáo no Inst. Profissional João Alfredo, aulas<br />

de Fr. Braga — prof. de música no Colégio Militar, Asilo<br />

Gonçalves de Araújo — Nênia: canto fúnebre — Missa<br />

Sagrado Coração de Jesus: 2 v. — Ave Maria — Salutaris<br />

— Panis Angelicus — Hino a N. S. de Lourdes.<br />

— Sinzig, Frei Pedro, OFM — (* 29/1/1876, Linz, Alemanha<br />

— + 8/12/1952, Duesseldort, Alemanha) — chegado<br />

em 1893 no Brasil, trabalhou em Salvador (pacificador<br />

no conflito de Canudos), Blumenau, Lajes, Rio.<br />

85 obras musicais — 55 literárias — 5 traduções — direção<br />

de 13 periódicos — colaborou em 21 revistas nacionais e<br />

estrangeiras.<br />

10 Missas — 10 Ladainhas — Motetes — Te Deum — Marchas<br />

de Procissão.<br />

Cantatas: Maria Santíssima, S. Francisco de Assis, Santa<br />

Cecília.<br />

Oratório "Natal" — ópera "Frei Antônio" (com o M.° Maximiliano<br />

Hellmann) — 3 hinários: Benedicite, Sursum<br />

corda, Cecília.<br />

livros didáticos — Escola de Música Sacra-rev. "Música<br />

Sacra" — Editora Sta. Cecília.<br />

— Torres, Miguel dos Anjos Sant'Anna — (* 16/12/<br />

1837, Bahia — + 16/7/1902).<br />

31


16 Missas festivas — 1 Requiem — 8 Te Deum — 9<br />

novenas — 7 credos — 10 Tantum ergo — 5 Ecce Sacerdos<br />

— 4 Ave Maria — 12 Hinos — Salmos — Marchas fúnebres.<br />

— Velasquez, Glauco — (*23/3/1884, Nápoles — + 21/<br />

6/1914, Rio) — nasceu em Nápoles, mas é brasileiro.<br />

Ave Maria — A Virgem Santíssima — 5 Padre-nosso.<br />

— Villa-Lobos, Heitor — (* 5/3/1887, Rio — + 17/11/<br />

1959. Rio).<br />

Em 1909 a l. a das 15(19?) Ave Marias: canto a 1, 2 v.<br />

— 4 v. m., com órgão, cordas, orquestra — Ave verum —<br />

Bendita sabedoria (6 corais) — Cor dulce, cor amabile<br />

— O Cor Jesu — Hino a Sto. Agostinho — Kyrie — Magnificai<br />

— Aleluia: orquestra, solo, coro misto — 8 marchas<br />

religiosas: orquestra — 8 Marchas solenes — 2 Memorare<br />

— Missa S. Sebastião — Missa Vida pura — 3 Padre-nosso<br />

— 2 Panis Angelicus — 3 Salutaris — Sub tuum praesidium<br />

— 3 Tantum ergo — Praesepe (texto do P. Anchieta,<br />

Ed. Vitale) — coleção "Música Sacra."<br />

É, porque não dizer, surpreendentemente grande o<br />

número e a categoria das composições, incluindo os maiores<br />

nomes da época, sinal do valor intrínseco do tema<br />

religioso como fonte de inspiração e, como dissemos acima,<br />

de motivação pela certeza de execução freqüente.<br />

órgãos<br />

Não se pode falar em Música Sacra sem falar do órgão.<br />

Assim também pensou Leopoldo Miguez ao incluir esta cátedra<br />

nos programas do "Instituto <strong>Nacional</strong> de Música" a<br />

partir de 1890. E, saindo da teoria para a prática, destinou<br />

os 20.000$000 do 1.° prêmio, concedido a ele pela composição<br />

do "Hino da Proclamação da República", à aquisição<br />

dum órgão para o Instituto (reformado e ampliado<br />

em 1954 sob a direção da professora Joanídia Sodré). Emilio<br />

Lamberg (1863-1914), filho dum austríaco e nascido<br />

em Pernambuco, que foi estudar em Viena piano e órgão,<br />

32


e outra vez órgão com Guilmant em Paris; voltando em<br />

1887 ao Brasil (após ter desertado do serviço militar austríaco)<br />

foi por ordem de Leopoldo Miguez à Europa para<br />

acompanhar a construção deste órgão.<br />

Em 1895 foi nomeado professor dessa matéria Alberto<br />

Nepomuceno que, apesar de já ter estudado bem este instrumento,<br />

foi novamente a Paris para se aperfeiçoar com<br />

o célebre organista e compositor F. A. Guilmant.<br />

É com certa tristeza que falamos do órgão. No Rio<br />

antigo, anterior aos nossos dias, havia órgãos em tantas<br />

igrejas: Capela Imperial, posteriormente Catedral Metropolitana,<br />

para a qual D. Arcoverde adquiriu um bom instrumento<br />

da Casa Walcker, Alemanha e que foi inaugurado<br />

em 1915 por F. Franceschini — Mosteiro de S. Bento<br />

— Convento de Sto. Antônio (os dois últimos reformaram<br />

e ampliaram os órgãos) — Candelária — S. Pedro —<br />

N. S. da Lapa dos Mercadores — Lapa do Desterro — N.<br />

S. Mãe dos Homens — N. S. da Lampadosa — Senhor Bom<br />

Jesus do Bonfim e N. S. do Paraíso — SS. Sacramento<br />

— N. s. do Outeiro da Glória — Bom Jesus do Calvário —<br />

Santana — Cruz dos Militares (posterior reforma e ampliação)<br />

— s. Francisco de Paulo — S. João Batista da<br />

Lagoa.<br />

Referentes ao período <strong>1900</strong>-1010 conhecemos alguns<br />

nomes de organistas:<br />

1 — Alberto Nepomuceno (1864-1920) no Inst. Nac. de<br />

Música;<br />

2 — Arnaud Duarte de Gouvea (1865-1942), seu discípulo,<br />

na igreja da Cruz dos Militares;<br />

3 — Frederico Guigon (1839-1901), ainda da Capela Imperial,<br />

onde sucedeu a seu pai, nomeado por D.<br />

Pedro II e do qual ainda falaremos;<br />

4 — Cónego José Alpheu Lopes de Araújo (1871-1941) na<br />

Matriz de Santana;<br />

5 — Emilio Lamberg (1863-1919) no Inst. Nac. de Música;<br />

6 — Amélia de Mesquita (1866-1954) — no Instituto Benjamin<br />

Constant;<br />

7 — Henrique Alves de Mesquita (1836-1906) na igreja<br />

de S. Pedro;<br />

33


8 — Luiz Pedrosa (1854-1925) na igreja de S. Pedro, indicado<br />

por seu mestre, Henrique A. de Mesquita;<br />

9 — Victor Pereira, na Catedral Metropolitana e na Colegiada<br />

de S. Pedro;<br />

10 — Frei Pedro Sinzig, OFM (1876-1952) — no Convento<br />

de Sto. Antônio, na Escola de Música Sacra;<br />

11 — Antônio Severino da Costa na igreja do Bom Jesus<br />

do Bonfim e N. S. do Paraíso.<br />

Que aconteceu com estes órgãos? Alguns, como o da<br />

Escola de Música e do Mosteiro de S. Bento, funcionam.<br />

Outros são desafinados, mudos, desmontados, encaixotados,<br />

postos de lado, substituídos por órgãos eletrônicos.<br />

Os motivos para isso são vários. O principal é falta de<br />

verdadeiro interesse e compreensão que venceriam qualquer<br />

obstáculo. Outro é: não há órgãos, porque não há<br />

organistas (e não há organistas, porque não há órgãos...)<br />

O maior problema é a manutenção: instrumento complexo,<br />

necessita de uma revisão geral pelo menos de seis em<br />

seis meses; e de um profissional à disposição a qualquer<br />

momento necessário.<br />

Os antigos eram práticos: Pedro Guigon, pai de Frederico<br />

G. (* 1803, Lyon, França — + 1862, Rio), foi nomeado<br />

por D. Pedro II organista da Capela Imperial, vencendo<br />

500S00Q anuais, porém com a obrigação de consertar o<br />

órgão da mesma, fazendo ele todas as despesas., e "sujeito<br />

a ser despedido logo que deixe de bem servir" (e<br />

deixar o órgão mudo...)<br />

Mas para consertar (ou melhor: construir) um órgão,<br />

é preciso aprender esta arte difícil. Quem aprende é<br />

aprendiz. E hoje só há mestres... Confundem a obrigação<br />

social de tratar bem um aprendiz com a possibilidade de<br />

existir "debaixo" dum mestre um aprendiz. O resultado é<br />

que só temos negociantes que vendem um instrumento.<br />

E quando este falha: que se compre um outro, novo...<br />

Da mesma forma tratou um Sr. João Alves Pinto (*no<br />

Rio), bacharel em letras, pianista amador, empregado na<br />

Casa Buschmann e Guimarães, do piano, traduzindo de<br />

C. Dusseil o "Tratado Elementar de Afinação de Piano".<br />

O citado Pedro Guigon, além de organista e professor<br />

de música no Seminário S. José, começou em 1849 uma<br />

34


"fábrica de órgãos, harmónios e realejos"; uma casa de<br />

impressão e venda de músicas, de aluguel de pianos (marca<br />

Pleyel)." A viúva, o filho e o neto mantiveram a casa,<br />

com novos sócios, até 1907.<br />

Editoras<br />

Assim já tivemos no Rio de <strong>1910</strong> Casas de músicas,<br />

e Editoras de músicas:<br />

1 — Pedro Guigon e sucessores;<br />

2 — Casa Preale "na antiga travessa do teatro";<br />

3 — Casa Artur Napoleão, de músicas e pianos (incenti-<br />

vada pelo famoso pianista e compositor) ;<br />

4 — Casa Vieira Machado;<br />

5 — Casa Bevilacqua: pianos, harmónios e músicas;<br />

6 — Casa Castro Lima;<br />

7 — Casa Carlos Wehrs.<br />

No Rio de hoje, 6 vezes maior do de <strong>1910</strong>, temos 3<br />

filiais de Editoras (com sede em S. Paulo) e umas 4 que<br />

vendem músicas e instrumentos...<br />

Sociedades musicais<br />

Ao contrário do tempo colonial e da Corte Imperial,<br />

foi em nosso período praticada a música por profissionais<br />

e amadores em sociedades particulares: Clube Mozart —<br />

Clube Beethoven — Clube Sinfônico — Centro Artístico<br />

— Centro Musical — Sociedade Filarmônica — Sociedade<br />

Quartetos clássicos, mantendo alguns deles cursos regulares<br />

de música para seus sócios.<br />

Ensino<br />

Assim podia-se estudar música, fora do Instituto <strong>Nacional</strong><br />

de Música (e de seus antecessores: Conservatório de<br />

Música — seção de Música na Academia Imperial de Be-<br />

35


las Artes) também nas entidades: Sociedade de Música<br />

— Imperial Instituto de Meninos Cegos — Instituto Benjamin<br />

Constant — Imperial Colégio Pedro II — Seminário<br />

Episcopal S. José — Liceu de Artes e Ofícios — Asilo dos<br />

Meninos Desvalidos (Instituto Profissional João Alfredo)<br />

— Colégio Militar — Asilo Gonçalves Araújo da Irmandade<br />

da Candelária.<br />

Muitos dos melhores músicos e compositores ou saíram<br />

destes institutos ou neles lecionaram.<br />

Sinos e sua linguagem<br />

Se a Música Sacra tem por função solenizar os atos<br />

litúrgicos, os sinos tocam "para anunciar ao povo as festividades<br />

e chamá-lo para as funções sagradas." (Canon<br />

1169 do Direito Canãnico). Por isso são bentos solenemente<br />

pelo bispo e é desejado que toda igreja ou capela<br />

tenha um ou mais sinos. Ainda hoje fazem parte da vida<br />

comunitária, seja urbana, seja rural. E quando, no intuito<br />

de diminuir a "poluição sonora" (das buzinas, dos tocadiscos<br />

e dos alto-falantes..) alguns padres aboliram os toques<br />

tradicionais do sino nas "Ave Marias" — de manhã,<br />

ao meio dia e à tardinha — um grupo de leigos procurou<br />

o Arcebispo, pedindo corrigir isso e voltar ao costume antigo<br />

"para humanizar a cidade".<br />

Se isso acontece hoje, podemos imaginar a importância<br />

dos sinos no Rio de <strong>1910</strong>, quando a vida do povo estava<br />

muito mais unida à religião em todas as suas manifestações,<br />

mesmo cívicas e civis.<br />

Os sinos anunciaram — e anunciam ainda hoje — o<br />

início das funções religiosas, tocam de forma mais solene<br />

nas vésperas dos domingos e festas (feriados...), lembram<br />

3 vezes por dia o "Angelus", o anúncio do anjo a<br />

Nossa Senhora.<br />

Mas no passado tinham ainda outras atribuições, pois<br />

por faltar outros meios de comunicações serviram otimamente<br />

para este fim mediante convenções familiares a<br />

todos: festas cívicas — perigo em caso de guerra — necessidade<br />

de ajuda para apagar um fogo — nascimentos<br />

e mortes.<br />

36


Isso exprimem as inscrições em latim que os sinos<br />

costumam receber na hora da fundição. Eis algumas:<br />

1 — Laudo Deum verum, populum voco, congrego clerum<br />

(Louvo a Deus verdadeiro, convoco o povo, congrego<br />

o clero);<br />

2 — Defunctos pioro, pestem fugo, festa decoro (Choro os<br />

defuntos, afugento a peste, decoro as festas);<br />

3 — Funera plango, fulmina frango, sabbata pango (Choro<br />

os funerais, parto os raios, anuncio os sábados);<br />

4 — Excito lentos, dissipo ventos, paco cruentos (Apresso<br />

os lentos, dissipo os ventos, aplaco os cruentos);<br />

(Pastoral Coletiva dos Bispos do Brasil, 1915, n.° 778)<br />

Havia no passado ainda costumes hoje em desuso: o<br />

"Viático", isso é, a Santa Comunhão para a derradeira<br />

viagem, foi levada com bastante solenidade ao enfermo,<br />

acompanhando um grupo de fiéis, munidos de tochas, o<br />

sacerdote. Um sinal de sino anunciava a saída desta procissão<br />

da igreja, convocando a quem quisesse acompanhá-la.<br />

No interior, em localidades menores, ainda há o mesmo<br />

costume do Rio de <strong>1910</strong>: "dobrar" o sino para anunciar<br />

o falecimento dum paroquiano. Claro que isso torna-se<br />

um tanto difícil numa cidade grande, ainda mais<br />

em tempos de epidemia, como na da febre amarela de<br />

1850, quando a autoridade civil fez com que se evitasse<br />

impressionar os doentes com o toque continuado de sinais<br />

de morte.<br />

Havia lugar para abusos também quanto ao número<br />

de toques. Previstos eram tantos para falecidos masculinos,<br />

tantos para femininos. O sacristão recebia uma gratificação<br />

por este serviço extra; e quando a família tinha<br />

gosto em gastar, ele não hesitava de tocar mais de uma<br />

vez. Interveio a Sociedade de Medicina; o Ministro de<br />

Justiça escreve (1834) ao Vigário Capitular e lembra a<br />

Constituição da Bahia sobre "número de sinais, curta<br />

duração, somente na igreja onde o defunto era freguez"<br />

e é prontamente atendido.<br />

Interessante é que, em algumas épocas, anunciaram<br />

também, certamente com um sino diferente daquele dos<br />

37


defuntos, os nascimentos: com 9 badaladas para meninos<br />

e 7 para meninas (como os tiros de canhão para príncipes<br />

e princesas...). Era a parteira que providenciava isso, pagando<br />

ao sacristão entre 4 vinténs e meia pataca, dando<br />

com isso oportunidade aos amigos de visitar a casa feliz,<br />

levando presentes.<br />

É Vieira Fazenda que conta isso em crônicas, escritas<br />

em 1908, publicadas na Rev. do IHGB em 1923.<br />

E ainda fala do "sino do Aragão" que acorda às 4<br />

horas da madrugada para o trabalho os caixeiros e empregados<br />

do comércio. Que tempos! Se bem que dizem<br />

que também hoje certas pessoas que vêm do subúrbio, da<br />

mesma forma têm de levantar a esta hora para chegar<br />

em tempo no emprego, com ou sem sino.<br />

Com tanta importância dada à comunicação pelo sino<br />

era natural que todos se esforçassem para reconhecer a<br />

mensagem. E Vieira Fazenda escreve bem-humorado:<br />

"... a velha D. Justiniana conhecia pelo ouvido os sons<br />

de todos os sinos desta cidade... "Lá está S. Bento chamando<br />

os frades para o coro — Aquilo é sinal de defunto<br />

em Sta. Rita — Ouçam, são 4 horas, e as freiras de Sta.<br />

Tereza parecem pedir um vintém aos frades barbadinhos.<br />

Estes respondem: "Capuchinho não tem, Capuchinho não<br />

tem" — Porque estaria roncando hoje o sino grande da<br />

Capela Imperial? Já sei, anuncia o tríduo de S. Sebastião<br />

— Aquele sininho esganiçado é de S. Pedro. Não se pode<br />

confundir com o da Candelária. Ambos anunciam que vai<br />

também começar o coro."<br />

Menos contente ele fica com os sinos da igreja do<br />

Carmo e diz: "no mês de julho (festa de N. S. do Carmo)<br />

e outubro (N. S. do Rosário) é verdadeiro milagre como,<br />

neste tempo, os empregados da Silva Araujo, Granado e<br />

Giffoni têm cabeça para compor e preparar poções, pílulas,<br />

xaropes e vinhos reconstituintes." (1. c.)<br />

Mas se consola: "Assim como há sinos cacetes, outros<br />

existem inofensivos; os da Ajuda, por exemplo (vizinhos<br />

da Bibi. Nac.!) soam tão surdamente no interior do convento,<br />

que mal são ouvidos. Ao menos, não martirizam os<br />

tímpanos dos freqüentadores da Avenida Central, do Passeio<br />

Público, da Avenida Beira-Mar e até no Palácio<br />

Monroe."<br />

38


Hoje os sinos geralmente são acionados por motores.<br />

Sem estes é necessário puxar uma corda para movimentar<br />

o sino, seguro por braçadeiras de ferro ao "cabeçalho" de<br />

madeira, peça esta que é puxada para balançar sobre um<br />

eixo, e com ela o sino. Se o sino pesa centenas de quilos<br />

(o maior da Lapa dos Mercadores pesa 763,50 kg, mais 77<br />

de cabeçalho, mais 77 de ferragem,), o "sineiro" é levantado<br />

do chão e precisa de muita destreza para controlar<br />

os movimentos do sino, principalmente no início e no fim.<br />

Por outro lado constitui isso um divertimento para a molecada<br />

que se apressa em "ajudar" o sineiro. Mas pode<br />

acontecer — como aconteceu — que suas exibições imprudentes<br />

os façam perder o equilíbrio e a segurança, sendo<br />

lançados pela força do movimento pelas janelas da<br />

torre. Assim "um, arrojado da torre de S. Francisco (de<br />

Paulo), veio despedaçar-se de encontro às pedras do largo."<br />

E outro "caindo da torre de S. Pedro, ficou espetado na<br />

gradaria do templo". (Sempre Vieira Fazenda).<br />

Carrilhões<br />

Sinos tão queridos, em tamanhos diferentes, para formar<br />

sons mais agudos ou mais graves da escala diatónica<br />

e cromática, em mãos habilidosas se prestam para servir<br />

de instrumento musical: O "Carrilhão", apto para executar<br />

peças musicais. Hoje o mais conhecido e afamado<br />

é o da igreja de S. José. Há outro, no Santuário da Penha,<br />

ao qual, contudo, falta quem o saiba tocar. Em redor de<br />

<strong>1910</strong> o Ferreira Velho encantava a todos executando músicas<br />

diversas no carrilhão da igreja de S. José. A igreja<br />

da Lapa dos Mercadores pôde dispor durante 34 anos da<br />

arte de seu sineiro Luís Augusto da Silva (+ 1907) que fez<br />

tocar e cantar os 12 sinos importados de Lisboa pela importância<br />

de 400$000.<br />

Tudo certo, importante e interessante. Porém, mais<br />

uma vez D. João VI rouba a cena: foi dele a primeira<br />

idéia de formar um carrilhão. Tirou sinos daqui e dali e<br />

os levou para sua "Capela Real", recebendo manifestações<br />

39


escritas de "satisfação em poder servir a S. Alteza", provavelmente<br />

nem sempre de acordo com os verdadeiros<br />

sentimentos dos — negativamente — contemplados.<br />

Sinos em nomes de jornais<br />

Com tanta repercussão dos sinos na vida da cidade é<br />

compreensível que jornais se inspiravam nos sinos para<br />

formar seu título: "Sineta da Misericórdia" — "Sineta do<br />

Teatro" — "Sino da Lampadosa" — "Sino dos Barbadinhos".<br />

óperas<br />

Um gênero de Música, se não "Sacra", pelo menos<br />

"religiosa" deste período não deixa de apresentar surpresa:<br />

óperas com libreto sacro. Escritas para o teatro,<br />

com a técnica apropriada, mas respeitando rigorosamente<br />

0 tema sacro.<br />

1 — "Pastoral:" texto de Coelho Neto que confiou a quatro<br />

dos melhores compositores da época a parte musical<br />

do prelúdio e dos 3 episódios:<br />

Prelúdio: Santana Gomes<br />

1.° episódio: Anunciação: Henrique Oswald<br />

2.° episódio: Visitação: Francisco Braga<br />

3.° episódio: Natal: Alberto Nepomuceno.<br />

Este último regeu a peça na estréia no Teatro S. Carlos de<br />

Campinas, S. Paulo, no dia 25/12/1903.<br />

2 — "Missões" (Redução dos jesuítas no Rio Grande), de<br />

Roberto Eggers;<br />

3 — "Cristo alia festa de Purim", de Giovanetti Gianetti,<br />

estreada no Rio em 19/12/1904;<br />

4 — "II Nazareno", do mesmo autor;<br />

5 — "A Natividade de Jesus" (A Vida de Jesus"), de Antônio<br />

de Assis Republicano; com libreto do Conde<br />

40


de Afonso Celso. Foi estreada no Rio em 25/3/1937<br />

no Teatro Municipal, mas escrita no tempo em que<br />

o autor estudava no Instituto Nac. de Música;<br />

6 — "O Ermitão da Glória" — do mesmo autor; com libreto<br />

de Modesto de Abreu — inédita;<br />

7 — "S. Petrus", Hugo Bussmeyer, Mestre da Capela Imperial;<br />

8 — "Ave Maria", de Oscar Guanabarino. Iza de Queiroz<br />

fala de uma "comédia para teatro". De que tipo será?<br />

9 — "Jesus", ópera em 3 atos, de Heitor Villa-Lobos, com<br />

libreto de Goulart de Andrade — inédita.<br />

Música Sacra e os grandes eventos da época<br />

A Música Sacra é por sua própria natureza uma arte<br />

comunitária, porque se destina principalmente a prestar<br />

colaboração artística nas manifestações religiosas coletivas.<br />

Com isso participa dos grandes eventos nacionais e,<br />

eventualmente, internacionais.<br />

Assim escreveu Fonseca Euclides um "Te Deum" para<br />

solenizar a extinção da escravatura. O "Requiem" de Mozart<br />

foi executado, sob a regência de J. M. Santa Rosa, na<br />

missa celebrada no Campo de Santana pelos soldados mortos<br />

na Guerra do Paraguai, merecendo, por outro lado a<br />

celebração da vitória do compositor Rafael Coelho Machado<br />

um "Te Deum", executado na igreja de S. Francisco<br />

da Penitência durante a celebração litúrgica.<br />

Cernichiaro regeu em 1906 o "Requiem" de Verdi nas<br />

exéquias oficiais pelos mortos do encouraçado brasileiro<br />

"Aquidabã". E F. Franceschini comporá sua "Introdução<br />

e Fuga" para Grande órgão sobre a palavra "Independência".<br />

Manoel dos Santos Santa Cruz (Bahiense) escreveu<br />

uma "Marcha fúnebre Pio X" (1846-1878), cabendo a<br />

Júlio Cesar do Lago Reis a autoria da "Marcha Triunfal"<br />

41


para órgão, composta por ele para as festas do jubileu<br />

do Papa Leão XIII (1878-1903), chegando a ser executada<br />

em Roma.<br />

Da mesma forma desejamos nós participar com estas<br />

modestas notas sobre Música Sacra das comemorações festivas<br />

dos 70 anos de atividades da <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong> no<br />

prédio da "Avenida Central", cuja Seção de Música tanto<br />

ajuda a todos nós que nos interessamos pela Música. E<br />

achamos por bem, de doar — como presente de aniversário<br />

— manuscritos musicais, autógrafos e fotografias autografadas<br />

de músicos na certeza de que outros tirarão proveito<br />

deles no acervo tão bem, cuidado, como nós encontramos<br />

ajuda preciosa em material e pessoal.<br />

BIBLIOGRAFIA<br />

Möns. Antônio Alves Ferreira dos Santos. A Archidiocese de<br />

S. Sebastião do Rio de Janeiro. Tip. Leuzinger, Rio, 1914.<br />

Anuário da Arquidiocese do Rio de Janeiro. Cúria Metropolitana.<br />

1980. ll. a edição.<br />

Pe. Dr. Guilherme Schubert. A Província Eclesiástica do Rio<br />

de Janeiro. Livraria AGIR Editora, Rio de Janeiro, 1948.<br />

Möns. Guilherme Schubert. A Música Sacra na História da<br />

Música. Editora Electra, Rio de Janeiro, 1970.<br />

Renato Almeida. História da Música Brasileira. 2. a edição, F.<br />

Briguiet & Co., Editores, Rio de Janeiro, 1942.<br />

Enciclopédia da Música Brasileira Erudita, Folclórica, Popular.<br />

Art Editora Ltda., S. Paulo, 1977.<br />

Padre Agnelo Rossi. Diretório Protestante no Brasil, Tipografia<br />

Paulista, Campinas, 1938.<br />

Luiz Heitor Corrêa de Azevedo. Relação das óperas de Autores<br />

Brasileiros. Edição do Min. de Educação e Saúde, Rio de<br />

Janeiro, 1938.<br />

Pe. José Geraldo de Souza. Apontamentos de Música Sacra.<br />

Livraria Salesiana Editora, S. Paulo, 1950.<br />

H


Maria Luísa de Queirós Amâncio dos Santos (Iza de Queirós<br />

Santos). Origem e Evolução da Música em Portugal e sua<br />

Influência no Brasil. Imprensa <strong>Nacional</strong>, Rio de Janeiro,<br />

1942.<br />

Frei Pedro Sinzig, OFM. A Música Sacra no Brasil in: Revista<br />

"Música Sacra", Petrópolis, 1946.<br />

Frei Pedro Sinzig, OFM. Notas sobre a Música Sacra no Rio<br />

in: "A Província Ecles. do Rio de Janeiro" (vide supra).<br />

Vieira Fazenda. Os Sinos do Rio de Janeiro in: Revista do Instituto<br />

Geográfico Brasileiro (IHGB), 1923.<br />

Visconde de Taunay. Dois Artistas Máximos José Mauricio e<br />

Carlos Gomes. Editora Comp. Melhoramentos de S. Paulo,<br />

1930.<br />

Frei Basilio Roewer, OFM. Música Sacra ou Comentário do<br />

Motu Proprio de Sua Santidade Pio, pp. X. Tip. do Colégio<br />

São José, Petrópolis, 1907.<br />

Vincenzo Cernichiaro, Storia delia Música nel Brasile, dai Tempi<br />

Coloniali ai Nostri Giorni (1549-1923) Stab. Tip. Edit.<br />

Fratelli Riccioni, Milano, 1926.<br />

43


A IGREJA NO INÍCIO DO SÉCULO XX<br />

Américo Jacobina Lacombe


O decreto de 7 de janeiro de 1890, que separou a<br />

Igreja do Estado, ou — mais explicitamente — que proibiu<br />

às autoridades federais e estaduais regulamentarem,<br />

ou impedirem alguma religião foi resultado de um sério<br />

entendimento entre Rui Barbosa, então vice-chefe do Governo<br />

e D. Antônio de Macedo Costa, Bispo do Pará e<br />

maior expressão do episcopado nacional. Não poderia ser<br />

um acordo perfeito entre as duas partes. O documento<br />

fundamental para interpretação do texto legal é a carta<br />

dirigida pelo bispo ao ministro em 22 de dezembro de<br />

1889. 1 Mas de qualquer maneira, disse o bispo, vindouro<br />

Primaz do Brasil, "A Igreja do Brasil ganhou imenso",<br />

"Ganhou imenso, ganhou a liberdade que não tinha!"<br />

Em conseqüência, a Pastoral Coletiva de 19 de março<br />

de 1890, 2 resultado da primeira reunião do episcopado<br />

brasileiro em sua história, é uma clarinada de vitória<br />

diante do poder político que, poucos anos antes, encarcerava<br />

dois prelados por seguirem fielmente a orientação do<br />

Pastor Universal:<br />

"Acabamos de assistir a um espetáculo que assombrou<br />

o universo... um trono afundado de repente<br />

no abismo que princípios dissolventes, medrados à<br />

sua sombra, em poucos anos lhe cavaram! Desapareceu<br />

o trono... E o altar? O altar está em pé, amparado<br />

pela fé do povo e pelo poder de Deus."<br />

i F. de Macedo Costa: Lutas e vitórias. Bahia. Dois Mundos,<br />

<strong>1910</strong>. p. 101.<br />

* O Episcopado brasileiro ao clero e aos fiéis da Egrsja<br />

do Brazil. São Paulo, J. Seckler, 18S0.<br />

45


Nem todos pensaram tão otimisticamente. Nabuco, por<br />

exemplo, já então católico integral, via com temor o que<br />

ele considerava a laicização do país. A maioria, porém,<br />

encarou a medida como um passo à frente. Monsenhor<br />

Manuel Barbosa, num livro que é uma das melhores sínteses<br />

da história eclesiástica do Brasil, denomina o decreto<br />

de 7 de janeiro "a carta de alforria da Igreja Brasileira."<br />

3<br />

A Igreja es'íava pobre. O clero deixava de receber as<br />

côngruas, provenientes dos pingues dízimos pagos ao patrono<br />

que era o Imperador, Grão-Mestre da Ordem de<br />

Cristo. Alguns bispos não tinham sequer onde instalar os<br />

pomposamente chamados "Palácios Episcopais". A maior<br />

parte aboletava-se nos conventos das agonizantes ordens<br />

religiosas. Os párocos iam passar a viver das espórtulas<br />

dos fiéis. Ricas eram as Ordens Terceiras e as Irmandades,<br />

cujo patrimônio incluía numerosos templos, hospitais<br />

e asilos e cuja propriedade ficava iníacta. Mas nada<br />

disso valia a liberdade da escolha dos bispos, a cessação<br />

da interferência nas paróquias e nos cabidos, as determinações<br />

dentro da liturgia. Era, acima de tudo, a possibilidade<br />

de se reconstituir o clero regular, reduzido quase<br />

à extinção. A proibição do noviciado esvaziara os conventos.<br />

Renunciar ao mundo para consagrar-se a uma vocação<br />

religiosa parecia a todos um desatino.<br />

Há poucos documentos tão melancólicos para uma<br />

alma cristã como a carta de Monte Alverne a Gonçalves<br />

de Magalhães quando percebeu neste uma tendência para<br />

o claustro. A sombra de Junqueira Freire perpassa por<br />

aquelas linhas tenebrosas. 4 Era no próprio seio das comunidades<br />

que se instalara a descrença na restauração do<br />

espírito religioso.<br />

E no entanto o milagre se realizou. A hierarquia não<br />

íò se manteve como se desdobrou e se expandiu em ações<br />

3 Manuel Barbosa: A Igreja no Brasil. Rio, A Noite,<br />

1945, p. 31.<br />

* Domingos José Gonçalves de Magalhães. "Biografia do<br />

padre-mestre Frei Francisco de Monte Alverne". Rev. do Inst.<br />

Histórico e Geogr. Brasileiro. T. XLV, 2°, 391.<br />

46


eneméritas. Os conventos se repovoaram com o auxílio<br />

das comunidades estrangeiras. Num período bem curto retomou-se<br />

a regularidade das suas vidas conforme as suas<br />

diversas regras.<br />

Entre atônitos e embevecidos acompanhamos os passos<br />

dos missionários que restauraram a regularidade religiosa<br />

nos raros conventos que não estavam ainda reduzidos a<br />

ruínas. 5<br />

O fato é que ao abrir o século XX a Igreja apresentava<br />

um aspecto bem diverso do ambiente sombrio e de<br />

abandono dos últimos anos. Vejam-se nas páginas citadas<br />

de Frei Pedro Sinzig os tristes casos de desacato aos sacerdotes<br />

e autoridades religiosas a que ele assistiu ao chegar.<br />

No livro do Centenário do Descobrimento, <strong>1900</strong>, o Pe.<br />

Júlio Maria, a maior cabeça do clero secular (depois incorporado<br />

às hostes dos Redentoristas), começa por afirmar:<br />

"No período republicano, separada a Igreja do<br />

Estado, a Religião tem no Brasil uma nova e tão enérgica<br />

afirmação, que não é lícito apontar os erros e os excessos<br />

dos legisladores republicanos, sem reconhecer, ao mesmo<br />

tempo, os proveitos e vantagens que de fato implicou para<br />

o Brasil o novo regimen." 0<br />

Ao terminar o Império a hierarquia compunha-se de<br />

doze bispos, "os dozes apóstolos", como dizia o bispo de<br />

Mariana, constituindo uma só província eclesiástica, com<br />

um Metropolita, o Arcebispo-Primaz da Bahia. O bispo do<br />

Rio de Janeiro compensava sua posição subalterna com o<br />

título de Capelão Mor da Casa Imperial.<br />

A Fala do Trono de abertura da 4. a sessão da 20. a<br />

legislatura anunciara "a criação de um bispado em cada<br />

uma das nossas províncias, em geral tão extensas que não<br />

podem estar reunidas em poucas dioceses, sem prejuízo<br />

d 7<br />

a ação e doutrina pastoral."<br />

Mas nada se fizera de concreto até a República. A<br />

organização federativa e a supressão das complexas for-<br />

5 Frei Pedro Sinzig: Reminiscências d'um frade. Petrópolis,<br />

Vozes, 1917.<br />

8 Livro do centenário: A religião. Rio de Janeiro, <strong>1900</strong>. p. 3.<br />

7 Falias do throno. Rio de Janeiro, 1889, p. 871.<br />

47


malidades nas negociações com a Cúria Romana permitiram<br />

uma rápida transformação da organização eclesiástica.<br />

O Rio de Janeiro era agora um arcebispado e seu titular<br />

D. Joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti,<br />

descendente dos primeiros povoadores do Brasil, e por feliz<br />

coincidência, tendo nas veias o sangue dos Albuquerques<br />

"valerosos" e do cacique Arcoverde. Era um homem de estatura<br />

média, mas com um ar aristocrático natural que<br />

se impunha aos circunstantes. Laureado em Filosofia e<br />

Teologia pela Universidade Gregoriana, fora ordenado em<br />

1874. Colaborara com D. Vital na reorganização do Seminário<br />

de Olinda, donde passou a diretor do Ginásio Pernambucano.<br />

Fora nomeado coadjutor da Bahia e bispo<br />

de Goiás, posto a que renunciou, ocupou em seguida o<br />

bispado de São Paulo. Em 1897 foi transferido para o<br />

Rio de Janeiro como arcebispo e, em 1905, foi elevado à<br />

púrpura cardinalícia, sendo o primeiro cardeal da América<br />

Latina, honraria que o Império não obtivera não<br />

obstante longas negociações. A gravidade com que exercia<br />

suas funções impressionava os que as assistiam. "Vê-lo na<br />

missa, ou em qualquer outra solenidade religiosa, é edificar-se<br />

profundamente, tal a dignidade e o respeito com<br />

que Sua Eminência o Cardeal atende a todas as prescrições<br />

litúrgicas, serve de verdadeiro exemplo a clero e<br />

leigos". 8<br />

A província eclesiástica do Rio de Janeiro passou a<br />

compreender vários bispados sufragàneos. O primeiro foi<br />

o de Niterói, criado em 1892. Sua sede esteve de 1895 a<br />

1908 em Petrópolis. Foi seu titular D. Francisco do Rego<br />

Maia, um dos mais ilustrados prelados brasileiros, colaborador<br />

do novo Código de Direito Canónico. Foi substituído<br />

por D. João Francisco Braga e, em 1908, por D. Agostinho<br />

Francisco Benassi.<br />

O bispado do Espírito Santo foi criado em 1895 por<br />

D. João Batista Correia Néri, transferido para Pouso<br />

Alegre em 1901, e, finalmente, para Campinas (SP) em<br />

48<br />

» Frei Pedro Sinzig. Op. cit. p. 302


1908. Foi dos mais populares e prestigiosos prelados brasileiros.<br />

Foi substituído em 1902 por D. Fernando de Sousa<br />

Monteiro.<br />

A província meridional do Brasil, com sede no Rio de<br />

Janeiro, criada em 1892 compreendia ainda o bispado<br />

de Mariana até 1906, quando passou a ser um arcebispado,<br />

e constituindo uma nova província autônoma, compreendendo<br />

Goiás, Diamantina, Pouso Alegre, Uberaba, Campanha,<br />

Montes Claros e Araçuaí. Era seu antístite D. Silvério<br />

Gomes Pimenta, sábio e virtuoso prelado, membro<br />

da Academia Brasileira.<br />

A prelatura de Goiás passou a bispado em 1826 e foi<br />

regida de 1891 a 1908 por D. Eduardo Duarte Silva. O<br />

bispado de Diamantina teve como bispo D. João Antônio<br />

dos Santos, tio dos irmãos Antônio e Joaquim Felício dos<br />

Santos, doutor em Paris, helenista e hebraísta, sucedido<br />

por D. Joaquim Silvério de Sousa, aluno do Caraça e<br />

relator da Pastoral Coletiva do episcopado brasileiro em<br />

1922.<br />

Era também pertencente à província do Rio de Janeiro<br />

o bispado de Pouso Alegre, inaugurado por D. J. Batista<br />

Nery, como acima foi dito.<br />

Datam de 1907 os bispados de Uberaba e Campanha.<br />

Pertencente à província meridional do Rio de Janeiro,<br />

o bispado de São Paulo passou a constituir uma província<br />

eclesiástica em 1908, quando D. Duarte Leopoldo e Silva<br />

passou a arcebispo de uma nova província que teve como<br />

sufragâneas as dioceses de Campinas, São Carlos, Botucatu,<br />

Ribeirão Preto, Taubaté e Curitiba.<br />

Do mesmo modo o bispado de Porto Alegre, que na<br />

organização de 1892, fazia parte da Província Meridional,<br />

passou em 1912 a ser sede metropolitana, arrebanhando a<br />

diocese de Pelotas (<strong>1910</strong>), Santa Maria (<strong>1910</strong>), Uruguaiana<br />

(<strong>1910</strong>) e Florianópolis (1908).<br />

Assim, conforme o esquema elaborado por Monsenhor<br />

Schubert" a diocese do Rio de Janeiro, uma das unidades<br />

9 "O desmembramento das dioceses do Brasil". Rev. do<br />

inst. Hist. Geogr. Brás. 1977, vol. 316. p. 161.<br />

49


da única província eclesiástica brasileira, deu origem nesse<br />

curto período de tempo a nove unidades que por sua vez<br />

se subdividiram, sem falar na Abadia Beneditina Nullius<br />

de N. S. do Monserrate. Isto dentro de um desenvolvimento<br />

surpreendente. O Brasil passou de 12 bispos em<br />

1890 a 219 unidades eclesiásticas em 1976.<br />

Passando agora à renascença do clero regular vejamos,<br />

em rápida síntese, algumas das entidades que reintroduziram<br />

no país a vida religiosa.<br />

Há grande confusão acerca do comportamento do imperador<br />

D. Pedro II em relação aos religiosos. Ele não<br />

cria na possibilidade de restauração da vida claustral, das<br />

ordens monacais e mendicantes. Acerca disso manifestouse<br />

abertamente. Mas quanto aos novos institutos ensinantes<br />

e de ação social, manifestou-se, pelo contrário, com a<br />

mais viva simpatia. O assunto foi inteligentemente tratado<br />

em dois ensaios do prof. Riolando Azzi. 10<br />

Os jesuítas, os primeiros que estabeleceram o ensino<br />

sistemático no Brasil, conseguiram, apesar da legislação<br />

pombalina, voltar a estabelecer-se no Brasil, não sendo<br />

repelidos pelo imperador. É bem verdade que, após o conflito<br />

com os bispos, sua atitude tenha se alterado, patenteando-se<br />

na grande decepção que foi a não ida ao colégio<br />

de Itu em 1886, evidentemente para satisfazer o anticlericalismo<br />

de boa parte de seus assessores. 11<br />

Reingressando no Brasil ainda no antigo regime, os<br />

jesuítas estabeleceram na década <strong>1900</strong>-<strong>1910</strong> alguns marcos<br />

de seu prestígio como educadores. O Colégio Santo<br />

Inácio é de 1901. O Anchieta, em Friburgo, vinha de 1886.<br />

As tentativas anteriores de Santa Catarina, Pernambuco<br />

e Itu (transferido para São Paulo) ficam fora do Grande-<br />

Rio, ao qual limitamos nosso estudo. Ambos os institutos<br />

obtiveram imediatamente um prestígio indiscutível. Entre<br />

10 "d. Pedro II e a reforma do clero no Brasil" e "D.<br />

Pedro II perante os institutos religiosos do Brasil". Revista<br />

do Inst. Hist. e Geogr. Brasileiro, vols. 314 e 316 (1977).<br />

11 O caso está extensamente estudado pelo padre Hélio<br />

A. Viotti, na mesma Revista, v. 318 (1978).<br />

50


os seus alunos, os jesuítas recrutaram grandes nomes que<br />

vão constituir a elite católica do momento.<br />

Os franciscanos que no ocaso do Império contavam<br />

somente algumas unidades de frades, que tinham vários<br />

convênios em ruínas e viam suas construções ocupadas<br />

por serviços públicos (como o Arquivo <strong>Nacional</strong> que funcionou<br />

no convento de Santo Antônio) viu seus quadros<br />

ampliados com missões estrangeiras. Estão hoje recuperadas<br />

as suas comunidades por brasileiros. O Convento<br />

de Santo Antônio, no Largo da Carioca, fundado em 1606<br />

passou a ser chefia da província, hoje em São Paulo.<br />

Outro grande centro de atividade franciscana foi o<br />

Convento do Sagrado Coração de Jesus, em Petrópolis, fundado<br />

em 1896, onde se editava a revista Vozes de Petrópolis,<br />

hoje simplesmente Vozes, e um número considerável<br />

de publicações. Mantinha ainda uma escola gratuita<br />

e um ambulatório.<br />

Havia ainda o Convento em São Paulo, fundado em<br />

1639, (o de São Francisco, em parte ocupado pela Faculdade<br />

de Direito).<br />

Os Carmelitas, chegados ao Brasil em 1580, conservaram<br />

o Convento da Lapa, para onde se haviam mudado<br />

desde que cederam ao Paço o antigo na Praça 15 de Novembro,<br />

hoje sede do Centro Universitário Cândido Mendes.<br />

Ali mantinham o Colégio Santo Alberto, que gozava<br />

de excelente renome. Também em São Paulo mantinham<br />

num convento na Liberdade, um colégio do mesmo nome.<br />

Os Beneditinos que estiveram a pique de desaparecer,<br />

com um único monge, conseguiram manter a tradição<br />

do seu ginásio e escolas populares, que datam de meados<br />

do século XIX e uma editora, a Lúmen Christi. Ainda em<br />

1905 fundaram uma escola no Alto da Boa Vista. O Mosteiro<br />

de São Paulo foi a sede da primeira escola superior<br />

de Filosofia, agregada à Universidade de Louvain. Isto sem<br />

falar nas Celas e Friorados existentes fora do Grande-Rio.<br />

Se tudo isso se referia às ordens tradicionais, em<br />

cujo ressurgimento não cria o imperador e a maior parte<br />

dos bem-pensantes, outra foi a atitude em relação aos<br />

institutos religiosos chamados modernos, fundados desde<br />

51


a reforma tridentina, e cuja maioria se estabeleceu no<br />

Brasil no século XIX. 12<br />

Entre estes os Lazaristas, os Salesianos e as Filhas de<br />

Caridade. Os Capuchinhos igualmente, após serem durante<br />

todo o século XVIII os grandes missionários do interior,<br />

haviam sido parcialmente extintos em 1831. Durante o<br />

segundo reinado, lembra Azzi, introduziram-se no Brasil<br />

quatro novos institutos religiosos masculinos: os Dominicanos,<br />

os Salesianos, os Palotinos e os padres da Congregação<br />

do Espírito Santo. Poderíamos acrescentar os<br />

Salvatorianos, os Maristas, Saletinos, Premonstratenses,<br />

Redentoristas, Barnabitas. Quanto às organizações femininas<br />

chegam ao fim do império as Filhas da Caridade<br />

(chamadas vulgarmente Irmãs de Caridade), fundadoras<br />

do primeiro colégio religioso no Rio de Janeiro e disputadas,<br />

como enfermeiras nos hospitais, as Dorotéias, as<br />

Irmãs de Sant'Ana, as congregações do Bom Pastor, dos<br />

Santos Anjos, as Irmãs do Coração de Maria, as Franciscanas<br />

da Penitência e da Caridade Cristã, as Dominicanas,<br />

as religiosas de Lourdes. É bem verdade que, em<br />

certas localidades, o recebimento por parte do povo, prevenido<br />

por uma propaganda cruel e maliciosa por parte<br />

do anticlericalismo fomentado pelas entidades ligadas ao<br />

movimento irreligioso europeu, não foi simpático. Mas,<br />

sob esse aspecto D. Pedro II foi irrepreensível.<br />

Este decênio se caracteriza, assim, pela expansão da<br />

hierarquia, pela restauração das ordens religiosas tradicionais<br />

(o que não se processou sem incidentes populares,<br />

judiciais e policiais) e pela ascendência na educação religiosa<br />

feminina das freiras francesas. Esse predomínio<br />

francês que se iniciara com as Irmãs de Caridade em<br />

1855, teve seu apogeu nos prestígios dos colégios de Sion<br />

e Sacré Coeur. Se por um lado teve aspectos brilhantes,<br />

a ponto de alguns diplomatas dizerem que as mulheres<br />

cariocas eram mais ilustradas que os maridos (pelo menos<br />

conheciam melhor arte e literatura) teve dois pontos que<br />

foram alvos de ataques. O primeiro foi uma tendência à<br />

elitização da ação católica, deixando de lado as classes<br />

52<br />

i 2 Riolando Azzi. R. IHGB, v. 316. p. 125.


Padre Júlio Maria


populares — defeito que vai ser corrigido em épocas mais<br />

recentes. O segundo foi o que se chamaria hoje alienação<br />

da realidade brasileira. O estudo da história do Brasil e<br />

da própria língua portuguesa ficava evidentemente em<br />

segundo plano. Há páginas candentes de Lima Barreto a<br />

respeito dessa deformação da mentalidade da mocidade<br />

feminina.<br />

Outro aspecto desse período da história da Igreja é<br />

a verdadeira enchente que depois dele se opera, de ordens,<br />

congregações e institutos, quer de ensino, quer de enfermagem,<br />

quer de ação social. De algumas dezenas até <strong>1910</strong>,<br />

passam a centenas nas décadas seguintes. Os almanaques<br />

religiosos consignam a chegada de religiosos, de ambos<br />

os sexos, de diversos países, bem como a criação de instituições<br />

locais, de âmbito diocesano.<br />

O respeito à propriedade das instituições leigas, Ordens<br />

Terceiras e Irmandades, com patrimônio autônomo,<br />

fez com que algumas se desdobrassem em obras sociais<br />

de benemerência. Ao lado delas, centenas de instituições<br />

de mera devoção, Apostolados e Ligas, se multiplicaram.<br />

Finalmente, a todos os responsáveis, colocou-se a questão<br />

fundamental: que ia fazer a Igreja dessa força de<br />

que dispunha? Está claro que uma boa parte dos falsos<br />

conservadores não pensava senão no imobilismo, quando<br />

não no regressismo, então chamado "sebastianismo".<br />

Mas a voz que mais vibrantemente ressoou nos púlpitos<br />

foi a dos que alertavam a Igreja para as novas funções<br />

que lhe cabiam, que não eram mais as de revestir<br />

os atos públicos do manto da religiosidade, mas a de contribuir<br />

para uma profunda modificação na estrutura social.<br />

Nenhuma superou a do Pe. Júlio Maria, na citada<br />

Memória publicada no Livro áo Centenário e à qual voltamos<br />

para encerrar estas observações: "A religião do nosso<br />

tempo não deve consistir em rezar cânticos, no templo,<br />

vestidos os padres de seus paramentos e mui contentes<br />

com o número de devotos que vêem do seu lado, mas não<br />

vendo fora do templo, a multidão que morre de inanição,<br />

intelectual, moral e física."<br />

"O clero no Brasil não pode, nem deve, presentemente<br />

encastelar-se nos santuários, contemplando de longe o<br />

57


povo e pensando que fará obra de Deus só com as nossas<br />

devoções, as nossas festas e os nossos panegíricos." "Sua<br />

missão é isto que neste momento solene e trágico da<br />

sociedade se impõe como programa aos católicos: consorciar<br />

os espíritos, pacificar as almas, harmonizar as<br />

vontades neste imenso conflito de paixões pessoais contrariadas<br />

com os princípios de uma nova ordem de coisas:<br />

substituir às questões políticas, erroneamente predominantes<br />

nos governos, nos parlamentos, nos jornais, a questão<br />

social que é a questão por excelência."<br />

A esias questões se atiraram com fervor os prelados,<br />

libertos das cadeias do burocratismo. Após a reunião do<br />

episcopado em 1890, reuniu-se em Roma em 1899 o Concílio<br />

Plenário Latino-Americano. Seguiram-se reuniões<br />

sistemáticas dos bispos, precursoras das atuais Conferências<br />

Nacionais dos Bispos e dos Religiosos. Os do Norte<br />

reuniram-se na Bahia em 1901, no Recife em 1908, em<br />

Fortaleza em 1911 e novamente na Bahia em 1915. Reuniram-se<br />

os do Sul em 1901 (S. Paulo), em 1904 (Aparecida),<br />

em 1907 (Mariana), em <strong>1910</strong> (S. Paulo) e em 1915<br />

(Friburgo). De todas essas reuniões resultaram pastorais<br />

que vão marcando novos rumos para a Igreja Brasileira.<br />

Nenhuma dessas reuniões alcançou a repercussão da de<br />

Friburgo em que foram aprovadas as Constituições das<br />

Provindas Meridionais que, adotadas pelas do Norte, passaram<br />

a substituir as velhas Constituições da Bahia de<br />

1907.<br />

Paralelamente o laicato era arregimentado em Congressos<br />

Católicos, o primeiro dos quais realizou-se na Bahia<br />

em <strong>1900</strong> e o segundo no Rio de Janeiro em 1908. 13<br />

13 Segundo Congresso Católico Brasileiro. Atas e documentos.<br />

Rio de Janeiro, <strong>1910</strong>. Note-se que, para pôr os católicos<br />

brasileiros a par das novas idéias sociais que dominavam os<br />

meios católicos europeus, foi convidado o professor da Universidade<br />

de Louvain, Dr. E. Vlieberg, que pronunciou em 1908 uma<br />

série de conferências no Rio, Minas e em S. Paulo. Foi baseado<br />

nelas que o deputado baiano Joaquim Inácio Testa apresentou<br />

os primeiros projetos de lei no sentido que hoje chamaríamos<br />

de democracia cristã, (v. E. Vlieberg: Questões católico-sociais.<br />

Rio de Janeiro. <strong>1910</strong>).<br />

55


Não teríamos ultrapassado os limites do período que<br />

nos foi assinado se esses documentos não representassem<br />

o florescimento da lenta transformação que se processou<br />

no primeiro decênio do século, sem as quais não se compreenderia<br />

a possibilidade do Primeiro Concílio <strong>Nacional</strong><br />

de 1939 e, finalmente, o 2.° Concílio do Vaticano que cristalizou<br />

os ideais que se vinham fecundando em sucessivas<br />

assembléias.<br />

59


O CONVENTO DA AJUDA<br />

Antonio Carlos Villaça


Vem» meu leitor, vem dar um passeio comigo pela<br />

cidade do Rio de Janeiro, em pleno século XVIII. Não a<br />

inquieta cidade de hoje, buliçosa e cansativa, mas a cidade<br />

pacata, de outrora, quando Botafogo já era distância.<br />

Não te levarei a uma casa qualquer, não visitaremos um<br />

teatro nem um palacete mundano. Não iremos a uma<br />

chácara do Cosme Velho. Nem subirás à Tijuca, nem à<br />

Gávea longínqua. Iremos a um... convento. Há um sussurro<br />

de freiras. Há um som de órgão.<br />

Dedico esta evocação, leitor sereno, à memória de um<br />

bispo, Dom André Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti,<br />

sobrinho do Cardeal Arcoverde, Bispo Titular de Limne,<br />

que, a 1 de janeiro de 1948, tomou posse das funções de<br />

capelão do referido Convento da Ajuda, sucedendo a Dom<br />

João Irineu Joffily, Bispo Titular de Anasartha, corrijome,<br />

Arcebispo, que tomara posse a 1 de maio de 1932 e se<br />

retirara doente a 22 de dezembro de 1947 para uma casa<br />

de saúde. Por seis anos e sete meses, Dom André desempenhou<br />

o seu oficio. Em 1954, recolheu-se a uma casa<br />

de saúde e faleceu a 19 de junho de 1955, nos seus 77 anos.<br />

Conheci-o, sim, quando era capelão imponente do Colégio<br />

dos Santos Anjos, na Tijuca, depois de ter sido Bispo<br />

diocesano de Valença e de Taubaté. Era um conversador<br />

delicioso.<br />

"Sobre o tempo, sobre a taipa,<br />

a chuva escorre. As paredes<br />

que viram morrer os homens,<br />

que viram fugir o ouro,<br />

63


que viram finar-se o reino,<br />

que viram, reviram, viram,<br />

já não vêem. Também morrem".<br />

Carlos Drummond insiste: "Morrem as casas. Morrem,<br />

severas".<br />

"O chão começa a chamar<br />

as formas estruturadas<br />

faz tanto tempo. Convoca-as<br />

a serem terra outra vez.<br />

Que se incorporem as árvores<br />

hoje vigas. Volte o pó<br />

a ser pó pelas estradas".<br />

O poeta se refere à Morte das Casas de Ouro Preto,<br />

mas o seu poema se aplica à morte de todas as casas.<br />

Uma vez que cito um poeta, citarei as Sagradas Escrituras:<br />

"Escolhi e santifiquei este lugar, a fim de aí<br />

estar o meu nome e estarem fixos nele os meus olhos e<br />

meu coração". 2 Par., 7, 16.<br />

No começo do século XVII, o Rio de Janeiro possuia<br />

três conventos masculinos e o Colégio da Companhia. Mas<br />

não possuía um só convento de religiosas. "Coisa que o<br />

povo muito desejava", comenta Gastão Cruls, na sua<br />

Aparência do Rio de Janeiro (pág, 155, vol. I).<br />

O primeiro convento de freiras da cidade foi o da<br />

Ajuda. Durante cento e sessenta e um anos, de 1750 a<br />

1911, as religiosas ocuparam o mesmo edifício, no lugar<br />

em que hoje está a Cinelândia.<br />

"Depois de cento e sessenta e um anos, vai desaparecer<br />

o Convento das Religiosas da Conceição da Ajuda",<br />

escreve José Vieira Fazenda nas suas ricas Antiqualhas<br />

e Memórias, Revista do Instituto Histórico e Geográfico<br />

Brasileiro, tomo 95, vol. 149, (1924) Rio, Imprensa <strong>Nacional</strong>,<br />

1927.<br />

E acrescenta: "Em breve, entrarão em atividade a<br />

picareta e o camartelo, pondo por terra as antigas paredes<br />

de fortaleza desse feio casarão. Constituíra-se ele o<br />

ponto negro, a mancha do carvoeiro no meio da beleza<br />

e da magnificência da majestosa Avenida Central".<br />

64


Convento da Ajuda


Mas não só. "Que o sítio da antiga chácara do demandista<br />

Manuel Fernandes da Costa já não era próprio<br />

para uma casa claustral, as próprias freiras havia muito<br />

o reconheceram". E Vieira Fazenda ajunta com graça:<br />

"Elas não excomungarão os demolidores da casa inaugurada<br />

por Dom Frei Antônio do Desterro".<br />

Sim, Vieira Fazenda disse bem: "As religiosas abandonarão<br />

contentes seu antigo habitat. E, como a mulher<br />

de Lot, não olharão para trás. Vão em busca de novo<br />

ninho, solitário e silencioso, em que possam à farta exercer<br />

os rigores impostos pelo voto sagrado".<br />

Nós, sim, olharemos para trás. Vem, leitor, dá um<br />

salto comigo até o ano de 1750, ou até antes. O passado<br />

nos espera.<br />

Vamos pela mão dos eruditos de outrora, Baltasar<br />

Lisboa, Pizarro, Moreira de Azevedo, Melo Morais, o Padre<br />

Perereca e, primeiro de todos, Frei Agostinho de Santa<br />

Maria. E ouçamos a voz serena e retificadora de Vieira<br />

Fazenda. O passado...<br />

"Protetora dos homens do mar, sob a invocação de<br />

Nossa Senhora d'Ajuda, não admira fosse levantada nesta<br />

cidade, apenas se fundou, modesta ermida deste título,<br />

por devotos marinheiros, que freqüentavam o nosso porto".<br />

Assim Vieira Fazenda começa a história da Ajuda,<br />

nas Antiqualhas e Memórias do Rio de Janeiro, tomo 86,<br />

vol. 140 (1919) pág. 322.<br />

Não há a menor dúvida de que existiu antiga irmandade,<br />

segundo se lê nas Publicações do Arquivo Público,<br />

um requerimento da confraria, de 1688, pedindo privilégio<br />

de ter tumba própria, para enterro dos confrades, independente<br />

da Misericórdia. Foram juízes de tal sodalício<br />

os Governadores João da Silva e Sousa, Luís Cesar de<br />

Menezes e Duarte Teixeira Chaves, que, indo para a<br />

colônia do Sacramento, levou a bordo pequena imagem<br />

da Senhora d'Ajuda, igual à venerada na já antiga Capela.<br />

Nas Consultas do Conselho Ultramarino, 1674-1700, no<br />

códice pertencente ao Instituto Histórico, há subsídios<br />

para a história do antigo Convento da Ajuda, que vem<br />

dos primórdios da história do Rio de Janeiro.<br />

A capelinha de Nossa Senhora da Ajuda existia desde<br />

o século XVI, ermida de Nossa Senhora da Conceição da<br />

65


Ajuda, numa crista à beira do caminho que ia para o<br />

Morro do Desterro, entre as lagoas de Santo Antônio e do<br />

Boqueirão. Era o Caminho dos Arcos da Carioca, a Rua<br />

dos Barbonos, a Rua Evaristo da Veiga, onde o grande<br />

jornalista teve sua livraria.<br />

Barbonos, porque ali moraram, de 1742 a 1808, os Barbadinhos<br />

ou Barbonos, frades italianos, "pequeno e humilde<br />

hospício com sua capelinha," onde está hoje o vasto<br />

Quartel da Polícia Militar.<br />

O povo queria um convento de freiras. Começaram a<br />

reunir óbulos para esse fim. Mas o Governo da Metrópole<br />

não estimava esse plano, pela simples razão de que ao<br />

desenvolvimento da Colônia — ainda tão vazia — considerava<br />

muito mais conveniente que as mulheres buscassem<br />

o estado conjugal. O Conselho Ultramarino chegou a<br />

negar a licença pedida.<br />

A capelinha ficava onde é hoje o edifício da Câmara<br />

Municipal. Pois foi ela o começo da obra venerável do<br />

Convento da Ajuda. De 1670 a 1681, na ausência do Bispo,<br />

governava a Diocese do Rio, Francisco da Silveira Dias.<br />

Seu irmão Frei Cristóvão da Madre de Deus era o Guardião<br />

do Convento de Santo Antônio. Ambos cariocas. Ambos<br />

profundamente identificados com a sua Cidade. Ambos<br />

sacerdotes ilustres.<br />

Voltando Frei Cristóvão de uma viagem à Europa,<br />

conversou com seu irmão Administrador da Diocese a<br />

respeito da conveniência e urgência de logo fazer-se um<br />

Recolhimento de mulheres, que se transformaria mais<br />

tarde em Convento. E, assim, Dona Cecília Barbalho, pernambucana,<br />

viúva com três filhas, que residia numa chácara,<br />

se dispôs a entrar para o Recolhimento.<br />

O Administrador fez edificar uma casa em dois meses<br />

junto à ermida da Ajuda e nela se recolheram as senhoras<br />

e mais duas jovens, a 26 de julho de 1678, festa de<br />

Santana.<br />

Estas senhoras receberam o título de conversas. A<br />

pedra fundamental do novo convento foi lançada a 9 de<br />

julho de 1678, sendo Governador Matias da Cunha. Mas<br />

Lisboa resistia à idéia de um convento de freiras, na<br />

vasta e despovoada Colônia.<br />

66


As duas jovens, que se anexaram às Barbalhos, talvez<br />

sejam as duas irmãs de Frei Gaspar da Madre de Deus,<br />

de que fala Afonso Taunay, no prefácio à obra daquele<br />

religioso.<br />

Só em 1705 por provisão de 19 de fevereiro, se obteve<br />

a licença régia, a pedido de Dom Francisco de São Jerônimo.<br />

Dom Francisco aqui esteve de 1702 a 1721. O sucessor<br />

dele, o franciscano Dom Antônio de Guadalupe,<br />

não se interessou pela questão. Governou de 1725 a 1740.<br />

A provisão era assinada pela Rainha Dona Catarina,<br />

viúva do Rei da Inglaterra e Regente de Portugal, na<br />

doença do irmão de Dom Pedro II. O Conselho, em sessão<br />

de 16 de outubro de 1694, aprovara o simples projeto do<br />

Recolhimento. Agora, era aceita a perspectiva ampla de<br />

um Convento.<br />

Em maio de 1741, tomou posse da Diocese o carmelita<br />

descalço Dom João da Cruz. A obra do Convento estava<br />

parada, "sem aumento considerável", como lá diz Pizarro.<br />

Resolveu Dom João construir o edifício noutro lugar, mais<br />

perto do mar. A pedra fundamental, lançou-a a 14 de<br />

maio de 1742. Mas se foi ele transferido para Miranda,<br />

Portugal, em 1746.<br />

O monge beneditino Dom Frei Antônio do Desterro,<br />

que está enterrado no claustro do Mosteiro de São Bento,<br />

há dois séculos, chegou ao Rio como Bispo a 1 de dezembro<br />

de 1746 e tomou posse a 1 de janeiro de 1747. Entusiasmou-se<br />

Dom Frei Antônio com a obra e — a pedido dele<br />

— o Papa Bento XIV já concedeu a 24 de janeiro de 1748<br />

a ereção canónica através de um Breve. Deu-lhe o Papa<br />

a Regra de Santa Clara. Mas o Bispo recorreu à Santa<br />

Sé e obteve o Rescrito de 7 de janeiro de 1750, que lhe<br />

permitiu introduzir a Regra da Ordem da Conceição, fundada<br />

em 1484 por Beatriz da Silva e Menezes, que morreu<br />

em Toledo, 1490, com 66 anos.<br />

Em 1744, fundara-se o Mosteiro da Lapa, na Bahia,<br />

de religiosas.<br />

Em três anos, Dom Frei Antônio do Desterro concluiu<br />

as obras do Convento, risco do engenheiro brigadeiro<br />

José Fernandes Pinto Alpoim.<br />

67


Vieram quatro freiras do Convento da Bahia, como<br />

diz Melo Morais, e com elas começaram o seu noviciado<br />

canónico as recolhidas da Ajuda.<br />

"Muita gente, que passa pela frente do Convento da<br />

Ajuda, comenta Vieira Fazenda, ignora o que significa<br />

sobre a entrada da portaria a existência de um chapéu,<br />

encimando antigo brasão: são as armas do Bispo Dom<br />

Frei Antônio do Desterro".<br />

O Convento da Ajuda e o monge beneditino Dom Frei<br />

Antônio do Desterro formaram uma profunda unidade.<br />

O Bispo e as freiras, a primeira comunidade monástica<br />

feminina da Cidade do Rio. Freiras da Imaculada Conceição,<br />

freiras concepcionistas.<br />

A inauguração do Mosteiro foi impressionante. Foi um<br />

acontecimento público memorabilíssimo.<br />

Duzentos anos depois, Frei Pedro Sinzig, proferindo<br />

o sermão alusivo à data, já no Convento novo de Vila<br />

Isabel, inaugurado havia trinta anos, lamentava o contraste<br />

entre as celebrações públicas faustosas, intensamente<br />

populares, oficiais, mundanas até, e aquele tom<br />

discreto, íntimo, quase apagado, do bicentenário sem<br />

ruído.<br />

O frade franciscano e exímio musicista sublinhava<br />

o fato com melancolia e tirava dele uma advertência,<br />

uma lição, que exprimiu com um acento moralista. Os<br />

tempos haviam mudado.<br />

O edifício, sem grandes pretensões, observa Gastão<br />

Cruls, era uma pesada construção de dois andares, situado<br />

na Rua da Ajuda, esquina da Rua do Passeio, área<br />

atualmente ocupada pelo bairro Serrador ou Cinelândia.<br />

Grande casarão, só demolido em 1918, diz Cruls, e que,<br />

durante século e meio, pelas solenidades alegres e tristes<br />

que nele se realizaram, pelos folguedos populares, a que<br />

se associou, reunindo gente no seu pátio e arredores, e<br />

pela participação indireta que as suas recolhidas tinham<br />

na vida da cidade, deixou muitas reminiscências trazidas<br />

às páginas da história e do romance.<br />

Sepultaram-se na sua igreja a infanta Dona Mariana,<br />

tia do príncipe regente Dom João, a Rainha Dona Maria<br />

I, mãe de Dom João, a imperatriz Dona Leopoldina, esposa<br />

de Dom Pedro I, a princesa Dona Paula, filha deste, a<br />

68


primogênita natimorta da princesa Dona Isabel e do<br />

Conde d'Eu.<br />

A vida da Cidade misturou-se à vida conventual.<br />

Houve uma simbiose, uma relativa intimidade entre o<br />

povo e as suas freiras. Por ocasião das festas de fim de<br />

ano, escreve Cruls, se armava um dos mais esplendorosos<br />

presepes que a Cidade conhecia. O povo gostava de ver<br />

esse presepe e de ouvir o coro das monjas, a que Cruls<br />

chama "seráfico". As freiras da Ajuda se tornaram famosas<br />

pelos seus doces. As mães-bentas, as desmamadas, os<br />

pastéis de Santa Clara, canudos, suspiros. A Mãe Benta,<br />

inventora ou pelo menos divulgadora dos deliciosos bolinhos,<br />

esclarece Gastão Cruls, era uma preta que tinha<br />

por nome todo Benta Maria da Conceição e foi mãe do<br />

cónego Geraldo Leite Bastos. Faleceu em 1851. Suas gulodices,<br />

comenta Cruls, levavam-lhe à casa figuras importantes,<br />

um Padre Feijó, como escreveu Vieira Fazenda.<br />

As freiras tiravam lucro das suas habilidades. Forneciam<br />

pratos para mesas de batizados, casamentos e outras<br />

festanças. E Cruls lembra Machado de Assis nas Memórias<br />

Póstumas de Brás Cubas: "Veio abaixo toda a velha prataria<br />

herdada do meu avô Luís Cubas; vieram toalhas de<br />

Flandres, os grandes jarros da índia; matou-se um capado;<br />

encomendaram-se às madres da Ajuda as compotas<br />

e marmeladas". A família de Brás Cubas, para celebrar<br />

a primeira queda de Napoleão, dera um grande jantar...<br />

As três horas da tarde de 21 de novembro de 1749,<br />

chegavam as religiosas da Bahia e o navio, que as trouxe,<br />

foi saudado festivamente por salva das fortalezas.<br />

O Arcebispo Primaz permitiu a vinda de quatro religiosas,<br />

duas de coro e duas leigas ou conversas. As freiras<br />

deviam adotar as Constituições das Religiosas do Mosteiro<br />

da Luz, de Lisboa, não podendo receber mais de trinta e<br />

três postulantes.<br />

As monjas hospedaram-se no Hospício da Terra Santa.<br />

O edifício era perto, ficava no lado ímpar da Rua<br />

dos Barbonos.<br />

A Cidade tranqüila vibrou com a chegada das suas<br />

primeiras religiosas. Esperara tantos anos por elas. Desejada<br />

tanto que viessem. Sentira tanto a necessidade delas,<br />

69


da sua oração, do seu encanto, ou do seu sortilégio. "Deus,<br />

in adjutorium meum, intende. Domine, ad adjuvandum<br />

me, festina." A Cidade teria as suas cantoras místicas,<br />

as suas orantes, as pedintes espirituais que lhe falariam<br />

de Deus e falariam a Deus por ela.<br />

Houve um incrível alvoroço na Cidade quieta. O Governador<br />

interino, Matias Coelho de Sousa, mandou o<br />

filho, capitão Paulo Caetano, cumprimentá-las em companhia<br />

de José Pereira Pinto Alpoim e do juiz de fora<br />

Luís Antônio Rosado da Cunha.<br />

Dom Frei Antônio do Desterro estava em sua casa<br />

do Rio Comprido. Foi logo avisado. Permitiu o desembarque.<br />

Saltaram elas num cais existente no fundo da Casa<br />

dos Governadores, ali na Rua Direita, e seguiram à noite<br />

em seges para a Rua dos Barbonos.<br />

As escravas, trinta, iam a pé. Iluminaram-se as casas<br />

da Rua Direita, da Rua da Misericórdia, da Rua de São<br />

José, da Rua da Ajuda e da Rua dos Barbonos. A Cidade<br />

estava alegre.<br />

Em algumas casas, na sala de visitas, havia orquestra<br />

de amadores. Mas Gomes Freire, o Governador, estava<br />

ausente.<br />

Só a 30 de maio, um sábado, daquele ano feliz de<br />

1750, houve a solene inauguração do Convento de Nossa<br />

Senhora da Ajuda.<br />

As religiosas foram para o Mosteiro de São Bento, a<br />

que o Bispo era tão ligado. Formaram as tropas da guarnição.<br />

Folhas de mangueiras derramadas pelas ruas. Colchas<br />

de damasco nas sacadas e janelas. Foguetes. Repiques.<br />

Alegria pela Cidade. O povo a passear. A Cidade<br />

saudava as suas monjas. A procissão, formada por irmandades<br />

e ordens terceiras, clero regular e secular, percorreu<br />

as ruas entre São Bento e a Ajuda.<br />

O Cabido e o Bispo acompanhavam as religiosas. A<br />

Ordem da Penitência apresentou dois belos andores. Formaram<br />

em alas as tropas. Na esquina da Rua de São<br />

Pedro com a Rua Direita, onde estava o Oratório de Nossa<br />

Senhora do Amparo, a procissão parou, para que meninos<br />

vestidos de anjos espargissem flores sobre as religiosas, o<br />

Bispo e o Governador.<br />

70


Houve três descargas festivas, ao começar e ao acabar<br />

a procissão. Seguiu-se um tríduo, em que foram celebrantes<br />

e pregadores os Franciscanos, os Jesuítas, os Beneditinos,<br />

os Carmelitas, sendo pontífice o Bispo Dom Frei<br />

Antônio do Desterro, homem espiritual, monge de S.ão<br />

Bento, que amava a oração, valorizava a vida contemplativa,<br />

a vida mística e permaneceu no Seminário de São<br />

José, vizinho, onde houve um banquete.<br />

A igreja da Ajuda e parte do Convento estiveram<br />

abertas ao povo, para visitação piedosa. Foram três noites<br />

de festa. Em uma delas, representou-se uma peça de<br />

Metastásio.<br />

A Gazeta de Lisboa deu um resumo das grandes festividades<br />

em que povo, Governo, clero se uniam, para<br />

celebrarem a chegada das primeiras monjas.<br />

As freiras durante a procissão aparatosa levavam na<br />

mão direita uma vela e na esquerda um crucifixo. As festas<br />

externas eram bem ao gosto do tempo, com luminárias,<br />

música, préstito, fogos, celebrações litúrgicas.<br />

Dom Frei Antônio do Desterro deve de ser considerado<br />

o fundador da Ajuda. Nasceu em Viana de Lima, Portugal,<br />

a 4 de julho de 1694. Entrou nos Beneditinos em 1711.<br />

Morreu no Rio a 5 de dezembro de 1723, depois de governar<br />

a Diocese durante mais de um quarto de século.<br />

"Muito sofreu a velha casa claustral da Ajuda com<br />

a revolta de parte da Armada, em 1893." São palavras de<br />

Vieira Fazenda.<br />

"Para exercer misteres da minha profissão (era médico),<br />

entrei pela primeira vez no interior da Ajuda e<br />

pude observar os estragos feitos por uma bala no teto do<br />

templo e em várias outras dependências do convento.<br />

Apresentava este o aspecto tristonho de imenso casarão<br />

dos tempos coloniais: grande, feio, pesado, forte".<br />

Ainda Vieira Fazenda: "Tempos depois, lá voltei a<br />

convite ainda do monsenhor Eduardo (de Carvalho Rodrigues),<br />

para substituir o médico das religiosas, que se<br />

achava enfermo. Pasmosa transformação se havia operado<br />

graças à atividade daquele digno e exemplar sacerdote, a<br />

cuja memória as religiosas da Ajuda votam, perpétua e<br />

justa gratidão."<br />

71


Pelas colunas de A Notícia, Vieira Fazenda publicou<br />

então a minuciosa descrição do notável chafariz das Saracuras,<br />

obra artística, feita com material de nossas pedreiras<br />

e ornatos de bronze fundidos no Arsenal de Guerra.<br />

"Esta fonte foi erguida pela gratidão de uma Abadessa<br />

da Ajuda ao Conde de Resende. Este Vice-Rei concedera<br />

às religiosas uma pena d'água derivada dos encanamentos<br />

da Carioca. A água era conduzida do Morro<br />

de Santo Antônio por um cano, que atravessava ao alto<br />

a Rua dos Barbonos e ia terminar no interior da chácara<br />

do Convento. As religiosas foram forçadas a uma desapropriação<br />

que deu em resultado a abertura da Rua Senador<br />

Dantas, no sítio em que existiam outrora casinhas compradas<br />

pelo Bispo Dom João da Cruz, e terrenos dos frades<br />

do Carmo, adquiridos pelo Bispo Dom Antônio do Desterro,<br />

para maior extensão da chácara conventual".<br />

A entrada de 1750 foi principesca. A salda de 1911<br />

foi discreta, de automóvel, ao amanhecer.<br />

Foram para a Tijuca, para a Rua Conde de Bonfim.<br />

Onde o Te Deum magnífico, que se cantara em São Bento,<br />

em 1750, com dois coros de música? Onde o esplendor das<br />

festas públicas? O primeiro caminho foi de São Bento à<br />

Ajuda, a pé. O segundo caminho foi quase de madrugada,<br />

de carro, entre a Ajuda e a Tijuca.<br />

O Aviso de Nabuco de Araújo, em 1855, fechara os noviciados<br />

do Brasil. Despovoou-se o Convento da Ajuda. Moreira<br />

de Azevedo minuciosamente descreveu o interior do<br />

Convento. E Vieira Fazenda deteve-se com volúpia diante<br />

do chafariz das Saracuras, por ele descrito, um artístico<br />

e monumental chafariz erguido no pátio central, em agradecimento<br />

ao conde de Resende que, em 1799, concedera<br />

às freiras um anel d'água.<br />

A bela imagem da Senhora da Piedade, que se via na<br />

antiga igreja da Ajuda, foi louvada por Vieira Fazenda.<br />

"Sempre respeitadas e dignas da consideração do<br />

nosso povo foram e são as religiosas da Ajuda", ponderou<br />

o mesmo Vieira Fazenda (Antiqualhas e Memórias, Revista<br />

do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, tomo<br />

86, vol. 140 (1919) Rio, Imprensa <strong>Nacional</strong>, 1921, pág. 49).<br />

A primeira Abadessa se elegeu a 28 de maio de 1751.<br />

Os restos mortais da infanta Dona Mariana e da Rainha<br />

72


Dona Maria I voltaram para Portugal em 1821. Havia<br />

quatro monjas no Mosteiro em 1889. A Abadessa morrera<br />

a 6 de novembro de 1889, nove dias antes da morte da<br />

Monarquia. Pedira tanto à Princesa Isabel que obtivesse a<br />

abertura do noviciado canónico.<br />

Reabriu-se o noviciado em 1 de julho de 1891.<br />

A 19 de outubro de 1911, monsenhor Alves, capelão,<br />

celebrou a última Santa Missa no velho Convento de<br />

Nossa Senhora da Ajuda. Eram quatro horas da manhã.<br />

Deu a Comunhão às monjas. Mandou apagar as luzes do<br />

Santíssimo. Eram cinco horas e quinze quando os automóveis<br />

partiram com as monjas emocionadas — iam para a<br />

Tijuca, para o número 290 da Rua Conde de Bonfim. Lá,<br />

ficariam nove anos, quase. O Cardeal Arcoverde visitara<br />

pessoalmente a nova casa, a 18 de outubro. E achara que<br />

tudo estava bem.<br />

Ao chegarem as freiras à Tijuca, anunciaram à sua<br />

nova vizinhança a chegada da comunidade tangendo o<br />

pequeno sino da torre improvisada. Tudo começava outra<br />

vez.<br />

"Il faut toujours recommencer", dizia Péguy.<br />

Era a festa litúrgica de São Pedro de Alcântara, franciscano.<br />

A 26 de julho de 1920, mudaram-se para o convento<br />

que se ergueu em Vila Isabel, no mesmo dia e no mesmo<br />

mês em que Dona Cecília Barbalho com suas filhas e<br />

algumas jovens entrara em 1678 para o humilde Recolhimento<br />

da Senhora da Ajuda, na esperança de que viesse<br />

um dia a ser Convento. Em 1926, houve a beatificação da<br />

fundadora da Ordem, Madre Beatriz da Silva e Menezes.<br />

O velho Convento da Ajuda fora desapropriado por<br />

escritura de 4 de julho de 1911.<br />

Pondera, leitor gentil, que o destino dos homens, das<br />

mulheres e das comunidades (mesmo as religiosas, as místicas)<br />

é feito de sombra e de luz. "Dies diei éructât verbum,<br />

nox nocti indicat scientiam", canta o Salmista, que<br />

nossas monjas milhares de vezes — em milhares de vozes<br />

— repetiram. Milhares? Ou centenas?...<br />

Vai, leitor generoso, tecendo o fio da tua meditação<br />

a respeito da vida silenciosa e humilde das monjas, que<br />

75


serviram a esta Cidade. Pensa nos dias, nas horas, nos<br />

minutos, que um após outro se passaram, o dia que entrega<br />

ao outro dia a palavra, a noite que indica à noite<br />

a sabedoria. Foi Machado quem nos disse, com aquela<br />

sua graça inimitável — "Eu gosto de catar o mínimo e<br />

o escondido". É uma palavra sua de 1897, novembro, quando<br />

as monjas ainda estavam no seu antigo Convento,<br />

perto do mar.<br />

Muitas vezes, leitor paciente, o velho céptico e as paredes<br />

do Mosteiro se defrontaram, na cotidianidade simples<br />

da vida. Que terá pensado ele destas velhas paredes,<br />

destas monjas, desta vida contemplativa que por tantos<br />

anos infindáveis ali se viveu?... Machado moço, Machadinho,<br />

Machado maduro, o que escreveu as Memórias Póstumas,<br />

em que aparecem as monjas doceiras, Machado<br />

velho e desencantado, irmão do Conselheiro Aires... Todos<br />

passaram por ali e olharam aqueles muros, em que se<br />

escondeu tanta vida.<br />

70


LITERATURA: A PROSA<br />

Homero Senna


"BELLE ÉPOQUE": REALIDADE OU FANTASIA?<br />

É sabido que o livro de Brito Broca — A Vida Literária<br />

no Brasil — <strong>1900</strong> — procurou focalizar um período da<br />

nossa evolução social que ficou conhecido como a belle<br />

époque. 1 Para os franceses, esse período se situa entre<br />

a última década do século passado e a primeira guerra<br />

mundial, terminando naquele agosto trágico de 1914. Para<br />

nós, a belle époque, como notou o ágil e saudoso ensaísta,<br />

teve uma espécie de suplemento, prolongando-se no decurso<br />

da guerra, até 1918.<br />

Todos os capítulos do seu livro são pequenos ensaios<br />

sobre o teor de vida, os hábitos, as preferências, as manias<br />

dos escritores brasileiros do "<strong>1900</strong>", retratando as influências<br />

que sofriam, como a sedução de Paris, o "helenismo",<br />

Wilde, Nietzche, Ibsen, Tolstoi, etc.<br />

Assim, há de ter sido meio desconcertante para ele,<br />

Que com tanto carinho e competência se dedicara a levantar<br />

aquele movimentado painel do nosso "<strong>1900</strong>" literário,<br />

a observação de Eduardo Frieiro, em resenha que,<br />

na revista Kriterion, publicou sobre o seu livro. 2<br />

Nessa recensão, observa o prosador mineiro: "Na realidade,<br />

nem lá (na França) nem cá houve belle époque<br />

n em douceur de vivre. Simples etiquetas, sem maior ex-<br />

Pressão. A vida é como é, para cada um".<br />

Em apêndice à segunda edição do seu livro, num capítulo<br />

intitulado "A Guisa de Conclusão", referiu-se Brito<br />

Broca ao comentário de Frieiro, o qual, a seu ver, poderia<br />

ser levado à conta do gosto excessivo de desencantador<br />

77


de mitos que caracteriza o autor de A Ilusão Literária.<br />

conhecido pelo seu visceral ceticismo.<br />

Mas, impressionado, sem dúvida, pela crítica, inclinou-se<br />

a dar razão a Frieiro, citando, a propósito, um trecho<br />

do livro de memórias do jornalista francês Edouard<br />

Hersey — Envoyé Spécial — publicado em 1955 pela Livraria<br />

Arthème Fayard e que o cronista do "<strong>1900</strong>" brasileiro<br />

talvez só tenha lido depois da publicação, em 1956,<br />

da primeira edição do seu livro:<br />

Ignoro quem imaginou pela primeira vez<br />

batizar de belle époque o período de alguns anos<br />

que circundam o milésimo de <strong>1900</strong>. Suponho<br />

tenha entrado nas suas intenções uma parte<br />

de ironia. É pouco provável que tal criatura<br />

chegasse a medir a crueldade da expressão. A<br />

gente de hoje não conseguirá fazer idéia dos<br />

abismos de miséria que se escondiam no Paris<br />

brilhante daquele tempo.<br />

E concluía Brito Broca: "Talvez Frieiro esteja com a<br />

razão. A euforia do nosso "<strong>1900</strong>" podia esconder também<br />

muitos abismos". 3<br />

Está claro que escondia. Mas nem por isso a observação<br />

de Frieiro se torna procedente, parecendo-nos, do<br />

mesmo modo, destituído de maior fundamento o trecho<br />

de memórias de Edouard Hersey, acima transcrito. E temos<br />

para nós que, se Brito Broca tivesse meditado um pouco<br />

mais no assunto, provavelmente não concordaria com<br />

Frieiro, nem teria ido buscar, no livro do jornalista francês,<br />

aquele depoimento que aparentemente dá razão ao<br />

ensaísta de Os livros, Nossos Amigos.<br />

O período em questão por certo não foi, para a humanidade,<br />

um mar de rosas. A França, enfraquecida após a<br />

derrota de 1870, viu-se atormentada por lutas interiores.<br />

Houve a comuna e a 3. a República. Em 1881 o Czar Alexandre<br />

II era vítima de um grupo de extremistas que<br />

espalhavam o terror por toda a Rússia. Pouco depois, em<br />

1894, como conseqüência da propaganda anarquista, era<br />

assassinado em Lyon o presidente Carnot. Seis anos mais<br />

tarde, quem caía vítima de novo atentado terrorista era<br />

78


o rei Umberto I, da Itália. Em 1905 estourava a guerra<br />

russo-japonesa. Três anos depois, num clima de grande<br />

agitação, o rei D. Carlos, de Portugal, e o príncipe herdeiro<br />

D. Luís Filipe eram assassinados em Lisboa. E desde<br />

1888 pairava sobre a Europa a ameaça imperialista do<br />

Cáiser Guilherme II, cuja política acabaria conduzindo<br />

à l. a Grande Guerra.<br />

Malgrado todos esses fatos, bem indicativos da inquietação<br />

social que lavrava nos subterrâneos da vida<br />

política européia, e que, evidentemente, não faziam desse<br />

período um manso lago azul, diante do que veio depois<br />

— sobretudo o conflito mundial de 1914-1918 e a revolução<br />

russa de 1917 — ficou sendo ele a belle époque.<br />

Onde a burguesia européia poderia encontrar, depois<br />

desses trágicos e inquietantes acontecimentos, que marcariam<br />

tão fundamente o nosso tempo, a ãouceur de vivre?<br />

A denominação, que para Frieiro parece uma simples etiqueta,<br />

há de ter sido criada, no intervalo das duas guerras,<br />

sem qualquer intenção de ironia, por uma geração que<br />

podia comparar as condições de vida antes e depois de<br />

1914, e suspirar pelo bon vieux temps, em que, apesar<br />

de todos aqueles prenúncios desagradáveis, a vida era<br />

incomparavelmente mais sedutora, tranqüila e aprazível.<br />

Do ponto de vista social, a miséria da belle époque<br />

era por certo enorme, terríveis as condições de vida dos<br />

operários, sobretudo das crianças, nas primeiras fábricas<br />

que se instalavam. Mas, para as classes dominantes, que<br />

não lhe haviam sofrido os horrores, e perdiam a alegria<br />

de viver, diante não só das desgraças conseqüentes àqueles<br />

acontecimentos, mas também das novas ameaças que<br />

se levantavam, pondo em risco os privilégios em que tradicionalmente<br />

assentavam seu estilo de vida, nada mais<br />

legítimo do que suspirar pelos anos de outrora, relativamente<br />

tranqüilos, e batizá-los, sem qualquer ironia, antes<br />

com funda saudade, de belle époque.<br />

Foi a réplica brasileira desse período que Brito Broca<br />

estudou no seu livro. Aqui, evidentemente, as condições<br />

sociais e políticas eram outras. Mas como, então, as nossas<br />

elites viviam ainda com os olhos em Paris, e como sofreram<br />

também, de qualquer forma, os efeitos daqueles acontecimentos,<br />

é natural se tenham deixado influenciar pelo<br />

79


inconformismo e pela atitude saudosista da burguesia européia,<br />

que perdeu, com a belle époque, a douceur de vivre.<br />

É a literatura brasileira em prosa, nesse período, ou,<br />

mais precisamente, de <strong>1900</strong> a <strong>1910</strong>, que nos cabe estudar<br />

neste pequeno ensaio.<br />

UM CONTRASTE SINGULAR<br />

Na sua conferência Rui Barbosa e o Código Civil, San<br />

Tiago Dantas traça um breve mas admirável panorama<br />

do curioso contraste observado entre a situação econômica<br />

e a vida intelectual brasileira nos últimos anos do<br />

século passado e primeiros deste.<br />

"Um país subdesenvolvido e pobre, governado pela oligarquia<br />

e nutrido por uma vida intelectual pujante e vária<br />

— tal era o Brasil de Campos Sales, à véspera das<br />

primeiras realizações materiais do governo de Rodrigues<br />

Alves" — observa o saudoso jurista.<br />

E prossegue, acentuando que quando o governo de<br />

Campos Sales incumbiu Clóvis Beviláqua da grande tarefa<br />

de redigir o projeto do Código Civil, "um contraste singular<br />

reinava entre a economia e a inteligência, entre a<br />

situação de debilidade material do País e a força com que<br />

irrompiam os sinais de uma nova mentalidade".<br />

Lembra ainda que, em 1901, o advogado Edmundo Bittencourt<br />

funda o Correio da Manhã. E, dando o devido<br />

destaque a um ano, na verdade excepcional, na vida literária<br />

brasileira, acentua: "Em 1902 já aparece o Canaã<br />

de Graça Aranha. 4 Nesse mesmo ano, surge o livro que<br />

voltaria a inteligência brasileira para a compreensão do<br />

meio físico, e marcaria um dos eixos permanentes de nossa<br />

vida cultural: Euclides da Cunha publica Os Sertões". 5<br />

A difícil situação econômica que o país atravessava,<br />

na encruzilhada do século, foi também objeto de acerbo<br />

comentário de José Veríssimo. Este, porém., talvez pela<br />

proximidade do que, no campo literário, estava acontecendo<br />

à sua volta, não chegou a perceber a antinomia<br />

apontada por San Tiago Dantas, e, em artigo de 1901,<br />

acentuava, com pessimismo:<br />

80


Com exceção dos governantes, sempre em<br />

toda a parte, em todos os tempos, e até nas<br />

vésperas e na iminência das revoluções e das<br />

catástrofes, otimistas, todos sabem e sentem as<br />

desgraçadíssimas condições, materiais e morais,<br />

do nosso país. E desta vez não é lugar-comum<br />

das oposições políticas, "coisa que não há'',<br />

como de cristãos dizia muito bem o D. João<br />

do poeta português, senão fato real, incontestável,<br />

tangível por assim dizer. 6<br />

SURGE UM NOVO JORNAL<br />

Já vimos que, em 1901, fundava-se o Correio da Manhã,<br />

jornal de combate e oposição, cujos editoriais alcançavam<br />

a maior repercussão e freqüentemente acuavam o<br />

Governo. Para crítico literário desse novo órgão foi convidado<br />

José Veríssimo.<br />

Em artigo sobre "O Primeiro Crítico do Correio da<br />

Manhã", publicado numa das edições comemorativas do<br />

cinqüentenário do jornal Alvaro Lins, seu sucessor na<br />

década de 40, traçou o perfil moral e intelectual do autor<br />

dos Estudos de Literatura Brasileira. E nos conta como<br />

eram apresentados os seus artigos, e sobre o que escrevia<br />

ele:<br />

Nesta primeira fase, a crítica literária do<br />

Correio não era oferecida aos leitores num dia<br />

rigorosamente certo da semana. De preferência,<br />

os artigos de Veríssimo apareciam às segundas-feiras<br />

— e não haveria nesta escolha<br />

uma sugestão dos Lunãis de Sainte Beuve? —<br />

mas, em algumas outras semanas, surgiam às<br />

terças ou quartas-feiras. Não havia rubrica geral,<br />

encimando cada artigo apenas o seu título<br />

particular. Não adotara ainda o Correio, para<br />

a crítica literária, o sistema de rodapé, ficando<br />

este reservado à publicação dos romances em<br />

folhetins. Vê-se, porém, que a crítica era uma<br />

matéria valorizadíssima, pelo espaço que .podia<br />

81


ocupar e pelo local em que era estampada. Aparecia<br />

nas primeiras colunas da primeira página,<br />

no mesmo local em que escreviam artigos<br />

políticos Edmundo Bittencourt, Manuel Vitorino,<br />

Lauro Sodré, Ubaldino do Amaral, vindo<br />

logo em, seguida, diariamente, o de Gil Vidal.<br />

Às vezes, o artigo de José Veríssimo ocupava<br />

meia página.<br />

A respeito dos assuntos de que tratava o crítico, esclarece<br />

Alvaro Lins: "Escrevia sobre autores nacionais e<br />

estrangeiros, ora estudando uma obra só em todo um<br />

artigo quando lhe parecia importante, ora examinando<br />

várias delas, dezenas, às vezes, num só dia". 7<br />

UMA REVELAÇÃO<br />

O país podia ser pobre, e estar atravessando uma<br />

das fases mais difíceis da sua vida econômica. Ao lado<br />

disso, ou a despeito disso, havia, porém, um surpreendente<br />

florescimento das letras, como a provar serem elas, ao<br />

mesmo tempo, "uma função social necessária" e "um fato<br />

da vontade individual".<br />

A comprovação de tal circunstância tivemos no final<br />

de 1902, com a publicação de Os Sertões, de Euclides da<br />

Cunha. Costuma-se dizer que esse livro foi publicado "no<br />

final de 1902". O artigo de José Veríssimo sobre ele traz<br />

a data de 3 de dezembro desse ano. Ora, só para ler o<br />

grosso volume, o crítico teria levado algum tempo. Qual<br />

a data exata, então, do seu aparecimento?<br />

Esta, hoje, é difícil de precisar. Olímpio de Sousa Andrade<br />

— o grande especialista em Euclides — baseandose<br />

em duas cartas do escritor a Francisco Escobar, uma<br />

datada de 10 de agosto, em que dizia ter ido ao Rio<br />

acertar com os editores o dia exato do lançamento, e<br />

outra de 19 de outubro, "na qual, muito alarmado, comunicava<br />

ter recebido carta do amigo a respeito da leitura<br />

de Os Sertões, onde aquele encontrara numerosos senões<br />

de revisão, conclui que o livro deve ter sido lançado entre<br />

esses meses, e não em dezembro. 8<br />

82


No princípio do século, como se sabe, as obras dos<br />

autores brasileiros se editavam, na sua grande maioria,<br />

na Europa. Significativamente, visto tratar-se de um livro<br />

que nos fazia despregar os olhos do Velho Continente e<br />

encarar mais de perto os nossos graves problemas, a obra<br />

de estréia de Euclides da Cunha foi lançada por uma<br />

editora que, embora pertencente a estrangeiros, era sediada<br />

no Rio: Laemmert & Cia. As provas tipográficas da<br />

epopéia de Canudos não tiveram, assim, de atravessar<br />

o Atlântico, num e noutro sentido, como as da maioria<br />

dos livros brasileiros da época, e o máximo que lhes aconteceu<br />

foi viajar do Rio até Lorena, no Estado de São Paulo<br />

(onde o escritor então residia), e vice-versa.<br />

A casa Laemmert & Cia., no ano anterior, havia publicado<br />

a Tormenta, de Coelho Neto, e desde alguns anos<br />

vinha editando autores nacionais. Mas, no caso de Euclides,<br />

apesar da apresentação entusiástica de Lúcio de<br />

Mendonça, o editor, como tantas vezes tem acontecido,<br />

não confiou no livro, ou teve medo do excessivo volume<br />

dos originais. E — sirva isto de consolo aos plumitivos<br />

que ainda hoje não encontram quem queira editar suas<br />

poesias, seus contos, romances ou ensaios — Euclides teve<br />

de financiar, ele próprio, a edição, com um conto e quinhentos,<br />

"mais ou menos duas vezes o seu ordenado",<br />

segundo o já referido Olímpio de Sousa Andrade. 9<br />

O livro causou um impacto fora do comum. E coube<br />

a José Veríssimo a glória de ter escrito o primeiro artigo<br />

sobre ele, intitulado "Uma história dos sertões e da Campanha<br />

de Canudos", publicado na edição de 3 de dezembro<br />

de 1902 do Correio da Manhã. 10<br />

Como notou Alvaro Lins, "Euclides era um novo, um<br />

nome desconhecido, que se apresentava ao crítico apenas<br />

c °m a obra-prima do seu livro de estréia". No entanto,<br />

Veríssimo, ao contrário do editor Laemmert, não se engana<br />

e saúda o estreante desconhecido com entusiasmo e<br />

segura confiança no seu talento:<br />

O livro, por tantos títulos notável, do Sr.<br />

Euclides da Cunha, é ao mesmo tempo o livro<br />

de um homem de ciência, um geógrafo, um<br />

83


geólogo, um etnógrafo; de um homem de pensamento,<br />

um filósofo, um sociólogo, um historiador;<br />

e de um homem de sentimento, um<br />

poeta, um romancista, um artista, que sabe ver<br />

e descrever, que vibra e sente tanto aos aspectos<br />

da natureza como aos contactos do homem,<br />

e estremece todo, tocado até ao fundo d'alma,<br />

comovido até às lágrimas, em face da dor humana,<br />

venha ela das condições fatais do mundo<br />

físico, as secas que assolam os sertões do norte<br />

brasileiro, venha da estupidez ou maldade dos<br />

homens como a campanha de Canudos.<br />

Era o início da consagração do grande livro e de seu<br />

autor.<br />

Enquanto isso, Euclides se achava em Lorena, no vale<br />

do Paraíba, como engenheiro de obras públicas do Estado<br />

de São Paulo. Era Chefe do 2.° Distrito, com sede em<br />

Guaratinguetá. Mas como as condições de vida em Lorena<br />

lhe parecessem mais favoráveis, preferiu fixar residência<br />

nessa cidade vizinha. Em carta a José Veríssimo, agradecendo<br />

o artigo elogioso, queixava-se da sua situação de<br />

" commis-voyaqeur da engenharia". 11 E pouco depois, escrevendo<br />

a Araripe Júnior, que também se ocupara do<br />

livro, num artigo consagrador, desabafava: "Eu creio, porém,<br />

que sairei breve desse desvio morto da Engenharia,<br />

sem descarrlhar; aproveitarei o primeiro triângulo de<br />

reversão aue aparecer, e avançarei na minha verdadeira<br />

estrada". 12<br />

Conseguiu ele, de fato, sair daquele "desvio morto da<br />

Engenharia". Veio para o Rio, recebeu importantes missões<br />

do Barão do Rio Branco, então Ministro das Relações<br />

Exteriores, foi eleito para o Instituto Histórico e a Academia,<br />

viajou até o Amazonas, prestou concurso para professor<br />

do Colégio Pedro II, publicou outros livros igualmente<br />

notáveis: Contrastes e Confrontos, Porto, 1907; Peru<br />

versus Bolívia, Rio, 1907; e A Margem da História, Porto,<br />

1909. No primeiro desses volumes, é que figura aquele perfil<br />

admirável do Marechal de Ferro, e foi ele que inspirou<br />

a Araripe Júnior seu estudo "Dois grandes estilos", publi-<br />

84


cado no Jornal do Commercio de 3-2-1907, e hoje incluído<br />

no IV volume da sua Obra Crítica, editada pela <strong>Fundação</strong><br />

Casa de Rui Barbosa.<br />

Se Euclides, graças, sobretudo, à sua amizade com<br />

o Barão do Rio Branco, conseguiu sair "do desvio morto<br />

da Engenharia, sem descarrilhar", o mesmo não logrou<br />

fazer em relação a problemas familiares, de ordem pessoal.<br />

E no dia 15-8-1909 tombava assassinado na Estrada<br />

Real de Santa Cruz, no subúrbio da Piedade, no Rio. Agrippino<br />

Grieco, morador nas redondezas, costumava contar<br />

que, passeando, a pé, naquela manhã de domingo, viu o<br />

cadáver estendido na calçada. E nem de longe supôs que<br />

ali estava o corpo do grande escritor, que ele tanto admirava.<br />

Sua morte desfalcou as letras brasileiras de um de<br />

seus valores mais originais e autênticos, desaparecido, tragicamente,<br />

aos 43 anos de idade...<br />

NOSSO PRIMEIRO ROMANCE IDEOLÓGICO<br />

Em seu ensaio "Cinqüenta anos de literatura", publicado<br />

inicialmente na mesma edição comemorativa do Corr<br />

eio da Manhã, a que acima nos referimos, Lúcia Miguel-<br />

Pereira, com a acuidade de sempre, aludindo à obra de<br />

Euclides e a outro livro aparecido, também, em 1902, escreve:<br />

Floresta impressionante, Os Sertões contribuíram<br />

talvez quase tanto para o arrevesamento<br />

da linguagem — com que se deleitaram<br />

Alcides Maia e Alberto Rangel — quanto para<br />

o conhecimento do país, o que não é dizer<br />

pouco. E, saído no mesmo ano de 1902, um<br />

romance, nosso primeiro romance social, o<br />

Canaã, de Graça Aranha, levaria para o gênero<br />

ênfase não semelhante, mas equivalente, que<br />

de algum modo se refletiria em Luzia-Homem,<br />

de Domingos Olímpio, publicado em 1903, contrariando-lhe<br />

o forte cunho regional.<br />

85


Tendo agradado, principalmente, pelo "artifício girandoloso<br />

do estilo", o romance de Graça Aranha confirma<br />

a observação de Lúcia Miguel-Pereira, de que, ressalvadas<br />

as exceções de praxe, escrevia-se então "com<br />

a evidente preocupação da frase brilhante, alcandorada<br />

e, sobretudo, arquitetônica", já que a voga favorecia a<br />

eloqüência, "que se pôs a transbordar dos discursos para<br />

os ensaios, para os romances e até para a poesia".<br />

Era a preamar parnasiana, que levava Coelho Neto<br />

a escrever, referindo-se à Forma, numa réplica à "Profissão<br />

de Fé", de Bilac: "Por ela o meu sangue, toda a<br />

minha alma para resguardá-la: é o meu amor, é o meu<br />

ídolo, é o meu ideal". 13<br />

Como observa, ainda, a mesma ensaísta, passara "da<br />

poesia à prosa o gosto das palavras altissonantes e sobretudo<br />

de arquitetura verbal, da frase redonda e cheia, descrevendo<br />

harmoniosa parábola".<br />

Ora, o Canaã, de Graça Aranha, inseria-se, com perfeição,<br />

nesse contexto, e era, além disso, sob muitos aspectos,<br />

um livro revolucionário. Traindo a influência do<br />

germanismo da Escola do Recife, é muito mais um romance<br />

de idéias do que de ação. Como diria, muito mais<br />

tarde, Agrippino Grieco, em entrevista que nos concedeu,<br />

"Canaã é um mau modelo de romance, porque todo desconexo,<br />

sem a preocupação da unidade, mas que excelente<br />

coletânea de morceaux choisisVM<br />

Por este ou por aquele motivo, a verdade é que o<br />

livro fez carreira, não só no Brasil, mas igualmente no<br />

exterior. Em <strong>1910</strong> aparecia a tradução francesa de Clement<br />

Gazot, com prefácio do Conde Prozor, para o que, sem<br />

dúvida, também contribuiu a posição do autor, como diplomata<br />

que era. E foi essa projeção extrafronteiras<br />

do romance que preocupou Gilberto Amado. Em artigo<br />

N'0 País, de 11-12-<strong>1910</strong>, sustentava ele que Canaã era "o<br />

mais vigoroso libelo contra o Brasil e a mais definitiva<br />

condenação que ainda se escreveu sobre o caráter de um<br />

povo". Reconhecia que Graça Aranha dizia, talvez, verdades,<br />

"mas são as que mais nos humilham, as que mais<br />

corroboram a idéia que o europeu tem da nossa incapacidade<br />

orgânica para fundar uma civilização, constituir<br />

uma nacionalidade". O "derrotismo etnográfico" do dis-<br />

86


cípulo de Tobias Barreto assustava o pensador que, pouco<br />

depois, sustentaria a tese de que "de sermos mestiços<br />

e mulatos devemos ter, senão orgulho, ao menos a consciência<br />

de que o sermos não implica inferioridade nenhuma.<br />

Mulatos e mestiços fizeram uma cousa extraordinária:<br />

o Brasil". 15<br />

Com pontos de vista tão opostos, não admira que<br />

Gilberto Amado e Graça Aranha jamais tenham conseguido<br />

entender-se...<br />

A REDAÇÃO DO CÓDIGO CIVIL<br />

Não param aí, porém, os grandes acontecimentos literários<br />

de 1902, pois precisamos não nos esquecer de que<br />

desse mesmo ano é o Parecer sobre a redação do Código<br />

Civil, de Rui Barbosa. Datado de 13-4-1902, foi publicado<br />

no Diário do Congresso <strong>Nacional</strong>, Suplemento ao n o 126,<br />

de 27-7-1902. A edição da Imprensa <strong>Nacional</strong>, num volume<br />

de 561 páginas, sairia também nesse mesmo ano.<br />

E foi outro formidável impacto. San Tiago Dantas,<br />

na conferência acima citada, já explicou as razões desse<br />

parecer arrasador: Rui queria estudar a parte jurídica<br />

do Código, e dar a sua contribuição ao aprimoramento<br />

dos nossos institutos de Direito Civil. O projeto, porém,<br />

chegara ao Senado em regime de urgência "urgentíssima",<br />

como hoje se diria. Não havia tempo, portanto, para<br />

o estudo jurídico que o mestre pretendia fazer. Conhecendo<br />

o Brasil, e sabendo a importância que sempre demos,<br />

aqui (como ainda hoje), às questões gramaticais,<br />

resolveu torpedear o projeto, não porque ele contivesse<br />

defeitos de ordem jurídica, mas sim porque estava inçado<br />

de heresias estilísticas, escrito em caçanje.<br />

A contribuição que deu à melhoria da redação do<br />

Código é inestimável, e pode ser avaliada em toda a sua<br />

riqueza e extensão no livro de Fernando Néri — Rui<br />

Barbosa e o Código Civil (Rio de Janeiro, Imprensa <strong>Nacional</strong>,<br />

1931).<br />

Com esse parecer, Rui conseguiu, realmente, o seu intento,<br />

e a tramitação do projeto, no Congresso, foi retardada<br />

por nada menos de 14 anos, pois o Código só seria<br />

87


aprovado pela Lei n.° 3.071, de 1 de janeiro de 1916. Apesar<br />

disso, o grande publicista não teve tempo, ou oportunidade<br />

de concluir o seu estudo sobre os aspectos jurídicos<br />

do Código, estudo esse que ficou restrito aos primeiros<br />

vinte artigos da Parte Geral.<br />

O efeito, porém, do parecer em que apontava as imperfeições<br />

estilísticas do projeto, foi enorme. Como se sabe,<br />

acendeu-se grande polêmica sobre o assunto, e o debate<br />

com Carneiro Ribeiro (que na Réplica, de Rui, atingiu seu<br />

ponto mais alto) apaixonou os espíritos e aguçou o gosto<br />

dos brasileiros pelas discussões de ordem gramatical. A<br />

Réplica foi publicada, inicialmente, no Diário do Congresso<br />

<strong>Nacional</strong>, Suplemento ao n.° 120, de 10-10-1903, sendo que<br />

sua primeira impressão em livro (edição da Imprensa <strong>Nacional</strong>),<br />

num volume de 600 páginas, apareceu em 1904.<br />

Sobre a repercussão e influência desse trabalho de<br />

Rui, há o testemunho de João Mangabeira, que nem por<br />

partir de um de seus discípulos mais devotados, pode ser<br />

considerado suspeito:<br />

... o amor e o zelo pela língua portuguesa<br />

se podem, nitidamente, dividir entre nós em<br />

duas fases: antes e depois da Réplica. Na primeira,<br />

apenas os gramáticos e os especialistas<br />

timbravam no apuro da linguagem. No mais,<br />

o descuido, o descaso, o desalinho. Basta ler os<br />

escritos e discursos dos maiores vultos do Império.<br />

Na segunda, todos os homens, de todas<br />

as posições, em todas as emergências, cuidam<br />

do asseio vernáculo, dando cada um de si o<br />

mais que pode. 10<br />

A polêmica Rui-Carneiro Ribeiro; os artigos de Cândido<br />

de Figueiredo sobre "O que se não deve dizer", publicados<br />

no Jornal do Commercio, e reunidos em livro em<br />

1903, por uma editora de Lisboa; colunas como a que<br />

Cândido Lago mantinha no Correio da Manhã, sob o<br />

título "O que é correto", criaram, no público, uma excessiva<br />

preocupação com o vernáculo, visto do lado do "casticismo<br />

português". Ninguém, escrevendo, queria errar, incidir<br />

na crítica desses mestres. O purismo gramatical tor-<br />

88


nou-se palavra de ordem, e com isso a língua portuguesa<br />

passou a ser considerada das mais difíceis de se falar e<br />

escrever corretamente.<br />

O seguinte depoimento de José Veríssimo é bastante<br />

expressivo a respeito do estado de espírito em que então<br />

viviam os escritores:<br />

Oh! Esta nossa língua portuguesa, quem<br />

pode jactar-se de sabê-la toda, de poder sem<br />

contestação plausível apoiar-lhe ou reprovar-lhe<br />

uma forma, uma expressão, um vocábulo, afirmar<br />

com segurança, fora dos casos vulgares de<br />

incorreção manifesta e dos solecismos indiscutíveis,<br />

que isto é errado ou aquilo é certo,<br />

que isto é vernáculo e aquilo não é? 17<br />

Curioso é que essa exagerada e injustificável preocupação<br />

com o vernáculo se prolongou por muito tempo,<br />

chegando a atingir representantes de gerações posteriores,<br />

e até escritores que tinham tudo para desrespeitá-la,<br />

como vieram, afinal, a fazer mais tarde, no movimento<br />

modernista de 1922. A propósito, é não só surpreendente,<br />

mas significativa, esta confissão de Mário de Andrade,<br />

em carta ao seu amigo Manuel Bandeira: "É engraçado,<br />

mas eu trago, não propriamente da minha geração, mas<br />

das pelo menos duas que antecederam a minha, um desejinho<br />

secreto de falar bem o português e escrevê-lo sem<br />

erro". "<br />

O MOMENTO LITERÁRIO<br />

Segundo R. Magalhães Jr., foi Medeiros e Albuquerque,<br />

de volta de uma de suas viagens à Europa, que sugeriu<br />

a João do Rio a realização do inquérito "O Momento<br />

Literário", publicado inicialmente na Gazeta de Notícias,<br />

no primeiro semestre de 1905, e mais tarde em livro, pela<br />

Livraria Garnier, sem qualquer indicação de data, mas<br />

provavelmente em 1908. 10 O modelo em que se inspirou o<br />

jornalista parece ter sido o livro de Jules Huret, Enquête<br />

sur l'Évolution Littéraire, aparecido em Paris em 1901. O<br />

biógrafo de João do Rio chega a insinuar que o questioná-<br />

89


io, por este submetido a cerca de cinqüenta escritores,<br />

dos mais representativos e atuantes nas letras e no jornalismo<br />

de então, foi redigido pelo próprio Medeiros e<br />

Albuquerque. O questionário era o seguinte:<br />

1) Para sua formação literária, quais os<br />

autores que mais contribuíram?<br />

2) Das suas obras, qual a que prefere? Especificando<br />

mais ainda: quais, dentre seus trabalhos,<br />

as cenas ou capítulos, quais os contos,<br />

quais as poesias que prefere?<br />

3) Lembrando separadamente a prosa e a<br />

poesia contemporâneas, parece-lhe que no momento<br />

atual, no Brasil, atravessamos um período<br />

estacionário, há novas escolas (romance social,<br />

poesia de ação, etc.), ou há a luta entre<br />

antigas e modernas? Neste último caso, quais<br />

são elas? Quais os escritores contemporâneos<br />

que as representam? Qual a que julga destinada<br />

a predominar?<br />

4) O desenvolvimento dos centros literários<br />

dos Estados tenderá a criar literaturas à parte?<br />

5) O jornalismo, especialmente no Brasil,<br />

é um fator bom ou mau para a arte literária?<br />

João do Rio conseguiu realizar entrevistas pessoais<br />

com Olavo Bilac, Coelho Neto, Júlia Lopes de Almeida,<br />

Felinto de Almeida, Pe. Severiano de Resende, Félix Pacheco,<br />

Armando Erse (João Luso), Guimarães Passos e<br />

Lima Campos. Os demais depoimentos foram obtidos por<br />

carta, havendo respondido os escritores João Ribeiro. Clóvis<br />

Beviláqua, Sílvio Romero, Raimundo Correia, Medeiros<br />

e Albuquerque, Garcia Redondo, Frota Pessoa, Mário<br />

Pederneiras, Luís Edmundo, Curvelo de Mendonça, Nestor<br />

Vítor, Silva Ramos, Artur Orlando, Sousa Bandeira, Inglês<br />

de Sousa, Afonso Celso, Elísio de Carvalho, Pedro do<br />

Couto, Osório Duque Estrada, Fábio Luz, Rodrigo Otávio,<br />

Rocha Pombo, Laudelino Freire, Magnus Sondhal, Gustavo<br />

Santiago, Augusto Franco, Alberto Ramos e Júlio<br />

Afrânio, nome com que, na época, Afrânio Peixoto, ainda<br />

muito jovem, assinava seus trabalhos.<br />

90


Dos entrevistados, muitos estão hoje completamente<br />

esquecidos, e precisamos recorrer aos dicionários especializados<br />

para identificá-los, como por exemplo, aquele estranho<br />

Magnus Sondhsl, "um maníaco do ocultismo" que<br />

já figurara em .As Religiões no Rio, como observa R. Magalhães<br />

Jr. De qualquer maneira, e ainda que constituído,<br />

em grande parte, de depoimentos de escritores que hoje<br />

nos parecem secundários, e não trouxeram, às letras brasileiras,<br />

qualquer contribuição mais significativa, o inquérito<br />

de João do Rio é um precioso repositório de dados<br />

e informações sobre hábitos de vida, tendências e opiniões<br />

da intelligentsia brasileira na primeira década do século.<br />

Foi pena que as figuras mais representativas das nossas<br />

letras de então não tivessem atendido ao seu apelo, como<br />

ocorreu, entre outros, com Machado de Assis, Graça Aranha,<br />

Artur Azevedo, Alberto de Oliveira, Aluízio Azevedo<br />

e José Veríssimo.<br />

No final, João do Rio dá um balanço em seu inquérito,<br />

tirando conclusões, algumas de cunho sociológico, que<br />

são importantes para fixar a mentalidade dos escritores<br />

brasileiros da época, e as perspectivas de nossa literatura<br />

nos primeiros dez anos do século. Uma dessas conclusões<br />

é de que passara a época da boêmia, quando um sujeito,<br />

"para fingir de prosador, começava por ter a barba por<br />

fazer e o fato cheio de nódoas". No momento — observa<br />

o jornalista — um tipo nessas condições "seria posto fora<br />

até mesmo das confeitarias, que são e sempre foram as<br />

colméias dos ociosos". E qual foi o fator que contribuiu<br />

para a mudança de mentalidade dos escritores? Foi a<br />

concorrência — responde ele — "a tremenda concorrência<br />

de trabalho que proíbe os romantismos, o sentimentalismo,<br />

as noites passadas em claro e essa coisa abjecta que os<br />

imbecis divinizam, chamada boêmia, isto é, a falta de<br />

dinheiro, o saque eventual das algibeiras alheias e a gargalhada<br />

de troça dos outros, com a camisa por lavar e o<br />

estômago vazio..." Ao sopro das transformações por que<br />

Passava o Rio, no governo Rodrigues Alves, com o saneamento<br />

da cidade e a abertura da Avenida, começava-se a<br />

criar, embora timidamente, a profissão de escritor, que<br />

91


o jornalismo facilitava. "Hoje o escritor trabalha para o<br />

editor — acentua João do Rio — e não manda vender,<br />

como José de Alencar e o Manuel de Macedo, por um preto<br />

de balaio no braço, as suas obras de porta em porta,<br />

como melancias ou tangerinas. Uma nova necessidade infiltrou-se<br />

nos nossos hábitos: a necessidade da higiene<br />

e do confortável".<br />

Outra conclusão que João do Rio tira das respostas ao<br />

seu inquérito, é a que diz respeito à preocupação dominante<br />

nos meios literários de então: "A época é de um<br />

individualismo hiperestésico". Reconhecia a estagnação<br />

dos corrilhos literários, mas não deixava de frisar que<br />

"a fúria de aparecer só" era prodigiosa. A vaidade do<br />

intelectual deixara de ser uma coisa ridícula, para ser<br />

vista como "uma deliciosa coquetérie cerebral, que o arrivismo<br />

prático transforma em reclamo". Tanto assim, que<br />

os escritores consultados, na sua quase totalidade, contaram<br />

com especial prazer a própria vida. O sucesso era<br />

para ele "o critério mais exato da aclamação pública",<br />

já que o homem de letras só tem um desejo, mesmo quando<br />

está na torre de marfim: conquistar o favor público,<br />

ser lido e ser notado".<br />

Quanto aos rumos da literatura, naquele início de<br />

século, João do Rio, talvez puxando um pouco a sardinha<br />

para a sua brasa, mas não deixando, por outro lado, de<br />

ver com clareza nas brumas do futuro, opinava que o<br />

momento não era de devaneios, "mas de curiosidade, de<br />

informação, fazendo da literatura, no romance, na crônica,<br />

no conto, nas descrições de viagens, uma única e<br />

colossal reportagem".<br />

Ao lado de observações justas, como a de que "não<br />

há uma só das nossas idéias que não seja bebida no estrangeiro,<br />

nos livros de Félix Alcan, ou nas extravagâncias<br />

publicáveis do "Mercure de France", e de que o naturalismo<br />

morrera e o nefelibatismo agonizava, outras há<br />

em que se enganou redondamente, como ao decretar a<br />

morte da poesia, sentença que viria a ser repetida trinta<br />

anos mais tarde, também sem qualquer procedência, por<br />

Augusto Frederico Schmidt, em entrevista famosa... 20<br />

92


UM TÍTULO FALACIOSO<br />

Aparecido em 1907, numa edição da Livraria Garnier,<br />

o livro de Elísio de Carvalho .As Modernas Correntes Estéticas<br />

na Literatura Brasileira tem um título enganador,<br />

pois não se trata de nenhum estudo sobre as novas tendências<br />

artísticas dominantes na literatura brasileira do<br />

seu tempo, mas sim da reunião de vários artigos de crítica<br />

nefelibática, grupados, aliás, de maneira insólita, ou pelo<br />

menos pouco compreensível aos olhos do leitor de hoje.<br />

Assim, num primeiro grupo estão os Representativos<br />

(Graça Aranha, José Veríssimo, João Ribeiro e Emílio de<br />

Meneses); num segundo grupo, os Ideólogos, Sonhadores<br />

e Revoltados (Fábio Luz, Curvelo de Mendonça, Pereira<br />

da S,'lva e Pedro do Couto); e, finalmente, como Raros e<br />

Impassíveis, João do Rio, Gustavo Santiago, Goulart de<br />

Andrade e Oscar Lopes.<br />

Ora, será essa a classificação que ele dava ao que pomposamente<br />

chamava "as modernas correntes estéticas na<br />

literatura brasileira"? E que vem fazer o poeta Emilio de<br />

Meneses, humorista boêmio e folgazão, num grupo onde<br />

estão pensadores e estudiosos como Graça Aranha, José<br />

Veríssimo e João Ribeiro? Por outro lado, como chamar<br />

de impassível um homem trêfego e agitado como João do<br />

Rio, que revolucionou o jornalismo do seu tempo?<br />

Além dos ensaios sobre esses escritores, reunidos da<br />

maneira mais estapafúrdia, como acabamos de ver, o<br />

livro inclui ainda duas outras séries de estudos: "O Problema<br />

da Cultura" e "Arte Social".<br />

Dentre os artigos que compõem "O Problema da Cultura",<br />

figura um que se chama "Minha formação literária",<br />

que outra coisa não é senão a sua resposta, refundida<br />

e ampliada, à enquête de João do Rio.<br />

Nela, depois de se referir, longa e atabalhoadamente,<br />

aos livros e aos autores que mais influíram na formação<br />

de sua mentalidade, Elísio de Carvalho faz estas duas confissões<br />

que não podemos deixar passar sem um registro, a<br />

primeira porque denuncia o seu estado de espírito em<br />

relação aos confrades de letras, e a segunda, pela sua<br />

pretensão.<br />

93


Depois de afirmar que em nada se sentia devedor a<br />

qualquer escritor brasileiro de outros tempos, pois "o intelecto<br />

brasileiro está muito baixo para influir-me" sobre<br />

os contemporâneos, depõe: "Os modernos, salvo raríssimas<br />

e honrosas exceções, mesmo os que têm cotação na<br />

cocheira do Senhor-Todo-o-Mundo, não passam de filisteus,<br />

cabotinos, chatas mediocridades, e inspiram-me também<br />

nojo, nojo e dor, dor sobretudo".<br />

Quanto a ele próprio, que em política se confessava<br />

"anarquista", pontifica: "Sou supernacional e pertenço ao<br />

movimento intelectual europeu..."<br />

Dentre os modernos — naturalmente uma daquelas<br />

"raríssimas e honrosas exceções" a que se referiu, destacava<br />

Graça Aranha, "o mestre admirável de Canaã, a<br />

cbra mais extraordinária, mais estranha, mais genial que<br />

concebeu o nosso espírito artístico", e escritor que, na sua<br />

opinião, "é o artista tipo que simboliza este momento<br />

supremo da literatura brasileira".<br />

Exatamente por causa desses arroubos, o livro não<br />

depõe muito a favor do espírito crítico do autor, pois se<br />

ocupa, na maior parte, e quase no mesmo tom em que<br />

se refere a Graça Aranha, de autores que o tempo sepultou<br />

e estão hoje completamente esquecidos. 21<br />

A FIGURA MAXIMA<br />

Sobranceiro à querela das escolas, continuava a escrever,<br />

ombro a ombro com os novos, uma figura que, no<br />

dizer de Lúcia Miguel-Pereira, "era o mestre, o guia, o<br />

chefe, senão da vida literária, pelo menos da literatura<br />

em si mesma". Sem se filiar a qualquer escola literária,<br />

pois, na sua melhor fase (a que se inicia com as Memórias<br />

Póstumas de Brás Cubas), não foi romântico nem<br />

naturalista, "se impunha aos leitores novecentistas como<br />

aos oitocentistas se impusera": Machado de Assis.<br />

De fato, o mestre continuava em plena atividade. Dom<br />

Casmurro é de <strong>1900</strong>, Esaú e Jacó, de 1904. Relíquias de<br />

Casa Velha, de 1906 e Memorial de Aires, de 1908, ano em<br />

que veio a falecer.<br />

94


Ligado à morte do cético de Quincas Borba há, aliás,<br />

um episódio que deu lugar a uma das páginas mais belas<br />

do nosso jornalismo literário — a crônica "A última visita",<br />

de Euclides da Cunha — e que não deve ficar esquecido.<br />

Era já noite, e Machado agonizava na sua casa do<br />

Cosme Velho. Na sala de jantar, um grupo de senhoras,<br />

vizinhas e conhecidas, muitas das quais ele vira meninas<br />

e carregara nos braços, comentava episódios da vida do<br />

escritor, ao lado de Carolina, naquele recanto tranqüilo,<br />

onde o amor pusera "um mundo inteiro". No salão de visitas,<br />

vários amigos e companheiros de letras, numa atitude<br />

de solidariedade, acompanhavam, pessoalmente, os<br />

últimos momentos do mestre. Estavam ali Coelho Neto,<br />

Graça Aranha, Mário de Alencar, José Veríssimo, Raimundo<br />

Correia, Rodrigo Otávio e Euclides da Cunha. Achavam<br />

eles desanimador que uma vida como aquela se extinguisse<br />

no meio de tamanha indiferença pública, com repercussão<br />

apenas "no círculo limitadíssimo de corações amigos".<br />

Um escritor do porte de Machado de Assis "só devera<br />

extinguir-se dentro de uma grande e nobilitadora comoção<br />

nacional". No entanto, a cidade inteira assistia àquilo "sem<br />

a vibração de um abalo, derivando imperturbavelmente<br />

na normalidade de sua existência complexa".<br />

Nesse momento, precisamente ao enunciar-se este<br />

juízo desalentado — narra Euclides — alguém bate à porta<br />

de entrada.<br />

Abriram-na. Apareceu um desconhecido:<br />

um adolescente de 16 a 18 anos, no máximo.<br />

Perguntaram-lhe o nome, declarara ser desnecessário<br />

dizê-lo: ninguém ali o conhecia, não<br />

conhecia, por sua vez, ninguém; não conhecia<br />

o próprio dono da casa, a não ser pela leitura<br />

dos livros que o encantavam. Por isto, ao ler<br />

nos jornais da tarde que o escritor se achava<br />

em. estado gravíssimo, tivera o pensamento de<br />

visitá-lo. Relutara contra esta idéia, não tendo<br />

quem o apresentasse; mas não lograra vencêla.<br />

Que o desculpassem, portanto. Se não lhe<br />

95


era dado ver o enfermo, dessem-lhe ao menos<br />

notícias certas do seu estado.<br />

E o anônimo juvenil, vindo da noite, foi<br />

conduzido ao quarto do doente. Chegou. Não<br />

disse uma palavra. Ajoelhou-se. Tomou a mão<br />

do Mestre; beijou-a num belo gesto de carinho<br />

filial. Aconchegou-a depois por momentos ao<br />

peito. Levantou-se e, sem dizer palavra, saiu.<br />

À porta, José Veríssimo perguntou-lhe o nome, inteirando-se,<br />

então, de quem se tratava. E conclui Euclides:<br />

Mas ele deve ficar anônimo.<br />

Qualquer que seja o destino desta criança,<br />

ela nunca mais subirá tanto na vida. Naquele<br />

momento, o seu coração bateu sozinho pela<br />

alma de uma nacionalidade. Naquele meio segundo<br />

— naquele meio segundo em que ele estreitou<br />

o peito moribundo de Machado de Assis,<br />

aquele menino foi o maior homem de sua terra.<br />

Ele saiu, e houve na sala, um pouco invadida<br />

de desalento, uma transfiguração.<br />

Nos fastígios de certos estados morais, concretizam-se,<br />

às vezes, as maiores idealizações.<br />

Pelos nossos olhos passou a impressão visual da<br />

Posteridade... 22<br />

Nessa mesma madrugada, deu-se o desenlace. E no<br />

dia seguinte, ainda sob a impressão daquela visita estranha,<br />

mas altamente simbólica aos olhos de todos que a<br />

presenciaram, Euclides, na redação do Jornal do Commercio,<br />

compôs o seu primoroso artigo. João Luso assistiu a<br />

tudo, e pôde depor que o estilista de Os Sertões, aparentando<br />

uma serenidade perfeita, e quase sem emendar,<br />

levou mais de três horas para pingar na pequenina crônica<br />

o ponto final. É que o seu trabalho "avançava linha<br />

a linha, quase se poderia afirmar letra a letra, como uma<br />

renda nítida e delicada nas mãos da mais paciente bordadeira".<br />

23<br />

Não havendo o articulista revelado o nome do misterioso<br />

visitante, só muito tempo depois se veio a saber<br />

96


que aquele jovem chamava-se Astrojildo Pereira. A esse<br />

seu gesto as letras brasileiras ficaram a dever a inspiração<br />

para a página imorredoura de Euclides. Por outro<br />

lado, sua visita foi, de fato, o prenúncio do julgamento da<br />

Posteridade, para o qual o próprio Astrojildo, já adulto,<br />

viria a contribuir, com o seu excelente ensaio, de cunho<br />

sociológico, "Machado de Assis, romancista do Segundo<br />

Reinado". 24<br />

A FORTUNA CRÍTICA DE UM ESCRITOR<br />

Morrera Machado de Assis. Mas Coelho Neto continuava<br />

a produzir como nunca, "montado no alazão de sua<br />

fantasia incomparável", como disse Euclides da Cunha. Só<br />

em 1898 havia publicado nada menos de 11 volumes! Já<br />

vimos que seu romance Tormenta é de 1901. Turbilhão, de<br />

1906, e Esfinge, de 1908. No ano seguinte, seu ato dramático<br />

Bonança foi escolhido para ser representado na festa<br />

de inauguração do Teatro Municipal. Sua produção era,<br />

em média, de mais de um livro por ano. No ante-rosto de<br />

Tormenta enumerava 24 obras já publicadas, anunciando<br />

mais cinco para breve.<br />

Foi ele o primeiro escritor brasileiro a viver da literatura.<br />

Todavia, isto o obrigava a desdobrar-se em dezenas<br />

de volumes e colaborações para os jornais. Dotado de<br />

inegável talento literário, e de uma "imaginação escaldante",<br />

tinha grande confiança em si. E foi esta — observa<br />

José Veríssimo — "que lhe impôs a resolução de viver das<br />

letras, criando-lhe concomitantemente a de um trabalhador<br />

muito maior do que, se não o seu talento e capacidade,<br />

o meio permitia". Porque — concluía, com toda a<br />

razão, o crítico — "um escritor não produz somente do<br />

que tem em si, por mais que seja, mas, e muito, do que<br />

recebe do ambiente em que vive". 25<br />

Era, sem dúvida, no seu tempo, depois da morte de<br />

Machado de Assis, o prosador de maior prestígio, como<br />

Bilac era o poeta mais festejado. Posteriormente, o Modernismo<br />

haveria de combatê-lo sem tréguas. Sérgio Buarque<br />

de Holanda chegou mesmo a dizer que era preciso<br />

"descoelhonetizar" a literatura brasileira. Nos anos 40,<br />

97


prestigiosa revista publicou um número inteiro sobre o<br />

nosso romance, e o autor de Turbilhão foi deliberadamente<br />

omitido. 20<br />

Posteriormente, numa segunda edição desse trabalho,<br />

coube a Brito Broca promover o que se poderia chamar a<br />

revisão de Coelho Neto. Salientou ele, então, que livros<br />

como Miragem, Turbilhão, O Morto e Inverno em Flor, não<br />

podem ser desprezados no quadro da ficção brasileira. 27<br />

Agora, escrevendo sobre o romance Turbilhão, depõe<br />

o crítico Wilson Martins:<br />

A verdade, entretanto, é que Turbilhão<br />

pode ser visto como uma obra-prima indiscutível,<br />

não apenas entre os livros de Coelho Neto,<br />

mas, ainda, entre os romances realistas universais.<br />

É uma obra certamente mais identificada<br />

que a de Machado de Assis com a existência<br />

cotidiana do "novo" Rio de Janeiro, o<br />

Rio de Janeiro que se "modernizava", nos inícios<br />

do século XX. 28<br />

PROSADORES, CRÍTICOS, E ENSAÍSTAS<br />

Além de José Veríssimo e Araripe Júnior, já citados,<br />

mais de uma vez, nesta breve resenha, também Sílvio Romero<br />

estava em atividade nessa época: produzia bastante<br />

e podia ser lido com freqüência nos jornais. Em 1901, por<br />

exemplo, publica seus Ensaios de Sociologia e Literatura,<br />

e em 1906, de parceria com João Ribeiro, o Compêndio de<br />

História da Literatura Brasileira. De 1909 é o seu livro<br />

sem dúvida mais violento e injusto — as Zeverissimações<br />

Ineptas da Critica, ao qual voltaremos a nos referir. Provocações<br />

e Debates traz a data de <strong>1910</strong>.<br />

As Zeverissimações Ineptas da Crítica merecem um<br />

comentário especial. Essa briga, ao que parece, teve origem<br />

no discurso de recepção a Euclides da Cunha na Academia,<br />

pronunciado pelo crítico sergipano. Ao lado de referências<br />

encomiásticas e inteiramente descabidas, por inoportunas,<br />

a Tobias Barreto, o orador destilou, nas entrelinhas, uma<br />

infinidade de perfídias contra José Veríssimo.<br />

98


A recepção de Euclides se deu aos 18 de dezembro de<br />

1906. E já em 1907 as oficinas do Comércio do Porto (as<br />

mesmas que, dois anos depois, irão lançar as Zeverissimações),<br />

editam um folheto, com uma tarja verde-amarela,<br />

reproduzindo o discurso de Romero. Esse folheto traz a<br />

seguinte dedicatória, escrita num estilo que procurava<br />

imitar, deformando-o, o do seu desafeto, e constituía, sem<br />

dúvida, a maior das provocações:<br />

Ao Sr. José Veríssimo, o famoso crítico terra<br />

a terra, que jamais teve, certo, a ousadia de<br />

formular duas idéias teóricas; que ainda não<br />

se emancipou do ridículo preconceito de dividir<br />

os escritores brasileiros em dois grupos — os<br />

das províncias, que nada valem, e os da Capital,<br />

que valem tudo; que, por isso mesmo, é, acaso,<br />

o ídolo de todas as mediocridades; ao Sr. José<br />

Veríssimo, que merece considerado, por ventura,<br />

o mais abalizado, senão quiçá o mais esforçado<br />

e, pudera dizer, o mais constante, resoluto<br />

e talvez, em regra, o menos despercebido, ao<br />

que se pode supor, dos discípulos e continuadores<br />

de Valentim Magalhães no despejado empenho<br />

de denegrir, e, quem sabe se também<br />

conspurcar, a memória de Tobias Barreto; ao<br />

diplomático José — tenho sobejos motivos para<br />

oferecer e consagrar este livrinho, e, por maior<br />

realce, o faço joséverissimamente no incomparável<br />

estilo que merece admirado por séculos<br />

sem conta... 20<br />

Veríssimo, colega de Academia de Romero, vendo-se<br />

assim perfidamente atacado, escreveu contra o seu adversário<br />

um longo artigo, publicado no livro Que é Literatura?<br />

e outros escritos. Estávamos, ainda, na época das polêmicas,<br />

e Romero, então, voltou à carga, com as Zeverissima-<br />

Ções Ineptas da Critica (Repulsas e Desabafos), um folheto<br />

de cento e poucas páginas, impresso em 1909, como já<br />

vimos, pelas oficinas do Comércio do Porto.<br />

Responsabilizando Veríssimo por várias histórias ou<br />

insinuações maldosas que corriam a seu respeito, inclusive<br />

99


a de que, apesar de grande entusiasta da cultura germânica,<br />

não sabia alemão, Romero investe contra seu colega<br />

paraense, chamando-lhe, entre outras amabilidades, "patureba<br />

de Belém", "Sainte-Beuve peixe-boi", etc.<br />

Nesse terreno não o acompanhou Veríssimo. E o livro<br />

de Romero teria ficado sem resposta, se, em defesa do<br />

autor de Cenas da Vida Amazônica, não tivesse saído em<br />

campo um jovem escritor do Recife — A. Bandeira de<br />

Melo. Em vários artigos, publicados no Jornal Pequeno, da<br />

capital pernambucana, em dezembro de <strong>1910</strong> e janeiro<br />

de 1911, desancou ele de rijo o discípulo de Tobias, pondo<br />

à mostra os pontos em que, no virulento ataque, o crítico<br />

sergipano deixara os flancos a descoberto.<br />

Esses artigos, aos quais se acrescentaram alguns outros,<br />

de admiradores de Veríssimo, foram depois reunidos<br />

num pequeno volume, "edição de alguns amigos", sem<br />

data, sob o título A Morte da Polidez (A propósito das<br />

Zeverissimações ineptas do Sr. Sílvio Romero). O título,<br />

de duplo sentido, contém uma insinuação a outra morte,<br />

havia tempos decretada por Romero — a da Metafísica —<br />

em rumorosa defesa de tese, na Faculdade de Direito do<br />

Recife. O mais interessante é que o seu autor, aquele<br />

desconhecido A. Bandeira de Melo, outro não era senão<br />

um jornalista que ensaiava o vôo, e depois haveria de<br />

granjear renome e prestígio em todo o Brasil: Assis Chateaubriand,<br />

cujo nome completo era Francisco de Assis<br />

Chateaubriand Bandeira de Melo.<br />

Vários outros escritores, além do triunvirato formado<br />

por Araripe Júnior, Silvio Romero e José Veríssimo, se<br />

dedicavam à crítica, ou se ocupavam de livros nas colunas<br />

que mantinham nos jornais. Medeiros e Albuquerque,<br />

por exemplo, sob o pseudônimo J. dos Santos, assinava<br />

em A Notícia uma "Crônica Literária", disfarçando, também,<br />

às vezes, o próprio nome com o de Rufiúfio Singapura.<br />

Sua coluna era, de fato, uma crônica literária, e<br />

não crítica, no sentido rigoroso do termo, ocupando-se ele<br />

de livros que versavam os mais diferentes assuntos, desde<br />

Contrastes e Confrontos, de Euclides da Cunha, até a<br />

Estrutura do Cilindro-Eixo, de Bruno Lobo, e a Expulsão<br />

de Estrangeiros (a propósito do Decreto n.° 164, de 7-1-<br />

1907), de Lacerda de Almeida.<br />

100


Constâncio Alves, com finura e malícia, mantinha no<br />

Jornal do Commercio a sua coluna "Dia a Dia" (depois<br />

substituída por "A Semana"), assinando os artigos com<br />

as iniciais C. A., que os menos avisados atribuíam a Capistrano<br />

de Abreu. Júlia Lopes de Almeida entretinha os<br />

leitores de O País com suas colaborações que saíam encimadas<br />

pelo título "Dois dedos de prosa". Escrevendo,<br />

também, uma crônica literária onde se ocupava, em geral,<br />

de livros recentemente aparecidos, Artur Azevedo, com as<br />

iniciais A. A., assinava, no mesmo O País, a coluna "Palestra".<br />

Sob os pseudônimos de José e de Jóe, Paulo Barreto<br />

(Joào do Rio) sustentava, na Gazeta de Notícias,<br />

uma seção de impressões de leitura: a "pequena crônica<br />

de letras", depois, naturalmente por influência de uma<br />

nova arte que chegava ao Brasil, mudada para "Cinematógrafo",<br />

título que daria, mais tarde, a um volume<br />

de crônicas.<br />

Uma das colunas mais prestigiosas, na época, era o<br />

"Registro", de Olavo Bilac, em A Notícia, assinado B. Ali<br />

publicou ele comentários sobre diversos poetas brasileiros,<br />

como Gonçalves Dias, Casimiro de Abreu e Raimundo<br />

Correia, ao que parece ainda não reunidos em livro. Chamava-se<br />

"Cotas aos Casos" a - coluna do Conde de Afonso<br />

Celso (A. C.) no Jornal do Brasil. João Itiberê da Cunha,<br />

com o pseudônimo de JIC, substituíra José Veríssimo como<br />

crítico do Correio da Manhã, saindo os seus artigos sob<br />

a rubrica "Semana Literária". 30<br />

Carmem Dolores (Emília Moncorvo Bandeira de Melo)<br />

ocupava boa parte da primeira página da edição dominical<br />

d'0 País com a sua coluna "A Semana", escrevendo,<br />

não raro, sobre livros. Seria substituída, em 1911, por<br />

Gilberto Amado, então recém-chegado ao Rio, o qual<br />

lhe dedicou seu primeiro artigo, em 21 de agosto desse<br />

mesmo ano.<br />

Espantosa era a atividade de Carlos de Laet, que nesse<br />

período se desdobrava em colaborações para o Jornal do<br />

Brasil e O País, para onde transferira a seção "Microcosmo",<br />

por ele criada no Jornal do Commercio. Monarquista<br />

e católico, ocupava-se não só de acontecimentos<br />

políticos e religiosos, mas também de livros aparecidos, envolvendo-se,<br />

freqüentemente, em polêmicas que tomavam<br />

101


um tom pessoal e desabusado. Foi publicada em O Pais<br />

(Microcosmo), de 10-5-1908, sua crônica sobre o 13 de maio,<br />

na qual, com mal disfarçada emoção, nos descreve, vinte<br />

anos depois, o que foi a votação da Lei Áurea no Senado,<br />

onde ele era então redator de debates.<br />

Além desses, caberia citar Alcindo Guanabara, que em<br />

1902 publicou A Presidência Campos Sales. Mas, como<br />

observa Astrojildo Pereira, "ele era sobretudo um jornalista<br />

e o melhor do que escreveu permanece nas folhas<br />

dos jornais aue redigiu". Jornalista era também o português<br />

Eduardo Salamonde, principal redator d'0 País,<br />

"evangelista da ditadura", o "Camille Desmoulin do 93<br />

brasileiro", como dele escreveu Joaquim Nabuco. 31<br />

Bem diferente de ambos, João Ribeiro, pensador, crítico<br />

e ensaísta, em 1905 publica Páginas de Estética; em<br />

1908. Frases Feiias, e em <strong>1910</strong>, Fabordão. Preocupados, também,<br />

com problemas de linguagem, e reagindo contra o<br />

"ensino cerebrino, mas em geral tido por autorizado", de<br />

Cândido de Figueiredo e outros (como diria mais tarde<br />

Sousa da Silveira), surgem autores como Mário Barreto,<br />

cujos Estudos da Língua Portuguesa são de 1903, depois<br />

desdobrados em vários volumes, aparecidos nas décadas<br />

seguintes; Heráclito Graça (tio de Graça Aranha), que<br />

em 1904 nos dá os Fatos da Linguagem, ainda hoje citado<br />

pelos estudiosos do idioma; e Manoel Said Ali Ida, que<br />

no volume Dificuldades da Língua Portuguesa, de 1908,<br />

esclarece, com base científica, vários e intrincados problemas<br />

filológicos.<br />

De 1905 são também os dois livros de Farias Brito —<br />

A Verdade como Regra das Ações e Evolução e Relatividede.<br />

Como disse Alceu Amoroso Lima, Farias Brito, que<br />

disputou com Euclides da Cunha a cadeira de Lógica do<br />

Colégio Pedro II, iniciou no Brasil "a reação contra o<br />

naturalismo filosófico, e foi a grande voz que se abriu<br />

entre nós. em favor de uma nova filosofia do espírito,<br />

que ia ser repudiada pelos seus contemporâneos e compreendida<br />

apenas pela geração seguinte". 32<br />

De 1901 são os Escritos e Discursos Literários, de Joaquim<br />

Nabuco, que em 1909 nos daria Pensées Detachées et<br />

Souvenirs. Traz a data de 1908 uma das obras fundamen-<br />

102


tais da nossa historiografia — D. João VI no Brasil, de<br />

Oliveira I/ma, publicado, em dois volumes, pela Tipografia<br />

do Jornal do Commercio, de Rodrigues & Cia.<br />

UM ROMANCE-PANFLETO<br />

O ano de 1909 assinala o aparecimento, nas letras<br />

brasileiras de um escritor de talento — Lima Barreto —<br />

em quem Agrippino Grieco viu "um neto de Gogol". Seu<br />

romance de estréia, as Recordações do Escrivão Isaias<br />

Caminha, de fundo autobiográfico, pretendendo ser a história<br />

de um mestiço que, mediante a obtenção de um titulo<br />

de doutor, imaginava subir na escala social, e vingar-se<br />

de sua origem humilde, transformou-se num panfleto<br />

contra os vitoriosos do momento.<br />

Já denunciando um espírito bem diferente do da belle<br />

époque, o livro é antes de tudo uma sátira ao Correio da<br />

Manhã, então recentemente fundado. Romance à clef, a<br />

identificação das figuras reais que estão por trás dos personagens<br />

constitui hoje, tantos anos decorridos, mera<br />

curiosidade literária. Os que se interessarem porém, por<br />

essa identificação, poderão consultar o artigo de Francisco<br />

de Assis Barbosa — autor da primorosa biografia<br />

A Vida de Lima Barreto — "As duas chaves do Isaías<br />

Caminha", publicado no Suplemento Literário do Diário<br />

de Noticias, do Rio, de 20-3-1949.<br />

O LIVRO-SÍMBOLO<br />

Lima Barreto, como acentuamos, já anuncia um novo<br />

tipo de literatura, e exatamente por isso tem sido considerado<br />

um dos precursores do Modernismo. Esta resenha<br />

— centrada na belle époque — não poderia, assim, terminar<br />

com uma referência à sua obra. Mesmo porque dois<br />

anos depois do aparecimento do Isaías Caminha é que<br />

seria publicado o livro talvez mais característico dessa<br />

fase da nossa literatura.<br />

Queremos referir-nos ao romance A Esfinge, de Afrânio<br />

Peixoto. Lançado em 1911, vale, sobretudo, por um<br />

103


etrato da sociedade burguesa do Rio de então, e ilustra,<br />

como nenhuma outra de suas obras, a concepção do autor,<br />

para quem a Literatura era "o sorriso da sociedade". O<br />

livro, para a época, ao contrário do que aconteceu com o<br />

de Lima Barreto, foi autêntico best-seller. E nele vamos<br />

encontrar o embrião de inúmeras idéias e trouvailles que<br />

o romancista, encantado com o próprio sucesso, glosaria<br />

até o fim, em seus escritos posteriores.<br />

Nada, por exemplo, a nosso ver define melhor o "espírito"<br />

desse livro, tão típico do nosso "<strong>1900</strong>" literário, do<br />

que o conceito de Arte exposto por Afrânio, numa definição<br />

que, se não tivesse ficado esquecida no bojo do seu<br />

romance de estréia, rivalizaria com a sua famosa opinião<br />

acerca da Literatura: "No fim de contas, a Arte era assim<br />

uma espécie de cigarro... moral: o outro distrai um momento,<br />

este conforta, como refúgio, para sempre".<br />

104


NOTAS<br />

1 — Broca, Brito. A Vida Literária no Brasil — <strong>1900</strong>. 2. a edição.<br />

Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1960.<br />

2 — Frieiro, Eduardo. "Brito Broca, A Vida Literária no<br />

Brasil. <strong>1900</strong> — 275 p. Ilustradas. Serviço de Documentação do<br />

Ministério de Educação e Saúde, Rio de Janeiro, 1956." Kriterion,<br />

Revista da Faculdade de Filosofia da Universidade de<br />

Minas Gerais. Belo Horizonte, 39-40: 253-256, Jan./jun. 1957.<br />

3 — Ob. cit., p. 262.<br />

4 — Alguns críticos e historiadores literários costumam dar<br />

Canaã como aparecido em 1901. A l. a edição não traz indicação<br />

de data, quer na capa, quer na folha de rosto. Pelo colofão<br />

se verifica, porém, que acabou de imprimir-se, em Paris,<br />

em dezembro de 1901. Portanto, só pode ter chegado ao Brasil,<br />

e sido exposto à venda, nos primeiros meses de 1902. No<br />

exemplar existente na biblioteca da Casa de Rui Barbosa, lê-se<br />

a seguinte dedicatória: "A Ruy Barbosa, lembrança do seu<br />

amigo e admirador Graça Aranha. Londres, 30 de março de<br />

1902".<br />

5 — Dantas, San Tiago. Rui Barbosa e o Código Civil. Rio<br />

de Janeiro, Casa de Ruí Barbosa, 1949, pp. 7, 8 e 10.<br />

« — Apud Lúcia Miguel-Pereira, "Cinqüenta anos de Literatura",<br />

Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 15 jun. 1951, uma<br />

das edições comemorativas do cinqüentenário do jornal.<br />

7 — Lins, Álvaro. "O Primeiro Crítico do Correio da Manhã",<br />

ed. comemorativa cit.<br />

8 — Andrade, Olímoio de Sousa. História e Interpretação<br />

de "Os Sertões". 3. a edição, São Paulo, EDART Livraria Editora.<br />

1966, p. 297.<br />

9 — Ibid., p. 296.<br />

10 — Transcrito na edição do Correio da Manhã de 15 jun.<br />

1951, cit.<br />

11 — Apud António da Gama Rodrigues, Euclides da Cunha,<br />

Engenheiro de Obras Públicas no Estado de São Paulo. São<br />

Paulo, Edição de Alves Motta Sobrinho, 1956, pp. 94-95.<br />

105


12 — Ibid., pp. 99-100.<br />

13 — Apud Lúcia Miguel-Pereira, art. cit.<br />

14 — Senna, Homero. República das Letras. 2. a edição. Rio<br />

de Janeiro, Gráfica Olímpica Editora, 1968, p. 42.<br />

15 — Amado, Gilberto. Grão de Areia. Rio de Janeiro, Jacintho<br />

Ribeiro dos Santos Editor, 1919, pp. 20-21.<br />

10 — Mangabeira, João. Rui Barbosa (Discursos e Conferências).<br />

Rio de Janeiro, Casa de Rui Barbosa, 1958, p. 82.<br />

« — Apud Brito Broca, ob. cit., pp. 206-207.<br />

is _ Andrade, Mário de. Cartas a Manuel Bandeira. Rio de<br />

Janeiro, Organização Simões Editora, 1958, p. 349.<br />

ia _ Magalhães Jr., R. A Vida Vertiginosa de João do Rio,<br />

Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1978, pp. 42-54.<br />

20 _ Rio, João do. O Momento Literário. Rio de Janeiro/<br />

Paris, H. Garnier Livreiro-Editor, s.d.<br />

21 _ carvalho, Elysio de. .As Modernas Correntes Esthet-c.ns<br />

na Literatura Brasileira. Rio de Janeiro/Paris, H. Garnier Livreiro-Editor,<br />

1907.<br />

22 _ Cunha, Euclides da. "A última Visita", reproduzida em<br />

Autores & Livros (Suplemento Literário d'A Manhã, Rio de<br />

Janeiro) n.° 7, 28 set. 1941, p. 99.<br />

23 _ Apud Brito Broca, ob. cit., pp. 221-222.<br />

24 _ in: Interpretações. Rio de Janeiro, Livraria Editora<br />

da Casa do Estudante do Brasil, 1944, pp. 13-48.<br />

2 5 veríssimo, José. últimos Estudos de Literatura Prasileira.<br />

7. a série. Belo Horizonte/São Paulo, Editora Patiaia Ltda./<br />

Editora da Universidade de São Paulo, 1979, p. 232.<br />

20 _ v. Revista do Brasil, 3. a fase, Ano IV, 35, maio 1941.<br />

27 — Broca, Brito. "Coelho Neto, romancista", in O Romance<br />

Brasileiro (de 1752 a 1930). Rio de Janeiro, Edições O Cruzeiro,<br />

1952, pp. 223-243.<br />

as _ Martins, Wilson. História da Inteliaência Brasília.<br />

Vol. V (1897 — 1914). Editora da Universidade de São Paulo,<br />

1978, p. 316.<br />

20 — Academia Brasileira de Letras. Discurso p-nnuncia^o<br />

aos 18 de dezembro de 1906, por ocasião da recepção do Dr.<br />

Eucly^es da Cunha, por Sylvio Romero. Porto, Oficinas do<br />

Commercio do Porto, 1907.<br />

so _ Os dados sobre a atividade jornalística dos escritores<br />

citados fo r am colhidos em Antônio Simões dos Reis B'bVnnrafia<br />

da Crítica Literária em 1907 através dos Jornais Cariocas,<br />

Rio de Janeiro, Casa de Rui Barbosa, 1968.<br />

si — Nabuco, Joaquim. A Interpretação Estrangeira Durante<br />

a Revolta de 1893. São Paulo/Rio de Janeiro. Cia. Edit. <strong>Nacional</strong>/Civrização<br />

Brasileira S.A., 1939, p. 27.<br />

32 _ Apud Manual Bibliográfico de Estudos Brasileiros, sib<br />

a direção de Rubens Borba de Moraes e William B3rrien. Rio<br />

de Janeiro, Gráfica Editora Souza, 1949 p 663<br />

106


A LITERATURA INFANTIL NO <strong>BRASIL</strong> DÉ <strong>1900</strong> A <strong>1910</strong><br />

Laura Constancia Austregésilo de<br />

Athayäe Sandroni


Com relação ao desenvolvimento da literatura destinada<br />

a crianças e jovens no Brasil, o primeiro decênio<br />

do século XX caracteriza-se por uma reação nacionalista<br />

ao domínio até então absoluto de Portugal. À importação<br />

pura e simples de livros editados na metrópole sucederam-se<br />

a tradução das obras de maior sucesso na Europa<br />

e a criação de livros destinados à Escola, num português<br />

já abrasileirado, que visava aproximar a linguagem escrita<br />

da falada.<br />

O editor Quaresma que com Garnier e Laemmert formavam,<br />

no dizer de Leonardo Arroyo, "a trindade dos fornecedores<br />

de livros no Rio de Janeiro" foi o primeiro a<br />

perceber a necessidade de uma solução para o conflito<br />

das linguagens oral e escrita que afastava o leitor infantil<br />

brasileiro da literatura infantil proveniente de Portugal.<br />

Quaresma era um editor muito popular e "essa<br />

popularidade vinha-lhe exatamente da compreensão desse<br />

problema e de seu sonho de abrasileirar o comércio de<br />

livros". 1 Encomendou então a seu amigo Figueiredo Pimentel<br />

uma biblioteca especialmente destinada às crianças<br />

brasileiras.<br />

Iniciada em 1894 com o título de "<strong>Biblioteca</strong> Infantil<br />

da Livraria do Povo", constava dos seguintes volumes:<br />

Contos da Carochinha seguidos em 1896 de Histórias da<br />

Avozinha e Histórias da Baratinha.<br />

Essas coletâneas de contos estrangeiros traduzidos em<br />

linguagem brasileira fizeram enorme sucesso junto ao público<br />

infantil. Nos títulos seguintes Figueiredo Pimentel<br />

intercalou histórias recolhidas da tradição oral e algumas<br />

criações próprias.<br />

109


Nessa última categoria incluem-se: Álbum das Crianças,<br />

poesias, 1897; Os Meus Brinquedos, folclore, s.d.; Teatrinho<br />

Infantil, teatro, 1897; A Queda de um Anjo, 1897;<br />

O Livro das Crianças, 1898; Contos do Tio Alberto, s. d.<br />

Figueiredo Pimentel representa a fase inicial da tradução<br />

brasileira. A consciência de que o livro traduzido<br />

em Portugal já não interessava à criança, cuja linguagem<br />

oral adquiria cada vez mais caracteres próprios. No entanto,<br />

como veremos a seguir pela análise de alguns títulos,<br />

essa nacionalização refere se apenas à área da linguagem.<br />

Os temas, mesmo quando os contos são "originais",<br />

permanecem pastiches daqueles traduzidos, sem<br />

qualquer preocupação de retratar a sociedade e os costumes<br />

da capital ou da província. Essa situação muda apenas<br />

nos contos recolhidos da tradição oral saborosamente brasileiros<br />

e no livro Os Meus Brinquedos que a rigor pertence<br />

à categoria de pesquisa folclórica de que trataremos mais<br />

adiante.<br />

Em Contos da Carochinha, primeiro volume da coleção,<br />

diz o autor na Dedicatória: "São histórias para crianças,<br />

mas todas têm moral, muito proveitosa, ensinando<br />

que a única felicidade está na Virtude, e que a alegria<br />

só vem de uma vida honesta e serena". E ainda "E lembra-te<br />

que a vida de família é a única feliz, que o lar<br />

é o único mundo onde se vive bem, onde a Mulher, boa,<br />

santa, pura, carinhosa, impera como rainha".<br />

Na capa já se lia: "Contos da Carochinha, Livro para<br />

crianças, contendo maravilhosa coleção de contos populares,<br />

morais e proveitosos de vários países, traduzidos uns<br />

e outros apanhados da tradição oral". No Prefácio citamse<br />

fragmentos da crítica: "excelente trabalho de grande<br />

utilidade para as escolas, porque, ao mesmo tempo que<br />

deleita as crianças, interessando-as com a narração de<br />

contos morais muito bem traçados, lhes desperta os sentimentos<br />

do Bem, de Religião e de Caridade, principais<br />

elementos da educação da infância" (Diário de Notícias).<br />

Realmente os contos apresentados, todos sem indicação<br />

de autor ou origem, seguem a linha da narrativa oral<br />

clássica estudada por Propp em A Morfologia do Conto.<br />

A análise de conteúdo desses contos leva à conclusão<br />

de que os objetivos a que se propõe o tradutor, explicita-<br />

110


dos no prefácio, são absolutamente cumpridos, e talvez<br />

ficasse admirado se alguém notasse à época que a riqueza<br />

vem sempre associada à vitória do bem (Fortuna tem<br />

sempre o sentido de felicidade + dinheiro). Que beleza<br />

e riqueza estão juntas não só na rima. Feiúra é associada<br />

sempre à maldade (assim como a cor preta). Enfim que<br />

todos os preconceitos do adulto estão presentes nos contos<br />

"morais e educativos".<br />

Em Histórias da Avozinha a mesma preocupação educativa<br />

no prefácio do editor: "As crianças brasileiras, às<br />

quais destinamos e dedicamos esta série de livros populares,<br />

encontrarão nas Histórias da Avozinha agradável<br />

passatempo, aliado a lições de moralidade, porque tais<br />

contos encerram sempre um fundo moral e piedoso". A<br />

maioria das narrativas é de origem estrangeira mas já<br />

aparecem algumas recolhidas do folclore brasileiro contadas<br />

de forma simples e atraente. São elas "A Onça e<br />

o Cabrito" que nada mais é do que "A Onça e o Bode" em<br />

sua primeira forma escrita para crianças; "O Macaco e<br />

o Moleque" que conta como uma velha consegue enganar<br />

0 macaco com um boneco de cera; "Aventuras de um<br />

Jabuti" louvando a esperteza desse bicho, herói de tantas<br />

das nossas histórias; "A Onça e a Raposa" onde mais uma<br />

vez se mostra o valor da esperteza contra a força física",<br />

"O Cágado e o Urubu", hoje mais conhecida como "A<br />

Festa no Céu".<br />

1 É interessante ver-se a diferença entre essas histórias<br />

de bichos de influência indígena e as de origem européia.<br />

Em sua cristalina simplicidade, as primeiras falam do<br />

valor da inteligência, do conflito entre o forte e o fraco<br />

de uma forma mais direta e saudável do que as outras, originárias<br />

de povos civilizados, marcados pela religião católica<br />

dominadora e todo o sentimento de culpa que ela<br />

acarreta.<br />

Meus Brinquedos é um trabalho precioso de preservação<br />

das tradições brasileiras. Trata se da descrição pormenorizada<br />

dos jogos e cantigas de roda com que brincavam<br />

as crianças nas cidades do interior.<br />

Aí vemos por exemplo "Carneirinho, carneirão", "O<br />

chicote queimado", "A cabra cega", "Bater as mãos" acompanhada<br />

de cantiga hoje quase perdida..." "o gato comeu,<br />

111


que é do gato, fugiu pro mato, que é do mato, o fogo queimou"<br />

etc. ... E inúmeras outras (167 ao todo).<br />

O livro se divide em Contos de berço, Jogos infantis,<br />

Jogos de prendas, Sentenças.<br />

Na última parte "Teatro Infantil" oito pequenas peças<br />

para serem representadas por crianças, filão que Figueiredo<br />

Pimentel utiliza ainda em Teatrinho Infantil.<br />

Publicados em fins do século XIX esses livros marcaram<br />

as primeiras décadas do século XX bem como as traduções<br />

de Carlos Jansen Gaúcho, professor do Colégio<br />

Pedro II cuja adaptação de 4s Viagens de Gulliver (1888)<br />

mereceu elogios de Ruy Barbosa.<br />

Conhecedor das boas obras literárias, traduziu o que<br />

havia de melhor para o público juvenil como um volume<br />

das Mil e uma Noites (1882), Robinson Crusoé (1885),<br />

Aventuras Pasmosas do Barão de Munchhausen (1891),<br />

D. Quixote de La Mancha (1901).<br />

As obras da Condessa de Ségur também eram muito<br />

lidas nos primeiros anos deste século em traduções de<br />

Abranches Lobo (Os Desastres de Sofia) Antônio Luís Teixeira<br />

Machado (As Férias e As Meninas Exemplares) e<br />

faziam parte da famosa "<strong>Biblioteca</strong> Rosa Ilustrada".<br />

Além dessas traduções "brasileiras" eram sucesso<br />

ainda a "<strong>Biblioteca</strong> da Infância" com narrativas de Vitor<br />

Hugo e Alphonse Daudet, a "<strong>Biblioteca</strong> da Juventude"<br />

também de apresentação gráfica uniforme onde ao lado<br />

de clássicos traduzidos apareciam autores portugueses.<br />

Literatura Escolar<br />

Segundo Leonardo Arroyo "Os professores do fim do<br />

século XIX e começos do século XX perceberam, as mais<br />

das vezes, que a leitura dos clássicos de várias línguas<br />

era consideravelmente pesada para as crianças. Se não<br />

foi essa razão, pode-se apontar o próprio desenvolvimento<br />

pedagógico como causa do aparecimento dos livros de leitura<br />

para as escolas, substituindo propriamente uma literatura<br />

infantil, de que raras sensibilidades no Brasil então<br />

cogitavam. Esta nova orientação pedagógica seria logo<br />

bem entendida por professores e professoras nacionais".<br />

112


José Veríssimo em A Educação <strong>Nacional</strong>, publicado em<br />

1906, preconiza que uma das reformas mais urgentes é "a<br />

do livro de leitura" acrescentando ser necessário que "ele<br />

seja mais brasileiro, não só feito por brasileiros que não<br />

é o mais importante, mas brasileiro pelos assuntos, pelo<br />

espírito, pelos autores transladados, pelos poetas reproduzidos<br />

e pelo sentimento nacional que os anime". 3<br />

Olavo Bilac é o maior exemplo da Literatura Escolar<br />

no Brasil. Ao cultivar sentimentos nacionalistas e libertários<br />

em sua obra, contribuiu decisivamente para o abrasileiramento<br />

do livro de leitura no início deste século.<br />

Seus dois primeiros livros para crianças Contos Pátrios<br />

e Poesias Infantis foram escritos em 1896. A data da<br />

2. a edição impressa em Paris é de 1906. Já Teatro Infantil<br />

é de 1905, Através do Brasil em colaboração com Coelho<br />

Neto data de 1911.<br />

Examinemos um de seus livros que passamos a analisar.<br />

Através do Brasil feito em colaboração com Manuel<br />

Bonfim, editado pela Livraria Francisco Alves em <strong>1910</strong>,<br />

tem na capa dados objetivos que o configuram como livro<br />

didático. Ao alto lê-se "Prática da Língua Portuguesa".<br />

Abaixo do título em letras grandes vê-se entre parênteses:<br />

(narrativas).<br />

Em seguida: "Livro de leitura para o Curso Médio das<br />

escolas primárias". "Depois dos nomes dos autores a informação:<br />

"Livro de uso autorizado pelo Ministério da<br />

Educação (registro n.° 1570)".<br />

Na abertura "Advertência e Explicação" os autores<br />

situam o livro como "uma simples narrativa, acompanhada<br />

dos cenários e costumes mais distintivos da vida brasileira"<br />

e colocam suas idéias sobre a "moderna pedagogia"<br />

e o uso do livro único de leitura para o curso da Escola<br />

Primária.<br />

Distinguindo entre o livro único e a enciclopédia, dizem:<br />

"Como fonte de conhecimento, a verdadeira enciclopédia<br />

do aluno nas classes elementares é o professor. É<br />

ele quem ensina, é ele quem principalmente deve levar a<br />

criança a aprender por si mesma, isto é: a pôr em, contribuição<br />

todas as suas energias e capacidades naturais, de<br />

113


modo a adquirir os conhecimentos mediante um esforço<br />

próprio".<br />

Vê-se por aí que as noções pedagógicas dos autores<br />

eram bem modernas.<br />

Dizem ainda: "Além de servir de oportunidade para<br />

que o professor possa realizar as suas lições, o livro de<br />

leitura deve conter em si mesmo uma grande lição. Estamos<br />

certos que a criança, com a sua simples leitura, já<br />

lucrará alguma cousa; aprenderá a conhecer um pouco o<br />

Brasil; terá uma visão, a um tempo geral e concreta, da<br />

vida brasileira — as suas gentes, os seus costumes, as<br />

suas paisagens, os seus aspectos distintivos".<br />

E mais adiante: "Suscitar a coragem, harmonizar os<br />

esforços e cultivar a bondade, — eis a fórmula de educação<br />

humana".<br />

E esta proposta é desenvolvida de forma perfeita nos<br />

primeiros dois terços do livro. A trama é simples. Dois<br />

garotos irmãos, um de quinze anos outro de dez estão<br />

internos em um colégio de Recife. O pai viúvo, engenheiro,<br />

havia sido mandado para o interior de Pernambuco a<br />

fim de trabalhar na construção de uma estrada de ferro.<br />

O início da ação é motivada pela chegada de um telegrama<br />

anunciando doença do pai. Muito apegados a ele, os<br />

meninos não vêm outra solução senão fugir do colégio<br />

e, sem dinheiro ou auxílio de quem quer que seja, iniciam<br />

uma grande viagem para encontrá-lo. As aventuras que<br />

ocorrem até a chegada a Garanhuns onde sabem de sua<br />

morte, e em seguida a ida até Salvador e daí a Pelotas<br />

no Rio Grande do Sul são descritos nas 299 páginas do<br />

livro.<br />

Algumas posições dos autores ficam bem claras no<br />

desenrolar da narrativa. O conceito da criança miniatura<br />

do homem, por exemplo, já que os meninos são perfeitamente<br />

capazes de tomar decisões e enfrentar dificuldades<br />

de forma adulta. A idéia de que o homem do interior é<br />

bom e generoso: todas as pessoas que os dois encontram<br />

compadecem-se deles e lhes oferecem comida, abrigo e<br />

às vezes até dinheiro. Nessa primeira parte através do<br />

sertão a pé, a cavalo ou de trem, a narrativa surpreende<br />

pelo grande interesse que desperta. A prosa é simples mas<br />

com freqüentes passagens poéticas. "Os três companhei-<br />

114


os quando acordaram viram o casebre inundado de luz.<br />

Era em outubro; e nesse mês o sol aparece mais cedo.<br />

Seriam seis horas da manhã e já fazia dia claro. A porta<br />

do rancho ficara aberta, e uma larga toalha de claridade<br />

entrava, estendendo-se até o couro".<br />

Todas as ocasiões são aproveitadas para a transmissão<br />

de informações. Cada pessoa encontrada exerce uma profissão<br />

diferente e descreve o que faz ou mesmo leva os<br />

meninos a visitarem o engenho, a ferraria, a fazenda. Participam<br />

de caçada, pescaria, banho de rio. Perdem-se na<br />

floresta, um amigo é tomado por ladrão e preso. Enfim<br />

mil peripécias que envolvem o leitor mantendo-o em permanente<br />

expectativa enquanto o autor vai transmitindo<br />

situações brasileiras, ambientes brasileiros, alma brasileira.<br />

REAÇÃO E FOLCLORE<br />

Essa busca dos valores nacionais que desde o indianismo<br />

de Gonçalves Dias ou mais remotamente ainda de<br />

Santa Rita Durão fazia-se sentir na literatura brasileira<br />

começa pois, em fins do século XIX, começo do século XX,<br />

a atingir a literatura especialmente produzida para crianças<br />

e jovens.<br />

O folclore é sempre e em toda parte fonte inesgotável<br />

de inspiração para escritores; e o folclore brasileiro apresenta-se<br />

particularmente rico. Mistura de tradições portuguesas,<br />

trazidas pelos colonizadores, com a mitologia indígena<br />

autóctone, enriquecida ainda pela contribuição africana<br />

extremamente viva na razão direta da própria falta<br />

de literatura escrita.<br />

Seu estudo iniciou-se pelo recolhimento da narrativa<br />

oral. O conto e o verso popular despertam primeiro o interesse<br />

de escritores como Celso de Magalhães, José de<br />

Alencar, Pereira da Costa, General Couto de Magalhães<br />

ou de estrangeiros como Herbert H. Smith e Charles Frederik<br />

Hartt.<br />

Em seguida os estudiosos do tema onde se destacam<br />

Nina Rodrigues, Sílvio Romero, João Ribeiro, Gustavo<br />

Barroso, Artur Ramos, Edison Carneiro, Silva Campos,<br />

Câmara Cascudo e Basílio Magalhães.<br />

115


A importância da literatura oral para as crianças num<br />

país onde apenas uma pequena elite cultural dominava o<br />

código escrito é fácil de se imaginar. Os depoimentos de<br />

nossos escritores em seus livros de memórias mostram o<br />

quanto a figura da ama importou na formação cultural e<br />

desenvolveu a imaginação. Alguns deles chegaram a transcrever,<br />

mais tarde, essas histórias ouvidas na infância,<br />

como José Lins do Rego em Estórias da Velha Totônia.<br />

A primeira pessoa no entanto a descobrir esse filão<br />

e usá-lo de forma diretamente destinada à criança foi a<br />

professora e musicista mineira Alexina de Magalhães Pinto<br />

(1870-1921). Nascida em São João dei Rei ocupou por<br />

concurso as cadeiras de Desenho e Caligrafia da Escola<br />

Normal. Aos 22 anos viajou sozinha para Paris. De lá,<br />

além dos estudos feitos em Pedagogia e Didática, trouxe<br />

uma bicicleta e a roupa para o ciclismo o que lhe valeu<br />

viva reprovação dos contemporâneos. Em 1895, já no Rio<br />

de Janeiro, cursou a Escola Normal e ocupou, como adjunta,<br />

uma cátedra nessa Escola. Estudiosa do folclore brasileiro,<br />

realizou várias pesquisas especialmente sobre brinquedos<br />

e jogos infantis. Colaborou com assiduidade no<br />

Almanaque Brasileiro Garnier dirigido por João Ribeiro.<br />

Foi a primeira educadora brasileira a preocupar-se em<br />

divulgar uma relação de livros recreativos por faixas etárias<br />

com o título "Esboço provisório de uma biblioteca<br />

infantil" incluída no livro Provérbios, Máximas e Observações<br />

Usuais.<br />

Pioneira no uso da literatura oral e outras formas de<br />

cultura popular à pedagogia, insurgiu-se contra a cartilha<br />

soletrada experimentando, pela primeira vez no Brasil,<br />

um processo que depois se chamou "método global" de<br />

alfabetização.<br />

Publicou os seguintes livros: Ás Nossas Histórias, 1907;<br />

Os Nossos Brinquedos, contribuição para o folclore, 1909;<br />

Cantigas das Crianças e do Povo e Danças Populares, 1916;<br />

Provérbios Papulares, escolhidos para uso das escolas primárias,<br />

1917; Cantigas das Crianças e dos Pretos, s. d.;<br />

Deixou inéditos: "Histórias Contadas" e "Poesias e Hinos<br />

Patrióticos".<br />

Alexina de Magalhães Pinto representa aqui a importância<br />

do folclore para o aparecimento de uma literatura<br />

116


infantil brasileira. As Nossas Histórias publicado sob o<br />

pseudônimo de Icks na Coleção com o mesmo nome demonstram<br />

a seriedade com que a autora-educadora encarava<br />

suas pesquisas. Diz ela na Nota Preliminar: "... foi<br />

dessas, dos seus lábios adoráveis — museu vivo das tradições<br />

humanas — que ouvidas foram e registradas, as<br />

histórias deste livrinho — desigual, falho, mas fiel. Fiel<br />

na sua essência, afirmo-o aos estudiosos, do nosso lore.<br />

Pois, não obstante destinar-se ela à infância, procurei,<br />

mesmo aqui, seguir de perto cada narrador no seu contar,<br />

— emendar ou suprimir o mínimo possível".<br />

E no apêndice como "Observação": "Destas Nossas<br />

Histórias apenas três ou quatro me parecem de origem<br />

brasileira. Carrichinho, Beija-Flor, Sapo e Mula Ruana.<br />

(E sê-lo-ão?). Todas as outras, como verá o leitor, ou são<br />

meras variantes das já registradas nos livros portugueses,<br />

ou contêm em si expressões que nos revelam claramente<br />

a sua origem ultramarina. Nas adaptações que vão conscientemente<br />

indicadas no índice final, para o qual chamo<br />

a atenção dos estudiosos, usei de ampla liberdade.<br />

Nas que diretamente coligi, porém, procurei na medida<br />

do possível ater-me à linguagem dos narradores — sóbrias<br />

de pronomes complementos, de análise introspectiva; —<br />

toda concreta, objetiva, pitoresca. Se me detive um pouco<br />

mais, foi apenas em precisar-lhes os esboços. Uma única<br />

vez fiz um acréscimo. Deste, e do mais que aos escrupulosos<br />

pode interessar, darão conta as notas que se seguem".<br />

Sendo também musicista, os contos recolhidos por<br />

Alexina são enriquecidos com a partitura das partes cantadas<br />

tão comuns nas narrativas populares.<br />

Em Nossos Brinquedos a música ocupa parte muito<br />

importante e à autora se deve o registro de muitos temas<br />

populares recriados mais tarde por Villa Lobos. Outro aspecto<br />

interessante do livro são as adivinhas, charadas e<br />

provérbios por longo tempo usados nos entretenimentos<br />

de salão.<br />

Cantigas das Crianças e do Povo e Danças Populares<br />

traz na dedicatória inicial "Às crianças": "Entoa direitinho<br />

essas cantigas. E se de outras tão simples como essas<br />

souberes os versinhos, mandai-os com o nosso endereço,<br />

o endereço de quem aprendestes, a quem trabalha por ver-<br />

117


vos cada dia mais alegres, mais fortes, mas nobres pelo<br />

sentimento e pelo saber..."<br />

Em seguida uma "Nota Justificativa aos estudiosos e<br />

aos educadores", que é na realidade um ensaio (6 páginas)<br />

sobre o trabalho que desenvolvia com a descrição pormenorizada<br />

dos métodos que empregava. O livro é dividido<br />

em cantigas, cantigas dos pretos, cantigas e danças, coretos<br />

de mesa, coretos de bando de rua, cantigas jocosas,<br />

cantigas históricas, regionais e patrióticas. Todos com a<br />

informação do lugar de onde provêm.<br />

Há ainda um apêndice com nota preliminar onde<br />

se lê: "Aproveitarmos essa idade para firmar a criança,<br />

primeiro nos nossos sentimentos, depois, nas próprias pernas,<br />

que antes de andar sabe sentir a criança"... "Possam<br />

ao menos as sãs tradições nacionais merecer dos lares<br />

brasileiros, dos nossos homens do momento, o que dos<br />

lares alemães, dos dirigentes da agregação e unificação<br />

dos povos da Germânia, lhes merecem e merecem as deles<br />

— apoio, carinho, amor... algo mais que um sorriso".<br />

Pela seriedade de seu trabalho e pelo amor que dedicou<br />

às crianças em sua vida e por sua obra, Alexina de Magalhães<br />

Pinto coloca-se entre os mais importantes fundadores<br />

de nossa literatura infantil.<br />

O TICO-TICO<br />

Como vimos, a literatura oral exercia no período estudado<br />

enorme influência e era o "instrumento lúdico e<br />

instrutivo por excelência da criançada do Brasil". 4<br />

Assim o aparecimento de jornais dedicados ao público<br />

infantil despertou o imediato interesse do jovem leitor<br />

e marcou vigorosamente um período na literatura infantil<br />

brasileira. Em quase todos os estados surgiram<br />

jornais durante o século XIX e Leonardo Arroyo fez deles<br />

estudo minucioso. 5<br />

O aparecimento de O Tico-Tico no dia 11 de outubro<br />

de 1905 veio portanto de encontro a uma necessidade de<br />

leitura já comprovada pelas experiências estaduais e, por<br />

seu planejamento e organização profissionais, tornou-se<br />

logo sucesso de público.<br />

118


Durante meio século foi leitura obrigatória das crianças<br />

brasileiras e exerceu profunda influência segundo depoimentos<br />

constantes dos intelectuais e homens públicos<br />

daquela geração.<br />

Fundada pelo jornalista mineiro Luís Bartolomeu de<br />

Sousa e Silva segundo modelos americanos, franceses e<br />

ingleses, a revista reuniu os melhores desenhistas da<br />

época. Lá trabalharam Renato de Castro, Luís Gomes Loureiro,<br />

Alfredo Storni, Max Yantok, Angelo Agostini, J.<br />

Carlos e outros.<br />

De início a idéia era fazer uma revista infantil imitando<br />

os modelos estrangeiros. A irrupção da guerra de<br />

1914 prejudicou a forma inicial o que possibilitou o aparecimento<br />

do verdadeiro talento dos artistas nacionais. O<br />

depoimento de Luís Gomes Loureiro a Rejane Carvalho<br />

de França 0 é dos mais interessantes e elucidativos. Diz ele:<br />

"Quando eu entrei para O Tico-Tico, ele já existia<br />

há dois anos. Lá encontrei veteranos no<br />

mundo do jornalismo, como José Lopes dos Reis,<br />

o poeta Luís Pistarilho, Renato de Castro, Leônidas,<br />

Storni e outros... Recebi então, incumbência<br />

de copiar uma revista americana cujo<br />

nome era The New York Herald. Com a guerra,<br />

tornou-se difícil a vinda de originais desta revista<br />

e eu passei a desenhar os personagens de<br />

O Tico-Tico. Foi quando criei o Benjamim, um<br />

garoto de recados, que um dia desapareceu de<br />

casa aborrecido com a popularidade alcançada.<br />

Não lhe valeram as minhas considerações quanto<br />

à sua popularidade... ele "danou-se" e foi<br />

embora...<br />

Quanto aos personagens Chiquinho e Jagunço,<br />

estes foram abrasileirados por mim, tornaramse<br />

originais de um artista brasileiro. A ausência<br />

de revistas estrangeiras fez com que artistas<br />

nacionais fossem obrigados a criar novos<br />

tipos e O Tico-Tico, aos poucos, foi ganhando<br />

uma dimensão nacional. Surgiram personagens<br />

119


maravilhosos como o Kaximbown, do Yantok, o<br />

Zé Macaco e a Faustina, do Storni, Jujuba, do<br />

J. Carlos e mais outros, do Luís Salles, etc.<br />

Era comum eu encontrar na rua pessoas que<br />

me perguntavam — o que vai acontecer ao<br />

Chiquinho, na próxima terça-feira? — E, às<br />

vezes, nem eu sabia o que... Tal era a expectativa<br />

da garotada em torno da vida destes<br />

personagens".<br />

Um aspecto pouco lembrado e que mostra o pioneirismo<br />

da revista é o de incentivo aos trabalhos manuais<br />

através de jogos de armar, hoje tão em moda. Sobre isto<br />

fala Luís Gomes Loureiro:<br />

"Também criei, dentro do próprio O Tico-Tico,<br />

peças para montar: um "bonde da light", um<br />

"bonde elétrico", um "reboque caradura", um<br />

"landolé" e, passageiros para estes transportes.<br />

E o que mais me surpreendeu foi a aceitação<br />

magnífica que estas peças de armar tiveram<br />

entre as crianças e até adultos. Muitos pais<br />

procuravam-me para aprenderem como ajudar<br />

os filhos na confecção das peças e outros mesmo<br />

para discutirem a validade da invenção. Eu<br />

lhes explicava que a minha intenção era ligada<br />

à necessidade da criança de desenvolver<br />

as suas qualidades de observação e educação<br />

manual, porque sem educação manual não se<br />

pode ter bons cirurgiões, bons artistas. Então,<br />

eu ganhava novas adesões ao jogo de armar". 7<br />

O desaparecimento de O Tico-Tico deveu-se às mudanças<br />

histórico-sociais que trouxeram consigo heróis de<br />

outro tipo concretizados na importação dos "comics" americanos<br />

dando início a era da comunicação de massa que<br />

hoje vivemos. Sua importância no entretanto ficou registrada<br />

no depoimento de toda uma geração cujo hábito<br />

de leitura se iniciou nas páginas dessa revista e que a<br />

ela muito deve na sua formação.<br />

120


O número comemorativo de seu cinqüentenário reúne<br />

esses depoimentos e mostra de forma indelével a presença<br />

marcante de O Tico-Tico.<br />

CONCLUSÃO:<br />

Os últimos anos do século XIX e o primeiro decênio<br />

do século XX foram, como vimos, marcadamente, "nacionalistas"<br />

no sentido de que representaram, sem dúvida<br />

alguma, uma reação consciente ao domínio da metrópole<br />

sobre a literatura destinada às crianças brasileiras.<br />

Mas é evidente que essa reação só pôde existir porque<br />

já havia um mercado consumidor suficientemente amplo<br />

para permitir o aparecimento de textos específicos.<br />

Assim também apesar de todos os problemas aqui<br />

levantados de predominância de conteúdos importados sobrepondo-se<br />

a uma ambientação e linguagem já decididamente<br />

nacionais, esse grupo a que podemos chamar de<br />

pioneiros e do qual aqui abordamos apenas as principais<br />

figuras possibilitou o aparecimento dos verdadeiros criadores<br />

de uma Literatura Infantil brasileira: Monteiro Lobato<br />

com Narizinho Arrebitado, em 1921, e Viriato Correia<br />

com Cazuza, em 1938.<br />

Nesta tentativa de traçar a evolução da literatura<br />

infantil brasileira através de seus fundadores e de suas<br />

fases sucessivas pode-se constatar os fundamentos de seus<br />

principais problemas ainda hoje: excesso de moralismo e<br />

dogmatismo, estreita ligação com a escola, conteúdo que<br />

visa à manutenção do statu quo, forma elaborada, distante<br />

da linguagem oral. Todos esses pontos devem ser estudados,<br />

pesquisados, pesados e medidos para que se possa<br />

sentir se são positivos ou negativos. Mas pode-se também<br />

considerar a importante contribuição de todos e de cada<br />

um, para a criação de uma linguagem literária e de uma<br />

temática nacional que são a base de uma Literatura adequada<br />

às crianças.<br />

121


NOTAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

1 — ARROYO. Leonardo. Literatura Infantil Brasileira. São<br />

Paulo, Melhoramentos, 1968. p. 110.<br />

2 — idem, p. 121.<br />

s — Idem, p. 81.<br />

* — Idem, p. 131.<br />

s _ Idem, p. 131 — 52.<br />

« — FRANÇA. Rejane Carvalho de. A FNLIJ entrevista Luis<br />

Gomes Loureiro. Boletim Informativo. Rio de Janeiro, FNLIJ, 9<br />

(40): 20, out./dez. 1977.<br />

122<br />

— Idem, p. 21.


A IMPRENSA<br />

Barbosa Lima Sobrinho


A proclamação da República não foi o resultado de<br />

uma revolução, como desejava Silva Jardim. Consumou-se,<br />

no Brasil, por um simples golpe de Estado, epílogo de um<br />

caso militar que vinha envenenando a tropa, recrudescendo<br />

com o autoritarismo do Visconde de Ouro Preto, numa<br />

fase em que o excesso de confiança podia explicar as reações<br />

ou a falta de reação do Imperador. Os golpes de Estado<br />

raramente se traduzem em revolução. Não raro se<br />

limitam a uma simples mudança do regime ou a uma<br />

troca dos nomes dos governantes. Enveredando para o<br />

combate aos subversivos, uma revolução terá que ser fatalmente<br />

subversiva ou não será revolução. A de 1889 derrubou<br />

um regime, trouxe novos quadros ao governo do<br />

País, completou algumas conquistas, como a separação<br />

entre a Igreja e o Estado, a secularização dos cemitérios e<br />

até mesmo o advento do federalismo, que era uma aspiração<br />

antiga de todo o País e já havia conquistado posições<br />

avançadas no programa do Partido Liberal. Como se<br />

fosse a chegada ao Governo de um novo Ministério. Um<br />

Ministério que viesse realizar as reformas de um novo<br />

partido político, trocando-se D. Pedro II por Deodoro da<br />

Fonseca e indicando Chefe do Gabinete Rui Barbosa, levando<br />

nas mãos um programa dos artigos admiráveis, publicados<br />

no Diário de Noticias.<br />

Da imprensa dessa fase, não há retrato mais fiel do<br />

que o que nos foi legado por um jornalista francês que<br />

veio ao Brasil para encontrar resposta para as interrogações<br />

européias, que não compreendiam como se podia<br />

afastar um governante com a sabedoria e a superioridade<br />

125


do Imperador D. Pedro II. Chamava-se esse jornalista<br />

Max Leclere e estava incumbido do setor da política externa,<br />

numa das grandes folhas do jornalismo francês, o<br />

Journal des Débats, que acabava de comemorar o cinqüentenário<br />

de sua fundação. É extraordinária a acuidade demonstrada<br />

pelo visitante francês, que Sérgio Milliet classifica<br />

como um jornalista perspicaz e ativo, que não perde<br />

tempo e sabe olhar, embora caibam restrições a muitas de<br />

suas conclusões ou de suas afirmações peremptórias. Mas<br />

no julgamento da imprensa brasileira não há muito que<br />

retificar, embora sabendo ele, e dizendo, que o Rio de<br />

Janeiro não é o Brasil. Assinala a presença de dois grandes<br />

jornais: o Jornal do Commercio e a Gazeta de Notícias.<br />

O Jornal do Commercio, escreve ele, "é uma espécie<br />

de Times, sem virilidade; é o Times sem os "leading articles",<br />

um bom repositório de fatos, um conjunto útil de<br />

documentos. Na Gazeta de Notícias assinala a presença de<br />

Ferreira de Araújo que considera um excelente jornalista;<br />

julga homens e coisas com condescendente ironia; escreve<br />

com precisão, elegância e sobriedade reais. Tem temperamento,<br />

caráter, espírito elevado, inteligência rapidamente<br />

aberta."<br />

O paralelo entre o Jornal do Commercio e o Times não<br />

deixaria de conter alguns equívocos. Havia que considerar,<br />

também, a diferença dos ambientes em que os dois jornais<br />

atuavam. A Inglaterra compreendia e respeitava a sua<br />

grande folha tradicional; no Brasil surgira, com a República,<br />

uma nova influência que desejava encontrar nos<br />

seus jornais, meros cooperadores de ações governamentais,<br />

não críticos, porque não estava longe de enxergar oposição<br />

e combate onde havia apenas o exercício salutar da<br />

faculdade de crítica. O Jornal do Commercio se identificava<br />

com a monarquia e com D. Pedro II. Seu proprietário<br />

de então o Conde de Villeneuve, residindo em Paris, devia<br />

ter visto a deposição do Imperador com o mesmo sentimento<br />

de espanto que deve ter trazido ao Brasil um representante<br />

do Journal des Débats. Era preciso agir com<br />

prudência e aqui estava, à frente do Jornal do Commercio,<br />

um homem de excepcional integridade que era o Conselheiro<br />

Souza Ferreira, que não ignorava a mudança do<br />

126


ambiente com que deveria contar a ação da imprensa<br />

brasileira. O que não impedira que a voz da imprensa se<br />

levantasse para combater o Tratado das Missões, que Quintino<br />

Bocaiuva estava negociando, atribuindo à Argentina<br />

territórios que o Brasil já considerava incorporados à Soberania<br />

<strong>Nacional</strong>. Manifestava-se contra várias medidas<br />

que compunham o plano financeiro do Governo Provisório,<br />

elaborado pelo seu Ministro da Fazenda que era Rui Barbosa,<br />

talvez menos Ministro que Chefe de Gabinete, como<br />

é de uso nos governos em formação militar, como se houvesse,<br />

para eles, um regime presidencial sui generis exigindo<br />

transformações exigidas pela própria realidade.<br />

A primeira década republicana não alterou profundamente<br />

o quadro da presença e da influência da imprensa<br />

brasileira. Assistiu-se, de certo, à decadência das folhas<br />

que mais se haviam destacado na defesa da Abolição. A<br />

República não tivera, aliás, na grande imprensa, nenhum<br />

propagandista de maior ascendência. Quintino Bocaiuva,<br />

em O País, pode-se dizer que fazia a sua campanha debaixo<br />

do pano, por processos indiretos, numa folha que<br />

fazia questão de manter absoluta neutralidade política. Na<br />

Gazeta de Notícias, quem lutava pela República era Silva<br />

Jardim, numa coluna que se paginava a distância dos editoriais,<br />

para deixar a impressão de que vinha de fora, sem<br />

maior responsabilidade da própria redação do jornal. Não<br />

foi difícil aplaudir o advento do regime republicano, que<br />

surgira com a força de um fato consumado. Mas quase<br />

todos aplaudiam medidas generosas no tratamento do<br />

Imperador deposto, não por ele próprio, mas talvez pela<br />

ameaça de um Terceiro Reinado que poucos admitiam,<br />

se houvesse realmente quem o admitisse.<br />

No decorrer da década, há profundos antagonismos e<br />

medidas de repressão na fase de Floriano Peixoto, com as<br />

lutas armadas que perturbaram a vida nacional. O episódio<br />

de Canudos dera a oportunidade à expansão de um<br />

certo histerismo provocado pela exacerbação das paixões<br />

partidárias, quando se quis fazer de Antônio Conselheiro<br />

uma espécie de defensor da restauração monárquica. Mas<br />

o século se encerrou sem alterações mais profundas na<br />

vida da imprensa brasileira. Não houve nem mesmo interrupções<br />

na sua evolução técnica. O Jornal do Brasil<br />

127


surgiu em 1891, com uma excelente redação. Todos os<br />

jornais se reuniam no protesto enérgico contra as depredações<br />

contra a folha monarquista, que era a Tribuna, de<br />

Carlos Laet. O que ainda prevalecia, nas redações, era a<br />

ascendência dos boêmios, que Coelho Neto fixaria tão bem<br />

em dois magníficos romances de sua autoria. A fundação<br />

do Jornal do Brasil trouxera algumas inovações que Nelson<br />

Werneck Sodré registra na sua excelente História da<br />

Imprensa: a distribuição da folha em carroças e a amplitude<br />

da participação dos correspondentes estrangeiros, entre<br />

os quais se destacavam o grande financista europeu<br />

que era Paul Lerdy Beaulieu, os escritores Edmundo<br />

dAmicis, Fialho de Almeida, Teófilo Braga e Oliveira<br />

Martins. No Jornal do Brasil, o Barão do Rio Branco iniciava<br />

a publicação de suas preciosas Efemérides, tão documentadas<br />

e precisas. Na direção da folha figurava Rodolfo<br />

Dantas, contando com redatores e colaboradores tão<br />

ilustres como Joaquim Nabuco e Constâncio Alves e ainda<br />

com José Veríssimo. Mas a odisséia da imprensa se iniciara,<br />

com a prisão de jornalistas que combatiam o governo<br />

de Floriano Peixoto, inaugurando-se o confinamento<br />

de Cucuí, os exílios que vão dispersando os jornalistas e<br />

intelectuais de todo o Brasil. Uma prática que não seria<br />

abandonada no Governo de Prudente de Morais, quando<br />

se substituía Cucuí pela Ilha de Fernando de Noronha,<br />

para abrigar tanta gente acusada de subversão.<br />

O início do século XX não trouxe nenhuma inovação<br />

profunda. Por maior que seja o número dos sinos que<br />

festejam a passagem do ano, ou do século, a impressão dos<br />

que assistiam aos festejos e às comemorações era apenas<br />

a de quem vira uma folha do calendário. Mas a década<br />

de <strong>1900</strong> trazia alterações significativas na vida de toda<br />

a Nação, como na redação dos jornais e revistas com que<br />

se compõe a imprensa brasileira. Não direi que assinalou<br />

a substituição do jornal-opinião pelo jornal-empresa. A<br />

existência da empresa, a meu ver, vinha de muito longe.<br />

Nascera com a organização do Jornal do Commercio, no<br />

Rio, como também com a do Diário de Pernambuco, no Recife.<br />

Era ela justamente que separava as folhas efêmeras<br />

dos jornais de maior duração. Não se podia considerar<br />

como empresa o Diário do Rio de Janeiro, para viver de<br />

128


1821 a 1878? Não foram também empresas O Estado de<br />

S. Paulo, o Diário Popular do velho José Maria Lisboa,<br />

de São Paulo? Sem um mínimo de estrutura empresarial,<br />

nenhum jornal duraria mais que as paixões e os propósitos<br />

que haviam provocado o seu aparecimento. É claro,<br />

porém, que com a passagem do tempo cresceriam e mudariam<br />

com as necessidades da própria empresa. Não pode<br />

haver termo de comparação entre uma folha em que poucos<br />

redatores lutavam para encher as suas poucas colunas<br />

e uma folha que, para assegurar a regularidade de uma<br />

edição de numerosas páginas, exige a cooperação de milhares<br />

de pessoas. Nenhum diário contemporâneo (New<br />

York Times, Pravda, Asahi, Diário dei Pueblo) trabalha<br />

com menos de umas seis mil pessoas, entre jornalistas,<br />

técnicos, impressores e pessoal administrativo. Só El Mercúrio,<br />

de Santiago do Chile, emprega 1.200 trabalhadores,<br />

escreve Camilo Tarjia, em Periodismo y Lucha de<br />

Classes, p. 216.<br />

A década de <strong>1900</strong> não acaba de todo com o jornal de<br />

opinião, mas é claro que dificulta muito, com poucas exceções,<br />

a tarefa que eles precisam executar. Os jornais<br />

se dividem em dois grupos fundamentais: os que apóiam<br />

o governo e os que discordam do governo. Discordam e<br />

combatem. As subvenções oficiais podiam revestir-se de<br />

forma diferente, com a publicação da propaganda e dos<br />

balancetes e relatórios das organizações dependentes do<br />

próprio governo. Podiam também chegar à necessidade<br />

dos empréstimos do Banco do Brasil. Era a presença do<br />

que se chamava "reptile press", a ação dissolvente, ação<br />

dissimulada dos jornais que serviam ao governo. O mercado<br />

de consciência, dizia eu, há muitos anos passados,<br />

tem muito mais movimento, agitação e ofertas do que o<br />

de cereais, por exemplo. A expansão do Estado, seu crescimento,<br />

concorria para o aumento dessa dependência. Era<br />

uma tradição dos governos da Monarquia que os responsáveis<br />

pela República continuaram, invocando argumentos<br />

que a justificassem. Campos Salles dizia que "debaixo<br />

de instituições que tiram da opinião a origem de todo o<br />

poder e que com ele devem viver e num País, entretanto,<br />

em que os estadistas estrangeiros podem maravilhar-se<br />

de ver imprensa sem política e partido político com im-<br />

129


prensa, só resta fatalmente ao governo o recurso do jornalismo<br />

industrial", ou do jornalismo subvencionado, para<br />

ser mais preciso, traduzindo a própria linguagem de Campos<br />

Salles.<br />

Nem todos entenderiam que estivessem vendendo a<br />

opinião de seu jornal quando estivessem acolhendo a publicidade<br />

oficial. Vendiam espaço e não opinião. O que<br />

permitia conservar uma relativa autonomia. Outros preferiam<br />

vender tudo, ou porque estivessem realmente de<br />

acordo com o governo ou porque desejassem apoio mais<br />

amplo para as suas reivindicações. Na Monarquia ainda<br />

havíamos tido uma imprensa partidária natural, subvencionada<br />

ou não, mas contando também com o apoio financeiro<br />

de seus correligionários. O regime presidencialista<br />

substituíra os partidos pelos governos estaduais ou da<br />

União. Imprensa pró ou imprensa contra e, ao lado dela<br />

outra que se podia identificar como discreta, sem renunciar<br />

de todo às exigências da própria consciência.<br />

A imprensa importante que encerrara a década do<br />

advento da República, prosseguiria na década seguinte<br />

com o Jornal do Commercio, a Gazeta de Notícias, o Jornal<br />

do Brasil, O País, A Cidade do Rio, A Imprensa, A Notícia,<br />

cercados, como sempre, de outros órgãos que o tempo<br />

se incumbia de fulminar.<br />

Luís Edmundo, assustado com a influência considerável<br />

de elementos estrangeiros, sobretudo a colônia portuguesa,<br />

agindo e atuando na vida de todo o jornalismo brasileiro,<br />

com a presença de colaboradores que então ilustravam<br />

a literatura de Portugal, descrevia com exatidão:<br />

"O jornal, na alvorada do século, ainda é a anêmica, clorótica<br />

e inexpressiva gazeta da velha Monarquia, uma<br />

coisa precária, chã, vaga, morosa e trivial. Poucas páginas<br />

de texto, quatro ou oito apenas. Começa geralmente<br />

pelo artigo de fundo, um artigo de sobrecasaca, cartola<br />

e pince-nez, ar imponente e austero, mas rigorosamente<br />

vazio de opinião, espécie de puzzle de flores de retórica<br />

que foliculários escrevem com dicionário de sinônimos de<br />

um lado e um jogo de raspadeiras afiadas noutro, literatura<br />

cor-de-rosa e que os homens mais ou menos letrados<br />

do País sorvem logo de manhã cedo, ainda em robe<br />

de chambre, de chinelos de cara-de-gato no bico do pé,<br />

130


acavalando nos beques extenuados enorme pince-nez de<br />

tartaruga, babando admiração pela obra-prima. Paginação<br />

sem movimento ou graça. Colunas frias monstruosamente<br />

alinhadas, jamais abertas, títulos curtos. Pobres. Ausência<br />

quase absoluta de subtítulos. Vaga clicheterie. Desconhecimento<br />

das manchetes e de outros processos jornalísticos<br />

que já são, no entanto, conhecidos nas imprensas adiantadas<br />

do norte da Europa. Tempo de soneto na primeira<br />

página, dedicado ao diretor ou ao redator principal da<br />

folha." A não ser o Jornal do Brasil, que mantém um corpo<br />

de caricaturistas e diariamente publica charges. Só uma<br />

vez ou outra é que elas surgem nas outras gazetas. As<br />

oficinas de gravura ainda são poucas e os clichês caríssimos.<br />

Só o Jornal do Commercio possuía um belo serviço<br />

de telegramas. A notícia da polícia vinha sempre precedida<br />

de um infalível nariz-de-cera. A reportagem, procurando<br />

um sensacionalismo que não chegou a encontrar,<br />

e quando, por acaso, surgisse, seria explorado, esticado,<br />

para agradar ao público, atribuindo-se ao atraso do país<br />

a escassez dos crimes sensacionais. O que salvava o jornal<br />

das aperturas era o folhetim-romance de capa e espada.<br />

A seção de anúncios pobre relativamente.<br />

Nesse livro, O Rio de Janeiro de Meu Tempo, que venho<br />

citando, Luís Edmundo, que era jornalista, se detém nas<br />

redações dos diversos diários da então capital da República,<br />

o Jornal do Commercio, a Gazeta de Notícias, o Jornal<br />

do Brasil, O País, a rósea Noticia, A Tribuna, A Cidade<br />

do Rio, O Jacobino, O <strong>Nacional</strong>, a Revista Contemporânea,<br />

realçando as diferenças entre esta imprensa do<br />

começo do século e o jornalismo de oposição da fase da<br />

independência brasileira. Era sensível agora a presença e<br />

a influência da colônia portuguesa em quase todos. "O<br />

fato, escrevia Luís Edmundo, é que, discretamente ou indiretamente,<br />

todos lhe pertencem. São deles as oficinas<br />

de impressão e ainda os imóveis onde as mesmas se instalam<br />

e funcionam, as cartas de fianças ou outras garantias<br />

para a instalação e funcionamento das empresas, deles o<br />

crédito para a compra da tinta e do papel, fatalmente deles<br />

o anunciozinho, embora muito mal pago, porém representando<br />

a vida e a prosperidade da gazeta". Acrescenta<br />

que "nas redações dessa imprensa alienígena os brasilei-<br />

131


os foram sempre fantoches. E não há jornal, dos que<br />

são tidos por nossos, por mais simpático que seja à causa<br />

brasileira, que ouse dar guarida, apadrinhar o assunto,<br />

que nos interessa, medroso, sempre, de desgostar o amigo<br />

comendador, por que este, se quiser (sabem todos muito<br />

bem disso) num só gesto, como um satanás de mágica,<br />

pode reduzir esse mesmo jornal a fanicos. Como? De um<br />

modo muito simples: suspendendo-lhe o crédito, tirandolhe<br />

os anúncios, abrindo contra ele, à socapa, uma campanha<br />

comercial terrível, contando sempre, para isso, com<br />

a solidariedade da grei, que à gazeta proscrita nunca mais<br />

cederá, mesmo a toneladas de ouro, um só dedal de tinta,<br />

um palmo de papel" (ob. cit. pág. 1056-1058).<br />

Hoje o panorama receberia o título de alienação. Uma<br />

força oculta, mudando de nome e de nacionalidade, mas<br />

sempre influindo na imprensa, como uma dependência<br />

econômica quase inelutável. Luís Edmundo não há dúvida<br />

que exagerava na descrição que apresentava, mas o<br />

fato em si mesmo existia, não apenas no Rio, como em<br />

todos os lugares onde fosse predominante a influência<br />

da colônia portuguesa. Embora a dependência maior fosse<br />

em face do poder econômico da Inglaterra, não é entretanto<br />

tão sensível a presença da influência britânica nos<br />

jornais. Como que se ela própria se limitasse ao domínio<br />

das altas finanças. Sentia-se mais na imprensa a presença<br />

e a influência da colônia portuguesa, que ainda se fazia<br />

sentir embora já numa fase de declínio, até o governo de<br />

Epitácio Pessoa, que se inclinava para nacionalismo antilusitano,<br />

num momento em que o imperialismo já ia tomando<br />

as cores da bandeira dos Estados Unidos.<br />

Nesse quadro quase geral de conformismo é que iria<br />

surgir, na imprensa carioca, uma nova força de feição<br />

quase revolucionária, com o Correio da Manhã, de Edmundo<br />

Bittencourt. A intrepidez de suas atitudes marcou-lhe<br />

uma posição definitiva na imprensa brasileira. A pequena<br />

burguesia encontrava nele a sua própria voz, para expressar<br />

seus ressentimentos, suas reivindicações, seus protestos.<br />

Pode-se dizer que desde a fundação, o Correio da<br />

Manhã passou a liderar a opinião pública do Rio, o que<br />

valeria dizer a opinião pública de todo o Brasil, pela influência<br />

natural da capital da República. O duelo que<br />

132


Edmundo Bittencourt teve com Pinheiro Machado, o desassombro<br />

de suas atitudes vão compondo, em torno de<br />

seu Diretor, uma auréola de destemor, que se transformava<br />

em prestígio para o seu extraordinário matutino. Cabe<br />

ainda aqui o comentário de Luís Edmundo quando diz<br />

que "foi para combater esse estado de coisas e restabelecer<br />

na imprensa do país aquele sentido patriótico que<br />

fez a glória do Evaristo e criou, por muito tempo, a autonomia<br />

do nosso povo, que um jovem advogado cheio de<br />

audácia, de energia e de civismo pensou em lançar aqui<br />

um periódico rompendo as normas que os outros, até então,<br />

haviam estabelecido, trincheira de ação ativa e patriótica,<br />

exclusivamente nossa, onde se defendessem os<br />

conculcados interesses do povo que uma fatalidade histórica<br />

oprimia e humilhava. Era necessário, para isso, apenas<br />

um aparelho economicamente independente e rigorosamente<br />

brasileiro, um grupo de auxiliares cheios de fé<br />

e de bravura pessoal." Ou a observação mais ampla de<br />

Nelson Werneck Sodré, coincidindo com a opinião de Luís<br />

Edmundo, quando nos diz que "daí por diante, e em toda<br />

a velha República, que ajudou a derrotar, o jornal de<br />

Edmundo Bittencourt foi realmente o veículo dos senti-<br />

;mentos e místicas da pequena burguesia urbana em<br />

papel dos mais relevantes. Quebrou a monótona uniformidade<br />

política das manipulações de cúpula, dos conchavos<br />

de gabinete levando sempre o protesto das camadas populares,<br />

na fase histórica em que a participação da classe<br />

trabalhadora era mínima. Através desse caminho, vindo<br />

de baixo, portanto, é que se transformou, e depressa, em<br />

empresa jornalística" (História ãa Imprensa Brasileira,<br />

pág. 329). Mantendo sempre o Correio da Manhã até a<br />

fase final em que foi compelido a um arrendamento para<br />

mãos estranhas, um fadário de bravura, de firmeza e de<br />

coerência, que não chega a decair, quando passa das mãos<br />

de Edmundo Bittencourt às mãos de Edmundo Moniz e<br />

Niomar Sodré.<br />

Ao lado da ascensão do Correio da Manhã há que referir<br />

a decadência do jornal de José do Patrocínio, A Cidade<br />

do Rio, encerrando seus dias no começo do século, num<br />

final realmente melancólico. Também havia desaparecido<br />

a grande figura que tanto prestígio moral atribuíra à<br />

133


Gazeta ãe Noticias, o seu diretor Ferreira de Araújo. Já<br />

numa fase em que os progressos gráficos iam facilitar o<br />

florescimento de numerosas revistas como a Revista áa<br />

Semana, a Leitura para Todos, Fon-Fon, O Tico-Tico, A<br />

Careta, Kosmos, esta com a colaboração de Bilac, José<br />

Veríssimo, Capistrano de Abreu, Vieira Fazenda, João Ribeiro,<br />

Arthur Azevedo, Paulo Barreto, Gonzaga Duque,<br />

Raul Pederneiras, Coelho Neto, Félix Pacheco, Medeiros e<br />

Albuquerque e Euclides da Cunha, tendo como diretor da<br />

revista Mário Behring. Para competir com ela ou, pelo<br />

menos, estimulada pela publicação de Kosmos, surgia logo<br />

depois, Renascença, dirigida por Rodrigo Octávio e Henrique<br />

Bernardelli, contando, por igual, com excelente<br />

colaboração em que luziam os grandes nomes da época,<br />

já acrescidos de Sílvio Romero, Elísio de Carvalho, Araripe<br />

Júnior, Max Fleiuss e Afonso Celso.<br />

De certo que muita coisa escapa e um artigo sucinto<br />

sobre toda uma década da vida da imprensa brasileira.<br />

Muitos jornalistas não chegaram sequer a ser mencionados,<br />

numa década que teve a perturbá-la uma grande<br />

campanha contra a vacina obrigatória. Não falta, aliás,<br />

quem se valha desse episódio, para fazer da imprensa uma<br />

força retrógrada, sem verificar o motivo real e a utilidade<br />

dessa campanha enérgica contra a vacina obrigatória. Nem<br />

todos combatiam a eficácia da vacina, que era ainda<br />

objeto de dúvidas e de receios, como se podia aferir nos<br />

argumentos apresentados por um médico ilustre, que não<br />

estava longe de merecer a classificação de sábio, o Dr.<br />

Bagueira Leal. Mas o que se combatia realmente era a<br />

obrigatoriedade da vacina, a aplicação à força em pessoas<br />

que não acreditassem na sua eficácia. Outros profligavam<br />

a maneira como se vinha aplicando a vacina, num trabalho<br />

improvisado que nem sempre atendia às exigências<br />

elementares da própria higiene. De qualquer modo, o<br />

combate teve o seu efeito útil, obrigando a administração<br />

pública a tornar-se mais vigilante na escolha e formação<br />

de seus auxiliares, assim como no preparo da própria<br />

vacina. Teria tido o mesmo êxito a aplicação da vacina<br />

obrigatória, se não encontrasse esse esforço de crítica, e<br />

de resistência, que a forçava a aprimorar a sua ação e o<br />

processo de sua utilização? Pior de que tudo é a passivi-<br />

134


dade, o silêncio, a indiferença. Os que lutaram contra a<br />

vacina obrigatória acabaram sendo cooperadores inestimáveis<br />

de sua própria eficiência. Pena foi que a campanha<br />

se convertesse em instrumento de exploração política,<br />

armando conspirações militares que ocasionaram um levante<br />

dos moços da Escola Militar. Mas esse episódio deveria<br />

levar a responsabilizar menos os que contestaram a<br />

obrigatoriedade da vacina do que a facilidade com que se<br />

transformam discordâncias políticas em levantes militares.<br />

E é bom não esquecer, ao rememorar esse episódio,<br />

quanto concorreu a imprensa para ajudar, aplaudindo ou<br />

contestando, o imenso esforço para a remodelação do Rio<br />

de Janeiro e a liquidação do espantalho da febre amarela,<br />

que tanto havia colaborado com os adversários do Brasil.<br />

Não se poderia concluir esse resumo sucinto das atividades<br />

da imprensa, na década de <strong>1900</strong>, sem registrar o<br />

fato culminante que a assinalou, com o florescimento da<br />

imprensa operária. Já na década anterior vinham surgindo,<br />

sobretudo em São Paulo e aqui, periódicos destinados<br />

à defesa das classes trabalhadores, o que em grande parte<br />

se devia ao afluxo de correntes imigratórias, em que figuravam<br />

líderes e entusiastas do anarquismo, ou tocados da<br />

Europa já pelos governos de lá, ou buscando no Brasil um<br />

ambiente favorável às reivindicações de que eram portadores.<br />

A década de <strong>1900</strong> registra o auge desse esforço de<br />

proselitismo. Já em 1893 havia surgido, em São Paulo, para<br />

uma longa existência, um diário em língua italiana, a<br />

famosa Fanfulla, com Vitaliano Rottelini, de tanto prestígio<br />

e irradiação. Mas só em <strong>1900</strong> apareceriam, em São<br />

Paulo, 11 periódicos em italiano, muitos destinados à defesa<br />

dos trabalhadores, entre eles o Avanti, de Alceste<br />

Ambrys. Em 1901 surgia II Ragno, de Ettore Rossi e E.<br />

Caulli. Em 1904 surge, ainda em São Paulo, La Bataglia,<br />

dirigido por Crestes Ristori, Antonio Picarollo, Antonio<br />

Pisani, e outros trazem, para o Brasil, a cooperação de<br />

sua cultura e de suas inspirações sociais. O Rio acompanha<br />

de perto esse esforço, a que vem dar maior relevo<br />

a revolta de João Cândido. As idéias socialistas proliferam<br />

por toda a parte e se apresentam como solução para a<br />

questão social.<br />

135


Everardo Dias, na sua História das Lutas Sociais no<br />

Brasil, refere-se ao aparecimento, em São Paulo, de La<br />

Bataglia, órgão de crítica social, de tendência libertária,<br />

sob a direção de Orestes Ristori, que foi, no seu entender<br />

tão autorizado, "o maior agitador aparecido no Brasil,<br />

orador fluente e cáustico, sempre disposto à ação. Realizou<br />

centenas de conferências por todo o interior do<br />

Estado, agitando a massa trabalhadora das cidades, vilas<br />

e povoados. Sofreu inúmeras prisões e duas deportações,<br />

a última em 1935/36. Morreu combatendo na guerra civil<br />

espanhola, à frente de uma coluna da qual era o comandante,<br />

defendendo a frente de Madrid." (Ob. cit., pág.<br />

246). O autor faz justiça à colaboração desse proletariado<br />

alienígena que tanto fez, no sentido de tornar realidade<br />

conquistas que beneficiassem a classe trabalhadora do<br />

Brasil. E confessa que "foi entre o diminuto proletariado<br />

alienígena que teve início o movimento, contando com a<br />

adesão e comparecimento de um reduzidíssimo pugilo de<br />

nacionais, em que se contavam intelectuais esforçados"<br />

(ob. cit. pág. 41). Daí a reação da burguesia. Se eram<br />

estrangeiros esses propagandistas e defensores da causa<br />

trabalhista, o remédio seria fácil, com uma lei de expulsão,<br />

cuja iniciativa coube a um deputado paulista, Adolfo<br />

Gordo, que ficaria conhecido nos anais do Poder Legislativo,<br />

pelas iniciativas reacionárias que o consagravam,<br />

em 1904, no Governo Rodrigues Alves, em 1923 no Governo<br />

Artur Bernardes.<br />

Maria Nazareth Ferreira, em A Imprensa Operária no<br />

Brasil, também considera decisiva essa atuação da imigração<br />

de líderes operários, quando escreve: "Os imigrantes<br />

aqui chegados, devido às perseguições, eram defensores<br />

do anarquismo, a mesma ideologia que os tornara indesejáveis<br />

em suas pátrias de origem. E o anarquismo, como<br />

idéia nova, "adversa e estranha aos costumes e tradições<br />

brasileiras", enfrentou sérias perseguições na pessoa de<br />

seus militantes, à medida que fossem frutificando os seus<br />

ensinamentos." (pág. 50) Vários italianos surgem nesse<br />

esforço, como Arturo Campagnoli, Giovanni Rossi, Oreste<br />

Ristori, Antonio Picarollo, e muitos outros enquanto vai<br />

crescendo o movimento, com os Congressos que se vão<br />

reunindo, com a formação de uniões, com a expansão do<br />

136


movimento sindical. E conclui que "foi tão grande a participação<br />

do operário imigrante que levou os poderes<br />

públicos a tomar uma atitude em defesa dos industriais,<br />

representada pela lei Adolfo Gordo, que permitia punir e<br />

expulsar trabalhadores estrangeiros e deportar os nacionais".<br />

Antes mesmo de ser sancionada, servira para punir<br />

várias vezes o "agitador estrangeiro, responsável único<br />

pela crise social." E informa que "são constantes as notícias<br />

de prisões, deportações e expulsão através da lei<br />

Adolfo Gordo. A imprensa operária, já bastante desenvolvida<br />

nessa época, é rica em denúncias e informações<br />

sobre essas perseguições. Afastados assim elementos que<br />

quase sempre eram considerados bandidos e desordeiros,<br />

sendo processados sumariamente." (pág. 54)<br />

Nem sempre essas deportações atenderam aos interesses<br />

da política imigratória que o Brasil desejava realizar.<br />

Quando se tratava de deportados de maior categoria,<br />

ao chegarem à Itália, mostravam quais as condições<br />

de vida que cercavam o trabalhador italiano, o que não<br />

podia deixar de concorrer para o enfraquecimento das<br />

correntes imigratórias italianas.<br />

De qualquer modo, a década de <strong>1900</strong> traduz o ponto<br />

mais alto da expansão e fortalecimento da imprensa<br />

operária no Brasil, com o concurso dos trabalhadores alienígenas<br />

que tomaram a iniciativa de um proselitismo<br />

imediato. Depois viria o declínio, ou o enfraquecimento<br />

das correntes imigratórias destinadas ao Brasil.<br />

Faltaria, porém, a esse quadro tão sucinto da presença<br />

da imprensa na década de <strong>1900</strong>-1909, o testemunho<br />

de uma das figuras mais importantes que a viveram e<br />

a ilustraram com uma descrição vigorosa. Referimo-nos a<br />

Lima Barreto e às suas Recordações do Escrivão Isaías<br />

Caminha. Ele próprio jornalista militante, nessa primeira<br />

década do século vinte. Não falta, de certo, às suas<br />

impressões, uma nota sarcástica que, se não deturpa os<br />

fatos, de certo lhes desfigura os contornos. E é curioso<br />

que esse jornalista, curtido pelas decepções e revoltado<br />

contra as injústiças sociais, não se detém nas folhas que<br />

o conformismo inspirava, ou dirigia. Prefere o órgão que<br />

surgira para travar a luta necessária contra os governos<br />

instituídos. O tom de sátira não esmorece nas suas nar-<br />

137


ativas tão próximas da realidade, num romance à clef<br />

em que está presente Edmundo Bittencourt, com as figuras<br />

mais importantes da redação do Correio da Manhã,<br />

com Leão Veloso, Vicente Piragibe, Costa Rego, Mário<br />

Cataruzza, Viriato Correia, Cândido Lage, João Itiberê da<br />

Cunha, Gastão Bousquet, Floriano de Lemos, Chico Souto<br />

e outros. Completaram-se as referências com outras figuras<br />

do jornalismo do tempo, como Coelho Neto, Afrânio<br />

Peixoto, e João do Rio, que seria o grande repórter da<br />

década. São retratos que talvez pequem pelo exagero<br />

da fidelidade. Não há retoques, o que vem facilitar a<br />

identificação, para os estudiosos e os críticos das Recordações<br />

do Escrivão Isaías Caminha.<br />

Por isso mesmo os quadros que o livro nos oferece<br />

poderiam servir para completar a presença do jornalismo,<br />

na primeira década do século vinte. Veja-se, por exemplo,<br />

como ele descreve a redação do Correio da Manhã, que<br />

não é senão O Globo de sua narrativa:<br />

"Era uma sala pequena, mais comprida que<br />

larga, com duas filas paralelas de minúsculas<br />

mesas, em que se sentavam os redatores e repórteres,<br />

escrevendo em mangas de camisa.<br />

Pairava no ar um forte cheiro de tabaco; os<br />

bicos de gás queimavam baixo e eram muitos.<br />

O espaço era diminuto, acanhado e bastava que<br />

um redator arrastasse um pouco a cadeira para<br />

esbarrar nas mesas detrás, do vizinho. Um tabique<br />

separava o gabinete do Diretor, onde trabalhavam<br />

o Secretário e o redator chefe; era<br />

também de superfície diminuta, mas duas janelas<br />

para a rua davam-lhe ar, desafogavamno<br />

muito. Estava na redação do O Globo,<br />

jornal de grande circulação, diário e matutino,<br />

recentemente fundado e já dispondo de grande<br />

prestígio sobre a opinião pública".<br />

De um modo geral, Lima Barreto não admira a imprensa,<br />

vendo nela, como dirá, "a mais tirânica manifestação<br />

do capitalismo e a mais terrível... É um poder<br />

138


vago, sutil, ignorado, que só poucas inteligências podem<br />

colher-lhe a força e a essencial ausência da mais elementar<br />

moralidade, dos mais rudimentares sentimentos de<br />

justiça e honestidade! São grandes empresas, propriedade<br />

de venturosos donos, destinados a lhes dar o domínio<br />

sobre as massas, em cuja linguagem falam, e a cuja<br />

inferioridade mental vão ao encontro, conduzindo os governos,<br />

os caracteres para os seus desejos inferiores, para<br />

os seus atrozes lucros burgueses... Não é fácil a um<br />

indivíduo qualquer, pobre, cheio de grandes idéias, fundar<br />

um que os combata. Há necessidade de dinheiro; são precisos,<br />

portanto, capitalistas que determinem e imponham<br />

o que se deve fazer num jornal. — Vocês vejam: antigamente,<br />

entre nós, o jornal era de Ferreira de Araújo,<br />

de José do Patrocínio, de Fulano, de Beltrano... Hoje de<br />

quem são? A Gazeta é do Gaffré, o País é de Visconde<br />

de Morais ou do Sampaio, e assim por diante. E por<br />

detrás deles estão os estrangeiros, senão inimigos nossos,<br />

mas quase sempre indiferentes às nossas aspirações" ...<br />

Era, de certo, a opinião de uma das personagens do<br />

romance. Mas o que dava importância a essas palavras é<br />

que elas vinham da personagem, Andrade, que personificava<br />

o próprio autor do romance.<br />

Outros traços não menos característicos surgiram nesse<br />

documentário excelente da primeira década do século<br />

vinte. Como seja a presença, na redação da folha que<br />

ele descreve, de um defensor do purismo da linguagem,<br />

na figura do Dr. Lobo, que não era mais do que Cândido<br />

Lago, inconformado com o idioma que se falava no Brasil.<br />

"Isto que se fala aqui não é língua, não é nada; é um<br />

vazadouro de imundícies. Se Frei Luis de Souza ressuscitasse,<br />

não reconheceria a sua bela língua nessa amálgama,<br />

nessa mistura de galicismos, de africanismos, indianismos,<br />

anglicismos, cacofonias, cacotenias, hiatos, colisões...<br />

Um inferno! "Era a presença de um fiscal do<br />

purismo numa redação aberta a todas as irreverências.<br />

O que vinha constituir uma tendência da época, numa<br />

fase em que se publicava "A Réplica" de Rui Barbosa<br />

e no qual Cândido de Figueiredo pontificava na redação<br />

do Jornal do Commercio.<br />

139


Não era muito, como estamos vendo, o que se permitia,<br />

numa folha considerada sem compromissos, à influência<br />

das correntes lusitanas. Ainda assim, constituía<br />

um começo da reação, e tanto bastava para deslumbrar<br />

o nativismo exaltado de Luís Edmundo. Mas que não era<br />

tão ampla a rebeldia, é o que se pode documentar com<br />

um episódio que se inclui nas Recordações do Escrivão<br />

Isaías Caminha.<br />

Conta ele que, em certo momento, surgia nos Apedidos<br />

do Jornal do Commercio, explorando uma frase<br />

equívoca de um dos artigos de O Globo, a denúncia de<br />

que ele passava a figurar entre os inimigos da Colônia<br />

portuguesa. Dava-se, como prova dessa atitude, o fato<br />

de que não havia um só português na sua redação, coisa<br />

realmente rara no jornalismo da época. Qual foi a reação<br />

de O Globo? Conta Lima Barreto que o próprio diretor<br />

do jornal, Ricardo Legorant, ao tomar conhecimento do<br />

"Apedido" do Jornal do Commercio, dirigiu-se a um dos<br />

seus redatores, identificado como Itiberê da Cunha na<br />

chave de seus personagens, e lhe perguntou:<br />

— Conhece aí alguém capaz?<br />

— Qual, não há!<br />

— Como poderíamos arranjar um português para redator,<br />

dize lá?<br />

Nesse propósito, pedia-se ao chefe do gabinete da<br />

monarquia lusitana a indicação de um redator português.<br />

E lá veio o redator que faltava, para restabelecer o prestígio<br />

de O Globo, em face da colônia portuguesa. O que<br />

o gerente da folha festejava como uma grande conquista,<br />

opinando:<br />

— É bom... Vocês sabem, sem português, nada aqui<br />

vai adiante. Os patrícios exigem, é justo, eles são talvez<br />

trezentos mil, pagam rios de dinheiro em anúncios —<br />

é justo!"<br />

Pior seria quando surgissem outras influências estrangeiras<br />

e não mais em face de uma nação que, não<br />

obstante todas as suas glórias passadas, não chegava<br />

mais a constituir ameaça para quem quer que fosse. Ainda<br />

nessa fase, tratava-se de uma colônia presente no Brasil<br />

e que, por isso mesmo, não poderia ser de todo indife-<br />

140


ente aos interesses do país em que se instalara. Pior<br />

seria quando a dependência se fizesse sentir em face de<br />

estrangeiros que continuassem a residir fora do Brasil e<br />

aqui se fizessem representar por meio de prepostos mais<br />

realistas do que o rei e, por isso mesmo, mais ávidos de<br />

lucros com que documentassem a sua eficiência.<br />

141


O ACERVO DA BIBLIOTECA NACIONAL<br />

I — Coleções existentes até <strong>1900</strong><br />

II — Coleções incorporadas entre <strong>1900</strong>-<strong>1910</strong>.<br />

Levantamentos numéricos<br />

III — A instalação do acervo no novo prédio.<br />

Antecedentes, <strong>1900</strong>-<strong>1910</strong><br />

Lygia da Fonseca Fernandes da Cunha


Retraçar a história da incorporação ao acervo de<br />

coleções que, na <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong>, se acham disseminadas<br />

nas inúmeras estantes, entre obras antigas e diversas,<br />

não é fácil tarefa, acrescida da circunstância de que<br />

inventários precisos não foram completados e estão defasadas,<br />

por divergências de critérios, as informações que<br />

alguns relatórios mencionam.<br />

Assim é que, para informar sobre o acervo existente<br />

na instituição, objeto deste estudo, afigurou-se mais objetivo<br />

relacionar a entrada cronológica das coleções. Embora<br />

o acréscimo do acervo fosse também feito pela paulatina<br />

anexação do material bibliográfico, a referência a<br />

grandes conjuntos, incorporados em uma mesma oportunidade,<br />

é que permite julgar como o problema primordial,<br />

espaço, se agravava pouco a pouco e como nos dois prédios<br />

que abrigaram o principal acervo bibliográfico do país,<br />

em aproximadamente cerca de cinqüenta anos de instalação<br />

em cada um, constatou-se a real impossibilidade de<br />

manter, em condições adequadas, tantas preciosidades.<br />

Atualmente, disseminadas as coleções nas várias dependências<br />

da instituição, somente as seções que compõem<br />

a atual Divisão de Referência Especializada têm<br />

pretendido reunir em catálogos especiais, os acervos que<br />

pertencem a cada uma delas, com o objetivo de reconstituir<br />

os principais fundos incorporados em diversas<br />

ocasiões.<br />

Porém, a maior parte está a esperar igual preocupação,<br />

já que se guarda no Acervo Geral o grande montante<br />

do material bibliográfico. Unidos os esforços, poder-se-á<br />

reconstituir os diversos conjuntos que refletem épocas e<br />

mentalidades diversas.<br />

136


I — Coleções existentes até <strong>1900</strong><br />

A instalação, no Rio de Janeiro, da Real <strong>Biblioteca</strong>,<br />

propriedade particular da Família Real Portuguesa, decorre<br />

da transferência da corte em 1808, fato que a história<br />

registra e que tem sido inúmeras vezes repetido.<br />

Reconstituído depois do terremoto de Lisboa, o conjunto<br />

bibliográfico constava de várias coleções adquiridas<br />

ou doadas e agrupava cerca de 6-0.000 volumes na<br />

época de sua instalação no hospital do Convento do<br />

Carmo. Citam-se entre as principais coleções acrescidas<br />

ao núcleo inicial formado pela <strong>Biblioteca</strong> Real e <strong>Biblioteca</strong><br />

do Infantado:<br />

1770-1773 — Coleção Barbosa Machado, doada ao Rei com<br />

quatro mil e trezentas e uma obras em cinco mil<br />

setecentos e sessenta e quatro volumes.<br />

1783 — Coleção do Cardeal da Cunha, adquirida após sua<br />

morte nesta data e composta de um mil duzentos e<br />

trinta e quatro obras.<br />

1790 — Coleção de livros do Colégio de Todos os Santos,<br />

situado na Ilha de São Miguel, nos Açores, confiscados<br />

após a extinção da Companhia de Jesus, à qual<br />

pertenciam; poucos foram incorporados, em decorrência<br />

do mau estado de conservação.<br />

1811 — Espólio de Frei Mariano da Conceição Velloso.<br />

Doados ao Rei aproximadamente dois mil e quinhentos<br />

volumes, manuscritos originais, pranchas gravadas<br />

em cobre.<br />

137


1815 — Espólio de Manuel Inácio da Silva Alvarenga, mil<br />

quinhentos e setenta e seis volumes adquiridos a um<br />

livreiro.<br />

1818 — Coleção José da Costa e Silva. Adquiridos desenhos<br />

originais, livros, manuscritos, estampas gravadas.<br />

1819 — Coleção do Conde da Barca (Coleção Araujense).<br />

Adquiridas duas mil trezentas e sessenta e cinco obras<br />

em seis mil trezentos e vinte e nove volumes.<br />

Até a Independência do Brasil, a Real <strong>Biblioteca</strong> continuava<br />

ainda a ser acrescida por determinação real, com<br />

"propinas", i. e., a entrega de um exemplar de todos os<br />

papéis impressos em oficinas tipográficas de Portugal (alvará<br />

de 12 de setembro de 1805) e também pelo material<br />

impresso na Impressão Régia, instalada no Rio de Janeiro.<br />

Pela Convenção Adicional ao Tratado de Paz e Amizade,<br />

de 29 de agosto de 1825, assinado entre Brasil e<br />

Portugal, foi indenizada a Família Real Portuguesa pelas<br />

suas propriedades particulares que tinham ficado no Brasil,<br />

pagando nosso país a soma de dois milhões de libras<br />

esterlinas; entre elas estava incluída a Real <strong>Biblioteca</strong>.<br />

Tão logo se regularizaram os serviços administrativos,<br />

já em 12 de novembro de 1822, determinava o governo<br />

imperial que fossem entregues à <strong>Biblioteca</strong> Imperial e<br />

Pública da Corte um exemplar de todas as obras, folhas<br />

periódicas e volantes que se imprimissem na Tipografia<br />

<strong>Nacional</strong>. Esta legislação sofre, durante o período em<br />

estudo, várias alterações: em 1847, em 1853, estendendo a<br />

obrigatoriedade a todas as tipografias do Império ainda<br />

em 1865, até que em 20 de dezembro de 1907, o decreto<br />

n.° 1825, ainda hoje em vigor, dá instruções precisas para<br />

a sua execução.<br />

Além da aquisição e contribuição legal, doações também<br />

continuaram a enriquecer o patrimônio nacional.<br />

Continuando a discriminar as grandes coleções incorporadas<br />

ao acervo, registra-se:<br />

1824 — Coleção Francisco de Melo Franco, adquiridos mil<br />

quinhentos e noventa volumes.<br />

1832 — Incorporada por esta época, a Coleção do Marquês<br />

de Santo Amaro, cento e quinze pastas com do-<br />

138


cumentos (papéis relativos à administração do Principe-Regente).<br />

Posteriormente permutada com Portugal.<br />

1838 — Coleção José Bonifácio de Andrada e Silva. Doados<br />

cinco mil volumes (ciências naturais, edições<br />

tipográficas, literárias, manuscritas, cartas autógrafas)<br />

pela sua família.<br />

1853 — Coleção Pedro de Angelis. Adquiridas em leilão:<br />

mil setecentos e dezessete obras, em dois mil setecentos<br />

e quarenta e sete volumes, e mil duzentos e noventa<br />

e cinco manuscritos.<br />

1853 — Por disposição testamentária, Coleção Dr. Antônio<br />

Correia de Lacerda: obras e manuscritos importantes<br />

ligados à história natural e clínica médica.<br />

1859 — Doação do Dr. Domingos José Gonçalves de Magalhães:<br />

vinte e sete obras francesas e italianas.<br />

1872 — Dr. Felipe Lopes Neto doa duas mil cento e setenta<br />

e duas obras, referentes ao Chile, abrangendo todos<br />

os ramos do conhecimento humano.<br />

1872 — Doação do Dr. Alexandre José de Melo Morais:<br />

preciosos documentos manuscritos, livros de registro<br />

da correspondência oficial dos Vice-Reis e Governadores<br />

da Bahia.<br />

1873 — Coleção Manuel Ferreira Lagos: aquisição à viúva<br />

de três mil quatrocentos e setenta e cinco volumes<br />

impressos, cento e quarenta e seis cartas geográficas,<br />

duzentos e trinta e um manuscritos, dois mil<br />

folhetos, um volume de estampas.<br />

1874 — Coleção Antônio José de Oliveira Barbosa: conjunto<br />

de estampas raras.<br />

1875 — Aquisição pela Direção de copiosa bibliografia de<br />

Camões, incluindo versões e trabalhos críticos.<br />

1877 — Coleção João Antônio Alves de Carvalho: aquisição<br />

de setecentos e setenta e quatro estampas e<br />

trezentos e noventa e sete retratos.<br />

1878 — Coleção Rodrigo de Lima Felner: adquirida de<br />

seu espólio no leilão em Lisboa, compreende sobretudo<br />

manuscritos referentes ao Brasil.<br />

139


1878 — Coleção Melo Morais: aquisição pela Direção, de<br />

sessenta e quatro volumes de manuscritos.<br />

1878 — Aquisição pela Direção, de oitenta estampas de<br />

Goya. Caprichos.<br />

1879 — Coleção Marqueses de Castelo Melhor, aquisição<br />

pela Direção no leilão em Lisboa: manuscritos preciosos<br />

referentes ao Brasil.<br />

1879 — Doação do Barão Rodolfo de Vasconcelos: duzentos<br />

e um preciosos livros de famosos tipógrafos e<br />

obras raras.<br />

1880 — Aquisição pela Direção, de setenta e nove estampas<br />

litográficas da obra de Victor Frond "Brasil pittoresco".<br />

1880 — Doação do Conselheiro Francisco Octaviano de<br />

Almeida Rosa: trinta e oito manuscritos importantes.<br />

1881 — Aquisição pela Direção, de valioso conjunto de<br />

estampas holandesas relativas ao período histórico da<br />

dominação holandesa no Nordeste do Brasil.<br />

1881 — Coleção Visconde do Rio Branco, doada por seu<br />

filho, o Barão do Rio Branco: papéis, cartas e documentos<br />

coligidos por ocasião de suas missões diplomáticas<br />

no Rio da Prata e Guerra do Paraguai<br />

(atualmente, neste ano de 1980, foi por ordens superiores<br />

confiada parte da documentação ao Ministério<br />

das Relações Exteriores, para entrega ao Governo<br />

Paraguaio).<br />

1881 — Coleção Conselheiro Pedro de Alcântara Bellegarde,<br />

doação de seu genro.<br />

1882 — Doação do diplomata José Gurgel do Amaral Valente:<br />

sessenta e oito obras em cento e dezessete<br />

volumes, relativos ao Canadá, incluindo mapas estatísticos<br />

e cartas geográficas.<br />

1882 — Doação do Conselheiro Felipe Lopes Neto: cento<br />

e oitenta e duas obras em trezentos e dezenove volumes,<br />

relativas a sistemas penitenciários e publicadas<br />

na Europa e América.<br />

1882 — Doação do Comendador José Pedro Werneck Ribeiro<br />

de Aguilar: oitenta e quatro volumes sobre o<br />

Chile.<br />

140


1883 — Adquiridas pela Direção, a José Rodolfo Marcondes<br />

do Amaral estampas originais e desenhos.<br />

1883 — Aquisição pela Direção, do espólio do Dr. J. A.<br />

de Melo Morais, manuscritos e obras raras.<br />

1884 — Foram adquiridas pela Direção, a Miguel Navarro<br />

Canizares, oitenta estampas gravadas a água-forte,<br />

de autoria do artista Salvador Rosa.<br />

1884 — Doação do Marechal Henrique de Beaurepaire<br />

Rohan, de almanaques, revistas, folhetos, versando<br />

sobre história política, militar e literária do Brasil.<br />

1884 — Coleção Salvador de Mendonça, doada pelo Cônsul<br />

do Brasil em Nova York, Dr. Salvador de Mendonça:<br />

cento e vinte e duas obras em duzentos e quinze<br />

volumes, sete manuscritos e ainda estampas. Destaca-se,<br />

no conjunto, o material referente ao domínio<br />

holandês no Brasil, peças da maior raridade e impressas<br />

no século XVII. Sobre esta doação, foi publicada<br />

notícia no "'Jornal do Commercio" de 13.6.1884.<br />

1884 — Do adido do Corpo Diplomático, lotado na Embaixada<br />

do Brasil, em Lima, Dr. José Augusto de Saldanha<br />

da Gama, recebeu a <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong> um<br />

importante conjunto de obras antigas e modernas,<br />

referentes ao Peru.<br />

Ainda por seu intermédio, foram doadas obras de<br />

Pedro Paz Soldan (publicadas com o pseudônimo<br />

de Juan de Azona).<br />

1885 — Por intermédio do Encarregado de Negócios do<br />

Brasil no Chile, Comendador Ribeiro de Aguilar, recebeu<br />

a instituição oferta de mil cento e quinze obras<br />

doadas pelo Conservador da <strong>Biblioteca</strong> do Chile, Dr.<br />

Raul Briseno. A notícia foi publicada, com destaque,<br />

no "Jornal do Commercio" de 7.2.1885.<br />

1885 — Ainda por intermédio do mesmo Encarregado de<br />

Negócios do Brasil no Chile, foram doadas várias<br />

obras e uma coleção dos Anales de la Universidad de<br />

Chile, montando o total a oitenta e quatro volumes.<br />

1885 — Coleção Franco de Sá. Por determinação do Ministro<br />

de Negócios do Império, Dr. Francisco Franco<br />

de Sá, foram recolhidos à <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong> seiscen-<br />

141


tas e cinqüenta e seis obras em novecentos e noventa<br />

e nove volumes, obras que pertenceram ao Dr. José<br />

Manuel Garcia, professor do Imperial Colégio D. Pedro<br />

II, material especializado em Educação e Lingüística.<br />

1886 — Adquiridos pela Direção, ao Dr. João Antônio Alves<br />

de Carvalho, livros e quatrocentos e um mapas,<br />

peças de grande importância.<br />

1887 — Através do Dr. Edmund Chas Preiss, recebeu a<br />

<strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong>, doação do Hydrographic Bureau,<br />

Washington, num total de sessenta e seis cartas geográficas.<br />

1888 — Do Dr. Vicente G. Quesada, recebeu doação de<br />

obras sobre a Argentina.<br />

1889 — Doação de obras relativas à Colômbia, encaminhadas<br />

pelo Diretor da <strong>Biblioteca</strong> de Colômbia, Dr.<br />

José Rivas Groot.<br />

1889/1890 — Coleção João Antônio Marques; seu proprietário<br />

doa uma das mais valiosas documentações bibliográficas<br />

até então recebidas. Compunha-se de três<br />

mil novecentas e vinte obras em seis mil trezentos e<br />

nove volumes impressos e ainda alguns manuscritos<br />

relativos ao Brasil. O conjunto abrange obras raríssimas,<br />

incunábulos e edições prínceps.<br />

1890 — Adquiridas pela Direção, ao espólio do Dr. José<br />

Fernandes da Costa Pereira, obras sobre jurisprudência<br />

estrangeira, num total de mil oitocentos e sessenta<br />

e quatro volumes.<br />

1890 — Coleção <strong>Biblioteca</strong> Fluminense, precioso conjunto<br />

doado pelo Conde de Figueiredo que adquiriu o<br />

espólio de Francisco Antônio Marques, na íntegra,<br />

e o doou à BN. Compunha-se de duas mil seiscentas<br />

e vinte e duas obras, mil e quarenta folhetos e duzentos<br />

e quarenta e um manuscritos de importante<br />

valor bibliográfico.<br />

1891 — com o advento da República, é incorporada à <strong>Biblioteca</strong><br />

<strong>Nacional</strong> o acervo bibliográfico do antigo<br />

Conselho de Estado, em atuação no período Imperial.<br />

142


Compunha-se o conjunto de dois mil cento e oitenta<br />

volumes.<br />

1891 — Adquiridos pela Direção, duzentos e cinqüenta e<br />

nove obras em trezentos e sessenta e nove volumes,<br />

pertencentes a Antônio José Vieira Leal.<br />

1891 — A entrada da Coleção Teresa Cristina Maria marca<br />

época nos fastos da <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong>. Doada<br />

pelo ex-Imperador D. Pedro II, com determinação expressa<br />

de que fosse conservada sob aquela denominação.<br />

Compunha-se o conjunto de quarenta e oito<br />

mil volumes encadernados, brochuras, fascículos, folhetos,<br />

revistas, estampas, músicas, mapas, manuscritos<br />

e mapas em relevo, não computados no seu total.<br />

Foi a maior doação já recebida pela instituição.<br />

1892 — Completando a Coleção João Antônio Marques,<br />

seus herdeiros doaram à BN mais noventa e oito<br />

obras em cento e sessenta volumes equiparados aos<br />

demais pela raridade.<br />

1895 — Adquiridas pela Direção a Joaquim Caetano de<br />

Melo quarenta e cinco estampas.<br />

1895 — Adquiridas pela Direção ao Comendador A. J. de<br />

Oliveira Barbosa: duzentos e oitenta e oito estampas<br />

de assuntos relacionados com história e costumes do<br />

Brasil, peças muitas delas únicas conhecidas, e ainda<br />

estampas de artistas europeus e, também, manuscritos.<br />

1895 — Adquiridos pela nação documentos incluídos na<br />

Coleção Conde de Linhares, leiloada em Lisboa. Repartida<br />

a documentação entre o Arquivo <strong>Nacional</strong>,<br />

Ministério das Relações Exteriores e <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong>,<br />

coube a esta última um conjunto de dois mil<br />

oitocentos e quarenta e nove documentos, cinqüenta<br />

e três obras impressas, quarenta e duas cartas geográficas<br />

manuscritas em sessenta e uma folhas e<br />

vinte desenhos.<br />

1896 — Adquirida pelo Governo a Coleção Pimenta Bueno.<br />

A documentação importante, sobretudo em relação ao<br />

Estado de Mato Grosso, era constituída de seiscentos e<br />

quinze mapas, dos quais trezentos e dezenove im-<br />

143


pressos e duzentos e noventa e seis manuscritos e,<br />

ainda, quarenta memórias manuscritas, em códices encadernados.<br />

A coleção foi partilhada com o Ministério<br />

das Relações Exteriores.<br />

1896 — Por intermédio da Legação do Brasil em Londres,<br />

recebeu oferta do governo inglês: conjunto resultante<br />

dos estudos efetuados durante a viagem de exploração<br />

do navio "Challenger". Compunha-se a publicação<br />

de cinqüenta volumes, incluindo ilustrações,<br />

mapas, planos, vistas, impressos litograficamente com<br />

o título: Report of the results scientific of the exploring<br />

voyage of H.M. S. Challenger 1873-1876.<br />

1897 — São adquiridas a Angelo Bertola e Juan Cafiero<br />

obras no mais perfeito estado de conservação, incluindo<br />

incunábulos e edições raras, sem número especificado.<br />

1897 — Doadas pelo Sr. Francisco Ramos Paz número não<br />

especificado de obras e estampas adquiridas e enviadas<br />

por ocasião de sua viagem à Europa.<br />

1897 — Adquiridas pela Direção, encomendadas a firmas<br />

européias: um mil trezentos e quarenta e uma estampas<br />

de artistas contemporâneos e algumas históricas.<br />

1898 — Doadas pela Livraria Laemmert quarenta e cinco<br />

teses em língua alemã.<br />

1898 — A Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro doa<br />

uma coleção de teses defendidas nos anos de 1896 e<br />

1897.<br />

1898 — Recebida da Comissão encarregada de comemorar,<br />

em Lisboa, o 4.° centenário do descobrimento do caminho<br />

marítimo para as índias, grande coleção de<br />

obras e opúsculos publicados em Portugal, e relativos<br />

ao evento.<br />

1898 — Doados pelo Ministro Plenipotenciário do Brasil,<br />

em vários países (Itália, Colômbia e Equador), farta<br />

documentação bibliográfica versando sobre aspectos<br />

da cultura do Equador, Venezuela, Nova Granada, São<br />

Domingos, El Salvador; sem número especificado.<br />

1899 — Destaca-se a doação por Francisco Ramos Paz, de<br />

trinta e nove obras em quarenta e dois volumes e<br />

144


ainda grande número de jornais e cem folhetos sobre<br />

vários assuntos.<br />

1899 — Doação do Dr. Mário de Alencar, incluía no acervo<br />

trinta e nove obras em cinqüenta e um volumes, relacionadas<br />

com literatura.<br />

1899 — Rara e preciosa coleção bibliográfica sobre o idioma<br />

gaélico, usado pelos primitivos celtas, foi doada<br />

,pelo Dr. Horácio A. da Costa Santos.<br />

1899 — Incluídos no acervo especializado de estampas<br />

cerca de setenta e dois diplomas impressos litograficamente,<br />

permutados com o Sr. Francisco Rodrigues<br />

Paiva, e treze peças litográficas satíricas, mais desenhos<br />

originais e estampas que se encontravam deslocados,<br />

em outros setores da mesma instituição.<br />

1899 — Embora seja referência feita apenas a uma peça<br />

doada à <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong>, merece registro: Álbum<br />

de adesões à Família Imperial Brasileira, datado de<br />

1888 e cuja incorporação ao acervo, feita por ordem<br />

do Presidente da República, Dr. Campos Sales, veio<br />

sobremodo enriquecer o patrimônio nacional; além<br />

do valor intrínseco, tem a valorizá-lo a esplêndida e<br />

preciosa decoração em pedras preciosas e metal nobre<br />

em estojo de madeira de lei.<br />

II — Coleções incorporadas entre <strong>1900</strong>-1901.<br />

Levantamentos numéricos<br />

Ao se iniciar o século XX, a incorporação de material<br />

bibliográfico continua a ser alimentada pela contribuição<br />

legal (ainda vigente a legislação de 1853), por compras<br />

feitas pela Direção e também por valiosas doações encaminhadas<br />

à instituição por pessoas de esclarecido sentimento<br />

patriótico.<br />

<strong>1900</strong> — Nesse ano, registram-se na Seção de Manuscritos<br />

179 itens de novas aquisições, compreendendo quase<br />

um milhar de documentos recebidos por doação, compra<br />

ou permuta. Destacava-se no conjunto a coleção<br />

145


de seis volumes encadernados da correspondência ativa<br />

do General Carlos Frederico Lecór.<br />

1901 — Vieram aumentar os vários conjuntos bibliográficos,<br />

doações de várias pessoas, cujos totais registram:<br />

mil cento e quarenta e uma obras em mil duzentos<br />

e um volumes; três mapas e mil e noventa e oito<br />

folhetos. Nestes totais, destacam-se as peças doadas<br />

pelos Srs. Antônio José Torres de Carvalho, que correspondia<br />

à coleção de obras literárias e históricas<br />

impressas em Elvas, Portugal; obras pertencentes a<br />

João Zeferino Rangel de Sam Paio, doadas por sua<br />

viúva; obras em grego sobre arqueologia e numismática,<br />

doadas pelo Cônsul da Grécia, Othon Leonardos;<br />

obras escritas pelo Dr. Emilio Goeldi, o sábio naturalista,<br />

especializado em pássaros.<br />

1901 — Doação de avultado número de obras nacionais e<br />

estrangeiras, na sua maioria relacionadas com ciências<br />

médicas, doação do Dr. Francisco Rodrigues<br />

Paiva.<br />

1903 — Doação da família Tavares Bastos, dos papéis do<br />

Conselheiro Aureliano Cândido Tavares Bastos, relacionados<br />

com questões de limites, negócios do Rio da<br />

Prata, assuntos diplomáticos, organização das forças<br />

brasileiras, obras públicas, navegação do Amazonas.<br />

Incluía ainda artigos de jornais e discursos; recentemente<br />

foi publicado pelo Senado Federal, um catálogo.<br />

1903 — Coleção Wallenstein, papéis pertencentes ao diplomata<br />

russo, radicado no Brasil e depositados por<br />

seu sogro na <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong>, após sua morte. A<br />

doação originou uma questão com o Sr. Norival de<br />

Freitas, que se considerando proprietário da mesma,<br />

impugnou o ato. Decorrente das ponderações do Diretor,<br />

registradas em processo encaminhado ao Ministro<br />

da Justiça e Negócios Interiores, a coleção foi<br />

finalmente adquirida e incorporada ao acervo da Seção<br />

de Manuscritos. Compunha-se de documentos<br />

guardados em quatorze latas e mais dezessete códices.<br />

1903 — Entra por compra a coleção de jornais e periódicos<br />

brasileiros organizada pelo Conselheiro Miguel<br />

146


Arcanjo Galvão, compreendendo treze mil e sessenta<br />

entradas de título e -mais o catálogo das peças, distribuído<br />

em doze cadernos.<br />

1906 — Doada pela Baronesa de Ladário, farta documentação:<br />

obras, extratos de jornais, cartas geográficas<br />

manuscritas que haviam pertencido a seu marido, o<br />

Almirante Barão de Ladário, cujos assuntos diziam<br />

respeito a limites, diplomacia, cartas hidrográficas e<br />

questões militares e de fronteiras.<br />

1906 — Doação de revistas e periódicos estrangeiros, sem<br />

estimativas, pelos Srs.: Dr. Miguel Lemos, Eng.° Militar<br />

Tancredo Fernandes de Melo e Dr. Belarmino<br />

Carneiro.<br />

1906 — Doação da Sra. Maria Luísa de Melo Franco Porciúncula:<br />

obras pertencentes a seu finado marido;<br />

compreendia a coleção de leis, relatórios de obras e<br />

assuntos administrativos do Estado do Rio de Janeiro.<br />

1906 — Ao colecionador João Ferreira de Andrade Leite<br />

foram adquiridos três álbuns de cartas autógrafas e<br />

documentos vários.<br />

1907 — Doação da Livraria Francisco Alves e Cia. de quarenta<br />

e três desenhos originais a lápis, de autoria de<br />

Raul Pompéia, que serviram para ilustrar a segunda<br />

edição de sua obra "O Ateneu".<br />

1908 — Registra doações em grande número, porém sem<br />

estimativas, feitas pelos Srs. Dr. Capistrano de Abreu,<br />

Dr. Miguel Lemos e Dr. Francisco Rodrigues Paiva.<br />

1908 — Por doação testamentária, são incluídas no acervo<br />

mil e cem obras em mil e seiscentos volumes de assuntos<br />

relacionados com História, Direito e Finanças;<br />

legado do Conselheiro José Maurício Fernandes Pereira<br />

de Barros.<br />

1909 — Registra a incorporação de outro importante núcleo<br />

da Coleção do Conselheiro Miguel Arcanjo Galvão<br />

— autógrafos e documentos manuscritos.<br />

1909 — Incorporado o arquivo do General Francisco Carlos<br />

da Luz.<br />

147


1909 — Doação do Dr. Graça Aranha, da coleção do jornal<br />

"O Paiz", do Estado do Maranhão, abrangendo o<br />

período 1863-1885.<br />

1909 — Doação, pela família de Luís Carlos Martins Pena,<br />

de vinte e nove peças de teatro, de sua autoria.<br />

<strong>1910</strong> — Doação do Barão de Studart: vinte cartas a ele<br />

endereçadas entre os anos 1891-1906, por José Alexandre<br />

Teixeira de Melo, antigo Diretor da <strong>Biblioteca</strong><br />

<strong>Nacional</strong>.<br />

<strong>1910</strong> — Doação da Sociedade de Geografia de Lisboa, de<br />

obras sobre Portugal e suas colônias, publicadas em<br />

comemoração ao Centenário do descobrimento do caminho<br />

marítimo para as Índias.<br />

<strong>1910</strong> — Doação do Conselheiro José Antônio de Azevedo<br />

e Castro, delegado do Tesouro Brasileiro em Londres:<br />

duas mil e quarenta e cinco obras em três mil e<br />

quatrocentos e quarenta e oito volumes — obras escolhidas<br />

de literatura contemporânea inglesa e francesa.<br />

Esta coleção foi doada com a recomendação de<br />

constituir a Coleção Visconde de Taunay "como justa<br />

homenagem ao caráter e inteligência deste primoroso<br />

escritor".<br />

Uma explicação sobre a coleção de Moedas e Medalhas,<br />

faz-se necessária.<br />

O primitivo Gabinete de Moedas e Medalhas, pertencente<br />

à coleção real portuguesa, veio transferido na mesma<br />

época que a coleção bibliográfica, permanecendo no<br />

mesmo prédio da Rua do Carmo, até 1818. Nesta época,<br />

é incorporado ao Museu Real, instalado no Rio de Janeiro<br />

em 6 de junho de 1818; o precioso mealheiro ali<br />

figurou até 1893.<br />

Com a reforma da <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong> em 1875 e a<br />

criação de uma subseção de Moedas e Medalhas, subordinada<br />

à 3. a Seção (ou seja estampas) o acervo numismático<br />

foi sendo paulatinamente enriquecido, inclusive<br />

Pela inclusão do conjunto real, transferido do Museu <strong>Nacional</strong><br />

em 1893, graças ao empenho do Dr. Ramiz Galvão,<br />

desde a criação da subseção.<br />

148


Em 1922, é novamente desmembrada a coleção numismática<br />

do acervo da <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong>, sendo incorporada<br />

ao Museu Histórico <strong>Nacional</strong>, aonde até presentemente<br />

se encontra.<br />

Por ocasião da mudança da Rua do Passeio para o<br />

prédio da Avenida Rio Branco, a coleção de Moedas e<br />

Medalhas já alcançava o expressivo número de vinte e<br />

sete mil oitocentos e quarenta e sete peças.<br />

Ao findar o século XIX, o acervo se compunha de:<br />

volumes — 247.180 (incluindo periódicos e músicas)<br />

cartas geográficas impressas — 2.479<br />

documentos manuscritos — 185.638 (incluindo cartas e<br />

planos)<br />

códices manuscritos — 2.279<br />

estampas — 102.959 (incluindo desenhos)<br />

moedas e medalhas — 25.077<br />

Os dados foram extraídos dos relatórios das Direções<br />

correspondentes, até o ano de 1899, embora os cômputos<br />

nem sempre espelhassem a real situação do acervo.<br />

No período compreendido entre <strong>1900</strong> e <strong>1910</strong>, foram<br />

ainda incorporados:<br />

obras — 39.864 em 52.025 volumes<br />

cartas geográficas impressas — 4.594<br />

músicas — 368<br />

periódicos — 6.296<br />

documentos manuscritos — 68.768<br />

cartas e planos manuscritos — 572<br />

estampas — 13.792<br />

moedas e medalhas — 2.770<br />

Mudanças de critério para dados numéricos e diversificação<br />

na distribuição do material incorporado às diversas<br />

Seções não permitem seguir uma ordem uniforme<br />

nos cômputos apresentados.<br />

Entretanto, as informações supra permitem atribuir<br />

estimativas que convergiriam para um total aproximado<br />

de peças transferidas para o novo prédio:<br />

volumes — 299.205 (incluindo até <strong>1900</strong>, periódicos e músicas)<br />

cartas geográficas impressas — 7.073<br />

149


documentos manuscritos — 254.456 (incluindo até <strong>1900</strong>,<br />

cartas e planos)<br />

cartas e planos manuscritos — 572 (a partir de <strong>1900</strong>)<br />

periódicos — 6.296 (a partir de <strong>1900</strong>)<br />

músicas — 368 (a partir de <strong>1900</strong>)<br />

estampas — 116.751 (incluindo desenhos)<br />

moedas e medalhas — 27.847<br />

III — A instalação do acervo no novo prédio.<br />

Antecedentes <strong>1900</strong>-<strong>1910</strong><br />

No princípio do século XX, poucos anos após o advento<br />

da República, a renovação na mentalidade dirigente<br />

do país dá início a uma nova fase de prosperidade, tanto<br />

cultural como financeira.<br />

No governo Rodrigues Alves (1902-1906) foi empreendido<br />

o plano de remodelação da Capital Federal, obra<br />

do grande Prefeito Pereira Passos, e que incluía: o alargamento<br />

das ruas centrais; abertura de novas avenidas;<br />

construção de prédios de destaque para as instituições públicas;<br />

ao mesmo tempo se atacava o problema de saneamento,<br />

resultado de esforços ingentes, dirigidos por Oswaldo<br />

Cruz.<br />

Ao se completar o programa traçado pelos administradores,<br />

ganhava o Rio de Janeiro foros de metrópole internacional.<br />

A instalação da <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong> no edifício adrede<br />

construído, na principal artéria da capital da Federação,<br />

também se insere no programa de modernização levado a<br />

efeito na mesma época.<br />

Entretanto, a problemática, dotar a <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong><br />

de instalações condignas, data de época bem mais<br />

recuada, e os sucessivos diretores da instituição nunca<br />

deixaram de se referir, nos relatórios encaminhados às<br />

autoridades superiores, a seus problemas e preocupações<br />

quanto ao espaço físico, quanto ao pessoal qualificado e<br />

quanto a verbas condizentes com as necessidades sempre<br />

crescentes para aquisição de material bibliográfico e per-<br />

150


manente, bem como justa remuneração do pessoal técnico<br />

habilitado para as diversas funções.<br />

Desde sua instalação de 1810 a 1858, no antigo Hospital<br />

da Ordem do Carmo, sito à rua do mesmo nome, e<br />

a permanência entre 1858 e <strong>1910</strong>, no prédio em que se<br />

instalara cinqüenta e dois anos antes e que não mais comportava<br />

o monumental acervo, não faltam na documentação<br />

histórica da instituição as sugestões para resolver<br />

a grave situação da falta de espaço. À medida que se<br />

incorporavam coleções em grandes conjuntos ou o material<br />

que paulatinamente ia se somando ao primitivo núcleo,<br />

eram construídas novas galerias, alugadas casas vizinhas<br />

para sua guarda e que, devido ao precário estado,<br />

chegavam a prejudicar o acervo pela falta de condições<br />

materiais de conservação e ameaçavam até a segurança<br />

e proteção de tão valioso patrimônio.<br />

Nesse clima de preocupação é que assume a direção<br />

da <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong> o Dr. Manuel Cícero Peregrino da<br />

Silva, no dia 30 de junho de <strong>1900</strong>. Com uma tradição<br />

de cultura invulgar, carreando uma experiência similar de<br />

dez anos na direção da <strong>Biblioteca</strong> da Faculdade de Direito<br />

do Recife, pôde ele aquilatar com bastante sensatez os<br />

problemas até então insolúveis, tentando a solução mais<br />

acertada e definitiva.<br />

O assunto apaixonava também a opinião pública desde<br />

os últimos anos do século anterior; debatiam-se até pelos<br />

jornais as soluções viáveis, e alternativas eram sugeridas:<br />

a transferência do acervo para a Escola Politécnica; ou<br />

ainda para o Teatro São Pedro de Alcântara; para o<br />

palácio do Barão de Nova Friburgo, na Glória — nenhuma<br />

das soluções entretanto viria resolver definitivamente<br />

o problema.<br />

Já no primeiro relatório anual apresentado, referente<br />

ao ano de <strong>1900</strong>, Manuel Cícero explicitamente declara:<br />

"não me parece porém conveniente transferir a biblioteca<br />

para algum prédio vasto e bem situado, mas que, construído<br />

para fim diverso, não reúne as condições necessárias<br />

ao fim todo especial a que teria de ser destinado.<br />

Só a construção de um edifício apropriado poderá proporcionar<br />

à <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong> a instalação que ela, com<br />

todo o direito, reclama".<br />

151


A <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong> na Rua do Passeio - Armazém de Livros


O ano de 1902 foi marcado pela visita oficial do Ministro<br />

da Justiça e Negócios Interiores, Dr. Sabino Barroso<br />

Jr., sensibilizado pelo relatório que fora apresentado<br />

a seu antecessor, e que foi constatar as deficiências e<br />

precárias condições do edifício em que se achava instalada<br />

a repartição, na Rua da Lapa, n.° 48. São palavras<br />

do Diretor no relatório deste ano ao mencionar a honrosa<br />

visita: "Peço permissão para manifestar a convicção de<br />

que haveis de atender aos justos reclamos da <strong>Biblioteca</strong>,<br />

fazendo levantar o grandioso edifício que há de abrigar<br />

o maior tesouro bibliográfico da América Latina".<br />

Frutos desse interesse refletem-se na determinação<br />

que lhe fora outorgada: rever o regulamento da <strong>Biblioteca</strong><br />

(que datava de 1894), passo primordial para as<br />

reformas que seriam postas em prática. Assim, foram<br />

sugeridas: a divisão da 3. a seção em dois conjuntos distintos:<br />

Estampas e Numismática; indicação de professores<br />

(seriam os chefes das respectivas seções) que ensinassem<br />

as matérias especiais exigidas no currículo de<br />

concurso para amanuense; constituição de um fundo decorrente<br />

do produto da venda dos Anais, que revertesse<br />

em proveito da própria instituição; instalação de uma<br />

oficina de encadernação para conserto e restauro de obras<br />

raras ou esgotadas que não convinha fossem entregues a<br />

terceiros. Ainda foi autorizado a tomar as providências no<br />

sentido de ser completado e atualizado o catálogo geral,<br />

para futura publicação, e, incluído no projeto a criação<br />

de Instituto Bibliográfico, sendo ainda mencionada em<br />

relatório a criação de uma Seção de Cartas Geográficas.<br />

Define-se assim o administrador que tão bem soube<br />

analisar o estado em que se encontrava a instituição e<br />

indicar as primeiras soluções para sua reestruturação administrativa,<br />

sem o que, seria inviável a continuidade do<br />

seu projeto.<br />

O ano de 1903 registra importante fato: o Ministro<br />

da Justiça e Negócios Interiores convida e acompanha<br />

os membros da Comissão de Orçamento da Câmara dos<br />

Deputados na visita feita à <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong>, no dia<br />

18 de julho. Nessa ocasião, foi feita explanação aos presentes<br />

da situação calamitosa em que se encontrava a<br />

instituição, tendo a referida Comissão constatado a pro-<br />

161


cedência das ponderações do Diretor cuja finalidade primordial<br />

era sensibilizar as autoridades.<br />

Mais um passo no sentido de modernizar o tratamento<br />

da coleção foi dado com a aprovação pelo Ministro da<br />

pasta do projeto de definição da marca de propriedade<br />

— ex-libris — a ser colocada em todos os livros pertencentes<br />

à <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong> e também do emblema, símbolo<br />

a ser utilizado no material a ser impresso com fins<br />

administrativos (Anais, cartas, bilhetes, etc.).<br />

A fim de montar um emblema que simbolizasse a instituição,<br />

foi solicitada a colaboração do artista Eliseu Visconti<br />

que, na base de sugestões fornecidas pelo Diretor e<br />

pelo Chefe da 3. a Seção, apresentou os dois modelos citados.<br />

A descrição da peça, conforme determina a legislação,<br />

foi também encaminhada e se acha transcrita no<br />

relatório correspondente ao ano de 1903.<br />

Foi ativado o trabalho de encadernação nas oficinas<br />

instaladas e também montada uma oficina tipográfica<br />

que, além de impressos de cunho administrativo, imprimiu<br />

os Anais, a partir do volume XXIV.<br />

Inicia o Diretor o relatório de 1904 com a promissora<br />

notícia de que o governo tinha tomado a resolução de<br />

fazer construir o edifício no qual seria instalada a instituição.<br />

Prossegue o administrador, ventilando importante<br />

questão, relacionada com pessoal — mencionada a necessidade<br />

de reestruturá-lo de acordo com a especialidade<br />

dos serviços e que os mesmos revelem propensão para o<br />

gênero de trabalho a executar e que a ele se dediquem<br />

integralmente, senão, alerta: "O esforço de alguns se<br />

anula diante da inatividade de muitos e não se conseguirá<br />

mais do que a aparência de um funcionamento regular."<br />

Não se apresentam modificações sensíveis quanto à<br />

parte administrativa: "Permaneceram as causas, continuaram<br />

a produzir-se os efeitos," no dizer de seu funcionário<br />

maior.<br />

Tentando atualizar os trabalhos técnicos, foi contratada<br />

a título extraordinário, uma equipe de auxiliares, dirigidos<br />

por um chefe de serviço — rigorosas instruções<br />

determinaram as rotinas e comportamento dos mesmos<br />

— sendo levadas diariamente ao conhecimento do Dire-<br />

154


tor as ocorrências bem como as estatísticas dos trabalhos<br />

realizados.<br />

Coube também a Manuel Cícero prestar homenagem<br />

aos Diretores da instituição, organizando uma galeria de<br />

retratos na qual figurariam seus antecessores. Iniciada no<br />

ano anterior, teve com o artista consagrado, Modesto<br />

Brocos, o mais alto ponto de perfeição artística, sendo as<br />

figuras gravadas em placa de cobre, pelo processo de<br />

água-forte, trabalho que teve continuidade nos anos seguintes<br />

e que seria, no novo prédio, colocado em lugar<br />

de destaque.<br />

Prevendo a importância e o alcance de informações<br />

bibliográficas referentes à produção literária brasileira,<br />

foi, por sua sugestão, encaminhado em 1901 projeto de<br />

lei à Câmara dos Deputados e que se referia à contribuição<br />

das oficinas tipográficas para o enriquecimento do:<br />

acervo da <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong>. Neste ano de 1904, aprovado<br />

o projeto na Câmara dos Deputados, foi o mesmo<br />

encaminhado ao Senado e finalmente aprovado para ser.<br />

posta em prática a obrigatoriedade da entrega de um<br />

exemplar impresso de cada obra saída no Brasil de prelos<br />

tipográficos.<br />

Na continuidade da decisão já tomada pelo governo<br />

de construir um novo prédio para a <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong>,<br />

foram estudadas diversas opções para a nova localização.<br />

Primeiramente escolhida, na Praça da República, não<br />

foram favoráveis as opiniões e pareceres do principal<br />

administrador que apresentou proposta no sentido de ser<br />

utilizado outro sítio, inserido no plano da nova e mais.<br />

importante artéria da cidade, nas imediações do Morro,<br />

do Castelo que deveria ser ainda em parte demolido para<br />

a execução do projeto. Aprovada a sugestão, foi pelo Ministro<br />

da Justiça e Negócios Interiores entregue a responsabilidade<br />

do plano arquitetônico ao Engenheiro Militar<br />

F. M. de Sousa Aguiar que já dera suficientes provas<br />

de capacidade por ocasião da apresentação do Pavilhão<br />

Brasileiro na Exposição de São Luís, em 1904, ocasião em<br />

que recebeu Medalha de Ouro pelo seu trabalho.<br />

No ano seguinte, 1905, dá-se início à construção do<br />

prédio com o lançamento da pedra fundamental; cerimônia<br />

solene que contou com a presença do que de mais<br />

155


expressivo constituía a alta cúpula da administração pública,<br />

a começar pelo Presidente da República, Dr. Francisco<br />

de Paula Rodrigues Alves, e demais autoridades. O<br />

acontecimento foi marcado pela colocação, nas fundações<br />

do futuro edifício, de caixa contendo ata e medalha comemorativa,<br />

além de documentos de praxe, tais como jornais<br />

do dia e moedas correntes. Foram ainda guardadas para<br />

inclusão no acervo da <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong> e distribuídas<br />

às pessoas gradas medalha comemorativa, de autoria de<br />

Augusto Girardet e a Ata, desenhada por Rodolfo de<br />

Amoedo guardada na Seção de Manuscritos, conforme relata<br />

o Diretor no seu registro das atividades do ano em<br />

curso.<br />

Montava a três mil contos de réis (3.000:000$000) a<br />

quantia votada no orçamento da União para a obra, com<br />

o que ficou assim assegurada.<br />

Embora fosse preocupação primordial o novo edifício,<br />

não se descuidava o Diretor dos trabalhos técnicos em<br />

curso, tais como o enriquecimento e catalogação do acervo;<br />

serviço de permuta internacional e nacional; registro<br />

de direitos do autor; impressão de publicações, todos minuciosamente<br />

descritos em seu relatório anual, apresentado<br />

ao Ministro da Justiça e Negócios Interiores. Ainda<br />

uma vez registra a importância para a casa, da legislação<br />

referente à Contribuição Legal, aprovada pela maioria do<br />

Senado, mas que somente no ano de 1907 se firmará como<br />

decreto.<br />

Dentre as atividades culturais, destacou-se a contribuição<br />

e o êxito da Exposição Cervantina, sendo expressivo<br />

o número de obras pertencentes ao patrimônio nacional<br />

que figuraram na mostra organizada pelo Gabinete<br />

Português de Leitura.<br />

Recapitulando as ocorrências do ano 1906: além das<br />

rotinas e estatísticas apresentadas, refere-se o Diretor às<br />

obras necessárias feitas no prédio da Rua do Passeio n.°<br />

48, decorrentes da exigência da Saúde Pública, com as<br />

quais ainda mais vulnerável tornou-se a instituição;<br />

porém, conforme suas palavras, "achando-se em construção<br />

o vasto edifício destinado a ser ocupado pela <strong>Biblioteca</strong>,<br />

só se devem efetuar no próprio nacional que ela<br />

atualmente ocupa, as obras inadiáveis e as que forem<br />

156


indispensáveis à sua conservação". Lamenta que sua sugestão<br />

com referência às comemorações de 1908, quando<br />

participaria a <strong>Biblioteca</strong> com monumental Exposição Bibliográfica<br />

Brasileira, não tenha sido aceita, mas frisa<br />

que foi a idéia retomada posteriormente pelo Instituto<br />

Histórico e Geográfico Brasileiro, com o qual colaboraria<br />

a <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong>.<br />

Os trabalhos que decorreriam forçosamente da transferência<br />

para o novo prédio ficam em compasso de espe^<br />

ra, pois as obras apenas se iniciavam.<br />

No ano de 1907 se definem os projetos para a instalação<br />

da <strong>Biblioteca</strong> no novo prédio, pois as obras avançavam<br />

nas fundações. Tratava-se pois de programar a nova<br />

estrutura, não só quanto ao espaço físico, como também<br />

quanto ao tipo de material a ser aplicado em mobiliário,<br />

levando em conta o avanço de novas técnicas aplicadas a<br />

bibliotecas. Por esta razão, é o Diretor encarregado de<br />

visitar, na Europa e Estados Unidos, as grandes bibliotecas<br />

públicas e também de contratar o fornecimento de<br />

material adequado às novas instalações. Ausentou-se ele<br />

por oito meses (de 20 de março a 3 de novembro do ano<br />

em curso); período profícuo de estudos e cujos resultados<br />

figuram em relatório especial entregue a seu superior.<br />

O ano de 1908 registra poderoso fluxo dirigido ao<br />

acervo bibliográfico brasileiro, decorrente da aplicação do<br />

decreto 1.825, de 20.12.1907, graças ao qual foi determinada<br />

a obrigatoriedade da entrega de um exemplar de<br />

trabalho gráfico de oficinas brasileiras, posto em prática<br />

mediante rotina estabelecida pelo Diretor da <strong>Biblioteca</strong><br />

<strong>Nacional</strong> em convênio com a Diretoria-Geral dos Correios<br />

— embora não abrangesse a totalidade dos 1.140 municípios<br />

integrantes da Federação, foi o maior estímulo para<br />

ser acrescida, na instituição, a contribuição bibliográfica<br />

brasileira, pois a ela cabia ser a guardiã do patrimônio<br />

intelectual do país.<br />

Ficou marcada a Exposição Comemorativa do Centenário<br />

da Imprensa no Brasil, também pela valiosa contribuição<br />

da <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong> que apresentou, além da<br />

série completa de suas publicações, um importante conjunto<br />

de documentos relativos a D. João VI em Portugal<br />

e no Brasil.<br />

157


O avanço dos trabalhos em relação ao prédio em construção<br />

tomava vulto e já permitia ao Diretor encaminhar<br />

as propostas do material de aço de três firmas dos três<br />

países visitados: Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha<br />

— sendo escolhida pelo Ministro da Justiça e Negócios<br />

Interiores a firma americana Art Metal Construction<br />

Company que providenciou a remessa do material encomendado<br />

(depositado nos porões do novo edifício, enquanto<br />

aguardava a montagem). O planejamento interno<br />

para a respectiva distribuição foi estudado pelo Diretor,<br />

em estreita colaboração com o construtor do prédio.<br />

Decisivo para o destino da coleção é o ano de 1909,<br />

pois marca a transferência do acervo para o novo prédio<br />

recêm-terminado. As providências preliminares envolveram<br />

trabalhos de natureza prática tais como acondicionamento,<br />

transporte e localização nos novos armazéns, cujo<br />

controle coube à Direção e envolveu várias etapas. Iniciada<br />

a 1 de setembro de 1909, somente em fevereiro do<br />

ano seguinte terminou a transferência do acervo — todo<br />

o desenrolar das atividades está minuciosamente descrito<br />

no relatório do referido ano, encaminhado pelo Diretor<br />

ao Ministro da Justiça e Negócios Interiores.<br />

Embora entregue o prédio a 29 de outubro, ficaram<br />

"ainda por completar vários detalhes de acabamento<br />

bem como a montagem e decoração dos interiores para<br />

cujos trabalhos foram concedidas verbas no montante de<br />

2.400:000$0c0.<br />

Ainda dentro do programa de reestruturação, sugeria<br />

o Diretor a reorganização dos serviços, considerando que<br />

a nova biblioteca, em função de maior público, teria maiores<br />

encargos. Para o aumento de pessoal qualificado "a<br />

criação de um Curso de Biblioteconomia que preparasse<br />

o candidato aos cargos da <strong>Biblioteca</strong>, pois a natureza especial<br />

das funções confiadas aos que são nomeados para<br />

as bibliotecas exige cautelas e garantias". Ainda sua ampla<br />

visão lembrava a importância de ser a instituição<br />

vinculada ao Instituto Internacional de Bibliografia, razão<br />

de projeção entre as bibliotecas congêneres dos grandes<br />

centros europeus.<br />

Com a instalação definitiva, em <strong>1910</strong>, realizava-se a<br />

maior aspiração das Direções durante praticamente um<br />

158


século: edifício especialmente construído dentro das modernas<br />

técnicas, para abrigar o opulento acervo; mobiliário<br />

incombustível de aplicação prática e construído dentro<br />

de padrões internacionais e, ainda, espaço suficiente<br />

para o montante do acervo existente e reserva para a<br />

futura acomodação para mais quatrocentos mil volumes.<br />

A inauguração oficial das novas instalações ocorreu<br />

exatamente a 29 de outubro, um século após a data oficial<br />

da instalação da <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong>, assim considerada<br />

a da ordem do Príncipe-Regente de instalar sua<br />

coleção bibliográfica nas acomodações da Rua do Carmo.<br />

A solenidade reuniu ainda desta vez o que de mais<br />

representativo havia nos altos escalões da administração<br />

e ainda a elite cultural do país — o Sr. Presidente da<br />

República, Dr. Nilo Peçanha, o Sr. Ministro da Justiça,<br />

Dr. Esmeraldino Bandeira, e inúmeros representantes oficiais<br />

que deixaram registradas na Ata lavrada na oportunidade,<br />

suas presenças, prestigiando a direção do Dr.<br />

Manuel Cícero Peregrino da Silva, à frente da <strong>Biblioteca</strong><br />

<strong>Nacional</strong>. Duas placas de bronze, comemorativas do acontecimento,<br />

e colocadas em lugar de destaque no novo edifício,<br />

gravaram para a posteridade os nomes dos que mais<br />

diretamente colaboraram para tornar realidade a maior<br />

aspiração de seus Diretores.<br />

A <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong>, na posição de mais importante<br />

acervo do país, herdeira de um patrimônio real e imperial,<br />

instalada condignamente e dirigida por um dos maiores<br />

administradores que já passaram pela instituição, tornou-se<br />

credora da confiança dos homens públicos e de<br />

cultura que continuaram desta data em diante a prestigiá-la,<br />

enriquecendo-a de valiosos tesouros bibliográficos.<br />

159


A <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong> na Rua do Passeio - Salão de Leitura


A BIBLIOTECA E SUAS ANDANÇAS<br />

Eduardo Canabrava Barreiros


A atual <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong> foi criada no século<br />

XVIII, com a livraria mandada organizar por D. José I,<br />

em substituição à Real <strong>Biblioteca</strong> da Ajuda, destruída com<br />

o incêndio do Paço da Ribeira, em 1755.<br />

No mesmo século, na década de setenta, juntavam-se<br />

à livraria acima os 5.764 volumes doados pelo bibliófilo<br />

Diogo Barbosa Machado, Abade de Santo Adrião de Sever,<br />

e posteriormente a livraria do Colégio de Todos os Santos,<br />

da Ilha de São Miguel, assim como boa parte da livraria<br />

chamada do Infantado.<br />

Mas foi no início do século seguinte, mais precisamente<br />

em 1808, que o já respeitável acervo bibliográfico<br />

seria transportado para o Brasil, trazido pela família real.<br />

No Rio de Janeiro, por decreto de 27 de junho de<br />

1810, já com o título de Real <strong>Biblioteca</strong>, foi localizada<br />

nas casas do Hospital da Ordem Terceira do Carmo, com<br />

acesso pelo Beco do Carmo, na antiga Praia de Manuel<br />

de Brito de Lacerda, então denominada Rua Direita, e<br />

atual Rua Primeiro de Março.<br />

Constatada, posteriormente, a impropriedade do local,<br />

por novo decreto, este de 29 de outubro do mesmo ano,<br />

foram os livros transferidos para o lugar que havia servido<br />

de catacumbas aos Religiosos do Carmo, ao lado do<br />

local anterior.<br />

E foi aí, na Rua Detrás do Carmo, e após três anos e<br />

tanto de "arrangamento e conservação", que seria franqueada<br />

ao público a Real <strong>Biblioteca</strong>, contando então a respeitável<br />

soma de 60.000 volumes.<br />

Em conseqüência do tratado de 29 de agosto de 1825,<br />

foi a Real <strong>Biblioteca</strong> do Rio de Janeiro incorporada ao<br />

162


Estado do Brasil, ainda localizada na Rua Detrás do Carmo,<br />

de onde sairia somente nos meados do século.<br />

Foi instalada em prédio próprio, no Largo da Lapa,<br />

46 — ou Rua do Passeio, 48 — em 1858. Prédio esse que,<br />

após algumas modificações, daria guarida à Escola <strong>Nacional</strong><br />

de Música. Neste endereço permaneceria até os<br />

primórdios do século XIX, quando passou a denominar-se<br />

<strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong> do Rio de Janeiro.<br />

Nos fins do século, ou seja, em 1895, a preciosa coleção<br />

alcançava os 400.000 exemplares, obrigando à utilização<br />

de um depósito vizinho ao prédio da Lapa, onde<br />

seriam inauguradas as oficinas de encadernação e tipografia,<br />

extintas posteriormente.<br />

A esse tempo cogitou-se de outro prédio, capaz de<br />

agasalhar tamanho acervo, em contínua expansão. Assim,<br />

em 1905, é lançada a pedra fundamental do atual edifício,<br />

na então Avenida Central, que sete anos depois passaria<br />

a denominar-se Avenida Rio Branco. A inauguração<br />

do prédio se daria em 29 de outubro de <strong>1910</strong>, portanto<br />

cinco anos após o lançamento de sua pedra fundamental.<br />

Em resumo, a famosa biblioteca transferiu-se de Continente<br />

para Continente em 1808; de prédio para prédio<br />

num mesmo logradouro em 1810; da Rua Detrás do Carmo<br />

para o Largo da Lapa em 1858; e, finalmente, deste último<br />

local para a Avenida Rio Branco em <strong>1910</strong>, onde permanece<br />

até hoje.<br />

163


A BIBLIOTECA NACIONAL<br />

CARMO — PASSEIO — CINELANDIA<br />

Augusto Maurício


A chegada da Corte de D. João, então Príncipe-Regente,<br />

ao Rio de Janeiro, em 7 de março ao ano 1808,<br />

foi da maior importância para a cidade. Entre os vários<br />

benefícios de que logo se dignou dotar a população destacam-se,<br />

principalmente, os relativos à classe cultural<br />

e também à política. Tendo deixado Lisboa por motivo<br />

da guerra de Napoleão I, que invadira seu país, chegou<br />

a família real à cidade de Salvador no dia 22 de janeiro<br />

de 1808, numa frota de muitas naus ocupadas por uma<br />

multidão composta de cerca de 15.000 pessoas. Recebido<br />

o Príncipe com grande festa, demonstrações de alegria<br />

popular, logo no dia 28 do mesmo mês e ano, declarava<br />

abertos a todas as nações amigas os portos do Brasil, para<br />

a expansão do comércio. Foi o primeiro gesto de compreensão,<br />

de inteligência, logo reconhecido pelo Regente.<br />

A permanência da família real em Salvador estendeu-se<br />

até 26 de fevereiro, quando a frota que a conduzia<br />

tomou o rumo do Rio de Janeiro, onde chegou no dia 7<br />

de março, tornando-o capital do Reino — embora em<br />

caráter provisório.<br />

Estabelecida a Corte no Rio, logo teve começo o trabalho<br />

de desenvolvimento da cidade, com a criação de<br />

várias instituições de ordem artística e cultural, para que<br />

mais e mais se popularizasse a cidade que se tornara a<br />

capital do Reino. A própria esquadra que transportou da<br />

Europa a família real trazia algo da maior importância<br />

para alcançar o elevado objetivo. D. João trouxera de<br />

Lisboa um acervo de cerca de 6.000 livros da <strong>Biblioteca</strong><br />

da Ajuda que, sem favor, era considerada das mais importantes<br />

no conceito universal. Essa instituição fora cria-<br />

161


ção do Rei D. Duarte, reorganizada, depois, no reinado de<br />

D. José I, após um incêndio que a destruiu em parte. A<br />

esse precioso acervo literário foram incorporadas a Livraria<br />

do Colégio de Todos os Santos, da Ilha de S. Miguel,<br />

e uma outra denominada do Infantado. Tudo composto<br />

de obras do mais alto mérito literário e histórico.<br />

Assim, para que fosse logo conseguido o primeiro<br />

pouso para a instalação da <strong>Biblioteca</strong>, um local adequado,<br />

em que coubesse o apreciável número de volumes chegados<br />

de Lisboa, foi consultada a Ordem Terceira de N. S.<br />

do Monte do Carmo, a fim de que lhe fosse cedida a<br />

parte dos fundos da igreja, cuja frente é na Rua 1.° de<br />

Março. Nesse local, que tem entrada pela Rua do Carmo,<br />

era estabelecido um hospital e recolhimento de moças,<br />

todos irmãos da referida ordem religiosa. Não houve recusa<br />

por parte da direção da Ordem, ao contrário, logo<br />

foi reconhecida a boa vontade com que foi atendida a<br />

consulta. O hospital, bem como o recolhimento, passaram<br />

a funcionar na Igreja de N. S. do Parto onde, inclusive,<br />

havia hospital e recolhimento. Assim, por decreto datado<br />

de 27 de junho de 1810, foi instalada a biblioteca, logo<br />

procurada por estudantes, freqüentada pelos interessados<br />

em expandir sua cultura literária, mas somente foi aberta<br />

ao grande público a partir de 1814. De Frei Camilo de<br />

Monserrate há uma descrição minuciosa do antigo Hospital<br />

do Carmo, onde se alojou a Real <strong>Biblioteca</strong>.<br />

Entre vários gestos inesquecíveis de D. João, deve-se<br />

salientar a vinda da Missão Artística Francesa, em 1816,<br />

sob a orientação do Conde da Barca (Antônio de Araújo<br />

e Azevedo), quando apareceram verdadeiros gênios nos<br />

mais diversos setores de arte — João Batista Debret<br />

(pintor histórico), Augusto Henrique Vitor Grandjean de<br />

Montigny (arquiteto), Augusto Maria Taunay (escultor),<br />

Nicolau Antônio Taunay (pintor de paisagens), entre muitos<br />

outros, sob a chefia de Joaquim Lebreton. Esses artistas,<br />

além de outros feitos do governo real, como a elevação<br />

do Brasil à condição de Reino em 1815, imprimiram<br />

imensurável destaque à vida do Rio de Janeiro naquela<br />

época distante, com a apresentação de seus magníficos<br />

trabalhos.<br />

166


Detalhe do "Mappa architectural da cidade do Rio de Janeiro, parte co<br />

mercial... 1874", onde se vê, indicado por uma seta, o Beco do Carmo,<br />

que então dava acesso aos prédios da Rua Detrás do Carmo, e onde<br />

primeiro se alojaram os livros trazidos pelo Príncipe-Regente D. João.


Parte central da cidade do Rio de Janeiro, nos princípios do século XIX,<br />

mostrando os locais por onde andou a <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong>. Números 1 e 2:<br />

casas da Rua Detrás do Carmo. Número 3: edifício do Largo da Lapa ou<br />

Rua do Passeio. Número 4: localização do prédio atual, nas encostas do<br />

Morro do Castelo, em área alinhada com a abertura da Avenida Central,<br />

hoje Avenida Rio Branco.


Com o correr do tempo, o espaço ocupado pela Real<br />

<strong>Biblioteca</strong> se foi tornando apertado, insuficiente para<br />

guardar as obras que lhe eram doadas por muitos interessados<br />

no assunto. Era, portanto, imprescindível, urgente,<br />

que se encontrasse outro local para o estabelecimento<br />

literário. Corria já o ano 1858. A família real, com<br />

sua numerosa Corte, já havia voltado a Portugal. Mas<br />

isso não impediria que a obra prosseguisse.<br />

Resolveu então o Governo Imperial de D. Pedro II<br />

adquirir um vasto prédio existente na Rua do Passeio, expropriedade<br />

de J. P. da Rocha Viana, o que logo foi concretizado,<br />

para servir de sede à <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong>, que<br />

deixaria, embora saudosamente, a casa da Rua do Carmo.<br />

Então, em 1858, passou para a Rua do Passeio a preciosa<br />

coleção literária. Era a sua segunda residência, de cujas<br />

janelas se podia apreciar o belo jardim do Passeio Público<br />

que lhe ficava em frente.<br />

Relativamente ao Passeio Público, transcrevemos aqui<br />

alguns trechos de um trabalho, algo extenso, constante<br />

de um dos livros do autor desta crônica. O Passeio Público<br />

era — e ainda é, um dos parques mais pitorescos do<br />

Rio, além de também ser histórico. O seu local era um<br />

pântano, ligado a uma lagoa, denominada do Boqueirão,<br />

que começava na Ponta do Calabouço e terminava nas<br />

cercanias da Glória. Para transformar o local do magnífico<br />

jardim o Vice-rei D. Luís de Vasconcelos e Sousa<br />

(1779-1790) fez demolir o morro das Mangueiras (no Largo<br />

da Lapa), cobrindo com a terra a infecta lagoa. Pois<br />

o Passeio Público, com suas árvores enormes, velhíssimas<br />

algumas, povoado de hermas e bustos, perpetuando a<br />

memória de ilustres patrícios, se situa justamente no antigo<br />

brejo. Estão ali, como que presentes, vivos, Valentim<br />

da Fonseca e Silva, Olegário Mariano, Raimundo Correia,<br />

Gonçalves Dias, Castro Alves, Júlia Lopes de Almeida,<br />

Pedro Américo, Vítor Meireles, Chiquinha Gonzaga, Irineu<br />

Marinho, Hermes Fontes, Moacir de Almeida, além de<br />

muitos outros ainda.<br />

A execução do plano do jardim, elaborado por D. Luís<br />

de Vasconcelos e Souza, foi confiada ao gosto artístico de<br />

Mestre Valentim, que se entregou inteiramente ao traba-<br />

169


lho, sendo o parque inaugurado no ano 1783. Era circundado<br />

por forte muro de pedra, com dois portões de ferro<br />

— um em frente à Rua das Marrecas, e outro à beira do<br />

mar, abrindo-se para um largo terraço com um pavilhão<br />

em cada extremidade. O muro permaneceu até 1835 quando,<br />

por motivo de obras no parque, foi substituído por<br />

grades de ferro, de pequena altura. Em 18G0 nova reforma<br />

foi realizada no parque, no que se referia ao seu<br />

aspecto estético. Para tanto veio da França o renomado<br />

botânico e paisagista Augusto Francisco Maria Glaziou.<br />

Os canteiros obedeceram a novos riscos, a plantação de<br />

flores teve nova orientação, embelezando mais o já belo<br />

recanto do Rio.<br />

Dois anos após, em 1862, foram as grades substituídas<br />

por outras de maior resistência e altura, que ali permaneceram<br />

até quando foi arrasado o Morro do Castelo,<br />

em 1922, e houve o conseqüente alinhamento do novo logradouro<br />

que surgiu, e que teve a denominação de Praça<br />

Paris. Nessa ocasião foi retirado o gradil, bem como<br />

suprimido o terraço e, no mesmo lugar levantados dois<br />

prédios, em estilo colonial, denominando-se um, Teatro<br />

Cassino, e outro, Cassino Beira-Mar. Este era ponto de<br />

encontro de jovens, que se divertiam ao som de música<br />

e danças, inclusive bebidas; era o que atualmente se<br />

denomina buate.<br />

O largo portão que olha para a Rua das Marrecas<br />

foi transportado para o interior do parque, como recordação<br />

carinhosa de Mestre Valentim. Acima do portão<br />

vê-se, em baixo-relevo, em delicada fundição de bronze<br />

dourado, um medalhão com as efígies de D. Maria I e<br />

D. Pedro III, reis de Portugal, tendo a sua volta os dizeres:<br />

MARIA I ET PETRUS III <strong>BRASIL</strong>IAE REGIBUS. Felizmente<br />

o portão, bem como as grades que circundavam<br />

o jardim voltaram aos seus primitivos lugares, em fevereiro<br />

de 1968, quando era Governador do Estado o Dr.<br />

Francisco Negrão de Lima, sempre devotado às preciosidades<br />

do Rio.<br />

Existe ainda no Passeio Público algo digno da veneração<br />

de todos. Além das altas pirâmides de pedra, nas<br />

quais se destacam, em oval de mármore branco as frases<br />

178


A SAUDADE DO RIO e AO AMOR DO PÚBLICO, ali está<br />

uma das mais caras reminiscências do Rio colonial. É a<br />

Ponte dos Amores, ou Chafariz dos Jacarés, a cuja construção<br />

se liga — segundo cronistas antigos, inclusive<br />

Joaquim Manuel de Macedo em sua obra "Um Passeio<br />

pela Cidade do Rio de Janeiro", curiosa história sentimental<br />

relativa ao Vice-rei D. Luís de Vasconcelos. Talvez<br />

não seja rigidamente história, mas, admitindo-se mesmo<br />

como lenda, é assaz interessante o assunto.<br />

Segundo consta de velhos alfarrábios, o Vice-rei, dado<br />

a conquistas amorosas, encontrou, certo dia, à margem<br />

da lagoa do Boqueirão, uma jovem, Suzana, que, de cântaro<br />

à cabeça, se dirigia ao chafariz da Glória em busca<br />

de água. Morava a moça nas proximidades. Vendo-se assediada<br />

pela figura mais poderosa da terra, não se envaideceu,<br />

nem demonstrou receio de enfrentar D. Luís e, com<br />

habilidade feminina, confessou-lhe que era noiva, pretendendo<br />

casar-se logo que o seu eleito conseguisse uma<br />

situação favorável.<br />

D. Luís não renunciou à sua pretensão e continuou a<br />

insistir junto ao coração da moça, até que um dia, escondido<br />

em uma moita, qual o sátiro lendário à espreita<br />

de uma ninfa descuidada, surpreendeu Suzana e o noivo,<br />

e mais a avó, em palestra íntima, à porta da casa, junto<br />

a um coqueiro que era sempre testemunha do encontro<br />

cotidiano dos dois namorados, ao entardecer. Apurando o<br />

ouvido, percebeu que Vicente Perez, o noivo, receava não<br />

poder lutar contra ele, o Vice-rei, e em breve perderia a<br />

Suzana. Ela procurava demovê-lo de tais temores, afirmando<br />

que jamais o deixaria, que haveria de ser sua<br />

esposa; quanto a D. Luís, tinha certeza de que era um<br />

homem de bem, de bom caráter, e compreendendo a situação,<br />

haveria até de ajudá-los.<br />

A convicção da jovem, a esperança de felicidade e a<br />

confiança que depositava na dignidade do Senhor D. Luís<br />

calaram fundo no espírito do representante real. Convenceu-se<br />

de que Suzana era pura e ingênua. Se a desejava<br />

para uma aventura passageira, ela via nele apenas um<br />

homem bom, que poderia protegê-la para a efetivação<br />

de sua ventura.<br />

161


Desiludido, mas compreensivo e conformado, resolveu<br />

então renunciar aos seus reprováveis desejos. No dia seguinte<br />

mandou chamar Vicente Perez e ofereceu-lhe um<br />

emprego, pedindo-lhe, nessa ocasião, que consentisse fosse<br />

ele uma das testemunhas de seu casamento.<br />

Ajardinada a antiga lagoa do Boqueirão, mandou o<br />

Vice-rei que Mestre Valentim ali levantasse uma cascata,<br />

que foi denominada Fonte dos Amores, como recordação<br />

do seu belo sonho...<br />

Voltemos à <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong>, que é o assunto principal<br />

desta modesta crônica.<br />

Com o passar dos dias, novamente se tornou deficiente<br />

o prédio da Rua do Passeio para guardar as preciosidades<br />

na <strong>Biblioteca</strong>. Era, portanto, imprescindível buscar,<br />

com urgência, outro local. O prédio que servira até<br />

então foi logo demolido e, em seu lugar, outro levantado,<br />

o qual abriga atualmente a Escola <strong>Nacional</strong> de Música.<br />

No Governo de Francisco de Paula Rodrigues Alves<br />

(1902/1906), grande paulista de Guaratinguetá, marcantes<br />

melhoramentos foram introduzidos na vida da cidade.<br />

Bem acompanhado em suas ações, tendo acertado plenamente<br />

na escolha de seus auxiliares, teve como Prefeito<br />

o eminente engenheiro Francisco Pereira Passos. Logo<br />

após sua nomeação foi ele, o Prefeito, muito atacado por<br />

gente invejosa, mas as decisões que tomava eram sempre<br />

irreversíveis. Desprezava os comentários, e prosseguia marchando<br />

decisivamente para alcançar seus objetivos primordiais<br />

— embelezar e desenvolver a cidade, dando-lhe<br />

aspecto diferente daquele que apresentava. Entre os projetos<br />

que pretendia realizar — e que realizou triunfalmente,<br />

estava a abertura de uma pista reta, ligando o<br />

cais do porto (Praça Mauá) ao cais da Lapa. Era Ministro<br />

da Viação, Comércio e Indústria o notável político Lauro<br />

Müller, a quem cabia deliberar sobre o empreendimento.<br />

Convidado por ele, com a anuência do Presidente da<br />

República, surgiu Paulo de Frontin, nomeado diretor da<br />

maravilhosa obra.<br />

No dia 8 de março de 1904, foi dado início aos trabalhos<br />

de demolição de muitos prédios, e já no mês de<br />

julho era franqueado ao público o trecho compreendido<br />

entre a Praça Mauá (então Prainha) e a Rua do Ouvidor,<br />

161


Nilo Peçanha, Presidente da República, sua comitiva e convidados, retirando-se do<br />

e difício da <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong>, após a inauguração oficial. À esquerda do Presidente,<br />

0 Diretor da <strong>Biblioteca</strong>, Manuel Cícero Peregrino da Silva.


e em fevereiro de 1905 já estava totalmente aberta a nova<br />

via carioca, com o título de Avenida Central, medindo<br />

1.800 metros de extensão. Depois de nivelado o terreno<br />

foi o novo logradouro solenemente inaugurado, no dia 15<br />

de novembro de 1905, pelo Presidente da República, Prefeito,<br />

o Diretor da obra, Ministros e muitas outras autoridades<br />

do Governo. E foi Avenida Central até o ano 1912<br />

quando, por morte do sempre pranteado diplomata patrício<br />

José Maria da Silva Paranhos Júnior, passou a ser<br />

Avenida Rio Branco. Era uma justa homenagem que a<br />

cidade prestava ao seu digno filho, Barão do Rio Branco.<br />

Nesse logradouro, um dos mais movimentados da cidade,<br />

encontram-se, além da <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong>, o Museu<br />

de Belas-Artes, o Teatro Municipal, o Clube Militar...<br />

Do outro lado da Avenida, na atual Praça Floriano, estão<br />

os cinemas Odeon, Pathé, Império, outros. Nessa Praça,<br />

antigamente existia o Convento da Ajuda, cujo terreno<br />

foi adquirido por Francisco Serrador, que logo ali construiu<br />

o seu primeiro cinema — o Capitólio. Atualmente,<br />

talvez pelo fato de se localizarem ali muitos cinemas, o<br />

povo de todo o Rio a conhece por Cinelãndia. Pousam no<br />

local um grande monumento a Floriano Peixoto, outro a<br />

Carlos Gomes (este cópia do existente em Campinas, S.<br />

Paulo), além de bustos que lembram Paulo de Frontin,<br />

Getúlio Vargas e Francisco Serrador.<br />

A <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong> ocupa todo um quarteirão da<br />

praça — Rua Araújo Porto Alegre/Rua Pedro Lessa e,<br />

no fundo, a Rua México. É um prédio de grande beleza,<br />

de nobre aspecto, imponente arquitetura. Faz lembrar o<br />

maravilhoso Palácio Laeken, de Bruxelas, residência dos<br />

reis da Bélgica. Foi projetado pelo General Francisco<br />

Marcelino de Souza Aguiar, e realizada a construção pelos<br />

engenheiros Napoleão Moniz Freire e Alberto de Faria,<br />

e inaugurado em 29 de outubro no ano <strong>1910</strong> — Governo<br />

Nilo Peçanha. São do escultor Correia Lima as estátuas<br />

que são vistas nas entradas do prédio, representando A<br />

Inteligência e O Estudo. No terceiro andar encontram-se<br />

dois painéis — A Memória e A Reflexão, obras do festejado<br />

pintor Rodolfo Amoedo, e ainda A Imaginação e<br />

A Observação, de autoria de Modesto Brocos, que são<br />

verdadeiros primores de arte. Não podemos deixar de citar<br />

181


também, existentes no quarto andar, as obras Domínio<br />

do Homem sobre as forças naturais e O Progresso, de Henrique<br />

Bernardelli, e A Solidariedade Humana e A Liberdade,<br />

estes últimos de Eliseu Visconti. Estão guardados<br />

com o maior carinho, porque são autênticas relíquias, e<br />

que foram usados na hora do lançamento da pedra fundamental<br />

do edifício, o martelo e a colher, ambos de prata,<br />

com cabo de madrepérola. Há, também, uma medalha que<br />

foi cunhada, para ser sempre lembrada a data de 29 de<br />

outubro do ano <strong>1910</strong>, quando se deu a inauguração da<br />

atual sede da nossa <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong>.<br />

Conta a <strong>Biblioteca</strong> com os seguintes departamentos<br />

de administração: Direção, Coordenação Técnica, Divisões<br />

de Aquisição e Processamento, de Referência Geral, de<br />

Referência Especializada, de Divulgação, de Conservação,<br />

de Reprografia, de Atividades Auxiliares. Todas as seções<br />

bem distribuídas, chefiadas por competentes funcionários<br />

sempre atentos e delicados no atendimento dos que buscam<br />

informes sobre os assuntos desejados; tudo isso dá<br />

à <strong>Biblioteca</strong> a condição de um departamento de alta postura<br />

no seu gênero.<br />

Já dirigiram a <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong>, desde 1808 até os<br />

dias que correm, grandes vultos notáveis, cujos nomes a<br />

história guarda com orgulho. Entre eles citaremos apenas<br />

alguns, pela ordem de acesso, como Santos Marrocos,<br />

Frei Antônio de Arrábida, Januário da Cunha Barbosa,<br />

Frei Camilo de Monserrate, Barão de Ramiz Galvão, Manuel<br />

Cícero Peregrino da Silva, Basílio de Magalhães,<br />

Rodolfo Garcia, Josué Monteio, José Honório Rodrigues,<br />

José Elísio Condé. Atualmente está na Direção o ilustre<br />

Professor Plinio Doyle, que segue o mesmo caminho dos<br />

seus antecessores, dando à <strong>Biblioteca</strong> o seu trabalho carinhoso<br />

e eficiente, sua inteligência sempre demonstrados.<br />

Que a <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong> prossiga sempre, eternamente,<br />

emprestando sua ajuda aos que a procuram ávidos<br />

de informações, carentes de conhecimentos para a expansão<br />

de sua sabedoria.<br />

161


ESTE LIVRO<br />

FOI COMPOSTO E IMPRESSO<br />

NAS OFICINAS DA<br />

GRAFICA OLÍMPICA EDITORA, LTDA.<br />

RUA DA REGENERAÇÃO, 475 - BONSUCESSO<br />

RIO DE JANEIRO - RJ - <strong>BRASIL</strong><br />

EM NOVEMBRO DE 1980


ISBN 85-7017-009-2 obra completa<br />

ISBN 85-7017-011-4 V. 2

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