BRASIL 1900-1910 - Fundação Biblioteca Nacional
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BIBLIOTECA NACIONAL<br />
COLEÇÃO RODOLFO GARCIA<br />
<strong>BRASIL</strong> <strong>1900</strong>-<strong>1910</strong><br />
RIO DE JANEIRO
<strong>BRASIL</strong> <strong>1900</strong>-<strong>1910</strong>
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA<br />
MINISTRO: EDUARDO PORTELLA<br />
SECRETARIA DE ASSUNTOS CULTURAIS<br />
SECRETARIO: MÁRCIO TAVARES D'AMARAL<br />
BIBLIOTECA NACIONAL<br />
DIRETOR: PLÍNIO DOYLE<br />
Divisão de Aquisição e Processamento<br />
Francisco das Chagas Pereira da Silva<br />
Divisão de Referência Geral<br />
Mário Ferreira da Luz<br />
Divisão de Referência Especializada<br />
Lygia da Fonseca Fernandes da Cunha<br />
Divisão de Divulgação<br />
Ilda Centeno de Oliveira<br />
Divisão de Conservação<br />
Lila Leite Ferreira
BIBLIOTECA NACIONAL<br />
COLEÇÃO RODOLFO GARCIA<br />
<strong>BRASIL</strong> <strong>1900</strong>-<strong>1910</strong><br />
APRESENTAÇÃO<br />
PLÍNIO DOYLE<br />
V. 2<br />
RIO DE JANEIRO<br />
I980
COLEÇÃO RODOLFO GARCIA<br />
SÉRIE A — TEXTOS<br />
ISBN 85-7017-009-2 obra completa<br />
ISBN 85-7017-011-4 v. 2<br />
Brasil <strong>1900</strong>-<strong>1910</strong> / Luiz Antônio Severo da Costa /e<br />
outros/ Apresentação: Plinio Doyle. Rio de Janeiro,<br />
<strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong>, 1980.<br />
3 v., il. (Rio de Janeiro. <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong>.<br />
Coleção Rodolfo Garcia. Série A. Textos)<br />
1. Brasil — Civilização. 2. Brasil — Vida intelectual.<br />
I. Costa, Luís Antônio Severo da. II. Doyle.<br />
Plinio, 1906 — III. Rio de Janeiro. <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong>.<br />
IV. Série.<br />
CDD 918.1
SUMÁRIO<br />
Apresentação 9<br />
Música sacra no Rio de Janeiro em redor de <strong>1910</strong> —<br />
Mons. Guilherme Schubert 11<br />
A Igreja no início do século XX — Américo Jacobina<br />
Lacombe 47<br />
O Convento da Ajuda — Antonio Carlos Villaça 61<br />
Literatura: A prosa — Homero Senna 75<br />
A literatura infantil no Brasil de <strong>1900</strong> a <strong>1910</strong> — Laura<br />
Sanãroni 107<br />
A imprensa — Barbosa Lima Sobrinho 123<br />
O acervo da <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong> — Lygia. da Fonseca Fernandes<br />
da Cunha 143<br />
A <strong>Biblioteca</strong> e suas andanças — Eduardo Canabrava Barreiros<br />
169<br />
A <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong> Carmo — Passeio — Cinelândia —<br />
Augusto Maurício 173
APRESENTAÇÃO<br />
Para comemorar os 107 anos de sua existência a ser-<br />
viço da cultura no Brasil e os 70 anos de inauguração<br />
de sua sede atual, a <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong> faz publicar uma<br />
série de monografias, agrupadas em três volumes, onde se<br />
historiam aspectos variados da vida brasileira no período<br />
de <strong>1900</strong> a <strong>1910</strong>. A intenção que nos moveu, ao encomen-<br />
darmos a especialistas os estudos que ora lançamos ao<br />
público, foi apresentar um quadro histórico, o mais com-<br />
pleto possível, da fase em que se planejava, construía e<br />
se inaugurava o edifício da Avenida Rio Branco para<br />
abrigar a <strong>Biblioteca</strong> trazida por D. João, Príncipe-Regente,<br />
e que, no final do século XIX, já atingia o acervo consi-<br />
derável para a guarda ão qual urgiam instalações condi-<br />
zentes.<br />
Podemos ordenar as monografias deste v. II em três<br />
grupos principais sob os títulos: a Igreja, as Letras e a<br />
<strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong>.<br />
O primeiro reúne o estudo do Prof. Américo Jacobina<br />
Lacombe sobre a Igreja no inicio do século XX, com a<br />
organização de novas dioceses, seus movimentos religiosos<br />
e sua ação pastoral; a história de um convento que na<br />
época representava um centro de destaque na vida reli-
giosa e social do Rio de Janeiro, o Convento da Ajuda,<br />
num trabalho de Antonio Carlos Villaça. Monsenhor Guilherme<br />
Schubert ãâ uma visão da música sacra que se<br />
produzia e se executava nos templos católicos ao redor<br />
de <strong>1910</strong>.<br />
Das Letras cobrem-se três importantes áreas: a prosa<br />
literária, em estudo de Homero Senna, o desenvolvimento<br />
da atividade jornalística no Brasil, por Barbosa Lima Sobrinho,<br />
e a literatura infantil, por Laura Sandroni.<br />
Finalmente um esboço histórico da <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong><br />
— sua transferência de Lisboa para o Rio e suas andanças<br />
do Convento do Carmo para a Rua do Passeio e,<br />
daí, para a sede atual — é traçado por Eduardo Canabrava<br />
Barreiros e Augusto Maurício. O progressivo enriquecimento<br />
do acervo da BN, a incorporação de novas coleções<br />
durante o período são objetos da exaustiva pesquisa<br />
de Lygia da Fonseca Fernandes da Cunha.<br />
Estamos certos de que os nomes das autoridades que<br />
assinam os trabalhos aqui reunidos recomendam por si<br />
mesmos a mais atenta e interessada leitura.<br />
Plinio Doyle<br />
Diretor
MÚSICA SACRA NO RIO DE JANEIRO EM REDOR DE <strong>1910</strong><br />
Möns. Guilherme Schubert
Ao incluir um tema musical numa publicação comemorativa<br />
da inauguração de seu edifício atual, a <strong>Biblioteca</strong><br />
<strong>Nacional</strong> continua uma louvável tradição. Pois com<br />
a ocupação de sua atual sede, ela cedeu o prédio anterior<br />
na Rua do Passeio (na época "Rua Joaquim Nabuco") ao<br />
Instituto <strong>Nacional</strong> de Música, onde ainda hoje encontramos<br />
a Escola de Música.<br />
Diremos alguma coisa sobre a Música Sacra no período<br />
entre <strong>1900</strong> e <strong>1910</strong>, dando algumas "olhadelas" para<br />
trás e para frente, ou para alguma outra cidade do Brasil,<br />
quando isso for necessário para compreender certos detalhes.<br />
Por motivos práticos (apenas) limitamo-nos à Música<br />
Sacra do cultò católico, para não ofender por falta de<br />
informação exata. No período em questão já estavam presentes<br />
no Rio comunidades não-católicas: luteranos (desde<br />
1827), presbiterianos (1862; no Brasil desde 1859),<br />
batistas (1884), anglicanos (1889; em 1809 já tinham<br />
recebido de D. João VI um cemitério), a Sociedade Bíblica<br />
(1876), a Associação Cristã de Moços (1893). Outras vieram<br />
depois de <strong>1910</strong>, como os metodistas, desde 1876 no<br />
Brasil, mas não no Rio.<br />
Se bem que estas comunidades dão muito valor ao<br />
órgão e ao canto, apresentando hoje corais de muita qualidade,<br />
não temos a impressão que em <strong>1910</strong> tenham exercido<br />
grande influência na criação e execução musical. Em<br />
todo caso, julgamos que um elemento evangélico informará<br />
melhor do que nós sobre o assunto.<br />
13
Durante as pesquisas para este trabalho ficamos surpreendidos<br />
com o grande número de composições feitas<br />
pelos melhores músicos brasileiros e estrangeiros residentes<br />
na época.<br />
Como se apresenta este Rio católico de <strong>1910</strong>, comparado<br />
com o de 1980?<br />
<strong>1910</strong><br />
1 Cardeal: D. Joaquim Alcovcrde<br />
de Albuquerque Cavalcanti<br />
(1897 - 1930)<br />
2 bispos auxiliares: D. Joaquim<br />
Silvério que não chegou a tomar<br />
posse; e D. Sebastião Leme<br />
da Silveira Cintra (1911)<br />
150 sacerdotes<br />
539 religiosas<br />
31 igrejas Matrizes (paróquias)<br />
190 igrejas simples e capelas<br />
47 oratórios privados<br />
16 ordens masculinas<br />
17 ordens femininas<br />
3 Colegiadas ("Coros" em S. Pedro,<br />
Candelária, Misericórdia,<br />
importantes para a Música<br />
Sacra)<br />
327 Irmandades, Ordens Terceiras,<br />
Confrarias e outras associações<br />
•<br />
4 colégios católicos (oficiais;<br />
outros particulares)<br />
19 hospitais<br />
20 cemitérios<br />
População da cidade:<br />
c. 1 milhão<br />
14<br />
1 Cardeal<br />
1980<br />
6 bispos auxiliares<br />
634 sacerdotes<br />
1999 religiosas<br />
198 igrejas Matrizes<br />
325 igrejas simples e capelas<br />
46 ordens masculinas, em 102<br />
comunidades<br />
90 ordens femininas, em 208<br />
comunidades<br />
85 Irmandades, Ordens Terceiras,<br />
Confrarias e outras associações,<br />
das quais 79 em<br />
igreja própria<br />
93 estabelecimentos de ensino<br />
9 asilos<br />
9 creches<br />
22 hospitais<br />
11 orfanatos<br />
12 pensionatos femininos<br />
9 obras sociais<br />
c. 5 i/j milhões
Quem fez executar Música Sacra<br />
Não é por acaso que apresentamos esta estatística.<br />
Por ela vemos quem se interessou pela execução de Música<br />
Sacra. Todas estas igrejas, estas Irmandades e Ordens<br />
celebraram suas festas, procurando dar-lhes brilho litúrgico<br />
que, além dum bom pregador, incluía invariavelmente<br />
um programa musical com órgão, canto coral, possivelmente<br />
orquestra, nas Procissões também banda.<br />
A freqüência destas Missas, Novenas, Te Deuns era<br />
grande, fazendo parte integrante da vida da cidade; de<br />
maneira que os compositores se sentiam motivados para<br />
escreverem músicas a serem executadas nestas solenidades,<br />
certos de que seriam ouvidas e apreciadas por boa<br />
parte da população.<br />
Gêneros de música<br />
Que gêneros de música foram executados? Bem diferentes<br />
— em grande parte — dos de hoje. Os músicos da<br />
geração presente farão bem em inteirar-se destas práticas<br />
do passado para compreender melhor as composições<br />
de então e interpretá-las adequadamente, já que muitas<br />
delas hoje são apresentadas somente nas salas de concerto.<br />
I. Em Latim<br />
Era a língua oficial, obrigatória na Missa solene (cantada)<br />
e no Ofício (recitação do breviário), sendo usada<br />
também em outras partes.<br />
1 — Missa solene:<br />
a) partes invariáveis: Kyrie — Glória — Credo —<br />
Sanctus — Benedictus — Agnus Dei.<br />
Por um motivo não completamente esclarecido<br />
chamaram então de "Missa" o conjunto de "Kyrie"<br />
e "Glória", enquanto "CREDO" significava<br />
um conjunto de "Credo — Sanctus — Benedictus<br />
15
— Agnus Dei". Talvez, porque as partes de um<br />
grupo eram executadas em música figurada e as<br />
demais em Cantochão. Quando a composição<br />
abrangia todas as 6 partes, era chamada de "Missa<br />
completa".<br />
b) partes variáveis para acompanhar o caráter particular<br />
da celebração: Natal — Páscoa — um<br />
Santo — pelos defuntos: Intróito — Gradual —<br />
Tractus — Aleluia — Seqüência (Dies irae...<br />
Stabat Mater...) Ofertório — Communio.<br />
Antes da Missa: Asperges me; Vidi aquam.<br />
2 — Ofício: o breviário rezado e, em dias especiais, cantado<br />
pelos clérigos, alternando com o coral: Matinas —<br />
Laudes — Vésperas. As outras partes: Terça — Sexta —<br />
Noa — Completas, fora dos Mosteiros, só foram rezadas.<br />
Cada parte continha salmos — antífonas para estas<br />
ou isoladas (Salve Regina...), hinos (Te Deum...) —<br />
cânticos (Benedictus... Magnificat...)<br />
3 — Bênção do Santíssimo: Motetes para a exposição (O<br />
salutaris...), Tantum ergo.<br />
4 — Ladainhas — Ave Maria — Veni Creator — Ecce sacerdos<br />
e outros.<br />
II. Em Português<br />
1 — Missa rezada, "com cânticos": motetes mais ou menos<br />
apropriados ao seguimento litúrgico.<br />
2 — Ofício "pequeno" de Nossa Senhora: aos sábados, em<br />
igrejas ou casas particulares, semelhante ao "grande"<br />
porém mais reduzido e com uma única fórmula.<br />
3 — Devoções diversas: Via Sacra;<br />
Festas de Deus, de Nossa Senhora, de Santos, que incluíam,<br />
além da Missa na manhã do dia estabelecido<br />
(vide supra), uma preparação feita durante vários dias em<br />
horário vespertino, celebrada com sermão (Ave Maria...<br />
16
Veni Creator...), ladainha, cânticos; terminando com a<br />
Bênção Eucarística.<br />
Chamavam a isso Tríduos, Septenas, Novenas, Trezenas<br />
conforme o número de dias destinados: Trezena de<br />
Santo Antônio (dia 13...), Septenas para as 7 dores de<br />
N. Senhora.<br />
4 — Procissões: cânticos vários de acordo com o caráter<br />
da Procissão: Eucarística, de Penitência, da Semana Santa,<br />
em honra de um Santo.<br />
Os textos — fora dos cantos populares —• eram principalmente<br />
quando em Latim, fixos, o que garantiu a utilidade<br />
do trabalho do compositor para sempre. As composições<br />
com texto em Latim podiam ser cantadas — e foram<br />
— em qualquer país, mesmo de idioma diferente.<br />
Algumas das grandes festas de outrora ainda são celebradas<br />
hoje: de N. Senhora da Glória do Outeiro (que,<br />
por sua vez, se chamava de "Outeiro da Glória") — N. S.<br />
da Penha — Corpus Christi — as 3 festas do mês de junho:<br />
Sto. Antônio, S. João, S. Pedro.<br />
As festas particulares hoje se limitam à celebração<br />
da Missa com Sermão e uma ou outra procissão.<br />
Matinas e Laudes e as Vésperas até pouco tempo faz,<br />
podiam ser ouvidas nas "Trevas" da Semana Santa. Atualmente<br />
o Ofício cantado só pode ser ouvido no Mosteiro de<br />
S. Bento, mas em Canto Gregoriano (Cantochão). Em<br />
música figurada não há mais.<br />
Vejamos um exemplo de programa de uma Novena:<br />
1 — Introdução: "Deus vos salve, Maria".<br />
2 — Deus in adjutorium intende. Gloria Patri (ambos<br />
em Latim).<br />
3 — Jaculatória: "Amado Jesus, José, Ana, Maria: eu<br />
vos dou o meu coração, minha alma e vida."<br />
4 — Ladainha (em Latim ou em Português)<br />
5 — Oração<br />
6 — Hino: Salve Rainha<br />
7 — Bênção do Santíssimo<br />
8 — Canto final.<br />
17
Os executantes<br />
A Capeia Imperial<br />
A prática da Música Sacra recebeu um forte impacto<br />
com o desaparecimento da "Capela Imperial", melhor, dos<br />
músicos contratados no tempo do Império para servir nela<br />
(é uma das "olhadelas" necessárias): regentes, compositores,<br />
copistas, arquivistas, organistas (mais 2 "foleiros"<br />
para que o órgão não ficasse "sem fole"...), cantores e<br />
músicos instrumentistas. Eram 79 no tempo de D. João VI,<br />
diminuindo depois para 69, 67, 33. Era um celeiro de músicos,<br />
atraídos pela segurança material garantida pelo<br />
contrato. Em notas biográficas, também do nosso período,<br />
encontramos freqüentemente a observação: Antônio<br />
Bruno, secretário da Sociedade Musical Beneficente, "cantor<br />
da Capela Imperial" — N. N., "primeiro violino da<br />
Capela Imperial" — Archangelo Fiorito (*1813, Nápoles<br />
— + 1887, Rio), "maestro e compositor da Capela Imperial".<br />
Veio para o Brasil no navio que trouxe a Imperatriz<br />
Teresa Cristina (Escreveu um. "Libera me", "Salutaris" e<br />
outras peças sacras). O pianista Hugo Bussmeyer agradou<br />
D. Pedro II num de seus concertos e foi convidado para<br />
mestre da Capela Imperial (1876).<br />
O serviço na Capela Imperial não impedia outras atividades<br />
musicais, mas nem todas eram legítimas, nem<br />
oportunas. Já o contrato (citamos um de 1875) diz: Art.<br />
4.°: os que faltarem para irem exercer sua profissão fora<br />
dela (Capela) serão suspensos por um mês; e na reincidência<br />
ficará sem efeito seu contrato;<br />
Art. 7.°: os cantores e músicos que chegarem depois<br />
de ter principiado a função, serão multados na metade da<br />
quantia marcada na tabela, os que chegarem no meio do<br />
serviço, serão multados na quantia inteira.<br />
E um "Aviso" do Barão de Cotegipe, Ministro dos Negócios<br />
do Império ao Inspetor da Capela Imperial (24/12/<br />
1887) determina:<br />
2.°: aos músicos contratados é absolutamente proibido<br />
cantar ou tocar em outras funções que coincidem com as<br />
da Capela Imperial;<br />
18
3.°: é lhes vedado mandar substitutos para ensaios ou<br />
funções sem licença do Mestre de Capela;<br />
4.°: Serão multados em 2$000 os cantores ou instrumentistas<br />
que repetidamente chegarem depois de começada a<br />
função; e igual multa será imposta aos que se ausentarem<br />
sem licença antes de findo o serviço;<br />
5.°: quando faltarem, serão multados conforme a tabela<br />
seguinte:<br />
Missa com orquestra 5$000<br />
Dita sem orquestra 4$000<br />
Matinas 6$000<br />
Te Deum 5$000<br />
Ensaio 3$000<br />
Nota: o ordenado anual dum cantor em 1875 era de<br />
600$000.<br />
Se vê: as queixas dos regentes atuais de coros ou orquestras<br />
não são tão inéditas...<br />
Abusos<br />
Falamos de "atividades não oportunas" pelo receio —<br />
justificado, como logo veremos — do resultado da mistura<br />
entre música sacra e profana. Adelelmo Francisco Nascimento<br />
(* 1848, Bahia — + 1898, Paris), foi bom violinista<br />
e simultaneamente Mestre da Capela Imperial e Regente<br />
do Teatro São João. É provável que o teatro tenha sofrido<br />
menos influência da música sacra do que a Capela<br />
Imperial do estilo profano do teatro.<br />
E que dizer dum João Raymundo Rodrigues Júnior<br />
(*1867, Rio — + 1935, Rio)? Filho dum barbeiro que veio<br />
ao Brasil com a Imperatriz Teresa Cristina, foi educado<br />
no Asilo dos Meninos Desvalidos, onde aprendeu a tocar<br />
trombone. Até aí tudo bem. Mas este cavaleiro organizou e<br />
regeu orquestras em teatros, banquetes (era o preferido<br />
do Barão do Rio Branco que não dispensou sua colabora-<br />
19
ção nos banquetes do Itamaraty) e nas igrejas da Candelária,<br />
de S. José, do Santíssimo Sacramento. As graças<br />
do Barão lhe proporcionaram um emprego no Serviço de<br />
Aguas da Diretoria de Obras Públicas que ocupou até a<br />
morte. Receamos somente que teatro e banquetes tenham<br />
deixado reflexos em repertório e execução nos<br />
templos.<br />
Assim não estranhamos o desabafo do Visconde de<br />
Taunay, pouco antes de sua morte (+ 25/11/1899): "Fui<br />
ouvir a "Missa Mimosa" do Padre José Maurício na Igreja<br />
da Cruz dos Militares... Segundo as "boas tradições" que<br />
todo o empenho e esforço da comissão de música sacra não<br />
poderão abalar, começou a cerimônia religiosa pela ouverture,<br />
tão ouvida, corriqueira e estafada da Gazza ladra<br />
de Rossini.. Adequado preparo para uma função religiosa,<br />
aquela saltitante protofonia da "Pega ladra"! Enfim,<br />
seja tudo pelo amor de Deus!" (Dois Artistas Máximos,<br />
José Maurício e Carlos Gomes, pág. 69s.).<br />
Também Manuel Araújo Porto Alegre reclamou contra<br />
o abuso de "transformar o canto sagrado em óperas<br />
italianas e o libreto em hinos de igreja". E menciona o<br />
protesto da Academia de Belas-Artes junto ao governo imperial<br />
(Rev. do IHGB 1856, p. 354-369).<br />
Wanderley Pinho, em seu livro "Cotegipe e Seu Tempo,<br />
pág. 596, transcreve: "No Convento (sic) de S. Bento, além<br />
da POLCA na ocasião do Glória tocaram ainda aquela<br />
Arieta da Rosina do Barbeiro (de Sevilha)... Tocou-se<br />
ontem em S. Francisco de Paulo quadrilhas francezas"...<br />
O "Largo" de Haendel, a "Humoresque" de Dvorak, o<br />
"Canto hindu" de Rimsky-Korsakow, a "Meditation" de<br />
Thais (...) de Massenet, a as Marchas da ópera "Lohengrin"<br />
de Wagner, da "Aida" de Verdi; os Interlúdios das<br />
óperas "Traviata" ou "Cavalaria Rusticana" iniciaram<br />
uma "marcha" persistente que chegou até os nossos dias,<br />
refreada durante alguns períodos de reforma, mas depois<br />
retomando seu lugar, alternando repertório antigo com<br />
temas de filmes e músicas pseudo-religiosas de cantores<br />
em moda.<br />
20
Com um pouco de jeito conseguiram até cantar, nas<br />
igrejas, melodias profanas, e mesmo teatrais, de Pergolesi,<br />
Cimarosa, Jomelli, substituindo as palavras originais por<br />
um texto sacro. (Renato de Almeida, História da Música<br />
Brasileira, pág. 132)<br />
E não foram somente os leigos que assim procederam.<br />
Os "Cânticos espirituais", coligidos pelos Padres da Missão<br />
Brasileira, em edição de Garnier, contêm de preferência<br />
cantos profanos e de óperas de Mozart, Haydn,<br />
Rossini, Weber, Bellini, Meyerbeer, Lambelotte, Herman,<br />
Nicou-Cheron e outros. Bastava o chapéu novo dum texto<br />
sacro para tornar "espiritual" uma ária, uma cavatina,<br />
um coro de ópera.<br />
Cernichiaro, embora não concordando "in toto" com<br />
o rigor do Motu Proprio, reconhece a existência, em redor<br />
de <strong>1900</strong>, de graves abusos (e os lamenta): 1) as introduções<br />
a solenidades religiosas tiradas de óperas, como<br />
"Marcos Spada" (Auber), "I Briganti" Mercadante), "Le<br />
Vispe Comari" (Suppé);<br />
2) adaptações "sui generis": em "Laudamus" (do Glória)<br />
é transformada uma cavatina da ópera "II Corsário":<br />
"Domine Deus" (também do Glória) nada mais é do que<br />
uma ária de ópera de Donizetti; "Salutaris" resulta de<br />
uma lânguida e erótica romanza de Pallani; e a ária<br />
"Quand j'étais roi de Beocie" (do "Orfeu no inferno, de<br />
Offenbach, uma ópera bastante livre.. ) chega às honras<br />
de uma "Ave Maria"! (Storia delia Musica nel Brasile,<br />
Pág. 17)<br />
Os maestros "double face" nos levaram a falar destes<br />
desvios que, aliás, não eram os únicos no mundo. O Pe.<br />
João Bat. Lehmann SVD (* 1873, Alemanha 1-1955, Rio),<br />
alemão que passou grande parte de sua vida no Brasil,<br />
prestando ótima colaboração, também no campo da Música<br />
Sacra, lembrando a decadência musical encontrada em<br />
1901 (ano em que chegou ao Brasil), não esquece de dizer<br />
que também na Alemanha se ouviu em certas épocas ao<br />
órgão POLCAS e MAZURCAS para iniciar a missa solene,<br />
e "lindas e perturbadoras SERENATAS" executadas nas<br />
cerimônias do mês de Maria.<br />
21
Reação<br />
A reação oficial da Igreja Universal foi o Motu Proprio<br />
do Papa Pio X sobre Música Sacra, publicado em<br />
22/11/1903 (festa de Santa Cecília).<br />
Mas o Rio de Janeiro já tinha reagido antes disso!<br />
Atendendo a uma "Mensagem do Centro Artístico" sobre<br />
adoção de música sacra nas igrejas, o Arcebispo D. Joaquim<br />
Arcoverde (Cardeal a partir de 1905), nomeou, para<br />
tratar do assunto, uma comissão especializada, da qual<br />
fez parte também Alberto Nepomuceno. Ouvimos as referências<br />
do Visconde de Taunay a esta comissão. Deve ter<br />
sido instalada em 1898, porque o Pe. Pedro Hermes Monteiro,<br />
Protonotário Apostólico (* 1871, Icó, Ceará — + —?<br />
estava em nosso período no Rio) que em 1896 tinha publicado<br />
um livrinho de 39 págs. sobre a "Arte do Cantochão<br />
ou Canto Litúrgico" (Tip. Edit. Carlos Schmidt, Rio),<br />
apresentou, impresso, em 1898 "Um parecer perante uma<br />
Comissão", expondo as razões por ele apresentadas à mencionada<br />
Comissão.<br />
Por outro lado, o Pe. José Alpheu Lopes de Araújo,<br />
cónego da Catedral Metropolitana, Mestre de Capela do<br />
Cabido e (1924) professor de órgão e harmónio do Instituto<br />
<strong>Nacional</strong> de Música, ordenado em 1894 no Colégio Pio<br />
Latino em Roma, organizou, logo que voltou ao Brasil, um<br />
notável coro de meninos na Matriz de Santana, dando<br />
um exemplo prático de Música Sacra correta.<br />
Também anteriormente ao Motu Proprio trabalharam<br />
em defesa da verdadeira música sacra dois franciscanos:<br />
Frei Pedro Sinzig OFM (* 1876, Linz, Alemanha — + 1952,<br />
Duesseldorf Alemanha) e Frei Basílio Roewer OFM (*1877,<br />
Neviges, Alemanha — + 1958, Rio). Ambos compositores<br />
e escritores, era, contudo, Frei Pedro quem cuidava mais<br />
da parte organizadora e editorial. Já em 1899 publicou o<br />
"Benedicite", manual de cânticos sacros, em português e<br />
latim, com um apêndice de orações — 184 pág., pela<br />
Tipografia de Frederico Pustet, Ratisbona, Alemanha, com<br />
2. a edição em 1902, por Herder, Freiburg im Breisgau. Na<br />
coleção "Sursum Corda", Tip. Fr. Pustet, Ratisbona, <strong>1900</strong>,<br />
reuniu em 44 páginas autores clássicos e modernos sele-<br />
22
cionados. Mas foi sobretudo no livrinho "Cecília", manual<br />
de cânticos sacros; texto revisto pelo Conde de Affonso<br />
Celso, com música (composição ou revisão) de Frei Pedro<br />
e Frei Basílio, saído à luz em 9/8/<strong>1910</strong> que se encontrou<br />
uma coleção válida; e ela, de edição em edição, modificando<br />
isso e aquilo, ainda hoje presta bons serviços.<br />
É importante observar a prudência dos dois franciscanos,<br />
nascidos fora do Brasil, ao tratar dum assunto que<br />
envolve literatura brasileira e música que deve corresponder<br />
ao gosto do país. No Prefácio explicam: 1 — usam<br />
da liberdade permitida no Motu Proprio quanto ao caráter<br />
nacional; 2 — fazem concessões "ao caráter de nossos<br />
patrícios" (i.e. dos brasileiros...) sem ultrapassar o limite<br />
traçado: os cânticos não façam má impressão a<br />
qualquer povo de outra índole; 3 — "A glória de Deus<br />
e a edificação religiosa dos fiéis é o que pretendemos e<br />
esperamos."<br />
O Conde de Affonso Celso, em boa hora convocado<br />
para a parte literária, explica: 1 — deixou intactos os<br />
textos de autores declarados; 2 — fez discretas modificações<br />
na linguagem e no metro nos textos anônimos; 3 —<br />
cuidou de fazer isso sem tirar a singeleza e o candor<br />
primitivos.<br />
Assim encontramos na parte dos textos, além das palavras<br />
litúrgicas e de traduções, textos originais de: Maria<br />
L. de Souza Alves — Amélia Rodrigues — D. Antonio<br />
de Macedo Costa — Frei Joaquim do Espirito Santo, OFM<br />
— Barão de Paranapiacaba — Conde de Affonso Celso —<br />
Pe. Arch. Ganarini — M. dAbrantes.<br />
Evidentemente recebeu o livrinho, já na l. a edição, a<br />
aprovação do Núncio Apostólico, do Cardeal Arcoverde e<br />
de outros 7 bispos.<br />
Pelas exigências do Motu Proprio tinham de aparecer<br />
algumas áreas de atrito: 1 — canto de senhoras na igreja;<br />
2 — proibição de certos instrumentos: piano, tambor,<br />
bombo, pratos, campainhas e outros semelhantes (hoje...?);<br />
3 _ banda de música, permitida nas procissões<br />
fora da igreja, mas proibida nas igrejas. Frei Basílio que<br />
fez um notável "Comentário do Motu Proprio" (Petrópolis,<br />
1907), nesta publicação, portanto em 1907, ainda<br />
23
aguarda as providências dos bispos locais. Sabemos, contudo,<br />
que o Arcebispo do Rio "expediu claras determinações,<br />
cominando com penas eclesiásticas os desprezadores<br />
das leis, no Motu Proprio estabelecidas a respeito da música,<br />
como a Igreja a quer e não quer nas funções litúrgicas"<br />
(Pe. João Bat. Lehmann SVD, in rev. Música Sacra,<br />
1946, p. 65).<br />
Em parêntese: Em 14/4/1856 D. Manuel do Monte<br />
Rodrigues de Araújo, Conde de Irajá e Bispo-Capelão-mor<br />
criou a "Sociedade Episcopal de Música Religiosa do Rio<br />
de Janeiro", cujos Estatutos, em belíssima caligrafia, estão<br />
guardados no Arquivo da Arquidiocese.<br />
Música Sacra nas igrejas<br />
Voltemos a examinar a questão dos corais. Na Capela<br />
Imperial, Francisco Manuel da Silva substituiu nas partes<br />
de Soprano e de Contralto os "castrados" importados por<br />
D. João VI (não havia nunca locais...) pelos alunos do<br />
Conservatório fundado por ele. Já em 1854, por ocasião<br />
das exéquias de D. Maria II de Portugal, irmã de D. Pedro<br />
II, a crítica musical elogiou a atuação destes alunos,<br />
saudando vivamente a nova prática. No Arquivo do Cabido<br />
Metropolitano guarda-se um Recibo de F. M. da Silva,<br />
datado em 3/5/1861, de 180$000 recebidos pelo canto destes<br />
alunos do Conservatório na Capela Imperial. Não possuímos<br />
documentos que provam a continuação desta prática<br />
após a morte dele (4- 18/12/1865). Tão pouco há notícias<br />
da atuação de cantoras no coro da Catedral. E sim,<br />
vemos várias partituras, compostas para coro misto, serem<br />
transcritas no fim do século para vozes masculinas somente:<br />
Tenor, Barítono, Baixo. Grupos de vozes masculinas<br />
que atuaram na Capela Imperial e depois na Catedral<br />
Metropolitana, certamente cantaram também nas festas<br />
de outras igrejas.<br />
Porém, com o desaparecimento da Capela Imperial<br />
como tal, e a não-dotação financeira pelo Governo da<br />
República, entre outras coisas, de seus músicos e cantores,<br />
por força das circunstâncias começou uma nova modalidade:<br />
conjuntos de amadores, reforçados por alguns<br />
24
profissionais, certamente remunerados como se faz hoje.<br />
O Visconde de Taunay, em suas crônicas de Música Sacra<br />
(Dois Artistas Máximos... pág. 72) nos oferece um exemplo<br />
instrutivo por suas indicações detalhadas: "... a MIS-<br />
SA MIMOSA (do Pe. José Maurício) que ouvimos na festa<br />
solene de Nossa Senhora da Piedade da Cruz dos Militares,<br />
executada por uma orquestra organizada pelo professor<br />
José Leverero e sob a regência do maestro João Pereira<br />
da Silva e cantada por distintíssimos amadores e por um<br />
coro em que se notavam as senhoras da nossa mais alta<br />
sociedade.<br />
O LAUDAMUS (do Glória), escrito já com o intuito<br />
de fazer brilhar o cantor, foi admiravelmente interpretado<br />
por Mme. Elvira Gudin, que soube conservar seu<br />
solo a altura da solenidade.<br />
O DOMINUS DEUS é um dueto cuja beleza foi traduzida<br />
com sentimento religioso por Mme. Candida Vianna<br />
e pelo Professor Carlos de Carvalho. O QUI SEDES é um<br />
solo de baixo em que predomina o elemento decorativo;<br />
mas a melodia principal é singela e de bonito corte, e<br />
podia facilmente ser acentuada e evidenciada, eliminando-se<br />
com vantagem aquele excesso de ornamentação.<br />
Nesta ária ouvimos a voz fresca e bem timbrada do Sr.<br />
Dr. Antonio Carlos de Arruda Beltrão, que desempenhou,<br />
com a distinção de costume, o solo que lhe foi confiado.<br />
Para não deixar em silêncio parte da festa, acrescentaremos<br />
que Mmes. Meira e Mello Moraes nos solos do<br />
CREDO de Theodoro Fach, Mme. Corina Rocha na AVE<br />
MARIA de Mariani e Senhorita Georgina Becker no O<br />
SALUTARIS de Massenet, confirmaram os créditos que<br />
conquistaram já como amadoras exímias. Presente "tout<br />
Rio"..., não é?<br />
Em outra ocasião (1. c. pág. 69) observa que a orquestra,<br />
demasiadamente resumida (falta de verba...) e áspera,<br />
ressentia-se da falta de ensaios. As vozes, porém,<br />
eram boas e disciplinadas, graças ao belo grupo de amadoras<br />
da nossa melhor sociedade, tão amorosamente dirigido<br />
pelo zelo e incansabilidade da Exma. Sra. D. Maria<br />
Nabuco, centro hoje de bem aproveitáveis elementos artísticos."<br />
25
D. Maria Nabuco, irmã do grande Joaquim Nabuco,<br />
solteirona, possuidora de bela voz, dedicou seus esforços<br />
à Religião e à Arte, seja na formação de corais de amadores,<br />
como ouvimos, seja dando freqüentadíssimos concertos<br />
de canto em benefício de igrejas em construção.<br />
Tanto que se dizia "que foi ela a verdadeira construtora<br />
da igreja do Sagrado Coração na rua Benjamin Constant",<br />
na Glória.<br />
Tanta boa vontade de colaborar não pôde ser repelida.<br />
Por outro lado, tinha de ser cumprida a lei. A solução<br />
foi distinguir entre liturgias oficiais e particulares,<br />
usando nas primeiras só vozes masculinas (pois vozes infantis<br />
só havia no coral do Cónego Alpheu), tanto em<br />
originais como em arranjos; e permitindo corais de vozes<br />
femininas em cerimônias não oficiais e em colégios e conventos<br />
femininos. H. Oswald, Fr. Braga, Barrozo Netto<br />
e Villa-Lobos, como Fr. Pedro, Fr. Basílio, Pe. Lehmann,<br />
F. Franceschini e outros escreveram para estas soluções.<br />
Compositores e Composições<br />
Com grande satisfação damos em seguida notícia dos<br />
compositores brasileiros e estrangeiros radicados no Brasil<br />
que escreveram Música Sacra no período em questão,<br />
e, com poucas exceções, no Rio de Janeiro.<br />
— Aragão, José de Souza — (*7/12/1819 — Cachoeira,<br />
Bahia — + 13/9/1904, Cachoeira) — violinista, professor<br />
de piano.<br />
7 Missas festivas — 2 Credos.<br />
— Araújo, João Gomes de (*5/8/1846, Pindamonhangaba,<br />
S. Paulo — + 8/9/1943, S. Paulo).<br />
6 Missas, entre as quais uma de S. Benedito, para a<br />
inauguração de igreja dedicada a este santo em Lorena.<br />
— Bahiense: Manuel dos Santos Santa Cruz (Bahiense)<br />
— (*14/6/1851, Laranjeiras, Sergipe — +20/12/<br />
1919?).<br />
26
Marcha fúnebre Pio X<br />
Ave Maria<br />
Outras peças de música sacra<br />
— Barretto, Homero Sá — (*25/3/1884, Cravinhos, S.<br />
Paulo — + 2/12/1924, Rio) — professor do Inst. Nac. de<br />
Música.<br />
Missa pro defunctis — Ecce Sacerdos Magnus — Kyrie<br />
— Ladainha — Ave Maria — poema sinfônico "Fiat lux".<br />
— Barrozo, Joaquim Antonio Netto — (*30/l/1881,<br />
Rio — + 1/9/1941, Rio).<br />
Canto "Jesus" — Ave Maria — Salutaris — Tantum<br />
ergo.<br />
Coro "Ó Jesu mi" — coro infantil com órgão: Oração a<br />
N. Senhora.<br />
Invocação a Jesus — Depois da comunhão<br />
Coro a seco (3 v.): Oração — Prece<br />
Coro a seco (4 v.): Ave Maria — Paz!<br />
Coro a seco (6 v.): Padre nosso<br />
— Braga, Francisco — (*15/4/1864, Rio — +14/3/<br />
1945, Rio).<br />
Missa S. Francisco Xavier: 4 v. m. e órgão — Missa<br />
S. Sebastião: 3 v. e orquestra — Te Deum: 4 v. e orquestra<br />
— Stabat Mater: 2 v. ig. e orquestra; texto do Barão<br />
de Paranapiacaba — Ave Maria: coro a capela — O salutaris:<br />
solo e harmónio — Jaculatória a N. S. da Penha —<br />
Trezenas de S. Francisco de Paula: 4 v. e orquestra — Pastoral<br />
de S. João — Ladainha de N. Senhora da Conceição<br />
— Gloria in excelsis Deo: solo e harmónio — Laudate<br />
Dominum: hinos — ò vos omnes: Paixão — Cântico para<br />
a l. a Comunhão: coro infantil — Cântico da coroação:<br />
coro infantil — Cântico ao Sagrado Coração de Jesus (texto<br />
de Affonso Celso: "Coração adamantino") — Hino a<br />
N. Senhora da Glória: coro e orquestra — Hino a Santa<br />
Rita (Affonso Celso) — Hino à Senhora Santana — Padre<br />
nosso: coro, solo e harmónio. — Hino a S. José (letra de<br />
José Agostinho): coro — Hino a N. Senhora de Lourdes<br />
27
(Affonso Celso) — Hino a S. Francisco Xavier (Barão de<br />
Paranapiacaba) — Hino a S. Sebastião (Barão de Paranapiacaba).<br />
Improviso — para grande órgão — Prelúdio, Pastoral<br />
a N. S. de Lourdes.<br />
Visitação: 2.° episódio da peça "Pastoral" com texto<br />
de Coelho Neto.<br />
— Bussmeyer, Hugo — (*26/2/1842, Brunswick, Alemanha<br />
—, -f 1/2/1912, Rio) pianista, estudou com Litolff,<br />
von Buelow. 1862 e 1876 no Rio para concertos. Nomeado<br />
por D. Pedro II. Mestre da Capela Imperial.<br />
Marcha fúnebre para piano — S. Petrus: ópera sacra.<br />
Magnificai (2 T, 2 B, orquestra) — 3 Te Deuns —<br />
Missa completa — Matinas de Natal.<br />
— Cernichiaro, Vincenzo — (* 23/7/1858, Torraco, Salerno,<br />
Itália — + 1928, Rio) — regeu na Candelária o "Requiem"<br />
de Verdi nas exéquias oficiais pelos mortos do<br />
encouraçado brasileiro "Aquidabã" — escreveu uma "Storia<br />
delia Musica nel Brasile dai Tempi Coloniali ai Nostri<br />
Giorni" (1549-1925).<br />
2 Ave Marias: canto e instrumentos de corda — Salutaris.<br />
— Eggers, Roberto (* 18/12/1899, Porto Alegre — + ?)<br />
— drama lírico "Missões" — poema sinfônico "A noite<br />
de Natal".<br />
— Fonseca, Euclides — (* 6/1/1864, Recife — + 31/12<br />
1929, Recife) — pianista, prof. da Escola Normal de Recife.<br />
Te Deum para solenizar a extinção da escravatura.<br />
— Franceschini, Furio — (*4/4/1880, Roma, Itália —<br />
+ 15/4/1976, S. Paulo) — aluno de Capocci, veio em 1908<br />
para o Brasil; organista da Catedral de S. Paulo e prof.<br />
no Seminário. Inaugurou o órgão da Catedral do Rio, em<br />
1915.<br />
Memorare (diatónico e cromático) — Missa "Aleluia"<br />
— Missa em Português — outras 6 Missas (uma a 8 v.,<br />
28
em 2 coros) — Te Deum: 4 v.m. e órgão — "Te Deum<br />
Azul" (fácil): 1 v. e órgão ou harmónio — Sete palavras<br />
para a 6. a Feira Santa — Hino do IV Congr. Eucarístico<br />
Nac. em S. Paulo — trechos para órgão ou harmónio —<br />
Introdução e Fuga para grande órgão sobre a palavra<br />
" Independência."<br />
Coleção de Cânticos Sacros em latim e em vernáculo<br />
(de vários autores).<br />
— Gianetti, Giovanni — (*25/3/1869, Nápoles — + 10/<br />
12/1934, Rio).<br />
Estudou em Viena e Milão — pianista, compositor, regente<br />
— ópera sacra "Cristo alia festa di Purim", calcada numa<br />
obra literária do filósofo italiano Giovanni Bovio, estreada<br />
aos 18/12/1904 no Rio — ópera sacra "II Nazareno".<br />
— Gomes, João (João Gomes de Araujo Júnior) —<br />
(*23/10/1971, Pindorama, S. Paulo — + 19/7/1963, S.<br />
Paulo).<br />
Filho do M.° João Gomes de Araújo, estudou em Milão.<br />
4 Missas: Terezinha de Jesus — N. S. da Aparecida —<br />
Santo Antônio — São Paulo.<br />
— Gondim, Zacharias — Thomaz da Costa — (*29/12/<br />
1851, Sobral, Ceará — + 13/12/1907, Fortaleza) — prof. de<br />
música, promotor, tabelião, advogado, deputado.<br />
Hino de N. Senhora de Lourdes — Missa solene em<br />
Sol: 4 v. — Te Deum em Sol: 4 v. — Tantum ergo —<br />
Motetes — Regina caeli: grande coral — Regina caeli<br />
simples — Ladainhas.<br />
— Gonzaga, Francisca Hedwiges (Chiquinha) —<br />
(+ 17/10/1847, Rio — + 28/2/1935).<br />
Antes da fase popular... escreveu, aos 11 anos a "Canção<br />
aos Pastores", com letra de um seu irmão de 7 anos.<br />
— Gouvéa, Arnaud Duarte de — (*agosto de 1865, S.<br />
João Nepomuceno, Minas — + 12/7/1942).<br />
Estudou órgão com Alberto Nepomuceno — foi organista<br />
da igreja da Cruz dos Militares.<br />
Ofertório para órgão<br />
29
— Gouveia, Agostinho Luiz de (*? — -f 9/9/1941, Rio).<br />
Ave Maria 4 v. m. — Ladainha de S. José — Missa<br />
Santa Isabel.<br />
— Guanabarino, Oscar — (*29/ll/1851, Niterói —<br />
+ 17/1/1937, Rio) — comédia para teatro(?) "Ave Maria."<br />
— Itiberê, Brasilio I. da Cunha — (*1848, Paranaguá,<br />
Paraná — 1913, Berlim) — diplomata de carreira e músico<br />
— tio de outro compositor, Brasilio I. da Cunha...<br />
Messe de Noel<br />
— Lachmund, Charley — (* 29/6/1877, New York —<br />
+ ?, Rio) — chegado em nov. de 1877 ao Rio, aqui se estabelece<br />
definitivamente em <strong>1910</strong>; pianista, professor de piano,<br />
história da música, estética musical.<br />
Ave Maria(s) — cantos sacros<br />
— Lehmann, Padre João Batista, SVD. — (*25/8/1873,<br />
Alemanha — + 1955, Rio).<br />
Rosas Eucarísticas (letra de Durval de Moraes) — Semana<br />
Santa — Hino do Congr. Eucar. de Belo Horizonte<br />
— Hinos diversos — peças para órgão — O órgão festivo,<br />
coleção de peças para órgão — Coleção de cânticos sacros<br />
"Harpa de Sião."<br />
— Limeira, Ernesto de Souza — (*25/5/1839, Itaparica,<br />
Bahia — + 1/8/1897, Valença).<br />
Diretor do Teatro S. João — prof. de música (harmonia,<br />
contraponto, fuga) no Liceu de Artes e Ofícios — pianista,<br />
tocando também violino e violão.<br />
5 missas festivas<br />
— Lobo, Elias Alvares — (*9/8/1834 — Itu, S. Paulo<br />
— +15/12/1901, S. Paulo).<br />
Missa — Te Deum<br />
— Mesquita, Amélia de — (*27/4/1866, Rio — +27/<br />
8/1954, Rio) — estudou órgão com Saint-Saens — profes-<br />
50
sora de órgão durante 25 anos no Instituto Benjamin<br />
Constant.<br />
Missa a 2 v. — 3 Salutaris — Padre Nosso — Motetos —<br />
6 Ave Marias.<br />
— Milanez, Abdon Felinto — (* 10/8/1858, Areias, Paraíba<br />
do Norte — + 1/4/1927, Rio.<br />
Diretor do Instituto Nac. de Música<br />
Missa a Santa Luzia — outras peças sacras<br />
— Nopomuceno, Alberto — (*6/6/1864, Fortaleza, Ceará<br />
— -}- 16/10/1920, Rio) estudos em Roma e Berlim; em<br />
Paris, órgão com Alexandre Guilmant — diretor do Inst.<br />
Nac. de Música — empenhado em divulgar a obra do Pe.<br />
José Maurício.<br />
Mater dolorosa, canto — Cantos Eucarísticos — Invocação<br />
à Cruz: coro a capela — Comunhão: para órgão — Sinos<br />
de Natal: página de álbum.<br />
Natal: 3.° episódio da ópera "Pastoral", com letra de Coelho<br />
Neto.<br />
— Nunes, Francisco — (* 14/5/1875, Diamantina, Minas<br />
Gerais — + 1934, Belo Horizonte).<br />
Professor e diretor do Inst. Nac. de Música — clarinetista<br />
Prelúdio, Coral e Fuga para orquestra<br />
— Oswald, Henrique (* 14/4/1852, Rio — + 9/6/1931,<br />
Rio).<br />
Missa: 4 v. m., órgão e orquestra — Missa de Requiem:<br />
4 v. m. a capella — Ave Maria: 4 v. — O salutaris 4 v. —<br />
Memorare: 4 v. — Tantum ergo: 3 v. — Tantum ergo: 4 v.<br />
— Pater noster 4 v. — Veni Sancte Spiritus — 3 v. — Magnificat<br />
— 4 v. e órgão — Sonata para órgão — "Anunciação"<br />
— 1.° episódio da "Pastoral" com letra de Coelho<br />
Neto.<br />
— Pastor, Estefania de Freitas (*6/9/1843, Maranhão<br />
— + 27/9/1913, Paris) — pianista, professora de música<br />
— compositora.<br />
31
Salutaris para a primeira comunhão na igreja de Grenelle,<br />
França.<br />
— Pedrosa, Luiz (* 26/12/1854. Rio — + 18/7/1925,<br />
Rio) — de família pobre, estudou no Arsenal da Marinha<br />
e no Inst. Nac. de Música.<br />
Missa: 4 v. e grande orqu., dedicada a D. Pedro II — Missa<br />
Santa Rosa (nome da progenitora) — Credos — Te Deuns<br />
— Ave Marias — Salutaris — Tantum ergo — Tríduos —<br />
Septenários — Novenas — Trezenas — Jaculatórias — Hinos<br />
— Marchas — Ladainhas — Motetes — Ecce Sacerdos<br />
— Prelúdios para órgão.<br />
— Pereira, Elpídio — (* 16/10/1872, Caxias, Maranhão<br />
— + 13/4/1961, Rio) — estudos musicais no Brasil e em<br />
Paris — Cônsul do Brasil na França e na Inglaterra.<br />
Missa a N. S. da Conceição<br />
— Pereira, Dr. Victor.<br />
Mestre — capela e organista da Catedral do Rio, id. da<br />
Colegiada de S. Pedro — Autor dum Tratado de Modulação.<br />
O Cor Jesu para vozes de meninos, T, Bar, B e órgão.<br />
— Porto Alegre, Ignácio Francisco de Araújo — (*26/<br />
10/1854, — + 16/10/<strong>1900</strong>, Rio) — filho de Manuel A. P.<br />
Alegre — estudou na Europa — prof. de solfejo e canto<br />
coral do Inst. Nac. de Música.<br />
Corais — peças para órgão — música sacra para orquestra.<br />
— Rebouças, Alípio — (+ 1851, Bahia — + 1881, Bahia)<br />
— flautista.<br />
Missas festivas — Requiem — Te Deum<br />
— Reis, Júlio Cesar do Lago — (*23/10/1870, S. Paulo<br />
— + 1933, Rio).<br />
Ave Maria: para piano e coros, apresentada numa festa<br />
de Santa Cecília na igreja do Smo. Sacramento do Rio,<br />
sob a regência do M.° Henrique Alves de Mesquita (1883)<br />
— Marcha triunfal para órgão, para o Jubileu do Papa<br />
Leão XIII, executada em Roma, em 1887.<br />
52
Órgão da Coroa, no Mosteiro de São Bento, Rio de Janeiro
— Republicano, Antônio Assis — (M5/11/1897, Porto<br />
Alegre, — + 26/5/1960, Rio) — aluno de Fr. Braga e Agnelo<br />
França no Inst. Nac. de Música.<br />
ópera "A Natividade de Jesus" (A Vida de Jesus), com<br />
libreto do Conde de Afonso Celso, estreada em 25/3/1937<br />
no Teatro Municipal do Rio, mas já escrita durante o<br />
tempo de estudos.<br />
— Roewer, Frei Basilio, OFM — (* 2/11/1877, Neviges,<br />
Alemanha — + 19/8/1958, Rio) — chegou em 1894 ao<br />
Brasil — trabalhou em Salvador e no Rio — comentário<br />
do Motu Proprio de Pio X — também historiador — Missas<br />
— Ladainhas — Hinos — Motetes — Semana Santa —<br />
cânticos sacros — Cantata "Santa Inês" — Ave Maria.<br />
— Santos Lima, José Joaquim, dos (* 18/5/1880, Rio<br />
h ?) — órfáo no Inst. Profissional João Alfredo, aulas<br />
de Fr. Braga — prof. de música no Colégio Militar, Asilo<br />
Gonçalves de Araújo — Nênia: canto fúnebre — Missa<br />
Sagrado Coração de Jesus: 2 v. — Ave Maria — Salutaris<br />
— Panis Angelicus — Hino a N. S. de Lourdes.<br />
— Sinzig, Frei Pedro, OFM — (* 29/1/1876, Linz, Alemanha<br />
— + 8/12/1952, Duesseldort, Alemanha) — chegado<br />
em 1893 no Brasil, trabalhou em Salvador (pacificador<br />
no conflito de Canudos), Blumenau, Lajes, Rio.<br />
85 obras musicais — 55 literárias — 5 traduções — direção<br />
de 13 periódicos — colaborou em 21 revistas nacionais e<br />
estrangeiras.<br />
10 Missas — 10 Ladainhas — Motetes — Te Deum — Marchas<br />
de Procissão.<br />
Cantatas: Maria Santíssima, S. Francisco de Assis, Santa<br />
Cecília.<br />
Oratório "Natal" — ópera "Frei Antônio" (com o M.° Maximiliano<br />
Hellmann) — 3 hinários: Benedicite, Sursum<br />
corda, Cecília.<br />
livros didáticos — Escola de Música Sacra-rev. "Música<br />
Sacra" — Editora Sta. Cecília.<br />
— Torres, Miguel dos Anjos Sant'Anna — (* 16/12/<br />
1837, Bahia — + 16/7/1902).<br />
31
16 Missas festivas — 1 Requiem — 8 Te Deum — 9<br />
novenas — 7 credos — 10 Tantum ergo — 5 Ecce Sacerdos<br />
— 4 Ave Maria — 12 Hinos — Salmos — Marchas fúnebres.<br />
— Velasquez, Glauco — (*23/3/1884, Nápoles — + 21/<br />
6/1914, Rio) — nasceu em Nápoles, mas é brasileiro.<br />
Ave Maria — A Virgem Santíssima — 5 Padre-nosso.<br />
— Villa-Lobos, Heitor — (* 5/3/1887, Rio — + 17/11/<br />
1959. Rio).<br />
Em 1909 a l. a das 15(19?) Ave Marias: canto a 1, 2 v.<br />
— 4 v. m., com órgão, cordas, orquestra — Ave verum —<br />
Bendita sabedoria (6 corais) — Cor dulce, cor amabile<br />
— O Cor Jesu — Hino a Sto. Agostinho — Kyrie — Magnificai<br />
— Aleluia: orquestra, solo, coro misto — 8 marchas<br />
religiosas: orquestra — 8 Marchas solenes — 2 Memorare<br />
— Missa S. Sebastião — Missa Vida pura — 3 Padre-nosso<br />
— 2 Panis Angelicus — 3 Salutaris — Sub tuum praesidium<br />
— 3 Tantum ergo — Praesepe (texto do P. Anchieta,<br />
Ed. Vitale) — coleção "Música Sacra."<br />
É, porque não dizer, surpreendentemente grande o<br />
número e a categoria das composições, incluindo os maiores<br />
nomes da época, sinal do valor intrínseco do tema<br />
religioso como fonte de inspiração e, como dissemos acima,<br />
de motivação pela certeza de execução freqüente.<br />
órgãos<br />
Não se pode falar em Música Sacra sem falar do órgão.<br />
Assim também pensou Leopoldo Miguez ao incluir esta cátedra<br />
nos programas do "Instituto <strong>Nacional</strong> de Música" a<br />
partir de 1890. E, saindo da teoria para a prática, destinou<br />
os 20.000$000 do 1.° prêmio, concedido a ele pela composição<br />
do "Hino da Proclamação da República", à aquisição<br />
dum órgão para o Instituto (reformado e ampliado<br />
em 1954 sob a direção da professora Joanídia Sodré). Emilio<br />
Lamberg (1863-1914), filho dum austríaco e nascido<br />
em Pernambuco, que foi estudar em Viena piano e órgão,<br />
32
e outra vez órgão com Guilmant em Paris; voltando em<br />
1887 ao Brasil (após ter desertado do serviço militar austríaco)<br />
foi por ordem de Leopoldo Miguez à Europa para<br />
acompanhar a construção deste órgão.<br />
Em 1895 foi nomeado professor dessa matéria Alberto<br />
Nepomuceno que, apesar de já ter estudado bem este instrumento,<br />
foi novamente a Paris para se aperfeiçoar com<br />
o célebre organista e compositor F. A. Guilmant.<br />
É com certa tristeza que falamos do órgão. No Rio<br />
antigo, anterior aos nossos dias, havia órgãos em tantas<br />
igrejas: Capela Imperial, posteriormente Catedral Metropolitana,<br />
para a qual D. Arcoverde adquiriu um bom instrumento<br />
da Casa Walcker, Alemanha e que foi inaugurado<br />
em 1915 por F. Franceschini — Mosteiro de S. Bento<br />
— Convento de Sto. Antônio (os dois últimos reformaram<br />
e ampliaram os órgãos) — Candelária — S. Pedro —<br />
N. S. da Lapa dos Mercadores — Lapa do Desterro — N.<br />
S. Mãe dos Homens — N. S. da Lampadosa — Senhor Bom<br />
Jesus do Bonfim e N. S. do Paraíso — SS. Sacramento<br />
— N. s. do Outeiro da Glória — Bom Jesus do Calvário —<br />
Santana — Cruz dos Militares (posterior reforma e ampliação)<br />
— s. Francisco de Paulo — S. João Batista da<br />
Lagoa.<br />
Referentes ao período <strong>1900</strong>-1010 conhecemos alguns<br />
nomes de organistas:<br />
1 — Alberto Nepomuceno (1864-1920) no Inst. Nac. de<br />
Música;<br />
2 — Arnaud Duarte de Gouvea (1865-1942), seu discípulo,<br />
na igreja da Cruz dos Militares;<br />
3 — Frederico Guigon (1839-1901), ainda da Capela Imperial,<br />
onde sucedeu a seu pai, nomeado por D.<br />
Pedro II e do qual ainda falaremos;<br />
4 — Cónego José Alpheu Lopes de Araújo (1871-1941) na<br />
Matriz de Santana;<br />
5 — Emilio Lamberg (1863-1919) no Inst. Nac. de Música;<br />
6 — Amélia de Mesquita (1866-1954) — no Instituto Benjamin<br />
Constant;<br />
7 — Henrique Alves de Mesquita (1836-1906) na igreja<br />
de S. Pedro;<br />
33
8 — Luiz Pedrosa (1854-1925) na igreja de S. Pedro, indicado<br />
por seu mestre, Henrique A. de Mesquita;<br />
9 — Victor Pereira, na Catedral Metropolitana e na Colegiada<br />
de S. Pedro;<br />
10 — Frei Pedro Sinzig, OFM (1876-1952) — no Convento<br />
de Sto. Antônio, na Escola de Música Sacra;<br />
11 — Antônio Severino da Costa na igreja do Bom Jesus<br />
do Bonfim e N. S. do Paraíso.<br />
Que aconteceu com estes órgãos? Alguns, como o da<br />
Escola de Música e do Mosteiro de S. Bento, funcionam.<br />
Outros são desafinados, mudos, desmontados, encaixotados,<br />
postos de lado, substituídos por órgãos eletrônicos.<br />
Os motivos para isso são vários. O principal é falta de<br />
verdadeiro interesse e compreensão que venceriam qualquer<br />
obstáculo. Outro é: não há órgãos, porque não há<br />
organistas (e não há organistas, porque não há órgãos...)<br />
O maior problema é a manutenção: instrumento complexo,<br />
necessita de uma revisão geral pelo menos de seis em<br />
seis meses; e de um profissional à disposição a qualquer<br />
momento necessário.<br />
Os antigos eram práticos: Pedro Guigon, pai de Frederico<br />
G. (* 1803, Lyon, França — + 1862, Rio), foi nomeado<br />
por D. Pedro II organista da Capela Imperial, vencendo<br />
500S00Q anuais, porém com a obrigação de consertar o<br />
órgão da mesma, fazendo ele todas as despesas., e "sujeito<br />
a ser despedido logo que deixe de bem servir" (e<br />
deixar o órgão mudo...)<br />
Mas para consertar (ou melhor: construir) um órgão,<br />
é preciso aprender esta arte difícil. Quem aprende é<br />
aprendiz. E hoje só há mestres... Confundem a obrigação<br />
social de tratar bem um aprendiz com a possibilidade de<br />
existir "debaixo" dum mestre um aprendiz. O resultado é<br />
que só temos negociantes que vendem um instrumento.<br />
E quando este falha: que se compre um outro, novo...<br />
Da mesma forma tratou um Sr. João Alves Pinto (*no<br />
Rio), bacharel em letras, pianista amador, empregado na<br />
Casa Buschmann e Guimarães, do piano, traduzindo de<br />
C. Dusseil o "Tratado Elementar de Afinação de Piano".<br />
O citado Pedro Guigon, além de organista e professor<br />
de música no Seminário S. José, começou em 1849 uma<br />
34
"fábrica de órgãos, harmónios e realejos"; uma casa de<br />
impressão e venda de músicas, de aluguel de pianos (marca<br />
Pleyel)." A viúva, o filho e o neto mantiveram a casa,<br />
com novos sócios, até 1907.<br />
Editoras<br />
Assim já tivemos no Rio de <strong>1910</strong> Casas de músicas,<br />
e Editoras de músicas:<br />
1 — Pedro Guigon e sucessores;<br />
2 — Casa Preale "na antiga travessa do teatro";<br />
3 — Casa Artur Napoleão, de músicas e pianos (incenti-<br />
vada pelo famoso pianista e compositor) ;<br />
4 — Casa Vieira Machado;<br />
5 — Casa Bevilacqua: pianos, harmónios e músicas;<br />
6 — Casa Castro Lima;<br />
7 — Casa Carlos Wehrs.<br />
No Rio de hoje, 6 vezes maior do de <strong>1910</strong>, temos 3<br />
filiais de Editoras (com sede em S. Paulo) e umas 4 que<br />
vendem músicas e instrumentos...<br />
Sociedades musicais<br />
Ao contrário do tempo colonial e da Corte Imperial,<br />
foi em nosso período praticada a música por profissionais<br />
e amadores em sociedades particulares: Clube Mozart —<br />
Clube Beethoven — Clube Sinfônico — Centro Artístico<br />
— Centro Musical — Sociedade Filarmônica — Sociedade<br />
Quartetos clássicos, mantendo alguns deles cursos regulares<br />
de música para seus sócios.<br />
Ensino<br />
Assim podia-se estudar música, fora do Instituto <strong>Nacional</strong><br />
de Música (e de seus antecessores: Conservatório de<br />
Música — seção de Música na Academia Imperial de Be-<br />
35
las Artes) também nas entidades: Sociedade de Música<br />
— Imperial Instituto de Meninos Cegos — Instituto Benjamin<br />
Constant — Imperial Colégio Pedro II — Seminário<br />
Episcopal S. José — Liceu de Artes e Ofícios — Asilo dos<br />
Meninos Desvalidos (Instituto Profissional João Alfredo)<br />
— Colégio Militar — Asilo Gonçalves Araújo da Irmandade<br />
da Candelária.<br />
Muitos dos melhores músicos e compositores ou saíram<br />
destes institutos ou neles lecionaram.<br />
Sinos e sua linguagem<br />
Se a Música Sacra tem por função solenizar os atos<br />
litúrgicos, os sinos tocam "para anunciar ao povo as festividades<br />
e chamá-lo para as funções sagradas." (Canon<br />
1169 do Direito Canãnico). Por isso são bentos solenemente<br />
pelo bispo e é desejado que toda igreja ou capela<br />
tenha um ou mais sinos. Ainda hoje fazem parte da vida<br />
comunitária, seja urbana, seja rural. E quando, no intuito<br />
de diminuir a "poluição sonora" (das buzinas, dos tocadiscos<br />
e dos alto-falantes..) alguns padres aboliram os toques<br />
tradicionais do sino nas "Ave Marias" — de manhã,<br />
ao meio dia e à tardinha — um grupo de leigos procurou<br />
o Arcebispo, pedindo corrigir isso e voltar ao costume antigo<br />
"para humanizar a cidade".<br />
Se isso acontece hoje, podemos imaginar a importância<br />
dos sinos no Rio de <strong>1910</strong>, quando a vida do povo estava<br />
muito mais unida à religião em todas as suas manifestações,<br />
mesmo cívicas e civis.<br />
Os sinos anunciaram — e anunciam ainda hoje — o<br />
início das funções religiosas, tocam de forma mais solene<br />
nas vésperas dos domingos e festas (feriados...), lembram<br />
3 vezes por dia o "Angelus", o anúncio do anjo a<br />
Nossa Senhora.<br />
Mas no passado tinham ainda outras atribuições, pois<br />
por faltar outros meios de comunicações serviram otimamente<br />
para este fim mediante convenções familiares a<br />
todos: festas cívicas — perigo em caso de guerra — necessidade<br />
de ajuda para apagar um fogo — nascimentos<br />
e mortes.<br />
36
Isso exprimem as inscrições em latim que os sinos<br />
costumam receber na hora da fundição. Eis algumas:<br />
1 — Laudo Deum verum, populum voco, congrego clerum<br />
(Louvo a Deus verdadeiro, convoco o povo, congrego<br />
o clero);<br />
2 — Defunctos pioro, pestem fugo, festa decoro (Choro os<br />
defuntos, afugento a peste, decoro as festas);<br />
3 — Funera plango, fulmina frango, sabbata pango (Choro<br />
os funerais, parto os raios, anuncio os sábados);<br />
4 — Excito lentos, dissipo ventos, paco cruentos (Apresso<br />
os lentos, dissipo os ventos, aplaco os cruentos);<br />
(Pastoral Coletiva dos Bispos do Brasil, 1915, n.° 778)<br />
Havia no passado ainda costumes hoje em desuso: o<br />
"Viático", isso é, a Santa Comunhão para a derradeira<br />
viagem, foi levada com bastante solenidade ao enfermo,<br />
acompanhando um grupo de fiéis, munidos de tochas, o<br />
sacerdote. Um sinal de sino anunciava a saída desta procissão<br />
da igreja, convocando a quem quisesse acompanhá-la.<br />
No interior, em localidades menores, ainda há o mesmo<br />
costume do Rio de <strong>1910</strong>: "dobrar" o sino para anunciar<br />
o falecimento dum paroquiano. Claro que isso torna-se<br />
um tanto difícil numa cidade grande, ainda mais<br />
em tempos de epidemia, como na da febre amarela de<br />
1850, quando a autoridade civil fez com que se evitasse<br />
impressionar os doentes com o toque continuado de sinais<br />
de morte.<br />
Havia lugar para abusos também quanto ao número<br />
de toques. Previstos eram tantos para falecidos masculinos,<br />
tantos para femininos. O sacristão recebia uma gratificação<br />
por este serviço extra; e quando a família tinha<br />
gosto em gastar, ele não hesitava de tocar mais de uma<br />
vez. Interveio a Sociedade de Medicina; o Ministro de<br />
Justiça escreve (1834) ao Vigário Capitular e lembra a<br />
Constituição da Bahia sobre "número de sinais, curta<br />
duração, somente na igreja onde o defunto era freguez"<br />
e é prontamente atendido.<br />
Interessante é que, em algumas épocas, anunciaram<br />
também, certamente com um sino diferente daquele dos<br />
37
defuntos, os nascimentos: com 9 badaladas para meninos<br />
e 7 para meninas (como os tiros de canhão para príncipes<br />
e princesas...). Era a parteira que providenciava isso, pagando<br />
ao sacristão entre 4 vinténs e meia pataca, dando<br />
com isso oportunidade aos amigos de visitar a casa feliz,<br />
levando presentes.<br />
É Vieira Fazenda que conta isso em crônicas, escritas<br />
em 1908, publicadas na Rev. do IHGB em 1923.<br />
E ainda fala do "sino do Aragão" que acorda às 4<br />
horas da madrugada para o trabalho os caixeiros e empregados<br />
do comércio. Que tempos! Se bem que dizem<br />
que também hoje certas pessoas que vêm do subúrbio, da<br />
mesma forma têm de levantar a esta hora para chegar<br />
em tempo no emprego, com ou sem sino.<br />
Com tanta importância dada à comunicação pelo sino<br />
era natural que todos se esforçassem para reconhecer a<br />
mensagem. E Vieira Fazenda escreve bem-humorado:<br />
"... a velha D. Justiniana conhecia pelo ouvido os sons<br />
de todos os sinos desta cidade... "Lá está S. Bento chamando<br />
os frades para o coro — Aquilo é sinal de defunto<br />
em Sta. Rita — Ouçam, são 4 horas, e as freiras de Sta.<br />
Tereza parecem pedir um vintém aos frades barbadinhos.<br />
Estes respondem: "Capuchinho não tem, Capuchinho não<br />
tem" — Porque estaria roncando hoje o sino grande da<br />
Capela Imperial? Já sei, anuncia o tríduo de S. Sebastião<br />
— Aquele sininho esganiçado é de S. Pedro. Não se pode<br />
confundir com o da Candelária. Ambos anunciam que vai<br />
também começar o coro."<br />
Menos contente ele fica com os sinos da igreja do<br />
Carmo e diz: "no mês de julho (festa de N. S. do Carmo)<br />
e outubro (N. S. do Rosário) é verdadeiro milagre como,<br />
neste tempo, os empregados da Silva Araujo, Granado e<br />
Giffoni têm cabeça para compor e preparar poções, pílulas,<br />
xaropes e vinhos reconstituintes." (1. c.)<br />
Mas se consola: "Assim como há sinos cacetes, outros<br />
existem inofensivos; os da Ajuda, por exemplo (vizinhos<br />
da Bibi. Nac.!) soam tão surdamente no interior do convento,<br />
que mal são ouvidos. Ao menos, não martirizam os<br />
tímpanos dos freqüentadores da Avenida Central, do Passeio<br />
Público, da Avenida Beira-Mar e até no Palácio<br />
Monroe."<br />
38
Hoje os sinos geralmente são acionados por motores.<br />
Sem estes é necessário puxar uma corda para movimentar<br />
o sino, seguro por braçadeiras de ferro ao "cabeçalho" de<br />
madeira, peça esta que é puxada para balançar sobre um<br />
eixo, e com ela o sino. Se o sino pesa centenas de quilos<br />
(o maior da Lapa dos Mercadores pesa 763,50 kg, mais 77<br />
de cabeçalho, mais 77 de ferragem,), o "sineiro" é levantado<br />
do chão e precisa de muita destreza para controlar<br />
os movimentos do sino, principalmente no início e no fim.<br />
Por outro lado constitui isso um divertimento para a molecada<br />
que se apressa em "ajudar" o sineiro. Mas pode<br />
acontecer — como aconteceu — que suas exibições imprudentes<br />
os façam perder o equilíbrio e a segurança, sendo<br />
lançados pela força do movimento pelas janelas da<br />
torre. Assim "um, arrojado da torre de S. Francisco (de<br />
Paulo), veio despedaçar-se de encontro às pedras do largo."<br />
E outro "caindo da torre de S. Pedro, ficou espetado na<br />
gradaria do templo". (Sempre Vieira Fazenda).<br />
Carrilhões<br />
Sinos tão queridos, em tamanhos diferentes, para formar<br />
sons mais agudos ou mais graves da escala diatónica<br />
e cromática, em mãos habilidosas se prestam para servir<br />
de instrumento musical: O "Carrilhão", apto para executar<br />
peças musicais. Hoje o mais conhecido e afamado<br />
é o da igreja de S. José. Há outro, no Santuário da Penha,<br />
ao qual, contudo, falta quem o saiba tocar. Em redor de<br />
<strong>1910</strong> o Ferreira Velho encantava a todos executando músicas<br />
diversas no carrilhão da igreja de S. José. A igreja<br />
da Lapa dos Mercadores pôde dispor durante 34 anos da<br />
arte de seu sineiro Luís Augusto da Silva (+ 1907) que fez<br />
tocar e cantar os 12 sinos importados de Lisboa pela importância<br />
de 400$000.<br />
Tudo certo, importante e interessante. Porém, mais<br />
uma vez D. João VI rouba a cena: foi dele a primeira<br />
idéia de formar um carrilhão. Tirou sinos daqui e dali e<br />
os levou para sua "Capela Real", recebendo manifestações<br />
39
escritas de "satisfação em poder servir a S. Alteza", provavelmente<br />
nem sempre de acordo com os verdadeiros<br />
sentimentos dos — negativamente — contemplados.<br />
Sinos em nomes de jornais<br />
Com tanta repercussão dos sinos na vida da cidade é<br />
compreensível que jornais se inspiravam nos sinos para<br />
formar seu título: "Sineta da Misericórdia" — "Sineta do<br />
Teatro" — "Sino da Lampadosa" — "Sino dos Barbadinhos".<br />
óperas<br />
Um gênero de Música, se não "Sacra", pelo menos<br />
"religiosa" deste período não deixa de apresentar surpresa:<br />
óperas com libreto sacro. Escritas para o teatro,<br />
com a técnica apropriada, mas respeitando rigorosamente<br />
0 tema sacro.<br />
1 — "Pastoral:" texto de Coelho Neto que confiou a quatro<br />
dos melhores compositores da época a parte musical<br />
do prelúdio e dos 3 episódios:<br />
Prelúdio: Santana Gomes<br />
1.° episódio: Anunciação: Henrique Oswald<br />
2.° episódio: Visitação: Francisco Braga<br />
3.° episódio: Natal: Alberto Nepomuceno.<br />
Este último regeu a peça na estréia no Teatro S. Carlos de<br />
Campinas, S. Paulo, no dia 25/12/1903.<br />
2 — "Missões" (Redução dos jesuítas no Rio Grande), de<br />
Roberto Eggers;<br />
3 — "Cristo alia festa de Purim", de Giovanetti Gianetti,<br />
estreada no Rio em 19/12/1904;<br />
4 — "II Nazareno", do mesmo autor;<br />
5 — "A Natividade de Jesus" (A Vida de Jesus"), de Antônio<br />
de Assis Republicano; com libreto do Conde<br />
40
de Afonso Celso. Foi estreada no Rio em 25/3/1937<br />
no Teatro Municipal, mas escrita no tempo em que<br />
o autor estudava no Instituto Nac. de Música;<br />
6 — "O Ermitão da Glória" — do mesmo autor; com libreto<br />
de Modesto de Abreu — inédita;<br />
7 — "S. Petrus", Hugo Bussmeyer, Mestre da Capela Imperial;<br />
8 — "Ave Maria", de Oscar Guanabarino. Iza de Queiroz<br />
fala de uma "comédia para teatro". De que tipo será?<br />
9 — "Jesus", ópera em 3 atos, de Heitor Villa-Lobos, com<br />
libreto de Goulart de Andrade — inédita.<br />
Música Sacra e os grandes eventos da época<br />
A Música Sacra é por sua própria natureza uma arte<br />
comunitária, porque se destina principalmente a prestar<br />
colaboração artística nas manifestações religiosas coletivas.<br />
Com isso participa dos grandes eventos nacionais e,<br />
eventualmente, internacionais.<br />
Assim escreveu Fonseca Euclides um "Te Deum" para<br />
solenizar a extinção da escravatura. O "Requiem" de Mozart<br />
foi executado, sob a regência de J. M. Santa Rosa, na<br />
missa celebrada no Campo de Santana pelos soldados mortos<br />
na Guerra do Paraguai, merecendo, por outro lado a<br />
celebração da vitória do compositor Rafael Coelho Machado<br />
um "Te Deum", executado na igreja de S. Francisco<br />
da Penitência durante a celebração litúrgica.<br />
Cernichiaro regeu em 1906 o "Requiem" de Verdi nas<br />
exéquias oficiais pelos mortos do encouraçado brasileiro<br />
"Aquidabã". E F. Franceschini comporá sua "Introdução<br />
e Fuga" para Grande órgão sobre a palavra "Independência".<br />
Manoel dos Santos Santa Cruz (Bahiense) escreveu<br />
uma "Marcha fúnebre Pio X" (1846-1878), cabendo a<br />
Júlio Cesar do Lago Reis a autoria da "Marcha Triunfal"<br />
41
para órgão, composta por ele para as festas do jubileu<br />
do Papa Leão XIII (1878-1903), chegando a ser executada<br />
em Roma.<br />
Da mesma forma desejamos nós participar com estas<br />
modestas notas sobre Música Sacra das comemorações festivas<br />
dos 70 anos de atividades da <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong> no<br />
prédio da "Avenida Central", cuja Seção de Música tanto<br />
ajuda a todos nós que nos interessamos pela Música. E<br />
achamos por bem, de doar — como presente de aniversário<br />
— manuscritos musicais, autógrafos e fotografias autografadas<br />
de músicos na certeza de que outros tirarão proveito<br />
deles no acervo tão bem, cuidado, como nós encontramos<br />
ajuda preciosa em material e pessoal.<br />
BIBLIOGRAFIA<br />
Möns. Antônio Alves Ferreira dos Santos. A Archidiocese de<br />
S. Sebastião do Rio de Janeiro. Tip. Leuzinger, Rio, 1914.<br />
Anuário da Arquidiocese do Rio de Janeiro. Cúria Metropolitana.<br />
1980. ll. a edição.<br />
Pe. Dr. Guilherme Schubert. A Província Eclesiástica do Rio<br />
de Janeiro. Livraria AGIR Editora, Rio de Janeiro, 1948.<br />
Möns. Guilherme Schubert. A Música Sacra na História da<br />
Música. Editora Electra, Rio de Janeiro, 1970.<br />
Renato Almeida. História da Música Brasileira. 2. a edição, F.<br />
Briguiet & Co., Editores, Rio de Janeiro, 1942.<br />
Enciclopédia da Música Brasileira Erudita, Folclórica, Popular.<br />
Art Editora Ltda., S. Paulo, 1977.<br />
Padre Agnelo Rossi. Diretório Protestante no Brasil, Tipografia<br />
Paulista, Campinas, 1938.<br />
Luiz Heitor Corrêa de Azevedo. Relação das óperas de Autores<br />
Brasileiros. Edição do Min. de Educação e Saúde, Rio de<br />
Janeiro, 1938.<br />
Pe. José Geraldo de Souza. Apontamentos de Música Sacra.<br />
Livraria Salesiana Editora, S. Paulo, 1950.<br />
H
Maria Luísa de Queirós Amâncio dos Santos (Iza de Queirós<br />
Santos). Origem e Evolução da Música em Portugal e sua<br />
Influência no Brasil. Imprensa <strong>Nacional</strong>, Rio de Janeiro,<br />
1942.<br />
Frei Pedro Sinzig, OFM. A Música Sacra no Brasil in: Revista<br />
"Música Sacra", Petrópolis, 1946.<br />
Frei Pedro Sinzig, OFM. Notas sobre a Música Sacra no Rio<br />
in: "A Província Ecles. do Rio de Janeiro" (vide supra).<br />
Vieira Fazenda. Os Sinos do Rio de Janeiro in: Revista do Instituto<br />
Geográfico Brasileiro (IHGB), 1923.<br />
Visconde de Taunay. Dois Artistas Máximos José Mauricio e<br />
Carlos Gomes. Editora Comp. Melhoramentos de S. Paulo,<br />
1930.<br />
Frei Basilio Roewer, OFM. Música Sacra ou Comentário do<br />
Motu Proprio de Sua Santidade Pio, pp. X. Tip. do Colégio<br />
São José, Petrópolis, 1907.<br />
Vincenzo Cernichiaro, Storia delia Música nel Brasile, dai Tempi<br />
Coloniali ai Nostri Giorni (1549-1923) Stab. Tip. Edit.<br />
Fratelli Riccioni, Milano, 1926.<br />
43
A IGREJA NO INÍCIO DO SÉCULO XX<br />
Américo Jacobina Lacombe
O decreto de 7 de janeiro de 1890, que separou a<br />
Igreja do Estado, ou — mais explicitamente — que proibiu<br />
às autoridades federais e estaduais regulamentarem,<br />
ou impedirem alguma religião foi resultado de um sério<br />
entendimento entre Rui Barbosa, então vice-chefe do Governo<br />
e D. Antônio de Macedo Costa, Bispo do Pará e<br />
maior expressão do episcopado nacional. Não poderia ser<br />
um acordo perfeito entre as duas partes. O documento<br />
fundamental para interpretação do texto legal é a carta<br />
dirigida pelo bispo ao ministro em 22 de dezembro de<br />
1889. 1 Mas de qualquer maneira, disse o bispo, vindouro<br />
Primaz do Brasil, "A Igreja do Brasil ganhou imenso",<br />
"Ganhou imenso, ganhou a liberdade que não tinha!"<br />
Em conseqüência, a Pastoral Coletiva de 19 de março<br />
de 1890, 2 resultado da primeira reunião do episcopado<br />
brasileiro em sua história, é uma clarinada de vitória<br />
diante do poder político que, poucos anos antes, encarcerava<br />
dois prelados por seguirem fielmente a orientação do<br />
Pastor Universal:<br />
"Acabamos de assistir a um espetáculo que assombrou<br />
o universo... um trono afundado de repente<br />
no abismo que princípios dissolventes, medrados à<br />
sua sombra, em poucos anos lhe cavaram! Desapareceu<br />
o trono... E o altar? O altar está em pé, amparado<br />
pela fé do povo e pelo poder de Deus."<br />
i F. de Macedo Costa: Lutas e vitórias. Bahia. Dois Mundos,<br />
<strong>1910</strong>. p. 101.<br />
* O Episcopado brasileiro ao clero e aos fiéis da Egrsja<br />
do Brazil. São Paulo, J. Seckler, 18S0.<br />
45
Nem todos pensaram tão otimisticamente. Nabuco, por<br />
exemplo, já então católico integral, via com temor o que<br />
ele considerava a laicização do país. A maioria, porém,<br />
encarou a medida como um passo à frente. Monsenhor<br />
Manuel Barbosa, num livro que é uma das melhores sínteses<br />
da história eclesiástica do Brasil, denomina o decreto<br />
de 7 de janeiro "a carta de alforria da Igreja Brasileira."<br />
3<br />
A Igreja es'íava pobre. O clero deixava de receber as<br />
côngruas, provenientes dos pingues dízimos pagos ao patrono<br />
que era o Imperador, Grão-Mestre da Ordem de<br />
Cristo. Alguns bispos não tinham sequer onde instalar os<br />
pomposamente chamados "Palácios Episcopais". A maior<br />
parte aboletava-se nos conventos das agonizantes ordens<br />
religiosas. Os párocos iam passar a viver das espórtulas<br />
dos fiéis. Ricas eram as Ordens Terceiras e as Irmandades,<br />
cujo patrimônio incluía numerosos templos, hospitais<br />
e asilos e cuja propriedade ficava iníacta. Mas nada<br />
disso valia a liberdade da escolha dos bispos, a cessação<br />
da interferência nas paróquias e nos cabidos, as determinações<br />
dentro da liturgia. Era, acima de tudo, a possibilidade<br />
de se reconstituir o clero regular, reduzido quase<br />
à extinção. A proibição do noviciado esvaziara os conventos.<br />
Renunciar ao mundo para consagrar-se a uma vocação<br />
religiosa parecia a todos um desatino.<br />
Há poucos documentos tão melancólicos para uma<br />
alma cristã como a carta de Monte Alverne a Gonçalves<br />
de Magalhães quando percebeu neste uma tendência para<br />
o claustro. A sombra de Junqueira Freire perpassa por<br />
aquelas linhas tenebrosas. 4 Era no próprio seio das comunidades<br />
que se instalara a descrença na restauração do<br />
espírito religioso.<br />
E no entanto o milagre se realizou. A hierarquia não<br />
íò se manteve como se desdobrou e se expandiu em ações<br />
3 Manuel Barbosa: A Igreja no Brasil. Rio, A Noite,<br />
1945, p. 31.<br />
* Domingos José Gonçalves de Magalhães. "Biografia do<br />
padre-mestre Frei Francisco de Monte Alverne". Rev. do Inst.<br />
Histórico e Geogr. Brasileiro. T. XLV, 2°, 391.<br />
46
eneméritas. Os conventos se repovoaram com o auxílio<br />
das comunidades estrangeiras. Num período bem curto retomou-se<br />
a regularidade das suas vidas conforme as suas<br />
diversas regras.<br />
Entre atônitos e embevecidos acompanhamos os passos<br />
dos missionários que restauraram a regularidade religiosa<br />
nos raros conventos que não estavam ainda reduzidos a<br />
ruínas. 5<br />
O fato é que ao abrir o século XX a Igreja apresentava<br />
um aspecto bem diverso do ambiente sombrio e de<br />
abandono dos últimos anos. Vejam-se nas páginas citadas<br />
de Frei Pedro Sinzig os tristes casos de desacato aos sacerdotes<br />
e autoridades religiosas a que ele assistiu ao chegar.<br />
No livro do Centenário do Descobrimento, <strong>1900</strong>, o Pe.<br />
Júlio Maria, a maior cabeça do clero secular (depois incorporado<br />
às hostes dos Redentoristas), começa por afirmar:<br />
"No período republicano, separada a Igreja do<br />
Estado, a Religião tem no Brasil uma nova e tão enérgica<br />
afirmação, que não é lícito apontar os erros e os excessos<br />
dos legisladores republicanos, sem reconhecer, ao mesmo<br />
tempo, os proveitos e vantagens que de fato implicou para<br />
o Brasil o novo regimen." 0<br />
Ao terminar o Império a hierarquia compunha-se de<br />
doze bispos, "os dozes apóstolos", como dizia o bispo de<br />
Mariana, constituindo uma só província eclesiástica, com<br />
um Metropolita, o Arcebispo-Primaz da Bahia. O bispo do<br />
Rio de Janeiro compensava sua posição subalterna com o<br />
título de Capelão Mor da Casa Imperial.<br />
A Fala do Trono de abertura da 4. a sessão da 20. a<br />
legislatura anunciara "a criação de um bispado em cada<br />
uma das nossas províncias, em geral tão extensas que não<br />
podem estar reunidas em poucas dioceses, sem prejuízo<br />
d 7<br />
a ação e doutrina pastoral."<br />
Mas nada se fizera de concreto até a República. A<br />
organização federativa e a supressão das complexas for-<br />
5 Frei Pedro Sinzig: Reminiscências d'um frade. Petrópolis,<br />
Vozes, 1917.<br />
8 Livro do centenário: A religião. Rio de Janeiro, <strong>1900</strong>. p. 3.<br />
7 Falias do throno. Rio de Janeiro, 1889, p. 871.<br />
47
malidades nas negociações com a Cúria Romana permitiram<br />
uma rápida transformação da organização eclesiástica.<br />
O Rio de Janeiro era agora um arcebispado e seu titular<br />
D. Joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti,<br />
descendente dos primeiros povoadores do Brasil, e por feliz<br />
coincidência, tendo nas veias o sangue dos Albuquerques<br />
"valerosos" e do cacique Arcoverde. Era um homem de estatura<br />
média, mas com um ar aristocrático natural que<br />
se impunha aos circunstantes. Laureado em Filosofia e<br />
Teologia pela Universidade Gregoriana, fora ordenado em<br />
1874. Colaborara com D. Vital na reorganização do Seminário<br />
de Olinda, donde passou a diretor do Ginásio Pernambucano.<br />
Fora nomeado coadjutor da Bahia e bispo<br />
de Goiás, posto a que renunciou, ocupou em seguida o<br />
bispado de São Paulo. Em 1897 foi transferido para o<br />
Rio de Janeiro como arcebispo e, em 1905, foi elevado à<br />
púrpura cardinalícia, sendo o primeiro cardeal da América<br />
Latina, honraria que o Império não obtivera não<br />
obstante longas negociações. A gravidade com que exercia<br />
suas funções impressionava os que as assistiam. "Vê-lo na<br />
missa, ou em qualquer outra solenidade religiosa, é edificar-se<br />
profundamente, tal a dignidade e o respeito com<br />
que Sua Eminência o Cardeal atende a todas as prescrições<br />
litúrgicas, serve de verdadeiro exemplo a clero e<br />
leigos". 8<br />
A província eclesiástica do Rio de Janeiro passou a<br />
compreender vários bispados sufragàneos. O primeiro foi<br />
o de Niterói, criado em 1892. Sua sede esteve de 1895 a<br />
1908 em Petrópolis. Foi seu titular D. Francisco do Rego<br />
Maia, um dos mais ilustrados prelados brasileiros, colaborador<br />
do novo Código de Direito Canónico. Foi substituído<br />
por D. João Francisco Braga e, em 1908, por D. Agostinho<br />
Francisco Benassi.<br />
O bispado do Espírito Santo foi criado em 1895 por<br />
D. João Batista Correia Néri, transferido para Pouso<br />
Alegre em 1901, e, finalmente, para Campinas (SP) em<br />
48<br />
» Frei Pedro Sinzig. Op. cit. p. 302
1908. Foi dos mais populares e prestigiosos prelados brasileiros.<br />
Foi substituído em 1902 por D. Fernando de Sousa<br />
Monteiro.<br />
A província meridional do Brasil, com sede no Rio de<br />
Janeiro, criada em 1892 compreendia ainda o bispado<br />
de Mariana até 1906, quando passou a ser um arcebispado,<br />
e constituindo uma nova província autônoma, compreendendo<br />
Goiás, Diamantina, Pouso Alegre, Uberaba, Campanha,<br />
Montes Claros e Araçuaí. Era seu antístite D. Silvério<br />
Gomes Pimenta, sábio e virtuoso prelado, membro<br />
da Academia Brasileira.<br />
A prelatura de Goiás passou a bispado em 1826 e foi<br />
regida de 1891 a 1908 por D. Eduardo Duarte Silva. O<br />
bispado de Diamantina teve como bispo D. João Antônio<br />
dos Santos, tio dos irmãos Antônio e Joaquim Felício dos<br />
Santos, doutor em Paris, helenista e hebraísta, sucedido<br />
por D. Joaquim Silvério de Sousa, aluno do Caraça e<br />
relator da Pastoral Coletiva do episcopado brasileiro em<br />
1922.<br />
Era também pertencente à província do Rio de Janeiro<br />
o bispado de Pouso Alegre, inaugurado por D. J. Batista<br />
Nery, como acima foi dito.<br />
Datam de 1907 os bispados de Uberaba e Campanha.<br />
Pertencente à província meridional do Rio de Janeiro,<br />
o bispado de São Paulo passou a constituir uma província<br />
eclesiástica em 1908, quando D. Duarte Leopoldo e Silva<br />
passou a arcebispo de uma nova província que teve como<br />
sufragâneas as dioceses de Campinas, São Carlos, Botucatu,<br />
Ribeirão Preto, Taubaté e Curitiba.<br />
Do mesmo modo o bispado de Porto Alegre, que na<br />
organização de 1892, fazia parte da Província Meridional,<br />
passou em 1912 a ser sede metropolitana, arrebanhando a<br />
diocese de Pelotas (<strong>1910</strong>), Santa Maria (<strong>1910</strong>), Uruguaiana<br />
(<strong>1910</strong>) e Florianópolis (1908).<br />
Assim, conforme o esquema elaborado por Monsenhor<br />
Schubert" a diocese do Rio de Janeiro, uma das unidades<br />
9 "O desmembramento das dioceses do Brasil". Rev. do<br />
inst. Hist. Geogr. Brás. 1977, vol. 316. p. 161.<br />
49
da única província eclesiástica brasileira, deu origem nesse<br />
curto período de tempo a nove unidades que por sua vez<br />
se subdividiram, sem falar na Abadia Beneditina Nullius<br />
de N. S. do Monserrate. Isto dentro de um desenvolvimento<br />
surpreendente. O Brasil passou de 12 bispos em<br />
1890 a 219 unidades eclesiásticas em 1976.<br />
Passando agora à renascença do clero regular vejamos,<br />
em rápida síntese, algumas das entidades que reintroduziram<br />
no país a vida religiosa.<br />
Há grande confusão acerca do comportamento do imperador<br />
D. Pedro II em relação aos religiosos. Ele não<br />
cria na possibilidade de restauração da vida claustral, das<br />
ordens monacais e mendicantes. Acerca disso manifestouse<br />
abertamente. Mas quanto aos novos institutos ensinantes<br />
e de ação social, manifestou-se, pelo contrário, com a<br />
mais viva simpatia. O assunto foi inteligentemente tratado<br />
em dois ensaios do prof. Riolando Azzi. 10<br />
Os jesuítas, os primeiros que estabeleceram o ensino<br />
sistemático no Brasil, conseguiram, apesar da legislação<br />
pombalina, voltar a estabelecer-se no Brasil, não sendo<br />
repelidos pelo imperador. É bem verdade que, após o conflito<br />
com os bispos, sua atitude tenha se alterado, patenteando-se<br />
na grande decepção que foi a não ida ao colégio<br />
de Itu em 1886, evidentemente para satisfazer o anticlericalismo<br />
de boa parte de seus assessores. 11<br />
Reingressando no Brasil ainda no antigo regime, os<br />
jesuítas estabeleceram na década <strong>1900</strong>-<strong>1910</strong> alguns marcos<br />
de seu prestígio como educadores. O Colégio Santo<br />
Inácio é de 1901. O Anchieta, em Friburgo, vinha de 1886.<br />
As tentativas anteriores de Santa Catarina, Pernambuco<br />
e Itu (transferido para São Paulo) ficam fora do Grande-<br />
Rio, ao qual limitamos nosso estudo. Ambos os institutos<br />
obtiveram imediatamente um prestígio indiscutível. Entre<br />
10 "d. Pedro II e a reforma do clero no Brasil" e "D.<br />
Pedro II perante os institutos religiosos do Brasil". Revista<br />
do Inst. Hist. e Geogr. Brasileiro, vols. 314 e 316 (1977).<br />
11 O caso está extensamente estudado pelo padre Hélio<br />
A. Viotti, na mesma Revista, v. 318 (1978).<br />
50
os seus alunos, os jesuítas recrutaram grandes nomes que<br />
vão constituir a elite católica do momento.<br />
Os franciscanos que no ocaso do Império contavam<br />
somente algumas unidades de frades, que tinham vários<br />
convênios em ruínas e viam suas construções ocupadas<br />
por serviços públicos (como o Arquivo <strong>Nacional</strong> que funcionou<br />
no convento de Santo Antônio) viu seus quadros<br />
ampliados com missões estrangeiras. Estão hoje recuperadas<br />
as suas comunidades por brasileiros. O Convento<br />
de Santo Antônio, no Largo da Carioca, fundado em 1606<br />
passou a ser chefia da província, hoje em São Paulo.<br />
Outro grande centro de atividade franciscana foi o<br />
Convento do Sagrado Coração de Jesus, em Petrópolis, fundado<br />
em 1896, onde se editava a revista Vozes de Petrópolis,<br />
hoje simplesmente Vozes, e um número considerável<br />
de publicações. Mantinha ainda uma escola gratuita<br />
e um ambulatório.<br />
Havia ainda o Convento em São Paulo, fundado em<br />
1639, (o de São Francisco, em parte ocupado pela Faculdade<br />
de Direito).<br />
Os Carmelitas, chegados ao Brasil em 1580, conservaram<br />
o Convento da Lapa, para onde se haviam mudado<br />
desde que cederam ao Paço o antigo na Praça 15 de Novembro,<br />
hoje sede do Centro Universitário Cândido Mendes.<br />
Ali mantinham o Colégio Santo Alberto, que gozava<br />
de excelente renome. Também em São Paulo mantinham<br />
num convento na Liberdade, um colégio do mesmo nome.<br />
Os Beneditinos que estiveram a pique de desaparecer,<br />
com um único monge, conseguiram manter a tradição<br />
do seu ginásio e escolas populares, que datam de meados<br />
do século XIX e uma editora, a Lúmen Christi. Ainda em<br />
1905 fundaram uma escola no Alto da Boa Vista. O Mosteiro<br />
de São Paulo foi a sede da primeira escola superior<br />
de Filosofia, agregada à Universidade de Louvain. Isto sem<br />
falar nas Celas e Friorados existentes fora do Grande-Rio.<br />
Se tudo isso se referia às ordens tradicionais, em<br />
cujo ressurgimento não cria o imperador e a maior parte<br />
dos bem-pensantes, outra foi a atitude em relação aos<br />
institutos religiosos chamados modernos, fundados desde<br />
51
a reforma tridentina, e cuja maioria se estabeleceu no<br />
Brasil no século XIX. 12<br />
Entre estes os Lazaristas, os Salesianos e as Filhas de<br />
Caridade. Os Capuchinhos igualmente, após serem durante<br />
todo o século XVIII os grandes missionários do interior,<br />
haviam sido parcialmente extintos em 1831. Durante o<br />
segundo reinado, lembra Azzi, introduziram-se no Brasil<br />
quatro novos institutos religiosos masculinos: os Dominicanos,<br />
os Salesianos, os Palotinos e os padres da Congregação<br />
do Espírito Santo. Poderíamos acrescentar os<br />
Salvatorianos, os Maristas, Saletinos, Premonstratenses,<br />
Redentoristas, Barnabitas. Quanto às organizações femininas<br />
chegam ao fim do império as Filhas da Caridade<br />
(chamadas vulgarmente Irmãs de Caridade), fundadoras<br />
do primeiro colégio religioso no Rio de Janeiro e disputadas,<br />
como enfermeiras nos hospitais, as Dorotéias, as<br />
Irmãs de Sant'Ana, as congregações do Bom Pastor, dos<br />
Santos Anjos, as Irmãs do Coração de Maria, as Franciscanas<br />
da Penitência e da Caridade Cristã, as Dominicanas,<br />
as religiosas de Lourdes. É bem verdade que, em<br />
certas localidades, o recebimento por parte do povo, prevenido<br />
por uma propaganda cruel e maliciosa por parte<br />
do anticlericalismo fomentado pelas entidades ligadas ao<br />
movimento irreligioso europeu, não foi simpático. Mas,<br />
sob esse aspecto D. Pedro II foi irrepreensível.<br />
Este decênio se caracteriza, assim, pela expansão da<br />
hierarquia, pela restauração das ordens religiosas tradicionais<br />
(o que não se processou sem incidentes populares,<br />
judiciais e policiais) e pela ascendência na educação religiosa<br />
feminina das freiras francesas. Esse predomínio<br />
francês que se iniciara com as Irmãs de Caridade em<br />
1855, teve seu apogeu nos prestígios dos colégios de Sion<br />
e Sacré Coeur. Se por um lado teve aspectos brilhantes,<br />
a ponto de alguns diplomatas dizerem que as mulheres<br />
cariocas eram mais ilustradas que os maridos (pelo menos<br />
conheciam melhor arte e literatura) teve dois pontos que<br />
foram alvos de ataques. O primeiro foi uma tendência à<br />
elitização da ação católica, deixando de lado as classes<br />
52<br />
i 2 Riolando Azzi. R. IHGB, v. 316. p. 125.
Padre Júlio Maria
populares — defeito que vai ser corrigido em épocas mais<br />
recentes. O segundo foi o que se chamaria hoje alienação<br />
da realidade brasileira. O estudo da história do Brasil e<br />
da própria língua portuguesa ficava evidentemente em<br />
segundo plano. Há páginas candentes de Lima Barreto a<br />
respeito dessa deformação da mentalidade da mocidade<br />
feminina.<br />
Outro aspecto desse período da história da Igreja é<br />
a verdadeira enchente que depois dele se opera, de ordens,<br />
congregações e institutos, quer de ensino, quer de enfermagem,<br />
quer de ação social. De algumas dezenas até <strong>1910</strong>,<br />
passam a centenas nas décadas seguintes. Os almanaques<br />
religiosos consignam a chegada de religiosos, de ambos<br />
os sexos, de diversos países, bem como a criação de instituições<br />
locais, de âmbito diocesano.<br />
O respeito à propriedade das instituições leigas, Ordens<br />
Terceiras e Irmandades, com patrimônio autônomo,<br />
fez com que algumas se desdobrassem em obras sociais<br />
de benemerência. Ao lado delas, centenas de instituições<br />
de mera devoção, Apostolados e Ligas, se multiplicaram.<br />
Finalmente, a todos os responsáveis, colocou-se a questão<br />
fundamental: que ia fazer a Igreja dessa força de<br />
que dispunha? Está claro que uma boa parte dos falsos<br />
conservadores não pensava senão no imobilismo, quando<br />
não no regressismo, então chamado "sebastianismo".<br />
Mas a voz que mais vibrantemente ressoou nos púlpitos<br />
foi a dos que alertavam a Igreja para as novas funções<br />
que lhe cabiam, que não eram mais as de revestir<br />
os atos públicos do manto da religiosidade, mas a de contribuir<br />
para uma profunda modificação na estrutura social.<br />
Nenhuma superou a do Pe. Júlio Maria, na citada<br />
Memória publicada no Livro áo Centenário e à qual voltamos<br />
para encerrar estas observações: "A religião do nosso<br />
tempo não deve consistir em rezar cânticos, no templo,<br />
vestidos os padres de seus paramentos e mui contentes<br />
com o número de devotos que vêem do seu lado, mas não<br />
vendo fora do templo, a multidão que morre de inanição,<br />
intelectual, moral e física."<br />
"O clero no Brasil não pode, nem deve, presentemente<br />
encastelar-se nos santuários, contemplando de longe o<br />
57
povo e pensando que fará obra de Deus só com as nossas<br />
devoções, as nossas festas e os nossos panegíricos." "Sua<br />
missão é isto que neste momento solene e trágico da<br />
sociedade se impõe como programa aos católicos: consorciar<br />
os espíritos, pacificar as almas, harmonizar as<br />
vontades neste imenso conflito de paixões pessoais contrariadas<br />
com os princípios de uma nova ordem de coisas:<br />
substituir às questões políticas, erroneamente predominantes<br />
nos governos, nos parlamentos, nos jornais, a questão<br />
social que é a questão por excelência."<br />
A esias questões se atiraram com fervor os prelados,<br />
libertos das cadeias do burocratismo. Após a reunião do<br />
episcopado em 1890, reuniu-se em Roma em 1899 o Concílio<br />
Plenário Latino-Americano. Seguiram-se reuniões<br />
sistemáticas dos bispos, precursoras das atuais Conferências<br />
Nacionais dos Bispos e dos Religiosos. Os do Norte<br />
reuniram-se na Bahia em 1901, no Recife em 1908, em<br />
Fortaleza em 1911 e novamente na Bahia em 1915. Reuniram-se<br />
os do Sul em 1901 (S. Paulo), em 1904 (Aparecida),<br />
em 1907 (Mariana), em <strong>1910</strong> (S. Paulo) e em 1915<br />
(Friburgo). De todas essas reuniões resultaram pastorais<br />
que vão marcando novos rumos para a Igreja Brasileira.<br />
Nenhuma dessas reuniões alcançou a repercussão da de<br />
Friburgo em que foram aprovadas as Constituições das<br />
Provindas Meridionais que, adotadas pelas do Norte, passaram<br />
a substituir as velhas Constituições da Bahia de<br />
1907.<br />
Paralelamente o laicato era arregimentado em Congressos<br />
Católicos, o primeiro dos quais realizou-se na Bahia<br />
em <strong>1900</strong> e o segundo no Rio de Janeiro em 1908. 13<br />
13 Segundo Congresso Católico Brasileiro. Atas e documentos.<br />
Rio de Janeiro, <strong>1910</strong>. Note-se que, para pôr os católicos<br />
brasileiros a par das novas idéias sociais que dominavam os<br />
meios católicos europeus, foi convidado o professor da Universidade<br />
de Louvain, Dr. E. Vlieberg, que pronunciou em 1908 uma<br />
série de conferências no Rio, Minas e em S. Paulo. Foi baseado<br />
nelas que o deputado baiano Joaquim Inácio Testa apresentou<br />
os primeiros projetos de lei no sentido que hoje chamaríamos<br />
de democracia cristã, (v. E. Vlieberg: Questões católico-sociais.<br />
Rio de Janeiro. <strong>1910</strong>).<br />
55
Não teríamos ultrapassado os limites do período que<br />
nos foi assinado se esses documentos não representassem<br />
o florescimento da lenta transformação que se processou<br />
no primeiro decênio do século, sem as quais não se compreenderia<br />
a possibilidade do Primeiro Concílio <strong>Nacional</strong><br />
de 1939 e, finalmente, o 2.° Concílio do Vaticano que cristalizou<br />
os ideais que se vinham fecundando em sucessivas<br />
assembléias.<br />
59
O CONVENTO DA AJUDA<br />
Antonio Carlos Villaça
Vem» meu leitor, vem dar um passeio comigo pela<br />
cidade do Rio de Janeiro, em pleno século XVIII. Não a<br />
inquieta cidade de hoje, buliçosa e cansativa, mas a cidade<br />
pacata, de outrora, quando Botafogo já era distância.<br />
Não te levarei a uma casa qualquer, não visitaremos um<br />
teatro nem um palacete mundano. Não iremos a uma<br />
chácara do Cosme Velho. Nem subirás à Tijuca, nem à<br />
Gávea longínqua. Iremos a um... convento. Há um sussurro<br />
de freiras. Há um som de órgão.<br />
Dedico esta evocação, leitor sereno, à memória de um<br />
bispo, Dom André Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti,<br />
sobrinho do Cardeal Arcoverde, Bispo Titular de Limne,<br />
que, a 1 de janeiro de 1948, tomou posse das funções de<br />
capelão do referido Convento da Ajuda, sucedendo a Dom<br />
João Irineu Joffily, Bispo Titular de Anasartha, corrijome,<br />
Arcebispo, que tomara posse a 1 de maio de 1932 e se<br />
retirara doente a 22 de dezembro de 1947 para uma casa<br />
de saúde. Por seis anos e sete meses, Dom André desempenhou<br />
o seu oficio. Em 1954, recolheu-se a uma casa<br />
de saúde e faleceu a 19 de junho de 1955, nos seus 77 anos.<br />
Conheci-o, sim, quando era capelão imponente do Colégio<br />
dos Santos Anjos, na Tijuca, depois de ter sido Bispo<br />
diocesano de Valença e de Taubaté. Era um conversador<br />
delicioso.<br />
"Sobre o tempo, sobre a taipa,<br />
a chuva escorre. As paredes<br />
que viram morrer os homens,<br />
que viram fugir o ouro,<br />
63
que viram finar-se o reino,<br />
que viram, reviram, viram,<br />
já não vêem. Também morrem".<br />
Carlos Drummond insiste: "Morrem as casas. Morrem,<br />
severas".<br />
"O chão começa a chamar<br />
as formas estruturadas<br />
faz tanto tempo. Convoca-as<br />
a serem terra outra vez.<br />
Que se incorporem as árvores<br />
hoje vigas. Volte o pó<br />
a ser pó pelas estradas".<br />
O poeta se refere à Morte das Casas de Ouro Preto,<br />
mas o seu poema se aplica à morte de todas as casas.<br />
Uma vez que cito um poeta, citarei as Sagradas Escrituras:<br />
"Escolhi e santifiquei este lugar, a fim de aí<br />
estar o meu nome e estarem fixos nele os meus olhos e<br />
meu coração". 2 Par., 7, 16.<br />
No começo do século XVII, o Rio de Janeiro possuia<br />
três conventos masculinos e o Colégio da Companhia. Mas<br />
não possuía um só convento de religiosas. "Coisa que o<br />
povo muito desejava", comenta Gastão Cruls, na sua<br />
Aparência do Rio de Janeiro (pág, 155, vol. I).<br />
O primeiro convento de freiras da cidade foi o da<br />
Ajuda. Durante cento e sessenta e um anos, de 1750 a<br />
1911, as religiosas ocuparam o mesmo edifício, no lugar<br />
em que hoje está a Cinelândia.<br />
"Depois de cento e sessenta e um anos, vai desaparecer<br />
o Convento das Religiosas da Conceição da Ajuda",<br />
escreve José Vieira Fazenda nas suas ricas Antiqualhas<br />
e Memórias, Revista do Instituto Histórico e Geográfico<br />
Brasileiro, tomo 95, vol. 149, (1924) Rio, Imprensa <strong>Nacional</strong>,<br />
1927.<br />
E acrescenta: "Em breve, entrarão em atividade a<br />
picareta e o camartelo, pondo por terra as antigas paredes<br />
de fortaleza desse feio casarão. Constituíra-se ele o<br />
ponto negro, a mancha do carvoeiro no meio da beleza<br />
e da magnificência da majestosa Avenida Central".<br />
64
Convento da Ajuda
Mas não só. "Que o sítio da antiga chácara do demandista<br />
Manuel Fernandes da Costa já não era próprio<br />
para uma casa claustral, as próprias freiras havia muito<br />
o reconheceram". E Vieira Fazenda ajunta com graça:<br />
"Elas não excomungarão os demolidores da casa inaugurada<br />
por Dom Frei Antônio do Desterro".<br />
Sim, Vieira Fazenda disse bem: "As religiosas abandonarão<br />
contentes seu antigo habitat. E, como a mulher<br />
de Lot, não olharão para trás. Vão em busca de novo<br />
ninho, solitário e silencioso, em que possam à farta exercer<br />
os rigores impostos pelo voto sagrado".<br />
Nós, sim, olharemos para trás. Vem, leitor, dá um<br />
salto comigo até o ano de 1750, ou até antes. O passado<br />
nos espera.<br />
Vamos pela mão dos eruditos de outrora, Baltasar<br />
Lisboa, Pizarro, Moreira de Azevedo, Melo Morais, o Padre<br />
Perereca e, primeiro de todos, Frei Agostinho de Santa<br />
Maria. E ouçamos a voz serena e retificadora de Vieira<br />
Fazenda. O passado...<br />
"Protetora dos homens do mar, sob a invocação de<br />
Nossa Senhora d'Ajuda, não admira fosse levantada nesta<br />
cidade, apenas se fundou, modesta ermida deste título,<br />
por devotos marinheiros, que freqüentavam o nosso porto".<br />
Assim Vieira Fazenda começa a história da Ajuda,<br />
nas Antiqualhas e Memórias do Rio de Janeiro, tomo 86,<br />
vol. 140 (1919) pág. 322.<br />
Não há a menor dúvida de que existiu antiga irmandade,<br />
segundo se lê nas Publicações do Arquivo Público,<br />
um requerimento da confraria, de 1688, pedindo privilégio<br />
de ter tumba própria, para enterro dos confrades, independente<br />
da Misericórdia. Foram juízes de tal sodalício<br />
os Governadores João da Silva e Sousa, Luís Cesar de<br />
Menezes e Duarte Teixeira Chaves, que, indo para a<br />
colônia do Sacramento, levou a bordo pequena imagem<br />
da Senhora d'Ajuda, igual à venerada na já antiga Capela.<br />
Nas Consultas do Conselho Ultramarino, 1674-1700, no<br />
códice pertencente ao Instituto Histórico, há subsídios<br />
para a história do antigo Convento da Ajuda, que vem<br />
dos primórdios da história do Rio de Janeiro.<br />
A capelinha de Nossa Senhora da Ajuda existia desde<br />
o século XVI, ermida de Nossa Senhora da Conceição da<br />
65
Ajuda, numa crista à beira do caminho que ia para o<br />
Morro do Desterro, entre as lagoas de Santo Antônio e do<br />
Boqueirão. Era o Caminho dos Arcos da Carioca, a Rua<br />
dos Barbonos, a Rua Evaristo da Veiga, onde o grande<br />
jornalista teve sua livraria.<br />
Barbonos, porque ali moraram, de 1742 a 1808, os Barbadinhos<br />
ou Barbonos, frades italianos, "pequeno e humilde<br />
hospício com sua capelinha," onde está hoje o vasto<br />
Quartel da Polícia Militar.<br />
O povo queria um convento de freiras. Começaram a<br />
reunir óbulos para esse fim. Mas o Governo da Metrópole<br />
não estimava esse plano, pela simples razão de que ao<br />
desenvolvimento da Colônia — ainda tão vazia — considerava<br />
muito mais conveniente que as mulheres buscassem<br />
o estado conjugal. O Conselho Ultramarino chegou a<br />
negar a licença pedida.<br />
A capelinha ficava onde é hoje o edifício da Câmara<br />
Municipal. Pois foi ela o começo da obra venerável do<br />
Convento da Ajuda. De 1670 a 1681, na ausência do Bispo,<br />
governava a Diocese do Rio, Francisco da Silveira Dias.<br />
Seu irmão Frei Cristóvão da Madre de Deus era o Guardião<br />
do Convento de Santo Antônio. Ambos cariocas. Ambos<br />
profundamente identificados com a sua Cidade. Ambos<br />
sacerdotes ilustres.<br />
Voltando Frei Cristóvão de uma viagem à Europa,<br />
conversou com seu irmão Administrador da Diocese a<br />
respeito da conveniência e urgência de logo fazer-se um<br />
Recolhimento de mulheres, que se transformaria mais<br />
tarde em Convento. E, assim, Dona Cecília Barbalho, pernambucana,<br />
viúva com três filhas, que residia numa chácara,<br />
se dispôs a entrar para o Recolhimento.<br />
O Administrador fez edificar uma casa em dois meses<br />
junto à ermida da Ajuda e nela se recolheram as senhoras<br />
e mais duas jovens, a 26 de julho de 1678, festa de<br />
Santana.<br />
Estas senhoras receberam o título de conversas. A<br />
pedra fundamental do novo convento foi lançada a 9 de<br />
julho de 1678, sendo Governador Matias da Cunha. Mas<br />
Lisboa resistia à idéia de um convento de freiras, na<br />
vasta e despovoada Colônia.<br />
66
As duas jovens, que se anexaram às Barbalhos, talvez<br />
sejam as duas irmãs de Frei Gaspar da Madre de Deus,<br />
de que fala Afonso Taunay, no prefácio à obra daquele<br />
religioso.<br />
Só em 1705 por provisão de 19 de fevereiro, se obteve<br />
a licença régia, a pedido de Dom Francisco de São Jerônimo.<br />
Dom Francisco aqui esteve de 1702 a 1721. O sucessor<br />
dele, o franciscano Dom Antônio de Guadalupe,<br />
não se interessou pela questão. Governou de 1725 a 1740.<br />
A provisão era assinada pela Rainha Dona Catarina,<br />
viúva do Rei da Inglaterra e Regente de Portugal, na<br />
doença do irmão de Dom Pedro II. O Conselho, em sessão<br />
de 16 de outubro de 1694, aprovara o simples projeto do<br />
Recolhimento. Agora, era aceita a perspectiva ampla de<br />
um Convento.<br />
Em maio de 1741, tomou posse da Diocese o carmelita<br />
descalço Dom João da Cruz. A obra do Convento estava<br />
parada, "sem aumento considerável", como lá diz Pizarro.<br />
Resolveu Dom João construir o edifício noutro lugar, mais<br />
perto do mar. A pedra fundamental, lançou-a a 14 de<br />
maio de 1742. Mas se foi ele transferido para Miranda,<br />
Portugal, em 1746.<br />
O monge beneditino Dom Frei Antônio do Desterro,<br />
que está enterrado no claustro do Mosteiro de São Bento,<br />
há dois séculos, chegou ao Rio como Bispo a 1 de dezembro<br />
de 1746 e tomou posse a 1 de janeiro de 1747. Entusiasmou-se<br />
Dom Frei Antônio com a obra e — a pedido dele<br />
— o Papa Bento XIV já concedeu a 24 de janeiro de 1748<br />
a ereção canónica através de um Breve. Deu-lhe o Papa<br />
a Regra de Santa Clara. Mas o Bispo recorreu à Santa<br />
Sé e obteve o Rescrito de 7 de janeiro de 1750, que lhe<br />
permitiu introduzir a Regra da Ordem da Conceição, fundada<br />
em 1484 por Beatriz da Silva e Menezes, que morreu<br />
em Toledo, 1490, com 66 anos.<br />
Em 1744, fundara-se o Mosteiro da Lapa, na Bahia,<br />
de religiosas.<br />
Em três anos, Dom Frei Antônio do Desterro concluiu<br />
as obras do Convento, risco do engenheiro brigadeiro<br />
José Fernandes Pinto Alpoim.<br />
67
Vieram quatro freiras do Convento da Bahia, como<br />
diz Melo Morais, e com elas começaram o seu noviciado<br />
canónico as recolhidas da Ajuda.<br />
"Muita gente, que passa pela frente do Convento da<br />
Ajuda, comenta Vieira Fazenda, ignora o que significa<br />
sobre a entrada da portaria a existência de um chapéu,<br />
encimando antigo brasão: são as armas do Bispo Dom<br />
Frei Antônio do Desterro".<br />
O Convento da Ajuda e o monge beneditino Dom Frei<br />
Antônio do Desterro formaram uma profunda unidade.<br />
O Bispo e as freiras, a primeira comunidade monástica<br />
feminina da Cidade do Rio. Freiras da Imaculada Conceição,<br />
freiras concepcionistas.<br />
A inauguração do Mosteiro foi impressionante. Foi um<br />
acontecimento público memorabilíssimo.<br />
Duzentos anos depois, Frei Pedro Sinzig, proferindo<br />
o sermão alusivo à data, já no Convento novo de Vila<br />
Isabel, inaugurado havia trinta anos, lamentava o contraste<br />
entre as celebrações públicas faustosas, intensamente<br />
populares, oficiais, mundanas até, e aquele tom<br />
discreto, íntimo, quase apagado, do bicentenário sem<br />
ruído.<br />
O frade franciscano e exímio musicista sublinhava<br />
o fato com melancolia e tirava dele uma advertência,<br />
uma lição, que exprimiu com um acento moralista. Os<br />
tempos haviam mudado.<br />
O edifício, sem grandes pretensões, observa Gastão<br />
Cruls, era uma pesada construção de dois andares, situado<br />
na Rua da Ajuda, esquina da Rua do Passeio, área<br />
atualmente ocupada pelo bairro Serrador ou Cinelândia.<br />
Grande casarão, só demolido em 1918, diz Cruls, e que,<br />
durante século e meio, pelas solenidades alegres e tristes<br />
que nele se realizaram, pelos folguedos populares, a que<br />
se associou, reunindo gente no seu pátio e arredores, e<br />
pela participação indireta que as suas recolhidas tinham<br />
na vida da cidade, deixou muitas reminiscências trazidas<br />
às páginas da história e do romance.<br />
Sepultaram-se na sua igreja a infanta Dona Mariana,<br />
tia do príncipe regente Dom João, a Rainha Dona Maria<br />
I, mãe de Dom João, a imperatriz Dona Leopoldina, esposa<br />
de Dom Pedro I, a princesa Dona Paula, filha deste, a<br />
68
primogênita natimorta da princesa Dona Isabel e do<br />
Conde d'Eu.<br />
A vida da Cidade misturou-se à vida conventual.<br />
Houve uma simbiose, uma relativa intimidade entre o<br />
povo e as suas freiras. Por ocasião das festas de fim de<br />
ano, escreve Cruls, se armava um dos mais esplendorosos<br />
presepes que a Cidade conhecia. O povo gostava de ver<br />
esse presepe e de ouvir o coro das monjas, a que Cruls<br />
chama "seráfico". As freiras da Ajuda se tornaram famosas<br />
pelos seus doces. As mães-bentas, as desmamadas, os<br />
pastéis de Santa Clara, canudos, suspiros. A Mãe Benta,<br />
inventora ou pelo menos divulgadora dos deliciosos bolinhos,<br />
esclarece Gastão Cruls, era uma preta que tinha<br />
por nome todo Benta Maria da Conceição e foi mãe do<br />
cónego Geraldo Leite Bastos. Faleceu em 1851. Suas gulodices,<br />
comenta Cruls, levavam-lhe à casa figuras importantes,<br />
um Padre Feijó, como escreveu Vieira Fazenda.<br />
As freiras tiravam lucro das suas habilidades. Forneciam<br />
pratos para mesas de batizados, casamentos e outras<br />
festanças. E Cruls lembra Machado de Assis nas Memórias<br />
Póstumas de Brás Cubas: "Veio abaixo toda a velha prataria<br />
herdada do meu avô Luís Cubas; vieram toalhas de<br />
Flandres, os grandes jarros da índia; matou-se um capado;<br />
encomendaram-se às madres da Ajuda as compotas<br />
e marmeladas". A família de Brás Cubas, para celebrar<br />
a primeira queda de Napoleão, dera um grande jantar...<br />
As três horas da tarde de 21 de novembro de 1749,<br />
chegavam as religiosas da Bahia e o navio, que as trouxe,<br />
foi saudado festivamente por salva das fortalezas.<br />
O Arcebispo Primaz permitiu a vinda de quatro religiosas,<br />
duas de coro e duas leigas ou conversas. As freiras<br />
deviam adotar as Constituições das Religiosas do Mosteiro<br />
da Luz, de Lisboa, não podendo receber mais de trinta e<br />
três postulantes.<br />
As monjas hospedaram-se no Hospício da Terra Santa.<br />
O edifício era perto, ficava no lado ímpar da Rua<br />
dos Barbonos.<br />
A Cidade tranqüila vibrou com a chegada das suas<br />
primeiras religiosas. Esperara tantos anos por elas. Desejada<br />
tanto que viessem. Sentira tanto a necessidade delas,<br />
69
da sua oração, do seu encanto, ou do seu sortilégio. "Deus,<br />
in adjutorium meum, intende. Domine, ad adjuvandum<br />
me, festina." A Cidade teria as suas cantoras místicas,<br />
as suas orantes, as pedintes espirituais que lhe falariam<br />
de Deus e falariam a Deus por ela.<br />
Houve um incrível alvoroço na Cidade quieta. O Governador<br />
interino, Matias Coelho de Sousa, mandou o<br />
filho, capitão Paulo Caetano, cumprimentá-las em companhia<br />
de José Pereira Pinto Alpoim e do juiz de fora<br />
Luís Antônio Rosado da Cunha.<br />
Dom Frei Antônio do Desterro estava em sua casa<br />
do Rio Comprido. Foi logo avisado. Permitiu o desembarque.<br />
Saltaram elas num cais existente no fundo da Casa<br />
dos Governadores, ali na Rua Direita, e seguiram à noite<br />
em seges para a Rua dos Barbonos.<br />
As escravas, trinta, iam a pé. Iluminaram-se as casas<br />
da Rua Direita, da Rua da Misericórdia, da Rua de São<br />
José, da Rua da Ajuda e da Rua dos Barbonos. A Cidade<br />
estava alegre.<br />
Em algumas casas, na sala de visitas, havia orquestra<br />
de amadores. Mas Gomes Freire, o Governador, estava<br />
ausente.<br />
Só a 30 de maio, um sábado, daquele ano feliz de<br />
1750, houve a solene inauguração do Convento de Nossa<br />
Senhora da Ajuda.<br />
As religiosas foram para o Mosteiro de São Bento, a<br />
que o Bispo era tão ligado. Formaram as tropas da guarnição.<br />
Folhas de mangueiras derramadas pelas ruas. Colchas<br />
de damasco nas sacadas e janelas. Foguetes. Repiques.<br />
Alegria pela Cidade. O povo a passear. A Cidade<br />
saudava as suas monjas. A procissão, formada por irmandades<br />
e ordens terceiras, clero regular e secular, percorreu<br />
as ruas entre São Bento e a Ajuda.<br />
O Cabido e o Bispo acompanhavam as religiosas. A<br />
Ordem da Penitência apresentou dois belos andores. Formaram<br />
em alas as tropas. Na esquina da Rua de São<br />
Pedro com a Rua Direita, onde estava o Oratório de Nossa<br />
Senhora do Amparo, a procissão parou, para que meninos<br />
vestidos de anjos espargissem flores sobre as religiosas, o<br />
Bispo e o Governador.<br />
70
Houve três descargas festivas, ao começar e ao acabar<br />
a procissão. Seguiu-se um tríduo, em que foram celebrantes<br />
e pregadores os Franciscanos, os Jesuítas, os Beneditinos,<br />
os Carmelitas, sendo pontífice o Bispo Dom Frei<br />
Antônio do Desterro, homem espiritual, monge de S.ão<br />
Bento, que amava a oração, valorizava a vida contemplativa,<br />
a vida mística e permaneceu no Seminário de São<br />
José, vizinho, onde houve um banquete.<br />
A igreja da Ajuda e parte do Convento estiveram<br />
abertas ao povo, para visitação piedosa. Foram três noites<br />
de festa. Em uma delas, representou-se uma peça de<br />
Metastásio.<br />
A Gazeta de Lisboa deu um resumo das grandes festividades<br />
em que povo, Governo, clero se uniam, para<br />
celebrarem a chegada das primeiras monjas.<br />
As freiras durante a procissão aparatosa levavam na<br />
mão direita uma vela e na esquerda um crucifixo. As festas<br />
externas eram bem ao gosto do tempo, com luminárias,<br />
música, préstito, fogos, celebrações litúrgicas.<br />
Dom Frei Antônio do Desterro deve de ser considerado<br />
o fundador da Ajuda. Nasceu em Viana de Lima, Portugal,<br />
a 4 de julho de 1694. Entrou nos Beneditinos em 1711.<br />
Morreu no Rio a 5 de dezembro de 1723, depois de governar<br />
a Diocese durante mais de um quarto de século.<br />
"Muito sofreu a velha casa claustral da Ajuda com<br />
a revolta de parte da Armada, em 1893." São palavras de<br />
Vieira Fazenda.<br />
"Para exercer misteres da minha profissão (era médico),<br />
entrei pela primeira vez no interior da Ajuda e<br />
pude observar os estragos feitos por uma bala no teto do<br />
templo e em várias outras dependências do convento.<br />
Apresentava este o aspecto tristonho de imenso casarão<br />
dos tempos coloniais: grande, feio, pesado, forte".<br />
Ainda Vieira Fazenda: "Tempos depois, lá voltei a<br />
convite ainda do monsenhor Eduardo (de Carvalho Rodrigues),<br />
para substituir o médico das religiosas, que se<br />
achava enfermo. Pasmosa transformação se havia operado<br />
graças à atividade daquele digno e exemplar sacerdote, a<br />
cuja memória as religiosas da Ajuda votam, perpétua e<br />
justa gratidão."<br />
71
Pelas colunas de A Notícia, Vieira Fazenda publicou<br />
então a minuciosa descrição do notável chafariz das Saracuras,<br />
obra artística, feita com material de nossas pedreiras<br />
e ornatos de bronze fundidos no Arsenal de Guerra.<br />
"Esta fonte foi erguida pela gratidão de uma Abadessa<br />
da Ajuda ao Conde de Resende. Este Vice-Rei concedera<br />
às religiosas uma pena d'água derivada dos encanamentos<br />
da Carioca. A água era conduzida do Morro<br />
de Santo Antônio por um cano, que atravessava ao alto<br />
a Rua dos Barbonos e ia terminar no interior da chácara<br />
do Convento. As religiosas foram forçadas a uma desapropriação<br />
que deu em resultado a abertura da Rua Senador<br />
Dantas, no sítio em que existiam outrora casinhas compradas<br />
pelo Bispo Dom João da Cruz, e terrenos dos frades<br />
do Carmo, adquiridos pelo Bispo Dom Antônio do Desterro,<br />
para maior extensão da chácara conventual".<br />
A entrada de 1750 foi principesca. A salda de 1911<br />
foi discreta, de automóvel, ao amanhecer.<br />
Foram para a Tijuca, para a Rua Conde de Bonfim.<br />
Onde o Te Deum magnífico, que se cantara em São Bento,<br />
em 1750, com dois coros de música? Onde o esplendor das<br />
festas públicas? O primeiro caminho foi de São Bento à<br />
Ajuda, a pé. O segundo caminho foi quase de madrugada,<br />
de carro, entre a Ajuda e a Tijuca.<br />
O Aviso de Nabuco de Araújo, em 1855, fechara os noviciados<br />
do Brasil. Despovoou-se o Convento da Ajuda. Moreira<br />
de Azevedo minuciosamente descreveu o interior do<br />
Convento. E Vieira Fazenda deteve-se com volúpia diante<br />
do chafariz das Saracuras, por ele descrito, um artístico<br />
e monumental chafariz erguido no pátio central, em agradecimento<br />
ao conde de Resende que, em 1799, concedera<br />
às freiras um anel d'água.<br />
A bela imagem da Senhora da Piedade, que se via na<br />
antiga igreja da Ajuda, foi louvada por Vieira Fazenda.<br />
"Sempre respeitadas e dignas da consideração do<br />
nosso povo foram e são as religiosas da Ajuda", ponderou<br />
o mesmo Vieira Fazenda (Antiqualhas e Memórias, Revista<br />
do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, tomo<br />
86, vol. 140 (1919) Rio, Imprensa <strong>Nacional</strong>, 1921, pág. 49).<br />
A primeira Abadessa se elegeu a 28 de maio de 1751.<br />
Os restos mortais da infanta Dona Mariana e da Rainha<br />
72
Dona Maria I voltaram para Portugal em 1821. Havia<br />
quatro monjas no Mosteiro em 1889. A Abadessa morrera<br />
a 6 de novembro de 1889, nove dias antes da morte da<br />
Monarquia. Pedira tanto à Princesa Isabel que obtivesse a<br />
abertura do noviciado canónico.<br />
Reabriu-se o noviciado em 1 de julho de 1891.<br />
A 19 de outubro de 1911, monsenhor Alves, capelão,<br />
celebrou a última Santa Missa no velho Convento de<br />
Nossa Senhora da Ajuda. Eram quatro horas da manhã.<br />
Deu a Comunhão às monjas. Mandou apagar as luzes do<br />
Santíssimo. Eram cinco horas e quinze quando os automóveis<br />
partiram com as monjas emocionadas — iam para a<br />
Tijuca, para o número 290 da Rua Conde de Bonfim. Lá,<br />
ficariam nove anos, quase. O Cardeal Arcoverde visitara<br />
pessoalmente a nova casa, a 18 de outubro. E achara que<br />
tudo estava bem.<br />
Ao chegarem as freiras à Tijuca, anunciaram à sua<br />
nova vizinhança a chegada da comunidade tangendo o<br />
pequeno sino da torre improvisada. Tudo começava outra<br />
vez.<br />
"Il faut toujours recommencer", dizia Péguy.<br />
Era a festa litúrgica de São Pedro de Alcântara, franciscano.<br />
A 26 de julho de 1920, mudaram-se para o convento<br />
que se ergueu em Vila Isabel, no mesmo dia e no mesmo<br />
mês em que Dona Cecília Barbalho com suas filhas e<br />
algumas jovens entrara em 1678 para o humilde Recolhimento<br />
da Senhora da Ajuda, na esperança de que viesse<br />
um dia a ser Convento. Em 1926, houve a beatificação da<br />
fundadora da Ordem, Madre Beatriz da Silva e Menezes.<br />
O velho Convento da Ajuda fora desapropriado por<br />
escritura de 4 de julho de 1911.<br />
Pondera, leitor gentil, que o destino dos homens, das<br />
mulheres e das comunidades (mesmo as religiosas, as místicas)<br />
é feito de sombra e de luz. "Dies diei éructât verbum,<br />
nox nocti indicat scientiam", canta o Salmista, que<br />
nossas monjas milhares de vezes — em milhares de vozes<br />
— repetiram. Milhares? Ou centenas?...<br />
Vai, leitor generoso, tecendo o fio da tua meditação<br />
a respeito da vida silenciosa e humilde das monjas, que<br />
75
serviram a esta Cidade. Pensa nos dias, nas horas, nos<br />
minutos, que um após outro se passaram, o dia que entrega<br />
ao outro dia a palavra, a noite que indica à noite<br />
a sabedoria. Foi Machado quem nos disse, com aquela<br />
sua graça inimitável — "Eu gosto de catar o mínimo e<br />
o escondido". É uma palavra sua de 1897, novembro, quando<br />
as monjas ainda estavam no seu antigo Convento,<br />
perto do mar.<br />
Muitas vezes, leitor paciente, o velho céptico e as paredes<br />
do Mosteiro se defrontaram, na cotidianidade simples<br />
da vida. Que terá pensado ele destas velhas paredes,<br />
destas monjas, desta vida contemplativa que por tantos<br />
anos infindáveis ali se viveu?... Machado moço, Machadinho,<br />
Machado maduro, o que escreveu as Memórias Póstumas,<br />
em que aparecem as monjas doceiras, Machado<br />
velho e desencantado, irmão do Conselheiro Aires... Todos<br />
passaram por ali e olharam aqueles muros, em que se<br />
escondeu tanta vida.<br />
70
LITERATURA: A PROSA<br />
Homero Senna
"BELLE ÉPOQUE": REALIDADE OU FANTASIA?<br />
É sabido que o livro de Brito Broca — A Vida Literária<br />
no Brasil — <strong>1900</strong> — procurou focalizar um período da<br />
nossa evolução social que ficou conhecido como a belle<br />
époque. 1 Para os franceses, esse período se situa entre<br />
a última década do século passado e a primeira guerra<br />
mundial, terminando naquele agosto trágico de 1914. Para<br />
nós, a belle époque, como notou o ágil e saudoso ensaísta,<br />
teve uma espécie de suplemento, prolongando-se no decurso<br />
da guerra, até 1918.<br />
Todos os capítulos do seu livro são pequenos ensaios<br />
sobre o teor de vida, os hábitos, as preferências, as manias<br />
dos escritores brasileiros do "<strong>1900</strong>", retratando as influências<br />
que sofriam, como a sedução de Paris, o "helenismo",<br />
Wilde, Nietzche, Ibsen, Tolstoi, etc.<br />
Assim, há de ter sido meio desconcertante para ele,<br />
Que com tanto carinho e competência se dedicara a levantar<br />
aquele movimentado painel do nosso "<strong>1900</strong>" literário,<br />
a observação de Eduardo Frieiro, em resenha que,<br />
na revista Kriterion, publicou sobre o seu livro. 2<br />
Nessa recensão, observa o prosador mineiro: "Na realidade,<br />
nem lá (na França) nem cá houve belle époque<br />
n em douceur de vivre. Simples etiquetas, sem maior ex-<br />
Pressão. A vida é como é, para cada um".<br />
Em apêndice à segunda edição do seu livro, num capítulo<br />
intitulado "A Guisa de Conclusão", referiu-se Brito<br />
Broca ao comentário de Frieiro, o qual, a seu ver, poderia<br />
ser levado à conta do gosto excessivo de desencantador<br />
77
de mitos que caracteriza o autor de A Ilusão Literária.<br />
conhecido pelo seu visceral ceticismo.<br />
Mas, impressionado, sem dúvida, pela crítica, inclinou-se<br />
a dar razão a Frieiro, citando, a propósito, um trecho<br />
do livro de memórias do jornalista francês Edouard<br />
Hersey — Envoyé Spécial — publicado em 1955 pela Livraria<br />
Arthème Fayard e que o cronista do "<strong>1900</strong>" brasileiro<br />
talvez só tenha lido depois da publicação, em 1956,<br />
da primeira edição do seu livro:<br />
Ignoro quem imaginou pela primeira vez<br />
batizar de belle époque o período de alguns anos<br />
que circundam o milésimo de <strong>1900</strong>. Suponho<br />
tenha entrado nas suas intenções uma parte<br />
de ironia. É pouco provável que tal criatura<br />
chegasse a medir a crueldade da expressão. A<br />
gente de hoje não conseguirá fazer idéia dos<br />
abismos de miséria que se escondiam no Paris<br />
brilhante daquele tempo.<br />
E concluía Brito Broca: "Talvez Frieiro esteja com a<br />
razão. A euforia do nosso "<strong>1900</strong>" podia esconder também<br />
muitos abismos". 3<br />
Está claro que escondia. Mas nem por isso a observação<br />
de Frieiro se torna procedente, parecendo-nos, do<br />
mesmo modo, destituído de maior fundamento o trecho<br />
de memórias de Edouard Hersey, acima transcrito. E temos<br />
para nós que, se Brito Broca tivesse meditado um pouco<br />
mais no assunto, provavelmente não concordaria com<br />
Frieiro, nem teria ido buscar, no livro do jornalista francês,<br />
aquele depoimento que aparentemente dá razão ao<br />
ensaísta de Os livros, Nossos Amigos.<br />
O período em questão por certo não foi, para a humanidade,<br />
um mar de rosas. A França, enfraquecida após a<br />
derrota de 1870, viu-se atormentada por lutas interiores.<br />
Houve a comuna e a 3. a República. Em 1881 o Czar Alexandre<br />
II era vítima de um grupo de extremistas que<br />
espalhavam o terror por toda a Rússia. Pouco depois, em<br />
1894, como conseqüência da propaganda anarquista, era<br />
assassinado em Lyon o presidente Carnot. Seis anos mais<br />
tarde, quem caía vítima de novo atentado terrorista era<br />
78
o rei Umberto I, da Itália. Em 1905 estourava a guerra<br />
russo-japonesa. Três anos depois, num clima de grande<br />
agitação, o rei D. Carlos, de Portugal, e o príncipe herdeiro<br />
D. Luís Filipe eram assassinados em Lisboa. E desde<br />
1888 pairava sobre a Europa a ameaça imperialista do<br />
Cáiser Guilherme II, cuja política acabaria conduzindo<br />
à l. a Grande Guerra.<br />
Malgrado todos esses fatos, bem indicativos da inquietação<br />
social que lavrava nos subterrâneos da vida<br />
política européia, e que, evidentemente, não faziam desse<br />
período um manso lago azul, diante do que veio depois<br />
— sobretudo o conflito mundial de 1914-1918 e a revolução<br />
russa de 1917 — ficou sendo ele a belle époque.<br />
Onde a burguesia européia poderia encontrar, depois<br />
desses trágicos e inquietantes acontecimentos, que marcariam<br />
tão fundamente o nosso tempo, a ãouceur de vivre?<br />
A denominação, que para Frieiro parece uma simples etiqueta,<br />
há de ter sido criada, no intervalo das duas guerras,<br />
sem qualquer intenção de ironia, por uma geração que<br />
podia comparar as condições de vida antes e depois de<br />
1914, e suspirar pelo bon vieux temps, em que, apesar<br />
de todos aqueles prenúncios desagradáveis, a vida era<br />
incomparavelmente mais sedutora, tranqüila e aprazível.<br />
Do ponto de vista social, a miséria da belle époque<br />
era por certo enorme, terríveis as condições de vida dos<br />
operários, sobretudo das crianças, nas primeiras fábricas<br />
que se instalavam. Mas, para as classes dominantes, que<br />
não lhe haviam sofrido os horrores, e perdiam a alegria<br />
de viver, diante não só das desgraças conseqüentes àqueles<br />
acontecimentos, mas também das novas ameaças que<br />
se levantavam, pondo em risco os privilégios em que tradicionalmente<br />
assentavam seu estilo de vida, nada mais<br />
legítimo do que suspirar pelos anos de outrora, relativamente<br />
tranqüilos, e batizá-los, sem qualquer ironia, antes<br />
com funda saudade, de belle époque.<br />
Foi a réplica brasileira desse período que Brito Broca<br />
estudou no seu livro. Aqui, evidentemente, as condições<br />
sociais e políticas eram outras. Mas como, então, as nossas<br />
elites viviam ainda com os olhos em Paris, e como sofreram<br />
também, de qualquer forma, os efeitos daqueles acontecimentos,<br />
é natural se tenham deixado influenciar pelo<br />
79
inconformismo e pela atitude saudosista da burguesia européia,<br />
que perdeu, com a belle époque, a douceur de vivre.<br />
É a literatura brasileira em prosa, nesse período, ou,<br />
mais precisamente, de <strong>1900</strong> a <strong>1910</strong>, que nos cabe estudar<br />
neste pequeno ensaio.<br />
UM CONTRASTE SINGULAR<br />
Na sua conferência Rui Barbosa e o Código Civil, San<br />
Tiago Dantas traça um breve mas admirável panorama<br />
do curioso contraste observado entre a situação econômica<br />
e a vida intelectual brasileira nos últimos anos do<br />
século passado e primeiros deste.<br />
"Um país subdesenvolvido e pobre, governado pela oligarquia<br />
e nutrido por uma vida intelectual pujante e vária<br />
— tal era o Brasil de Campos Sales, à véspera das<br />
primeiras realizações materiais do governo de Rodrigues<br />
Alves" — observa o saudoso jurista.<br />
E prossegue, acentuando que quando o governo de<br />
Campos Sales incumbiu Clóvis Beviláqua da grande tarefa<br />
de redigir o projeto do Código Civil, "um contraste singular<br />
reinava entre a economia e a inteligência, entre a<br />
situação de debilidade material do País e a força com que<br />
irrompiam os sinais de uma nova mentalidade".<br />
Lembra ainda que, em 1901, o advogado Edmundo Bittencourt<br />
funda o Correio da Manhã. E, dando o devido<br />
destaque a um ano, na verdade excepcional, na vida literária<br />
brasileira, acentua: "Em 1902 já aparece o Canaã<br />
de Graça Aranha. 4 Nesse mesmo ano, surge o livro que<br />
voltaria a inteligência brasileira para a compreensão do<br />
meio físico, e marcaria um dos eixos permanentes de nossa<br />
vida cultural: Euclides da Cunha publica Os Sertões". 5<br />
A difícil situação econômica que o país atravessava,<br />
na encruzilhada do século, foi também objeto de acerbo<br />
comentário de José Veríssimo. Este, porém., talvez pela<br />
proximidade do que, no campo literário, estava acontecendo<br />
à sua volta, não chegou a perceber a antinomia<br />
apontada por San Tiago Dantas, e, em artigo de 1901,<br />
acentuava, com pessimismo:<br />
80
Com exceção dos governantes, sempre em<br />
toda a parte, em todos os tempos, e até nas<br />
vésperas e na iminência das revoluções e das<br />
catástrofes, otimistas, todos sabem e sentem as<br />
desgraçadíssimas condições, materiais e morais,<br />
do nosso país. E desta vez não é lugar-comum<br />
das oposições políticas, "coisa que não há'',<br />
como de cristãos dizia muito bem o D. João<br />
do poeta português, senão fato real, incontestável,<br />
tangível por assim dizer. 6<br />
SURGE UM NOVO JORNAL<br />
Já vimos que, em 1901, fundava-se o Correio da Manhã,<br />
jornal de combate e oposição, cujos editoriais alcançavam<br />
a maior repercussão e freqüentemente acuavam o<br />
Governo. Para crítico literário desse novo órgão foi convidado<br />
José Veríssimo.<br />
Em artigo sobre "O Primeiro Crítico do Correio da<br />
Manhã", publicado numa das edições comemorativas do<br />
cinqüentenário do jornal Alvaro Lins, seu sucessor na<br />
década de 40, traçou o perfil moral e intelectual do autor<br />
dos Estudos de Literatura Brasileira. E nos conta como<br />
eram apresentados os seus artigos, e sobre o que escrevia<br />
ele:<br />
Nesta primeira fase, a crítica literária do<br />
Correio não era oferecida aos leitores num dia<br />
rigorosamente certo da semana. De preferência,<br />
os artigos de Veríssimo apareciam às segundas-feiras<br />
— e não haveria nesta escolha<br />
uma sugestão dos Lunãis de Sainte Beuve? —<br />
mas, em algumas outras semanas, surgiam às<br />
terças ou quartas-feiras. Não havia rubrica geral,<br />
encimando cada artigo apenas o seu título<br />
particular. Não adotara ainda o Correio, para<br />
a crítica literária, o sistema de rodapé, ficando<br />
este reservado à publicação dos romances em<br />
folhetins. Vê-se, porém, que a crítica era uma<br />
matéria valorizadíssima, pelo espaço que .podia<br />
81
ocupar e pelo local em que era estampada. Aparecia<br />
nas primeiras colunas da primeira página,<br />
no mesmo local em que escreviam artigos<br />
políticos Edmundo Bittencourt, Manuel Vitorino,<br />
Lauro Sodré, Ubaldino do Amaral, vindo<br />
logo em, seguida, diariamente, o de Gil Vidal.<br />
Às vezes, o artigo de José Veríssimo ocupava<br />
meia página.<br />
A respeito dos assuntos de que tratava o crítico, esclarece<br />
Alvaro Lins: "Escrevia sobre autores nacionais e<br />
estrangeiros, ora estudando uma obra só em todo um<br />
artigo quando lhe parecia importante, ora examinando<br />
várias delas, dezenas, às vezes, num só dia". 7<br />
UMA REVELAÇÃO<br />
O país podia ser pobre, e estar atravessando uma<br />
das fases mais difíceis da sua vida econômica. Ao lado<br />
disso, ou a despeito disso, havia, porém, um surpreendente<br />
florescimento das letras, como a provar serem elas, ao<br />
mesmo tempo, "uma função social necessária" e "um fato<br />
da vontade individual".<br />
A comprovação de tal circunstância tivemos no final<br />
de 1902, com a publicação de Os Sertões, de Euclides da<br />
Cunha. Costuma-se dizer que esse livro foi publicado "no<br />
final de 1902". O artigo de José Veríssimo sobre ele traz<br />
a data de 3 de dezembro desse ano. Ora, só para ler o<br />
grosso volume, o crítico teria levado algum tempo. Qual<br />
a data exata, então, do seu aparecimento?<br />
Esta, hoje, é difícil de precisar. Olímpio de Sousa Andrade<br />
— o grande especialista em Euclides — baseandose<br />
em duas cartas do escritor a Francisco Escobar, uma<br />
datada de 10 de agosto, em que dizia ter ido ao Rio<br />
acertar com os editores o dia exato do lançamento, e<br />
outra de 19 de outubro, "na qual, muito alarmado, comunicava<br />
ter recebido carta do amigo a respeito da leitura<br />
de Os Sertões, onde aquele encontrara numerosos senões<br />
de revisão, conclui que o livro deve ter sido lançado entre<br />
esses meses, e não em dezembro. 8<br />
82
No princípio do século, como se sabe, as obras dos<br />
autores brasileiros se editavam, na sua grande maioria,<br />
na Europa. Significativamente, visto tratar-se de um livro<br />
que nos fazia despregar os olhos do Velho Continente e<br />
encarar mais de perto os nossos graves problemas, a obra<br />
de estréia de Euclides da Cunha foi lançada por uma<br />
editora que, embora pertencente a estrangeiros, era sediada<br />
no Rio: Laemmert & Cia. As provas tipográficas da<br />
epopéia de Canudos não tiveram, assim, de atravessar<br />
o Atlântico, num e noutro sentido, como as da maioria<br />
dos livros brasileiros da época, e o máximo que lhes aconteceu<br />
foi viajar do Rio até Lorena, no Estado de São Paulo<br />
(onde o escritor então residia), e vice-versa.<br />
A casa Laemmert & Cia., no ano anterior, havia publicado<br />
a Tormenta, de Coelho Neto, e desde alguns anos<br />
vinha editando autores nacionais. Mas, no caso de Euclides,<br />
apesar da apresentação entusiástica de Lúcio de<br />
Mendonça, o editor, como tantas vezes tem acontecido,<br />
não confiou no livro, ou teve medo do excessivo volume<br />
dos originais. E — sirva isto de consolo aos plumitivos<br />
que ainda hoje não encontram quem queira editar suas<br />
poesias, seus contos, romances ou ensaios — Euclides teve<br />
de financiar, ele próprio, a edição, com um conto e quinhentos,<br />
"mais ou menos duas vezes o seu ordenado",<br />
segundo o já referido Olímpio de Sousa Andrade. 9<br />
O livro causou um impacto fora do comum. E coube<br />
a José Veríssimo a glória de ter escrito o primeiro artigo<br />
sobre ele, intitulado "Uma história dos sertões e da Campanha<br />
de Canudos", publicado na edição de 3 de dezembro<br />
de 1902 do Correio da Manhã. 10<br />
Como notou Alvaro Lins, "Euclides era um novo, um<br />
nome desconhecido, que se apresentava ao crítico apenas<br />
c °m a obra-prima do seu livro de estréia". No entanto,<br />
Veríssimo, ao contrário do editor Laemmert, não se engana<br />
e saúda o estreante desconhecido com entusiasmo e<br />
segura confiança no seu talento:<br />
O livro, por tantos títulos notável, do Sr.<br />
Euclides da Cunha, é ao mesmo tempo o livro<br />
de um homem de ciência, um geógrafo, um<br />
83
geólogo, um etnógrafo; de um homem de pensamento,<br />
um filósofo, um sociólogo, um historiador;<br />
e de um homem de sentimento, um<br />
poeta, um romancista, um artista, que sabe ver<br />
e descrever, que vibra e sente tanto aos aspectos<br />
da natureza como aos contactos do homem,<br />
e estremece todo, tocado até ao fundo d'alma,<br />
comovido até às lágrimas, em face da dor humana,<br />
venha ela das condições fatais do mundo<br />
físico, as secas que assolam os sertões do norte<br />
brasileiro, venha da estupidez ou maldade dos<br />
homens como a campanha de Canudos.<br />
Era o início da consagração do grande livro e de seu<br />
autor.<br />
Enquanto isso, Euclides se achava em Lorena, no vale<br />
do Paraíba, como engenheiro de obras públicas do Estado<br />
de São Paulo. Era Chefe do 2.° Distrito, com sede em<br />
Guaratinguetá. Mas como as condições de vida em Lorena<br />
lhe parecessem mais favoráveis, preferiu fixar residência<br />
nessa cidade vizinha. Em carta a José Veríssimo, agradecendo<br />
o artigo elogioso, queixava-se da sua situação de<br />
" commis-voyaqeur da engenharia". 11 E pouco depois, escrevendo<br />
a Araripe Júnior, que também se ocupara do<br />
livro, num artigo consagrador, desabafava: "Eu creio, porém,<br />
que sairei breve desse desvio morto da Engenharia,<br />
sem descarrlhar; aproveitarei o primeiro triângulo de<br />
reversão aue aparecer, e avançarei na minha verdadeira<br />
estrada". 12<br />
Conseguiu ele, de fato, sair daquele "desvio morto da<br />
Engenharia". Veio para o Rio, recebeu importantes missões<br />
do Barão do Rio Branco, então Ministro das Relações<br />
Exteriores, foi eleito para o Instituto Histórico e a Academia,<br />
viajou até o Amazonas, prestou concurso para professor<br />
do Colégio Pedro II, publicou outros livros igualmente<br />
notáveis: Contrastes e Confrontos, Porto, 1907; Peru<br />
versus Bolívia, Rio, 1907; e A Margem da História, Porto,<br />
1909. No primeiro desses volumes, é que figura aquele perfil<br />
admirável do Marechal de Ferro, e foi ele que inspirou<br />
a Araripe Júnior seu estudo "Dois grandes estilos", publi-<br />
84
cado no Jornal do Commercio de 3-2-1907, e hoje incluído<br />
no IV volume da sua Obra Crítica, editada pela <strong>Fundação</strong><br />
Casa de Rui Barbosa.<br />
Se Euclides, graças, sobretudo, à sua amizade com<br />
o Barão do Rio Branco, conseguiu sair "do desvio morto<br />
da Engenharia, sem descarrilhar", o mesmo não logrou<br />
fazer em relação a problemas familiares, de ordem pessoal.<br />
E no dia 15-8-1909 tombava assassinado na Estrada<br />
Real de Santa Cruz, no subúrbio da Piedade, no Rio. Agrippino<br />
Grieco, morador nas redondezas, costumava contar<br />
que, passeando, a pé, naquela manhã de domingo, viu o<br />
cadáver estendido na calçada. E nem de longe supôs que<br />
ali estava o corpo do grande escritor, que ele tanto admirava.<br />
Sua morte desfalcou as letras brasileiras de um de<br />
seus valores mais originais e autênticos, desaparecido, tragicamente,<br />
aos 43 anos de idade...<br />
NOSSO PRIMEIRO ROMANCE IDEOLÓGICO<br />
Em seu ensaio "Cinqüenta anos de literatura", publicado<br />
inicialmente na mesma edição comemorativa do Corr<br />
eio da Manhã, a que acima nos referimos, Lúcia Miguel-<br />
Pereira, com a acuidade de sempre, aludindo à obra de<br />
Euclides e a outro livro aparecido, também, em 1902, escreve:<br />
Floresta impressionante, Os Sertões contribuíram<br />
talvez quase tanto para o arrevesamento<br />
da linguagem — com que se deleitaram<br />
Alcides Maia e Alberto Rangel — quanto para<br />
o conhecimento do país, o que não é dizer<br />
pouco. E, saído no mesmo ano de 1902, um<br />
romance, nosso primeiro romance social, o<br />
Canaã, de Graça Aranha, levaria para o gênero<br />
ênfase não semelhante, mas equivalente, que<br />
de algum modo se refletiria em Luzia-Homem,<br />
de Domingos Olímpio, publicado em 1903, contrariando-lhe<br />
o forte cunho regional.<br />
85
Tendo agradado, principalmente, pelo "artifício girandoloso<br />
do estilo", o romance de Graça Aranha confirma<br />
a observação de Lúcia Miguel-Pereira, de que, ressalvadas<br />
as exceções de praxe, escrevia-se então "com<br />
a evidente preocupação da frase brilhante, alcandorada<br />
e, sobretudo, arquitetônica", já que a voga favorecia a<br />
eloqüência, "que se pôs a transbordar dos discursos para<br />
os ensaios, para os romances e até para a poesia".<br />
Era a preamar parnasiana, que levava Coelho Neto<br />
a escrever, referindo-se à Forma, numa réplica à "Profissão<br />
de Fé", de Bilac: "Por ela o meu sangue, toda a<br />
minha alma para resguardá-la: é o meu amor, é o meu<br />
ídolo, é o meu ideal". 13<br />
Como observa, ainda, a mesma ensaísta, passara "da<br />
poesia à prosa o gosto das palavras altissonantes e sobretudo<br />
de arquitetura verbal, da frase redonda e cheia, descrevendo<br />
harmoniosa parábola".<br />
Ora, o Canaã, de Graça Aranha, inseria-se, com perfeição,<br />
nesse contexto, e era, além disso, sob muitos aspectos,<br />
um livro revolucionário. Traindo a influência do<br />
germanismo da Escola do Recife, é muito mais um romance<br />
de idéias do que de ação. Como diria, muito mais<br />
tarde, Agrippino Grieco, em entrevista que nos concedeu,<br />
"Canaã é um mau modelo de romance, porque todo desconexo,<br />
sem a preocupação da unidade, mas que excelente<br />
coletânea de morceaux choisisVM<br />
Por este ou por aquele motivo, a verdade é que o<br />
livro fez carreira, não só no Brasil, mas igualmente no<br />
exterior. Em <strong>1910</strong> aparecia a tradução francesa de Clement<br />
Gazot, com prefácio do Conde Prozor, para o que, sem<br />
dúvida, também contribuiu a posição do autor, como diplomata<br />
que era. E foi essa projeção extrafronteiras<br />
do romance que preocupou Gilberto Amado. Em artigo<br />
N'0 País, de 11-12-<strong>1910</strong>, sustentava ele que Canaã era "o<br />
mais vigoroso libelo contra o Brasil e a mais definitiva<br />
condenação que ainda se escreveu sobre o caráter de um<br />
povo". Reconhecia que Graça Aranha dizia, talvez, verdades,<br />
"mas são as que mais nos humilham, as que mais<br />
corroboram a idéia que o europeu tem da nossa incapacidade<br />
orgânica para fundar uma civilização, constituir<br />
uma nacionalidade". O "derrotismo etnográfico" do dis-<br />
86
cípulo de Tobias Barreto assustava o pensador que, pouco<br />
depois, sustentaria a tese de que "de sermos mestiços<br />
e mulatos devemos ter, senão orgulho, ao menos a consciência<br />
de que o sermos não implica inferioridade nenhuma.<br />
Mulatos e mestiços fizeram uma cousa extraordinária:<br />
o Brasil". 15<br />
Com pontos de vista tão opostos, não admira que<br />
Gilberto Amado e Graça Aranha jamais tenham conseguido<br />
entender-se...<br />
A REDAÇÃO DO CÓDIGO CIVIL<br />
Não param aí, porém, os grandes acontecimentos literários<br />
de 1902, pois precisamos não nos esquecer de que<br />
desse mesmo ano é o Parecer sobre a redação do Código<br />
Civil, de Rui Barbosa. Datado de 13-4-1902, foi publicado<br />
no Diário do Congresso <strong>Nacional</strong>, Suplemento ao n o 126,<br />
de 27-7-1902. A edição da Imprensa <strong>Nacional</strong>, num volume<br />
de 561 páginas, sairia também nesse mesmo ano.<br />
E foi outro formidável impacto. San Tiago Dantas,<br />
na conferência acima citada, já explicou as razões desse<br />
parecer arrasador: Rui queria estudar a parte jurídica<br />
do Código, e dar a sua contribuição ao aprimoramento<br />
dos nossos institutos de Direito Civil. O projeto, porém,<br />
chegara ao Senado em regime de urgência "urgentíssima",<br />
como hoje se diria. Não havia tempo, portanto, para<br />
o estudo jurídico que o mestre pretendia fazer. Conhecendo<br />
o Brasil, e sabendo a importância que sempre demos,<br />
aqui (como ainda hoje), às questões gramaticais,<br />
resolveu torpedear o projeto, não porque ele contivesse<br />
defeitos de ordem jurídica, mas sim porque estava inçado<br />
de heresias estilísticas, escrito em caçanje.<br />
A contribuição que deu à melhoria da redação do<br />
Código é inestimável, e pode ser avaliada em toda a sua<br />
riqueza e extensão no livro de Fernando Néri — Rui<br />
Barbosa e o Código Civil (Rio de Janeiro, Imprensa <strong>Nacional</strong>,<br />
1931).<br />
Com esse parecer, Rui conseguiu, realmente, o seu intento,<br />
e a tramitação do projeto, no Congresso, foi retardada<br />
por nada menos de 14 anos, pois o Código só seria<br />
87
aprovado pela Lei n.° 3.071, de 1 de janeiro de 1916. Apesar<br />
disso, o grande publicista não teve tempo, ou oportunidade<br />
de concluir o seu estudo sobre os aspectos jurídicos<br />
do Código, estudo esse que ficou restrito aos primeiros<br />
vinte artigos da Parte Geral.<br />
O efeito, porém, do parecer em que apontava as imperfeições<br />
estilísticas do projeto, foi enorme. Como se sabe,<br />
acendeu-se grande polêmica sobre o assunto, e o debate<br />
com Carneiro Ribeiro (que na Réplica, de Rui, atingiu seu<br />
ponto mais alto) apaixonou os espíritos e aguçou o gosto<br />
dos brasileiros pelas discussões de ordem gramatical. A<br />
Réplica foi publicada, inicialmente, no Diário do Congresso<br />
<strong>Nacional</strong>, Suplemento ao n.° 120, de 10-10-1903, sendo que<br />
sua primeira impressão em livro (edição da Imprensa <strong>Nacional</strong>),<br />
num volume de 600 páginas, apareceu em 1904.<br />
Sobre a repercussão e influência desse trabalho de<br />
Rui, há o testemunho de João Mangabeira, que nem por<br />
partir de um de seus discípulos mais devotados, pode ser<br />
considerado suspeito:<br />
... o amor e o zelo pela língua portuguesa<br />
se podem, nitidamente, dividir entre nós em<br />
duas fases: antes e depois da Réplica. Na primeira,<br />
apenas os gramáticos e os especialistas<br />
timbravam no apuro da linguagem. No mais,<br />
o descuido, o descaso, o desalinho. Basta ler os<br />
escritos e discursos dos maiores vultos do Império.<br />
Na segunda, todos os homens, de todas<br />
as posições, em todas as emergências, cuidam<br />
do asseio vernáculo, dando cada um de si o<br />
mais que pode. 10<br />
A polêmica Rui-Carneiro Ribeiro; os artigos de Cândido<br />
de Figueiredo sobre "O que se não deve dizer", publicados<br />
no Jornal do Commercio, e reunidos em livro em<br />
1903, por uma editora de Lisboa; colunas como a que<br />
Cândido Lago mantinha no Correio da Manhã, sob o<br />
título "O que é correto", criaram, no público, uma excessiva<br />
preocupação com o vernáculo, visto do lado do "casticismo<br />
português". Ninguém, escrevendo, queria errar, incidir<br />
na crítica desses mestres. O purismo gramatical tor-<br />
88
nou-se palavra de ordem, e com isso a língua portuguesa<br />
passou a ser considerada das mais difíceis de se falar e<br />
escrever corretamente.<br />
O seguinte depoimento de José Veríssimo é bastante<br />
expressivo a respeito do estado de espírito em que então<br />
viviam os escritores:<br />
Oh! Esta nossa língua portuguesa, quem<br />
pode jactar-se de sabê-la toda, de poder sem<br />
contestação plausível apoiar-lhe ou reprovar-lhe<br />
uma forma, uma expressão, um vocábulo, afirmar<br />
com segurança, fora dos casos vulgares de<br />
incorreção manifesta e dos solecismos indiscutíveis,<br />
que isto é errado ou aquilo é certo,<br />
que isto é vernáculo e aquilo não é? 17<br />
Curioso é que essa exagerada e injustificável preocupação<br />
com o vernáculo se prolongou por muito tempo,<br />
chegando a atingir representantes de gerações posteriores,<br />
e até escritores que tinham tudo para desrespeitá-la,<br />
como vieram, afinal, a fazer mais tarde, no movimento<br />
modernista de 1922. A propósito, é não só surpreendente,<br />
mas significativa, esta confissão de Mário de Andrade,<br />
em carta ao seu amigo Manuel Bandeira: "É engraçado,<br />
mas eu trago, não propriamente da minha geração, mas<br />
das pelo menos duas que antecederam a minha, um desejinho<br />
secreto de falar bem o português e escrevê-lo sem<br />
erro". "<br />
O MOMENTO LITERÁRIO<br />
Segundo R. Magalhães Jr., foi Medeiros e Albuquerque,<br />
de volta de uma de suas viagens à Europa, que sugeriu<br />
a João do Rio a realização do inquérito "O Momento<br />
Literário", publicado inicialmente na Gazeta de Notícias,<br />
no primeiro semestre de 1905, e mais tarde em livro, pela<br />
Livraria Garnier, sem qualquer indicação de data, mas<br />
provavelmente em 1908. 10 O modelo em que se inspirou o<br />
jornalista parece ter sido o livro de Jules Huret, Enquête<br />
sur l'Évolution Littéraire, aparecido em Paris em 1901. O<br />
biógrafo de João do Rio chega a insinuar que o questioná-<br />
89
io, por este submetido a cerca de cinqüenta escritores,<br />
dos mais representativos e atuantes nas letras e no jornalismo<br />
de então, foi redigido pelo próprio Medeiros e<br />
Albuquerque. O questionário era o seguinte:<br />
1) Para sua formação literária, quais os<br />
autores que mais contribuíram?<br />
2) Das suas obras, qual a que prefere? Especificando<br />
mais ainda: quais, dentre seus trabalhos,<br />
as cenas ou capítulos, quais os contos,<br />
quais as poesias que prefere?<br />
3) Lembrando separadamente a prosa e a<br />
poesia contemporâneas, parece-lhe que no momento<br />
atual, no Brasil, atravessamos um período<br />
estacionário, há novas escolas (romance social,<br />
poesia de ação, etc.), ou há a luta entre<br />
antigas e modernas? Neste último caso, quais<br />
são elas? Quais os escritores contemporâneos<br />
que as representam? Qual a que julga destinada<br />
a predominar?<br />
4) O desenvolvimento dos centros literários<br />
dos Estados tenderá a criar literaturas à parte?<br />
5) O jornalismo, especialmente no Brasil,<br />
é um fator bom ou mau para a arte literária?<br />
João do Rio conseguiu realizar entrevistas pessoais<br />
com Olavo Bilac, Coelho Neto, Júlia Lopes de Almeida,<br />
Felinto de Almeida, Pe. Severiano de Resende, Félix Pacheco,<br />
Armando Erse (João Luso), Guimarães Passos e<br />
Lima Campos. Os demais depoimentos foram obtidos por<br />
carta, havendo respondido os escritores João Ribeiro. Clóvis<br />
Beviláqua, Sílvio Romero, Raimundo Correia, Medeiros<br />
e Albuquerque, Garcia Redondo, Frota Pessoa, Mário<br />
Pederneiras, Luís Edmundo, Curvelo de Mendonça, Nestor<br />
Vítor, Silva Ramos, Artur Orlando, Sousa Bandeira, Inglês<br />
de Sousa, Afonso Celso, Elísio de Carvalho, Pedro do<br />
Couto, Osório Duque Estrada, Fábio Luz, Rodrigo Otávio,<br />
Rocha Pombo, Laudelino Freire, Magnus Sondhal, Gustavo<br />
Santiago, Augusto Franco, Alberto Ramos e Júlio<br />
Afrânio, nome com que, na época, Afrânio Peixoto, ainda<br />
muito jovem, assinava seus trabalhos.<br />
90
Dos entrevistados, muitos estão hoje completamente<br />
esquecidos, e precisamos recorrer aos dicionários especializados<br />
para identificá-los, como por exemplo, aquele estranho<br />
Magnus Sondhsl, "um maníaco do ocultismo" que<br />
já figurara em .As Religiões no Rio, como observa R. Magalhães<br />
Jr. De qualquer maneira, e ainda que constituído,<br />
em grande parte, de depoimentos de escritores que hoje<br />
nos parecem secundários, e não trouxeram, às letras brasileiras,<br />
qualquer contribuição mais significativa, o inquérito<br />
de João do Rio é um precioso repositório de dados<br />
e informações sobre hábitos de vida, tendências e opiniões<br />
da intelligentsia brasileira na primeira década do século.<br />
Foi pena que as figuras mais representativas das nossas<br />
letras de então não tivessem atendido ao seu apelo, como<br />
ocorreu, entre outros, com Machado de Assis, Graça Aranha,<br />
Artur Azevedo, Alberto de Oliveira, Aluízio Azevedo<br />
e José Veríssimo.<br />
No final, João do Rio dá um balanço em seu inquérito,<br />
tirando conclusões, algumas de cunho sociológico, que<br />
são importantes para fixar a mentalidade dos escritores<br />
brasileiros da época, e as perspectivas de nossa literatura<br />
nos primeiros dez anos do século. Uma dessas conclusões<br />
é de que passara a época da boêmia, quando um sujeito,<br />
"para fingir de prosador, começava por ter a barba por<br />
fazer e o fato cheio de nódoas". No momento — observa<br />
o jornalista — um tipo nessas condições "seria posto fora<br />
até mesmo das confeitarias, que são e sempre foram as<br />
colméias dos ociosos". E qual foi o fator que contribuiu<br />
para a mudança de mentalidade dos escritores? Foi a<br />
concorrência — responde ele — "a tremenda concorrência<br />
de trabalho que proíbe os romantismos, o sentimentalismo,<br />
as noites passadas em claro e essa coisa abjecta que os<br />
imbecis divinizam, chamada boêmia, isto é, a falta de<br />
dinheiro, o saque eventual das algibeiras alheias e a gargalhada<br />
de troça dos outros, com a camisa por lavar e o<br />
estômago vazio..." Ao sopro das transformações por que<br />
Passava o Rio, no governo Rodrigues Alves, com o saneamento<br />
da cidade e a abertura da Avenida, começava-se a<br />
criar, embora timidamente, a profissão de escritor, que<br />
91
o jornalismo facilitava. "Hoje o escritor trabalha para o<br />
editor — acentua João do Rio — e não manda vender,<br />
como José de Alencar e o Manuel de Macedo, por um preto<br />
de balaio no braço, as suas obras de porta em porta,<br />
como melancias ou tangerinas. Uma nova necessidade infiltrou-se<br />
nos nossos hábitos: a necessidade da higiene<br />
e do confortável".<br />
Outra conclusão que João do Rio tira das respostas ao<br />
seu inquérito, é a que diz respeito à preocupação dominante<br />
nos meios literários de então: "A época é de um<br />
individualismo hiperestésico". Reconhecia a estagnação<br />
dos corrilhos literários, mas não deixava de frisar que<br />
"a fúria de aparecer só" era prodigiosa. A vaidade do<br />
intelectual deixara de ser uma coisa ridícula, para ser<br />
vista como "uma deliciosa coquetérie cerebral, que o arrivismo<br />
prático transforma em reclamo". Tanto assim, que<br />
os escritores consultados, na sua quase totalidade, contaram<br />
com especial prazer a própria vida. O sucesso era<br />
para ele "o critério mais exato da aclamação pública",<br />
já que o homem de letras só tem um desejo, mesmo quando<br />
está na torre de marfim: conquistar o favor público,<br />
ser lido e ser notado".<br />
Quanto aos rumos da literatura, naquele início de<br />
século, João do Rio, talvez puxando um pouco a sardinha<br />
para a sua brasa, mas não deixando, por outro lado, de<br />
ver com clareza nas brumas do futuro, opinava que o<br />
momento não era de devaneios, "mas de curiosidade, de<br />
informação, fazendo da literatura, no romance, na crônica,<br />
no conto, nas descrições de viagens, uma única e<br />
colossal reportagem".<br />
Ao lado de observações justas, como a de que "não<br />
há uma só das nossas idéias que não seja bebida no estrangeiro,<br />
nos livros de Félix Alcan, ou nas extravagâncias<br />
publicáveis do "Mercure de France", e de que o naturalismo<br />
morrera e o nefelibatismo agonizava, outras há<br />
em que se enganou redondamente, como ao decretar a<br />
morte da poesia, sentença que viria a ser repetida trinta<br />
anos mais tarde, também sem qualquer procedência, por<br />
Augusto Frederico Schmidt, em entrevista famosa... 20<br />
92
UM TÍTULO FALACIOSO<br />
Aparecido em 1907, numa edição da Livraria Garnier,<br />
o livro de Elísio de Carvalho .As Modernas Correntes Estéticas<br />
na Literatura Brasileira tem um título enganador,<br />
pois não se trata de nenhum estudo sobre as novas tendências<br />
artísticas dominantes na literatura brasileira do<br />
seu tempo, mas sim da reunião de vários artigos de crítica<br />
nefelibática, grupados, aliás, de maneira insólita, ou pelo<br />
menos pouco compreensível aos olhos do leitor de hoje.<br />
Assim, num primeiro grupo estão os Representativos<br />
(Graça Aranha, José Veríssimo, João Ribeiro e Emílio de<br />
Meneses); num segundo grupo, os Ideólogos, Sonhadores<br />
e Revoltados (Fábio Luz, Curvelo de Mendonça, Pereira<br />
da S,'lva e Pedro do Couto); e, finalmente, como Raros e<br />
Impassíveis, João do Rio, Gustavo Santiago, Goulart de<br />
Andrade e Oscar Lopes.<br />
Ora, será essa a classificação que ele dava ao que pomposamente<br />
chamava "as modernas correntes estéticas na<br />
literatura brasileira"? E que vem fazer o poeta Emilio de<br />
Meneses, humorista boêmio e folgazão, num grupo onde<br />
estão pensadores e estudiosos como Graça Aranha, José<br />
Veríssimo e João Ribeiro? Por outro lado, como chamar<br />
de impassível um homem trêfego e agitado como João do<br />
Rio, que revolucionou o jornalismo do seu tempo?<br />
Além dos ensaios sobre esses escritores, reunidos da<br />
maneira mais estapafúrdia, como acabamos de ver, o<br />
livro inclui ainda duas outras séries de estudos: "O Problema<br />
da Cultura" e "Arte Social".<br />
Dentre os artigos que compõem "O Problema da Cultura",<br />
figura um que se chama "Minha formação literária",<br />
que outra coisa não é senão a sua resposta, refundida<br />
e ampliada, à enquête de João do Rio.<br />
Nela, depois de se referir, longa e atabalhoadamente,<br />
aos livros e aos autores que mais influíram na formação<br />
de sua mentalidade, Elísio de Carvalho faz estas duas confissões<br />
que não podemos deixar passar sem um registro, a<br />
primeira porque denuncia o seu estado de espírito em<br />
relação aos confrades de letras, e a segunda, pela sua<br />
pretensão.<br />
93
Depois de afirmar que em nada se sentia devedor a<br />
qualquer escritor brasileiro de outros tempos, pois "o intelecto<br />
brasileiro está muito baixo para influir-me" sobre<br />
os contemporâneos, depõe: "Os modernos, salvo raríssimas<br />
e honrosas exceções, mesmo os que têm cotação na<br />
cocheira do Senhor-Todo-o-Mundo, não passam de filisteus,<br />
cabotinos, chatas mediocridades, e inspiram-me também<br />
nojo, nojo e dor, dor sobretudo".<br />
Quanto a ele próprio, que em política se confessava<br />
"anarquista", pontifica: "Sou supernacional e pertenço ao<br />
movimento intelectual europeu..."<br />
Dentre os modernos — naturalmente uma daquelas<br />
"raríssimas e honrosas exceções" a que se referiu, destacava<br />
Graça Aranha, "o mestre admirável de Canaã, a<br />
cbra mais extraordinária, mais estranha, mais genial que<br />
concebeu o nosso espírito artístico", e escritor que, na sua<br />
opinião, "é o artista tipo que simboliza este momento<br />
supremo da literatura brasileira".<br />
Exatamente por causa desses arroubos, o livro não<br />
depõe muito a favor do espírito crítico do autor, pois se<br />
ocupa, na maior parte, e quase no mesmo tom em que<br />
se refere a Graça Aranha, de autores que o tempo sepultou<br />
e estão hoje completamente esquecidos. 21<br />
A FIGURA MAXIMA<br />
Sobranceiro à querela das escolas, continuava a escrever,<br />
ombro a ombro com os novos, uma figura que, no<br />
dizer de Lúcia Miguel-Pereira, "era o mestre, o guia, o<br />
chefe, senão da vida literária, pelo menos da literatura<br />
em si mesma". Sem se filiar a qualquer escola literária,<br />
pois, na sua melhor fase (a que se inicia com as Memórias<br />
Póstumas de Brás Cubas), não foi romântico nem<br />
naturalista, "se impunha aos leitores novecentistas como<br />
aos oitocentistas se impusera": Machado de Assis.<br />
De fato, o mestre continuava em plena atividade. Dom<br />
Casmurro é de <strong>1900</strong>, Esaú e Jacó, de 1904. Relíquias de<br />
Casa Velha, de 1906 e Memorial de Aires, de 1908, ano em<br />
que veio a falecer.<br />
94
Ligado à morte do cético de Quincas Borba há, aliás,<br />
um episódio que deu lugar a uma das páginas mais belas<br />
do nosso jornalismo literário — a crônica "A última visita",<br />
de Euclides da Cunha — e que não deve ficar esquecido.<br />
Era já noite, e Machado agonizava na sua casa do<br />
Cosme Velho. Na sala de jantar, um grupo de senhoras,<br />
vizinhas e conhecidas, muitas das quais ele vira meninas<br />
e carregara nos braços, comentava episódios da vida do<br />
escritor, ao lado de Carolina, naquele recanto tranqüilo,<br />
onde o amor pusera "um mundo inteiro". No salão de visitas,<br />
vários amigos e companheiros de letras, numa atitude<br />
de solidariedade, acompanhavam, pessoalmente, os<br />
últimos momentos do mestre. Estavam ali Coelho Neto,<br />
Graça Aranha, Mário de Alencar, José Veríssimo, Raimundo<br />
Correia, Rodrigo Otávio e Euclides da Cunha. Achavam<br />
eles desanimador que uma vida como aquela se extinguisse<br />
no meio de tamanha indiferença pública, com repercussão<br />
apenas "no círculo limitadíssimo de corações amigos".<br />
Um escritor do porte de Machado de Assis "só devera<br />
extinguir-se dentro de uma grande e nobilitadora comoção<br />
nacional". No entanto, a cidade inteira assistia àquilo "sem<br />
a vibração de um abalo, derivando imperturbavelmente<br />
na normalidade de sua existência complexa".<br />
Nesse momento, precisamente ao enunciar-se este<br />
juízo desalentado — narra Euclides — alguém bate à porta<br />
de entrada.<br />
Abriram-na. Apareceu um desconhecido:<br />
um adolescente de 16 a 18 anos, no máximo.<br />
Perguntaram-lhe o nome, declarara ser desnecessário<br />
dizê-lo: ninguém ali o conhecia, não<br />
conhecia, por sua vez, ninguém; não conhecia<br />
o próprio dono da casa, a não ser pela leitura<br />
dos livros que o encantavam. Por isto, ao ler<br />
nos jornais da tarde que o escritor se achava<br />
em. estado gravíssimo, tivera o pensamento de<br />
visitá-lo. Relutara contra esta idéia, não tendo<br />
quem o apresentasse; mas não lograra vencêla.<br />
Que o desculpassem, portanto. Se não lhe<br />
95
era dado ver o enfermo, dessem-lhe ao menos<br />
notícias certas do seu estado.<br />
E o anônimo juvenil, vindo da noite, foi<br />
conduzido ao quarto do doente. Chegou. Não<br />
disse uma palavra. Ajoelhou-se. Tomou a mão<br />
do Mestre; beijou-a num belo gesto de carinho<br />
filial. Aconchegou-a depois por momentos ao<br />
peito. Levantou-se e, sem dizer palavra, saiu.<br />
À porta, José Veríssimo perguntou-lhe o nome, inteirando-se,<br />
então, de quem se tratava. E conclui Euclides:<br />
Mas ele deve ficar anônimo.<br />
Qualquer que seja o destino desta criança,<br />
ela nunca mais subirá tanto na vida. Naquele<br />
momento, o seu coração bateu sozinho pela<br />
alma de uma nacionalidade. Naquele meio segundo<br />
— naquele meio segundo em que ele estreitou<br />
o peito moribundo de Machado de Assis,<br />
aquele menino foi o maior homem de sua terra.<br />
Ele saiu, e houve na sala, um pouco invadida<br />
de desalento, uma transfiguração.<br />
Nos fastígios de certos estados morais, concretizam-se,<br />
às vezes, as maiores idealizações.<br />
Pelos nossos olhos passou a impressão visual da<br />
Posteridade... 22<br />
Nessa mesma madrugada, deu-se o desenlace. E no<br />
dia seguinte, ainda sob a impressão daquela visita estranha,<br />
mas altamente simbólica aos olhos de todos que a<br />
presenciaram, Euclides, na redação do Jornal do Commercio,<br />
compôs o seu primoroso artigo. João Luso assistiu a<br />
tudo, e pôde depor que o estilista de Os Sertões, aparentando<br />
uma serenidade perfeita, e quase sem emendar,<br />
levou mais de três horas para pingar na pequenina crônica<br />
o ponto final. É que o seu trabalho "avançava linha<br />
a linha, quase se poderia afirmar letra a letra, como uma<br />
renda nítida e delicada nas mãos da mais paciente bordadeira".<br />
23<br />
Não havendo o articulista revelado o nome do misterioso<br />
visitante, só muito tempo depois se veio a saber<br />
96
que aquele jovem chamava-se Astrojildo Pereira. A esse<br />
seu gesto as letras brasileiras ficaram a dever a inspiração<br />
para a página imorredoura de Euclides. Por outro<br />
lado, sua visita foi, de fato, o prenúncio do julgamento da<br />
Posteridade, para o qual o próprio Astrojildo, já adulto,<br />
viria a contribuir, com o seu excelente ensaio, de cunho<br />
sociológico, "Machado de Assis, romancista do Segundo<br />
Reinado". 24<br />
A FORTUNA CRÍTICA DE UM ESCRITOR<br />
Morrera Machado de Assis. Mas Coelho Neto continuava<br />
a produzir como nunca, "montado no alazão de sua<br />
fantasia incomparável", como disse Euclides da Cunha. Só<br />
em 1898 havia publicado nada menos de 11 volumes! Já<br />
vimos que seu romance Tormenta é de 1901. Turbilhão, de<br />
1906, e Esfinge, de 1908. No ano seguinte, seu ato dramático<br />
Bonança foi escolhido para ser representado na festa<br />
de inauguração do Teatro Municipal. Sua produção era,<br />
em média, de mais de um livro por ano. No ante-rosto de<br />
Tormenta enumerava 24 obras já publicadas, anunciando<br />
mais cinco para breve.<br />
Foi ele o primeiro escritor brasileiro a viver da literatura.<br />
Todavia, isto o obrigava a desdobrar-se em dezenas<br />
de volumes e colaborações para os jornais. Dotado de<br />
inegável talento literário, e de uma "imaginação escaldante",<br />
tinha grande confiança em si. E foi esta — observa<br />
José Veríssimo — "que lhe impôs a resolução de viver das<br />
letras, criando-lhe concomitantemente a de um trabalhador<br />
muito maior do que, se não o seu talento e capacidade,<br />
o meio permitia". Porque — concluía, com toda a<br />
razão, o crítico — "um escritor não produz somente do<br />
que tem em si, por mais que seja, mas, e muito, do que<br />
recebe do ambiente em que vive". 25<br />
Era, sem dúvida, no seu tempo, depois da morte de<br />
Machado de Assis, o prosador de maior prestígio, como<br />
Bilac era o poeta mais festejado. Posteriormente, o Modernismo<br />
haveria de combatê-lo sem tréguas. Sérgio Buarque<br />
de Holanda chegou mesmo a dizer que era preciso<br />
"descoelhonetizar" a literatura brasileira. Nos anos 40,<br />
97
prestigiosa revista publicou um número inteiro sobre o<br />
nosso romance, e o autor de Turbilhão foi deliberadamente<br />
omitido. 20<br />
Posteriormente, numa segunda edição desse trabalho,<br />
coube a Brito Broca promover o que se poderia chamar a<br />
revisão de Coelho Neto. Salientou ele, então, que livros<br />
como Miragem, Turbilhão, O Morto e Inverno em Flor, não<br />
podem ser desprezados no quadro da ficção brasileira. 27<br />
Agora, escrevendo sobre o romance Turbilhão, depõe<br />
o crítico Wilson Martins:<br />
A verdade, entretanto, é que Turbilhão<br />
pode ser visto como uma obra-prima indiscutível,<br />
não apenas entre os livros de Coelho Neto,<br />
mas, ainda, entre os romances realistas universais.<br />
É uma obra certamente mais identificada<br />
que a de Machado de Assis com a existência<br />
cotidiana do "novo" Rio de Janeiro, o<br />
Rio de Janeiro que se "modernizava", nos inícios<br />
do século XX. 28<br />
PROSADORES, CRÍTICOS, E ENSAÍSTAS<br />
Além de José Veríssimo e Araripe Júnior, já citados,<br />
mais de uma vez, nesta breve resenha, também Sílvio Romero<br />
estava em atividade nessa época: produzia bastante<br />
e podia ser lido com freqüência nos jornais. Em 1901, por<br />
exemplo, publica seus Ensaios de Sociologia e Literatura,<br />
e em 1906, de parceria com João Ribeiro, o Compêndio de<br />
História da Literatura Brasileira. De 1909 é o seu livro<br />
sem dúvida mais violento e injusto — as Zeverissimações<br />
Ineptas da Critica, ao qual voltaremos a nos referir. Provocações<br />
e Debates traz a data de <strong>1910</strong>.<br />
As Zeverissimações Ineptas da Crítica merecem um<br />
comentário especial. Essa briga, ao que parece, teve origem<br />
no discurso de recepção a Euclides da Cunha na Academia,<br />
pronunciado pelo crítico sergipano. Ao lado de referências<br />
encomiásticas e inteiramente descabidas, por inoportunas,<br />
a Tobias Barreto, o orador destilou, nas entrelinhas, uma<br />
infinidade de perfídias contra José Veríssimo.<br />
98
A recepção de Euclides se deu aos 18 de dezembro de<br />
1906. E já em 1907 as oficinas do Comércio do Porto (as<br />
mesmas que, dois anos depois, irão lançar as Zeverissimações),<br />
editam um folheto, com uma tarja verde-amarela,<br />
reproduzindo o discurso de Romero. Esse folheto traz a<br />
seguinte dedicatória, escrita num estilo que procurava<br />
imitar, deformando-o, o do seu desafeto, e constituía, sem<br />
dúvida, a maior das provocações:<br />
Ao Sr. José Veríssimo, o famoso crítico terra<br />
a terra, que jamais teve, certo, a ousadia de<br />
formular duas idéias teóricas; que ainda não<br />
se emancipou do ridículo preconceito de dividir<br />
os escritores brasileiros em dois grupos — os<br />
das províncias, que nada valem, e os da Capital,<br />
que valem tudo; que, por isso mesmo, é, acaso,<br />
o ídolo de todas as mediocridades; ao Sr. José<br />
Veríssimo, que merece considerado, por ventura,<br />
o mais abalizado, senão quiçá o mais esforçado<br />
e, pudera dizer, o mais constante, resoluto<br />
e talvez, em regra, o menos despercebido, ao<br />
que se pode supor, dos discípulos e continuadores<br />
de Valentim Magalhães no despejado empenho<br />
de denegrir, e, quem sabe se também<br />
conspurcar, a memória de Tobias Barreto; ao<br />
diplomático José — tenho sobejos motivos para<br />
oferecer e consagrar este livrinho, e, por maior<br />
realce, o faço joséverissimamente no incomparável<br />
estilo que merece admirado por séculos<br />
sem conta... 20<br />
Veríssimo, colega de Academia de Romero, vendo-se<br />
assim perfidamente atacado, escreveu contra o seu adversário<br />
um longo artigo, publicado no livro Que é Literatura?<br />
e outros escritos. Estávamos, ainda, na época das polêmicas,<br />
e Romero, então, voltou à carga, com as Zeverissima-<br />
Ções Ineptas da Critica (Repulsas e Desabafos), um folheto<br />
de cento e poucas páginas, impresso em 1909, como já<br />
vimos, pelas oficinas do Comércio do Porto.<br />
Responsabilizando Veríssimo por várias histórias ou<br />
insinuações maldosas que corriam a seu respeito, inclusive<br />
99
a de que, apesar de grande entusiasta da cultura germânica,<br />
não sabia alemão, Romero investe contra seu colega<br />
paraense, chamando-lhe, entre outras amabilidades, "patureba<br />
de Belém", "Sainte-Beuve peixe-boi", etc.<br />
Nesse terreno não o acompanhou Veríssimo. E o livro<br />
de Romero teria ficado sem resposta, se, em defesa do<br />
autor de Cenas da Vida Amazônica, não tivesse saído em<br />
campo um jovem escritor do Recife — A. Bandeira de<br />
Melo. Em vários artigos, publicados no Jornal Pequeno, da<br />
capital pernambucana, em dezembro de <strong>1910</strong> e janeiro<br />
de 1911, desancou ele de rijo o discípulo de Tobias, pondo<br />
à mostra os pontos em que, no virulento ataque, o crítico<br />
sergipano deixara os flancos a descoberto.<br />
Esses artigos, aos quais se acrescentaram alguns outros,<br />
de admiradores de Veríssimo, foram depois reunidos<br />
num pequeno volume, "edição de alguns amigos", sem<br />
data, sob o título A Morte da Polidez (A propósito das<br />
Zeverissimações ineptas do Sr. Sílvio Romero). O título,<br />
de duplo sentido, contém uma insinuação a outra morte,<br />
havia tempos decretada por Romero — a da Metafísica —<br />
em rumorosa defesa de tese, na Faculdade de Direito do<br />
Recife. O mais interessante é que o seu autor, aquele<br />
desconhecido A. Bandeira de Melo, outro não era senão<br />
um jornalista que ensaiava o vôo, e depois haveria de<br />
granjear renome e prestígio em todo o Brasil: Assis Chateaubriand,<br />
cujo nome completo era Francisco de Assis<br />
Chateaubriand Bandeira de Melo.<br />
Vários outros escritores, além do triunvirato formado<br />
por Araripe Júnior, Silvio Romero e José Veríssimo, se<br />
dedicavam à crítica, ou se ocupavam de livros nas colunas<br />
que mantinham nos jornais. Medeiros e Albuquerque,<br />
por exemplo, sob o pseudônimo J. dos Santos, assinava<br />
em A Notícia uma "Crônica Literária", disfarçando, também,<br />
às vezes, o próprio nome com o de Rufiúfio Singapura.<br />
Sua coluna era, de fato, uma crônica literária, e<br />
não crítica, no sentido rigoroso do termo, ocupando-se ele<br />
de livros que versavam os mais diferentes assuntos, desde<br />
Contrastes e Confrontos, de Euclides da Cunha, até a<br />
Estrutura do Cilindro-Eixo, de Bruno Lobo, e a Expulsão<br />
de Estrangeiros (a propósito do Decreto n.° 164, de 7-1-<br />
1907), de Lacerda de Almeida.<br />
100
Constâncio Alves, com finura e malícia, mantinha no<br />
Jornal do Commercio a sua coluna "Dia a Dia" (depois<br />
substituída por "A Semana"), assinando os artigos com<br />
as iniciais C. A., que os menos avisados atribuíam a Capistrano<br />
de Abreu. Júlia Lopes de Almeida entretinha os<br />
leitores de O País com suas colaborações que saíam encimadas<br />
pelo título "Dois dedos de prosa". Escrevendo,<br />
também, uma crônica literária onde se ocupava, em geral,<br />
de livros recentemente aparecidos, Artur Azevedo, com as<br />
iniciais A. A., assinava, no mesmo O País, a coluna "Palestra".<br />
Sob os pseudônimos de José e de Jóe, Paulo Barreto<br />
(Joào do Rio) sustentava, na Gazeta de Notícias,<br />
uma seção de impressões de leitura: a "pequena crônica<br />
de letras", depois, naturalmente por influência de uma<br />
nova arte que chegava ao Brasil, mudada para "Cinematógrafo",<br />
título que daria, mais tarde, a um volume<br />
de crônicas.<br />
Uma das colunas mais prestigiosas, na época, era o<br />
"Registro", de Olavo Bilac, em A Notícia, assinado B. Ali<br />
publicou ele comentários sobre diversos poetas brasileiros,<br />
como Gonçalves Dias, Casimiro de Abreu e Raimundo<br />
Correia, ao que parece ainda não reunidos em livro. Chamava-se<br />
"Cotas aos Casos" a - coluna do Conde de Afonso<br />
Celso (A. C.) no Jornal do Brasil. João Itiberê da Cunha,<br />
com o pseudônimo de JIC, substituíra José Veríssimo como<br />
crítico do Correio da Manhã, saindo os seus artigos sob<br />
a rubrica "Semana Literária". 30<br />
Carmem Dolores (Emília Moncorvo Bandeira de Melo)<br />
ocupava boa parte da primeira página da edição dominical<br />
d'0 País com a sua coluna "A Semana", escrevendo,<br />
não raro, sobre livros. Seria substituída, em 1911, por<br />
Gilberto Amado, então recém-chegado ao Rio, o qual<br />
lhe dedicou seu primeiro artigo, em 21 de agosto desse<br />
mesmo ano.<br />
Espantosa era a atividade de Carlos de Laet, que nesse<br />
período se desdobrava em colaborações para o Jornal do<br />
Brasil e O País, para onde transferira a seção "Microcosmo",<br />
por ele criada no Jornal do Commercio. Monarquista<br />
e católico, ocupava-se não só de acontecimentos<br />
políticos e religiosos, mas também de livros aparecidos, envolvendo-se,<br />
freqüentemente, em polêmicas que tomavam<br />
101
um tom pessoal e desabusado. Foi publicada em O Pais<br />
(Microcosmo), de 10-5-1908, sua crônica sobre o 13 de maio,<br />
na qual, com mal disfarçada emoção, nos descreve, vinte<br />
anos depois, o que foi a votação da Lei Áurea no Senado,<br />
onde ele era então redator de debates.<br />
Além desses, caberia citar Alcindo Guanabara, que em<br />
1902 publicou A Presidência Campos Sales. Mas, como<br />
observa Astrojildo Pereira, "ele era sobretudo um jornalista<br />
e o melhor do que escreveu permanece nas folhas<br />
dos jornais aue redigiu". Jornalista era também o português<br />
Eduardo Salamonde, principal redator d'0 País,<br />
"evangelista da ditadura", o "Camille Desmoulin do 93<br />
brasileiro", como dele escreveu Joaquim Nabuco. 31<br />
Bem diferente de ambos, João Ribeiro, pensador, crítico<br />
e ensaísta, em 1905 publica Páginas de Estética; em<br />
1908. Frases Feiias, e em <strong>1910</strong>, Fabordão. Preocupados, também,<br />
com problemas de linguagem, e reagindo contra o<br />
"ensino cerebrino, mas em geral tido por autorizado", de<br />
Cândido de Figueiredo e outros (como diria mais tarde<br />
Sousa da Silveira), surgem autores como Mário Barreto,<br />
cujos Estudos da Língua Portuguesa são de 1903, depois<br />
desdobrados em vários volumes, aparecidos nas décadas<br />
seguintes; Heráclito Graça (tio de Graça Aranha), que<br />
em 1904 nos dá os Fatos da Linguagem, ainda hoje citado<br />
pelos estudiosos do idioma; e Manoel Said Ali Ida, que<br />
no volume Dificuldades da Língua Portuguesa, de 1908,<br />
esclarece, com base científica, vários e intrincados problemas<br />
filológicos.<br />
De 1905 são também os dois livros de Farias Brito —<br />
A Verdade como Regra das Ações e Evolução e Relatividede.<br />
Como disse Alceu Amoroso Lima, Farias Brito, que<br />
disputou com Euclides da Cunha a cadeira de Lógica do<br />
Colégio Pedro II, iniciou no Brasil "a reação contra o<br />
naturalismo filosófico, e foi a grande voz que se abriu<br />
entre nós. em favor de uma nova filosofia do espírito,<br />
que ia ser repudiada pelos seus contemporâneos e compreendida<br />
apenas pela geração seguinte". 32<br />
De 1901 são os Escritos e Discursos Literários, de Joaquim<br />
Nabuco, que em 1909 nos daria Pensées Detachées et<br />
Souvenirs. Traz a data de 1908 uma das obras fundamen-<br />
102
tais da nossa historiografia — D. João VI no Brasil, de<br />
Oliveira I/ma, publicado, em dois volumes, pela Tipografia<br />
do Jornal do Commercio, de Rodrigues & Cia.<br />
UM ROMANCE-PANFLETO<br />
O ano de 1909 assinala o aparecimento, nas letras<br />
brasileiras de um escritor de talento — Lima Barreto —<br />
em quem Agrippino Grieco viu "um neto de Gogol". Seu<br />
romance de estréia, as Recordações do Escrivão Isaias<br />
Caminha, de fundo autobiográfico, pretendendo ser a história<br />
de um mestiço que, mediante a obtenção de um titulo<br />
de doutor, imaginava subir na escala social, e vingar-se<br />
de sua origem humilde, transformou-se num panfleto<br />
contra os vitoriosos do momento.<br />
Já denunciando um espírito bem diferente do da belle<br />
époque, o livro é antes de tudo uma sátira ao Correio da<br />
Manhã, então recentemente fundado. Romance à clef, a<br />
identificação das figuras reais que estão por trás dos personagens<br />
constitui hoje, tantos anos decorridos, mera<br />
curiosidade literária. Os que se interessarem porém, por<br />
essa identificação, poderão consultar o artigo de Francisco<br />
de Assis Barbosa — autor da primorosa biografia<br />
A Vida de Lima Barreto — "As duas chaves do Isaías<br />
Caminha", publicado no Suplemento Literário do Diário<br />
de Noticias, do Rio, de 20-3-1949.<br />
O LIVRO-SÍMBOLO<br />
Lima Barreto, como acentuamos, já anuncia um novo<br />
tipo de literatura, e exatamente por isso tem sido considerado<br />
um dos precursores do Modernismo. Esta resenha<br />
— centrada na belle époque — não poderia, assim, terminar<br />
com uma referência à sua obra. Mesmo porque dois<br />
anos depois do aparecimento do Isaías Caminha é que<br />
seria publicado o livro talvez mais característico dessa<br />
fase da nossa literatura.<br />
Queremos referir-nos ao romance A Esfinge, de Afrânio<br />
Peixoto. Lançado em 1911, vale, sobretudo, por um<br />
103
etrato da sociedade burguesa do Rio de então, e ilustra,<br />
como nenhuma outra de suas obras, a concepção do autor,<br />
para quem a Literatura era "o sorriso da sociedade". O<br />
livro, para a época, ao contrário do que aconteceu com o<br />
de Lima Barreto, foi autêntico best-seller. E nele vamos<br />
encontrar o embrião de inúmeras idéias e trouvailles que<br />
o romancista, encantado com o próprio sucesso, glosaria<br />
até o fim, em seus escritos posteriores.<br />
Nada, por exemplo, a nosso ver define melhor o "espírito"<br />
desse livro, tão típico do nosso "<strong>1900</strong>" literário, do<br />
que o conceito de Arte exposto por Afrânio, numa definição<br />
que, se não tivesse ficado esquecida no bojo do seu<br />
romance de estréia, rivalizaria com a sua famosa opinião<br />
acerca da Literatura: "No fim de contas, a Arte era assim<br />
uma espécie de cigarro... moral: o outro distrai um momento,<br />
este conforta, como refúgio, para sempre".<br />
104
NOTAS<br />
1 — Broca, Brito. A Vida Literária no Brasil — <strong>1900</strong>. 2. a edição.<br />
Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1960.<br />
2 — Frieiro, Eduardo. "Brito Broca, A Vida Literária no<br />
Brasil. <strong>1900</strong> — 275 p. Ilustradas. Serviço de Documentação do<br />
Ministério de Educação e Saúde, Rio de Janeiro, 1956." Kriterion,<br />
Revista da Faculdade de Filosofia da Universidade de<br />
Minas Gerais. Belo Horizonte, 39-40: 253-256, Jan./jun. 1957.<br />
3 — Ob. cit., p. 262.<br />
4 — Alguns críticos e historiadores literários costumam dar<br />
Canaã como aparecido em 1901. A l. a edição não traz indicação<br />
de data, quer na capa, quer na folha de rosto. Pelo colofão<br />
se verifica, porém, que acabou de imprimir-se, em Paris,<br />
em dezembro de 1901. Portanto, só pode ter chegado ao Brasil,<br />
e sido exposto à venda, nos primeiros meses de 1902. No<br />
exemplar existente na biblioteca da Casa de Rui Barbosa, lê-se<br />
a seguinte dedicatória: "A Ruy Barbosa, lembrança do seu<br />
amigo e admirador Graça Aranha. Londres, 30 de março de<br />
1902".<br />
5 — Dantas, San Tiago. Rui Barbosa e o Código Civil. Rio<br />
de Janeiro, Casa de Ruí Barbosa, 1949, pp. 7, 8 e 10.<br />
« — Apud Lúcia Miguel-Pereira, "Cinqüenta anos de Literatura",<br />
Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 15 jun. 1951, uma<br />
das edições comemorativas do cinqüentenário do jornal.<br />
7 — Lins, Álvaro. "O Primeiro Crítico do Correio da Manhã",<br />
ed. comemorativa cit.<br />
8 — Andrade, Olímoio de Sousa. História e Interpretação<br />
de "Os Sertões". 3. a edição, São Paulo, EDART Livraria Editora.<br />
1966, p. 297.<br />
9 — Ibid., p. 296.<br />
10 — Transcrito na edição do Correio da Manhã de 15 jun.<br />
1951, cit.<br />
11 — Apud António da Gama Rodrigues, Euclides da Cunha,<br />
Engenheiro de Obras Públicas no Estado de São Paulo. São<br />
Paulo, Edição de Alves Motta Sobrinho, 1956, pp. 94-95.<br />
105
12 — Ibid., pp. 99-100.<br />
13 — Apud Lúcia Miguel-Pereira, art. cit.<br />
14 — Senna, Homero. República das Letras. 2. a edição. Rio<br />
de Janeiro, Gráfica Olímpica Editora, 1968, p. 42.<br />
15 — Amado, Gilberto. Grão de Areia. Rio de Janeiro, Jacintho<br />
Ribeiro dos Santos Editor, 1919, pp. 20-21.<br />
10 — Mangabeira, João. Rui Barbosa (Discursos e Conferências).<br />
Rio de Janeiro, Casa de Rui Barbosa, 1958, p. 82.<br />
« — Apud Brito Broca, ob. cit., pp. 206-207.<br />
is _ Andrade, Mário de. Cartas a Manuel Bandeira. Rio de<br />
Janeiro, Organização Simões Editora, 1958, p. 349.<br />
ia _ Magalhães Jr., R. A Vida Vertiginosa de João do Rio,<br />
Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1978, pp. 42-54.<br />
20 _ Rio, João do. O Momento Literário. Rio de Janeiro/<br />
Paris, H. Garnier Livreiro-Editor, s.d.<br />
21 _ carvalho, Elysio de. .As Modernas Correntes Esthet-c.ns<br />
na Literatura Brasileira. Rio de Janeiro/Paris, H. Garnier Livreiro-Editor,<br />
1907.<br />
22 _ Cunha, Euclides da. "A última Visita", reproduzida em<br />
Autores & Livros (Suplemento Literário d'A Manhã, Rio de<br />
Janeiro) n.° 7, 28 set. 1941, p. 99.<br />
23 _ Apud Brito Broca, ob. cit., pp. 221-222.<br />
24 _ in: Interpretações. Rio de Janeiro, Livraria Editora<br />
da Casa do Estudante do Brasil, 1944, pp. 13-48.<br />
2 5 veríssimo, José. últimos Estudos de Literatura Prasileira.<br />
7. a série. Belo Horizonte/São Paulo, Editora Patiaia Ltda./<br />
Editora da Universidade de São Paulo, 1979, p. 232.<br />
20 _ v. Revista do Brasil, 3. a fase, Ano IV, 35, maio 1941.<br />
27 — Broca, Brito. "Coelho Neto, romancista", in O Romance<br />
Brasileiro (de 1752 a 1930). Rio de Janeiro, Edições O Cruzeiro,<br />
1952, pp. 223-243.<br />
as _ Martins, Wilson. História da Inteliaência Brasília.<br />
Vol. V (1897 — 1914). Editora da Universidade de São Paulo,<br />
1978, p. 316.<br />
20 — Academia Brasileira de Letras. Discurso p-nnuncia^o<br />
aos 18 de dezembro de 1906, por ocasião da recepção do Dr.<br />
Eucly^es da Cunha, por Sylvio Romero. Porto, Oficinas do<br />
Commercio do Porto, 1907.<br />
so _ Os dados sobre a atividade jornalística dos escritores<br />
citados fo r am colhidos em Antônio Simões dos Reis B'bVnnrafia<br />
da Crítica Literária em 1907 através dos Jornais Cariocas,<br />
Rio de Janeiro, Casa de Rui Barbosa, 1968.<br />
si — Nabuco, Joaquim. A Interpretação Estrangeira Durante<br />
a Revolta de 1893. São Paulo/Rio de Janeiro. Cia. Edit. <strong>Nacional</strong>/Civrização<br />
Brasileira S.A., 1939, p. 27.<br />
32 _ Apud Manual Bibliográfico de Estudos Brasileiros, sib<br />
a direção de Rubens Borba de Moraes e William B3rrien. Rio<br />
de Janeiro, Gráfica Editora Souza, 1949 p 663<br />
106
A LITERATURA INFANTIL NO <strong>BRASIL</strong> DÉ <strong>1900</strong> A <strong>1910</strong><br />
Laura Constancia Austregésilo de<br />
Athayäe Sandroni
Com relação ao desenvolvimento da literatura destinada<br />
a crianças e jovens no Brasil, o primeiro decênio<br />
do século XX caracteriza-se por uma reação nacionalista<br />
ao domínio até então absoluto de Portugal. À importação<br />
pura e simples de livros editados na metrópole sucederam-se<br />
a tradução das obras de maior sucesso na Europa<br />
e a criação de livros destinados à Escola, num português<br />
já abrasileirado, que visava aproximar a linguagem escrita<br />
da falada.<br />
O editor Quaresma que com Garnier e Laemmert formavam,<br />
no dizer de Leonardo Arroyo, "a trindade dos fornecedores<br />
de livros no Rio de Janeiro" foi o primeiro a<br />
perceber a necessidade de uma solução para o conflito<br />
das linguagens oral e escrita que afastava o leitor infantil<br />
brasileiro da literatura infantil proveniente de Portugal.<br />
Quaresma era um editor muito popular e "essa<br />
popularidade vinha-lhe exatamente da compreensão desse<br />
problema e de seu sonho de abrasileirar o comércio de<br />
livros". 1 Encomendou então a seu amigo Figueiredo Pimentel<br />
uma biblioteca especialmente destinada às crianças<br />
brasileiras.<br />
Iniciada em 1894 com o título de "<strong>Biblioteca</strong> Infantil<br />
da Livraria do Povo", constava dos seguintes volumes:<br />
Contos da Carochinha seguidos em 1896 de Histórias da<br />
Avozinha e Histórias da Baratinha.<br />
Essas coletâneas de contos estrangeiros traduzidos em<br />
linguagem brasileira fizeram enorme sucesso junto ao público<br />
infantil. Nos títulos seguintes Figueiredo Pimentel<br />
intercalou histórias recolhidas da tradição oral e algumas<br />
criações próprias.<br />
109
Nessa última categoria incluem-se: Álbum das Crianças,<br />
poesias, 1897; Os Meus Brinquedos, folclore, s.d.; Teatrinho<br />
Infantil, teatro, 1897; A Queda de um Anjo, 1897;<br />
O Livro das Crianças, 1898; Contos do Tio Alberto, s. d.<br />
Figueiredo Pimentel representa a fase inicial da tradução<br />
brasileira. A consciência de que o livro traduzido<br />
em Portugal já não interessava à criança, cuja linguagem<br />
oral adquiria cada vez mais caracteres próprios. No entanto,<br />
como veremos a seguir pela análise de alguns títulos,<br />
essa nacionalização refere se apenas à área da linguagem.<br />
Os temas, mesmo quando os contos são "originais",<br />
permanecem pastiches daqueles traduzidos, sem<br />
qualquer preocupação de retratar a sociedade e os costumes<br />
da capital ou da província. Essa situação muda apenas<br />
nos contos recolhidos da tradição oral saborosamente brasileiros<br />
e no livro Os Meus Brinquedos que a rigor pertence<br />
à categoria de pesquisa folclórica de que trataremos mais<br />
adiante.<br />
Em Contos da Carochinha, primeiro volume da coleção,<br />
diz o autor na Dedicatória: "São histórias para crianças,<br />
mas todas têm moral, muito proveitosa, ensinando<br />
que a única felicidade está na Virtude, e que a alegria<br />
só vem de uma vida honesta e serena". E ainda "E lembra-te<br />
que a vida de família é a única feliz, que o lar<br />
é o único mundo onde se vive bem, onde a Mulher, boa,<br />
santa, pura, carinhosa, impera como rainha".<br />
Na capa já se lia: "Contos da Carochinha, Livro para<br />
crianças, contendo maravilhosa coleção de contos populares,<br />
morais e proveitosos de vários países, traduzidos uns<br />
e outros apanhados da tradição oral". No Prefácio citamse<br />
fragmentos da crítica: "excelente trabalho de grande<br />
utilidade para as escolas, porque, ao mesmo tempo que<br />
deleita as crianças, interessando-as com a narração de<br />
contos morais muito bem traçados, lhes desperta os sentimentos<br />
do Bem, de Religião e de Caridade, principais<br />
elementos da educação da infância" (Diário de Notícias).<br />
Realmente os contos apresentados, todos sem indicação<br />
de autor ou origem, seguem a linha da narrativa oral<br />
clássica estudada por Propp em A Morfologia do Conto.<br />
A análise de conteúdo desses contos leva à conclusão<br />
de que os objetivos a que se propõe o tradutor, explicita-<br />
110
dos no prefácio, são absolutamente cumpridos, e talvez<br />
ficasse admirado se alguém notasse à época que a riqueza<br />
vem sempre associada à vitória do bem (Fortuna tem<br />
sempre o sentido de felicidade + dinheiro). Que beleza<br />
e riqueza estão juntas não só na rima. Feiúra é associada<br />
sempre à maldade (assim como a cor preta). Enfim que<br />
todos os preconceitos do adulto estão presentes nos contos<br />
"morais e educativos".<br />
Em Histórias da Avozinha a mesma preocupação educativa<br />
no prefácio do editor: "As crianças brasileiras, às<br />
quais destinamos e dedicamos esta série de livros populares,<br />
encontrarão nas Histórias da Avozinha agradável<br />
passatempo, aliado a lições de moralidade, porque tais<br />
contos encerram sempre um fundo moral e piedoso". A<br />
maioria das narrativas é de origem estrangeira mas já<br />
aparecem algumas recolhidas do folclore brasileiro contadas<br />
de forma simples e atraente. São elas "A Onça e<br />
o Cabrito" que nada mais é do que "A Onça e o Bode" em<br />
sua primeira forma escrita para crianças; "O Macaco e<br />
o Moleque" que conta como uma velha consegue enganar<br />
0 macaco com um boneco de cera; "Aventuras de um<br />
Jabuti" louvando a esperteza desse bicho, herói de tantas<br />
das nossas histórias; "A Onça e a Raposa" onde mais uma<br />
vez se mostra o valor da esperteza contra a força física",<br />
"O Cágado e o Urubu", hoje mais conhecida como "A<br />
Festa no Céu".<br />
1 É interessante ver-se a diferença entre essas histórias<br />
de bichos de influência indígena e as de origem européia.<br />
Em sua cristalina simplicidade, as primeiras falam do<br />
valor da inteligência, do conflito entre o forte e o fraco<br />
de uma forma mais direta e saudável do que as outras, originárias<br />
de povos civilizados, marcados pela religião católica<br />
dominadora e todo o sentimento de culpa que ela<br />
acarreta.<br />
Meus Brinquedos é um trabalho precioso de preservação<br />
das tradições brasileiras. Trata se da descrição pormenorizada<br />
dos jogos e cantigas de roda com que brincavam<br />
as crianças nas cidades do interior.<br />
Aí vemos por exemplo "Carneirinho, carneirão", "O<br />
chicote queimado", "A cabra cega", "Bater as mãos" acompanhada<br />
de cantiga hoje quase perdida..." "o gato comeu,<br />
111
que é do gato, fugiu pro mato, que é do mato, o fogo queimou"<br />
etc. ... E inúmeras outras (167 ao todo).<br />
O livro se divide em Contos de berço, Jogos infantis,<br />
Jogos de prendas, Sentenças.<br />
Na última parte "Teatro Infantil" oito pequenas peças<br />
para serem representadas por crianças, filão que Figueiredo<br />
Pimentel utiliza ainda em Teatrinho Infantil.<br />
Publicados em fins do século XIX esses livros marcaram<br />
as primeiras décadas do século XX bem como as traduções<br />
de Carlos Jansen Gaúcho, professor do Colégio<br />
Pedro II cuja adaptação de 4s Viagens de Gulliver (1888)<br />
mereceu elogios de Ruy Barbosa.<br />
Conhecedor das boas obras literárias, traduziu o que<br />
havia de melhor para o público juvenil como um volume<br />
das Mil e uma Noites (1882), Robinson Crusoé (1885),<br />
Aventuras Pasmosas do Barão de Munchhausen (1891),<br />
D. Quixote de La Mancha (1901).<br />
As obras da Condessa de Ségur também eram muito<br />
lidas nos primeiros anos deste século em traduções de<br />
Abranches Lobo (Os Desastres de Sofia) Antônio Luís Teixeira<br />
Machado (As Férias e As Meninas Exemplares) e<br />
faziam parte da famosa "<strong>Biblioteca</strong> Rosa Ilustrada".<br />
Além dessas traduções "brasileiras" eram sucesso<br />
ainda a "<strong>Biblioteca</strong> da Infância" com narrativas de Vitor<br />
Hugo e Alphonse Daudet, a "<strong>Biblioteca</strong> da Juventude"<br />
também de apresentação gráfica uniforme onde ao lado<br />
de clássicos traduzidos apareciam autores portugueses.<br />
Literatura Escolar<br />
Segundo Leonardo Arroyo "Os professores do fim do<br />
século XIX e começos do século XX perceberam, as mais<br />
das vezes, que a leitura dos clássicos de várias línguas<br />
era consideravelmente pesada para as crianças. Se não<br />
foi essa razão, pode-se apontar o próprio desenvolvimento<br />
pedagógico como causa do aparecimento dos livros de leitura<br />
para as escolas, substituindo propriamente uma literatura<br />
infantil, de que raras sensibilidades no Brasil então<br />
cogitavam. Esta nova orientação pedagógica seria logo<br />
bem entendida por professores e professoras nacionais".<br />
112
José Veríssimo em A Educação <strong>Nacional</strong>, publicado em<br />
1906, preconiza que uma das reformas mais urgentes é "a<br />
do livro de leitura" acrescentando ser necessário que "ele<br />
seja mais brasileiro, não só feito por brasileiros que não<br />
é o mais importante, mas brasileiro pelos assuntos, pelo<br />
espírito, pelos autores transladados, pelos poetas reproduzidos<br />
e pelo sentimento nacional que os anime". 3<br />
Olavo Bilac é o maior exemplo da Literatura Escolar<br />
no Brasil. Ao cultivar sentimentos nacionalistas e libertários<br />
em sua obra, contribuiu decisivamente para o abrasileiramento<br />
do livro de leitura no início deste século.<br />
Seus dois primeiros livros para crianças Contos Pátrios<br />
e Poesias Infantis foram escritos em 1896. A data da<br />
2. a edição impressa em Paris é de 1906. Já Teatro Infantil<br />
é de 1905, Através do Brasil em colaboração com Coelho<br />
Neto data de 1911.<br />
Examinemos um de seus livros que passamos a analisar.<br />
Através do Brasil feito em colaboração com Manuel<br />
Bonfim, editado pela Livraria Francisco Alves em <strong>1910</strong>,<br />
tem na capa dados objetivos que o configuram como livro<br />
didático. Ao alto lê-se "Prática da Língua Portuguesa".<br />
Abaixo do título em letras grandes vê-se entre parênteses:<br />
(narrativas).<br />
Em seguida: "Livro de leitura para o Curso Médio das<br />
escolas primárias". "Depois dos nomes dos autores a informação:<br />
"Livro de uso autorizado pelo Ministério da<br />
Educação (registro n.° 1570)".<br />
Na abertura "Advertência e Explicação" os autores<br />
situam o livro como "uma simples narrativa, acompanhada<br />
dos cenários e costumes mais distintivos da vida brasileira"<br />
e colocam suas idéias sobre a "moderna pedagogia"<br />
e o uso do livro único de leitura para o curso da Escola<br />
Primária.<br />
Distinguindo entre o livro único e a enciclopédia, dizem:<br />
"Como fonte de conhecimento, a verdadeira enciclopédia<br />
do aluno nas classes elementares é o professor. É<br />
ele quem ensina, é ele quem principalmente deve levar a<br />
criança a aprender por si mesma, isto é: a pôr em, contribuição<br />
todas as suas energias e capacidades naturais, de<br />
113
modo a adquirir os conhecimentos mediante um esforço<br />
próprio".<br />
Vê-se por aí que as noções pedagógicas dos autores<br />
eram bem modernas.<br />
Dizem ainda: "Além de servir de oportunidade para<br />
que o professor possa realizar as suas lições, o livro de<br />
leitura deve conter em si mesmo uma grande lição. Estamos<br />
certos que a criança, com a sua simples leitura, já<br />
lucrará alguma cousa; aprenderá a conhecer um pouco o<br />
Brasil; terá uma visão, a um tempo geral e concreta, da<br />
vida brasileira — as suas gentes, os seus costumes, as<br />
suas paisagens, os seus aspectos distintivos".<br />
E mais adiante: "Suscitar a coragem, harmonizar os<br />
esforços e cultivar a bondade, — eis a fórmula de educação<br />
humana".<br />
E esta proposta é desenvolvida de forma perfeita nos<br />
primeiros dois terços do livro. A trama é simples. Dois<br />
garotos irmãos, um de quinze anos outro de dez estão<br />
internos em um colégio de Recife. O pai viúvo, engenheiro,<br />
havia sido mandado para o interior de Pernambuco a<br />
fim de trabalhar na construção de uma estrada de ferro.<br />
O início da ação é motivada pela chegada de um telegrama<br />
anunciando doença do pai. Muito apegados a ele, os<br />
meninos não vêm outra solução senão fugir do colégio<br />
e, sem dinheiro ou auxílio de quem quer que seja, iniciam<br />
uma grande viagem para encontrá-lo. As aventuras que<br />
ocorrem até a chegada a Garanhuns onde sabem de sua<br />
morte, e em seguida a ida até Salvador e daí a Pelotas<br />
no Rio Grande do Sul são descritos nas 299 páginas do<br />
livro.<br />
Algumas posições dos autores ficam bem claras no<br />
desenrolar da narrativa. O conceito da criança miniatura<br />
do homem, por exemplo, já que os meninos são perfeitamente<br />
capazes de tomar decisões e enfrentar dificuldades<br />
de forma adulta. A idéia de que o homem do interior é<br />
bom e generoso: todas as pessoas que os dois encontram<br />
compadecem-se deles e lhes oferecem comida, abrigo e<br />
às vezes até dinheiro. Nessa primeira parte através do<br />
sertão a pé, a cavalo ou de trem, a narrativa surpreende<br />
pelo grande interesse que desperta. A prosa é simples mas<br />
com freqüentes passagens poéticas. "Os três companhei-<br />
114
os quando acordaram viram o casebre inundado de luz.<br />
Era em outubro; e nesse mês o sol aparece mais cedo.<br />
Seriam seis horas da manhã e já fazia dia claro. A porta<br />
do rancho ficara aberta, e uma larga toalha de claridade<br />
entrava, estendendo-se até o couro".<br />
Todas as ocasiões são aproveitadas para a transmissão<br />
de informações. Cada pessoa encontrada exerce uma profissão<br />
diferente e descreve o que faz ou mesmo leva os<br />
meninos a visitarem o engenho, a ferraria, a fazenda. Participam<br />
de caçada, pescaria, banho de rio. Perdem-se na<br />
floresta, um amigo é tomado por ladrão e preso. Enfim<br />
mil peripécias que envolvem o leitor mantendo-o em permanente<br />
expectativa enquanto o autor vai transmitindo<br />
situações brasileiras, ambientes brasileiros, alma brasileira.<br />
REAÇÃO E FOLCLORE<br />
Essa busca dos valores nacionais que desde o indianismo<br />
de Gonçalves Dias ou mais remotamente ainda de<br />
Santa Rita Durão fazia-se sentir na literatura brasileira<br />
começa pois, em fins do século XIX, começo do século XX,<br />
a atingir a literatura especialmente produzida para crianças<br />
e jovens.<br />
O folclore é sempre e em toda parte fonte inesgotável<br />
de inspiração para escritores; e o folclore brasileiro apresenta-se<br />
particularmente rico. Mistura de tradições portuguesas,<br />
trazidas pelos colonizadores, com a mitologia indígena<br />
autóctone, enriquecida ainda pela contribuição africana<br />
extremamente viva na razão direta da própria falta<br />
de literatura escrita.<br />
Seu estudo iniciou-se pelo recolhimento da narrativa<br />
oral. O conto e o verso popular despertam primeiro o interesse<br />
de escritores como Celso de Magalhães, José de<br />
Alencar, Pereira da Costa, General Couto de Magalhães<br />
ou de estrangeiros como Herbert H. Smith e Charles Frederik<br />
Hartt.<br />
Em seguida os estudiosos do tema onde se destacam<br />
Nina Rodrigues, Sílvio Romero, João Ribeiro, Gustavo<br />
Barroso, Artur Ramos, Edison Carneiro, Silva Campos,<br />
Câmara Cascudo e Basílio Magalhães.<br />
115
A importância da literatura oral para as crianças num<br />
país onde apenas uma pequena elite cultural dominava o<br />
código escrito é fácil de se imaginar. Os depoimentos de<br />
nossos escritores em seus livros de memórias mostram o<br />
quanto a figura da ama importou na formação cultural e<br />
desenvolveu a imaginação. Alguns deles chegaram a transcrever,<br />
mais tarde, essas histórias ouvidas na infância,<br />
como José Lins do Rego em Estórias da Velha Totônia.<br />
A primeira pessoa no entanto a descobrir esse filão<br />
e usá-lo de forma diretamente destinada à criança foi a<br />
professora e musicista mineira Alexina de Magalhães Pinto<br />
(1870-1921). Nascida em São João dei Rei ocupou por<br />
concurso as cadeiras de Desenho e Caligrafia da Escola<br />
Normal. Aos 22 anos viajou sozinha para Paris. De lá,<br />
além dos estudos feitos em Pedagogia e Didática, trouxe<br />
uma bicicleta e a roupa para o ciclismo o que lhe valeu<br />
viva reprovação dos contemporâneos. Em 1895, já no Rio<br />
de Janeiro, cursou a Escola Normal e ocupou, como adjunta,<br />
uma cátedra nessa Escola. Estudiosa do folclore brasileiro,<br />
realizou várias pesquisas especialmente sobre brinquedos<br />
e jogos infantis. Colaborou com assiduidade no<br />
Almanaque Brasileiro Garnier dirigido por João Ribeiro.<br />
Foi a primeira educadora brasileira a preocupar-se em<br />
divulgar uma relação de livros recreativos por faixas etárias<br />
com o título "Esboço provisório de uma biblioteca<br />
infantil" incluída no livro Provérbios, Máximas e Observações<br />
Usuais.<br />
Pioneira no uso da literatura oral e outras formas de<br />
cultura popular à pedagogia, insurgiu-se contra a cartilha<br />
soletrada experimentando, pela primeira vez no Brasil,<br />
um processo que depois se chamou "método global" de<br />
alfabetização.<br />
Publicou os seguintes livros: Ás Nossas Histórias, 1907;<br />
Os Nossos Brinquedos, contribuição para o folclore, 1909;<br />
Cantigas das Crianças e do Povo e Danças Populares, 1916;<br />
Provérbios Papulares, escolhidos para uso das escolas primárias,<br />
1917; Cantigas das Crianças e dos Pretos, s. d.;<br />
Deixou inéditos: "Histórias Contadas" e "Poesias e Hinos<br />
Patrióticos".<br />
Alexina de Magalhães Pinto representa aqui a importância<br />
do folclore para o aparecimento de uma literatura<br />
116
infantil brasileira. As Nossas Histórias publicado sob o<br />
pseudônimo de Icks na Coleção com o mesmo nome demonstram<br />
a seriedade com que a autora-educadora encarava<br />
suas pesquisas. Diz ela na Nota Preliminar: "... foi<br />
dessas, dos seus lábios adoráveis — museu vivo das tradições<br />
humanas — que ouvidas foram e registradas, as<br />
histórias deste livrinho — desigual, falho, mas fiel. Fiel<br />
na sua essência, afirmo-o aos estudiosos, do nosso lore.<br />
Pois, não obstante destinar-se ela à infância, procurei,<br />
mesmo aqui, seguir de perto cada narrador no seu contar,<br />
— emendar ou suprimir o mínimo possível".<br />
E no apêndice como "Observação": "Destas Nossas<br />
Histórias apenas três ou quatro me parecem de origem<br />
brasileira. Carrichinho, Beija-Flor, Sapo e Mula Ruana.<br />
(E sê-lo-ão?). Todas as outras, como verá o leitor, ou são<br />
meras variantes das já registradas nos livros portugueses,<br />
ou contêm em si expressões que nos revelam claramente<br />
a sua origem ultramarina. Nas adaptações que vão conscientemente<br />
indicadas no índice final, para o qual chamo<br />
a atenção dos estudiosos, usei de ampla liberdade.<br />
Nas que diretamente coligi, porém, procurei na medida<br />
do possível ater-me à linguagem dos narradores — sóbrias<br />
de pronomes complementos, de análise introspectiva; —<br />
toda concreta, objetiva, pitoresca. Se me detive um pouco<br />
mais, foi apenas em precisar-lhes os esboços. Uma única<br />
vez fiz um acréscimo. Deste, e do mais que aos escrupulosos<br />
pode interessar, darão conta as notas que se seguem".<br />
Sendo também musicista, os contos recolhidos por<br />
Alexina são enriquecidos com a partitura das partes cantadas<br />
tão comuns nas narrativas populares.<br />
Em Nossos Brinquedos a música ocupa parte muito<br />
importante e à autora se deve o registro de muitos temas<br />
populares recriados mais tarde por Villa Lobos. Outro aspecto<br />
interessante do livro são as adivinhas, charadas e<br />
provérbios por longo tempo usados nos entretenimentos<br />
de salão.<br />
Cantigas das Crianças e do Povo e Danças Populares<br />
traz na dedicatória inicial "Às crianças": "Entoa direitinho<br />
essas cantigas. E se de outras tão simples como essas<br />
souberes os versinhos, mandai-os com o nosso endereço,<br />
o endereço de quem aprendestes, a quem trabalha por ver-<br />
117
vos cada dia mais alegres, mais fortes, mas nobres pelo<br />
sentimento e pelo saber..."<br />
Em seguida uma "Nota Justificativa aos estudiosos e<br />
aos educadores", que é na realidade um ensaio (6 páginas)<br />
sobre o trabalho que desenvolvia com a descrição pormenorizada<br />
dos métodos que empregava. O livro é dividido<br />
em cantigas, cantigas dos pretos, cantigas e danças, coretos<br />
de mesa, coretos de bando de rua, cantigas jocosas,<br />
cantigas históricas, regionais e patrióticas. Todos com a<br />
informação do lugar de onde provêm.<br />
Há ainda um apêndice com nota preliminar onde<br />
se lê: "Aproveitarmos essa idade para firmar a criança,<br />
primeiro nos nossos sentimentos, depois, nas próprias pernas,<br />
que antes de andar sabe sentir a criança"... "Possam<br />
ao menos as sãs tradições nacionais merecer dos lares<br />
brasileiros, dos nossos homens do momento, o que dos<br />
lares alemães, dos dirigentes da agregação e unificação<br />
dos povos da Germânia, lhes merecem e merecem as deles<br />
— apoio, carinho, amor... algo mais que um sorriso".<br />
Pela seriedade de seu trabalho e pelo amor que dedicou<br />
às crianças em sua vida e por sua obra, Alexina de Magalhães<br />
Pinto coloca-se entre os mais importantes fundadores<br />
de nossa literatura infantil.<br />
O TICO-TICO<br />
Como vimos, a literatura oral exercia no período estudado<br />
enorme influência e era o "instrumento lúdico e<br />
instrutivo por excelência da criançada do Brasil". 4<br />
Assim o aparecimento de jornais dedicados ao público<br />
infantil despertou o imediato interesse do jovem leitor<br />
e marcou vigorosamente um período na literatura infantil<br />
brasileira. Em quase todos os estados surgiram<br />
jornais durante o século XIX e Leonardo Arroyo fez deles<br />
estudo minucioso. 5<br />
O aparecimento de O Tico-Tico no dia 11 de outubro<br />
de 1905 veio portanto de encontro a uma necessidade de<br />
leitura já comprovada pelas experiências estaduais e, por<br />
seu planejamento e organização profissionais, tornou-se<br />
logo sucesso de público.<br />
118
Durante meio século foi leitura obrigatória das crianças<br />
brasileiras e exerceu profunda influência segundo depoimentos<br />
constantes dos intelectuais e homens públicos<br />
daquela geração.<br />
Fundada pelo jornalista mineiro Luís Bartolomeu de<br />
Sousa e Silva segundo modelos americanos, franceses e<br />
ingleses, a revista reuniu os melhores desenhistas da<br />
época. Lá trabalharam Renato de Castro, Luís Gomes Loureiro,<br />
Alfredo Storni, Max Yantok, Angelo Agostini, J.<br />
Carlos e outros.<br />
De início a idéia era fazer uma revista infantil imitando<br />
os modelos estrangeiros. A irrupção da guerra de<br />
1914 prejudicou a forma inicial o que possibilitou o aparecimento<br />
do verdadeiro talento dos artistas nacionais. O<br />
depoimento de Luís Gomes Loureiro a Rejane Carvalho<br />
de França 0 é dos mais interessantes e elucidativos. Diz ele:<br />
"Quando eu entrei para O Tico-Tico, ele já existia<br />
há dois anos. Lá encontrei veteranos no<br />
mundo do jornalismo, como José Lopes dos Reis,<br />
o poeta Luís Pistarilho, Renato de Castro, Leônidas,<br />
Storni e outros... Recebi então, incumbência<br />
de copiar uma revista americana cujo<br />
nome era The New York Herald. Com a guerra,<br />
tornou-se difícil a vinda de originais desta revista<br />
e eu passei a desenhar os personagens de<br />
O Tico-Tico. Foi quando criei o Benjamim, um<br />
garoto de recados, que um dia desapareceu de<br />
casa aborrecido com a popularidade alcançada.<br />
Não lhe valeram as minhas considerações quanto<br />
à sua popularidade... ele "danou-se" e foi<br />
embora...<br />
Quanto aos personagens Chiquinho e Jagunço,<br />
estes foram abrasileirados por mim, tornaramse<br />
originais de um artista brasileiro. A ausência<br />
de revistas estrangeiras fez com que artistas<br />
nacionais fossem obrigados a criar novos<br />
tipos e O Tico-Tico, aos poucos, foi ganhando<br />
uma dimensão nacional. Surgiram personagens<br />
119
maravilhosos como o Kaximbown, do Yantok, o<br />
Zé Macaco e a Faustina, do Storni, Jujuba, do<br />
J. Carlos e mais outros, do Luís Salles, etc.<br />
Era comum eu encontrar na rua pessoas que<br />
me perguntavam — o que vai acontecer ao<br />
Chiquinho, na próxima terça-feira? — E, às<br />
vezes, nem eu sabia o que... Tal era a expectativa<br />
da garotada em torno da vida destes<br />
personagens".<br />
Um aspecto pouco lembrado e que mostra o pioneirismo<br />
da revista é o de incentivo aos trabalhos manuais<br />
através de jogos de armar, hoje tão em moda. Sobre isto<br />
fala Luís Gomes Loureiro:<br />
"Também criei, dentro do próprio O Tico-Tico,<br />
peças para montar: um "bonde da light", um<br />
"bonde elétrico", um "reboque caradura", um<br />
"landolé" e, passageiros para estes transportes.<br />
E o que mais me surpreendeu foi a aceitação<br />
magnífica que estas peças de armar tiveram<br />
entre as crianças e até adultos. Muitos pais<br />
procuravam-me para aprenderem como ajudar<br />
os filhos na confecção das peças e outros mesmo<br />
para discutirem a validade da invenção. Eu<br />
lhes explicava que a minha intenção era ligada<br />
à necessidade da criança de desenvolver<br />
as suas qualidades de observação e educação<br />
manual, porque sem educação manual não se<br />
pode ter bons cirurgiões, bons artistas. Então,<br />
eu ganhava novas adesões ao jogo de armar". 7<br />
O desaparecimento de O Tico-Tico deveu-se às mudanças<br />
histórico-sociais que trouxeram consigo heróis de<br />
outro tipo concretizados na importação dos "comics" americanos<br />
dando início a era da comunicação de massa que<br />
hoje vivemos. Sua importância no entretanto ficou registrada<br />
no depoimento de toda uma geração cujo hábito<br />
de leitura se iniciou nas páginas dessa revista e que a<br />
ela muito deve na sua formação.<br />
120
O número comemorativo de seu cinqüentenário reúne<br />
esses depoimentos e mostra de forma indelével a presença<br />
marcante de O Tico-Tico.<br />
CONCLUSÃO:<br />
Os últimos anos do século XIX e o primeiro decênio<br />
do século XX foram, como vimos, marcadamente, "nacionalistas"<br />
no sentido de que representaram, sem dúvida<br />
alguma, uma reação consciente ao domínio da metrópole<br />
sobre a literatura destinada às crianças brasileiras.<br />
Mas é evidente que essa reação só pôde existir porque<br />
já havia um mercado consumidor suficientemente amplo<br />
para permitir o aparecimento de textos específicos.<br />
Assim também apesar de todos os problemas aqui<br />
levantados de predominância de conteúdos importados sobrepondo-se<br />
a uma ambientação e linguagem já decididamente<br />
nacionais, esse grupo a que podemos chamar de<br />
pioneiros e do qual aqui abordamos apenas as principais<br />
figuras possibilitou o aparecimento dos verdadeiros criadores<br />
de uma Literatura Infantil brasileira: Monteiro Lobato<br />
com Narizinho Arrebitado, em 1921, e Viriato Correia<br />
com Cazuza, em 1938.<br />
Nesta tentativa de traçar a evolução da literatura<br />
infantil brasileira através de seus fundadores e de suas<br />
fases sucessivas pode-se constatar os fundamentos de seus<br />
principais problemas ainda hoje: excesso de moralismo e<br />
dogmatismo, estreita ligação com a escola, conteúdo que<br />
visa à manutenção do statu quo, forma elaborada, distante<br />
da linguagem oral. Todos esses pontos devem ser estudados,<br />
pesquisados, pesados e medidos para que se possa<br />
sentir se são positivos ou negativos. Mas pode-se também<br />
considerar a importante contribuição de todos e de cada<br />
um, para a criação de uma linguagem literária e de uma<br />
temática nacional que são a base de uma Literatura adequada<br />
às crianças.<br />
121
NOTAS BIBLIOGRÁFICAS<br />
1 — ARROYO. Leonardo. Literatura Infantil Brasileira. São<br />
Paulo, Melhoramentos, 1968. p. 110.<br />
2 — idem, p. 121.<br />
s — Idem, p. 81.<br />
* — Idem, p. 131.<br />
s _ Idem, p. 131 — 52.<br />
« — FRANÇA. Rejane Carvalho de. A FNLIJ entrevista Luis<br />
Gomes Loureiro. Boletim Informativo. Rio de Janeiro, FNLIJ, 9<br />
(40): 20, out./dez. 1977.<br />
122<br />
— Idem, p. 21.
A IMPRENSA<br />
Barbosa Lima Sobrinho
A proclamação da República não foi o resultado de<br />
uma revolução, como desejava Silva Jardim. Consumou-se,<br />
no Brasil, por um simples golpe de Estado, epílogo de um<br />
caso militar que vinha envenenando a tropa, recrudescendo<br />
com o autoritarismo do Visconde de Ouro Preto, numa<br />
fase em que o excesso de confiança podia explicar as reações<br />
ou a falta de reação do Imperador. Os golpes de Estado<br />
raramente se traduzem em revolução. Não raro se<br />
limitam a uma simples mudança do regime ou a uma<br />
troca dos nomes dos governantes. Enveredando para o<br />
combate aos subversivos, uma revolução terá que ser fatalmente<br />
subversiva ou não será revolução. A de 1889 derrubou<br />
um regime, trouxe novos quadros ao governo do<br />
País, completou algumas conquistas, como a separação<br />
entre a Igreja e o Estado, a secularização dos cemitérios e<br />
até mesmo o advento do federalismo, que era uma aspiração<br />
antiga de todo o País e já havia conquistado posições<br />
avançadas no programa do Partido Liberal. Como se<br />
fosse a chegada ao Governo de um novo Ministério. Um<br />
Ministério que viesse realizar as reformas de um novo<br />
partido político, trocando-se D. Pedro II por Deodoro da<br />
Fonseca e indicando Chefe do Gabinete Rui Barbosa, levando<br />
nas mãos um programa dos artigos admiráveis, publicados<br />
no Diário de Noticias.<br />
Da imprensa dessa fase, não há retrato mais fiel do<br />
que o que nos foi legado por um jornalista francês que<br />
veio ao Brasil para encontrar resposta para as interrogações<br />
européias, que não compreendiam como se podia<br />
afastar um governante com a sabedoria e a superioridade<br />
125
do Imperador D. Pedro II. Chamava-se esse jornalista<br />
Max Leclere e estava incumbido do setor da política externa,<br />
numa das grandes folhas do jornalismo francês, o<br />
Journal des Débats, que acabava de comemorar o cinqüentenário<br />
de sua fundação. É extraordinária a acuidade demonstrada<br />
pelo visitante francês, que Sérgio Milliet classifica<br />
como um jornalista perspicaz e ativo, que não perde<br />
tempo e sabe olhar, embora caibam restrições a muitas de<br />
suas conclusões ou de suas afirmações peremptórias. Mas<br />
no julgamento da imprensa brasileira não há muito que<br />
retificar, embora sabendo ele, e dizendo, que o Rio de<br />
Janeiro não é o Brasil. Assinala a presença de dois grandes<br />
jornais: o Jornal do Commercio e a Gazeta de Notícias.<br />
O Jornal do Commercio, escreve ele, "é uma espécie<br />
de Times, sem virilidade; é o Times sem os "leading articles",<br />
um bom repositório de fatos, um conjunto útil de<br />
documentos. Na Gazeta de Notícias assinala a presença de<br />
Ferreira de Araújo que considera um excelente jornalista;<br />
julga homens e coisas com condescendente ironia; escreve<br />
com precisão, elegância e sobriedade reais. Tem temperamento,<br />
caráter, espírito elevado, inteligência rapidamente<br />
aberta."<br />
O paralelo entre o Jornal do Commercio e o Times não<br />
deixaria de conter alguns equívocos. Havia que considerar,<br />
também, a diferença dos ambientes em que os dois jornais<br />
atuavam. A Inglaterra compreendia e respeitava a sua<br />
grande folha tradicional; no Brasil surgira, com a República,<br />
uma nova influência que desejava encontrar nos<br />
seus jornais, meros cooperadores de ações governamentais,<br />
não críticos, porque não estava longe de enxergar oposição<br />
e combate onde havia apenas o exercício salutar da<br />
faculdade de crítica. O Jornal do Commercio se identificava<br />
com a monarquia e com D. Pedro II. Seu proprietário<br />
de então o Conde de Villeneuve, residindo em Paris, devia<br />
ter visto a deposição do Imperador com o mesmo sentimento<br />
de espanto que deve ter trazido ao Brasil um representante<br />
do Journal des Débats. Era preciso agir com<br />
prudência e aqui estava, à frente do Jornal do Commercio,<br />
um homem de excepcional integridade que era o Conselheiro<br />
Souza Ferreira, que não ignorava a mudança do<br />
126
ambiente com que deveria contar a ação da imprensa<br />
brasileira. O que não impedira que a voz da imprensa se<br />
levantasse para combater o Tratado das Missões, que Quintino<br />
Bocaiuva estava negociando, atribuindo à Argentina<br />
territórios que o Brasil já considerava incorporados à Soberania<br />
<strong>Nacional</strong>. Manifestava-se contra várias medidas<br />
que compunham o plano financeiro do Governo Provisório,<br />
elaborado pelo seu Ministro da Fazenda que era Rui Barbosa,<br />
talvez menos Ministro que Chefe de Gabinete, como<br />
é de uso nos governos em formação militar, como se houvesse,<br />
para eles, um regime presidencial sui generis exigindo<br />
transformações exigidas pela própria realidade.<br />
A primeira década republicana não alterou profundamente<br />
o quadro da presença e da influência da imprensa<br />
brasileira. Assistiu-se, de certo, à decadência das folhas<br />
que mais se haviam destacado na defesa da Abolição. A<br />
República não tivera, aliás, na grande imprensa, nenhum<br />
propagandista de maior ascendência. Quintino Bocaiuva,<br />
em O País, pode-se dizer que fazia a sua campanha debaixo<br />
do pano, por processos indiretos, numa folha que<br />
fazia questão de manter absoluta neutralidade política. Na<br />
Gazeta de Notícias, quem lutava pela República era Silva<br />
Jardim, numa coluna que se paginava a distância dos editoriais,<br />
para deixar a impressão de que vinha de fora, sem<br />
maior responsabilidade da própria redação do jornal. Não<br />
foi difícil aplaudir o advento do regime republicano, que<br />
surgira com a força de um fato consumado. Mas quase<br />
todos aplaudiam medidas generosas no tratamento do<br />
Imperador deposto, não por ele próprio, mas talvez pela<br />
ameaça de um Terceiro Reinado que poucos admitiam,<br />
se houvesse realmente quem o admitisse.<br />
No decorrer da década, há profundos antagonismos e<br />
medidas de repressão na fase de Floriano Peixoto, com as<br />
lutas armadas que perturbaram a vida nacional. O episódio<br />
de Canudos dera a oportunidade à expansão de um<br />
certo histerismo provocado pela exacerbação das paixões<br />
partidárias, quando se quis fazer de Antônio Conselheiro<br />
uma espécie de defensor da restauração monárquica. Mas<br />
o século se encerrou sem alterações mais profundas na<br />
vida da imprensa brasileira. Não houve nem mesmo interrupções<br />
na sua evolução técnica. O Jornal do Brasil<br />
127
surgiu em 1891, com uma excelente redação. Todos os<br />
jornais se reuniam no protesto enérgico contra as depredações<br />
contra a folha monarquista, que era a Tribuna, de<br />
Carlos Laet. O que ainda prevalecia, nas redações, era a<br />
ascendência dos boêmios, que Coelho Neto fixaria tão bem<br />
em dois magníficos romances de sua autoria. A fundação<br />
do Jornal do Brasil trouxera algumas inovações que Nelson<br />
Werneck Sodré registra na sua excelente História da<br />
Imprensa: a distribuição da folha em carroças e a amplitude<br />
da participação dos correspondentes estrangeiros, entre<br />
os quais se destacavam o grande financista europeu<br />
que era Paul Lerdy Beaulieu, os escritores Edmundo<br />
dAmicis, Fialho de Almeida, Teófilo Braga e Oliveira<br />
Martins. No Jornal do Brasil, o Barão do Rio Branco iniciava<br />
a publicação de suas preciosas Efemérides, tão documentadas<br />
e precisas. Na direção da folha figurava Rodolfo<br />
Dantas, contando com redatores e colaboradores tão<br />
ilustres como Joaquim Nabuco e Constâncio Alves e ainda<br />
com José Veríssimo. Mas a odisséia da imprensa se iniciara,<br />
com a prisão de jornalistas que combatiam o governo<br />
de Floriano Peixoto, inaugurando-se o confinamento<br />
de Cucuí, os exílios que vão dispersando os jornalistas e<br />
intelectuais de todo o Brasil. Uma prática que não seria<br />
abandonada no Governo de Prudente de Morais, quando<br />
se substituía Cucuí pela Ilha de Fernando de Noronha,<br />
para abrigar tanta gente acusada de subversão.<br />
O início do século XX não trouxe nenhuma inovação<br />
profunda. Por maior que seja o número dos sinos que<br />
festejam a passagem do ano, ou do século, a impressão dos<br />
que assistiam aos festejos e às comemorações era apenas<br />
a de quem vira uma folha do calendário. Mas a década<br />
de <strong>1900</strong> trazia alterações significativas na vida de toda<br />
a Nação, como na redação dos jornais e revistas com que<br />
se compõe a imprensa brasileira. Não direi que assinalou<br />
a substituição do jornal-opinião pelo jornal-empresa. A<br />
existência da empresa, a meu ver, vinha de muito longe.<br />
Nascera com a organização do Jornal do Commercio, no<br />
Rio, como também com a do Diário de Pernambuco, no Recife.<br />
Era ela justamente que separava as folhas efêmeras<br />
dos jornais de maior duração. Não se podia considerar<br />
como empresa o Diário do Rio de Janeiro, para viver de<br />
128
1821 a 1878? Não foram também empresas O Estado de<br />
S. Paulo, o Diário Popular do velho José Maria Lisboa,<br />
de São Paulo? Sem um mínimo de estrutura empresarial,<br />
nenhum jornal duraria mais que as paixões e os propósitos<br />
que haviam provocado o seu aparecimento. É claro,<br />
porém, que com a passagem do tempo cresceriam e mudariam<br />
com as necessidades da própria empresa. Não pode<br />
haver termo de comparação entre uma folha em que poucos<br />
redatores lutavam para encher as suas poucas colunas<br />
e uma folha que, para assegurar a regularidade de uma<br />
edição de numerosas páginas, exige a cooperação de milhares<br />
de pessoas. Nenhum diário contemporâneo (New<br />
York Times, Pravda, Asahi, Diário dei Pueblo) trabalha<br />
com menos de umas seis mil pessoas, entre jornalistas,<br />
técnicos, impressores e pessoal administrativo. Só El Mercúrio,<br />
de Santiago do Chile, emprega 1.200 trabalhadores,<br />
escreve Camilo Tarjia, em Periodismo y Lucha de<br />
Classes, p. 216.<br />
A década de <strong>1900</strong> não acaba de todo com o jornal de<br />
opinião, mas é claro que dificulta muito, com poucas exceções,<br />
a tarefa que eles precisam executar. Os jornais<br />
se dividem em dois grupos fundamentais: os que apóiam<br />
o governo e os que discordam do governo. Discordam e<br />
combatem. As subvenções oficiais podiam revestir-se de<br />
forma diferente, com a publicação da propaganda e dos<br />
balancetes e relatórios das organizações dependentes do<br />
próprio governo. Podiam também chegar à necessidade<br />
dos empréstimos do Banco do Brasil. Era a presença do<br />
que se chamava "reptile press", a ação dissolvente, ação<br />
dissimulada dos jornais que serviam ao governo. O mercado<br />
de consciência, dizia eu, há muitos anos passados,<br />
tem muito mais movimento, agitação e ofertas do que o<br />
de cereais, por exemplo. A expansão do Estado, seu crescimento,<br />
concorria para o aumento dessa dependência. Era<br />
uma tradição dos governos da Monarquia que os responsáveis<br />
pela República continuaram, invocando argumentos<br />
que a justificassem. Campos Salles dizia que "debaixo<br />
de instituições que tiram da opinião a origem de todo o<br />
poder e que com ele devem viver e num País, entretanto,<br />
em que os estadistas estrangeiros podem maravilhar-se<br />
de ver imprensa sem política e partido político com im-<br />
129
prensa, só resta fatalmente ao governo o recurso do jornalismo<br />
industrial", ou do jornalismo subvencionado, para<br />
ser mais preciso, traduzindo a própria linguagem de Campos<br />
Salles.<br />
Nem todos entenderiam que estivessem vendendo a<br />
opinião de seu jornal quando estivessem acolhendo a publicidade<br />
oficial. Vendiam espaço e não opinião. O que<br />
permitia conservar uma relativa autonomia. Outros preferiam<br />
vender tudo, ou porque estivessem realmente de<br />
acordo com o governo ou porque desejassem apoio mais<br />
amplo para as suas reivindicações. Na Monarquia ainda<br />
havíamos tido uma imprensa partidária natural, subvencionada<br />
ou não, mas contando também com o apoio financeiro<br />
de seus correligionários. O regime presidencialista<br />
substituíra os partidos pelos governos estaduais ou da<br />
União. Imprensa pró ou imprensa contra e, ao lado dela<br />
outra que se podia identificar como discreta, sem renunciar<br />
de todo às exigências da própria consciência.<br />
A imprensa importante que encerrara a década do<br />
advento da República, prosseguiria na década seguinte<br />
com o Jornal do Commercio, a Gazeta de Notícias, o Jornal<br />
do Brasil, O País, A Cidade do Rio, A Imprensa, A Notícia,<br />
cercados, como sempre, de outros órgãos que o tempo<br />
se incumbia de fulminar.<br />
Luís Edmundo, assustado com a influência considerável<br />
de elementos estrangeiros, sobretudo a colônia portuguesa,<br />
agindo e atuando na vida de todo o jornalismo brasileiro,<br />
com a presença de colaboradores que então ilustravam<br />
a literatura de Portugal, descrevia com exatidão:<br />
"O jornal, na alvorada do século, ainda é a anêmica, clorótica<br />
e inexpressiva gazeta da velha Monarquia, uma<br />
coisa precária, chã, vaga, morosa e trivial. Poucas páginas<br />
de texto, quatro ou oito apenas. Começa geralmente<br />
pelo artigo de fundo, um artigo de sobrecasaca, cartola<br />
e pince-nez, ar imponente e austero, mas rigorosamente<br />
vazio de opinião, espécie de puzzle de flores de retórica<br />
que foliculários escrevem com dicionário de sinônimos de<br />
um lado e um jogo de raspadeiras afiadas noutro, literatura<br />
cor-de-rosa e que os homens mais ou menos letrados<br />
do País sorvem logo de manhã cedo, ainda em robe<br />
de chambre, de chinelos de cara-de-gato no bico do pé,<br />
130
acavalando nos beques extenuados enorme pince-nez de<br />
tartaruga, babando admiração pela obra-prima. Paginação<br />
sem movimento ou graça. Colunas frias monstruosamente<br />
alinhadas, jamais abertas, títulos curtos. Pobres. Ausência<br />
quase absoluta de subtítulos. Vaga clicheterie. Desconhecimento<br />
das manchetes e de outros processos jornalísticos<br />
que já são, no entanto, conhecidos nas imprensas adiantadas<br />
do norte da Europa. Tempo de soneto na primeira<br />
página, dedicado ao diretor ou ao redator principal da<br />
folha." A não ser o Jornal do Brasil, que mantém um corpo<br />
de caricaturistas e diariamente publica charges. Só uma<br />
vez ou outra é que elas surgem nas outras gazetas. As<br />
oficinas de gravura ainda são poucas e os clichês caríssimos.<br />
Só o Jornal do Commercio possuía um belo serviço<br />
de telegramas. A notícia da polícia vinha sempre precedida<br />
de um infalível nariz-de-cera. A reportagem, procurando<br />
um sensacionalismo que não chegou a encontrar,<br />
e quando, por acaso, surgisse, seria explorado, esticado,<br />
para agradar ao público, atribuindo-se ao atraso do país<br />
a escassez dos crimes sensacionais. O que salvava o jornal<br />
das aperturas era o folhetim-romance de capa e espada.<br />
A seção de anúncios pobre relativamente.<br />
Nesse livro, O Rio de Janeiro de Meu Tempo, que venho<br />
citando, Luís Edmundo, que era jornalista, se detém nas<br />
redações dos diversos diários da então capital da República,<br />
o Jornal do Commercio, a Gazeta de Notícias, o Jornal<br />
do Brasil, O País, a rósea Noticia, A Tribuna, A Cidade<br />
do Rio, O Jacobino, O <strong>Nacional</strong>, a Revista Contemporânea,<br />
realçando as diferenças entre esta imprensa do<br />
começo do século e o jornalismo de oposição da fase da<br />
independência brasileira. Era sensível agora a presença e<br />
a influência da colônia portuguesa em quase todos. "O<br />
fato, escrevia Luís Edmundo, é que, discretamente ou indiretamente,<br />
todos lhe pertencem. São deles as oficinas<br />
de impressão e ainda os imóveis onde as mesmas se instalam<br />
e funcionam, as cartas de fianças ou outras garantias<br />
para a instalação e funcionamento das empresas, deles o<br />
crédito para a compra da tinta e do papel, fatalmente deles<br />
o anunciozinho, embora muito mal pago, porém representando<br />
a vida e a prosperidade da gazeta". Acrescenta<br />
que "nas redações dessa imprensa alienígena os brasilei-<br />
131
os foram sempre fantoches. E não há jornal, dos que<br />
são tidos por nossos, por mais simpático que seja à causa<br />
brasileira, que ouse dar guarida, apadrinhar o assunto,<br />
que nos interessa, medroso, sempre, de desgostar o amigo<br />
comendador, por que este, se quiser (sabem todos muito<br />
bem disso) num só gesto, como um satanás de mágica,<br />
pode reduzir esse mesmo jornal a fanicos. Como? De um<br />
modo muito simples: suspendendo-lhe o crédito, tirandolhe<br />
os anúncios, abrindo contra ele, à socapa, uma campanha<br />
comercial terrível, contando sempre, para isso, com<br />
a solidariedade da grei, que à gazeta proscrita nunca mais<br />
cederá, mesmo a toneladas de ouro, um só dedal de tinta,<br />
um palmo de papel" (ob. cit. pág. 1056-1058).<br />
Hoje o panorama receberia o título de alienação. Uma<br />
força oculta, mudando de nome e de nacionalidade, mas<br />
sempre influindo na imprensa, como uma dependência<br />
econômica quase inelutável. Luís Edmundo não há dúvida<br />
que exagerava na descrição que apresentava, mas o<br />
fato em si mesmo existia, não apenas no Rio, como em<br />
todos os lugares onde fosse predominante a influência<br />
da colônia portuguesa. Embora a dependência maior fosse<br />
em face do poder econômico da Inglaterra, não é entretanto<br />
tão sensível a presença da influência britânica nos<br />
jornais. Como que se ela própria se limitasse ao domínio<br />
das altas finanças. Sentia-se mais na imprensa a presença<br />
e a influência da colônia portuguesa, que ainda se fazia<br />
sentir embora já numa fase de declínio, até o governo de<br />
Epitácio Pessoa, que se inclinava para nacionalismo antilusitano,<br />
num momento em que o imperialismo já ia tomando<br />
as cores da bandeira dos Estados Unidos.<br />
Nesse quadro quase geral de conformismo é que iria<br />
surgir, na imprensa carioca, uma nova força de feição<br />
quase revolucionária, com o Correio da Manhã, de Edmundo<br />
Bittencourt. A intrepidez de suas atitudes marcou-lhe<br />
uma posição definitiva na imprensa brasileira. A pequena<br />
burguesia encontrava nele a sua própria voz, para expressar<br />
seus ressentimentos, suas reivindicações, seus protestos.<br />
Pode-se dizer que desde a fundação, o Correio da<br />
Manhã passou a liderar a opinião pública do Rio, o que<br />
valeria dizer a opinião pública de todo o Brasil, pela influência<br />
natural da capital da República. O duelo que<br />
132
Edmundo Bittencourt teve com Pinheiro Machado, o desassombro<br />
de suas atitudes vão compondo, em torno de<br />
seu Diretor, uma auréola de destemor, que se transformava<br />
em prestígio para o seu extraordinário matutino. Cabe<br />
ainda aqui o comentário de Luís Edmundo quando diz<br />
que "foi para combater esse estado de coisas e restabelecer<br />
na imprensa do país aquele sentido patriótico que<br />
fez a glória do Evaristo e criou, por muito tempo, a autonomia<br />
do nosso povo, que um jovem advogado cheio de<br />
audácia, de energia e de civismo pensou em lançar aqui<br />
um periódico rompendo as normas que os outros, até então,<br />
haviam estabelecido, trincheira de ação ativa e patriótica,<br />
exclusivamente nossa, onde se defendessem os<br />
conculcados interesses do povo que uma fatalidade histórica<br />
oprimia e humilhava. Era necessário, para isso, apenas<br />
um aparelho economicamente independente e rigorosamente<br />
brasileiro, um grupo de auxiliares cheios de fé<br />
e de bravura pessoal." Ou a observação mais ampla de<br />
Nelson Werneck Sodré, coincidindo com a opinião de Luís<br />
Edmundo, quando nos diz que "daí por diante, e em toda<br />
a velha República, que ajudou a derrotar, o jornal de<br />
Edmundo Bittencourt foi realmente o veículo dos senti-<br />
;mentos e místicas da pequena burguesia urbana em<br />
papel dos mais relevantes. Quebrou a monótona uniformidade<br />
política das manipulações de cúpula, dos conchavos<br />
de gabinete levando sempre o protesto das camadas populares,<br />
na fase histórica em que a participação da classe<br />
trabalhadora era mínima. Através desse caminho, vindo<br />
de baixo, portanto, é que se transformou, e depressa, em<br />
empresa jornalística" (História ãa Imprensa Brasileira,<br />
pág. 329). Mantendo sempre o Correio da Manhã até a<br />
fase final em que foi compelido a um arrendamento para<br />
mãos estranhas, um fadário de bravura, de firmeza e de<br />
coerência, que não chega a decair, quando passa das mãos<br />
de Edmundo Bittencourt às mãos de Edmundo Moniz e<br />
Niomar Sodré.<br />
Ao lado da ascensão do Correio da Manhã há que referir<br />
a decadência do jornal de José do Patrocínio, A Cidade<br />
do Rio, encerrando seus dias no começo do século, num<br />
final realmente melancólico. Também havia desaparecido<br />
a grande figura que tanto prestígio moral atribuíra à<br />
133
Gazeta ãe Noticias, o seu diretor Ferreira de Araújo. Já<br />
numa fase em que os progressos gráficos iam facilitar o<br />
florescimento de numerosas revistas como a Revista áa<br />
Semana, a Leitura para Todos, Fon-Fon, O Tico-Tico, A<br />
Careta, Kosmos, esta com a colaboração de Bilac, José<br />
Veríssimo, Capistrano de Abreu, Vieira Fazenda, João Ribeiro,<br />
Arthur Azevedo, Paulo Barreto, Gonzaga Duque,<br />
Raul Pederneiras, Coelho Neto, Félix Pacheco, Medeiros e<br />
Albuquerque e Euclides da Cunha, tendo como diretor da<br />
revista Mário Behring. Para competir com ela ou, pelo<br />
menos, estimulada pela publicação de Kosmos, surgia logo<br />
depois, Renascença, dirigida por Rodrigo Octávio e Henrique<br />
Bernardelli, contando, por igual, com excelente<br />
colaboração em que luziam os grandes nomes da época,<br />
já acrescidos de Sílvio Romero, Elísio de Carvalho, Araripe<br />
Júnior, Max Fleiuss e Afonso Celso.<br />
De certo que muita coisa escapa e um artigo sucinto<br />
sobre toda uma década da vida da imprensa brasileira.<br />
Muitos jornalistas não chegaram sequer a ser mencionados,<br />
numa década que teve a perturbá-la uma grande<br />
campanha contra a vacina obrigatória. Não falta, aliás,<br />
quem se valha desse episódio, para fazer da imprensa uma<br />
força retrógrada, sem verificar o motivo real e a utilidade<br />
dessa campanha enérgica contra a vacina obrigatória. Nem<br />
todos combatiam a eficácia da vacina, que era ainda<br />
objeto de dúvidas e de receios, como se podia aferir nos<br />
argumentos apresentados por um médico ilustre, que não<br />
estava longe de merecer a classificação de sábio, o Dr.<br />
Bagueira Leal. Mas o que se combatia realmente era a<br />
obrigatoriedade da vacina, a aplicação à força em pessoas<br />
que não acreditassem na sua eficácia. Outros profligavam<br />
a maneira como se vinha aplicando a vacina, num trabalho<br />
improvisado que nem sempre atendia às exigências<br />
elementares da própria higiene. De qualquer modo, o<br />
combate teve o seu efeito útil, obrigando a administração<br />
pública a tornar-se mais vigilante na escolha e formação<br />
de seus auxiliares, assim como no preparo da própria<br />
vacina. Teria tido o mesmo êxito a aplicação da vacina<br />
obrigatória, se não encontrasse esse esforço de crítica, e<br />
de resistência, que a forçava a aprimorar a sua ação e o<br />
processo de sua utilização? Pior de que tudo é a passivi-<br />
134
dade, o silêncio, a indiferença. Os que lutaram contra a<br />
vacina obrigatória acabaram sendo cooperadores inestimáveis<br />
de sua própria eficiência. Pena foi que a campanha<br />
se convertesse em instrumento de exploração política,<br />
armando conspirações militares que ocasionaram um levante<br />
dos moços da Escola Militar. Mas esse episódio deveria<br />
levar a responsabilizar menos os que contestaram a<br />
obrigatoriedade da vacina do que a facilidade com que se<br />
transformam discordâncias políticas em levantes militares.<br />
E é bom não esquecer, ao rememorar esse episódio,<br />
quanto concorreu a imprensa para ajudar, aplaudindo ou<br />
contestando, o imenso esforço para a remodelação do Rio<br />
de Janeiro e a liquidação do espantalho da febre amarela,<br />
que tanto havia colaborado com os adversários do Brasil.<br />
Não se poderia concluir esse resumo sucinto das atividades<br />
da imprensa, na década de <strong>1900</strong>, sem registrar o<br />
fato culminante que a assinalou, com o florescimento da<br />
imprensa operária. Já na década anterior vinham surgindo,<br />
sobretudo em São Paulo e aqui, periódicos destinados<br />
à defesa das classes trabalhadores, o que em grande parte<br />
se devia ao afluxo de correntes imigratórias, em que figuravam<br />
líderes e entusiastas do anarquismo, ou tocados da<br />
Europa já pelos governos de lá, ou buscando no Brasil um<br />
ambiente favorável às reivindicações de que eram portadores.<br />
A década de <strong>1900</strong> registra o auge desse esforço de<br />
proselitismo. Já em 1893 havia surgido, em São Paulo, para<br />
uma longa existência, um diário em língua italiana, a<br />
famosa Fanfulla, com Vitaliano Rottelini, de tanto prestígio<br />
e irradiação. Mas só em <strong>1900</strong> apareceriam, em São<br />
Paulo, 11 periódicos em italiano, muitos destinados à defesa<br />
dos trabalhadores, entre eles o Avanti, de Alceste<br />
Ambrys. Em 1901 surgia II Ragno, de Ettore Rossi e E.<br />
Caulli. Em 1904 surge, ainda em São Paulo, La Bataglia,<br />
dirigido por Crestes Ristori, Antonio Picarollo, Antonio<br />
Pisani, e outros trazem, para o Brasil, a cooperação de<br />
sua cultura e de suas inspirações sociais. O Rio acompanha<br />
de perto esse esforço, a que vem dar maior relevo<br />
a revolta de João Cândido. As idéias socialistas proliferam<br />
por toda a parte e se apresentam como solução para a<br />
questão social.<br />
135
Everardo Dias, na sua História das Lutas Sociais no<br />
Brasil, refere-se ao aparecimento, em São Paulo, de La<br />
Bataglia, órgão de crítica social, de tendência libertária,<br />
sob a direção de Orestes Ristori, que foi, no seu entender<br />
tão autorizado, "o maior agitador aparecido no Brasil,<br />
orador fluente e cáustico, sempre disposto à ação. Realizou<br />
centenas de conferências por todo o interior do<br />
Estado, agitando a massa trabalhadora das cidades, vilas<br />
e povoados. Sofreu inúmeras prisões e duas deportações,<br />
a última em 1935/36. Morreu combatendo na guerra civil<br />
espanhola, à frente de uma coluna da qual era o comandante,<br />
defendendo a frente de Madrid." (Ob. cit., pág.<br />
246). O autor faz justiça à colaboração desse proletariado<br />
alienígena que tanto fez, no sentido de tornar realidade<br />
conquistas que beneficiassem a classe trabalhadora do<br />
Brasil. E confessa que "foi entre o diminuto proletariado<br />
alienígena que teve início o movimento, contando com a<br />
adesão e comparecimento de um reduzidíssimo pugilo de<br />
nacionais, em que se contavam intelectuais esforçados"<br />
(ob. cit. pág. 41). Daí a reação da burguesia. Se eram<br />
estrangeiros esses propagandistas e defensores da causa<br />
trabalhista, o remédio seria fácil, com uma lei de expulsão,<br />
cuja iniciativa coube a um deputado paulista, Adolfo<br />
Gordo, que ficaria conhecido nos anais do Poder Legislativo,<br />
pelas iniciativas reacionárias que o consagravam,<br />
em 1904, no Governo Rodrigues Alves, em 1923 no Governo<br />
Artur Bernardes.<br />
Maria Nazareth Ferreira, em A Imprensa Operária no<br />
Brasil, também considera decisiva essa atuação da imigração<br />
de líderes operários, quando escreve: "Os imigrantes<br />
aqui chegados, devido às perseguições, eram defensores<br />
do anarquismo, a mesma ideologia que os tornara indesejáveis<br />
em suas pátrias de origem. E o anarquismo, como<br />
idéia nova, "adversa e estranha aos costumes e tradições<br />
brasileiras", enfrentou sérias perseguições na pessoa de<br />
seus militantes, à medida que fossem frutificando os seus<br />
ensinamentos." (pág. 50) Vários italianos surgem nesse<br />
esforço, como Arturo Campagnoli, Giovanni Rossi, Oreste<br />
Ristori, Antonio Picarollo, e muitos outros enquanto vai<br />
crescendo o movimento, com os Congressos que se vão<br />
reunindo, com a formação de uniões, com a expansão do<br />
136
movimento sindical. E conclui que "foi tão grande a participação<br />
do operário imigrante que levou os poderes<br />
públicos a tomar uma atitude em defesa dos industriais,<br />
representada pela lei Adolfo Gordo, que permitia punir e<br />
expulsar trabalhadores estrangeiros e deportar os nacionais".<br />
Antes mesmo de ser sancionada, servira para punir<br />
várias vezes o "agitador estrangeiro, responsável único<br />
pela crise social." E informa que "são constantes as notícias<br />
de prisões, deportações e expulsão através da lei<br />
Adolfo Gordo. A imprensa operária, já bastante desenvolvida<br />
nessa época, é rica em denúncias e informações<br />
sobre essas perseguições. Afastados assim elementos que<br />
quase sempre eram considerados bandidos e desordeiros,<br />
sendo processados sumariamente." (pág. 54)<br />
Nem sempre essas deportações atenderam aos interesses<br />
da política imigratória que o Brasil desejava realizar.<br />
Quando se tratava de deportados de maior categoria,<br />
ao chegarem à Itália, mostravam quais as condições<br />
de vida que cercavam o trabalhador italiano, o que não<br />
podia deixar de concorrer para o enfraquecimento das<br />
correntes imigratórias italianas.<br />
De qualquer modo, a década de <strong>1900</strong> traduz o ponto<br />
mais alto da expansão e fortalecimento da imprensa<br />
operária no Brasil, com o concurso dos trabalhadores alienígenas<br />
que tomaram a iniciativa de um proselitismo<br />
imediato. Depois viria o declínio, ou o enfraquecimento<br />
das correntes imigratórias destinadas ao Brasil.<br />
Faltaria, porém, a esse quadro tão sucinto da presença<br />
da imprensa na década de <strong>1900</strong>-1909, o testemunho<br />
de uma das figuras mais importantes que a viveram e<br />
a ilustraram com uma descrição vigorosa. Referimo-nos a<br />
Lima Barreto e às suas Recordações do Escrivão Isaías<br />
Caminha. Ele próprio jornalista militante, nessa primeira<br />
década do século vinte. Não falta, de certo, às suas<br />
impressões, uma nota sarcástica que, se não deturpa os<br />
fatos, de certo lhes desfigura os contornos. E é curioso<br />
que esse jornalista, curtido pelas decepções e revoltado<br />
contra as injústiças sociais, não se detém nas folhas que<br />
o conformismo inspirava, ou dirigia. Prefere o órgão que<br />
surgira para travar a luta necessária contra os governos<br />
instituídos. O tom de sátira não esmorece nas suas nar-<br />
137
ativas tão próximas da realidade, num romance à clef<br />
em que está presente Edmundo Bittencourt, com as figuras<br />
mais importantes da redação do Correio da Manhã,<br />
com Leão Veloso, Vicente Piragibe, Costa Rego, Mário<br />
Cataruzza, Viriato Correia, Cândido Lage, João Itiberê da<br />
Cunha, Gastão Bousquet, Floriano de Lemos, Chico Souto<br />
e outros. Completaram-se as referências com outras figuras<br />
do jornalismo do tempo, como Coelho Neto, Afrânio<br />
Peixoto, e João do Rio, que seria o grande repórter da<br />
década. São retratos que talvez pequem pelo exagero<br />
da fidelidade. Não há retoques, o que vem facilitar a<br />
identificação, para os estudiosos e os críticos das Recordações<br />
do Escrivão Isaías Caminha.<br />
Por isso mesmo os quadros que o livro nos oferece<br />
poderiam servir para completar a presença do jornalismo,<br />
na primeira década do século vinte. Veja-se, por exemplo,<br />
como ele descreve a redação do Correio da Manhã, que<br />
não é senão O Globo de sua narrativa:<br />
"Era uma sala pequena, mais comprida que<br />
larga, com duas filas paralelas de minúsculas<br />
mesas, em que se sentavam os redatores e repórteres,<br />
escrevendo em mangas de camisa.<br />
Pairava no ar um forte cheiro de tabaco; os<br />
bicos de gás queimavam baixo e eram muitos.<br />
O espaço era diminuto, acanhado e bastava que<br />
um redator arrastasse um pouco a cadeira para<br />
esbarrar nas mesas detrás, do vizinho. Um tabique<br />
separava o gabinete do Diretor, onde trabalhavam<br />
o Secretário e o redator chefe; era<br />
também de superfície diminuta, mas duas janelas<br />
para a rua davam-lhe ar, desafogavamno<br />
muito. Estava na redação do O Globo,<br />
jornal de grande circulação, diário e matutino,<br />
recentemente fundado e já dispondo de grande<br />
prestígio sobre a opinião pública".<br />
De um modo geral, Lima Barreto não admira a imprensa,<br />
vendo nela, como dirá, "a mais tirânica manifestação<br />
do capitalismo e a mais terrível... É um poder<br />
138
vago, sutil, ignorado, que só poucas inteligências podem<br />
colher-lhe a força e a essencial ausência da mais elementar<br />
moralidade, dos mais rudimentares sentimentos de<br />
justiça e honestidade! São grandes empresas, propriedade<br />
de venturosos donos, destinados a lhes dar o domínio<br />
sobre as massas, em cuja linguagem falam, e a cuja<br />
inferioridade mental vão ao encontro, conduzindo os governos,<br />
os caracteres para os seus desejos inferiores, para<br />
os seus atrozes lucros burgueses... Não é fácil a um<br />
indivíduo qualquer, pobre, cheio de grandes idéias, fundar<br />
um que os combata. Há necessidade de dinheiro; são precisos,<br />
portanto, capitalistas que determinem e imponham<br />
o que se deve fazer num jornal. — Vocês vejam: antigamente,<br />
entre nós, o jornal era de Ferreira de Araújo,<br />
de José do Patrocínio, de Fulano, de Beltrano... Hoje de<br />
quem são? A Gazeta é do Gaffré, o País é de Visconde<br />
de Morais ou do Sampaio, e assim por diante. E por<br />
detrás deles estão os estrangeiros, senão inimigos nossos,<br />
mas quase sempre indiferentes às nossas aspirações" ...<br />
Era, de certo, a opinião de uma das personagens do<br />
romance. Mas o que dava importância a essas palavras é<br />
que elas vinham da personagem, Andrade, que personificava<br />
o próprio autor do romance.<br />
Outros traços não menos característicos surgiram nesse<br />
documentário excelente da primeira década do século<br />
vinte. Como seja a presença, na redação da folha que<br />
ele descreve, de um defensor do purismo da linguagem,<br />
na figura do Dr. Lobo, que não era mais do que Cândido<br />
Lago, inconformado com o idioma que se falava no Brasil.<br />
"Isto que se fala aqui não é língua, não é nada; é um<br />
vazadouro de imundícies. Se Frei Luis de Souza ressuscitasse,<br />
não reconheceria a sua bela língua nessa amálgama,<br />
nessa mistura de galicismos, de africanismos, indianismos,<br />
anglicismos, cacofonias, cacotenias, hiatos, colisões...<br />
Um inferno! "Era a presença de um fiscal do<br />
purismo numa redação aberta a todas as irreverências.<br />
O que vinha constituir uma tendência da época, numa<br />
fase em que se publicava "A Réplica" de Rui Barbosa<br />
e no qual Cândido de Figueiredo pontificava na redação<br />
do Jornal do Commercio.<br />
139
Não era muito, como estamos vendo, o que se permitia,<br />
numa folha considerada sem compromissos, à influência<br />
das correntes lusitanas. Ainda assim, constituía<br />
um começo da reação, e tanto bastava para deslumbrar<br />
o nativismo exaltado de Luís Edmundo. Mas que não era<br />
tão ampla a rebeldia, é o que se pode documentar com<br />
um episódio que se inclui nas Recordações do Escrivão<br />
Isaías Caminha.<br />
Conta ele que, em certo momento, surgia nos Apedidos<br />
do Jornal do Commercio, explorando uma frase<br />
equívoca de um dos artigos de O Globo, a denúncia de<br />
que ele passava a figurar entre os inimigos da Colônia<br />
portuguesa. Dava-se, como prova dessa atitude, o fato<br />
de que não havia um só português na sua redação, coisa<br />
realmente rara no jornalismo da época. Qual foi a reação<br />
de O Globo? Conta Lima Barreto que o próprio diretor<br />
do jornal, Ricardo Legorant, ao tomar conhecimento do<br />
"Apedido" do Jornal do Commercio, dirigiu-se a um dos<br />
seus redatores, identificado como Itiberê da Cunha na<br />
chave de seus personagens, e lhe perguntou:<br />
— Conhece aí alguém capaz?<br />
— Qual, não há!<br />
— Como poderíamos arranjar um português para redator,<br />
dize lá?<br />
Nesse propósito, pedia-se ao chefe do gabinete da<br />
monarquia lusitana a indicação de um redator português.<br />
E lá veio o redator que faltava, para restabelecer o prestígio<br />
de O Globo, em face da colônia portuguesa. O que<br />
o gerente da folha festejava como uma grande conquista,<br />
opinando:<br />
— É bom... Vocês sabem, sem português, nada aqui<br />
vai adiante. Os patrícios exigem, é justo, eles são talvez<br />
trezentos mil, pagam rios de dinheiro em anúncios —<br />
é justo!"<br />
Pior seria quando surgissem outras influências estrangeiras<br />
e não mais em face de uma nação que, não<br />
obstante todas as suas glórias passadas, não chegava<br />
mais a constituir ameaça para quem quer que fosse. Ainda<br />
nessa fase, tratava-se de uma colônia presente no Brasil<br />
e que, por isso mesmo, não poderia ser de todo indife-<br />
140
ente aos interesses do país em que se instalara. Pior<br />
seria quando a dependência se fizesse sentir em face de<br />
estrangeiros que continuassem a residir fora do Brasil e<br />
aqui se fizessem representar por meio de prepostos mais<br />
realistas do que o rei e, por isso mesmo, mais ávidos de<br />
lucros com que documentassem a sua eficiência.<br />
141
O ACERVO DA BIBLIOTECA NACIONAL<br />
I — Coleções existentes até <strong>1900</strong><br />
II — Coleções incorporadas entre <strong>1900</strong>-<strong>1910</strong>.<br />
Levantamentos numéricos<br />
III — A instalação do acervo no novo prédio.<br />
Antecedentes, <strong>1900</strong>-<strong>1910</strong><br />
Lygia da Fonseca Fernandes da Cunha
Retraçar a história da incorporação ao acervo de<br />
coleções que, na <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong>, se acham disseminadas<br />
nas inúmeras estantes, entre obras antigas e diversas,<br />
não é fácil tarefa, acrescida da circunstância de que<br />
inventários precisos não foram completados e estão defasadas,<br />
por divergências de critérios, as informações que<br />
alguns relatórios mencionam.<br />
Assim é que, para informar sobre o acervo existente<br />
na instituição, objeto deste estudo, afigurou-se mais objetivo<br />
relacionar a entrada cronológica das coleções. Embora<br />
o acréscimo do acervo fosse também feito pela paulatina<br />
anexação do material bibliográfico, a referência a<br />
grandes conjuntos, incorporados em uma mesma oportunidade,<br />
é que permite julgar como o problema primordial,<br />
espaço, se agravava pouco a pouco e como nos dois prédios<br />
que abrigaram o principal acervo bibliográfico do país,<br />
em aproximadamente cerca de cinqüenta anos de instalação<br />
em cada um, constatou-se a real impossibilidade de<br />
manter, em condições adequadas, tantas preciosidades.<br />
Atualmente, disseminadas as coleções nas várias dependências<br />
da instituição, somente as seções que compõem<br />
a atual Divisão de Referência Especializada têm<br />
pretendido reunir em catálogos especiais, os acervos que<br />
pertencem a cada uma delas, com o objetivo de reconstituir<br />
os principais fundos incorporados em diversas<br />
ocasiões.<br />
Porém, a maior parte está a esperar igual preocupação,<br />
já que se guarda no Acervo Geral o grande montante<br />
do material bibliográfico. Unidos os esforços, poder-se-á<br />
reconstituir os diversos conjuntos que refletem épocas e<br />
mentalidades diversas.<br />
136
I — Coleções existentes até <strong>1900</strong><br />
A instalação, no Rio de Janeiro, da Real <strong>Biblioteca</strong>,<br />
propriedade particular da Família Real Portuguesa, decorre<br />
da transferência da corte em 1808, fato que a história<br />
registra e que tem sido inúmeras vezes repetido.<br />
Reconstituído depois do terremoto de Lisboa, o conjunto<br />
bibliográfico constava de várias coleções adquiridas<br />
ou doadas e agrupava cerca de 6-0.000 volumes na<br />
época de sua instalação no hospital do Convento do<br />
Carmo. Citam-se entre as principais coleções acrescidas<br />
ao núcleo inicial formado pela <strong>Biblioteca</strong> Real e <strong>Biblioteca</strong><br />
do Infantado:<br />
1770-1773 — Coleção Barbosa Machado, doada ao Rei com<br />
quatro mil e trezentas e uma obras em cinco mil<br />
setecentos e sessenta e quatro volumes.<br />
1783 — Coleção do Cardeal da Cunha, adquirida após sua<br />
morte nesta data e composta de um mil duzentos e<br />
trinta e quatro obras.<br />
1790 — Coleção de livros do Colégio de Todos os Santos,<br />
situado na Ilha de São Miguel, nos Açores, confiscados<br />
após a extinção da Companhia de Jesus, à qual<br />
pertenciam; poucos foram incorporados, em decorrência<br />
do mau estado de conservação.<br />
1811 — Espólio de Frei Mariano da Conceição Velloso.<br />
Doados ao Rei aproximadamente dois mil e quinhentos<br />
volumes, manuscritos originais, pranchas gravadas<br />
em cobre.<br />
137
1815 — Espólio de Manuel Inácio da Silva Alvarenga, mil<br />
quinhentos e setenta e seis volumes adquiridos a um<br />
livreiro.<br />
1818 — Coleção José da Costa e Silva. Adquiridos desenhos<br />
originais, livros, manuscritos, estampas gravadas.<br />
1819 — Coleção do Conde da Barca (Coleção Araujense).<br />
Adquiridas duas mil trezentas e sessenta e cinco obras<br />
em seis mil trezentos e vinte e nove volumes.<br />
Até a Independência do Brasil, a Real <strong>Biblioteca</strong> continuava<br />
ainda a ser acrescida por determinação real, com<br />
"propinas", i. e., a entrega de um exemplar de todos os<br />
papéis impressos em oficinas tipográficas de Portugal (alvará<br />
de 12 de setembro de 1805) e também pelo material<br />
impresso na Impressão Régia, instalada no Rio de Janeiro.<br />
Pela Convenção Adicional ao Tratado de Paz e Amizade,<br />
de 29 de agosto de 1825, assinado entre Brasil e<br />
Portugal, foi indenizada a Família Real Portuguesa pelas<br />
suas propriedades particulares que tinham ficado no Brasil,<br />
pagando nosso país a soma de dois milhões de libras<br />
esterlinas; entre elas estava incluída a Real <strong>Biblioteca</strong>.<br />
Tão logo se regularizaram os serviços administrativos,<br />
já em 12 de novembro de 1822, determinava o governo<br />
imperial que fossem entregues à <strong>Biblioteca</strong> Imperial e<br />
Pública da Corte um exemplar de todas as obras, folhas<br />
periódicas e volantes que se imprimissem na Tipografia<br />
<strong>Nacional</strong>. Esta legislação sofre, durante o período em<br />
estudo, várias alterações: em 1847, em 1853, estendendo a<br />
obrigatoriedade a todas as tipografias do Império ainda<br />
em 1865, até que em 20 de dezembro de 1907, o decreto<br />
n.° 1825, ainda hoje em vigor, dá instruções precisas para<br />
a sua execução.<br />
Além da aquisição e contribuição legal, doações também<br />
continuaram a enriquecer o patrimônio nacional.<br />
Continuando a discriminar as grandes coleções incorporadas<br />
ao acervo, registra-se:<br />
1824 — Coleção Francisco de Melo Franco, adquiridos mil<br />
quinhentos e noventa volumes.<br />
1832 — Incorporada por esta época, a Coleção do Marquês<br />
de Santo Amaro, cento e quinze pastas com do-<br />
138
cumentos (papéis relativos à administração do Principe-Regente).<br />
Posteriormente permutada com Portugal.<br />
1838 — Coleção José Bonifácio de Andrada e Silva. Doados<br />
cinco mil volumes (ciências naturais, edições<br />
tipográficas, literárias, manuscritas, cartas autógrafas)<br />
pela sua família.<br />
1853 — Coleção Pedro de Angelis. Adquiridas em leilão:<br />
mil setecentos e dezessete obras, em dois mil setecentos<br />
e quarenta e sete volumes, e mil duzentos e noventa<br />
e cinco manuscritos.<br />
1853 — Por disposição testamentária, Coleção Dr. Antônio<br />
Correia de Lacerda: obras e manuscritos importantes<br />
ligados à história natural e clínica médica.<br />
1859 — Doação do Dr. Domingos José Gonçalves de Magalhães:<br />
vinte e sete obras francesas e italianas.<br />
1872 — Dr. Felipe Lopes Neto doa duas mil cento e setenta<br />
e duas obras, referentes ao Chile, abrangendo todos<br />
os ramos do conhecimento humano.<br />
1872 — Doação do Dr. Alexandre José de Melo Morais:<br />
preciosos documentos manuscritos, livros de registro<br />
da correspondência oficial dos Vice-Reis e Governadores<br />
da Bahia.<br />
1873 — Coleção Manuel Ferreira Lagos: aquisição à viúva<br />
de três mil quatrocentos e setenta e cinco volumes<br />
impressos, cento e quarenta e seis cartas geográficas,<br />
duzentos e trinta e um manuscritos, dois mil<br />
folhetos, um volume de estampas.<br />
1874 — Coleção Antônio José de Oliveira Barbosa: conjunto<br />
de estampas raras.<br />
1875 — Aquisição pela Direção de copiosa bibliografia de<br />
Camões, incluindo versões e trabalhos críticos.<br />
1877 — Coleção João Antônio Alves de Carvalho: aquisição<br />
de setecentos e setenta e quatro estampas e<br />
trezentos e noventa e sete retratos.<br />
1878 — Coleção Rodrigo de Lima Felner: adquirida de<br />
seu espólio no leilão em Lisboa, compreende sobretudo<br />
manuscritos referentes ao Brasil.<br />
139
1878 — Coleção Melo Morais: aquisição pela Direção, de<br />
sessenta e quatro volumes de manuscritos.<br />
1878 — Aquisição pela Direção, de oitenta estampas de<br />
Goya. Caprichos.<br />
1879 — Coleção Marqueses de Castelo Melhor, aquisição<br />
pela Direção no leilão em Lisboa: manuscritos preciosos<br />
referentes ao Brasil.<br />
1879 — Doação do Barão Rodolfo de Vasconcelos: duzentos<br />
e um preciosos livros de famosos tipógrafos e<br />
obras raras.<br />
1880 — Aquisição pela Direção, de setenta e nove estampas<br />
litográficas da obra de Victor Frond "Brasil pittoresco".<br />
1880 — Doação do Conselheiro Francisco Octaviano de<br />
Almeida Rosa: trinta e oito manuscritos importantes.<br />
1881 — Aquisição pela Direção, de valioso conjunto de<br />
estampas holandesas relativas ao período histórico da<br />
dominação holandesa no Nordeste do Brasil.<br />
1881 — Coleção Visconde do Rio Branco, doada por seu<br />
filho, o Barão do Rio Branco: papéis, cartas e documentos<br />
coligidos por ocasião de suas missões diplomáticas<br />
no Rio da Prata e Guerra do Paraguai<br />
(atualmente, neste ano de 1980, foi por ordens superiores<br />
confiada parte da documentação ao Ministério<br />
das Relações Exteriores, para entrega ao Governo<br />
Paraguaio).<br />
1881 — Coleção Conselheiro Pedro de Alcântara Bellegarde,<br />
doação de seu genro.<br />
1882 — Doação do diplomata José Gurgel do Amaral Valente:<br />
sessenta e oito obras em cento e dezessete<br />
volumes, relativos ao Canadá, incluindo mapas estatísticos<br />
e cartas geográficas.<br />
1882 — Doação do Conselheiro Felipe Lopes Neto: cento<br />
e oitenta e duas obras em trezentos e dezenove volumes,<br />
relativas a sistemas penitenciários e publicadas<br />
na Europa e América.<br />
1882 — Doação do Comendador José Pedro Werneck Ribeiro<br />
de Aguilar: oitenta e quatro volumes sobre o<br />
Chile.<br />
140
1883 — Adquiridas pela Direção, a José Rodolfo Marcondes<br />
do Amaral estampas originais e desenhos.<br />
1883 — Aquisição pela Direção, do espólio do Dr. J. A.<br />
de Melo Morais, manuscritos e obras raras.<br />
1884 — Foram adquiridas pela Direção, a Miguel Navarro<br />
Canizares, oitenta estampas gravadas a água-forte,<br />
de autoria do artista Salvador Rosa.<br />
1884 — Doação do Marechal Henrique de Beaurepaire<br />
Rohan, de almanaques, revistas, folhetos, versando<br />
sobre história política, militar e literária do Brasil.<br />
1884 — Coleção Salvador de Mendonça, doada pelo Cônsul<br />
do Brasil em Nova York, Dr. Salvador de Mendonça:<br />
cento e vinte e duas obras em duzentos e quinze<br />
volumes, sete manuscritos e ainda estampas. Destaca-se,<br />
no conjunto, o material referente ao domínio<br />
holandês no Brasil, peças da maior raridade e impressas<br />
no século XVII. Sobre esta doação, foi publicada<br />
notícia no "'Jornal do Commercio" de 13.6.1884.<br />
1884 — Do adido do Corpo Diplomático, lotado na Embaixada<br />
do Brasil, em Lima, Dr. José Augusto de Saldanha<br />
da Gama, recebeu a <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong> um<br />
importante conjunto de obras antigas e modernas,<br />
referentes ao Peru.<br />
Ainda por seu intermédio, foram doadas obras de<br />
Pedro Paz Soldan (publicadas com o pseudônimo<br />
de Juan de Azona).<br />
1885 — Por intermédio do Encarregado de Negócios do<br />
Brasil no Chile, Comendador Ribeiro de Aguilar, recebeu<br />
a instituição oferta de mil cento e quinze obras<br />
doadas pelo Conservador da <strong>Biblioteca</strong> do Chile, Dr.<br />
Raul Briseno. A notícia foi publicada, com destaque,<br />
no "Jornal do Commercio" de 7.2.1885.<br />
1885 — Ainda por intermédio do mesmo Encarregado de<br />
Negócios do Brasil no Chile, foram doadas várias<br />
obras e uma coleção dos Anales de la Universidad de<br />
Chile, montando o total a oitenta e quatro volumes.<br />
1885 — Coleção Franco de Sá. Por determinação do Ministro<br />
de Negócios do Império, Dr. Francisco Franco<br />
de Sá, foram recolhidos à <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong> seiscen-<br />
141
tas e cinqüenta e seis obras em novecentos e noventa<br />
e nove volumes, obras que pertenceram ao Dr. José<br />
Manuel Garcia, professor do Imperial Colégio D. Pedro<br />
II, material especializado em Educação e Lingüística.<br />
1886 — Adquiridos pela Direção, ao Dr. João Antônio Alves<br />
de Carvalho, livros e quatrocentos e um mapas,<br />
peças de grande importância.<br />
1887 — Através do Dr. Edmund Chas Preiss, recebeu a<br />
<strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong>, doação do Hydrographic Bureau,<br />
Washington, num total de sessenta e seis cartas geográficas.<br />
1888 — Do Dr. Vicente G. Quesada, recebeu doação de<br />
obras sobre a Argentina.<br />
1889 — Doação de obras relativas à Colômbia, encaminhadas<br />
pelo Diretor da <strong>Biblioteca</strong> de Colômbia, Dr.<br />
José Rivas Groot.<br />
1889/1890 — Coleção João Antônio Marques; seu proprietário<br />
doa uma das mais valiosas documentações bibliográficas<br />
até então recebidas. Compunha-se de três<br />
mil novecentas e vinte obras em seis mil trezentos e<br />
nove volumes impressos e ainda alguns manuscritos<br />
relativos ao Brasil. O conjunto abrange obras raríssimas,<br />
incunábulos e edições prínceps.<br />
1890 — Adquiridas pela Direção, ao espólio do Dr. José<br />
Fernandes da Costa Pereira, obras sobre jurisprudência<br />
estrangeira, num total de mil oitocentos e sessenta<br />
e quatro volumes.<br />
1890 — Coleção <strong>Biblioteca</strong> Fluminense, precioso conjunto<br />
doado pelo Conde de Figueiredo que adquiriu o<br />
espólio de Francisco Antônio Marques, na íntegra,<br />
e o doou à BN. Compunha-se de duas mil seiscentas<br />
e vinte e duas obras, mil e quarenta folhetos e duzentos<br />
e quarenta e um manuscritos de importante<br />
valor bibliográfico.<br />
1891 — com o advento da República, é incorporada à <strong>Biblioteca</strong><br />
<strong>Nacional</strong> o acervo bibliográfico do antigo<br />
Conselho de Estado, em atuação no período Imperial.<br />
142
Compunha-se o conjunto de dois mil cento e oitenta<br />
volumes.<br />
1891 — Adquiridos pela Direção, duzentos e cinqüenta e<br />
nove obras em trezentos e sessenta e nove volumes,<br />
pertencentes a Antônio José Vieira Leal.<br />
1891 — A entrada da Coleção Teresa Cristina Maria marca<br />
época nos fastos da <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong>. Doada<br />
pelo ex-Imperador D. Pedro II, com determinação expressa<br />
de que fosse conservada sob aquela denominação.<br />
Compunha-se o conjunto de quarenta e oito<br />
mil volumes encadernados, brochuras, fascículos, folhetos,<br />
revistas, estampas, músicas, mapas, manuscritos<br />
e mapas em relevo, não computados no seu total.<br />
Foi a maior doação já recebida pela instituição.<br />
1892 — Completando a Coleção João Antônio Marques,<br />
seus herdeiros doaram à BN mais noventa e oito<br />
obras em cento e sessenta volumes equiparados aos<br />
demais pela raridade.<br />
1895 — Adquiridas pela Direção a Joaquim Caetano de<br />
Melo quarenta e cinco estampas.<br />
1895 — Adquiridas pela Direção ao Comendador A. J. de<br />
Oliveira Barbosa: duzentos e oitenta e oito estampas<br />
de assuntos relacionados com história e costumes do<br />
Brasil, peças muitas delas únicas conhecidas, e ainda<br />
estampas de artistas europeus e, também, manuscritos.<br />
1895 — Adquiridos pela nação documentos incluídos na<br />
Coleção Conde de Linhares, leiloada em Lisboa. Repartida<br />
a documentação entre o Arquivo <strong>Nacional</strong>,<br />
Ministério das Relações Exteriores e <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong>,<br />
coube a esta última um conjunto de dois mil<br />
oitocentos e quarenta e nove documentos, cinqüenta<br />
e três obras impressas, quarenta e duas cartas geográficas<br />
manuscritas em sessenta e uma folhas e<br />
vinte desenhos.<br />
1896 — Adquirida pelo Governo a Coleção Pimenta Bueno.<br />
A documentação importante, sobretudo em relação ao<br />
Estado de Mato Grosso, era constituída de seiscentos e<br />
quinze mapas, dos quais trezentos e dezenove im-<br />
143
pressos e duzentos e noventa e seis manuscritos e,<br />
ainda, quarenta memórias manuscritas, em códices encadernados.<br />
A coleção foi partilhada com o Ministério<br />
das Relações Exteriores.<br />
1896 — Por intermédio da Legação do Brasil em Londres,<br />
recebeu oferta do governo inglês: conjunto resultante<br />
dos estudos efetuados durante a viagem de exploração<br />
do navio "Challenger". Compunha-se a publicação<br />
de cinqüenta volumes, incluindo ilustrações,<br />
mapas, planos, vistas, impressos litograficamente com<br />
o título: Report of the results scientific of the exploring<br />
voyage of H.M. S. Challenger 1873-1876.<br />
1897 — São adquiridas a Angelo Bertola e Juan Cafiero<br />
obras no mais perfeito estado de conservação, incluindo<br />
incunábulos e edições raras, sem número especificado.<br />
1897 — Doadas pelo Sr. Francisco Ramos Paz número não<br />
especificado de obras e estampas adquiridas e enviadas<br />
por ocasião de sua viagem à Europa.<br />
1897 — Adquiridas pela Direção, encomendadas a firmas<br />
européias: um mil trezentos e quarenta e uma estampas<br />
de artistas contemporâneos e algumas históricas.<br />
1898 — Doadas pela Livraria Laemmert quarenta e cinco<br />
teses em língua alemã.<br />
1898 — A Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro doa<br />
uma coleção de teses defendidas nos anos de 1896 e<br />
1897.<br />
1898 — Recebida da Comissão encarregada de comemorar,<br />
em Lisboa, o 4.° centenário do descobrimento do caminho<br />
marítimo para as índias, grande coleção de<br />
obras e opúsculos publicados em Portugal, e relativos<br />
ao evento.<br />
1898 — Doados pelo Ministro Plenipotenciário do Brasil,<br />
em vários países (Itália, Colômbia e Equador), farta<br />
documentação bibliográfica versando sobre aspectos<br />
da cultura do Equador, Venezuela, Nova Granada, São<br />
Domingos, El Salvador; sem número especificado.<br />
1899 — Destaca-se a doação por Francisco Ramos Paz, de<br />
trinta e nove obras em quarenta e dois volumes e<br />
144
ainda grande número de jornais e cem folhetos sobre<br />
vários assuntos.<br />
1899 — Doação do Dr. Mário de Alencar, incluía no acervo<br />
trinta e nove obras em cinqüenta e um volumes, relacionadas<br />
com literatura.<br />
1899 — Rara e preciosa coleção bibliográfica sobre o idioma<br />
gaélico, usado pelos primitivos celtas, foi doada<br />
,pelo Dr. Horácio A. da Costa Santos.<br />
1899 — Incluídos no acervo especializado de estampas<br />
cerca de setenta e dois diplomas impressos litograficamente,<br />
permutados com o Sr. Francisco Rodrigues<br />
Paiva, e treze peças litográficas satíricas, mais desenhos<br />
originais e estampas que se encontravam deslocados,<br />
em outros setores da mesma instituição.<br />
1899 — Embora seja referência feita apenas a uma peça<br />
doada à <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong>, merece registro: Álbum<br />
de adesões à Família Imperial Brasileira, datado de<br />
1888 e cuja incorporação ao acervo, feita por ordem<br />
do Presidente da República, Dr. Campos Sales, veio<br />
sobremodo enriquecer o patrimônio nacional; além<br />
do valor intrínseco, tem a valorizá-lo a esplêndida e<br />
preciosa decoração em pedras preciosas e metal nobre<br />
em estojo de madeira de lei.<br />
II — Coleções incorporadas entre <strong>1900</strong>-1901.<br />
Levantamentos numéricos<br />
Ao se iniciar o século XX, a incorporação de material<br />
bibliográfico continua a ser alimentada pela contribuição<br />
legal (ainda vigente a legislação de 1853), por compras<br />
feitas pela Direção e também por valiosas doações encaminhadas<br />
à instituição por pessoas de esclarecido sentimento<br />
patriótico.<br />
<strong>1900</strong> — Nesse ano, registram-se na Seção de Manuscritos<br />
179 itens de novas aquisições, compreendendo quase<br />
um milhar de documentos recebidos por doação, compra<br />
ou permuta. Destacava-se no conjunto a coleção<br />
145
de seis volumes encadernados da correspondência ativa<br />
do General Carlos Frederico Lecór.<br />
1901 — Vieram aumentar os vários conjuntos bibliográficos,<br />
doações de várias pessoas, cujos totais registram:<br />
mil cento e quarenta e uma obras em mil duzentos<br />
e um volumes; três mapas e mil e noventa e oito<br />
folhetos. Nestes totais, destacam-se as peças doadas<br />
pelos Srs. Antônio José Torres de Carvalho, que correspondia<br />
à coleção de obras literárias e históricas<br />
impressas em Elvas, Portugal; obras pertencentes a<br />
João Zeferino Rangel de Sam Paio, doadas por sua<br />
viúva; obras em grego sobre arqueologia e numismática,<br />
doadas pelo Cônsul da Grécia, Othon Leonardos;<br />
obras escritas pelo Dr. Emilio Goeldi, o sábio naturalista,<br />
especializado em pássaros.<br />
1901 — Doação de avultado número de obras nacionais e<br />
estrangeiras, na sua maioria relacionadas com ciências<br />
médicas, doação do Dr. Francisco Rodrigues<br />
Paiva.<br />
1903 — Doação da família Tavares Bastos, dos papéis do<br />
Conselheiro Aureliano Cândido Tavares Bastos, relacionados<br />
com questões de limites, negócios do Rio da<br />
Prata, assuntos diplomáticos, organização das forças<br />
brasileiras, obras públicas, navegação do Amazonas.<br />
Incluía ainda artigos de jornais e discursos; recentemente<br />
foi publicado pelo Senado Federal, um catálogo.<br />
1903 — Coleção Wallenstein, papéis pertencentes ao diplomata<br />
russo, radicado no Brasil e depositados por<br />
seu sogro na <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong>, após sua morte. A<br />
doação originou uma questão com o Sr. Norival de<br />
Freitas, que se considerando proprietário da mesma,<br />
impugnou o ato. Decorrente das ponderações do Diretor,<br />
registradas em processo encaminhado ao Ministro<br />
da Justiça e Negócios Interiores, a coleção foi<br />
finalmente adquirida e incorporada ao acervo da Seção<br />
de Manuscritos. Compunha-se de documentos<br />
guardados em quatorze latas e mais dezessete códices.<br />
1903 — Entra por compra a coleção de jornais e periódicos<br />
brasileiros organizada pelo Conselheiro Miguel<br />
146
Arcanjo Galvão, compreendendo treze mil e sessenta<br />
entradas de título e -mais o catálogo das peças, distribuído<br />
em doze cadernos.<br />
1906 — Doada pela Baronesa de Ladário, farta documentação:<br />
obras, extratos de jornais, cartas geográficas<br />
manuscritas que haviam pertencido a seu marido, o<br />
Almirante Barão de Ladário, cujos assuntos diziam<br />
respeito a limites, diplomacia, cartas hidrográficas e<br />
questões militares e de fronteiras.<br />
1906 — Doação de revistas e periódicos estrangeiros, sem<br />
estimativas, pelos Srs.: Dr. Miguel Lemos, Eng.° Militar<br />
Tancredo Fernandes de Melo e Dr. Belarmino<br />
Carneiro.<br />
1906 — Doação da Sra. Maria Luísa de Melo Franco Porciúncula:<br />
obras pertencentes a seu finado marido;<br />
compreendia a coleção de leis, relatórios de obras e<br />
assuntos administrativos do Estado do Rio de Janeiro.<br />
1906 — Ao colecionador João Ferreira de Andrade Leite<br />
foram adquiridos três álbuns de cartas autógrafas e<br />
documentos vários.<br />
1907 — Doação da Livraria Francisco Alves e Cia. de quarenta<br />
e três desenhos originais a lápis, de autoria de<br />
Raul Pompéia, que serviram para ilustrar a segunda<br />
edição de sua obra "O Ateneu".<br />
1908 — Registra doações em grande número, porém sem<br />
estimativas, feitas pelos Srs. Dr. Capistrano de Abreu,<br />
Dr. Miguel Lemos e Dr. Francisco Rodrigues Paiva.<br />
1908 — Por doação testamentária, são incluídas no acervo<br />
mil e cem obras em mil e seiscentos volumes de assuntos<br />
relacionados com História, Direito e Finanças;<br />
legado do Conselheiro José Maurício Fernandes Pereira<br />
de Barros.<br />
1909 — Registra a incorporação de outro importante núcleo<br />
da Coleção do Conselheiro Miguel Arcanjo Galvão<br />
— autógrafos e documentos manuscritos.<br />
1909 — Incorporado o arquivo do General Francisco Carlos<br />
da Luz.<br />
147
1909 — Doação do Dr. Graça Aranha, da coleção do jornal<br />
"O Paiz", do Estado do Maranhão, abrangendo o<br />
período 1863-1885.<br />
1909 — Doação, pela família de Luís Carlos Martins Pena,<br />
de vinte e nove peças de teatro, de sua autoria.<br />
<strong>1910</strong> — Doação do Barão de Studart: vinte cartas a ele<br />
endereçadas entre os anos 1891-1906, por José Alexandre<br />
Teixeira de Melo, antigo Diretor da <strong>Biblioteca</strong><br />
<strong>Nacional</strong>.<br />
<strong>1910</strong> — Doação da Sociedade de Geografia de Lisboa, de<br />
obras sobre Portugal e suas colônias, publicadas em<br />
comemoração ao Centenário do descobrimento do caminho<br />
marítimo para as Índias.<br />
<strong>1910</strong> — Doação do Conselheiro José Antônio de Azevedo<br />
e Castro, delegado do Tesouro Brasileiro em Londres:<br />
duas mil e quarenta e cinco obras em três mil e<br />
quatrocentos e quarenta e oito volumes — obras escolhidas<br />
de literatura contemporânea inglesa e francesa.<br />
Esta coleção foi doada com a recomendação de<br />
constituir a Coleção Visconde de Taunay "como justa<br />
homenagem ao caráter e inteligência deste primoroso<br />
escritor".<br />
Uma explicação sobre a coleção de Moedas e Medalhas,<br />
faz-se necessária.<br />
O primitivo Gabinete de Moedas e Medalhas, pertencente<br />
à coleção real portuguesa, veio transferido na mesma<br />
época que a coleção bibliográfica, permanecendo no<br />
mesmo prédio da Rua do Carmo, até 1818. Nesta época,<br />
é incorporado ao Museu Real, instalado no Rio de Janeiro<br />
em 6 de junho de 1818; o precioso mealheiro ali<br />
figurou até 1893.<br />
Com a reforma da <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong> em 1875 e a<br />
criação de uma subseção de Moedas e Medalhas, subordinada<br />
à 3. a Seção (ou seja estampas) o acervo numismático<br />
foi sendo paulatinamente enriquecido, inclusive<br />
Pela inclusão do conjunto real, transferido do Museu <strong>Nacional</strong><br />
em 1893, graças ao empenho do Dr. Ramiz Galvão,<br />
desde a criação da subseção.<br />
148
Em 1922, é novamente desmembrada a coleção numismática<br />
do acervo da <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong>, sendo incorporada<br />
ao Museu Histórico <strong>Nacional</strong>, aonde até presentemente<br />
se encontra.<br />
Por ocasião da mudança da Rua do Passeio para o<br />
prédio da Avenida Rio Branco, a coleção de Moedas e<br />
Medalhas já alcançava o expressivo número de vinte e<br />
sete mil oitocentos e quarenta e sete peças.<br />
Ao findar o século XIX, o acervo se compunha de:<br />
volumes — 247.180 (incluindo periódicos e músicas)<br />
cartas geográficas impressas — 2.479<br />
documentos manuscritos — 185.638 (incluindo cartas e<br />
planos)<br />
códices manuscritos — 2.279<br />
estampas — 102.959 (incluindo desenhos)<br />
moedas e medalhas — 25.077<br />
Os dados foram extraídos dos relatórios das Direções<br />
correspondentes, até o ano de 1899, embora os cômputos<br />
nem sempre espelhassem a real situação do acervo.<br />
No período compreendido entre <strong>1900</strong> e <strong>1910</strong>, foram<br />
ainda incorporados:<br />
obras — 39.864 em 52.025 volumes<br />
cartas geográficas impressas — 4.594<br />
músicas — 368<br />
periódicos — 6.296<br />
documentos manuscritos — 68.768<br />
cartas e planos manuscritos — 572<br />
estampas — 13.792<br />
moedas e medalhas — 2.770<br />
Mudanças de critério para dados numéricos e diversificação<br />
na distribuição do material incorporado às diversas<br />
Seções não permitem seguir uma ordem uniforme<br />
nos cômputos apresentados.<br />
Entretanto, as informações supra permitem atribuir<br />
estimativas que convergiriam para um total aproximado<br />
de peças transferidas para o novo prédio:<br />
volumes — 299.205 (incluindo até <strong>1900</strong>, periódicos e músicas)<br />
cartas geográficas impressas — 7.073<br />
149
documentos manuscritos — 254.456 (incluindo até <strong>1900</strong>,<br />
cartas e planos)<br />
cartas e planos manuscritos — 572 (a partir de <strong>1900</strong>)<br />
periódicos — 6.296 (a partir de <strong>1900</strong>)<br />
músicas — 368 (a partir de <strong>1900</strong>)<br />
estampas — 116.751 (incluindo desenhos)<br />
moedas e medalhas — 27.847<br />
III — A instalação do acervo no novo prédio.<br />
Antecedentes <strong>1900</strong>-<strong>1910</strong><br />
No princípio do século XX, poucos anos após o advento<br />
da República, a renovação na mentalidade dirigente<br />
do país dá início a uma nova fase de prosperidade, tanto<br />
cultural como financeira.<br />
No governo Rodrigues Alves (1902-1906) foi empreendido<br />
o plano de remodelação da Capital Federal, obra<br />
do grande Prefeito Pereira Passos, e que incluía: o alargamento<br />
das ruas centrais; abertura de novas avenidas;<br />
construção de prédios de destaque para as instituições públicas;<br />
ao mesmo tempo se atacava o problema de saneamento,<br />
resultado de esforços ingentes, dirigidos por Oswaldo<br />
Cruz.<br />
Ao se completar o programa traçado pelos administradores,<br />
ganhava o Rio de Janeiro foros de metrópole internacional.<br />
A instalação da <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong> no edifício adrede<br />
construído, na principal artéria da capital da Federação,<br />
também se insere no programa de modernização levado a<br />
efeito na mesma época.<br />
Entretanto, a problemática, dotar a <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong><br />
de instalações condignas, data de época bem mais<br />
recuada, e os sucessivos diretores da instituição nunca<br />
deixaram de se referir, nos relatórios encaminhados às<br />
autoridades superiores, a seus problemas e preocupações<br />
quanto ao espaço físico, quanto ao pessoal qualificado e<br />
quanto a verbas condizentes com as necessidades sempre<br />
crescentes para aquisição de material bibliográfico e per-<br />
150
manente, bem como justa remuneração do pessoal técnico<br />
habilitado para as diversas funções.<br />
Desde sua instalação de 1810 a 1858, no antigo Hospital<br />
da Ordem do Carmo, sito à rua do mesmo nome, e<br />
a permanência entre 1858 e <strong>1910</strong>, no prédio em que se<br />
instalara cinqüenta e dois anos antes e que não mais comportava<br />
o monumental acervo, não faltam na documentação<br />
histórica da instituição as sugestões para resolver<br />
a grave situação da falta de espaço. À medida que se<br />
incorporavam coleções em grandes conjuntos ou o material<br />
que paulatinamente ia se somando ao primitivo núcleo,<br />
eram construídas novas galerias, alugadas casas vizinhas<br />
para sua guarda e que, devido ao precário estado,<br />
chegavam a prejudicar o acervo pela falta de condições<br />
materiais de conservação e ameaçavam até a segurança<br />
e proteção de tão valioso patrimônio.<br />
Nesse clima de preocupação é que assume a direção<br />
da <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong> o Dr. Manuel Cícero Peregrino da<br />
Silva, no dia 30 de junho de <strong>1900</strong>. Com uma tradição<br />
de cultura invulgar, carreando uma experiência similar de<br />
dez anos na direção da <strong>Biblioteca</strong> da Faculdade de Direito<br />
do Recife, pôde ele aquilatar com bastante sensatez os<br />
problemas até então insolúveis, tentando a solução mais<br />
acertada e definitiva.<br />
O assunto apaixonava também a opinião pública desde<br />
os últimos anos do século anterior; debatiam-se até pelos<br />
jornais as soluções viáveis, e alternativas eram sugeridas:<br />
a transferência do acervo para a Escola Politécnica; ou<br />
ainda para o Teatro São Pedro de Alcântara; para o<br />
palácio do Barão de Nova Friburgo, na Glória — nenhuma<br />
das soluções entretanto viria resolver definitivamente<br />
o problema.<br />
Já no primeiro relatório anual apresentado, referente<br />
ao ano de <strong>1900</strong>, Manuel Cícero explicitamente declara:<br />
"não me parece porém conveniente transferir a biblioteca<br />
para algum prédio vasto e bem situado, mas que, construído<br />
para fim diverso, não reúne as condições necessárias<br />
ao fim todo especial a que teria de ser destinado.<br />
Só a construção de um edifício apropriado poderá proporcionar<br />
à <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong> a instalação que ela, com<br />
todo o direito, reclama".<br />
151
A <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong> na Rua do Passeio - Armazém de Livros
O ano de 1902 foi marcado pela visita oficial do Ministro<br />
da Justiça e Negócios Interiores, Dr. Sabino Barroso<br />
Jr., sensibilizado pelo relatório que fora apresentado<br />
a seu antecessor, e que foi constatar as deficiências e<br />
precárias condições do edifício em que se achava instalada<br />
a repartição, na Rua da Lapa, n.° 48. São palavras<br />
do Diretor no relatório deste ano ao mencionar a honrosa<br />
visita: "Peço permissão para manifestar a convicção de<br />
que haveis de atender aos justos reclamos da <strong>Biblioteca</strong>,<br />
fazendo levantar o grandioso edifício que há de abrigar<br />
o maior tesouro bibliográfico da América Latina".<br />
Frutos desse interesse refletem-se na determinação<br />
que lhe fora outorgada: rever o regulamento da <strong>Biblioteca</strong><br />
(que datava de 1894), passo primordial para as<br />
reformas que seriam postas em prática. Assim, foram<br />
sugeridas: a divisão da 3. a seção em dois conjuntos distintos:<br />
Estampas e Numismática; indicação de professores<br />
(seriam os chefes das respectivas seções) que ensinassem<br />
as matérias especiais exigidas no currículo de<br />
concurso para amanuense; constituição de um fundo decorrente<br />
do produto da venda dos Anais, que revertesse<br />
em proveito da própria instituição; instalação de uma<br />
oficina de encadernação para conserto e restauro de obras<br />
raras ou esgotadas que não convinha fossem entregues a<br />
terceiros. Ainda foi autorizado a tomar as providências no<br />
sentido de ser completado e atualizado o catálogo geral,<br />
para futura publicação, e, incluído no projeto a criação<br />
de Instituto Bibliográfico, sendo ainda mencionada em<br />
relatório a criação de uma Seção de Cartas Geográficas.<br />
Define-se assim o administrador que tão bem soube<br />
analisar o estado em que se encontrava a instituição e<br />
indicar as primeiras soluções para sua reestruturação administrativa,<br />
sem o que, seria inviável a continuidade do<br />
seu projeto.<br />
O ano de 1903 registra importante fato: o Ministro<br />
da Justiça e Negócios Interiores convida e acompanha<br />
os membros da Comissão de Orçamento da Câmara dos<br />
Deputados na visita feita à <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong>, no dia<br />
18 de julho. Nessa ocasião, foi feita explanação aos presentes<br />
da situação calamitosa em que se encontrava a<br />
instituição, tendo a referida Comissão constatado a pro-<br />
161
cedência das ponderações do Diretor cuja finalidade primordial<br />
era sensibilizar as autoridades.<br />
Mais um passo no sentido de modernizar o tratamento<br />
da coleção foi dado com a aprovação pelo Ministro da<br />
pasta do projeto de definição da marca de propriedade<br />
— ex-libris — a ser colocada em todos os livros pertencentes<br />
à <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong> e também do emblema, símbolo<br />
a ser utilizado no material a ser impresso com fins<br />
administrativos (Anais, cartas, bilhetes, etc.).<br />
A fim de montar um emblema que simbolizasse a instituição,<br />
foi solicitada a colaboração do artista Eliseu Visconti<br />
que, na base de sugestões fornecidas pelo Diretor e<br />
pelo Chefe da 3. a Seção, apresentou os dois modelos citados.<br />
A descrição da peça, conforme determina a legislação,<br />
foi também encaminhada e se acha transcrita no<br />
relatório correspondente ao ano de 1903.<br />
Foi ativado o trabalho de encadernação nas oficinas<br />
instaladas e também montada uma oficina tipográfica<br />
que, além de impressos de cunho administrativo, imprimiu<br />
os Anais, a partir do volume XXIV.<br />
Inicia o Diretor o relatório de 1904 com a promissora<br />
notícia de que o governo tinha tomado a resolução de<br />
fazer construir o edifício no qual seria instalada a instituição.<br />
Prossegue o administrador, ventilando importante<br />
questão, relacionada com pessoal — mencionada a necessidade<br />
de reestruturá-lo de acordo com a especialidade<br />
dos serviços e que os mesmos revelem propensão para o<br />
gênero de trabalho a executar e que a ele se dediquem<br />
integralmente, senão, alerta: "O esforço de alguns se<br />
anula diante da inatividade de muitos e não se conseguirá<br />
mais do que a aparência de um funcionamento regular."<br />
Não se apresentam modificações sensíveis quanto à<br />
parte administrativa: "Permaneceram as causas, continuaram<br />
a produzir-se os efeitos," no dizer de seu funcionário<br />
maior.<br />
Tentando atualizar os trabalhos técnicos, foi contratada<br />
a título extraordinário, uma equipe de auxiliares, dirigidos<br />
por um chefe de serviço — rigorosas instruções<br />
determinaram as rotinas e comportamento dos mesmos<br />
— sendo levadas diariamente ao conhecimento do Dire-<br />
154
tor as ocorrências bem como as estatísticas dos trabalhos<br />
realizados.<br />
Coube também a Manuel Cícero prestar homenagem<br />
aos Diretores da instituição, organizando uma galeria de<br />
retratos na qual figurariam seus antecessores. Iniciada no<br />
ano anterior, teve com o artista consagrado, Modesto<br />
Brocos, o mais alto ponto de perfeição artística, sendo as<br />
figuras gravadas em placa de cobre, pelo processo de<br />
água-forte, trabalho que teve continuidade nos anos seguintes<br />
e que seria, no novo prédio, colocado em lugar<br />
de destaque.<br />
Prevendo a importância e o alcance de informações<br />
bibliográficas referentes à produção literária brasileira,<br />
foi, por sua sugestão, encaminhado em 1901 projeto de<br />
lei à Câmara dos Deputados e que se referia à contribuição<br />
das oficinas tipográficas para o enriquecimento do:<br />
acervo da <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong>. Neste ano de 1904, aprovado<br />
o projeto na Câmara dos Deputados, foi o mesmo<br />
encaminhado ao Senado e finalmente aprovado para ser.<br />
posta em prática a obrigatoriedade da entrega de um<br />
exemplar impresso de cada obra saída no Brasil de prelos<br />
tipográficos.<br />
Na continuidade da decisão já tomada pelo governo<br />
de construir um novo prédio para a <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong>,<br />
foram estudadas diversas opções para a nova localização.<br />
Primeiramente escolhida, na Praça da República, não<br />
foram favoráveis as opiniões e pareceres do principal<br />
administrador que apresentou proposta no sentido de ser<br />
utilizado outro sítio, inserido no plano da nova e mais.<br />
importante artéria da cidade, nas imediações do Morro,<br />
do Castelo que deveria ser ainda em parte demolido para<br />
a execução do projeto. Aprovada a sugestão, foi pelo Ministro<br />
da Justiça e Negócios Interiores entregue a responsabilidade<br />
do plano arquitetônico ao Engenheiro Militar<br />
F. M. de Sousa Aguiar que já dera suficientes provas<br />
de capacidade por ocasião da apresentação do Pavilhão<br />
Brasileiro na Exposição de São Luís, em 1904, ocasião em<br />
que recebeu Medalha de Ouro pelo seu trabalho.<br />
No ano seguinte, 1905, dá-se início à construção do<br />
prédio com o lançamento da pedra fundamental; cerimônia<br />
solene que contou com a presença do que de mais<br />
155
expressivo constituía a alta cúpula da administração pública,<br />
a começar pelo Presidente da República, Dr. Francisco<br />
de Paula Rodrigues Alves, e demais autoridades. O<br />
acontecimento foi marcado pela colocação, nas fundações<br />
do futuro edifício, de caixa contendo ata e medalha comemorativa,<br />
além de documentos de praxe, tais como jornais<br />
do dia e moedas correntes. Foram ainda guardadas para<br />
inclusão no acervo da <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong> e distribuídas<br />
às pessoas gradas medalha comemorativa, de autoria de<br />
Augusto Girardet e a Ata, desenhada por Rodolfo de<br />
Amoedo guardada na Seção de Manuscritos, conforme relata<br />
o Diretor no seu registro das atividades do ano em<br />
curso.<br />
Montava a três mil contos de réis (3.000:000$000) a<br />
quantia votada no orçamento da União para a obra, com<br />
o que ficou assim assegurada.<br />
Embora fosse preocupação primordial o novo edifício,<br />
não se descuidava o Diretor dos trabalhos técnicos em<br />
curso, tais como o enriquecimento e catalogação do acervo;<br />
serviço de permuta internacional e nacional; registro<br />
de direitos do autor; impressão de publicações, todos minuciosamente<br />
descritos em seu relatório anual, apresentado<br />
ao Ministro da Justiça e Negócios Interiores. Ainda<br />
uma vez registra a importância para a casa, da legislação<br />
referente à Contribuição Legal, aprovada pela maioria do<br />
Senado, mas que somente no ano de 1907 se firmará como<br />
decreto.<br />
Dentre as atividades culturais, destacou-se a contribuição<br />
e o êxito da Exposição Cervantina, sendo expressivo<br />
o número de obras pertencentes ao patrimônio nacional<br />
que figuraram na mostra organizada pelo Gabinete<br />
Português de Leitura.<br />
Recapitulando as ocorrências do ano 1906: além das<br />
rotinas e estatísticas apresentadas, refere-se o Diretor às<br />
obras necessárias feitas no prédio da Rua do Passeio n.°<br />
48, decorrentes da exigência da Saúde Pública, com as<br />
quais ainda mais vulnerável tornou-se a instituição;<br />
porém, conforme suas palavras, "achando-se em construção<br />
o vasto edifício destinado a ser ocupado pela <strong>Biblioteca</strong>,<br />
só se devem efetuar no próprio nacional que ela<br />
atualmente ocupa, as obras inadiáveis e as que forem<br />
156
indispensáveis à sua conservação". Lamenta que sua sugestão<br />
com referência às comemorações de 1908, quando<br />
participaria a <strong>Biblioteca</strong> com monumental Exposição Bibliográfica<br />
Brasileira, não tenha sido aceita, mas frisa<br />
que foi a idéia retomada posteriormente pelo Instituto<br />
Histórico e Geográfico Brasileiro, com o qual colaboraria<br />
a <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong>.<br />
Os trabalhos que decorreriam forçosamente da transferência<br />
para o novo prédio ficam em compasso de espe^<br />
ra, pois as obras apenas se iniciavam.<br />
No ano de 1907 se definem os projetos para a instalação<br />
da <strong>Biblioteca</strong> no novo prédio, pois as obras avançavam<br />
nas fundações. Tratava-se pois de programar a nova<br />
estrutura, não só quanto ao espaço físico, como também<br />
quanto ao tipo de material a ser aplicado em mobiliário,<br />
levando em conta o avanço de novas técnicas aplicadas a<br />
bibliotecas. Por esta razão, é o Diretor encarregado de<br />
visitar, na Europa e Estados Unidos, as grandes bibliotecas<br />
públicas e também de contratar o fornecimento de<br />
material adequado às novas instalações. Ausentou-se ele<br />
por oito meses (de 20 de março a 3 de novembro do ano<br />
em curso); período profícuo de estudos e cujos resultados<br />
figuram em relatório especial entregue a seu superior.<br />
O ano de 1908 registra poderoso fluxo dirigido ao<br />
acervo bibliográfico brasileiro, decorrente da aplicação do<br />
decreto 1.825, de 20.12.1907, graças ao qual foi determinada<br />
a obrigatoriedade da entrega de um exemplar de<br />
trabalho gráfico de oficinas brasileiras, posto em prática<br />
mediante rotina estabelecida pelo Diretor da <strong>Biblioteca</strong><br />
<strong>Nacional</strong> em convênio com a Diretoria-Geral dos Correios<br />
— embora não abrangesse a totalidade dos 1.140 municípios<br />
integrantes da Federação, foi o maior estímulo para<br />
ser acrescida, na instituição, a contribuição bibliográfica<br />
brasileira, pois a ela cabia ser a guardiã do patrimônio<br />
intelectual do país.<br />
Ficou marcada a Exposição Comemorativa do Centenário<br />
da Imprensa no Brasil, também pela valiosa contribuição<br />
da <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong> que apresentou, além da<br />
série completa de suas publicações, um importante conjunto<br />
de documentos relativos a D. João VI em Portugal<br />
e no Brasil.<br />
157
O avanço dos trabalhos em relação ao prédio em construção<br />
tomava vulto e já permitia ao Diretor encaminhar<br />
as propostas do material de aço de três firmas dos três<br />
países visitados: Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha<br />
— sendo escolhida pelo Ministro da Justiça e Negócios<br />
Interiores a firma americana Art Metal Construction<br />
Company que providenciou a remessa do material encomendado<br />
(depositado nos porões do novo edifício, enquanto<br />
aguardava a montagem). O planejamento interno<br />
para a respectiva distribuição foi estudado pelo Diretor,<br />
em estreita colaboração com o construtor do prédio.<br />
Decisivo para o destino da coleção é o ano de 1909,<br />
pois marca a transferência do acervo para o novo prédio<br />
recêm-terminado. As providências preliminares envolveram<br />
trabalhos de natureza prática tais como acondicionamento,<br />
transporte e localização nos novos armazéns, cujo<br />
controle coube à Direção e envolveu várias etapas. Iniciada<br />
a 1 de setembro de 1909, somente em fevereiro do<br />
ano seguinte terminou a transferência do acervo — todo<br />
o desenrolar das atividades está minuciosamente descrito<br />
no relatório do referido ano, encaminhado pelo Diretor<br />
ao Ministro da Justiça e Negócios Interiores.<br />
Embora entregue o prédio a 29 de outubro, ficaram<br />
"ainda por completar vários detalhes de acabamento<br />
bem como a montagem e decoração dos interiores para<br />
cujos trabalhos foram concedidas verbas no montante de<br />
2.400:000$0c0.<br />
Ainda dentro do programa de reestruturação, sugeria<br />
o Diretor a reorganização dos serviços, considerando que<br />
a nova biblioteca, em função de maior público, teria maiores<br />
encargos. Para o aumento de pessoal qualificado "a<br />
criação de um Curso de Biblioteconomia que preparasse<br />
o candidato aos cargos da <strong>Biblioteca</strong>, pois a natureza especial<br />
das funções confiadas aos que são nomeados para<br />
as bibliotecas exige cautelas e garantias". Ainda sua ampla<br />
visão lembrava a importância de ser a instituição<br />
vinculada ao Instituto Internacional de Bibliografia, razão<br />
de projeção entre as bibliotecas congêneres dos grandes<br />
centros europeus.<br />
Com a instalação definitiva, em <strong>1910</strong>, realizava-se a<br />
maior aspiração das Direções durante praticamente um<br />
158
século: edifício especialmente construído dentro das modernas<br />
técnicas, para abrigar o opulento acervo; mobiliário<br />
incombustível de aplicação prática e construído dentro<br />
de padrões internacionais e, ainda, espaço suficiente<br />
para o montante do acervo existente e reserva para a<br />
futura acomodação para mais quatrocentos mil volumes.<br />
A inauguração oficial das novas instalações ocorreu<br />
exatamente a 29 de outubro, um século após a data oficial<br />
da instalação da <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong>, assim considerada<br />
a da ordem do Príncipe-Regente de instalar sua<br />
coleção bibliográfica nas acomodações da Rua do Carmo.<br />
A solenidade reuniu ainda desta vez o que de mais<br />
representativo havia nos altos escalões da administração<br />
e ainda a elite cultural do país — o Sr. Presidente da<br />
República, Dr. Nilo Peçanha, o Sr. Ministro da Justiça,<br />
Dr. Esmeraldino Bandeira, e inúmeros representantes oficiais<br />
que deixaram registradas na Ata lavrada na oportunidade,<br />
suas presenças, prestigiando a direção do Dr.<br />
Manuel Cícero Peregrino da Silva, à frente da <strong>Biblioteca</strong><br />
<strong>Nacional</strong>. Duas placas de bronze, comemorativas do acontecimento,<br />
e colocadas em lugar de destaque no novo edifício,<br />
gravaram para a posteridade os nomes dos que mais<br />
diretamente colaboraram para tornar realidade a maior<br />
aspiração de seus Diretores.<br />
A <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong>, na posição de mais importante<br />
acervo do país, herdeira de um patrimônio real e imperial,<br />
instalada condignamente e dirigida por um dos maiores<br />
administradores que já passaram pela instituição, tornou-se<br />
credora da confiança dos homens públicos e de<br />
cultura que continuaram desta data em diante a prestigiá-la,<br />
enriquecendo-a de valiosos tesouros bibliográficos.<br />
159
A <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong> na Rua do Passeio - Salão de Leitura
A BIBLIOTECA E SUAS ANDANÇAS<br />
Eduardo Canabrava Barreiros
A atual <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong> foi criada no século<br />
XVIII, com a livraria mandada organizar por D. José I,<br />
em substituição à Real <strong>Biblioteca</strong> da Ajuda, destruída com<br />
o incêndio do Paço da Ribeira, em 1755.<br />
No mesmo século, na década de setenta, juntavam-se<br />
à livraria acima os 5.764 volumes doados pelo bibliófilo<br />
Diogo Barbosa Machado, Abade de Santo Adrião de Sever,<br />
e posteriormente a livraria do Colégio de Todos os Santos,<br />
da Ilha de São Miguel, assim como boa parte da livraria<br />
chamada do Infantado.<br />
Mas foi no início do século seguinte, mais precisamente<br />
em 1808, que o já respeitável acervo bibliográfico<br />
seria transportado para o Brasil, trazido pela família real.<br />
No Rio de Janeiro, por decreto de 27 de junho de<br />
1810, já com o título de Real <strong>Biblioteca</strong>, foi localizada<br />
nas casas do Hospital da Ordem Terceira do Carmo, com<br />
acesso pelo Beco do Carmo, na antiga Praia de Manuel<br />
de Brito de Lacerda, então denominada Rua Direita, e<br />
atual Rua Primeiro de Março.<br />
Constatada, posteriormente, a impropriedade do local,<br />
por novo decreto, este de 29 de outubro do mesmo ano,<br />
foram os livros transferidos para o lugar que havia servido<br />
de catacumbas aos Religiosos do Carmo, ao lado do<br />
local anterior.<br />
E foi aí, na Rua Detrás do Carmo, e após três anos e<br />
tanto de "arrangamento e conservação", que seria franqueada<br />
ao público a Real <strong>Biblioteca</strong>, contando então a respeitável<br />
soma de 60.000 volumes.<br />
Em conseqüência do tratado de 29 de agosto de 1825,<br />
foi a Real <strong>Biblioteca</strong> do Rio de Janeiro incorporada ao<br />
162
Estado do Brasil, ainda localizada na Rua Detrás do Carmo,<br />
de onde sairia somente nos meados do século.<br />
Foi instalada em prédio próprio, no Largo da Lapa,<br />
46 — ou Rua do Passeio, 48 — em 1858. Prédio esse que,<br />
após algumas modificações, daria guarida à Escola <strong>Nacional</strong><br />
de Música. Neste endereço permaneceria até os<br />
primórdios do século XIX, quando passou a denominar-se<br />
<strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong> do Rio de Janeiro.<br />
Nos fins do século, ou seja, em 1895, a preciosa coleção<br />
alcançava os 400.000 exemplares, obrigando à utilização<br />
de um depósito vizinho ao prédio da Lapa, onde<br />
seriam inauguradas as oficinas de encadernação e tipografia,<br />
extintas posteriormente.<br />
A esse tempo cogitou-se de outro prédio, capaz de<br />
agasalhar tamanho acervo, em contínua expansão. Assim,<br />
em 1905, é lançada a pedra fundamental do atual edifício,<br />
na então Avenida Central, que sete anos depois passaria<br />
a denominar-se Avenida Rio Branco. A inauguração<br />
do prédio se daria em 29 de outubro de <strong>1910</strong>, portanto<br />
cinco anos após o lançamento de sua pedra fundamental.<br />
Em resumo, a famosa biblioteca transferiu-se de Continente<br />
para Continente em 1808; de prédio para prédio<br />
num mesmo logradouro em 1810; da Rua Detrás do Carmo<br />
para o Largo da Lapa em 1858; e, finalmente, deste último<br />
local para a Avenida Rio Branco em <strong>1910</strong>, onde permanece<br />
até hoje.<br />
163
A BIBLIOTECA NACIONAL<br />
CARMO — PASSEIO — CINELANDIA<br />
Augusto Maurício
A chegada da Corte de D. João, então Príncipe-Regente,<br />
ao Rio de Janeiro, em 7 de março ao ano 1808,<br />
foi da maior importância para a cidade. Entre os vários<br />
benefícios de que logo se dignou dotar a população destacam-se,<br />
principalmente, os relativos à classe cultural<br />
e também à política. Tendo deixado Lisboa por motivo<br />
da guerra de Napoleão I, que invadira seu país, chegou<br />
a família real à cidade de Salvador no dia 22 de janeiro<br />
de 1808, numa frota de muitas naus ocupadas por uma<br />
multidão composta de cerca de 15.000 pessoas. Recebido<br />
o Príncipe com grande festa, demonstrações de alegria<br />
popular, logo no dia 28 do mesmo mês e ano, declarava<br />
abertos a todas as nações amigas os portos do Brasil, para<br />
a expansão do comércio. Foi o primeiro gesto de compreensão,<br />
de inteligência, logo reconhecido pelo Regente.<br />
A permanência da família real em Salvador estendeu-se<br />
até 26 de fevereiro, quando a frota que a conduzia<br />
tomou o rumo do Rio de Janeiro, onde chegou no dia 7<br />
de março, tornando-o capital do Reino — embora em<br />
caráter provisório.<br />
Estabelecida a Corte no Rio, logo teve começo o trabalho<br />
de desenvolvimento da cidade, com a criação de<br />
várias instituições de ordem artística e cultural, para que<br />
mais e mais se popularizasse a cidade que se tornara a<br />
capital do Reino. A própria esquadra que transportou da<br />
Europa a família real trazia algo da maior importância<br />
para alcançar o elevado objetivo. D. João trouxera de<br />
Lisboa um acervo de cerca de 6.000 livros da <strong>Biblioteca</strong><br />
da Ajuda que, sem favor, era considerada das mais importantes<br />
no conceito universal. Essa instituição fora cria-<br />
161
ção do Rei D. Duarte, reorganizada, depois, no reinado de<br />
D. José I, após um incêndio que a destruiu em parte. A<br />
esse precioso acervo literário foram incorporadas a Livraria<br />
do Colégio de Todos os Santos, da Ilha de S. Miguel,<br />
e uma outra denominada do Infantado. Tudo composto<br />
de obras do mais alto mérito literário e histórico.<br />
Assim, para que fosse logo conseguido o primeiro<br />
pouso para a instalação da <strong>Biblioteca</strong>, um local adequado,<br />
em que coubesse o apreciável número de volumes chegados<br />
de Lisboa, foi consultada a Ordem Terceira de N. S.<br />
do Monte do Carmo, a fim de que lhe fosse cedida a<br />
parte dos fundos da igreja, cuja frente é na Rua 1.° de<br />
Março. Nesse local, que tem entrada pela Rua do Carmo,<br />
era estabelecido um hospital e recolhimento de moças,<br />
todos irmãos da referida ordem religiosa. Não houve recusa<br />
por parte da direção da Ordem, ao contrário, logo<br />
foi reconhecida a boa vontade com que foi atendida a<br />
consulta. O hospital, bem como o recolhimento, passaram<br />
a funcionar na Igreja de N. S. do Parto onde, inclusive,<br />
havia hospital e recolhimento. Assim, por decreto datado<br />
de 27 de junho de 1810, foi instalada a biblioteca, logo<br />
procurada por estudantes, freqüentada pelos interessados<br />
em expandir sua cultura literária, mas somente foi aberta<br />
ao grande público a partir de 1814. De Frei Camilo de<br />
Monserrate há uma descrição minuciosa do antigo Hospital<br />
do Carmo, onde se alojou a Real <strong>Biblioteca</strong>.<br />
Entre vários gestos inesquecíveis de D. João, deve-se<br />
salientar a vinda da Missão Artística Francesa, em 1816,<br />
sob a orientação do Conde da Barca (Antônio de Araújo<br />
e Azevedo), quando apareceram verdadeiros gênios nos<br />
mais diversos setores de arte — João Batista Debret<br />
(pintor histórico), Augusto Henrique Vitor Grandjean de<br />
Montigny (arquiteto), Augusto Maria Taunay (escultor),<br />
Nicolau Antônio Taunay (pintor de paisagens), entre muitos<br />
outros, sob a chefia de Joaquim Lebreton. Esses artistas,<br />
além de outros feitos do governo real, como a elevação<br />
do Brasil à condição de Reino em 1815, imprimiram<br />
imensurável destaque à vida do Rio de Janeiro naquela<br />
época distante, com a apresentação de seus magníficos<br />
trabalhos.<br />
166
Detalhe do "Mappa architectural da cidade do Rio de Janeiro, parte co<br />
mercial... 1874", onde se vê, indicado por uma seta, o Beco do Carmo,<br />
que então dava acesso aos prédios da Rua Detrás do Carmo, e onde<br />
primeiro se alojaram os livros trazidos pelo Príncipe-Regente D. João.
Parte central da cidade do Rio de Janeiro, nos princípios do século XIX,<br />
mostrando os locais por onde andou a <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong>. Números 1 e 2:<br />
casas da Rua Detrás do Carmo. Número 3: edifício do Largo da Lapa ou<br />
Rua do Passeio. Número 4: localização do prédio atual, nas encostas do<br />
Morro do Castelo, em área alinhada com a abertura da Avenida Central,<br />
hoje Avenida Rio Branco.
Com o correr do tempo, o espaço ocupado pela Real<br />
<strong>Biblioteca</strong> se foi tornando apertado, insuficiente para<br />
guardar as obras que lhe eram doadas por muitos interessados<br />
no assunto. Era, portanto, imprescindível, urgente,<br />
que se encontrasse outro local para o estabelecimento<br />
literário. Corria já o ano 1858. A família real, com<br />
sua numerosa Corte, já havia voltado a Portugal. Mas<br />
isso não impediria que a obra prosseguisse.<br />
Resolveu então o Governo Imperial de D. Pedro II<br />
adquirir um vasto prédio existente na Rua do Passeio, expropriedade<br />
de J. P. da Rocha Viana, o que logo foi concretizado,<br />
para servir de sede à <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong>, que<br />
deixaria, embora saudosamente, a casa da Rua do Carmo.<br />
Então, em 1858, passou para a Rua do Passeio a preciosa<br />
coleção literária. Era a sua segunda residência, de cujas<br />
janelas se podia apreciar o belo jardim do Passeio Público<br />
que lhe ficava em frente.<br />
Relativamente ao Passeio Público, transcrevemos aqui<br />
alguns trechos de um trabalho, algo extenso, constante<br />
de um dos livros do autor desta crônica. O Passeio Público<br />
era — e ainda é, um dos parques mais pitorescos do<br />
Rio, além de também ser histórico. O seu local era um<br />
pântano, ligado a uma lagoa, denominada do Boqueirão,<br />
que começava na Ponta do Calabouço e terminava nas<br />
cercanias da Glória. Para transformar o local do magnífico<br />
jardim o Vice-rei D. Luís de Vasconcelos e Sousa<br />
(1779-1790) fez demolir o morro das Mangueiras (no Largo<br />
da Lapa), cobrindo com a terra a infecta lagoa. Pois<br />
o Passeio Público, com suas árvores enormes, velhíssimas<br />
algumas, povoado de hermas e bustos, perpetuando a<br />
memória de ilustres patrícios, se situa justamente no antigo<br />
brejo. Estão ali, como que presentes, vivos, Valentim<br />
da Fonseca e Silva, Olegário Mariano, Raimundo Correia,<br />
Gonçalves Dias, Castro Alves, Júlia Lopes de Almeida,<br />
Pedro Américo, Vítor Meireles, Chiquinha Gonzaga, Irineu<br />
Marinho, Hermes Fontes, Moacir de Almeida, além de<br />
muitos outros ainda.<br />
A execução do plano do jardim, elaborado por D. Luís<br />
de Vasconcelos e Souza, foi confiada ao gosto artístico de<br />
Mestre Valentim, que se entregou inteiramente ao traba-<br />
169
lho, sendo o parque inaugurado no ano 1783. Era circundado<br />
por forte muro de pedra, com dois portões de ferro<br />
— um em frente à Rua das Marrecas, e outro à beira do<br />
mar, abrindo-se para um largo terraço com um pavilhão<br />
em cada extremidade. O muro permaneceu até 1835 quando,<br />
por motivo de obras no parque, foi substituído por<br />
grades de ferro, de pequena altura. Em 18G0 nova reforma<br />
foi realizada no parque, no que se referia ao seu<br />
aspecto estético. Para tanto veio da França o renomado<br />
botânico e paisagista Augusto Francisco Maria Glaziou.<br />
Os canteiros obedeceram a novos riscos, a plantação de<br />
flores teve nova orientação, embelezando mais o já belo<br />
recanto do Rio.<br />
Dois anos após, em 1862, foram as grades substituídas<br />
por outras de maior resistência e altura, que ali permaneceram<br />
até quando foi arrasado o Morro do Castelo,<br />
em 1922, e houve o conseqüente alinhamento do novo logradouro<br />
que surgiu, e que teve a denominação de Praça<br />
Paris. Nessa ocasião foi retirado o gradil, bem como<br />
suprimido o terraço e, no mesmo lugar levantados dois<br />
prédios, em estilo colonial, denominando-se um, Teatro<br />
Cassino, e outro, Cassino Beira-Mar. Este era ponto de<br />
encontro de jovens, que se divertiam ao som de música<br />
e danças, inclusive bebidas; era o que atualmente se<br />
denomina buate.<br />
O largo portão que olha para a Rua das Marrecas<br />
foi transportado para o interior do parque, como recordação<br />
carinhosa de Mestre Valentim. Acima do portão<br />
vê-se, em baixo-relevo, em delicada fundição de bronze<br />
dourado, um medalhão com as efígies de D. Maria I e<br />
D. Pedro III, reis de Portugal, tendo a sua volta os dizeres:<br />
MARIA I ET PETRUS III <strong>BRASIL</strong>IAE REGIBUS. Felizmente<br />
o portão, bem como as grades que circundavam<br />
o jardim voltaram aos seus primitivos lugares, em fevereiro<br />
de 1968, quando era Governador do Estado o Dr.<br />
Francisco Negrão de Lima, sempre devotado às preciosidades<br />
do Rio.<br />
Existe ainda no Passeio Público algo digno da veneração<br />
de todos. Além das altas pirâmides de pedra, nas<br />
quais se destacam, em oval de mármore branco as frases<br />
178
A SAUDADE DO RIO e AO AMOR DO PÚBLICO, ali está<br />
uma das mais caras reminiscências do Rio colonial. É a<br />
Ponte dos Amores, ou Chafariz dos Jacarés, a cuja construção<br />
se liga — segundo cronistas antigos, inclusive<br />
Joaquim Manuel de Macedo em sua obra "Um Passeio<br />
pela Cidade do Rio de Janeiro", curiosa história sentimental<br />
relativa ao Vice-rei D. Luís de Vasconcelos. Talvez<br />
não seja rigidamente história, mas, admitindo-se mesmo<br />
como lenda, é assaz interessante o assunto.<br />
Segundo consta de velhos alfarrábios, o Vice-rei, dado<br />
a conquistas amorosas, encontrou, certo dia, à margem<br />
da lagoa do Boqueirão, uma jovem, Suzana, que, de cântaro<br />
à cabeça, se dirigia ao chafariz da Glória em busca<br />
de água. Morava a moça nas proximidades. Vendo-se assediada<br />
pela figura mais poderosa da terra, não se envaideceu,<br />
nem demonstrou receio de enfrentar D. Luís e, com<br />
habilidade feminina, confessou-lhe que era noiva, pretendendo<br />
casar-se logo que o seu eleito conseguisse uma<br />
situação favorável.<br />
D. Luís não renunciou à sua pretensão e continuou a<br />
insistir junto ao coração da moça, até que um dia, escondido<br />
em uma moita, qual o sátiro lendário à espreita<br />
de uma ninfa descuidada, surpreendeu Suzana e o noivo,<br />
e mais a avó, em palestra íntima, à porta da casa, junto<br />
a um coqueiro que era sempre testemunha do encontro<br />
cotidiano dos dois namorados, ao entardecer. Apurando o<br />
ouvido, percebeu que Vicente Perez, o noivo, receava não<br />
poder lutar contra ele, o Vice-rei, e em breve perderia a<br />
Suzana. Ela procurava demovê-lo de tais temores, afirmando<br />
que jamais o deixaria, que haveria de ser sua<br />
esposa; quanto a D. Luís, tinha certeza de que era um<br />
homem de bem, de bom caráter, e compreendendo a situação,<br />
haveria até de ajudá-los.<br />
A convicção da jovem, a esperança de felicidade e a<br />
confiança que depositava na dignidade do Senhor D. Luís<br />
calaram fundo no espírito do representante real. Convenceu-se<br />
de que Suzana era pura e ingênua. Se a desejava<br />
para uma aventura passageira, ela via nele apenas um<br />
homem bom, que poderia protegê-la para a efetivação<br />
de sua ventura.<br />
161
Desiludido, mas compreensivo e conformado, resolveu<br />
então renunciar aos seus reprováveis desejos. No dia seguinte<br />
mandou chamar Vicente Perez e ofereceu-lhe um<br />
emprego, pedindo-lhe, nessa ocasião, que consentisse fosse<br />
ele uma das testemunhas de seu casamento.<br />
Ajardinada a antiga lagoa do Boqueirão, mandou o<br />
Vice-rei que Mestre Valentim ali levantasse uma cascata,<br />
que foi denominada Fonte dos Amores, como recordação<br />
do seu belo sonho...<br />
Voltemos à <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong>, que é o assunto principal<br />
desta modesta crônica.<br />
Com o passar dos dias, novamente se tornou deficiente<br />
o prédio da Rua do Passeio para guardar as preciosidades<br />
na <strong>Biblioteca</strong>. Era, portanto, imprescindível buscar,<br />
com urgência, outro local. O prédio que servira até<br />
então foi logo demolido e, em seu lugar, outro levantado,<br />
o qual abriga atualmente a Escola <strong>Nacional</strong> de Música.<br />
No Governo de Francisco de Paula Rodrigues Alves<br />
(1902/1906), grande paulista de Guaratinguetá, marcantes<br />
melhoramentos foram introduzidos na vida da cidade.<br />
Bem acompanhado em suas ações, tendo acertado plenamente<br />
na escolha de seus auxiliares, teve como Prefeito<br />
o eminente engenheiro Francisco Pereira Passos. Logo<br />
após sua nomeação foi ele, o Prefeito, muito atacado por<br />
gente invejosa, mas as decisões que tomava eram sempre<br />
irreversíveis. Desprezava os comentários, e prosseguia marchando<br />
decisivamente para alcançar seus objetivos primordiais<br />
— embelezar e desenvolver a cidade, dando-lhe<br />
aspecto diferente daquele que apresentava. Entre os projetos<br />
que pretendia realizar — e que realizou triunfalmente,<br />
estava a abertura de uma pista reta, ligando o<br />
cais do porto (Praça Mauá) ao cais da Lapa. Era Ministro<br />
da Viação, Comércio e Indústria o notável político Lauro<br />
Müller, a quem cabia deliberar sobre o empreendimento.<br />
Convidado por ele, com a anuência do Presidente da<br />
República, surgiu Paulo de Frontin, nomeado diretor da<br />
maravilhosa obra.<br />
No dia 8 de março de 1904, foi dado início aos trabalhos<br />
de demolição de muitos prédios, e já no mês de<br />
julho era franqueado ao público o trecho compreendido<br />
entre a Praça Mauá (então Prainha) e a Rua do Ouvidor,<br />
161
Nilo Peçanha, Presidente da República, sua comitiva e convidados, retirando-se do<br />
e difício da <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong>, após a inauguração oficial. À esquerda do Presidente,<br />
0 Diretor da <strong>Biblioteca</strong>, Manuel Cícero Peregrino da Silva.
e em fevereiro de 1905 já estava totalmente aberta a nova<br />
via carioca, com o título de Avenida Central, medindo<br />
1.800 metros de extensão. Depois de nivelado o terreno<br />
foi o novo logradouro solenemente inaugurado, no dia 15<br />
de novembro de 1905, pelo Presidente da República, Prefeito,<br />
o Diretor da obra, Ministros e muitas outras autoridades<br />
do Governo. E foi Avenida Central até o ano 1912<br />
quando, por morte do sempre pranteado diplomata patrício<br />
José Maria da Silva Paranhos Júnior, passou a ser<br />
Avenida Rio Branco. Era uma justa homenagem que a<br />
cidade prestava ao seu digno filho, Barão do Rio Branco.<br />
Nesse logradouro, um dos mais movimentados da cidade,<br />
encontram-se, além da <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong>, o Museu<br />
de Belas-Artes, o Teatro Municipal, o Clube Militar...<br />
Do outro lado da Avenida, na atual Praça Floriano, estão<br />
os cinemas Odeon, Pathé, Império, outros. Nessa Praça,<br />
antigamente existia o Convento da Ajuda, cujo terreno<br />
foi adquirido por Francisco Serrador, que logo ali construiu<br />
o seu primeiro cinema — o Capitólio. Atualmente,<br />
talvez pelo fato de se localizarem ali muitos cinemas, o<br />
povo de todo o Rio a conhece por Cinelãndia. Pousam no<br />
local um grande monumento a Floriano Peixoto, outro a<br />
Carlos Gomes (este cópia do existente em Campinas, S.<br />
Paulo), além de bustos que lembram Paulo de Frontin,<br />
Getúlio Vargas e Francisco Serrador.<br />
A <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong> ocupa todo um quarteirão da<br />
praça — Rua Araújo Porto Alegre/Rua Pedro Lessa e,<br />
no fundo, a Rua México. É um prédio de grande beleza,<br />
de nobre aspecto, imponente arquitetura. Faz lembrar o<br />
maravilhoso Palácio Laeken, de Bruxelas, residência dos<br />
reis da Bélgica. Foi projetado pelo General Francisco<br />
Marcelino de Souza Aguiar, e realizada a construção pelos<br />
engenheiros Napoleão Moniz Freire e Alberto de Faria,<br />
e inaugurado em 29 de outubro no ano <strong>1910</strong> — Governo<br />
Nilo Peçanha. São do escultor Correia Lima as estátuas<br />
que são vistas nas entradas do prédio, representando A<br />
Inteligência e O Estudo. No terceiro andar encontram-se<br />
dois painéis — A Memória e A Reflexão, obras do festejado<br />
pintor Rodolfo Amoedo, e ainda A Imaginação e<br />
A Observação, de autoria de Modesto Brocos, que são<br />
verdadeiros primores de arte. Não podemos deixar de citar<br />
181
também, existentes no quarto andar, as obras Domínio<br />
do Homem sobre as forças naturais e O Progresso, de Henrique<br />
Bernardelli, e A Solidariedade Humana e A Liberdade,<br />
estes últimos de Eliseu Visconti. Estão guardados<br />
com o maior carinho, porque são autênticas relíquias, e<br />
que foram usados na hora do lançamento da pedra fundamental<br />
do edifício, o martelo e a colher, ambos de prata,<br />
com cabo de madrepérola. Há, também, uma medalha que<br />
foi cunhada, para ser sempre lembrada a data de 29 de<br />
outubro do ano <strong>1910</strong>, quando se deu a inauguração da<br />
atual sede da nossa <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong>.<br />
Conta a <strong>Biblioteca</strong> com os seguintes departamentos<br />
de administração: Direção, Coordenação Técnica, Divisões<br />
de Aquisição e Processamento, de Referência Geral, de<br />
Referência Especializada, de Divulgação, de Conservação,<br />
de Reprografia, de Atividades Auxiliares. Todas as seções<br />
bem distribuídas, chefiadas por competentes funcionários<br />
sempre atentos e delicados no atendimento dos que buscam<br />
informes sobre os assuntos desejados; tudo isso dá<br />
à <strong>Biblioteca</strong> a condição de um departamento de alta postura<br />
no seu gênero.<br />
Já dirigiram a <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong>, desde 1808 até os<br />
dias que correm, grandes vultos notáveis, cujos nomes a<br />
história guarda com orgulho. Entre eles citaremos apenas<br />
alguns, pela ordem de acesso, como Santos Marrocos,<br />
Frei Antônio de Arrábida, Januário da Cunha Barbosa,<br />
Frei Camilo de Monserrate, Barão de Ramiz Galvão, Manuel<br />
Cícero Peregrino da Silva, Basílio de Magalhães,<br />
Rodolfo Garcia, Josué Monteio, José Honório Rodrigues,<br />
José Elísio Condé. Atualmente está na Direção o ilustre<br />
Professor Plinio Doyle, que segue o mesmo caminho dos<br />
seus antecessores, dando à <strong>Biblioteca</strong> o seu trabalho carinhoso<br />
e eficiente, sua inteligência sempre demonstrados.<br />
Que a <strong>Biblioteca</strong> <strong>Nacional</strong> prossiga sempre, eternamente,<br />
emprestando sua ajuda aos que a procuram ávidos<br />
de informações, carentes de conhecimentos para a expansão<br />
de sua sabedoria.<br />
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ESTE LIVRO<br />
FOI COMPOSTO E IMPRESSO<br />
NAS OFICINAS DA<br />
GRAFICA OLÍMPICA EDITORA, LTDA.<br />
RUA DA REGENERAÇÃO, 475 - BONSUCESSO<br />
RIO DE JANEIRO - RJ - <strong>BRASIL</strong><br />
EM NOVEMBRO DE 1980
ISBN 85-7017-009-2 obra completa<br />
ISBN 85-7017-011-4 V. 2