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A Universidade e seus lugares de memória - Sistema de Bibliotecas ...

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<strong>Universida<strong>de</strong></strong> e <strong>lugares</strong> <strong>de</strong> memória


Reitor<br />

Aloísio Teixeira<br />

Vice-Reitora<br />

Sylvia da Silveira <strong>de</strong> Mello Vargas<br />

Pró-Reitora <strong>de</strong> Graduação<br />

Belkis Valdman<br />

Pró-Reitora <strong>de</strong> Pós-Graduação e Pesquisa<br />

Ângela Uller<br />

Pró-Reitor <strong>de</strong> Planejamento e Desenvolvimento<br />

Carlos Antônio Levi da Conceição<br />

Pró-Reitor <strong>de</strong> Pessoal<br />

Luiz Afonso Henrique Mariz<br />

Pró-Reitora <strong>de</strong> Extensão<br />

Laura Tavares<br />

Prefeito da Cida<strong>de</strong> Universitária<br />

Hélio <strong>de</strong> Mattos Alves<br />

Coor<strong>de</strong>nadora do Fórum <strong>de</strong> Ciência e Cultura<br />

Beatriz Resen<strong>de</strong><br />

Coor<strong>de</strong>nadora do <strong>Sistema</strong> <strong>de</strong> <strong>Bibliotecas</strong> e Informação<br />

Paula Maria Abrantes Cotta <strong>de</strong> Mello


Série Memória, documentação e pesquisa, 2<br />

<strong>Universida<strong>de</strong></strong> e <strong>lugares</strong> <strong>de</strong> memória<br />

Organização<br />

Antonio José Barbosa <strong>de</strong> Oliveira<br />

UFRJ / FCC / SiBI


<strong>Sistema</strong> <strong>de</strong> <strong>Bibliotecas</strong> e Informação (SiBI/UFRJ)<br />

Copyright FCC-SIBI/UFRJ, 2008<br />

Impressão<br />

Walprint Gráfica e Editora<br />

Capa e Diagramação<br />

Guilherme Tomaz<br />

Organização<br />

Antonio José Barbosa <strong>de</strong> Oliveira<br />

Revisão<br />

Antonio José Barbosa <strong>de</strong> Oliveira<br />

Nilce Nunes Lima<br />

Revisão <strong>de</strong> Referências<br />

Elaine Baptista <strong>de</strong> Matos Paula<br />

Eneida <strong>de</strong> Oliveira<br />

U58<br />

Os conceitos emitidos neste livro são <strong>de</strong> inteira responsabilida<strong>de</strong> dos autores<br />

Ficha catalográfica elaborada pela Divisão <strong>de</strong> Processamento Técnico – SiBI/UFRJ<br />

<strong>Universida<strong>de</strong></strong> e <strong>lugares</strong> <strong>de</strong> memória / organizado por<br />

Antonio José Barbosa <strong>de</strong> Oliveira. – Rio <strong>de</strong> Janeiro: <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />

Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro, Fórum <strong>de</strong> Ciência e Cultura,<br />

<strong>Sistema</strong> <strong>de</strong> <strong>Bibliotecas</strong> e Informação, 2008.<br />

320 p. : il. ; 21cm. -- (Memória, documentação e pesquisa)<br />

ISBN: 978-85-7108-328-8<br />

1. <strong>Universida<strong>de</strong></strong>-história. 2.Memória coletiva – Congressos.<br />

3. Memória coletiva - <strong>Universida<strong>de</strong></strong>. I. <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro. Fórum <strong>de</strong> Ciência e Cultura. <strong>Sistema</strong> <strong>de</strong> <strong>Bibliotecas</strong> e<br />

Informação. II. Série.<br />

CDD: 378.10981


Aos autores


Sumário<br />

Apresentação<br />

Aloísio Teixeira<br />

História, Memória e Patrimônio<br />

Manoel Luiz Salgado Guimarães<br />

História, memória e instituições: algumas reflexões<br />

teórico-metodológicas para os trabalhos do Projeto Memória SiBI / UFRJ<br />

Antonio José Barbosa <strong>de</strong> Oliveira<br />

Memória, Discursos e Instituições<br />

Diana <strong>de</strong> Souza Pinto<br />

Memória, preservação e uso das edificações históricas da UFRJ<br />

Maria Ângela Dias<br />

Museu da Escola Politécnica: o espaço <strong>de</strong> construção da<br />

memória da Escola Politécnica da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

Heloi José Fernan<strong>de</strong>s Moreira e Luiz Antonio Salgado Neto<br />

Museu da Química Professor Athos da Silveira Ramos:<br />

a memória da Química no Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

Júlio Carlos Afonso<br />

Quando um museu dá samba: a popularização do<br />

Museu Nacional da UFRJ no carnaval carioca<br />

Regina Dantas<br />

O Museu D. João VI da Escola <strong>de</strong> Belas Artes da UFRJ:<br />

memória institucional<br />

Angela Ancora da Luz<br />

Arquitetura e acervos x Acervo <strong>de</strong> arquitetura<br />

Elizabete R. <strong>de</strong> Campos Martins , João Cláudio Parucher e Cláudio M. Viana<br />

Memória do trabalho, memória sindical, memória política:<br />

o Arquivo <strong>de</strong> Memória Operária do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

Elina G. da Fonte Pessanha e Marcos Aurélio Santana Rodrigues<br />

O Centro <strong>de</strong> Documentação da Escola <strong>de</strong> Enfermagem Anna Nery<br />

Maria da Luz Barbosa Gomes e Sandra Cristina Demetrio <strong>de</strong> Moraes<br />

A Escola <strong>de</strong> Música da UFRJ e suas coleções especiais<br />

André Cardoso<br />

O PROEDES – Programa <strong>de</strong> Estudos e Documentação<br />

Educação e Socieda<strong>de</strong>: origens e <strong>de</strong>senvolvimento<br />

Maria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Albuquerque Fávero<br />

13<br />

17<br />

41<br />

63<br />

81<br />

95<br />

115<br />

127<br />

145<br />

157<br />

171<br />

191<br />

203<br />

221


Perfis e trajetórias dos professores universitários<br />

do curso <strong>de</strong> História no Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

Marieta <strong>de</strong> Moraes Ferreira<br />

A preservação da memória através das coleções pessoais<br />

<strong>de</strong>positadas na UFRJ: o caso da Coleção Afonso Carlos<br />

Marques dos Santos<br />

José Tavares da Silva Filho, Rosane Cristina <strong>de</strong> Oliveira e Andréa Côrtes Torres<br />

O Acervo INEP na UFRJ : 30 anos... e muita história pra contar<br />

Maria Cristina Rangel Jardim<br />

Arquivos <strong>de</strong> Cultura Contemporânea:<br />

uma experiência <strong>de</strong> pesquisa e documentação<br />

Cristina Barros Barreto<br />

O SINTUFRJ e a memória dos servidores<br />

técnico-administrativos em Educação<br />

Ana Maria Ribeiro<br />

Os Autores<br />

235<br />

269<br />

279<br />

291<br />

303<br />

315


Apresentação<br />

Não po<strong>de</strong>ria haver local mais apropriado para a realização da<br />

abertura do II Seminário Memória, Documentação e Pesquisa — A<br />

<strong>Universida<strong>de</strong></strong> e os <strong>seus</strong> <strong>lugares</strong> <strong>de</strong> Memória — promovido pelo SiBI<br />

do que o Salão Dourado <strong>de</strong>ste histórico prédio da Praia Vermelha.<br />

Aqui, protegido pela estátua <strong>de</strong> D.Pedro II imberbe, e encarando a<br />

estátua <strong>de</strong> José Clemente Pereira (também conhecido como José<br />

Pequeno) — provedor da Santa Casa <strong>de</strong> Misericórdia, que foi quem<br />

doou este terreno ao imperador para que aqui fosse construído um<br />

hospital, um asilo <strong>de</strong> loucos, o Hospital <strong>de</strong> Alienados <strong>de</strong> Pedro II.<br />

Estas estátuas já estavam aqui quando o Reitor Pedro Calmon<br />

assegurou a posse <strong>de</strong>ste espaço para a <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil no<br />

final dos anos 40 do século passado, tendo sido preservadas. E estão<br />

aqui até hoje como símbolo da continuida<strong>de</strong> histórica <strong>de</strong>sse espaço<br />

que é um importante lugar da memória <strong>de</strong> nossa <strong>Universida<strong>de</strong></strong>.<br />

O local escolhido tem um significado simbólico muito gran<strong>de</strong>,<br />

porque vivemos hoje, na universida<strong>de</strong> pública fe<strong>de</strong>ral brasileira, e<br />

em particular em nossa <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro, um<br />

momento único <strong>de</strong> nossa história. E a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realizarmos<br />

um seminário como esse, em que voltamos nosso olhar para a<br />

memória, para o passado portanto, exige <strong>de</strong> nós que olhemos também<br />

para o futuro. Passado e futuro são referências muito fortes na<br />

vida dos homens e das mulheres. Mas passado e futuro se ligam<br />

por aquilo que é mais fugidio, aquilo a que chamamos <strong>de</strong> presente.<br />

O presente é alguma coisa que se esvai continuamente. Amanhã<br />

o hoje será ontem e, portanto, já será passado. E, se o presente é<br />

importante quando olhamos para o passado, também o é quando<br />

pensamos no futuro. O presente po<strong>de</strong> ser uma conclusão renovadora<br />

da trajetória anterior ou po<strong>de</strong> ser uma simples continuida<strong>de</strong><br />

13


<strong>de</strong> alguma coisa da qual temos pouca consciência e pouca capacida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> intervir. Ao mesmo tempo o presente é o momento em<br />

que tomamos <strong>de</strong>cisões que influenciarão significativamente na<br />

construção dos dias que virão. Pensar o passado é certamente<br />

pensar a história e pensar a história não é pensar o passado somente<br />

como coisa vivida, mas sobretudo como coisa pensada.<br />

Quando olhamos a história da nossa universida<strong>de</strong>, reverenciando<br />

os <strong>lugares</strong> <strong>de</strong> sua memória, nos <strong>de</strong>frontaremos com uma história<br />

<strong>de</strong> êxitos e <strong>de</strong> fracassos, uma história <strong>de</strong> conquistas e carências.<br />

Certamente, se cada um <strong>de</strong> nós, nos pequenos espaços que ocupamos<br />

em nossa universida<strong>de</strong>, pensarmos o passado, seremos capazes<br />

<strong>de</strong> lembrar <strong>de</strong> um sem fim <strong>de</strong> micro-histórias <strong>de</strong> êxito. Na trajetória<br />

histórica dos quase noventa anos <strong>de</strong> nossa <strong>Universida<strong>de</strong></strong>, alcançamos<br />

inúmeros êxitos nestes microespaços. Mas, ao olharmos para<br />

a universida<strong>de</strong> como instituição que tem uma macro-história e não<br />

apenas um somatório <strong>de</strong> micro-histórias, observaremos que essa<br />

imensa coleção <strong>de</strong> microêxitos não redundou num macroêxito.<br />

Não há dúvida <strong>de</strong> que somos uma das universida<strong>de</strong>s mais<br />

importantes do país. Uma gran<strong>de</strong> universida<strong>de</strong> que se <strong>de</strong>staca pela<br />

qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu ensino <strong>de</strong> graduação e <strong>de</strong> pós-graduação, bem<br />

como pela pesquisa e por suas iniciativas no campo da extensão.<br />

Mas, ainda assim, quando medimos o que fazemos pelo critério da<br />

eficácia social da nossa ação, <strong>de</strong>veremos reconhecer que estamos<br />

ainda muito longe <strong>de</strong> uma história verda<strong>de</strong>iramente exitosa. A universida<strong>de</strong><br />

que temos hoje, qualquer que seja a composição do seu<br />

corpo discente, ainda é uma instituição <strong>de</strong> elite num país carente<br />

<strong>de</strong> educação, carente <strong>de</strong> iniciativas inovadoras, carente <strong>de</strong> uma<br />

universida<strong>de</strong> que seja capaz <strong>de</strong> abrigar no seu interior, não uns<br />

poucos jovens, mas muito mais jovens do que os que hoje têm<br />

acesso a ela.<br />

Olhar a história por este duplo olhar, o olhar da micro-historia<br />

dos êxitos individuais dos pequenos grupos e o olhar apurado da<br />

macro-história, da eficácia social <strong>de</strong> nossa ação, nos faz ter a certeza<br />

14


<strong>de</strong> que é preciso aproveitar esse momento único, este presente<br />

fugidio que se esvai a cada minuto, para construirmos alguma coisa<br />

nova na UFRJ. Nós estamos aqui reverenciando a memória e os<br />

espaços <strong>de</strong> memória, mas, ao mesmo tempo, temos que olhar para o<br />

amanhã, <strong>de</strong>finindo se este amanhã será apenas uma reprodução do<br />

passado, <strong>de</strong> um passado permeado <strong>de</strong> micro-histórias <strong>de</strong> êxitos, ou<br />

se será o amanhã <strong>de</strong> uma universida<strong>de</strong> nova, aberta, <strong>de</strong>mocrática,<br />

crítica, humanista, capaz <strong>de</strong> se <strong>de</strong>frontar e resolver os problemas<br />

da integração dos conhecimentos e da universalização do ensino<br />

superior. Entre este passado com suas glórias, conquistas, vitórias,<br />

fracassos e carências e esse amanhã que está em aberto, encontra-se<br />

o hoje, o presente e os nossos <strong>de</strong>safios. E é neste hoje que<br />

precisamos tomar as nossas <strong>de</strong>cisões. Reproduziremos o passado<br />

ou construiremos uma universida<strong>de</strong> nova, diferente da que temos<br />

Espero que este seminário, ao aprofundar o conhecimento que<br />

temos da nossa instituição, dos <strong>seus</strong> espaços e da sua memória,<br />

possa contribuir não só para uma maior consciência do que fomos,<br />

mas, sobretudo, para criar uma nova consciência daquilo que<br />

temos que ser.<br />

Aloísio Teixeira<br />

Discurso <strong>de</strong> abertura do II Seminário Memória, documentação e pesquisa.<br />

A universida<strong>de</strong> e os <strong>seus</strong> <strong>lugares</strong> <strong>de</strong> Memória. SIBI/UFRJ<br />

15 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2008 – Fórum <strong>de</strong> Ciência e Cultura<br />

15


História , Memória e Patrimônio<br />

Manoel Luiz Salgado Guimarães<br />

1. O problema<br />

Em recente e instigante livro publicado acerca dos <strong>de</strong>safios<br />

contemporâneos para a escrita da História, o historiador francês<br />

Christophe Prochasson 1 argumenta que estaríamos sob um novo<br />

regime <strong>de</strong> escrita, segundo o qual, ao historiador <strong>de</strong> ofício seria<br />

exigido cada vez mais uma escrita submetida aos ditames dos<br />

afetos, sejam eles <strong>de</strong>rivados <strong>de</strong> engajamentos políticos específicos,<br />

<strong>de</strong> crenças particulares ou mesmo <strong>de</strong>rivados <strong>de</strong> um convite à individualida<strong>de</strong><br />

do historiador. Este seria instado a mostrar-se através do<br />

seu texto, postura bastante diversa daquela que o obrigava a escon<strong>de</strong>r-se<br />

por trás da pesquisa científica. Esse novo regime emocional,<br />

segundo as palavras do historiador francês, supõe <strong>de</strong>terminados<br />

constrangimentos às narrativas do passado assim como fazem um<br />

apelo à dimensão cada vez mais autoral do texto historiográfico.<br />

Como parte <strong>de</strong>ssas mutações próprias ao campo <strong>de</strong> atuação do<br />

historiador, a biografia ganharia novo espaço e significado para a<br />

pesquisa histórica, assim como um lugar que per<strong>de</strong>ra como gênero<br />

legítimo da escrita histórica.<br />

Igualmente a ego-história encontrou espaço nesse novo campo<br />

<strong>de</strong> atuação para o historiador <strong>de</strong> ofício. O que, no entanto, o<br />

trabalho <strong>de</strong> Christophe Prochasson nos ajuda a refletir é sobre os<br />

usos e <strong>de</strong>mandas contemporâneas do passado, <strong>de</strong>finindo uma<br />

varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> narrativas acerca <strong>de</strong> eventos pretéritos consumidos<br />

pelas socieda<strong>de</strong>s contemporâneas ávidas <strong>de</strong> lembranças e memórias<br />

<strong>de</strong> um tempo muitas das vezes i<strong>de</strong>alizado como sendo <strong>de</strong><br />

certezas e segurança. É como parte <strong>de</strong>ssas <strong>de</strong>mandas que <strong>de</strong>vemos<br />

1 PROCHASSON, Christophe. L’empire <strong>de</strong>s émotions. Les historiens dans la mêlée. Paris:<br />

Éditions Demopolis, 2008.<br />

17


Manoel Luiz Salgado Guimarães<br />

encarar o interesse contemporâneo acerca do patrimônio e das<br />

tarefas <strong>de</strong> patrimonialização do passado. Com isso queremos <strong>de</strong>ixar<br />

claro que o estudo acerca do patrimônio só po<strong>de</strong> ser compreendido<br />

a partir <strong>de</strong> sua vinculação com as problemáticas atuais que <strong>de</strong>finem<br />

interesses específicos com relação ao passado. Portanto, refletir<br />

sobre o patrimônio po<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve ser uma das preocupações do<br />

campo historiográfico, submetendo-o a uma investigação que<br />

sublinhe a dimensão histórica <strong>de</strong> sua invenção.<br />

2. Alguns pressupostos para a abordagem do tema<br />

O meu interesse nesta área <strong>de</strong> reflexão <strong>de</strong>corre <strong>de</strong> minhas<br />

preocupações referentes ao tema da escrita da história em suas<br />

diversas modalida<strong>de</strong>s e possibilida<strong>de</strong>s. Pretendo, portanto, sugerir<br />

que uma reflexão em torno do patrimônio po<strong>de</strong> ser compreendida,<br />

e acredito mesmo que <strong>de</strong>va ser feita, em suas estreitas vinculações<br />

com o trabalho <strong>de</strong> produzir narrativas sobre o passado, ofício a<br />

que certamente os historiadores, mas não somente e também não<br />

exclusivamente, se <strong>de</strong>dicam. Assim, o patrimônio é também uma<br />

escrita do passado, submetida evi<strong>de</strong>ntemente a uma gramática e<br />

uma sintaxe específicas.<br />

Se esta hoje parece ser uma afirmação <strong>de</strong> certa forma evi<strong>de</strong>nte,<br />

nem sempre as questões relacionadas ao tema do patrimônio no<br />

Brasil foram compreendidas como integrando o rol <strong>de</strong> problemáticas<br />

<strong>de</strong> natureza historiográfica. A geração dos fundadores do<br />

patrimônio integrada basicamente por arquitetos <strong>de</strong> formação,<br />

imprimiu uma marca peculiar ao campo, cujos traços ainda hoje se<br />

fazem presentes. Certamente a consi<strong>de</strong>ração <strong>de</strong>ssa especificida<strong>de</strong><br />

é importante para compreen<strong>de</strong>rmos os rumos e diretrizes assumidas<br />

pela questão patrimonial em nosso país. Longe <strong>de</strong> ser uma<br />

natureza sua vinculação ao campo da arquitetura, <strong>de</strong>riva <strong>de</strong> uma<br />

história peculiar da constituição <strong>de</strong>sse campo entre nós e por isso,<br />

não parece ser estranho um relativo distanciamento do universo<br />

<strong>de</strong> interrogações propriamente historiográficas. No entanto, não<br />

18


História , Memória e Patrimônio<br />

apenas entre nós, mas no panorama das discussões internacionais<br />

acerca do patrimônio, tem-se observado uma aproximação entre<br />

diversos campos <strong>de</strong> atuação profissional, tornando o tema do<br />

patrimônio um lugar privilegiado para um diálogo entre historiadores,<br />

arquitetos, antropólogos, historiadores da arte, para ficarmos<br />

com apenas alguns <strong>de</strong>sses campos que têm contribuído <strong>de</strong> forma<br />

<strong>de</strong>cisiva para uma complexificação das discussões e abordagens<br />

acerca do patrimônio, da sua conservação e relação com as socieda<strong>de</strong>s<br />

contemporâneas.<br />

A semântica do termo já nos sugere uma relação com um<br />

tempo que nos antece<strong>de</strong>, e com o qual estabelecemos relações<br />

mediadas através <strong>de</strong> objetos que acreditamos pertencer a uma<br />

herança coletiva. Assim, esses objetos que acreditamos pertencer a<br />

um patrimônio <strong>de</strong> uma coletivida<strong>de</strong>, e hoje até mesmo da humanida<strong>de</strong>,<br />

estabelecem nexos <strong>de</strong> pertencimento, metaforizam relações<br />

imaginadas e que parecem adquirir materialida<strong>de</strong> a partir da presença<br />

<strong>de</strong>sse conjunto <strong>de</strong> monumentos. O termo patrimônio supõe,<br />

portanto, uma relação com o tempo e com o seu transcurso. Em<br />

outras palavras, refletir sobre o patrimônio significa igualmente<br />

pensar nas formas sociais <strong>de</strong> culturalização do tempo, próprias a<br />

toda e qualquer socieda<strong>de</strong> humana.<br />

É através <strong>de</strong>ste trabalho <strong>de</strong> produzir sentido para a passagem<br />

do tempo que as socieda<strong>de</strong>s humanas constroem suas noções <strong>de</strong><br />

passado, presente e futuro, como formas históricas e sociais <strong>de</strong> dar<br />

sentido para o transcurso do tempo. Como não vermos nesse trabalho<br />

uma relação com os problemas que afetam diretamente o ofício<br />

do historiador, uma vez que o tempo é matéria prima por excelência<br />

<strong>de</strong> seu trabalho e elemento central sobre o qual engendram-se<br />

formas <strong>de</strong> narrá-lo, como condição <strong>de</strong> torná-lo significativo para as<br />

coletivida<strong>de</strong>s humanas E é o tempo da História, aquele que marcará<br />

<strong>de</strong>finitivamente a experiência da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, tomando a<br />

medida das ações humanas como aquela a escandir a marcação da<br />

própria passagem do tempo. O tempo da História torna-se assim,<br />

19


Manoel Luiz Salgado Guimarães<br />

com a Mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, o tempo hegemônico e o nascimento da disciplina<br />

no século XIX <strong>de</strong>ve ser visto como parte <strong>de</strong>sse trabalho <strong>de</strong><br />

narrar o tempo a partir da história das ações humanas.<br />

No mesmo cenário <strong>de</strong> emergência da história em sua forma<br />

disciplinar, assiste-se ao nascimento das preocupações <strong>de</strong> natureza<br />

patrimonial, tomando logo sua forma também disciplinar. 2 Não se<br />

trata <strong>de</strong> mera coincidência temporal, mas <strong>de</strong> solos <strong>de</strong> emergência<br />

similares que tornaram tanto as preocupações disciplinares com a<br />

História quanto aquelas relativas ao patrimônio parte <strong>de</strong> uma cultura<br />

histórica que investe <strong>de</strong> maneira sistemática em diferentes possibilida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> narrar o tempo passado. Stephen Bann qualificou esse<br />

interesse pela História como parte <strong>de</strong> uma paixão das socieda<strong>de</strong>s<br />

oitocentistas pelo passado, paixão <strong>de</strong>corrente da experimentação<br />

<strong>de</strong> uma irremediável perda frente às profundas transformações que<br />

caracterizaram o século XIX.<br />

O argumento que procuro <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r é o <strong>de</strong> que uma reflexão<br />

em torno do patrimônio, <strong>de</strong>finitivamente parte das agendas políticas<br />

contemporâneas, <strong>de</strong>ve aproximar-se <strong>de</strong> uma investigação acerca<br />

da escrita da História, na medida em que po<strong>de</strong>mos caracterizar<br />

o investimento patrimonial como uma escrita peculiar empenhada<br />

em narrar, segundo procedimentos também particulares, o tempo<br />

passado. Perceber as articulações possíveis com a escrita da história<br />

po<strong>de</strong>, segundo meu juizo, enriquecer nosso <strong>de</strong>bate e nossa<br />

compreensão acerca do patrimônio, qualificando as necessárias e<br />

importantes políticas públicas <strong>de</strong> produção patrimonial. Da mesma<br />

forma que uma escrita acerca do passado <strong>de</strong>manda uma operação<br />

que transforme uma massa documental em fonte para a construção<br />

<strong>de</strong>sse passado, é também uma operação, uma escolha e um ato<br />

valorativo aquele que produz objetos do passado em patrimônio<br />

cultural <strong>de</strong> uma coletivida<strong>de</strong> humana. É igualmente a partir <strong>de</strong> tra-<br />

2 Consultar a esse respeito: POULT, Dominique. Musée, nation, patrimoine. 1789-1815.<br />

Paris: Gallimard, 1997. Do mesmo autor: Une histoire du patrimoine en Occi<strong>de</strong>nt. Paris:<br />

Presses Universitaires <strong>de</strong> France, 2006. Ver ainda: BABELON, J.-P. & CHASTEL, A. La<br />

notion <strong>de</strong> patrimoine. Paris: Édition Liana Levi, 1994.<br />

20


História , Memória e Patrimônio<br />

ços do passado que o patrimônio po<strong>de</strong> empreen<strong>de</strong>r sua tentativa<br />

<strong>de</strong> reconstrução <strong>de</strong> uma ca<strong>de</strong>ia temporal e hereditária, vinculando<br />

as gerações presentes àquelas que as prece<strong>de</strong>ram, estabelecendo<br />

por este meio, importantes laços sociais, necessários à vida das coletivida<strong>de</strong>s<br />

humanas. E aqui as relações entre patrimônio e memória<br />

são estreitas. A simples sobrevivência ao tempo não assegura por si<br />

só a condição <strong>de</strong> transformar em patrimônio histórico um objeto,<br />

um vestígio material ou um acervo arquitetônico. E nem mesmo<br />

todo o conjunto <strong>de</strong> restos que sobreviveram à passagem do tempo<br />

vieram a se constituir em patrimônio histórico <strong>de</strong> uma coletivida<strong>de</strong>.<br />

O patrimônio é, portanto, resultado <strong>de</strong> uma produção marcada<br />

historicamente. É ao fim <strong>de</strong> um trabalho <strong>de</strong> transformar objetos,<br />

retirando-lhes seu sentido original, que ace<strong>de</strong>mos à possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> transformar algo em patrimônio. Adjetivar um conjunto <strong>de</strong><br />

traços do passado como patrimônio histórico é mais do que lhes<br />

dar uma qualida<strong>de</strong>; é produzi-los como algo distinto daquilo para<br />

o qual um dia foram produzidos e criados. Da mesma forma que<br />

um conjunto <strong>de</strong> documentos só po<strong>de</strong>rá se transformar em fonte<br />

histórica pelo trabalho do historiador, igualmente os objetos que<br />

apren<strong>de</strong>mos a ver como patrimônio histórico só ganharam essa<br />

qualida<strong>de</strong> a partir <strong>de</strong> uma operação envolvendo diferentes esferas<br />

<strong>de</strong> produção <strong>de</strong> saberes e po<strong>de</strong>res.<br />

3. A atualida<strong>de</strong> da discussão. Por que refletirmos sobre o<br />

patrimônio<br />

“Afirmar que aqueles que esquecem o passado provavelmente<br />

estão con<strong>de</strong>nados a repeti-lo não equivale a dizer que<br />

aqueles que o recordam não o farão”. (Adam Phillips. Ca<strong>de</strong>rno<br />

Mais. Folha <strong>de</strong> São Paulo, 20 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2005, p. 10)<br />

“As coisas que recordamos e os caminhos pelos quais a<br />

memória nos conduz são imprevisíveis”.(Adam Phillips. Ca<strong>de</strong>rno<br />

Mais. Folha <strong>de</strong> São Paulo, 20 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2005,<br />

p. 10)<br />

21


Manoel Luiz Salgado Guimarães<br />

“O retorno do passado nem sempre é um momento libertador<br />

da lembrança, mas um advento, uma captura do presente”.<br />

(Beatriz Sarlo. Tiempo pasado. Cultura da memoria y<br />

giro subjetivo. Una discusión)<br />

As três citações acima guardam algo em comum: tematizam<br />

o problema da memória e da recordação, bem como <strong>de</strong> suas implicações<br />

para as socieda<strong>de</strong>s humanas. Falam-nos acerca dos usos<br />

sociais da lembrança e seu papel para organizarmos nossa vida em<br />

socieda<strong>de</strong>. Lembrar e recordar são atos fundamentais para assegurar<br />

a constituição <strong>de</strong> laços sociais e dificilmente po<strong>de</strong>ríamos<br />

imaginar socieda<strong>de</strong>s humanas que não produzissem suas formas<br />

e maneiras <strong>de</strong> lembrar. Igualmente o recurso às citações po<strong>de</strong> nos<br />

ajudar a estabelecer os laços entre lembrar e os usos possíveis que<br />

são feitos <strong>de</strong>sse ato. O trabalho da lembrança nos remete necessariamente<br />

a duas temporalida<strong>de</strong>s, entrelaçando-as: a do presente<br />

em que algo ou alguém é lembrado, e o passado (como momento<br />

anterior) em que os personagens ou objetos da lembrança viveram<br />

ou estiveram presentes. Portanto, o recordar impõe uma reflexão<br />

acerca do presente que transforma <strong>de</strong>terminados objetos em alvo<br />

<strong>de</strong>sse trabalho <strong>de</strong> lembrança, operando seletivamente aquilo que<br />

será lembrado e aquilo que <strong>de</strong>verá ser esquecido. Há uma <strong>de</strong>manda<br />

por recordação que <strong>de</strong>ve ser investigada como forma <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>rmos<br />

essa complexa relação entre lembrar e esquecer.<br />

Vivemos um tempo <strong>de</strong> intenso investimento em relação ao<br />

passado; esta parece ser a constatação recorrente entre diferentes<br />

autores que têm se ocupado com os estudos em torno da memória<br />

e da História em nossas socieda<strong>de</strong>s contemporâneas. 3 Quando<br />

falamos <strong>de</strong>sses investimentos é preciso que fique claro que estamos<br />

supondo que eles po<strong>de</strong>m se manifestar por meio <strong>de</strong> diferentes<br />

atitu<strong>de</strong>s: o trabalho da memória com a sucessiva produção dos<br />

3 Ver a respeito Andréas Huysen. Seduzidos pela memória. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Aeroplano,<br />

2000. Ver também Beatriz Sarlo.Tiempo pasado. Cultura <strong>de</strong> la memória y giro subjetivo.<br />

Uma discusión. Buenos Aires: Siglo Veintiuno Editores, 2005.<br />

22


História , Memória e Patrimônio<br />

<strong>seus</strong> “<strong>lugares</strong> <strong>de</strong> memória” e suas exigências relativas ao “<strong>de</strong>ver <strong>de</strong><br />

memória”; o crescimento da produção acadêmica em história com<br />

significativa procura pelos cursos <strong>de</strong> história nos vestibulares das<br />

universida<strong>de</strong>s públicas; a midiatização do passado através dos<br />

meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa disponibilizando a um público<br />

consumidor <strong>de</strong> imagens, ávido por cenas do passado, a pretensa<br />

realida<strong>de</strong> do mundo que existiu e que agora encontra-se disponível<br />

ao olhar que parece assegurar sua efetiva e inquestionável<br />

existência. E evi<strong>de</strong>ntemente a patrimonialização a que as socieda<strong>de</strong>s<br />

contemporâneas, marcadas pela experiência <strong>de</strong> uma globalização<br />

acelerada, têm experimentado.<br />

Esse interesse pelo patrimônio e pelas práticas preservacionistas<br />

que integram agendas <strong>de</strong> organismos estatais, assim como da<br />

própria UNESCO, <strong>de</strong>ve, portanto, ser visto em sua articulação com<br />

uma cultura histórica - a <strong>de</strong> nosso tempo - em que um forte traço<br />

memorialístico parece ser sua marca mais significativa. Uma cultura<br />

da memória associada a um novo regime emocional parecem<br />

conduzir o interesse pelas narrativas contemporâneas acerca do<br />

passado. Este ano, especialmente, estamos assistindo a uma avassaladora<br />

produção <strong>de</strong> lembranças acerca dos 200 anos da chegada<br />

da corte portuguesa às terras americanas. Um investimento nas<br />

tarefas da memória que reconfiguram o evento <strong>de</strong> 1808 segundo<br />

as <strong>de</strong>mandas próprias <strong>de</strong>ssa nossa contemporaneida<strong>de</strong>. Uma breve<br />

comparação com os atos comemorativos por ocasião do primeiro<br />

centenário em 1908 fornece-nos um rico material <strong>de</strong> reflexão em<br />

torno <strong>de</strong>sse trabalho <strong>de</strong> reconfiguração do evento [1808] a partir<br />

<strong>de</strong> outras expectativas e <strong>de</strong>mandas próprias às primeiras décadas<br />

republicanas no Brasil. O evento em si assume diferentes sentidos<br />

segundo as formas e o tempo em que se torna objeto da recordação.<br />

Por que e para que lembrar-se Seria possível traçarmos uma<br />

história da própria lembrança, supondo que ela articula-se à vida <strong>de</strong><br />

uma comunida<strong>de</strong> social num tempo <strong>de</strong>terminado Lembrança que<br />

23


Manoel Luiz Salgado Guimarães<br />

implica necessariamente no seu contraponto: o esquecimento. Até<br />

quando lembrar-se também não po<strong>de</strong>ria significar uma forma <strong>de</strong><br />

esquecer Escrever como forma <strong>de</strong> fixação <strong>de</strong> uma memória implica<br />

na igual capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> esquecer: se estiver escrito não tenho mais<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lembrar. Estranho paradoxo este que constitui a<br />

relação entre memória e esquecimento, largamente tematizado<br />

ao longo da cultura oci<strong>de</strong>ntal, num movimento pendular em que<br />

ora o esquecer, visto <strong>de</strong> forma negativa, <strong>de</strong>ve ser enfrentado pela<br />

narrativa dos feitos grandiosos a serem memorizados, ora o esquecer<br />

é condição positiva para a ação no mundo, atitu<strong>de</strong> salutar para<br />

os que preten<strong>de</strong>m investir na vida. Kant, ao comentar a assertiva<br />

platônica <strong>de</strong> que a arte <strong>de</strong> escrever liquidou com a memória, acrescenta:<br />

“Nessa frase há algo <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>”. Ele próprio quando necessitara<br />

esquecer-se <strong>de</strong> seu criado Martin Lampe, escrevera em um<br />

bilhete: “Tenho <strong>de</strong> esquecer completamente o nome Lampe”. 4<br />

Retornando ao tema da patrimonialização, assistimos a uma<br />

febre <strong>de</strong> preservação dos bens materiais, numa corrida contra o<br />

tempo que parece ter adquirido uma aceleração comprometedora,<br />

em última instância, das próprias condições <strong>de</strong> continuarmos<br />

nos lembrando. Ao risco <strong>de</strong> uma amnésia contra-atacamos com<br />

uma inflação <strong>de</strong> memória. Tudo po<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve ser arquivado como<br />

condição para a produção <strong>de</strong> uma super memória, talvez aquela<br />

semelhante à do personagem do conto <strong>de</strong> Borges, Funes, o<br />

Memorioso, que dotado <strong>de</strong> uma sofisticada capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> registrar<br />

os dados passados e vividos tornou-se inválido para a vida a ser<br />

vivida. Uma hiper memória pesaria <strong>de</strong> tal forma sobre as coletivida<strong>de</strong>s<br />

humanas, tornando-as incapazes para a ação no seu próprio<br />

tempo, produzindo aquilo que Nietzsche <strong>de</strong>nominara os riscos <strong>de</strong><br />

uma história monumental. Mas se tudo po<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve ser arquivado,<br />

levando-nos à compulsão pelo arquivo, ten<strong>de</strong>mos a reificá-los<br />

como suportes da memória, garantidores do não esquecimento,<br />

4 Consultar a respeito o instigante trabalho <strong>de</strong> Harald Weinrich. Lete. Arte e crítica do<br />

esquecimento. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.<br />

24


História , Memória e Patrimônio<br />

<strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> vê-los [os arquivos] como uma escrita, por isso mesmo<br />

submetido também ao jogo da lembrança e do esquecimento. Aos<br />

historiadores contemporâneos e <strong>de</strong> uma forma mais ampla àqueles<br />

que se ocupariam <strong>de</strong> refletir acerca das produções contemporâneas<br />

<strong>de</strong> narrativas acerca do passado parece que a maior quantida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> traços e vestígios dos tempos pretéritos seria condição para um<br />

melhor conhecimento acerca <strong>de</strong>sse mesmo tempo. Segundo Christophe<br />

Prochasson 5 , a estes profissionais faltaria o sentido da falta,<br />

da ausência, que afinal torna significativa e necessária a reflexão<br />

histórica. Segundo ele, “a economia da rarida<strong>de</strong> funda os valores<br />

em história”. 6 Curioso paradoxo que parece fundar as condições do<br />

próprio conhecimento histórico: por não estar presente [o passado]<br />

é que se torna fundamental enquanto objeto <strong>de</strong> problematização e<br />

investigação como forma <strong>de</strong> torná-lo <strong>de</strong> alguma forma novamente<br />

presente.<br />

Dados recentes da UNESCO, para o ano <strong>de</strong> 2007, indicam um<br />

claro esforço no sentido <strong>de</strong> assegurar um número cada mais vez<br />

mais significativo <strong>de</strong> bens tombados e inscritos como Patrimônio<br />

da Humanida<strong>de</strong>: atualmente dos 185 Estados que ratificaram a<br />

Convenção do Patrimônio Cultural, 141 <strong>de</strong>les possuem 878 bens<br />

tombados (entre bens naturais, culturais e mistos), consi<strong>de</strong>rados<br />

<strong>de</strong> valor excepcional. Em julho <strong>de</strong> 2005 na 29 a . Sessão do Comitê<br />

do Patrimônio Mundial em Durban, na África do Sul, eram 812 os<br />

bens preservados em 137 países. Esse crescimento em apenas dois<br />

anos, que marca o interregno entre as duas reuniões, aponta para<br />

um interesse cada vez mais significativo pelas tarefas <strong>de</strong> preservação,<br />

agora compreendidas em seu sentido globalizado. De bens<br />

patrimoniais para uma <strong>de</strong>terminada comunida<strong>de</strong> nacional, parece<br />

existir um conjunto <strong>de</strong> bens que transcen<strong>de</strong>m essa dimensão<br />

e por isso são objetos <strong>de</strong> uma política específica da UNESCO. Vale,<br />

5 PROCHASSON, Christophe. L’Empire <strong>de</strong>s Émotions. Les historiens dans la mêlée.<br />

Paris: Éditions Démopolis, 2008.<br />

6 2008, pg.28.<br />

25


Manoel Luiz Salgado Guimarães<br />

contudo, observar que o crescimento <strong>de</strong> bens consi<strong>de</strong>rados Patrimônio<br />

da Humanida<strong>de</strong> parece apontar na direção <strong>de</strong> uma mudança<br />

na relação com a passagem do tempo que marcaria as socieda<strong>de</strong>s<br />

contemporâneas. À uma percepção cada vez mais acelerada<br />

do tempo, potencializada em larga medida pelo avanço das mídias<br />

eletrônicas que oferecem a possibilida<strong>de</strong> do tempo real, busca-se a<br />

preservação <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados bens como forma <strong>de</strong><br />

protegê-los <strong>de</strong>ssa mesma aceleração que parece tudo con<strong>de</strong>nar ao<br />

<strong>de</strong>saparecimento. Os investimentos patrimoniais forneceriam assim<br />

o contraponto a esse movimento <strong>de</strong>vastador próprio à temporalida<strong>de</strong><br />

contemporânea, garantindo uma segurança para socieda<strong>de</strong>s<br />

atemorizadas pela velocida<strong>de</strong> das transformações que colocariam<br />

em risco o sentido <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> e estabilida<strong>de</strong>.<br />

No caso brasileiro, as tarefas do Patrimônio, a cargo <strong>de</strong> uma<br />

instituição como o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional<br />

- IPHAN, indicam a importância <strong>de</strong>stas questões formuladas e<br />

tratadas segundo um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> política <strong>de</strong> Estado. Igualmente, os<br />

esforços <strong>de</strong> patrimonialização do passado empreendidos por esta<br />

agência do Estado brasileiro, apontam na direção <strong>de</strong> uma aceleração<br />

do tempo e na conseqüente necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tornar objeto do<br />

patrimônio objetos <strong>de</strong> um passado cada vez mais recente. O exemplo<br />

talvez mais emblemático <strong>de</strong>sse esforço <strong>de</strong> patrimonialização é<br />

o recente tombamento da casa <strong>de</strong> Chico Men<strong>de</strong>s, subtraindo-lhe<br />

seu sentido original e resignificando-o como objeto a ser lembrado<br />

como herança <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada coletivida<strong>de</strong>. Uma nova or<strong>de</strong>m<br />

do tempo combina-se, no exemplo acima, com usos políticos do<br />

passado segundo um <strong>de</strong>terminado presente.<br />

4. Or<strong>de</strong>m do tempo, regimes <strong>de</strong> historicida<strong>de</strong><br />

e patrimonialização do passado<br />

Tomemos mais uma vez como mote as citações acima apresentadas:<br />

a primeira <strong>de</strong>las aponta para um regime <strong>de</strong> historicida<strong>de</strong>,<br />

26


História , Memória e Patrimônio<br />

entendido segundo a formulação <strong>de</strong> François Hartog 7 , como uma<br />

forma específica das socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conceber e relacionar-se com o<br />

tempo e seu <strong>de</strong>vir, muito peculiar: “a história como mestra da vida”,<br />

promessa implícita na proposta <strong>de</strong> conhecer o passado. A sua utilida<strong>de</strong><br />

para o presente, assim como sua perspectiva iluminadora do<br />

futuro eram a justificativa maior <strong>de</strong> sua necessida<strong>de</strong> e finalida<strong>de</strong>. Na<br />

verda<strong>de</strong>, formulada no âmbito da tradição retórica, a promessa implícita<br />

nesta afirmação, periodicamente reatualizada em diferentes<br />

contextos, seria a <strong>de</strong> que os ensinamentos da História tornariam os<br />

homens melhores na medida em que, apren<strong>de</strong>ndo com o passado,<br />

estariam isentos <strong>de</strong> repetir os erros cometidos em outros tempos.<br />

Quando reatualizada na Mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, no quadro da cultura iluminista<br />

do setecentos, oferecia um sentido e uma finalida<strong>de</strong> para o<br />

estudo da História, conferindo-lhe, <strong>de</strong>sta maneira, uma dignida<strong>de</strong><br />

que a tornou objeto <strong>de</strong> uma reflexão filosófica. Voltar-se em direção<br />

ao passado era uma <strong>de</strong>manda por significação para um futuro<br />

inseguro, uma vez que as transformações em curso punham em<br />

xeque qualquer garantia <strong>de</strong> um futuro como repetição do passado<br />

e afirmação <strong>de</strong> uma tradição. A promessa implícita na crença da<br />

“história como mestra da vida” parecia iluminar o futuro tornando-o<br />

menos ameaçador e mais <strong>de</strong>sejável. Este não guardaria mais segredos,<br />

uma vez que bem instruídos pela história, os homens saberiam<br />

enfrentar os <strong>de</strong>safios <strong>de</strong>sse futuro. No entanto, segundo Otavio Paz<br />

em O Labirinto da Solidão “ninguém conhece a forma do futuro: é<br />

um segredo” que não está nos livros.<br />

A segunda citação, ainda da mesma autoria <strong>de</strong> Adam Phillips, já<br />

nos aponta em direção às incertezas que estão ligadas ao trabalho<br />

com o passado; à multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interpretações que o passado<br />

po<strong>de</strong> sugerir para as socieda<strong>de</strong>s que se <strong>de</strong>bruçam sobre ele. As incertezas<br />

que envolvem obrigatoriamente nosso ofício sobre um<br />

tempo e um conjunto <strong>de</strong> experiências que já não são mais e, portan-<br />

7 HARTOG, François. Regimes d’historicité. Présentisme et expérience du temps. Paris:<br />

Seuil, 2003.<br />

27


Manoel Luiz Salgado Guimarães<br />

to, com as quais só po<strong>de</strong>mos estabelecer uma relação <strong>de</strong> vicariato e<br />

<strong>de</strong> mediatização, possível <strong>de</strong> ser estabelecida por conta da existência<br />

<strong>de</strong> traços e vestígios <strong>de</strong>sse outro tempo. Finalmente, a citação<br />

<strong>de</strong> Beatriz Sarlo, extraída <strong>de</strong> seu recente estudo acerca da força dos<br />

discursos testemunhais como forma <strong>de</strong> narrar o passado em nossa<br />

contemporaneida<strong>de</strong>, ajuda-nos a compreen<strong>de</strong>r o trabalho <strong>de</strong> rememoração<br />

não como um transbordamento da memória que fluiria do<br />

passado em direção ao presente, mas exatamente como uma captura,<br />

um ato <strong>de</strong> escolha <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado presente que organiza<br />

o conjunto <strong>de</strong> lembranças segundo uma gramática específica. Em<br />

conjunto, as três citações são boas para pensarmos a relação com o<br />

passado como um ato <strong>de</strong> criação a partir <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas <strong>de</strong>mandas<br />

<strong>de</strong> um presente. Neste sentido, a insistência é proposital, uma<br />

reflexão sobre o patrimônio integra-se a esse ato criativo <strong>de</strong> um<br />

<strong>de</strong>terminado presente interrogando certo conjunto <strong>de</strong> vestígios do<br />

passado e produzindo-os como patrimônio histórico.<br />

Refletir sobre o patrimônio é parte <strong>de</strong>ste esforço das socieda<strong>de</strong>s<br />

contemporâneas em narrar o passado e, segundo entendo,<br />

obriga-nos a uma reflexão em torno <strong>de</strong> uma forma específica das<br />

socieda<strong>de</strong>s mo<strong>de</strong>rnas e contemporâneas lidarem com a experiência<br />

do transcurso do tempo e seu resultado para o conjunto das realizações<br />

humanas. Significa também operar a partir <strong>de</strong> um duplo<br />

incontornável: a ausência e o sentimento que ela provoca apenas<br />

significáveis através dos traços, dos restos e dos indícios que nos<br />

chegam. O passado somente através <strong>de</strong>stes sinais po<strong>de</strong> ser interrogado<br />

e por este caminho ganhar sentido para as socieda<strong>de</strong>s num<br />

<strong>de</strong>terminado presente. Traços que po<strong>de</strong>rão assim, ajudar na resignificação<br />

das construções materiais das socieda<strong>de</strong>s passadas fazendo<br />

com que <strong>seus</strong> objetos possam ser vistos como algo diferente<br />

daquilo que eram quando foram criados. Trata-se, por conseguinte <strong>de</strong><br />

uma nova forma <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> visibilida<strong>de</strong>, capaz <strong>de</strong> transformar<br />

estes objetos do passado em algo diferente daquilo que um dia fo-<br />

28


História , Memória e Patrimônio<br />

ram. 8 Opera-se claramente por este caminho uma transformação,<br />

que nos obriga a interrogar esse processo <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> uma<br />

nova realida<strong>de</strong> para estes objetos: símbolos <strong>de</strong> algo para além <strong>de</strong><br />

sua materialida<strong>de</strong> dada ao olhar. Essa nova realida<strong>de</strong> seria aquilo<br />

que daria propriamente a condição <strong>de</strong> histórico a um conjunto monumental<br />

e que nas palavras da UNESCO se traduz por objetos dotados<br />

<strong>de</strong> “valor excepcional”. Vale ressaltar que me refiro à condição<br />

<strong>de</strong> histórico e não à natureza <strong>de</strong> um dado objeto do patrimônio.<br />

Com isso, pretendo sublinhar o caráter <strong>de</strong> operação que torna<br />

possível um <strong>de</strong>terminado conjunto <strong>de</strong> objetos do passado serem alçados<br />

à condição <strong>de</strong> patrimônio histórico. O que os faz ace<strong>de</strong>r a esta<br />

categoria não é, portanto, a natureza do objeto em si, mas a operação<br />

que permite que sejam vistos como integrantes <strong>de</strong> um patrimônio<br />

histórico e assim ganhem uma nova visibilida<strong>de</strong>. Sabemos que nem<br />

todos os restos e traços <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada época adquirem o estatuto<br />

<strong>de</strong> patrimônio histórico, mas somente aqueles selecionados<br />

e produzidos como tal po<strong>de</strong>rão integrar-se a um projeto <strong>de</strong> recordação,<br />

próprio da política <strong>de</strong> patrimonialização. Tomando as sugestões<br />

<strong>de</strong> Françoise Choay em seu clássico trabalho intitulado “A<br />

Alegoria do patrimônio”, a monumentalização do passado, através<br />

<strong>de</strong> um trabalho <strong>de</strong> patrimonialização <strong>de</strong> <strong>seus</strong> restos, é uma forma<br />

<strong>de</strong> elaboração coletiva da perda <strong>de</strong>ste passado e, sobretudo uma<br />

maneira <strong>de</strong> conjurar a experiência da inexorabilida<strong>de</strong> do tempo e<br />

<strong>de</strong> <strong>seus</strong> efeitos <strong>de</strong>struidores sobre o homem. 9<br />

Esse olhar que proponho para a investigação do patrimônio,<br />

fortemente marcado pela historicização do conceito e <strong>de</strong> sua<br />

compreensão, a partir <strong>de</strong> um esforço que é mais abrangente como<br />

estratégia social <strong>de</strong> lidar com o passado, implica igualmente em<br />

percebê-lo como uma forma peculiar <strong>de</strong> dar visibilida<strong>de</strong> ao passado.<br />

Isto significa dizer, tornar visível um invisível, presentificando<br />

8 Ver a respeito HARTOG, François. Regimes d’historicité. Présentisme et expériences<br />

du temps. Paris: Seuil, 2003.<br />

9 CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: Editora da Unesp, 2006.<br />

29


Manoel Luiz Salgado Guimarães<br />

uma ausência absoluta pela via <strong>de</strong> sua representação. Esta cultura<br />

visual que nos permite <strong>de</strong>codificar certos objetos do passado como<br />

parte integrante <strong>de</strong> um patrimônio possui historicida<strong>de</strong>, o que<br />

significa dizer que nem sempre nosso olhar interpretou esses traços<br />

materiais do passado como parte <strong>de</strong> um patrimônio cuja preservação<br />

viria a se tornar uma política pública.<br />

Antes <strong>de</strong> serem consi<strong>de</strong>rados como patrimônio histórico <strong>de</strong><br />

uma Nação ou mesmo da Humanida<strong>de</strong>, muitos <strong>de</strong>stes monumentos<br />

do passado foram lidos segundo outras regras e como parte <strong>de</strong><br />

uma outra cultura visual. Dominique Poulot em importante trabalho<br />

acerca da invenção do patrimônio na França pós-revolucionária, nos<br />

indica os complexos caminhos percorridos para que objetos tradicionalmente<br />

vinculados à monarquia pu<strong>de</strong>ssem se transformar em<br />

patrimônio da nova coletivida<strong>de</strong> nacional em constituição. 10 Desse<br />

modo per<strong>de</strong>ram sua condição primeira para assumir uma segunda<br />

e radicalmente distinta daquela, a <strong>de</strong> herança comum da comunida<strong>de</strong><br />

nacional francesa em processo <strong>de</strong> constituição, em proprieda<strong>de</strong><br />

coletiva <strong>de</strong>sse novo sujeito político mo<strong>de</strong>rno: a Nação. De coleções<br />

privadas à proprieda<strong>de</strong> coletiva da Nação, uma nova operação<br />

posta em marcha resignificou os antigos objetos, conferindo-lhes o<br />

estatuto <strong>de</strong> patrimônio histórico.<br />

5. As estratégias <strong>de</strong> abordar o passado produzindo-o<br />

como visibilida<strong>de</strong><br />

Procuraremos, ainda que <strong>de</strong> maneira bastante breve, apresentar<br />

algumas <strong>de</strong>ssas formas <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> visibilida<strong>de</strong>; a fim <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar<br />

mais claro nosso argumento: o <strong>de</strong> que a produção <strong>de</strong> objetos<br />

como integrantes <strong>de</strong> um patrimônio coletivo possui uma historicida<strong>de</strong>,<br />

contrapondo-se, por esta perspectiva <strong>de</strong> análise, ao suposto<br />

<strong>de</strong> que seria a própria natureza dos objetos patrimonializáveis<br />

10 Consultar a respeito: POULOT, Dominique. Une histoire du patrimoine em Occi<strong>de</strong>nt.<br />

Paris: Presses Universitaires <strong>de</strong> France, 2006.<br />

30


História , Memória e Patrimônio<br />

a responsável por sua condição <strong>de</strong> legado e herança comum a ser<br />

preservada e transmitida <strong>de</strong> geração em geração.<br />

a) A cultura antiquária.<br />

Os objetos que mo<strong>de</strong>rnamente apren<strong>de</strong>mos a olhar como<br />

integrantes <strong>de</strong> um patrimônio histórico e que supostamente <strong>de</strong>rivariam<br />

essa sua condição das marcas do tempo inscritas em suas<br />

formas, foram em muitos casos apreendidos e vistos segundo outros<br />

procedimentos <strong>de</strong> <strong>de</strong>ciframento. Desempenharam papéis distintos<br />

para aqueles que <strong>de</strong>les se ocupavam e respondiam a <strong>de</strong>mandas<br />

diferentes com relação à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua preservação, conservação<br />

e exibição ao olhar do outro. Estabeleciam, igualmente,<br />

uma forma distinta <strong>de</strong> mediação entre o tempo presente, o tempo<br />

dos colecionadores e <strong>de</strong> suas coleções, e o tempo pretérito, aquele<br />

dos objetos meticulosamente procurados e organizados segundo<br />

princípios bastante diversos daqueles que o tornarão, num outro<br />

quadro referencial e <strong>de</strong> significação, herança coletiva <strong>de</strong> uma<br />

comunida<strong>de</strong> ou prova material da existência do passado.<br />

Essas não eram as preocupações e os interesses que dirigiam<br />

esses colecionadores da época mo<strong>de</strong>rna em sua busca por restos<br />

materiais do passado. A coleção presentificava o tempo passado,<br />

tornava-o novamente vivo aos olhos <strong>de</strong> <strong>seus</strong> proprietários, uma<br />

relação inviabilizada pelo mo<strong>de</strong>rno conceito <strong>de</strong> História que ao se<br />

afirmar no horizonte intelectual das socieda<strong>de</strong>s européias da segunda<br />

meta<strong>de</strong> do século XVIII, tornara o passado <strong>de</strong>finitivamente<br />

um outro tempo distinto e radicalmente diverso do presente. E<br />

é exatamente pelo olhar construído a partir do mo<strong>de</strong>rno conceito<br />

<strong>de</strong> história que apren<strong>de</strong>mos a ver no trabalho do antiquário<br />

um colecionismo <strong>de</strong>sprovido <strong>de</strong> sentido e finalida<strong>de</strong>, como se os<br />

objetos reunidos por estes eruditos e letrados do começo da Época<br />

Mo<strong>de</strong>rna não obe<strong>de</strong>cessem a nenhum critério <strong>de</strong> seleção e escolha.<br />

31


Manoel Luiz Salgado Guimarães<br />

É também partilhando o sentido mo<strong>de</strong>rno do conceito <strong>de</strong> História<br />

que educamos nosso olhar para ver as coleções <strong>de</strong> peças antigas,<br />

<strong>de</strong> vestígios do passado, como um trabalho diletante e por isso<br />

irreconciliável com as tarefas mo<strong>de</strong>rnas que se esperava do trabalho<br />

com a história e com os restos do passado.<br />

Fortemente marcada pelos valores do pragmatismo, a cultura<br />

das Luzes estabelece uma separação radical com o sistema colecionista<br />

<strong>de</strong> objetos, formulando novas <strong>de</strong>mandas para a tarefa <strong>de</strong> reunir<br />

os vestígios e restos do passado. Contudo, é preciso que tenhamos<br />

claro que a prática antiquária ao ser vista pelo olhar da História e do<br />

historiador po<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve ganhar um outro sentido, libertando-a da<br />

visão da qual ficou prisioneira e tributária e que resultou da leitura<br />

das Luzes. Com isso queremos retomar nosso argumento <strong>de</strong> que<br />

antes <strong>de</strong> serem vistos como “patrimônio histórico”, muitos objetos<br />

foram vistos e interpretados <strong>de</strong> forma distinta, sendo o exemplo da<br />

coleção antiquária apenas uma <strong>de</strong>ssas possíveis existências para<br />

tais objetos. Reforça-se assim nossa interpretação <strong>de</strong> que olhar o<br />

patrimônio importa em percebê-lo em sua historicida<strong>de</strong> e não em<br />

sua natureza.<br />

b) O regime da história como “mestra da vida”.<br />

“Eu o fiz percorrer muito rapidamente, diz Corinne a lor<strong>de</strong><br />

Nelvil, alguns restos da história antiga; mas o senhor compreen<strong>de</strong>rá<br />

o prazer que se po<strong>de</strong> tirar <strong>de</strong>stas pesquisas, ao mesmo<br />

tempo eruditas e poéticas, que falam tanto à imaginação<br />

quanto à razão. Há em Roma um bom número <strong>de</strong> homens distintos,<br />

cuja única ocupação é a <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir uma nova relação<br />

entre a história e as ruínas. Lor<strong>de</strong> Nelvil respon<strong>de</strong>: este gênero<br />

<strong>de</strong> erudição é muito mais interessante do que aquele que se<br />

adquire pelos livros: po<strong>de</strong>-se dizer que faz-se reviver aquilo<br />

que <strong>de</strong>scobrimos, e que o passado reaparece sob a poeira que<br />

o encobria.” (Corine <strong>de</strong> Mme. De Stael)<br />

32


História , Memória e Patrimônio<br />

Ao entrar na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Roma, Corinne, personagem título do<br />

livro <strong>de</strong> Madame <strong>de</strong> Staël, conduz o seu amado Oswald, lord Nelvil,<br />

pelas ruínas da cida<strong>de</strong> emblema do passado e <strong>de</strong> sua gran<strong>de</strong>za,<br />

itinerário obrigatório para a boa formação do letrado europeu das<br />

Luzes e cida<strong>de</strong> também visitada pela autora do romance. A tensão<br />

dramática tem como cenário a própria história, presença visível<br />

através <strong>de</strong> <strong>seus</strong> restos materiais e constante indispensável para a<br />

cultura letrada do oitocentos, ela mesma se <strong>de</strong>finindo como uma<br />

cultura histórica por excelência. Triunfo da História na sua capacida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> significar a vida dos homens, dando-lhes um sentido <strong>de</strong><br />

continuida<strong>de</strong> para além do tempo presente <strong>de</strong> suas experiências<br />

finitas.<br />

A História como parte central da cultura do oitocentos aparece<br />

agora, pelas palavras da personagem título do romance,<br />

não apenas como um conhecimento que po<strong>de</strong> evocar o prazer<br />

estético, da mesma or<strong>de</strong>m que a poesia, mas com seu conhecimento<br />

po<strong>de</strong> advir um conhecimento “savante” 11 , que ao<br />

mesmo tempo satisfaça à imaginação como ao pensamento.<br />

Um conhecimento combinando assim o prazer estético e a<br />

<strong>de</strong>marche racional exigida pelos cânones da cultura iluminista. O<br />

passado <strong>de</strong>ve agora po<strong>de</strong>r ser racionalmente apropriado e para<br />

isso o trabalho <strong>de</strong> pesquisa se faz necessário e indispensável, o que<br />

segundo ainda a personagem do romance tem estimulado o trabalho<br />

<strong>de</strong> um novo “homem cultivado”: aquele justamente que se<br />

ocupa <strong>de</strong> estabelecer as relações entre os restos visíveis na cida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Roma e o seu passado. Estes traços e marcas do passado não<br />

se prestam apenas ao gosto do amante erudito do passado, cioso<br />

da sua conservação, mas sobretudo ao olhar que, ao pousar sobre<br />

estas ruínas, busca estabelecer relações que transformem a experiência<br />

do passado em explicação para o presente das socieda<strong>de</strong>s<br />

humanas. E segundo o seu interlocutor, o nobre inglês Nelvil, esta<br />

seria uma profissão a que se <strong>de</strong>dicaria com prazer - ao invés da car-<br />

11 Saber erudito (correspon<strong>de</strong> ao verbo savoir, na língua francesa).<br />

33


Manoel Luiz Salgado Guimarães<br />

reira das armas a que sua condição <strong>de</strong> nobre o obrigava - visto que<br />

a vê como uma forma <strong>de</strong> erudição superior à que se adquire pelos<br />

livros no sossêgo <strong>de</strong> sua biblioteca.<br />

Mas o que seria exatamente novo nesta forma <strong>de</strong> erudição O<br />

conhecimento que se adquire pela pesquisa das coisas do passado,<br />

significando <strong>de</strong>sta forma que po<strong>de</strong> haver o que se conhecer <strong>de</strong>ste<br />

passado, superando uma perspectiva, segundo a qual a erudição<br />

não alteraria substantivamente o conhecimento existente acerca do<br />

passado das socieda<strong>de</strong>s humanas. Vitória <strong>de</strong>finitiva dos mo<strong>de</strong>rnos,<br />

que ao <strong>de</strong>rrotarem a erudição, transformam <strong>de</strong>finitivmente o passado<br />

em História. Derrota igualmente <strong>de</strong> um regime <strong>de</strong> visualida<strong>de</strong><br />

própria ao sistema colecionista e instauração <strong>de</strong> uma nova or<strong>de</strong>m<br />

visual, em que os objetos do objeto, <strong>seus</strong> traços, restos e vestígios<br />

<strong>de</strong>veriam cumprir uma função diferenciada para as <strong>de</strong>mandas em<br />

vias <strong>de</strong> formulação pela cultura ilustrada do setecentos.<br />

Prosseguindo seu percurso pela cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Roma e pela visita<br />

<strong>de</strong> <strong>seus</strong> monumentos históricos, um outro sentido central da cultura<br />

histórica das Luzes <strong>de</strong>lineia-se com clareza para os homens do<br />

presente: ao <strong>de</strong>frontarem-se com a história dos homens do passado<br />

po<strong>de</strong>riam apren<strong>de</strong>r pelo exemplo, readquirindo assim, a História, o<br />

seu papel magistral. A contemplação <strong>de</strong> Roma e <strong>de</strong> seu passado,<br />

visível através dos restos disponíveis à contemplação do olhar,<br />

po<strong>de</strong>ria estar a serviço <strong>de</strong> outro importante componente da cultura<br />

histórica das Luzes européia: <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os etruscos, agora já integrados<br />

à história <strong>de</strong> Roma, até o presente, o estudioso do passado po<strong>de</strong>ria<br />

acompanhar a evolução do “espírito humano” através <strong>de</strong> suas<br />

realizações materializadas naquela cida<strong>de</strong>. Portanto, contemplar o<br />

passado adquire um sentido preciso. O <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r constatar e mesmo<br />

provar esta evolução, que para além <strong>de</strong> marcar as particularida<strong>de</strong>s<br />

da socieda<strong>de</strong> romana, seria o sentido mesmo dos homens estarem<br />

no mundo, cabendo assim à História o papel <strong>de</strong> fundamentar este<br />

sentido.<br />

34


História , Memória e Patrimônio<br />

Nas palavras da personagem principal, Roma como cida<strong>de</strong> não<br />

é apenas uma aglomeração <strong>de</strong> habitações, mas é sobretudo « l’histoire<br />

du mon<strong>de</strong>, figurée par divers emblèmes, et représentée sous<br />

diverses formes.” 12 Visitar Roma era, para os cânones <strong>de</strong>sta cultura<br />

iluminista, muito mais do que visitar uma cida<strong>de</strong> ; era a própria possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> acesso à história dos homens, materializada <strong>de</strong> forma<br />

privilegiada no espaço da cida<strong>de</strong>. A visão do passado, mais do que a<br />

própria leitura dos textos, confere um novo po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> convencimento<br />

e persuasão para esta cultura iluminista, contribuindo para que<br />

o estudo <strong>de</strong>ste passado adquira um novo valor e significado. Estes<br />

vestígios e traços parecem <strong>de</strong>finitivamente libertos do diletantismo<br />

próprio ao colecionismo, segundo a avaliação <strong>de</strong>ssa nova cultura<br />

histórica em emergência. E é nessa sua reaparição que o passado<br />

po<strong>de</strong> ensinar alguma coisa!<br />

c) O mo<strong>de</strong>rno regime <strong>de</strong> historicida<strong>de</strong>.<br />

O futuro como projeto.<br />

O século XIX afirmou-se <strong>de</strong>finitivamente como o século da história,<br />

dada a força que as imagens do passado adquirem para as<br />

socieda<strong>de</strong>s oci<strong>de</strong>ntais. O lugar central que estas imagens assumem<br />

para estas socieda<strong>de</strong>s foi analisado em trabalhos clássicos do historiador<br />

inglês Stephen Bann 13 , que procurou apresentar um leque<br />

variado <strong>de</strong> investimentos sociais em narrar o passado pelas socieda<strong>de</strong>s<br />

européias do <strong>de</strong>zenove. Da pintura histórica, passando pelos<br />

mu<strong>seus</strong> <strong>de</strong> história e até a afirmação do campo disciplinar no século<br />

XIX, o interesse central pelo passado marcou profundamente as<br />

socieda<strong>de</strong>s oci<strong>de</strong>ntais àquela altura. A história participava <strong>de</strong> um<br />

trabalho <strong>de</strong> luto pela consciência da perda <strong>de</strong>finitiva do passado<br />

como referência e mo<strong>de</strong>lo para as socieda<strong>de</strong>s do presente. A tra-<br />

12 Madame <strong>de</strong> Staël. Corinne ou l’Italie. Paris: Gallimard, 1985. p. 136.<br />

13 Consultar entre outros trabalhos: Stephen Bann. Romanticism and the rise of History.<br />

New York: Twayne Publishers, 1995. As invenções da História. Ensaios sobre a representação<br />

do passado. São Paulo: Unesp, 1994.<br />

35


Manoel Luiz Salgado Guimarães<br />

dição, que até então parecia pautar as condutas e fornecer os mo<strong>de</strong>los<br />

para ação, vê-se questionada e subtraída <strong>de</strong>sse seu po<strong>de</strong>r. O<br />

passado agora <strong>de</strong>veria cumprir funções diversas daquelas que até<br />

então haviam sido formuladas como <strong>de</strong>mandas pelas coletivida<strong>de</strong>s<br />

humanas. O passado, transformado <strong>de</strong>finitivamente em História,<br />

será objeto <strong>de</strong> um conhecimento regrado por procedimentos<br />

controlados por uma comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> especialistas que assumem o<br />

papel <strong>de</strong> intérpretes <strong>de</strong>sse tempo pretérito.<br />

Na formulação clássica do historiador alemão Reinhard Koselleck<br />

14 , espaço <strong>de</strong> experiência e horizonte <strong>de</strong> expectativa afastam-se<br />

<strong>de</strong> maneira radical, produzindo a impossibilida<strong>de</strong> do espaço <strong>de</strong><br />

experiência significar um sentido claro <strong>de</strong> orientação para as socieda<strong>de</strong>s<br />

humanas no futuro, tendo em vista a velocida<strong>de</strong> das transformações<br />

do presente. A Mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, com sua experiência peculiar<br />

do tempo, inviabiliza por completo a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que o horizonte<br />

<strong>de</strong> expectativas possa ser formulado tendo como base esse<br />

espaço <strong>de</strong> experiência. O futuro, segundo essa nova experiência<br />

temporal, po<strong>de</strong> comportar um leque variado e amplo <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s,<br />

não necessariamente dadas em um <strong>de</strong>terminado espaço <strong>de</strong><br />

experiência. A cultura histórica que então se afirma, torna o passado<br />

objeto <strong>de</strong> uma ciência específica, finalmente integrada aos quadros<br />

das disciplinas acadêmicas e universitárias. Do mesmo modo esta<br />

cultura histórica elabora estratégias <strong>de</strong> visualização do passado<br />

que se traduzem pela invenção do patrimônio e das “antiguida<strong>de</strong>s<br />

nacionais”.<br />

O conceito <strong>de</strong> patrimônio vincula-se, <strong>de</strong>finitivamente, à noção<br />

<strong>de</strong> herança e legado para o futuro, agora não mais a partir <strong>de</strong> seu<br />

sentido original <strong>de</strong> herança familiar, mas <strong>de</strong> herança <strong>de</strong> uma coletivida<strong>de</strong>,<br />

forma <strong>de</strong> congregar no presente e projetar para o futuro.<br />

Permanece, contudo, seu apelo afetivo próprio dos investimentos<br />

na memória, que convoca as socieda<strong>de</strong>s à tarefa da recordação no<br />

14 KOSELLECK, Reinhard. Futuro Passado. Contribuição à semântica dos tempos históricos.<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro: Contraponto, 2006.<br />

36


História , Memória e Patrimônio<br />

seu sentido <strong>de</strong> “recordare” (com o coração). Os monumentos (<strong>de</strong><br />

monere; advertir, lembrar) operam como interrogadores da memória,<br />

como sinalizadores <strong>de</strong> uma pergunta que <strong>de</strong>ve ser formulada<br />

não apenas aos vivos no presente, mas para aqueles que viverão no<br />

futuro, operando os laços <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> entre estes dois tempos.<br />

O patrimônio inscreve-se, portanto, neste esforço oitocentista <strong>de</strong><br />

produzir o passado como História <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong> - a Nação<br />

mo<strong>de</strong>rna - cuja invenção recente <strong>de</strong>ve ser combatida pela sua projeção<br />

imaginada em direção a um passado remoto, capaz <strong>de</strong> assegurar<br />

sua legitimida<strong>de</strong> política no presente.<br />

d) O presentismo e a patrimonialização recente.<br />

Voltando ao nosso ponto <strong>de</strong> partida, afirmávamos que nossa<br />

contemporaneida<strong>de</strong> parece conferir especial atenção ao trabalho<br />

<strong>de</strong> patrimonialização dos bens consi<strong>de</strong>rados históricos como forma<br />

<strong>de</strong> protegê-los da inexorável passagem do tempo e dos <strong>seus</strong> efeitos<br />

sobre os restos e vestígios do passado. Uma sensibilida<strong>de</strong> aguçada<br />

em relação a esses vestígios parece conferir-lhes um valor peculiar<br />

que efetivamente em muito transcen<strong>de</strong> seu valor como objetos<br />

em si. O que vem mudando em nossa relação com esses objetos, a<br />

que um autor <strong>de</strong>nomina <strong>de</strong> “portas <strong>de</strong> entrada privilegiada para o<br />

passado” 15 Por que as socieda<strong>de</strong>s contemporâneas parecem mais<br />

afetadas pelo <strong>de</strong>saparecimento <strong>de</strong>sses bens colocados sob a proteção<br />

<strong>de</strong> uma política estatal Retomo aqui as instigantes sugestões<br />

<strong>de</strong> François Hartog 16 em seu recente livro sobre os Regimes <strong>de</strong><br />

historicida<strong>de</strong>, em que diagnostica esta sensibilida<strong>de</strong> aguçada em<br />

relação ao patrimônio como parte <strong>de</strong> alterações ainda em curso em<br />

nossa relação com o tempo.<br />

A percepção cada vez mais acelerada do tempo pelas socie-<br />

15 BALLART, Josep. El 1. patrimonio histórico y arqueológico: valor y uso. Barcelona:<br />

Ariel, 2002.<br />

16 HARTOG, François. Op. Cit. Consultar especialmente o capítulo 5 intitulado Patrimônio<br />

e Presente.<br />

37


Manoel Luiz Salgado Guimarães<br />

da<strong>de</strong>s contemporâneas, vem alterando nossa relação com o futuro<br />

e também com o passado. Ou melhor, essa nova percepção tem<br />

contribuído para novos investimentos afetivos em relação a essas<br />

temporalida<strong>de</strong>s. O futuro, que estava no foco da Mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> como<br />

o tempo das realizações e afirmação do progresso, parece ce<strong>de</strong>r aos<br />

poucos lugar a um tempo que guardaria maiores possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

certeza e segurança; o passado. As profundas transformações que<br />

tem alterado <strong>de</strong> maneira radical a relação dos homens com a Natureza<br />

na contemporaneida<strong>de</strong>, provocaram um <strong>de</strong>sinvestimento com<br />

relação ao futuro, que no lugar <strong>de</strong> realizar o progresso acena-nos<br />

com crises as mais diferenciadas: <strong>de</strong>semprego, crise energética e<br />

alimentar, crises ecológicas. Assim, o futuro parece incerto e inseguro<br />

diferentemente daquilo que fora para a cultura histórica oitocentista.<br />

A esse tempo <strong>de</strong> incertezas e dúvidas investe-se no presente,<br />

que parece teimar em não passar, e, portanto, em transformar-se<br />

em história.<br />

A confiança no futuro é substituída pela necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

preservação no presente como forma <strong>de</strong> salvaguardar-nos das incertezas<br />

<strong>de</strong>sse tempo à nossa frente. A explosão recente das narrativas<br />

memorialísticas, dos discursos testemunhais e <strong>de</strong> uma febre<br />

patrimonial, articulam-se a esse processo <strong>de</strong> mudanças com relação<br />

à nossa percepção da passagem do tempo e <strong>de</strong> <strong>seus</strong> efeitos. São<br />

novas formas do presente capturar o passado e produzir sentido<br />

para as socieda<strong>de</strong>s contemporâneas. Aqui cabe uma observação<br />

importante. É preciso, contudo, ter clareza que a esse crescimento<br />

vertiginoso do trabalho social da lembrança, não correspon<strong>de</strong><br />

necessariamente uma relação mais crítica em relação ao passado.<br />

Se a <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> uma política preservacionista integrou-se <strong>de</strong>finitivamente<br />

às agendas políticas contemporâneas - o que é certamente<br />

positivo -, permitindo <strong>de</strong>ssa forma que restos do passado permaneçam<br />

visíveis aos olhares <strong>de</strong> gerações futuras, a preservação não nos<br />

assegura por ela mesma uma relação mais crítica com o passado.<br />

Em nossa contemporaneida<strong>de</strong> são inúmeros os interesses que<br />

se entrecruzam na tarefa <strong>de</strong> preservar o patrimônio histórico, inte-<br />

38


História , Memória e Patrimônio<br />

resses muitas das vezes conflitantes e que <strong>de</strong>vem ser equacionados<br />

na discussão acerca <strong>de</strong> uma política patrimonial. Do patrimônio<br />

como mercadoria ao patrimônio como forma <strong>de</strong> construção da<br />

cidadania são inúmeras as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sua leitura e interpretação<br />

por parte daqueles que se engajam em favor da preservação.<br />

Aliás, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o momento em que se constitui como um saber regrado<br />

no século XIX, os inúmeros <strong>de</strong>bates em torno <strong>de</strong> como e do que<br />

preservar, já indicavam a inexistência <strong>de</strong> um campo consensual no<br />

tratamento das questões relativas ao patrimônio histórico. Basta<br />

aqui a referência a dois mo<strong>de</strong>los distintos e contrapostos relativos<br />

à preservação - o <strong>de</strong> Viollet-le-Duc e o <strong>de</strong> Ruskin -, para constatarmos<br />

como a disputa pelo passado e sua representação esteve<br />

também presente nos <strong>de</strong>bates acerca da preservação <strong>de</strong> <strong>seus</strong><br />

monumentos. 17 Christophe Prochasson no livro a que fizemos<br />

referência “L’Empire <strong>de</strong>s émotions’ 18 , diagnostica esse tempo como<br />

sendo o <strong>de</strong> uma certa confusão entre história e memória, quando<br />

os apelos da emoção parecem mais a<strong>de</strong>quados para o enfrentamento<br />

do passado do que as armas da crítica histórica. Segundo<br />

ele, o historiador contemporâneo <strong>de</strong>ve, sobretudo, emocionar<br />

mais do que convidar à reflexão crítica, ela mesma menos confortadora<br />

e apaziguadora. Para o historiador francês, os historiadores<br />

contemporâneos estariam submetidos a um novo regime emocional.<br />

O retorno do drama faustiano, que marcou a experiência<br />

da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, parece novamente presente apontando para os<br />

paradoxos do ser mo<strong>de</strong>rno: a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> preencher com certezas<br />

- e com lembranças - aquilo que é incerto por sua própria condição.<br />

Como afirmava Adam Phillips, são tortuosos os caminhos pelos<br />

quais no conduz a memória e a recordação.<br />

17 Ver a respeito: CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: Unesp, 2006.<br />

Especialmente o capítulo IV.<br />

18 PROCHASSON,Christophe. Op. Cit.<br />

39


Manoel Luiz Salgado Guimarães<br />

Referências<br />

BALLART, Josep. El 1. patrimonio histórico y arqueológico: valor y uso. Barcelona:<br />

Ariel, 2002.<br />

CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: Unesp, 2006.<br />

HARTOG, François. Regimes d’historicité: présentisme et expériences du temps.<br />

Paris: Seuil, 2003.<br />

KOSELLECK, Reinhard. Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos<br />

históricos. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Contraponto, 2006.<br />

Madame <strong>de</strong> Staël. Corinne ou l’Italie. Pris: Gallimard, 1985<br />

PROCHASSON, Christophe. L’Empire <strong>de</strong>s émotions: les historiens dans la mêlée.<br />

Paris: Éditions Démopolis, 2008.<br />

40


História, memória e instituições: algumas<br />

reflexões teórico-metodológicas para os<br />

trabalhos do Projeto Memória - SiBI/UFRJ<br />

Os labirintos da memória e da história<br />

Antonio José Barbosa <strong>de</strong> Oliveira<br />

Para os antigos gregos, a memória estava ligada ao sobrenatural.<br />

A <strong>de</strong>usa Mnemosine, ou Mnêmesis nasceu dos amores do Céu,<br />

a eternida<strong>de</strong> (Cronos) e da Terra (Gea), sendo a rainha <strong>de</strong> Eleutera,<br />

a terra da liberda<strong>de</strong> completa . Desta forma, era a <strong>de</strong>usa protetora<br />

da justiça e da vingança, já que une o presente e o passado, realizando<br />

também a ligação entre o mundo do real <strong>de</strong> Gea e o mundo<br />

da representação <strong>de</strong> Cronos. Mnemosine ligou-se a Zeus, senhor do<br />

Olimpo, rei <strong>de</strong> todos os <strong>de</strong>uses gregos e administrador da justiça,<br />

nascendo daí, Clío, a História. Sendo “filha da memória e <strong>de</strong> Zeus,<br />

senhor do po<strong>de</strong>r do Olimpo, Clio tem seu berço no cume do po<strong>de</strong>r<br />

terrestre e na representação do passado” (GIRON, 2000, p.24). Desta<br />

forma, a memória seria a mãe <strong>de</strong> todas as artes, tendo ligação direta<br />

com o sobrenatural. Era a <strong>de</strong>usa que possibilitava aos poetas a<br />

lembrança do passado e a sua transmissão oral aos mortais. 1 Assim,<br />

a memória tem estreita ligação com a imaginação. Por isso, lembrar<br />

e inventar têm relações profundas. A ligação entre Mnemosine e<br />

Clio, é muito próxima, mas nem sempre coinci<strong>de</strong>nte, nem sempre<br />

pacífica, sendo por vezes até conflituosa.<br />

Pierre Nora, em seu clássico texto “Entre memória e história –<br />

a problemática dos <strong>lugares</strong>” já nos sinalizou para as especificida<strong>de</strong>s<br />

1 Para os gregos o registro escrito empobrecia a memória, que estaria assim transferida<br />

para algo externo ao sujeito. Por isso, <strong>de</strong>ram especial atenção ao ensino da arte<br />

retórica, <strong>de</strong>stinada a convencer e emocionar os ouvintes por meio do uso da linguagem.<br />

Os romanos também consi<strong>de</strong>ravam a memória como elemento fundamental<br />

à arte retórica.<br />

41


Antonio José Barbosa <strong>de</strong> Oliveira<br />

entre história e memória: a primeira, uma reconstrução sempre problemática<br />

e incompleta do que não existe mais e, “porque operação<br />

intelectual e laicizante, <strong>de</strong>manda análise e discurso crítico [...]<br />

só se liga às continuida<strong>de</strong>s temporais, às evoluções e às relações<br />

das coisas” (NORA, 1993, p 11); é uma representação do passado, a<br />

“<strong>de</strong>sligitimação do passado vivido” (1993, p.11) já que seu criticismo<br />

seria “<strong>de</strong>strutor da memória espontânea”. A memória, por sua vez,<br />

se configura como um “fenômeno sempre atual, um elo vivido no<br />

eterno presente”; é<br />

vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido,<br />

ela está em permanente evolução, aberta à dialética da<br />

lembrança e do esquecimento, inconsciente <strong>de</strong> suas <strong>de</strong>formações<br />

sucessivas, vulnerável a todos os usos e manipulações,<br />

suceptível <strong>de</strong> longas latências e <strong>de</strong> repentinas revitalizações.<br />

[...] A memória é um fenônemo sempre atual, um elo vivido no<br />

eterno presente. [...] (NORA, 1993, p. 9)<br />

Neste sentido, segundo o historiador, a necessida<strong>de</strong> pelos “<strong>lugares</strong><br />

<strong>de</strong> memória” é indicador <strong>de</strong> que não há mais memória e sim<br />

uma necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> história:<br />

Se habitássemos ainda nossa memória, não teríamos<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lhe consagrar <strong>lugares</strong>. Não haveria <strong>lugares</strong><br />

porque não haveria memória transportada pela história. [...]<br />

Des<strong>de</strong> que haja rastro, distância, mediação, não estamos<br />

mais <strong>de</strong>ntro da verda<strong>de</strong>ira memória, mas <strong>de</strong>ntro da história.<br />

(1993, p. 8-9)<br />

Entre passado e presente, céus e terra, similarida<strong>de</strong>s e diferenças,<br />

representações e materialida<strong>de</strong>s, transitam os que atuam no<br />

âmbito da história e memória <strong>de</strong> instituições. Campo permeado<br />

pelas disputas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res, na dimensão dos embates que <strong>de</strong>finirão<br />

o que será lembrado, como será lembrado, e também com aquilo<br />

que, não sendo lembrado, será esquecido: não somos só o que lembramos,<br />

somos também o que esquecemos.<br />

42


História, memória e instituições: algumas reflexões teórico-metodológicas<br />

para os trabalhos do Projeto Memória - SiBI/UFRJ<br />

Memória e História : tempos, <strong>lugares</strong> e relações<br />

A memória é sempre uma construção feita no presente, a partir<br />

<strong>de</strong> vivências e experiências ocorridas num passado sobre o qual<br />

se <strong>de</strong>seja refletir e enten<strong>de</strong>r. Enquanto construção, a memória está<br />

também sujeita às questões da subjetivida<strong>de</strong>, seletivida<strong>de</strong> e, sobretudo,<br />

às instâncias <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res. Mesmo que (re)constituída a partir<br />

<strong>de</strong> indivíduos, a memória sempre nos remete a uma dimensão coletiva<br />

e social e, por extensão, institucional. Outro aspecto importante<br />

em nossas consi<strong>de</strong>rações é a percepção <strong>de</strong> que é sempre no contexto<br />

<strong>de</strong> relações que construímos nossas lembranças, mesmo que<br />

aparentemente individualizadas (HALBWACHS, 2006). A memória<br />

também tem a função <strong>de</strong> produção ou percepção <strong>de</strong> sentimentos<br />

<strong>de</strong> pertinência a passados comuns, o que, por sua vez, constitui-se<br />

aspecto imprescindível ao estabelecimento <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s calcadas<br />

em experiências compartilhadas, não somente no campo histórico<br />

ou material, como também (e sobretudo) no campo simbólico.<br />

Devemos ainda consi<strong>de</strong>rar as relações que se estabelecem<br />

entre a memória e as questões que envolvem os <strong>lugares</strong>, tempos e<br />

po<strong>de</strong>res. As memórias, individual e coletiva, sempre se fazem em<br />

algum lugar que lhes imprime uma referência e as mudanças<br />

empreendidas nestes <strong>lugares</strong> sempre acarretam mudanças na percepção<br />

da realida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> vidas que ficarão registradas. Certeau<br />

(2002, p.77) nos lembra que os <strong>lugares</strong> permitem e interditam as<br />

produções da história, tornando possíveis certas pesquisas em<br />

função <strong>de</strong> conjunturas e problemáticas comuns e, por outro lado,<br />

impossibilitando outras. Por sua vez, os grupos, classes e indivíduos<br />

também estão em constante disputa pelo po<strong>de</strong>r. As relações entre<br />

po<strong>de</strong>res, muitas vezes, <strong>de</strong>finem o que será lembrado e o que <strong>de</strong>verá<br />

ser esquecido. É no âmbito <strong>de</strong> esferas hegemônicas que se <strong>de</strong>fine o<br />

que ficará registrado em livros e programas escolares, tornando-se<br />

“memória histórica”, ou a “história oficial”. Desta forma, a memória<br />

está diretamente ligada aos mecanismos <strong>de</strong> controle e dominação<br />

<strong>de</strong> alguns grupos sobre outros.<br />

43


Antonio José Barbosa <strong>de</strong> Oliveira<br />

A evocação da memória está vinculada a um tempo presente.<br />

Mesmo remetendo a uma lembrança do passado, é a necessida<strong>de</strong><br />

presente que norteia a evocação memorialística. Neste sentido<br />

é sempre pertinente a consciência dos interesses presentes que<br />

<strong>de</strong>finem os trabalhos no campo da memória. Bordieu (2001, p.37) já<br />

nos alertou para o perigo <strong>de</strong> nos tornarmos objetos dos problemas<br />

que tomamos para objeto. A<strong>de</strong>mais, concebemos que as formas <strong>de</strong><br />

concepção do passado também são formas <strong>de</strong> ação, já que, “conceber<br />

o passado não é apenas selá-lo sob <strong>de</strong>terminado significado,<br />

construir para ele uma interpretação; conceber o passado é também<br />

negociar e disputar significados e <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar ações” (ALBERTI,<br />

2004, p.33, grifo nosso).<br />

Sendo assim, a memória também encontra-se diretamente<br />

ligada aos sistemas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res, porque também é <strong>de</strong>finidora <strong>de</strong><br />

possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> saberes. Foucault (1989) já nos sinalizou para o<br />

fato <strong>de</strong> que o po<strong>de</strong>r é luta, afrontamento, relação <strong>de</strong> força, situação<br />

e estratégia. Não é um lugar, que se ocupa, nem um objeto, que se<br />

possui. Ele se exerce, se disputa, não sendo uma relação unívoca,<br />

unilateral: nessa disputa ou se ganha ou se per<strong>de</strong>. Desta forma, as<br />

lembranças e os esquecimentos que constroem nossas instituições<br />

são constantemente permeados por relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res que se<br />

estabelecem entre os <strong>seus</strong> diversos grupos. Se consi<strong>de</strong>rarmos que<br />

o po<strong>de</strong>r é também produtor <strong>de</strong> individualida<strong>de</strong>s, po<strong>de</strong>remos inferir<br />

que ele está ligado aos que <strong>de</strong>têm o saber. Os indivíduos e as instituições<br />

são produções <strong>de</strong> constantes interações entre po<strong>de</strong>res e<br />

saberes. Consi<strong>de</strong>rando a natureza da instituição <strong>de</strong> on<strong>de</strong> e sobre a<br />

qual falamos - a UFRJ - não po<strong>de</strong>mos esquecer que todo conhecimento<br />

só po<strong>de</strong> existir a partir <strong>de</strong> condições políticas que são as<br />

condições para que se formem, tanto o sujeito quanto os domínios<br />

<strong>de</strong> saber. Não há saber neutro, já que todo saber é político.<br />

Memória e i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> são conceitos intrinsecamente ligados,<br />

constituindo-se, mutuamente, num processo no qual a primeira<br />

dá substrato à segunda. Através <strong>de</strong> uma constante seletivida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

44


História, memória e instituições: algumas reflexões teórico-metodológicas<br />

para os trabalhos do Projeto Memória - SiBI/UFRJ<br />

elementos, a memória busca a legitimação do que <strong>de</strong>ve prevalecer<br />

na lembrança e por isso também é objeto <strong>de</strong> constante disputa <strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong>res. Isso também vale para a memória institucional. Se é verda<strong>de</strong><br />

que uma instituição é constituída <strong>de</strong> uma complexa re<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

relações estabelecidas, não somente nos papéis e registros oficiais,<br />

mas (e sobretudo) através das práticas habituais, fundamentadas<br />

em valores e normas adotadas pelos sujeitos que as constituem e<br />

nela atuam, é também sabido que a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> compartilhada é<br />

um po<strong>de</strong>roso fator <strong>de</strong> coesão <strong>de</strong> grupos. Nas instituições, “o discurso<br />

oficial produz <strong>de</strong>terminados significados relacionados com a<br />

construção i<strong>de</strong>ntitária da instituição em foco” (OLIVEIRA, 2002, p.38)<br />

e através <strong>de</strong>le po<strong>de</strong>mos perceber a atuação dos diversos grupos<br />

implicados neste processo, bem como a relação <strong>de</strong>stes com os<br />

diversos tipos <strong>de</strong> memórias que se perpetuam ou se apagam. O discurso<br />

a que nos referimos extrapola a noção <strong>de</strong> textos, documentos<br />

e falas. Refere-se à relação que os sujeitos estabelecem com o meio<br />

social e o processo histórico em curso. Discurso permeado pela<br />

i<strong>de</strong>ologia, que se oculta muitas vezes nas retóricas das autorida<strong>de</strong>s<br />

e no conteúdo dos documentos institucionais.<br />

Memória, discurso e instituição<br />

Os trabalhos no campo da memória institucional <strong>de</strong>vem consi<strong>de</strong>rar<br />

que somos sempre marcados pelo lugar que nos forma e <strong>de</strong><br />

on<strong>de</strong> falamos. Ao falarmos da universida<strong>de</strong>, na universida<strong>de</strong>, estamos<br />

sujeitos a toda série <strong>de</strong> “interferências” e “subjetivida<strong>de</strong>s” e até mesmo<br />

reprodução <strong>de</strong> “verda<strong>de</strong>s” perpetuadas pelo senso-comum acadêmico<br />

(sim, ele existe!) que po<strong>de</strong>m incorrer numa dificulda<strong>de</strong> do “distanciamento”<br />

<strong>de</strong>sejado a todo trabalho <strong>de</strong> pesquisa. Assim, é preciso,<br />

por vezes, tornar estranho o que nos é habitual e <strong>de</strong>snaturalizar o<br />

que já está naturalizado a nossos olhos. Sabemos, à luz <strong>de</strong> Bordieu<br />

(2001, p.34) que construir um objeto científico é romper com o senso<br />

comum, ou seja,<br />

45


Antonio José Barbosa <strong>de</strong> Oliveira<br />

com representações partilhadas por todos, quer se trate<br />

dos simples <strong>lugares</strong>-comuns da existência vulgar, quer se<br />

trate das representações oficiais, frequentemente inscritas<br />

nas instituições, logo, ao mesmo tempo na objetivida<strong>de</strong> das<br />

organizações sociais e nos cérebros. As idéias pré-construídas<br />

estão em toda a parte e o homo aca<strong>de</strong>micus gosta do acabado;<br />

como os pintores acadêmicos, ele faz <strong>de</strong>saparecer dos <strong>seus</strong><br />

trabalhos os vestígios da pincelada, os toques e os retoques.<br />

Sabemos não ser fácil o rompimento com o senso comum ou<br />

com verda<strong>de</strong>s que são, na verda<strong>de</strong>, aparências <strong>de</strong> uma pretensa<br />

lógica, revestidas <strong>de</strong> isenção ou cientificida<strong>de</strong>, já que o processo <strong>de</strong><br />

institucionalização leva à consolidação <strong>de</strong> aparelhos que necessitam<br />

ser constantemente reproduzidos, e <strong>de</strong>sta forma, dilui e disfarça<br />

os antagonismos e diferenças. Foucault (2007, p. 8-9) também já<br />

nos sinalizou para a importância <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>ração do lugar do trabalho<br />

que fazemos, já que<br />

em toda a socieda<strong>de</strong> a produção do discurso é simultaneamente<br />

controlada, selecionada, organizada e redistribuída<br />

por um certo número <strong>de</strong> procedimentos que têm por papel<br />

exorcizar-lhe os po<strong>de</strong>res e os perigos, refrear-lhe o acontecimento<br />

aleatório, disfarçar a sua pesada, temível materialida<strong>de</strong>.<br />

Enquanto instituição, a universida<strong>de</strong> também cria mecanismos<br />

<strong>de</strong> controle para a afirmação <strong>de</strong> sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, conferindo percepções<br />

e padrões <strong>de</strong> conduta a <strong>seus</strong> membros. Ao exercer mecanismos<br />

<strong>de</strong> controle sobre a memória <strong>de</strong> <strong>seus</strong> membros, leva ao esquecimento<br />

as experiências incompatíveis com a imagem <strong>de</strong> unida<strong>de</strong> e<br />

uniformida<strong>de</strong> que ela preten<strong>de</strong> ter <strong>de</strong> si mesma.<br />

Diversos atores-sujeitos (indivíduos interpelados pela i<strong>de</strong>ologia)<br />

estão envolvidos nas questões que perpassam a história da<br />

nossa instituição, <strong>de</strong>finindo, inclusive diversas formas específicas <strong>de</strong><br />

memórias. Formam o que chamaremos <strong>de</strong> “grupos”. Nas reflexões<br />

46


História, memória e instituições: algumas reflexões teórico-metodológicas<br />

para os trabalhos do Projeto Memória - SiBI/UFRJ<br />

que estabelece sobre a formação <strong>de</strong> grupos, Oliveira (2002, p.33)<br />

nos esclarece que<br />

atingir um objetivo específico, é, por exemplo, um fator<br />

<strong>de</strong> coesão que <strong>de</strong>termina também a organização e os procedimentos<br />

do grupo. Sendo assim, o grupo não é necessariamente<br />

todo e qualquer agrupamento constituído eventualmente<br />

ou <strong>de</strong> forma legal: os pressupostos legais não atribuem vezes<br />

emocionais ao grupo que se associa. Somente pelo fato <strong>de</strong><br />

ser legalmente constituído não se po<strong>de</strong> dizer que um grupo<br />

“comporta-se” e muito menos que ele pensa ou sinta.<br />

Sendo assim, enten<strong>de</strong>remos um grupo como conseqüência<br />

<strong>de</strong> uma coesão promovida por interesses comuns, mesmo que<br />

momentânea; cuja existência e permanência <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m, muitas<br />

vezes, do estímulo e da incitação e não necessariamente do consenso<br />

entre os membros. Sabemos que o processo <strong>de</strong> associação<br />

<strong>de</strong> indivíduos em grupos (como por exemplo, as diversas comissões<br />

que freqüentemente se instituem na universida<strong>de</strong>) não é aleatório<br />

e é <strong>de</strong>terminado por uma série <strong>de</strong> fatores que regulam o processo.<br />

A pesquisa histórica nos “<strong>lugares</strong> <strong>de</strong> memória”:<br />

ampliando a noção <strong>de</strong> documento<br />

“a história faz-se com documentos escritos, sem dúvida.<br />

Quando estes existem. Mas po<strong>de</strong> fazer-se, <strong>de</strong>ve fazer-se sem<br />

documentos escritos quando não existem. (...) Numa palavra,<br />

com tudo o que, pertencendo ao homem, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do homem,<br />

serve o homem, exprime o homem, <strong>de</strong>monstra a presença e a<br />

ativida<strong>de</strong>, os gostos e as maneiras <strong>de</strong> ser do homem.”<br />

Lucien Fevre apud Le Goff – Documento / Monumento<br />

A construção <strong>de</strong> uma pesquisa histórica se faz mediante a<br />

ampliação do conceito <strong>de</strong> documentos, já que estes também são<br />

47


Antonio José Barbosa <strong>de</strong> Oliveira<br />

monumentos (LE GOFF, 2006) e <strong>de</strong>sta forma, são suscetíveis a subjetivida<strong>de</strong>s<br />

e intencionalida<strong>de</strong>s não expressas em sua produção,<br />

conservação, perpetuação e divulgação, sobretudo quando se trata<br />

<strong>de</strong> documentos oficiais das instituições. Sabemos que os discursos<br />

institucionais nem sempre explicitam as divergências e contradições<br />

em confronto e evocam (quando não perpetuam) a memória<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados grupos num contexto sócio-histórico específico.<br />

Nesta problemática, não somente o existente ou materializado,<br />

como também o “não dito” <strong>de</strong> que nos fala Michel <strong>de</strong> Certeau<br />

(2002, p.67) ou “as formas do silêncio” <strong>de</strong> que nos fala Orlandi (2007)<br />

<strong>de</strong>vem ser consi<strong>de</strong>rados como fontes, pistas ou indícios no <strong>de</strong>senvolvimento<br />

dos trabalhos. Indo além das consi<strong>de</strong>rações restritas à<br />

materialida<strong>de</strong> documental nos estudos da história e memória da<br />

nossa instituição, percebemos que a “não-comunicação” é também<br />

uma função da linguagem e sendo assim, po<strong>de</strong>-se enten<strong>de</strong>r os silêncios<br />

(que significam) a partir da análise e do entendimento do<br />

que é dito, registrado.<br />

Ao concebermos o discurso como “palavra em movimento”<br />

que significa, acreditamos, que não há “neutralida<strong>de</strong> nem mesmo<br />

no uso mais aparentemente cotidiano dos signos” (ORLANDI, 1999,<br />

p.9). Ao tomarmos o discurso como evento ou acontecimento,<br />

somos também levados às consi<strong>de</strong>rações sobre os “sujeitos envolvidos,<br />

o contexto no qual se inscrevem as formações i<strong>de</strong>ológicas que<br />

lhe dão or<strong>de</strong>m e os elementos discursivos que são agenciados para<br />

veicular os sentidos propostos”. (OLIVEIRA ; ORRICO, 2005, p.80, grifo<br />

nosso). Sendo assim, os documentos textuais (atas, ofícios, memorandos,<br />

matérias jornalísticas, relatórios, regimentos etc), os <strong>de</strong>poimentos<br />

orais e os registros iconográficos (todos concebidos aqui<br />

como materialida<strong>de</strong>s discursivas) com os quais trabalhamos <strong>de</strong>vem<br />

ser compreendidos, não somente na ótica do que significam, mas<br />

do como significam. Como materialida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> um discurso institucional,<br />

<strong>de</strong>vem ser abordados como “práticas socialmente inseridas<br />

em contextos específicos.” (OLIVEIRA, 2002, p.20)<br />

48


História, memória e instituições: algumas reflexões teórico-metodológicas<br />

para os trabalhos do Projeto Memória - SiBI/UFRJ<br />

Toda palavra é carregada <strong>de</strong> um conteúdo e <strong>de</strong> um sentido i<strong>de</strong>ológico,<br />

liga-se diretamente às experiências <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> indivíduos<br />

ou grupos e todo discurso tem a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressar e produzir<br />

sentidos e, mais do que somente expressar um “puro pensamento”,<br />

configura-se como conseqüência <strong>de</strong> relações i<strong>de</strong>ológicas. Por isso<br />

<strong>de</strong>ve-se perceber, em toda pesquisa histórica, quem são os sujeitos<br />

envolvidos e o contexto no qual se inscrevem as formações discursivas.<br />

Ao nos interessarmos por personagens <strong>de</strong> um discurso somos<br />

levados à noção <strong>de</strong> estratégias discursivas, que <strong>de</strong>vem ser entendidas<br />

como “a maneira como o sujeito falante tenta se apo<strong>de</strong>rar do<br />

papel que lhe convém e atribuir aos <strong>seus</strong> interlocutores os papéis<br />

que escolheu para eles.” (PROST, 1996, p.321). Através da análise<br />

dos discursos, <strong>de</strong>ve-se conferir aos textos (ou quaisquer registros<br />

documentais) novas perguntas, já que as maneiras <strong>de</strong> falar não<br />

são inocentes e “para além <strong>de</strong> sua aparente neutralida<strong>de</strong>, revelam<br />

estruturas mentais, maneiras <strong>de</strong> perceber e organizar a realida<strong>de</strong>,<br />

<strong>de</strong>nominando-a”. (1996, p.321)<br />

No atual momento <strong>de</strong> nossos trabalhos, nos interessam mais<br />

as reflexões dos discursos institucionais a partir <strong>de</strong> suas materialida<strong>de</strong>s<br />

textuais e imagéticas, como livros, atas, memorandos, ofícios,<br />

correspondências, “e-mails”, fotografias. Tal como Oliveira (2002,<br />

p.25), enten<strong>de</strong>mos que o discurso estrutura-se a partir <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado<br />

contexto (no caso, uma instituição <strong>de</strong> Ensino Superior),<br />

on<strong>de</strong> se dá a relação entre sujeitos e grupos (atores) e no qual se<br />

forja uma série <strong>de</strong> práticas, valores e normas, que contribuem para<br />

a formação <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. FOCAULT (2007) também já nos<br />

alertou para o fato <strong>de</strong> que o discurso é sempre controlado pelas<br />

instituições, que trabalham no sentido <strong>de</strong> dissimular suas próprias<br />

estratégias, selecionando o surgimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas formações<br />

e apagando outras.<br />

Dentre os diversos suportes documentais disponíveis para o<br />

trabalho da memória institucional, os acervos fotográficos têm sido<br />

cada vez mais utilizados, sobretudo a partir das novas tecnologias<br />

49


Antonio José Barbosa <strong>de</strong> Oliveira<br />

<strong>de</strong> digitalização <strong>de</strong> imagens e dos espaços virtuais que se <strong>de</strong>stinam<br />

à difusão <strong>de</strong>stas memórias. Quase todas as instituições têm, em<br />

<strong>seus</strong> sites, bancos <strong>de</strong> imagens, no intuito <strong>de</strong> dar ao visitante, uma<br />

“visão” <strong>de</strong> sua trajetória histórica, o que, por sua vez, também objetiva<br />

referendar sua importância enquanto instituição.<br />

Entretanto, não <strong>de</strong>vemos nos iludir com a facilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stes<br />

recursos, ou com a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stes registros, já que uma imagem,<br />

longe da objetivida<strong>de</strong> que por vezes lhe é atribuída, encobre<br />

muitas nuances que lhe dão, freqüentemente, um caráter <strong>de</strong> monumentalida<strong>de</strong><br />

ou intencionalida<strong>de</strong>. Imagens fotográficas não se<br />

esgotam em si próprias; <strong>de</strong>vem ser consi<strong>de</strong>radas “o ponto <strong>de</strong> partida,<br />

a pista para tentarmos <strong>de</strong>svendar o passado” (KOSSOY, 1993, p.14)<br />

e, por vezes, torna-se complexa a questão <strong>de</strong> interpretação <strong>de</strong>stas<br />

imagens, a apreensão <strong>de</strong> <strong>seus</strong> múltiplos significados: fotografias<br />

não são espelhos fiéis <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong> objetiva.<br />

Como todo documento, as fotografias guardam em si uma série<br />

<strong>de</strong> ambigüida<strong>de</strong>s, significados não explicitados, quando não omissões,<br />

já que nem tudo é registrado numa imagem. Ao nos <strong>de</strong>pararmos<br />

com acervos fotográficos <strong>de</strong> instituições os cuidados <strong>de</strong>vem ser<br />

redobrados. Ao cobrirem <strong>de</strong>terminados fatos ou eventos da rotina<br />

da instituição ou <strong>de</strong> suas personalida<strong>de</strong>s e autorida<strong>de</strong>s, quando<br />

divulgadas, representarão sempre a ótica da instituição ou daqueles<br />

que momentaneamente estejam investidos <strong>de</strong> funções diretivas.<br />

Raramente po<strong>de</strong>remos verificar nestes materiais as divergências<br />

não <strong>de</strong>claradas entre os protagonistas <strong>de</strong> um dado processo,<br />

os embates i<strong>de</strong>ológicos, os excluídos das instâncias <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res. Por<br />

vezes autorida<strong>de</strong>s sorrindo para a câmera, encobrindo processos<br />

<strong>de</strong> crises políticas ou institucionais relacionadas a tal evento. Po<strong>de</strong>mos<br />

consi<strong>de</strong>rar que tais registros referem-se a “imagens da or<strong>de</strong>m”.<br />

Neste sentido, a fotografia é também uma materialida<strong>de</strong> discursiva,<br />

já que é impregnada <strong>de</strong> carga i<strong>de</strong>ológica.<br />

Se durante muito tempo a fotografia foi negligenciada pelos<br />

historiadores, servindo quando muito, à mera ilustração do texto,<br />

50


História, memória e instituições: algumas reflexões teórico-metodológicas<br />

para os trabalhos do Projeto Memória - SiBI/UFRJ<br />

agora cada vez mais se fazem presentes trabalhos que têm como<br />

metodologia a análise dos conteúdos das imagens registradas.<br />

Po<strong>de</strong>-se dizer, sem exagero, que vivemos em tempos <strong>de</strong> um certo<br />

“fetiche” pela imagem. Esta análise foi até então <strong>de</strong>sprezada pela<br />

falsa premissa <strong>de</strong> que tudo o que a fotografia registrou, <strong>de</strong> fato<br />

ocorreu, como se através da câmera, pudéssemos congelar um<br />

momento da realida<strong>de</strong> objetiva, e assim, sobre a imagem revelada<br />

não caberiam maiores indagações. Entretanto, enquanto signo<br />

visual, toda fotografia é fruto <strong>de</strong> um processo <strong>de</strong> produção, circulação<br />

e consumo. Isto quer dizer que “ela foi investida <strong>de</strong> significações<br />

<strong>de</strong>terminadas pela relação entre fotógrafo, clientes e receptores”<br />

(MIGUEL, 1993, p.126).<br />

Desta forma, há, na imagem fotografada, uma intertextualida<strong>de</strong><br />

que “assume papel instrumental importante na interpretação<br />

das fotografias, pois permite <strong>de</strong>tectar alguns dos mecanismos<br />

i<strong>de</strong>ológicos em ação na produção e que <strong>de</strong>ixaram na imagem suas<br />

marcas” (1993, p.126). Ou seja, a fotografia é uma “obra em aberto”<br />

(ou documento / monumento em aberto), já que sua potencialida<strong>de</strong><br />

informacional “varia <strong>de</strong> acordo com a visão que se tenha <strong>de</strong> seu<br />

valor enquanto fonte <strong>de</strong> informação e fonte histórica.” (LACERDA,<br />

1993, p.52)<br />

Vejamos, através <strong>de</strong> alguns exemplos, como tais reflexões<br />

contribuem para os trabalhos <strong>de</strong> investigação histórica: a figura 1 refere-se<br />

à inauguração do Instituto <strong>de</strong> Puericultura e Pediatria, na Cida<strong>de</strong><br />

Universitária da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil. A cerimônia, realizada<br />

em 1º <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1953, era presidida pelo próprio Presi<strong>de</strong>nte<br />

da República, Getúlio Vargas, no momento em que discursava. Próximos<br />

ao presi<strong>de</strong>nte, o diretor do Instituto, Martagão Gesteira e o<br />

reitor Pedro Calmon.<br />

51


Antonio José Barbosa <strong>de</strong> Oliveira<br />

Figura 1 – Acervo IPPMG/UFRJ<br />

Figura 2 – Acervo ETU / UFRJ<br />

52


História, memória e instituições: algumas reflexões teórico-metodológicas<br />

para os trabalhos do Projeto Memória - SiBI/UFRJ<br />

A figura 2 nos fornece um plano geral da Ilha Universitária,<br />

<strong>de</strong>stacando sua grandiosida<strong>de</strong> e monumentalida<strong>de</strong>, bem como<br />

dos <strong>seus</strong> primeiros prédios que eram levantados simultaneamente<br />

à construção da própria ilha, a partir <strong>de</strong> aterramentos. Não há,<br />

pelas imagens, indícios <strong>de</strong> maiores problemas ou dificulda<strong>de</strong>s no<br />

gran<strong>de</strong> empreendimento <strong>de</strong> construção da cida<strong>de</strong> universitária da<br />

então <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil. Se consi<strong>de</strong>rarmos suas “condições <strong>de</strong><br />

produção” (ORLANDI, 1999, p.30) em sentido estrito, - a inauguração<br />

do primeiro Instituto da UB na cida<strong>de</strong> universitária e grandiosida<strong>de</strong><br />

do empreendimento -, temos as circunstâncias <strong>de</strong> enunciação, o<br />

contexto imediato.<br />

Entretanto, se as consi<strong>de</strong>rarmos em sentido mais amplo, acrescentando<br />

às condições <strong>de</strong> produção específica o contexto sóciohistórico,<br />

i<strong>de</strong>ológico, institucional e valendo-nos <strong>de</strong> outras fontes<br />

documentais somadas às imagens fotográficas, como por exemplo,<br />

documentos textuais, somos levados a maiores reflexões, ao aprofundamento<br />

dos significados. Ainda valendo-nos dos significados<br />

e intencionalida<strong>de</strong>s expressas nas imagens anteriores, somemos a<br />

elas outras fontes documentais. Primeiramente, trechos do discurso<br />

proferido pelo presi<strong>de</strong>nte:<br />

[...] Foi a oito anos passados que o meu governo tomou<br />

as providências iniciais para levantar aqui o mais importante<br />

centro educacional do país. Compreen<strong>de</strong>u a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

reunir e sistematizar, num conjunto <strong>de</strong> instalações apropriadas,<br />

os diversos institutos <strong>de</strong> ensino superior que constituem<br />

a <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil, ampliando-os nos <strong>seus</strong> currículos<br />

e objetivos. [...] Obra <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> vulto e longo alcance, muitos<br />

<strong>de</strong>screram <strong>de</strong> suas possibilida<strong>de</strong>s. Agora, entretanto, já<br />

po<strong>de</strong>mos ver que as nossas esperanças não foram frustradas.<br />

Se muito ainda resta a fazer, não foi pouco, <strong>de</strong>certo, o que já<br />

fizemos. [...] Devemos esperar que obras como essa avivem na<br />

alma dos moços a fé no Brasil e a confiança nos <strong>seus</strong> governantes.<br />

Pois o país trabalha e o seu governo se empenha na<br />

53


Antonio José Barbosa <strong>de</strong> Oliveira<br />

causa do progresso nacional, a <strong>de</strong>speito das campanhas insidiosas<br />

dos que nada constroem e apenas procuram difundir<br />

a <strong>de</strong>scrença amarga e o pessimismo dissolvente. (OLIVEIRA,<br />

2005, p.117-118)<br />

Aqui, a contextualização e o conhecimento das condições<br />

<strong>de</strong> produção <strong>de</strong>ste discurso atribuem a ele significados mais amplos.<br />

Primeiramente, o longo período mencionado pelo presi<strong>de</strong>nte<br />

(oito anos) toma como referência o Decreto-lei n o 7.563, <strong>de</strong> 21<br />

<strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1945, que estabeleceu a localização para a construção<br />

da cida<strong>de</strong> universitária naquele local. Mas, se consi<strong>de</strong>rarmos que a<br />

primeira Comissão <strong>de</strong> professores encarregada <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir tal localização<br />

data <strong>de</strong> 1935 e que durante uma década diversos embates<br />

foram travados entre as comissões <strong>de</strong> professores e engenheiros e<br />

arquitetos, facilmente compreen<strong>de</strong>remos que o processo foi conflituoso,<br />

não havendo, até então, um consenso na universida<strong>de</strong><br />

sobre a acertivida<strong>de</strong> da escolha final. Gran<strong>de</strong>s resistências internas<br />

e externas se fizeram quanto à transferência <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s da universida<strong>de</strong><br />

para a Ilha Universitária (“campanhas insidiosas dos que<br />

nada constroem”). Verificamos também tratar-se <strong>de</strong> um projeto <strong>de</strong><br />

Estado (e não somente da UB), o que nos sinaliza para as relações<br />

conflituosas que historicamente se estabeleceram entre a universida<strong>de</strong><br />

e o Estado ao longo <strong>de</strong> diversos períodos. A<strong>de</strong>mais, as novas<br />

instalações na Cida<strong>de</strong> Universitária pressupunham, não somente<br />

uma nova espacialida<strong>de</strong>, como também reformas dos “conteúdos<br />

e currículos”, algo que se chocava com as instâncias <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res <strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong>rosos grupos <strong>de</strong> professores catedráticos da universida<strong>de</strong>.<br />

Vejamos um outro exemplo, também relacionado às problemáticas<br />

espacial e discursiva <strong>de</strong> nossa universida<strong>de</strong>. Em 1946,<br />

já findo o Estado Novo, o então Ministro da Educação Ernesto <strong>de</strong><br />

Souza Campos, empreen<strong>de</strong>u uma tentativa <strong>de</strong> revogação do Decreto<br />

nº 7.563 que, como vimos, estabelecia a localização da cida<strong>de</strong><br />

universitária na atual Ilha do Fundão. Encaminhando Exposição <strong>de</strong><br />

Motivos ao então presi<strong>de</strong>nte Dutra, argumentava que<br />

54


História, memória e instituições: algumas reflexões teórico-metodológicas<br />

para os trabalhos do Projeto Memória - SiBI/UFRJ<br />

a localização da Cida<strong>de</strong> universitária em ilhas da Guanabara<br />

[...] havia sido consi<strong>de</strong>rada imprópria por expressa<br />

resolução do Conselho Universitário da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil,<br />

que enten<strong>de</strong>u mais conveniente a escolha dos terrenos da<br />

Praia Vermelha, para uma instalação mais mo<strong>de</strong>sta e <strong>de</strong> menores<br />

proporções” (OLIVEIRA, 2005, p.107).<br />

Após novos encaminhamentos, o Presi<strong>de</strong>nte da República,<br />

diante <strong>de</strong> contra-exposições apresentadas por engenheiros e técnicos<br />

do DASP, manteve a localização no arquipélagos. 2 A partir <strong>de</strong><br />

então, temos na história <strong>de</strong> nossa universida<strong>de</strong>, a introdução <strong>de</strong> um<br />

novo espaço: o prédio do antigo “Hospício <strong>de</strong> Alienados”, no bairro<br />

da Urca, que <strong>de</strong>u origem ao atual campus da Praia Vermelha. O hospício<br />

havia sido <strong>de</strong>sativado em 1942 e cedido, em 1945, à <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />

do Brasil que arcou, através <strong>de</strong> recursos próprios e o apoio da<br />

Seção <strong>de</strong> Engenharia do Ministério da Educação, com os custos da<br />

restauração, transformando o prédio , <strong>de</strong> hospício a “Palácio” Universitário.<br />

Vejamos como o reitor Pedro Calmon refere-se ao episódio:<br />

Extinto o hospício, surgiu o problema <strong>de</strong> aproveitamento<br />

do edifício, que po<strong>de</strong>ria ser <strong>de</strong>molido, para em seu lugar serem<br />

construídos mo<strong>de</strong>rnos prédios, ou restaurado, tendo-se<br />

em vista o que valia e representava para a cultura nacional.<br />

Prevaleceu este sentimento. E andou bem avisado o governo<br />

da República ce<strong>de</strong>ndo-o para as instalações da <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />

do Brasil. [...] A reitoria da universida<strong>de</strong> assim interpretou as<br />

responsabilida<strong>de</strong>s que assumiu com esta doação: e em menos<br />

<strong>de</strong> um ano (entre fevereiro e <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1949), com as verbas<br />

próprias e o auxílio do Ministério da Educação e Saú<strong>de</strong>,<br />

as obras a cargo da sua seção <strong>de</strong> engenharia, obe<strong>de</strong>cendo às<br />

2 Para maiores informações sobre esta problemática, sugerimos a consulta <strong>de</strong> nossa<br />

dissertação <strong>de</strong> Mestrado “Das ilhas à cida<strong>de</strong> – a universida<strong>de</strong> visível”, <strong>de</strong>fendida no<br />

Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em História Comparada do Instituto <strong>de</strong> Filosofia e Ciências<br />

Sociais da UFRJ (PPGHC/IFCS/UFRJ)<br />

55


Antonio José Barbosa <strong>de</strong> Oliveira<br />

linhas clássicas da construção, para lhe preservar a autenticida<strong>de</strong><br />

sem prejuízo das adaptações requeridas pelos novos<br />

serviços, pô<strong>de</strong> inaugurar nesse “Palácio Universitário” a sua<br />

se<strong>de</strong>.” (CALMON, 2002, p.89)<br />

Não há, neste discurso, evidências <strong>de</strong> impasses, controvérsias<br />

ou mesmo referências sobre a instalação da universida<strong>de</strong> em<br />

sua Cida<strong>de</strong> Universitária, na Ilha do Fundão, já <strong>de</strong>finida anteriormente<br />

(1945). Mais do que aten<strong>de</strong>r a interesses da universida<strong>de</strong>, a<br />

incorporação do antigo prédio constituía-se como um ato <strong>de</strong> valor<br />

patriótico, já que se fazia em prol da <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> um patrimônio da<br />

“cultura nacional” que estaria <strong>de</strong>stinado à <strong>de</strong>struição. Menciona,<br />

inclusive, a eficiência e rapi<strong>de</strong>z com que a universida<strong>de</strong> cuidou do<br />

empreendimento: “em menos <strong>de</strong> um ano”.<br />

Tal argumentação está sedimentada em nossa “memória<br />

institucional”, remetendo-nos ao que Pollak (1992) chama <strong>de</strong> “enquadramento<br />

da memória” (POLLAK, 1992, p. 200-212). Entretanto,<br />

já nos referimos anteriormente às especificida<strong>de</strong>s e contrapontos<br />

entre história e memória. E nosso ofício <strong>de</strong> historiador nos leva a<br />

constantes interrogações, a partir da incorporação <strong>de</strong> fontes diversas<br />

para a construção <strong>de</strong> nossas narrativas. E neste trabalho, a observância<br />

aos fatos e suas cronologias não é virtu<strong>de</strong> do historiador,<br />

mas obrigação a ser consi<strong>de</strong>rada em suas pesquisas. A simultaneida<strong>de</strong><br />

temporal dos fatos acima mencionados é, no mínimo, intrigante;<br />

<strong>de</strong>ve, certamente, <strong>de</strong>spertar a curiosida<strong>de</strong> dos estudiosos<br />

no assunto. Sobretudo se consi<strong>de</strong>rarmos outros documentos na<br />

composição <strong>de</strong>ste contexto, como por exemplo, o ofício nº 829, encaminhado<br />

pelo diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico<br />

Nacional (SPHAN), Rodrigo Mello Franco <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, em 23 <strong>de</strong><br />

julho <strong>de</strong> 1942, ao Ministro da Educação e Saú<strong>de</strong> Pública, Gustavo<br />

Capanema:<br />

A fim <strong>de</strong> dar cumprimento à <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> Vossa Excelência<br />

no sentido dêste [sic] Serviço elaborar o projeto <strong>de</strong><br />

adaptação do edifício do Hospício Nacional <strong>de</strong> Alienados à<br />

56


História, memória e instituições: algumas reflexões teórico-metodológicas<br />

para os trabalhos do Projeto Memória - SiBI/UFRJ<br />

finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Externato do Colégio Pedro II, solicito as providências<br />

necessárias para o feito <strong>de</strong> ser transmitido a esta repartição<br />

o programa <strong>de</strong> instalação <strong>de</strong>sejado para o referido<br />

estabelecimento <strong>de</strong> ensino. (CAETANO, 1993, s/p, tomo 2).<br />

Em ofício <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1944, o diretor <strong>de</strong> obras do Ministério<br />

da Educação e Saú<strong>de</strong>, Ruy Moreira Reis, se dirigia ao diretor do<br />

Colégio Pedro II:<br />

No processo 39.967/43, foram aprovadas pelo Sr. Presi<strong>de</strong>nte<br />

da República as obras <strong>de</strong> restauração do Hospital<br />

Psiquiátrico, para nele ser instalado o Colégio Pedro II. Encaminhando<br />

o processo a esta Divisão, transmitiu o Sr. Diretor<br />

Geral do Departamento <strong>de</strong> Administração recomendação<br />

verbal do Sr. Ministro para que as obras se iniciem a 20 do<br />

corrente. Tratando-se <strong>de</strong> Edifício histórico, aconselhou-me o<br />

Sr. Diretor Geral, que entre em entendimento imediato com<br />

esse Serviço, afim <strong>de</strong> que sejam combinadas as providências<br />

cabíveis, para dar andamento às obras em questão, no prazo<br />

fixado pelo Sr. Ministro. (1993, s/p).<br />

Ainda a 7 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1944, o Ministro Gustavo Capanema<br />

enviava a seguinte mensagem ao Diretor do SPHAN:<br />

Agra<strong>de</strong>ço o interesse, a diligência e o esmêro com que o<br />

Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional estudou<br />

e projetou esta remo<strong>de</strong>lação, ao mesmo tempo que lhe peço<br />

que empregue o máximo <strong>de</strong> esfôrço [sic] afim <strong>de</strong> que as obras<br />

se façam com urgência, visto como é meu <strong>de</strong>sejo que o Colégio<br />

Pedro II possa funcionar na nova se<strong>de</strong> no ano <strong>de</strong> 1945.<br />

Apresento-lhe os meus protestos <strong>de</strong> elevada estima e alta consi<strong>de</strong>ração.<br />

(1993, s/p)<br />

Documentos referentes à execução das obras, entre os<br />

anos <strong>de</strong> 1942 a 1944, levam-nos a consi<strong>de</strong>rar a preocupação com<br />

a a<strong>de</strong>quação do prédio para receber as novas instalações do colé-<br />

57


Antonio José Barbosa <strong>de</strong> Oliveira<br />

gio. Entretanto, após um hiato documental entre os anos <strong>de</strong> 1944 e<br />

1945, somos surpreendidos pelo ofício do reitor da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do<br />

Brasil, Ignácio M. Azevedo do Amaral, ao diretor do SPHAN, Rodrigo<br />

<strong>de</strong> Mello Franco <strong>de</strong> Almeida, expedido em 6 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1945:<br />

Tenho a honra <strong>de</strong> apresentar a V.Excia. o Sr. Professôr arquiteto<br />

Archime<strong>de</strong>s Memória, da Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Arquitetura,<br />

com quem V. Excia. po<strong>de</strong>rá enten<strong>de</strong>r-se sobre todas<br />

as informações necessárias às obras <strong>de</strong> instalação da Reitoria<br />

da <strong>Universida<strong>de</strong></strong>, da Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Arquitetura e da<br />

Escola Nacional <strong>de</strong> Educação Física e Desportos. Aproveito o<br />

ensejo para apresentar a V. Excia. meus protestos <strong>de</strong> elevada<br />

estima e distinta consi<strong>de</strong>ração [sic]. (1993, s/p).<br />

Ainda não temos conclusões sobre as questões apresentadas<br />

e não preten<strong>de</strong>mos reduzir a problemática a uma mera<br />

“conspiração” e reação conservadora <strong>de</strong> grupos à <strong>de</strong>terminação<br />

governamental <strong>de</strong> construção da cida<strong>de</strong> universitária, que <strong>de</strong>veria,<br />

inclusive, receber a totalida<strong>de</strong> das unida<strong>de</strong>s da universida<strong>de</strong>. Mas é<br />

fato que merece estudos mais aprofundados a quase simultaneida<strong>de</strong><br />

das obras na Ilha do Fundão e na Praia Vermelha. Como também<br />

gera estranheza o argumento, tão utilizado nos discursos da universida<strong>de</strong>,<br />

<strong>de</strong> que a incorporação do prédio do antigo Hospício à<br />

universida<strong>de</strong> se <strong>de</strong>u em função da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> impedir sua <strong>de</strong>struição.<br />

Certamente, não o seria. Os documentos apresentados nos<br />

dão evidências <strong>de</strong> que, ao ser <strong>de</strong>stinado ao Colégio Pedro II, com<br />

obras sob a supervisão do SPHAN, não somente seria preservado,<br />

como seriam também consi<strong>de</strong>radas as suas características arquitetônicas<br />

<strong>de</strong> prédio histórico.<br />

Finalizando e não concluindo<br />

Os nossos arquivos e centros <strong>de</strong> documentação, como <strong>lugares</strong><br />

<strong>de</strong> memória que são, <strong>de</strong>vem ser consi<strong>de</strong>rados como instâncias<br />

fundamentais no aprofundamento da compreensão sobre eventos<br />

58


História, memória e instituições: algumas reflexões teórico-metodológicas<br />

para os trabalhos do Projeto Memória - SiBI/UFRJ<br />

pretéritos, já que possibilitam a existência <strong>de</strong> uma diversificação<br />

das reservas documentais nas suas diversas coleções, que precisam<br />

ser analisadas em conjunto, nas suas especificida<strong>de</strong>s, no que apresentam<br />

em comum, nas suas contradições, no que se guardou para<br />

fazer-nos lembrar e também no que foi “<strong>de</strong>scartado”, levando-nos<br />

ao esquecimento ou <strong>de</strong>sconhecimento. Se todo arquivo é “indício<br />

<strong>de</strong> uma falta”, como já nos alertou Henry Rousso (1996), é preciso<br />

também consi<strong>de</strong>rarmos que ele “encontra sua unida<strong>de</strong> em quem<br />

o produziu como conjunto, ou seja, em quem acumula os documentos<br />

no exercício <strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong>s. O agrupamento dos documentos,<br />

sua seleção <strong>de</strong>ntre todos os passíveis <strong>de</strong> serem guardados<br />

proporciona o sentido dos mesmos.” (VIANA, 1986 apud LACERDA,<br />

1993, p. 50).<br />

Os exemplos, aqui rapidamente mencionados, <strong>de</strong>monstram o<br />

quanto a incorporação <strong>de</strong> novas fontes atribui novos significados a<br />

uma realida<strong>de</strong> pretensamente conhecida. São nestes labirintos da<br />

história e memória que um pesquisador transita. Novas pistas levam-no<br />

a outros caminhos, quando não a mudanças <strong>de</strong> trajetórias.<br />

Saindo da tranqüilida<strong>de</strong> dos conceitos e verda<strong>de</strong>s que se perpetuam<br />

ao longo dos anos e solidificados nas narrativas institucionais,<br />

para zonas nebulosas, incertas, permeadas por silêncios e vazios<br />

que também significam. Trabalho instigante, constante <strong>de</strong>safio <strong>de</strong><br />

nosso fazer diário...<br />

59


Antonio José Barbosa <strong>de</strong> Oliveira<br />

Referências<br />

ALBERTI, Verena. Ouvir contar: textos em história oral. Rio <strong>de</strong> Janeiro: CPDOC,<br />

FGV, 2004.<br />

BORDIEU, Pierre. O Po<strong>de</strong>r simbólico. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.<br />

CERTEAU, Michel <strong>de</strong>. A escrita da história. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense Universitária,<br />

2002.<br />

CAETANO, Lucina Oliveira. O Palácio da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil, ex-hospício <strong>de</strong><br />

Pedro II: imagens e mentalida<strong>de</strong>s. 1993. Dissertação (Mestrado Escola <strong>de</strong> Belas<br />

Artes), <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 1993.<br />

CALMON, Pedro. O Palácio da Praia Vermelha. Rio <strong>de</strong> Janeiro: UFRJ, 2002.<br />

DODEBEI, Vera ; GONDAR, Jô (org). O que é memória social Rio <strong>de</strong> Janeiro: Contra<br />

Capa, 2005.<br />

DOUGLAS, Mary. Como as instituições pensam. São Paulo: Edusp, 1999.<br />

FOUCAULT, Michel. Microfísica do po<strong>de</strong>r. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Graal, 1989.<br />

______. A or<strong>de</strong>m do discurso. São Paulo: Loyola, 2007.<br />

GIRON, Loraine Slomp. Da memória nasce a história. In: LENSKIJ, Tatiana; HELFER,<br />

Nadir Emma (Org.). A memória e o ensino <strong>de</strong> história. São Leopoldo: Edunisc, 2000,<br />

p. 23-38.<br />

KOSSOY, Boris. Estética, Memória e I<strong>de</strong>ologia Fotográficas. Decifrando a realida<strong>de</strong><br />

interior das imagens do passado. ACERVO: Rev. do Arquivo Nacional. Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />

jan/<strong>de</strong>z. 1993, U.G, n o 01/02, p.13-24.<br />

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2006.<br />

LACERDA, Aline Lopes <strong>de</strong>. Os sentidos da imagem: fotografias em arquivos pessoais.<br />

ACERVO: Revista do Arquivo Nacional. Rio <strong>de</strong> Janeiro, v.6, n. 1/2, p. 41-53, jan./<br />

<strong>de</strong>z.1993.<br />

60


História, memória e instituições: algumas reflexões teórico-metodológicas<br />

para os trabalhos do Projeto Memória - SiBI/UFRJ<br />

LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas: Unicamp, 2006.<br />

MIGUEL, Maria Lúcia Cerutti. A fotografia como documento: uma instigação à leitura.<br />

ACERVO: Revista do Arquivo Nacional. Rio <strong>de</strong> Janeiro, v.6, n. 1/2, p. 121-132, jan./<br />

<strong>de</strong>z. 1993.<br />

NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos <strong>lugares</strong>. Projeto História,<br />

São Paulo: PUC, n. 10, p. 7-28, <strong>de</strong>z. 1993.<br />

OLIVEIRA, Antonio José Barbosa <strong>de</strong> Oliveira. Das ilhas à cida<strong>de</strong>: a universida<strong>de</strong><br />

visível: a construção da Cida<strong>de</strong> Universitária da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil. Dissertação<br />

(Mestrado) Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em História Comparada), <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />

Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 2005.<br />

OLIVEIRA, Carmen Irene Correia <strong>de</strong>. UNIVERSIDADE DO RIO DE JANEIRO:<br />

discurso, memória e i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>: gênese e afirmação. Dissertação (Mestrado)<br />

Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em Memória Social, <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral do Estado<br />

do Rio <strong>de</strong> Janeiro (UNIRIO). Rio <strong>de</strong> Janeiro, 2002.<br />

OLIVEIRA, Carmem Irene C. <strong>de</strong> ; ORRICO, Evelyn Goyannes Dill. Memória e<br />

discurso: um diálogo promissor. In: DODEBEI, Vera ; GONDAR, Jô (org). O que é<br />

memória social Rio <strong>de</strong> Janeiro: Contra Capa, 2005.<br />

ORLANDI, Eni P. Análise <strong>de</strong> discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Pontes,<br />

2007.<br />

______. As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. Campinas: Unicamp,<br />

2007.<br />

POLLAK, Michael. Memória e i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> social. Revista Estudos Históricos, Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro, n.10, p.200-212, 1992.<br />

PROST, Antoine. As palavras. In: RÉMOND, René. (Org.). Por uma história política.<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro: UFRJ : FGV, p. 295-330, 1996.<br />

ROUSSO, Henry. Revista Estudos Históricos, Rio <strong>de</strong> Janeiro, n. 17, 1996.<br />

61


Memória, Discursos e Instituições<br />

Diana <strong>de</strong> Souza Pinto<br />

Ao ser convidada para proferir a conferência Memória, Discursos<br />

e Instituições no II Seminário Memória, Documentação e Pesquisa:<br />

A <strong>Universida<strong>de</strong></strong> e os <strong>seus</strong> <strong>lugares</strong> <strong>de</strong> memória, indagueime<br />

sobre a contribuição que po<strong>de</strong>ria trazer para as reflexões como<br />

lingüista/analista do discurso, que trabalha na interface do discurso<br />

e <strong>de</strong> vários campos do conhecimento, a exemplo do Ensino <strong>de</strong> Língua<br />

Estrangeira, da Saú<strong>de</strong> Mental e recentemente da Memória Social,<br />

programa <strong>de</strong> pós-graduação no qual <strong>de</strong>senvolvo minhas pesquisas<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2006 na UNIRIO. Acrescente-se a isso o fato <strong>de</strong> que o<br />

encontro foi sediado na UFRJ, local que fomentou meu interesse<br />

pelo mundo da pesquisa e, sobretudo, pela pesquisa interdisciplinar.<br />

E neste percurso interdisciplinar, sempre esteve presente pessoal e<br />

profissionalmente, o meu interesse pelas estórias, pelas narrativas<br />

que as pessoas contam, pois, além <strong>de</strong> expressarem experiências<br />

pessoais <strong>de</strong> suas vidas (LABOV, 1967, 1972), <strong>seus</strong> afetos, elas também<br />

nos fornecem ricos subsídios sobre o lugar, a história, sobretudo<br />

o contexto institucional em que ocorrem e, assim, contribuem<br />

para o entendimento da memória social produzida em diferentes<br />

contextos institucionais, a exemplo da universida<strong>de</strong>, o tema <strong>de</strong>ste<br />

encontro. A partir <strong>de</strong>ste lugar da interdisciplinarida<strong>de</strong>, constitutivo<br />

da análise do discurso (GILL, 2000), e também do campo da Memória<br />

Social (GONDAR E DODEBEI, 2005), resolvi abordar aqui como<br />

exemplo para a reflexão um evento <strong>de</strong> fala (HYMES, 1974) ocorrido<br />

no âmbito da UFRJ recentemente. Antes, contudo, faz-se necessário<br />

esclarecer o que é um evento <strong>de</strong> fala. Hymes cunhou termo evento<br />

<strong>de</strong> fala para <strong>de</strong>screver “ativida<strong>de</strong>s ou aspectos <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s que são<br />

diretamente governados por regras ou normas para o uso da fala”<br />

(1974, p. 52). Ainda <strong>de</strong> acordo com o autor, a interpretação do que<br />

63


Diana <strong>de</strong> Souza Pinto<br />

está acontecendo no momento que interajo com o outro <strong>de</strong>pen<strong>de</strong><br />

fundamentalmente do tipo <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> em curso. O conhecimento<br />

do evento <strong>de</strong> fala integra a competência comunicativa dos falantes<br />

que abarca o código lingüístico, os recursos paralinguísticos (tom<br />

<strong>de</strong> voz, entonação, ritmo da fala, etc), a linguagem não verbal, assim<br />

como as habilida<strong>de</strong>s interacionais e o conhecimento da cultura e<br />

dos valores sociais compartilhados pelos elementos daquele grupo.<br />

Neste capítulo, tratarei do evento <strong>de</strong> fala cerimônia <strong>de</strong> colação<br />

<strong>de</strong> grau, uma prática comunicativa institucional (DREW ; HERITAGE,<br />

1992) no âmbito da universida<strong>de</strong> da qual fui personagem e que nos<br />

permite vislumbrar um pouco da vida/estória e da memória <strong>de</strong>sta<br />

instituição UFRJ. A eleição <strong>de</strong>ste evento, a cerimônia <strong>de</strong> formatura<br />

da Escola <strong>de</strong> Música da UFRJ, <strong>de</strong>ntre as inúmeras práticas comunicativas<br />

institucionais que integram a rotina <strong>de</strong>sta universida<strong>de</strong>,<br />

<strong>de</strong>ve-se, sobretudo, pela maneira como me <strong>de</strong>ixei afetar pelos vários<br />

elementos constitutivos <strong>de</strong>sta cerimônia, que passo a examinar<br />

com vocês a partir <strong>de</strong> agora.<br />

Fui convidada para a cerimônia <strong>de</strong> formatura da Escola <strong>de</strong><br />

Música da UFRJ DE 2007, por uma pessoa <strong>de</strong> minha família. Normalmente,<br />

<strong>de</strong>clinaria tal convite em função do dia (sábado) e hora<br />

(17:30) em época tão atribulada: volta <strong>de</strong> férias, alunos <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo<br />

dissertações, projetos <strong>de</strong> qualificação para serem lidos e comentados,<br />

entre outras tarefas. Porém, esse era um convite bastante especial:<br />

após concluir dois cursos <strong>de</strong> graduação, entre casamentos<br />

e filhas criadas, e após se aposentar <strong>de</strong> um emprego em uma instituição<br />

financeira pública, finalmente ela concluía ali uma estória<br />

<strong>de</strong> interrupções e retomadas, que agora ficavam <strong>de</strong>finitivamente<br />

para trás. Do ponto <strong>de</strong> vista familiar, do grupo <strong>de</strong> <strong>de</strong>z primas que<br />

fomos introduzidas a lições <strong>de</strong> piano em nossas infâncias, como<br />

parte integrante da educação <strong>de</strong> moças <strong>de</strong> uma dada geração e nível<br />

sócio-educacional no país, ela foi a única em quem a música <strong>de</strong><br />

fato ecoou. Ela, a prima mais velha, a quem eu, na minha infância,<br />

64


Memória, Discursos e Instituições<br />

implorava para que interrompesse <strong>seus</strong> estudos intermináveis e,<br />

aos meus olhos e ouvidos, maçantes, das escalas, para que tocasse,<br />

a pueril melodia do “Olha o Passo do Elefantinho” 1 , música <strong>de</strong> Henry<br />

Mancini, com letra do Trio Esperançam, jingle muito popular na<br />

década <strong>de</strong> 70.<br />

Passo então a relatar alguns momentos da cerimônia <strong>de</strong> formatura.<br />

O primeiro que <strong>de</strong>staco é o discurso <strong>de</strong> um professor homenageado<br />

que me chamou especial atenção. É fato que a estrutura<br />

retórica da fala <strong>de</strong> um convidado para um ritual <strong>de</strong> tal natureza se<br />

inicia, em geral, pelos agra<strong>de</strong>cimentos. Já nesse momento, o discurso<br />

(concebido aqui como prática social resultante da interação<br />

entre os participantes <strong>de</strong> um encontro face-a-face) <strong>de</strong>ste professor,<br />

se mostrou interessante pois, <strong>de</strong> fato, não foi um agra<strong>de</strong>cimento,<br />

mas uma manifestação explícita <strong>de</strong> sua emoção: ao tomar a palavra,<br />

comparou a felicida<strong>de</strong> que teve, ao receber aquele convite, com o<br />

nascimento <strong>de</strong> seu primeiro neto. Emoção que se intensificou pelo<br />

fato <strong>de</strong> ser uma turma que escolhera, como patrono, o músico, arranjador,<br />

compositor, professor e musicólogo César Guerra Peixe.<br />

Em momentos como o <strong>de</strong>scrito acima, ser analista do discurso<br />

configura-se como um problema, pois <strong>de</strong> imediato a seguinte pergunta<br />

se coloca: “Por que não tenho uma câmera <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o ou mesmo<br />

um gravador aqui” Seria tão importante gravar e transcrever,<br />

para posterior exame, com os recursos que a metodologia e a teoria<br />

nos fornecem, as estratégias usadas para causar aqueles efeitos <strong>de</strong><br />

sentido que impressionaram a platéia, como os incessantes aplausos,<br />

ao final <strong>de</strong> sua fala, evi<strong>de</strong>nciaram. Destacarei duas estratégias,<br />

em especial, pela relevância com o tema em questão, o discurso e a<br />

memória das instituições. A mensagem <strong>de</strong>ixada aos formandos, outra<br />

parte da estrutura retórica <strong>de</strong>sses tipos <strong>de</strong> discursos, fazia apelo<br />

à lembrança <strong>de</strong> dois pontos que o referido professor <strong>de</strong>stacou: o<br />

fato <strong>de</strong> que eles hoje eram o que eram - bacharéis e professores <strong>de</strong><br />

1 Para aqueles que não conhecem a música, cf. (http://meuwebsite.com.br/marciadp/trioesperanca.html).<br />

65


Diana <strong>de</strong> Souza Pinto<br />

Música - , “a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> várias forças po<strong>de</strong>rosas”, graças à formação<br />

em uma universida<strong>de</strong> pública e <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>, e <strong>de</strong> que aquela casa é<br />

e sempre será <strong>de</strong>les. Voltaremos a estes enunciados em breve.<br />

O gênero discursivo 2 discurso <strong>de</strong> formatura apresenta elementos<br />

constitutivos <strong>de</strong> naturezas verbal e não verbal que ilustram diferentes<br />

aspectos que estão presentes na categoria discurso, sob a<br />

ótica <strong>de</strong> uma lingüista/analista do discurso. Um pouco da estória da<br />

Lingüística se faz necessária aqui. Esta área <strong>de</strong> conhecimento, durante<br />

muito tempo, tratou da língua como estrutura, como sistema.<br />

A língua era então percebida como aquilo que é estável e homogêneo,<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do contexto 3 em que ela fosse usada e do modo<br />

em que ela se manifesta concretamente. Na Língua Portuguesa, por<br />

exemplo, o sintagma nominal é formado pelo artigo seguido pelo<br />

nome (o livro), e não o contrário (livro o). Em alemão, a formação da<br />

sentença se dá pelo sujeito, seguido <strong>de</strong> verbo auxiliar, os complementos<br />

verbais e no fim da frase temos o verbo principal (Ich habe<br />

das lessen verstehen; ich = sujeito, habe = verbo auxiliar, das lessen =<br />

objeto direto e vestehen= verbo principal). Estes são dois exemplos<br />

<strong>de</strong> formas estáveis em ambas as línguas. Nessa perspectiva estruturalista,<br />

a língua era concebida como objeto <strong>de</strong> estudo in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />

do contexto em que era usada. Não importava quem falou,<br />

em que circunstâncias, com que motivações, em que lugar e <strong>de</strong> que<br />

lugar, mas sim a forma utilizada. Sabemos que a estória <strong>de</strong> um campo<br />

<strong>de</strong> conhecimento está intimamente relacionada às condições<br />

<strong>de</strong> produção e, naquele momento, a corrente positivista (DENZIN;<br />

2 Os gêneros discursivos são tipos relativamente estáveis <strong>de</strong> enunciados marcados<br />

sócio-historicamente, visto que estão diretamente relacionados à diferentes situações<br />

sociais. Cada um dos padrões comunicativos <strong>de</strong>limita características temáticas,<br />

composicionais e estilísticas próprias (BAKHTIN,1992). Consi<strong>de</strong>ra-se também o conjunto<br />

<strong>de</strong> participantes, a intenção do autor/falante e o leitor/interlocutor en<strong>de</strong>reçado.<br />

3 Para maiores esclarecimentos sobre a noção <strong>de</strong> contexto, ver DURANTI & GOO-<br />

DWIN (1992) e RIBEIRO e PEREIRA (2004).<br />

66


Memória, Discursos e Instituições<br />

LINCOLN, 2000) ainda era <strong>de</strong>terminante na constituição dos saberes.<br />

Na década <strong>de</strong> 70 do século XX, contudo, com a contribuição<br />

fundamental <strong>de</strong> outras áreas do saber, tais como a Antropologia e<br />

a Sociologia, observa-se a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar a função da<br />

língua, ou seja, a língua em uso. As preocupações se voltam para o<br />

que falar e como falar, a partir da observação da força que as funções<br />

lingüísticas exercem nas socieda<strong>de</strong>s, Consi<strong>de</strong>ra-se, portanto, a<br />

fala, o discurso, como eminentemente uma ativida<strong>de</strong> social. A questão<br />

central para os estudiosos da comunicação em uma perspectiva<br />

discursiva é compreen<strong>de</strong>r como seres humanos empregam a língua<br />

para constituir os mundos socio-culturais nos quais habitamos. Os<br />

estudos <strong>de</strong> práticas discursivas orais ocupam lugar central nas investigações.<br />

Incluem-se aí aspectos contextuais, tais como o ambiente<br />

físico, a moldura social e espacial on<strong>de</strong> o encontro ocorre, o<br />

comportamento não verbal <strong>de</strong> participantes, entre outros.<br />

Do ponto <strong>de</strong> vista da análise do discurso em uma abordagem<br />

interacional e que objetiva a investigação dos processos constitutivos<br />

dos discursos institucionais 4 , interessa-nos saber como os participantes<br />

<strong>de</strong> uma instituição, ao utilizar a língua, moldam e mantêm<br />

suas condutas <strong>de</strong> acordo com a orientação para esses encontros<br />

institucionais.<br />

No exemplo do discurso <strong>de</strong> formatura, citado anteriormente,<br />

é relevante consi<strong>de</strong>rar alguns dos vários aspectos contextuais que<br />

cercam aquele momento. Em primeiro lugar, estamos diante do gênero<br />

discursivo discurso <strong>de</strong> formatura. Po<strong>de</strong>mos reconhecer vários<br />

traços/seqüências lingüísticas que nos fazem i<strong>de</strong>ntificar este gênero:<br />

os agra<strong>de</strong>cimentos iniciais, a mensagem, etc. Mas também há<br />

várias marcas/pistas <strong>de</strong> contextualização 5 não verbais que nos au-<br />

4 Para DREW e HERITAGE (1992), o discurso institucional é caracterizado pela realização<br />

<strong>de</strong> uma tarefa através da conversa.<br />

5 Pistas <strong>de</strong> contextualização, segundo GUMPERZ (1982), são traços <strong>de</strong> natureza sociolingüística<br />

que utilizamos para sinalizar nossas intenções comunicativas ou para<br />

inferir as intenções do outro. As escolhas lexicais, as pausas, hesitações, a curva melódica,<br />

a ênfase, assim como a direção do olhar, e a distância entre participantes são<br />

exemplos <strong>de</strong> pistas cujos usos e interpretações são culturalmente <strong>de</strong>finidos.<br />

67


Diana <strong>de</strong> Souza Pinto<br />

xiliam a interpretar aquela fala à luz <strong>de</strong> nossa experiência discursiva<br />

prévia como discurso <strong>de</strong> formatura: a beca, usada pelos professores<br />

homenageados e pelos alunos, o ambiente físico, o Salão Leopoldo<br />

Miguez da Escola <strong>de</strong> Música da UFRJ, e a disposição do mobiliário;<br />

a mesa para os homenageados, os grupos <strong>de</strong> ca<strong>de</strong>iras, parte para<br />

os formandos, parte para a audiência, etc. O cenário é fundamental<br />

para o reconhecimento <strong>de</strong>ste gênero discursivo. O discurso <strong>de</strong><br />

formatura é um exemplo <strong>de</strong> como o discurso, aqui consi<strong>de</strong>rado<br />

como categoria, atua sobre o mundo. Ela não representa o mundo,<br />

etiquetando-o e rotulando-o, como se fosse externa à linguagem<br />

(MARTINS, 2000), mas cria este mundo social a todo o momento.<br />

Os noticiários jornalísticos ilustram diariamente essa questão: ao falar<br />

do MST como ocupação ou assentamento, a simples escolha <strong>de</strong><br />

um ou outro substantivo implica escolhas político-i<strong>de</strong>ológicas, não<br />

constituindo, portando, mera <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong>. Nesta<br />

criação <strong>de</strong> mundos sociais através do uso da linguagem, realizamos<br />

várias ações: expressamos nossos afetos, elogiamos, cerceamos e<br />

celebramos a vida, como o orador em particular fez nesta ocasião.<br />

Como relacionar a discussão acima apresentada com a memória<br />

<strong>de</strong> uma instituição Criamos, recriamos, reiteramos e transformamos<br />

as instituições em que vivemos, a exemplo <strong>de</strong>sta universida<strong>de</strong>,<br />

através <strong>de</strong> uma enorme gama <strong>de</strong> práticas discursivas. De<br />

maneira geral, po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>finir práticas discursivas institucionais<br />

como a realização <strong>de</strong> uma tarefa através da interação (DREW; HERI-<br />

TAGE, 1992). A entrevista médica é um exemplo; consultamos este<br />

profissional para resolver um problema <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>; a ele (a) cabe, ancorado<br />

(a) em seu saber e sua prática, nos orientar. Em uma prática<br />

comunicativa institucional, pelo menos um dos participantes <strong>de</strong>sta<br />

interação <strong>de</strong>ve ser membro da instituição (no caso que motiva<br />

nossa reflexão, professor, funcionário, aluno). É importante <strong>de</strong>stacar<br />

que a caracterização dos discursos como institucionais não está vinculada<br />

ao ambiente físico em que ele ocorre. É possível termos, por<br />

exemplo, uma sessão <strong>de</strong> orientação acadêmica durante um almoço,<br />

68


Memória, Discursos e Instituições<br />

em um restaurante. O que importa, para esta categorização, são as<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s sociais e profissionais em atuação.<br />

As práticas discursivas institucionais po<strong>de</strong>m ser escritas ou<br />

orais. No âmbito universitário, no primeiro caso, encontram-se as<br />

portarias, os regimentos, as <strong>de</strong>clarações, os memorandos, os diplomas,<br />

para citar algumas. É o que tradicionalmente chamamos <strong>de</strong><br />

“documentos”, no seu sentido mais limitado, <strong>de</strong> prova documental<br />

(LE GOFF, 1984) a partir <strong>de</strong> uma perspectiva positivista. E os discursos<br />

institucionais orais Estes são <strong>de</strong> diferentes naturezas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os<br />

mais planejados até os mais comezinhos, aos quais, em geral, não<br />

é atribuído o estatuto <strong>de</strong> documento, em uma instituição que prima<br />

pelo letramento. As aulas, as reuniões entre professores, entre<br />

alunos, entre todos os membros das comunida<strong>de</strong>s universitárias, as<br />

<strong>de</strong>fesas <strong>de</strong> dissertação e tese, as conversas informais na cantina, as<br />

conversas <strong>de</strong> faxineiras, porteiros, seguranças e ascensoristas, dos<br />

“humanos quase invisíveis”, como o chamou o jornalista Gilberto Dimenstein<br />

em seu livro O mistério das bolas <strong>de</strong> gu<strong>de</strong>. Toda esta gama<br />

<strong>de</strong> diferentes gêneros discursivos orais, circunscrita por <strong>de</strong>terminadas<br />

condições <strong>de</strong> produção, está a todo momento ajudando a<br />

constituir memórias das instituições universitárias, uma memória<br />

difusa, não organizada, ainda não documentada/registrada e mais,<br />

que ainda não se tornou objeto sistemático <strong>de</strong> nossas preocupações<br />

acadêmicas. São narrativas consi<strong>de</strong>radas marginais, à margem<br />

do que estruturalmente concebemos como relevante para nossas<br />

pesquisas, mas que concentram uma riqueza <strong>de</strong> sentidos, valores<br />

e crenças que, por um lado, permeiam as instituições que possibilitam<br />

seu surgimento e que, por outro, recriam os <strong>lugares</strong> institucionais<br />

<strong>de</strong> on<strong>de</strong> falam.<br />

Vamos ampliar nossa análise e incluir outros gêneros discursivos<br />

integrantes da cerimônia <strong>de</strong> formatura da Escola <strong>de</strong> Música da<br />

UFRJ <strong>de</strong> 2007. Nesta cerimônia, o homenageado especial foi Seu<br />

João da cantina. No convite, após a foto <strong>de</strong> Seu João retratado em<br />

sua cantina, seguem as palavras dos formandos dirigidas a ele: “É só<br />

69


Diana <strong>de</strong> Souza Pinto<br />

<strong>de</strong>ixar no Seu João!” Deixar uma partitura, um texto, o instrumento...<br />

É o nosso guarda volumes, inclusive <strong>de</strong> documentos e informações<br />

preciosas, sem contar com as longas contas penduras! Definitivamente,<br />

a comunicação na Escola <strong>de</strong> Música <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da cantina<br />

<strong>de</strong> Seu João. Justamente por isso homenageamos essa figura tão<br />

representativa nos servindo sempre com muito carinho. Até mais<br />

seu João”.<br />

A maioria <strong>de</strong> nós já graduados, que passou por uma universida<strong>de</strong><br />

ou ainda está nela, tem um Seu João que faz parte <strong>de</strong> nossas<br />

memórias da época da faculda<strong>de</strong>. Um bar das Freiras, na PUC-RJ,<br />

o Ciro da cantina do IPUB/UFRJ, o sujinho para a os estudantes da<br />

UFRJ do Campus da Praia Vermelha. Estes são espaços institucionais<br />

on<strong>de</strong> vários encontros sociais ocorrem, nos quais freqüentemente<br />

se sobrepõem conversas informais, com colegas, por exemplo, e<br />

discursos institucionais que objetivam a discussão <strong>de</strong> temas profissionais<br />

e nos quais utilizamos a linguagem para atuar, operacionalizando<br />

nossas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s sociais / institucionais (MISHLER, 2002;<br />

SARANGI ; ROBERTS, 1999).<br />

Na homenagem especial a Seu João, observamos uma construção<br />

discursiva que lhe projeta várias outras i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s que<br />

transcen<strong>de</strong>m o aspecto profissional do funcionário / proprietário<br />

<strong>de</strong> um estabelecimento, Seu João da cantina. A fala acima <strong>de</strong>stacada<br />

o posiciona como guardião <strong>de</strong> “informações preciosas”, objetos<br />

materiais quase sagrados para os alunos <strong>de</strong> Música: “a partitura”, “o<br />

instrumento”. A lista <strong>de</strong> objetos passíveis <strong>de</strong> serem guardados é finalizada<br />

então com “as contas penduras”, sendo evocada então a<br />

generosida<strong>de</strong> e o carinho <strong>de</strong> Seu João. E finalmente os alunos se<br />

<strong>de</strong>spe<strong>de</strong>m com uma expressão formulaica (GUMPERZ, 1982) - Até<br />

mais Seu João - que não sinaliza um a<strong>de</strong>us, mas sim um até breve,<br />

voltamos já. É interessante observar que toda a homenagem<br />

é realizada no tempo presente: é uma homenagem a alguém que<br />

participou intensamente <strong>de</strong> uma época que se encerra, portanto,<br />

no passado, mas que é atualizada discursivamente no presente,<br />

70


Memória, Discursos e Instituições<br />

sugerindo perenida<strong>de</strong>, permanência. Trata-se <strong>de</strong> mais um capítulo<br />

da Memória Social daquela Escola que está sendo incessantemente<br />

construída, interpretada, reiterada em um processo social realizado<br />

continuamente.<br />

O conceito Memória Social é, sobretudo, polissêmico. Halbwachs<br />

(2004) foi o primeiro a observar, <strong>de</strong> forma sistemática, o aspecto<br />

social da memória. Até então a memória era concebida como um<br />

fenômeno individual e subjetivo. Ao consi<strong>de</strong>rar a memória coletiva<br />

resultado da interação social entre indivíduos, insere-a nos processos<br />

sociais. Assim, para ele, não existe lembrança sem socieda<strong>de</strong> e,<br />

portanto, memória e linguagem são indissociáveis. As lembranças<br />

<strong>de</strong>vem ser observadas a partir <strong>de</strong> representações coletivas, <strong>de</strong> convenções<br />

sociais, <strong>de</strong> quadros sociais dos grupos, isto é, o já estabelecido,<br />

os elementos <strong>de</strong> tradição 6 . Por outro lado, o referido autor<br />

apontou que essas lembranças do passado são construções continuamente<br />

realizadas à luz do presente.<br />

Gondar (2005), em seu texto “Quatro proposições sobre memória<br />

social”, <strong>de</strong>staca que a memória, como processo <strong>de</strong> construção<br />

social, implica um jogo <strong>de</strong> forças, um campo <strong>de</strong> disputa, <strong>de</strong> enfrentamentos.<br />

Esta memória social e processual é constituída <strong>de</strong> vários<br />

discursos, pequenos gestos, conversas informais e narrativas que<br />

tematizam <strong>de</strong>sejos, expressam sentidos, marcam presenças, etc.<br />

Estamos falando <strong>de</strong> histórias <strong>de</strong>scontínuas, <strong>de</strong> narrativas contadas<br />

por cada um <strong>de</strong> nós, sujeitos <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>s industriais pós-mo<strong>de</strong>rnas<br />

(HALL, 2002), sujeitos multifacetados, não lineares, cujas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s<br />

são vivenciadas em um contínuo fluxo <strong>de</strong> tensões e contradições<br />

nos diversos mundos sociais que habitamos; não somos<br />

coerentes, progressivos e lineares. Estamos atolados <strong>de</strong> <strong>de</strong>svios,<br />

vazios e hiatos (MISHLER, 2002). Para o autor, ao contarmos as estórias,<br />

ao narrarmos eventos, nos “reistoricizamos” diante <strong>de</strong> nossos<br />

interlocutores, atribuindo às narrativas diferentes significados ao<br />

6 Os quadros <strong>de</strong> memória, segundo Halbwachs, são sistemas <strong>de</strong> valores que unificam<br />

dados grupos sociais (HALBWACHS, 1925).<br />

71


Diana <strong>de</strong> Souza Pinto<br />

longo das mesmas. Retomando Paul Ricoeur, citado por Mishler,<br />

“O passado não está gravado em pedra”. Memória e esquecimento<br />

estão indissoluvelmente ligados. O que nos faz lembrar <strong>de</strong> certas<br />

coisas e esquecer outras Para Gondar, “há sempre uma concepção<br />

<strong>de</strong> memória social implicada na escolha do que lembrar e do que<br />

esquecer” (2005, p. 17). Como po<strong>de</strong>mos pensar, então, estes dois<br />

conceitos <strong>de</strong> Memória Social para iluminar nossa breve análise aqui<br />

empreendida<br />

Retornemos mais uma vez à nossa cerimônia <strong>de</strong> formatura, o<br />

evento comunicativo em questão. Por um lado, temos várias pistas<br />

não verbais que nos ajudam a refletir sobre qual memória da instituição<br />

universida<strong>de</strong>, mais especificamente, a UFRJ, e mais especificamente<br />

ainda, da Escola <strong>de</strong> Música, está sendo evocada, reiterada,<br />

silenciada e recriada neste evento. Vamos agora observar a moldura<br />

espacial, o ambiente físico em que ela foi realizada: no prédio da Escola<br />

<strong>de</strong> Música da universida<strong>de</strong>, no Passeio, no belo Salão Leopoldo<br />

Miguéz,. O web site 7 da Escola nos informa:<br />

“Bem-vindo ao website da Escola <strong>de</strong> Música da<br />

UFRJ. Aqui você po<strong>de</strong>rá conhecer um pouco da história e<br />

do trabalho da mais antiga instituição <strong>de</strong> ensino musical<br />

do Brasil, além <strong>de</strong> obter informações sobre <strong>seus</strong> cursos - da<br />

Iniciação Musical à Pós-Graduação - , sobre sua produção artística,<br />

sobre o calendário <strong>de</strong> eventos, sobre <strong>seus</strong> produtos e<br />

serviços, em geral. Localizada no centro do Rio <strong>de</strong> Janeiro, a<br />

Escola <strong>de</strong> Música da UFRJ integra o Corredor Cultural da<br />

cida<strong>de</strong>, sendo seu prédio tombado pelo Patrimônio Histórico<br />

Municipal. Tem como vizinhos outras instituições importantes<br />

como o Theatro Municipal, a Sala Cecília Meireles, o Museu da<br />

Imagem e do Som, a Aca<strong>de</strong>mia Brasileira <strong>de</strong> Música e o Instituto<br />

Histórico e Geográfico Brasileiro. Como moldura, o Passeio<br />

Público e os Arcos da Lapa.”<br />

7 www.musica.ufrj.br, acessado em 19/04/2008. Em 15/08/2008 o mesmo site já<br />

apresentava modificações substanciais em seu texto, que não integram a análise<br />

aqui apresentada.<br />

72


Memória, Discursos e Instituições<br />

Observemos a construção discursiva da apresentação institucional<br />

da Escola. A expressão “a instituição mais antiga <strong>de</strong> ensino<br />

musical do Brasil” remete o leitor à história da formação do campo<br />

musical no país, inscrevendo-a em um sistema <strong>de</strong> valores ao qual<br />

tradição, renome e antiguida<strong>de</strong> estão associados. Em seguida,<br />

inscreve o prédio na memória arquitetônica da cida<strong>de</strong>, fazendo<br />

menção à geografia da antiga capital da República nacional ao<br />

elencar alguns dos prédios/construções famoso (a)s em seu entorno.<br />

Assim, além <strong>de</strong> ser a mais antiga do campo, seu prédio tombado,<br />

ou seja, <strong>de</strong> reconhecido valor patrimonial, é listado juntamente a<br />

outras instituições que marcaram o cenário da música nacional,<br />

emoldurado ainda por uma das paisagens que figuram nos cartões<br />

postais da cida<strong>de</strong>, os Arcos da Lapa. Em outro local do site, é informado<br />

ao leitor que aquele prédio abrigou a Biblioteca Nacional, um<br />

lugar <strong>de</strong> memória, como nos diz Nora (1993), por excelência.<br />

Observemos agora o que nos diz o site sobre o Salão Leopoldo<br />

Miguez:<br />

“O Salão Leopoldo Miguéz, uma das mais importantes<br />

salas <strong>de</strong> concertos do país, conhecido pela excelência<br />

<strong>de</strong> sua acústica, foi inaugurado em 1922, na administração<br />

<strong>de</strong> Abdon Milanez. Inspirado na Sala Gaveau, <strong>de</strong> Paris, seu interior<br />

é <strong>de</strong>corado com afrescos <strong>de</strong> Antônio Parreiras e Carlos<br />

Oswald (...) Nos últimos anos <strong>de</strong>u-se início à reforma geral do<br />

prédio <strong>de</strong> 1922, com a restauração <strong>de</strong> suas características originais,<br />

projeto patrocinado pela Petrobrás.”<br />

Mais uma vez, <strong>de</strong>staca-se, com relação ao espaço, as qualida<strong>de</strong>s<br />

da sala: a excelente acústica, no quesito funcionalida<strong>de</strong>, e o caráter<br />

estético, em particular a estética francesa; ambas as <strong>de</strong>scrições que<br />

nos remetem a um passado glorioso daquela sala. Um fato interessante<br />

é que os afrescos, que ficam ao fundo da sala, estavam, no dia<br />

da formatura, cobertos com um gran<strong>de</strong> plástico preto. Este plástico,<br />

associado a ca<strong>de</strong>iras brancas <strong>de</strong> plástico colocadas no local para<br />

comportar o público esperado, formava um contraste inquietante<br />

73


Diana <strong>de</strong> Souza Pinto<br />

e perturbador com o restante do auditório já reformado. Marcas <strong>de</strong><br />

tradição conviviam, naquele dia da cerimônia, com as marcas do<br />

improviso.<br />

Com relação ao salão on<strong>de</strong> foi realizada a cerimônia <strong>de</strong> formatura,<br />

o Salão Leopoldo Miguéz, o site institucional nos informa que<br />

ele teve seu nome em<br />

“homenagem ao compositor Leopoldo Miguéz<br />

(1850-1902), primeiro diretor do Instituto Nacional <strong>de</strong> Música,<br />

que empreen<strong>de</strong>u uma viagem à Europa para visitar<br />

conservatórios e recolher sugestões para serem aplicadas ao<br />

ensino, adquirindo, nessa viagem, instrumentos, aparelhos<br />

<strong>de</strong> acústica e livros para o Instituto. Miguez também foi o responsável<br />

pela compra <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> órgão <strong>de</strong> tubos da marca<br />

Wilhelm Sauer, que ofereceu ao Instituto, como prêmio que<br />

ganhou pelo primeiro lugar no concurso que escolheu o Hino<br />

à Proclamação da República.”<br />

O personagem em questão nos é apresentado como compositor<br />

premiado, <strong>de</strong> fundamental importância na constituição da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

nacional, já que foi o autor do Hino da República, diretor do<br />

Instituto, empreen<strong>de</strong>dor, homem <strong>de</strong> visão, educador, etc.<br />

Em ambas as apresentações, do espaço e do personagem, a<br />

história oficial institucional narrada evoca um sistema <strong>de</strong> valores<br />

constituídos por marcas <strong>de</strong> distinção relativas ao ambiente físico,<br />

aos aspectos temporal, da antiguida<strong>de</strong>, e dos personagens eleitos<br />

para figurarem ali, que apontam para algo da or<strong>de</strong>m do construído,<br />

sugerindo uma unificação <strong>de</strong>ste grupo social da Escola <strong>de</strong> Música.<br />

Como sugeriu Halbwachs (2004), a memória coletiva é um importante<br />

instrumento <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s, e o conjunto<br />

<strong>de</strong> pistas que integraram a cerimônia em questão, algumas das<br />

quais <strong>de</strong>staquei aqui, aponta para um grupo social que, ao organizar<br />

tal evento tão importante em suas vidas, se i<strong>de</strong>ntifica com substratos<br />

comuns, associados a uma dada memória coletiva “estável”<br />

que olha com orgulho para um passado institucional on<strong>de</strong> foram<br />

74


Memória, Discursos e Instituições<br />

educados, formados profissionalmente e reiteram elementos que<br />

os iluminarão em suas carreiras profissionais na construção <strong>de</strong> <strong>seus</strong><br />

próprios projetos futuros. A beca, que todos vestiam indistintamente,<br />

oradores, professores homenageados e formandos, por exemplo,<br />

simboliza uma a<strong>de</strong>são a um acordo tácito coletivo, pautado pelos<br />

critérios <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>, disciplina, <strong>de</strong>dicação, sistemas <strong>de</strong> valores<br />

instituídos <strong>de</strong> acordos legitimadores.<br />

E qual é o papel da memória social na dinâmica social <strong>de</strong>sta<br />

instituição se analisarmos o evento cerimônia <strong>de</strong> formatura A cerimônia<br />

em questão é uma rememoração, lembranças que se valem<br />

dos quadros <strong>de</strong> memória que os antece<strong>de</strong>m; nesta cerimônia,<br />

encontram-se conjugadas diferentes dimensões temporais: passado,<br />

presente e futuro. A vivacida<strong>de</strong> do acontecimento é que se<br />

lembra e se reitera. Este futuro, além <strong>de</strong> estar presente no objetivo<br />

comunicativo do evento formatura (ou seja, ambiciona jogar os formandos<br />

na vida profissional futura), se materializou na formatura<br />

através <strong>de</strong> vários cartazes que eram levantados <strong>de</strong> quando em vez<br />

para a audiência. Esses cartazes retratavam falas comuns a alunos<br />

naquele contexto acadêmico, ora rememorando, através <strong>de</strong> falas<br />

corriqueiras, as i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> alunos, por exemplo, “Prof, qual foi<br />

minha nota”, ora celebrando o fim da fase estudantil “Aleluia”.<br />

A música “Aleluia’ <strong>de</strong> Haen<strong>de</strong>l, cantada ao final da cerimônia<br />

por todos os formandos, parece reiterar a alegria <strong>de</strong> se<br />

livrarem das cobranças, dos prazos apertados, das horas intermináveis<br />

<strong>de</strong> ensaios, etc. Regidos pela Profª Sonia Goulart,<br />

com o arranjo dos músicos populares Michael Jackson, Mervyn<br />

Warren e Mark Kibble, aquela apresentação era uma conjugação<br />

<strong>de</strong> uma música clássica em ritmo popular que contagiou<br />

toda a platéia. O fim musical da cerimônia, como não po<strong>de</strong>ria<br />

<strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser, parece-me icônico para pensarmos o conceito<br />

<strong>de</strong> Memória Social: configura uma dimensão <strong>de</strong> alteração, <strong>de</strong><br />

embates, <strong>de</strong> diversida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> confronto, <strong>de</strong> criação e <strong>de</strong> potência,<br />

constantes na vida social/institucional na medida em que<br />

75


Diana <strong>de</strong> Souza Pinto<br />

conjuntamente, os alunos e a professora, construíram, <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong> muitos esforços para encontrarem horas comuns para os<br />

ensaios, como ela mesma relatou na ocasião, a fim <strong>de</strong> criar uma<br />

interpretação institucional daquela turma <strong>de</strong> música, a partir<br />

<strong>de</strong> uma peça musical referendada pela Memória Social do campo<br />

da música.<br />

Nesta breve análise, <strong>de</strong>paramo-nos com a memória social <strong>de</strong><br />

um dado grupo constituída por representações coletivas institucionalmente<br />

legitimadas com a produção <strong>de</strong> um novo, que integra a<br />

concepção <strong>de</strong> memória como processo que adotei aqui. Toda esta<br />

breve análise dos elementos não verbais não significa dizer que não<br />

há aspectos <strong>de</strong> disputas e <strong>de</strong> conflitos. Falar <strong>de</strong> discurso institucional,<br />

neste contexto universitário, e <strong>de</strong> memória social, em nossa socieda<strong>de</strong>,<br />

implica aceitarmos que nos posicionamos ética e politicamente,<br />

reconhecendo que “toda perspectiva envolve a escolha <strong>de</strong><br />

um passado e aposta em um futuro” (GONDAR, 2005).<br />

Vamos agora retornar ao discurso verbal do orador Profº Samuel<br />

Araújo. O orador /professor homenageado, em sua fala, <strong>de</strong>stacou<br />

dois aspectos: a) uma relação <strong>de</strong> causalida<strong>de</strong> entre a formação<br />

<strong>de</strong> bacharéis e professores em Música e a instituição que os formou,<br />

uma universida<strong>de</strong> pública e <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> várias “forças<br />

po<strong>de</strong>rosas” e b) que aquela casa é e sempre será <strong>de</strong>les. Cabe-nos perguntar<br />

então: <strong>de</strong> que lugar ele fazia o apelo à lembrança <strong>de</strong>stes dois<br />

pontos Inicialmente, ao explicitar um embate, através das expressões<br />

“a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> várias forças po<strong>de</strong>rosas” e reafirmar universida<strong>de</strong><br />

pública e <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>, ele tematiza interdiscursos (PECHEUX, 1988),<br />

já-ditos, que integram a experiência universitária brasileira <strong>de</strong> lutas<br />

incessantes contra a privatização do ensino universitário constantes<br />

no cenário político contemporâneo. Adota um posicionamento<br />

/ comprometimento ético e político ao utilizar sua fala <strong>de</strong> orador<br />

para “agir sobre o mundo” em <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> uma instituição centenária<br />

e <strong>de</strong> tudo que ela representa no universo acadêmico da música.<br />

Implicitamente, portanto, lembra aos formandos e à audiência que<br />

76


Memória, Discursos e Instituições<br />

os embates no campo universitário são montagens sociais que surgem<br />

<strong>de</strong> dadas condições <strong>de</strong> produção sócio-políticas daqueles que<br />

nos prece<strong>de</strong>ram, e que a memória da instituição <strong>de</strong> ensino público<br />

<strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> assim foi formada.<br />

Em sua segunda lembrança (que aquela casa é e sempre será<br />

<strong>de</strong>les), em uma fala que en<strong>de</strong>reça aos formandos como <strong>seus</strong> interlocutores<br />

primários, nomeia a universida<strong>de</strong>, mais precisamente a<br />

Escola <strong>de</strong> Música, como a casa <strong>de</strong>les, utilizando uma expressão formulaica,<br />

que sinaliza intimida<strong>de</strong> da parte <strong>de</strong> quem fala, convidando-os<br />

ao eterno (sempre) retorno. Tais expressões são comuns em<br />

situações familiares, quando, por exemplo, o filho sai <strong>de</strong> casa e os<br />

pais <strong>de</strong>ixam-lhe as portas abertas. Ao enunciar esta elocução, temporariamente<br />

há uma suspensão discursiva da hierarquia acadêmica<br />

fortemente marcada nas instituições universitárias pela titulação<br />

(para ter voz e ascen<strong>de</strong>r profissionalmente é necessário os diplomas<br />

<strong>de</strong> Mestrado, Doutorado e pós-doutorado, <strong>de</strong> preferência) para dar<br />

espaço a um discurso mais simétrico entre profissionais.<br />

Enten<strong>de</strong>r os processos discursivos na constituição da memória<br />

social <strong>de</strong> uma instituição, a partir da investigação <strong>de</strong> um evento<br />

comunicativo, como uma cerimônia <strong>de</strong> colação <strong>de</strong> grau, ajuda-nos<br />

a refletir sobre como significados consi<strong>de</strong>rados “universais” na contemporaneida<strong>de</strong><br />

(tais como economia globalizada, avanço tecnológico,<br />

entre outros) são também responsáveis pelo esquecimento<br />

sistemático ou pelo silenciamento / naturalização <strong>de</strong> temas fundamentais<br />

como educação e saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> gratuitas para todos<br />

em uma socieda<strong>de</strong> que se preten<strong>de</strong> justa e <strong>de</strong>mocrática. A luta pelo<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> políticas públicas sistemáticas e consistentes<br />

para as áreas sociais, tais como a educação, é uma necessida<strong>de</strong> inerente<br />

ao <strong>de</strong>sempenho ético e político <strong>de</strong> nossas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s profissionais<br />

que são operacionalizadas nos nossos discursos, gestos<br />

e sonhos.<br />

Apresentei aqui um breve exemplo <strong>de</strong> como a análise do discurso<br />

<strong>de</strong> uma cerimônia <strong>de</strong> formatura da Escola <strong>de</strong> Música <strong>de</strong>sta<br />

77


Diana <strong>de</strong> Souza Pinto<br />

universida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> nos auxiliar a compreen<strong>de</strong>r os processos <strong>de</strong><br />

constituição <strong>de</strong> memórias institucionais. Ao <strong>de</strong>stacar um conjunto<br />

<strong>de</strong> pistas verbais e não verbais, como o convite, os discursos, o<br />

cenário, procurei mostrar que as rotinas institucionais ocupam um<br />

lugar central na formação <strong>de</strong> nossas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s sociais e, conseqüentemente,<br />

na memória discursiva <strong>de</strong> uma dada instituição.<br />

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78


Memória, Discursos e Instituições<br />

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79


Memória, preservação e<br />

uso das edificações históricas da UFRJ<br />

Maria Ângela Dias<br />

Este trabalho apresenta a atuação da Divisão <strong>de</strong> Preservação<br />

<strong>de</strong> Imóveis Tombados no Escritório Técnico da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral<br />

do Rio <strong>de</strong> Janeiro (DIPRIT/ETU) como um lugar <strong>de</strong> memória do patrimônio<br />

arquitetônico histórico da UFRJ e sugere a criação <strong>de</strong> um<br />

Centro <strong>de</strong> Estudos e Memória dos Bens Culturais da <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />

como ampliação do universo <strong>de</strong> sua atuação.<br />

Introdução<br />

Ao longo <strong>de</strong> sua existência a UFRJ incorporou ao seu patrimônio<br />

vários imóveis, sendo alguns reconhecidos como edificações<br />

históricas. Essas edificações, em sua maioria, sofreram múltiplas<br />

transformações provocadas por mudanças sociais, culturais, políticas<br />

e tecnológicas.<br />

Como exemplo disso po<strong>de</strong>mos observar, entre outros, o antigo<br />

prédio que <strong>de</strong> Hospício (1852) transformou-se num Complexo<br />

Acadêmico (1949), hoje Palácio Universitário, ou ainda O Hotel Sete<br />

<strong>de</strong> Setembro (1921-1922), na Av. Rui Barbosa 762, no bairro do Flamengo,<br />

que passou a ser Internato da Escola Ana Néri (1926-1972),<br />

posteriormente Casa do Estudante Universitário (1972-1995) e atualmente,<br />

em restauro <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2002, abriga o Centro Brasileiro <strong>de</strong> Altos<br />

Estudos. Aliás, repetindo o que ocorre em outros países, on<strong>de</strong><br />

os templos gregos e romanos foram transformados em igrejas, os<br />

conventos em fábricas e <strong>de</strong>pois em apartamentos, os silos em hotéis<br />

e os moinhos em restaurantes.<br />

Portanto, a prática da transformação tem sido reconhecida<br />

como uma forma <strong>de</strong> se renovar a edificação e <strong>de</strong> satisfazer às novas<br />

81


Maria Ângela Dias<br />

necessida<strong>de</strong>s funcionais. Porém, compatibilizar essas necessida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> intervenção com os cuidados que um imóvel histórico requer é<br />

sempre um gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>safio que envolve profissionais <strong>de</strong> várias áreas<br />

e custos elevados.<br />

A tarefa <strong>de</strong> restaurar e adaptar os espaços históricos da UFRJ<br />

foi sempre uma <strong>de</strong>cisão isolada <strong>de</strong> pessoas, ou <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong> pessoas<br />

abnegadas (arquitetos, professores, administradores) que sensibilizadas<br />

pela beleza e importância histórica das edificações se<br />

dispunham a trabalhar por sua preservação.<br />

Para congregar esses esforços isolados, num mesmo setor da<br />

UFRJ, institucionalmente constituído, foi criada, em 2004, a Divisão<br />

<strong>de</strong> Preservação <strong>de</strong> Imóveis Tombados - DIPRIT, no Escritório Técnico<br />

da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> - ETU que, sob a coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> um diretor e<br />

a atuação <strong>de</strong> uma equipe <strong>de</strong> profissionais <strong>de</strong> restauro, <strong>de</strong>senvolve<br />

trabalhos <strong>de</strong> levantamento físico, mapeamento <strong>de</strong> danos e elaboração<br />

<strong>de</strong> diretrizes <strong>de</strong> preservação e uso para cada um dos bens tombados<br />

da UFRJ, formando, assim, um banco <strong>de</strong> dados sobre esse<br />

patrimônio histórico e constituindo a memória <strong>de</strong> sua existência.<br />

Lugar <strong>de</strong> memória<br />

Como representante oficial da UFRJ na interlocução com o<br />

IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional),<br />

INEPAC (Instituto Estadual do Patrimônio Cultural) e SEDREPAHC<br />

(Secretaria Extraordinária <strong>de</strong> Patrimônio Cultural), a DIPRIT possui,<br />

hoje, um importante arquivo com todas as solicitações <strong>de</strong> projetos<br />

<strong>de</strong> restauração e intervenção nos prédios tombados da UFRJ que<br />

são encaminhas para os órgãos <strong>de</strong> tutela. Da mesma forma reune<br />

todas as exigências e aceites dos referidos órgãos <strong>de</strong> tutela e os encaminha<br />

para o setor correspon<strong>de</strong>nte da UFRJ.<br />

Cabe <strong>de</strong>stacar a importância <strong>de</strong>sta centralização, não só pela<br />

questão da organização e arquivamento dos documentos, mas<br />

também pela sistematização dos procedimentos <strong>de</strong> interlocução.<br />

Anteriormente, o diálogo com os órgãos <strong>de</strong> tutela era pontual, di-<br />

82


Memória, Preservação e Uso das Edificações Históricas da UFRJ<br />

retamente com cada um dos responsáveis pela restauração <strong>de</strong> cada<br />

prédio histórico e muitas vezes na forma oral.<br />

As ações da DIPRIT são fundamentadas em várias etapas <strong>de</strong><br />

pesquisa e têm como objetivo elaborar, para cada edificação histórica,<br />

um plano <strong>de</strong> diretrizes que permita orientar as intervenções<br />

necessárias e/ou <strong>de</strong>sejáveis, estabelecendo critérios para restauração<br />

e uso do bem tombado.<br />

Entre esses procedimentos estão:<br />

• i<strong>de</strong>ntificação e diagnóstico da edificação que inclui: a pesquisa<br />

histórica, iconográfia e cromática (prospecção); a arqueologia<br />

(quando necessária);<br />

•<br />

documentação e visualização que inclui: a elaboração das<br />

plantas, cortes e fachadas do edifício (levantamento físico);<br />

relatório <strong>de</strong> diagnóstico, contendo a totalida<strong>de</strong> das informações<br />

pesquisadas (situação do imóvel, mapeamento<br />

<strong>de</strong> danos); e estimativa orçamentária para realização da<br />

restauração;<br />

As práticas <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong>sses procedimentos viabilizam,<br />

como mencionado acima, a formação <strong>de</strong> um banco <strong>de</strong> dados e<br />

constroem a memória do patrimônio arquitetônico histórico. Além<br />

disso, elas contribuem para: abertura <strong>de</strong> campo <strong>de</strong> pesquisa para<br />

mestrandos e doutorandos; realização <strong>de</strong> estágios supervisionados<br />

para graduandos; qualificação <strong>de</strong> profissionais <strong>de</strong> arquitetura, engenharia,<br />

belas artes; composição da base para realização <strong>de</strong> cursos<br />

<strong>de</strong> especialização em restauro.<br />

Constituem universo <strong>de</strong> atuação da DIPRIT os imóveis históricos<br />

que a UFRJ tem a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> preservar. São eles (dados<br />

fornecidos pelo ETU):<br />

83


Maria Ângela Dias<br />

01. Colégio Brasileiro <strong>de</strong> Altos Estudos - Antigo Hotel Sete <strong>de</strong><br />

Setembro<br />

Av. Rui Barbosa, 762 – Flamengo / RJ<br />

Processo <strong>de</strong> Tombamento INEPAC n° E-03/111.357/83 <strong>de</strong> 15/06/89<br />

Área: 5.405 m 2 . Sofreu várias transformações <strong>de</strong> uso. Ainda está em processo <strong>de</strong><br />

restauro. Obteve o patrocínio da Eletrobrás e Petrobrás, num total aproximado <strong>de</strong><br />

R$6.000.000,00 e necessita <strong>de</strong> R$ 9.000.000,00 para completar a última fase do projeto<br />

<strong>de</strong> restauro.<br />

02. Hospital Escola São Francisco <strong>de</strong> Assis<br />

Av. Presi<strong>de</strong>nte Vargas, 2863 - Cida<strong>de</strong> Nova / RJ<br />

Processo <strong>de</strong> Tombamento IPHAN n° 978/T.78, inscrição n°490, Livro Histórico, folha<br />

86, e inscrição n°554, volume 11, folha 05, Livro <strong>de</strong> Belas Artes, <strong>de</strong> 23/06/83.<br />

Área: 9.423 m 2<br />

84


Memória, Preservação e Uso das Edificações Históricas da UFRJ<br />

03. Escola Nacional <strong>de</strong> Música<br />

Rua do Passeio, 98- Centro / RJ.<br />

Processo <strong>de</strong> Tombamento SEDREPHAC n° 12/004034/92 - Decreto 12.802 <strong>de</strong><br />

15/04/92<br />

Área: 3.787 m 2<br />

85


Maria Ângela Dias<br />

04. Instituto <strong>de</strong> Filosofia e Ciências Sociais<br />

Largo <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula, n°1 - Centro / RJ.<br />

Processo <strong>de</strong> Tombamento INEPAC n° E-03/011.357/83 <strong>de</strong> 15/06/89<br />

Processo <strong>de</strong> Tombamento IPHAN 615-T, inscrição. n° 342, Livro Histórico, folha 567<br />

<strong>de</strong> 11/04/62<br />

Área: 11.868 m 2<br />

05. Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Direito<br />

Rua Moncorvo Filho, n° 02 - Centro / RJ.<br />

Processo <strong>de</strong> Tombamento INEPAC n° E-03/031.267/83 <strong>de</strong> 27/01/88<br />

Área: 5.483 m 2<br />

86


Memória, Preservação e Uso das Edificações Históricas da UFRJ<br />

06. Escola <strong>de</strong> Enfermagem Anna Nery<br />

Rua Afonso Cavalcanti, 275 - Cida<strong>de</strong> Nova / RJ.<br />

Processo <strong>de</strong> Tombamento IPHAN n° 953/T. 77, inscrição n° 507, Livro Histórico, folha<br />

93, <strong>de</strong> 14/08/86<br />

Área: 2.319 m 2<br />

07. Palácio Universitário - Antigo Hospital dos Alienados<br />

Av. Pasteur, 250 - Urca / RJ.<br />

Processo <strong>de</strong> Tombamento IPHAN n° 503/T, inscrição n° 438, Livro Histórico, folha 72,<br />

<strong>de</strong> 11/07/72<br />

Área: 14.450 m 2<br />

87


Maria Ângela Dias<br />

08. Antiga Escola <strong>de</strong> Eletrotécnica<br />

Praça da República, 22 - Centro / RJ.<br />

Processo <strong>de</strong> Tombamento INEPAC n° E-03/31.267/83 <strong>de</strong> 15/06/89<br />

Área: 1739 m 2<br />

09. Museu Nacional - Paço <strong>de</strong> São Cristóvão<br />

Quinta da Boa Vista - São Cristóvão / RJ.<br />

Processo <strong>de</strong> Tombamento IPHAN n° 101/T, 154/T e 77/T, inscrição. n° 23, Livro Histórico,<br />

folha 5, inscrição n° 14, Livro <strong>de</strong> Belas Artes, folha 10, <strong>de</strong> 11/05/38, e inscrição n°<br />

14, Livro Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, folha 4, <strong>de</strong> 14/04/48<br />

Área: 13.720 m 2<br />

88


Memória, Preservação e Uso das Edificações Históricas da UFRJ<br />

10. Conjunto Paisagístico do Observatório do Valongo<br />

Rua Camerino, 22 - Centro / RJ.<br />

Processo <strong>de</strong> Tombamento IPHAN n° 99/T, inscrição n° 653, Livro Histórico, folha 12,<br />

inscrição n° 157, Livro <strong>de</strong> Belas Artes, folha 28, <strong>de</strong> 30/06/38.<br />

11. Fundação Universitária José Bonifácio<br />

Av. Pasteur, 280 - Urca / RJ.<br />

Processo <strong>de</strong> Tombamento INEPAC n° E-18/300.321/87 <strong>de</strong> 06/09/90.<br />

89


Maria Ângela Dias<br />

12. Centro <strong>de</strong> Arte Hélio Oiticica<br />

Rua Luis <strong>de</strong> Camões, 68 - Centro / RJ.<br />

Processo <strong>de</strong> Tombamento INEPAC n° E-03/31.267/83 <strong>de</strong> 15/06/89.<br />

13. Instituto <strong>de</strong> Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira<br />

Rua Bruno Lobo, 50 - Cida<strong>de</strong> Universitária - Ilha do Governador / RJ.<br />

Processo <strong>de</strong> Tombamento Provisório em curso no INEPAC <strong>de</strong>s<strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2003<br />

Área: 16.074 m 2<br />

90


Memória, Preservação e Uso das Edificações Históricas da UFRJ<br />

Com indicação para tombamento ou preservação<br />

Teatro Qorpo Santo<br />

Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Arquitetura<br />

Centro <strong>de</strong> Tecnologia<br />

Plano Urbanístico do Fundão<br />

Limitações na atuação<br />

A rotina do trabalho nas ações <strong>de</strong> preservação e restauro,<br />

em adaptações ou transformações para novos usos, exige a participação<br />

<strong>de</strong> um número cada vez maior e mais especializado <strong>de</strong><br />

protagonistas. No <strong>de</strong>correr <strong>de</strong> um projeto e/ou uma obra, por inúmeras<br />

vezes a equipe da DIPRIT necessitou dos serviços <strong>de</strong> arquitetos<br />

especializados, historiadores, restauradores (para pesquisas <strong>de</strong><br />

materiais e prospecções estratigráficas), arqueólogos; engenheiros<br />

estruturalistas e <strong>de</strong> instalações prediais; e biólogos e químicos, para<br />

análises laboratoriais.<br />

Conseguir a contratação <strong>de</strong>sses profissionais é quase sempre<br />

ter que vencer uma maratona administrativa, consi<strong>de</strong>rando que a<br />

DIPRIT possui uma equipe bastante reduzida, 3 arquitetos, 2 mestrandos<br />

e 6 estagiários para atuar profissionalmente nas edificações<br />

tombadas, e administrativamente respon<strong>de</strong>ndo à direção do ETU,<br />

aos órgãos <strong>de</strong> tutela e aos professores que ocupam as edificações<br />

tombadas.<br />

Neste quadro po<strong>de</strong>mos acrescentar a falta <strong>de</strong> recursos próprios<br />

e <strong>de</strong> representação nos fóruns da <strong>de</strong>cisão da UFRJ, meios necessários<br />

para agilizar o atendimento à <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> serviços nas<br />

edificações.<br />

Cabe ainda comentar que a falta <strong>de</strong> conhecimento da complexida<strong>de</strong><br />

dos projetos e das intervenções, aqui incluído o alto custo<br />

para execução das obras, aliada a esta relação <strong>de</strong>sproporcional entre<br />

<strong>de</strong>manda <strong>de</strong> serviço versus mão-<strong>de</strong>-obra disponível, muitas vezes<br />

gera ações <strong>de</strong> intervenção equivocadas, por parte dos usuários,<br />

91


Maria Ângela Dias<br />

nas edificações tombadas. As conseqüências <strong>de</strong>ssas ações são os<br />

danos causados nas edificações, muitas vezes irreversíveis, e instauração<br />

<strong>de</strong> inquérito civil pelo Ministério Público contra a UFRJ.<br />

Esta situação dificulta o pleno funcionamento da DIPRIT enquanto<br />

lugar <strong>de</strong> memória, pesquisa, qualificação <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra<br />

e <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> uso das edificações históricas.<br />

Ampliação da atuação<br />

O que nos parece fundamental, neste contexto, é a possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> criar a partir da experiência da DIPRIT, um Centro ou Núcleo<br />

<strong>de</strong> Estudo, Memória e Uso Qualificado do Patrimônio Cultural da<br />

UFRJ, a exemplo do que fez a USP, numa situação administrativa similar<br />

ao Fórum <strong>de</strong> Ciência e Cultura.<br />

Apresentamos, como fruto <strong>de</strong> nossa experiência administrativa<br />

na UFRJ e a título <strong>de</strong> sugestão, a concepção <strong>de</strong>ste Centro ou Núcleo,<br />

acima mencionado, doravante chamado <strong>de</strong> CEMPAC.<br />

O CEMPAC <strong>de</strong>verá ser concebido como unida<strong>de</strong> administrativa<br />

e orçamentária in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e dirigido por um Conselho Deliberativo,<br />

que programará as ativida<strong>de</strong>s do Centro.<br />

Entre as ativida<strong>de</strong>s possíveis <strong>de</strong> atuação do Centro estão:<br />

• i<strong>de</strong>ntificação e diagnóstico do patrimônio cultural pertencente<br />

a UFRJ;<br />

• produção <strong>de</strong> documentação para salvaguarda do<br />

patrimônio, intervenção e captação <strong>de</strong> recursos;<br />

• qualificação <strong>de</strong> uso - <strong>de</strong>stinação e uso dos bens;<br />

• qualificação profissional através <strong>de</strong> cursos <strong>de</strong> especialização,<br />

em preservação e restauro; parcerias com os cursos<br />

existentes na UFRJ; convênios com instituições nacionais e<br />

estrangeiras; e oferecimento <strong>de</strong> estágios supervisionados<br />

• estabelecimento <strong>de</strong> um fórum <strong>de</strong> intercâmbio e interlocução<br />

entre a UFRJ e os órgãos <strong>de</strong> tutela (IPHAN, INEPAC<br />

e SEDREPAC);<br />

92


Memória, Preservação e Uso das Edificações Históricas da UFRJ<br />

• difusão do conhecimento adquirido sobre o patrimônio;<br />

• <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> planos orçamentários e critérios para alocação<br />

<strong>de</strong> recursos em colaboração com a Pró-Reitoria <strong>de</strong><br />

Planejamento e Desenvolvimento-PR3.<br />

O Conselho Deliberativo terá um presi<strong>de</strong>nte, (Reitor ou Pró-<br />

Reitor) e será composto por: membros da Diretoria do Centro,<br />

representantes dos docentes, dos servidores técnicos administrativos<br />

e dos alunos da UFRJ. Esses representantes <strong>de</strong>verão ter atuação<br />

e/ou interesse comprovado na área <strong>de</strong> preservação e restauro<br />

e <strong>de</strong>verão ser oriundos, preferencialmente, das seguintes unida<strong>de</strong>s:<br />

Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Arquitetura e Urbanismo; Escola <strong>de</strong> Belas Artes; Escola<br />

<strong>de</strong> Engenharia; Escola <strong>de</strong> Química; Instituto <strong>de</strong> Física; Instituto <strong>de</strong><br />

Biologia; Departamento <strong>de</strong> História; Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito; Prefeitura<br />

Universitária; Escritório Técnico da <strong>Universida<strong>de</strong></strong>; <strong>Sistema</strong> <strong>de</strong> <strong>Bibliotecas</strong><br />

e Informação; Museu Nacional; e Pró-Reitoria <strong>de</strong> Extensão<br />

e Pró- Reitoria <strong>de</strong> Planejamento e Desenvolvimento - PR3.<br />

Consi<strong>de</strong>rando que ainda não existem cursos <strong>de</strong> graduação para<br />

a formação <strong>de</strong> especialistas em preservação e restauro, a criação do<br />

CEMPAC po<strong>de</strong>rá contribuir para o preenchimento <strong>de</strong>sta lacuna.<br />

A se<strong>de</strong> do CEMPAC po<strong>de</strong>rá ser no prédio situado na Av. Rui Barbosa<br />

762, no bairro do Flamengo / RJ, compartilhando com Colégio<br />

Brasileiro <strong>de</strong> Altos Estudos, a mesma edificação.<br />

Conclusão<br />

Concluindo volto ao início reforçando a proposta <strong>de</strong> ampliar<br />

a atuação da Divisão <strong>de</strong> Preservação <strong>de</strong> Imóveis Tombados para o<br />

universo do patrimônio cultural da UFRJ, compartilhando <strong>de</strong>cisões<br />

sobre este patrimônio, com outros núcleos e programas <strong>de</strong> preservação<br />

e restauro (inclusive os que se apresentaram anteriormente),<br />

garantindo a representação nos fóruns <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão da UFRJ, quanto<br />

ao uso qualificado <strong>de</strong>sses bens e a dotação orçamentária para sua<br />

salvaguarda e adquirindo maior reconhecimento externo juntos<br />

aos órgãos <strong>de</strong> tutela e dos governos municipal, estadual e fe<strong>de</strong>ral.<br />

93


Maria Ângela Dias<br />

Cabe <strong>de</strong>stacar a atuação da DIPRIT e o empenho da reitoria na<br />

preservação e restauração <strong>de</strong> <strong>seus</strong> imóveis tombados. O trabalho<br />

empreendido, vencendo a superação das inúmeras dificulda<strong>de</strong>s<br />

tem gerado resultados relevantes na garantia das referências arquitetônicas<br />

históricas para a população carioca e brasileira.<br />

94


Museu da Escola Politécnica: o espaço <strong>de</strong><br />

construção da memória da Escola Politécnica<br />

da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

Heloi José Fernan<strong>de</strong>s Moreira<br />

Luiz Antonio Salgado Neto<br />

As origens da Escola Politécnica da UFRJ<br />

A origem do ensino <strong>de</strong> engenharia no Brasil, em caráter formal<br />

e contínuo, ocorreu em 17 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1792 quando D. José<br />

Luís <strong>de</strong> Castro, o 2º Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Resen<strong>de</strong>, instituiu a Real Aca<strong>de</strong>mia<br />

<strong>de</strong> Artilharia, Fortificação e Desenho 1 . Esta instituição funcionou até<br />

1810 na Casa do Trem, prédio hoje parcialmente preservado e que<br />

faz parte do conjunto arquitetônico do Museu Histórico Nacional<br />

na Cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

Apesar <strong>de</strong> o seu Estatuto apresentar um conjunto <strong>de</strong> disciplinas<br />

com forte conotação militar, o seu Artigo 2º <strong>de</strong>terminava que:<br />

“Para a instrução do sexto ano nomearei outro Lente, o<br />

qual será obrigado a ensinar a Arquitetura Civil, o corte das<br />

pedras e ma<strong>de</strong>iras, o orçamento dos edifícios, e tudo o mais<br />

que for relativo ao conhecimento dos materiais que entram<br />

na sua composição; como também explicará os melhores métodos,<br />

que hoje se praticam nas construções dos caminhos e<br />

calçadas. No mesmo ano se ensinará igualmente a Hidráulica<br />

e as mais partes que lhe são análogas, como a Arquitetura das<br />

Pontes, Canais, Portos, Diques e Comportas, e os que quiserem<br />

seguir a profissão <strong>de</strong> Engenheiros... só terminarão o tempo <strong>de</strong><br />

sua aplicação no fim do sexto ano”.<br />

1 PARDAL, Paulo. BRASIL, 1792: Início do Ensino da Engenharia Civil e da Escola <strong>de</strong><br />

Engenharia da UFR. Construtora Norberto O<strong>de</strong>brecht e Companhia Brasileira <strong>de</strong> Projetos<br />

e Obras. Rio <strong>de</strong> Janeiro, 1985.<br />

95


Heloi José Fernan<strong>de</strong>s Moreira & Luiz Antonio Salgado Neto<br />

Comprova-se, portanto, que a Real Aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> Artilharia, Fortificação<br />

e Desenho <strong>de</strong> 1792 ensinava formalmente a engenharia,<br />

em especial também sobre um conhecimento <strong>de</strong> engenharia nãomilitar,<br />

ou seja, <strong>de</strong> engenharia civil.<br />

Curiosamente, o Artigo 6º informava: “os discípulos que aspirarem<br />

a ser promovidos a profissão <strong>de</strong> Engenheiros, serão obrigados a<br />

mostrar por exame que sabem a doutrina correspon<strong>de</strong>nte ao primeiro<br />

ano (ao menos) [sic] e que tenham constituição robusta, sem <strong>de</strong>feito<br />

algum na vista ou tremura <strong>de</strong> mãos”. Certamente naquela época<br />

eram raros os equipamentos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senho disponíveis no então Brasil-Colônia<br />

(esquadros, réguas, etc.), o que tornava imprescindível a<br />

acuida<strong>de</strong> visual e a firmeza no traço para a confecção das plantas.<br />

Percebe-se aí que os responsáveis pelo ensino militar, então<br />

<strong>de</strong>stinados para a <strong>de</strong>fesa do território brasileiro contra as constantes<br />

invasões estrangeiras, já consi<strong>de</strong>ravam a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se<br />

ocupar convenientemente o solo pátrio, construindo-se edificações<br />

não-militares com o uso <strong>de</strong> materiais apropriados às construções,<br />

abrindo estradas e construindo pontes, utilizando-se dos caminhos<br />

hidrográficos naturais para o movimento e atracação das embarcações,<br />

que na época era o meio mais conveniente para a locomoção<br />

<strong>de</strong> cargas e <strong>de</strong> passageiros.<br />

Em 04 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1810, aí então sob a iniciativa do Con<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Linhares e com a presença da Família Real na cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro, a Real Aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> Artilharia, Fortificação e Desenho foi<br />

transformada, por carta régia <strong>de</strong> D. João VI, em Aca<strong>de</strong>mia Real Militar<br />

2 . E essa carta régia, além <strong>de</strong> ampliar o ensino com a introdução<br />

<strong>de</strong> ca<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> ciências matemáticas, físicas e naturais manteve textualmente,<br />

no seu Título Segundo, também para o sexto ano, a seguinte<br />

ca<strong>de</strong>ira: “Princípios da Arquitetura Civil, traço e construção das<br />

estradas, Pontes, Canais e Portos, Orçamento das obras, e tudo o que<br />

2 Original no Arquivo Nacional do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Citado por José Nascimento <strong>de</strong><br />

Brito em História da Escola Nacional <strong>de</strong> Engenharia, Revista do Clube <strong>de</strong> Engenharia,<br />

nº 313 e seguintes, setembro <strong>de</strong> 1962, Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

96


Museu da Escola Politécnica<br />

mais po<strong>de</strong> interessar, seja sobre o corte das pedras, seja a força das terras<br />

para <strong>de</strong>rrubarem os edifícios, ou muralhas que lhe são contíguas”.<br />

Embora a Aca<strong>de</strong>mia Real Militar tenha sofrido várias alterações<br />

<strong>de</strong> conteúdo e <strong>de</strong> <strong>de</strong>nominação ao longo da sua existência, em meados<br />

do século XIX, sob o nome <strong>de</strong> Escola Militar da Corte, acirravase<br />

uma discussão institucional que havia se iniciado nos anos 20 e<br />

perduraria até 1874, quando houve a separação <strong>de</strong>finitiva dos ensinos<br />

militar e civil. Segundo Pedro Carlos da Silva Telles 3 ,<br />

“parecer enviado ao Imperador Pedro I, em outubro <strong>de</strong><br />

1823, pelo Coronel Engenheiro Francisco Villela Barbosa, futuro<br />

Marquês <strong>de</strong> Paranaguá, assinalava a contradição fundamental<br />

do programa da Aca<strong>de</strong>mia Real Militar, por <strong>de</strong>stinarse<br />

essa Escola tanto à formação <strong>de</strong> oficiais, como também <strong>de</strong><br />

engenheiros, para os quais os programas <strong>de</strong>veriam ser completamente<br />

diferentes. Salientava, também, que conviria a<br />

criação <strong>de</strong> “uma classe <strong>de</strong> engenheiros privativa para as obras<br />

hidráulicas e <strong>de</strong> pontes e calçadas, ficando os engenheiros<br />

militares <strong>de</strong>sonerados <strong>de</strong> semelhantes trabalhos, que além<br />

<strong>de</strong> serem mais civis do que militares, exigem uma aplicação e<br />

prática particular”.<br />

A questão era <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong>sse conflito entre os dois ensinamentos<br />

em uma só instituição: Primeiro, a crescente importância<br />

dos problemas militares da Bacia do Prata na década <strong>de</strong> 50 e que<br />

culminaram com a Guerra do Paraguai em 1865. Segundo, nessa<br />

mesma década, “entrávamos na época da estrada <strong>de</strong> ferro, do telégrafo,<br />

da navegação a vapor, isto é, no mundo da engenharia civil e dos<br />

engenheiros” 4 . Assim, encontramos no relatório <strong>de</strong> 1851 do Ministro<br />

3 SILVA Telles, Pedro Carlos da. História da Engenharia no Brasil, Séculos XVI a XIX,<br />

Edição do Clube <strong>de</strong> Engenharia, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 1994.<br />

4 MOTTA, Jehovah. Formação do Oficial do Exército. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Biblioteca do<br />

Exército, 2001.<br />

97


Heloi José Fernan<strong>de</strong>s Moreira & Luiz Antonio Salgado Neto<br />

da Guerra Manoel Felizardo <strong>de</strong> Souza Melo, a seguinte observação 5:<br />

“A nossa Escola Militar tem todos os elementos para fazer sábios; poucos,<br />

porém, para formar oficiais”. Por outro lado, o Deputado Lisboa<br />

Serra, na sessão da Câmara <strong>de</strong> 17 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1854, assim discursou<br />

6 :<br />

“O País reclama urgentemente um pessoal idôneo para<br />

cuidar do seu <strong>de</strong>senvolvimento material e industrial, e nenhuma<br />

das nossas instituições po<strong>de</strong> ministrá-lo a não ser a Escola<br />

Militar, on<strong>de</strong> já se ensinam todas ou quase todas as disciplinas<br />

que constituem a parte teórica da engenharia civil”.<br />

Assim é que, para melhor aten<strong>de</strong>r aos anseios militares e ainda<br />

respon<strong>de</strong>r às necessida<strong>de</strong>s da socieda<strong>de</strong> civil é criada, em 1855, na<br />

Fortaleza da Praia Vermelha, uma Escola <strong>de</strong> Aplicação responsável<br />

pela parte prática dos exercícios militares.<br />

Segundo Jehovah Motta 77<br />

“se, em 1855, a Praia Vermelha era o mundo das coisas<br />

nascentes, ainda em busca <strong>de</strong> afirmação e estabilida<strong>de</strong>,<br />

o Largo <strong>de</strong> São Francisco já era a obra adulta, dona da sua<br />

experiência e do seu estilo. Com a reforma <strong>de</strong>sse ano o velho<br />

instituto do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Linhares vê restritas as suas tarefas, mas<br />

sentir-se-á mais senhor <strong>de</strong> si mesmo, pois que melhor aparelhado<br />

para fazer aquilo que vinha sendo, há tempos, a sua inclinação<br />

mais forte: as matemáticas, as ciências, a engenharia.<br />

Ce<strong>de</strong>u à Praia Vermelha parte do seu currículo, as matérias<br />

da técnica militar, mas nada do seu patrimônio material. De<br />

agora em diante o seu problema será constituir-se, cada vez<br />

mais e melhor, num centro <strong>de</strong> altos estudos científicos e <strong>de</strong> formação<br />

<strong>de</strong> engenheiros”.<br />

5 Relatório do Ministério da Guerra, ano 1851<br />

6 Anais da Câmara, sessão <strong>de</strong> 17 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1854<br />

7 MOTTA, Jehovah. Op. cit.<br />

98


Museu da Escola Politécnica<br />

Apesar disso a disputa entre os dois ensinos continuou. Como<br />

assinalou Nascimento Brito 8 ,<br />

“dois ilustres militares, o Gen. Bellegar<strong>de</strong> e o então Marquês<br />

<strong>de</strong> Caxias, quando Ministro da Guerra, em <strong>seus</strong> relatórios<br />

<strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1855 e <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1856, insistiram na necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> se separar completamente o ensino militar do ensino civil,<br />

na criação <strong>de</strong> um curso com as disciplinas essenciais à engenharia<br />

civil, e na mudança do nome da Escola”.<br />

Em 1º <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1858, o Decreto 2.116 <strong>de</strong>terminou que a<br />

“Escola Militar da Corte passa a se <strong>de</strong>nominar Escola Central” 9 , mas<br />

mesmo assim manteve ainda o dilema <strong>de</strong> ministrar, em uma única<br />

instituição, os ensinamentos militar e civil. Segundo o relatório do<br />

General Jerônimo Francisco Coelho, seu primeiro Comandante em<br />

1858, as linhas mestres <strong>de</strong> seu trabalho seriam:<br />

1. A Escola Central <strong>de</strong>ve ser uma espécie <strong>de</strong> centro ou tronco<br />

para o ensino das doutrinas comuns às diferentes especialida<strong>de</strong>s,<br />

e tomar a si, <strong>de</strong> modo específico, as ciências matemáticas,<br />

físicas e naturais;<br />

2. A distinção entre a engenharia civil e militar acabará com os<br />

inconvenientes da acumulação <strong>de</strong>stas duas espécies em um<br />

só indivíduo, que ficava sendo um engenheiro enciclopédico,<br />

mas sem habilitações perfeitas. 10<br />

Como observou Silva Telles 11 ,<br />

“mesmo assim a Escola Central continuou a ser um estabelecimento<br />

militar, subordinada ao Ministério da Guerra, e<br />

on<strong>de</strong> os professores e alunos militares eram obrigados a freqüentarem<br />

fardados. A disciplina era rígida, não só para os<br />

alunos como também para os professores, cujos atos <strong>de</strong> indis-<br />

8 NASCIMENTO Brito, José do. op. cit.<br />

9 TELLES, Pedro Carlos da Silva. Op. cit.<br />

10 MOTTA, Jehovah. Op. cit.<br />

11 TELLES, Pedro Carlos da Silva. Op. cit.<br />

99


Heloi José Fernan<strong>de</strong>s Moreira & Luiz Antonio Salgado Neto<br />

ciplina seriam punidos segundo os Regulamentos Militares.<br />

Havia ativida<strong>de</strong>s escolares mesmo durante as férias quando<br />

eram feitos, em caráter obrigatório, trabalhos práticos <strong>de</strong> topografia<br />

e geodésia e, também, visitas a obras e indústrias”.<br />

Como uma escola híbrida que era, isto é, um estabelecimento<br />

militar para formar engenheiros militares e civis, o regime na escola<br />

variou muito, <strong>de</strong> acordo com a índole dos comandantes. O Viscon<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Taunay 12 conta que no seu tempo <strong>de</strong> aluno vigorava um<br />

regime militar rigoroso, havendo “para tudo formaturas, chamadas<br />

e marchas. O comandante trancava o portão e mandava pôr gra<strong>de</strong>s<br />

às portas das aulas, para vigilância severa durante as lições e salas <strong>de</strong><br />

estudos”.<br />

Evi<strong>de</strong>ntemente, o conteúdo da ca<strong>de</strong>ira original <strong>de</strong> Arquitetura<br />

Civil permaneceu no curso da Escola Central, <strong>de</strong>sdobrando-se em<br />

várias matérias segundo o aprimoramento acadêmico e o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

tecnológico da época.<br />

Durante a Guerra do Paraguai a Escola esvaziou-se, porque<br />

muitos professores e alunos foram combater em <strong>de</strong>fesa da Pátria.<br />

Os comandantes militares continuaram reclamando que a oficialida<strong>de</strong><br />

possuía bastante base matemática, mas permanecia a pouca<br />

aplicabilida<strong>de</strong> para as operações militares.<br />

Finalmente, em 1874, houve a separação <strong>de</strong>finitiva dos dois<br />

cursos, sendo criada a Escola Polytéchnica do Rio <strong>de</strong> Janeiro e encarregada<br />

<strong>de</strong> ministrar o curso <strong>de</strong> engenharia civil. Mais uma vez o<br />

conteúdo do curso foi ampliado, <strong>de</strong>sdobrando-se em diversas disciplinas<br />

correlatas.<br />

A Escola Polytéchnica do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

O <strong>de</strong>senvolvimento industrial ocorrido no Brasil durante o século<br />

XIX provocou também a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se estudar novas áreas<br />

do conhecimento e aplicações tecnológicas. Estas <strong>de</strong>veriam ser<br />

12 _______ibi<strong>de</strong>m<br />

100


Museu da Escola Politécnica<br />

atendidas com mão <strong>de</strong> obra mais especializada. Assim é que várias<br />

alterações acadêmicas foram feitas no curso <strong>de</strong> engenharia da Escola<br />

Polytéchnica (anos <strong>de</strong> 1874, 1896, 1911, 1925) quando foram<br />

criadas, além da Engenharia Civil já existente, outras especialida<strong>de</strong>s:<br />

Engenheiro Geógrafo, <strong>de</strong> Minas, <strong>de</strong> Artes e Manufaturas, Mecânico,<br />

Industrial e Eletricista.<br />

O objetivo era formar engenheiros politécnicos, ou seja, com<br />

múltiplos conhecimentos técnicos para aten<strong>de</strong>r a diversida<strong>de</strong> dos<br />

novos campos <strong>de</strong> atuação. A rigor o aluno continuava formandose<br />

em engenharia civil, na medida em que esse era o maior campo<br />

<strong>de</strong> trabalho, mas especializava-se também em uma outra área <strong>de</strong><br />

conhecimento. Eram também conhecidos como “engenheiros enciclopédicos”.<br />

No conteúdo das primeiras reformas houve uma fortíssima influência<br />

francesa. A rigor essa influência já vinha ocorrendo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a<br />

Escola Central, pois até o seu nome foi evi<strong>de</strong>ntemente influenciado<br />

pela École Centrale <strong>de</strong>s Arts et Manufactures, criada em Paris em<br />

1828. Não só os livros eram importados da França, mas também<br />

foram contratados vários professores franceses (Charles Ernest Guinet,<br />

Clément Joubert, Émile Grandmasson, Louis Couty, Eugène Tisserandot<br />

e outros). Mais ainda, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a época da Escola Central até<br />

o primeiro quartel do século XX, o Positivismo <strong>de</strong> Augusto Comte<br />

exerceu influência nos ensinamentos da Escola Polytéchnica. Conforme<br />

Roberto Marinho <strong>de</strong> Azevedo 13 , “A influência <strong>de</strong> Comte faziase<br />

sentir no curso <strong>de</strong> cálculo diferencial e integral <strong>de</strong> Ferreira Braga e no<br />

<strong>de</strong> Licínio Cardoso. A geometria analítica <strong>de</strong> Comte, a geometria geral<br />

como ele preferia chamá-la, era muito lida”.<br />

Nesse recorte, dois gran<strong>de</strong>s momentos da Escola Polytéchnica<br />

do Rio <strong>de</strong> Janeiro merecem ser citados. O primeiro, <strong>de</strong> âmbito nacional<br />

e social, refere-se à campanha abolicionista. Sob a influência <strong>de</strong><br />

André Rebouças, um dos professores mais admirado pelos alunos, o<br />

13 LINS, Ivan. História do Positivismo no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional,<br />

1964.<br />

101


Heloi José Fernan<strong>de</strong>s Moreira & Luiz Antonio Salgado Neto<br />

corpo discente participou ativamente do movimento. Como forma<br />

<strong>de</strong> chamar mais ainda a atenção da socieda<strong>de</strong>, os alunos “<strong>de</strong>cretaram”<br />

que qualquer escravo que passasse pelo Largo <strong>de</strong> São Francisco<br />

<strong>de</strong> Paula seria alforriado. “No dia 15 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1888 André Rebouças<br />

foi carregado pelos alunos em <strong>de</strong>lirante ovação pelo peristilo da<br />

Escola” 14 . Já o segundo momento, técnico e restrito à Cida<strong>de</strong> do Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro, ocorreu no início do século XX, e refere-se a participação<br />

dos ex-alunos e então professores Paulo <strong>de</strong> Frontin e Pereira Passos,<br />

na mo<strong>de</strong>rnização da cida<strong>de</strong> e construção da Avenida Central.<br />

Ainda sob a <strong>de</strong>nominação <strong>de</strong> Escola Polytéchnica do Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />

professores e alunos comemoraram a outorga pelo Chefe do<br />

Executivo, do Decreto-Lei nº 23.569, <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1933,<br />

que regulamentou a profissão <strong>de</strong> engenheiro.<br />

A Escola Nacional <strong>de</strong> Engenharia<br />

da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil<br />

Em 1937 o Presi<strong>de</strong>nte Getulio Vargas cria “instituições nacionais”.<br />

A revelia da Congregação e do corpo social da Escola Polytéchnica,<br />

a Lei nº 452 <strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1937 altera o seu nome para Escola<br />

Nacional <strong>de</strong> Engenharia.<br />

A <strong>de</strong>speito da alteração do seu nome, a Escola Nacional <strong>de</strong><br />

Engenharia da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil manteve o seu papel <strong>de</strong> formadora<br />

<strong>de</strong> cidadãos-engenheiros da mais alta qualida<strong>de</strong>. E a indústria<br />

nacional crescia a passos largos. Seus ex-alunos e professores<br />

participavam dos mais importantes empreendimentos: na indústria<br />

si<strong>de</strong>rúrgica que se <strong>de</strong>senvolvia e que culminou com a criação da<br />

Companhia Si<strong>de</strong>rúrgica Nacional, na construção <strong>de</strong> portos, em particular<br />

o Porto do Rio <strong>de</strong> Janeiro, nas obras <strong>de</strong> saneamento e abastecimento<br />

<strong>de</strong> água, na consolidação do sistema elétrico brasileiro, no<br />

<strong>de</strong>senvolvimento do concreto armado, permitindo a construção <strong>de</strong><br />

gran<strong>de</strong>s estruturas, na expansão da malha rodoviária brasileira, na<br />

14 Veríssimo, Ignácio José. André Rebouças através <strong>de</strong> sua auto-biografia. Liv. José<br />

Olympio, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 1939.<br />

102


Museu da Escola Politécnica<br />

criação da Petrobrás, etc. E inúmeros outros campos da engenharia<br />

po<strong>de</strong>riam ser citados.<br />

Para se ter idéia da preocupação dos professores da Escola na<br />

formação <strong>de</strong> <strong>seus</strong> alunos, cabe aqui transcrever parte do discurso<br />

do formando José Pedro Canabarro <strong>de</strong> Faria Alvim, orador da turma<br />

<strong>de</strong> 1956 15 :<br />

“Durante a administração do Prof. Francisco <strong>de</strong> Sá Lessa,<br />

foram iniciadas as obras <strong>de</strong> ampliação, com a construção<br />

<strong>de</strong> dois novos andares, contendo 15 laboratórios e 8 salas <strong>de</strong><br />

aulas, resultando num acréscimo <strong>de</strong> 70%, sobre a área útil da<br />

Escola. Foram também adquiridos novos equipamentos e máquinas<br />

mo<strong>de</strong>rnas”.<br />

O engenheirando se referia às anteriores dificulda<strong>de</strong>s que o<br />

prédio do Largo <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula oferecia ao crescimento<br />

da instituição, apresentando escassez <strong>de</strong> laboratórios e acanhadas<br />

salas <strong>de</strong> aula. E continuou:<br />

“Futuramente, com a transferência da E.N.E. para a Cida<strong>de</strong><br />

Universitária, on<strong>de</strong> ficará alojada em prédios amplos e<br />

confortáveis, projetados <strong>de</strong> acordo com os últimos ditames da<br />

técnica arquitetônica, ficará solucionado, em <strong>de</strong>finitivo, este<br />

velho problema, que tanto preocupa professores e alunos”.<br />

O recém-formado traduzia em palavras um antigo sonho do<br />

corpo social da E.N.E. da U.B.<br />

A Escola <strong>de</strong> Engenharia da UFRJ<br />

Em 1966, na reforma universitária ocorrida durante o regime<br />

militar, mais uma vez a Escola teve sua <strong>de</strong>nominação alterada e, novamente,<br />

a sua revelia. Pior, com um nome sem qualquer significado<br />

maior, sem i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> com um projeto político ou pedagógico.<br />

Afinal, qualquer Escola <strong>de</strong> Engenharia po<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve ser chamada <strong>de</strong><br />

Escola <strong>de</strong> Engenharia!<br />

15 Escola Nacional <strong>de</strong> Engenharia. Anuário, 1956<br />

103


Heloi José Fernan<strong>de</strong>s Moreira & Luiz Antonio Salgado Neto<br />

Mesmo convivendo com os anos sombrios e muita repressão<br />

aos movimentos políticos e reivindicações estudantis, ocupando<br />

um imenso prédio ainda em obras e com enormes dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

acesso, obrigada a realizar um aumento <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nado <strong>de</strong> vagas no<br />

vestibular sem estar preparada pedagógica e administrativamente<br />

para tanto, com o Governo Fe<strong>de</strong>ral investindo praticamente na<br />

pós-graduação, o seu corpo docente, ainda que <strong>de</strong>smotivado em<br />

termos salariais e com enormes dificulda<strong>de</strong>s para exercer a sua docência,<br />

soube ultrapassar as enormes dificulda<strong>de</strong>s que lhes foram<br />

impostas. Lembro-me ouvir professores dizendo: “Estou ainda aqui<br />

por que tenho carinho e gratidão à minha Escola” (Prof. Hugo Cardoso<br />

da Silva) ou “Continuo dando aulas por que recebi <strong>de</strong>ssa Escola<br />

a maior riqueza que um engenheiro po<strong>de</strong> ter: ser respeitado<br />

no mercado <strong>de</strong> trabalho pela sua competência e po<strong>de</strong>r dizer com<br />

orgulho o nome da sua Escola <strong>de</strong> origem” (Prof. Waldon Salengue).<br />

Enquanto nos anos 60 a Escola formou 2.438 engenheiros, na<br />

década seguinte, com todas as dificulda<strong>de</strong>s acima apontadas, esse<br />

número aumentou 78%, passando para 4.352 engenheiros recémformados!<br />

Aten<strong>de</strong>ndo à crescente especialização do mercado <strong>de</strong><br />

trabalho, ao final dos anos 70 formavam-se engenheiros civis, mecânicos,<br />

metalúrgicos, navais, <strong>de</strong> produção, eletricistas e eletrônicos.<br />

A Escola Politécnica da UFRJ<br />

No ano <strong>de</strong> 1999 começou a ocorrer na Escola <strong>de</strong> Engenharia<br />

um movimento para se resgatar o nome <strong>de</strong> origem da instituição<br />

civil: Escola Politécnica. O Prof. Pedro Carlos da Silva Telles, autorida<strong>de</strong><br />

reconhecida em história da engenharia no Brasil, ex-aluno e<br />

professor aposentado, encaminha à Congregação um documento<br />

intitulado “O nome Escola Politécnica”, para que este seja analisado<br />

e discutido pelo colegiado superior da Escola.<br />

Entre outros pontos, textualmente é colocado:<br />

“Novas exigências como proteção ambiental, normas <strong>de</strong><br />

segurança mais rígidas, imposição <strong>de</strong> normas e padrões <strong>de</strong><br />

104


Museu da Escola Politécnica<br />

qualida<strong>de</strong> e aumento <strong>de</strong> competitivida<strong>de</strong>, fruto da internacionalização<br />

da economia, impõem a busca <strong>de</strong> novas soluções<br />

e <strong>de</strong> reformulações dos padrões e refêrências adotadas. Não<br />

há mais dúvidas a respeito da necessida<strong>de</strong> da ciência na prática<br />

cotidiana da engenharia, mas ainda existem questões em<br />

aberto, principalmente as relativas à apropriação <strong>de</strong> novos<br />

campos <strong>de</strong> conhecimento, das questões gerenciais e das relações<br />

humanas, em especial as <strong>de</strong> natureza política.<br />

O resgate da tradição da politecnia se afirma na necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> encontrar um caminho <strong>de</strong> síntese e técnica em torno<br />

dos problemas contemporâneos da engenharia no Brasil.<br />

Ao propor mudar o nome da Escola <strong>de</strong> Engenharia para<br />

Escola Politécnica não se quer apenas resgatar uma tradição,<br />

por mais importante que possa vir a ser esse resgate, mas forjar<br />

uma nova i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> a partir <strong>de</strong> uma po<strong>de</strong>rosa referência<br />

do passado com o objetivo <strong>de</strong> realizar a superação dos <strong>de</strong>safios<br />

do presente, produzir conhecimento e formar profissionais<br />

capazes <strong>de</strong> apontar as soluções mais a<strong>de</strong>quadas para os<br />

problemas tecnológicos do Brasil.”<br />

A alteração da <strong>de</strong>nominação é aprovada pela Congregação em<br />

04 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1999, em seguida também o é pelos colegiados<br />

superiores da UFRJ até que finalmente, em 18 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2004,<br />

pela portaria ministerial nº 3.239 do Sr.Ministro da Educação, a nova<br />

<strong>de</strong>signação ESCOLA POLITÉCNICA da UFRJ é <strong>de</strong>finitivamente aprovada<br />

16 .<br />

Após praticamente 70 anos, duas injustiças históricas e <strong>de</strong>srespeitosas<br />

para com a Escola e a sua Congregação foram finalmente<br />

reparadas.<br />

Atualmente a Escola Politécnica da UFRJ forma engenheiros em<br />

12 diferentes habilitações: civil, naval, ambiental, petróleo, metalur-<br />

16 Processo 23000.012405/2003-47 do Ministério da Educação<br />

105


Heloi José Fernan<strong>de</strong>s Moreira & Luiz Antonio Salgado Neto<br />

gia, materiais, produção, mecânica, elétrica, controle e informação,<br />

eletrônica e computação, apresentando o curso <strong>de</strong> engenharia civil<br />

quatro gran<strong>de</strong>s ênfases: construção civil, recursos hídricos e meio<br />

ambiente, transportes e gran<strong>de</strong>s estruturas.<br />

Passando por diferentes <strong>de</strong>nominações e ocupando diversos<br />

prédios, na Casa do Trem, no Largo <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula e na<br />

Cida<strong>de</strong> Universitária, ministrando ininterruptamente as bases do<br />

saber na área da engenharia, esta é a mais antiga instituição <strong>de</strong> ensino<br />

<strong>de</strong> engenharia e, também, <strong>de</strong> ensino superior do Brasil.<br />

Nela, ao longo dos <strong>seus</strong> 216 anos, estudaram e lecionaram<br />

notáveis e numerosos nomes da engenharia e da ciência nacional.<br />

Mais ainda, nos <strong>seus</strong> laboratórios foram feitas experiências pioneiras<br />

no Brasil, tais como a iluminação a gás <strong>de</strong> mamona, as primeiras<br />

aplicações <strong>de</strong> raios X, as primeiras ligações telefônicas, a primeira<br />

instalação telegráfica, a primeira iluminação elétrica no Brasil, etc.<br />

A história da Escola Politécnica da UFRJ é rica em fatos, feitos<br />

e vultos. Figuras notáveis como André, Antônio e José Rebouças,<br />

Paulo <strong>de</strong> Frontin, Pereira Passos e muitos e muitos outros tiveram<br />

intensa participação na vida nacional. Através dos <strong>seus</strong> personagens,<br />

a sua história, além daquela que se refere ao ensino e a técnica,<br />

permeia por inúmeras outras áreas do saber e das ativida<strong>de</strong>s<br />

humanas. Po<strong>de</strong>mos citar na educação Heitor Lyra e Paula Freitas,<br />

na literatura Lima Barreto, na geografia, etmologia e toponomia<br />

Teodoro Sampaio, na biblioteconomia Bastos Tigre, nas artes Leon<br />

Hirszman, Zelito Viana, Francis Hime, na religião D. Irineu e Gustavo<br />

Corção, na política Viscon<strong>de</strong> do Rio Branco, Miguel Calmon, Mauro<br />

Thibau, Maurício Joppert e Helio <strong>de</strong> Almeida, na economia Eugenio<br />

Gudin, Jorge Felipe Kafuri e Mario Henrique Simonsen, na geopolítica<br />

Everardo Backheuser, na matemática Joaquim Gomes <strong>de</strong> Souza,<br />

Jacob Pallis Júnior, Leopoldo Nachbin, Oto <strong>de</strong> Alencar, Malba Tahan,<br />

nas ciências físicas Henrique Morize e Lélio Gama e tantos e tantos<br />

outros exemplos, que apesar do nosso lamento nos sentimos obrigado<br />

a limitar por razões óbvias.<br />

106


Museu da Escola Politécnica<br />

Com cerca <strong>de</strong> 22.000 engenheiros formados a partir <strong>de</strong> 1874,<br />

é digno <strong>de</strong> nota a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> antigos e atuais professores e exalunos<br />

que criaram um profundo sentimento <strong>de</strong> amor pela instituição.<br />

Inúmeros livros, <strong>de</strong>poimentos, fotografias e textos foram por<br />

eles produzidos, registrando a memória e a importância da Escola<br />

para as suas vidas pessoal e profissional. Possuem a consciência que<br />

fizeram e fazem a história da Escola, e que ela fez a história <strong>de</strong> vida<br />

<strong>de</strong> cada um <strong>de</strong>les.<br />

A título <strong>de</strong> exemplos, transcrevemos dois textos produzidos<br />

por alguns <strong>de</strong>les:<br />

1º) Depoimento <strong>de</strong> Eugenio Gudin (turma <strong>de</strong> 1905) à Associação<br />

dos Antigos Alunos da Politécnica no Prédio do Largo <strong>de</strong> São<br />

Francisco <strong>de</strong> Paula em 26/06/1980:<br />

“Outra figura que evoco é a do porteiro. Quando a gente<br />

entrava aqui, topava com o velho Cirilo. Ele era um senhor<br />

escuro, alto, grandão, com barba, fraque preto e que tratava<br />

o estudante muito bem e, ao mesmo tempo, com muita consi<strong>de</strong>ração;<br />

era um homem extremamente bem dotado <strong>de</strong> trato.<br />

O porteiro, enquanto estive aqui, era uma figura querida dos<br />

alunos”.<br />

Recordações <strong>de</strong> um homem que teve importante projeção nacional,<br />

já no ocaso da sua existência, relembrando com muito carinho<br />

<strong>de</strong> uma figura que para aqueles que ainda não se aperceberam<br />

da sua própria existência, não teria importância na vida da Escola.<br />

2º) Parte do texto <strong>de</strong> abertura do Almanaque comemorativo<br />

do Jubileu <strong>de</strong> Prata da Turma formada em 1935:<br />

“Nos idos <strong>de</strong> 31<br />

Tremeu José Bonifácio<br />

No largo <strong>de</strong> S. Francisco<br />

De pé e costas p’rá Escola<br />

Não quis ver entrar os calouros,<br />

Da turma que logo a seguir<br />

107


Heloi José Fernan<strong>de</strong>s Moreira & Luiz Antonio Salgado Neto<br />

A alcunha temida ganhava:<br />

Engenheiros <strong>de</strong> um, nove, três, cinco.<br />

E <strong>de</strong> pé com o <strong>de</strong>do em riste<br />

Apontando pr’o vasto Brasil,<br />

Ficou cinco anos contados,<br />

A dizer aos calouros <strong>de</strong> então:<br />

- Saiam logo<br />

Vagabundos da Escola.<br />

O País está querendo vocês,<br />

Mostrem a todos que são os “can-cans”<br />

Salvem a Pátria que há anos eu vejo<br />

Precisando <strong>de</strong> “obreiros” bacanas.<br />

E o Zezé Bonifácio, o austero,<br />

De costas e <strong>de</strong> pé lá ficou<br />

Nos cinco anos seguidos<br />

Que na Escola vivemos a vida,<br />

De estudos (nem tantos… nem tantos…)<br />

De folguedos (aí sim… aí sim…)<br />

De greves, <strong>de</strong> bombas, <strong>de</strong> paus…<br />

De quebra <strong>de</strong> andaimes eternos<br />

Que a fachada da Escola escondia”.<br />

A turma <strong>de</strong> 1935 foi uma das mais ativas na vida da Escola.<br />

Comemoravam efusivamente os aniversários <strong>de</strong> formatura, caracterizando<br />

um profundo sentimento <strong>de</strong> afeição entre si e a instituição.<br />

Po<strong>de</strong>ríamos citar alguns nomes proeminentes na engenharia<br />

nacional, mas certamente cometeríamos injustiças. Naquela época<br />

era muito comum, entre os alunos da Escola, escrever sonetos, quadras<br />

e poesias, tendo sido Caio Soter Araújo um dos expoentes, com<br />

o seu famoso poema “EX-TUDO”.<br />

O Museu da Escola Politécnica<br />

Esse longínquo e resumido relato histórico sobre a Escola<br />

Politécnica, alguns dos <strong>seus</strong> alunos e fatos que nela ocorreram,<br />

108


Museu da Escola Politécnica<br />

<strong>de</strong>monstram a importância da existência do Museu da Escola Politécnica<br />

da UFRJ para a história da própria Escola, da UFRJ e da socieda<strong>de</strong><br />

brasileira. Sendo a mais antiga escola <strong>de</strong> engenharia do Brasil,<br />

a sua história contém bens acadêmicos e imateriais relativos à evolução<br />

do ensino da engenharia e aos <strong>de</strong>senvolvimentos científico<br />

e tecnológico que ocorreram no Brasil <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século XIX. Nesse<br />

sentido, o Museu se propõe a registrar a história do ensino da engenharia<br />

no Brasil e a própria existência e trajetória histórica da Escola<br />

Politécnica da UFRJ.<br />

Um aspecto que <strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>rado para se avaliar o papel<br />

e a importância do Museu da Escola Politécnica foi a transferência<br />

da Escola do Largo <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula para a Cida<strong>de</strong> Universitária<br />

na Ilha do Fundão e suas conseqüências. Ocorrida paulatinamente<br />

ao longo da década <strong>de</strong> 60, essa mudança foi uma gran<strong>de</strong><br />

aspiração e luta dos corpos discente e docente por mais <strong>de</strong> 30 anos.<br />

Sonhava-se com o gran<strong>de</strong> prédio na Cida<strong>de</strong> Universitária, projetado<br />

para sediar somente a ENE da UB, com instalações para comportar<br />

gran<strong>de</strong>s e mo<strong>de</strong>rnos laboratórios, prevendo-se acomodar em torno<br />

<strong>de</strong> 3.500 estudantes <strong>de</strong> engenharia.<br />

Confinada no velho casarão, sem condições <strong>de</strong> crescimento,<br />

a Escola já utilizava um prédio anexo na Rua Luiz <strong>de</strong> Camões para<br />

as instalações do seu laboratório <strong>de</strong> máquinas térmicas, local on<strong>de</strong><br />

hoje está instalado o Centro Cultural Helio Oiticica. Mais ainda, todas<br />

as aulas da área <strong>de</strong> eletricida<strong>de</strong> eram realizadas no prédio do<br />

Instituto <strong>de</strong> Eletrotécnica, situado na Praça da República, esquina<br />

com a Rua Viscon<strong>de</strong> do Rio Branco.<br />

No relatório relativo ao ano <strong>de</strong> 1937, apresentado pelo Diretor<br />

Prof. Luiz Cantanhe<strong>de</strong> <strong>de</strong> Carvalho Almeida 17 ao Exmo. Sr. Reitor da<br />

<strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil, assim o Diretor finalizou a parte introdutória:<br />

“Não é mais assunto <strong>de</strong> discussão a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> retirar<br />

do velho casarão do Largo <strong>de</strong> São Francisco a Escola Nacional<br />

17 Relatório da Escola Nacional <strong>de</strong> Engenharia, 1937<br />

109


Heloi José Fernan<strong>de</strong>s Moreira & Luiz Antonio Salgado Neto<br />

<strong>de</strong> Engenharia, que ainda se reparte por dois outros pontos da<br />

cida<strong>de</strong>, dificultando a sua administração.<br />

A fundação da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil, com o programa<br />

<strong>de</strong> construção da sua cida<strong>de</strong> universitária, é o primeiro passo<br />

para essas novas instalações <strong>de</strong> que tanto carece a nossa<br />

Escola para melhorar as condições do seu ensino, com mais<br />

recursos e instalações apropriadas.<br />

Realizado o programa do Governo atual das novas instalações<br />

da cida<strong>de</strong> universitária, estará a nossa Escola dotada<br />

<strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s e apropriados edifícios para o <strong>de</strong>senvolvimento do<br />

seu nobre e fecundo programa <strong>de</strong> ação”.<br />

Apesar das expectativas, a transferência foi traumática. Se <strong>de</strong><br />

um lado <strong>de</strong>sejava-se a expansão da Escola em um local mais amplo,<br />

por outro lado encontrava-se um prédio inacabado, com salas <strong>de</strong><br />

aula em obras, ausência até <strong>de</strong> simples bebedouros e, pior ainda,<br />

sem a menor possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alimentação, sem um mínimo <strong>de</strong><br />

meios <strong>de</strong> transportes, enfim um ambiente totalmente inóspito para<br />

todo o corpo social da instituição. A transferência foi realizada <strong>de</strong><br />

modo quase brutal e lembro pessoalmente <strong>de</strong> um dos relatos do<br />

Prof. Hugo Cardoso da Silva: “os livros da nossa biblioteca, muitos<br />

do século XIX, foram transferidos em caminhão aberto, transportados<br />

pela Av. Brasil, carregados e <strong>de</strong>scarregados da carroceria como<br />

se fossem tijolos <strong>de</strong> uma obra, por operários da construção do próprio<br />

prédio; inúmeros instrumentos dos laboratórios sumiram ou<br />

danificaram-se totalmente”.<br />

Talvez tenha sido a partir <strong>de</strong>ssa experiência que o corpo docente<br />

da instituição tomou consciência da importância <strong>de</strong> se ter um<br />

museu. Com a reforma universitária ocorrida ao final da década <strong>de</strong><br />

60, os regimentos das instituições foram reformulados para adaptarem-se<br />

à nova legislação. E então encontramos no Regimento da<br />

Escola <strong>de</strong> Engenharia da UFRJ 18 , aprovado pelo Conselho Universi-<br />

18 Relatório da Escola <strong>de</strong> Engenharia – Supl. Boletim da UFRJ nº 4, <strong>de</strong> 22/01/1972<br />

110


Museu da Escola Politécnica<br />

tário em 25/11/1971, o seguinte texto:<br />

“TÍTULO IX – Do Museu da Escola<br />

Art. 115 – Seis meses após a aprovação do presente Regimento,<br />

o Diretor da Escola fará criar em recinto próprio o Museu<br />

da Escola <strong>de</strong> Engenharia para custódia, exibição e estudo<br />

<strong>de</strong> tudo que a ela se refira e que se relacione com a evolução<br />

da engenharia e ciência afins, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua fundação.<br />

Parágrafo Único: O Museu assumirá a categoria <strong>de</strong> serviço<br />

permanente, tendo como Superinten<strong>de</strong>nte um Professor<br />

<strong>de</strong>signado pelo Diretor, com assessoramento do Bibliotecário-<br />

Chefe”.<br />

Observa-se, portanto, que a criação do Museu não se <strong>de</strong>u por<br />

uma iniciativa individual <strong>de</strong> algum docente, mas sim por sábia<br />

<strong>de</strong>cisão da Congregação da Escola, ciosa da importância em preservar<br />

a memória da instituição. Aproveitando-se da obrigatorieda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> reformular o seu regimento, por intermédio <strong>de</strong>le instituiu o seu<br />

Museu.<br />

Foto 1: Entrada do Museu da Escola Politécnica<br />

111


Heloi José Fernan<strong>de</strong>s Moreira & Luiz Antonio Salgado Neto<br />

Embora <strong>de</strong>vendo iniciar as suas ativida<strong>de</strong>s em abril <strong>de</strong> 1972,<br />

somente em torno <strong>de</strong> 1976, com as presenças das museólogas Veralucia<br />

Ferreira <strong>de</strong> Souza, Elza Freitas, Rosana Barreto <strong>de</strong> Siqueira<br />

Torres, Laís Blanck Drischel e o esfôrço da bibliotecária-chefe Zulei-<br />

Foto 2: Mobiliário do gabinete do<br />

Viscon<strong>de</strong> do Rio Branco<br />

<strong>de</strong>, o Museu da Escola Politécnica<br />

começou a ensaiar<br />

os <strong>seus</strong> primeiros passos<br />

institucionais. Mas, <strong>de</strong> fato,<br />

só tomou corpo a partir <strong>de</strong><br />

1978, sob a superintendência<br />

do Prof. Hugo Cardoso<br />

da Silva. Des<strong>de</strong> então situase<br />

em uma sala no 2º andar<br />

do Bloco A do prédio do<br />

CT, fazendo parte da administração<br />

central da Escola<br />

Politécnica.<br />

O acervo do Museu<br />

contem inúmeras peças,<br />

documentos e móveis dos<br />

séculos XIX e XX. São aparelhos, instrumentos e equipamentos <strong>de</strong><br />

laboratórios, maquetes confeccionadas por alunos, mo<strong>de</strong>los reduzidos<br />

<strong>de</strong> embarcações e locomotivas, diplomas e medalhas, quadros<br />

e álbuns <strong>de</strong> fotografias <strong>de</strong> formatura <strong>de</strong> turmas, réguas <strong>de</strong> cálculo<br />

e ábacos, sólidos geométricos e materiais para <strong>de</strong>senho, escrivaninhas<br />

e mesas, carteiras e bancos escolares, bustos, fotografias, livros<br />

<strong>de</strong> registro e documentos, retratos a óleo <strong>de</strong> catedráticos e diretores,<br />

quadros, etc.<br />

A foto 2 mostra o mobiliário do gabinete do Diretor Viscon<strong>de</strong><br />

do Rio Branco (1875 - 1876). Ao fundo, tela <strong>de</strong> Firmino Monteiro<br />

documentando o seu retorno da Europa em 1879.<br />

Existem também <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> engenheiros e professores<br />

sobre obras e projetos <strong>de</strong> engenharia, colhidos pelo Prof. Sydney<br />

Martins Gomes dos Santos, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> construir um pro-<br />

112


Museu da Escola Politécnica<br />

jeto <strong>de</strong> sua autoria <strong>de</strong>nominado Comissão Pró-Memória da Engenharia<br />

Nacional.<br />

Evi<strong>de</strong>ntemente a maior parte do acervo é proveniente da própria<br />

Escola Politécnica, mas não se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rar a gran<strong>de</strong><br />

contribuição que os ex-alunos têm dado. Lamentavelmente, na<br />

maioria das vezes são familiares <strong>de</strong> ex-alunos recém-falecidos que,<br />

ao tomarem conhecimento da existência do Museu, lhe oferecem<br />

as lembranças da Escola que o ex-aluno carinhosamente guardou<br />

ao longo <strong>de</strong> muitos anos.<br />

Fotos 3 e 4: Exposição sobre os sólidos geométricos do Prof. Alcyr Pinheiro Rangel<br />

As fotos 3 e 4 mostram a exposição que no momento está sendo<br />

realizada sobre os sólidos construídos pelo Prof. Rangel, intitulada<br />

O ”terror” nos antigos vestibulares. Nota-se as carteiras das salas<br />

<strong>de</strong> aula que existiam no Largo <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula ao final do<br />

século XIX.<br />

Deve-se observar também o importante papel <strong>de</strong>sempenhado<br />

pela Associação dos Antigos Alunos da Politécnica – A3P na preservação<br />

da memória da Escola. Entida<strong>de</strong> sem fins lucrativos e legalmente<br />

registrada como pessoa jurídica, foi criada em 1932 para<br />

fundamentalmente apoiar a Escola Politécnica nas suas realizações.<br />

Também como entida<strong>de</strong> congraçadora dos ex-alunos, publica bimensalmente<br />

um boletim que lhes é encaminhado com notícias<br />

atualizadas da Escola e <strong>de</strong> <strong>seus</strong> colegas. Isso alimenta o sentimento<br />

<strong>de</strong> afeição que os ex-alunos nutrem pela instituição. Ao tomarem<br />

conhecimento da existência e do papel do Museu, é comum doarem<br />

objetos e documentos relativos ao seu tempo <strong>de</strong> estudante.<br />

113


Heloi José Fernan<strong>de</strong>s Moreira & Luiz Antonio Salgado Neto<br />

A equipe atual do Museu é composta pelos Professores Heloi<br />

José Moreira , superinten<strong>de</strong>nte e Luiz Antonio Salgado Neto, responsável<br />

pelas Exposições Temáticas. Conta também com dois funcionários<br />

técnico-administrativos: Marli da Cruz Pardal, secretária e<br />

Zeugmar Ferreira da Silva, graduado em História. No recente concurso<br />

realizado pela UFRJ para provimento do quadro <strong>de</strong> servidores<br />

técnico-administrativos <strong>de</strong> nível superior, está prevista a chegada<br />

<strong>de</strong> museólogo à equipe.<br />

Referências<br />

BRASIL. Ministério da Educação. Processo 23000.012405/2003-47.<br />

ESCOLA NACIONAL DE ENGENHARIA. Anuário, 1956.<br />

ESCOLA NACIONAL DE ENGENHARIA. Relatório, 1937.<br />

LINS, Ivan. História do Positivismo no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional,<br />

1964.<br />

MOTTA, Jehovah. Formação do oficial do Exército. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Biblioteca do<br />

Exército, 2001.<br />

PARDAL, Paulo. BRASIL, 1792: início do ensino da engenharia civil e da Escola <strong>de</strong><br />

Engenharia da UFRJ. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Construtora Norberto O<strong>de</strong>brecht e Companhia<br />

Brasileira <strong>de</strong> Projetos e Obras, 1985.<br />

TELLES, Pedro Carlos da Silva. História da Engenharia no Brasil: séculos XVI a XIX.<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro: Edição do Clube <strong>de</strong> Engenharia, 1994.<br />

VERÍSSIMO, Ignácio José. André Rebouças através <strong>de</strong> sua auto-biografia. Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro: José Olympio, 1939.<br />

114


1. Introdução<br />

Museu da Química<br />

Professor Athos da Silveira Ramos: a<br />

memória da Química no Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

Júlio Carlos Afonso<br />

O Museu da Química Professor Athos da Silveira Ramos<br />

(1906-2002) foi inaugurado no dia 13 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2001, durante a<br />

IX Semana <strong>de</strong> Química do Instituto <strong>de</strong> Química da UFRJ. Ele tem por<br />

objetivo a preservação do passado histórico da Química em nosso<br />

país, particularmente no Rio <strong>de</strong> Janeiro, constituindo-se numa iniciativa<br />

pioneira no Brasil, já que não existe um museu consagrado<br />

exclusivamente à Química. O nome dado ao museu é uma homenagem<br />

a um dos fundadores do Instituto <strong>de</strong> Química da UFRJ, cujo<br />

cinqüentenário se dará em 2009.<br />

O Museu se insere <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> esforço do Instituto<br />

<strong>de</strong> Química em <strong>de</strong>senvolver suas linhas <strong>de</strong> extensão, aproximando<br />

suas realizações e capacida<strong>de</strong>s com a socieda<strong>de</strong> brasileira. Ele se<br />

apresenta em exposições itinerantes em eventos e em locais on<strong>de</strong><br />

um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> pessoas possa conhecer a trajetória da ciência<br />

química em nosso país. Além disso, o Museu é parte figurante<br />

do roteiro <strong>de</strong> visitas guiadas <strong>de</strong> escolas e grupos ao Instituto, e integra<br />

o calendário anual <strong>de</strong> recepção dos novos alunos dos cursos<br />

<strong>de</strong> graduação e <strong>de</strong> pós-graduação da unida<strong>de</strong>. Ele possui uma se<strong>de</strong><br />

provisória instalada no 7 o andar do bloco A do Centro <strong>de</strong> Tecnologia.<br />

Além disso, conta com uma sala <strong>de</strong>stinada à reserva técnica, no<br />

5 o andar do mesmo bloco.<br />

O acervo é representativo do momento político, sócio-cultural,<br />

técnico e econômico que a Ciência e a Tecnologia brasileira atravessaram<br />

nas últimas cinco décadas do século XIX e durante todo o<br />

século XX, particularmente no Rio <strong>de</strong> Janeiro, então Capital Fe<strong>de</strong>ral.<br />

115


Júlio Carlos Afonso<br />

Ele envolve, além do próprio Instituto <strong>de</strong> Química (1959), diversas<br />

instituições que lhe prece<strong>de</strong>ram no tempo no ensino e na pesquisa<br />

em Química: Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina do Rio <strong>de</strong> Janeiro (1812), Faculda<strong>de</strong><br />

Nacional <strong>de</strong> Farmácia (1933), Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Farmácia (1965);<br />

Escola Central (1858), Escola Politécnica (1874), Escola Nacional<br />

<strong>de</strong> Engenharia (1937), Escola <strong>de</strong> Engenharia (1965); Escola Militar<br />

(1874), Instituto Tecnológico do Exército (1935); Colégio Militar<br />

do Rio <strong>de</strong> Janeiro (1889); Colégio Pedro II (1837); Escola Superior<br />

<strong>de</strong> Agricultura (1922), Escola Nacional <strong>de</strong> Química (1933), Escola<br />

<strong>de</strong> Química (1965); Estação Experimental <strong>de</strong> Combustíveis e Minérios<br />

(1921), Instituto Nacional <strong>de</strong> Tecnologia (1934); Laboratório <strong>de</strong><br />

Produção Mineral (1933); <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Distrito Fe<strong>de</strong>ral (1935);<br />

Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia (1939); Escola Superior <strong>de</strong> Guerra<br />

(1949); Centro Brasileiro <strong>de</strong> Pesquisas Físicas (1949).<br />

O acervo contém atualmente cerca <strong>de</strong> 32.000 objetos, sendo:<br />

cerca <strong>de</strong> 3.400 reagentes; 3.500 aparelhagens e equipamentos <strong>de</strong>stinados<br />

às aulas práticas; 15.000 documentos relativos à trajetória<br />

da UFRJ, da Escola Superior <strong>de</strong> Agricultura e Medicina Veterinária,<br />

da Escola Técnica Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Química (atual CEFET-Química), da primeira<br />

Socieda<strong>de</strong> Brasileira <strong>de</strong> Química e da Associação Química do<br />

Brasil, esta última única do gênero no país; 10.300 livros cobrindo<br />

essencialmente as quatro últimas décadas do século XIX e as quatro<br />

primeiras do século XX. Essa coleção inclui obras clássicas e mesmo<br />

raras <strong>de</strong> notáveis cientistas como Einstein, Berthélot, Gibbs, Van <strong>de</strong>r<br />

Waals, Sommerfeld, Niels Bohr, Ostwald, etc. Somam-se a isso obras<br />

pioneiras <strong>de</strong> química e áreas afins publicadas no país por autores<br />

brasileiros, incluindo-se traduções <strong>de</strong> obras estrangeiras feitas aqui<br />

ou em Portugal. Cerca <strong>de</strong> 6% <strong>de</strong>sses livros contém “ex-libris” ou <strong>de</strong>dicatórias<br />

dos autores.<br />

A constituição inicial <strong>de</strong>sse acervo era baseada na coleta <strong>de</strong><br />

material <strong>de</strong> laboratório do Instituto, classificado como obsoleto/<br />

sucata. Após um período <strong>de</strong> quatro anos (1997-2000), atingiu-se<br />

um montante <strong>de</strong> 1.000 peças; após a classificação <strong>de</strong>sse material,<br />

116


Museu da Química Professor Athos da Silveira Ramos: a memória da Química no Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

lançou-se a idéia <strong>de</strong> criar um museu que pu<strong>de</strong>sse mostrar a química<br />

ao público em geral e relacioná-la com a história da própria<br />

UFRJ através das instituições do passado e <strong>de</strong> hoje que ministram<br />

a química como matéria <strong>de</strong> ensino ou <strong>de</strong> formação profissional.<br />

Com o tempo, graças à difusão do projeto do Museu junto ao meio<br />

acadêmico e a instituições externas à UFRJ, o acervo <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser<br />

baseado apenas em recolhimento <strong>de</strong> material inservível, mas hoje<br />

é predominantemente acrescido a partir <strong>de</strong> doações e legados <strong>de</strong><br />

coleções particulares e oficiais <strong>de</strong> empresas, instituições externas à<br />

UFRJ e ex-professores da <strong>Universida<strong>de</strong></strong>.<br />

2. Missão<br />

A preservação da memória história <strong>de</strong> uma dada instituição é<br />

um dos meios mais eficazes <strong>de</strong> divulgá-la e <strong>de</strong> <strong>de</strong>fendê-la junto à<br />

socieda<strong>de</strong>. Particularmente o Brasil ainda é um país pouco acostumado<br />

a valorizar o passado e a memória <strong>de</strong> suas instituições. A <strong>de</strong>spersonalização<br />

<strong>de</strong>ssas instituições po<strong>de</strong> ser entendida como um<br />

dos meios eficazes <strong>de</strong> acabar com a cultura <strong>de</strong> um povo, facilitando<br />

a sua <strong>de</strong>scaracterização e a assimilação por novos mo<strong>de</strong>los estranhos<br />

à sua vocação histórica. A Química é apenas um dos pontos<br />

que compõem o passado científico e tecnológico <strong>de</strong> um país, e a<br />

recuperação <strong>de</strong> sua memória tem revelado que, apesar <strong>de</strong> uma visão<br />

muitas vezes provinciana, o Brasil tem um passado rico na área<br />

química. Isso é a visão que dá suporte e justifica o uso do acervo em<br />

pesquisas e exposições.<br />

O Museu da Química tem dupla visão: na primeira, ele se volta à<br />

preservação da memória da própria UFRJ, pois se constitui num veículo<br />

capaz <strong>de</strong> divulgá-la e <strong>de</strong>fendê-la perante a própria socieda<strong>de</strong>,<br />

servindo como argumento <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa contra os <strong>de</strong>tratores do Ensino<br />

Superior Público, mostrando sua contribuição para o progresso do<br />

país através <strong>de</strong> importantes nomes que tiveram e têm <strong>de</strong>staque no<br />

cenário nacional e internacional; na segunda, as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> extensão<br />

aproximam as pessoas da Química; em geral, elas têm pouca<br />

117


Júlio Carlos Afonso<br />

ou nenhuma noção sobre esta ciência, e o emprego tanto <strong>de</strong> material<br />

histórico como a realização <strong>de</strong> experimentos didáticos simples<br />

contribuí para quebrar este paradigma arraigado em boa parcela<br />

da socieda<strong>de</strong>, mostrando como a Química está vivamente presente<br />

no cotidiano. Os próprios alunos que participam da equipe têm seu<br />

próprio testemunho. A participação nos eventos ajuda a <strong>de</strong>senvolver<br />

neles a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dialogar com todo tipo <strong>de</strong> público-alvo,<br />

<strong>de</strong> explicar em linguagem simples e acessível o acervo, a ciência<br />

química e a UFRJ às pessoas, e <strong>de</strong> combater a inibição e a insegurança<br />

quanto à postura diante do público. Não é <strong>de</strong> se estranhar que<br />

quase todos os alunos integrantes da equipe são (foram) do curso<br />

<strong>de</strong> Licenciatura em Química. Para eles, o trabalho no Museu ajuda<br />

<strong>de</strong>cisivamente na formação <strong>de</strong>sses futuros profissionais do ensino,<br />

dando-lhes uma visão muito além da formação intelectual.<br />

Em 2008, Ano Ibero-Americano dos Mu<strong>seus</strong>, o Museu da Química<br />

foi parte integrante <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s coor<strong>de</strong>nadas pelo Instituto<br />

do Patrimônio Histórico Nacional - IPHAN com vistas a divulgar este<br />

evento em todos os organismos <strong>de</strong>dicados à história e à memória<br />

nacionais.<br />

O acervo também serve como fonte <strong>de</strong> pesquisa, tanto em nível<br />

<strong>de</strong> disciplinas <strong>de</strong> graduação e <strong>de</strong> pós-graduação, como <strong>de</strong> monografias<br />

<strong>de</strong> mestrado e trabalhos <strong>de</strong> conclusão <strong>de</strong> curso <strong>de</strong> graduação<br />

(química, licenciatura em química e engenharia química).<br />

3. Ativida<strong>de</strong>s realizadas e em curso<br />

Des<strong>de</strong> 2001, foram realizadas 49 exposições itinerantes e 29<br />

mostras científicas (média <strong>de</strong> 11 eventos/ano), com cerca <strong>de</strong> 20.500<br />

visitantes até julho <strong>de</strong> 2008 (cerca <strong>de</strong> 3.000 pessoas/ano). Vinte e<br />

cinco estabelecimentos <strong>de</strong> ensino visitaram a se<strong>de</strong>. O acervo já<br />

serviu <strong>de</strong> suporte a duas dissertações <strong>de</strong> M.Sc em História das Ciências,<br />

das Técnicas e Epistemologia, e vinte trabalhos <strong>de</strong> alunos<br />

da disciplina “Evolução da Química” (ministrada para os Cursos <strong>de</strong><br />

Licenciatura em Química e Química). Até o momento, vinte e duas<br />

118


Museu da Química Professor Athos da Silveira Ramos: a memória da Química no Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

monografias <strong>de</strong> conclusão <strong>de</strong> curso <strong>de</strong> graduação (Licenciatura em<br />

Química e Química) foram apresentadas. Oito orientadores tiveram<br />

a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalhar com o acervo em questão. O Museu<br />

participou <strong>de</strong> sete eventos em que apresentou trabalho. Dez trabalhos<br />

completos foram publicados entre 2003 (capítulos <strong>de</strong> livros) e<br />

2004 (periódicos in<strong>de</strong>xados - Química Nova).<br />

Em médio prazo preten<strong>de</strong>-se que todo este acervo seja inserido<br />

na Base Minerva (www.minerva.ufrj.br), o banco <strong>de</strong> dados da<br />

UFRJ referente aos acervos das bibliotecas, arquivos e mu<strong>seus</strong> da<br />

<strong>Universida<strong>de</strong></strong>. Além disso, o Museu está integrado ao Projeto Gênese,<br />

elaborado pelo <strong>Sistema</strong> <strong>de</strong> <strong>Bibliotecas</strong> e Informação - SiBI/UFRJ,<br />

o qual prevê o resgate da memória da UFRJ.<br />

4. Descrição e datação das peças do acervo<br />

Uma vez recebidas as doações/legados, é feito o registro<br />

<strong>de</strong> todos os dados que i<strong>de</strong>ntifiquem o doador e a origem do material.<br />

Em seguida, é realizada uma pesquisa que <strong>de</strong>termina (ou estima)<br />

a época em que o mesmo foi produzido. As informações são<br />

finalmente digitadas em banco <strong>de</strong> dados; a exceção dos livros, os<br />

<strong>de</strong>mais itens do acervo se acham <strong>de</strong>ssa forma catalogados.<br />

A <strong>de</strong>terminação da origem dos materiais é <strong>de</strong> suma importância,<br />

pois ele po<strong>de</strong> dar informações sobre como esses materiais<br />

foram passados <strong>de</strong> uma instituição a outra, conforme o modo e a<br />

responsabilida<strong>de</strong> do ensino <strong>de</strong> química mudaram ao longo do tempo<br />

(fato esse particularmente notável na história da UFRJ). Isso se<br />

consegue por uma combinação <strong>de</strong> mecanismos: consulta a registros<br />

<strong>de</strong> patrimônio das unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> origem; testemunho pessoal<br />

<strong>de</strong> ex-alunos; docentes e técnico-administrativos aposentados;<br />

análise <strong>de</strong> fotografias antigas; consulta a catálogos <strong>de</strong> fabricantes<br />

e fornecedores; comparação com peças idênticas existentes em<br />

diversos locais (mu<strong>seus</strong>, salas <strong>de</strong> direção etc.). Seguindo tendência<br />

observada em mu<strong>seus</strong> europeus e norte-americanos, não são apenas<br />

introduzidas no acervo peças ditas “antigas”, mas também itens<br />

119


Júlio Carlos Afonso<br />

fabricados há relativamente pouco tempo (10-20 anos), <strong>de</strong>vido ao<br />

fenômeno da obsolescência rápida <strong>de</strong>sses mesmos itens.<br />

A maioria do acervo provém das antigas Escolas Nacionais <strong>de</strong><br />

Química e Farmácia, bem como da Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia.<br />

Fora da estrutura da UFRJ, as principais origens são o Colégio Militar<br />

do Rio <strong>de</strong> Janeiro (CMRJ) e a Associação Brasileira <strong>de</strong> Química<br />

(ABQ).<br />

4.1 Reagentes<br />

Marca característica <strong>de</strong> um laboratório químico, os cerca <strong>de</strong><br />

3.400 exemplares mostram uma perfeita noção da evolução das<br />

embalagens, dos rótulos e da quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produtos disponíveis<br />

comercialmente ao longo das décadas, sendo um retrato vivo <strong>de</strong><br />

como a química influenciou e influencia a vida em nosso dia a dia.<br />

Os reagentes mais antigos datam da década <strong>de</strong> 1870 (Figura 1).<br />

Figura 1: à esquerda: fosfato <strong>de</strong> sódio (Na 2<br />

HPO 4<br />

), procedência alemã (1951), reagente<br />

da Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia; ao centro: sulfato <strong>de</strong> “nickel e ammonea”<br />

(NH 4<br />

) 2<br />

Ni(SO 4<br />

) 2<br />

, procedência alemã (1924), usado na Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina do Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro; à direita: alizarina artifical (1918), da Escola Politécnica do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

(Largo <strong>de</strong> S. Francisco)<br />

120


Museu da Química Professor Athos da Silveira Ramos: a memória da Química no Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

4.2 Insumos <strong>de</strong> laboratório<br />

Correspon<strong>de</strong>m a toda uma varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> materiais: papéis<br />

<strong>de</strong> filtro, material <strong>de</strong> aquecimento, papéis <strong>de</strong> pH e universal, espátulas,<br />

réguas <strong>de</strong> cálculo químicas, mo<strong>de</strong>los atômicos, pinças, suportes,<br />

garras, vidrarias as mais diversas, etc. Neste último caso, é notável<br />

a percepção da evolução do instrumental <strong>de</strong> laboratório ao longo<br />

do tempo: do vidro sódico ao pirex, passando pelo vidro neutro. A<br />

forma <strong>de</strong> utilização e o <strong>de</strong>senho das peças <strong>de</strong> vidro também mostram<br />

mudanças, visando principalmente a eficiência e a segurança<br />

na condução dos experimentos. Nesta categoria (Figura 2) incluemse<br />

os termômetros e os <strong>de</strong>nsímetros, <strong>de</strong>ntre os quais se encontram<br />

as peças mais antigas do acervo (década <strong>de</strong> 1850).<br />

Figura 2: à esquerda: combustor (ca. 1930), oriundo da Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Farmácia;<br />

à direita: caixa <strong>de</strong> papel <strong>de</strong> filtro <strong>de</strong> procedência sueca, com a imagem <strong>de</strong> seu<br />

inventor J. J. Berzelius (ca. 1915), provavelmente oriundo da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina<br />

do Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

4.3 Equipamentos<br />

Incluem balanças, centrífugas, bombas a vácuo, microscópios,<br />

refratômetros, sacarímetros, colorímetros, aparelhagens para<br />

aquecimento em geral, viscosímetros, medidores <strong>de</strong> pH, medidores<br />

<strong>de</strong> radiação etc. Uma das características mais marcantes é a eletrifi-<br />

121


Júlio Carlos Afonso<br />

cação dos instrumentos, como as centrífrugas, e esse fato é um dos<br />

que mais chamam a atenção dos visitantes ao Museu. Sempre que<br />

possível, catálogos, manuais e fotos ilustrativas <strong>de</strong> como os equipamentos<br />

eram empregados no passado são incluídos para a <strong>de</strong>scrição<br />

completa da peça.<br />

Figura 3: à esquerda: bomba a vácuo a manivela (ca. 1920), proveniente do Colégio<br />

Militar do Rio <strong>de</strong> Janeiro; à direita: sacarímetro da Escola Politécnica do Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />

1890.<br />

4.4 Acervo documental<br />

Dentre os diversos itens, <strong>de</strong>stacam-se: teses <strong>de</strong> concurso<br />

para o provimento <strong>de</strong> cátedras (disciplinas) <strong>de</strong> química da Escola<br />

Politécnica (anos 1920-1930); teses <strong>de</strong> concurso para o provimento<br />

<strong>de</strong> cátedras <strong>de</strong> química da Escola Nacional <strong>de</strong> Química (anos<br />

1940-1950); revistas da primeira Socieda<strong>de</strong> Brasileira <strong>de</strong> Química<br />

(1937-1944); acervo documental da Associação Química do Brasil<br />

(1939-1951); revistas e boletins da Associação Brasileira <strong>de</strong> Química<br />

(1951-1999); manuais <strong>de</strong> química mineral e <strong>de</strong> águas minerais do<br />

Brasil (1920-1929); enciclopédias <strong>de</strong> hidráulica e química industrial<br />

(1879-1896); catálogo <strong>de</strong> produtos para laboratório (1916-2001); fotografias<br />

<strong>de</strong> laboratórios <strong>de</strong> Química da Escola Politécnica (ca. 1910),<br />

da Escola Nacional <strong>de</strong> Química (1954-1962) e do Instituto <strong>de</strong> Química<br />

(1960-1970); catálogos do Instituto <strong>de</strong> Química (1963-1995); atas<br />

<strong>de</strong> exames orais <strong>de</strong> Química da Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia<br />

122


Museu da Química Professor Athos da Silveira Ramos: a memória da Química no Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

(1940-1950); anuários das unida<strong>de</strong>s da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil (atual<br />

UFRJ) dos anos 1940, 1950 e 1960; estatuto e regimento da <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />

do Brasil (1950); pautas <strong>de</strong> reuniões do Conselho Universitário<br />

(1955-1959); atos <strong>de</strong> regulamentação da Escola Técnica <strong>de</strong> Química<br />

(atual CEFET-Química - 1943-1946); Curso <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> professores<br />

para o Ensino Industrial pela Comissão Brasileiro-Americana<br />

para o Ensino Industrial (CBAI - 1947).<br />

Figura 4: à esquerda: carteira <strong>de</strong> estudante <strong>de</strong> Gelcyra Cardoso Bittencourt, (4º ano do<br />

Curso <strong>de</strong> Química Industrial da Escola Superior <strong>de</strong> Agricultura e Medicina Veterinária,<br />

1932); à direita: na época da transferência do Instituto <strong>de</strong> Química para o bloco A do<br />

Centro <strong>de</strong> Tecnologia (1968), parte do interior do prédio ainda estava em obras.<br />

4.5 Livros<br />

Cerca <strong>de</strong> 70% das obras está disponível para consulta imediata<br />

da comunida<strong>de</strong>; os 30% restantes exigem algum trabalho prévio <strong>de</strong><br />

higienização, sendo, por isso, <strong>de</strong> consulta e acesso restritos. Mais <strong>de</strong><br />

80% dos livros são da área <strong>de</strong> química, mas também existem obras<br />

das áreas <strong>de</strong> Engenharia, Medicina, Geologia, Geografia, Matemática,<br />

Física, Meteorologia, Farmácia, Arquitetura e Urbanismo, Ciência<br />

Política, Astronomia, Biologia e História.<br />

5. A Química em experimentos<br />

Após inicio da ativida<strong>de</strong>, em 2004, as experiências propostas<br />

visam <strong>de</strong>spertar nos visitantes o gosto e o interesse pela ciência<br />

química, <strong>de</strong>smistificando a idéia da Química como algo perigoso e<br />

ruim, e mostrando a sua forte presença no cotidiano <strong>de</strong> todos.<br />

123


Júlio Carlos Afonso<br />

As experiências são selecionadas <strong>de</strong> modo a impactar as<br />

pessoas pelo aparecimento (ou mudança) <strong>de</strong> cores, precipitados e<br />

<strong>de</strong>sprendimento <strong>de</strong> gases, empregando reagentes <strong>de</strong> baixo custo<br />

e <strong>de</strong> menor toxicida<strong>de</strong> possível (os resíduos dos experimentos são<br />

coletados e posteriormente tratados). Alguns experimentos <strong>de</strong> física,<br />

como pesagem em balanças, uso da eletricida<strong>de</strong> e magnetismo<br />

são também i<strong>de</strong>alizados e executados. Menciona-se também a<br />

constituição <strong>de</strong> uma Tabela Periódica on<strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 50 elementos<br />

químicos puros são exibidos.<br />

Além do foco centrado no visitante, estagiários e professores<br />

<strong>de</strong> ensino <strong>de</strong> ciências (nível fundamental) e <strong>de</strong> química (nível<br />

médio) vêm se beneficiando <strong>de</strong>ssa ativida<strong>de</strong>, pois elas auxiliam na<br />

inserção <strong>de</strong> novas práticas <strong>de</strong> ensino, acessíveis aos <strong>seus</strong> alunos.<br />

A inserção <strong>de</strong> material histórico mostra claramente a evolução da<br />

Química como ciência experimental, na busca <strong>de</strong> uma maior perfeição,<br />

e segurança na execução dos experimentos.<br />

Des<strong>de</strong> 2005 cresceu significativamente o número <strong>de</strong> participações<br />

do Museu em eventos escolares, particularmente feiras <strong>de</strong><br />

ciências e semanas culturais, bem como <strong>de</strong> visitas <strong>de</strong> escolas (públicas<br />

e privadas) à se<strong>de</strong> (Figura 5).<br />

Figura 5: à esquerda: alunos do Colégio Intellectus (unida<strong>de</strong> Vila Isabel) visitam o Museu<br />

em abril/2002, à direita, alunos do pré-vestibular Samora Michel visitam a se<strong>de</strong><br />

do Museu em agosto/2007.<br />

124


Museu da Química Professor Athos da Silveira Ramos: a memória da Química no Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

6. Desafios para o futuro<br />

O Museu da Química precisa <strong>de</strong> uma maior área para exposição<br />

permanente e guarda <strong>de</strong> seu acervo, facilitando não só o manuseio<br />

do mesmo, mas também a conservação, restauração e manutenção.<br />

Um dos <strong>de</strong>safios mais marcantes é dar consistência e valor a objetos<br />

que são muitas vezes partes <strong>de</strong> um acervo maior, disperso ou<br />

já parcialmente <strong>de</strong>struído. É preciso esgotar todos os mecanismos<br />

que visem i<strong>de</strong>ntificar e enquadrar <strong>de</strong>terminado objeto <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />

um contexto histórico.<br />

Investimentos se fazem necessários para a recuperação <strong>de</strong><br />

peças <strong>de</strong> laboratório e higienização/restauração <strong>de</strong> itens dos<br />

acervos bibliográfico e arquivístico, o que facilitará o registro e o<br />

reconhecimento <strong>de</strong>sse acervo junto ao IPHAN.<br />

7. Conclusão<br />

O Museu da Química Prof. Athos da Silveira Ramos cumpre<br />

uma missão que vai além <strong>de</strong> sua vocação natural para a extensão<br />

universitária: serve igualmente como fonte para pesquisas e como<br />

suporte didático, propiciando à sua equipe uma rica e variada experiência<br />

tanto acadêmica como cidadã.<br />

A sua proposta, ainda hoje inovadora no cenário nacional,<br />

permite que este projeto continue a cumprir a sua missão por muito<br />

tempo. A instalação em um espaço maior consolidará <strong>de</strong>finitivamente<br />

a sua vocação como um projeto voltado para a memória da<br />

ciência brasileira e da própria UFRJ.<br />

8. Agra<strong>de</strong>cimentos<br />

Ao Programa Institucional <strong>de</strong> Bolsas <strong>de</strong> Extensão (PIBEX/<br />

UFRJ) e ao Programa <strong>de</strong> Apoio ao Estudante (PAE/UFRJ) pela<br />

concessão <strong>de</strong> bolsas aos alunos participantes <strong>de</strong>ste projeto. Ao<br />

Conselho Nacional <strong>de</strong> Desenvolvimento Científico e Tecnológico<br />

CNPq pelo auxílio financeiro.<br />

125


Júlio Carlos Afonso<br />

9. Referência (trabalhos completos publicados com base<br />

no acervo do Museu)<br />

AFONSO, J.C.; AGUIAR, R.M.; GOMES, L.M.B. Análise química <strong>de</strong> sais <strong>de</strong> cobre<br />

fabricados entre 1877 e 1995, Quimica Nova, v.27, n. 4, p. 678-683, 2004.<br />

AFONSO, J.C.; AGUIAR, R. M. A evolução dos reagentes químicos comerciais através<br />

dos rótulos e frascos, Quimica Nova, v.27, n. 5, p. 837-844, 2004.<br />

AFONSO, J.C.; SILVA, R.M. A evolução da balança analítica, Quimica Nova, v.27,<br />

n. 6, p. 1021-1027, 2004.<br />

AFONSO, J. C.; PIRES, D. P. L.; CHAVES, A. B. Do termoscópio ao termômetro<br />

digital: 4 séculos <strong>de</strong> termometria, Quimica Nova, v.29, n. 6, p. 1393-1400, 2006.<br />

GAMA, M. S.; AFONSO, J. C. “De Svante Arrhenius ao peagâmetro figital: 100 anos<br />

<strong>de</strong> medida <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>z”, Quimica Nova, v. 30, n. 1, p. 232-239, 2007.<br />

LIMA, R. S.; PIMENTEL, L. C. F.; AFONSO, J. C. “Raios-x: fascinação, medo e<br />

ciência”, Quimica Nova, 2008. Revista no prelo.<br />

PIMENTEl, L. C. F.; et al. O inacreditável emprego <strong>de</strong> produtos químicos perigosos no<br />

passado”, Quimica Nova, v.29, n. 5, p. 1138-1149, 2006.<br />

PIRES, D. P.L.; CHAVES, A. B.; AFONSO, J. C. A termometria nos séculos XIX e XX,<br />

Revista Brasileira <strong>de</strong> Ensino <strong>de</strong> Física, v. 28, n. 1, p.101-114, 2006.<br />

SILVA, A. P.; SANTOS, N. P.; AFONSO, J. C. A criação do curso <strong>de</strong> engenharia química<br />

na Escola Nacional <strong>de</strong> Química, Quimica Nova, v.29, n. 4, p. 881-888, 2006.<br />

Todos os artigos estão disponíveis gratuitamente para acesso em :<br />

http://quimicanova.sbq.org.br/in<strong>de</strong>x.php<br />

http://www.sbfisica.org.br/rbef.<br />

126


Quando um museu dá samba:<br />

a popularização do Museu Nacional/UFRJ<br />

no carnaval carioca<br />

Introdução<br />

Regina Dantas<br />

O Museu Nacional, instituição científica mais antiga do país,<br />

criada por D. João VI em 1818 e incorporada à <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil<br />

em 1946 (atual <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro), se vê<br />

diante <strong>de</strong> um <strong>de</strong>safio: disseminar o conhecimento científico para a<br />

diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>seus</strong> visitantes. Um convite inesperado fez com que<br />

a Direção da instituição, através do professor Sérgio Alex Kugland<br />

<strong>de</strong> Azevedo e Wagner W. Martins, abraçasse a oportunida<strong>de</strong> ímpar<br />

<strong>de</strong> transformar a história do Museu Nacional em samba-enredo <strong>de</strong><br />

uma escola <strong>de</strong> samba para o Carnaval do Rio <strong>de</strong> Janeiro em 2008.<br />

Chama-se aqui <strong>de</strong> <strong>de</strong>safio a problemática da busca por melhores<br />

estratégias para a disseminação do conhecimento por parte dos<br />

mu<strong>seus</strong> (MENEZES, 2002).<br />

Em março <strong>de</strong> 2007, estávamos concluindo nossa dissertação<br />

<strong>de</strong> mestrado em Memória Social, na <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral do Estado<br />

do Rio <strong>de</strong> Janeiro (UNIRIO), sobre o Paço <strong>de</strong> São Cristóvão, do período<br />

<strong>de</strong> D.Pedro II até a sua transformação em Museu Nacional. Foi<br />

quando surgiu a proposta do carnavalesco Ricardo Netto do Grêmio<br />

Recreativo Escola <strong>de</strong> Samba Arrastão <strong>de</strong> Cascadura, <strong>de</strong> transformar<br />

a história da instituição em samba-enredo para o Carnaval 2008. Ficou<br />

<strong>de</strong>cidido, então, que a dissertação seria a estrutura teórica para<br />

a construção do enredo.<br />

A partir <strong>de</strong> então, foi criado um cronograma <strong>de</strong> trabalho que<br />

se <strong>de</strong>senvolveu ao longo <strong>de</strong> todo o ano. Iniciamos pela leitura da<br />

dissertação e i<strong>de</strong>ntificação dos principais personagens da história<br />

do palácio real e imperial. O segundo momento foi a percepção das<br />

127


Regina Dantas<br />

duas histórias que se unem: a história do Paço <strong>de</strong> São Cristóvão e a<br />

história do Museu Nacional (DANTAS, 2007), no viés da Memória Social<br />

(HALBWACHS, 1990). Assim, ficou acertado que o enredo seria<br />

dividido nestas duas partes: entre a memória do palácio enquanto<br />

um patrimônio histórico (ABREU, 2003; GONÇALVES, 2003; CHOAY,<br />

2001) e a história cientifica do Museu Nacional (LOPES, 1997).<br />

As Escolas do grupo C têm direito a três carros alegóricos e 16<br />

alas com 30 componentes cada. Diante <strong>de</strong>ste cenário, o próximo<br />

momento seria a <strong>de</strong>finição dos carros alegóricos e das fantasias.<br />

Entretanto, pelo calendário das Escolas <strong>de</strong> Samba, a <strong>de</strong>finição do<br />

samba enredo era o mais emergencial para dar tempo aos compositores<br />

para <strong>de</strong>senvolverem suas criações. Para isso, foi relevante o<br />

contato com o carnavalesco para passar os principais personagens<br />

que atuaram no palácio durante o século XIX, o papel <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque<br />

da instituição para as ciências no Brasil (AZEVEDO, 1994; NETTO,<br />

1870) e também propor alguns objetos (POMIAN, 1997; BRIGOLA,<br />

2003; GUIMARÃES, 2003) como <strong>de</strong>staque para o samba enredo.<br />

Após várias explicações sobre a história do Paço <strong>de</strong> São Cristóvão<br />

e a da instituição científica, em final do mês <strong>de</strong> maio estava<br />

escolhido o tema: Do Palácio Real ao Museu Nacional, 200 anos<br />

<strong>de</strong> história. Assim, a Escola do Grupo C também estaria seguindo a<br />

orientação da Liga das Escolas <strong>de</strong> Samba em homenagear os 200<br />

anos da vinda da Corte portuguesa para o Brasil.<br />

Ao longo dos meses <strong>de</strong> junho e julho, o carnavalesco foi elaborando<br />

sua proposta para o <strong>de</strong>senvolvimento da Escola. Sobre os<br />

carros alegóricos, a <strong>de</strong>finição não foi tão complexa <strong>de</strong>vido à <strong>de</strong>limitação<br />

dos números <strong>de</strong> carros (três) e <strong>de</strong>vido à história po<strong>de</strong>r ser dividida<br />

em duas partes, por isso, o primeiro carro anunciaria o palácio<br />

- o Paço <strong>de</strong> São Cristóvão - e os outros dois carros trariam símbolos<br />

emblemáticos que representariam a pesquisa científica do Museu<br />

Nacional. Quais seriam os dois símbolos mais marcantes da instituição<br />

Por se tratar <strong>de</strong> disseminação do conhecimento <strong>de</strong> um museu,<br />

um espaço <strong>de</strong> memória (NORA, 1993), tivemos que i<strong>de</strong>ntificar as sa-<br />

128


Quando um museu dá samba: a popularização do Museu Nacional/UFRJ no Carnaval carioca<br />

las mais visitadas da exposição. Como resposta obtivemos – a dos<br />

dinossauros e das múmias. Diante do exposto, o segundo carro traria<br />

um dinossauro e o terceiro (e último), um sarcófago. Assim, estaríamos<br />

sendo coerentes com a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> passada ao longo dos<br />

anos para os visitantes da instituição (CHAGAS & MYRIAM, 1940).<br />

Outra <strong>de</strong>finição importante foi a <strong>de</strong> contar a história do Paço<br />

e do Museu a partir da nossa dissertação, que em seu terceiro e<br />

último capítulo trata do Museu do Imperador; um total <strong>de</strong> quatro<br />

salas na residência imperial do monarca que representa seu espaço<br />

repleto <strong>de</strong> artefatos e objetos das ciências naturais e antropológicas,<br />

que apresenta assim, um novo perfil do imperador - um colecionista<br />

- que realizava visitas guiadas para naturalistas viajantes<br />

<strong>de</strong> diferentes países para conhecerem sua coleção (DANTAS, 2008;<br />

SCHWARCZ & DANTAS, 2008). Parte <strong>de</strong> sua coleção mineralógica e <strong>de</strong><br />

seu herbário foram herdados por sua mãe, a imperatriz Leopoldina<br />

(OBERACKER, 1973), e o acervo foi sendo aumentado <strong>de</strong>vido aos<br />

presentes recebidos por representantes <strong>de</strong> países que o visitavam,<br />

presentes em geral, trocas realizadas entre instituições <strong>de</strong> pesquisas<br />

e mu<strong>seus</strong> estrangeiros, além <strong>de</strong> objetos adquiridos em suas três<br />

viagens ao exterior .<br />

Durante o mês <strong>de</strong> agosto foram realizadas as reuniões com<br />

a ala dos compositores para apresentação e explicação do tema,<br />

além da contextualização das fantasias das alas diretamente relacionadas<br />

à dissertação <strong>de</strong> mestrado. Durante os meses <strong>de</strong> outubro<br />

e novembro, participei da escolha do samba enredo, aos sábados<br />

à noite, e o samba vencedor foi o que melhor contou a história que<br />

estava sendo proposta para o <strong>de</strong>sfile. Segue o samba-enredo vencedor<br />

do GRES Arrastão <strong>de</strong> Cascadura – Carnaval 2008:.<br />

ENREDO: “Paço <strong>de</strong> São Cristóvão: do Palácio Real ao Museu<br />

Nacional, 200 anos <strong>de</strong> história”<br />

AUTORES: Luquinha da Conceição/ Julinho Cá/ Nilson Lemos/<br />

Marquinho/ Cosminho/ Garcia/ Vanir Mec<br />

INTÉRPRETE: Marquinhos Silva<br />

129


Regina Dantas<br />

Em meu Brasil aportou<br />

Realeza chegou <strong>de</strong> Portugal<br />

A Quinta da mais bela vista<br />

Se fez moradia o Palácio Real<br />

Ilustres moradores <strong>seus</strong> feitos imortais<br />

Usaram a razão, <strong>de</strong>terminação conquistando i<strong>de</strong>ais<br />

Um grito ecoou, In<strong>de</strong>pendência a nação<br />

Liberda<strong>de</strong> é um direito em forma <strong>de</strong> oração<br />

Mas com o fim da monarquia<br />

O improvável aconteceu<br />

E o Paço quem diria se transforma em Museu<br />

Acervo sem igual, <strong>de</strong> arqueologia<br />

Evolução as etnias<br />

África <strong>de</strong> Daomé, Roma e <strong>seus</strong> gladiadores<br />

Os incas sucumbiram aos invasores<br />

Ben<strong>de</strong>gó caiu em terras da Bahia<br />

E Santos Dumont pra aviação renasceria<br />

Diversos exemplares a fauna e a flora em evidência<br />

Biblioteca <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> extensão incentivo à ciência<br />

Torá livro sagrado dos ju<strong>de</strong>us<br />

Antigo Egito no museu não precisa se assustar<br />

Estudantes, visitantes<br />

A múmia não vai te pegar<br />

Do Palácio Real ao Museu Nacional<br />

200 anos <strong>de</strong> história<br />

Trazendo a corte imperial<br />

Aí vem o Arrastão, almejando a vitória<br />

130


Quando um museu dá samba: a popularização do Museu Nacional/UFRJ no Carnaval carioca<br />

Em <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2007, iniciamos a jornada <strong>de</strong> visitas ao atelier<br />

para avaliar a elaboração das fantasias e ao barracão para acompanhar<br />

a montagem dos carros alegóricos (Figura 1).<br />

Figura 1 – À esquerda, as costureiras da Escola <strong>de</strong> Samba Arrastão <strong>de</strong> Cascadura e a<br />

montagem do carro alegórico do dinossauro, que daria início à história da instituição.<br />

O <strong>de</strong>senvolvimento do enredo da Escola a partir da escolha do<br />

tema e o contato com os componentes e membros da diretoria vão<br />

fazer parte do nosso trabalho, acompanhando a criação do carnavalesco<br />

e os <strong>de</strong>mais atores que <strong>de</strong>ram vida a uma dissertação sobre<br />

o Paço <strong>de</strong> São Cristóvão e o Museu Nacional.<br />

A história sendo construída<br />

Após a <strong>de</strong>finição dos carros alegóricos e a i<strong>de</strong>alização das fantasias<br />

por parte do carnavalesco Ricardo Netto, tivemos função<br />

relevante na orientação da construção do enredo para que, entre<br />

outras situações, não fossem cometidas distorções sobre a história<br />

do império – nosso cenário (NEVES, 1999).<br />

Um exemplo bastante interessante, que talvez nos auxilie para<br />

melhor ilustrar o papel do historiador em diferentes atuações, foi<br />

o fato da escolha dos temas para as fantasias. Após a <strong>de</strong>finição em<br />

separar a história em duas partes - história do Paço <strong>de</strong> São Cristóvão<br />

e a história do Museu Nacional - auxiliamos na indicação dos temas<br />

por alas. Assim, foi interessante separar a primeira ala para ser<br />

composta por integrantes do Museu Nacional. Cabe ressaltar que<br />

131


Regina Dantas<br />

Figura 2 – Primeira ala da Escola - D. Pedro I, composta por técnico-administrativos,<br />

docentes, alunos e estagiários do Museu Nacional/UFRJ.<br />

a ala primeira <strong>de</strong>veria aparecer na avenida com muita animação<br />

para dar o tom da Escola. Seria uma gran<strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> para<br />

os integrantes e também, para nós que ficamos responsáveis pela<br />

composição, organização e garantia <strong>de</strong> que todos apren<strong>de</strong>riam o<br />

samba-enredo para não <strong>de</strong>sclassificar a Escola.<br />

O casal <strong>de</strong> imperadores D. Pedro II e Teresa Cristina <strong>de</strong>veriam<br />

vir em <strong>de</strong>staque no carro-alegórico do Paço, <strong>de</strong>vido ao monarca ter<br />

nascido na residência e ter permanecido por mais tempo no palácio.<br />

Assim, D. Pedro I seria lembrado na primeira ala (composta por<br />

funcionários do Museu Nacional), e D. João VI e Carlota Joaquina<br />

seriam o primeiro casal <strong>de</strong> mestre-sala e porta-ban<strong>de</strong>ira. Cabe ressaltar<br />

que D. João VI, ao criar o Museu Real (atual Museu Nacional),<br />

marcou o <strong>de</strong>senvolvimento das ciências no Brasil (OLIVEIRA, 2005)<br />

e D. Pedro II fortaleceu esta iniciativa com <strong>seus</strong> estudos e viagens<br />

(BEDIAGA, 1999) incrementando o colecionismo científico.<br />

D. João VI também tem sua importância na aquisição da antiga<br />

residência que pertenceu ao luso-libanês Elie Antun Lubbus, nome<br />

132


Quando um museu dá samba: a popularização do Museu Nacional/UFRJ no Carnaval carioca<br />

aportuguesado para Elias Antonio Lopes (KHATLAB, 2002, p.19), e<br />

a sua posterior transformação no Paço <strong>de</strong> São Cristóvão, além da<br />

realização <strong>de</strong> aterramento e <strong>de</strong>mais melhorias no bairro.<br />

Aqui apresentamos um exemplo <strong>de</strong> distorção histórica i<strong>de</strong>ntificada<br />

por nós e <strong>de</strong>vidamente corrigida. Após a <strong>de</strong>ntificação dos temas<br />

<strong>de</strong> cada ala, foi marcada uma reunião no Museu Nacional para<br />

apresentação dos <strong>de</strong>senhos das fantasias. O <strong>de</strong>senho referente à<br />

primeira ala - D. Pedro I (Figura 3) - vinha com o esplendor com as<br />

ban<strong>de</strong>iras da República, o que seria um grave erro histórico. Assim<br />

substituímos por uma <strong>de</strong> cor ver<strong>de</strong> e outra <strong>de</strong> cor amarela.<br />

Figura 3 – <strong>de</strong>senho da ala D. Pedro I com as ban<strong>de</strong>iras da República, ao lado, a fantasia<br />

modificada com estagiários do Museu Nacional.<br />

As alas seguintes representariam as áreas <strong>de</strong> estudos <strong>de</strong> D. Pedro<br />

II: a biblioteca, a astronomia, a torá, explanadas na nossa dissertação<br />

sobre o cotidiano do monarca. A Biblioteca <strong>de</strong> Sua Majesta<strong>de</strong><br />

Imperial (Figura 4), composta <strong>de</strong> aproximadamente <strong>de</strong> 31.000 livros<br />

(CUNHA, 1966), foi iniciada com as obras trazidas para o Brasil por<br />

D. João VI (ex-libris da Real Biblioteca), obras adquiridas por sua<br />

mãe, dona Leopoldina, e complementada pelo segundo casal <strong>de</strong><br />

133


Regina Dantas<br />

imperadores (Ex-libris da Biblioteca Particular <strong>de</strong> Sua Majesta<strong>de</strong> Imperial).<br />

Inclusive, os livros faziam parte obrigatória <strong>de</strong> algumas <strong>de</strong><br />

suas imagens fotográficas ou em pinturas para compor a imagem<br />

do monarca-cidadão, associado à cultura e às ciências (SCHWARCZ,<br />

1998).<br />

Figura 4 – Ex-libris das obras que pertenceram a D. João VI e a D. Pedro II e à direita a<br />

representação da biblioteca do monarca.<br />

No Paço <strong>de</strong> São Cristóvão existiu um espaço <strong>de</strong> uso privado<br />

utilizado para as observações do monarca, localizado na parte externa<br />

do palácio, no terraço: o Observatório Astronômico do imperador.<br />

Construído em 1862 pelo engenheiro Francisco Joaquim<br />

Bettencourt da Silva, o Observatório era constituído <strong>de</strong> um quarto<br />

envidraçado localizado acima do torreão norte, contendo equipamentos<br />

necessários para a análise <strong>de</strong> corpos celestes. Nesse espaço<br />

totalmente transparente, o monarca utilizava diversos equipamentos,<br />

<strong>de</strong>ntre eles os que necessitavam da luz solar. Utilizamos para<br />

representar esta área <strong>de</strong> estudo do monarca dois objetos: o relógio<br />

<strong>de</strong> sol e o canhão do meio dia (Figura 5).<br />

Um material que figurou no museu do monarca, e que também<br />

lhe serviu como fonte <strong>de</strong> exercício para tradução do hebraico para o<br />

inglês, foi a Torá (Figura 6). O Museu Nacional <strong>de</strong>tém a guarda <strong>de</strong>sse<br />

material atualmente distribuída por nove rolos <strong>de</strong> couro contendo<br />

o texto bíblico, incompleto e escrito em hebraico. Acreditamos que<br />

a Torá tenha figurado na área oriental do museu do monarca, entre<br />

outros motivos, por seu significado religioso e cultural; pelas formas<br />

físicas das peças (suntuosida<strong>de</strong> típica <strong>de</strong> uma relíquia) e em razão<br />

do interesse ostensivo do Imperador pelo oriente.<br />

134


Quando um museu dá samba: a popularização do Museu Nacional/UFRJ no Carnaval carioca<br />

Figura 5 – À esquerda, o relógio <strong>de</strong> sol e o canhão do meio-dia, objetos que pertenceram<br />

ao Gabinete Astronômico do monarca. Ao lado, a fantasia representando os<br />

estudos <strong>de</strong> astronomia do imperador.<br />

Figura 6 – À esquerda, os rolos que compõem a Torah <strong>de</strong> D. Pedro II e, à direita, a sua<br />

representação no <strong>de</strong>sfile.<br />

A Princesa Isabel também foi representada a partir da atuação<br />

do trabalho escravo no <strong>de</strong>senvolvimento da economia e da cultura<br />

do período imperial (BARMAN, 2005), através da fantasia <strong>de</strong> negros<br />

embalando uma ban<strong>de</strong>ira com as inscrições “Lei Áurea”, simbolizando<br />

o ato <strong>de</strong> libertação dos escravos.<br />

A ala das Baianas, marco das escolas <strong>de</strong> samba, foi uma homenagem<br />

à imperatriz Leopoldina, favorável à criação do Museu Real<br />

e <strong>de</strong>stacando seu perfil colecionista com uma fantasia repleta <strong>de</strong><br />

flores (representando a botânica e o herbário herdado por seu filho,<br />

D. Pedro II) e <strong>de</strong> pedras (simbolizando os minerais, fazendo menção<br />

à sua coleção mineralógica também herdada por seu filho).<br />

Para <strong>de</strong>marcação da virada da história do Paço <strong>de</strong> São<br />

Cristóvão para a do Museu Nacional, foi colocado o segundo<br />

casal <strong>de</strong> mestre-sala e porta-ban<strong>de</strong>ira anunciando a chegada das<br />

135


Regina Dantas<br />

ciências. Em seguida, o segundo carro-alegórico foi o da réplica do<br />

dinossauro do projeto Dinossauros do Brasil do Museu Nacional.<br />

As <strong>de</strong>mais alas representaram as áreas do conhecimento do<br />

Museu Nacional e que aqui apresentaremos articulando-as com<br />

os objetos que pertenceram à instituição ou, em alguns casos, aos<br />

artefatos que figuraram no Museu do Imperador e que hoje também<br />

fazem parte do acervo do Museu Nacional. Esta articulação é justificada<br />

pelo <strong>de</strong>staque que a dissertação <strong>de</strong>u aos acervos do monarca<br />

que ficavam expostos em seu museu particular.<br />

A primeira ala representou a criação do Museu Real (atual<br />

Museu Nacional) com um objeto doado por seu criador, D. João VI:<br />

um trono recebido por ele pelo representante do rei <strong>de</strong> Daomé.<br />

Cabe <strong>de</strong>stacar que o Museu Real foi criado em 6 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1818,<br />

com forte atuação da imperatriz Leopoldina, e ficava localizado no<br />

Campo <strong>de</strong> Santana, tendo sido transferido para a Quinta da Boa<br />

Vista em 1892, após longa insistência do ex-diretor Ladislau Netto,<br />

que pretendia transferir o Museu Nacional para o prédio do antigo<br />

Paço <strong>de</strong> São Cristóvão (residência real e imperial) com intuito <strong>de</strong>,<br />

inclusive, se apropriar do acervo do Museu do Imperador.<br />

As <strong>de</strong>mais alas da Escola foram assim apresentadas: antropologia;<br />

botânica; entomologia, geologia/paleontologia e vertebrados.<br />

Não houve fantasias que representassem a área dos animais<br />

invertebrados.<br />

No Museu Nacional duas áreas do conhecimento estão unidas:<br />

a Geologia e a Paleontologia. A primeira foi abordada no sambaenredo<br />

através do meteorito <strong>de</strong> Ben<strong>de</strong>gó e a Paleontologia representada<br />

no carro alegórico que apresentaria a instituição científica.<br />

A botânica teve sua representação na ala <strong>de</strong> mesmo nome,<br />

com uma fantasia repleta <strong>de</strong> flores coloridas; a antropologia foi<br />

<strong>de</strong>stacada na ala das passistas, com a plumária indígena brasileira<br />

(Figura 7) e na fantasia dos componentes da bateria, os incas <strong>de</strong>staram<br />

as civilizações pré-colombianas nas Américas.<br />

136


Quando um museu dá samba: a popularização do Museu Nacional/UFRJ no Carnaval carioca<br />

Figura 7 – À esquerda, a plumária indígena brasileira e à direita, a ala das passistas.<br />

A arqueologia foi apresentada com a fantasia “ven<strong>de</strong>doras<br />

<strong>de</strong> ânforas” e “Vesúvio”, simbolizando a coleção greco-romana <strong>de</strong><br />

Tereza Cristina, que figurou no Museu do Imperador, e que marcam<br />

a presença <strong>de</strong>stes objetos arqueológicos existentes no Museu<br />

Nacional da UFRJ.<br />

Dando seguimento à apresentação das áreas do conhecimento<br />

da instituição cientifica, a entomologia participou do <strong>de</strong>sfile na ala<br />

das borboletas, e a sub-área da Zoologia - os vertebrados - estiveram<br />

presentes através da ala dos animais empalhados, com a fantasia<br />

da onça do mato.<br />

O terceiro e último carro alegórico fechava a apresentação trazendo<br />

um sarcófago estilizado, acompanhado por uma pequena ala<br />

coreografada com múmias. A próxima ala foi uma homenagem aos<br />

visitantes ilustres do Museu Nacional, <strong>de</strong>stacando a visita <strong>de</strong> Santos<br />

Dumont e o <strong>de</strong>staque <strong>de</strong> chão foi Albert Einstein. Finalizando, a ala<br />

que representa o motivo principal das exposições da instituição - os<br />

alunos das escolas públicas e privadas - que representam um número<br />

constante <strong>de</strong> visitação do museu ao longo do ano.<br />

Diante do exposto, a Escola <strong>de</strong> Samba Arrastão <strong>de</strong> Cascadura<br />

ficou assim apresentada:<br />

137


Regina Dantas<br />

1ª. Parte – Carro abre alas: Paço <strong>de</strong> São Cristóvão<br />

• D. Pedro II e Thereza Cristina (<strong>de</strong>staques);<br />

• D. Pedro I<br />

o<br />

• D. João VI e Carlota Joaquina (1 casal <strong>de</strong> mestre-sala e<br />

porta-ban<strong>de</strong>ira);<br />

• Estudos <strong>de</strong> D. Pedro II – Biblioteca, Gabinete <strong>de</strong> Astronomia<br />

e Torá;<br />

• Princesa Isabel;<br />

• Leopoldina.<br />

Cientistas (2 o casal <strong>de</strong> mestre-sala e porta-ban<strong>de</strong>ira).<br />

2ª. Parte – Carro Museu Nacional - Paleontologia<br />

• Criação do Museu Real;<br />

• Geologia;<br />

• Botânica;<br />

• Zoologia - Vertebrados;<br />

• Entomologia;<br />

• Antropologia:<br />

Arqueologia pré-colombiana;<br />

Etnologia indígena brasileira;<br />

Arqueologia das culturas mediterrâneas.<br />

3ª. Parte – Carro sarcófago:<br />

• Egito;<br />

• Visitantes ilustres;<br />

• Estudantes.<br />

E o Museu Nacional virou samba<br />

Após todos os <strong>de</strong>sdobramentos provenientes da construção<br />

da Escola para o <strong>de</strong>sfile, o nosso <strong>de</strong>safio agora era garantir a boa<br />

apresentação da primeira ala (<strong>de</strong> D. Pedro I) composta <strong>de</strong> servidores<br />

do Museu Nacional (docentes, técnico-administrativos, estagiários<br />

e alunos). Para motivar os participantes e garantir a presença <strong>de</strong><br />

todos, as fantasias <strong>de</strong>sta ala não foram distribuídas como <strong>de</strong> cos-<br />

138


Quando um museu dá samba: a popularização do Museu Nacional/UFRJ no Carnaval carioca<br />

tume, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> orientar os membros da ala sobre cada passo do<br />

<strong>de</strong>senvolvimento do samba, das fantasias e do barracão, foi organizada<br />

em minha casa uma concentração, sete horas antes do horário<br />

previsto para a realização do <strong>de</strong>sfile.<br />

Com isso, foi garantido que: os participantes não chegariam<br />

separadamente; que a montagem das fantasias seria padronizada;<br />

estaria garantida a animação e o conhecimento do samba-enredo;<br />

foi proposto e aprovado por todos, uma coreografia em um momento<br />

do samba; não houve ausências (dois servidores justificaram<br />

a ausência e foram substituídos por nossos estagiários) nem excessos<br />

com bebida alcoólica. A concentração, além <strong>de</strong> ter <strong>de</strong>senvolvido<br />

a motivação (principalmente para aqueles que teriam sua primeira<br />

experiência), promoveu uma coesão entre os participantes na relevante<br />

tarefa <strong>de</strong> representar o Museu Nacional.<br />

O <strong>de</strong>sfile foi realizado no dia 3 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2008, na avenida<br />

Inten<strong>de</strong>nte Magalhães, no bairro do Campinho, subúrbio carioca. A<br />

Escola <strong>de</strong> Samba Arrastão <strong>de</strong> Cascadura <strong>de</strong>sfilou à 1 hora da manhã<br />

e para aumentar a emoção, contou com a presença do professor e<br />

diretor geral do Museu Nacional, Sergio Alex Kugland <strong>de</strong> Azevedo<br />

e do professor Alex Kellner, ambos paleontólogos e que <strong>de</strong>sfilaram<br />

como integrantes da ala da Diretoria da Escola, emocionados por<br />

verem o Museu Nacional ser cantado na avenida pela população.<br />

Conclusão<br />

A repercussão no próprio Museu Nacional/UFRJ sobre a participação<br />

da instituição teve um impacto acima do esperado. A comunida<strong>de</strong><br />

queria maiores informações sobre o passo a passo para a<br />

transformação <strong>de</strong> uma dissertação sobre o Paço <strong>de</strong> São Cristóvão e<br />

o Museu Nacional/UFRJ em um enredo <strong>de</strong> escola <strong>de</strong> samba, que foi<br />

contemplado com a presente publicação. O Museu Nacional conseguiu<br />

vencer o <strong>de</strong>safio <strong>de</strong> popularizar as ciências através <strong>de</strong> ações<br />

consonantes com os anseios e a linguagem da socieda<strong>de</strong>. Sua participação<br />

no <strong>de</strong>sfile da Inten<strong>de</strong>nte Magalhães representou a possi-<br />

139


Regina Dantas<br />

bilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vivenciarmos uma perfeita e enriquecedora integração<br />

<strong>de</strong> uma instituição <strong>de</strong> pesquisa com uma região carente e popular<br />

do subúrbio carioca.<br />

A Escola <strong>de</strong> Samba Arrastão <strong>de</strong> Cascadura recebeu o título <strong>de</strong><br />

vice-campeã do Carnaval carioca <strong>de</strong> 2008 e <strong>de</strong>sfilará em 2009 na<br />

Marques <strong>de</strong> Sapucaí. O carnavalesco Ricardo Netto recebeu o prêmio<br />

<strong>de</strong> melhor enredo <strong>de</strong> 2008. Por nossa participação e envolvimento<br />

no trabalho, eu e o diretor do Museu Nacional/UFRJ recebemos<br />

a medalha <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque na participação no Carnaval 2008,<br />

como reconhecimento da Escola <strong>de</strong> Samba Arrastão <strong>de</strong> Cascadura.<br />

O presente trabalho foi apresentado no Seminário Memória,<br />

documentação e pesquisa, do <strong>Sistema</strong> <strong>de</strong> <strong>Bibliotecas</strong> e Informação<br />

da UFRJ (SiBI) , no Congresso da Associação Nacional dos Profissionais<br />

<strong>de</strong> História (ANPUH/RJ) e foi solicitada sua apresentação no<br />

Congresso Universidad 2010 em Havana - Cuba, como exemplo da<br />

popularização da pesquisa através da Extensão Universitária.<br />

Acreditamos que ao tornar pública a metodologia para a constituição<br />

da instituição em enredo e samba, possamos motivar os<br />

profissionais responsáveis pela guarda e preservação <strong>de</strong> objetos em<br />

mu<strong>seus</strong>, no sentido <strong>de</strong>, ao fazê-los conhecidos pela população, atribuir-lhes<br />

maiores significados e importância. O ofício do historiador<br />

e do pesquisador, quando integrado aos trabalhos populares, experimenta<br />

novas feições. Com rigor, critério e responsabilida<strong>de</strong>, mas<br />

livre dos constantes formalismos, típicos da aca<strong>de</strong>mia e das instituições<br />

científicas, adquire novos contornos, inesperadas nuances e<br />

múltiplas possibilida<strong>de</strong>s criadoras.<br />

140


Quando um museu dá samba: a popularização do Museu Nacional/UFRJ no Carnaval carioca<br />

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Rio <strong>de</strong> Janeiro, 2007.<br />

______. Um museu <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> casa: coleção particular <strong>de</strong> D. Pedro II reunia<br />

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Nacional. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Editora Socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Amigos da Biblioteca Nacional, n. 33,<br />

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142


Quando um museu dá samba: a popularização do Museu Nacional/UFRJ no Carnaval carioca<br />

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SCHWARCZ, Lilia Moritz. As barbas do imperador: D. Pedro II, um monarca nos<br />

trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.<br />

Crédito das imagens<br />

Autora - figuras – 1; 2; 3<br />

Cláudio Bastos – figura 5.<br />

Roosevelt Mota – Seção <strong>de</strong> Áudio-visual do Museu Nacional/UFRJ – figuras – 4 e 7.<br />

Site www.obatuque.com – figuras – 4 e 6.<br />

Site www.esquinadosamba.com.br – figuras – 5 e 7.<br />

143


O Museu D. João VI da Escola <strong>de</strong> Belas Artes<br />

da UFRJ - memória institucional<br />

Angela Ancora da Luz<br />

A história é narrativa <strong>de</strong> acontecimentos, conforme afirma<br />

Paul Veyne (1987), possuindo, entre outras características, natureza<br />

lacunar. Com o respaldo <strong>de</strong>stas afirmações preten<strong>de</strong>mos apresentar,<br />

a partir <strong>de</strong> uma narrativa, aquilo que pu<strong>de</strong>mos recolher em<br />

registros, entre as lacunas abertas pelo tempo, na falta <strong>de</strong> documentação<br />

suficiente, a qual procuramos suprir pela história oral, <strong>de</strong><br />

acordo com o que ouvimos <strong>de</strong> mestres mais antigos e, também, do<br />

que temos vivenciado, sobretudo no momento em que ocorreu a<br />

mudança da Escola <strong>de</strong> Belas Artes, do centro da cida<strong>de</strong> para a Ilha<br />

do Fundão. Assim, ao construir a história do Museu D.João VI, <strong>de</strong>sejamos<br />

refazer a história <strong>de</strong> uma coleção que guarda em si a memória<br />

institucional do ensino artístico no Brasil, procurando preencher<br />

algumas lacunas, sem a pretensão <strong>de</strong> ser a versão final dos fatos<br />

que a compõem.<br />

O Museu D.João VI foi criado em 1979, com um acervo que<br />

testifica o ensino da arte em nosso país. As obras que compõem<br />

sua coleção já pertenciam à Escola <strong>de</strong> Belas Artes, razão pela qual<br />

precisamos iniciar nossa narrativa pelo Decreto <strong>de</strong> 12 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong><br />

1816, quando D.João VI cria a Escola Real <strong>de</strong> Ciências, Artes e Ofícios.<br />

Naquele momento, a situação política na França era <strong>de</strong>licada. Em<br />

1815, com a queda <strong>de</strong> Napoleão Bonaparte, iniciava-se o período<br />

da Restauração. Os Bourbons estavam <strong>de</strong> volta ao po<strong>de</strong>r, conforme<br />

se contextualizava no âmago do Congresso <strong>de</strong> Viena, fazendo com<br />

que os bonapartistas não mais encontrassem <strong>seus</strong> espaços na França.<br />

Este era o caso do grupo <strong>de</strong> artistas que constituiria a Missão<br />

Francesa e que chegaria ao Brasil em 1816. A incerteza do futuro<br />

fez com que procurassem apoio externo. Para alguns historiadores<br />

Nicolas-Antoine Taunay teria escrito uma carta à rainha <strong>de</strong> Portu-<br />

145


Angela Ancora da Luz<br />

gal rogando-lhe a mediação, junto ao Príncipe-Regente D.João, <strong>de</strong><br />

modo a que estes artistas pu<strong>de</strong>ssem receber o convite e terem condições<br />

<strong>de</strong> trabalho. Para outros pesquisadores, a idéia teria partido<br />

do marquês <strong>de</strong> Marialva, através do naturalista Alexan<strong>de</strong>r Von Humboldt,<br />

sendo esta a versão mais citada.<br />

Com a acolhida <strong>de</strong> D. João, sensível à arte e <strong>de</strong>sejoso <strong>de</strong> contribuir<br />

para a afirmação da corte em terras brasileiras, observa-se o<br />

duplo interesse político convergindo para a consecução da vinda da<br />

Missão Artística Francesa ao Brasil. De um lado o grupo francês resguardando-se<br />

das possíveis conseqüências resultantes da inclinação<br />

bonapartista que caracterizava <strong>seus</strong> artistas, <strong>de</strong> outro o monarca<br />

português afirmando-se no panorama europeu, <strong>de</strong>pois da saída<br />

abrupta <strong>de</strong> sua corte, motivada pelo mesmo Napoleão, só que em<br />

tempos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. A criação <strong>de</strong> uma aca<strong>de</strong>mia atendia plenamente<br />

aos interesses dos dois lados, somando-se, ainda, o gran<strong>de</strong> impulso<br />

cultural que adviria da implantação do ensino artístico no Brasil.<br />

Sob a li<strong>de</strong>rança <strong>de</strong> Lebreton, que assumira as negociações, o<br />

grupo chega ao Brasil em 1816 para aten<strong>de</strong>r a finalida<strong>de</strong> traçada. Dez<br />

anos <strong>de</strong>pois, o prédio neoclássico para ela projetado por Grandjean<br />

<strong>de</strong> Montigny, seria inaugurado. Como o Brasil já havia se tornado<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, a Escola Real se torna Aca<strong>de</strong>mia Imperial das Belas<br />

Artes. As obras trazidas por D.João VI iniciam uma coleção que seria<br />

ampliada por Joachin Lebreton, que também a organiza formando<br />

assim o núcleo inicial do acervo artístico da Aca<strong>de</strong>mia Imperial das<br />

Belas Artes. Durante o século XIX outras obras seriam incorporadas<br />

ao patrimônio, por compra, doação e, sobretudo pelos prêmios <strong>de</strong><br />

viagem ao estrangeiro e pela produção dos pensionistas na Europa,<br />

já que estes <strong>de</strong>veriam enviar para a Aca<strong>de</strong>mia as obras que iam realizando,<br />

comprovando os benefícios do aperfeiçoamento técnico<br />

que a estadia e o convívio com os gran<strong>de</strong>s centros lhes propiciava.<br />

Os mestres da Missão Francesa iniciaram as aulas ainda sem um<br />

prédio próprio. É possível que tivessem começado em algumas salas<br />

<strong>de</strong> edifícios públicos, assim como é sabido que Debret e Grandjean<br />

146


O Museu D.João VI da Escola <strong>de</strong> Belas Artes da UFRJ<br />

<strong>de</strong> Montigny teriam alugado uma casa no centro da cida<strong>de</strong> para<br />

levarem à frente o projeto. Especula-se, ainda, que o ateliê <strong>de</strong> Debret,<br />

no Catumbi, possa ter servido, também, para esta finalida<strong>de</strong>.<br />

Contudo, o prédio projetado por Grandjean <strong>de</strong> Montigny para ser a<br />

Aca<strong>de</strong>mia Imperial das Belas Artes só viria a ser inaugurado em 5 <strong>de</strong><br />

novembro <strong>de</strong> 1826. Era um edifício em estilo neoclássico, situado<br />

na Travessa das Belas Artes, saindo da Travessa do Sacramento, atual<br />

Avenida Passos, próximo ao Rocio. Este prédio abrigou as primeiras<br />

coleções, tanto <strong>de</strong> obras artísticas como <strong>de</strong> livros e documentos.<br />

No início do Estado Novo ele seria <strong>de</strong>molido, restando, hoje, apenas<br />

o frontão que foi levado para o Jardim Botânico, local em que ainda<br />

se encontra.<br />

Entre 1906 e 1908 seria construído o novo prédio da Escola Nacional<br />

<strong>de</strong> Belas Artes 1 , <strong>de</strong> autoria do arquiteto Adolpho Morales <strong>de</strong><br />

Los Rios, na Avenida Central, hoje Avenida Rio Branco para on<strong>de</strong><br />

seria transferida a Escola. Um espaço digno do ensino da arte, com<br />

amplos ateliês, galerias com clarabóias, salas <strong>de</strong> aula iluminadas e<br />

uma pinacoteca, que “guardava o tesouro”, por assim dizer, <strong>de</strong> toda<br />

a coleção <strong>de</strong> obras que, a partir do núcleo inicial das 54 peças da<br />

coleção <strong>de</strong> Lebreton vinha se ampliando a cada ano.<br />

Nos ateliês e salas <strong>de</strong> aula preservava-se um outro acervo paralelo,<br />

que subsidiava a fundamentação teórica da arte que se <strong>de</strong>sejava<br />

transmitir, ficando exposto para servir <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo para os estudantes<br />

<strong>de</strong> arte. No campo da escultura, as moldagens diretas em<br />

gesso, tomadas <strong>de</strong> estátuas originais a partir <strong>de</strong> acordos permitidos<br />

com o Museu do Louvre, ocupavam as galerias e, como paradigmas<br />

silenciosos iam incutindo a exigência da norma e da regra como<br />

princípio canônico a ser perseguido. Mais uma vez, as moldagens<br />

dos ornatos em baixo-relevo ficavam à disposição do ensino <strong>de</strong><br />

arte. Desta forma, as peças <strong>de</strong> referência para o aprendizado da<br />

1 N.A. Com a Proclamação da República em 15 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1889 o nome da Aca<strong>de</strong>mia<br />

Imperial das Belas Artes ficara em <strong>de</strong>sacordo com o novo regime republicano,<br />

razão pela qual, a partir <strong>de</strong> 08/11/1890, a antiga Aca<strong>de</strong>mia Imperial torna-se Escola<br />

Nacional <strong>de</strong> Belas Artes.<br />

147


Angela Ancora da Luz<br />

arte alimentavam gota a gota, a visualida<strong>de</strong> dos iniciantes. As pare<strong>de</strong>s<br />

recebiam novas obras, pois a produção continuada garantia<br />

que bons exemplos fossem fixados motivando os futuros artistas e<br />

prosseguindo nesta or<strong>de</strong>m até 1937, quando foi criado o Museu Nacional<br />

<strong>de</strong> Belas Artes, pela Lei N.378 <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> janeiro daquele ano,<br />

assinada pelo presi<strong>de</strong>nte Getúlio Vargas. “Art. 48. Fica creado o Museu<br />

Nacional <strong>de</strong> Bellas Artes, <strong>de</strong>stinado a recolher, conservar e expor as<br />

obras <strong>de</strong> arte pertencentes ao patrimonio fe<strong>de</strong>ral”. 2<br />

Com a criação do Museu Nacional <strong>de</strong> Belas Artes separa-se a<br />

coleção. As obras que fundamentaram o ensino e estavam na Escola<br />

Nacional <strong>de</strong> Belas Artes ficaram com a instituição, as <strong>de</strong>mais, passaram<br />

ao abrigo do Museu permanecendo sob sua responsabilida<strong>de</strong><br />

até a presente data.<br />

Aos poucos houve a acomodação das instituições irmãs, que<br />

foram estabelecendo uma convivência complementar, pois cada<br />

uma emprestava à outra, uma parte <strong>de</strong> sua própria i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. A<br />

entrada principal, pela Avenida Rio Branco número 199 ficou para o<br />

acesso ao Museu Nacional <strong>de</strong> Belas Artes, enquanto que a portaria<br />

da Rua Araújo Porto-alegre tornou-se a entrada da Escola. Por ela<br />

era possível ir diretamente aos ateliês do térreo ou, subindo a escada,<br />

acessar a galeria principal que permitia a distribuição das salas<br />

<strong>de</strong> aula e administração. No terceiro andar ficava o Salão Nobre com<br />

suas ca<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> espaldar alto, utilizado pelas duas instituições para<br />

conferências ou aulas <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> assistência. No quarto andar, acessível<br />

pelo pequeno elevador ou por uma escada <strong>de</strong> ferro, ficavam<br />

alguns ateliês. Em 1965 ela passa a chamar-se Escola <strong>de</strong> Belas Artes,<br />

incorporando-se a <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Foi assim<br />

até 1975, ano da mudança da Escola para a Cida<strong>de</strong> Universitária, na<br />

Ilha do Fundão, sem qualquer infra-estrutura que possibilitasse um<br />

<strong>de</strong>stino menos traumático.<br />

Em pleno regime militar a Escola encerrou o período letivo <strong>de</strong><br />

1974 em seu prédio próprio, mas nele não iniciaria o ano seguinte.<br />

2 http://e-legis.anvisa.gov.br/leisref/public/showAct.phpid=19560&word= site<br />

consultado em 12/07/2008 : Lei N.378 - <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1937 / Art.48<br />

148


O Museu D.João VI da Escola <strong>de</strong> Belas Artes da UFRJ<br />

Se 1968 é chamado <strong>de</strong> “o ano que não acabou”, para a Escola <strong>de</strong> Belas<br />

Artes, 1975 po<strong>de</strong>ria ser conhecido como “o ano que não começou”.<br />

Naquela ocasião o arquiteto Thales Memória dirigia a Escola<br />

<strong>de</strong> Belas Artes, enquanto que a museóloga Maria Elisa Carrazzoni<br />

estava à frente do Museu Nacional <strong>de</strong> Belas Artes. Não havia uma<br />

consciência formada sobre a iminência do que estava por acontecer<br />

entre a maioria <strong>de</strong> <strong>seus</strong> professores e funcionários e o <strong>de</strong>sconhecimento<br />

quase total por parte dos estudantes. A Escola tinha acompanhado<br />

a cassação <strong>de</strong> <strong>seus</strong> três gran<strong>de</strong>s mestres: Quirino Campofiorito,<br />

Mário Barata e Abelardo Zaluar e mantinha-se em silêncio.<br />

Não havia representação estudantil e os colegiados eram restritos.<br />

Sabia-se muito pouco do que se passava na Escola <strong>de</strong> Belas Artes<br />

e as estátuas e telas, que tudo escutavam, nada contavam do que<br />

ouviam. Em abril houve a transferência. Na verda<strong>de</strong>, em <strong>de</strong>zembro<br />

do ano anterior, algumas reuniões estavam acontecendo sem que<br />

houvesse um planejamento maior.<br />

Em abril, quando os caminhões encostaram junto à entrada<br />

da Escola, as obras foram sendo retiradas, sem qualquer proteção<br />

maior. Não eram tombadas, sendo que algumas constavam apenas<br />

nas anotações preciosas do professor Alfredo Galvão. A separação<br />

do acervo obe<strong>de</strong>ceu ao critério estabelecido em 1937 com a criação<br />

do Museu, razão pela qual o que se encontrava nas salas e ateliês,<br />

proprieda<strong>de</strong> da Escola, foi levado com ela, que passou a ocupar uma<br />

parte do prédio da Reitoria, originalmente projetado por Jorge Machado<br />

Moreira para a Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Arquitetura, na Ilha da Cida<strong>de</strong><br />

Universitária. Com a Escola ficou, ainda, uma coleção preciosa, que,<br />

por termo testamentário <strong>de</strong>veria ser incorporada ao seu acervo, já<br />

que em 1947 a Escola Nacional <strong>de</strong> Belas Artes recebera, por doação,<br />

a Coleção Jerônimo Ferreira das Neves, com peças do Renascimento<br />

italiano, ibérico e flamengo, porcelanas da Companhia das<br />

Índias e marfins <strong>de</strong> Goa. A coleção <strong>de</strong> medalhística e <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhos<br />

ornamentais e arquitetônicos, bem como o acervo documental <strong>de</strong><br />

gran<strong>de</strong> interesse para a pesquisa em arte, tanto no campo teórico<br />

149


Angela Ancora da Luz<br />

como no aplicado, constituíam parte <strong>de</strong>sta herança cultural que se<br />

preservara na Escola e, conseqüentemente veio com ela para a Ilha<br />

do Fundão.<br />

“Estes acervos são o resultado do patrimônio acadêmico<br />

produzido pela Escola no período compreendido, principalmente,<br />

entre 1820 e 1920. Suas coleções reúnem a evolução<br />

e a produção artística dos séculos XIX e XX no Brasil e, em especial,<br />

no Rio <strong>de</strong> Janeiro, e reúne produções das escolas européias<br />

(Itália, França, Países-Baixos, Espanha e Portugal) datadas<br />

a partir do século XVI.” 3<br />

Como patrimônio da Escola estavam também as “obras raras”,<br />

que integravam a biblioteca <strong>de</strong> arte pertencente à instituição. Esta<br />

recebeu livros transferidos da Biblioteca Pública Imperial, sendo<br />

formada por doações que começaram com nossos imperadores,<br />

somando-se a <strong>de</strong> professores e suas famílias, a <strong>de</strong> artistas, a <strong>de</strong> ministros<br />

<strong>de</strong> Estado e outros diferentes doadores que tinham como<br />

ponto comum o interesse pela preservação da memória artística<br />

em benefício da pesquisa acadêmica. Obras raras como “Piranesi<br />

- Obras Completas”, “Montigny - Architecture Toscane”, “Martius -<br />

Flora Brasiliense”, estão entre os títulos <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> valor que fazem<br />

parte da biblioteca da EBA.<br />

Todo este acervo foi retirado do antigo prédio e transportado<br />

para o novo espaço sem as condições recomendáveis. As verbas<br />

<strong>de</strong>stinadas à mudança, pelo que se saiba, nunca chegaram, <strong>de</strong><br />

modo que a catastrófica saída foi efetivada sob os critérios mais improvisados<br />

possíveis, tendo como única garantia o amor <strong>de</strong> muitos<br />

professores pela escola, pelas obras <strong>de</strong> seu acervo, que lhes conferia<br />

o referencial simbólico <strong>de</strong> sua história. Havia sofrimento e silêncio.<br />

As moldagens diretas em gesso se avariavam com a acomodação<br />

<strong>de</strong> suas peças nos caminhões. As estátuas da galeria principal da<br />

Escola não pu<strong>de</strong>ram ser retiradas. Não havia lugar para elas no pré-<br />

3 http://www.eba.ufrj.br/in<strong>de</strong>x.phpoption=com_content&task=view&id=54&Itemi<br />

d=117 . Página da Escola <strong>de</strong> Belas Artes consultada em 11 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2008.<br />

150


O Museu D.João VI da Escola <strong>de</strong> Belas Artes da UFRJ<br />

dio <strong>de</strong> <strong>de</strong>stino, cujo programa arquitetônico fora concebido para a<br />

Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Arquitetura. Houve perda, sem dúvida alguma; extravios<br />

<strong>de</strong> variados matizes, sem que fosse possível <strong>de</strong>terminar sua extensão<br />

e o seu <strong>de</strong>stino. Muitas histórias eram contadas, mas não há<br />

provas materiais, pois não houve o tombamento anterior das obras<br />

que garantisse a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e existência material <strong>de</strong> cada uma, antes<br />

da transferência.<br />

Em 1976 assume a direção da Escola <strong>de</strong> Belas Artes o professor<br />

Almir Pare<strong>de</strong>s Cunha, que <strong>de</strong>sempenharia um papel fundamental<br />

para a instituição e a preservação do seu acervo, que estava espalhado<br />

e mal acomodado em <strong>de</strong>pósitos impróprios e inseguros.<br />

Além disso, as salas não eram condizentes às necessida<strong>de</strong>s do ensino<br />

artístico. Os ateliês <strong>de</strong> Gravura, por exemplo, localizados no<br />

sétimo andar, logo começaram a dar problemas, pois os ácidos utilizados<br />

na gravura em metal eram escoados pelas pias, corroendo<br />

o encanamento dos andares inferiores. As mesas que constituíam o<br />

mobiliário <strong>de</strong> época, não entravam nas salas mo<strong>de</strong>rnistas do prédio<br />

projetado para Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Arquitetura. Os cavaletes <strong>de</strong> Pintura se<br />

amontoavam nos espaços exíguos, impedindo o distanciamento do<br />

aluno, fazendo com que este fosse obrigado a pintar sempre muito<br />

próximo à tela. O professor Almir Pare<strong>de</strong>s Cunha foi conseguindo<br />

novos espaços, solucionando a transferência dos ateliês <strong>de</strong> Gravura<br />

e obtendo verbas para a aquisição <strong>de</strong> mobiliário a<strong>de</strong>quado aos espaços<br />

das salas. O problema do espaço para a Pintura só seria equacionado<br />

cerca <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos após e, ainda hoje, a falta <strong>de</strong> um prédio<br />

projetado para a Escola <strong>de</strong> Belas Artes, que atenda aos interesses <strong>de</strong><br />

uma Escola com gran<strong>de</strong> potencial para crescer, possibilitando sua<br />

melhor contribuição para a formação <strong>de</strong> novos artistas é o gran<strong>de</strong><br />

obstáculo que enfrentamos.<br />

O novo diretor possuía formação em museologia e logo se<br />

preocupou com a situação encontrada, sobretudo pelo alto risco<br />

que as peças corriam, nas condições que estavam. É <strong>de</strong>le a idéia<br />

<strong>de</strong> formar um Museu Didático que pu<strong>de</strong>sse reunir todo o acervo,<br />

conforme suas palavras:<br />

151


Angela Ancora da Luz<br />

“(...) Dessa vez ele serviria para consolidar a história da<br />

Escola, com <strong>seus</strong> métodos <strong>de</strong> ensino, e mostrar a obra <strong>de</strong> professores<br />

e alunos que por ela passaram. A idéia foi aprovada<br />

pela Congregação, recebendo o nome <strong>de</strong> Museu D. João VI,<br />

por sugestão do Professor Armando Sócrates Schnoor.” (TER-<br />

RA, 2003, p.30-31)<br />

Apesar da criação do Museu, homologada pela Congregação<br />

da Escola <strong>de</strong> Belas Artes, não havia lugar para a sua instalação. Mais<br />

uma vez coube ao diretor procurar e encontrar o local próprio:<br />

“Novamente fui buscar o local para o nosso museu, nos<br />

espaços <strong>de</strong>ixados ociosos no edifício projetado para a Faculda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Arquitetura e Urbanismo. Desta vez foi a biblioteca,<br />

que permanecera sem nenhuma função <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua construção.<br />

Consegui o espaço e a verba necessária e iniciou-se a<br />

montagem do museu, graças ao trabalho incansável e meticuloso<br />

da Professora Ecyla Castanheira Brandão, que <strong>de</strong>u uma<br />

organização museográfica que partia da Missão Francesa e<br />

chegava aos nossos dias, incluindo no conjunto da exposição<br />

uma série <strong>de</strong> objetos que fugiam à história do ensino artístico,<br />

mas que se integravam à da Escola, como por exemplo, a Coleção<br />

Jerônimo das Neves” (2003, p.31)<br />

A participação da Professora Ecyla Castanheira Brandão foi<br />

inestimável. Com <strong>de</strong>dicação e conhecimento ela fez do Museu D.<br />

João VI o projeto acadêmico <strong>de</strong> sua vida na Escola <strong>de</strong> Belas Artes. Só<br />

então foi possível se perceber, <strong>de</strong> modo palpável, o rico acervo que<br />

ainda possuíamos, e, mesmo sem i<strong>de</strong>ntificar as perdas que a mudança<br />

<strong>de</strong>sastrosa nos infringira, senti-las <strong>de</strong> modo agudo, avivando<br />

a consciência dos que permaneciam da responsabilida<strong>de</strong> que cabia<br />

a cada um.<br />

O mobiliário e os painéis foram projetados pelo professor<br />

Almir Ga<strong>de</strong>lha com o apoio <strong>de</strong> Salvador Galuzzi. Enfim, no dia 28<br />

<strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1979, a Escola <strong>de</strong> Belas Artes inaugura o seu museu,<br />

152


O Museu D.João VI da Escola <strong>de</strong> Belas Artes da UFRJ<br />

enquanto estudantes da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Arquitetura promovem um<br />

enterro simbólico do que seria a sua biblioteca. Feita <strong>de</strong> contrastes<br />

e afinida<strong>de</strong>s, a relação entre as duas unida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> alguma forma, se<br />

revitalizava. Contudo, o que parecia ser um local perfeito, rapidamente,<br />

<strong>de</strong>monstrou o seu contrário. As chuvas provocavam inúmeras<br />

goteiras e, apesar das sucessivas impermeabilizações, o material<br />

do telhado não resistia por muito tempo. Em breve o pesa<strong>de</strong>lo da<br />

água atormentava os sucessivos coor<strong>de</strong>nadores do Museu D. João<br />

VI.<br />

Nos quase trinta anos <strong>de</strong> sua existência, o Museu D. João VI<br />

passou por muitos problemas. A falta <strong>de</strong> verbas, os poucos funcionários,<br />

a insalubre reserva técnica, a precária re<strong>de</strong> elétrica e, sobretudo,<br />

a falta <strong>de</strong> segurança constituíam o grupo <strong>de</strong> vilões que atormentava<br />

o seu pleno funcionamento. Apesar <strong>de</strong> tudo, os sucessivos<br />

coor<strong>de</strong>nadores e a <strong>de</strong>dicação dos poucos funcionários, buscavam<br />

as condições i<strong>de</strong>ais para que se pu<strong>de</strong>sse inserir o museu no circuito<br />

cultural da cida<strong>de</strong>, tornando-o vivo e atual, na sua condição <strong>de</strong> ser<br />

um museu acadêmico. Era preciso repensar o Museu com o olhar<br />

da contemporaneida<strong>de</strong>, mas, para tanto, seria necessário, também,<br />

repensar o local em que se encontrava. Não se <strong>de</strong>veria separá-lo<br />

da Escola <strong>de</strong> Belas Artes, pois ele per<strong>de</strong>ria o sentido original que<br />

se queria manter, o <strong>de</strong> museu universitário, que servisse à pesquisa<br />

no campo da História da Arte Brasileira, porém, cada vez mais era<br />

evi<strong>de</strong>nte que não <strong>de</strong>veria ser mantido no mesmo espaço, para que<br />

ele pu<strong>de</strong>sse servir aos propósitos <strong>de</strong>sejados. Mais uma vez, a falta<br />

<strong>de</strong> espaço para a Escola impedia a implementação <strong>de</strong> <strong>seus</strong> projetos.<br />

Enclausurada entre as pare<strong>de</strong>s funcionais do edifício mo<strong>de</strong>rnista,<br />

ainda assim, a Escola <strong>de</strong> Belas Artes se expandia através <strong>de</strong> <strong>seus</strong> cursos<br />

e dos quase dois mil estudantes que a constituíam.<br />

Em 2004, a Professora Sonia Gomes Pereira, também museóloga,<br />

elaborou um novo projeto para o Museu D.João VI, que foi<br />

apresentado no ano seguinte à Petrobrás. Obteve-se a aprovação<br />

do mesmo e, assim, os recursos necessários finalmente chegaram<br />

para tornar possível a reforma <strong>de</strong>sejada, <strong>de</strong> modo a se formular um<br />

153


Angela Ancora da Luz<br />

outro mo<strong>de</strong>lo, mais ágil e voltado para o objetivo maior e primeiro:<br />

servir ao ensino da arte no Brasil.<br />

Mais uma vez a Escola <strong>de</strong> Belas Artes se <strong>de</strong>frontava com o mesmo<br />

problema: espaço. Como promover as reformas <strong>de</strong>sejadas no<br />

local em que o museu se encontrava De que adiantaria refazer o<br />

projeto museográfico se as goteiras não fossem eliminadas e a segurança<br />

não fosse um sonho, mas sim a realida<strong>de</strong> Quando Sonia<br />

Gomes Pereira me apresentou a idéia <strong>de</strong> levar o Museu para o sétimo<br />

andar do prédio, instalando-o no local da Biblioteca Alfredo<br />

Galvão, acolhi imediatamente a sugestão, passando a <strong>de</strong>senvolver<br />

as ações necessárias para sua realização. Sentia ser necessária uma<br />

mudança drástica. Como a Escola <strong>de</strong> Belas Artes já havia se posicionado<br />

a favor da integração <strong>de</strong> sua biblioteca com a da Faculda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Arquitetura e a do Instituto <strong>de</strong> Pesquisa e Planejamento Urbano<br />

e Regional, unida<strong>de</strong>s alocadas no edifício, julguei exeqüível a realização<br />

do projeto. Mas o espaço anterior era duas vezes maior do<br />

que aquele que iríamos ocupar. A Professora Marise Malta, arquiteta<br />

e professora da Escola <strong>de</strong> Belas Artes, juntou-se a Sonia Gomes<br />

Pereira, museóloga e historiadora da arte, iniciando o <strong>de</strong>safio <strong>de</strong><br />

154


O Museu D.João VI da Escola <strong>de</strong> Belas Artes da UFRJ<br />

equacioná-lo. Ela realizou o projeto para o novo Museu D.João VI,<br />

aten<strong>de</strong>ndo ao objetivo traçado <strong>de</strong> torná-lo uma gran<strong>de</strong> reserva técnica,<br />

que pu<strong>de</strong>sse ser visitada, que oferecesse aos pesquisadores,<br />

estudantes e professores a oportunida<strong>de</strong> do contato com a obra,<br />

tanto a artística quanto a documental, po<strong>de</strong>ndo-se, a partir daí abrir<br />

eficientemente o Museu.<br />

Sua inauguração está prevista para acontecer ainda este ano,<br />

possivelmente em novembro. O novo projeto museográfico permitirá<br />

ao estudioso da arte conhecer uma coleção íntegra, reunida<br />

num só local, tornando possível se mover com a segurança necessária,<br />

tanto nas obras raras, como nos arquivos <strong>de</strong>slizantes do acervo<br />

<strong>de</strong> papel ou, se <strong>de</strong>sejar, contemplar as pinturas e esculturas, nos<br />

<strong>seus</strong> trainéis e estantes. Toda a coleção que fundamenta o conhecimento<br />

sobre o ensino da arte no século XIX estará disponível, bem<br />

como o arquivo informatizado, em sala própria para a pesquisa.<br />

Hoje o Museu D.João VI já tem disponível três bancos <strong>de</strong> dados em<br />

sua base: Acervo, Guia <strong>de</strong> fontes bibliográficas e Personalida<strong>de</strong>s da<br />

Aca<strong>de</strong>mia. (http://www.djoaovi.ufrj.br/), sendo sua atual coor<strong>de</strong>nadora<br />

a museóloga Ana Maria M. <strong>de</strong> Alencar.<br />

155


Angela Ancora da Luz<br />

O Museu D.João VI ressurge como fênix <strong>de</strong> suas próprias cinzas<br />

e, assim como a ave mítica que simbolizava a esperança e a continuida<strong>de</strong>,<br />

a permanência e a imortalida<strong>de</strong>, ele se renova e se insere<br />

na exigência do mundo contemporâneo. Alheio às prerrogativas <strong>de</strong><br />

ser um museu tesouro, ele vai assumindo sua própria i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, a<br />

serviço da arte e do ensino e pesquisa. Como museu universitário<br />

ele se ajusta à exigência do tempo presente e, na eternida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um<br />

novo ciclo, se ergue redivivo como obra, que, por sua vez, dá testemunho<br />

do significado da Escola <strong>de</strong> Belas Artes para a formação do<br />

artista brasileiro, enquanto preserva nosso patrimônio cultural para<br />

as gerações futuras.<br />

Referências<br />

LUZ, Angela Ancora . Perspectivas contemporâneas para “um museu acadêmico”: a<br />

reforma do Museu D. João VI da Escola <strong>de</strong> Belas Artes. In: CONGRESSO DA AICA,<br />

41, 2007, São Paulo. Anais...São Paulo: USP, out. 2007.<br />

SEMINÁRIO DA ESCOLA DE BELAS ARTES, 180., 1998, Rio <strong>de</strong> Janeiro. Anais...<br />

Sônia Gomes Pereira (Org.). Rio <strong>de</strong> Janeiro: UFRJ, 1998.<br />

TERRA, Carlos Gonçalves (Org.). Arquivos da Escola <strong>de</strong> Belas Artes. Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />

n.16, 2003.<br />

VEYNE, Paul. Como se escreve a história. Lisboa: Edições 70, 1987.<br />

156


Arquitetura e acervos x<br />

Acervo <strong>de</strong> arquitetura<br />

Elizabete Rodrigues <strong>de</strong> Campos Martins<br />

João Cláudio Parucher<br />

Cláudio Muniz Viana<br />

O Núcleo <strong>de</strong> Pesquisa e Documentação (NPD) como “lugar <strong>de</strong><br />

memória” do curso <strong>de</strong> Arquitetura e Urbanismo da UFRJ, apresentou<br />

no seminário, i<strong>de</strong>alizado pela equipe do <strong>Sistema</strong> <strong>de</strong> <strong>Bibliotecas</strong><br />

e Informação (SiBI/UFRJ), as especificida<strong>de</strong>s relativas ao processo<br />

<strong>de</strong> criação <strong>de</strong>ste curso através <strong>de</strong> <strong>seus</strong> documentos específicos.<br />

Entretanto, em virtu<strong>de</strong> da peculiarida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> acervo, no<br />

qual misturam-se objetos cuja variação <strong>de</strong> suportes 1 e <strong>de</strong> técnicas 2<br />

ora os confere valor <strong>de</strong> obra rara, ora os i<strong>de</strong>ntificam como especializados<br />

- tal qual o <strong>de</strong> arquitetura que é a base para os complementares<br />

como: estruturas, instalações entre outros -, enten<strong>de</strong>u-se<br />

por elaborar uma exposição da organização quantitativa dos<br />

documentos. Ao contrário <strong>de</strong> uma apresentação técnica representada<br />

apenas por planilhas quantitativas, optou-se por ilustrá-las com<br />

trabalhos selecionados <strong>de</strong> ex-alunos, <strong>de</strong>pois arquitetos, <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />

importância na consolidação da Arquitetura Mo<strong>de</strong>rna Brasileira. Por<br />

isso, o quantitativo ilustrado expressa a historiografia do campo e a<br />

do próprio NPD, mas se entremeia às biografias <strong>de</strong>stes profissionais<br />

relevantes para o ofício, ainda que <strong>de</strong> modo resumido.<br />

A idéia do campo da Arquitetura constituir um Acervo se<br />

originou na década <strong>de</strong> oitenta com a criação do Centro <strong>de</strong> Pesquisa<br />

e Documentação, <strong>de</strong>pois Núcleo <strong>de</strong> Pesquisa e Documentação,<br />

pelo diretor da FAU-UFRJ à época, arquiteto Ulysses Burlamaqui.<br />

Esta criação estruturava-se justamente na idéia da constituição <strong>de</strong><br />

1 papel canson, manteiga, vegetal <strong>de</strong> diferentes gramaturas, etc.<br />

2 aquarela, pastel, grafite, nanquim, canetas esferográficas e hidrocor, etc.<br />

157


Elizabete R. <strong>de</strong> Campos Martins, João C. Parucher e Cláudio M. Viana<br />

um acervo com fontes documentais especificas à disciplina para o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> diferentes estudos no campo da historiografia,<br />

tanto na escala do edifício como na do urbanismo.<br />

Apesar do interesse em reunir e sistematizar a documentação,<br />

é interessante rememorar que durante o período do curso <strong>de</strong><br />

arquitetura compartilhado ao da ENBA, era exigido aos alunos realizar<br />

todos os trabalhos práticos nos ateliers da escola. Os <strong>de</strong>senhos<br />

eram fixados nas pranchetas, carimbados e assinados pelos professores<br />

da disciplina, mantendo a integral permanência dos alunos<br />

na própria escola como <strong>de</strong> parte substancial <strong>de</strong>ssa produção. Com<br />

estes originais se constituíram as “coleções”: alunos da ENBA -<br />

Escola Nacional <strong>de</strong> Belas Artes até 1944, FNA - Faculda<strong>de</strong> Nacional<br />

<strong>de</strong> Arquitetura <strong>de</strong> 1945 a 1965 e, da FAU - Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Arquitetura<br />

e Urbanismo a partir <strong>de</strong> 1966, quanto os específicos das disciplinas,<br />

geometria <strong>de</strong>scritiva, plástica, entre outros, os quais serão reorganizados<br />

nos períodos referentes a i<strong>de</strong>ntificação das escolas.<br />

Este processo foi pouco a pouco consolidando o Núcleo <strong>de</strong><br />

Pesquisa e Documentação - NPD - num importante Acervo <strong>de</strong><br />

Arquitetura, no qual estão tutelados “documentos-memória”<br />

<strong>de</strong> <strong>seus</strong> antigos discípulos, como diferentes fundos e coleções <strong>de</strong><br />

profissionais cuja atuação na constituição e consolidação do campo<br />

da arquitetura e da cida<strong>de</strong> foram <strong>de</strong> extrema relevância. Quer dizer,<br />

aqueles i<strong>de</strong>ntificados com a autoria dos “primeiros mo<strong>de</strong>rnistas”<br />

como, por exemplo, os <strong>de</strong> Jorge Machado Moreira, Carlos Leão e<br />

Affonso Eduardo Reidy.<br />

Na conservação dos <strong>de</strong>senhos, quer dos originais ou <strong>de</strong> cópias,<br />

adota-se o principio básico da inalterabilida<strong>de</strong> do tempo, da<br />

técnica e em função do estado físico <strong>de</strong> <strong>seus</strong> suportes, a intervenção<br />

é apenas realizada objetivando garantir a estrutura do suporte. O<br />

que requer o seguinte procedimento metodológico: higienização,<br />

catalogação (quando necessário), restauração, acondicionamento e<br />

a digitalização através <strong>de</strong> câmera fotográfica digital, resguardando<br />

os suportes e as técnicas da luz emitida por scanners.<br />

158


Arquitetura e Acervos x Acervo <strong>de</strong> Arquitetura<br />

O acervo do Núcleo <strong>de</strong> Pesquisa e Documentação atualmente<br />

se constituí <strong>de</strong> sete coleções e <strong>de</strong>zesseis fundos, totalizando 70.000<br />

documentos, incluindo <strong>de</strong>senhos, plantas técnicas, documentos<br />

pessoais e fotografias. Para tanto o processamento dos arquivos <strong>de</strong><br />

cada arquiteto é inserido <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um contexto <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrição documental,<br />

com vistas à padronização, conforme preconiza as normas<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>scrição entre instituições <strong>de</strong> memória. Esta <strong>de</strong>scrição é<br />

atrelada a uma possível regulação, mediante levantamento prévio,<br />

<strong>de</strong> indicação <strong>de</strong> autoria e produção sobre os conjuntos documentais<br />

existentes no Núcleo.<br />

Outra medida importante para regular as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrição<br />

é o levantamento dos documentos iconográficos, muitas vezes<br />

sem quaisquer pistas para sua i<strong>de</strong>ntificação, suscitando uma prospecção<br />

em cada imagem tornando-se possível filtrar atributos figurativos<br />

necessários à in<strong>de</strong>xação e posterior produção <strong>de</strong> palavraschaves<br />

utilizadas nas pesquisas das áreas específicas, <strong>de</strong> acordo<br />

com os gêneros documentais abaixo <strong>de</strong>scritos.<br />

Alunos da ENBA, FNA e FAU<br />

Coleção Plantas Desenho Catalogados Total<br />

ENBA , FNA<br />

e FAU<br />

2088 3632 2478 5720<br />

159


Elizabete R. <strong>de</strong> Campos Martins, João C. Parucher e Cláudio M. Viana<br />

Carlos Azevedo Leão<br />

Fundo Plantas Catalogados Total<br />

Carlos Leão 326 326 326<br />

Carlos Leão formado em arquitetura na turma <strong>de</strong> 1931 da Escola<br />

Nacional <strong>de</strong> Belas Artes. No início <strong>de</strong> sua carreira profissional<br />

colaborou no escritório <strong>de</strong> Lúcio Costa e Warchavchik.<br />

Após o término <strong>de</strong>sta socieda<strong>de</strong> continuou trabalhando com<br />

Lúcio Costa que o incluiu na equipe que projetou o Ministério da<br />

Educação e Saú<strong>de</strong>. E foi principalmente pela influência no convívio<br />

com Le Corbusier , consultor <strong>de</strong>ste projeto, que passou a imprimir<br />

em <strong>seus</strong> projetos traços com mais leveza e harmonia em <strong>seus</strong> trabalhos.<br />

Carlos Leão concebeu o projeto que serviu <strong>de</strong> base para a<br />

construção da Escola Naval e participou <strong>de</strong> outros gran<strong>de</strong>s projetos.<br />

Mas foi nos projetos <strong>de</strong> residências que Leão se <strong>de</strong>stacou e se<br />

<strong>de</strong>dicou por mais tempo. Projetou a residência Homero Souza e<br />

Silva em Cabo Frio com <strong>de</strong>talhes associados diretamente ao gosto<br />

<strong>de</strong> cada membro da família. Desenvolveu um trabalho para Carlota<br />

<strong>de</strong> Macedo Soares em que transcen<strong>de</strong>ra seu ofício <strong>de</strong> arquiteto e<br />

permitiu-se atuar como topógrafo no loteamento Samambaia em<br />

Petrópolis para a construção da residência. Contudo, Carlos Leão<br />

<strong>de</strong>senvolveu uma <strong>de</strong> suas habilida<strong>de</strong>s artísticas em outra categoria:<br />

o nu feminino. Desenvolveu esta arte com o auxílio <strong>de</strong> sua sobrinha<br />

Suzana <strong>de</strong> Moraes que o incentivara posando como mo<strong>de</strong>lo e no<br />

estímulo a seguir <strong>de</strong>senhando, o que lhe ren<strong>de</strong>u algumas mostras<br />

em exposições.<br />

160


Arquitetura e Acervos x Acervo <strong>de</strong> Arquitetura<br />

Jorge Machado Moreira<br />

Fundo Plantas Fotografias Catalogados Total<br />

Jorge M.<br />

Moreira<br />

2156 552 998 2708<br />

Formou-se pela Escola Nacional <strong>de</strong> Belas Artes em 1932. Iniciou<br />

sua carreira em meio ao antagonismo <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ais marcado pelos<br />

estilos neocolonial e o mo<strong>de</strong>rnismo, fazendo-se a<strong>de</strong>pto <strong>de</strong>ste. Fato<br />

que confirma isto é o seu ingresso na Construtora Baerlin, on<strong>de</strong> o<br />

gosto pelo neocolonial ainda <strong>de</strong>terminava os projetos. A partir <strong>de</strong><br />

alguns projetos com conceitos <strong>de</strong> arquitetura racionalista atrelados<br />

às condições sociais e princípios plásticos contemporâneos Jorge<br />

Machado passa a sinalizar com uma nova proposta para a arquitetura<br />

da época.<br />

Sua participação no projeto do Ministério da Educação e Saú<strong>de</strong>,<br />

<strong>de</strong>terminante em sua carreira pelo contato com Le Corbusier e<br />

Lúcio Costa foi a confirmação do estilo com linguagem mo<strong>de</strong>rna.<br />

As construções <strong>de</strong> monoblocos gigantes para instituições foram<br />

a marca <strong>de</strong> sua arquitetura para selar um novo estilo encontrado<br />

pelas cida<strong>de</strong>s que projetou. Fato que culminou com o seu ingresso<br />

como arquiteto-chefe no escritório técnico da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do<br />

Brasil para <strong>de</strong>senvolver o projeto da Cida<strong>de</strong> <strong>Universida<strong>de</strong></strong>.<br />

161


Elizabete R. <strong>de</strong> Campos Martins, João C. Parucher e Cláudio M. Viana<br />

Affonso Eduardo Reidy<br />

Fundo Plantas Negativos Fotografias Catalogados Total<br />

A.E.Reidy 69 26 350 445 445<br />

Nasceu em 1909 em Paris, filho <strong>de</strong> pai inglês e mãe brasileira.<br />

Formou-se pela ENBA em 1930, ano em que foi premiado com o<br />

Grau Máximo, concurso realizado ao final da graduação. Pelo trabalho<br />

intitulado Palácio <strong>de</strong> Convenções Rotarianas, Reidy recebeu<br />

medalha <strong>de</strong> ouro na ENBA e medalha <strong>de</strong> prata no IV Congresso Panamericano<br />

<strong>de</strong> Arquitetos, seção escolar, realizado em 1930 na cida<strong>de</strong><br />

do Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

Reidy atuou mais como arquiteto funcionário público no Município<br />

do Rio <strong>de</strong> Janeiro durante sua vida profissional e com sua<br />

arquitetura ajudou a interferir no novo cenário que se <strong>de</strong>scortinava<br />

sobre um novo tempo e <strong>de</strong> uma nova tendência, através <strong>de</strong> uma<br />

arquitetura racionalista. Mas <strong>de</strong>stacara-se também no campo urbanístico,<br />

on<strong>de</strong> fora encarregado a dar seqüência aos projetos do<br />

urbanista francês Alfred Agache.<br />

Fazer uma arquitetura social e econômica era uma marca <strong>de</strong><br />

seu trabalho, o projeto do Conjunto Resi<strong>de</strong>ncial <strong>de</strong> Pedregulho <strong>de</strong>monstra<br />

bem essa característica, com conceitos que apontam soluções<br />

para famílias <strong>de</strong> baixa renda em um espaço que congrega<br />

serviços <strong>de</strong> educação, saú<strong>de</strong>, lazer e comércio como forma a facilitar<br />

a vida daquelas famílias menos favorecidas.<br />

162


Arquitetura e Acervos x Acervo <strong>de</strong> Arquitetura<br />

Reidy morreu prematuramente em 1964 aos cinqüenta e cinco<br />

anos antes <strong>de</strong> ver a conclusão da obra do Museu <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna<br />

do Rio <strong>de</strong> Janeiro, um <strong>de</strong> <strong>seus</strong> principais projetos ao lado da engenheira<br />

e companheira Carmem Portinho.<br />

Severiano Mario Porto<br />

Fundo Plantas Quadros Fotografias Catalogados Total<br />

Severiano<br />

M. Porto<br />

45000 103 186 45128 45289<br />

Formou-se pela Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Arquitetura pela <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />

do Brasil (atual UFRJ), em 1954. Ganhou reconhecimento<br />

através <strong>de</strong> sua arquitetura sustentável, utilizando-se <strong>de</strong> técnicas e<br />

materiais que valorizavam, sobretudo, abordagem holística sobre<br />

as condições da região Amazônica. A ma<strong>de</strong>ira, alguns procedimentos<br />

dos nativos, o clima e os recursos naturais da região associados<br />

às tecnologias mo<strong>de</strong>rnas <strong>de</strong>terminaram essa arquitetura que conjuga<br />

conceitos ecológicos às soluções simples e eficientes.<br />

Dentre tantos projetos que po<strong>de</strong>m confirmar esse tipo <strong>de</strong> arquitetura,<br />

o projeto da Pousada Silves traduz a forma como Severiano<br />

Mário Porto trabalhou e transformou um espaço <strong>de</strong> difícil acesso<br />

e distante 50 minutos <strong>de</strong> Manaus em uma opção <strong>de</strong> lazer e promoção<br />

<strong>de</strong> empregos. Utilizou material e mão <strong>de</strong> obra local e medidas<br />

163


Elizabete R. <strong>de</strong> Campos Martins, João C. Parucher e Cláudio M. Viana<br />

para não agredir o meio ambiente. A estrutura da Pousada contou<br />

com ma<strong>de</strong>iras que foram utilizadas <strong>de</strong> forma in natura na estrutura<br />

da construção.<br />

Em 1968 Severiano fundou escritório <strong>de</strong> arquitetura com seu<br />

colega, da FNA, Mário Emílio Ribeiro, parceria que durou até novembro<br />

<strong>de</strong> 1989. A se<strong>de</strong> ficava em Manaus e sua filial no Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

Em 2003 foi agraciado com título <strong>de</strong> Professor Honoris Causa<br />

pela FAU-UFRJ.<br />

Ulysses Bularmaqui<br />

Fundo Plantas Plantas cópias Fotografias Total<br />

Ulysses<br />

Bularmaqui<br />

1100 147 186<br />

Desenhos Mapas Catalogados<br />

500 216 929<br />

3078<br />

Ulysses Petrônio Burlamaqui formou-se em arquitetura, pela<br />

Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Arquitetura – UFRJ (atual FAU), no ano <strong>de</strong><br />

1950. Foi professor <strong>de</strong> Planejamento <strong>de</strong> Arquitetura nesta instituição<br />

a partir <strong>de</strong> 1951. Durante sua gestão como Diretor da FAU, na<br />

164


Arquitetura e Acervos x Acervo <strong>de</strong> Arquitetura<br />

década <strong>de</strong> 1980, fundou o Centro <strong>de</strong> Pesquisa e Documentação,<br />

atual Núcleo <strong>de</strong> Pesquisa e Documentação, em 14 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1982.<br />

Dentre mais <strong>de</strong> uma centena <strong>de</strong> projetos realizados <strong>de</strong>stacamse:<br />

Centro Científico da CTB, em Botafogo; Residência Roberto<br />

Campos na Gávea Pequena; Conjunto Habitacional na Estrada do<br />

Tambá - RJ; Escolas Pré-Fabricadas nos subúrbios do Rio.<br />

Obteve como principais premiações: Menção Honrosa no Congresso<br />

Internacional <strong>de</strong> Arquitetura – Perú – Lima em 1948; Concurso<br />

<strong>de</strong> estudantes – IAB em 1949; Concurso Internacional Peugeot<br />

– Buenos Aires em 1962 (colaborador Marcos Kon<strong>de</strong>r Neto); Prêmio<br />

IAB em 1963; Prêmio Shell <strong>de</strong> Arquitetura em 1963; Prêmio anual<br />

IAB em 1964; 2° lugar no Concurso Casa da Moeda – Rio em 1971<br />

(colaborador Alexandre Chan e Roberto Cavalcanti); 1° lugar no<br />

Concurso Privado UEB-CENTER – Rio em 1973 (coladorador Alexandre<br />

Chan) que originou o projeto do Rio Sul Shopping Center.<br />

Irmãos Roberto<br />

Fundo Plantas Negativos Fotografias Sli<strong>de</strong>s Total<br />

MMMRoberto 524 936 2973 1024 5457<br />

165


Elizabete R. <strong>de</strong> Campos Martins, João C. Parucher e Cláudio M. Viana<br />

Francisco Bolonha<br />

Fundo Plantas Negativos Fotografias Total<br />

Francisco<br />

Bolonha<br />

Stélio Alves <strong>de</strong> Souza<br />

1183 14 197 1394<br />

Fundo Plantas Desenhos Mapas Catalogados Total<br />

Stélio Alves<br />

<strong>de</strong> Souza<br />

520 101 70 413 691<br />

Morales <strong>de</strong> Los Rios<br />

Fundo Plantas Catalogados Total<br />

Morales <strong>de</strong> Los Rios 97 97 97<br />

166


Arquitetura e Acervos x Acervo <strong>de</strong> Arquitetura<br />

Rolf Werner Huther<br />

Fundo Plantas Catalogados Total<br />

Rolf Werner<br />

Huther<br />

1500 *** 1500<br />

Aldary Henriques Toledo<br />

Fundo Plantas Catalogados Total<br />

Aldary H. Toledo 1500 247 1500<br />

167


Elizabete R. <strong>de</strong> Campos Martins, João C. Parucher e Cláudio M. Viana<br />

Os Acervos Técnicos, no qual se inclui os <strong>de</strong> Arquitetura, ganham<br />

importância tornando-se objeto para a reflexão <strong>de</strong> arquivistas,<br />

historiadores e arquitetos, bem como <strong>de</strong> diferentes instituições<br />

que vêm se preocupando com a expansão <strong>de</strong>ste arquivo especializado,<br />

como é o caso do Centro George Pompidou em Paris. No país,<br />

diferentes instituições já sinalizam a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> organizar <strong>seus</strong><br />

acervos, como é o caso da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Juiz <strong>de</strong> Fora, o<br />

que ampliará a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> pesquisas da história e da teoria <strong>de</strong>ste campo<br />

específico.<br />

Reconhecendo a importância <strong>de</strong>sses acervos, o Arquivo Nacional,<br />

instituiu, em 2007, a Câmara Setorial <strong>de</strong> Arquivos Técnicos <strong>de</strong><br />

Engenharia, Arquitetura e Urbanismo, visando mapear os acervos<br />

<strong>de</strong>sta natureza a fim <strong>de</strong> implementar normas nacionais. Este mapeamento<br />

objetiva, sobretudo, a salvaguarda dos documentos originais<br />

nas localida<strong>de</strong>s em que se originaram e que, com os arquivos<br />

digitais, alargam a perspectiva <strong>de</strong> consulta nacional, preservando o<br />

direito <strong>de</strong> autor a eles pertinentes.<br />

Referências<br />

BONDUKI, Nabil. Affonso Eduardo Reidy. São Paulo: Instituto Lina Bo & P.M. Bardi,<br />

2000.<br />

BURLAMAQUI, Ulysses Petrônio. Curriculum Vitae. Acervo do Núcleo <strong>de</strong> Pesquisa e<br />

Documentação FAU/UFRJ. Rio <strong>de</strong> Janeiro. Datilografado.<br />

CZAJKOWSKI, Jorge. Jorge Machado Moreira. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Centro <strong>de</strong> Arquitetura<br />

e Urbanismo do Rio <strong>de</strong> Janeiro, 1999.<br />

168


MANUSCRITO sobre Carlos Leão: Acervo do Núcleo <strong>de</strong> Pesquisa e Documentação<br />

FAU/UFRJ. Rio <strong>de</strong> Janeiro, 1993.<br />

MARTINS, Elizabete Rodrigues <strong>de</strong> Campos. A arquitetura brasileira <strong>de</strong> Severiano<br />

Mario Porto. In: Arquitextos: texto especial, São Paulo,, n.43, texto especial n.209,<br />

<strong>de</strong>z.2003.Disponível em <br />

MEIRIÑO, Marcelo J.. Arquitetura e sustentabilida<strong>de</strong>. In: Arquitextos: texto especial,<br />

São Paulo, n.47, texto expecial n. 227, abr.2004. Disponível em <br />

ROVO, Mirian Keiko Ito; OLIVEIRA, Beatriz Santos. Por um regionalismo ecoeficiente:<br />

a obra <strong>de</strong> Severiano Mário Porto. In: Arquitextos: texto especial, São Paulo,<br />

n. 47, texto especial, 226, abr.2004. Disponível em <br />

169


Memória do trabalho, memória sindical,<br />

memória política: o Arquivo <strong>de</strong> Memória<br />

Operária do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

1. O AMORJ<br />

Elina G. da Fonte Pessanha<br />

Marcos Aurélio Santana Rodrigues<br />

O Arquivo <strong>de</strong> Memória Operária do Rio <strong>de</strong> Janeiro é um núcleo<br />

<strong>de</strong> pesquisa e documentação, sediado no Instituto <strong>de</strong> Filosofia e Ciências<br />

Sociais da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro e voltado<br />

para a recuperação, registro e preservação do patrimônio material<br />

e imaterial referente à história do trabalho, dos trabalhadores e suas<br />

organizações. Partindo <strong>de</strong> uma perspectiva bastante abrangente, o<br />

AMORJ tem tentado cobrir as características <strong>de</strong> constituição e trajetória<br />

<strong>de</strong> diversos segmentos da classe trabalhadora, sua experiência<br />

<strong>de</strong> trabalho em diferentes ambientes, <strong>seus</strong> esforços <strong>de</strong> reprodução,<br />

suas manifestações culturais, suas várias formas <strong>de</strong> resistência e<br />

atuação política, além da história das instituições relacionadas ao<br />

mundo do trabalho.<br />

Respeitando a distinção (HALBWACHS, 1990; NORA, 1993) entre<br />

a história, operação intelectual que <strong>de</strong>manda análise e discurso<br />

crítico, e a memória (dos indivíduos ou coletiva), esta última sujeita<br />

a permanentes seleções, omissões - nem sempre voluntárias - e reelaborações<br />

durante o processo <strong>de</strong> sua produção ou reprodução,<br />

a proposta do AMORJ vai além, e preten<strong>de</strong> possibilitar, entre esses<br />

campos, um <strong>de</strong>bate revelador <strong>de</strong> múltiplas possibilida<strong>de</strong>s (DE DEC-<br />

CA, 1992). Acredita-se que, com isso, revalorizam-se as formas <strong>de</strong><br />

“visita ao passado” e <strong>de</strong> reconstrução da memória à luz do presente,<br />

viabilizando a produção <strong>de</strong> uma história “nova”, mais <strong>de</strong>nsa e complexa.<br />

171


Elina G. da Fonte Pessanha & Marcos Aurélio Santana Rodrigues<br />

As noções <strong>de</strong> “experiência” e <strong>de</strong> “auto-construção” dos grupos<br />

sociais e da “classe” (THOMPSON,1987) são, nesse sentido, referências<br />

centrais ao trabalho, orientando não só a pesquisa e a análise,<br />

como, no plano documental, a consi<strong>de</strong>ração da lógica interna <strong>de</strong> organização<br />

<strong>de</strong> informações e coleções <strong>de</strong> militantes ou institucionais.<br />

Num cenário em que ocorreram profundas mudanças no mundo do<br />

trabalho (PIALLOUX e BEAUD, 1999; BEYNON, 1995; HYMAN, 1994;<br />

SUPIOT, 1999) por força dos ajustes capitalistas e na tentativa <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sregulamentação das relações trabalhistas (PESSANHA e MOREL,<br />

1999), a “tradição”, mais do que representar o atraso, po<strong>de</strong> se revelar<br />

força ativa na <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> direitos históricos duramente conquistados.<br />

Preservá-la é garantir à socieda<strong>de</strong> e aos grupos sociais que a produziram,<br />

ou que a eles se seguiram ou seguirão, a liberda<strong>de</strong> necessária<br />

para apreciá-la e orientar criticamente suas futuras ações.<br />

O AMORJ foi criado no final dos anos 80, e veio se juntar a<br />

outras iniciativas que consi<strong>de</strong>ravam que, apesar da importância<br />

social da classe trabalhadora e do crescente interesse acadêmico<br />

por sua história, os registros materiais <strong>de</strong> trajetórias individuais e<br />

coletivas <strong>de</strong> <strong>seus</strong> principais atores - contrariamente ao que ocorria<br />

em relação às elites - não recebiam o cuidado merecido. Desse<br />

ponto <strong>de</strong> vista, no caso do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro, o AMORJ<br />

<strong>de</strong>sempenhou um papel pioneiro, que se mantém peculiar, quanto<br />

ao recorte temático, até hoje.<br />

Seu acervo físico, inicialmente reunindo documentação oriunda<br />

<strong>de</strong> algumas pesquisas acadêmicas concluídas 1 , foi progressivamente<br />

enriquecido por outras pesquisas, por doações <strong>de</strong> coleções<br />

particulares <strong>de</strong> militantes sindicais e políticos e <strong>de</strong> material institucional<br />

(muitas vezes porque ameaçado <strong>de</strong> <strong>de</strong>struição ou disper-<br />

1 Tais pesquisas <strong>de</strong>senvolviam-se no âmbito do Projeto O Trabalhador Carioca-Produção<br />

e Reprodução da Classe Trabalhadora no Rio <strong>de</strong> Janeiro, financiado pela FINEP<br />

a partir do início dos anos 80, e que reunia os Professores Alice Abreu, Bila Sorj, Elina<br />

Pessanha, José Ricardo Ramalho, Luiz Antonio Machado da Silva, Maria Rosilene Alvim,<br />

Paola Cappellin, Regina Morel e Vera Pereira.<br />

172


Memória do trabalho, memória sindical, memória política:<br />

o Arquivo <strong>de</strong> Memória Operária do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

são), e pela reunião sistemática <strong>de</strong> exemplares da imprensa sindical<br />

e local, <strong>de</strong> dissertações e teses sobre temas afins aos objetivos do<br />

Arquivo.<br />

Hoje, esse acervo está distribuído por 02 Fundos e 55 Coleções<br />

(Particulares, Institucionais e Acadêmicas), e reúne material relacionado<br />

a:<br />

1) setores profissionais, sindicatos, organizações partidárias<br />

e partidos políticos vinculados às classes trabalhadoras - no<br />

campo e na cida<strong>de</strong> - ou aos chamados “setores populares”;<br />

2) militantes e li<strong>de</strong>ranças sindicais e político-partidárias<br />

expressivas;<br />

3) atores e instituições da área dos direitos - e da Justiça -<br />

do trabalho.<br />

O acervo compõe-se <strong>de</strong> documentação arquivística, bibliográfica<br />

e iconográfica (em originais, reproduções e microfilmes)<br />

e ainda material sonoro e áudio-visual. Inclui uma coleção significativa<br />

<strong>de</strong> periódicos, nacionais e estrangeiros com 2542 títulos, organizados<br />

e catalogados. Conta ainda com uma Coleção importante<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>poimentos orais (mais <strong>de</strong> 500 fitas gravadas), <strong>de</strong> militantes<br />

sindicais e político-partidários, dos mais variados matizes, entre<br />

eles Apolônio <strong>de</strong> Carvalho, Tibor Sulik, Jorge Bittar, Geraldo Cândido,<br />

Washington Costa; e também <strong>de</strong> atores expressivos da história<br />

dos direitos e da Justiça do Trabalho no país, como Evaristo <strong>de</strong> Moraes<br />

Filho, Arnaldo Sussekind, Roberto Santos, Francisco Fausto e<br />

outros.<br />

A documentação reunida tem sido objeto <strong>de</strong> consulta pelo<br />

comunida<strong>de</strong> acadêmica nacional e estrangeira e pelo público em<br />

geral. Várias dissertações e teses produzidas nos Programas <strong>de</strong> Pós-<br />

Graduação em História, nas áreas das Ciências Sociais e outras afins,<br />

no próprio Instituto <strong>de</strong> Filosofia e Ciências Sociais - IFCS, em outras<br />

unida<strong>de</strong>s da UFRJ, nas <strong>Universida<strong>de</strong></strong>s do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro e<br />

<strong>de</strong> outras regiões do país, além <strong>de</strong> algumas no exterior, se benefi-<br />

173


Elina G. da Fonte Pessanha & Marcos Aurélio Santana Rodrigues<br />

ciam dos dados, informações e imagens recolhidas no Arquivo. Os<br />

documentos em microfilmes, formados basicamente por cópias do<br />

material preservado - durante o regime militar pós-64 - pelo Archivio<br />

Storico <strong>de</strong>l Movimento Operaio Brasiliano - ASMOB na Fundação<br />

Feltrinelli, em Milão/Itália, foram adquiridos pela UFRJ, e abriram<br />

para os pesquisadores fluminenses a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acessar<br />

um material até então só disponível em São Paulo.<br />

Em torno da proposta do AMORJ associam-se professores/<br />

pesquisadores e estudantes, bolsistas do Conselho Nacional <strong>de</strong><br />

Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq e do Programa<br />

Institucional <strong>de</strong> Bolsas <strong>de</strong> Iniciação Cientifica - PIBIC, <strong>de</strong> três <strong>de</strong>partamentos<br />

da UFRJ: Antropologia Cultural, História e Sociologia. As<br />

pesquisas <strong>de</strong>senvolvidas ligam-se ao Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação<br />

em Sociologia e Antropologia - através das linhas <strong>de</strong> pesquisa “Relações<br />

<strong>de</strong> Trabalho e Relações <strong>de</strong> Po<strong>de</strong>r” e “Desigualda<strong>de</strong>s Sociais”- e<br />

ao Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em História Comparada, ambos do<br />

IFCS 2 .<br />

Estar constituído como um arquivo <strong>de</strong> memória política, sindical,<br />

das relações e direitos do trabalho, <strong>de</strong>ntro da universida<strong>de</strong>,<br />

tem vantagens que não po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>stacadas. Campo<br />

<strong>de</strong> disputas explícitas, a política envolve interesses e paixões muitas<br />

vezes contraditórios. A <strong>Universida<strong>de</strong></strong>, nesse sentido, apresenta-se<br />

como espaço possível para abrigar a memória das diferenças que<br />

se manifestam mesmo entre aqueles indivíduos e instituições que<br />

compartilham a <strong>de</strong>fesa do trabalho e dos trabalhadores, e o AMORJ<br />

tem pretendido possibilitar a coexistência e a manifestação <strong>de</strong>ssa<br />

diversida<strong>de</strong>.<br />

2 Fazem parte da Diretoria do AMORJ, os professores Paola Cappellin, Maria Rosilene<br />

Alvim, Marco Aurélio Santana (PPGSA) e Anita Prestes (PPGHC). A professora Sandra<br />

Rebel Gomes (UFF) é consultora do AMORJ para assuntos referentes à documentação<br />

e ao acervo virtual. Os atuais bolsistas <strong>de</strong> Iniciação Científica são Miguel Carvalho<br />

Rego, Gustavo Moura, Natália Batista Peçanha e Marilia El- Kaddoum Trajtenberg. Colabora<br />

também com o AMORJ o doutorando do PPGSA José Luiz Soares.<br />

174


Memória do trabalho, memória sindical, memória política:<br />

o Arquivo <strong>de</strong> Memória Operária do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

2. O acervo do AMORJ<br />

A) O acervo físico<br />

O AMORJ possui um rico e volumoso acervo físico, distribuído<br />

principalmente em fundos e coleções. Os Fundos são dois, e referem-se<br />

à documentação <strong>de</strong> dois partidos políticos, o Partido Comunista<br />

Brasileiro e o Partido dos Trabalhadores.<br />

O Fundo PCB é um fundo fechado que compreen<strong>de</strong> documentação<br />

bibliográfica e arquivística, esta cobrindo o período <strong>de</strong> 1979<br />

a 1991. Foi doado ao AMORJ quando da criação do Partido Popular<br />

Socialista (PPS). A biblioteca reúne mais <strong>de</strong> 2500 volumes, originários<br />

<strong>de</strong> doações <strong>de</strong> filiados ao partido. O conteúdo <strong>de</strong>ste acervo<br />

bibliográfico é rico em assuntos como política, economia, partidos<br />

políticos, movimento sindical, literatura brasileira e estrangeira, história<br />

do Brasil e dos países do “bloco socialista”, entre outros.<br />

O Fundo PT é um fundo aberto, e reúne documentos textuais,<br />

documentos impressos, documentos audiovisuais e material museológico,<br />

produzidos a partir <strong>de</strong> 1979. Esse material, referente à trajetória<br />

nacional e local da instituição (Rio <strong>de</strong> Janeiro principalmente, e<br />

alguns outros estados <strong>de</strong> forma mais mo<strong>de</strong>sta) foi em gran<strong>de</strong> parte<br />

doado pelo próprio partido, por gabinetes <strong>de</strong> <strong>de</strong>putados e vereadores<br />

e por militantes, mas também é resultado <strong>de</strong> levantamentos<br />

realizados pela equipe do AMORJ. Recentemente o AMORJ recebeu<br />

uma gran<strong>de</strong> doação (cerca <strong>de</strong> 200 caixas-box) da executiva local do<br />

Partido dos Trabalhadores, documentação essa que começa a ser<br />

organizada.<br />

Já as coleções que compõem o acervo, distribuem-se por 3<br />

modalida<strong>de</strong>s. As coleções institucionais reúnem os mais variados<br />

tipos <strong>de</strong> documentação e foram, majoritariamente, doadas por instituições<br />

sindicais, arquivos, partidos políticos, grupos acadêmicos,<br />

organizações várias. Merecem <strong>de</strong>staque, entre elas: a Coleção Movimentos<br />

e Organização dos Trabalhadores Rurais no Brasil - MOTR,<br />

doada pela ONG KOINONIA - Presença Ecumênica e Serviço (originária<br />

do CEDI - Centro Ecumênico <strong>de</strong> Documentação e Informação),<br />

175


Elina G. da Fonte Pessanha & Marcos Aurélio Santana Rodrigues<br />

por intermediação da Professora Nei<strong>de</strong> Esterci (IFCS-UFRJ), compreen<strong>de</strong>ndo<br />

documentação diversificada sobre a atuação e a luta dos<br />

trabalhadores no campo; a Coleção NUPES - Núcleo <strong>de</strong> Estudos Sindicais,<br />

constituída sob a coor<strong>de</strong>nação dos professores José Ricardo<br />

Ramalho e Paola Cappellin e a colaboração, entre outros, do professor<br />

Marco Aurélio Santana; a coleção Entida<strong>de</strong>s Sindicais, reunida<br />

pela equipe do AMORJ; as Coleções relativas às Centrais Sindicais<br />

CUT, CGT, Força Sindical e CAT; as Coleções relativas a partidos políticos,<br />

como o PCdoB, PDT, PSB, PSTU e a Reconstrução do Partido<br />

Comunista Brasileiro-RPCB; a Coleção Organizações <strong>de</strong> Esquerda; a<br />

Coleção Movimento Estudantil; a Coleção Pastoral do Trabalhador.<br />

Destaque-se finalmente, a Coleção Archivio Storico <strong>de</strong>l Movimento<br />

Operaio Brasiliano – ASMOB, <strong>de</strong> microfilmes, que foi adquirida pela<br />

UFRJ, como já citado anteriormente. Entre <strong>seus</strong> mais <strong>de</strong> 90 mil fotogramas,<br />

encontram-se os arquivos privados <strong>de</strong> Astrogildo Ribeiro e<br />

Roberto Morena, documentação sobre o exílio pós-64.<br />

As coleções particulares são muitas e altamente diversificadas<br />

em termos <strong>de</strong> sua origem e do volume e varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> documentos<br />

reunidos, compreen<strong>de</strong>ndo documentos textuais, recorte <strong>de</strong> jornais,<br />

correspondência, fotos, etc. Há coleções <strong>de</strong> militantes sindicais, políticos<br />

e <strong>de</strong> organizações, compondo uma expressiva amostra do<br />

perfil <strong>de</strong> indivíduos - indiretamente <strong>de</strong> instituições - comprometidos<br />

com a <strong>de</strong>fesa dos interesses dos trabalhadores, em períodos<br />

diversos e com estratégias diferenciadas <strong>de</strong> ação. A relativa concentração<br />

<strong>de</strong> coleções <strong>de</strong> militantes do PCB explica-se em virtu<strong>de</strong><br />

da participação do AMORJ no projeto “Memória do PCB”, em que o<br />

Arquivo <strong>de</strong>sempenhou o papel <strong>de</strong> principal receptor <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong><br />

material documental no Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

Entre as coleções particulares estão as <strong>de</strong> Antonieta Campos<br />

da Paz, Ângelo Labanca, Eduardo Stotz, Eloíza Felizardo Prestes, Geraldo<br />

Cândido, Giocondo Dias, Hércules Correia, João <strong>de</strong> Deus da<br />

Silva, Leôncio Basbaum, Leônidas Cardoso Júnior, Moisés Vinhas,<br />

Tibor Sulik e Ulisses Lopes, para citar apenas algumas. Esta última,<br />

176


Memória do trabalho, memória sindical, memória política:<br />

o Arquivo <strong>de</strong> Memória Operária do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

foi doada ao AMORJ por intermediação do professor Marco Aurélio<br />

Santana, e possui fotos bastante expressivas da trajetória do militante<br />

sindical e da história do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro.<br />

As coleções oriundas <strong>de</strong> pesquisas reúnem-se principalmente<br />

em torno <strong>de</strong> duas linhas: uma mais voltada para a história <strong>de</strong><br />

trabalhadores e <strong>de</strong> <strong>seus</strong> sindicatos, compreen<strong>de</strong> por um lado, documentação<br />

e <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> operários da CSN - Companhia<br />

Si<strong>de</strong>rúrgica Nacional, da antiga FNM – Fábrica <strong>de</strong> motores<br />

Nacional e <strong>de</strong> estaleiros da Indústria Naval, recolhidos respectivamente<br />

pelos professores Regina Morel, José Ricardo Ramalho e<br />

Elina Pessanha. Rico material está presente também nas coleções:<br />

Bairro e Fábrica, doada pela professora Francisca Nogueira (Programa<br />

<strong>de</strong> Pós-Graduação em História Social - PPGHS / IFCS); Secretária,<br />

uma ambiguida<strong>de</strong> em feitio <strong>de</strong> profissão, doada pela professora Bila<br />

Sorj (Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia –<br />

PPGSA / IFCS); e Escola <strong>de</strong> Lí<strong>de</strong>res Operários, doada pela professora<br />

Fátima Tavares (UFJF - <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Juiz <strong>de</strong> Fora). Além<br />

disso, a Coleção No Calor do Fogo, doada pela professora Lour<strong>de</strong>s<br />

Canosa, agrega produtos <strong>de</strong> sua pesquisa com operários da Nova<br />

Cosim, si<strong>de</strong>rúrgica paulista.<br />

A outra linha permite recuperar a trajetória da Justiça do Trabalho<br />

e a configuração dos direitos trabalhistas, através <strong>de</strong> documentação<br />

e <strong>de</strong> um banco <strong>de</strong> <strong>de</strong>poimentos orais <strong>de</strong> <strong>seus</strong> operadores.<br />

Refere-se fundamentalmente à pesquisa História dos Direitos e da<br />

Justiça do Trabalho no Brasil, coor<strong>de</strong>nada pelas professoras Ângela<br />

<strong>de</strong> Castro Gomes (CPDOC Centro <strong>de</strong> Pesquisa e Documentação<br />

História e UFF <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral Fluminense), Regina Morel e<br />

Elina Pessanha (UFRJ), que contou com o apoio do CNPq e da<br />

FAPERJ - Fundação Carlos Chagas Filho <strong>de</strong> Amparo à Pesquisa<br />

do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro e reuniu farto material, entre textos,<br />

documentos, <strong>de</strong>poimentos e dados coletados através da realização<br />

<strong>de</strong> um survey. Aplicado aos mais <strong>de</strong> 2500 juizes do trabalho <strong>de</strong> todo<br />

177


Elina G. da Fonte Pessanha & Marcos Aurélio Santana Rodrigues<br />

o país, o survey permitiu traçar o seu perfil sociológico e registrar as<br />

suas opiniões sobre temas relativos ao alcance e atuação da Justiça<br />

do Trabalho, liberda<strong>de</strong> sindical e reformas trabalhistas (GOMES,<br />

PESSANHA e MOREL, 2003, e MOREL, GOMES e PESSANHA, 2007).<br />

Os <strong>de</strong>poimentos orais já parcialmente editados resultaram <strong>de</strong><br />

entrevistas em profundida<strong>de</strong> (mais <strong>de</strong> 30 horas <strong>de</strong> gravação, cada)<br />

com dois construtores <strong>de</strong> nosso Direito do Trabalho, Evaristo <strong>de</strong><br />

Moraes Filho e Arnaldo Sussekind, também registrados em livros<br />

publicados (GOMES, PESSANHA, MOREL, 2003 e MOREL, GOMES,<br />

PESSANHA, 2007); e <strong>de</strong> entrevistas <strong>de</strong> história <strong>de</strong> vida (3 horas <strong>de</strong><br />

gravação em média, cada), com 28 juizes e 3 procuradores do trabalho,<br />

<strong>de</strong> diversas gerações e regiões do país 3 .<br />

O acervo possui ainda uma coleção <strong>de</strong> fotos, constituída basicamente<br />

por cópias <strong>de</strong>scartadas - doação efetuada pelo Jornal do<br />

Brasil no início da década <strong>de</strong> 90 - e por material constante <strong>de</strong> outras<br />

coleções. A coleção <strong>de</strong> cartazes referentes a eventos, manifestações,<br />

etc., é expressiva, reunindo cerca <strong>de</strong> 800 peças. O quadro a seguir<br />

exibe o conjunto <strong>de</strong> fundos e coleções do acervo.<br />

Acervo do AMORJ<br />

FUNDOS<br />

• Partido Comunista Brasileiro<br />

• Partido dos Trabalhadores<br />

COLEÇÕES INSTITUCIONAIS<br />

• Archivo Storico <strong>de</strong>l Movimento Operaio Brasiliano<br />

• Bancários Perseguidos pela Ditadura e a Luta pela Anistia<br />

• Central Autônoma dos Trabalhadores<br />

• Central Geral dos Trabalhadores<br />

• Central Única dos Trabalhadores<br />

• Coletivo Gregório Bezerra<br />

• Entida<strong>de</strong> Sindicais<br />

• Força Sindical<br />

3 Foram realizadas entrevistas no Rio, São Paulo, Brasília, Minas Gerais, Pará, Rio<br />

Gran<strong>de</strong> do Sul, Rio Gran<strong>de</strong> do Norte, Pernambuco, Maranhão e Bahia.<br />

178


Memória do trabalho, memória sindical, memória política:<br />

o Arquivo <strong>de</strong> Memória Operária do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

• Grupo Tortura Nunca Mais<br />

• Movimento Estudantil<br />

• Movimentos e Organização dos Trabalhadores<br />

Rurais no Brasil<br />

• Organizações <strong>de</strong> Esquerda (1969-1974)<br />

• Partido Comunista do Brasil<br />

• Partido Democrático Trabalhista<br />

• Partido Socialista Brasileiro<br />

• Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado<br />

• Pastoral do Trabalhador<br />

• Reconstrução do Partido Comunista Brasileiro<br />

COLEÇÕES PARTICULARES<br />

• Almir <strong>de</strong> Oliveira Neves<br />

• Ana Maria Batista<br />

• Angelo Morena<br />

• Anita Leocádia Prestes<br />

• Antonieta Campos da Paz<br />

• Armando Ribeiro<br />

• Carlson Magno Barbosa<br />

• Celso Rodrigues Maio<br />

• Edmundd Frow<br />

• Eduardo Stoltz<br />

• Eloiza Felizardo Prestes<br />

• Geraldo Cândido<br />

• Giocondo Dias<br />

• Ingrid Sarti<br />

• Hamilton Garcia<br />

• Henrique Ferreira Gama<br />

• Hércules Corrêa<br />

• João Angelo Labanca<br />

• João <strong>de</strong> Deus da Silva<br />

• Leôncio Basbaum<br />

• Leônidas Cardoso Júnior<br />

• Luiz Branco do Valle<br />

• Luiz Fernando Gallotti<br />

179


Elina G. da Fonte Pessanha & Marcos Aurélio Santana Rodrigues<br />

• Marcelo Camurça<br />

• Marcos Jaimovich<br />

• Marcus Miranda<br />

• Moisés Vinhas<br />

• Muniz Ferreira<br />

• Silvio Tavares<br />

• Sócrates Gonçalves<br />

COLEÇÕES DE PESQUISAS ACADÊMICAS<br />

• No Calor do Fogo<br />

• Companhia Si<strong>de</strong>rúrgica Nacional<br />

• Escola <strong>de</strong> Lí<strong>de</strong>res Operários<br />

• Estado e Classe Trabalhadora nos Governos<br />

Militares (1964-1985)<br />

• Fábrica Nacional <strong>de</strong> Motores<br />

• Indústria da Construção Naval do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

• Secretária: Uma Ambigüida<strong>de</strong> em Feitio <strong>de</strong> Profissão<br />

• Direitos e Justiça do Trabalho no Brasil<br />

CATÁLOGOS GERAIS<br />

• Catálogo <strong>de</strong> Cartazes<br />

• Catálogo <strong>de</strong> Depoimentos<br />

• Catálogo <strong>de</strong> Fitas Cassete <strong>de</strong> Áudio<br />

• Catálogo <strong>de</strong> Fitas Cassete <strong>de</strong> Ví<strong>de</strong>o<br />

• Catálogo <strong>de</strong> Livros (Fundo PCB)<br />

• Catálogo <strong>de</strong> Periódicos jornais e revistas<br />

• Catálogo <strong>de</strong> Teses e Dissertações<br />

• Catálogo dos Documentos Anarquistas da Coleção Asmob<br />

• Catálogo sobre a Repressão Política no Brasil (1964-1985)<br />

• Catálogo Mulheres Militantes no Acervo do AMORJ<br />

180


Memória do trabalho, memória sindical, memória política:<br />

o Arquivo <strong>de</strong> Memória Operária do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

O AMORJ disponibiliza ao público, catálogos digitais referentes<br />

a <strong>seus</strong> fundos e coleções, além <strong>de</strong> alguns catálogos temáticos, que<br />

<strong>de</strong>stacam partes do acervo, como Mulheres Militantes, Repressão<br />

Política 1964-1985, Documentos Anarquistas e outros. Esse material<br />

po<strong>de</strong> ser consultado em seu site na internet: www.ifcs.ufrj.<br />

br/~amorj/, on<strong>de</strong> brevemente estarão acessíveis também alguns<br />

<strong>de</strong>poimentos orais digitalizados 4 .<br />

Página <strong>de</strong> abertura do site do AMORJ<br />

4 São também publicações do AMORJ: Calendário dos Metalúrgicos 1989-1990,<br />

1989; Partido Comunista Brasileiro - Os anos <strong>de</strong> formação (1922-1929),1994; Batistinha,<br />

o combatente dos trilhos, 1994; Partido Comunista Brasileiro - Caminhos da<br />

Revolução (1929-1935), 1995.<br />

181


Elina G. da Fonte Pessanha & Marcos Aurélio Santana Rodrigues<br />

B) O acervo virtual<br />

O AMORJ tem investido também, mais recentemente, na composição<br />

<strong>de</strong> um acervo virtual, para consulta em computadores colocados<br />

à disposição dos pesquisadores ou através da internet. Nesse<br />

sentido, conta atualmente com três conjuntos documentais.<br />

1- O primeiro <strong>de</strong>les refere-se ao material digitalizado da Coleção<br />

do Archivio Storico <strong>de</strong>l Movimento Operaio Brasiliano (AS-<br />

MOB), cujos originais estão hoje <strong>de</strong> volta ao Brasil e abrigados na<br />

UNESP - <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Estadual Paulista, que generosamente tem<br />

disponibilizado sua reprodução. A Coleção conta com 22 CDS gravados,<br />

referentes a 319 títulos <strong>de</strong> periódicos que cobrem o período<br />

<strong>de</strong> 1902-1950 e se constituem em fontes preciosas para a pesquisa.<br />

A consulta a esse material digitalizado po<strong>de</strong> ser feita diretamente<br />

no AMORJ.<br />

2- A segunda e expressiva iniciativa é resultante da montagem,<br />

a partir <strong>de</strong> vasta documentação pessoal, da Biblioteca Virtual Evaristo<br />

<strong>de</strong> Moraes Filho, disponibilizada via internet (www.bvemf.ifcs.<br />

ufrj.br).<br />

Página <strong>de</strong> abertura da Biblioteca Virtual Evaristo <strong>de</strong> Moraes Filho (AMORJ)<br />

182


Memória do trabalho, memória sindical, memória política:<br />

o Arquivo <strong>de</strong> Memória Operária do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

Esta biblioteca virtual é um serviço <strong>de</strong> informação sobre a trajetória<br />

e obra do jurista, sociólogo e membro da Aca<strong>de</strong>mia Brasileira<br />

<strong>de</strong> Letras, Evaristo <strong>de</strong> Moraes Filho. Atualmente com 93 anos,<br />

o ex-professor das Faculda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Direito e Filosofia da UFRJ está<br />

ligado à história dos direitos do trabalho no Brasil (MORAES FILHO,<br />

1971) em termos <strong>de</strong> ensino, pesquisa, atuação como um dos primeiros<br />

Procuradores do Trabalho, e propositor <strong>de</strong> reformas (é autor<br />

da proposta <strong>de</strong> Código do Trabalho, <strong>de</strong> 1963, abortada em 1964)<br />

e princípios constitucionais (fez parte da Comissão Afonso Arinos,<br />

que formulou propostas para a Constituição <strong>de</strong> 1988), sempre no<br />

sentido da maior <strong>de</strong>mocratização <strong>de</strong> nossas relações <strong>de</strong> trabalho<br />

(PESSANHA, VILLAS Boas e MOREL, 2005).<br />

Primeiros Procuradores Regionais do Trabalho, reunidos com Ministro do Trabalho<br />

Armando Falcão, 1941 (Biblioteca Virtual Evaristo <strong>de</strong> Moraes Filho)<br />

A organização da Coleção Pessoal do Professor Evaristo, realizada<br />

pelo historiador Marcos Aurélio Santana Rodrigues sob supervisão<br />

da professora Regina Morel, <strong>de</strong>mandou vários anos <strong>de</strong> trabalho,<br />

e o quadro a seguir arrola os documentos cuidadosamente<br />

reunidos durante toda uma vida e gradualmente i<strong>de</strong>ntificados e<br />

<strong>de</strong>scritos graças à prodigiosa memória <strong>de</strong> seu principal ator. Gran<strong>de</strong><br />

parte <strong>de</strong>sses documentos foi digitalizada e essas reproduções<br />

fazem parte do acervo virtual da Biblioteca.<br />

183


Elina G. da Fonte Pessanha & Marcos Aurélio Santana Rodrigues<br />

Arquivo Evaristo <strong>de</strong> Moraes Filho<br />

TIPOS / ASSUNTOS PERÍODOS Quant.<br />

SÉRIE 01. IMPRENSA (recortes) 1934-2005 1.719<br />

01.1. Artigos <strong>de</strong> Evaristo <strong>de</strong> Moraes Filho 1934-2000 285<br />

01.2. Resenhas, artigos e anúncios <strong>de</strong> livros <strong>de</strong> Evaristo <strong>de</strong> Moraes Filho 1943-1986 50<br />

01.3. Instalação da Justiça do Trabalho / Bahia 1941 11<br />

01.5. Anteprojeto do Código do Trabalho 1962-1964 201<br />

01.6. Notícias em geral 1937-2005 1.185<br />

SÉRIE 02. FOTOGRAFIAS 1930-2004 321<br />

02.1. Fotografias pessoais 1906-2004 118<br />

02.2. Fotografias em geral 1924-1997 201<br />

SÉRIE 03. CORRESPONDÊNCIAS 1932-2004 3411<br />

03.1. Correspondências enviadas em geral 1961-1985 20<br />

03.2. Correspondências recebidas - “Concurso e posse na cátedra na FND” 1957-1958 128<br />

03.3. Correspondências recebidas - “Posse na ABL” 1984 -<br />

03.5. Correspondências recebidas em geral 1932-2006 3522<br />

SÉRIE 04. DIVERSOS 1934-2007 640<br />

04.1. Ativida<strong>de</strong>s discentes <strong>de</strong> EMF 1930-1957 75<br />

04.2. Ativida<strong>de</strong>s docentes <strong>de</strong> EMF 1939-1976 93<br />

04.3. Funções públicas <strong>de</strong> EMF 1934-1969 102<br />

04.4. Diplomas e certificados 1949-1995 40<br />

04.5. Convites e homenagens 1938-2007 101<br />

04.6. Concursos públicos 1953-1958 21<br />

04.7. Cátedra <strong>de</strong> Sociologia e aposentadoria compulsória 1966-1969 29<br />

04.8. Congressos e seminários 1953-2006 48<br />

04.9. Fortuna crítica 1935-1998 11<br />

04.10. Currículos - 15<br />

04.11. Discursos e textos em geral - 87<br />

04.12. Instituições e empresas 1974-1985 18<br />

184


Memória do trabalho, memória sindical, memória política:<br />

o Arquivo <strong>de</strong> Memória Operária do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

3- Finalmente, outra iniciativa em curso no AMORJ, é a organização<br />

do Núcleo DE Direitos - Documentação e Estudos sobre Direitos<br />

Sociais no Brasil, que <strong>de</strong>verá reunir documentos, dados, estudos,<br />

verbetes, referências, notícias, em diferentes áreas <strong>de</strong> construção e<br />

esforços para a expansão <strong>de</strong> direitos sociais em nosso país. Trabalho,<br />

Gênero, Ambiente, Infância e Juventu<strong>de</strong>, Saú<strong>de</strong>, são algumas<br />

das áreas em que se tem investido para organizar e disponibilizar<br />

ao público, via internet, informações necessárias ao exercício pleno<br />

da cidadania 5 .<br />

Objetivando colocar rapidamente o material produzido à disposição<br />

pública, o Núcleo DE Direitos vem se organizando na montagem<br />

<strong>de</strong> um site, que <strong>de</strong>verá informar àqueles que o consultarem<br />

sobre:<br />

a) os principais estatutos, leis, preceitos constitucionais, códigos,<br />

convenções internacionais assinadas pelo Brasil, relacionados<br />

aos direitos <strong>de</strong> cada área (Estatuto da Criança e do Adolescente, CLT,<br />

códigos ambiental, por exemplo), <strong>de</strong>stacando <strong>seus</strong> aspectos principais;<br />

5 A questão da formatação e existência dos direitos é objeto <strong>de</strong> estudos clássicos no<br />

âmbito da Sociologia, que <strong>de</strong>stacam as lutas históricas para alcançá-los e chamam<br />

atenção para a reação conservadora frequentemente acionada para impedir os <strong>seus</strong><br />

avanços. O trabalho fundamental <strong>de</strong> Marshall (1987), <strong>de</strong>screvendo a progressiva<br />

e linear conquista – <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século XVIII- dos direitos civis, políticos e sociais nas<br />

socieda<strong>de</strong>s capitalistas oci<strong>de</strong>ntais, assim como a <strong>de</strong>scrição do <strong>de</strong>senvolvimento da<br />

chamada Era dos Direitos (Bobbio, 1992), têm servido <strong>de</strong> parâmetro para o entendimento<br />

do processo <strong>de</strong> construção da cidadania em vários países. Por outro lado,<br />

trabalhos como o <strong>de</strong> Hirschman (1992), por exemplo, têm analisado a resistência que<br />

se opõe a essas conquistas. No caso do Brasil, contribuições como a <strong>de</strong> José Murilo<br />

<strong>de</strong> Carvalho (1996 e 2001), entretanto, têm chamado atenção para o rompimento da<br />

lógica linear <strong>de</strong> avanço dos direitos exposta por Marshall, já que os chamados direitos<br />

sociais teriam sido - com o impulso do Estado pós-30 - os primeiros a vigorar <strong>de</strong><br />

forma mais ampla em nosso país. As dificulda<strong>de</strong>s e complexida<strong>de</strong> nos <strong>de</strong>sdobramentos<br />

<strong>de</strong> acesso aos direitos, <strong>de</strong> toda forma, continuam mobilizando os pesquisadores<br />

das questões sociais incentivando-os a fomentar percursos <strong>de</strong> difusão para o efetivo<br />

uso <strong>de</strong>stes direitos por parte dos cidadãos.<br />

185


Elina G. da Fonte Pessanha & Marcos Aurélio Santana Rodrigues<br />

b) as principais instituições públicas, privadas, locais, regionais<br />

e nacionais <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa e garantia;<br />

c) textos produzidos sobre os direitos nessas diferentes âmbitos,<br />

compreen<strong>de</strong>ndo não só textos analíticos <strong>de</strong> fundo, como<br />

verbetes explicativos, comentários, que facilitem a compreensão<br />

e reflexão sobre eles (por exemplo: ALVIM, 1988; CAPPELLIN, 2002<br />

e 2004; GIULIANI, 1998; SANTANA, 2003). Nesse sentido, a idéia é<br />

constituir coleções <strong>de</strong> textos - documentos, artigos, teses, resultados<br />

<strong>de</strong> pesquisas, - sobre cada um dos âmbitos dos direitos sociais<br />

cobertos pelo site, referenciá-los e disponibilizá-los ao público. O<br />

Núcleo quer colaborar para aprimorar a transparência das informações<br />

e ampliar o manuseio por parte do público em geral quando<br />

busca o acesso às instituições que tem como meta a <strong>de</strong>fesa dos direitos.<br />

Assim o núcleo se preocupa em esten<strong>de</strong>r a consulta on-line<br />

já existente no acervo físico do AMORJ.<br />

3. A UFRJ e os projetos <strong>de</strong> memória<br />

A oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realização do Seminário Memória, Documentação<br />

e Pesquisa, promovidas em 2008, pelo <strong>Sistema</strong> <strong>de</strong> <strong>Bibliotecas</strong><br />

e Informação - SiBI, permitiu a exposição <strong>de</strong> várias experiências<br />

realizadas em diferentes unida<strong>de</strong>s da UFRJ. A diversida<strong>de</strong><br />

temática observada, rica expressão dos ramos do conhecimento<br />

científico e os objetivos institucionais específicos, não escon<strong>de</strong>m,<br />

entretanto, a proximida<strong>de</strong> entre as trajetórias dos vários arquivos,<br />

mu<strong>seus</strong>, bibliotecas, programas, núcleos e centros <strong>de</strong> documentação,<br />

que resultam do empenho acadêmico, do compromisso social<br />

e da vonta<strong>de</strong> política <strong>de</strong> professores, pesquisadores e técnicos <strong>de</strong>sta<br />

universida<strong>de</strong>.<br />

O patrimônio cultural reunido na <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro é inestimável. Ele preserva e conta a história da ciência,<br />

da socieda<strong>de</strong> civil, das instituições e do Estado. Registra e divulga o<br />

conhecimento, a vida em socieda<strong>de</strong>, as realizações, conflitos, projetos<br />

e utopias dos homens e mulheres que fizeram e fazem a história<br />

<strong>de</strong> nosso país.<br />

186


Memória do trabalho, memória sindical, memória política:<br />

o Arquivo <strong>de</strong> Memória Operária do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

Espera-se que o Seminário - e o relato das experiências registradas<br />

neste livro - venham a cumprir o papel esperado <strong>de</strong> dar<br />

maior visibilida<strong>de</strong> a todas essas iniciativas, propiciar o intercâmbio<br />

e a colaboração entre elas e, principalmente, estimular o contínuo<br />

apoio da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> a esse trabalho.<br />

Referências<br />

ALVIM, Maria Rosilene. Infância e socieda<strong>de</strong> no Brasil: uma análise da literatura. BIB,<br />

v. 26,1988.<br />

ALVIM, Maria Rosilene; FERREIRA JUNIOR, Edísio; Queiroz, Tereza (Org.). Jovens<br />

& Juventu<strong>de</strong>s. João Pessoa: Universitária/UFPB, 2005.<br />

BEYNON, Huw. A <strong>de</strong>struição da classe operária inglesa Revista Brasileira <strong>de</strong><br />

Ciencias Sociais, n.27, 1995.<br />

BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Campus, 1992.<br />

CALENDÁRIO dos metalúrgicos: 1989-1990. Rio <strong>de</strong> Janeiro: UFRJ / IFCS / AMORJ,<br />

1989. 1 calendário, color., 12 cm x 9 cm.<br />

CAPPELLIN, Paola. A igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong> nas relações <strong>de</strong> trabalho: a<br />

ética da reparação antece<strong>de</strong> o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>. In: COSTA, A.A. et al.<br />

(Org.).Reconfiguração das relações <strong>de</strong> gênero no trabalho. São Paulo: CUT, 2004.<br />

v.1., p. 81-118.<br />

_______. Globalizando os direitos: do salário igual à igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s<br />

entre homens e mulheres. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL: SALÁRIO IGUAL PARA<br />

TRABALHO DE IGUAL VALOR: avanços e <strong>de</strong>safios na implementação da Convenção<br />

n. 100 da OIT, Turim, 2002. São Paulo: CUT/OIT, 2002.<br />

CARVALHO, José Murilo. Cidadania: tipos e percursos.<br />

Históricos.Rio <strong>de</strong> Janeiro, n.18,1996.<br />

Revista <strong>de</strong> Estudos<br />

______. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Civ. Brasileira, 2001.<br />

187


Elina G. da Fonte Pessanha & Marcos Aurélio Santana Rodrigues<br />

CENTRO DE MEMÓRIA FERROVIÁRIA DO SINDICATO DOS TRABALHADORES<br />

FERROVIÁRIOS DA ZONA DA CENTRAL DO BRASIL. Batistinha: o combatente dos<br />

trilhos. Rio <strong>de</strong> Janeiro: UFRJ / IFCS /AMORJ, 1994.<br />

DE DECCA. Edgar. Memória e Cidadania. In O direito à memória. São Paulo:5 DPH,<br />

1992.<br />

GIULIANI, Gian Mario. Sociologia e ecologia: um diálogo reconstruído. Dados, Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro: IUPERJ, v.41, n. 1, 1998.<br />

GOMES, Ângela; PESSANHA, Elina; MOREL, Regina (Org.). Arnaldo Sussekind: um<br />

construtor do direito do trabalho no Brasil. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Renovar, 2003.<br />

GOMES, A; PESSANHA,E; MOREL, R. Perfil da magistratura do trabalho no Brasil.<br />

In: GOMES, Angela <strong>de</strong> Castro (Org.). Direitos e Cidadania: justiça, po<strong>de</strong>r e mídia. Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro: FGV , 2007. Cap. 1.<br />

HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. São Paulo: Vértice.1990.<br />

HIRSCHMAN, Albert. A Retórica da Intransigência. São Paulo: Companhia das<br />

Letras, 1992.<br />

HYMAN, Richard. Tra<strong>de</strong> unions and the disaggregation of the working-class. In:<br />

Marino Regini (Orgs.). The Future of Labour Movements. Madrid: SAGE/ISA, 1994.<br />

MARSHALL, T.H. Cidadania, classe social e status. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Zahar, 1967.<br />

MORAES FILHO, Evaristo. Introdução ao Direito do Trabalho. São Paulo: LTR,<br />

1971.<br />

MOREL, R; GOMES, A.; PESSANHA, E. (Org.). Sem medo da utopia: Evaristo <strong>de</strong><br />

Moraes Filho, arquiteto da sociologia e do direito do trabalho no Brasil. São Paulo:<br />

LTR, 2007.<br />

MOREL, R.; PESSANHA, E. A Justiça do Trabalho. Tempo Social: revista <strong>de</strong> sociologia<br />

da USP, São Paulo, v. 19, n. 2, p. 87-109, nov. 2007.<br />

NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos <strong>lugares</strong>.Projeto História,<br />

188


Memória do trabalho, memória sindical, memória política:<br />

o Arquivo <strong>de</strong> Memória Operária do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

São Paulo: PUC, n. 10, <strong>de</strong>z. 1993.<br />

PESSANHA, E.; GOMES, S.R. (Org.). Partido Comunista Brasileiro: os anos <strong>de</strong><br />

formação: 1922 - 1929. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Stamppa: Programa <strong>de</strong> Preservação da<br />

memória do PCB, 1994.<br />

PESSANHA, E.; MOREL, R. Magistrados do trabalho no Brasil: entre a tradição e a<br />

mudança. Estudos Históricos, Rio <strong>de</strong> Janeiro, n. 37, p. 29-53, 2006.<br />

_______. mudanças recentes no mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> relações <strong>de</strong> trabalho no Brasil e novo<br />

sindicalismo. In: RODRIGUES, Iram J.(Org.). O novo sindicalismo vinte anos <strong>de</strong>pois.<br />

Petrópolis: Vozes: EDUC: UNITRABALHO,1999.<br />

PESSANHA,E.; VILLAS BOAS,G.; MOREL,R. (Org.). Evaristo <strong>de</strong> Moraes Filho, um<br />

intelectual humanista. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Topbooks, 2005.<br />

PESSANHA, Elina; NASCIMENTO, Regina Malta (Org.). Partido Comunista Brasileiro:<br />

caminhos da Revolução :1929-1935. Rio <strong>de</strong> Janeiro: UFRJ / IFCS / AMORJ: Programa<br />

<strong>de</strong> Preservação da Memória do PCB, 1995.<br />

PIALLOUX, M ; BEAUD, Stéphane. Retour sur la condition ouvrière. Paris : Fayard,<br />

1999.<br />

SANTANA, M. A. Trabalhadores em movimento: o sindicalismo brasileiro nos anos<br />

1980 - 1990. In: FERREIRA, Jorge; NEVES, Lucília. (Org.). O Brasil republicano: o<br />

tempo da ditadura: regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.<br />

SUPIOT, Alain (Org.). Au-<strong>de</strong>là <strong>de</strong> l’emploi: transformations du travail et <strong>de</strong>venir du<br />

droit du travail en Europe. Paris : Flammarion, 1999.<br />

THOMPSON, E. P. A formação da classe operária inglesa. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Paz e<br />

Terra, 1987.<br />

189


O Centro <strong>de</strong> Documentação da Escola <strong>de</strong><br />

Enfermagem Anna Nery – EEAN/UFRJ<br />

Maria da Luz Barbosa Gomes<br />

Sandra Cristina Demetrio <strong>de</strong> Moraes<br />

O mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> enfermagem anglo americano implantado na<br />

capital do Brasil, no início da década <strong>de</strong> 20, ocorreu em uma conjuntura<br />

<strong>de</strong> forte influência americana nos domínios da economia e<br />

da tecnologia.<br />

Assim, uma Missão <strong>de</strong> Enfermeiras americanas, patrocinada<br />

pela Fundação Rockfeller e chefiada por Ethel Parsons, foi trazida<br />

para o Brasil com o objetivo <strong>de</strong> promover as inovações requeridas<br />

pelo Departamento Nacional <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Pública - DNSP, consi<strong>de</strong>radas<br />

necessárias à efetivação da Reforma Carlos Chagas e aqui<br />

permaneceu por uma década (1921-1931).<br />

Em 1922 foi criada a Escola <strong>de</strong> Enfermeiras<br />

do Departamento Nacional <strong>de</strong><br />

Saú<strong>de</strong> Pública, hoje Escola <strong>de</strong> Enfermagem<br />

Anna Nery, sendo transplantado<br />

para o Brasil um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> enfermagem<br />

que agregava às características do tradicional<br />

mo<strong>de</strong>lo Nightingale, e outras, <strong>de</strong>senvolvidas<br />

com o intuito <strong>de</strong> adaptar-se<br />

aos padrões da socieda<strong>de</strong> americana.<br />

As primeiras diretoras da EEAN<br />

Ethel Parsons<br />

foram as norte - americanas: Clara<br />

Chefe da Missão <strong>de</strong><br />

enfermeiras americanas Louise Kieninger (1923-1925); Loraine<br />

Geneviéve Denhardt (1925-1928)<br />

(acerco CDOC/EEAN)<br />

e Bertha Lucille Pullen (1928-1931 /<br />

1934-1938).<br />

191


Maria da Luz Barbosa Gomes & Sandra Cristina Demetrio <strong>de</strong> Moraes<br />

Diretoras norte-americanas. Da esquerda para direita: Clara Louise KIENINGER<br />

(1923-1925), Loraine Geneviéve DENHARDT (1295-1928) e Berthe L. PULLEN<br />

(1928-1931/1934-1938).<br />

Durante este período ocorre a institucionalização do ensino <strong>de</strong><br />

enfermagem <strong>de</strong> alto padrão e a organização do Hospital Geral da<br />

Assistência, hoje Hospital Escola São Francisco <strong>de</strong> Assis que funcionou<br />

e até hoje funciona como campo <strong>de</strong> estágio para a EEAN.<br />

Hospital Escola São Francisco <strong>de</strong> Assis - 1926<br />

Em 1926, Carlos Chagas obteve junto ao Ministro da Justiça,<br />

Afonso Pena Junior, a cessão do prédio do ex-hotel Sete <strong>de</strong> Setembro,<br />

pertencente ao governo, para instalação da Residência das Alunas<br />

(internato). Ao mesmo tempo a Fundação Rockfeller celebrou<br />

192


O Centro <strong>de</strong> Documentação da Escola <strong>de</strong> Enfermagem Anna Nery – EEAN/UFRJ<br />

acordo com o governo brasileiro, através do qual se comprometia<br />

a fazer adaptações necessárias e mobiliar as <strong>de</strong>pendências do prédio.<br />

Ex-Hotel Sete <strong>de</strong> Setembro – Internato (1926)<br />

Devido à distância entre a residência e o Hospital on<strong>de</strong> as alunas<br />

estagiavam, a Fundação Rockfeller provi<strong>de</strong>nciou também a<br />

compra <strong>de</strong> um ônibus e a construção <strong>de</strong> um pavilhão <strong>de</strong> aulas.<br />

193


Maria da Luz Barbosa Gomes & Sandra Cristina Demetrio <strong>de</strong> Moraes<br />

Pavilhão <strong>de</strong> Aulas - 1926<br />

O plano para a enfermagem brasileira, elaborado por Ethel Parsons,<br />

foi executado <strong>de</strong> maneira exemplar e <strong>de</strong> modo a assegurar<br />

a autonomia do ensino, a qualificação profissional e a inserção da<br />

Enfermeira no mercado <strong>de</strong> trabalho, em bases seguras.<br />

A trajetória da Escola <strong>de</strong> Enfermagem Anna Nery como instituição<br />

<strong>de</strong>dicada à formação <strong>de</strong> enfermeiras(os) ao longo <strong>de</strong> mais<br />

<strong>de</strong> oitenta anos, encontra-se registrada em um rico patrimônio documental<br />

sob a custódia do Centro <strong>de</strong> Documentação da Escola <strong>de</strong><br />

Enfermagem Anna Nery, localizado no prédio do Pavilhão <strong>de</strong> Aulas<br />

da Escola, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico<br />

Nacional (IPHAN), situado na Rua Afonso Cavalcante, 275 - Cida<strong>de</strong><br />

Nova - Centro-Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

Ao final da década <strong>de</strong> 1980 houve o reconhecimento da importância<br />

<strong>de</strong>sse amplo e valioso acervo e a constituição <strong>de</strong> uma linha<br />

<strong>de</strong> pesquisa em História da Enfermagem Brasileira. A construção<br />

<strong>de</strong>sta linha <strong>de</strong> pesquisa ocorreu em estreita ligação com o curso <strong>de</strong><br />

doutorado, o Centro <strong>de</strong> Documentação e o Núcleo <strong>de</strong> Pesquisa <strong>de</strong><br />

História da Enfermagem Brasileira (Nuphebras), que serviram como<br />

alavanca para que a EEAN / UFRJ tomasse, no início da década <strong>de</strong><br />

1990 algumas iniciativas voltadas para a preservação <strong>de</strong> documen-<br />

194


O Centro <strong>de</strong> Documentação da Escola <strong>de</strong> Enfermagem Anna Nery – EEAN/UFRJ<br />

tos textuais, iconográficos e orais. Reunidos e organizados, esses<br />

documentos são fontes primárias, imprescindíveis para pesquisadores<br />

das áreas <strong>de</strong> história da enfermagem e da saú<strong>de</strong>, bem como<br />

outras áreas <strong>de</strong> formação profissional.<br />

Vale ressaltar que a criação do curso <strong>de</strong> Doutorado em Enfermagem<br />

(1989), a inauguração do Centro <strong>de</strong> Documentação (1993)<br />

e a implantação do Núcleo <strong>de</strong> Pesquisa <strong>de</strong> História da Enfermagem<br />

(1993) ensejaram o incremento da produção dos enfermeiros sobre<br />

história da enfermagem. Tanto os docentes <strong>de</strong> enfermagem como<br />

os técnicos <strong>de</strong> enfermagem dos serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> têm buscado<br />

esclarecer suas perplexida<strong>de</strong>s através dos estudos históricos. A produção<br />

vem a<strong>de</strong>nsando e no momento contabilizamos cerca <strong>de</strong> uma<br />

centena <strong>de</strong> trabalhos publicados, entre livros e artigos. Além disso,<br />

essa produção vem se diversificando tanto no que se refere à natureza<br />

<strong>de</strong> <strong>seus</strong> objetos no tempo e no espaço, quanto à abordagem<br />

teórico-metodológica e às fontes utilizadas. Essas pesquisas são<br />

<strong>de</strong>senvolvidas mediante consulta ao acervo documental (textual,<br />

iconográfico e oral) ao mesmo tempo em que os nutrem, com documentos<br />

resgatados ou produzidos pela ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> investigação.<br />

Destacamos ainda a participação <strong>de</strong> pesquisadores <strong>de</strong> outras<br />

áreas <strong>de</strong>senvolvendo pesquisas em história da enfermagem, no<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro e em São Paulo, subvencionados por agências <strong>de</strong> fomento.<br />

Assim, a discussão sobre a mesma é pertinente e consente a<br />

reconstrução da história da enfermagem brasileira cuja continuida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da existência das fontes documentais.<br />

Constituição e i<strong>de</strong>ntificação do acervo<br />

O acervo do Centro <strong>de</strong> Documentação da Escola <strong>de</strong> Enfermagem<br />

Anna Nery <strong>de</strong>ve-se ao empenho <strong>de</strong> algumas professoras, entre<br />

elas, Anna Jaguaribe Nava e Madalena Werneck, que nas décadas<br />

<strong>de</strong> 1940 e 1950 organizaram o arquivo iconográfico. Posteriormente,<br />

as professoras Cecília Pecego Coelho e Vilma <strong>de</strong> Carvalho <strong>de</strong>ram<br />

início à organização do arquivo dos documentos textuais.<br />

195


Maria da Luz Barbosa Gomes & Sandra Cristina Demetrio <strong>de</strong> Moraes<br />

É importante <strong>de</strong>stacar que a inauguração do CDOC, em 1993,<br />

foi precedida da organização do acervo que esteve a cargo da Profª<br />

Drª Vilma <strong>de</strong> Carvalho e Profª Drª Jussara Sauthier.<br />

Os documentos Textuais foram organizados em Séries Abertas:<br />

-A MISSÃO (1922-1931) - documentos escritos pelas enfermeiras<br />

estrangeiras que implantaram a Enfermagem Mo<strong>de</strong>rna no Brasil;<br />

-AS PIONEIRAS (1932-1950) - período que abrange as gestões<br />

das Diretoras Rachel H. Lobo, Berta Pullen e Lais Netto dos Reis;<br />

-CURSO DE GRADUAÇÃO (1923-1990) - composto <strong>de</strong> dossiê<br />

das alunas que concluíram o curso <strong>de</strong> enfermagem a partir da primeira<br />

turma que colou grau em 1925;<br />

- SOCORRISTAS VOLUNTÁRIAS DE GUERRA (1942-1945) - reúne<br />

documentos que <strong>de</strong>monstram a participação da EEAN no preparo<br />

<strong>de</strong> moças brasileiras, motivadas a inscreverem-se como voluntárias<br />

na II Guerra Mundial;<br />

- ASSOCIAÇÃO DE VOLUNTÁRIAS DE ANNA NERY (AVAN) - resultado<br />

<strong>de</strong> um movimento feminino em prol do bem estar dos clientes<br />

dos hospitais públicos ou filantrópicos do Rio <strong>de</strong> Janeiro;<br />

- OS EXCLUÍDOS (1923-1970) - dossiê das alunas que foram<br />

reprovadas ou convidadas a <strong>de</strong>ixar o curso <strong>de</strong> Graduação da EEAN;<br />

- SÉRIE PÓS-GRADUAÇÃO - documentos produzidos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a<br />

criação do curso <strong>de</strong> Mestrado, em 1972 (falta ser organizado);<br />

- DIRETORAS E OUTRAS PERSONALIDADES - documentos pertencentes<br />

ao arquivo privado;<br />

- OBRAS RARAS - reúne exemplares que datam do período<br />

inicial da ascensão da enfermagem no Brasil, ca<strong>de</strong>rnos ou textos<br />

manuscritos, livros que indicam a adoção <strong>de</strong> novas abordagens<br />

na enfermagem, com anotações manuscritas ou com autógrafos<br />

<strong>de</strong> enfermeiras que se projetaram num dado campo profissional,<br />

primeiros periódicos brasileiros e a coleção especial <strong>de</strong> Teses e Dissertações<br />

<strong>de</strong>fendidas na EEAN.<br />

O projeto “Quadro Documental da Escola <strong>de</strong> Enfermagem Anna<br />

Nery - 70 anos <strong>de</strong> evolução histórica (1922-1992)” coor<strong>de</strong>nado pela<br />

196


O Centro <strong>de</strong> Documentação da Escola <strong>de</strong> Enfermagem Anna Nery – EEAN/UFRJ<br />

Profª Vilma <strong>de</strong> Carvalho teve como um dos produtos o CATÁLOGO<br />

ANALÍTICO DA EEAN (1922-1972) sob a responsabilida<strong>de</strong> da Profª<br />

Jussara Sauthier que foi o alicerce para a organização do acervo.<br />

Dando continuida<strong>de</strong> ao trabalho <strong>de</strong> organização do acervo as<br />

professoras produziram ainda os seguintes catálogos:<br />

A MISSÃO PARSONS – os documentos históricos da EEAN<br />

(1922-1931);<br />

AS PIONEIRAS E A CONSOLIDAÇÃO DA ENFERMAGEM NO BRA-<br />

SIL - documentos históricos da EEAN/UFRJ (1932-1950);<br />

ANAES DE ENFERMGEM INFORMATIZAÇÃO DAS PUBLICAÇÕES<br />

(1932-1954).<br />

Atualmente, o projeto SALTOS EVOLUTIVOS DA ENFERMAGEM<br />

está sendo concluído pelas Professoras Vilma <strong>de</strong> Carvalho e Jussara<br />

Sauthier dando conta da organização <strong>de</strong> mais um catalogo analítico<br />

cujo recorte temporal abrange 1951-1975.<br />

Os catálogos são <strong>de</strong>scritivos e visam facilitar a localização <strong>de</strong><br />

um documento no CDOC. Os dados que integram cada série documental<br />

<strong>de</strong>sses catálogos estão dispostos <strong>de</strong> acordo com o seu<br />

tipo, acompanhados <strong>de</strong> um breve resumo <strong>de</strong> seu conteúdo, autoria,<br />

data, local on<strong>de</strong> foi produzido e número <strong>de</strong> páginas.<br />

A localização do documento é ainda facilitada pela indicação<br />

do módulo, caixa e número do documento na série documental a<br />

qual pertence.<br />

O acervo oral<br />

Com a criação do Curso <strong>de</strong> Doutorado em Enfermagem, em<br />

1989, iniciou-se a organização <strong>de</strong> um acervo <strong>de</strong> História Oral com a<br />

doação <strong>de</strong> fitas, gravadas e transcritas, <strong>de</strong> <strong>de</strong>poimentos provenientes<br />

das teses <strong>de</strong> doutorado das professoras Ieda <strong>de</strong> Alencar Barreira,<br />

Suely <strong>de</strong> Souza Baptista, Isabel Cristina dos Santos Oliveira e Cristina<br />

Maria Loyola <strong>de</strong> Miranda.<br />

Além disso, foi doada pela Associação Brasileira <strong>de</strong> Enfermagem<br />

uma série <strong>de</strong> fitas cassetes com <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> li<strong>de</strong>ranças da<br />

197


Maria da Luz Barbosa Gomes & Sandra Cristina Demetrio <strong>de</strong> Moraes<br />

enfermagem realizadas no âmbito do projeto “Nexos da Escola <strong>de</strong><br />

Enfermagem Anna Nery /ABEn: criação <strong>de</strong> um fundo <strong>de</strong> arquivo”. É<br />

um acervo aberto que recebe doações <strong>de</strong> <strong>de</strong>poimentos cedidos por<br />

pesquisadores da área da História da Enfermagem. Conta também<br />

com várias outras gravações referentes aos eventos realizados na<br />

Escola.<br />

Com o apoio financeiro da FAPERJ foi possível realizar o trabalho<br />

<strong>de</strong> digitalização <strong>de</strong> 280 fitas cassetes perfazendo um total <strong>de</strong><br />

500 CDs com originais e cópias que hoje compõem o acervo.<br />

Os documentos fotográficos<br />

O acervo fotográfico é constituído <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> dois mil documentos,<br />

em sua maioria cópias fotográficas em papel; 36 álbuns e<br />

aproximadamente 100 sli<strong>de</strong>s. Estas fotografias remontam à década<br />

<strong>de</strong> 20 do século passado e testemunharam os fatos oficiais e sociais<br />

da Escola.<br />

Este acervo foi restaurado pela FUNARTE em 2006 através do<br />

projeto “Preservando e Difusão do acervo Documental da Escola <strong>de</strong><br />

Enfermagem Anna Nery” financiado pelo CNPq.<br />

Por que um centro <strong>de</strong> documentação e não um arquivo<br />

Na tarefa <strong>de</strong> reunir todo o acervo da EEAN foram <strong>de</strong>scobertos<br />

documentos impressos, textuais, audiovisuais, cartográficos, além<br />

<strong>de</strong> indumentárias e objetos específicos da área <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Isso fez<br />

com que se pensasse em um espaço que pu<strong>de</strong>sse contemplar tudo<br />

que havia sido encontrado. Então o argumento usado foi o <strong>de</strong> coligir,<br />

armazenar, classificar e disseminar a INFORMAÇÃO ao invés do<br />

DOCUMENTO.<br />

Integram ao acervo do Centro <strong>de</strong> Documentação/EEAN/UFRJ:<br />

135 metros lineares <strong>de</strong> documentos textuais, 3.426 fotografias, 26<br />

fitas VHS, 6 Dvds, 398 títulos (livros, revista e anais) e 280 fitas cassetes<br />

perfazendo um total <strong>de</strong> 500 CDs original e cópia referentes a 283<br />

entrevistas e eventos realizados na Escola.<br />

198


O Centro <strong>de</strong> Documentação da Escola <strong>de</strong> Enfermagem Anna Nery – EEAN/UFRJ<br />

Da esquerda para a direita, <strong>de</strong> cima para baixo: o espaço linear dos documentos<br />

textuais, espaço <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> classificação <strong>de</strong> documentos, espaço <strong>de</strong> trabalho<br />

administrativo e o acervo <strong>de</strong> fotografias.<br />

No Brasil, o Arquivo Permanente ou “Arquivo Morto” da Instituição<br />

Pública tinha função <strong>de</strong> <strong>de</strong>pósito. Nele estavam guardados os<br />

documentos que já não tinham mais função administrativa. Assim,<br />

montanhas <strong>de</strong> documentos eram acumuladas em <strong>lugares</strong> sujos,<br />

úmidos, com pouca luminosida<strong>de</strong>. Acreditava-se que o mobiliário,<br />

livros e jornais <strong>de</strong> épocas passadas, <strong>de</strong>viam fazer parte <strong>de</strong>sse espaço.<br />

É possível, ainda hoje, afirmar que essa postura continua permeando<br />

alguns Órgãos da Administração Pública.<br />

A mudança <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong> começa a <strong>de</strong>sabrochar, em alguns<br />

segmentos públicos, a partir do momento em que a solicitação dos<br />

pesquisadores torna-se mais intensa.<br />

O caminho para <strong>de</strong>svendar a informação está nesses <strong>de</strong>pósitos,<br />

mas o que fazer Quando os próprios pesquisadores partem<br />

para um trabalho <strong>de</strong> garimpagem do espaço, que as preciosida<strong>de</strong>s<br />

vão surgindo, sendo separadas e levadas para um ambiente, que<br />

embora não seja o i<strong>de</strong>al, apresenta condições muito melhores.<br />

199


Maria da Luz Barbosa Gomes & Sandra Cristina Demetrio <strong>de</strong> Moraes<br />

“Resgatar” passa a ser o termo utilizado na busca <strong>de</strong> recursos<br />

em prol da recuperação, restauração, preservação dos documentos<br />

ou informação, porquanto o importante é que possam ter um tratamento<br />

que os tornem acessíveis à consulta. Pois que até então<br />

ficavam enclausurados nos porões sem que ninguém pu<strong>de</strong>sse vêlos<br />

e nem tocá-los. Muitos <strong>lugares</strong> serviam <strong>de</strong> abrigo para as gatas<br />

parirem.<br />

A Aca<strong>de</strong>mia toma consciência da emergência da situação; daí<br />

o aparecimento <strong>de</strong> Projetos, Programas e Centros voltados para<br />

o resgate da Memória e da História das Instituições Públicas. Isso<br />

significa que se inicia uma jornada para interlocução com os<br />

Dirigentes e as Agencias <strong>de</strong> Fomento. E eis a surpresa! Ainda não<br />

existe por parte das autorida<strong>de</strong>s públicas uma vonta<strong>de</strong> plena <strong>de</strong> ver<br />

<strong>seus</strong> documentos ou informações restituídas à função <strong>de</strong> suporte<br />

para pesquisa. E é por causa disso que trabalhamos em condições<br />

muito aquém das possibilida<strong>de</strong>s do i<strong>de</strong>al e o discurso permanece o<br />

mesmo <strong>de</strong> 1970.<br />

Consi<strong>de</strong>rações finais<br />

E importante pontuar, <strong>de</strong> acordo com as palavras <strong>de</strong> Profª Vilma<br />

<strong>de</strong> Carvalho, que a organização <strong>de</strong>ste acervo foi feito <strong>de</strong> forma<br />

artesanal, além <strong>de</strong> ter buscado como objetivo garantir as condições<br />

<strong>de</strong> preservação e acesso a este rico patrimônio da história da enfermagem<br />

brasileira.<br />

Destacamos a participação dos alunos do Curso <strong>de</strong> Graduação<br />

em Enfermagem na organização do Centro <strong>de</strong> Documentação, através<br />

da disciplina Fontes para História da Enfermagem Brasileira.<br />

Ressaltamos que durante as várias fases <strong>de</strong> organização do<br />

acervo contamos com a colaboração <strong>de</strong> arquivistas, prestadores <strong>de</strong><br />

serviços, que <strong>de</strong> alguma forma vieram orientar o trabalho. Entretanto,<br />

só recentemente, em 2004, foi que nosso Centro <strong>de</strong> Documentação<br />

pô<strong>de</strong> contar com uma arquivista do quadro permanente da<br />

UFRJ que vem dando ênfase aos aspectos técnico-arquivísticos.<br />

200


O Centro <strong>de</strong> Documentação da Escola <strong>de</strong> Enfermagem Anna Nery – EEAN/UFRJ<br />

Referências<br />

GOMES, C; CARVALHO, V; SAUTHIER, J. A inserção da Escola Ana NÉRI na<br />

<strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil (1934-1937). CD-ROM<br />

MEMÓRIAS do <strong>de</strong>senvolvimento: entrevista com Lucas Lopes. Coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> Maria<br />

Antonieta Paarahyba Leopoldi; entrevistadores Maria Antonieta Parahyba Leopoldi e<br />

Plínio <strong>de</strong> Abreu Ramos. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Centro da Memória <strong>de</strong> Eletricida<strong>de</strong> no Brasil.<br />

1991. 346 p.il.<br />

MOTTA, Marly. “Dentro da Névoa autoritária acen<strong>de</strong>mos a fogueira...” a OAB na<br />

re<strong>de</strong>mocratização brasileira(1974-80) Revista Culturas Jurídicas . Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />

v.3, n.1, p. 1-29, jan/jul. 2008. Disponível em: .<br />

Acesso em: 5 jun. 2008.<br />

SANTOS, T. C. F. e BARREIRA, I. A. O po<strong>de</strong>r simbólico da enfermagem norteamericana<br />

no ensino da enfermagem na capital do Brasil: 1928-1938. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />

Escola <strong>de</strong> Enfermagem Anna Nery / UFRJ, 2002.<br />

SAUTHIER, J; CARVALHO, M. T. C. <strong>de</strong> SANTOS, N. M. P. Centro <strong>de</strong> Documentação<br />

da Escola <strong>de</strong> Enfermagem Anna Nery (EEAN): uma contribuição à história da<br />

enfermagem. Revista Latino-Americana <strong>de</strong> Enfermagem. Ribeirão Preto: USP, v. 8,<br />

n.5, p. 81-84, out. 2008.<br />

SAUTHIER, J; BARREIRA, I. A. As enfermeiras norte-americanas e o ensino da<br />

enfermagem na capital do Brasil: 1921-1931. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Escola <strong>de</strong> Enfermagem<br />

Anna Nery / UFRJ, 1999.<br />

FOTOGRAFIAS do acervo do Centro <strong>de</strong> Documentação da Escola <strong>de</strong> Enfermagem<br />

Anna Nery. Rio <strong>de</strong> Janeiro: EEAN / UFRJ, [19_ _ ].<br />

201


A Escola <strong>de</strong> Música da UFRJ<br />

e suas coleções especiais<br />

I - Um pequeno histórico a guisa <strong>de</strong> introdução<br />

André Cardoso<br />

O ensino da música no Rio <strong>de</strong> Janeiro, até meados do século<br />

XIX, era feito em cursos particulares <strong>de</strong> alguns professores. O mais<br />

famoso e eficiente <strong>de</strong>sses cursos foi aquele mantido em sua residência,<br />

pelo Padre José Maurício Nunes Garcia (1767-1830), mestre<br />

da Capela Imperial e mais importante compositor brasileiro <strong>de</strong> seu<br />

tempo. No seu curso que funcionava na Rua das Marrecas estudou<br />

e se formou Francisco Manoel da Silva (1795-1865), autor do Hino<br />

Nacional Brasileiro e um dos fundadores da Socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Música,<br />

órgão classista que dava assistência e <strong>de</strong>fendia os interesses profissionais<br />

dos músicos. Com o objetivo <strong>de</strong> formar novos artistas para<br />

as orquestras e coros da então capital, a Socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Música solicitou<br />

ao Governo Imperial em 1841, autorização para a criação <strong>de</strong><br />

um Conservatório <strong>de</strong> Música. O Decreto Imperial nº. 238, <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong><br />

novembro <strong>de</strong> 1841, autorizou a Socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Música a extrair duas<br />

loterias anuais para a criação e a manutenção do Conservatório.<br />

Até 1847, entretanto, nenhuma ação efetiva do governo havia<br />

sido tomada em relação ao <strong>de</strong>creto, até que outro <strong>de</strong>creto estabeleceu<br />

novas bases para a instalação do Conservatório. Sua inauguração<br />

<strong>de</strong> fato só ocorreu em 13 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1848, em solenida<strong>de</strong><br />

ocorrida no Museu Imperial, antigo prédio do Arquivo Nacional, na<br />

atual Praça da República, seguida <strong>de</strong> um concerto on<strong>de</strong> foi executada<br />

por uma orquestra, entre outras obras, uma Abertura do Padre<br />

José Maurício Nunes Garcia. O Conservatório <strong>de</strong> Música instalouse<br />

inicialmente em um salão do Museu Imperial, tendo como seu<br />

primeiro diretor Francisco Manoel da Silva. Em 1855, foi anexado à<br />

Aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> Belas Artes.<br />

203


André Cardoso<br />

Sua primeira se<strong>de</strong> própria foi inaugurada em 1872, pela Princesa<br />

Isabel, na Rua da Lampadosa, atual nº. 52 da Rua Luiz <strong>de</strong> Camões.<br />

O prédio, que teve sua pedra fundamental lançada em 1863<br />

e que levou quase <strong>de</strong>z anos para ser construído, atualmente abriga<br />

o Centro Cultural Hélio Oiticica, na Praça Tira<strong>de</strong>ntes. Após a morte<br />

<strong>de</strong> Francisco Manoel da Silva, assumiu a direção do Conservatório<br />

o Dr. Thomas Gomes dos Santos, em cuja gestão foi elaborado um<br />

novo estatuto que reorganizou o Conservatório e criou novas ca<strong>de</strong>iras,<br />

possibilitando a contratação <strong>de</strong> diversos professores. Seus<br />

sucessores imediatos foram Antônio Nicolau Tolentino e Ernesto<br />

Gomes Maia. Entre os diversos alunos que passaram pelo Conservatório<br />

<strong>de</strong>stacam-se alguns dos mais importantes músicos brasileiros<br />

do século XIX, como Henrique Alves <strong>de</strong> Mesquita (1830-1906),<br />

Anacleto <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros (1866-1907), Francisco Braga (1868-1945),<br />

autor do Hino à Ban<strong>de</strong>ira, e Antônio Carlos Gomes (1836-1896), famoso<br />

autor <strong>de</strong> “Il Guarany”. Entre os professores aparecem o flautista<br />

Joaquim Antônio da Silva Callado (1848-1880), Gioacchinno Giannini<br />

(1817-1860), professor <strong>de</strong> composição, Carlos <strong>de</strong> Mesquita (harmonia)<br />

e Demétrio Rivero (violino).<br />

Com a Proclamação da República, em 1889, o Conservatório<br />

<strong>de</strong>u lugar ao Instituto Nacional <strong>de</strong> Música (INM), através do Decreto<br />

nº. 143, <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1890. Seu primeiro diretor foi o compositor<br />

Leopoldo Miguez (1850-1902), que empreen<strong>de</strong>u uma viagem à<br />

Europa para visitar conservatórios e recolher sugestões para serem<br />

aplicadas ao ensino, adquirindo, nessa viagem, instrumentos, aparelhos<br />

<strong>de</strong> acústica e livros para o Instituto. Após a gestão <strong>de</strong> Leopoldo<br />

Miguez, suce<strong>de</strong>ram-se na direção do Instituto os compositores<br />

Alberto Nepomuceno (1864-1920) e Henrique Oswald (1852-1931).<br />

Durante a segunda gestão <strong>de</strong> Nepomuceno, que se manteve<br />

à frente do Instituto por mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos, o mesmo foi transferido<br />

em 1913 para a sua se<strong>de</strong> atual, à Rua do Passeio, prédio que abrigava<br />

anteriormente a Biblioteca Nacional. Dentre inúmeros avanços,<br />

Nepomuceno empreen<strong>de</strong>u nova reforma curricular para aten<strong>de</strong>r ao<br />

204


A Escola <strong>de</strong> Música da UFRJ e suas coleções especiais<br />

crescente número <strong>de</strong> alunos, aprovou um novo regimento interno,<br />

implementou concursos públicos para professor e criou a Congregação,<br />

como órgão <strong>de</strong>liberativo. Além disso, organizou a biblioteca<br />

criada por Miguez, e seu arquivo musical, seção pela qual tinha especial<br />

zelo.<br />

O Salão Leopoldo Miguez, uma das mais importantes salas<br />

<strong>de</strong> concertos do país, conhecido pela excelência <strong>de</strong> sua acústica,<br />

foi inaugurado em 1922, na administração <strong>de</strong> Abdon Milanez<br />

(1858-1927). Inspirado na Sala Gaveau, <strong>de</strong> Paris, seu interior é <strong>de</strong>corado<br />

com afrescos <strong>de</strong> Antônio Parreiras e Carlos Oswald. Em 1923,<br />

assumiu a direção o prof. Alfredo Fertin <strong>de</strong> Vasconcelos, que criou<br />

a orquestra do Instituto, cujo principal regente, em <strong>seus</strong> primeiros<br />

anos, foi o maestro Francisco Braga. Importante reforma curricular<br />

começou a ser empreendida por Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> e Antônio <strong>de</strong> Sá<br />

Pereira, durante a gestão <strong>de</strong> Luciano Gallet (1893-1931), quando o<br />

Instituto Nacional <strong>de</strong> Música foi incorporado à <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro. Tal plano <strong>de</strong> reforma, no entanto, foi executado durante<br />

a administração <strong>de</strong> Guilherme Fontainha (1887-1970), que foi responsável<br />

também pelo lançamento da Revista Brasileira <strong>de</strong> Música,<br />

em 1934.<br />

Em 1937, a <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro passa a chamar-se<br />

<strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil e o Instituto Nacional <strong>de</strong> Música<br />

torna-se Escola Nacional <strong>de</strong> Música. Em 1943, durante a gestão<br />

<strong>de</strong> Antônio <strong>de</strong> Sá Pereira (1888-1966), foi criado o Centro <strong>de</strong><br />

Pesquisas Folclóricas, primeiro em seu gênero no país e que<br />

teve na figura <strong>de</strong> Luiz Heitor Corrêa <strong>de</strong> Azevedo (1905-1992)<br />

seu gran<strong>de</strong> mentor. O período posterior é marcado pela administração<br />

<strong>de</strong> Joanídia Sodré, que foi diretora por mais <strong>de</strong> vinte<br />

anos. Em 1954, adquiriu o gran<strong>de</strong> órgão Tamburini para o<br />

Salão Leopoldo Miguez, em substituição ao antigo Sauer, doado<br />

pelo primeiro diretor. O quadro docente, nessa época, é marcado<br />

por alguns dos mais importantes músicos e compositores<br />

brasileiros como Francisco Mignone (1897-1986) na ca<strong>de</strong>ira<br />

205


André Cardoso<br />

<strong>de</strong> regência, Lorenzo Fernan<strong>de</strong>z (1897-1948) na <strong>de</strong> harmonia,<br />

José Siqueira (1907-1981) na <strong>de</strong> composição, Oscar Borgeth<br />

(1906-1992) na <strong>de</strong> violino, Iberê Gomes Grosso (1905-1983) na<br />

<strong>de</strong> violoncelo e Arnaldo Estrela (1908-1980) na <strong>de</strong> piano.<br />

A atual <strong>de</strong>signação da Escola <strong>de</strong> Música foi estabelecida em<br />

1965, quando, por força do Decreto nº. 4.759, do Governo Militar,<br />

a <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil transformou-se em <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral<br />

do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Ainda nos anos sessenta, durante a gestão <strong>de</strong> Yolanda<br />

Ferreira, foram adquiridos vários pianos Steinway <strong>de</strong> diversos<br />

tamanhos, que se encontram, hoje, nas salas <strong>de</strong> aulas e <strong>de</strong> concertos.<br />

No mesmo período, o Salão Leopoldo Miguez passou por sua<br />

primeira gran<strong>de</strong> reforma, que mo<strong>de</strong>rnizou suas instalações, mas infelizmente<br />

ocultou gran<strong>de</strong> parte da sua <strong>de</strong>coração original.<br />

Já nos anos 1970, na administração <strong>de</strong> Baptista Siqueira, a<br />

Escola <strong>de</strong> Música ganhou um novo regimento, que estabeleceu a<br />

atual divisão acadêmica em sete diferentes <strong>de</strong>partamentos. Coube<br />

ainda a Batista Siqueira evitar a <strong>de</strong>struição do prédio <strong>de</strong> aulas da Escola<br />

<strong>de</strong> Música, por ocasião da reurbanização da Lapa, que <strong>de</strong>moliu<br />

vários prédios vizinhos.<br />

A partir dos anos 1980, atrelado ao processo <strong>de</strong> re<strong>de</strong>mocratização<br />

pelo qual passava o país, professores, servidores técnicoadministrativos<br />

e alunos passaram a indicar o nome dos novos<br />

diretores. A professora Diva Men<strong>de</strong>s Abalada, tornou-se então a<br />

primeira diretora nomeada por indicação da comunida<strong>de</strong> acadêmica<br />

e foi responsável pelo início do processo <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização<br />

da Escola <strong>de</strong> Música. A ela suce<strong>de</strong>ram-se no cargo os professores<br />

Colbert Bezerra (1990/1991), Sonia Maria Vieira (1992/1994), José<br />

Alves da Silva (1994/1998), Therezinha Schiavo (1998/1999),<br />

João Guilherme Ripper (1999/2003) e Harlei Elbert Raymundo<br />

(2003/2007).<br />

Em 1980 foi criado o primeiro Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação<br />

em Música do país, que já soma quase três centenas <strong>de</strong> trabalhos<br />

<strong>de</strong>fendidos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então. Nesta última década foi empreendida<br />

206


A Escola <strong>de</strong> Música da UFRJ e suas coleções especiais<br />

uma reforma curricular <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> proporção e uma reforma geral<br />

do prédio <strong>de</strong> 1922, com a restauração <strong>de</strong> suas características originais,<br />

projeto patrocinado pela Petrobrás.<br />

II - Os acervos históricos<br />

Durante os <strong>seus</strong> 160 anos <strong>de</strong> existência a Escola <strong>de</strong> Música da<br />

UFRJ acumulou um inestimável patrimônio, hoje dividido em diferentes<br />

setores que reúnem coleções especiais. São eles a Biblioteca<br />

Alberto Nepomuceno, o Museu Instrumental Delgado <strong>de</strong> Carvalho,<br />

o Centro <strong>de</strong> Pesquisas Folclóricas e o Laboratório <strong>de</strong> Acústica. Abordaremos<br />

neste artigo os dois primeiros.<br />

1. Biblioteca Alberto Nepomuceno<br />

A Biblioteca Alberto Nepomuceno (BAN) da Escola <strong>de</strong> Música<br />

da UFRJ é um dos principais repositórios <strong>de</strong> documentos musicais<br />

que guardam parte significativa da memória musical brasileira. Em<br />

<strong>seus</strong> arquivos estão <strong>de</strong>positadas obras dos mais importantes compositores<br />

nacionais, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os tempos coloniais até os dias <strong>de</strong> hoje,<br />

além <strong>de</strong> número expressivo <strong>de</strong> manuscritos <strong>de</strong> compositores estrangeiros,<br />

principalmente portugueses e italianos. O total do acervo é<br />

estimado em torno <strong>de</strong> 85 mil obras, sendo 14 mil só <strong>de</strong> manuscritos,<br />

e inclui ainda, além do patrimônio bibliográfico (partituras e livros),<br />

coleções <strong>de</strong> periódicos, o acervo iconográfico, o arquivo histórico e<br />

a fonoteca. A BAN é citada em várias enciclopédias e periódicos especializados<br />

<strong>de</strong> todo o mundo e é i<strong>de</strong>ntificada como uma das mais<br />

importantes bibliotecas <strong>de</strong> música <strong>de</strong> todo o continente.<br />

A origem da biblioteca remonta ao tempo da fundação<br />

do Conservatório <strong>de</strong> Música. Em um livro <strong>de</strong> registros encontra-se<br />

a mais antiga referência sobre o acervo: a doação <strong>de</strong> uma coletânea<br />

<strong>de</strong> 12 valsas, feita por Francisco Xavier Boaventura em 1848<br />

(BRANDÃO; CARVALHO. 2002, p. 69). Em <strong>seus</strong> primeiros anos, o<br />

acervo da BAN foi formado principalmente por partituras e livros<br />

207


André Cardoso<br />

doados por músicos e professores. Muitas coleções particulares tiveram<br />

como <strong>de</strong>stino a biblioteca do Conservatório, após o falecimento<br />

<strong>de</strong> <strong>seus</strong> proprietários, doadas por <strong>seus</strong> her<strong>de</strong>iros.<br />

Com a transformação do antigo Conservatório em Instituto<br />

Nacional <strong>de</strong> Música (INM), em 1890, por ocasião da Proclamação<br />

da República, a biblioteca ganhou novo impulso. No período compreendido<br />

entre 1890 e 1920, a biblioteca beneficiou-se muito com<br />

a atuação <strong>de</strong> dois diretores do INM, Leopoldo Miguez e Alberto<br />

Nepomuceno. Segundo Brandão e Carvalho “a primeira iniciativa<br />

documentada <strong>de</strong> organização foi a do próprio diretor do Instituto,<br />

Leopoldo Miguez, que, em 1891, começou a registrar as obras do<br />

acervo, com letra <strong>de</strong> seu próprio punho” (2002, p. 70).<br />

Nepomuceno, por sua vez, chegou mesmo a transferir provisoriamente<br />

seu gabinete <strong>de</strong> trabalho para junto da biblioteca e<br />

iniciou o catálogo alfabético, que <strong>de</strong>screvia e localizava as obras<br />

nas estantes. Em 1957 a Escola <strong>de</strong> Música, em reconhecimento ao<br />

trabalho do compositor, <strong>de</strong>u o nome Alberto Nepomuceno à biblioteca<br />

(2002, p. 70). Em suas viagens à Europa tanto Miguez quanto<br />

Nepomuceno adquiriram o que <strong>de</strong> mais mo<strong>de</strong>rno havia na literatura<br />

musical para o enriquecimento do acervo. Data <strong>de</strong> 1916 o início<br />

da tradução, por Alberto Nepomuceno, do Harmonielehre <strong>de</strong><br />

Arnold Schoenberg, cuja primeira edição foi impressa pela Universal<br />

Edition em 1911. Ao mesmo tempo em que a literatura mais recente<br />

era adquirida, várias obras raras foram, aos poucos, transformando<br />

o acervo num dos mais valiosos das Américas.<br />

Gran<strong>de</strong>s coleções também foram incorporadas ao acervo após<br />

a extinção <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas organizações musicais. É o caso, por<br />

exemplo, da coleção dos Teatros São João e São Pedro <strong>de</strong> Alcântara<br />

e do arquivo musical da Socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Concertos Sinfônicos.<br />

A Exposição Universal <strong>de</strong> 1908, por sua vez, <strong>de</strong>ixou como legado<br />

para a biblioteca todo o material das obras executadas nos concertos<br />

que aconteciam no antigo pavilhão da Praia Vermelha. Algumas<br />

<strong>de</strong>ssas obras foram ouvidas pela primeira vez no Brasil durante a<br />

208


A Escola <strong>de</strong> Música da UFRJ e suas coleções especiais<br />

exposição, como, por exemplo, o Prelu<strong>de</strong> a “l’après midi dun faune”<br />

<strong>de</strong> Debussy, dirigida por Francisco Braga.<br />

Diversos músicos renomados foram sucessivamente nomeados<br />

bibliotecários. Entre 1903 e 1940 respon<strong>de</strong>ram pela biblioteca:<br />

Delgado <strong>de</strong> Carvalho (1872-1921), a partir <strong>de</strong> 1903 (primeiro a adotar<br />

o sistema <strong>de</strong> fichas), Guilherme <strong>de</strong> Melo (1867-1932) entre 1908<br />

e 1931 (que <strong>de</strong>u continuida<strong>de</strong> ao trabalho <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nação do acervo<br />

iniciado por Nepomuceno, registrando 18.972 obras) e Luiz Heitor<br />

Corrêa <strong>de</strong> Azevedo, a partir <strong>de</strong> 1932 (2002, p. 70).<br />

Luiz Heitor foi outro nome que marcou profundamente a história<br />

da biblioteca e da própria Escola. Foi o primeiro redator da<br />

Revista Brasileira <strong>de</strong> Música, mais antigo periódico <strong>de</strong> musicologia<br />

do Brasil, criada em 1934. Foi, também, o responsável pela primeira<br />

tentativa <strong>de</strong> edição sistemática <strong>de</strong> obras do acervo.<br />

O Arquivo <strong>de</strong> Música Brasileira, na forma <strong>de</strong> suplemento da<br />

Revista Brasileira <strong>de</strong> Música, publicou suas primeiras partituras em<br />

1934. A partir <strong>de</strong> 1937 as edições musicais abandonaram a forma <strong>de</strong><br />

suplemento e foi criada a Coleção <strong>de</strong> Música Brasileira, publicada<br />

pela já então <strong>de</strong>nominada Escola Nacional <strong>de</strong> Música da <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />

do Brasil, com o apoio do Ministério da Educação e Saú<strong>de</strong>. A<br />

saída <strong>de</strong> Luiz Heitor como bibliotecário se <strong>de</strong>u em 1939, para assumir<br />

a recém-criada ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> folclore, e a saída da própria Escola <strong>de</strong><br />

Música em 1947, para dirigir os serviços <strong>de</strong> música da UNESCO.<br />

Durante os sucessivos mandatos da professora Joanídia<br />

Sodré a circulação da Revista Brasileira <strong>de</strong> Música foi suspensa. Com<br />

o <strong>de</strong>correr dos anos a BAN passou por diversas vicissitu<strong>de</strong>s como<br />

a transferência <strong>de</strong> local, diminuição <strong>de</strong> seu espaço físico, a interrupção<br />

do trabalho <strong>de</strong> catalogação e <strong>de</strong>mais procedimentos técnicos,<br />

culminando com um incêndio que atingiu suas instalações no<br />

ano <strong>de</strong> 1956. Tal situação levou à interdição <strong>de</strong> parte do setor <strong>de</strong><br />

manuscritos e <strong>de</strong> partituras impressas.<br />

Quase quarenta anos foram necessários para a reversão <strong>de</strong>sse<br />

quadro. Em 1981 a publicação da RBM foi retomada. Em 1985<br />

209


André Cardoso<br />

foi firmado um convênio entre a Escola <strong>de</strong> Música e a Biblioteca<br />

Nacional que visava a catalogação e microfilmagem da coleção <strong>de</strong><br />

manuscritos. Durante seis meses foram catalogadas e acondicionadas<br />

600 obras, trabalho que contou com a preciosa colaboração <strong>de</strong><br />

Merce<strong>de</strong>s Reis Pequeno, então Chefe da Seção <strong>de</strong> Música da Biblioteca<br />

Nacional (2002, p. 71). A partir <strong>de</strong> 1989 uma nova estratégia <strong>de</strong><br />

trabalho foi implementada, visando a organização global do acervo.<br />

Projetos como o <strong>de</strong> Registro Patrimonial <strong>de</strong> Manuscritos e o <strong>de</strong><br />

Acondicionamento do Acervo <strong>de</strong> Partituras foram fundamentais,<br />

este último com o apoio da infelizmente extinta Fundação VITAE.<br />

Projetos <strong>de</strong> pesquisa <strong>de</strong>senvolvidos com o acervo da BAN também<br />

foram muito importantes e se somaram ao planejamento da equipe<br />

<strong>de</strong> bibliotecárias.<br />

Tendo passado por uma fase <strong>de</strong> obras, com recursos da UFRJ,<br />

que ampliaram seu espaço físico, reestruturação e inventário<br />

material, a BAN estabeleceu como um <strong>de</strong> <strong>seus</strong> principais objetivos a<br />

digitalização <strong>de</strong> seu acervo. Tal objetivo visava <strong>de</strong>mocratizar o acesso<br />

a seu acervo por usuários do mundo inteiro através da internet,<br />

possibilitando também a sua preservação. Infelizmente o processo<br />

<strong>de</strong> abertura e mo<strong>de</strong>rnização da BAN foi interrompido entre 2003 e<br />

2007, quando o acesso a partes do acervo foi dificultado e bibliotecárias<br />

afastadas, inviabilizando seu pleno funcionamento e <strong>de</strong>senvolvimento.<br />

A retomada se <strong>de</strong>u em julho <strong>de</strong> 2007 com a imediata recomposição<br />

da equipe <strong>de</strong> bibliotecárias e ampliação do quadro <strong>de</strong> funcionários.<br />

O espaço físico foi reor<strong>de</strong>nado e um projeto <strong>de</strong> digitalização<br />

do acervo estabelecido. Em setembro do mesmo ano foi inaugurada<br />

a Biblioteca Digital da Escola <strong>de</strong> Música da UFRJ reunindo 3.500<br />

páginas <strong>de</strong> seu acervo para consulta, impressão ou download através<br />

da internet.<br />

Do enorme acervo especializado da BAN <strong>de</strong>stacaremos aqui<br />

três diferentes setores: o <strong>de</strong> obras raras, o <strong>de</strong> documentos históricos<br />

e o <strong>de</strong> manuscritos musicais.<br />

210


A Escola <strong>de</strong> Música da UFRJ e suas coleções especiais<br />

1.1 – Obras raras<br />

O setor <strong>de</strong> obras raras é constituído por tratados teórico-musicais<br />

do século XVI ao século XIX, especialmente italianos e franceses,<br />

que representa o que <strong>de</strong> mais importante foi produzido nas<br />

áreas da teoria e história da música. Por sua rarida<strong>de</strong> – alguns exemplares<br />

são únicos em todo o Brasil e raros até mesmo em bibliotecas<br />

européias – a coleção <strong>de</strong>sperta um gran<strong>de</strong> interesse por parte <strong>de</strong><br />

pesquisadores <strong>de</strong> todo o mundo. As obras mais antigas datam da<br />

segunda meta<strong>de</strong> do século XVI <strong>de</strong>stacando-se três títulos do italiano<br />

Gioseffo Zarlino (1517-1590): Le Istitutioni Harmoniche, <strong>de</strong> 1562,<br />

Dimostrationi Harmoniche, <strong>de</strong> 1571, e Sopplimenti Musicali, <strong>de</strong> 1588.<br />

Ainda do século XVI temos o Graduale Sanctuarium, <strong>de</strong> 1583, com<br />

uma coletânea <strong>de</strong> cantos gregorianos, e o tratado L’Arte <strong>de</strong>l Contraponto<br />

(1598) <strong>de</strong> Giovanni Maria Artusi (c.1540–1613). Do século<br />

seguinte encontramos Musico Prattico (1673) <strong>de</strong> Giovanni Maria<br />

Bononcini (1642-1678), Historia Musica (1695) <strong>de</strong> Giovanni Andréa<br />

Bontempi (1624-1705) e o Compendium Musicae do filósofo, físico e<br />

matemático francês René Descartes (1596-1650).<br />

“Le Istitutioni Harmoniche”(1562) <strong>de</strong> Gioseffo Zarlino.<br />

Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno da Escola <strong>de</strong> Música da UFRJ<br />

211


André Cardoso<br />

Os tratados publicados no século XVIII são mais numerosos,<br />

principalmente os franceses. De Jean Jacques Rousseau<br />

(1712-1778), uma das figuras marcantes do Iluminismo francês, está<br />

presente o Dictionnaire <strong>de</strong> Musique, publicado em Paris em 1768. De<br />

Jean le Rond D’Alembert (1717-1783) encontramos o seu Élémens<br />

<strong>de</strong> Musique Théorique et Pratique, publicado em Lyon em 1772. O<br />

maior <strong>de</strong>staque, entretanto é a edição original da principal obra<br />

teórica do compositor Jean-Philippe Rameau (1683-1764), o Traité<br />

<strong>de</strong> l’Harmonie réduite à sés príncipes naturels, <strong>de</strong> 1722. Ainda do<br />

século XVIII é uma das obras referenciais sobre baixo contínuo:<br />

L’ Armonico Pratico al Cimbalo, <strong>de</strong> Francesco Gasparini (1668-1727),<br />

cuja primeira impressão foi feita em Veneza em 1708.<br />

A maior quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> obras se concentra no século XIX,<br />

incluindo aí o primeiro dicionário musical publicado no Brasil em<br />

1843, <strong>de</strong> autoria <strong>de</strong> Raphael Coelho Machado (1814-1887) e o<br />

Compendio <strong>de</strong> Principios Elementares <strong>de</strong> Musica <strong>de</strong> Francisco<br />

Manoel da Silva (1795-1865). Entre os títulos estrangeiros o <strong>de</strong>staque<br />

no campo lexicográfico são os oito volumes da Biographie<br />

universelle <strong>de</strong>s musiciens do musicólogo belga François-Joseph Fétis<br />

(1784-1871), publicada entre os anos <strong>de</strong> 1835 e 1844.<br />

1.2 – Documentos históricos<br />

Além <strong>de</strong> livros e partituras sobre música e temas afins a BAN<br />

possui um setor <strong>de</strong> documentos históricos que valoriza enormemente<br />

seu acervo, pois retratam e representam mais <strong>de</strong> dois séculos<br />

<strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s musicais. São documentos pessoais, peças gráficas,<br />

programas <strong>de</strong> concertos, fotografias, recortes <strong>de</strong> jornais e revistas,<br />

acessórios e utensílios, além <strong>de</strong> documentos administrativos da instituição<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> os tempos do Conservatório <strong>de</strong> Música.<br />

A Coleção <strong>de</strong> Autógrafos é a que <strong>de</strong>sperta maior interesse.<br />

São cartas, postais, bilhetes e cartões <strong>de</strong> visitas <strong>de</strong> alguns dos mais<br />

importantes compositores <strong>de</strong> todos os tempos, que foram sendo<br />

incorporados ao acervo ao longo dos anos através <strong>de</strong> doações <strong>de</strong><br />

212


A Escola <strong>de</strong> Música da UFRJ e suas coleções especiais<br />

professores e colecionadores. Entre os documentos <strong>de</strong> maior <strong>de</strong>staque<br />

estão cartas e bilhetes dos compositores Gioachino Rossini<br />

(1792-1868), Johannes Brahms (1833-1897), Franz Liszt (1811-1886),<br />

Giacomo Meyerbeer (1791-1864), Edvard Grieg (1843-1907) e Camile<br />

Saint-Saens (1835-1921). Entre os compositores brasileiros se <strong>de</strong>stacam<br />

Carlos Gomes (1836-1896), Leopoldo Miguez (1850-1902),<br />

Alberto Nepomuceno (1864-1920) e Alexandre Levy (1864-1892).<br />

Na mesma coleção encontra-se o livro <strong>de</strong> autógrafos on<strong>de</strong> os gran<strong>de</strong>s<br />

músicos e compositores do final do século XIX e início do XX<br />

<strong>de</strong>ixaram registradas mensagens após visita ao Instituto Nacional<br />

<strong>de</strong> Música. Lá estão mensagens e assinaturas <strong>de</strong>, entre outros, Ottorino<br />

Respighi (1879-1936), José Viana da Mota (1868-1948) e Ignacy<br />

Pa<strong>de</strong>rewski (1860-1941).<br />

Carta autógrafa <strong>de</strong> Johannes Brahms para G. Astor. Viena, 23 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1892.<br />

Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno da Escola <strong>de</strong> Música da UFRJ<br />

O setor <strong>de</strong> documentos históricos também é composto por<br />

obras musicais que formam coleções mistas <strong>de</strong> manuscritos e impressos<br />

que, por sua importância, merecem algum <strong>de</strong>staque. A Coleção<br />

Guilherme <strong>de</strong> Mello é uma <strong>de</strong>las.<br />

213


André Cardoso<br />

Guilherme Theodoro Pereira <strong>de</strong> Mello assumiu o posto <strong>de</strong> bibliotecário<br />

interino do Instituto Nacional <strong>de</strong> Música em 1928, sendo<br />

efetivado no ano seguinte. Foi o autor da primeira história da música<br />

brasileira, intitulada A Música no Brasil e publicada em Salvador<br />

no ano <strong>de</strong> 1908. Em 1947 a obra, por sua importância histórica<br />

e pioneirismo, foi corrigida e prefaciada por Luiz Heitor Corrêa <strong>de</strong><br />

Azevedo, tendo sido reeditada pela Escola Nacional <strong>de</strong> Música. A<br />

Coleção Guilherme <strong>de</strong> Mello foi reunida e doada à biblioteca por<br />

seu proprietário, sendo composta por modinhas, lundus e música<br />

<strong>de</strong> salão do século XIX, manuscritas e impressas. Estão presentes<br />

na coleção peças <strong>de</strong> autores consagrados como Gabriel Fernan<strong>de</strong>s<br />

da Trinda<strong>de</strong>, Xisto Bahia e Carlos Gomes, assim como uma série <strong>de</strong><br />

outras <strong>de</strong> autores anônimos que retratam a diversida<strong>de</strong> da música<br />

popular brasileira da época.<br />

Outras coleções importantes são as particulares, normalmente<br />

doadas por her<strong>de</strong>iros. Uma das mais ricas e completas é a Coleção<br />

Luciano Gallet que abrange praticamente toda a vida do compositor<br />

e inclui documentos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua infância, como boletins escolares<br />

e atestados <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, até cópias <strong>de</strong> memorandos e ofícios <strong>de</strong> seu<br />

período como diretor do Instituto Nacional <strong>de</strong> Música, passando<br />

por extensa correspondência recebida <strong>de</strong> várias personalida<strong>de</strong>s da<br />

época, entre as quais o escritor Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> (1893-1945).<br />

Alguns documentos avulsos também merecem <strong>de</strong>staque como<br />

as memórias do compositor e pianista Arthur Napoleão (1843-1925)<br />

e os originais do livro “150 anos <strong>de</strong> música no Brasil”, principal trabalho<br />

do musicólogo Luiz Heitor Correa <strong>de</strong> Azevedo.<br />

1.3 – Manuscritos musicais<br />

Um dos setores mais ricos do acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno<br />

é o <strong>de</strong> manuscritos musicais. Abrange obras <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />

século XVIII até o XXI. O gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>staque é, sem dúvida, a coleção<br />

<strong>de</strong> obras do padre José Maurício Nunes Garcia, que se constitui na<br />

maior mauriciana do país. A coleção é formada por manuscritos <strong>de</strong><br />

214


A Escola <strong>de</strong> Música da UFRJ e suas coleções especiais<br />

diferentes origens. A maior parte, entretanto, é originária do acervo<br />

reunido por Bento Fernan<strong>de</strong>s das Mercês (1805-1887), antigo copista,<br />

cantor e mestre da Capela Imperial do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Após<br />

sua morte os manuscritos chegaram até sua afilhada, Gabriela Alves<br />

<strong>de</strong> Souza, que ofereceu a coleção <strong>de</strong> manuscritos ao governo<br />

brasileiro para compra, pela quantia <strong>de</strong> 2:000$000. Adquirido graças<br />

a uma proposta do <strong>de</strong>putado mineiro João Pandiá Calógeras<br />

(1870-1934), que incluiu, em fins <strong>de</strong> 1897, a quantia no orçamento<br />

fe<strong>de</strong>ral, a coleção foi encaminhada ao Instituto Nacional <strong>de</strong> Música,<br />

à época dirigida pelo compositor Leopoldo Miguez. É o conjunto <strong>de</strong><br />

manuscritos mais consultado e reproduzido entre as diversas coleções<br />

do setor.<br />

Manuscrito autógrafo do Salmo “Laudate Pueri” composto pelo Padre José Maurício<br />

Nunes Garcia em 1813<br />

Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno da Escola <strong>de</strong> Música da UFRJ<br />

Outros compositores têm presença marcante no acervo<br />

como Francisco Manoel da Silva, com a partitura original do Hino<br />

Nacional Brasileiro, Carlos Gomes, Leopoldo Miguez, Henrique<br />

Oswald (1852-1931), Alberto Nepomuceno, Francisco Braga, Glauco<br />

215


André Cardoso<br />

Velásquez (1884-1914) e Luciano Gallet, constituindo um verda<strong>de</strong>iro<br />

painel da história da música no Brasil.<br />

Autores estrangeiros também se fazem presentes, especialmente<br />

portugueses e italianos como José Joaquim dos Santos<br />

(1747-1801), Marcos Portugal (1762-1830) e Saverio Mercadante<br />

(1795-1870), este último representado por um manuscrito autógrafo<br />

<strong>de</strong>dicado ao Imperador D. Pedro II.<br />

Outra coleção <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque é a dos teatros do Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />

que inclui cópias manuscritas das óperas que foram apresentadas<br />

na cida<strong>de</strong> durante o século XIX, especialmente nos Teatros São João<br />

e São Pedro <strong>de</strong> Alcântara. A presença predominante <strong>de</strong> autores italianos<br />

revela o gosto musical da socieda<strong>de</strong> brasileira da época. As<br />

cópias manuscritas <strong>de</strong> óperas <strong>de</strong> Gioachino Rossini (1792-1868),<br />

Gaetano Donizetti (1797-1848), Vincenzo Bellini (1801-1835) e Giuseppe<br />

Verdi (1813-1901) vêm <strong>de</strong>spertando cada vez mais o interesse<br />

<strong>de</strong> musicólogos estrangeiros, pois muitas vezes revelam diferenças<br />

no texto musical ou até mesmo versões alternativas <strong>de</strong> árias e<br />

conjuntos.<br />

2. Museu Delgado <strong>de</strong> Carvalho<br />

A primeira referência sobre a existência <strong>de</strong> um acervo<br />

museológico na Escola <strong>de</strong> Música encontra-se em publicação oficial<br />

do Ministério da Justiça on<strong>de</strong> está registrado que “o Instituto Nacional<br />

<strong>de</strong> Música tem um pequeno museu muito interessante e curioso;<br />

um gabinete <strong>de</strong> acústica regularmente montado, uma biblioteca<br />

pequena, um órgão <strong>de</strong> 16 pés <strong>de</strong> Wilhem Sauer, um pequeno órgão<br />

<strong>de</strong> estudo do mesmo autor e um instrumental para orchestra”. 1 A<br />

primeira catalogação das peças, que revela a constituição inicial<br />

do acervo, foi feita pelo compositor Joaquim Tomas Delgado <strong>de</strong><br />

1 NOTÍCIA histórica dos serviços, instituições e estabelecimentos pertencentes a esta<br />

repartição. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Imprensa Nacional, 1898, p. 16. Apud ALMEIDA, Afifi Craveiro.<br />

Museu Instrumental Delgado <strong>de</strong> Carvalho: breve história. Revista Brasileira <strong>de</strong><br />

Música, v. 21, p. 87, 1994.<br />

216


A Escola <strong>de</strong> Música da UFRJ e suas coleções especiais<br />

Carvalho (1872-1922) que havia sido nomeado bibliotecário do Instituto<br />

Nacional <strong>de</strong> Música em 1902, cargo que exerceu até o ano<br />

<strong>de</strong> 1907. Ao bibliotecário do Instituto cabia a responsabilida<strong>de</strong> pelo<br />

museu.<br />

A organização do acervo seguiu a metodologia estabelecida<br />

pelo curador do Museu do Real Conservatório <strong>de</strong> Bruxelas,<br />

Victor-Charles Mahillon (1841-1924), que gerou anos mais tar<strong>de</strong><br />

o sistema <strong>de</strong> classificação <strong>de</strong> instrumentos musicais estabelecido<br />

pelos musicólogos Erich Moritz von Hornbostel (1877-1935) e Curt<br />

Sachs (1881-1959), origem da mo<strong>de</strong>rna organologia. Os instrumentos<br />

foram divididos em quatro diferentes categorias: autofônicos,<br />

hymenofônicos, dianemofônicos e cordofônicos. Além <strong>de</strong> instrumentos<br />

musicais o museu possuía também, em sua organização<br />

original, os setores <strong>de</strong> Mecânica (mecanismos <strong>de</strong> pianos, metrônomos,<br />

fonógrafos), Acessórios (surdinas, bancos, chaves <strong>de</strong> afinação,<br />

válvulas <strong>de</strong> extensão, peles, etc), Exposições Gráficas (documentos<br />

históricos) e Utensílios (batutas, medalhas, máscaras mortuárias,<br />

etc) (CARVALHO, 1905, p 5-12). Pela <strong>de</strong>scrição do acervo original<br />

do museu po<strong>de</strong>mos perceber e relação que o mesmo tinha com o<br />

acervo da biblioteca.<br />

Outras duas catalogações foram produzidas em 1974 e<br />

1990, revelando as peças que foram agregadas ao acervo e, lamentavelmente,<br />

as que foram perdidas (ALMEIDA, 1994, p. 89).<br />

O acervo atual é composto por instrumentos musicais <strong>de</strong><br />

diversas culturas <strong>de</strong> todo o mundo, além <strong>de</strong> peças raras que remontam<br />

aos séculos XVIII, como um basset-horn em fá, e XIX, como uma<br />

flauta fabricada por Theobald Boehm (1794-1881), datada <strong>de</strong> 1867,<br />

e um oboé da manufatura <strong>de</strong> Fortunato Vinatieri (1807 - 1863).<br />

217


André Cardoso<br />

Basset-horn em Fá (séc.XVIII) e Oboé (séc.XIX)<br />

Acervo do Museu Delgado <strong>de</strong> Carvalho da Escola <strong>de</strong> Música da UFRJ<br />

Dezesseis diferentes países estão representados: Egito, Marrocos,<br />

Sudão, Java, Índia, Pérsia, China, Japão, Sião, Alemanha, França,<br />

Bélgica, Hungria, Estados Unidos, Portugal e Brasil.<br />

Destacamos, por exemplo, o “Ine-Kin” da China, o “Darabukkeh”<br />

do Egito, o “Aktara” da Índia e “Meyura Vina”, instrumento indiano<br />

em forma <strong>de</strong> pavão.<br />

O Museu Delgado <strong>de</strong> Carvalho durante mais <strong>de</strong> trinta anos<br />

ficou localizado no corredor <strong>de</strong> entrada da Escola <strong>de</strong> Música da<br />

UFRJ. O Regimento da Escola, em seu artigo 259, <strong>de</strong>termina que “a<br />

Escola manterá um museu <strong>de</strong> objetos <strong>de</strong> interesses musicais” cuja<br />

diretoria “manterá um funcionário <strong>de</strong> sua confiança encarregado<br />

<strong>de</strong> zelar pela conservação do museu”. 2 Já o artigo 278 do mesmo<br />

regimento informa que o museu é “anexo à biblioteca” e “ficará sob<br />

a fiscalização do bibliotecário, a quem incumbirá a guarda e conservação<br />

dos instrumentos musicais antigos e objetos relativos à música<br />

e será supervisionado por um professor titular indicado pela<br />

direção”(1994, p.103-104).<br />

2 REGIMENTO da Escola <strong>de</strong> Música. Suplemento ao Boletim no. 05 <strong>de</strong> 01 <strong>de</strong> fevereiro<br />

<strong>de</strong> 1973. Rio <strong>de</strong> Janeiro: UFRJ/CLA, 1973, p. 96.<br />

218


A Escola <strong>de</strong> Música da UFRJ e suas coleções especiais<br />

A leitura do regimento e o local on<strong>de</strong> estava localizado revelam<br />

que o acervo <strong>de</strong> instrumentos e objetos musicais não se constitui<br />

efetivamente em um museu, mas uma simples exposição <strong>de</strong><br />

instrumentos e objetos musicais <strong>de</strong>positados em armários inapropriados<br />

sem conservação e climatização. Não há um museólogo<br />

responsável ou reserva técnica. Nos últimos vinte anos o acervo não<br />

recebeu nenhum tipo <strong>de</strong> doação e seu acervo não foi renovado ou<br />

ampliado. Desconheço a existência <strong>de</strong> algum projeto educacional<br />

ou artístico que tenha sido <strong>de</strong>senvolvido <strong>de</strong> modo a atingir os objetivos<br />

culturais e sociais <strong>de</strong> um museu.<br />

Como perspectiva para o Museu Delgado <strong>de</strong> Carvalho se apresenta<br />

o Projeto <strong>de</strong> Restauração e Revitalização da Escola <strong>de</strong> Música<br />

da UFRJ (Pronac 028988) que, sob patrocínio da Petrobras, prevê a<br />

elaboração <strong>de</strong> um projeto museológico e a reinstalação do acervo<br />

em condições a<strong>de</strong>quadas.<br />

Meyura Vina (Índia)<br />

Acervo do Museu Delgado <strong>de</strong> Carvalho da Escola <strong>de</strong> Música da UFRJ<br />

219


André Cardoso<br />

Referências<br />

ALMEIDA, Afifi Craveiro. Museu Instrumental Delgado <strong>de</strong> Carvalho: breve história.<br />

Revista Brasileira <strong>de</strong> Música. Rio <strong>de</strong> Janeiro, v. 21, p. 87 - 94, 1994.<br />

BRANDÃO, Dolores; CARVALHO, Maria Luiza Nery <strong>de</strong>. Biblioteca Alberto<br />

Nepomuceno da Escola <strong>de</strong> Música da UFRJ: do raro ao virtual. Revista Brasileira <strong>de</strong><br />

Música. Rio <strong>de</strong> Janeiro, v. 22, p. 69 - 75, 2002.<br />

CARVALHO, Joaquim Tomas Delgado <strong>de</strong>. O museu instrumental do Instituto Nacional<br />

<strong>de</strong> Música do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Imprensa Nacional, 1905.<br />

DE PAOLA, Andrely Quintella; GONSALEZ, Helenita. Escola <strong>de</strong> Música da<br />

<strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro: história e arquitetura. Rio <strong>de</strong> Janeiro: UFRJ,<br />

1998.<br />

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO. Centro <strong>de</strong> Letras e Artes. Escola<br />

<strong>de</strong> Música. Regimento da Escola <strong>de</strong> Música. Boletim da Escola <strong>de</strong> Música. Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro, n.5, 1. fev. 1973. Sumplemento.<br />

SIQUEIRA, Baptista. Do Conservatório à Escola <strong>de</strong> Música: ensaio histórico. Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro: UFRJ, 1972.<br />

220


O PROEDES – Programa <strong>de</strong> Estudos e<br />

Documentação Educação e Socieda<strong>de</strong>:<br />

origens e <strong>de</strong>senvolvimento 1<br />

Maria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Albuquerque Fávero<br />

1. O PROEDES: das origens à construção<br />

Como é freqüente em comunicações, esta apresenta uma<br />

visão em processo do tema em foco. Tentaremos <strong>de</strong>screver e analisar<br />

uma experiência que reflete uma práxis que envolve pesquisa e<br />

documentação. Trata-se <strong>de</strong> articular o trabalho <strong>de</strong> investigação com<br />

o <strong>de</strong> resgate, recuperação e organização <strong>de</strong> fontes documentais.<br />

Este trabalho visa reagrupar as fontes documentais, tornando-as<br />

pertinentes, colocando-as em relação até constituírem um conjunto,<br />

através do qual a memória coletiva passa a ser valorizada, instituindo-se<br />

em patrimônio cultural, além <strong>de</strong> oferecer importantes<br />

subsídios para estudos e investigações <strong>de</strong> pesquisadores, não<br />

apenas do PROEDES - Programa <strong>de</strong> Estudos e Documentação Educação<br />

e Socieda<strong>de</strong>, mas <strong>de</strong> diversas instituições do Rio <strong>de</strong> Janeiro, <strong>de</strong> outros<br />

estados e até mesmo do exterior.<br />

O PROEDES tem suas origens no projeto <strong>de</strong> pesquisa: “Da<br />

Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia à Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Educação: resgate<br />

<strong>de</strong> uma história” <strong>de</strong>senvolvido por um grupo <strong>de</strong> pesquisadores da<br />

Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Educação, da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

1 Esta comunicação tem por base estudos anteriores sobre o PROEDES, produzidos<br />

pela autora: a) FÁVERO, Maria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s <strong>de</strong> A. O PROEDES- Programa <strong>de</strong> Estudos e<br />

Documentação Educação e Socieda<strong>de</strong> – produzindo referências em educação superior.<br />

Educação em Revista. Belo Horizonte: Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Educação da UFMG, n.35, p.<br />

93-102, julho 2002 e b) “O PROEDES: origens, construção e <strong>de</strong>senvolvimento”, comunicação<br />

apresentada no SEMINÁRIO 20 ANOS do PROEDES, 13 e 14 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong><br />

2007. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Fórum <strong>de</strong> Ciência e Cultura / UFRJ.<br />

221


Maria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Albuquerque Fávero<br />

(UFRJ), incluindo a participação <strong>de</strong> mestrandos e doutorandos, bem<br />

como <strong>de</strong> bolsistas <strong>de</strong> Iniciação Científica, Aperfeiçoamento e Apoio<br />

Técnico do CNPq e da FAPERJ. Esse projeto teve início em janeiro <strong>de</strong><br />

1987, sendo <strong>de</strong>senvolvido até julho <strong>de</strong> 1990, contando com o apoio<br />

<strong>de</strong>ssas duas agências <strong>de</strong> fomento à pesquisa, da Fundação Universitária<br />

José Bonifácio (FUJB/UFRJ), além <strong>de</strong> importante colaboração<br />

e assessoria do Arquivo Nacional na organização do fundo <strong>de</strong>ssa<br />

Faculda<strong>de</strong>.<br />

Durante esse período, o trabalho do grupo <strong>de</strong> pesquisa centrou-se<br />

no levantamento e análise <strong>de</strong> dados relativos à Faculda<strong>de</strong><br />

Nacional <strong>de</strong> Filosofia (FNFi), procurando apreen<strong>de</strong>r as razões que<br />

contribuíram e influenciaram sua criação em 1939, seu <strong>de</strong>senvolvimento<br />

e sua fragmentação, efetuada entre 1967 e 1968. Extinta<br />

em 1968, ela continua presente na memória daqueles que a<br />

produziram e vivenciaram, assim como, indiretamente, através <strong>de</strong><br />

unida<strong>de</strong>s da UFRJ, que nela têm suas origens: Escola <strong>de</strong> Comunicação,<br />

Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Educação, Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras, Instituto <strong>de</strong><br />

Biologia, Instituto <strong>de</strong> Física, Instituto <strong>de</strong> Filosofia e Ciências Sociais,<br />

Instituto <strong>de</strong> Geociências, Instituto <strong>de</strong> Matemática e Instituto <strong>de</strong><br />

Química.<br />

Com a preocupação <strong>de</strong> apreen<strong>de</strong>r melhor a história daquela<br />

instituição, realizamos não somente análise <strong>de</strong> suas fontes documentais,<br />

mas procuramos também ouvir pessoas que participaram<br />

e produziram a Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia – ex-professores,<br />

ex-alunos e ex-funcionários -, realizando entrevistas, das quais<br />

trinta e oito estão publicadas no livro: Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia:<br />

Depoimentos. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Serviço Industrial Gráfico-UFRJ,<br />

1992. V.5 - Série Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia, além <strong>de</strong> alguns<br />

<strong>de</strong>poimentos também importantes que se encontram no PROEDES,<br />

abertos à consulta e que não foram incluídos nesse livro, porque<br />

não dispúnhamos, na época, <strong>de</strong> autorização dos entrevistados para<br />

sua divulgação. Um problema grave e que não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />

registrar, é que até 3 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1990, tínhamos um arquivo<br />

222


O PROEDES – Programa <strong>de</strong> Estudos e Documentação Educação e Socieda<strong>de</strong>:<br />

sonoro com cerca <strong>de</strong> cem fitas cassete gravadas, contendo entrevistas<br />

com ex-professores, ex-alunos e ex-funcionários da FNFi 2 . Mas,<br />

todo esse material foi furtado do anexo da Biblioteca do Centro <strong>de</strong><br />

Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), on<strong>de</strong> estão preservados mais<br />

<strong>de</strong> 70% da Biblioteca do CBPE/INEP e, naquele período, funcionava<br />

também o PROEDES. Embora o furto tenha sido registrado na<br />

Secretaria <strong>de</strong> Estado da Polícia Civil do Rio <strong>de</strong> Janeiro, em 4 <strong>de</strong><br />

outubro <strong>de</strong> 1990, não se recebeu posteriormente qualquer informação<br />

a respeito.<br />

O problema não teve conseqüências maiores com a perda<br />

<strong>de</strong>ssas fitas porque os <strong>de</strong>poimentos sobre a Faculda<strong>de</strong> Nacional<br />

<strong>de</strong> Filosofia estavam transcritos e a maior parte autorizados para<br />

publicação pelos respectivos <strong>de</strong>poentes. Mas, na ótica dos que trabalhavam<br />

e continuam a fazê-lo no PROEDES, não somente a UFRJ<br />

per<strong>de</strong>u parte <strong>de</strong> sua memória gravada, naquele período, assim<br />

como parte da história da ciência no país. Afinal era um trabalho que<br />

vínhamos <strong>de</strong>senvolvendo com especial interesse e com imensas<br />

dificulda<strong>de</strong>s. Naquele momento o apoio da Reitoria e do Decanato<br />

do CFCH da UFRJ foi inestimável, como também o <strong>de</strong> alguns pesquisadores<br />

e cientistas <strong>de</strong> outras instituições, <strong>de</strong>ntre os quais<br />

<strong>de</strong>stacaríamos o professor José Leite Lopes, do Centro Brasileiro <strong>de</strong><br />

Pesquisas Físicas (CBPF) e ex-catedrático da Faculda<strong>de</strong> Nacional<br />

<strong>de</strong> Filosofia.<br />

Até então, não imaginávamos a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa ocorrência.<br />

Temíamos, sim, que essas fitas, por motivos diversos, pu<strong>de</strong>ssem<br />

ser danificadas. Por essa razão, do auxílio solicitado à FAPERJ,<br />

naquele ano, uma parte dos recursos era <strong>de</strong>stinada à aquisição <strong>de</strong><br />

um lote consi<strong>de</strong>rável <strong>de</strong> fitas para se fazer uma duplicata <strong>de</strong> cada<br />

2 Tínhamos, também duas fitas contendo uma entrevista com o General Meira<br />

Mattos, que fez toda uma sindicância antes <strong>de</strong> nos receber - a doutoranda Elizabeth<br />

Jones, já falecida e eu. É pertinente lembrar que Meira Mattos foi presi<strong>de</strong>nte da<br />

Comissão Especial, instituída em 29/12/1967 para emitir parecer sobre as ativida<strong>de</strong>s<br />

estudantis e propor medidas que garantissem a aplicação das diretrizes governamentais<br />

no setor (Decreto nº. 62.024/67).<br />

223


Maria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Albuquerque Fávero<br />

entrevista, a qual ficaria guardada em outro local, na UFRJ. Mas, o<br />

inesperado ocorreu.<br />

Esse episódio nos fez enten<strong>de</strong>r o significado da perda <strong>de</strong> importantes<br />

fontes, como tem ocorrido em arquivos e mu<strong>seus</strong> do país<br />

e conscientizando-nos <strong>de</strong> que sempre é tempo <strong>de</strong> recomeçar. Após<br />

um inci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>sse tipo, o pesquisador e sua equipe precisam ter<br />

clareza do que preten<strong>de</strong>m realizar, apostar no que se quer, além <strong>de</strong><br />

muita imaginação para prosseguir. Desse modo, o trabalho não sofreu<br />

solução <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong>. Os entrevistados foram contatados,<br />

solicitando àqueles que ainda não tinham visto a transcrição <strong>de</strong> sua<br />

entrevista para fazer uma leitura e, estando <strong>de</strong> acordo, autorizarem<br />

a publicação, como também a abertura ao público para consultas.<br />

A resposta foi integralmente positiva.<br />

Uma questão que precisa ser registrada é que, no início da pesquisa<br />

sobre a Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia, não tínhamos idéia<br />

exata da situação em que se encontrava seu acervo. Para surpresa<br />

da equipe, <strong>de</strong>paramo-nos com gran<strong>de</strong> massa <strong>de</strong> documentos, sem<br />

nenhuma organização arquivística, muitos <strong>de</strong>les estragados, com<br />

perda <strong>de</strong> informações, outros acidificados pela falta <strong>de</strong> climatização,<br />

muitos danificados pela ferrugem <strong>de</strong> clipes e grampos <strong>de</strong> ferro,<br />

enquanto outros ainda incompletos. 3 O acesso e o contato direto<br />

com essas fontes nos <strong>de</strong>ixaram perplexos em relação ao estado<br />

lamentável <strong>de</strong> conservação <strong>de</strong>sse fundo, sobretudo porque acreditávamos<br />

<strong>de</strong> que se tratava <strong>de</strong> um arquivo <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> relevância<br />

para um conhecimento mais completo da história da <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />

Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro (UFRJ), como também das instituições<br />

educacionais e científicas no país. O trabalho <strong>de</strong> recuperação e<br />

3 Os <strong>de</strong>poimentos e entrevistas realizadas sobre Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia<br />

nos permitem inferir que parte significativa <strong>de</strong> fontes documentais textuais foram<br />

<strong>de</strong>struídas ou <strong>de</strong>sapareceram após o Golpe <strong>de</strong> 1964, quando militares passaram a<br />

“visitar” freqüentemente a Faculda<strong>de</strong>. Entre os documentos <strong>de</strong>saparecidos, chamaram<br />

especial atenção os livros <strong>de</strong> Atas das Reuniões da Congregação referentes aos<br />

anos <strong>de</strong> 1962, 1963 e do primeiro semestre <strong>de</strong> 1964, não encontrados até hoje na<br />

<strong>Universida<strong>de</strong></strong>.<br />

224


O PROEDES – Programa <strong>de</strong> Estudos e Documentação Educação e Socieda<strong>de</strong>:<br />

organização <strong>de</strong>sse importante fundo, constituído atualmente por<br />

mais <strong>de</strong> 100.000 documentos, nos fez ver com maior clareza que<br />

a preservação e a valorização da memória educacional e cultural<br />

brasileira era e continua sendo uma tarefa que está a <strong>de</strong>safiar<br />

permanentemente a intervenção lúcida e diligente da iniciativa<br />

pública, como também da particular.<br />

Ao mesmo tempo em que <strong>de</strong>senvolvíamos a pesquisa sobre<br />

a Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia e éramos compelidos a organizar<br />

seu acervo, as reflexões da equipe do projeto se ampliavam em<br />

dupla direção: <strong>de</strong> um lado, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se dominar um referencial<br />

teórico para melhor apreen<strong>de</strong>r a realida<strong>de</strong>, admitindo que<br />

a teoria é fundamental para se lidar com os fatos, para se dialogar<br />

com as fontes; <strong>de</strong> outro, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se criar um espaço que<br />

possibilitasse o diálogo teórico-metodológico, <strong>de</strong> forma consistente<br />

e conseqüente, com a clareza <strong>de</strong> que a produção científica não<br />

se faz isoladamente. Sob essa ótica, a opção assumida pelo grupo<br />

passou a ser a <strong>de</strong> ampliar o trabalho, o que nos levou, após várias<br />

discussões em reuniões, a elaborar o Projeto <strong>de</strong> Estudos e Documentação<br />

Educação e Socieda<strong>de</strong> -PROEDES.<br />

Em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> todo um trabalho realizado, o PROEDES<br />

é aprovado em agosto <strong>de</strong> 1990 pelo Conselho <strong>de</strong> Ensino para<br />

Graduados (CEPG/UFRJ), como um projeto integrado, tendo como<br />

principais objetivos: dar continuida<strong>de</strong> à pesquisa sobre a Faculda<strong>de</strong><br />

Nacional <strong>de</strong> Filosofia e completar a organização <strong>de</strong> seu arquivo; <strong>de</strong>senvolver<br />

estudos e investigações sobre instituições educacionais<br />

e científicas no país e <strong>seus</strong> atores; organizar um centro <strong>de</strong> documentação<br />

referente à história da educação brasileira, às instituições<br />

educacionais e científicas no país e ao pensamento educacional<br />

brasileiro, sobretudo a partir <strong>de</strong> 1930. Com vistas à concretização<br />

<strong>de</strong>sses objetivos, durante dois anos <strong>de</strong>u-se continuida<strong>de</strong> à pesquisa<br />

sobre a Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia, procurando-se aprofundar<br />

as seguintes questões: concepções <strong>de</strong> ensino e pesquisa nos<br />

diferentes cursos <strong>de</strong>ssa Faculda<strong>de</strong> e como essas concepções vão se<br />

225


Maria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Albuquerque Fávero<br />

refletir mais tar<strong>de</strong> em escolas, faculda<strong>de</strong>s e institutos da UFRJ que<br />

tiveram origem naquela instituição.<br />

A idéia <strong>de</strong> se criar um núcleo, centro ou programa <strong>de</strong> estudos<br />

e documentação surgiu em 1990, quando recebemos o Arquivo do<br />

Asylo <strong>de</strong> Meninos Desvalidos, com mais <strong>de</strong> 34.000 documentos. Foi<br />

intensificada a partir <strong>de</strong> 1991 com a doação <strong>de</strong> arquivos e coleções<br />

dos educadores Durmeval Trigueiro Men<strong>de</strong>s (1991-1992), João Roberto<br />

Moreira (1992), Raul Bittencourt (1992) e <strong>de</strong> várias coleções<br />

temáticas, abrangendo documentos relativos aos Acordos MEC-<br />

USAID, à Constituinte, à Lei <strong>de</strong> Diretrizes e Bases da Educação Nacional,<br />

<strong>de</strong>ntre outros.<br />

Da parte daqueles que integravam o Projeto <strong>de</strong> Estudos e Documentação<br />

havia a preocupação <strong>de</strong> não apenas <strong>de</strong>senvolver pesquisas,<br />

mas também <strong>de</strong> resgatar, recuperar e organizar as fontes<br />

documentais, procurando articulá-las, <strong>de</strong> modo que a memória coletiva<br />

educacional fosse valorizada e preservada. Os pesquisadores<br />

tinham muito presente a importância <strong>de</strong>ssas fontes documentais<br />

para o estudo da história da educação brasileira, da história <strong>de</strong> instituições<br />

educacionais e científicas do país e do pensamento educacional<br />

brasileiro.<br />

Após vários contatos com diferentes instâncias <strong>de</strong>cisórias da<br />

UFRJ, o Projeto é reconhecido como Programa, em 1994, pela Congregação<br />

da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Educação e, em 1995, pelo Conselho<br />

<strong>de</strong> Coor<strong>de</strong>nação do Centro <strong>de</strong> Filosofia e Ciências Humana (CFCH)<br />

e pelo Conselho <strong>de</strong> Ensino para Graduados e Pesquisa (CEPG) da<br />

UFRJ.<br />

O Programa <strong>de</strong> Estudos e Documentação Educação e Socieda<strong>de</strong><br />

foi instituído tendo por objetivos: a) realizar estudos e pesquisas referentes<br />

a temas <strong>de</strong> educação, a instituições educacionais e científicas;<br />

b) contribuir para a formação <strong>de</strong> pesquisadores; c) constituir-se<br />

em um centro <strong>de</strong> documentação em educação brasileira.<br />

Para concretizar tais objetivos, o PROEDES passou a <strong>de</strong>senvolver<br />

estudos e investigações em duas linhas <strong>de</strong> pesquisa. A primeira,<br />

226


O PROEDES – Programa <strong>de</strong> Estudos e Documentação Educação e Socieda<strong>de</strong>:<br />

centrada na historia das instituições educacionais e científicas no<br />

país, com os seguintes propósitos: a) estudar essas instituições, buscando<br />

i<strong>de</strong>ntificar as propostas e as condições que <strong>de</strong>ram origem<br />

à sua criação, institucionalização e <strong>de</strong>senvolvimento; b) analisar o<br />

papel, as contribuições e a importância estratégica <strong>de</strong> instituições<br />

educacionais e científicas nos embates políticos e i<strong>de</strong>ológicos que<br />

se travaram no país, em especial no período que se esten<strong>de</strong> <strong>de</strong> 1930<br />

aos dias atuais, procurando caracterizar, também, suas relações <strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong>r, mecanismos <strong>de</strong> dominação e participação, bem como sua<br />

constituição e funcionamento; c) investigar contribuições inovadoras<br />

<strong>de</strong> instituições educacionais, em termos <strong>de</strong> concepção <strong>de</strong> ensino,<br />

pesquisa e <strong>de</strong> extensão universitária, <strong>de</strong> propostas curriculares,<br />

<strong>de</strong> formação <strong>de</strong> professores e especialistas em diferentes áreas do<br />

conhecimento, <strong>de</strong> pesquisadores e <strong>de</strong> administradores <strong>de</strong> educação.<br />

A segunda linha passou a trabalhar a construção do pensamento<br />

educacional brasileiro, procurando: a) investigar o processo<br />

<strong>de</strong> construção <strong>de</strong>sse pensamento, i<strong>de</strong>ntificando suas origens, matrizes<br />

e formas como se traduz na história da educação brasileira,<br />

através <strong>de</strong> diretrizes políticas, da legislação, <strong>de</strong> planos e programas<br />

educacionais; b) analisar o pensamento <strong>de</strong> educadores brasileiros,<br />

sua trajetória e produção acadêmico-científica, bem como a contribuição<br />

prestada à educação no país; c) analisar idéias, planos e<br />

propostas adotadas pelo sistema educacional, sobretudo a partir<br />

dos anos 1930, através <strong>de</strong> órgãos governamentais, instituições <strong>de</strong><br />

ensino público e privado.<br />

Nessa perspectiva, graças ao esforço e <strong>de</strong>dicação daqueles que<br />

vêm trabalhando no PROEDES, este espaço <strong>de</strong> pesquisa e documentação<br />

gradativamente foi sendo reconhecido como um Centro<br />

<strong>de</strong> Referência em Educação Brasileira, no qual são oferecidas informações<br />

sobre a história da educação brasileira, as instituições educacionais<br />

e científicas no país e sobre o pensamento educacional<br />

brasileiro. Possibilita àqueles que o procuram não apenas a consulta<br />

227


Maria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Albuquerque Fávero<br />

ao acervo documental que está sob sua guarda, mas também uma<br />

orientação para busca <strong>de</strong> referências existentes em outros órgãos<br />

<strong>de</strong> documentação e pesquisa da cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Visando<br />

contribuir para melhor atendimento dos usuários que têm procurado<br />

o PROEDES, quando necessário, os encaminhamos a outros<br />

centros <strong>de</strong> documentação e bibliotecas (Arquivo Nacional, Biblioteca<br />

Nacional, Arquivo da Cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro, CPDOC/FGV<br />

etc), para que obtenham informações e dados necessários a <strong>seus</strong><br />

trabalhos.<br />

2. O PROEDES: produzindo referências em educação<br />

Em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong>ssa caminhada, a partir da pesquisa sobre a<br />

Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia e a organização <strong>de</strong> seu fundo, junto<br />

a outros arquivos e coleções, enquanto Centro <strong>de</strong> Estudos e Documentação,<br />

o PROEDES abriga, atualmente, um acervo constituído<br />

por mais <strong>de</strong> 300.000 documentos, distribuídos em 32 arquivos e<br />

coleções: 12 institucionais, 10 temáticos e 10 <strong>de</strong> educadores.<br />

O trabalho <strong>de</strong>senvolvido neste Programa procura também<br />

associar memória e história, reunindo conjuntos documentais e<br />

preservando “registros do passado <strong>de</strong> educadores e <strong>de</strong> instituições<br />

educacionais, ao mesmo tempo que busca reunir documentação<br />

sobre temas específicos, com vistas a proporcionar subsídios<br />

aos pesquisadores empenhados em <strong>de</strong>senvolver <strong>seus</strong> estudos e investigações<br />

no âmbito da história da educação brasileira” (XAVIER,<br />

2007, p.163).<br />

A preocupação com o trabalho, a pesquisa e a divulgação<br />

<strong>de</strong> informações contidas nos acervos que estão sob a guarda do<br />

PROEDES revela , também, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> assegurar a um centro<br />

<strong>de</strong> documentação como este, seu papel <strong>de</strong> elemento <strong>de</strong> apoio e referência<br />

à pesquisa, além da tarefa <strong>de</strong> viabilizar as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

acesso, organização e preservação <strong>de</strong> fontes documentais. Sob esse<br />

ponto <strong>de</strong> vista, o trabalho com arquivos e coleções existentes no<br />

PROEDES tem nos levado a perceber, cada vez com maior clareza<br />

228


O PROEDES – Programa <strong>de</strong> Estudos e Documentação Educação e Socieda<strong>de</strong>:<br />

que, se o documento é ponto <strong>de</strong> partida para se conhecer um fato<br />

histórico, é também por meio <strong>de</strong>le que po<strong>de</strong>mos revisitar o passado<br />

e reinterpretá-lo sob novo olhar. Como adverte Le Goff, (1992), “o documento<br />

não é inócuo”. Mas, não se po<strong>de</strong> per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista, que resulta:<br />

“[...] <strong>de</strong> uma montagem consciente ou inconsciente, da história,<br />

da época, da socieda<strong>de</strong> que o produziu, mas também das épocas<br />

sucessivas durante as quais continuou a viver, talvez esquecido, durante<br />

as quais continuou a ser manipulado, ainda que pelo silêncio”<br />

(1992, p.547). Daí, “ser preciso começar por <strong>de</strong>smontar, <strong>de</strong>molir essa<br />

montagem, <strong>de</strong>sestruturar essa construção e analisar as condições<br />

<strong>de</strong> produção dos documentos/monumentos” (1992, p. 548).<br />

Nessa perspectiva, endossamos Margarida Neves, quando assinala:<br />

O historiador não é um arqueólogo da documentação,<br />

mediador neutro entre a verda<strong>de</strong> da fonte e a verda<strong>de</strong> da História,<br />

mas sim aquele que é capaz <strong>de</strong> formular uma problemática<br />

e <strong>de</strong> construir uma interpretação em que reconhece o<br />

encontro entre duas historicida<strong>de</strong>s: a sua própria e a da documentação<br />

que utiliza. (1985, 34-35)<br />

Apoiando-nos nessas percepções, po<strong>de</strong>mos afirmar que o<br />

trabalho com as fontes documentais existentes no Programa, nos<br />

tem permitido compreen<strong>de</strong>r que a preservação <strong>de</strong>ssas fontes é <strong>de</strong><br />

fundamental importância, na medida em que esses documentos<br />

oferecem elementos para análises e abordagens diferenciadas no<br />

processo <strong>de</strong> elaboração do conhecimento em história da educação<br />

brasileira, história social e política da cultura, história das instituições<br />

educacionais e científicas no país e sobre o pensamento<br />

educacional brasileiro, sobretudo a partir dos anos <strong>de</strong> 1930.<br />

Mas, consi<strong>de</strong>ramos que os fatos e os dados não falam por si, como<br />

observa Carr (1976). Falam apenas quando o pesquisador os aborda,<br />

procurando apreen<strong>de</strong>r o pensamento que está por trás <strong>de</strong>les.<br />

É o pesquisador, o historiador quem <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> quais os fatos e os documentos<br />

que virão à cena e em que or<strong>de</strong>m ou contexto. Assim,<br />

229


Maria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Albuquerque Fávero<br />

não é por estarem registrados nos documentos que os fatos ocorreram<br />

exatamente daquela forma, pois, nenhum documento, por<br />

si só, po<strong>de</strong> nos dizer mais do que o autor achou que aconteceu<br />

ou, talvez, o que gostaria que acontecesse, ou que ele queria<br />

que acontecesse ou, talvez, o que ele queria que outros pensassem<br />

que ele pensava (1976, p. 14, 20). Essa experiência, por outro<br />

lado, nos tem possibilitado a compreensão <strong>de</strong> que a integração<br />

entre o pesquisador e as fontes constitui um diálogo permanente<br />

entre o passado e o presente, embora jamais se consiga conhecer a<br />

totalida<strong>de</strong> do caminho. A busca <strong>de</strong> um conhecimento consistente<br />

se apresenta como uma relação permanente e esclarecedora<br />

entre fragmentos documentais e o todo que se <strong>de</strong>vem elucidar<br />

mutuamente. O PROEDES tendo como uma <strong>de</strong> suas preocupações<br />

produzir referência em educação, levanta questões que se colocam<br />

e que po<strong>de</strong>rão levar a outros <strong>de</strong>safios (FÁVERO, 2002, p.97). No<br />

entanto, faz-se necessário consi<strong>de</strong>rar que é no contato com a realida<strong>de</strong><br />

que se po<strong>de</strong> “corrigir” uma percepção falha e capacitar-se para<br />

melhor reconstruí-la. E que, essa percepção po<strong>de</strong>rá ser diferente<br />

em função da formação e da intenção <strong>de</strong> quem percebe.<br />

Sob essa ótica, para dar uma visão mais abrangente do<br />

Programa <strong>de</strong> Estudos e Documentação Educação e Socieda<strong>de</strong> como<br />

um espaço universitário que produz conhecimento em educação,<br />

consi<strong>de</strong>ramos necessário situar não apenas os aspectos interiores<br />

<strong>de</strong>ssa construção, <strong>de</strong> um ponto <strong>de</strong> vista epistemológico, mas também<br />

chamar a atenção para aqueles aspectos que buscam entendêla<br />

no seu tempo e na instituição que a abriga. Um espaço que busca<br />

fixar, como assinala Libânia Xavier ( 2007) “os vestígios materiais<br />

do processo <strong>de</strong> constituição <strong>de</strong> diferentes áreas <strong>de</strong> conhecimento,<br />

bem como da própria história da instituição que o produziu”(2007,<br />

p.169).<br />

Voltando nosso olhar sobre essa produção <strong>de</strong> conhecimento,<br />

parece-nos oportuno <strong>de</strong>stacar estudos e pesquisas <strong>de</strong>senvolvidos<br />

pelos pesquisadores, pós-graduandos e bolsistas <strong>de</strong> iniciação cien-<br />

230


O PROEDES – Programa <strong>de</strong> Estudos e Documentação Educação e Socieda<strong>de</strong>:<br />

tífica, aperfeiçoamento e apoio técnico integrados a esse Programa.<br />

Vale mencionar ainda os acervos, que estão sob sua guarda, on<strong>de</strong><br />

se encontram vários trabalhos sobre a história das instituições educacionais<br />

e científicas e temas relacionados à educação e ao pensamento<br />

educacional brasileiro.<br />

Em face dos propósitos <strong>de</strong>ste texto, indicaremos somente alguns<br />

produtos mais significativos que marcaram a história <strong>de</strong>ste<br />

Programa e contribuíram para dar visibilida<strong>de</strong> ao trabalho <strong>de</strong>senvolvido<br />

neste espaço, como um centro <strong>de</strong> estudos, pesquisa e documentação.<br />

Ao lado <strong>de</strong> outros, <strong>de</strong>stacaremos a Série Faculda<strong>de</strong><br />

Nacional <strong>de</strong> Filosofia, resultante do projeto <strong>de</strong> pesquisa sobre essa<br />

Faculda<strong>de</strong>, constituída <strong>de</strong> seis volumes: V. 1- Faculda<strong>de</strong> Nacional<br />

<strong>de</strong> Filosofia. Projeto ou trama universitária Rio <strong>de</strong> Janeiro: Editora<br />

UFRJ/INEP, 1989, 99 p.; V. 2 – Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia. O corpo<br />

docente. Matizes <strong>de</strong> uma proposta autoritária. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Editora<br />

UFRJ; INEP, 1989, 136 p; V. 3 - Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia.<br />

Caminhos e <strong>de</strong>scaminhos. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Editora UFRJ; INEP, 1989,<br />

85 p; V 4 - Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia. Os cursos: começando a<br />

<strong>de</strong>senrolar um novelo. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Editora UFRJ; INEP, 1989, 79<br />

p; V 5- Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia: Depoimentos. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />

FUJB, CFCH, Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Educação e PROEDES da UFRJ, 1992, 542<br />

p. O volume 6 da Série é o Catálogo do Arquivo da FNFi, <strong>de</strong> 1995,<br />

publicado no ano em que a <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

comemorava 75 anos <strong>de</strong> sua criação. Esse Catálogo apresenta um<br />

total <strong>de</strong> 89.248 documentos textuais, 237 documentos visuais e três<br />

mapas hidrográficos referentes à construção <strong>de</strong> um pavilhão <strong>de</strong> Botânica<br />

por essa Faculda<strong>de</strong> em 1942. Atualmente, como já assinalado,<br />

o Arquivo da Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia contém mais <strong>de</strong><br />

100.000 documentos e está recebendo nova organização.<br />

Entre as obras produzidas no PROEDES, merece especial <strong>de</strong>staque<br />

o Dicionário <strong>de</strong> Educadores no Brasil: da Colônia aos dias atuais,<br />

com 74 verbetes, publicada a 1ª edição pela Ed.UFRJ/MEC-INEP-<br />

Comped, em 1999, 496 p. Reconhecido por pesquisadores e estu-<br />

231


Maria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Albuquerque Fávero<br />

diosos como obra <strong>de</strong> referência importante na área <strong>de</strong> educação do<br />

país, tendo <strong>seus</strong> organizadores, Maria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Albuquerque<br />

Fávero e Ja<strong>de</strong>r <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros Britto recebido voto <strong>de</strong> louvor do Conselho<br />

Nacional <strong>de</strong> Educação (CNE), aprovado por unanimida<strong>de</strong>, em<br />

sessão plenária <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2000. A 2ª edição revista e ampliada,<br />

foi publicada em 2002, incluindo 144 verbetes <strong>de</strong> educadores, com<br />

1.007 p. Essa obra tem sido objeto <strong>de</strong> consulta por muitos estudiosos<br />

e pesquisadores da área <strong>de</strong> educação e áreas afins.<br />

Cabe <strong>de</strong>stacar a pesquisa realizada sobre a história da <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />

do Brasil, hoje UFRJ, coor<strong>de</strong>nada por nós, com a participação<br />

<strong>de</strong> bolsistas <strong>de</strong> Iniciação Científica e <strong>de</strong> Apoio Técnico do CNPq,<br />

tendo a Editora da UFRJ, com apoio financeiro do INEP publicado<br />

dois volumes, em 2000: 1) A <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil: das origens à<br />

construção e 2) <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil: guia dos dispositivos legais.<br />

O Programa <strong>de</strong> Estudos e Documentação Educação e Socieda<strong>de</strong>,<br />

integrando docentes-pesquisadores e alunos da graduação e pósgraduação,<br />

vem produzindo referências em educação, como já assinalamos.<br />

Dispõe <strong>de</strong> valioso potencial multiplicador, por seu trabalho<br />

com fontes documentais e suas publicações e por se constituir<br />

um espaço <strong>de</strong> estudo e <strong>de</strong> pesquisa. Cabe registrar que, <strong>de</strong> 1987<br />

a 2007, foram realizados no PROEDES vinte e um projetos <strong>de</strong> pesquisa.<br />

Atualmente, sete estão em <strong>de</strong>senvolvimento. Além <strong>de</strong>sses,<br />

não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> mencionar os projetos interinstitucionais<br />

que pesquisadores do Programa participam ou participaram 4 , bem<br />

como teses <strong>de</strong> doutorado e dissertações <strong>de</strong> mestrado resultantes<br />

das pesquisas realizadas neste espaço.<br />

Reiteramos que o PROEDES, como Centro <strong>de</strong> Pesquisa e Documentação,<br />

guarda e preserva fontes documentais centradas principalmente<br />

na história das instituições educacionais e científicas<br />

no país e <strong>seus</strong> atores e sobre o pensamento educacional brasileiro.<br />

Nesta perspectiva, os acervos sob sua guarda estão organizados em<br />

4 A respeito dos projetos <strong>de</strong> pesquisa <strong>de</strong>senvolvidos no PROEDES e os projetos<br />

interinstitucionais ver o CD-ROM do SEMINÁRIO 20 ANOS - PROEDES, ISBN<br />

978.85.99052.06-8.<br />

232


O PROEDES – Programa <strong>de</strong> Estudos e Documentação Educação e Socieda<strong>de</strong>:<br />

três gran<strong>de</strong>s blocos: a) arquivos e coleções sobre instituições educacionais;<br />

b) arquivos e coleções <strong>de</strong> educadores; c) coleções temáticas.<br />

Além disso, este Programa procura se constituir e se organizar<br />

para tratar a informação especializada e alimentar-se <strong>de</strong> material<br />

custodiado em bibliotecas, como também em fontes documentais<br />

existentes em outros arquivos (BELLOTO, 1991).<br />

Existem, todavia, problemas e dificulda<strong>de</strong>s que enfrentamos<br />

no PROEDES e que se aguçaram mais ainda à medida que as<br />

universida<strong>de</strong>s públicas passaram a sofrer cortes e sérias restrições<br />

financeiras. Temos presente que, para este Programa avançar e<br />

atingir <strong>de</strong> forma eficaz as metas a que se propõe, far-se-á necessário<br />

suprir nossas carências em termos <strong>de</strong> recursos humanos. Além<br />

<strong>de</strong> pesquisadores, pós-graduandos, bolsistas <strong>de</strong> iniciação científica<br />

e apoio técnico, necessitamos <strong>de</strong> dois arquivistas, um auxiliar<br />

administrativo e um especialista em banco <strong>de</strong> dados que domine<br />

diferentes tipos <strong>de</strong> programa, assumindo a responsabilida<strong>de</strong> pela<br />

colocação dos dados dos arquivos em DVDs etc. Há cerca <strong>de</strong> seis<br />

anos, o PROEDES não dispõe <strong>de</strong> nenhum funcionário administrativo<br />

e <strong>de</strong> nenhum arquivista do quadro da UFRJ. Como Centro <strong>de</strong><br />

Pesquisa e Documentação, com mais <strong>de</strong> 300.000 documentos sob<br />

sua guarda, essa carência constitui uma das maiores dificulda<strong>de</strong>s<br />

para esse Programa avançar nos objetivos que se propõe. Não<br />

obstante, apesar <strong>de</strong>sses obstáculos e limitações, temos atendido<br />

ao público que nos procura.<br />

Para finalizar<br />

Neste trabalho procuramos apresentar um pouco <strong>de</strong> nossa experiência<br />

na construção coletiva <strong>de</strong> um Centro <strong>de</strong> Pesquisa e Documentação<br />

na <strong>Universida<strong>de</strong></strong> que, apesar das dificulda<strong>de</strong>s, tornou-se<br />

viável. É um espaço que vem se institucionalizando gradualmente e<br />

com reais perspectivas <strong>de</strong> ajudar a fundamentar melhor o conhecimento<br />

sobre a história das instituições educacionais e científicas<br />

no país e <strong>seus</strong> atores, bem como sobre o pensamento educacional<br />

brasileiro.<br />

233


Maria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Albuquerque Fávero<br />

Referências<br />

BELLOTO, Heloisa Liberalli. As fronteiras da documentação. In: CASTILHO, Ataliba<br />

Teixeira (org.). A <strong>Sistema</strong>tização <strong>de</strong> Arquivos Públicos. Campinas: UNICAMP, 1991.<br />

BRASIL. Conselho Nacional <strong>de</strong> Arquivos. NOBRADE: Norma Brasileira <strong>de</strong> Descrição<br />

Arquivística. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Arquivo Nacional, 2006.<br />

CARR, Eward H. Que é história Rio <strong>de</strong> janeiro: Paz e Terra, 1976.<br />

FÁVERO, Maria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Albuquerque. O PROEDES: Programa <strong>de</strong> Estudos<br />

e Documentação Educação e Socieda<strong>de</strong>: produzindo referências em educação<br />

superior. Educação em Revista. Belo Horizonte: Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Educação da UFMG,<br />

n. 35, p.93-102, jul. 2002.<br />

______.O PROEDES: origens, construção e <strong>de</strong>senvolvimento. In: SEMINÁRIO 20<br />

anos do PROEDES, 2007, Rio <strong>de</strong> Janeiro. Anais...Rio <strong>de</strong> Janeiro: Fórum <strong>de</strong> Ciência<br />

e Cultura/UFRJ, 2007. 1 CD-ROM.<br />

LE GOFF, Jacques. História e memória. 2. ed. Campinas: UNICAMP, 1992.<br />

NEVES, Margarida. O bordado <strong>de</strong> um tempo: a história <strong>de</strong> Esaú e Jacó. Revista<br />

Tempo Brasileiro, Rio <strong>de</strong> Janeiro, n. 81, p.32-42, abr./jun. 1985.<br />

XAVIER, Libânia. Apreciação dos espaços <strong>de</strong> memória da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral do<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro. In: OLIVEIRA, Antonio José Barbosa <strong>de</strong> (Org.). <strong>Universida<strong>de</strong></strong> e os<br />

múltiplos olhares <strong>de</strong> si mesma. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Fórum <strong>de</strong> Ciência e Cultura / <strong>Sistema</strong><br />

<strong>de</strong> <strong>Bibliotecas</strong> e Informação, 2007. p. 153-171.<br />

234


Perfis e trajetórias dos professores<br />

universitários do curso <strong>de</strong> História<br />

no Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

Marieta <strong>de</strong> Moraes Ferreira<br />

Este artigo tem como objetivo analisar a trajetória dos professores<br />

que atuaram na implantação dos primeiros cursos universitários<br />

<strong>de</strong> História no Rio <strong>de</strong> Janeiro. Isto significa investigar a criação<br />

do curso <strong>de</strong> História na <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Distrito Fe<strong>de</strong>ral (UDF) e na<br />

Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia (FNFi) da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil. A<br />

proposta é pesquisar principalmente três momentos: os projetos<br />

iniciais elaborados na criação da UDF, em 1935; sua extinção, em<br />

1939; e a estruturação e consolidação do novo curso da Faculda<strong>de</strong><br />

Nacional <strong>de</strong> Filosofia (FNFi) da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil, atual <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />

Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro (UFRJ) no período <strong>de</strong> 1939-1955. A<br />

idéia básica é a <strong>de</strong> estudar as trajetórias das primeiras gerações <strong>de</strong><br />

profissionais <strong>de</strong> história e geografia num momento <strong>de</strong> institucionalização<br />

<strong>de</strong>ste campo profissional. Através do perfil <strong>de</strong> <strong>seus</strong> membros<br />

é possível acompanhar a formação, as maneiras <strong>de</strong> recrutamento,<br />

suas relações com outros segmentos da socieda<strong>de</strong> e instituições, as<br />

mudanças, os conflitos e as disputas no campo da constituição da<br />

história como ensino universitário. A estratégia <strong>de</strong> trabalho adotada<br />

é o estudo das biografias coletivas dos professores <strong>de</strong> história da<br />

UDF e <strong>de</strong> história e geografia da FNFi, já que a partir <strong>de</strong> 1939 as duas<br />

formações passaram a estar juntas no novo curso.<br />

O estudo da criação das universida<strong>de</strong>s no Brasil por si só,<br />

reveste-se <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância para a compreensão dos <strong>de</strong>safios<br />

que se colocam para nosso país na atualida<strong>de</strong>. A UDF, e<br />

posteriormente, a FNFi se constituíram em um padrão para as<br />

<strong>de</strong>mais Faculda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Filosofia nas décadas <strong>de</strong> 1930 e 1940 o que<br />

faz da análise <strong>de</strong> suas trajetórias uma contribuição importante para<br />

235


Marieta <strong>de</strong> Moraes Ferreira<br />

a história da educação no Brasil.<br />

Este trabalho preten<strong>de</strong> contribuir para uma melhor compreensão<br />

das relações entre ensino e pesquisa, bem como da<br />

constituição e especificida<strong>de</strong> dos cursos na universida<strong>de</strong>. No terreno<br />

particular da História, nosso enfoque insere-se também numa<br />

perspectiva <strong>de</strong> discussão historiográfica preocupado com concepções<br />

<strong>de</strong> história e embates políticos entre universos i<strong>de</strong>ológicos<br />

antagônicos.<br />

Em 4 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1935 foi criada a <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Distrito<br />

Fe<strong>de</strong>ral. Pelo exame dos <strong>seus</strong> estatutos, percebe-se que a UDF era<br />

uma universida<strong>de</strong> bastante original, tanto pelos cursos que oferecia,<br />

quanto pela maneira como propunha o <strong>de</strong>senvolvimento da socieda<strong>de</strong><br />

através da educação.<br />

Construída segundo esse mo<strong>de</strong>lo, a UDF ia <strong>de</strong> encontro aos estatutos<br />

das universida<strong>de</strong>s brasileiras <strong>de</strong> 1931, que subordinavam as<br />

universida<strong>de</strong>s ao Ministério da Educação e ao governo fe<strong>de</strong>ral. Seu<br />

<strong>de</strong>creto <strong>de</strong> criação contrariava a orientação oficial, pois <strong>de</strong>finia estatutariamente<br />

a UDF como vinculada ao po<strong>de</strong>r municipal da cida<strong>de</strong><br />

do Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

O objetivo principal da nova universida<strong>de</strong> era encorajar a pesquisa<br />

científica, literária e artística “propagar as aquisições da ciência<br />

e das artes através do ensino regular <strong>de</strong> suas escolas e dos cursos<br />

populares”. A UDF não pretendia somente produzir profissionais,<br />

mas sim formar “quadros intelectuais” para o Brasil.<br />

A análise da proposta da UDF nos indica <strong>de</strong> imediato a<br />

existência <strong>de</strong> um curso <strong>de</strong> História separado do <strong>de</strong> Geografia, com<br />

um peso semelhante ao que era atribuído aos <strong>de</strong>mais. Po<strong>de</strong>-se<br />

perceber também uma gran<strong>de</strong> importância dos cursos voltados para<br />

a área pedagógica o que <strong>de</strong>monstra a orientação <strong>de</strong> privilegiar a<br />

formação <strong>de</strong> professores, essa abordagem, no entanto não eliminava<br />

a preocupação com a pesquisa como um elemento importante para<br />

a formação dos futuros mestres.<br />

A UDF encontrou fortes resistências, não obstante <strong>seus</strong><br />

dirigentes procurassem superar os obstáculos e garantir a consoli-<br />

236


Perfis e trajetórias dos professores universitários <strong>de</strong> História no Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

dação da instituição. Mas, conforme já dito, a existência da <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />

contrariava o projeto <strong>de</strong>fendido pelo governo fe<strong>de</strong>ral que, em<br />

5 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1937, sancionou a lei n° 452, estabelecendo a <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />

do Brasil, projeto <strong>de</strong>fendido pelo ministro Gustavo Capanema.<br />

Esta instituição dava continuida<strong>de</strong> à antiga <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro, criada na década <strong>de</strong> 1920 como uma reunião das escolas<br />

superiores existentes na cida<strong>de</strong>. O projeto do novo organismo<br />

visava a consolidação <strong>de</strong> uma universida<strong>de</strong> padrão para as outras<br />

que viessem a se constituir.<br />

Outro momento se iniciava no processo <strong>de</strong> institucionalização<br />

do ensino superior <strong>de</strong> história. Um novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> graduação<br />

estava se conformando naqueles anos e passaria a ter uma forte<br />

influência em todo o país. Diferentemente da proposta anterior, o<br />

curso enfatizava a preparação dos professores secundários voltada<br />

essencialmente para o ensino sem um comprometimento maior<br />

com o <strong>de</strong>senvolvimento da pesquisa.<br />

Apesar <strong>de</strong> se configurar como uma experiência inovadora, a<br />

UDF durou apenas quatro anos. Os <strong>seus</strong> quadros foram incorporados<br />

formalmente à <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil pelo Decreto-lei 1.063, <strong>de</strong> 20<br />

<strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1939. Em 4 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1939, o Decreto-lei 1190, instituiu<br />

a Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia (FNFi), tendo por finalida<strong>de</strong>s:<br />

“a) preparar trabalhadores intelectuais para o exercício<br />

das altas ativida<strong>de</strong>s culturais <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>sinteressada ou técnica;<br />

b) preparar candidatos ao magistério do ensino secundário<br />

e normal;<br />

c) realizar pesquisas nos vários domínios da cultura, que<br />

constituíam objeto <strong>de</strong> seu ensino”. 1<br />

O mesmo <strong>de</strong>creto <strong>de</strong> criação estabelecia ainda a organização<br />

da Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia em quatro seções funda-<br />

1 “DECRETO-LEI 1.190 – DE 4 DE ABRIL DE 1939. Coleção das Leis da República dos<br />

Estados Unidos do Brasil <strong>de</strong> 1939. Volume IV. Atos do Po<strong>de</strong>r Executivo. Decretos-Leis<br />

(abril a junho). Rio <strong>de</strong> Janeiro. Imprensa Nacional, 1939. p. 50-66.<br />

237


Marieta <strong>de</strong> Moraes Ferreira<br />

mentais: Seção <strong>de</strong> Filosofia, Seção <strong>de</strong> Ciências, Seção <strong>de</strong> Letras e<br />

Seção <strong>de</strong> Pedagogia. Haveria, ainda, uma seção especial <strong>de</strong> didática.<br />

2 A Seção <strong>de</strong> Ciências compreendia, além <strong>de</strong> outros cursos, o <strong>de</strong><br />

História e Geografia. O curso, reunindo as duas formações, só seria<br />

novamente <strong>de</strong>smembrado a partir <strong>de</strong> 1955.<br />

Transformações importantes estavam ocorrendo e os<br />

professores precisavam buscar formas <strong>de</strong> inserção nesta nova<br />

conjuntura. Tendo por função legal a formação <strong>de</strong> professores<br />

e constituída como um padrão para as <strong>de</strong>mais Faculda<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> Filosofia nas décadas <strong>de</strong> 1930 e 1940, a FNFi formou gerações<br />

em diversos campos <strong>de</strong> conhecimento e constituiu marco<br />

relevante da evolução cultural, científica e tecnológica do<br />

país. Passaram pela instituição, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua fundação em 1939<br />

até sua extinção, professores brasileiros e estrangeiros, que<br />

contribuíram para a institucionalização <strong>de</strong> <strong>seus</strong> respectivos campos<br />

<strong>de</strong> conhecimento no Brasil. Em fins da década <strong>de</strong> 1960, com a<br />

Reforma Universitária, a Faculda<strong>de</strong> foi <strong>de</strong>smembrada em diversas<br />

escolas e institutos, que hoje fazem parte dos quadros da <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />

Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

As primeiras gerações <strong>de</strong> profissionais <strong>de</strong> história<br />

Uma análise rápida do perfil dos professores da UDF e da<br />

FNFi nos permite <strong>de</strong>tectar algumas diferenças significativas<br />

entre os dois grupos. As possibilida<strong>de</strong>s abertas com a organização<br />

e leitura dos quadros das biografias coletivas dos professores nos<br />

levam a fazer uma distinção institucional entre os profissionais da<br />

primeira experiência na UDF e no momento seguinte, na FNFi.<br />

Ainda que tenha sido mencionado que a FNFi absorveria alunos e<br />

professores da UDF, houve uma renovação expressiva dos professores<br />

no novo curso (ver anexos). Os professores brasileiros que<br />

atuaram no curso história da UDF foram: Afonso Arinos <strong>de</strong> Mello<br />

2 I<strong>de</strong>m.<br />

238


Perfis e trajetórias dos professores universitários <strong>de</strong> História no Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

Franco, Arthur Ramos, Carlos Miguel Delgado <strong>de</strong> Carvalho, Gilberto<br />

Freyre, Isnard Dantas Barreto, Jayme Coelho, João Batista <strong>de</strong><br />

Melo e Sousa, José Maria Bello, Josué <strong>de</strong> Castro e Luiz Camillo <strong>de</strong><br />

Oliveira Neto. Como assistentes po<strong>de</strong>m ser listados Sérgio Buarque<br />

<strong>de</strong> Holanda e Victor Leuzinger.<br />

Affonso Arinos <strong>de</strong> Mello Franco (1905-1990) nasceu em Belo<br />

Horizonte, <strong>de</strong> uma tradicional família <strong>de</strong> políticos mineiros. Fez os<br />

estudos secundários no Colégio Pedro II no Rio <strong>de</strong> Janeiro e, em<br />

1927, bacharelou-se pela Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito do Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

Era colaborador <strong>de</strong> vários jornais e <strong>de</strong>dicou-se aos estudos <strong>de</strong><br />

História do Brasil. Em 1935, foi convidado para ser professor da ca<strong>de</strong>ira<br />

<strong>de</strong> História da Civilização Brasileira na UDF. Escreveu na ocasião<br />

as obras Conceito <strong>de</strong> Civilização Brasileira (1936) e Síntese da<br />

História Econômica no Brasil (1938). Indicou para seu assistente Luiz<br />

Camillo. Em 1937, <strong>de</strong>ixou a instituição.<br />

Arthur Ramos <strong>de</strong> Araújo Pereira (1903-1949) nasceu em Pilar,<br />

estado do Alagoas. Filho <strong>de</strong> médico, <strong>de</strong>u seguimento à profissão do<br />

pai: foi um médico psiquiatra, psicólogo social, indigenista, etnólogo,<br />

folclorista e antropólogo brasileiro. Em 1934, publicou a obra “O<br />

Negro Brasileiro”. Na UDF assumiu, em 1935, a cátedra <strong>de</strong> Psicologia<br />

Social, vindo a ser consagrado como o pai da Antropologia Brasileira.<br />

Na FNFi, em 1939, foi nomeado catedrático interino <strong>de</strong> Antropologia<br />

e Etnografia (1941-1949). Teve como sua principal assistente,<br />

Marina São Paulo.<br />

Gilberto Freyre (1900-1987) nasceu em Recife, Pernambuco.<br />

Filho <strong>de</strong> uma tradicional família, seu pai ocupou vários cargos<br />

públicos como juiz e professor da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito <strong>de</strong> Recife.<br />

Fez <strong>seus</strong> estudos secundários no Colégio Americano Gilreath. Em<br />

1917, concluiu o curso <strong>de</strong> Bacharel em Ciências e Letras do mesmo<br />

colégio Gilreath. Em 1920 seguiu para Nova Iorque, on<strong>de</strong> cursa<br />

Ciências Sociais na <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Colúmbia. Na década <strong>de</strong> 1920,<br />

ocupou cargos políticos e atuou como professor convidado em<br />

algumas universida<strong>de</strong>s americanas. Inicia suas ativida<strong>de</strong>s docentes<br />

239


Marieta <strong>de</strong> Moraes Ferreira<br />

em Recife e, em 1935, é convidado para se ocupar da ca<strong>de</strong>ira Antropologia<br />

Social e Cultural da América Latina e <strong>de</strong> Sociologia na UDF,<br />

<strong>de</strong> 1935 a 1937.<br />

Isnard Dantas Barreto foi professor <strong>de</strong> História da Ida<strong>de</strong> Média<br />

e Mo<strong>de</strong>rna.<br />

Jayme Coelho (1887-) formou-se em Direito, exerceu ativida<strong>de</strong>s<br />

jornalísticas e foi professor do Colégio Pedro II. Ingressou na<br />

UDF em 1936, on<strong>de</strong> lecionou História da Antigüida<strong>de</strong>.<br />

João Batista <strong>de</strong> Melo e Sousa (1888-1969) nasceu em Queluz,<br />

estado <strong>de</strong> São Paulo. Filho <strong>de</strong> professora, fez <strong>seus</strong> estudos secundários<br />

no Colégio Pedro II, no Rio <strong>de</strong> Janeiro. Formou-se em Direito<br />

em 1910 e na década <strong>de</strong> 1920 ocupou cargos políticos. Na UDF, foi<br />

professor <strong>de</strong> História da Civilização na América (1936-1939).<br />

José Maria Bello (1886-1959) nasceu em Barreiros, Pernambuco.<br />

Formou-se em Direito pela Faculda<strong>de</strong> Livre <strong>de</strong> Ciências Jurídicas<br />

e Sociais do Rio <strong>de</strong> Janeiro e fez carreira política, tendo sido eleito<br />

<strong>de</strong>putado, senador e presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Pernambuco. Na UDF, ministrou<br />

o curso <strong>de</strong> “História Geral da Civilização” para a graduação <strong>de</strong><br />

Geografia (1936-1939).<br />

Luiz Camillo <strong>de</strong> Oliveira Neto (1904-1953) nasceu em Itabira,<br />

Minas Gerais. Filho <strong>de</strong> família tradicional, seu pai era funcionário<br />

público e jornalista. Formou-se em Química Industrial pela Escola<br />

<strong>de</strong> Engenharia <strong>de</strong> Belo Horizonte. Na década <strong>de</strong> 1930, transferiu-se<br />

para o Rio <strong>de</strong> Janeiro e ocupou diferentes funções na área pública<br />

como a direção da Casa <strong>de</strong> Rui Barbosa e da Biblioteca Nacional.<br />

Em 1936, indicado por Afonso Arinos, ingressou na UDF, on<strong>de</strong> posteriormente<br />

ocupou a ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> “História da Civilização Brasileira”.<br />

Nos últimos momentos da UDF foi vice-reitor e reitor da <strong>Universida<strong>de</strong></strong>.<br />

Convidado para integrar a cátedra <strong>de</strong> “História do Brasil” na<br />

FNFi, rejeitou o convite em protesto ao fechamento da UDF.<br />

Sérgio Buarque <strong>de</strong> Holanda (1902-1982) nasceu na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

São Paulo e formou-se pela Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito do Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />

em 1925. Na UDF, foi assistente das ca<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> História Mo<strong>de</strong>rna e<br />

240


Perfis e trajetórias dos professores universitários <strong>de</strong> História no Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

Econômica e Literatura Comparada (1936-1937). Escreveu, na época,<br />

Raízes do Brasil (1936).<br />

Na Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia os professores catedráticos<br />

brasileiros que exerceram papel fundamental na consolidação do<br />

curso foram: Arthur Ramos, Carlos Delgado <strong>de</strong> Carvalho, Eremildo<br />

Viana, Hélio Viana, Hilgard Sternberg, Josué <strong>de</strong> Castro, Sílvio Julio,<br />

Victor Leuzinger. Como assistentes po<strong>de</strong>m se listados: Antero Manhães,<br />

Eulália Lobo, Luci <strong>de</strong> Abreu, Maria Luiza Fernan<strong>de</strong>s, Marina<br />

São Paulo, Maria Terezinha Segadas Soares, Maria Yeda Linhares.<br />

Carlos Miguel Delgado <strong>de</strong> Carvalho (1884-1980) nasceu na Legação<br />

do Brasil na França. Era <strong>de</strong> uma tradicional família, filho <strong>de</strong><br />

diplomata. Bacharelou-se em Letras pelo Colégio São Tomás <strong>de</strong><br />

Aquino <strong>de</strong> Lyon; em Direito pela <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Lausanne; em<br />

Diplomática pela École <strong>de</strong>s Sciences Polítiques e em Economia pela<br />

Escola Econômica <strong>de</strong> Londres. Lecionou em colégios franceses e ingleses.<br />

Veio ao Brasil pela primeira vez em 1906, quando <strong>de</strong>cidiu<br />

estabelecer-se no país. Em 1920, entrou no Colégio Pedro II como<br />

professor <strong>de</strong> inglês, chegando, na década <strong>de</strong> 1930, à vice-diretoria<br />

do Externato do Colégio. Em 1935, entrou na UDF como professor<br />

das ca<strong>de</strong>iras “Sociologia Educacional” e “Geografia Humana” e, em<br />

1936, passou à ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> “História Contemporânea”.<br />

Eremildo Luís Viana (1913-) nasceu no Rio <strong>de</strong> Janeiro. Concluiu<br />

<strong>seus</strong> estudos no Colégio Pedro II, on<strong>de</strong> recebeu o título <strong>de</strong> Bacharel<br />

em Ciências e Letras em 1932. Em 1933, entrou para a Faculda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Direito do Rio <strong>de</strong> Janeiro e em 1935, para o curso <strong>de</strong> História da<br />

UDF. Formou-se em Direito, mas não concluiu o curso <strong>de</strong> História<br />

saindo em 1937, pois <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o ano anterior já dava aulas no Colégio<br />

Pedro II. Entrou para a FNFi, em 1939, como assistente da ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong><br />

“História da Antigüida<strong>de</strong> e da Ida<strong>de</strong> Média” (1941-1945) e a partir <strong>de</strong><br />

1944 assumiu a ca<strong>de</strong>ira interinamente. Prestou concurso em 1946 e<br />

pô<strong>de</strong>, então, assumir a cátedra em caráter efetivo.<br />

Marina <strong>de</strong> São Paulo Vasconcellos (1912-1973) nasceu no Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro. Seu pai era médico. Estudou no tradicional Colégio Jaco-<br />

241


Marieta <strong>de</strong> Moraes Ferreira<br />

bina e, aos 20 anos, ingressou na Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito da <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />

do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Bacharel em Direito, retornou à vida universitária<br />

para estudar História em 1936. Aprovada no exame vestibular<br />

fez parte <strong>de</strong> uma das primeiras turmas da UDF. Foi aluna <strong>de</strong> Arthur<br />

Ramos, com quem estabeleceu forte ligação. Com a transferência<br />

dos quadros da UDF para a Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia, Marina,<br />

como aluna, também foi transferida para a nova instituição, on<strong>de</strong><br />

se formou em História e Geografia. Em janeiro <strong>de</strong> 1940, tornou-se a<br />

substituta <strong>de</strong> Arthur Ramos na ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> “Antropologia e Etnografia”<br />

da FNFi, pois o titular fora convidado a lecionar na Louisiana State<br />

University e no College Of Arts and Sciences. Em 1949, foi efetivada<br />

nas ca<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> “Antropologia” e “Etnografia”, após concurso.<br />

Josué Apolônio <strong>de</strong> Castro (1908-1973) nasceu em Recife, Pernambuco.<br />

Fez curso secundário na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> origem e, em 1929,<br />

formou-se na Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Medicina, no Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

Em 1932 torna-se livre-docente em Fisiologia da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina<br />

do Recife. Em 1935, indicado por Roquette Pinto, volta ao Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro para lecionar “Antropologia Física” no curso <strong>de</strong> História<br />

da UDF. Permanece na ca<strong>de</strong>ira até o ano <strong>de</strong> 1938, quando a disciplina<br />

foi suprimida dos currículos da <strong>Universida<strong>de</strong></strong>. Em 1938 é transferido<br />

para a ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Geografia, na qual permanece na condição<br />

<strong>de</strong> professor adjunto, até o fechamento da UDF. Na FNFi, passa a<br />

lecionar a ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> “Geografia Humana”, <strong>de</strong> 1940 até 1955.<br />

Eulália Maria Lahmeyer Lobo (1924) nasceu no Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

Estudou no Colégio Jacobina e graduou-se em História e Geografia<br />

pela Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil no<br />

ano <strong>de</strong> 1944. Na Faculda<strong>de</strong>, foi assistente da ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> “História da<br />

América”, assumindo a regência da ca<strong>de</strong>ira em 1958, após <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r<br />

tese <strong>de</strong> livre-docência. Catedrática interina em 1967 foi aposentada<br />

compulsoriamente em 1968.<br />

Maria Yedda Leite Linhares (1921) nasceu em Fortaleza, Ceará.<br />

Estudou no Instituto Lafayette e concluiu o secundário no Colégio<br />

São Paulo. Entrou para a FNFi como aluna em 1939, transferida da<br />

242


Perfis e trajetórias dos professores universitários <strong>de</strong> História no Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

UDF. Interrompeu o curso para passar dois anos estudando nos Estados<br />

Unidos. Essa experiência foi <strong>de</strong>cisiva para sua formação e, ao<br />

voltar ao Brasil, em 1944, concluiu o curso <strong>de</strong> “História e Geografia<br />

na Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia” e foi admitida como assistente<br />

da ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> História Mo<strong>de</strong>rna e Contemporânea na mesma instituição.<br />

Em 1955 é nomeada catedrática interina e, em 1957, após<br />

concurso, assume efetivamente a cátedra.<br />

Apresentados <strong>de</strong> uma forma sintética o perfil <strong>de</strong>sses professores<br />

que atuavam no curso <strong>de</strong> história e geografia, passaremos<br />

à análise das suas origens familiares e regionais, da sua formação<br />

educacional, do sistema <strong>de</strong> recrutamento e das suas re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> relações.<br />

A pesquisa dos nomes dos professores indica a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

origens regionais e a presença <strong>de</strong> professores vindos <strong>de</strong> diferentes<br />

estados da região Nor<strong>de</strong>ste (Arthur Ramos, Gilberto Freyre, José<br />

Maria Bello, Josué <strong>de</strong> Castro, Sílvio Júlio e Maria Yedda Leite Linhares),<br />

<strong>de</strong> Minas Gerais (Luiz Camillo <strong>de</strong> Oliveira, Hélio Vianna e Afonso<br />

Arinos) e do Rio <strong>de</strong> Janeiro (Eremildo Viana, Eulália Lobo, Hilgard<br />

Sternberg, Marina São Paulo e Victor Leuzinger). Quanto às origens<br />

familiares é notório o número <strong>de</strong> professores provenientes <strong>de</strong> famílias<br />

<strong>de</strong> profissões liberais e funcionários públicos e em alguns casos<br />

<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> membros <strong>de</strong> elites econômicas em <strong>de</strong>clínio.<br />

Um segundo item importante para a nossa investigação é a<br />

formação educacional. Os estudos secundários para a maioria dos<br />

professores que dispomos <strong>de</strong> dados foram efetivados em escolas<br />

públicas, tais como os casos <strong>de</strong> Afonso Arinos Eremildo Viana, Arthur<br />

Ramos, Hélio Vianna, Maria Yedda Linhares, Luiz Camillo, Isnard<br />

Dantas Barreto, Fernando Raja Gabaglia. Quanto à formação universitária,<br />

há um predomínio marcante <strong>de</strong> professores formados em<br />

Direito, sobretudo a primeira geração, nascida entre 1890 e 1910,<br />

como foram os casos <strong>de</strong> Delgado <strong>de</strong> Carvalho, Sílvio Júlio e Jayme<br />

Coelho. Já os nascidos um pouco mais tar<strong>de</strong> (<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 1915) passaram<br />

a ter uma dupla formação: Direito e História, como Marina <strong>de</strong><br />

243


Marieta <strong>de</strong> Moraes Ferreira<br />

São Paulo, Eremildo Viana e Hélio Vianna.<br />

Na geração nascida <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 1920, <strong>de</strong>tecta-se a presença <strong>de</strong><br />

uma formação específica em História e Geografia, como os casos<br />

<strong>de</strong> Maria Yedda Linhares, Eulália Lobo, Hilgard Sternberg e Maria do<br />

Carmo Galvão. Po<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>tectar também a presença pequena <strong>de</strong><br />

médicos e engenheiros, como Artur Ramos, Josué <strong>de</strong> Castro, Victor<br />

Leuzinger e Fernando Raja Gabaglia.<br />

Um terceiro ponto importante para análise são as re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong><br />

dos professores que permitiram a ocupação das ca<strong>de</strong>iras.<br />

O sistema <strong>de</strong> recrutamento <strong>de</strong> professores, tanto na UDF como<br />

na FNFi, baseava-se nas re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> relações que os candidatos possuíam<br />

e não na seleção através <strong>de</strong> concursos públicos. No caso da UDF<br />

fica clara a importância <strong>de</strong> laços com os educadores da Associação<br />

Brasileira <strong>de</strong> Educação, li<strong>de</strong>rada por Anísio Teixeira, como um elemento<br />

para garantir o acesso àquela universida<strong>de</strong>. Percebe-se também<br />

a presença marcante <strong>de</strong> nomes já com expressão intelectual<br />

e política na esfera nacional, como Afonso Arinos, Gilberto Freyre,<br />

Artur Ramos, bem como <strong>de</strong> um núcleo <strong>de</strong> professores oriundos do<br />

colégio Pedro II, como Delgado <strong>de</strong> Carvalho, Jaime Coelho, Fernando<br />

Raja Gabaglia, Isnard Dantas Barreto, Eremildo Viana. Essa vinculação<br />

com o Colégio Pedro II funcionava como um passaporte <strong>de</strong><br />

prestígio para garantir o acesso à universida<strong>de</strong> recém-criada.<br />

A presença dos professores atuantes na UDF como Luís Camilo,<br />

Josué <strong>de</strong> Castro, Victor Leuzinger também nos permite perceber o<br />

papel dos laços <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong> para enten<strong>de</strong>r os mecanismos <strong>de</strong> seleção.<br />

Luiz Camillo é trazido pelas mãos <strong>de</strong> Afonso Arinos. Eremildo e<br />

Sérgio Buarque são indicados por Eugènne Albertini e Henri Hauser<br />

respectivamente. Josué <strong>de</strong> Castro e Victor Leuzinger eram indicações<br />

do geógrafo francês Deffontaines.<br />

A FNFi não alterou esse estado <strong>de</strong> coisas: o processo <strong>de</strong> recrutamento<br />

manteve-se apoiado nas re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> relações. O fechamento<br />

da UDF promoveu a transferência <strong>de</strong> alguns professores para integrar<br />

os quadros do novo curso, enquanto outros se afastaram por<br />

244


Perfis e trajetórias dos professores universitários <strong>de</strong> História no Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

vonta<strong>de</strong> própria ou foram excluídos. Os critérios adotados para o<br />

preenchimento dos postos vagos foram diversificados. Em alguns<br />

casos, antigos assistentes foram alçados à condição <strong>de</strong> catedráticos<br />

interinos, como Victor Leuzinger 3 . Em outros, permaneceram<br />

na mesma condição, fossem assistentes ou titulares. 4 Arthur Ramos<br />

manteve a cátedra <strong>de</strong> “Antropologia”, mas Delgado <strong>de</strong> Carvalho foi<br />

preterido para ocupar a ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> “Sociologia”, conquistando a <strong>de</strong><br />

“Geografia do Brasil”. 5 Além <strong>de</strong>sses professores, novos nomes foram<br />

incorporados, como Sílvio Júlio, catedrático <strong>de</strong> “História da América”<br />

e Hélio Vianna, catedrático interino <strong>de</strong> “História do Brasil”.<br />

Nesta nova realida<strong>de</strong> po<strong>de</strong>-se perceber que a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> relações<br />

sustentada pelos educadores da Escola Nova e do Pedro II foi sendo<br />

progressivamente esvaziada. Delgado <strong>de</strong> Carvalho, figura <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque,<br />

ligado a Anísio Teixeira e ao Colégio Pedro II, permaneceu<br />

numa posição secundária.<br />

Por outro lado, setores católicos ligados ao Centro Dom Vital,<br />

com Alceu <strong>de</strong> Amoroso Lima e antigos integralistas, ganharam relevo<br />

na indicação <strong>de</strong> nomes. A direção da FNFi foi entregue a San<br />

Tiago Dantas e a cátedra <strong>de</strong> “História do Brasil” que no contexto do<br />

Estado Novo <strong>de</strong>veria <strong>de</strong>sempenhar um papel chave na formação<br />

dos futuros professores secundários, foi entregue a Hélio Vianna<br />

(1908-1972). O arquivo Capanema mostra um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong><br />

indicados para o posto, <strong>de</strong>ntre eles, Oliveira Viana. Entretanto, por<br />

motivos pouco claros, não lograram sucesso, recaindo a escolha fi-<br />

3 Josué <strong>de</strong> Castro pediu ao Ministro, por carta, a ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Antropologia e Etnografia,<br />

disciplina na qual se especializava no exterior. Ver Arquivo Gustavo GC g<br />

1936.01.18 (Pasta III)<br />

4 No arquivo Capanema temos carta <strong>de</strong> 17 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1939, <strong>de</strong> Leitão da Cunha a<br />

Gustavo Capanema, enviando relação <strong>de</strong> professores que po<strong>de</strong>riam lecionar na FNFi.<br />

(GC 1936.01.18, Pasta III, doc. 11)<br />

5 “Geographia do Brasil – Delgado <strong>de</strong> Carvalho. Escreveu carta ao Sr. Presi<strong>de</strong>nte,<br />

pedindo a ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> sociologia. Mas concorda em ficar com a <strong>de</strong> Geografia do Brasil.<br />

Não temos [para] Geographia do Brasil pessoas <strong>de</strong> maior competência.” Arquivo<br />

Gustavo Capanema, GC g 1936.01.18.<br />

245


Marieta <strong>de</strong> Moraes Ferreira<br />

nal no mineiro Hélio Vianna. Quem era Hélio Vianna Quais eram as<br />

bases <strong>de</strong> sua indicação para o posto Nascido em Belo Horizonte,<br />

em 1908; bacharelou-se pela Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito da <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />

do Rio <strong>de</strong> Janeiro em 1932; em 1939 foi nomeado catedrático interino,<br />

com 31 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>. Diferente <strong>de</strong> <strong>seus</strong> colegas que já tinham<br />

alguma inserção acadêmica, ou porque foram assistentes na UDF,<br />

ou porque eram nomes já reconhecidos – professores <strong>de</strong> Colégio<br />

Pedro II, membros do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro –,<br />

Hélio Vianna até então estava fora <strong>de</strong>sse circuito. Sua referência era<br />

ter sido integralista, funcionário do Departamento <strong>de</strong> Imprensa e<br />

Propaganda (DIP) e lecionar no colégio Jacobina.<br />

Hélio Vianna, ao que tudo indica, era ligado ao grupo católico,<br />

uma vez que até o ano <strong>de</strong> sua nomeação para a Faculda<strong>de</strong> Nacional<br />

<strong>de</strong> Filosofia possuía artigos publicados em “A or<strong>de</strong>m”, revista ligada<br />

ao Centro Dom Vital, que tinha por diretor Alceu <strong>de</strong> Amoroso Lima.<br />

O próprio Alceu envia para o ministro Gustavo Capanema um currículo<br />

<strong>de</strong> Hélio Vianna, propondo-o para catedrático <strong>de</strong> “História da<br />

América”. 6 Não se consegue saber exatamente porque acabou obtendo<br />

a cátedra <strong>de</strong> “História do Brasil”. Além do reconhecimento do<br />

grupo católico, Hélio Vianna teve vários <strong>de</strong> <strong>seus</strong> textos, a partir <strong>de</strong><br />

1935, irradiados na Hora do Brasil, programa radiofônico produzido<br />

pelo Departamento Nacional <strong>de</strong> Propaganda (DNP).<br />

A cátedra <strong>de</strong> “História da América” também foi ocupada, por<br />

um nome pouco conhecido nos meios intelectuais até então, Sílvio<br />

Julio <strong>de</strong> Albuquerque Lima (1895-1984). Nascido em Recife, Pernambuco,<br />

estudou no Colégio Militar no Rio <strong>de</strong> Janeiro e formou-se<br />

em Direito em 1918 pela <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul. Exerceu<br />

uma intensa ativida<strong>de</strong> jornalística e, na ocasião, trabalhava no<br />

setor <strong>de</strong> censura do Ministério da Educação. Na consulta ao Arquivo<br />

<strong>de</strong> Capanema, não fica claro como exatamente conquistou o posto,<br />

pois seu nome não circulava nas listas <strong>de</strong> pedidos feitas por Alceu<br />

<strong>de</strong> Amoroso Lima ou outras li<strong>de</strong>ranças católicas.<br />

6 Arquivo Gustavo Capanema, GC g 1936.01.18.<br />

246


Perfis e trajetórias dos professores universitários <strong>de</strong> História no Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

A contribuição dos mestres franceses<br />

Outra variável importante para compor o perfil dos professores<br />

do curso <strong>de</strong> História e Geografia é a presença dos estrangeiros.<br />

Des<strong>de</strong> a criação da UDF e posteriormente na FNFi, po<strong>de</strong>-se perceber<br />

a participação dos franceses como referências fundamentais para a<br />

montagem do curso e dos programas. Os professores <strong>de</strong> História e<br />

Geografia que vieram para o Rio <strong>de</strong> Janeiro nos anos 1930 foram<br />

Henri Hauser, Eugène Albertini e Pierre Deffontaines, para a UDF, e<br />

Victor Tapié, Antoine Bon e Francis Ruellan para a FNFi.<br />

Quem eram esses professores O mais importante <strong>de</strong>les<br />

era Henri Hauser (1866-1946), que, diferentemente <strong>de</strong> <strong>seus</strong><br />

companheiros, ocupava um lugar <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque na estrutura acadêmica<br />

francesa. Tinha sido um dos precursores da história econômica,<br />

e sua obra historiográfica era consi<strong>de</strong>rada <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> relevância 7 .<br />

De família judia, <strong>de</strong> origem humil<strong>de</strong>, 8 cursou École Normale Supérieure,<br />

foi aprovado no exame <strong>de</strong> agrégation em 1888 e terminou o<br />

doutorado em 1892. Sua longa carreira, que o fez passar por várias<br />

universida<strong>de</strong>s no interior da França antes <strong>de</strong> chegar à Sorbonne,<br />

teve início num período <strong>de</strong> afirmação da História como disciplina e<br />

<strong>de</strong> consagração do ofício <strong>de</strong> historiador 9 .<br />

Naturalmente, a carreira e a obra <strong>de</strong> Hauser se beneficiaram<br />

<strong>de</strong>ssa conjuntura favorável. O jovem historiador foi aluno <strong>de</strong> Monod,<br />

compartilhou as regras propostas por Seignobos para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r “la<br />

métho<strong>de</strong> historique” e integrou-se à re<strong>de</strong> <strong>de</strong> relações profissionais<br />

que a Revue Historique e a Revue d’Histoire Mo<strong>de</strong>rne et Contemporaine<br />

teceram. Muitos <strong>de</strong> <strong>seus</strong> trabalhos foram publicados nesses<br />

periódicos.<br />

Em 1919, Hauser ingressou na Sorbonne como chargé <strong>de</strong> cours.<br />

Somente em 1927 tornou-se professor <strong>de</strong> história econômica, ca-<br />

7 Crouzet, 1995, e Venâncio Filho, 1997.<br />

8 Entrevista <strong>de</strong> Françoise Crouzet à Marieta <strong>de</strong> Moraes Ferreira, março <strong>de</strong><br />

1997, em Paris<br />

9 Noiriel, 1990<br />

247


Marieta <strong>de</strong> Moraes Ferreira<br />

<strong>de</strong>ira na qual permaneceu até aposentar-se em 1935. Publicou inúmeros<br />

livros e artigos. Além <strong>de</strong> colaborador assíduo das duas revistas<br />

acima citadas, participou, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o começo da década <strong>de</strong> 1920,<br />

das articulações para o lançamento da revista Annales d’Histoire Economique<br />

et Sociale, vindo a integrar, a partir do momento da criação<br />

da revista, em 1929, seu comitê <strong>de</strong> redação.<br />

Marc Bloch e Lucien Fèbvre mantiveram com Hauser, ao longo<br />

dos anos 1920 e 1930, uma relação <strong>de</strong> respeito e admiração, conforme<br />

po<strong>de</strong> ser constatado na correspondência publicada entre<br />

os dois historiadores fundadores dos Annales. Hauser é percebido<br />

como um elemento importante para o lançamento da nova revista,<br />

funcionando como elo entre aqueles que <strong>de</strong>fendiam uma nova<br />

maneira <strong>de</strong> fazer história e setores mais tradicionais, que ocupavam<br />

postos importantes nas principais instituições francesas <strong>de</strong> ensino<br />

e pesquisa. 10<br />

No que se refere ao Brasil, Hauser também <strong>de</strong>sempenhou um<br />

papel-chave, pois, acionando sua re<strong>de</strong> <strong>de</strong> relações, não só indicou<br />

vários nomes para integrar as missões que vieram para São Paulo<br />

(entre os quais Pierre Monbeig e Fernand Brau<strong>de</strong>l), como foi um dos<br />

primeiros a escrever e publicar sobre o Brasil na França, permitindo<br />

aos franceses uma “re<strong>de</strong>scoberta” do Brasil. Em 1937, publicou uma<br />

nota divulgando os esforços <strong>de</strong> jovens estudantes universitários da<br />

UDF, para criar um Centro <strong>de</strong> Estudos Históricos em 1936. 11 Em 1937<br />

e 1938, publicou vários artigos sobre o Brasil nos Annales.<br />

Sua atuação no curso <strong>de</strong> história na UDF consistiu não só em<br />

organizar a ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> “História Mo<strong>de</strong>rna”, mas também em apresentar<br />

propostas para a montagem do curso como um todo, em<br />

geral valorizando as ca<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> conteúdo histórico em <strong>de</strong>trimento<br />

das disciplinas <strong>de</strong> formação pedagógica. A ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> “História<br />

10 Ver a esse respeito correspondência Lucien Febvre - Marc Bloch - ps.14, 158, 185,<br />

152, 256, 252.<br />

11 Ver “Notes et reflexions sur le travail historique au Brèsil”, in Revue Historique –<br />

1937, pp.() 85-95.<br />

248


Perfis e trajetórias dos professores universitários <strong>de</strong> História no Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

Mo<strong>de</strong>rna” sofreu então uma duplicação <strong>de</strong> carga horária, passando<br />

<strong>de</strong> três para seis horas semanais. A influência marcante <strong>de</strong> Hauser<br />

na estruturação curricular e na difusão <strong>de</strong> uma nova concepção <strong>de</strong><br />

história econômica e social estava conectada com os movimentos<br />

<strong>de</strong> renovação da disciplina na França.<br />

Outro importante professor <strong>de</strong> História que participou das<br />

missões francesas que trabalharam no Rio <strong>de</strong> Janeiro foi o professor<br />

<strong>de</strong> “História Antiga” da UDF, Eugène Albertini (1888-1941). Ainda<br />

que <strong>de</strong> uma geração mais jovem que Hauser, formado pela École<br />

Normale Supérieure em 1900, agrégé <strong>de</strong>s lettres em 1903, após um<br />

concurso brilhante, passou três anos na École <strong>de</strong> Rome. A seguir,<br />

após um curto retorno ao ensino secundário, tornou-se, entre 1909<br />

e 1912, membro da École <strong>de</strong>s Hautes Étu<strong>de</strong>s Hispaniques. Depois<br />

da guerra, foi professor <strong>de</strong> “História Antiga” na Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras<br />

<strong>de</strong> Argel (1920) até ingressar, em 1932, no Collège <strong>de</strong> France, em<br />

Paris.<br />

Uma biografia <strong>de</strong> Albertini, por mais curta que seja, mostra a<br />

multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua competência. Reconhecido latinista, também<br />

se <strong>de</strong>stacou como arqueólogo e epigrafista. Sua obra concentrou-se<br />

no estudo do Império romano, em especial da África romana. Publicou<br />

um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> livros e artigos e integrou o conselho <strong>de</strong><br />

redação da Revue Historique. Foi ainda colaborador dos Annales. 12<br />

Em pleno apogeu <strong>de</strong> sua carreira acadêmica na França, veio para o<br />

Brasil com a perspectiva <strong>de</strong> participar do esforço do governo francês<br />

para assegurar um lugar expressivo para a cultura francesa nas<br />

universida<strong>de</strong>s brasileiras em fase <strong>de</strong> organização.<br />

Albertini pautou sua atuação na UDF pela apresentação <strong>de</strong><br />

propostas <strong>de</strong> reestruturação do programa <strong>de</strong> “História Antiga”. No<br />

momento <strong>de</strong> sua estada no Brasil, já usufruía <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> prestígio na<br />

Argélia e na França e estava inserido numa importante re<strong>de</strong> <strong>de</strong> relações<br />

acadêmicas. Era um crítico da hegemonia da história política e<br />

reivindicava uma história dos povos e civilizações. 13<br />

12 Ver Revue Historique - 1941 – p. 373<br />

13 Ver Lições inaugurais da missão universitária francesa em 1936, p. 21.<br />

249


Marieta <strong>de</strong> Moraes Ferreira<br />

Além dos professores com formação específica em História, os<br />

geógrafos exerceram forte influência nos cursos <strong>de</strong> sua disciplina.<br />

Foi este o caso <strong>de</strong> Pierre Deffontaines (1894-1978). Des<strong>de</strong> muito<br />

cedo, Deffontaines <strong>de</strong>monstrou interesse pela Geografia, acabando<br />

por se <strong>de</strong>dicar ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>sse campo do saber. Seus<br />

primeiros estudos foram, contudo, no campo do Direito, curso em<br />

que formou em 1916, em Poitiers. Em seguida mudou-se para Paris<br />

e passou a freqüentar a Sorbonne, on<strong>de</strong> obteve o diploma <strong>de</strong><br />

estudos superiores <strong>de</strong> Geografia. Nos anos seguintes, cumpriu as<br />

etapas usuais da carreira do magistério na França: agrégation em<br />

História e Geografia (1922), professor e diretor do Instituto <strong>de</strong> Geografia<br />

da Faculda<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> Lille (1925-1939), chargé <strong>de</strong> cours <strong>de</strong><br />

Geografia pré-histórica na École d’Anthropologie <strong>de</strong> Paris, doutor<br />

em Geografia pela Sorbonne (1932) e secretário-geral da Socieda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Geografia <strong>de</strong> Lille (1932-1937).<br />

Deffontaines iniciou seu contato com o Brasil na década <strong>de</strong><br />

1930, fundando a ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Geografia na USP em 1935. Em seguida<br />

criou a ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Geografia na UDF, on<strong>de</strong> lecionou <strong>de</strong> 1936 a<br />

1938. Foi também um dos principais responsáveis pela criação da<br />

Associação dos Geógrafos Brasileiros, do Conselho Nacional <strong>de</strong><br />

Geografia e da Revista Brasileira <strong>de</strong> Geografia. Promoveu, igualmente,<br />

a participação do Conselho Nacional <strong>de</strong> Geografia do Brasil no<br />

Comitê Internacional <strong>de</strong> Geografia.<br />

Além <strong>de</strong> sua intensa ativida<strong>de</strong> intelectual, Deffontaines era<br />

um militante católico extremamente atuante, ligado ao grupo <strong>de</strong><br />

Robert Garric. Diferentemente <strong>de</strong> <strong>seus</strong> colegas <strong>de</strong> missão, quando<br />

<strong>de</strong>cidiu vir ao Brasil em 1935, tinha pouca projeção acadêmica na<br />

França. Professor da Faculda<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> Lille, seu projeto era<br />

conquistar uma vaga numa universida<strong>de</strong> pública. Na condição <strong>de</strong><br />

católico militante, Deffontaines sentia-se mais próximo do geógrafo<br />

também católico Jean Brunhes, do Collège <strong>de</strong> France, que tinha<br />

uma concepção <strong>de</strong> geografia humana ligada às causalida<strong>de</strong>s religiosas<br />

e temporais. 14<br />

14 Ver Diário <strong>de</strong> Pierre Deffontaines<br />

250


Perfis e trajetórias dos professores universitários <strong>de</strong> História no Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

A vinda para o Brasil representou uma alternativa profissional<br />

importante para Deffontaines. No Brasil, ligou-se a grupos católicos<br />

que seguiam a orientação <strong>de</strong> Alceu Amoroso Lima, mas também<br />

ampliou sua atuação em outras direções. Fez diversas viagens pelo<br />

país, escreveu artigos e livros sobre temas brasileiros, proferiu várias<br />

palestras e conferências. O Brasil representou um laboratório <strong>de</strong><br />

pesquisa privilegiado para o geógrafo francês e serviu <strong>de</strong> base para<br />

gran<strong>de</strong> parte da sua produção.<br />

O encerramento da experiência da UDF, em 1939, e a consolidação<br />

da Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia abririam espaço para uma<br />

nova missão universitária francesa. Mais dois professores, Victor Tapié<br />

(1898-1975) e Antoine Bon (1901-1972), vieram participar <strong>de</strong>ssa<br />

nova etapa da criação dos cursos <strong>de</strong> História no Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

Victor Lucien Tapié nasceu em Paris. Sua carreira foi marcada<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> cedo no interesse pelo estudo da História dos países da Europa<br />

Central e da época mo<strong>de</strong>rna. Já na sua tese <strong>de</strong> doutorado, <strong>de</strong>fendida<br />

na Sorbonne em 1934, <strong>de</strong>dicou-se à política externa da França<br />

no começo da Guerra dos 30 anos (1616-1621). Nos anos seguintes,<br />

manteve seu interesse por essa temática publicando alguns trabalhos<br />

sobre a Áustria, a Tchecoslováquia e a Hungria. Mesmo tendo<br />

sido orientando <strong>de</strong> Pierre Renouvin, gran<strong>de</strong> professor da Sorbonne,<br />

e mantendo-se ligado à re<strong>de</strong> <strong>de</strong> relações <strong>de</strong>sse historiador, não<br />

conseguiu obter logo um posto como professor universitário<br />

na França. 15 Em 1939 fez concurso para maitre <strong>de</strong> conférence na<br />

Sorbonne, mas não foi aprovado.<br />

Diferentemente <strong>de</strong> <strong>seus</strong> colegas Hauser e Albertini, que participaram<br />

do processo <strong>de</strong> criação da UDF e que já usufruíam <strong>de</strong> um estatuto<br />

profissional ao virem para o Brasil, Tapié ainda era um jovem<br />

<strong>de</strong>sconhecido, com poucas publicações, e que tinha como área <strong>de</strong><br />

interesse algo muito distante do Brasil. Ainda assim, em 1939, optou<br />

por vir trabalhar no país, on<strong>de</strong> permaneceria até 1943. O motivo<br />

15 Entrevistas <strong>de</strong> Jacques Revel e Jean Beranger concedidas à Marieta <strong>de</strong> Moraes<br />

Ferreira. Paris, março <strong>de</strong> 1997. Ver também Universalia Encyclopaedia (1975).<br />

251


Marieta <strong>de</strong> Moraes Ferreira<br />

<strong>de</strong>ssa escolha não é explicado na documentação consultada. Po<strong>de</strong>se<br />

supor que os problemas trazidos pela Segunda Guerra e os contatos<br />

<strong>de</strong> Tapié com grupos católicos tenham facilitado sua vinda,<br />

afinal, ele chegou ao país exatamente no momento em que o lí<strong>de</strong>r<br />

católico Alceu Amoroso Lima passou a exercer forte influência na<br />

Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia.<br />

No Brasil, Tapié procurou buscar um ponto <strong>de</strong> contato entre temas<br />

brasileiros e sua experiência <strong>de</strong> pesquisa prévia com os países<br />

<strong>de</strong> Europa central. A solução encontrada foi o estudo do barroco mineiro.<br />

Atendo-se a essa temática, procurou relacionar os problemas<br />

do barroco da Europa central com os do Brasil. Na verda<strong>de</strong>, esse<br />

tema funcionou como estímulo para que Tapié viesse a produzir sua<br />

obra mais importante sobre a Europa central, <strong>de</strong>dicada ao barroco e<br />

ao classicismo naquela região.<br />

Ainda que tenha permanecido um período bastante longo<br />

na FNFi – comparativamente a <strong>seus</strong> colegas que vieram para o Rio<br />

ou mesmo para São Paulo – Tapié não chegou a ter uma produção<br />

expressiva sobre o Brasil. Depois <strong>de</strong> voltar à França, publicou<br />

em 1946 uma obra <strong>de</strong>dicada à América Latina, intitulada Histoire<br />

<strong>de</strong> l’Amérique Latine dans le XIX ème siècle, que po<strong>de</strong> ser caracterizada<br />

com um trabalho bastante tradicional <strong>de</strong> história política e<br />

évenemmentielle. Enfim, Tapié apresentava-se como um historiador<br />

vinculado a uma concepção <strong>de</strong> História que não continha nenhuma<br />

proposta inovadora.<br />

Após seu retorno à França, Tapié mais uma vez candidatou-se a<br />

professor <strong>de</strong> “História Mo<strong>de</strong>rna” na Sorbonne, <strong>de</strong>ssa vez com sucesso.<br />

Permaneceu no cargo até a aposentadoria. Seus contatos com o<br />

Brasil também não tiveram continuida<strong>de</strong>, e sua memória entre <strong>seus</strong><br />

ex-alunos brasileiros apagou-se quase completamente.<br />

Antoine Bon foi outro professor francês que veio em 1939 para<br />

o Rio <strong>de</strong> Janeiro, para ocupar a ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> “História Antiga” na FNFi.<br />

Permaneceu vários anos no Brasil, mas, ao que parece, também<br />

não <strong>de</strong>ixou maior influência entre <strong>seus</strong> alunos. Já Francis Ruellan<br />

252


Perfis e trajetórias dos professores universitários <strong>de</strong> História no Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

(1874-1975), nascido na França, era especialista em Geomorfologia<br />

e professor da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Paris. Ruellan permanceu como<br />

professor na FNFi <strong>de</strong> 1941 a 1956 e <strong>de</strong>ixou uma memória extremamente<br />

forte e positiva entre <strong>seus</strong> alunos. Uma das suas muitas contribuições<br />

foi <strong>de</strong>senvolver as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pesquisa e os trabalhos<br />

<strong>de</strong> campos com <strong>seus</strong> alunos. Ruellan <strong>de</strong>sempenhou importantes<br />

funções no Conselho Nacional <strong>de</strong> Geografia e no IBGE.<br />

O balanço das trajetórias dos professores franceses <strong>de</strong> História<br />

e Geografia que atuaram no Rio <strong>de</strong> Janeiro po<strong>de</strong> fornecer informações<br />

interessantes para se avaliar a importância <strong>de</strong> sua contribuição<br />

para a estruturação dos cursos <strong>de</strong> história no Rio <strong>de</strong> Janeiro e no<br />

Brasil, além da maior difusão <strong>de</strong> temas brasileiros entre os franceses.<br />

Em primeiro lugar, é preciso ressaltar a diversida<strong>de</strong> da composição<br />

das missões francesas. Os professores eram oriundos <strong>de</strong> gerações<br />

diferentes, tinham formações distintas e estavam em estágios<br />

profissionais também muito diferenciados. No que diz respeito às<br />

formas <strong>de</strong> conceber e ensinar a História, também havia diferenças.<br />

Enquanto Hauser e Albertini já eram gran<strong>de</strong>s professores e tinham<br />

como perspectiva o ensino <strong>de</strong> uma História social e econômica,<br />

que valorizasse o estudo das socieda<strong>de</strong>s, da vida cotidiana e das<br />

relações sociais, Tapié e Bon estavam comprometidos com o estudo<br />

<strong>de</strong>scritivo dos gran<strong>de</strong>s eventos, das batalhas e dos tratados.<br />

No que diz respeito às re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> relações e formas <strong>de</strong> inserção<br />

no campo intelectual francês, as distinções também são evi<strong>de</strong>ntes.<br />

Hauser e Albertini eram provenientes <strong>de</strong> uma tradição republicana<br />

e laica, ao passo que Deffontaines e Tapié mantinham uma estreita<br />

vinculação com o movimento católico.<br />

A comparação dos professores que foram para o Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

com os que foram para São Paulo e participaram da criação do curso<br />

<strong>de</strong> história da USP também é bastante reveladora. Se tomarmos os<br />

nomes <strong>de</strong> Émile Coornaert (1886-1980), professor <strong>de</strong> “História Mo<strong>de</strong>rna”<br />

na USP em 1935, e Fernand Brau<strong>de</strong>l (1902-1985), sucessor <strong>de</strong><br />

253


Marieta <strong>de</strong> Moraes Ferreira<br />

Coornaert; <strong>de</strong> Pierre Deffontaines, professor <strong>de</strong> geografia humana<br />

na USP em 1935 e seu sucessor Pierre Monbeig (1908-1987) perceberemos<br />

características semelhantes, mas também alguns traços<br />

divergentes.<br />

Assim como os que foram para o Rio <strong>de</strong> Janeiro, os professores<br />

que foram para a USP pertenciam a gerações diferentes, ligavam-se<br />

a tradições historiográficas distintas e integravam-se a re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> relações<br />

diversas. Émile Coornaert nasceu em 1886 e tinha 16 anos a<br />

mais que Fernand Brau<strong>de</strong>l. Em função <strong>de</strong>ssa diferença, vieram para<br />

o Brasil em estágios diferentes <strong>de</strong> suas carreiras. Coornaert já tinha<br />

concluído seu doutorado e era directeur <strong>de</strong> recherche da École Pratique<br />

<strong>de</strong>s Hautes Étu<strong>de</strong>s, cargo obtido numa disputa em que <strong>de</strong>rrotou<br />

nada menos que Marc Bloch. Tinha laços estreitos na Sorbonne,<br />

contatos importantes na Revue d’Histoire Mo<strong>de</strong>rne et Contemporaine<br />

e na Revue d’ Histoire Mo<strong>de</strong>rne, on<strong>de</strong> publicou resenhas e artigos sobre<br />

autores e temas brasileiros. Sua obra, no entanto, foi objeto <strong>de</strong><br />

comentários críticos <strong>de</strong> Bloch e Fèbvre.<br />

Já Brau<strong>de</strong>l ainda estava em início <strong>de</strong> carreira. Era um brilhante<br />

professor do ensino secundário, que, após um estágio na Argélia e<br />

antes <strong>de</strong> vir para o Brasil, lecionara no Liceu Henri IV, em Paris. Ainda<br />

que não mantivesse, nessa ocasião, contatos mais estreitos com<br />

Bloch e Fèbvre e não tivesse publicado nada nos Annales e muito<br />

pouco em outros periódicos, mantinha relações próximas com<br />

Hauser e tinha espaço para publicar na Revue <strong>de</strong> Synthèse, <strong>de</strong> Henri<br />

Berr.<br />

Se avançarmos nessa comparação e tomarmos as trajetórias<br />

dos geógrafos Pierre Deffontaines e Pierre Monbeig, mais uma vez<br />

constataremos a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> formação. Além <strong>de</strong> terem 14 anos<br />

<strong>de</strong> diferença <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> – Deffontaines nasceu em 1894 e Monbeig<br />

em 1908 –, suas trajetórias eram completamente diferentes. Enquanto<br />

Deffontaines era vinculado a grupos católicos na França e<br />

no Brasil, Monbeig foi indicado pelo anticlerical Hauser e, na França,<br />

sua re<strong>de</strong> <strong>de</strong> relações passava por Demongeon e Lucien Fèbvre 16 .<br />

16 Ver carta <strong>de</strong> P. Monbeig a L. Febvre 1939 – Arquivo IMEC – Fundo Henri Berr.<br />

254


Perfis e trajetórias dos professores universitários <strong>de</strong> História no Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

Outro aspecto que merece ser apontado são as diferenças<br />

<strong>de</strong> atuação entre os professores <strong>de</strong> Geografia e os <strong>de</strong> História. Os<br />

historiadores que para aqui vieram trouxeram bibliografia atualizada,<br />

métodos e técnicas <strong>de</strong> pesquisa, propuseram sugestões para o<br />

formato dos cursos e, em alguns casos, chegaram a publicar textos<br />

referentes ao Brasil. No entanto, essa temática nunca chegou a<br />

ocupar um lugar <strong>de</strong> relevo em suas obras.<br />

Já os geógrafos estabeleceram laços <strong>de</strong> outra natureza com o<br />

país. Não só permaneceram um período mais longo, tanto Monbeig<br />

como Deffontaines, como viajaram pelo interior realizando pesquisas,<br />

formando gerações <strong>de</strong> novos alunos, criando instituições e<br />

elegendo o Brasil como tema central <strong>de</strong> suas obras. A reflexão<br />

geográfica no Brasil era incipiente, e a pesquisa praticamente inexistente.<br />

Assim, os geógrafos franceses ocuparam um espaço vazio,<br />

vieram para constituir uma geografia brasileira, e isso é válido tanto<br />

para São Paulo como para o Rio <strong>de</strong> Janeiro 17 .<br />

No que diz respeito à História, o quadro era outro. Já antes<br />

da criação das universida<strong>de</strong>s o campo dos estudos históricos era<br />

bastante <strong>de</strong>senvolvido e objeto <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> interesse e controle por<br />

parte do Estado e das elites do país. O professor Eduardo D’Oliveira<br />

França, referindo-se às características do ensino e da pesquisa da<br />

história na USP dos anos 1930, e à influência dos professores franceses,<br />

<strong>de</strong>clarou: “A História do Brasil não teve a sorte da Geografia do<br />

Brasil. A Geografia se atualizou, renovou-se profundamente, com<br />

Deffontaines e Monbeig, mas a historiografia teve retardado o seu<br />

processo <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização” 18 .<br />

Maria Yedda Linhares faz um diagnóstico semelhante para os<br />

cursos <strong>de</strong> História no Rio <strong>de</strong> Janeiro. No seu enten<strong>de</strong>r, os problemas<br />

para o <strong>de</strong>senvolvimento da pesquisa nos cursos <strong>de</strong> história <strong>de</strong>rivavam<br />

do controle que o catedrático Hélio Vianna tinha sobre a pesquisa<br />

referente a temas brasileiros, que impedia a criação <strong>de</strong> novos<br />

17 Massi, 1991<br />

18 Freitas, 1993<br />

255


Marieta <strong>de</strong> Moraes Ferreira<br />

centros <strong>de</strong> pesquisa <strong>de</strong>dicados, por exemplo, à história contemporânea<br />

do Brasil.<br />

Esses dados, rapidamente alinhavados, indicam que em São<br />

Paulo, a exemplo do que ocorria no Rio <strong>de</strong> Janeiro, além das diferenças<br />

geracionais, dominava uma diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> orientações entre<br />

os professores. Os profissionais que foram para o Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

eram visivelmente mais velhos e titulados, enquanto para São Paulo<br />

dirigiram-se professores mais jovens. Por outro lado, se há pontos<br />

<strong>de</strong> convergência entre as concepções <strong>de</strong> História que prevaleciam<br />

no Rio <strong>de</strong> Janeiro e em São Paulo, também aparecem diferenças.<br />

Um balanço das informações apresentadas nos permite traçar<br />

algumas conclusões provisórias. Se a influência dos professores<br />

franceses se mostrou limitada no que diz respeito a uma nova maneira<br />

<strong>de</strong> fazer História no Brasil, sua presença foi importante com<br />

relação à atualização bibliográfica dos alunos, à estruturação dos<br />

cursos criados e ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> canais <strong>de</strong> intercâmbio entre<br />

as comunida<strong>de</strong>s universitárias francesa e brasileira. Este último<br />

aspecto vale muito mais para São Paulo do que para o Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />

on<strong>de</strong> os laços pessoais e institucionais com os mestres franceses<br />

se diluíram ao longo das décadas seguintes. A partir dos dados pesquisados,<br />

po<strong>de</strong>mos chegar a algumas consi<strong>de</strong>rações sobre a institucionalização<br />

dos cursos universitários <strong>de</strong> história na cida<strong>de</strong> do Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro. Em primeiro lugar, verificamos que o curso <strong>de</strong> História na<br />

UDF (1935-1939) pautou-se numa concepção <strong>de</strong> História centrada<br />

na <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> uma História social da civilização em oposição à uma<br />

História política nacional <strong>de</strong> exaltação dos gran<strong>de</strong>s personagens.<br />

Devemos acrescentar ainda que os professores <strong>de</strong> História da UDF<br />

representaram uma primeira geração <strong>de</strong> profissionais universitários,<br />

que estavam empenhados em formar alunos comprometidos ,<br />

ao mesmo tempo, com o ensino e a pesquisa.<br />

Em segundo lugar, é possível levantar a hipótese <strong>de</strong> que a institucionalização<br />

do curso <strong>de</strong> História no Rio <strong>de</strong> Janeiro, na FNFi, foi fortemente<br />

influenciada por uma concepção <strong>de</strong> História on<strong>de</strong> prevale-<br />

256


Perfis e trajetórias dos professores universitários <strong>de</strong> História no Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

cia uma História política <strong>de</strong>stinada a reforçar os laços da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

brasileira através do fortalecimento da unida<strong>de</strong> nacional, e do papel<br />

dos gran<strong>de</strong>s heróis como construtores da Nação. Diferentemente<br />

da minha hipótese inicial apresentada em outro texto 19 , o Instituto<br />

Histórico Geográfico Brasileiro teve pouca participação na indicação<br />

<strong>de</strong> nomes, tanto no caso da UDF, como mencionado, como para<br />

a FNFi. Po<strong>de</strong>-se notar também que entre as conturbações políticas e<br />

os embates acadêmicos forjou-se um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> curso universitário<br />

<strong>de</strong> História que privilegiava a formação <strong>de</strong> profissionais do ensino<br />

secundário <strong>de</strong>svinculados da produção do saber histórico.<br />

19 Notas sobre a institucionalização do ensino <strong>de</strong> História no Rio <strong>de</strong> Janeiro. In:<br />

GUIMARÃES, Manoel Salgado. Estudos sobre a escrita da História. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Sete<br />

Letras, 2007. pp. 139-161.<br />

257


Quadro <strong>de</strong> Professores do curso <strong>de</strong> História da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Distrito Fe<strong>de</strong>ral (1935-1939)<br />

Nome e<br />

Naturalida<strong>de</strong><br />

Formação<br />

Escolar<br />

Cargos na UDF Principais Obras Outras Informações<br />

Afonso Arinos <strong>de</strong><br />

Melo Franco<br />

*1905 – † 1990<br />

Belo Horizonte,<br />

Minas Gerais<br />

Colégio Pedro II – Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro<br />

Direito (Faculda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Direito do Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro - 1927)<br />

Professor <strong>de</strong> História<br />

da Civilização do Brasil<br />

(1936-1938)<br />

Introdução a realida<strong>de</strong> brasileira (1933)<br />

Conceito <strong>de</strong> civilização brasileira (1936)<br />

Síntese da História Econômica do Brasil<br />

(1938)<br />

- Foi um dos fundadores da UDN<br />

- Membro da ABL<br />

Arthur Ramos <strong>de</strong><br />

Araújo Pereira<br />

*1903 – † 1949<br />

Pilar, Alagoas<br />

Doutorou-se em<br />

1926, pela Faculda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Medicina da Bahia<br />

Psicologia Social<br />

(1935-1939)<br />

Primitivo e Loucura (1926)<br />

O negro brasileiro (1934)<br />

- Foi chefe da Seção Técnica <strong>de</strong> Ortofrenia e<br />

Higiene Mental do Departamento <strong>de</strong> Educação<br />

e Cultura do DF (1934-1935)<br />

- Fundou a Socieda<strong>de</strong> Brasileira <strong>de</strong> Antropologia<br />

e Etnografia, em 1941<br />

- Foi Chefe do Departamento <strong>de</strong> Ciências Sociais<br />

da UNESCO em 1949, ano <strong>de</strong> sua morte<br />

Carlos Miguel<br />

Delgado <strong>de</strong> Carvalho<br />

*1884 – † 1980<br />

Legação do Brasil em<br />

Paris, França<br />

Direito e Ciências<br />

Sociais (<strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />

<strong>de</strong> Lousanne/ London<br />

School of Economics)<br />

Sociologia Educacional<br />

(1935-1939) Geografia<br />

Humana (1935) e<br />

História Contemporânea<br />

(1936-1939)<br />

Un Centre Économique au Brésil: L’Êtat <strong>de</strong><br />

Minas (1908)<br />

Le Brésil Méridional: étu<strong>de</strong> économique sur les<br />

états du sud, (1910)<br />

Sociologia e Educação (1934)<br />

História Geral (1935)<br />

Súmulas <strong>de</strong> História Colegial (1947)<br />

Didática das Ciências Sociais (1949)<br />

- Foi professor <strong>de</strong> Inglês, Sociologia e vicediretor<br />

do Externato do Colégio Pedro II<br />

- Um dos membros fundadores e presi<strong>de</strong>nte<br />

da ABE<br />

- Membro do IHGB e da Socieda<strong>de</strong> Capistrano<br />

<strong>de</strong> Abreu<br />

- Professor <strong>de</strong> Sociologia do Instituto <strong>de</strong><br />

Educação<br />

- Diretor do Instituto <strong>de</strong> Pesquisas Educacionais<br />

do Departamento <strong>de</strong> - Educação do<br />

Distrito Fe<strong>de</strong>ral (1931-1934)<br />

- Membro do Conselho Nacional <strong>de</strong> Educação<br />

(1931-)<br />

- Membro da Comissão Brasileira Revisora<br />

dos textos <strong>de</strong> História e Geografia (1936)


Eugène Albertini<br />

* 1888 – † 1941<br />

Copiègne, França<br />

Ècole Normale<br />

Supérieure (1900)<br />

Agregé em Letras<br />

(1903)<br />

História da Civilização<br />

Romana (1936-1938)<br />

L’Empire romain (1929)<br />

L’Afrique romaine (1937)<br />

- Membro da École <strong>de</strong> Hautes Étu<strong>de</strong>s Hispaniques<br />

(1909-1912)<br />

- Professor <strong>de</strong> Língua e Literatura Clássica<br />

na <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Fribourg (1919) e <strong>de</strong><br />

História Antiga na Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras <strong>de</strong><br />

Argel (1920)<br />

- Collége <strong>de</strong> France (1932-1941)<br />

Gilberto Freyre<br />

* 1900 – † 1987<br />

Recife, Pernambuco<br />

Bacharel em Ciências<br />

e Letras do colégio<br />

Gilreath (1917). Bacharel<br />

em Artes pela<br />

Baylor University, em<br />

Waco, Texas (1920).<br />

Mestrado em Ciências<br />

Sociais, Columbia<br />

University, em Nova<br />

York (1922)<br />

Antropologia Social e<br />

Cultural (1935 e Sociologia<br />

(1935-1937)<br />

Casa Gran<strong>de</strong> e Senzala: formação da família<br />

brasileira sob o regime <strong>de</strong> economia patriarcal<br />

(1933)<br />

Sobrados e Mucambos (1936)<br />

Nor<strong>de</strong>ste: aspectos da influência da cana sobre<br />

a vida e a paisagem do Nor<strong>de</strong>ste do Brasil.<br />

(1937)<br />

O mundo que o português criou (1940)<br />

- Professor extraordinário da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong><br />

Stanford, em 1931<br />

- Professor <strong>de</strong> Sociologia da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Direito do Recife, em 1935<br />

- Nomeado membro da Aca<strong>de</strong>mia Portuguesa<br />

<strong>de</strong> História em 1938, pelo presi<strong>de</strong>nte<br />

Oliveira Salazar<br />

Henri Hauser<br />

*1866 – † 1946<br />

Oràn, França<br />

École Normale<br />

Superieure, agrègé d’<br />

histoire et geógraphie<br />

(1888)<br />

Docteur en lettres<br />

(1892)<br />

História Mo<strong>de</strong>rna e<br />

Econômica (1936)<br />

La mo<strong>de</strong>rnité du XVIe siècle (1930)<br />

La prépondérance espagnole (1933)<br />

Le paix économique (1935)<br />

- Professor <strong>de</strong> História Antiga e Medieval na<br />

<strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Clermont-Ferrand, Dijon, Paris<br />

(após 1919)<br />

Isnard Dantas Barreto<br />

História da Ida<strong>de</strong> Média<br />

e Mo<strong>de</strong>rna (1935-1937)<br />

- General, professor do Colégio Militar<br />

Jayme Coelho<br />

* 1887 - <br />

História da Antiguida<strong>de</strong><br />

Formação francesa,<br />

(1935-1939)<br />

estudou na França. 20 e Prática <strong>de</strong> Ensino<br />

Leituras históricas (1932) 21<br />

Hittitas: (esboço historico). (1926) 22 - Catedrático do Instituto <strong>de</strong> Educação. 23<br />

- Membro da Socieda<strong>de</strong> Capistrano <strong>de</strong> Abreu<br />

20 Entrevista com Eremildo Vianna (setembro <strong>de</strong> 1996).<br />

21 Rio <strong>de</strong> Janeiro : Briguiet, 1932. 467p.<br />

22 [Rio <strong>de</strong> Janeiro] : Revista dos Tribunais, 1926. These apresentada a Congregação do Colégio Pedro II para o concurso <strong>de</strong> Historia Geral. 68p.


João Batista<br />

<strong>de</strong> Melo e Sousa<br />

*1888 – † 1969<br />

Queluz, São Paulo<br />

José Maria <strong>de</strong><br />

Albuquerque Belo<br />

*1886 –† 1959<br />

Barreiros - Pernambuco<br />

Luiz Camillo <strong>de</strong> Oliveira<br />

Neto<br />

*1904 – † 1953<br />

Itabira do Mato Dentro,<br />

Minas Gerais<br />

Roberto Ban<strong>de</strong>ira<br />

Accioly<br />

*1910 – † 1999<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro - Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro<br />

Sérgio Buarque <strong>de</strong><br />

Hollanda<br />

*1902 – † 1982<br />

São Paulo - São Paulo<br />

Fez estudos<br />

secundários no<br />

Colégio Pedro II<br />

Direito (Faculda<strong>de</strong> do<br />

RJ – 1910)<br />

Direito<br />

(Faculda<strong>de</strong> Livre <strong>de</strong><br />

Ciências Jurídicas<br />

e Sociais do Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro 1911)<br />

Graduação em Química<br />

Industrial/Escola <strong>de</strong><br />

Engenharia <strong>de</strong> Belo<br />

Horizonte (1924)<br />

Bacharel em Direito<br />

Colégio S. Bento<br />

Direito (Faculda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Direito do Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro 1921-1925<br />

História da Civilização na<br />

América (1936- 1939)<br />

História da Civilização<br />

(para Geografia e Inglês)<br />

(1936 - 1939)<br />

História das Artes e das<br />

Indústrias (1936-1938)<br />

História da do Brasil<br />

(1938-1939)<br />

Professor Assistente <strong>de</strong><br />

História da Civilização<br />

Romana (1936-1939)<br />

Assistente nas ca<strong>de</strong>iras<br />

<strong>de</strong> História Mo<strong>de</strong>rna e<br />

Econômica e Literatura<br />

Comparada (1936-1937)<br />

Professor titular das<br />

ca<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> História da<br />

América e <strong>de</strong> Cultura Luso-Brasileira<br />

(1937-1939)<br />

Majupira: romance brasileiro da atualida<strong>de</strong><br />

(1930-1934) (1938)<br />

Estudantes do meu tempo:<br />

crônicas do antigo Colegio Pedro II. (1943)<br />

Democracia e anti-<strong>de</strong>mocracia (1936)<br />

Inteligência do Brasil: ensaios sobre Machado<br />

<strong>de</strong> Assis, Joaquim Nabuco, Eucli<strong>de</strong>s da Cunha<br />

e Rui Barbosa, síntese da evolução literária do<br />

Brasil (1938)<br />

História da República: primeiro período<br />

1889 - 1902 (1940)<br />

Cesar e a realeza (1941)<br />

História do Brasil<br />

para o exame <strong>de</strong> admissão (1961)<br />

Raízes do Brasil (1936)<br />

Cobra <strong>de</strong> vidro (1944)<br />

- Fundador do Colégio Melo e Sousa<br />

- Catedrático <strong>de</strong> História Geral e do Brasil do<br />

Colégio Pedro II<br />

- Membro da Aca<strong>de</strong>mia Carioca <strong>de</strong> Letras<br />

- Foi diretor da biblioteca da Câmara dos Deputados<br />

- Membro do Conselho Geral da Prefeitura do<br />

Distrito Fe<strong>de</strong>ral em 1937<br />

- Diretor da Casa <strong>de</strong> Rui Barbosa (1934-1936)<br />

- Membro da Socieda<strong>de</strong> Capistrano <strong>de</strong> Abreu<br />

- Chefe da Biblioteca do Itamaraty (1940-1943)<br />

- Diretor do Externato do Colégio Pedro II<br />

- Presi<strong>de</strong>nte do IBGE<br />

- Membro do Conselho Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Educação<br />

- Diretor do setor <strong>de</strong> publicações da Biblioteca<br />

Nacional (1944-1946)<br />

- Diretor do Museu Paulista (1946-1953)


Quadro <strong>de</strong> Professores do curso <strong>de</strong> História e Geografia da FNFi (1939-1955)<br />

Nome e<br />

Naturalida<strong>de</strong><br />

Geografia<br />

Formação Cargo na FNFi Principais Obras Outras Funções<br />

André Gibert<br />

Geografia Humana<br />

(1939-1940)<br />

- Professeur à la Faculte <strong>de</strong>s Lettres <strong>de</strong> Lyon, Géographie.<br />

Professor “tarefeiro”, ausentou-se do país em<br />

1940 24<br />

Arthur Ramos<br />

<strong>de</strong> Araújo Pereira<br />

*1903 –† 1949<br />

Pilar, Alagoas<br />

Doutorou-se em 1926, pela<br />

Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da<br />

Bahia<br />

Antropologia e<br />

Etnografia<br />

(1941-1949)<br />

Primitivo e Loucura (1926)<br />

Cultura e Ethos (1949)<br />

- Atuou na UDF como professor <strong>de</strong> Psicologia Social e<br />

Psicologia Geral<br />

- Fundou a Socieda<strong>de</strong> Brasileira <strong>de</strong> Antropologia e Etnografia,<br />

em 1941<br />

- Foi Chefe do Departamento <strong>de</strong> Ciências Sociais da<br />

UNESCO (1949)<br />

Francis Ruellan<br />

*1894 –† 1975<br />

Especialista em Geomorfologia<br />

com carreira provavelmente<br />

consolidada na<br />

<strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Paris<br />

Professor <strong>de</strong> Geografia<br />

(Curso Especializado)<br />

(1941-1956)<br />

Les métho<strong>de</strong>s mo<strong>de</strong>rnes<br />

d’enseignement <strong>de</strong> la géographie.<br />

(1942)<br />

Expedições geomorfológicas<br />

no território do Rio Branco (1952)<br />

- Dirigia investigações no Conselho Nacional <strong>de</strong> Geografia<br />

e exerceu importantes funções no IBGE<br />

- Promoveu <strong>de</strong> trabalhos <strong>de</strong> campo que permitiram<br />

acumular conhecimento empírico sobre o território<br />

brasileiro e sua ocupação<br />

Hilgard O’ Reilly<br />

Sternberg<br />

*1917<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

Bacharel e Licenciado em<br />

História pela FNFi (1941)<br />

Professor Assistente<br />

<strong>de</strong> Geografia do Brasil<br />

(1942-1944)<br />

Catedrático Interino<br />

<strong>de</strong> Geografia do Brasil<br />

(1944 -)<br />

Contribuição ao Estudo da<br />

Geografia (1946) [Prefácio <strong>de</strong> Pierre<br />

Deffontaines]<br />

Enchentes e movimentos<br />

coletivos do solo no Vale do<br />

Paraíba em <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1948:<br />

influência da exploração <strong>de</strong>strutiva<br />

das terras (1949)<br />

- Foi o primeiro Vice-presi<strong>de</strong>nte da União Geográfica<br />

Internacional<br />

- Foi aluno do curso <strong>de</strong> Geografia da UDF<br />

24 Arquivo Gustavo Capanema, GC g 1936.01.18-I.


Josué Apolônio<br />

<strong>de</strong> Castro<br />

*1908 –† 1973<br />

Recife, Pernambuco<br />

Marina Delamare<br />

São Paulo Vasconcellos<br />

*1912 –† 1973<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

Victor Ribeiro<br />

Leuzinger<br />

Formou-se em Medicina pela<br />

Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong><br />

Medicina, no Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

em 1929. Estágios na <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />

<strong>de</strong> Columbia e no<br />

Medical Center <strong>de</strong> Nova York<br />

Estudou no tradicional<br />

Colégio Jacobina.<br />

Formou-se em direito pela<br />

Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito da<br />

<strong>Universida<strong>de</strong></strong> do<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro (1932-),<br />

Entrou em 1936 para o curso<br />

<strong>de</strong> História da UDF, do qual<br />

requeriu diploma em 1938<br />

Engenheiro<br />

Professor Catedrático<br />

<strong>de</strong> Geografia Humana<br />

(1940-1955)<br />

Assistente <strong>de</strong> Antropologia<br />

e Etnografia<br />

(1941-1949)<br />

Em 1949 foi efetivada<br />

Catedrático Interino<br />

<strong>de</strong> Geografia Física<br />

(1940-1966)<br />

Geografia da Fome (1946)<br />

Geopolítica da Fome (1951)<br />

Alguns movimentos contra-aculturativos<br />

do nor<strong>de</strong>ste. (1949)<br />

Controvérsias geomorfológicas<br />

(1948)<br />

- Professor Catedrático <strong>de</strong> Antropologia da <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />

do Distrito Fe<strong>de</strong>ral, 1935 a 1938<br />

- Foi membro do Conselho Departamental e chefe<br />

do Departamento <strong>de</strong> Geografia, no Brasil no final dos<br />

anos 40 e início dos anos 50<br />

- Ensinava História no Colégio <strong>de</strong> Aplicação<br />

- Foi contratada como professora do Colégio Souza<br />

Aguiar<br />

- Ministrou aulas na Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Filosofia do Instituto<br />

La-Fayette, no cargo <strong>de</strong> Assistente da ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong><br />

Ida<strong>de</strong> Média (1942) e Didática Especial <strong>de</strong> Geografia<br />

e História (1945)<br />

- Foi membro da Congregação, Diretor da FNFi e chefe<br />

do Departamento <strong>de</strong> Geografia<br />

- Possibilitou o direcionamento <strong>de</strong> verbas para congressos,<br />

principalmente para o XVIII Congresso Internacional<br />

<strong>de</strong> Geografia, realizado no Rio <strong>de</strong> Janeiro em<br />

1956, viagens <strong>de</strong> trabalho, cursos diversos e para o<br />

Centro <strong>de</strong> Estudos do Brasil, organizado em 1952 por<br />

Hilgard Stemberg


História<br />

Nome Formação Cargo na FNFi Principal Obra Outras Funções<br />

Antero Manhães<br />

Assistente <strong>de</strong> História Mo<strong>de</strong>rna e<br />

Contemporânea (1940-1953)<br />

Primeiros surtos <strong>de</strong> colonização<br />

e ban<strong>de</strong>irismo (1927)<br />

Limites e conceituação do<br />

Renascimento<br />

(Tese <strong>de</strong> concurso) (1948)<br />

Antoine Bon<br />

*1901-† 1972<br />

História da Antiguida<strong>de</strong> e da Ida<strong>de</strong><br />

Média. (1941-1945)<br />

Note additionnelle sur les<br />

forteresses médiévales <strong>de</strong> la<br />

Grèce centrale (1938)<br />

Introduction générale a<br />

l’histoire <strong>de</strong> l’art (1943)<br />

- Membro da École Française d’Athènes<br />

(EfA) (Ingresso em 1924) 26<br />

- Professeur à la faculte <strong>de</strong>s Lettres <strong>de</strong><br />

Montpellier (Histoire Ancienne et Mediévale)<br />

Carlos Miguel<br />

Delgado <strong>de</strong><br />

Carvalho<br />

*1884 –† 1980<br />

Legação do Brasil<br />

em Paris, França<br />

Direito e Ciências Sociais<br />

(<strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Lousanne /<br />

London School of Economics).<br />

Ecole <strong>de</strong>s Sciencies Politiques,<br />

Paris<br />

Professor <strong>de</strong> Geografia Humana<br />

(1939-1942)<br />

Catedrático Interino <strong>de</strong> História Mo<strong>de</strong>rna<br />

e contemporânea (1943-1945)<br />

Catedrático efetivo <strong>de</strong> História Mo<strong>de</strong>rna<br />

e Contemporânea (1945-1955)<br />

(Ver quadro acima) (Ver quadro acima)<br />

Eremildo Luiz<br />

Viana<br />

*1913 - <br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

Colégio Pedro II (Externato) –<br />

Bacharel em Ciências e Letras<br />

(1932)<br />

Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito do Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro (1933-) 25<br />

Foi aluno <strong>de</strong> História da UDF,<br />

mas não terminou o curso,<br />

saindo em 1937<br />

Assistente da ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> História<br />

da Antiguida<strong>de</strong> e da Ida<strong>de</strong> Média<br />

(1941-1945)<br />

Em 1944 assume a cátedra por <strong>de</strong>cisão<br />

do CTA e em 1946 prestou concurso<br />

para o qual foi aprovado<br />

História da Civilização (1941)<br />

Uma Fase do imperialismo<br />

romano: a guerra <strong>de</strong> Roma<br />

contra Jugurta (1945)<br />

- Professor do Colégio Pedro II, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

1936<br />

- Foi eleito diretor da Faculda<strong>de</strong> Nacional<br />

<strong>de</strong> Filosofia em 1957<br />

- Membro da Socieda<strong>de</strong> Capistrano <strong>de</strong><br />

Abreu<br />

25 Ver a seguinte lista <strong>de</strong> membros: http://www.efa.gr/histoire/membresEfa.pdf (acesso em 31 mar 2008)<br />

26 FÁVERO, Maria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s. Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia. Depoimentos. n.º 5. UFRJ/PROEDES Março <strong>de</strong> 1992


Eulália Lahmeyer<br />

Lobo<br />

*1924<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

Hélio Vianna<br />

*1908 –† 1972<br />

Belo Horizonte,<br />

Minas Gerais<br />

Colégio Jacobina;<br />

Graduação em História e<br />

Geografia pela Faculda<strong>de</strong><br />

Nacional <strong>de</strong> Filosofia da UB<br />

(1940-1944)<br />

Bacharel em Ciências<br />

Jurídicas e Sociais diplomado<br />

pela Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito<br />

da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro (1932)<br />

Assistente da Ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong><br />

História da América (1952-1958)<br />

Regente da Ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong><br />

História da América (1958-1964)<br />

Catedrática Interina da Ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong><br />

História da América (1967-1968)<br />

Catedrático interino <strong>de</strong> História do<br />

Brasil (1939-1945)<br />

Catedrático Efetivo <strong>de</strong> História do<br />

Brasil (1946-1968)<br />

Administração colonial<br />

luso-espanhola nas Américas<br />

(1952)<br />

Caminho <strong>de</strong> Chiquitos as<br />

missões guaranis: <strong>de</strong> 1690 a<br />

1718: ensaio interpretativo<br />

(Tese <strong>de</strong> livre docência - Faculda<strong>de</strong><br />

Nacional <strong>de</strong> Filosofia,<br />

1957)<br />

Formação Brasileira. (1935)<br />

Contribuição À História<br />

da Imprensa Brasileira<br />

1812-1869 (1945)<br />

Da maiorida<strong>de</strong> a conciliação:<br />

1840-1857: síntese <strong>de</strong> historia<br />

política e bibliografia do<br />

período (1945)<br />

Tese <strong>de</strong> concurso à cátedra<br />

<strong>de</strong> professor <strong>de</strong> História do<br />

Brasil.<br />

História do Brasil (1961/1962)<br />

- Professora do Colégio Pedro II<br />

( 957-1968)<br />

- Membro efetivo da Socieda<strong>de</strong> Capistrano<br />

<strong>de</strong> Abreu<br />

- Em junho <strong>de</strong> 1934, passou a lecionar história<br />

do Brasil nos cursos promovidos pelo<br />

Departamento <strong>de</strong> Doutrina da província<br />

da Guanabara.<br />

- Em outubro <strong>de</strong> 1934 se candidatou a um<br />

mandato parlamentar na legenda da AIB,<br />

mas não obteve sucesso<br />

- Membro do Instituto <strong>de</strong> Estudos Brasileiros<br />

(1938)<br />

- Em 1941 assumiu a cátedra <strong>de</strong> História da<br />

América na Pontifícia <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Católica<br />

do Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

- Pertenceu à Aca<strong>de</strong>mia Brasileira <strong>de</strong> História<br />

e foi sócio do IHGB<br />

- Foi membro da Comissão <strong>de</strong> Estudos <strong>de</strong><br />

Textos da História do Brasil, do Ministério<br />

das Relações Exteriores e da Comissão<br />

Diretora <strong>de</strong> Publicações da Biblioteca do<br />

Exército


Maria Yedda<br />

Linhares<br />

*1921<br />

Fortaleza, Ceará<br />

Sílvio Julio <strong>de</strong> Albuquerque<br />

Lima<br />

*1895 –† 1984<br />

Recife,<br />

Pernambuco<br />

Victor Marie<br />

Lucien Tapié<br />

*1898 –† 1975<br />

Paris, França<br />

Parte da Graduação<br />

Centenary Junior<br />

College, CJC, Estados Unidos<br />

(1940-1941)<br />

Parte da Graduação<br />

Barnard College, BC,<br />

Estados Unidos (1941-1942)<br />

Graduação em História pela<br />

<strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil (1943).<br />

Graduação em Geografia<br />

pela <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil<br />

(1944)<br />

Doutorado em História Mo<strong>de</strong>rna<br />

e Contemporânea pela<br />

<strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil (1954)<br />

Colégio Militar (1908-1913),<br />

Bacharelado em Direito pela<br />

Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ciências Jurídicas<br />

e Sociais do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

(1914), on<strong>de</strong> não pô<strong>de</strong><br />

terminar o curso concluindoo<br />

em Porto Alegre (1918)<br />

Doutorado na Sorbonne<br />

(1934)<br />

Assistente <strong>de</strong> História Mo<strong>de</strong>rna<br />

e Contemporânea (1944-1954)<br />

Em 1955 é nomeada<br />

catedrática interina<br />

Em 1957 após ser aprovada em concurso<br />

assumiu efetivamente a cátedra<br />

Professor catedrático interino <strong>de</strong><br />

História da América (1941-1945)<br />

Professor catedrático efetivo <strong>de</strong><br />

História da América (1945-1960)<br />

Professor <strong>de</strong> História Mo<strong>de</strong>rna<br />

e Contemporânea (1941-1942)<br />

As Relações anglo-egípcias<br />

e o Sudão:<br />

(março 1950-novembro 1951)<br />

A queda <strong>de</strong> Delcassé:<br />

aspectos das origens da<br />

guerra <strong>de</strong> 1914. (1956)<br />

História da Agricultura<br />

Brasileira: combates e<br />

controvérsias (1981)<br />

História Geral do Brasil (1990)<br />

Cérebro e Coração <strong>de</strong> Bolívar<br />

(1931)<br />

Terra e povo do Ceará (1936)<br />

Toda a América (1939)<br />

Escritores da Colômbia e<br />

Venezuela (1942)<br />

La politique étrangère <strong>de</strong> la<br />

France et le début <strong>de</strong> la guerre<br />

<strong>de</strong> trente ans (1616-1621)<br />

(1934)<br />

Histoire <strong>de</strong> l’Amérique Latine<br />

dans le XIX ème siècle (1946)<br />

Barroco e Classicismo (1974)<br />

- Deu aula <strong>de</strong> Língua Portuguesa no<br />

Barnard’s College, CJC, EUA (1941-1942) e<br />

no Middlebury College, MC, Estados Unidos<br />

(1941-1942)<br />

- Trabalhou no DASP como Técnica <strong>de</strong> Pessoal<br />

(1944-1945)<br />

- Ministrou aulas no Instituto Rio Branco<br />

(1957)<br />

- Quando houve o golpe militar, era Diretora<br />

do Serviço <strong>de</strong> Radiodifusão Educativa<br />

(Rádio MEC) (1963-1964)<br />

- Fez teste para maitre <strong>de</strong> conférence na<br />

Sorbonne, em 1939, mas não foi aprovado


Marieta <strong>de</strong> Moraes Ferreira<br />

Referências<br />

BARBOSA, Rosângela Carvalho. O projeto da UDF e a formação <strong>de</strong> Intelectuais<br />

na década <strong>de</strong> 30. Dissertação (Mestrado) - Instituto <strong>de</strong> Filosofia e Ciências Sociais,<br />

<strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 1996.<br />

BLOCH, Marc e FEBVRE, Lucien. Correspon<strong>de</strong>nce 1928-1933. Paris: Fayard, 1994.<br />

v1.<br />

BOURDIEU,Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva,1974.<br />

CHARLES, Christophe. La republique <strong>de</strong>s universitaires. 1870-1940. Paris: Seuil,<br />

1979.<br />

FÁVERO, Maria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Albuquerque. A Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia, RJ:<br />

1939-1968: o projeto possível. Rio <strong>de</strong> Janeiro: UFRJ / PROEDES, [19_ _ ].<br />

______. A <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Distrito Fe<strong>de</strong>ral: 1935-1939: centro <strong>de</strong> estudos e produção<br />

do saber. Rio <strong>de</strong> Janeiro, mimeografado.<br />

FERREIRA, Marieta <strong>de</strong> Moraes. Les professeurs français et l’enseignement <strong>de</strong><br />

l’histoire à Rio <strong>de</strong> Janeiro pendant les annés 1930. In: CROUZET, François et al.<br />

(Org.). Paris: L´harmattan, 2002.<br />

_______ . A ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> história mo<strong>de</strong>rna e contemporânea: um espaço <strong>de</strong> crítica e<br />

renovação do ensino da história. In: SILVA, Francisco Carlos Teixeira da; MATTOS,<br />

Hebe Maria ; FRAGOSO, João. (Org.) Escritos sobre história e educação: homenagem<br />

à Maria Yedda Linhares. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Mauad: FAPERJ, 2001. p. 553-568.<br />

_______. Notas sobre a institucionalização do ensino <strong>de</strong> história no Rio <strong>de</strong> Janeiro In:<br />

GUIMARÃES, Manoel Salgado. Estudos sobre a escrita da história. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />

Sete Letras, 2007. p. 139-161.<br />

FREITAS, Sônia Maria. Reminiscências. São Paulo: Maltese, 1993.<br />

GOMES, Ângela <strong>de</strong> Castro. História e historiadores: a política cultural do Estado<br />

Novo. Rio <strong>de</strong> Janeiro: FGV, 1996.<br />

GUIMARÃES, Lúcia Maria Paschoal. Política e mecenato. Rio <strong>de</strong> Janeiro, 1998.<br />

mimeografado.<br />

266


Perfis e trajetórias dos professores universitários <strong>de</strong> História no Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />

GUIMARÃES, Manoel Luís Salgado. Entre amadorismo e profissionalismo: as<br />

tensões da prática histórica no século XIX. In: Topoi. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Programa <strong>de</strong><br />

Pós-Graduação em História Social da UFRJ / 7 Letras, n. 5, p. 184-200, set. 2002.<br />

HAUSER, Henri. L’enseignement <strong>de</strong>s sciences sociales. Paris: Chevalier-Marescq et<br />

Cie, 1903.<br />

LEFEVRE, Jean Paul. Les missions universitaires françaises au Brésil dans les<br />

années 1930. Vingtième Siècle: Revue d’histoire, n. 38, avril – juin.1993.<br />

MACHADO, Mônica Sampaio. A geografia universitária carioca e o campo científico<br />

disciplinar da geografia brasileira, 2002. Tese (Doutorado) - <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> São<br />

Paulo, São Paulo, 2002.<br />

MASSI, Fernanda Peixoto. Estrangeiros no Brasil: a missão francesa na <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />

<strong>de</strong> São Paulo, 1991. Dissertação (Mestrado). <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Campinas, Campinas,<br />

1991.<br />

MATTOS, Ilmar Rohloff. (Org.). Histórias do ensino da história no Brasil. Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro: Access, 1999.<br />

MELLO FRANCO, Affonso Arinos <strong>de</strong>. Síntese da história econômica do Brasil.<br />

Salvador: Progresso: UFBA, 1958.<br />

MICELI, Sérgio (Org.). História das ciências sociais. São Paulo: Sumaré, 1995. v.2.<br />

p. 223-307.<br />

NOIRIEL, Gérard. Naissance du métier d’historien. Genêses, n.1, sept, 1990.<br />

OLIVEIRA, Lúcia Lippi. As ciências sociais no Rio <strong>de</strong> Janeiro. In: MICELI, Sérgio.<br />

História das Ciências Sociais. São Paulo: Sumaré, 1995. v.2. p. 223-307.<br />

RESNIK, Luis. Tecendo o amanhã: a história do Brasil no ensino secundário:<br />

programas e livros didáticos: 1931 a 1945. Dissertação (Mestrado) - <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />

Fe<strong>de</strong>ral Fluminense, Niterói, 1992.<br />

267


SCHWARTZMAN, Simon; BOMENY, Helena; COSTA, Vanda Ribeiro (1984) Tempos<br />

<strong>de</strong> Capanema. 2. ed. São Paulo: Paz e Terra; Rio <strong>de</strong> Janeiro: Fundação Getúlio<br />

Vargas, 2000.<br />

VICENZI, Lectícia Josephina Braga <strong>de</strong>. A fundação da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Distrito<br />

Fe<strong>de</strong>ral e seu significado para a educação no Brasil. Forum Educacional. Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro, v.10, n.3, jul./set. 1986.<br />

268


Introdução<br />

A Preservação da memória através das<br />

coleções pessoais <strong>de</strong>positadas na UFRJ:<br />

o caso da Coleção Afonso Carlos<br />

Marques dos Santos<br />

José Tavares da Silva Filho<br />

Rosane Cristina <strong>de</strong> Oliveira<br />

Andréa Côrtes Torres<br />

Os <strong>lugares</strong> <strong>de</strong> memória e <strong>de</strong> preservação da memória encontram<br />

nos acervos pessoais adquiridos pelas universida<strong>de</strong>s, espaço<br />

<strong>de</strong> lembranças, conforme chamou a atenção Pierre Nora (1993),<br />

mais um lugar <strong>de</strong> memória, “porque não há mais meios <strong>de</strong> memória”.<br />

A problemática instala-se na dificulda<strong>de</strong> em lidar e cuidar <strong>de</strong>sses<br />

“<strong>lugares</strong> <strong>de</strong> memória”, e é neste sentido que o presente trabalho<br />

preten<strong>de</strong> trazer à luz para a discussão a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se pensar<br />

melhores alternativas para o tratamento dos acervos pessoais recebidos<br />

pelas universida<strong>de</strong>s, tendo como estudo <strong>de</strong> caso a <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />

Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

Os profissionais da área <strong>de</strong> biblioteconomia e gestão da informação,<br />

geralmente encarregados <strong>de</strong> receber e manipular esses<br />

acervos, em sua maioria estão distantes da discussão e da importância<br />

<strong>de</strong>sses <strong>lugares</strong> <strong>de</strong> memória e, em alguns casos, o tratamento<br />

<strong>de</strong>stinado a esses acervos confun<strong>de</strong>-se com as <strong>de</strong>mais obras da<br />

biblioteca.<br />

Lugar, memória e história<br />

As questões que envolvem lugar, memória e história vêm sendo<br />

objeto <strong>de</strong> vários estudos, especialmente <strong>de</strong> historiadores como<br />

Pierre Nora, Jacques Le Goff e Afonso Carlos Marques dos Santos.<br />

269


José Tavares da S. Filho, Rosane C. <strong>de</strong> Oliveira, Andréa C. Torres<br />

Pierre Nora (1993) centralizou a discussão na problemática dos <strong>lugares</strong><br />

<strong>de</strong> memória, e ele afirma que “há locais <strong>de</strong> memória porque<br />

não há mais meio <strong>de</strong> memória”, e é com o advento da socieda<strong>de</strong> industrial<br />

que as tradições, costumes e a repetição ancestral, enquanto<br />

meios <strong>de</strong> perpetuar a memória, per<strong>de</strong>m sentido e espaço.<br />

Memória e história, não se confun<strong>de</strong>m. Na concepção <strong>de</strong> Nora<br />

(1993) a primeira é “a vida”, em permanente construção e evolução,<br />

e a segunda, é a tentativa <strong>de</strong> reconstrução incompleta do que não<br />

existe mais. A negativida<strong>de</strong> da história estaria na <strong>de</strong>struição da memória<br />

espontânea e a <strong>de</strong>struição do “passado vivido”, uma vez que,<br />

a cada movimento histórico, a socieda<strong>de</strong> que se forma e suplanta<br />

a anterior ao mesmo tempo <strong>de</strong>strói e reconstrói os meios <strong>de</strong> legitimar-se,<br />

o movimento da história, a ambição histórica não são a<br />

exaltação do que verda<strong>de</strong>iramente aconteceu, mas sua anulação.<br />

Sem dúvida um criticismo generalizado conservaria<br />

mu<strong>seus</strong>, medalhas e monumentos, isto é, o arsenal necessário<br />

ao seu próprio trabalho, mas esvaziando-os daquilo que,<br />

a nosso ver, os faz <strong>lugares</strong> <strong>de</strong> memória. Uma socieda<strong>de</strong> que<br />

vivesse integralmente sob o signo da história não conheceria,<br />

afinal, mais do que uma socieda<strong>de</strong> tradicional, <strong>lugares</strong> on<strong>de</strong><br />

ancorar sua memória. (Nora, 1993: p. 9)<br />

Mas, a partir do momento em que dizemos que algo simboliza<br />

a memória, para Nora (1993) significa que aquela memória não<br />

existe mais e que já se transformou em história. Neste sentido, a necessida<strong>de</strong><br />

dos arquivos, acervos, entre outros <strong>lugares</strong> <strong>de</strong> memória,<br />

é um movimento contemporâneo que tenta preservar o passado<br />

e o presente. O autor lança uma crítica interessante aos profissionais<br />

que cuidavam da preservação da informação e apren<strong>de</strong>ram “a<br />

arte da <strong>de</strong>struição controlada”. Mas reconhece que no presente os<br />

profissionais, especialmente os que atuam em instituições privadas,<br />

recebem recomendações para guardar tudo. Se no passado os produtores<br />

<strong>de</strong> arquivos eram as gran<strong>de</strong>s famílias, a igreja e o Estado,<br />

270


A Preservação da memória através das coleções pessoais <strong>de</strong>positadas na UFRJ:<br />

o caso da Coleção Afonso Carlos Marques dos Santos<br />

atualmente cresce o número <strong>de</strong> indivíduos que guardam e registram<br />

suas memórias. O arquivo é o elemento principal quando se<br />

pensa em preservação da memória na socieda<strong>de</strong> pós-mo<strong>de</strong>rna.<br />

As bibliotecas, igualmente, só se tornam <strong>lugares</strong> <strong>de</strong> memória se a<br />

imaginação investir em uma aura simbólica. Daí a idéia da criação<br />

<strong>de</strong> campo simbólico, conforme chamou a atenção Pierre Bourdieu<br />

(2000), e neste caso as bibliotecas compõem um universo simbólico<br />

<strong>de</strong> preservação da memória, individual e coletiva.<br />

Um lugar <strong>de</strong> memória : os acervos bibliográficos das<br />

Instituições <strong>de</strong> Ensino Superior do Brasil<br />

A formação e o <strong>de</strong>senvolvimento dos acervos bibliográficos tiveram<br />

início com a transferência da Corte portuguesa para o Brasil,<br />

em 1808. Em 18 <strong>de</strong> fevereiro do mesmo ano foi assinado um <strong>de</strong>creto<br />

prevendo a criação da primeira Escola Médico-Cirúrgica do Brasil,<br />

na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salvador, Bahia, que passou a funcionar no prédio dos<br />

jesuítas on<strong>de</strong> já havia um hospital militar (Calmon, 1952). Esse ato<br />

resultou em transformações que <strong>de</strong>ram especificida<strong>de</strong> à História<br />

da América portuguesa, abrangendo não só o âmbito econômico<br />

como também o cultural, resultando na fundação <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong><br />

instituições. Entre essas instituições, <strong>de</strong>sçamos a criação das primeiras<br />

Escolas Superiores como um elemento fundamental para o patrimônio<br />

1 cultural brasileiro.<br />

Além das Escolas Superiores, o professor Maurício Joppert<br />

da Silva (1950, p.37) chamou a atenção para o processo <strong>de</strong> criação<br />

<strong>de</strong> uma universida<strong>de</strong> no Brasil, como resultado da instauração do<br />

Convento <strong>de</strong> Santo Antônio por religiosos franciscanos, <strong>de</strong>stacando<br />

que<br />

1 A <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> patrimônio, no dicionário da língua portuguesa Houaiss, diz respeito<br />

ao “conjunto <strong>de</strong> bens naturais ou culturais <strong>de</strong> importância reconhecida num<br />

<strong>de</strong>terminado lugar, região, país ou mesmo para a humanida<strong>de</strong>, que passa por um<br />

processo <strong>de</strong> tombamento para que seja protegido e preservado”. (Houaiss, 2004,<br />

p.2151)<br />

271


José Tavares da S. Filho, Rosane C. <strong>de</strong> Oliveira, Andréa C. Torres<br />

a primeira idéia <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> uma universida<strong>de</strong> no Brasil<br />

parece ter partido dos religiosos franciscanos, do Convento <strong>de</strong><br />

Santo Antonio, no Rio <strong>de</strong> Janeiro, no século XVIII, o qual <strong>de</strong>veria<br />

compreen<strong>de</strong>r cursos <strong>de</strong> teologia, filosofia, retórica, hebreu,<br />

grego, latim, entre outros. O plano foi aprovado por alvará <strong>de</strong><br />

11 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1776, mas a idéia não teve andamento.<br />

Segundo (Fávero, 2000), a segunda tentativa para a criação<br />

<strong>de</strong> uma universida<strong>de</strong> no Brasil <strong>de</strong>u-se na Inconfidência Mineira. As<br />

referências po<strong>de</strong>m ser observadas nos documentos que integram<br />

parte dos Autos da <strong>de</strong>vassa da Inconfidência Mineira (Brasil, MES,<br />

1936). Ainda em 1808, D. João VI criou os primeiros Cursos ou Aulas<br />

nas cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Salvador e do Rio <strong>de</strong> Janeiro, que mais tar<strong>de</strong>, em<br />

1832, constituiriam a Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina. Após a criação dos<br />

cursos médicos, o imperador vislumbrou a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> instalação<br />

<strong>de</strong> um curso ou Escola que formasse militares e engenheiros<br />

(Lobo, 1980).<br />

Em 4 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1810 foi inaugurada a Aca<strong>de</strong>mia Real<br />

Militar, que mais tar<strong>de</strong>, em 1839 receberia o nome <strong>de</strong> Escola Militar.<br />

Em 1858, Escola Central, e em 1874, após várias modificações passou<br />

a chamar-se Escola Polythecnica.<br />

Após a chegada da Missão Francesa, chefiada por Joaquim Lebreton,<br />

em 1816 foi criada a Escola Real <strong>de</strong> Ciências, Artes e Ofícios,<br />

que após o processo <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência, passou a chamar-se Imperial<br />

Aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> Belas Artes. Já o Museu Nacional teve origem a<br />

partir do Gabinete <strong>de</strong> História Natural, fundado em 1782, pelo vicerei<br />

D. Luís <strong>de</strong> Vasconcelos. Em junho <strong>de</strong> 1818, D. João VI transformou<br />

em Museu Real, inicialmente sediado no Campo <strong>de</strong> Sant´Ana e, em<br />

1892, foi transferido para a Quinta da Boa Vista.<br />

Nos últimos anos do império, em 1882 foi criada a Faculda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Ciências Jurídicas e Sociais, e em 1891, a Faculda<strong>de</strong> Livre <strong>de</strong><br />

Direito da Capital Fe<strong>de</strong>ral, ambas <strong>de</strong> iniciativa privada e reconhecida<br />

pelo Decreto 639 <strong>de</strong> 31 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1891. No Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />

em 7 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1920, foi a criada a <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro, através do Decreto 14.343, sancionado pelo presi<strong>de</strong>nte<br />

Epitácio Pessoa.<br />

272


A Preservação da memória através das coleções pessoais <strong>de</strong>positadas na UFRJ:<br />

o caso da Coleção Afonso Carlos Marques dos Santos<br />

Após o breve comentário acerca da formação dos primeiros<br />

cursos ao longo do regime imperial do século XIX, <strong>de</strong>stacamos a<br />

criação da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil, atual <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro. Nesta universida<strong>de</strong> estão abrigadas várias coleções pessoais<br />

nas bibliotecas das unida<strong>de</strong>s da instituição. Como testemunho<br />

da lembrança, as coleções pessoais <strong>de</strong>positadas nas bibliotecas da<br />

UFRJ representam e atuam como um instrumento <strong>de</strong> reconstrução<br />

da memória <strong>de</strong> bibliógrafos e colecionadores, registrando o saber<br />

individual e subjetivo, transformando-o em social e coletivo, materializando<br />

a memória, <strong>de</strong>mocratizando as informações até então<br />

dispersas e muitas vezes não preservadas.<br />

Em um país como o Brasil, a preocupação com questão da preservação<br />

assumiu maior <strong>de</strong>staque em fins do século XX. As instituições<br />

que hoje são <strong>de</strong>tentoras <strong>de</strong> coleções pessoais investem-se no<br />

simbolismo e na lembrança, garantindo assim, a interação históriamemória.<br />

Neste sentido, reportamo-nos a Pierre Nora,<br />

O que nós chamamos <strong>de</strong> memória é, <strong>de</strong> fato, a constituição<br />

gigantesca e vertiginosa do estoque material daquilo que<br />

nos é impossível lembrar, repertório insondável daquilo que<br />

po<strong>de</strong>ríamos ter necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nos lembrar. ... À medida em<br />

que <strong>de</strong>saparece a memória tradicional, nós nos sentimos obrigados<br />

a acumular religiosamente vestígios, testemunhos, documentos,<br />

imagens, discursos, sinais visíveis do que foi, como<br />

se esse dossiê cada vez mais prolífero <strong>de</strong>vesse se tornar prova<br />

em não se sabe que tribunal da história... (Nora, 1993 : 15)<br />

As coleções pessoais na UFRJ: um estudo <strong>de</strong> caso<br />

Em 14 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1950, as novas instalações da Biblioteca<br />

Central foram inauguradas no Palácio Universitário da Praia<br />

Vermelha. A partir daí, o acervo foi sendo formado por doações e<br />

aquisições <strong>de</strong> coleções pessoais, <strong>de</strong>stacando-se as que pertence-<br />

273


José Tavares da S. Filho, Rosane C. <strong>de</strong> Oliveira, Andréa C. Torres<br />

ram a Ramalho Ortigão, Afrânio Coutinho, Olegário Mariano, Rodolfo<br />

Garcia, Adyr Guimarães e Antônio Monteiro <strong>de</strong> Barros 2 Destas<br />

coleções, a <strong>de</strong> maior visibilida<strong>de</strong> é a <strong>de</strong> Adyr Guimarães, constituída<br />

por obras com <strong>de</strong>dicatórias <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong>s renomadas na área<br />

<strong>de</strong> literatura e ciências sociais. Em 1969, a pedido do Prof. Afrânio<br />

Coutinho, estas coleções foram transferidas para a Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Letras da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro. A coleção está<br />

<strong>de</strong>positada na Seção <strong>de</strong> Obras Raras da Biblioteca da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Letras.<br />

Ainda na biblioteca <strong>de</strong>sta Faculda<strong>de</strong>, outras coleções <strong>de</strong> valor<br />

histórico-cultural estão separadas do acervo acadêmico, como a Coleção<br />

Celso Cunha, adquirida em 1990 pelo valor <strong>de</strong> U$ 500.000,00<br />

(quinhentos mil dólares). O acervo é composto <strong>de</strong> 25.000 exemplares,<br />

entre livros, periódicos, medalhas e diplomas, abrangendo as<br />

áreas <strong>de</strong> filologia, lingüística, medievalismo, entre outras. As obras<br />

raras estão sediadas em um espaço reconstituído com mobiliário<br />

do escritório do professor Celso Cunha. Sua biblioteca <strong>de</strong>staca-se,<br />

ainda, por possuir as primeiras edições dos assuntos citados acima<br />

e os primeiros dicionários da língua portuguesa. Outra coleção <strong>de</strong><br />

peso, a Coleção Afrânio Coutinho, chegou à universida<strong>de</strong> em 1994 e<br />

integra mais <strong>de</strong> 100.000 (cem mil) volumes incluindo livros, periódicos<br />

e artigos <strong>de</strong> jornais nas áreas <strong>de</strong> literatura brasileira e universal,<br />

arte e literatura barroca, crítica literária, manuscritos, documentos<br />

raros, obras raras e autografadas. A partir <strong>de</strong> um projeto elaborado<br />

pela biblioteca da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras da UFRJ, e com financiamento<br />

da Fundação Vitae, foi criado o Centro <strong>de</strong> Estudos Afrânio Coutinho<br />

- CEAC.<br />

Reconhecida internacionalmente, a Biblioteca do Museu Nacional,<br />

fundada em 1863, abriga a Coleção Thereza Cristina, oriunda<br />

da Biblioteca <strong>de</strong> D. Pedro II, doada ao Museu Nacional em fins do século<br />

XIX, quando a família real partiu para o exílio em 1889. Outras<br />

2 As informações sobre a vida e obra <strong>de</strong>stes letrados estão disponíveis na página<br />

eletrônica da Aca<strong>de</strong>mia Brasileira <strong>de</strong> Letras. (www.abl.br)<br />

274


A Preservação da memória através das coleções pessoais <strong>de</strong>positadas na UFRJ:<br />

o caso da Coleção Afonso Carlos Marques dos Santos<br />

obras da imperatriz chegaram à biblioteca por meio do acervo da<br />

Comissão Científica <strong>de</strong> Exploração voltada para as ciências naturais.<br />

Atualmente, essa importante e rara biblioteca pessoal está incorporada<br />

à seção <strong>de</strong> obras raras da biblioteca.<br />

Em meados <strong>de</strong> 2004, a Biblioteca Pedro Calmon do Fórum <strong>de</strong><br />

Ciência e Cultura da UFRJ, antiga Biblioteca Central da <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />

do Brasil, recebeu, através <strong>de</strong> doação, o acervo pessoal do historiador<br />

Afonso Carlos Marques dos Santos, professor titular da ca<strong>de</strong>ira<br />

<strong>de</strong> Teoria e Metodologia da História do Instituto <strong>de</strong> Filosofia e Ciências<br />

Sociais da UFRJ e coor<strong>de</strong>nador do Fórum <strong>de</strong> Ciência e Cultura<br />

(1999 a 2002), falecido em maio <strong>de</strong> 2004.<br />

A coleção é constituída <strong>de</strong> aproximadamente 10 mil volumes<br />

<strong>de</strong> livros e documentos em diversos suportes, sendo o resultado<br />

das aquisições realizadas ao longo <strong>de</strong> trinta anos <strong>de</strong> <strong>de</strong>dicação à<br />

docência e à pesquisa histórica. O acervo reúne títulos <strong>de</strong> extrema<br />

relevância em diversos idiomas, predominando o português, o espanhol,<br />

o inglês, além do francês, cobrindo os campos <strong>de</strong> estudo<br />

em torno da História do Rio <strong>de</strong> Janeiro, História do Brasil, História<br />

<strong>de</strong> Portugal, História da Cida<strong>de</strong> e Patrimônio Cultural, Teoria, Historiografia<br />

e Metodologia da História, História da Arte, ou, Arquitetura<br />

e Literatura oci<strong>de</strong>ntal clássica. Há que se ressaltar no acervo<br />

obras autografadas, edições esgotadas e únicas adquiridas em livrarias<br />

especializadas no Brasil, Europa, Estados Unidos da América<br />

e Argentina, bem como títulos <strong>de</strong> autoria do próprio colecionador.<br />

Destacam-se, na coleção, obras iconográficas que relatam as transformações<br />

urbanas da cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro nos séculos XIX e XX<br />

constituindo assim, uma coleção <strong>de</strong> preciosida<strong>de</strong>s.<br />

Posteriormente à doação, foi <strong>de</strong>senvolvido um projeto objetivando<br />

garantir a incorporação da coleção, como conjunto não<strong>de</strong>smembrável,<br />

ao acervo da Biblioteca Pedro Calmon do FCC,<br />

localizada no Campus da Praia Vermelha, integrada ao <strong>Sistema</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>Bibliotecas</strong> e Informação - SiBI da UFRJ, segundo vonta<strong>de</strong> expressa<br />

do próprio professor. Trata-se <strong>de</strong> garantir a preservação <strong>de</strong> valioso<br />

275


José Tavares da S. Filho, Rosane C. <strong>de</strong> Oliveira, Andréa C. Torres<br />

acervo documental na cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro e na <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />

on<strong>de</strong> ele atuou, <strong>de</strong> forma a assegurar fontes para a pesquisa acadêmica<br />

no campo da história e da cultura, disponibilizando via internet<br />

na Base Minerva - <strong>Sistema</strong> <strong>de</strong> Documentação da UFRJ do SiBI<br />

(www.minerva.ufrj.br), bem como consulta local. O projeto recebeu<br />

financiamento da Fundação Universitária José Bonifácio e o apoio<br />

da Pró-Reitoria <strong>de</strong> Graduação, do <strong>Sistema</strong> <strong>de</strong> <strong>Bibliotecas</strong> e Informação<br />

da UFRJ e da Associação Nacional <strong>de</strong> História-RJ (ANPUH). Os<br />

trabalhos foram concluídos em outubro <strong>de</strong> 2007, quando <strong>de</strong>u-se a<br />

reabertura da Biblioteca com a apresentação da Coleção à comunida<strong>de</strong><br />

acadêmica e também o lançamento do livro pela Ed. UFRJ<br />

- A invenção do Brasil: ensaios <strong>de</strong> história e cultura, <strong>de</strong> Afonso<br />

Carlos Marques dos Santos.<br />

Metodologia<br />

A metodologia adotada foi dividida em 6 fases, <strong>de</strong> acordo com<br />

o objetivo do projeto e a importância das obras.<br />

Na 1ª fase os documentos foram i<strong>de</strong>ntificados e selecionados<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> suas categorias, a saber: documentos pessoais e<br />

coleção bibliográfica. Nessa fase, iniciou-se o trabalho <strong>de</strong> inventário,<br />

separando os documentos pessoais em caixas, i<strong>de</strong>ntificando-os<br />

por tipo para futuramente serem tratados. Na 2ª fase iniciou-se a<br />

pesquisa da coleção bibliográfica na Base Minerva da UFRJ (www.<br />

minerva.ufrj.br), buscando i<strong>de</strong>ntificar se as obras já haviam sido incluídas<br />

na Base por outra biblioteca do <strong>Sistema</strong>. Já na 3ª. fase, as<br />

obras não encontradas na Base Minerva, foram pesquisadas nos<br />

principais catálogos on line das bibliotecas universitárias relevantes<br />

às áreas e idiomas da coleção, na Biblioteca Nacional e nas principais<br />

bibliotecas nacionais do mundo, i<strong>de</strong>ntificando no verso da<br />

folha <strong>de</strong> rosto da obra as informações referentes à pesquisa.<br />

As principais bibliotecas pesquisadas foram : <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral<br />

do Rio <strong>de</strong> Janeiro, Fundação Biblioteca Nacional, <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />

<strong>de</strong> São Paulo, <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Campinas, <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Brasília,<br />

276


A Preservação da memória através das coleções pessoais <strong>de</strong>positadas na UFRJ:<br />

o caso da Coleção Afonso Carlos Marques dos Santos<br />

Library of Congress, The British Library, Bibliothèque Nationale <strong>de</strong><br />

France, Biblioteca Nacional <strong>de</strong> Portugal, Biblioteca Nacional da Espanha,<br />

Biblioteca Nacional da Argentina e Karlsruhe Virtual Catalog<br />

Standard version English.<br />

A metodologia <strong>de</strong> pesquisa adotada foi inovadora na UFRJ, e<br />

teve como objetivo verificar o valor da coleção através da duplicida<strong>de</strong><br />

ou não das obras nos acervos das principais bibliotecas das<br />

Instituições <strong>de</strong> Ensino Superior do Brasil, na Biblioteca Nacional do<br />

Brasil e nas maiores <strong>Bibliotecas</strong> <strong>de</strong>positárias <strong>de</strong> acervos do mundo.<br />

Há <strong>de</strong> se ressaltar que, através <strong>de</strong>ssa pesquisa, foi possível comprovar<br />

que muitas obras da Coleção Afonso Carlos Marques dos Santos<br />

não estão <strong>de</strong>positadas nas bibliotecas nacionais do país <strong>de</strong> origem<br />

da edição, outras são únicas nos acervos pesquisados. Toda a pesquisa<br />

realizada servirá para uma futura avaliação <strong>de</strong>sse valioso acervo,<br />

abrindo campo para outras análises.<br />

Na 4ª. fase, tendo findado a pesquisa bibliográfica, foi efetuado<br />

o processamento técnico das obras na Base Minerva da UFRJ , preparando<br />

o livro para consulta com a inclusão das etiquetas e do Ex-<br />

Libris, criado especialmente para esta coleção. A 5ª. fase do projeto<br />

foi a elaboração <strong>de</strong> um link na página da Biblioteca Pedro Calmon<br />

(www.forum.ufrj.br/biblioteca/afonso.html), como forma <strong>de</strong> disseminar<br />

a Coleção pessoal, constando <strong>de</strong> informações biográficas,<br />

produção científica, homenagens, vida acadêmica e participação e<br />

orientação em bancas e acesso direto às fontes documentais do<br />

doador. A 6ª. e última fase do projeto foi a reorganização do espaço<br />

físico da biblioteca para que ficasse reunida e separada do restante<br />

do acervo. Para isso foram instaladas portas <strong>de</strong> vidro tipo Blin<strong>de</strong>x.<br />

foi criada também uma exposição permanente <strong>de</strong> objetos pessoais,<br />

fotos, diplomas e publicações do colecionador.<br />

Preocupados com a segurança, foi adquirido e instalado um<br />

programa com placa <strong>de</strong> captura <strong>de</strong> imagens e instalação <strong>de</strong> câmeras<br />

na entrada da biblioteca e junto ao acervo pessoal doado.<br />

Para maior proteção estamos solicitando a compra <strong>de</strong> um sistema<br />

277


José Tavares da S. Filho, Rosane C. <strong>de</strong> Oliveira, Andréa C. Torres<br />

antifurto com dispositivo eletrônico para segurança e gerenciamento<br />

<strong>de</strong> acervos bibliográficos.<br />

Neste sentido, a proposta <strong>de</strong>ste trabalho, mais do que pensar<br />

os <strong>lugares</strong> <strong>de</strong> memória, baseia-se no interesse em chamar a atenção<br />

para discutir a cristalização da lembrança, tendo os acervos pessoais,<br />

especialmente a Coleção do Professor Afonso Carlos, recém<br />

chegado à universida<strong>de</strong>, como uma fonte importante para pensar<br />

novas alternativas <strong>de</strong> preservação da memória e do patrimônio cultural.<br />

Referências<br />

BORDIEU, Pierre. O po<strong>de</strong>r simbólico. São Paulo: Bertrand Brasil, 2000.<br />

CALMON, Pedro. O Palácio da Praia Vermelha. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Gráfica da<br />

<strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil, 1952.<br />

FÁVERO, Maria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s Albuquerque. A <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil: das origens à<br />

construção. Rio <strong>de</strong> Janeiro: UFRJ, Comped, Inep, 2000.<br />

LE GOFF, J. (Coord.). Memória / História. Lisboa: Imprensa Nacional: Casa da Moeda,<br />

1984. (Enciclopédia Einaudi, 1)<br />

LOBO, Francisco Bruno. UFRJ: subsídio à sua história. Rio <strong>de</strong> Janeiro: UFRJ, 1980.<br />

NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos <strong>lugares</strong>. Projeto História,<br />

São Paulo: PUC, n.10, p. 7-28, <strong>de</strong>z. 1993.<br />

SANTOS, Afonso Carlos Marques dos. Memória cidadã: História e Patrimônio cultural.<br />

In:_____. A invenção do Brasil: ensaios <strong>de</strong> história e cultura. Rio <strong>de</strong> Janeiro: UFRJ,<br />

2007.<br />

SILVA, Maurício Joppert da. As cida<strong>de</strong>s universitárias: aula inaugural da <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />

do Brasil, ano letivo <strong>de</strong> 1950. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Escola Nacional <strong>de</strong> Engenharia, 1950.<br />

278


O Acervo INEP na UFRJ:<br />

30 anos... e muita história pra contar<br />

Maria Cristina Rangel Jardim<br />

A memória não é absolutamente o exercício <strong>de</strong> uma<br />

fuga do presente nem uma justificação genealógica daquilo que é,<br />

e tampouco o inventário mais ou menos sistemático<br />

dos monumentos <strong>de</strong> um passado encerrado e <strong>de</strong>finitivo<br />

que se preten<strong>de</strong> reavivar por intermédio da nostalgia:<br />

não, é a imersão na flui<strong>de</strong>z do tempo e no traçado<br />

<strong>de</strong> <strong>seus</strong> múltiplos - e também interrompidos - itinerários...”<br />

(CAMBI , 2001. p.35)<br />

1. Introdução<br />

O Instituto Nacional <strong>de</strong> Estudos Pedagógicos – INEP, ao ser criado<br />

em 30 <strong>de</strong> Julho <strong>de</strong> 1938 pelo Decreto-Lei nº 580 tinha, <strong>de</strong>ntre os<br />

<strong>seus</strong> principais objetivos, o <strong>de</strong> caracterizar-se como um centro <strong>de</strong><br />

excelência, <strong>de</strong>dicado ao estímulo à pesquisa, à formulação <strong>de</strong> propostas<br />

educacionais e ao treinamento e aperfeiçoamento <strong>de</strong> pessoal,<br />

<strong>de</strong>stacando-se como dinâmico fórum <strong>de</strong> <strong>de</strong>bates e também<br />

como centro irradiador <strong>de</strong> idéias nas questões relativas ao ensino<br />

<strong>de</strong>mocrático no Brasil.<br />

Ao assumir a direção do Instituto, em 1952, Anísio Teixeira<br />

passou a dar maior ênfase ao trabalho <strong>de</strong> pesquisa. Seu objetivo<br />

era estabelecer centros <strong>de</strong> pesquisa como um meio <strong>de</strong> “fundar em<br />

bases científicas a reconstrução educacional do Brasil”. A idéia concretizou-se<br />

com a criação do Centro Brasileiro <strong>de</strong> Pesquisas Educacionais<br />

(CBPE), com se<strong>de</strong> no Rio <strong>de</strong> Janeiro, e dos Centros Regionais,<br />

nas cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Recife, Salvador, Belo Horizonte, São Paulo e Porto<br />

Alegre. Tanto o CBPE como os Centros Regionais foram instituídos<br />

pelo Decreto 38.460 <strong>de</strong> 26/12/1955 e estavam vinculados à nova<br />

estrutura do INEP.<br />

279


Maria Cristina Rangel Jardim<br />

A gestão <strong>de</strong> Anísio Teixeira - 1952 a 1964 - caracterizou-se por<br />

promover a adoção <strong>de</strong> estudos sociológicos como instrumento<br />

complementar da Educação, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> diagnosticar os<br />

principais problemas educacionais brasileiros. No final do ano <strong>de</strong><br />

1953, Anísio Teixeira percebe a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sistematizar a produção<br />

<strong>de</strong>senvolvida pelas campanhas 1 e setores do INEP.<br />

A Biblioteca, presente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início da fundação do INEP, teve,<br />

sob a administração <strong>de</strong> Anísio Teixeira (1952-1964), seu momento<br />

mais expressivo do ponto <strong>de</strong> vista qualitativo e quantitativo, no que<br />

se refere aos aspectos <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização das ativida<strong>de</strong>s documentárias<br />

e <strong>de</strong> ampliação da abrangência <strong>de</strong> seu acervo, dotando-o <strong>de</strong><br />

obras básicas, não só <strong>de</strong> educação, mas também, <strong>de</strong> ciências sociais,<br />

cultura brasileira, psicologia, antropologia e sociologia educacional.<br />

Com o golpe militar <strong>de</strong> 1964, a “estrutura INEP” (CBPE e Centros<br />

Regionais), atravessa diversas dificulda<strong>de</strong>s. Houve uma expressiva<br />

evasão <strong>de</strong> técnicos e <strong>de</strong> pesquisadores até que, em 1977, o CBPE foi<br />

extinto e o INEP <strong>de</strong>finitivamente transferido para Brasília.<br />

A Biblioteca, a esta época com um acervo estimado em cerca<br />

<strong>de</strong> 70 mil volumes, foi <strong>de</strong>sativada e, por <strong>de</strong>cisões políticas, uma parte<br />

significativa <strong>de</strong> seu acervo é <strong>de</strong>ixada no Rio <strong>de</strong> Janeiro, doado,<br />

em caráter <strong>de</strong>finitivo, ao Centro <strong>de</strong> Filosofia e Ciências Humanas da<br />

UFRJ em setembro <strong>de</strong> 1977, sendo organizado e aberto ao público<br />

em 1979, com o apoio financeiro da Fundação Universitária José<br />

Bonifácio – FUJB. Este acervo encontra-se localizado na Biblioteca<br />

do CFCH – Espaço Anísio Teixeira, no Campus da Praia Vermelha.<br />

1 Campanha <strong>de</strong> Inquéritos e Levantamentos do Ensino Médio e Elementar – CILEME,<br />

criada em 01/04/1953, pela Portaria nº. 3 do INEP e Campanha do Livro Didático e<br />

dos Manuais <strong>de</strong> Ensino – CALDEME, criada em 14/07/1952, <strong>de</strong>stinada a objetivar a<br />

assistência técnica ao professorado.<br />

280


O Acervo INEP na UFRJ: 30 anos... e muita história pra contar<br />

2. O Acervo INEP na UFRJ - Cronologia<br />

1977 - Doação do acervo ao CFCH/UFRJ;<br />

1979 - Organização e acesso ao público, liberado com o apoio<br />

financeiro da Fundação Universitária José Bonifácio – FUJB;<br />

1987 - Proposta <strong>de</strong> mudança da antiga Biblioteca Central do<br />

CFCH para um novo espaço físico, no mesmo Campus da Praia Vermelha.<br />

Todo o acervo foi encaixotado e transferido para um espaço<br />

na Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras, no Campus da Ilha do Fundão, lá permanecendo<br />

até 1990, quando a construção do novo prédio foi concluída;<br />

1990 - Retorno ao Campus da Praia Vermelha, sem que o espaço<br />

físico <strong>de</strong>stinado à Biblioteca estivesse <strong>de</strong>finido e concluído,<br />

tampouco as etapas do processo <strong>de</strong> reorganização estivessem estabelecidas<br />

e consolidadas. Parte do acervo encaixotado ficou no<br />

novo prédio e parte no restaurante “ban<strong>de</strong>jão” da Praia Vermelha,<br />

já <strong>de</strong>sativado;<br />

1990/1991 - Início do processo <strong>de</strong> abertura das caixas, armazenadas<br />

nas instalações do Espaço Anísio Teixeira (Livros), com vistas<br />

à organização progressiva dos volumes da coleção INEP neste<br />

espaço;<br />

1996 - Os procedimentos <strong>de</strong> organização foram interrompidos<br />

e as caixas restantes (em sua maioria, Periódicos) foram transportadas<br />

para o andar térreo e 2º andar do Prédio Anexo do CFCH;<br />

1998 - Nova iniciativa <strong>de</strong> organização, <strong>de</strong>sta vez focalizando os<br />

periódicos que se mantinham, ainda, encaixotados, no Prédio Anexo<br />

do CFCH (Térreo e 2º andar);<br />

De acordo com o relatório do trabalho executado em 1998 por<br />

uma empresa <strong>de</strong> consultoria especialmente contratada para este<br />

serviço, gran<strong>de</strong> parte dos periódicos foi i<strong>de</strong>ntificada e organizada<br />

nas estantes, em or<strong>de</strong>m alfabética, para serem, posteriormente,<br />

integrados ao acervo geral <strong>de</strong> periódicos, conforme a classificação<br />

adotada pela Biblioteca. No <strong>de</strong>correr <strong>de</strong>ste trabalho, foram encontrados<br />

3.810 Livros da Coleção INEP que foram transferidos para o<br />

Espaço Anísio Teixeira, armazenados em caixas;<br />

281


Maria Cristina Rangel Jardim<br />

2000 - Medidas adotadas para a unificação <strong>de</strong> todo o acervo<br />

<strong>de</strong> periódicos em um único ambiente. Realização dos serviços <strong>de</strong><br />

análise e avaliação da coleção localizada no Prédio Anexo do CFCH,<br />

verificando inconsistências, danos às publicações, duplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

títulos e completeza das coleções. Este trabalho foi realizado pela<br />

equipe da Biblioteca. Houve, também, mudanças no lay-out, com<br />

corte e nova disposição das estantes e a<strong>de</strong>quação do sistema <strong>de</strong><br />

iluminação;<br />

Jul./2002 - Coleção geral <strong>de</strong> periódicos transferida do Prédio<br />

da Decania do CFCH para o Prédio Anexo do CFCH pela equipe da<br />

Biblioteca. Essa transferência movimentou cerca <strong>de</strong> 42.900 documentos<br />

e teve como principal objetivo integrar os acervos <strong>de</strong> Periódicos<br />

da Coleção INEP com o da Coleção Geral Biblioteca do CFCH;<br />

2004 - Continuida<strong>de</strong> do processo <strong>de</strong> organização do Acervo<br />

INEP/CBPE na UFRJ (Livros) no Espaço Anísio Teixeira.<br />

3. Planejamento interno para organização dos acervos<br />

No ano <strong>de</strong> 2004, a Biblioteca do CFCH iniciou a última etapa<br />

do “Programa <strong>de</strong> reorganização, distribuição e tratamento técnico<br />

dos acervos localizados em suas três instalações (Prédio Decania do<br />

CFCH - Prédio Anexo do CFCH e Espaço Anísio Teixeira)”. Este planejamento<br />

<strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s teve como principal objetivo o <strong>de</strong> estruturar a<br />

coleção geral distribuindo-a, <strong>de</strong> forma sistematizada, levando em<br />

conta o espaço físico <strong>de</strong>stinado à Biblioteca do CFCH. Incluía-se<br />

nesta proposta: estabelecer com exatidão os dados quantitativos<br />

<strong>de</strong> acervo e tornar disponível o expressivo conjunto documental<br />

encaixotado e/ou armazenado, com sérios problemas <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação,<br />

conservação e higienização.<br />

3.1 Etapas adotadas para o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

dos serviços<br />

a) organização dos Livros, Teses, Dissertações e Monografias,<br />

localizados no Prédio da Decania, incluindo a realização <strong>de</strong> inven-<br />

282


O Acervo INEP na UFRJ: 30 anos... e muita história pra contar<br />

tário, padronização <strong>de</strong> tratamento técnico das obras e inclusão na<br />

Base Minerva (2000 - 2009);<br />

b) transferência dos 3.810 Livros da Coleção INEP, i<strong>de</strong>ntificados<br />

no Prédio Anexo do CFCH, para o Espaço Anísio Teixeira, armazenados<br />

em caixas (Mar./2002);<br />

c) transferência da coleção <strong>de</strong> Periódicos do Bloco A para o<br />

Prédio Anexo (Jul./2002) e sua organização, incluindo os procedimentos<br />

<strong>de</strong>stacados no item “a)”; este trabalho movimentou cerca<br />

<strong>de</strong> 42.900 documentos; e<br />

d) organização do Acervo INEP na UFRJ no Espaço Anísio Teixeira,<br />

com início previsto para 2006.<br />

A etapa <strong>de</strong> transferência dos periódicos (indicada no item b)<br />

do Prédio da Decania para o Prédio Anexo foi totalmente concretizada.<br />

No entanto, a integração da coleção <strong>de</strong> periódicos do CBPE/<br />

INEP (já armazenada no Prédio Anexo) à coleção transferida, bem<br />

como sua organização e registro dos itens na Base Minerva ainda<br />

não haviam sido concluídos quando, em 2004, alguns fatores foram<br />

<strong>de</strong>cisivos para o início do processo <strong>de</strong> organização do Acervo INEP/<br />

CBPE (Livros) na UFRJ.<br />

3.2 Ajustes no percurso<br />

“Assim, ao dar maior ou menor visibilida<strong>de</strong> ao acervo,<br />

o que se faz é confirmar ou não um <strong>de</strong>terminado discurso,<br />

uma <strong>de</strong>terminada interpretação da realida<strong>de</strong>”.<br />

(RAMOS, 2003, p. 5 – 8)<br />

É neste contexto, e com o firme propósito <strong>de</strong> confirmar o<br />

discurso <strong>de</strong> formar uma “consciência educacional comum” (TEIXEI-<br />

RA, 1952, p. 69-79), que se insere o ajuste em nosso planejamento.<br />

Não po<strong>de</strong>ríamos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar que as constantes <strong>de</strong>mandas<br />

<strong>de</strong> pesquisa neste acervo evi<strong>de</strong>nciam nele uma dinâmica peculiar<br />

<strong>de</strong> movimento e <strong>de</strong> interferência nas estratégias planejadas para<br />

283


Maria Cristina Rangel Jardim<br />

o seu <strong>de</strong>senvolvimento como coleção, confirmando sua vocação<br />

como um gran<strong>de</strong> conjunto documental, que reúne as obras mais<br />

importantes sobre a memória da educação e da cultura no Brasil.<br />

Cada uma <strong>de</strong>ssas obras po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada instrumento fundamental<br />

e competente para a compreensão dos fatos e acontecimentos<br />

atuais e para a formação <strong>de</strong> uma consciência crítica, motivadora<br />

<strong>de</strong> novas idéias, capaz <strong>de</strong> produzir contribuições consistentes nas<br />

<strong>de</strong>cisões relativas ao <strong>de</strong>senvolvimento da política educacional brasileira.<br />

Neste momento, se torna clara para nós a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> retomar<br />

a proposta <strong>de</strong> um novo formato <strong>de</strong> concepção para a ocupação<br />

da área física da Biblioteca do CFCH/Espaço Anísio Teixeira,<br />

buscando resgatar as propostas i<strong>de</strong>alizadas por Anísio Teixeira, <strong>de</strong><br />

estimular a pesquisa e o <strong>de</strong>bate em torno dos principais temas sócio-educacionais<br />

que formam e transformam os indivíduos e a socieda<strong>de</strong><br />

on<strong>de</strong> se inserem, em um local a<strong>de</strong>quado, a fim <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r<br />

aos objetivos <strong>de</strong> sua vocação.<br />

Talvez se consiga enten<strong>de</strong>r o “modus operandi” <strong>de</strong>sta coleção,<br />

se observarmos sua habilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sugerir as <strong>de</strong>mandas <strong>de</strong> consulta,<br />

o que convencionamos chamar “recortes” no gran<strong>de</strong> conjunto<br />

<strong>de</strong> obras, procurando i<strong>de</strong>ntificar e divulgar cada uma, no labirinto<br />

on<strong>de</strong> não se encontram dois livros idênticos: todos são únicos (BRE-<br />

GLIA, 2007).<br />

Num rápido exercício <strong>de</strong> memória, resgatamos episódios e<br />

i<strong>de</strong>ntificamos tentativas <strong>de</strong> organização do conjunto, que apontavam<br />

para um “sentido <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> que o faz ser ele mesmo e não<br />

outro. Daí sua importância” (FONTANA, 1998).<br />

3.3. Principais “recortes” <strong>de</strong> pesquisa<br />

Observamos que os estudos sobre o acervo, na UFRJ, têm início<br />

no ano <strong>de</strong> 1993, dando conta à comunida<strong>de</strong> pesquisadora do<br />

seu uso e mantendo sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> como o Acervo INEP na UFRJ.<br />

284


O Acervo INEP na UFRJ: 30 anos... e muita história pra contar<br />

Preten<strong>de</strong>mos registrar os trabalhos e as pesquisas que apresentaram<br />

resultados conclusivos e que foram conduzidos <strong>de</strong> maneira<br />

a tratar dos assuntos <strong>de</strong>finidos pelos objetivos <strong>de</strong>lineados e<br />

inicialmente propostos.<br />

a) No ano <strong>de</strong> 1993, em Monografia apresentada à Escola <strong>de</strong><br />

Biblioteconomia da UNI-RIO, registramos o primeiro trabalho<br />

<strong>de</strong> pesquisa, na UFRJ, sobre o acervo INEP: Catálogo<br />

preliminar <strong>de</strong> obras raras e/ou especiais da Biblioteca<br />

do INEP, elaborado pela servidora Sueli Palma Borges Paranhos,<br />

que i<strong>de</strong>ntificou 92 títulos. Este trabalho foi apresentado<br />

no III Encontro Nacional <strong>de</strong> Acervo Raro, evento<br />

paralelo ao BIBLOS 2000 - 17º Congresso Brasileiro <strong>de</strong> Biblioteconomia<br />

e Documentação, 10 a 15 <strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> 1994,<br />

Belo Horizonte.<br />

b) No ano <strong>de</strong> 1999, o projeto Um olhar para o mundo - contemporaneida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Anísio Teixeira apresenta, na Biblioteca<br />

do CFCH, a Exposição Contemporaneida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Anísio<br />

Teixeira, <strong>de</strong> 2 <strong>de</strong> Setembro a 8 <strong>de</strong> Outubro <strong>de</strong> 1999,<br />

iniciando a série <strong>de</strong> eventos comemorativos do centenário<br />

<strong>de</strong> Anísio Teixeira. Com este projeto, foram i<strong>de</strong>ntificados<br />

os títulos da obra escrita do educador e também as fontes<br />

consi<strong>de</strong>radas matrizes <strong>de</strong> pensamento que alimentaram<br />

suas idéias.<br />

c) No ano <strong>de</strong> 2004, foi objeto <strong>de</strong> estudo com o Projeto “Espaço<br />

Anísio Teixeira: referência para pesquisa educacional<br />

no Brasil”, coor<strong>de</strong>nado pela Profª Libânia Nacif Xavier, da<br />

Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Educação da UFRJ e realizado com o apoio<br />

da Fundação Universitária José Bonifácio - FUJB, com vistas<br />

a divulgar o conjunto <strong>de</strong> livros editados pela CBPE / INEP<br />

/ MEC, no período 1955-1965. O resultado <strong>de</strong>ste Projeto<br />

foi apresentado no III Congresso Brasileiro <strong>de</strong> História<br />

<strong>de</strong> Educação /2004 e o resultado do material i<strong>de</strong>ntificado<br />

po<strong>de</strong> ser consultado nos formatos: papel e eletrônico - CD-<br />

ROM.<br />

285


Maria Cristina Rangel Jardim<br />

d) Em 2005, o Projeto “Reestruturação <strong>de</strong> documentos do<br />

acervo da Biblioteca do CFCH – Espaço Anísio Teixeira”<br />

que, com recursos da FUJB, recuperou 100 volumes i<strong>de</strong>ntificados<br />

pelo “Projeto Espaço Anísio Teixeira: referência<br />

para a pesquisa educacional no Brasil” (mencionado no item<br />

c).<br />

e) Em 2007, o Projeto: O Acervo do Instituto Nacional <strong>de</strong><br />

Estudos Pedagógicos (INEP) no Espaço Anísio Teixeira da<br />

Biblioteca do CFCH (UFRJ): Proposta <strong>de</strong> Organização, que<br />

se caracteriza como projeto interinstitucional, uma vez que<br />

congrega pesquisadores <strong>de</strong> três instituições, a saber, PUC/<br />

RJ, UFRJ e UFF, no ano <strong>de</strong> 2006. O resultado <strong>de</strong>ste Projeto<br />

foi apresentado no I Encontro <strong>de</strong> História da Educação<br />

do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro, 4 a 6/06/2007.<br />

Inicialmente, observados os princípios básicos <strong>de</strong> organização<br />

já utilizados nas coleções localizadas nos outros espaços da Biblioteca,<br />

a execução <strong>de</strong> um inventário total das obras no Espaço Anísio<br />

Teixeira era tarefa fundamental, consi<strong>de</strong>rando que a coleção sofreu<br />

vários <strong>de</strong>slocamentos.<br />

A proposta <strong>de</strong> realização do inventário teria <strong>seus</strong> objetivos ampliados,<br />

uma vez que apontaria para o que <strong>de</strong>nominamos “núcleo<br />

histórico” – obras consi<strong>de</strong>radas matrizes para representar o período<br />

da gestão <strong>de</strong> Anísio Teixeira no INEP/CBPE, principal objetivo do<br />

projeto. Além disso, seria possível i<strong>de</strong>ntificar o estado <strong>de</strong> conservação<br />

das obras, informação <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> utilida<strong>de</strong> para o futuro planejamento<br />

dos serviços <strong>de</strong> preservação: processos <strong>de</strong> reestruturação,<br />

higienização e <strong>de</strong>sinfestação que <strong>de</strong>verão ser realizados nos documentos<br />

diagnosticados.<br />

Paralelamente a este serviço, iniciamos a abertura das caixas<br />

que foram transferidas do Bloco B/Periódicos para o Espaço Anísio<br />

Teixeira, para verificar a natureza <strong>de</strong> seu conteúdo (3.810 documentos<br />

da Coleção INEP, i<strong>de</strong>ntificados no Prédio Anexo do CFCH, foram<br />

transferidos para o Espaço Anísio Teixeira).<br />

286


O Acervo INEP na UFRJ: 30 anos... e muita história pra contar<br />

4. Fatores que contribuíram para o início do<br />

processo <strong>de</strong> organização do Acervo INEP na UFRJ<br />

1.1<br />

1.2<br />

2004 - Reparo do <strong>Sistema</strong> <strong>de</strong> refrigeração central e manutenção<br />

das máquinas no Espaço Anísio Teixeira e<br />

2006 - Pelo Projeto BNDES/UFRJ/SiBI, a Biblioteca do CFCH foi<br />

contemplada com equipamentos <strong>de</strong> preservação, conservação<br />

e segurança <strong>de</strong> acervos (03 purificadores <strong>de</strong> ar, 03 <strong>de</strong>sumidificadores,<br />

01 termo-higrômetro, 01 mesa <strong>de</strong> higienização <strong>de</strong><br />

documentos e 02 câmeras <strong>de</strong> circuito fechado com monitor).<br />

5. Conclusão<br />

A história do acervo da Biblioteca do INEP é marcada por eventos<br />

que influenciaram as <strong>de</strong>cisões a respeito <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>stino, as quais,<br />

infelizmente, não consi<strong>de</strong>raram, com a merecida preocupação, a<br />

função social da coleção, a integrida<strong>de</strong> das obras e a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>slocamento <strong>de</strong> um acervo <strong>de</strong> tal envergadura.<br />

287


Maria Cristina Rangel Jardim<br />

Diante <strong>de</strong> tantos <strong>de</strong>slocamentos, mantido encaixotado em um<br />

espaço na Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras, reconduzido ao Campus da Praia<br />

Vermelha e permanecendo encaixotado no espaço on<strong>de</strong> se localizava<br />

o antigo restaurante “Ban<strong>de</strong>jão”, este acervo somente retorna,<br />

parcialmente, à Biblioteca do CFCH - Espaço Anísio Teixeira em 1991,<br />

pois a outra parte, ainda encaixotada, permaneceria até 1998 no 2º<br />

andar do Prédio Anexo do CFCH.<br />

É importante enfatizar o empenho e o compromisso da Biblioteca<br />

do CFCH/UFRJ, ao longo <strong>de</strong>sses 30 anos, em todas as suas gestões,<br />

na organização e acesso às obras <strong>de</strong>sta coleção, bem como em<br />

criar um ambiente favorável à pesquisa e ao <strong>de</strong>bate <strong>de</strong> idéias, para<br />

que importantes temas e questões relativos à educação e à cultura<br />

brasileiras possam ser amplamente expostos e <strong>de</strong>batidos, recuperando,<br />

assim, os i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong>fendidos por Anísio Teixeira.<br />

É importante <strong>de</strong>ixar registrada a importância <strong>de</strong> se consolidar<br />

na UFRJ uma política <strong>de</strong> integração <strong>de</strong> acervos, on<strong>de</strong> sejam consi<strong>de</strong>radas<br />

e <strong>de</strong>senvolvidas, cuidadosamente, as metodologias e as<br />

288


O Acervo INEP na UFRJ: 30 anos... e muita história pra contar<br />

competências necessárias para o recebimento, a organização e a<br />

gerência dos acervos, respeitando, tanto quanto possível, a padronização<br />

e a uniformização das estruturas <strong>de</strong>scritivas dos documentos<br />

a serem integrados.<br />

Referências<br />

BREGLIA, Vera Lucia Alves; SANTOS, Daniel Ribeiro dos. ... E assim se passaram 30<br />

anos: um reencontro com o acervo INEP/CBPE. In: Encontro <strong>de</strong> História da Educação,<br />

1., 2207, Niterói. Anais...UFF, 2007.<br />

CAMBI, Franco. História da Pedagogia. São Paulo: UNESP, 2001.<br />

FONTANA, Josep. História: análise do passado e projeto social. Bauru: EDUSC,<br />

1998.<br />

RAMOS, Eloisa Helena Capovilla da Luz. A memória, a história e as instituições da<br />

memória. Revista Humanida<strong>de</strong>s, Fortaleza, v. 18, n. 1, p. 5-8, jan./jun. 2003.<br />

SAAVEDRA, Silvia M.Galliac. Passos e <strong>de</strong>scompassos <strong>de</strong> uma instituição <strong>de</strong> pesquisa<br />

educacional no Brasil: a realida<strong>de</strong> do INEP. Dissertação (Mestrado). Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Educação, <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Brasília, Brasíla, DF, 1988.<br />

SOUZA, Helena <strong>de</strong> Miranda Rosa e. Rio <strong>de</strong> Janeiro: transferência da capital fe<strong>de</strong>ral<br />

e <strong>seus</strong> impactos na esfera da informação/documentação. Dissertação (Mestrado)-<br />

Escola <strong>de</strong> Comunicação, <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro, 1992.<br />

TEIXEIRA, Anísio. Discurso <strong>de</strong> posse do Professor Anísio Teixeira no Instituto<br />

Nacional <strong>de</strong> Estudos Pedagógicos. Revista Brasileira <strong>de</strong> Estudos Pedagógicos. Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro, v. 17, n. 46, p. 69-79, abr./jun. 1952.<br />

XAVIER, Libânia N. Regionalização da pesquisa e inovação pedagógica: os centros <strong>de</strong><br />

pesquisa educacionais do INEP: 1950-1960. Revista Brasileira Estudos Pedagógicos,<br />

Brasília, v.80, n.194, p. 81-92, jan. / abr. 1999.<br />

289


Arquivos <strong>de</strong> Cultura Contemporânea: uma<br />

experiência <strong>de</strong> pesquisa e documentação.<br />

Introdução<br />

Cristina Barros Barreto<br />

Os Arquivos <strong>de</strong> Cultura Contemporânea contemplam o acervo<br />

do PACC, Programa Avançado <strong>de</strong> Cultura Contemporânea, vinculado<br />

ao Fórum <strong>de</strong> Ciência e Cultura/UFRJ.<br />

O PACC se <strong>de</strong>stina à pesquisa, à documentação e a projetos<br />

<strong>de</strong> extensão. Articula pesquisadores da UFRJ, <strong>de</strong> outras instituições<br />

acadêmicas e <strong>de</strong> organizações da socieda<strong>de</strong> civil em torno das ativida<strong>de</strong>s<br />

que <strong>de</strong>senvolve, <strong>de</strong>stacando-se o Programa <strong>de</strong> Pós-Doutorado<br />

em Estudos Culturais, além da publicação da “Revista Z Cultural”<br />

e do informativo “O Dragão Contemporâneo”. O programa mantém<br />

ainda as <strong>Bibliotecas</strong> Virtuais <strong>de</strong> Estudos Culturais, Literatura e Artes<br />

Cênicas.<br />

A produção e a reunião <strong>de</strong> documentação, aliadas à pesquisa,<br />

é a marca do trabalho que originou a criação dos Arquivos <strong>de</strong> Cultura<br />

Contemporânea, no final dos anos 1970, inicialmente reunindo<br />

material relativo às iniciativas <strong>de</strong> resistência à ditadura militar no<br />

âmbito da cultura e nos anos seguintes ampliando seu universo temático,<br />

tendo sempre como foco central <strong>de</strong> análise, os referenciais<br />

simbólicos da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> cultural brasileira.<br />

Arquivos: preservação da memória<br />

e produção do conhecimento<br />

Quando, ao final da década <strong>de</strong> 1970, a professora Heloisa Buarque<br />

<strong>de</strong> Hollanda, criou, na Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras da UFRJ, o Centro<br />

<strong>de</strong> Documentação Literária, com o objetivo <strong>de</strong> reunir documentos<br />

sobre os movimentos <strong>de</strong> resistência ao regime militar, estava acom-<br />

291


Cristina Barros Barreto<br />

panhando a tendência mundial <strong>de</strong> emergência da memória como<br />

preocupação cultural e política.<br />

Conforme Andréas Huyssen (2000, p.8), ao contrário da<br />

atenção voltada para o futuro, característica do começo do século<br />

XX, a partir dos anos 1980, o foco se <strong>de</strong>sloca, para o “passado<br />

presente”. Os discursos <strong>de</strong> memória emergem como “no rastro da<br />

<strong>de</strong>scolonização e dos novos movimentos sociais em sua busca por<br />

histórias alternativas e revisionistas” (2000, p.10), numa procura por<br />

outras tradições e pela tradição dos “outros” em contraposição com<br />

a história oficial e hegemônica. Por um lado apontava-se o fim da<br />

história convencional, tradicional, e, por outro, crescia a preocupação<br />

com a preservação e o acesso a registros do passado. A tendência<br />

<strong>de</strong> multiplicação dos arquivos acontece no momento em que<br />

percebe-se “a história como uma narrativa construída e não mais<br />

como a <strong>de</strong>scoberta e reconstituição <strong>de</strong> um passado efetivamente<br />

existente, isto é, ‘daquilo que <strong>de</strong> fato aconteceu’ “ (STROZENBERG,<br />

2000). É neste sentido que se vinculam as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pesquisa e<br />

documentação, pois acredita-se na “vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> memória” (NORA,<br />

1993) e no fato <strong>de</strong> que a reunião <strong>de</strong>ssa documentação, resultante<br />

dos estudos realizados, permitem sua permanente ressignificação.<br />

Em 1986, sob a coor<strong>de</strong>nação da professora Heloisa Buarque,<br />

a iniciativa <strong>de</strong> unir pesquisa e documentação referentes à socieda<strong>de</strong><br />

brasileira contemporânea foi transferida para a Escola <strong>de</strong><br />

Comunicação, quando criou-se o Centro Interdisciplinar <strong>de</strong> Estudos<br />

Culturais - CIEC -, vinculado ao Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação da<br />

ECO.<br />

No CIEC, a perspectiva dos Estudos Culturais - metodologia <strong>de</strong><br />

estudo da socieda<strong>de</strong> contemporânea que estava sendo introduzida<br />

no Brasil naquela época - passou a referendar tanto a produção<br />

<strong>de</strong> conhecimento analítico, quanto a coleta e a organização sistemática<br />

<strong>de</strong> documentos. Passaram a fazer parte <strong>de</strong>ste núcleo pesquisadores<br />

das áreas da Comunicação, Literatura, Antropologia e<br />

Arquitetura.<br />

292


Arquivos <strong>de</strong> Cultura Contemporânea: uma experiência <strong>de</strong> pesquisa e documentação.<br />

Entre os principais tópicos <strong>de</strong> agenda temática dos Estudos<br />

Culturais estão políticas <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, manifestações da cultura<br />

urbana, práticas político-estéticas, pós-colonialismo, multiculturalismo<br />

e globalização. Um traço importante <strong>de</strong> atuação dos Estudos<br />

Culturais é o compromisso <strong>de</strong> interagir diretamente com as práticas<br />

políticas, sociais e culturais, também objetos <strong>de</strong> sua abordagem.<br />

O número <strong>de</strong> pesquisas então realizadas no CIEC cresceu e,<br />

conseqüentemente, o acervo aumentou, com a chegada <strong>de</strong> novos<br />

documentos reunidos e produzidos pelos pesquisadores vinculados<br />

a este laboratório. Com o aumento do material produzido e recolhido,<br />

tornou-se clara a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> organização, catalogação e armazenamento<br />

corretos do acervo, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> preservá-lo<br />

e disseminá-lo convenientemente para o público. Estas ativida<strong>de</strong>s<br />

exigiam a presença <strong>de</strong> bibliotecários e/ou arquivistas, que foram<br />

em diferentes períodos contratados como prestadores <strong>de</strong> serviços<br />

ou arregimentados como bolsistas, patrocinados por fundações e<br />

instituições <strong>de</strong> apoio à pesquisa. Entre elas, a Fundação Ford, a FA-<br />

PERJ e o CNPq.<br />

Quinze anos <strong>de</strong>pois, em 2004, o CIEC torna-se um projeto associado<br />

ao PACC que absorve o seu acervo, chamado a partir <strong>de</strong> então<br />

<strong>de</strong> Arquivos <strong>de</strong> Cultura Contemporânea.<br />

A perspectiva <strong>de</strong> pesquisa que enfatiza a valorização <strong>de</strong> registros<br />

pouco contemplados por políticas usuais <strong>de</strong> construção e preservação<br />

da memória, perpassa ao longo dos anos a reunião <strong>de</strong>ssa<br />

documentação, conferindo-lhe um perfil único <strong>de</strong> relevante significado<br />

acadêmico e social.<br />

Os principais temas tratados pelos pesquisadores que nestas<br />

três últimas décadas trabalharam associados ao CIEC e ao PACC são<br />

gênero e sexualida<strong>de</strong>, i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s nacionais, etnia, cultura popular<br />

e <strong>seus</strong> públicos, políticas <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, práticas político-estéticas,<br />

discurso e textualida<strong>de</strong>, multiculturalismo e globalização, no contexto<br />

da socieda<strong>de</strong> brasileira contemporânea.<br />

Até o momento, o acervo dos Arquivos <strong>de</strong> Cultura Contemporânea<br />

totaliza: 16.230 documentos impressos; 3.081 fotografias;<br />

293


Cristina Barros Barreto<br />

392 cartazes; 975 gravações sonoras e 249 fitas <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o. Vale mencionar,<br />

ainda, a existência <strong>de</strong> 319 títulos <strong>de</strong> periódicos em coleções<br />

incompletas.<br />

Os livros catalogados e inseridos na base Minerva totalizam<br />

cerca <strong>de</strong> 2.200 e foram doados, em 2007, à biblioteca do CFCH.<br />

O PACC mantém uma equipe que coor<strong>de</strong>na os trabalhos <strong>de</strong><br />

organização, conservação e divulgação dos Arquivos <strong>de</strong> Cultura<br />

Contemporânea. O acervo está localizado numa pequena área do<br />

andar superior do prédio que abriga o Espaço Anísio Teixeira, no<br />

campus da Praia Vermelha da UFRJ e vem sendo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua criação,<br />

freqüentemente procurado por alunos e pesquisadores do Brasil e<br />

do exterior interessados em consultar <strong>seus</strong> documentos.<br />

Descrição do Acervo<br />

As coleções estão reunidas <strong>de</strong> acordo com os gran<strong>de</strong>s temas<br />

tratados, conforme <strong>de</strong>screvemos a seguir:<br />

CULTURA E RESISTÊNCIA: Tema das duas coleções que congregam<br />

documentos sobre a produção cultural alternativa <strong>de</strong> resistência<br />

ao regime militar e sobre a atuação <strong>de</strong> movimentos políticos<br />

<strong>de</strong> resistência naquele período.<br />

• A primeira traz um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> documentos sobre<br />

a produção cultural alternativa <strong>de</strong> resistência ao regime<br />

militar. As áreas <strong>de</strong> poesia marginal, teatro alternativo,<br />

cinema un<strong>de</strong>rground e imprensa alternativa estão presentes<br />

em documentos impressos, panfletos e, sobretudo,<br />

<strong>de</strong>poimentos inéditos <strong>de</strong> escritores, artistas, críticos e<br />

intelectuais gravados em áudio. Este material resulta <strong>de</strong><br />

pesquisa coor<strong>de</strong>nada por Heloisa Buarque <strong>de</strong> Hollanda e<br />

gerou a publicação <strong>de</strong> dois livros <strong>de</strong> sua autoria: Impressões<br />

<strong>de</strong> Viagem (1980) e Patrulhas I<strong>de</strong>ológicas (1980), este último<br />

com Carlos Alberto Messe<strong>de</strong>r Pereira.<br />

294


Arquivos <strong>de</strong> Cultura Contemporânea: uma experiência <strong>de</strong> pesquisa e documentação.<br />

• Coleção Anos 60 - formada por documentos reunidos pelo<br />

jornalista Zuenir Ventura para a elaboração <strong>de</strong> seu livro<br />

1968, o ano que não terminou, publicado em 1988, pela Editora<br />

Nova Fronteira. Com ênfase na atuação <strong>de</strong> movimentos<br />

políticos <strong>de</strong> resistência, reúne mais <strong>de</strong> 100 gravações<br />

sonoras com entrevistas <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong>s como Cabo Anselmo,<br />

Darcy Ribeiro, Hélio Pellegrino, Hélio Silva, Fernando<br />

Gabeira, Ferreira Gullar, José Dirceu, Leandro Kon<strong>de</strong>r, entre<br />

outros. Os documentos impressos, in<strong>de</strong>xados por assunto,<br />

remetem aos seguintes temas principais: movimento estudantil,<br />

polêmicas, cultura engajada e censura.<br />

MÍDIA E CULTURA: Coleções cujos documentos resultam <strong>de</strong><br />

levantamentos realizados para projetos editoriais ou cinematográficos,<br />

focalizando manifestações culturais brasileiras <strong>de</strong> 1950 ao final<br />

dos anos 70.<br />

• Coleção Telenovela no Rio <strong>de</strong> Janeiro 1950-1963 - agrupa <strong>de</strong>poimentos<br />

e documentos sobre as origens da telenovela;<br />

alguns <strong>de</strong>les registros únicos da implantação da televisão<br />

no Brasil no período em que a produção era ao vivo. Esta<br />

pesquisa foi coor<strong>de</strong>nada pela professora Beatriz Resen<strong>de</strong><br />

e por Marta Klagsbrunn e contou com o apoio do Museu<br />

da Imagem e do Som do Rio <strong>de</strong> Janeiro que também guarda<br />

em seu arquivo as gravações das entrevistas realizadas.<br />

Uma parte do material recolhido foi publicada no volume<br />

A Telenovela no Rio <strong>de</strong> Janeiro 1950-1963, série Quase Catálogo,<br />

editado pela CIEC/UFRJ em 1991.<br />

Coleção<br />

• Diretores <strong>de</strong> Cinema Brasileiro - reúne as entrevistas<br />

em gravações sonoras e transcritas que serviram para<br />

a elaboração dos livros Nelson Pereira dos Santos; o sonho<br />

295


Cristina Barros Barreto<br />

impossível do cinema brasileiro, publicado em 1987 pela<br />

Editora Nova Fronteira e Leon Hirszman – o navegador das<br />

estrelas, publicado pela Editora Rocco em 1997, ambos <strong>de</strong><br />

autoria da jornalista Helena Salem.<br />

• Programa Café com Letras – gravações sonoras do programa<br />

radiofônico “Café com Letras”, dirigido por Heloisa Buarque<br />

<strong>de</strong> Hollanda e Ronaldo Santos, veiculado pela rádio<br />

MEC, nos anos 1970. Entre os <strong>de</strong>poimentos, encontram-se<br />

os <strong>de</strong> Ana Cristina César, Armando Freitas Filho, Francisco<br />

Alvim, Turíbio dos Santos, além <strong>de</strong> programas em homenagem<br />

a Carlos Drummond <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, Manuel Ban<strong>de</strong>ira e<br />

Pedro Nava.<br />

RELAÇÕES RACIAIS: Tema das coleções cujos registros se referem<br />

à cultura negra, discriminação racial, violência, situação da<br />

mulher negra e políticas raciais.<br />

Coleção<br />

• Centenário da Abolição - resultado <strong>de</strong> levantamento<br />

sobre a dinâmica das relações raciais no Brasil no ano<br />

<strong>de</strong> 1988, tais como foram representadas através das comemorações<br />

do centenário em todo país. Esta ampla coleção,<br />

única no Brasil, contém coberturas fotográficas, registros<br />

etnográficos, entrevistas, documentação relativa a ativida<strong>de</strong>s<br />

acadêmicas, concursos e patrocínios temáticos, iniciativas<br />

dos movimentos sociais e um inventário minucioso<br />

do que foi divulgado na imprensa, rádio e TV durante 1988,<br />

perfazendo um total <strong>de</strong> 2.608 eventos e 8.913 documentos.<br />

O levantamento resultou <strong>de</strong> pesquisa apoiada pela<br />

Fundação Ford e coor<strong>de</strong>nada pelos professores Heloísa<br />

Buarque <strong>de</strong> Hollanda, Yvone Maggie e Carlos Alberto Messe<strong>de</strong>r<br />

Pereira. Apesar <strong>de</strong> organizada a partir do eixo das<br />

comemorações do Centenário da Abolição, este material,<br />

296


Arquivos <strong>de</strong> Cultura Contemporânea: uma experiência <strong>de</strong> pesquisa e documentação.<br />

em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua riqueza e diversida<strong>de</strong>, possui um gran<strong>de</strong><br />

potencial em termos do estudo sobre as relações raciais no<br />

país e <strong>seus</strong> temas correlatos.<br />

• Coleção Movimentos Negros no Rio <strong>de</strong> Janeiro e a atuação<br />

do Estado – engloba entrevistas com li<strong>de</strong>ranças dos movimentos<br />

negros sobre sua militância e o processo <strong>de</strong> institucionalização<br />

do movimento, bem como <strong>de</strong> órgãos do<br />

Estado no Rio <strong>de</strong> Janeiro, a partir da década <strong>de</strong> 1960. Uma<br />

edição <strong>de</strong>stas entrevistas está publicada no volume Li<strong>de</strong>ranças<br />

Negras, <strong>de</strong> Marcia Contins, da Editora Aeroplano,<br />

2001.<br />

• Coleção Memória <strong>de</strong> Famílias Negras no Rio <strong>de</strong> Janeiro - composta<br />

por fitas <strong>de</strong> áudio (<strong>de</strong>poimentos e história oral) que<br />

fizeram parte da pesquisa coor<strong>de</strong>nada por Gizelda Melo do<br />

Nascimento.<br />

• Coleção Cor e Educação: Políticas alternativas <strong>de</strong> combate<br />

à exclusão (1998–2000) - reúne material elaborado e recolhido<br />

durante a pesquisa <strong>de</strong>senvolvida em cooperação<br />

com o Instituto <strong>de</strong> Filosofia e Ciências Sociais (IFCS/UFRJ),<br />

o Departamento <strong>de</strong> Sociologia da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong><br />

Viçosa e o Departamento <strong>de</strong> Ciências Sociais da <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />

do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro sobre ação afirmativa,<br />

cotas, pré-vestibular para negros e carentes e questões<br />

raciais. Reúne gravações sonoras com entrevistas e <strong>de</strong>poimentos;<br />

documentos impressos como fol<strong>de</strong>rs e prospectos<br />

<strong>de</strong> eventos; projetos <strong>de</strong> lei e publicações governamentais;<br />

recortes <strong>de</strong> jornais e revistas e relatórios <strong>de</strong> pesquisa.<br />

Coleção<br />

• Cor e Mercado - contém documentos resultantes<br />

da pesquisa <strong>de</strong>dicada à análise do discurso publicitário e<br />

297


Cristina Barros Barreto<br />

dos consumidores sobre relações raciais, coor<strong>de</strong>nada pela<br />

professora Ilana Strozenberg. Este estudo fez parte do projeto<br />

“Estética e política: relações entre raça, publicida<strong>de</strong> e<br />

a produção da beleza no Brasil”, coor<strong>de</strong>nado pelo professor<br />

Peter Fry, do IFCS/UFRJ. Inclui gravações sonoras com<br />

entrevistas e fotos <strong>de</strong> anúncios publicados em jornais e<br />

revistas que fornecem uma visão das tendências da propaganda<br />

e do mercado, bem como questões <strong>de</strong> raça e discriminação.<br />

ETNICIDADE E IMIGRAÇÃO: Coleções cujos registros se referem<br />

a imigrantes e sua importância na cultura e configuração do espaço<br />

urbano brasileiro, especialmente na cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

• Coleção Heranças e Lembranças – reúne documentos sobre<br />

os imigrantes ju<strong>de</strong>us <strong>de</strong> diversas origens que chegaram<br />

ao Brasil nas primeiras décadas do século XX, resultado do<br />

levantamento coor<strong>de</strong>nado por Susane Worcman. Compreen<strong>de</strong><br />

entrevistas gravadas, fotografias <strong>de</strong> familiares cedidas<br />

pelos entrevistados e reproduções <strong>de</strong> objetos e documentos.<br />

Coleção<br />

• Memória do SAARA – formada por documentos<br />

impressos, fotografias e gravações <strong>de</strong> entrevistas sobre<br />

a história das ruas do centro da cida<strong>de</strong> que compõem a<br />

Socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Amigos e Adjacências da Rua da Alfân<strong>de</strong>ga<br />

– associação organizada por lojistas <strong>de</strong> uma das mais<br />

antigas e dinâmicas áreas comerciais do Rio <strong>de</strong> Janeiro –<br />

on<strong>de</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as primeiras décadas do século XX, convivem<br />

imigrantes <strong>de</strong> diversas origens. Este material i<strong>de</strong>ntifica<br />

aspectos do <strong>de</strong>senvolvimento urbano da área, a população<br />

<strong>de</strong> imigrantes e <strong>seus</strong> <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes, suas ativida<strong>de</strong>s<br />

comerciais além das relações políticas e sociais inseridas<br />

298


Arquivos <strong>de</strong> Cultura Contemporânea: uma experiência <strong>de</strong> pesquisa e documentação.<br />

neste espaço da cida<strong>de</strong>. Pesquisa coor<strong>de</strong>nada por Susane<br />

Worcman.<br />

• Coleção Teatro Ídiche no Brasil – engloba uma ampla documentação<br />

sobre o teatro encenado por imigrantes ju<strong>de</strong>us<br />

no Rio <strong>de</strong> Janeiro e em seis outras cida<strong>de</strong>s do Brasil: Recife,<br />

Salvador, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre e São Paulo.<br />

Pesquisa coor<strong>de</strong>nada por Susane Worcman.<br />

RELAÇÕES DE GÊNERO: Este acervo compõe-se <strong>de</strong> registros<br />

diversos sobre a participação das mulheres na vida cultural brasileira.<br />

• Coleção Cinema realizado por Mulheres no Brasil – resultado<br />

do levantamento da produção cinematográfica <strong>de</strong>ssas<br />

mulheres, realizado por Ana Rita Mendonça e Ana Pessoa.<br />

Compõe-se <strong>de</strong> um acervo sonoro com <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong><br />

história <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> cineastas, entre as quais se <strong>de</strong>stacam:<br />

Ana Carolina, Tizuka Yamazaki, Suzana Amaral, Zita Carvalhosa,<br />

Olga Futema e Lucy Barreto. Este estudo gerou a<br />

publicação Realizadoras <strong>de</strong> cinema no Brasil (1989) , da série<br />

Quase Catálogo, publicada pelo Centro Interdisciplinar <strong>de</strong><br />

Estudos Culturais - CIEC/UFRJ juntamente com o Museu da<br />

Imagem e do Som do Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

Coleção<br />

• Mulheres nas Artes Plásticas – Anos 1970 – reúne<br />

<strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> artistas plásticas, entre as quais Anna Maria<br />

Maiolino, Anna Bella Geiger, Lygia Pape, Tereza Simões,<br />

Marilia Kranz, Edith Bhering, Iole <strong>de</strong> Freitas e Ione Saldanha.<br />

Parte <strong>de</strong>ste acervo está disponível no volume Artistas<br />

Plásticas no Rio <strong>de</strong> Janeiro (1975-1985), série Quase Catálogo,<br />

publicado pelo CIEC/UFRJ e Secretaria <strong>de</strong> Cultura da<br />

Cida<strong>de</strong> do RJ, em 1993.<br />

299


Cristina Barros Barreto<br />

• Coleção Ensaístas Brasileiras é composta por documentos<br />

originais como entrevistas, fichas e textos organizados por<br />

Heloisa Buarque <strong>de</strong> Hollanda e Lúcia Nascimento Araújo,<br />

que <strong>de</strong>ram origem ao livro Ensaístas Brasileiras. Mulheres<br />

que escreveram sobre Literatura e Artes <strong>de</strong> 1860 a 1991, publicado<br />

pela editora Rocco em 1993.<br />

• Coleção Imprensa e Mulher – mais <strong>de</strong> 3.500 recortes <strong>de</strong> jornais<br />

datados <strong>de</strong> 1968 a 1993 e recolhidos por pesquisadores<br />

estudiosos da linha <strong>de</strong> estudos <strong>de</strong> gênero. O material<br />

encontra-se in<strong>de</strong>xado por diferentes assuntos tais como:<br />

artes plásticas, cinema, comportamento, direitos da mulher,<br />

discriminação sexual, feminismo, homossexualismo,<br />

prostituição, sexualida<strong>de</strong>, trabalho e violência.<br />

• Coleção Matriarcas Nor<strong>de</strong>stinas – documentos impressos<br />

e transcrições <strong>de</strong> entrevistas realizadas no âmbito <strong>de</strong> um<br />

projeto na linha <strong>de</strong> estudos <strong>de</strong> gênero, que procurou estudar<br />

o po<strong>de</strong>r das mulheres, no período republicano, para<br />

além da família. Toma-se como caso as mães <strong>de</strong> famílias<br />

extensas como um clã, no nor<strong>de</strong>ste brasileiro. A pesquisa<br />

foi realizada por Heloisa Buarque <strong>de</strong> Hollanda, Rachel <strong>de</strong><br />

Queiroz e Luzilá Gonçalves Ferreira.<br />

Situação atual e perspectivas<br />

Dando continuida<strong>de</strong> à preocupação <strong>de</strong> preservar a integrida<strong>de</strong><br />

do acervo, viabilizar sua divulgação para um público mais<br />

amplo e permitir a recuperação da informação pelo usuário, e <strong>de</strong><br />

acordo com a tendência atual <strong>de</strong> informatização e disponibilização<br />

na internet, dos centros <strong>de</strong> documentação, bibliotecas e arquivos,<br />

o PACC estabeleceu uma parceria com a DocPro – empresa que <strong>de</strong>senvolveu<br />

um sistema informatizado <strong>de</strong> recuperação da informa-<br />

300


Arquivos <strong>de</strong> Cultura Contemporânea: uma experiência <strong>de</strong> pesquisa e documentação.<br />

ção. Este sistema prevê a disponibilização on-line <strong>de</strong> qualquer tipo<br />

<strong>de</strong> documento.<br />

Em primeiro lugar, estão sendo digitalizadas, com apoio da<br />

FAPERJ, as coleções cujo tema remete às relações raciais, ou seja os<br />

documentos impressos (recortes <strong>de</strong> jornais e folhetos) , cartazes e<br />

gravações sonoras das coleções Centenário da Abolição, Movimentos<br />

Negros no Rio <strong>de</strong> Janeiro e a atuação do Estado e Memória das<br />

Famílias Negras.<br />

Este trabalho criará suportes digitais (CDs e DVDs) que serão<br />

<strong>de</strong>vidamente armazenados e seu conteúdo será disponibilizado<br />

para acesso público, no site do PACC - http://www.pacc.ufrj.br/ .<br />

Além disso, em acordo firmado entre o PACC e o Museu da<br />

Pessoa - museu virtual <strong>de</strong> histórias <strong>de</strong> vida, disponível no en<strong>de</strong>reço<br />

http://www.museudapessoa.net/ - todos os documentos impressos<br />

e gravações sonoras da coleção Heranças e Lembranças também<br />

estão sendo digitalizados e po<strong>de</strong>rão ser consultados brevemente,<br />

através dos sites das duas instituições.<br />

O objetivo <strong>de</strong>sses esforços é o <strong>de</strong> facilitar ao público interessado<br />

a consulta ao acervo e <strong>seus</strong> documentos, muitas vezes únicos ou<br />

raros, reunidos ao longo das três últimas décadas.<br />

Relembrando Pierre Nora, “os <strong>lugares</strong> <strong>de</strong> memória nascem e vivem<br />

do sentimento que não há memória espontânea, que é preciso<br />

criar arquivos” (1993, p. 13). Verda<strong>de</strong>iro lugar <strong>de</strong> memória, no sentido<br />

que este autor empresta à expressão, o significado dos Arquivos<br />

<strong>de</strong> Cultura Contemporânea ultrapassa o da sua existência material<br />

enquanto <strong>de</strong>pósitos <strong>de</strong> documentos e <strong>de</strong> sua utilida<strong>de</strong> funcional<br />

<strong>de</strong> servirem como fontes <strong>de</strong> informação. Investido, cada vez mais,<br />

<strong>de</strong> uma aura simbólica, seu acervo é tido como patrimônio da memória<br />

e, como tal, chave indispensável, via <strong>de</strong> acesso insubstituível,<br />

para a <strong>de</strong>finição da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> social daqueles que encontram, ali,<br />

os fragmentos <strong>de</strong> sua história” (STROZENBERG, 2000, p.3).<br />

301


Cristina Barros Barreto<br />

Referências<br />

HUYSSEN, Andréas. Seduzidos pela memória: arquitetura, monumentos, mídia. Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro: Aeroplano, 2000. 116 p.<br />

NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos <strong>lugares</strong>. Projeto História,<br />

São Paulo: PUC, n.10, p. 7-29, <strong>de</strong>z. 1993.<br />

SILVA, Tomaz Ta<strong>de</strong>u da (Org.). O que é, afinal, estudos culturais Belo Horizonte:<br />

Autêntica, 2004. 240 p.<br />

STROZENBERG, Ilana. Pesquisa e documentação na CIEC: produção <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s<br />

culturais. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Escola <strong>de</strong> Comunicação, <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 2000. 9f.<br />

302


O SINTUFRJ e a memória dos servidores<br />

técnico-administrativos em Educação<br />

Ana Maria Ribeiro<br />

“A Comunida<strong>de</strong> universitária não é uma comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

intelectuais, como se pensou, por exemplo, nos Estados Unidos.<br />

Ela é também uma comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> todos os setores que<br />

participam <strong>de</strong>la, <strong>de</strong> estudantes que estão começando, <strong>de</strong> estudantes<br />

que estão avançando, fazendo doutorado e <strong>de</strong> funcionários<br />

<strong>de</strong> vários níveis.”<br />

Florestan Fernan<strong>de</strong>s (extraído do livro <strong>de</strong> João Eduardo<br />

do Nascimento Fonseca, “Novos atores na cena universitária”,<br />

NAU Editora, pag.5)<br />

303


Ana Maria Ribeiro<br />

Uma trajetória <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 45 anos<br />

O objetivo <strong>de</strong>sta apresentação é mostrar o papel dos técnicoadministrativos<br />

e <strong>de</strong> sua representação ao longo <strong>de</strong> quase cinco<br />

décadas, no histórico da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />

trazendo o que existe <strong>de</strong> registro e memória.<br />

A categoria dos técnico-administrativos sempre esteve presente<br />

no corpo social das universida<strong>de</strong>s, como verificaremos nos<br />

instrumentos legais <strong>de</strong> criação do ensino superior brasileiro. Mas é<br />

só a partir da década <strong>de</strong> 80, no século XX, que se apresenta como<br />

parte integrante dos movimentos sociais, como sujeitos na luta em<br />

<strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> <strong>seus</strong> direitos e <strong>de</strong> participação ativa na vida universitária.<br />

O movimento dos técnico-administrativos em educação (atual<br />

<strong>de</strong>nominação da carreira <strong>de</strong>stes trabalhadores, servidores públicos<br />

fe<strong>de</strong>rais nas instituições fe<strong>de</strong>rais <strong>de</strong> ensino superior) na UFRJ, se<br />

<strong>de</strong>staca não apenas por ser esta a primeira e uma das maiores instituições<br />

do sistema fe<strong>de</strong>ral, mas porque é a associação, ASSUFRJ,<br />

<strong>de</strong>pois transformada em sindicato, SINTUFRJ, que se <strong>de</strong>stacou na<br />

organização da categoria nacionalmente. É da UFRJ que saíram os<br />

principais quadros dirigentes da FASUBRA, fe<strong>de</strong>ração nacional que<br />

aglutina o conjunto <strong>de</strong> associações/sindicatos locais. Portanto, resgatar<br />

a memória dos técnico-administrativos em educação da UFRJ,<br />

também é resgatar a memória <strong>de</strong> uma categoria com presença nacional.<br />

Breve histórico<br />

A universida<strong>de</strong> no Brasil foi instituída em 1920, com a criação<br />

da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Entretanto, o ensino superior se<br />

iniciou bem antes, em 1808 com os cursos <strong>de</strong> Medicina da Bahia e<br />

no Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

O ensino superior, assim como todo e qualquer nível <strong>de</strong> ensino,<br />

tem o seu corpo social constituído <strong>de</strong> professores, alunos e funcionários.<br />

Aqueles que apren<strong>de</strong>mos a chamar <strong>de</strong> funcionários eram,<br />

304


O SINTUFRJ e a Memória dos Servidores Técnico-Administrativos em Educação<br />

nos séculos XIX e XX, os que asseguravam as tarefas <strong>de</strong> portaria,<br />

inspetor, secretarias, cozinha, biblioteca, ou seja, toda a estrutura<br />

necessária para a efetivida<strong>de</strong> da ação educacional. Entretanto, toda<br />

a literatura existente, sejam as que discutem as teorias educacionais<br />

ou as que <strong>de</strong>screvem os movimentos sociais <strong>de</strong> contestação, tão comuns<br />

na vida universitária, não citam os funcionários como agentes<br />

ou participantes <strong>de</strong>stes cenários.<br />

Somente no final do século XX, em 1996, com a publicação<br />

pela NAU Editora do livro “Novos atores na cena universitária”, do<br />

técnico-administrativo em educação João Eduardo do Nascimento<br />

Fonseca, resultado <strong>de</strong> sua dissertação <strong>de</strong> Mestrado, passamos a ter<br />

uma literatura específica da trajetória do movimento <strong>de</strong>sta parcela<br />

dos trabalhadores universitários.<br />

A construção da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

De Servidores Públicos Civis, passando pela terminologia Funcionários<br />

das <strong>Universida<strong>de</strong></strong>s, somente em 1987, com a conquista<br />

<strong>de</strong> um plano <strong>de</strong> carreira específico, passamos a Servidores Técnico-<br />

Administrativos. Em 2005, o novo plano <strong>de</strong> carreira estabelece a<br />

terminologia Técnico-Administrativos em Educação - TAEs. Anos<br />

<strong>de</strong> luta pelo reconhecimento <strong>de</strong> uma categoria no “fazer” do ensino<br />

superior; <strong>de</strong> superação <strong>de</strong> uma relação subalterna, para sujeito na<br />

política universitária.<br />

Na UFRJ essa luta passou pelo fortalecimento <strong>de</strong> sua representação<br />

organizativa.<br />

A Associação <strong>de</strong> Servidores da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil, ASSUB,<br />

é fundada em 11 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1960, visando à prática <strong>de</strong> esportes,<br />

reuniões sociais, assistência médica, jurídica, farmacêutica, odontológica<br />

e hospitalar. Dez anos <strong>de</strong>pois, fun<strong>de</strong>-se com o Esporte<br />

Clube Cida<strong>de</strong> Universitária, mantendo seu caráter assistencialista<br />

e afirmando em seu estatuto que entre <strong>seus</strong> objetivos está absterse<br />

<strong>de</strong> qualquer discussão política. Mantém um vínculo forte com a<br />

instituição e avessa às <strong>de</strong>mandas reivindicatórias e confronto com<br />

305


Ana Maria Ribeiro<br />

as administrações e órgãos do Estado. Nascida ASSUB, passou a<br />

ASSURJ e <strong>de</strong>pois ASSUFRJ, Associação <strong>de</strong> Servidores da <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />

Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

Em 1982, os funcionários reconhecem a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um<br />

instrumento <strong>de</strong> luta forte e organizado. Vencendo o imobilismo das<br />

diretorias da ASSUFRJ, organizam sua primeira greve, que <strong>de</strong>ixou<br />

marcas profundas e um avanço irreversível no movimento. Ao término<br />

daquela greve, criou-se um conselho <strong>de</strong> representantes in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />

da direção da ASSUFRJ, que se tornou o interlocutor,<br />

<strong>de</strong> fato, da categoria.<br />

Nas eleições <strong>de</strong> 1984, o grupo mais combativo vence a eleição<br />

e dá à entida<strong>de</strong> uma face política e <strong>de</strong> representação dos servidores.<br />

Várias associações no país, assim como a FASUBRA - Fe<strong>de</strong>ração das<br />

Associações <strong>de</strong> Servidores das <strong>Universida<strong>de</strong></strong>s Brasileiras, ganham<br />

um novo perfil <strong>de</strong> combativida<strong>de</strong>. Neste mesmo ano, instalou-se<br />

uma longa greve, <strong>de</strong> 84 dias, em que os professores também a<strong>de</strong>riram,<br />

com pautas unificadas. A categoria ganha 40% <strong>de</strong> aumento e<br />

o compromisso <strong>de</strong> isonomia com as universida<strong>de</strong>s fundacionais. No<br />

Brasil, viviam-se as mobilizações pelas “Diretas Já” para Presi<strong>de</strong>nte<br />

da República. Nas universida<strong>de</strong>s, o lema era: “Diretas para Presi<strong>de</strong>nte<br />

e para Reitor Já!”. É neste clima que a primeira eleição para Reitor<br />

acontece na UFRJ – uma consulta organizada pelos movimentos<br />

e que pela apuração paritária dos votos, se conquista a eleição do<br />

Prof. Horácio Macedo. A posse do reitor eleito traz outra vertente<br />

ao corpo técnico-administrativo, que oferece ao movimento a Sub-<br />

Reitoria <strong>de</strong> Pessoal e Serviços Gerais (SR-4), atual PR-4. A categoria<br />

em <strong>de</strong>cisão histórica, em assembléia, aprova por esmagadora maioria,<br />

a indicação <strong>de</strong> seu presi<strong>de</strong>nte para o cargo, João Eduardo do<br />

Nascimento Fonseca, que se licencia das funções associativas. Pela<br />

primeira vez na história, um funcionário ocupa um cargo na administração<br />

central. Fato este que veio a se repetir em várias universida<strong>de</strong>s<br />

do país.<br />

Novas greves, nos anos seguintes, até a conquista, em 1987,<br />

da Lei da Isonomia e da almejada carreira. Depois <strong>de</strong> mais um<br />

306


O SINTUFRJ e a Memória dos Servidores Técnico-Administrativos em Educação<br />

período <strong>de</strong> greve, entre abril e maio, o MEC apressa o processo <strong>de</strong><br />

implantação da isonomia entre autarquias e fundações. Essas<br />

conquistas são um importante passo para o fortalecimento da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

da categoria como trabalhadores do setor público <strong>de</strong> educação.<br />

A participação <strong>de</strong> li<strong>de</strong>ranças do movimento na administração<br />

da UFRJ foi extremamente importante para subsidiar a construção<br />

do plano <strong>de</strong> carreira conquistado. Assim como a elaboração, inicialmente<br />

dos militantes ativos da ASSUFRJ, na construção do Projeto<br />

<strong>Universida<strong>de</strong></strong> para os Trabalhadores, que entre outras propostas<br />

incluía a criação do Pré-vestibular gratuito para a categoria. O projeto<br />

foi adotado pela reitoria da UFRJ, mas após o final do mandato<br />

(1990) passou à responsabilida<strong>de</strong> da ASSUFRJ e até hoje é um<br />

exemplo <strong>de</strong> sucesso e <strong>de</strong>dicação.<br />

Em 1988, com a nova Carta Magna - Constituição Fe<strong>de</strong>ral, inúmeras<br />

ban<strong>de</strong>iras <strong>de</strong>fendidas pelos trabalhadores foram conquistadas.<br />

Entretanto, a nova <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> cargo público trouxe um sério<br />

problema para o recém conquistado plano <strong>de</strong> carreira. O acesso ao<br />

cargo passa a ser exclusivamente por concurso público, <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rando<br />

carreiras com vários cargos, inviabilizando a ascensão funcional<br />

- concurso interno - que existia e possibilitava o crescimento<br />

do servidor na carreira. Enquanto que na esfera privada, um trabalhador<br />

po<strong>de</strong> crescer – entrar servente, estudar e almejar um novo<br />

posto, na esfera pública isso foi abolido.<br />

Em 1989, a categoria aprofunda a busca por uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

única dos servidores públicos fe<strong>de</strong>rais e se trava a luta pela construção<br />

<strong>de</strong> um Regime Jurídico Único - RJU. Na UFRJ, a disputa interna<br />

também contamina as li<strong>de</strong>ranças do movimento sindical. A sucessão<br />

do professor Horacio Macedo, em 1989, traz uma séria divisão<br />

no grupo que conquistou a ASSUFRJ em 1984, que se apresentou<br />

dividida nas eleições da associação e da reitoria. Vencedora a chapa<br />

<strong>de</strong> oposição ao professor Horacio, o professor Nelson Maculan assume<br />

a reitoria e convida para a SR-4 a funcionária Irai<strong>de</strong>s Coelho,<br />

que também saía da presidência da ASSUFRJ; fica dois anos no car-<br />

307


Ana Maria Ribeiro<br />

go e sofre inúmeras críticas em sua atuação por parte dos técnicoadministrativos.<br />

Foram momentos <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> tensão e divisão na<br />

UFRJ que se fez presente no conjunto do movimento dos técnicoadministrativos,<br />

docente e estudantil. Passou-se à era “horacistas” e<br />

“pinguelistas”.<br />

Em 1990, o RJU é aprovado, após intensa luta. Mais uma vitória<br />

com caravanas à Brasília e paralisações para <strong>de</strong>rrotar o veto <strong>de</strong><br />

Collor. Os servidores da UFRJ foram os primeiros a aprovar greve<br />

no serviço público contra a política <strong>de</strong> <strong>de</strong>missões <strong>de</strong>ste governo.<br />

Os trabalhadores da UFRJ estiveram entre os primeiros também a<br />

apoiar a luta “Fora Collor, por eleições gerais”, que culminou com<br />

seu impeachment.<br />

Já em 1992, trava-se a luta vitoriosa contra a estatuinte imposta<br />

pela reitoria da época, pensada e criada sem a participação<br />

da comunida<strong>de</strong> universitária. A reitoria reconhece que todos os<br />

servidores são estatutários, preservando direitos <strong>de</strong> quatro mil extra-quadros.<br />

Uma nova greve em maio exige: carreira para todos<br />

os trabalhadores em educação, recomposição salariais e passivos,<br />

como também a retirada do Projeto <strong>de</strong> Emenda Constitucional do<br />

Governo (PEC-56), que acabava com o RJU e restringia as verbas<br />

para a universida<strong>de</strong>. A PEC 56 sai <strong>de</strong> pauta <strong>de</strong> votação. Cresce a necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> consolidação <strong>de</strong> uma entida<strong>de</strong> sindical, que representasse<br />

o conjunto da categoria, em uma forma <strong>de</strong> organização<br />

mais avançada.<br />

Em 1993, a categoria <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> pela transformação da Associação<br />

em um Sindicato local. Nasce, então, o Sindicato dos Trabalhadores<br />

em Educação da UFRJ, o SINTUFRJ. Os anos que se<br />

seguiram foram <strong>de</strong> muita luta com relação à efetivação da carreira<br />

e da isonomia. O corte no 13º salário em 1994 levou a uma paralisação<br />

que quase inviabiliza o concurso <strong>de</strong> seleção para acesso aos<br />

cursos <strong>de</strong> graduação <strong>de</strong> 1995.<br />

O período <strong>de</strong> 1995 a 2002 foi <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s disputas e o movimento<br />

sindical como um todo atuou no sentido da <strong>de</strong>fesa das conquis-<br />

308


O SINTUFRJ e a Memória dos Servidores Técnico-Administrativos em Educação<br />

tas existentes frente aos gran<strong>de</strong>s ataques <strong>de</strong>feridos pelo governo<br />

FHC (Fernando Henrique Cardoso). Instalou-se em Brasília o império<br />

dos ataques diretos contra os direitos dos servidores e a <strong>de</strong>struição<br />

do serviço público. Lutamos contra a revisão constitucional, para<br />

garantir o pagamento dos 26% (perdas impostas aos servidores) e<br />

pela autonomia universitária. Lutamos contra a reforma administrativa<br />

e contra a intervenção do governo <strong>de</strong> FHC na UFRJ.<br />

O movimento dos servidores da UFRJ extrapolou os muros da<br />

universida<strong>de</strong> e saiu em <strong>de</strong>fesa da Vale do Rio Doce e dos trabalhadores<br />

rurais: Servidores e MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais<br />

Sem Terra) marcham juntos sobre Brasília. Em vários momentos,<br />

o SINTUFRJ esteve nas ruas, como no ato “<strong>Universida<strong>de</strong></strong> na Praça”, o<br />

“Show dos Sem”, e a campanha “Fome <strong>de</strong> Justiça”. Esteve também<br />

ao lado <strong>de</strong> movimentos sociais, como o dos Trabalhadores Rurais<br />

Sem Terra, na exposição promovida pelo IFCS “Terra - MST - Sebastião<br />

Salgado”. Mas a luta pelo respeito à Justiça e o direito <strong>de</strong> recebermos<br />

os 28,86% seguiu ao longo <strong>de</strong> 1997 e 1998. Na UFRJ, a categoria<br />

enfim conquista assento no Conselho Universitário e passa a<br />

ser representada por 10 técnico-administrativos eleitos para tal.<br />

Em 1995 e 1996, uma forte atuação no Congresso Nacional<br />

para impedir o golpe na Lei <strong>de</strong> Diretrizes e Bases da Educação Nacional<br />

(LDB). O projeto <strong>de</strong> lei construído pelos movimentos sociais,<br />

e apoiado pelo Fórum em Defesa da Escola Pública em que a Fasubra<br />

participava, sofre forte ataque com um substitutivo apresentado<br />

pelo Senador Darcy Ribeiro, rasgando as principais ban<strong>de</strong>iras<br />

dos <strong>de</strong>fensores da escola pública. O SINTUFRJ participou ativamente<br />

<strong>de</strong>sta luta com a participação no GT Educação da Fasubra.<br />

A aprovação das leis nº 9192/95 e 9394/96, que cerceia o processo<br />

<strong>de</strong> escolha dos dirigentes universitários – impondo os 70% <strong>de</strong> votos<br />

para os docentes e a LDB, respectivamente, trazem claramente um<br />

processo <strong>de</strong> controle do governo às universida<strong>de</strong>s, um afronta ao<br />

Art. 207 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral que conce<strong>de</strong>u a Autonomia Universitária.<br />

309


Ana Maria Ribeiro<br />

Em 1998, o SINTUFRJ li<strong>de</strong>rou a maior mobilização em <strong>de</strong>fesa da<br />

UFRJ, e junto aos estudantes, docentes, dirigentes universitários e<br />

conselheiros do CONSUNI (Conselho Universitário) e do CEG (Conselho<br />

<strong>de</strong> Ensino <strong>de</strong> Graduação) teve uma posição <strong>de</strong> confronto ao<br />

governo FHC.<br />

Em meio a uma das maiores greves nas universida<strong>de</strong>s, 15.000<br />

pessoas foram às urnas nos dias 17, 18 e 19/4 e escolheram o professor<br />

Aloísio Teixeira para reitor. Este resultado foi ratificado <strong>de</strong>pois<br />

no Colégio Eleitoral. Todos os candidatos a reitor, com exceção <strong>de</strong><br />

Luiz Henrique Vilhena (IFCS), retiraram suas candidaturas em prol<br />

do mais votado nas urnas. O professor do IFCS, que havia sido vicereitor<br />

na gestão anterior e um dos menos votados nas três categorias,<br />

foi nomeado em Brasília pelo governo FHC, abrindo a maior<br />

crise já instalada na história da UFRJ.<br />

Acontece, então, uma das maiores greves já realizadas na<br />

UFRJ. Por mais <strong>de</strong> 90 dias, servidores protagonizam uma heróica<br />

luta <strong>de</strong> ocupação da reitoria, logo após a comunicação da posse do<br />

interventor, em <strong>de</strong>fesa da autonomia universitária. Os conselhos<br />

superiores, congregações e conselhos <strong>de</strong> centro da maioria das uni-<br />

310


O SINTUFRJ e a Memória dos Servidores Técnico-Administrativos em Educação<br />

da<strong>de</strong>s se posicionaram contra a nomeação e exigiam a renúncia do<br />

mesmo. O Conselho <strong>de</strong> Ensino <strong>de</strong> Graduação se manteve em convocação<br />

permanente. A UFRJ e seu corpo social viveram momentos<br />

<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> conflito e paralisia do seu funcionamento institucional.<br />

Os técnico-administrativos mostraram na prática como se <strong>de</strong>ve lutar<br />

pela <strong>de</strong>mocracia.<br />

Apesar da <strong>de</strong>socupação por <strong>de</strong>cisão judicial e com todo aparato<br />

militar, o movimento continuou unido e foi impossível ao<br />

interventor implementar a política <strong>de</strong> FHC na universida<strong>de</strong>. Mas<br />

vivemos dias difíceis e assistimos ao crescimento da divisão interna<br />

na UFRJ, separação das unida<strong>de</strong>s, ampliação das fundações<br />

privadas no interior da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> e ao completo abandono das<br />

instâncias colegiadas. Com isso, a ausência <strong>de</strong> transparência e espaço<br />

<strong>de</strong>mocrático <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões. As alterações no Estatuto da UFRJ levaram<br />

à redução <strong>de</strong> nossa representação no Conselho Universitário<br />

<strong>de</strong> 10 para 5 membros.<br />

Em 2002, os novos ventos, o clima <strong>de</strong> re<strong>de</strong>mocratização da<br />

UFRJ e a unida<strong>de</strong> entre docentes, técnico-administrativos e alunos,<br />

possibilitaram a vitória <strong>de</strong> uma chapa <strong>de</strong> reconstrução e união com<br />

o professor Carlos Lessa no cargo <strong>de</strong> Reitor. Mais uma vez, repetindo<br />

o ocorrido nos anos <strong>de</strong> 1984 e 1990, levando um ex-dirigente do<br />

SINTUFRJ à administração central, agora no cargo <strong>de</strong> Superinten<strong>de</strong>nte<br />

Geral da Pró-Reitoria <strong>de</strong> Pessoal, Roberto Gambine. Des<strong>de</strong><br />

1992, um técnico-administrativo, com compromisso com as ban<strong>de</strong>iras<br />

da categoria, não assumia uma função na estrutura universitária.<br />

Reflexo dos 10 anos <strong>de</strong> retrocesso no espaço <strong>de</strong> conquista<br />

da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, fruto dos anos <strong>de</strong> neoliberalismo, pelos ataques<br />

que sofremos <strong>de</strong> tentativas <strong>de</strong> resulbalternização da categoria,<br />

impossibilitando sua atuação também como sujeitos na construção<br />

da universida<strong>de</strong>. A partir <strong>de</strong> 2002 foi possível retomar a pauta <strong>de</strong><br />

ocupação dos espaços na universida<strong>de</strong>, por parte dos técnico-administrativos,<br />

seja com a conquista <strong>de</strong> assento no Conselho <strong>de</strong> Ensino<br />

<strong>de</strong> Graduação e Pós-Graduação (CEG e CEPG), nos colegiados dos<br />

311


Ana Maria Ribeiro<br />

centros, na eleição/consulta <strong>de</strong> diversos setores como DVST e Divisão<br />

<strong>de</strong> Transportes. Na luta nacional, o Cargo Único em consonância<br />

com o Projeto <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Cidadã para os Trabalhadores.<br />

Todas as greves e lutas salariais tinham como objetivo a construção<br />

do Plano <strong>de</strong> Carreira, até que na greve <strong>de</strong> 2004 foi conquistada<br />

a Lei 11.091, aprovada em 2005, e que se encontra atualmente<br />

em fase <strong>de</strong> aperfeiçoamento. Mas esta carreira trouxe um novo paradigma<br />

para a categoria:<br />

1º - sua qualificação como Técnico-administrativo em Educação<br />

e seu reconhecimento como ramo da educação;<br />

2º - o reconhecimento <strong>de</strong> sua progressão por qualificação e<br />

capacitação, separadamente, incentivando assim uma maior formação<br />

e mais ainda, vinculando ao ambiente <strong>de</strong> trabalho, o que<br />

significou sua condição <strong>de</strong> ligação entre o saber e fazer <strong>de</strong>ntro da<br />

instituição;<br />

3º - o reconhecimento na sua atuação, na orientação, coor<strong>de</strong>nação<br />

e execução <strong>de</strong> pesquisa e extensão;<br />

4º - a valorização <strong>de</strong> sua atuação no ambiente <strong>de</strong> trabalho e<br />

a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um Programa <strong>de</strong> Avaliação que compreenda as<br />

ações no processo como um todo e não simplesmente aspectos burocráticos<br />

e administrativos;<br />

5º - o <strong>de</strong>bate sobre o saber acadêmico e o saber adquirido no<br />

processo <strong>de</strong> trabalho;<br />

6º - o <strong>de</strong>bate sobre o perfil e atuação dos técnico-administrativos<br />

numa universida<strong>de</strong> no século XXI.<br />

De 2005 a 2007, a categoria vem lutando pelo aperfeiçoamento<br />

da carreira conquistada, os direitos conquistados como Plano <strong>de</strong><br />

Saú<strong>de</strong> Complementar, contra as Fundações Estatais e pelo aumento<br />

<strong>de</strong> recursos orçamentários e vagas para concurso público para<br />

técnico-administrativos e docentes. Ainda luta pela criação <strong>de</strong> um<br />

Conselho <strong>de</strong> Administração como colegiado especifico <strong>de</strong> organização<br />

dos trabalhadores em educação, possibilitando dar um passo<br />

fundamental à <strong>de</strong>mocratização da UFRJ. Ainda é muito presente o<br />

312


O SINTUFRJ e a Memória dos Servidores Técnico-Administrativos em Educação<br />

assédio moral, a perseguição política e sulbaternização da categoria<br />

técnico-administrativa pelo corpo docente. Essa é uma página<br />

da história que <strong>de</strong>sejamos virar e só será possível quando todos os<br />

trabalhadores forem tratados como trabalhadores, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />

<strong>de</strong> suas titulações. Todos somos servidores públicos fe<strong>de</strong>rais no<br />

cumprimento <strong>de</strong> ações para o público, para a população brasileira.<br />

Conclusão<br />

Nestes 45 anos <strong>de</strong> existência organizada e 200 <strong>de</strong> existência<br />

enquanto categoria, po<strong>de</strong>mos afirmar que apenas há uns 25 anos<br />

começamos a nos apresentar ao mundo, com uns 10 anos <strong>de</strong> interrupção<br />

no nosso caminho.<br />

Mas voltamos ao rumo traçado e não há mais volta.<br />

Ocupando nosso espaço e reivindicando cada vez mais.<br />

313


Ana Maria Ribeiro<br />

Referências<br />

FONSECA, João Eduardo. Novos atores na cena universitária. Rio <strong>de</strong> Janeiro: NAU/<br />

UFRJ, 1996.<br />

Fotos e informações do acervo do SINTUFRJ, Departamento <strong>de</strong> Comunicação<br />

(DECOS).<br />

314


Os Autores<br />

Manoel Luiz Salgado Guimarães é Professor Doutor pela <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />

Livre <strong>de</strong> Berlim e com Pós-doutorado na Escola <strong>de</strong> Altos<br />

Estudos em Ciências Socias <strong>de</strong> Paris. Professor Associado do Departamento<br />

<strong>de</strong> História e do Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em História<br />

Social do IFCS/UFRJ. Professor Adjunto do Departamento <strong>de</strong> História<br />

da UERJ e Pesquisador do CEO/PRONEX – CNPq / FAPERJ.<br />

Antonio José Barbosa <strong>de</strong> Oliveira é Graduado em História<br />

pelo IFCS/UFRJ, Especialista em História do Brasil pela Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Formação <strong>de</strong> Professores da UERJ e Mestre em História Comparada<br />

(IFCS/UFRJ). Historiador responsável pelo Projeto Memória do<br />

<strong>Sistema</strong> <strong>de</strong> <strong>Bibliotecas</strong> e Informação (SiBI) e professor colaborador<br />

do curso <strong>de</strong> Biblioteconomia e Gestão <strong>de</strong> Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Informação<br />

(CBG/FACC-UFRJ).<br />

Diana <strong>de</strong> Souza Pinto é Graduada em Letras, Mestre em Lingüística<br />

Aplicada e Doutora em Ciências da Saú<strong>de</strong> pela <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />

Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Professora e atual coor<strong>de</strong>nadora do<br />

Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em Memória Social na <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />

Fe<strong>de</strong>ral do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro (UNIRIO).<br />

Maria Ângela Dias é arquiteta, Profª. Dsc da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Arquitetura<br />

e Urbanismo e Pesquisadora do Programa <strong>de</strong> Pós Graduação<br />

em Arquitetura – PROARQ/ UFRJ. Atuou na administração da<br />

UFRJ como Diretora da FAU, Prefeita da UFRJ e Diretora do Escritório<br />

Técnico da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> - ETU, on<strong>de</strong> criou, em 2004, um setor <strong>de</strong><br />

memória arquitetônica dos imóveis históricos da UFRJ, a Divisão <strong>de</strong><br />

Preservação dos Imóveis Tombados - DIPRIT.<br />

315


Heloi José Fernan<strong>de</strong>s Moreira é Engenheiro Eletricista pela<br />

PUC/RJ ; Mestre em Ciências em Engenharia pela UFRJ. Professor da<br />

Escola Politécnica da UFRJ <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1973; Diretor da Escola Politécnica<br />

da UFRJ <strong>de</strong> 1996 a 2006. Atualmente é Superinten<strong>de</strong>nte do Museu<br />

da Escola Politécnica, Presi<strong>de</strong>nte da Associação dos Antigos Alunos<br />

da Politécnica e Presi<strong>de</strong>nte do Clube <strong>de</strong> Engenharia.<br />

Júlio Carlos Afonso é Professor associado do Departamento<br />

<strong>de</strong> Química Analítica do Instituto <strong>de</strong> Química da UFRJ, Engenheiro<br />

Químico (Escola <strong>de</strong> Química/UFRJ, 1985); Químico com Atribuições<br />

Tecnológicas (Instituto <strong>de</strong> Química/UFRJ, 1986); Mestre em Engenharia<br />

Química e Doutor em Engenharia Química (Institut <strong>de</strong> Rechcerches<br />

sur la Catalyse, Lyon-França, 1990). Criador e responsável<br />

pelo Museu da Química Prof. Athos da Silveira Ramos.<br />

Regina Dantas é Mestre em Memória Social (PPGMS / UNIRIO),<br />

Doutoranda em História da Ciência pela COPPE / UFRJ, professora<br />

colaboradora do curso <strong>de</strong> Biblioteconomia e Gestão <strong>de</strong> Unida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> Informação da UFRJ. Historiadora do Museu Nacional / UFRJ e<br />

Superinten<strong>de</strong>nte Administrativa da Pró-Reitoria <strong>de</strong> Pós-graduação<br />

e Pesquisa/UFRJ.<br />

Ângela Âncora da Luz é Mestre em Filosofia (UFRJ) e Doutora<br />

em História Social (UFRJ). Atualmente é Diretora da Escola <strong>de</strong> Belas<br />

Artes da UFRJ e atua como professora do Programa <strong>de</strong> Pós-graduação<br />

em Artes Visuais (UFRJ). Historiadora e Crítica <strong>de</strong> Arte.<br />

Elizabete Rodrigues <strong>de</strong> Campos Martins é Doutora em Geographie<br />

Sociale et D`Etu<strong>de</strong> Urbaines – École dês Hautes Etu<strong>de</strong>s<br />

em Sciences Sociales. Professora da FAU/UFRJ e Coor<strong>de</strong>nadora do<br />

Núcleo <strong>de</strong> Pesquisa e Documentação (NPD/FAU-UFRJ). João Cláudio<br />

Parucher é Bacharel em Arquivologia (UNIRIO) e Arquivista do<br />

Núcleo <strong>de</strong> Pesquisa e Documentação (NPD/FAU). Cláudio Muniz<br />

Viana é Bacharel em Arquivologia (UNIRIO) e Arquivista do SiBI (<strong>Sistema</strong><br />

<strong>de</strong> <strong>Bibliotecas</strong> e Informação da UFRJ).<br />

316


Elina G. da Fonte Pessanha é graduada em Ciências Sociais<br />

pela <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral Fluminense, Mestre em Antropologia Social<br />

pela <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro (Museu Nacional)<br />

e Doutora em Ciências Humanas pela <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> São Paulo .<br />

Realizou pós-doutorado junto à <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Londres. Professora<br />

do <strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> Ciências Sociais / IFCS/ UFRJ e atua no Programa<br />

<strong>de</strong> Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia. Coor<strong>de</strong>na<br />

o Arquivo <strong>de</strong> Memória Operária do Rio <strong>de</strong> Janeiro (AMORJ). Marcos<br />

Aurélio Santana Rodrigues é Bacharel e Licenciado em História<br />

pela UFRJ. Atualmente é bolsista <strong>de</strong> apoio técnico pelo CNPq e <strong>de</strong>senvolve<br />

a função <strong>de</strong> supervisor <strong>de</strong> documentação do AMORJ.<br />

Maria da Luz Barbosa Gomes é Doutora em Enfermagem pela<br />

Escola <strong>de</strong> Enfermagem Anna Nery. Professor Adjunto do Departamento<br />

<strong>de</strong> Enfermagem Fundamental da EEAN/UFRJ. Pesquisadora<br />

do Núcleo <strong>de</strong> Pesquisa <strong>de</strong> História da Enfermagem Brasileira da<br />

EEAN/UFRJ. Responsável Acadêmico do Centro <strong>de</strong> Documentação<br />

- CEDOC da EEAN/UFRJ. Sandra Cristina Demetrio <strong>de</strong> Moraes é<br />

Arquivologista e <strong>de</strong>senvolve o Projeto <strong>de</strong> Organização do Arquivo<br />

Permanente da EEAN. Arquivista do CEDOC.<br />

André Cardoso é graduado pela Escola <strong>de</strong> Música da UFRJ,<br />

Meste e Doutor em Musicologia pela UNIRIO. Atualmente é Diretor<br />

da Escola <strong>de</strong> Música da UFRJ, on<strong>de</strong> é professor <strong>de</strong> Regência e Prática<br />

<strong>de</strong> Orquestra, além <strong>de</strong> diretor artístico e regente da Orquestra<br />

Sinfônica da UFRJ.<br />

Maria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Albuquerque Fávero é Livre-Docente em<br />

Educação pela PUC/Rio, Pesquisadora Nível 1A do CNPq; Professora<br />

Aposentada na UFRJ e Coor<strong>de</strong>nadora do PROEDES – Programa <strong>de</strong><br />

Estudos e Documentação Educação e Socieda<strong>de</strong>/FE/UFRJ.<br />

317


Marieta <strong>de</strong> Moraes Ferreira é Doutora em História pela <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />

Fe<strong>de</strong>ral Fluminense, com pós-doutorado na École <strong>de</strong>s<br />

Hautes Etu<strong>de</strong>s em Sciences Sociales-EHSS, Paris. Diretora da Editora<br />

FGV é também pesquisadora do CNPQ e da FAPERJ. Foi Diretora do<br />

Centro <strong>de</strong> Pesquisa e Documentação <strong>de</strong> História Contemporânea<br />

do Brasil da Fundação Getulio Vargas-CPDOC/FGV (1999-2005). Professora<br />

do Departamento <strong>de</strong> História da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral do<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro e pesquisadora do CPDOC/FGV.<br />

José Tavares da Silva Filho é bibliotecário da UFRJ, Especialista<br />

em Obras Raras e Preservação <strong>de</strong> Acervos Bibliográficos. Atualmente<br />

é coor<strong>de</strong>nador técnico da Biblioteca Pedro Calmon do<br />

Fórum <strong>de</strong> Ciência e Cultura (FCC / UFRJ). Rosane Cristina <strong>de</strong> Oliveira<br />

é Cientista Social e Mestre em Ciência Política - IFCS/UFRJ<br />

e Doutoranda em Ciências Sociais no Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação<br />

em Ciências Sociais da UERJ. Andréa Côrtes Torres é bibliotecária<br />

da Biblioteca Pedro Calmon (FCC /UFRJ) e Mestranda do Programa<br />

<strong>de</strong> Pós-Graduação em Memória Social (PPGMS-UNIRIO).<br />

Maria Cristina Rangel Jardim é Bibliotecária / Documentalista,<br />

Especialista em Desenvolvimento <strong>de</strong> Recursos Humanos e coor<strong>de</strong>nadora<br />

das <strong>Bibliotecas</strong> do Centro <strong>de</strong> Filosofia e Ciências Humanas<br />

(CFCH/UFRJ) e da Escola <strong>de</strong> Comunicação (ECO / UFRJ).<br />

Cristina Barros Barreto é graduada em Letras (PUC/RJ), Mestre<br />

em Ciência da Informação (UFF). Trabalha na UFRJ <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1991,<br />

no Programa Avançado <strong>de</strong> Cultura Contemporânea, como membro<br />

da equipe <strong>de</strong> organização dos Arquivos <strong>de</strong> Cultura Contemporânea,<br />

preparadora e revisora <strong>de</strong> textos da Revista Z Cultural e analista <strong>de</strong><br />

informação da Biblioteca Virtual <strong>de</strong> Estudos Culturais.<br />

Ana Maria Ribeiro é graduada em Matemática e servidora<br />

técnico-administrativa da UFRJ. Foi coor<strong>de</strong>nadora administrativa da<br />

Comissão Executiva do Concurso <strong>de</strong> Seleção (Vestibular). Representante<br />

dos técnico-administrativos no Conselho Universitário (CON-<br />

SUNI) e no Conselho <strong>de</strong> Ensino <strong>de</strong> Graduação (CEG). Membro do GT<br />

Educação da FASUBRA, foi coor<strong>de</strong>nadora do SINTUFRJ no período<br />

2001-2008.<br />

318

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