A Universidade e seus lugares de memória - Sistema de Bibliotecas ...
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<strong>Universida<strong>de</strong></strong> e <strong>lugares</strong> <strong>de</strong> memória
Reitor<br />
Aloísio Teixeira<br />
Vice-Reitora<br />
Sylvia da Silveira <strong>de</strong> Mello Vargas<br />
Pró-Reitora <strong>de</strong> Graduação<br />
Belkis Valdman<br />
Pró-Reitora <strong>de</strong> Pós-Graduação e Pesquisa<br />
Ângela Uller<br />
Pró-Reitor <strong>de</strong> Planejamento e Desenvolvimento<br />
Carlos Antônio Levi da Conceição<br />
Pró-Reitor <strong>de</strong> Pessoal<br />
Luiz Afonso Henrique Mariz<br />
Pró-Reitora <strong>de</strong> Extensão<br />
Laura Tavares<br />
Prefeito da Cida<strong>de</strong> Universitária<br />
Hélio <strong>de</strong> Mattos Alves<br />
Coor<strong>de</strong>nadora do Fórum <strong>de</strong> Ciência e Cultura<br />
Beatriz Resen<strong>de</strong><br />
Coor<strong>de</strong>nadora do <strong>Sistema</strong> <strong>de</strong> <strong>Bibliotecas</strong> e Informação<br />
Paula Maria Abrantes Cotta <strong>de</strong> Mello
Série Memória, documentação e pesquisa, 2<br />
<strong>Universida<strong>de</strong></strong> e <strong>lugares</strong> <strong>de</strong> memória<br />
Organização<br />
Antonio José Barbosa <strong>de</strong> Oliveira<br />
UFRJ / FCC / SiBI
<strong>Sistema</strong> <strong>de</strong> <strong>Bibliotecas</strong> e Informação (SiBI/UFRJ)<br />
Copyright FCC-SIBI/UFRJ, 2008<br />
Impressão<br />
Walprint Gráfica e Editora<br />
Capa e Diagramação<br />
Guilherme Tomaz<br />
Organização<br />
Antonio José Barbosa <strong>de</strong> Oliveira<br />
Revisão<br />
Antonio José Barbosa <strong>de</strong> Oliveira<br />
Nilce Nunes Lima<br />
Revisão <strong>de</strong> Referências<br />
Elaine Baptista <strong>de</strong> Matos Paula<br />
Eneida <strong>de</strong> Oliveira<br />
U58<br />
Os conceitos emitidos neste livro são <strong>de</strong> inteira responsabilida<strong>de</strong> dos autores<br />
Ficha catalográfica elaborada pela Divisão <strong>de</strong> Processamento Técnico – SiBI/UFRJ<br />
<strong>Universida<strong>de</strong></strong> e <strong>lugares</strong> <strong>de</strong> memória / organizado por<br />
Antonio José Barbosa <strong>de</strong> Oliveira. – Rio <strong>de</strong> Janeiro: <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />
Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro, Fórum <strong>de</strong> Ciência e Cultura,<br />
<strong>Sistema</strong> <strong>de</strong> <strong>Bibliotecas</strong> e Informação, 2008.<br />
320 p. : il. ; 21cm. -- (Memória, documentação e pesquisa)<br />
ISBN: 978-85-7108-328-8<br />
1. <strong>Universida<strong>de</strong></strong>-história. 2.Memória coletiva – Congressos.<br />
3. Memória coletiva - <strong>Universida<strong>de</strong></strong>. I. <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro. Fórum <strong>de</strong> Ciência e Cultura. <strong>Sistema</strong> <strong>de</strong> <strong>Bibliotecas</strong> e<br />
Informação. II. Série.<br />
CDD: 378.10981
Aos autores
Sumário<br />
Apresentação<br />
Aloísio Teixeira<br />
História, Memória e Patrimônio<br />
Manoel Luiz Salgado Guimarães<br />
História, memória e instituições: algumas reflexões<br />
teórico-metodológicas para os trabalhos do Projeto Memória SiBI / UFRJ<br />
Antonio José Barbosa <strong>de</strong> Oliveira<br />
Memória, Discursos e Instituições<br />
Diana <strong>de</strong> Souza Pinto<br />
Memória, preservação e uso das edificações históricas da UFRJ<br />
Maria Ângela Dias<br />
Museu da Escola Politécnica: o espaço <strong>de</strong> construção da<br />
memória da Escola Politécnica da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
Heloi José Fernan<strong>de</strong>s Moreira e Luiz Antonio Salgado Neto<br />
Museu da Química Professor Athos da Silveira Ramos:<br />
a memória da Química no Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
Júlio Carlos Afonso<br />
Quando um museu dá samba: a popularização do<br />
Museu Nacional da UFRJ no carnaval carioca<br />
Regina Dantas<br />
O Museu D. João VI da Escola <strong>de</strong> Belas Artes da UFRJ:<br />
memória institucional<br />
Angela Ancora da Luz<br />
Arquitetura e acervos x Acervo <strong>de</strong> arquitetura<br />
Elizabete R. <strong>de</strong> Campos Martins , João Cláudio Parucher e Cláudio M. Viana<br />
Memória do trabalho, memória sindical, memória política:<br />
o Arquivo <strong>de</strong> Memória Operária do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
Elina G. da Fonte Pessanha e Marcos Aurélio Santana Rodrigues<br />
O Centro <strong>de</strong> Documentação da Escola <strong>de</strong> Enfermagem Anna Nery<br />
Maria da Luz Barbosa Gomes e Sandra Cristina Demetrio <strong>de</strong> Moraes<br />
A Escola <strong>de</strong> Música da UFRJ e suas coleções especiais<br />
André Cardoso<br />
O PROEDES – Programa <strong>de</strong> Estudos e Documentação<br />
Educação e Socieda<strong>de</strong>: origens e <strong>de</strong>senvolvimento<br />
Maria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Albuquerque Fávero<br />
13<br />
17<br />
41<br />
63<br />
81<br />
95<br />
115<br />
127<br />
145<br />
157<br />
171<br />
191<br />
203<br />
221
Perfis e trajetórias dos professores universitários<br />
do curso <strong>de</strong> História no Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
Marieta <strong>de</strong> Moraes Ferreira<br />
A preservação da memória através das coleções pessoais<br />
<strong>de</strong>positadas na UFRJ: o caso da Coleção Afonso Carlos<br />
Marques dos Santos<br />
José Tavares da Silva Filho, Rosane Cristina <strong>de</strong> Oliveira e Andréa Côrtes Torres<br />
O Acervo INEP na UFRJ : 30 anos... e muita história pra contar<br />
Maria Cristina Rangel Jardim<br />
Arquivos <strong>de</strong> Cultura Contemporânea:<br />
uma experiência <strong>de</strong> pesquisa e documentação<br />
Cristina Barros Barreto<br />
O SINTUFRJ e a memória dos servidores<br />
técnico-administrativos em Educação<br />
Ana Maria Ribeiro<br />
Os Autores<br />
235<br />
269<br />
279<br />
291<br />
303<br />
315
Apresentação<br />
Não po<strong>de</strong>ria haver local mais apropriado para a realização da<br />
abertura do II Seminário Memória, Documentação e Pesquisa — A<br />
<strong>Universida<strong>de</strong></strong> e os <strong>seus</strong> <strong>lugares</strong> <strong>de</strong> Memória — promovido pelo SiBI<br />
do que o Salão Dourado <strong>de</strong>ste histórico prédio da Praia Vermelha.<br />
Aqui, protegido pela estátua <strong>de</strong> D.Pedro II imberbe, e encarando a<br />
estátua <strong>de</strong> José Clemente Pereira (também conhecido como José<br />
Pequeno) — provedor da Santa Casa <strong>de</strong> Misericórdia, que foi quem<br />
doou este terreno ao imperador para que aqui fosse construído um<br />
hospital, um asilo <strong>de</strong> loucos, o Hospital <strong>de</strong> Alienados <strong>de</strong> Pedro II.<br />
Estas estátuas já estavam aqui quando o Reitor Pedro Calmon<br />
assegurou a posse <strong>de</strong>ste espaço para a <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil no<br />
final dos anos 40 do século passado, tendo sido preservadas. E estão<br />
aqui até hoje como símbolo da continuida<strong>de</strong> histórica <strong>de</strong>sse espaço<br />
que é um importante lugar da memória <strong>de</strong> nossa <strong>Universida<strong>de</strong></strong>.<br />
O local escolhido tem um significado simbólico muito gran<strong>de</strong>,<br />
porque vivemos hoje, na universida<strong>de</strong> pública fe<strong>de</strong>ral brasileira, e<br />
em particular em nossa <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro, um<br />
momento único <strong>de</strong> nossa história. E a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realizarmos<br />
um seminário como esse, em que voltamos nosso olhar para a<br />
memória, para o passado portanto, exige <strong>de</strong> nós que olhemos também<br />
para o futuro. Passado e futuro são referências muito fortes na<br />
vida dos homens e das mulheres. Mas passado e futuro se ligam<br />
por aquilo que é mais fugidio, aquilo a que chamamos <strong>de</strong> presente.<br />
O presente é alguma coisa que se esvai continuamente. Amanhã<br />
o hoje será ontem e, portanto, já será passado. E, se o presente é<br />
importante quando olhamos para o passado, também o é quando<br />
pensamos no futuro. O presente po<strong>de</strong> ser uma conclusão renovadora<br />
da trajetória anterior ou po<strong>de</strong> ser uma simples continuida<strong>de</strong><br />
13
<strong>de</strong> alguma coisa da qual temos pouca consciência e pouca capacida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> intervir. Ao mesmo tempo o presente é o momento em<br />
que tomamos <strong>de</strong>cisões que influenciarão significativamente na<br />
construção dos dias que virão. Pensar o passado é certamente<br />
pensar a história e pensar a história não é pensar o passado somente<br />
como coisa vivida, mas sobretudo como coisa pensada.<br />
Quando olhamos a história da nossa universida<strong>de</strong>, reverenciando<br />
os <strong>lugares</strong> <strong>de</strong> sua memória, nos <strong>de</strong>frontaremos com uma história<br />
<strong>de</strong> êxitos e <strong>de</strong> fracassos, uma história <strong>de</strong> conquistas e carências.<br />
Certamente, se cada um <strong>de</strong> nós, nos pequenos espaços que ocupamos<br />
em nossa universida<strong>de</strong>, pensarmos o passado, seremos capazes<br />
<strong>de</strong> lembrar <strong>de</strong> um sem fim <strong>de</strong> micro-histórias <strong>de</strong> êxito. Na trajetória<br />
histórica dos quase noventa anos <strong>de</strong> nossa <strong>Universida<strong>de</strong></strong>, alcançamos<br />
inúmeros êxitos nestes microespaços. Mas, ao olharmos para<br />
a universida<strong>de</strong> como instituição que tem uma macro-história e não<br />
apenas um somatório <strong>de</strong> micro-histórias, observaremos que essa<br />
imensa coleção <strong>de</strong> microêxitos não redundou num macroêxito.<br />
Não há dúvida <strong>de</strong> que somos uma das universida<strong>de</strong>s mais<br />
importantes do país. Uma gran<strong>de</strong> universida<strong>de</strong> que se <strong>de</strong>staca pela<br />
qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu ensino <strong>de</strong> graduação e <strong>de</strong> pós-graduação, bem<br />
como pela pesquisa e por suas iniciativas no campo da extensão.<br />
Mas, ainda assim, quando medimos o que fazemos pelo critério da<br />
eficácia social da nossa ação, <strong>de</strong>veremos reconhecer que estamos<br />
ainda muito longe <strong>de</strong> uma história verda<strong>de</strong>iramente exitosa. A universida<strong>de</strong><br />
que temos hoje, qualquer que seja a composição do seu<br />
corpo discente, ainda é uma instituição <strong>de</strong> elite num país carente<br />
<strong>de</strong> educação, carente <strong>de</strong> iniciativas inovadoras, carente <strong>de</strong> uma<br />
universida<strong>de</strong> que seja capaz <strong>de</strong> abrigar no seu interior, não uns<br />
poucos jovens, mas muito mais jovens do que os que hoje têm<br />
acesso a ela.<br />
Olhar a história por este duplo olhar, o olhar da micro-historia<br />
dos êxitos individuais dos pequenos grupos e o olhar apurado da<br />
macro-história, da eficácia social <strong>de</strong> nossa ação, nos faz ter a certeza<br />
14
<strong>de</strong> que é preciso aproveitar esse momento único, este presente<br />
fugidio que se esvai a cada minuto, para construirmos alguma coisa<br />
nova na UFRJ. Nós estamos aqui reverenciando a memória e os<br />
espaços <strong>de</strong> memória, mas, ao mesmo tempo, temos que olhar para o<br />
amanhã, <strong>de</strong>finindo se este amanhã será apenas uma reprodução do<br />
passado, <strong>de</strong> um passado permeado <strong>de</strong> micro-histórias <strong>de</strong> êxitos, ou<br />
se será o amanhã <strong>de</strong> uma universida<strong>de</strong> nova, aberta, <strong>de</strong>mocrática,<br />
crítica, humanista, capaz <strong>de</strong> se <strong>de</strong>frontar e resolver os problemas<br />
da integração dos conhecimentos e da universalização do ensino<br />
superior. Entre este passado com suas glórias, conquistas, vitórias,<br />
fracassos e carências e esse amanhã que está em aberto, encontra-se<br />
o hoje, o presente e os nossos <strong>de</strong>safios. E é neste hoje que<br />
precisamos tomar as nossas <strong>de</strong>cisões. Reproduziremos o passado<br />
ou construiremos uma universida<strong>de</strong> nova, diferente da que temos<br />
Espero que este seminário, ao aprofundar o conhecimento que<br />
temos da nossa instituição, dos <strong>seus</strong> espaços e da sua memória,<br />
possa contribuir não só para uma maior consciência do que fomos,<br />
mas, sobretudo, para criar uma nova consciência daquilo que<br />
temos que ser.<br />
Aloísio Teixeira<br />
Discurso <strong>de</strong> abertura do II Seminário Memória, documentação e pesquisa.<br />
A universida<strong>de</strong> e os <strong>seus</strong> <strong>lugares</strong> <strong>de</strong> Memória. SIBI/UFRJ<br />
15 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2008 – Fórum <strong>de</strong> Ciência e Cultura<br />
15
História , Memória e Patrimônio<br />
Manoel Luiz Salgado Guimarães<br />
1. O problema<br />
Em recente e instigante livro publicado acerca dos <strong>de</strong>safios<br />
contemporâneos para a escrita da História, o historiador francês<br />
Christophe Prochasson 1 argumenta que estaríamos sob um novo<br />
regime <strong>de</strong> escrita, segundo o qual, ao historiador <strong>de</strong> ofício seria<br />
exigido cada vez mais uma escrita submetida aos ditames dos<br />
afetos, sejam eles <strong>de</strong>rivados <strong>de</strong> engajamentos políticos específicos,<br />
<strong>de</strong> crenças particulares ou mesmo <strong>de</strong>rivados <strong>de</strong> um convite à individualida<strong>de</strong><br />
do historiador. Este seria instado a mostrar-se através do<br />
seu texto, postura bastante diversa daquela que o obrigava a escon<strong>de</strong>r-se<br />
por trás da pesquisa científica. Esse novo regime emocional,<br />
segundo as palavras do historiador francês, supõe <strong>de</strong>terminados<br />
constrangimentos às narrativas do passado assim como fazem um<br />
apelo à dimensão cada vez mais autoral do texto historiográfico.<br />
Como parte <strong>de</strong>ssas mutações próprias ao campo <strong>de</strong> atuação do<br />
historiador, a biografia ganharia novo espaço e significado para a<br />
pesquisa histórica, assim como um lugar que per<strong>de</strong>ra como gênero<br />
legítimo da escrita histórica.<br />
Igualmente a ego-história encontrou espaço nesse novo campo<br />
<strong>de</strong> atuação para o historiador <strong>de</strong> ofício. O que, no entanto, o<br />
trabalho <strong>de</strong> Christophe Prochasson nos ajuda a refletir é sobre os<br />
usos e <strong>de</strong>mandas contemporâneas do passado, <strong>de</strong>finindo uma<br />
varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> narrativas acerca <strong>de</strong> eventos pretéritos consumidos<br />
pelas socieda<strong>de</strong>s contemporâneas ávidas <strong>de</strong> lembranças e memórias<br />
<strong>de</strong> um tempo muitas das vezes i<strong>de</strong>alizado como sendo <strong>de</strong><br />
certezas e segurança. É como parte <strong>de</strong>ssas <strong>de</strong>mandas que <strong>de</strong>vemos<br />
1 PROCHASSON, Christophe. L’empire <strong>de</strong>s émotions. Les historiens dans la mêlée. Paris:<br />
Éditions Demopolis, 2008.<br />
17
Manoel Luiz Salgado Guimarães<br />
encarar o interesse contemporâneo acerca do patrimônio e das<br />
tarefas <strong>de</strong> patrimonialização do passado. Com isso queremos <strong>de</strong>ixar<br />
claro que o estudo acerca do patrimônio só po<strong>de</strong> ser compreendido<br />
a partir <strong>de</strong> sua vinculação com as problemáticas atuais que <strong>de</strong>finem<br />
interesses específicos com relação ao passado. Portanto, refletir<br />
sobre o patrimônio po<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve ser uma das preocupações do<br />
campo historiográfico, submetendo-o a uma investigação que<br />
sublinhe a dimensão histórica <strong>de</strong> sua invenção.<br />
2. Alguns pressupostos para a abordagem do tema<br />
O meu interesse nesta área <strong>de</strong> reflexão <strong>de</strong>corre <strong>de</strong> minhas<br />
preocupações referentes ao tema da escrita da história em suas<br />
diversas modalida<strong>de</strong>s e possibilida<strong>de</strong>s. Pretendo, portanto, sugerir<br />
que uma reflexão em torno do patrimônio po<strong>de</strong> ser compreendida,<br />
e acredito mesmo que <strong>de</strong>va ser feita, em suas estreitas vinculações<br />
com o trabalho <strong>de</strong> produzir narrativas sobre o passado, ofício a<br />
que certamente os historiadores, mas não somente e também não<br />
exclusivamente, se <strong>de</strong>dicam. Assim, o patrimônio é também uma<br />
escrita do passado, submetida evi<strong>de</strong>ntemente a uma gramática e<br />
uma sintaxe específicas.<br />
Se esta hoje parece ser uma afirmação <strong>de</strong> certa forma evi<strong>de</strong>nte,<br />
nem sempre as questões relacionadas ao tema do patrimônio no<br />
Brasil foram compreendidas como integrando o rol <strong>de</strong> problemáticas<br />
<strong>de</strong> natureza historiográfica. A geração dos fundadores do<br />
patrimônio integrada basicamente por arquitetos <strong>de</strong> formação,<br />
imprimiu uma marca peculiar ao campo, cujos traços ainda hoje se<br />
fazem presentes. Certamente a consi<strong>de</strong>ração <strong>de</strong>ssa especificida<strong>de</strong><br />
é importante para compreen<strong>de</strong>rmos os rumos e diretrizes assumidas<br />
pela questão patrimonial em nosso país. Longe <strong>de</strong> ser uma<br />
natureza sua vinculação ao campo da arquitetura, <strong>de</strong>riva <strong>de</strong> uma<br />
história peculiar da constituição <strong>de</strong>sse campo entre nós e por isso,<br />
não parece ser estranho um relativo distanciamento do universo<br />
<strong>de</strong> interrogações propriamente historiográficas. No entanto, não<br />
18
História , Memória e Patrimônio<br />
apenas entre nós, mas no panorama das discussões internacionais<br />
acerca do patrimônio, tem-se observado uma aproximação entre<br />
diversos campos <strong>de</strong> atuação profissional, tornando o tema do<br />
patrimônio um lugar privilegiado para um diálogo entre historiadores,<br />
arquitetos, antropólogos, historiadores da arte, para ficarmos<br />
com apenas alguns <strong>de</strong>sses campos que têm contribuído <strong>de</strong> forma<br />
<strong>de</strong>cisiva para uma complexificação das discussões e abordagens<br />
acerca do patrimônio, da sua conservação e relação com as socieda<strong>de</strong>s<br />
contemporâneas.<br />
A semântica do termo já nos sugere uma relação com um<br />
tempo que nos antece<strong>de</strong>, e com o qual estabelecemos relações<br />
mediadas através <strong>de</strong> objetos que acreditamos pertencer a uma<br />
herança coletiva. Assim, esses objetos que acreditamos pertencer a<br />
um patrimônio <strong>de</strong> uma coletivida<strong>de</strong>, e hoje até mesmo da humanida<strong>de</strong>,<br />
estabelecem nexos <strong>de</strong> pertencimento, metaforizam relações<br />
imaginadas e que parecem adquirir materialida<strong>de</strong> a partir da presença<br />
<strong>de</strong>sse conjunto <strong>de</strong> monumentos. O termo patrimônio supõe,<br />
portanto, uma relação com o tempo e com o seu transcurso. Em<br />
outras palavras, refletir sobre o patrimônio significa igualmente<br />
pensar nas formas sociais <strong>de</strong> culturalização do tempo, próprias a<br />
toda e qualquer socieda<strong>de</strong> humana.<br />
É através <strong>de</strong>ste trabalho <strong>de</strong> produzir sentido para a passagem<br />
do tempo que as socieda<strong>de</strong>s humanas constroem suas noções <strong>de</strong><br />
passado, presente e futuro, como formas históricas e sociais <strong>de</strong> dar<br />
sentido para o transcurso do tempo. Como não vermos nesse trabalho<br />
uma relação com os problemas que afetam diretamente o ofício<br />
do historiador, uma vez que o tempo é matéria prima por excelência<br />
<strong>de</strong> seu trabalho e elemento central sobre o qual engendram-se<br />
formas <strong>de</strong> narrá-lo, como condição <strong>de</strong> torná-lo significativo para as<br />
coletivida<strong>de</strong>s humanas E é o tempo da História, aquele que marcará<br />
<strong>de</strong>finitivamente a experiência da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, tomando a<br />
medida das ações humanas como aquela a escandir a marcação da<br />
própria passagem do tempo. O tempo da História torna-se assim,<br />
19
Manoel Luiz Salgado Guimarães<br />
com a Mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, o tempo hegemônico e o nascimento da disciplina<br />
no século XIX <strong>de</strong>ve ser visto como parte <strong>de</strong>sse trabalho <strong>de</strong><br />
narrar o tempo a partir da história das ações humanas.<br />
No mesmo cenário <strong>de</strong> emergência da história em sua forma<br />
disciplinar, assiste-se ao nascimento das preocupações <strong>de</strong> natureza<br />
patrimonial, tomando logo sua forma também disciplinar. 2 Não se<br />
trata <strong>de</strong> mera coincidência temporal, mas <strong>de</strong> solos <strong>de</strong> emergência<br />
similares que tornaram tanto as preocupações disciplinares com a<br />
História quanto aquelas relativas ao patrimônio parte <strong>de</strong> uma cultura<br />
histórica que investe <strong>de</strong> maneira sistemática em diferentes possibilida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> narrar o tempo passado. Stephen Bann qualificou esse<br />
interesse pela História como parte <strong>de</strong> uma paixão das socieda<strong>de</strong>s<br />
oitocentistas pelo passado, paixão <strong>de</strong>corrente da experimentação<br />
<strong>de</strong> uma irremediável perda frente às profundas transformações que<br />
caracterizaram o século XIX.<br />
O argumento que procuro <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r é o <strong>de</strong> que uma reflexão<br />
em torno do patrimônio, <strong>de</strong>finitivamente parte das agendas políticas<br />
contemporâneas, <strong>de</strong>ve aproximar-se <strong>de</strong> uma investigação acerca<br />
da escrita da História, na medida em que po<strong>de</strong>mos caracterizar<br />
o investimento patrimonial como uma escrita peculiar empenhada<br />
em narrar, segundo procedimentos também particulares, o tempo<br />
passado. Perceber as articulações possíveis com a escrita da história<br />
po<strong>de</strong>, segundo meu juizo, enriquecer nosso <strong>de</strong>bate e nossa<br />
compreensão acerca do patrimônio, qualificando as necessárias e<br />
importantes políticas públicas <strong>de</strong> produção patrimonial. Da mesma<br />
forma que uma escrita acerca do passado <strong>de</strong>manda uma operação<br />
que transforme uma massa documental em fonte para a construção<br />
<strong>de</strong>sse passado, é também uma operação, uma escolha e um ato<br />
valorativo aquele que produz objetos do passado em patrimônio<br />
cultural <strong>de</strong> uma coletivida<strong>de</strong> humana. É igualmente a partir <strong>de</strong> tra-<br />
2 Consultar a esse respeito: POULT, Dominique. Musée, nation, patrimoine. 1789-1815.<br />
Paris: Gallimard, 1997. Do mesmo autor: Une histoire du patrimoine en Occi<strong>de</strong>nt. Paris:<br />
Presses Universitaires <strong>de</strong> France, 2006. Ver ainda: BABELON, J.-P. & CHASTEL, A. La<br />
notion <strong>de</strong> patrimoine. Paris: Édition Liana Levi, 1994.<br />
20
História , Memória e Patrimônio<br />
ços do passado que o patrimônio po<strong>de</strong> empreen<strong>de</strong>r sua tentativa<br />
<strong>de</strong> reconstrução <strong>de</strong> uma ca<strong>de</strong>ia temporal e hereditária, vinculando<br />
as gerações presentes àquelas que as prece<strong>de</strong>ram, estabelecendo<br />
por este meio, importantes laços sociais, necessários à vida das coletivida<strong>de</strong>s<br />
humanas. E aqui as relações entre patrimônio e memória<br />
são estreitas. A simples sobrevivência ao tempo não assegura por si<br />
só a condição <strong>de</strong> transformar em patrimônio histórico um objeto,<br />
um vestígio material ou um acervo arquitetônico. E nem mesmo<br />
todo o conjunto <strong>de</strong> restos que sobreviveram à passagem do tempo<br />
vieram a se constituir em patrimônio histórico <strong>de</strong> uma coletivida<strong>de</strong>.<br />
O patrimônio é, portanto, resultado <strong>de</strong> uma produção marcada<br />
historicamente. É ao fim <strong>de</strong> um trabalho <strong>de</strong> transformar objetos,<br />
retirando-lhes seu sentido original, que ace<strong>de</strong>mos à possibilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> transformar algo em patrimônio. Adjetivar um conjunto <strong>de</strong><br />
traços do passado como patrimônio histórico é mais do que lhes<br />
dar uma qualida<strong>de</strong>; é produzi-los como algo distinto daquilo para<br />
o qual um dia foram produzidos e criados. Da mesma forma que<br />
um conjunto <strong>de</strong> documentos só po<strong>de</strong>rá se transformar em fonte<br />
histórica pelo trabalho do historiador, igualmente os objetos que<br />
apren<strong>de</strong>mos a ver como patrimônio histórico só ganharam essa<br />
qualida<strong>de</strong> a partir <strong>de</strong> uma operação envolvendo diferentes esferas<br />
<strong>de</strong> produção <strong>de</strong> saberes e po<strong>de</strong>res.<br />
3. A atualida<strong>de</strong> da discussão. Por que refletirmos sobre o<br />
patrimônio<br />
“Afirmar que aqueles que esquecem o passado provavelmente<br />
estão con<strong>de</strong>nados a repeti-lo não equivale a dizer que<br />
aqueles que o recordam não o farão”. (Adam Phillips. Ca<strong>de</strong>rno<br />
Mais. Folha <strong>de</strong> São Paulo, 20 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2005, p. 10)<br />
“As coisas que recordamos e os caminhos pelos quais a<br />
memória nos conduz são imprevisíveis”.(Adam Phillips. Ca<strong>de</strong>rno<br />
Mais. Folha <strong>de</strong> São Paulo, 20 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2005,<br />
p. 10)<br />
21
Manoel Luiz Salgado Guimarães<br />
“O retorno do passado nem sempre é um momento libertador<br />
da lembrança, mas um advento, uma captura do presente”.<br />
(Beatriz Sarlo. Tiempo pasado. Cultura da memoria y<br />
giro subjetivo. Una discusión)<br />
As três citações acima guardam algo em comum: tematizam<br />
o problema da memória e da recordação, bem como <strong>de</strong> suas implicações<br />
para as socieda<strong>de</strong>s humanas. Falam-nos acerca dos usos<br />
sociais da lembrança e seu papel para organizarmos nossa vida em<br />
socieda<strong>de</strong>. Lembrar e recordar são atos fundamentais para assegurar<br />
a constituição <strong>de</strong> laços sociais e dificilmente po<strong>de</strong>ríamos<br />
imaginar socieda<strong>de</strong>s humanas que não produzissem suas formas<br />
e maneiras <strong>de</strong> lembrar. Igualmente o recurso às citações po<strong>de</strong> nos<br />
ajudar a estabelecer os laços entre lembrar e os usos possíveis que<br />
são feitos <strong>de</strong>sse ato. O trabalho da lembrança nos remete necessariamente<br />
a duas temporalida<strong>de</strong>s, entrelaçando-as: a do presente<br />
em que algo ou alguém é lembrado, e o passado (como momento<br />
anterior) em que os personagens ou objetos da lembrança viveram<br />
ou estiveram presentes. Portanto, o recordar impõe uma reflexão<br />
acerca do presente que transforma <strong>de</strong>terminados objetos em alvo<br />
<strong>de</strong>sse trabalho <strong>de</strong> lembrança, operando seletivamente aquilo que<br />
será lembrado e aquilo que <strong>de</strong>verá ser esquecido. Há uma <strong>de</strong>manda<br />
por recordação que <strong>de</strong>ve ser investigada como forma <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>rmos<br />
essa complexa relação entre lembrar e esquecer.<br />
Vivemos um tempo <strong>de</strong> intenso investimento em relação ao<br />
passado; esta parece ser a constatação recorrente entre diferentes<br />
autores que têm se ocupado com os estudos em torno da memória<br />
e da História em nossas socieda<strong>de</strong>s contemporâneas. 3 Quando<br />
falamos <strong>de</strong>sses investimentos é preciso que fique claro que estamos<br />
supondo que eles po<strong>de</strong>m se manifestar por meio <strong>de</strong> diferentes<br />
atitu<strong>de</strong>s: o trabalho da memória com a sucessiva produção dos<br />
3 Ver a respeito Andréas Huysen. Seduzidos pela memória. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Aeroplano,<br />
2000. Ver também Beatriz Sarlo.Tiempo pasado. Cultura <strong>de</strong> la memória y giro subjetivo.<br />
Uma discusión. Buenos Aires: Siglo Veintiuno Editores, 2005.<br />
22
História , Memória e Patrimônio<br />
<strong>seus</strong> “<strong>lugares</strong> <strong>de</strong> memória” e suas exigências relativas ao “<strong>de</strong>ver <strong>de</strong><br />
memória”; o crescimento da produção acadêmica em história com<br />
significativa procura pelos cursos <strong>de</strong> história nos vestibulares das<br />
universida<strong>de</strong>s públicas; a midiatização do passado através dos<br />
meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa disponibilizando a um público<br />
consumidor <strong>de</strong> imagens, ávido por cenas do passado, a pretensa<br />
realida<strong>de</strong> do mundo que existiu e que agora encontra-se disponível<br />
ao olhar que parece assegurar sua efetiva e inquestionável<br />
existência. E evi<strong>de</strong>ntemente a patrimonialização a que as socieda<strong>de</strong>s<br />
contemporâneas, marcadas pela experiência <strong>de</strong> uma globalização<br />
acelerada, têm experimentado.<br />
Esse interesse pelo patrimônio e pelas práticas preservacionistas<br />
que integram agendas <strong>de</strong> organismos estatais, assim como da<br />
própria UNESCO, <strong>de</strong>ve, portanto, ser visto em sua articulação com<br />
uma cultura histórica - a <strong>de</strong> nosso tempo - em que um forte traço<br />
memorialístico parece ser sua marca mais significativa. Uma cultura<br />
da memória associada a um novo regime emocional parecem<br />
conduzir o interesse pelas narrativas contemporâneas acerca do<br />
passado. Este ano, especialmente, estamos assistindo a uma avassaladora<br />
produção <strong>de</strong> lembranças acerca dos 200 anos da chegada<br />
da corte portuguesa às terras americanas. Um investimento nas<br />
tarefas da memória que reconfiguram o evento <strong>de</strong> 1808 segundo<br />
as <strong>de</strong>mandas próprias <strong>de</strong>ssa nossa contemporaneida<strong>de</strong>. Uma breve<br />
comparação com os atos comemorativos por ocasião do primeiro<br />
centenário em 1908 fornece-nos um rico material <strong>de</strong> reflexão em<br />
torno <strong>de</strong>sse trabalho <strong>de</strong> reconfiguração do evento [1808] a partir<br />
<strong>de</strong> outras expectativas e <strong>de</strong>mandas próprias às primeiras décadas<br />
republicanas no Brasil. O evento em si assume diferentes sentidos<br />
segundo as formas e o tempo em que se torna objeto da recordação.<br />
Por que e para que lembrar-se Seria possível traçarmos uma<br />
história da própria lembrança, supondo que ela articula-se à vida <strong>de</strong><br />
uma comunida<strong>de</strong> social num tempo <strong>de</strong>terminado Lembrança que<br />
23
Manoel Luiz Salgado Guimarães<br />
implica necessariamente no seu contraponto: o esquecimento. Até<br />
quando lembrar-se também não po<strong>de</strong>ria significar uma forma <strong>de</strong><br />
esquecer Escrever como forma <strong>de</strong> fixação <strong>de</strong> uma memória implica<br />
na igual capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> esquecer: se estiver escrito não tenho mais<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lembrar. Estranho paradoxo este que constitui a<br />
relação entre memória e esquecimento, largamente tematizado<br />
ao longo da cultura oci<strong>de</strong>ntal, num movimento pendular em que<br />
ora o esquecer, visto <strong>de</strong> forma negativa, <strong>de</strong>ve ser enfrentado pela<br />
narrativa dos feitos grandiosos a serem memorizados, ora o esquecer<br />
é condição positiva para a ação no mundo, atitu<strong>de</strong> salutar para<br />
os que preten<strong>de</strong>m investir na vida. Kant, ao comentar a assertiva<br />
platônica <strong>de</strong> que a arte <strong>de</strong> escrever liquidou com a memória, acrescenta:<br />
“Nessa frase há algo <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>”. Ele próprio quando necessitara<br />
esquecer-se <strong>de</strong> seu criado Martin Lampe, escrevera em um<br />
bilhete: “Tenho <strong>de</strong> esquecer completamente o nome Lampe”. 4<br />
Retornando ao tema da patrimonialização, assistimos a uma<br />
febre <strong>de</strong> preservação dos bens materiais, numa corrida contra o<br />
tempo que parece ter adquirido uma aceleração comprometedora,<br />
em última instância, das próprias condições <strong>de</strong> continuarmos<br />
nos lembrando. Ao risco <strong>de</strong> uma amnésia contra-atacamos com<br />
uma inflação <strong>de</strong> memória. Tudo po<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve ser arquivado como<br />
condição para a produção <strong>de</strong> uma super memória, talvez aquela<br />
semelhante à do personagem do conto <strong>de</strong> Borges, Funes, o<br />
Memorioso, que dotado <strong>de</strong> uma sofisticada capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> registrar<br />
os dados passados e vividos tornou-se inválido para a vida a ser<br />
vivida. Uma hiper memória pesaria <strong>de</strong> tal forma sobre as coletivida<strong>de</strong>s<br />
humanas, tornando-as incapazes para a ação no seu próprio<br />
tempo, produzindo aquilo que Nietzsche <strong>de</strong>nominara os riscos <strong>de</strong><br />
uma história monumental. Mas se tudo po<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve ser arquivado,<br />
levando-nos à compulsão pelo arquivo, ten<strong>de</strong>mos a reificá-los<br />
como suportes da memória, garantidores do não esquecimento,<br />
4 Consultar a respeito o instigante trabalho <strong>de</strong> Harald Weinrich. Lete. Arte e crítica do<br />
esquecimento. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.<br />
24
História , Memória e Patrimônio<br />
<strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> vê-los [os arquivos] como uma escrita, por isso mesmo<br />
submetido também ao jogo da lembrança e do esquecimento. Aos<br />
historiadores contemporâneos e <strong>de</strong> uma forma mais ampla àqueles<br />
que se ocupariam <strong>de</strong> refletir acerca das produções contemporâneas<br />
<strong>de</strong> narrativas acerca do passado parece que a maior quantida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> traços e vestígios dos tempos pretéritos seria condição para um<br />
melhor conhecimento acerca <strong>de</strong>sse mesmo tempo. Segundo Christophe<br />
Prochasson 5 , a estes profissionais faltaria o sentido da falta,<br />
da ausência, que afinal torna significativa e necessária a reflexão<br />
histórica. Segundo ele, “a economia da rarida<strong>de</strong> funda os valores<br />
em história”. 6 Curioso paradoxo que parece fundar as condições do<br />
próprio conhecimento histórico: por não estar presente [o passado]<br />
é que se torna fundamental enquanto objeto <strong>de</strong> problematização e<br />
investigação como forma <strong>de</strong> torná-lo <strong>de</strong> alguma forma novamente<br />
presente.<br />
Dados recentes da UNESCO, para o ano <strong>de</strong> 2007, indicam um<br />
claro esforço no sentido <strong>de</strong> assegurar um número cada mais vez<br />
mais significativo <strong>de</strong> bens tombados e inscritos como Patrimônio<br />
da Humanida<strong>de</strong>: atualmente dos 185 Estados que ratificaram a<br />
Convenção do Patrimônio Cultural, 141 <strong>de</strong>les possuem 878 bens<br />
tombados (entre bens naturais, culturais e mistos), consi<strong>de</strong>rados<br />
<strong>de</strong> valor excepcional. Em julho <strong>de</strong> 2005 na 29 a . Sessão do Comitê<br />
do Patrimônio Mundial em Durban, na África do Sul, eram 812 os<br />
bens preservados em 137 países. Esse crescimento em apenas dois<br />
anos, que marca o interregno entre as duas reuniões, aponta para<br />
um interesse cada vez mais significativo pelas tarefas <strong>de</strong> preservação,<br />
agora compreendidas em seu sentido globalizado. De bens<br />
patrimoniais para uma <strong>de</strong>terminada comunida<strong>de</strong> nacional, parece<br />
existir um conjunto <strong>de</strong> bens que transcen<strong>de</strong>m essa dimensão<br />
e por isso são objetos <strong>de</strong> uma política específica da UNESCO. Vale,<br />
5 PROCHASSON, Christophe. L’Empire <strong>de</strong>s Émotions. Les historiens dans la mêlée.<br />
Paris: Éditions Démopolis, 2008.<br />
6 2008, pg.28.<br />
25
Manoel Luiz Salgado Guimarães<br />
contudo, observar que o crescimento <strong>de</strong> bens consi<strong>de</strong>rados Patrimônio<br />
da Humanida<strong>de</strong> parece apontar na direção <strong>de</strong> uma mudança<br />
na relação com a passagem do tempo que marcaria as socieda<strong>de</strong>s<br />
contemporâneas. À uma percepção cada vez mais acelerada<br />
do tempo, potencializada em larga medida pelo avanço das mídias<br />
eletrônicas que oferecem a possibilida<strong>de</strong> do tempo real, busca-se a<br />
preservação <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados bens como forma <strong>de</strong><br />
protegê-los <strong>de</strong>ssa mesma aceleração que parece tudo con<strong>de</strong>nar ao<br />
<strong>de</strong>saparecimento. Os investimentos patrimoniais forneceriam assim<br />
o contraponto a esse movimento <strong>de</strong>vastador próprio à temporalida<strong>de</strong><br />
contemporânea, garantindo uma segurança para socieda<strong>de</strong>s<br />
atemorizadas pela velocida<strong>de</strong> das transformações que colocariam<br />
em risco o sentido <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> e estabilida<strong>de</strong>.<br />
No caso brasileiro, as tarefas do Patrimônio, a cargo <strong>de</strong> uma<br />
instituição como o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional<br />
- IPHAN, indicam a importância <strong>de</strong>stas questões formuladas e<br />
tratadas segundo um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> política <strong>de</strong> Estado. Igualmente, os<br />
esforços <strong>de</strong> patrimonialização do passado empreendidos por esta<br />
agência do Estado brasileiro, apontam na direção <strong>de</strong> uma aceleração<br />
do tempo e na conseqüente necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tornar objeto do<br />
patrimônio objetos <strong>de</strong> um passado cada vez mais recente. O exemplo<br />
talvez mais emblemático <strong>de</strong>sse esforço <strong>de</strong> patrimonialização é<br />
o recente tombamento da casa <strong>de</strong> Chico Men<strong>de</strong>s, subtraindo-lhe<br />
seu sentido original e resignificando-o como objeto a ser lembrado<br />
como herança <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada coletivida<strong>de</strong>. Uma nova or<strong>de</strong>m<br />
do tempo combina-se, no exemplo acima, com usos políticos do<br />
passado segundo um <strong>de</strong>terminado presente.<br />
4. Or<strong>de</strong>m do tempo, regimes <strong>de</strong> historicida<strong>de</strong><br />
e patrimonialização do passado<br />
Tomemos mais uma vez como mote as citações acima apresentadas:<br />
a primeira <strong>de</strong>las aponta para um regime <strong>de</strong> historicida<strong>de</strong>,<br />
26
História , Memória e Patrimônio<br />
entendido segundo a formulação <strong>de</strong> François Hartog 7 , como uma<br />
forma específica das socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conceber e relacionar-se com o<br />
tempo e seu <strong>de</strong>vir, muito peculiar: “a história como mestra da vida”,<br />
promessa implícita na proposta <strong>de</strong> conhecer o passado. A sua utilida<strong>de</strong><br />
para o presente, assim como sua perspectiva iluminadora do<br />
futuro eram a justificativa maior <strong>de</strong> sua necessida<strong>de</strong> e finalida<strong>de</strong>. Na<br />
verda<strong>de</strong>, formulada no âmbito da tradição retórica, a promessa implícita<br />
nesta afirmação, periodicamente reatualizada em diferentes<br />
contextos, seria a <strong>de</strong> que os ensinamentos da História tornariam os<br />
homens melhores na medida em que, apren<strong>de</strong>ndo com o passado,<br />
estariam isentos <strong>de</strong> repetir os erros cometidos em outros tempos.<br />
Quando reatualizada na Mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, no quadro da cultura iluminista<br />
do setecentos, oferecia um sentido e uma finalida<strong>de</strong> para o<br />
estudo da História, conferindo-lhe, <strong>de</strong>sta maneira, uma dignida<strong>de</strong><br />
que a tornou objeto <strong>de</strong> uma reflexão filosófica. Voltar-se em direção<br />
ao passado era uma <strong>de</strong>manda por significação para um futuro<br />
inseguro, uma vez que as transformações em curso punham em<br />
xeque qualquer garantia <strong>de</strong> um futuro como repetição do passado<br />
e afirmação <strong>de</strong> uma tradição. A promessa implícita na crença da<br />
“história como mestra da vida” parecia iluminar o futuro tornando-o<br />
menos ameaçador e mais <strong>de</strong>sejável. Este não guardaria mais segredos,<br />
uma vez que bem instruídos pela história, os homens saberiam<br />
enfrentar os <strong>de</strong>safios <strong>de</strong>sse futuro. No entanto, segundo Otavio Paz<br />
em O Labirinto da Solidão “ninguém conhece a forma do futuro: é<br />
um segredo” que não está nos livros.<br />
A segunda citação, ainda da mesma autoria <strong>de</strong> Adam Phillips, já<br />
nos aponta em direção às incertezas que estão ligadas ao trabalho<br />
com o passado; à multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interpretações que o passado<br />
po<strong>de</strong> sugerir para as socieda<strong>de</strong>s que se <strong>de</strong>bruçam sobre ele. As incertezas<br />
que envolvem obrigatoriamente nosso ofício sobre um<br />
tempo e um conjunto <strong>de</strong> experiências que já não são mais e, portan-<br />
7 HARTOG, François. Regimes d’historicité. Présentisme et expérience du temps. Paris:<br />
Seuil, 2003.<br />
27
Manoel Luiz Salgado Guimarães<br />
to, com as quais só po<strong>de</strong>mos estabelecer uma relação <strong>de</strong> vicariato e<br />
<strong>de</strong> mediatização, possível <strong>de</strong> ser estabelecida por conta da existência<br />
<strong>de</strong> traços e vestígios <strong>de</strong>sse outro tempo. Finalmente, a citação<br />
<strong>de</strong> Beatriz Sarlo, extraída <strong>de</strong> seu recente estudo acerca da força dos<br />
discursos testemunhais como forma <strong>de</strong> narrar o passado em nossa<br />
contemporaneida<strong>de</strong>, ajuda-nos a compreen<strong>de</strong>r o trabalho <strong>de</strong> rememoração<br />
não como um transbordamento da memória que fluiria do<br />
passado em direção ao presente, mas exatamente como uma captura,<br />
um ato <strong>de</strong> escolha <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado presente que organiza<br />
o conjunto <strong>de</strong> lembranças segundo uma gramática específica. Em<br />
conjunto, as três citações são boas para pensarmos a relação com o<br />
passado como um ato <strong>de</strong> criação a partir <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas <strong>de</strong>mandas<br />
<strong>de</strong> um presente. Neste sentido, a insistência é proposital, uma<br />
reflexão sobre o patrimônio integra-se a esse ato criativo <strong>de</strong> um<br />
<strong>de</strong>terminado presente interrogando certo conjunto <strong>de</strong> vestígios do<br />
passado e produzindo-os como patrimônio histórico.<br />
Refletir sobre o patrimônio é parte <strong>de</strong>ste esforço das socieda<strong>de</strong>s<br />
contemporâneas em narrar o passado e, segundo entendo,<br />
obriga-nos a uma reflexão em torno <strong>de</strong> uma forma específica das<br />
socieda<strong>de</strong>s mo<strong>de</strong>rnas e contemporâneas lidarem com a experiência<br />
do transcurso do tempo e seu resultado para o conjunto das realizações<br />
humanas. Significa também operar a partir <strong>de</strong> um duplo<br />
incontornável: a ausência e o sentimento que ela provoca apenas<br />
significáveis através dos traços, dos restos e dos indícios que nos<br />
chegam. O passado somente através <strong>de</strong>stes sinais po<strong>de</strong> ser interrogado<br />
e por este caminho ganhar sentido para as socieda<strong>de</strong>s num<br />
<strong>de</strong>terminado presente. Traços que po<strong>de</strong>rão assim, ajudar na resignificação<br />
das construções materiais das socieda<strong>de</strong>s passadas fazendo<br />
com que <strong>seus</strong> objetos possam ser vistos como algo diferente<br />
daquilo que eram quando foram criados. Trata-se, por conseguinte <strong>de</strong><br />
uma nova forma <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> visibilida<strong>de</strong>, capaz <strong>de</strong> transformar<br />
estes objetos do passado em algo diferente daquilo que um dia fo-<br />
28
História , Memória e Patrimônio<br />
ram. 8 Opera-se claramente por este caminho uma transformação,<br />
que nos obriga a interrogar esse processo <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> uma<br />
nova realida<strong>de</strong> para estes objetos: símbolos <strong>de</strong> algo para além <strong>de</strong><br />
sua materialida<strong>de</strong> dada ao olhar. Essa nova realida<strong>de</strong> seria aquilo<br />
que daria propriamente a condição <strong>de</strong> histórico a um conjunto monumental<br />
e que nas palavras da UNESCO se traduz por objetos dotados<br />
<strong>de</strong> “valor excepcional”. Vale ressaltar que me refiro à condição<br />
<strong>de</strong> histórico e não à natureza <strong>de</strong> um dado objeto do patrimônio.<br />
Com isso, pretendo sublinhar o caráter <strong>de</strong> operação que torna<br />
possível um <strong>de</strong>terminado conjunto <strong>de</strong> objetos do passado serem alçados<br />
à condição <strong>de</strong> patrimônio histórico. O que os faz ace<strong>de</strong>r a esta<br />
categoria não é, portanto, a natureza do objeto em si, mas a operação<br />
que permite que sejam vistos como integrantes <strong>de</strong> um patrimônio<br />
histórico e assim ganhem uma nova visibilida<strong>de</strong>. Sabemos que nem<br />
todos os restos e traços <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada época adquirem o estatuto<br />
<strong>de</strong> patrimônio histórico, mas somente aqueles selecionados<br />
e produzidos como tal po<strong>de</strong>rão integrar-se a um projeto <strong>de</strong> recordação,<br />
próprio da política <strong>de</strong> patrimonialização. Tomando as sugestões<br />
<strong>de</strong> Françoise Choay em seu clássico trabalho intitulado “A<br />
Alegoria do patrimônio”, a monumentalização do passado, através<br />
<strong>de</strong> um trabalho <strong>de</strong> patrimonialização <strong>de</strong> <strong>seus</strong> restos, é uma forma<br />
<strong>de</strong> elaboração coletiva da perda <strong>de</strong>ste passado e, sobretudo uma<br />
maneira <strong>de</strong> conjurar a experiência da inexorabilida<strong>de</strong> do tempo e<br />
<strong>de</strong> <strong>seus</strong> efeitos <strong>de</strong>struidores sobre o homem. 9<br />
Esse olhar que proponho para a investigação do patrimônio,<br />
fortemente marcado pela historicização do conceito e <strong>de</strong> sua<br />
compreensão, a partir <strong>de</strong> um esforço que é mais abrangente como<br />
estratégia social <strong>de</strong> lidar com o passado, implica igualmente em<br />
percebê-lo como uma forma peculiar <strong>de</strong> dar visibilida<strong>de</strong> ao passado.<br />
Isto significa dizer, tornar visível um invisível, presentificando<br />
8 Ver a respeito HARTOG, François. Regimes d’historicité. Présentisme et expériences<br />
du temps. Paris: Seuil, 2003.<br />
9 CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: Editora da Unesp, 2006.<br />
29
Manoel Luiz Salgado Guimarães<br />
uma ausência absoluta pela via <strong>de</strong> sua representação. Esta cultura<br />
visual que nos permite <strong>de</strong>codificar certos objetos do passado como<br />
parte integrante <strong>de</strong> um patrimônio possui historicida<strong>de</strong>, o que<br />
significa dizer que nem sempre nosso olhar interpretou esses traços<br />
materiais do passado como parte <strong>de</strong> um patrimônio cuja preservação<br />
viria a se tornar uma política pública.<br />
Antes <strong>de</strong> serem consi<strong>de</strong>rados como patrimônio histórico <strong>de</strong><br />
uma Nação ou mesmo da Humanida<strong>de</strong>, muitos <strong>de</strong>stes monumentos<br />
do passado foram lidos segundo outras regras e como parte <strong>de</strong><br />
uma outra cultura visual. Dominique Poulot em importante trabalho<br />
acerca da invenção do patrimônio na França pós-revolucionária, nos<br />
indica os complexos caminhos percorridos para que objetos tradicionalmente<br />
vinculados à monarquia pu<strong>de</strong>ssem se transformar em<br />
patrimônio da nova coletivida<strong>de</strong> nacional em constituição. 10 Desse<br />
modo per<strong>de</strong>ram sua condição primeira para assumir uma segunda<br />
e radicalmente distinta daquela, a <strong>de</strong> herança comum da comunida<strong>de</strong><br />
nacional francesa em processo <strong>de</strong> constituição, em proprieda<strong>de</strong><br />
coletiva <strong>de</strong>sse novo sujeito político mo<strong>de</strong>rno: a Nação. De coleções<br />
privadas à proprieda<strong>de</strong> coletiva da Nação, uma nova operação<br />
posta em marcha resignificou os antigos objetos, conferindo-lhes o<br />
estatuto <strong>de</strong> patrimônio histórico.<br />
5. As estratégias <strong>de</strong> abordar o passado produzindo-o<br />
como visibilida<strong>de</strong><br />
Procuraremos, ainda que <strong>de</strong> maneira bastante breve, apresentar<br />
algumas <strong>de</strong>ssas formas <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> visibilida<strong>de</strong>; a fim <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar<br />
mais claro nosso argumento: o <strong>de</strong> que a produção <strong>de</strong> objetos<br />
como integrantes <strong>de</strong> um patrimônio coletivo possui uma historicida<strong>de</strong>,<br />
contrapondo-se, por esta perspectiva <strong>de</strong> análise, ao suposto<br />
<strong>de</strong> que seria a própria natureza dos objetos patrimonializáveis<br />
10 Consultar a respeito: POULOT, Dominique. Une histoire du patrimoine em Occi<strong>de</strong>nt.<br />
Paris: Presses Universitaires <strong>de</strong> France, 2006.<br />
30
História , Memória e Patrimônio<br />
a responsável por sua condição <strong>de</strong> legado e herança comum a ser<br />
preservada e transmitida <strong>de</strong> geração em geração.<br />
a) A cultura antiquária.<br />
Os objetos que mo<strong>de</strong>rnamente apren<strong>de</strong>mos a olhar como<br />
integrantes <strong>de</strong> um patrimônio histórico e que supostamente <strong>de</strong>rivariam<br />
essa sua condição das marcas do tempo inscritas em suas<br />
formas, foram em muitos casos apreendidos e vistos segundo outros<br />
procedimentos <strong>de</strong> <strong>de</strong>ciframento. Desempenharam papéis distintos<br />
para aqueles que <strong>de</strong>les se ocupavam e respondiam a <strong>de</strong>mandas<br />
diferentes com relação à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua preservação, conservação<br />
e exibição ao olhar do outro. Estabeleciam, igualmente,<br />
uma forma distinta <strong>de</strong> mediação entre o tempo presente, o tempo<br />
dos colecionadores e <strong>de</strong> suas coleções, e o tempo pretérito, aquele<br />
dos objetos meticulosamente procurados e organizados segundo<br />
princípios bastante diversos daqueles que o tornarão, num outro<br />
quadro referencial e <strong>de</strong> significação, herança coletiva <strong>de</strong> uma<br />
comunida<strong>de</strong> ou prova material da existência do passado.<br />
Essas não eram as preocupações e os interesses que dirigiam<br />
esses colecionadores da época mo<strong>de</strong>rna em sua busca por restos<br />
materiais do passado. A coleção presentificava o tempo passado,<br />
tornava-o novamente vivo aos olhos <strong>de</strong> <strong>seus</strong> proprietários, uma<br />
relação inviabilizada pelo mo<strong>de</strong>rno conceito <strong>de</strong> História que ao se<br />
afirmar no horizonte intelectual das socieda<strong>de</strong>s européias da segunda<br />
meta<strong>de</strong> do século XVIII, tornara o passado <strong>de</strong>finitivamente<br />
um outro tempo distinto e radicalmente diverso do presente. E<br />
é exatamente pelo olhar construído a partir do mo<strong>de</strong>rno conceito<br />
<strong>de</strong> história que apren<strong>de</strong>mos a ver no trabalho do antiquário<br />
um colecionismo <strong>de</strong>sprovido <strong>de</strong> sentido e finalida<strong>de</strong>, como se os<br />
objetos reunidos por estes eruditos e letrados do começo da Época<br />
Mo<strong>de</strong>rna não obe<strong>de</strong>cessem a nenhum critério <strong>de</strong> seleção e escolha.<br />
31
Manoel Luiz Salgado Guimarães<br />
É também partilhando o sentido mo<strong>de</strong>rno do conceito <strong>de</strong> História<br />
que educamos nosso olhar para ver as coleções <strong>de</strong> peças antigas,<br />
<strong>de</strong> vestígios do passado, como um trabalho diletante e por isso<br />
irreconciliável com as tarefas mo<strong>de</strong>rnas que se esperava do trabalho<br />
com a história e com os restos do passado.<br />
Fortemente marcada pelos valores do pragmatismo, a cultura<br />
das Luzes estabelece uma separação radical com o sistema colecionista<br />
<strong>de</strong> objetos, formulando novas <strong>de</strong>mandas para a tarefa <strong>de</strong> reunir<br />
os vestígios e restos do passado. Contudo, é preciso que tenhamos<br />
claro que a prática antiquária ao ser vista pelo olhar da História e do<br />
historiador po<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve ganhar um outro sentido, libertando-a da<br />
visão da qual ficou prisioneira e tributária e que resultou da leitura<br />
das Luzes. Com isso queremos retomar nosso argumento <strong>de</strong> que<br />
antes <strong>de</strong> serem vistos como “patrimônio histórico”, muitos objetos<br />
foram vistos e interpretados <strong>de</strong> forma distinta, sendo o exemplo da<br />
coleção antiquária apenas uma <strong>de</strong>ssas possíveis existências para<br />
tais objetos. Reforça-se assim nossa interpretação <strong>de</strong> que olhar o<br />
patrimônio importa em percebê-lo em sua historicida<strong>de</strong> e não em<br />
sua natureza.<br />
b) O regime da história como “mestra da vida”.<br />
“Eu o fiz percorrer muito rapidamente, diz Corinne a lor<strong>de</strong><br />
Nelvil, alguns restos da história antiga; mas o senhor compreen<strong>de</strong>rá<br />
o prazer que se po<strong>de</strong> tirar <strong>de</strong>stas pesquisas, ao mesmo<br />
tempo eruditas e poéticas, que falam tanto à imaginação<br />
quanto à razão. Há em Roma um bom número <strong>de</strong> homens distintos,<br />
cuja única ocupação é a <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir uma nova relação<br />
entre a história e as ruínas. Lor<strong>de</strong> Nelvil respon<strong>de</strong>: este gênero<br />
<strong>de</strong> erudição é muito mais interessante do que aquele que se<br />
adquire pelos livros: po<strong>de</strong>-se dizer que faz-se reviver aquilo<br />
que <strong>de</strong>scobrimos, e que o passado reaparece sob a poeira que<br />
o encobria.” (Corine <strong>de</strong> Mme. De Stael)<br />
32
História , Memória e Patrimônio<br />
Ao entrar na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Roma, Corinne, personagem título do<br />
livro <strong>de</strong> Madame <strong>de</strong> Staël, conduz o seu amado Oswald, lord Nelvil,<br />
pelas ruínas da cida<strong>de</strong> emblema do passado e <strong>de</strong> sua gran<strong>de</strong>za,<br />
itinerário obrigatório para a boa formação do letrado europeu das<br />
Luzes e cida<strong>de</strong> também visitada pela autora do romance. A tensão<br />
dramática tem como cenário a própria história, presença visível<br />
através <strong>de</strong> <strong>seus</strong> restos materiais e constante indispensável para a<br />
cultura letrada do oitocentos, ela mesma se <strong>de</strong>finindo como uma<br />
cultura histórica por excelência. Triunfo da História na sua capacida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> significar a vida dos homens, dando-lhes um sentido <strong>de</strong><br />
continuida<strong>de</strong> para além do tempo presente <strong>de</strong> suas experiências<br />
finitas.<br />
A História como parte central da cultura do oitocentos aparece<br />
agora, pelas palavras da personagem título do romance,<br />
não apenas como um conhecimento que po<strong>de</strong> evocar o prazer<br />
estético, da mesma or<strong>de</strong>m que a poesia, mas com seu conhecimento<br />
po<strong>de</strong> advir um conhecimento “savante” 11 , que ao<br />
mesmo tempo satisfaça à imaginação como ao pensamento.<br />
Um conhecimento combinando assim o prazer estético e a<br />
<strong>de</strong>marche racional exigida pelos cânones da cultura iluminista. O<br />
passado <strong>de</strong>ve agora po<strong>de</strong>r ser racionalmente apropriado e para<br />
isso o trabalho <strong>de</strong> pesquisa se faz necessário e indispensável, o que<br />
segundo ainda a personagem do romance tem estimulado o trabalho<br />
<strong>de</strong> um novo “homem cultivado”: aquele justamente que se<br />
ocupa <strong>de</strong> estabelecer as relações entre os restos visíveis na cida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Roma e o seu passado. Estes traços e marcas do passado não<br />
se prestam apenas ao gosto do amante erudito do passado, cioso<br />
da sua conservação, mas sobretudo ao olhar que, ao pousar sobre<br />
estas ruínas, busca estabelecer relações que transformem a experiência<br />
do passado em explicação para o presente das socieda<strong>de</strong>s<br />
humanas. E segundo o seu interlocutor, o nobre inglês Nelvil, esta<br />
seria uma profissão a que se <strong>de</strong>dicaria com prazer - ao invés da car-<br />
11 Saber erudito (correspon<strong>de</strong> ao verbo savoir, na língua francesa).<br />
33
Manoel Luiz Salgado Guimarães<br />
reira das armas a que sua condição <strong>de</strong> nobre o obrigava - visto que<br />
a vê como uma forma <strong>de</strong> erudição superior à que se adquire pelos<br />
livros no sossêgo <strong>de</strong> sua biblioteca.<br />
Mas o que seria exatamente novo nesta forma <strong>de</strong> erudição O<br />
conhecimento que se adquire pela pesquisa das coisas do passado,<br />
significando <strong>de</strong>sta forma que po<strong>de</strong> haver o que se conhecer <strong>de</strong>ste<br />
passado, superando uma perspectiva, segundo a qual a erudição<br />
não alteraria substantivamente o conhecimento existente acerca do<br />
passado das socieda<strong>de</strong>s humanas. Vitória <strong>de</strong>finitiva dos mo<strong>de</strong>rnos,<br />
que ao <strong>de</strong>rrotarem a erudição, transformam <strong>de</strong>finitivmente o passado<br />
em História. Derrota igualmente <strong>de</strong> um regime <strong>de</strong> visualida<strong>de</strong><br />
própria ao sistema colecionista e instauração <strong>de</strong> uma nova or<strong>de</strong>m<br />
visual, em que os objetos do objeto, <strong>seus</strong> traços, restos e vestígios<br />
<strong>de</strong>veriam cumprir uma função diferenciada para as <strong>de</strong>mandas em<br />
vias <strong>de</strong> formulação pela cultura ilustrada do setecentos.<br />
Prosseguindo seu percurso pela cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Roma e pela visita<br />
<strong>de</strong> <strong>seus</strong> monumentos históricos, um outro sentido central da cultura<br />
histórica das Luzes <strong>de</strong>lineia-se com clareza para os homens do<br />
presente: ao <strong>de</strong>frontarem-se com a história dos homens do passado<br />
po<strong>de</strong>riam apren<strong>de</strong>r pelo exemplo, readquirindo assim, a História, o<br />
seu papel magistral. A contemplação <strong>de</strong> Roma e <strong>de</strong> seu passado,<br />
visível através dos restos disponíveis à contemplação do olhar,<br />
po<strong>de</strong>ria estar a serviço <strong>de</strong> outro importante componente da cultura<br />
histórica das Luzes européia: <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os etruscos, agora já integrados<br />
à história <strong>de</strong> Roma, até o presente, o estudioso do passado po<strong>de</strong>ria<br />
acompanhar a evolução do “espírito humano” através <strong>de</strong> suas<br />
realizações materializadas naquela cida<strong>de</strong>. Portanto, contemplar o<br />
passado adquire um sentido preciso. O <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r constatar e mesmo<br />
provar esta evolução, que para além <strong>de</strong> marcar as particularida<strong>de</strong>s<br />
da socieda<strong>de</strong> romana, seria o sentido mesmo dos homens estarem<br />
no mundo, cabendo assim à História o papel <strong>de</strong> fundamentar este<br />
sentido.<br />
34
História , Memória e Patrimônio<br />
Nas palavras da personagem principal, Roma como cida<strong>de</strong> não<br />
é apenas uma aglomeração <strong>de</strong> habitações, mas é sobretudo « l’histoire<br />
du mon<strong>de</strong>, figurée par divers emblèmes, et représentée sous<br />
diverses formes.” 12 Visitar Roma era, para os cânones <strong>de</strong>sta cultura<br />
iluminista, muito mais do que visitar uma cida<strong>de</strong> ; era a própria possibilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> acesso à história dos homens, materializada <strong>de</strong> forma<br />
privilegiada no espaço da cida<strong>de</strong>. A visão do passado, mais do que a<br />
própria leitura dos textos, confere um novo po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> convencimento<br />
e persuasão para esta cultura iluminista, contribuindo para que<br />
o estudo <strong>de</strong>ste passado adquira um novo valor e significado. Estes<br />
vestígios e traços parecem <strong>de</strong>finitivamente libertos do diletantismo<br />
próprio ao colecionismo, segundo a avaliação <strong>de</strong>ssa nova cultura<br />
histórica em emergência. E é nessa sua reaparição que o passado<br />
po<strong>de</strong> ensinar alguma coisa!<br />
c) O mo<strong>de</strong>rno regime <strong>de</strong> historicida<strong>de</strong>.<br />
O futuro como projeto.<br />
O século XIX afirmou-se <strong>de</strong>finitivamente como o século da história,<br />
dada a força que as imagens do passado adquirem para as<br />
socieda<strong>de</strong>s oci<strong>de</strong>ntais. O lugar central que estas imagens assumem<br />
para estas socieda<strong>de</strong>s foi analisado em trabalhos clássicos do historiador<br />
inglês Stephen Bann 13 , que procurou apresentar um leque<br />
variado <strong>de</strong> investimentos sociais em narrar o passado pelas socieda<strong>de</strong>s<br />
européias do <strong>de</strong>zenove. Da pintura histórica, passando pelos<br />
mu<strong>seus</strong> <strong>de</strong> história e até a afirmação do campo disciplinar no século<br />
XIX, o interesse central pelo passado marcou profundamente as<br />
socieda<strong>de</strong>s oci<strong>de</strong>ntais àquela altura. A história participava <strong>de</strong> um<br />
trabalho <strong>de</strong> luto pela consciência da perda <strong>de</strong>finitiva do passado<br />
como referência e mo<strong>de</strong>lo para as socieda<strong>de</strong>s do presente. A tra-<br />
12 Madame <strong>de</strong> Staël. Corinne ou l’Italie. Paris: Gallimard, 1985. p. 136.<br />
13 Consultar entre outros trabalhos: Stephen Bann. Romanticism and the rise of History.<br />
New York: Twayne Publishers, 1995. As invenções da História. Ensaios sobre a representação<br />
do passado. São Paulo: Unesp, 1994.<br />
35
Manoel Luiz Salgado Guimarães<br />
dição, que até então parecia pautar as condutas e fornecer os mo<strong>de</strong>los<br />
para ação, vê-se questionada e subtraída <strong>de</strong>sse seu po<strong>de</strong>r. O<br />
passado agora <strong>de</strong>veria cumprir funções diversas daquelas que até<br />
então haviam sido formuladas como <strong>de</strong>mandas pelas coletivida<strong>de</strong>s<br />
humanas. O passado, transformado <strong>de</strong>finitivamente em História,<br />
será objeto <strong>de</strong> um conhecimento regrado por procedimentos<br />
controlados por uma comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> especialistas que assumem o<br />
papel <strong>de</strong> intérpretes <strong>de</strong>sse tempo pretérito.<br />
Na formulação clássica do historiador alemão Reinhard Koselleck<br />
14 , espaço <strong>de</strong> experiência e horizonte <strong>de</strong> expectativa afastam-se<br />
<strong>de</strong> maneira radical, produzindo a impossibilida<strong>de</strong> do espaço <strong>de</strong><br />
experiência significar um sentido claro <strong>de</strong> orientação para as socieda<strong>de</strong>s<br />
humanas no futuro, tendo em vista a velocida<strong>de</strong> das transformações<br />
do presente. A Mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, com sua experiência peculiar<br />
do tempo, inviabiliza por completo a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que o horizonte<br />
<strong>de</strong> expectativas possa ser formulado tendo como base esse<br />
espaço <strong>de</strong> experiência. O futuro, segundo essa nova experiência<br />
temporal, po<strong>de</strong> comportar um leque variado e amplo <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s,<br />
não necessariamente dadas em um <strong>de</strong>terminado espaço <strong>de</strong><br />
experiência. A cultura histórica que então se afirma, torna o passado<br />
objeto <strong>de</strong> uma ciência específica, finalmente integrada aos quadros<br />
das disciplinas acadêmicas e universitárias. Do mesmo modo esta<br />
cultura histórica elabora estratégias <strong>de</strong> visualização do passado<br />
que se traduzem pela invenção do patrimônio e das “antiguida<strong>de</strong>s<br />
nacionais”.<br />
O conceito <strong>de</strong> patrimônio vincula-se, <strong>de</strong>finitivamente, à noção<br />
<strong>de</strong> herança e legado para o futuro, agora não mais a partir <strong>de</strong> seu<br />
sentido original <strong>de</strong> herança familiar, mas <strong>de</strong> herança <strong>de</strong> uma coletivida<strong>de</strong>,<br />
forma <strong>de</strong> congregar no presente e projetar para o futuro.<br />
Permanece, contudo, seu apelo afetivo próprio dos investimentos<br />
na memória, que convoca as socieda<strong>de</strong>s à tarefa da recordação no<br />
14 KOSELLECK, Reinhard. Futuro Passado. Contribuição à semântica dos tempos históricos.<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro: Contraponto, 2006.<br />
36
História , Memória e Patrimônio<br />
seu sentido <strong>de</strong> “recordare” (com o coração). Os monumentos (<strong>de</strong><br />
monere; advertir, lembrar) operam como interrogadores da memória,<br />
como sinalizadores <strong>de</strong> uma pergunta que <strong>de</strong>ve ser formulada<br />
não apenas aos vivos no presente, mas para aqueles que viverão no<br />
futuro, operando os laços <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> entre estes dois tempos.<br />
O patrimônio inscreve-se, portanto, neste esforço oitocentista <strong>de</strong><br />
produzir o passado como História <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong> - a Nação<br />
mo<strong>de</strong>rna - cuja invenção recente <strong>de</strong>ve ser combatida pela sua projeção<br />
imaginada em direção a um passado remoto, capaz <strong>de</strong> assegurar<br />
sua legitimida<strong>de</strong> política no presente.<br />
d) O presentismo e a patrimonialização recente.<br />
Voltando ao nosso ponto <strong>de</strong> partida, afirmávamos que nossa<br />
contemporaneida<strong>de</strong> parece conferir especial atenção ao trabalho<br />
<strong>de</strong> patrimonialização dos bens consi<strong>de</strong>rados históricos como forma<br />
<strong>de</strong> protegê-los da inexorável passagem do tempo e dos <strong>seus</strong> efeitos<br />
sobre os restos e vestígios do passado. Uma sensibilida<strong>de</strong> aguçada<br />
em relação a esses vestígios parece conferir-lhes um valor peculiar<br />
que efetivamente em muito transcen<strong>de</strong> seu valor como objetos<br />
em si. O que vem mudando em nossa relação com esses objetos, a<br />
que um autor <strong>de</strong>nomina <strong>de</strong> “portas <strong>de</strong> entrada privilegiada para o<br />
passado” 15 Por que as socieda<strong>de</strong>s contemporâneas parecem mais<br />
afetadas pelo <strong>de</strong>saparecimento <strong>de</strong>sses bens colocados sob a proteção<br />
<strong>de</strong> uma política estatal Retomo aqui as instigantes sugestões<br />
<strong>de</strong> François Hartog 16 em seu recente livro sobre os Regimes <strong>de</strong><br />
historicida<strong>de</strong>, em que diagnostica esta sensibilida<strong>de</strong> aguçada em<br />
relação ao patrimônio como parte <strong>de</strong> alterações ainda em curso em<br />
nossa relação com o tempo.<br />
A percepção cada vez mais acelerada do tempo pelas socie-<br />
15 BALLART, Josep. El 1. patrimonio histórico y arqueológico: valor y uso. Barcelona:<br />
Ariel, 2002.<br />
16 HARTOG, François. Op. Cit. Consultar especialmente o capítulo 5 intitulado Patrimônio<br />
e Presente.<br />
37
Manoel Luiz Salgado Guimarães<br />
da<strong>de</strong>s contemporâneas, vem alterando nossa relação com o futuro<br />
e também com o passado. Ou melhor, essa nova percepção tem<br />
contribuído para novos investimentos afetivos em relação a essas<br />
temporalida<strong>de</strong>s. O futuro, que estava no foco da Mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> como<br />
o tempo das realizações e afirmação do progresso, parece ce<strong>de</strong>r aos<br />
poucos lugar a um tempo que guardaria maiores possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
certeza e segurança; o passado. As profundas transformações que<br />
tem alterado <strong>de</strong> maneira radical a relação dos homens com a Natureza<br />
na contemporaneida<strong>de</strong>, provocaram um <strong>de</strong>sinvestimento com<br />
relação ao futuro, que no lugar <strong>de</strong> realizar o progresso acena-nos<br />
com crises as mais diferenciadas: <strong>de</strong>semprego, crise energética e<br />
alimentar, crises ecológicas. Assim, o futuro parece incerto e inseguro<br />
diferentemente daquilo que fora para a cultura histórica oitocentista.<br />
A esse tempo <strong>de</strong> incertezas e dúvidas investe-se no presente,<br />
que parece teimar em não passar, e, portanto, em transformar-se<br />
em história.<br />
A confiança no futuro é substituída pela necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
preservação no presente como forma <strong>de</strong> salvaguardar-nos das incertezas<br />
<strong>de</strong>sse tempo à nossa frente. A explosão recente das narrativas<br />
memorialísticas, dos discursos testemunhais e <strong>de</strong> uma febre<br />
patrimonial, articulam-se a esse processo <strong>de</strong> mudanças com relação<br />
à nossa percepção da passagem do tempo e <strong>de</strong> <strong>seus</strong> efeitos. São<br />
novas formas do presente capturar o passado e produzir sentido<br />
para as socieda<strong>de</strong>s contemporâneas. Aqui cabe uma observação<br />
importante. É preciso, contudo, ter clareza que a esse crescimento<br />
vertiginoso do trabalho social da lembrança, não correspon<strong>de</strong><br />
necessariamente uma relação mais crítica em relação ao passado.<br />
Se a <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> uma política preservacionista integrou-se <strong>de</strong>finitivamente<br />
às agendas políticas contemporâneas - o que é certamente<br />
positivo -, permitindo <strong>de</strong>ssa forma que restos do passado permaneçam<br />
visíveis aos olhares <strong>de</strong> gerações futuras, a preservação não nos<br />
assegura por ela mesma uma relação mais crítica com o passado.<br />
Em nossa contemporaneida<strong>de</strong> são inúmeros os interesses que<br />
se entrecruzam na tarefa <strong>de</strong> preservar o patrimônio histórico, inte-<br />
38
História , Memória e Patrimônio<br />
resses muitas das vezes conflitantes e que <strong>de</strong>vem ser equacionados<br />
na discussão acerca <strong>de</strong> uma política patrimonial. Do patrimônio<br />
como mercadoria ao patrimônio como forma <strong>de</strong> construção da<br />
cidadania são inúmeras as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sua leitura e interpretação<br />
por parte daqueles que se engajam em favor da preservação.<br />
Aliás, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o momento em que se constitui como um saber regrado<br />
no século XIX, os inúmeros <strong>de</strong>bates em torno <strong>de</strong> como e do que<br />
preservar, já indicavam a inexistência <strong>de</strong> um campo consensual no<br />
tratamento das questões relativas ao patrimônio histórico. Basta<br />
aqui a referência a dois mo<strong>de</strong>los distintos e contrapostos relativos<br />
à preservação - o <strong>de</strong> Viollet-le-Duc e o <strong>de</strong> Ruskin -, para constatarmos<br />
como a disputa pelo passado e sua representação esteve<br />
também presente nos <strong>de</strong>bates acerca da preservação <strong>de</strong> <strong>seus</strong><br />
monumentos. 17 Christophe Prochasson no livro a que fizemos<br />
referência “L’Empire <strong>de</strong>s émotions’ 18 , diagnostica esse tempo como<br />
sendo o <strong>de</strong> uma certa confusão entre história e memória, quando<br />
os apelos da emoção parecem mais a<strong>de</strong>quados para o enfrentamento<br />
do passado do que as armas da crítica histórica. Segundo<br />
ele, o historiador contemporâneo <strong>de</strong>ve, sobretudo, emocionar<br />
mais do que convidar à reflexão crítica, ela mesma menos confortadora<br />
e apaziguadora. Para o historiador francês, os historiadores<br />
contemporâneos estariam submetidos a um novo regime emocional.<br />
O retorno do drama faustiano, que marcou a experiência<br />
da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, parece novamente presente apontando para os<br />
paradoxos do ser mo<strong>de</strong>rno: a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> preencher com certezas<br />
- e com lembranças - aquilo que é incerto por sua própria condição.<br />
Como afirmava Adam Phillips, são tortuosos os caminhos pelos<br />
quais no conduz a memória e a recordação.<br />
17 Ver a respeito: CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: Unesp, 2006.<br />
Especialmente o capítulo IV.<br />
18 PROCHASSON,Christophe. Op. Cit.<br />
39
Manoel Luiz Salgado Guimarães<br />
Referências<br />
BALLART, Josep. El 1. patrimonio histórico y arqueológico: valor y uso. Barcelona:<br />
Ariel, 2002.<br />
CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: Unesp, 2006.<br />
HARTOG, François. Regimes d’historicité: présentisme et expériences du temps.<br />
Paris: Seuil, 2003.<br />
KOSELLECK, Reinhard. Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos<br />
históricos. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Contraponto, 2006.<br />
Madame <strong>de</strong> Staël. Corinne ou l’Italie. Pris: Gallimard, 1985<br />
PROCHASSON, Christophe. L’Empire <strong>de</strong>s émotions: les historiens dans la mêlée.<br />
Paris: Éditions Démopolis, 2008.<br />
40
História, memória e instituições: algumas<br />
reflexões teórico-metodológicas para os<br />
trabalhos do Projeto Memória - SiBI/UFRJ<br />
Os labirintos da memória e da história<br />
Antonio José Barbosa <strong>de</strong> Oliveira<br />
Para os antigos gregos, a memória estava ligada ao sobrenatural.<br />
A <strong>de</strong>usa Mnemosine, ou Mnêmesis nasceu dos amores do Céu,<br />
a eternida<strong>de</strong> (Cronos) e da Terra (Gea), sendo a rainha <strong>de</strong> Eleutera,<br />
a terra da liberda<strong>de</strong> completa . Desta forma, era a <strong>de</strong>usa protetora<br />
da justiça e da vingança, já que une o presente e o passado, realizando<br />
também a ligação entre o mundo do real <strong>de</strong> Gea e o mundo<br />
da representação <strong>de</strong> Cronos. Mnemosine ligou-se a Zeus, senhor do<br />
Olimpo, rei <strong>de</strong> todos os <strong>de</strong>uses gregos e administrador da justiça,<br />
nascendo daí, Clío, a História. Sendo “filha da memória e <strong>de</strong> Zeus,<br />
senhor do po<strong>de</strong>r do Olimpo, Clio tem seu berço no cume do po<strong>de</strong>r<br />
terrestre e na representação do passado” (GIRON, 2000, p.24). Desta<br />
forma, a memória seria a mãe <strong>de</strong> todas as artes, tendo ligação direta<br />
com o sobrenatural. Era a <strong>de</strong>usa que possibilitava aos poetas a<br />
lembrança do passado e a sua transmissão oral aos mortais. 1 Assim,<br />
a memória tem estreita ligação com a imaginação. Por isso, lembrar<br />
e inventar têm relações profundas. A ligação entre Mnemosine e<br />
Clio, é muito próxima, mas nem sempre coinci<strong>de</strong>nte, nem sempre<br />
pacífica, sendo por vezes até conflituosa.<br />
Pierre Nora, em seu clássico texto “Entre memória e história –<br />
a problemática dos <strong>lugares</strong>” já nos sinalizou para as especificida<strong>de</strong>s<br />
1 Para os gregos o registro escrito empobrecia a memória, que estaria assim transferida<br />
para algo externo ao sujeito. Por isso, <strong>de</strong>ram especial atenção ao ensino da arte<br />
retórica, <strong>de</strong>stinada a convencer e emocionar os ouvintes por meio do uso da linguagem.<br />
Os romanos também consi<strong>de</strong>ravam a memória como elemento fundamental<br />
à arte retórica.<br />
41
Antonio José Barbosa <strong>de</strong> Oliveira<br />
entre história e memória: a primeira, uma reconstrução sempre problemática<br />
e incompleta do que não existe mais e, “porque operação<br />
intelectual e laicizante, <strong>de</strong>manda análise e discurso crítico [...]<br />
só se liga às continuida<strong>de</strong>s temporais, às evoluções e às relações<br />
das coisas” (NORA, 1993, p 11); é uma representação do passado, a<br />
“<strong>de</strong>sligitimação do passado vivido” (1993, p.11) já que seu criticismo<br />
seria “<strong>de</strong>strutor da memória espontânea”. A memória, por sua vez,<br />
se configura como um “fenômeno sempre atual, um elo vivido no<br />
eterno presente”; é<br />
vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido,<br />
ela está em permanente evolução, aberta à dialética da<br />
lembrança e do esquecimento, inconsciente <strong>de</strong> suas <strong>de</strong>formações<br />
sucessivas, vulnerável a todos os usos e manipulações,<br />
suceptível <strong>de</strong> longas latências e <strong>de</strong> repentinas revitalizações.<br />
[...] A memória é um fenônemo sempre atual, um elo vivido no<br />
eterno presente. [...] (NORA, 1993, p. 9)<br />
Neste sentido, segundo o historiador, a necessida<strong>de</strong> pelos “<strong>lugares</strong><br />
<strong>de</strong> memória” é indicador <strong>de</strong> que não há mais memória e sim<br />
uma necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> história:<br />
Se habitássemos ainda nossa memória, não teríamos<br />
necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lhe consagrar <strong>lugares</strong>. Não haveria <strong>lugares</strong><br />
porque não haveria memória transportada pela história. [...]<br />
Des<strong>de</strong> que haja rastro, distância, mediação, não estamos<br />
mais <strong>de</strong>ntro da verda<strong>de</strong>ira memória, mas <strong>de</strong>ntro da história.<br />
(1993, p. 8-9)<br />
Entre passado e presente, céus e terra, similarida<strong>de</strong>s e diferenças,<br />
representações e materialida<strong>de</strong>s, transitam os que atuam no<br />
âmbito da história e memória <strong>de</strong> instituições. Campo permeado<br />
pelas disputas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res, na dimensão dos embates que <strong>de</strong>finirão<br />
o que será lembrado, como será lembrado, e também com aquilo<br />
que, não sendo lembrado, será esquecido: não somos só o que lembramos,<br />
somos também o que esquecemos.<br />
42
História, memória e instituições: algumas reflexões teórico-metodológicas<br />
para os trabalhos do Projeto Memória - SiBI/UFRJ<br />
Memória e História : tempos, <strong>lugares</strong> e relações<br />
A memória é sempre uma construção feita no presente, a partir<br />
<strong>de</strong> vivências e experiências ocorridas num passado sobre o qual<br />
se <strong>de</strong>seja refletir e enten<strong>de</strong>r. Enquanto construção, a memória está<br />
também sujeita às questões da subjetivida<strong>de</strong>, seletivida<strong>de</strong> e, sobretudo,<br />
às instâncias <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res. Mesmo que (re)constituída a partir<br />
<strong>de</strong> indivíduos, a memória sempre nos remete a uma dimensão coletiva<br />
e social e, por extensão, institucional. Outro aspecto importante<br />
em nossas consi<strong>de</strong>rações é a percepção <strong>de</strong> que é sempre no contexto<br />
<strong>de</strong> relações que construímos nossas lembranças, mesmo que<br />
aparentemente individualizadas (HALBWACHS, 2006). A memória<br />
também tem a função <strong>de</strong> produção ou percepção <strong>de</strong> sentimentos<br />
<strong>de</strong> pertinência a passados comuns, o que, por sua vez, constitui-se<br />
aspecto imprescindível ao estabelecimento <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s calcadas<br />
em experiências compartilhadas, não somente no campo histórico<br />
ou material, como também (e sobretudo) no campo simbólico.<br />
Devemos ainda consi<strong>de</strong>rar as relações que se estabelecem<br />
entre a memória e as questões que envolvem os <strong>lugares</strong>, tempos e<br />
po<strong>de</strong>res. As memórias, individual e coletiva, sempre se fazem em<br />
algum lugar que lhes imprime uma referência e as mudanças<br />
empreendidas nestes <strong>lugares</strong> sempre acarretam mudanças na percepção<br />
da realida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> vidas que ficarão registradas. Certeau<br />
(2002, p.77) nos lembra que os <strong>lugares</strong> permitem e interditam as<br />
produções da história, tornando possíveis certas pesquisas em<br />
função <strong>de</strong> conjunturas e problemáticas comuns e, por outro lado,<br />
impossibilitando outras. Por sua vez, os grupos, classes e indivíduos<br />
também estão em constante disputa pelo po<strong>de</strong>r. As relações entre<br />
po<strong>de</strong>res, muitas vezes, <strong>de</strong>finem o que será lembrado e o que <strong>de</strong>verá<br />
ser esquecido. É no âmbito <strong>de</strong> esferas hegemônicas que se <strong>de</strong>fine o<br />
que ficará registrado em livros e programas escolares, tornando-se<br />
“memória histórica”, ou a “história oficial”. Desta forma, a memória<br />
está diretamente ligada aos mecanismos <strong>de</strong> controle e dominação<br />
<strong>de</strong> alguns grupos sobre outros.<br />
43
Antonio José Barbosa <strong>de</strong> Oliveira<br />
A evocação da memória está vinculada a um tempo presente.<br />
Mesmo remetendo a uma lembrança do passado, é a necessida<strong>de</strong><br />
presente que norteia a evocação memorialística. Neste sentido<br />
é sempre pertinente a consciência dos interesses presentes que<br />
<strong>de</strong>finem os trabalhos no campo da memória. Bordieu (2001, p.37) já<br />
nos alertou para o perigo <strong>de</strong> nos tornarmos objetos dos problemas<br />
que tomamos para objeto. A<strong>de</strong>mais, concebemos que as formas <strong>de</strong><br />
concepção do passado também são formas <strong>de</strong> ação, já que, “conceber<br />
o passado não é apenas selá-lo sob <strong>de</strong>terminado significado,<br />
construir para ele uma interpretação; conceber o passado é também<br />
negociar e disputar significados e <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar ações” (ALBERTI,<br />
2004, p.33, grifo nosso).<br />
Sendo assim, a memória também encontra-se diretamente<br />
ligada aos sistemas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res, porque também é <strong>de</strong>finidora <strong>de</strong><br />
possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> saberes. Foucault (1989) já nos sinalizou para o<br />
fato <strong>de</strong> que o po<strong>de</strong>r é luta, afrontamento, relação <strong>de</strong> força, situação<br />
e estratégia. Não é um lugar, que se ocupa, nem um objeto, que se<br />
possui. Ele se exerce, se disputa, não sendo uma relação unívoca,<br />
unilateral: nessa disputa ou se ganha ou se per<strong>de</strong>. Desta forma, as<br />
lembranças e os esquecimentos que constroem nossas instituições<br />
são constantemente permeados por relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res que se<br />
estabelecem entre os <strong>seus</strong> diversos grupos. Se consi<strong>de</strong>rarmos que<br />
o po<strong>de</strong>r é também produtor <strong>de</strong> individualida<strong>de</strong>s, po<strong>de</strong>remos inferir<br />
que ele está ligado aos que <strong>de</strong>têm o saber. Os indivíduos e as instituições<br />
são produções <strong>de</strong> constantes interações entre po<strong>de</strong>res e<br />
saberes. Consi<strong>de</strong>rando a natureza da instituição <strong>de</strong> on<strong>de</strong> e sobre a<br />
qual falamos - a UFRJ - não po<strong>de</strong>mos esquecer que todo conhecimento<br />
só po<strong>de</strong> existir a partir <strong>de</strong> condições políticas que são as<br />
condições para que se formem, tanto o sujeito quanto os domínios<br />
<strong>de</strong> saber. Não há saber neutro, já que todo saber é político.<br />
Memória e i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> são conceitos intrinsecamente ligados,<br />
constituindo-se, mutuamente, num processo no qual a primeira<br />
dá substrato à segunda. Através <strong>de</strong> uma constante seletivida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
44
História, memória e instituições: algumas reflexões teórico-metodológicas<br />
para os trabalhos do Projeto Memória - SiBI/UFRJ<br />
elementos, a memória busca a legitimação do que <strong>de</strong>ve prevalecer<br />
na lembrança e por isso também é objeto <strong>de</strong> constante disputa <strong>de</strong><br />
po<strong>de</strong>res. Isso também vale para a memória institucional. Se é verda<strong>de</strong><br />
que uma instituição é constituída <strong>de</strong> uma complexa re<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
relações estabelecidas, não somente nos papéis e registros oficiais,<br />
mas (e sobretudo) através das práticas habituais, fundamentadas<br />
em valores e normas adotadas pelos sujeitos que as constituem e<br />
nela atuam, é também sabido que a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> compartilhada é<br />
um po<strong>de</strong>roso fator <strong>de</strong> coesão <strong>de</strong> grupos. Nas instituições, “o discurso<br />
oficial produz <strong>de</strong>terminados significados relacionados com a<br />
construção i<strong>de</strong>ntitária da instituição em foco” (OLIVEIRA, 2002, p.38)<br />
e através <strong>de</strong>le po<strong>de</strong>mos perceber a atuação dos diversos grupos<br />
implicados neste processo, bem como a relação <strong>de</strong>stes com os<br />
diversos tipos <strong>de</strong> memórias que se perpetuam ou se apagam. O discurso<br />
a que nos referimos extrapola a noção <strong>de</strong> textos, documentos<br />
e falas. Refere-se à relação que os sujeitos estabelecem com o meio<br />
social e o processo histórico em curso. Discurso permeado pela<br />
i<strong>de</strong>ologia, que se oculta muitas vezes nas retóricas das autorida<strong>de</strong>s<br />
e no conteúdo dos documentos institucionais.<br />
Memória, discurso e instituição<br />
Os trabalhos no campo da memória institucional <strong>de</strong>vem consi<strong>de</strong>rar<br />
que somos sempre marcados pelo lugar que nos forma e <strong>de</strong><br />
on<strong>de</strong> falamos. Ao falarmos da universida<strong>de</strong>, na universida<strong>de</strong>, estamos<br />
sujeitos a toda série <strong>de</strong> “interferências” e “subjetivida<strong>de</strong>s” e até mesmo<br />
reprodução <strong>de</strong> “verda<strong>de</strong>s” perpetuadas pelo senso-comum acadêmico<br />
(sim, ele existe!) que po<strong>de</strong>m incorrer numa dificulda<strong>de</strong> do “distanciamento”<br />
<strong>de</strong>sejado a todo trabalho <strong>de</strong> pesquisa. Assim, é preciso,<br />
por vezes, tornar estranho o que nos é habitual e <strong>de</strong>snaturalizar o<br />
que já está naturalizado a nossos olhos. Sabemos, à luz <strong>de</strong> Bordieu<br />
(2001, p.34) que construir um objeto científico é romper com o senso<br />
comum, ou seja,<br />
45
Antonio José Barbosa <strong>de</strong> Oliveira<br />
com representações partilhadas por todos, quer se trate<br />
dos simples <strong>lugares</strong>-comuns da existência vulgar, quer se<br />
trate das representações oficiais, frequentemente inscritas<br />
nas instituições, logo, ao mesmo tempo na objetivida<strong>de</strong> das<br />
organizações sociais e nos cérebros. As idéias pré-construídas<br />
estão em toda a parte e o homo aca<strong>de</strong>micus gosta do acabado;<br />
como os pintores acadêmicos, ele faz <strong>de</strong>saparecer dos <strong>seus</strong><br />
trabalhos os vestígios da pincelada, os toques e os retoques.<br />
Sabemos não ser fácil o rompimento com o senso comum ou<br />
com verda<strong>de</strong>s que são, na verda<strong>de</strong>, aparências <strong>de</strong> uma pretensa<br />
lógica, revestidas <strong>de</strong> isenção ou cientificida<strong>de</strong>, já que o processo <strong>de</strong><br />
institucionalização leva à consolidação <strong>de</strong> aparelhos que necessitam<br />
ser constantemente reproduzidos, e <strong>de</strong>sta forma, dilui e disfarça<br />
os antagonismos e diferenças. Foucault (2007, p. 8-9) também já<br />
nos sinalizou para a importância <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>ração do lugar do trabalho<br />
que fazemos, já que<br />
em toda a socieda<strong>de</strong> a produção do discurso é simultaneamente<br />
controlada, selecionada, organizada e redistribuída<br />
por um certo número <strong>de</strong> procedimentos que têm por papel<br />
exorcizar-lhe os po<strong>de</strong>res e os perigos, refrear-lhe o acontecimento<br />
aleatório, disfarçar a sua pesada, temível materialida<strong>de</strong>.<br />
Enquanto instituição, a universida<strong>de</strong> também cria mecanismos<br />
<strong>de</strong> controle para a afirmação <strong>de</strong> sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, conferindo percepções<br />
e padrões <strong>de</strong> conduta a <strong>seus</strong> membros. Ao exercer mecanismos<br />
<strong>de</strong> controle sobre a memória <strong>de</strong> <strong>seus</strong> membros, leva ao esquecimento<br />
as experiências incompatíveis com a imagem <strong>de</strong> unida<strong>de</strong> e<br />
uniformida<strong>de</strong> que ela preten<strong>de</strong> ter <strong>de</strong> si mesma.<br />
Diversos atores-sujeitos (indivíduos interpelados pela i<strong>de</strong>ologia)<br />
estão envolvidos nas questões que perpassam a história da<br />
nossa instituição, <strong>de</strong>finindo, inclusive diversas formas específicas <strong>de</strong><br />
memórias. Formam o que chamaremos <strong>de</strong> “grupos”. Nas reflexões<br />
46
História, memória e instituições: algumas reflexões teórico-metodológicas<br />
para os trabalhos do Projeto Memória - SiBI/UFRJ<br />
que estabelece sobre a formação <strong>de</strong> grupos, Oliveira (2002, p.33)<br />
nos esclarece que<br />
atingir um objetivo específico, é, por exemplo, um fator<br />
<strong>de</strong> coesão que <strong>de</strong>termina também a organização e os procedimentos<br />
do grupo. Sendo assim, o grupo não é necessariamente<br />
todo e qualquer agrupamento constituído eventualmente<br />
ou <strong>de</strong> forma legal: os pressupostos legais não atribuem vezes<br />
emocionais ao grupo que se associa. Somente pelo fato <strong>de</strong><br />
ser legalmente constituído não se po<strong>de</strong> dizer que um grupo<br />
“comporta-se” e muito menos que ele pensa ou sinta.<br />
Sendo assim, enten<strong>de</strong>remos um grupo como conseqüência<br />
<strong>de</strong> uma coesão promovida por interesses comuns, mesmo que<br />
momentânea; cuja existência e permanência <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m, muitas<br />
vezes, do estímulo e da incitação e não necessariamente do consenso<br />
entre os membros. Sabemos que o processo <strong>de</strong> associação<br />
<strong>de</strong> indivíduos em grupos (como por exemplo, as diversas comissões<br />
que freqüentemente se instituem na universida<strong>de</strong>) não é aleatório<br />
e é <strong>de</strong>terminado por uma série <strong>de</strong> fatores que regulam o processo.<br />
A pesquisa histórica nos “<strong>lugares</strong> <strong>de</strong> memória”:<br />
ampliando a noção <strong>de</strong> documento<br />
“a história faz-se com documentos escritos, sem dúvida.<br />
Quando estes existem. Mas po<strong>de</strong> fazer-se, <strong>de</strong>ve fazer-se sem<br />
documentos escritos quando não existem. (...) Numa palavra,<br />
com tudo o que, pertencendo ao homem, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do homem,<br />
serve o homem, exprime o homem, <strong>de</strong>monstra a presença e a<br />
ativida<strong>de</strong>, os gostos e as maneiras <strong>de</strong> ser do homem.”<br />
Lucien Fevre apud Le Goff – Documento / Monumento<br />
A construção <strong>de</strong> uma pesquisa histórica se faz mediante a<br />
ampliação do conceito <strong>de</strong> documentos, já que estes também são<br />
47
Antonio José Barbosa <strong>de</strong> Oliveira<br />
monumentos (LE GOFF, 2006) e <strong>de</strong>sta forma, são suscetíveis a subjetivida<strong>de</strong>s<br />
e intencionalida<strong>de</strong>s não expressas em sua produção,<br />
conservação, perpetuação e divulgação, sobretudo quando se trata<br />
<strong>de</strong> documentos oficiais das instituições. Sabemos que os discursos<br />
institucionais nem sempre explicitam as divergências e contradições<br />
em confronto e evocam (quando não perpetuam) a memória<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados grupos num contexto sócio-histórico específico.<br />
Nesta problemática, não somente o existente ou materializado,<br />
como também o “não dito” <strong>de</strong> que nos fala Michel <strong>de</strong> Certeau<br />
(2002, p.67) ou “as formas do silêncio” <strong>de</strong> que nos fala Orlandi (2007)<br />
<strong>de</strong>vem ser consi<strong>de</strong>rados como fontes, pistas ou indícios no <strong>de</strong>senvolvimento<br />
dos trabalhos. Indo além das consi<strong>de</strong>rações restritas à<br />
materialida<strong>de</strong> documental nos estudos da história e memória da<br />
nossa instituição, percebemos que a “não-comunicação” é também<br />
uma função da linguagem e sendo assim, po<strong>de</strong>-se enten<strong>de</strong>r os silêncios<br />
(que significam) a partir da análise e do entendimento do<br />
que é dito, registrado.<br />
Ao concebermos o discurso como “palavra em movimento”<br />
que significa, acreditamos, que não há “neutralida<strong>de</strong> nem mesmo<br />
no uso mais aparentemente cotidiano dos signos” (ORLANDI, 1999,<br />
p.9). Ao tomarmos o discurso como evento ou acontecimento,<br />
somos também levados às consi<strong>de</strong>rações sobre os “sujeitos envolvidos,<br />
o contexto no qual se inscrevem as formações i<strong>de</strong>ológicas que<br />
lhe dão or<strong>de</strong>m e os elementos discursivos que são agenciados para<br />
veicular os sentidos propostos”. (OLIVEIRA ; ORRICO, 2005, p.80, grifo<br />
nosso). Sendo assim, os documentos textuais (atas, ofícios, memorandos,<br />
matérias jornalísticas, relatórios, regimentos etc), os <strong>de</strong>poimentos<br />
orais e os registros iconográficos (todos concebidos aqui<br />
como materialida<strong>de</strong>s discursivas) com os quais trabalhamos <strong>de</strong>vem<br />
ser compreendidos, não somente na ótica do que significam, mas<br />
do como significam. Como materialida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> um discurso institucional,<br />
<strong>de</strong>vem ser abordados como “práticas socialmente inseridas<br />
em contextos específicos.” (OLIVEIRA, 2002, p.20)<br />
48
História, memória e instituições: algumas reflexões teórico-metodológicas<br />
para os trabalhos do Projeto Memória - SiBI/UFRJ<br />
Toda palavra é carregada <strong>de</strong> um conteúdo e <strong>de</strong> um sentido i<strong>de</strong>ológico,<br />
liga-se diretamente às experiências <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> indivíduos<br />
ou grupos e todo discurso tem a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressar e produzir<br />
sentidos e, mais do que somente expressar um “puro pensamento”,<br />
configura-se como conseqüência <strong>de</strong> relações i<strong>de</strong>ológicas. Por isso<br />
<strong>de</strong>ve-se perceber, em toda pesquisa histórica, quem são os sujeitos<br />
envolvidos e o contexto no qual se inscrevem as formações discursivas.<br />
Ao nos interessarmos por personagens <strong>de</strong> um discurso somos<br />
levados à noção <strong>de</strong> estratégias discursivas, que <strong>de</strong>vem ser entendidas<br />
como “a maneira como o sujeito falante tenta se apo<strong>de</strong>rar do<br />
papel que lhe convém e atribuir aos <strong>seus</strong> interlocutores os papéis<br />
que escolheu para eles.” (PROST, 1996, p.321). Através da análise<br />
dos discursos, <strong>de</strong>ve-se conferir aos textos (ou quaisquer registros<br />
documentais) novas perguntas, já que as maneiras <strong>de</strong> falar não<br />
são inocentes e “para além <strong>de</strong> sua aparente neutralida<strong>de</strong>, revelam<br />
estruturas mentais, maneiras <strong>de</strong> perceber e organizar a realida<strong>de</strong>,<br />
<strong>de</strong>nominando-a”. (1996, p.321)<br />
No atual momento <strong>de</strong> nossos trabalhos, nos interessam mais<br />
as reflexões dos discursos institucionais a partir <strong>de</strong> suas materialida<strong>de</strong>s<br />
textuais e imagéticas, como livros, atas, memorandos, ofícios,<br />
correspondências, “e-mails”, fotografias. Tal como Oliveira (2002,<br />
p.25), enten<strong>de</strong>mos que o discurso estrutura-se a partir <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado<br />
contexto (no caso, uma instituição <strong>de</strong> Ensino Superior),<br />
on<strong>de</strong> se dá a relação entre sujeitos e grupos (atores) e no qual se<br />
forja uma série <strong>de</strong> práticas, valores e normas, que contribuem para<br />
a formação <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. FOCAULT (2007) também já nos<br />
alertou para o fato <strong>de</strong> que o discurso é sempre controlado pelas<br />
instituições, que trabalham no sentido <strong>de</strong> dissimular suas próprias<br />
estratégias, selecionando o surgimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas formações<br />
e apagando outras.<br />
Dentre os diversos suportes documentais disponíveis para o<br />
trabalho da memória institucional, os acervos fotográficos têm sido<br />
cada vez mais utilizados, sobretudo a partir das novas tecnologias<br />
49
Antonio José Barbosa <strong>de</strong> Oliveira<br />
<strong>de</strong> digitalização <strong>de</strong> imagens e dos espaços virtuais que se <strong>de</strong>stinam<br />
à difusão <strong>de</strong>stas memórias. Quase todas as instituições têm, em<br />
<strong>seus</strong> sites, bancos <strong>de</strong> imagens, no intuito <strong>de</strong> dar ao visitante, uma<br />
“visão” <strong>de</strong> sua trajetória histórica, o que, por sua vez, também objetiva<br />
referendar sua importância enquanto instituição.<br />
Entretanto, não <strong>de</strong>vemos nos iludir com a facilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stes<br />
recursos, ou com a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stes registros, já que uma imagem,<br />
longe da objetivida<strong>de</strong> que por vezes lhe é atribuída, encobre<br />
muitas nuances que lhe dão, freqüentemente, um caráter <strong>de</strong> monumentalida<strong>de</strong><br />
ou intencionalida<strong>de</strong>. Imagens fotográficas não se<br />
esgotam em si próprias; <strong>de</strong>vem ser consi<strong>de</strong>radas “o ponto <strong>de</strong> partida,<br />
a pista para tentarmos <strong>de</strong>svendar o passado” (KOSSOY, 1993, p.14)<br />
e, por vezes, torna-se complexa a questão <strong>de</strong> interpretação <strong>de</strong>stas<br />
imagens, a apreensão <strong>de</strong> <strong>seus</strong> múltiplos significados: fotografias<br />
não são espelhos fiéis <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong> objetiva.<br />
Como todo documento, as fotografias guardam em si uma série<br />
<strong>de</strong> ambigüida<strong>de</strong>s, significados não explicitados, quando não omissões,<br />
já que nem tudo é registrado numa imagem. Ao nos <strong>de</strong>pararmos<br />
com acervos fotográficos <strong>de</strong> instituições os cuidados <strong>de</strong>vem ser<br />
redobrados. Ao cobrirem <strong>de</strong>terminados fatos ou eventos da rotina<br />
da instituição ou <strong>de</strong> suas personalida<strong>de</strong>s e autorida<strong>de</strong>s, quando<br />
divulgadas, representarão sempre a ótica da instituição ou daqueles<br />
que momentaneamente estejam investidos <strong>de</strong> funções diretivas.<br />
Raramente po<strong>de</strong>remos verificar nestes materiais as divergências<br />
não <strong>de</strong>claradas entre os protagonistas <strong>de</strong> um dado processo,<br />
os embates i<strong>de</strong>ológicos, os excluídos das instâncias <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res. Por<br />
vezes autorida<strong>de</strong>s sorrindo para a câmera, encobrindo processos<br />
<strong>de</strong> crises políticas ou institucionais relacionadas a tal evento. Po<strong>de</strong>mos<br />
consi<strong>de</strong>rar que tais registros referem-se a “imagens da or<strong>de</strong>m”.<br />
Neste sentido, a fotografia é também uma materialida<strong>de</strong> discursiva,<br />
já que é impregnada <strong>de</strong> carga i<strong>de</strong>ológica.<br />
Se durante muito tempo a fotografia foi negligenciada pelos<br />
historiadores, servindo quando muito, à mera ilustração do texto,<br />
50
História, memória e instituições: algumas reflexões teórico-metodológicas<br />
para os trabalhos do Projeto Memória - SiBI/UFRJ<br />
agora cada vez mais se fazem presentes trabalhos que têm como<br />
metodologia a análise dos conteúdos das imagens registradas.<br />
Po<strong>de</strong>-se dizer, sem exagero, que vivemos em tempos <strong>de</strong> um certo<br />
“fetiche” pela imagem. Esta análise foi até então <strong>de</strong>sprezada pela<br />
falsa premissa <strong>de</strong> que tudo o que a fotografia registrou, <strong>de</strong> fato<br />
ocorreu, como se através da câmera, pudéssemos congelar um<br />
momento da realida<strong>de</strong> objetiva, e assim, sobre a imagem revelada<br />
não caberiam maiores indagações. Entretanto, enquanto signo<br />
visual, toda fotografia é fruto <strong>de</strong> um processo <strong>de</strong> produção, circulação<br />
e consumo. Isto quer dizer que “ela foi investida <strong>de</strong> significações<br />
<strong>de</strong>terminadas pela relação entre fotógrafo, clientes e receptores”<br />
(MIGUEL, 1993, p.126).<br />
Desta forma, há, na imagem fotografada, uma intertextualida<strong>de</strong><br />
que “assume papel instrumental importante na interpretação<br />
das fotografias, pois permite <strong>de</strong>tectar alguns dos mecanismos<br />
i<strong>de</strong>ológicos em ação na produção e que <strong>de</strong>ixaram na imagem suas<br />
marcas” (1993, p.126). Ou seja, a fotografia é uma “obra em aberto”<br />
(ou documento / monumento em aberto), já que sua potencialida<strong>de</strong><br />
informacional “varia <strong>de</strong> acordo com a visão que se tenha <strong>de</strong> seu<br />
valor enquanto fonte <strong>de</strong> informação e fonte histórica.” (LACERDA,<br />
1993, p.52)<br />
Vejamos, através <strong>de</strong> alguns exemplos, como tais reflexões<br />
contribuem para os trabalhos <strong>de</strong> investigação histórica: a figura 1 refere-se<br />
à inauguração do Instituto <strong>de</strong> Puericultura e Pediatria, na Cida<strong>de</strong><br />
Universitária da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil. A cerimônia, realizada<br />
em 1º <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1953, era presidida pelo próprio Presi<strong>de</strong>nte<br />
da República, Getúlio Vargas, no momento em que discursava. Próximos<br />
ao presi<strong>de</strong>nte, o diretor do Instituto, Martagão Gesteira e o<br />
reitor Pedro Calmon.<br />
51
Antonio José Barbosa <strong>de</strong> Oliveira<br />
Figura 1 – Acervo IPPMG/UFRJ<br />
Figura 2 – Acervo ETU / UFRJ<br />
52
História, memória e instituições: algumas reflexões teórico-metodológicas<br />
para os trabalhos do Projeto Memória - SiBI/UFRJ<br />
A figura 2 nos fornece um plano geral da Ilha Universitária,<br />
<strong>de</strong>stacando sua grandiosida<strong>de</strong> e monumentalida<strong>de</strong>, bem como<br />
dos <strong>seus</strong> primeiros prédios que eram levantados simultaneamente<br />
à construção da própria ilha, a partir <strong>de</strong> aterramentos. Não há,<br />
pelas imagens, indícios <strong>de</strong> maiores problemas ou dificulda<strong>de</strong>s no<br />
gran<strong>de</strong> empreendimento <strong>de</strong> construção da cida<strong>de</strong> universitária da<br />
então <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil. Se consi<strong>de</strong>rarmos suas “condições <strong>de</strong><br />
produção” (ORLANDI, 1999, p.30) em sentido estrito, - a inauguração<br />
do primeiro Instituto da UB na cida<strong>de</strong> universitária e grandiosida<strong>de</strong><br />
do empreendimento -, temos as circunstâncias <strong>de</strong> enunciação, o<br />
contexto imediato.<br />
Entretanto, se as consi<strong>de</strong>rarmos em sentido mais amplo, acrescentando<br />
às condições <strong>de</strong> produção específica o contexto sóciohistórico,<br />
i<strong>de</strong>ológico, institucional e valendo-nos <strong>de</strong> outras fontes<br />
documentais somadas às imagens fotográficas, como por exemplo,<br />
documentos textuais, somos levados a maiores reflexões, ao aprofundamento<br />
dos significados. Ainda valendo-nos dos significados<br />
e intencionalida<strong>de</strong>s expressas nas imagens anteriores, somemos a<br />
elas outras fontes documentais. Primeiramente, trechos do discurso<br />
proferido pelo presi<strong>de</strong>nte:<br />
[...] Foi a oito anos passados que o meu governo tomou<br />
as providências iniciais para levantar aqui o mais importante<br />
centro educacional do país. Compreen<strong>de</strong>u a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
reunir e sistematizar, num conjunto <strong>de</strong> instalações apropriadas,<br />
os diversos institutos <strong>de</strong> ensino superior que constituem<br />
a <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil, ampliando-os nos <strong>seus</strong> currículos<br />
e objetivos. [...] Obra <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> vulto e longo alcance, muitos<br />
<strong>de</strong>screram <strong>de</strong> suas possibilida<strong>de</strong>s. Agora, entretanto, já<br />
po<strong>de</strong>mos ver que as nossas esperanças não foram frustradas.<br />
Se muito ainda resta a fazer, não foi pouco, <strong>de</strong>certo, o que já<br />
fizemos. [...] Devemos esperar que obras como essa avivem na<br />
alma dos moços a fé no Brasil e a confiança nos <strong>seus</strong> governantes.<br />
Pois o país trabalha e o seu governo se empenha na<br />
53
Antonio José Barbosa <strong>de</strong> Oliveira<br />
causa do progresso nacional, a <strong>de</strong>speito das campanhas insidiosas<br />
dos que nada constroem e apenas procuram difundir<br />
a <strong>de</strong>scrença amarga e o pessimismo dissolvente. (OLIVEIRA,<br />
2005, p.117-118)<br />
Aqui, a contextualização e o conhecimento das condições<br />
<strong>de</strong> produção <strong>de</strong>ste discurso atribuem a ele significados mais amplos.<br />
Primeiramente, o longo período mencionado pelo presi<strong>de</strong>nte<br />
(oito anos) toma como referência o Decreto-lei n o 7.563, <strong>de</strong> 21<br />
<strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1945, que estabeleceu a localização para a construção<br />
da cida<strong>de</strong> universitária naquele local. Mas, se consi<strong>de</strong>rarmos que a<br />
primeira Comissão <strong>de</strong> professores encarregada <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir tal localização<br />
data <strong>de</strong> 1935 e que durante uma década diversos embates<br />
foram travados entre as comissões <strong>de</strong> professores e engenheiros e<br />
arquitetos, facilmente compreen<strong>de</strong>remos que o processo foi conflituoso,<br />
não havendo, até então, um consenso na universida<strong>de</strong><br />
sobre a acertivida<strong>de</strong> da escolha final. Gran<strong>de</strong>s resistências internas<br />
e externas se fizeram quanto à transferência <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s da universida<strong>de</strong><br />
para a Ilha Universitária (“campanhas insidiosas dos que<br />
nada constroem”). Verificamos também tratar-se <strong>de</strong> um projeto <strong>de</strong><br />
Estado (e não somente da UB), o que nos sinaliza para as relações<br />
conflituosas que historicamente se estabeleceram entre a universida<strong>de</strong><br />
e o Estado ao longo <strong>de</strong> diversos períodos. A<strong>de</strong>mais, as novas<br />
instalações na Cida<strong>de</strong> Universitária pressupunham, não somente<br />
uma nova espacialida<strong>de</strong>, como também reformas dos “conteúdos<br />
e currículos”, algo que se chocava com as instâncias <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res <strong>de</strong><br />
po<strong>de</strong>rosos grupos <strong>de</strong> professores catedráticos da universida<strong>de</strong>.<br />
Vejamos um outro exemplo, também relacionado às problemáticas<br />
espacial e discursiva <strong>de</strong> nossa universida<strong>de</strong>. Em 1946,<br />
já findo o Estado Novo, o então Ministro da Educação Ernesto <strong>de</strong><br />
Souza Campos, empreen<strong>de</strong>u uma tentativa <strong>de</strong> revogação do Decreto<br />
nº 7.563 que, como vimos, estabelecia a localização da cida<strong>de</strong><br />
universitária na atual Ilha do Fundão. Encaminhando Exposição <strong>de</strong><br />
Motivos ao então presi<strong>de</strong>nte Dutra, argumentava que<br />
54
História, memória e instituições: algumas reflexões teórico-metodológicas<br />
para os trabalhos do Projeto Memória - SiBI/UFRJ<br />
a localização da Cida<strong>de</strong> universitária em ilhas da Guanabara<br />
[...] havia sido consi<strong>de</strong>rada imprópria por expressa<br />
resolução do Conselho Universitário da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil,<br />
que enten<strong>de</strong>u mais conveniente a escolha dos terrenos da<br />
Praia Vermelha, para uma instalação mais mo<strong>de</strong>sta e <strong>de</strong> menores<br />
proporções” (OLIVEIRA, 2005, p.107).<br />
Após novos encaminhamentos, o Presi<strong>de</strong>nte da República,<br />
diante <strong>de</strong> contra-exposições apresentadas por engenheiros e técnicos<br />
do DASP, manteve a localização no arquipélagos. 2 A partir <strong>de</strong><br />
então, temos na história <strong>de</strong> nossa universida<strong>de</strong>, a introdução <strong>de</strong> um<br />
novo espaço: o prédio do antigo “Hospício <strong>de</strong> Alienados”, no bairro<br />
da Urca, que <strong>de</strong>u origem ao atual campus da Praia Vermelha. O hospício<br />
havia sido <strong>de</strong>sativado em 1942 e cedido, em 1945, à <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />
do Brasil que arcou, através <strong>de</strong> recursos próprios e o apoio da<br />
Seção <strong>de</strong> Engenharia do Ministério da Educação, com os custos da<br />
restauração, transformando o prédio , <strong>de</strong> hospício a “Palácio” Universitário.<br />
Vejamos como o reitor Pedro Calmon refere-se ao episódio:<br />
Extinto o hospício, surgiu o problema <strong>de</strong> aproveitamento<br />
do edifício, que po<strong>de</strong>ria ser <strong>de</strong>molido, para em seu lugar serem<br />
construídos mo<strong>de</strong>rnos prédios, ou restaurado, tendo-se<br />
em vista o que valia e representava para a cultura nacional.<br />
Prevaleceu este sentimento. E andou bem avisado o governo<br />
da República ce<strong>de</strong>ndo-o para as instalações da <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />
do Brasil. [...] A reitoria da universida<strong>de</strong> assim interpretou as<br />
responsabilida<strong>de</strong>s que assumiu com esta doação: e em menos<br />
<strong>de</strong> um ano (entre fevereiro e <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1949), com as verbas<br />
próprias e o auxílio do Ministério da Educação e Saú<strong>de</strong>,<br />
as obras a cargo da sua seção <strong>de</strong> engenharia, obe<strong>de</strong>cendo às<br />
2 Para maiores informações sobre esta problemática, sugerimos a consulta <strong>de</strong> nossa<br />
dissertação <strong>de</strong> Mestrado “Das ilhas à cida<strong>de</strong> – a universida<strong>de</strong> visível”, <strong>de</strong>fendida no<br />
Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em História Comparada do Instituto <strong>de</strong> Filosofia e Ciências<br />
Sociais da UFRJ (PPGHC/IFCS/UFRJ)<br />
55
Antonio José Barbosa <strong>de</strong> Oliveira<br />
linhas clássicas da construção, para lhe preservar a autenticida<strong>de</strong><br />
sem prejuízo das adaptações requeridas pelos novos<br />
serviços, pô<strong>de</strong> inaugurar nesse “Palácio Universitário” a sua<br />
se<strong>de</strong>.” (CALMON, 2002, p.89)<br />
Não há, neste discurso, evidências <strong>de</strong> impasses, controvérsias<br />
ou mesmo referências sobre a instalação da universida<strong>de</strong> em<br />
sua Cida<strong>de</strong> Universitária, na Ilha do Fundão, já <strong>de</strong>finida anteriormente<br />
(1945). Mais do que aten<strong>de</strong>r a interesses da universida<strong>de</strong>, a<br />
incorporação do antigo prédio constituía-se como um ato <strong>de</strong> valor<br />
patriótico, já que se fazia em prol da <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> um patrimônio da<br />
“cultura nacional” que estaria <strong>de</strong>stinado à <strong>de</strong>struição. Menciona,<br />
inclusive, a eficiência e rapi<strong>de</strong>z com que a universida<strong>de</strong> cuidou do<br />
empreendimento: “em menos <strong>de</strong> um ano”.<br />
Tal argumentação está sedimentada em nossa “memória<br />
institucional”, remetendo-nos ao que Pollak (1992) chama <strong>de</strong> “enquadramento<br />
da memória” (POLLAK, 1992, p. 200-212). Entretanto,<br />
já nos referimos anteriormente às especificida<strong>de</strong>s e contrapontos<br />
entre história e memória. E nosso ofício <strong>de</strong> historiador nos leva a<br />
constantes interrogações, a partir da incorporação <strong>de</strong> fontes diversas<br />
para a construção <strong>de</strong> nossas narrativas. E neste trabalho, a observância<br />
aos fatos e suas cronologias não é virtu<strong>de</strong> do historiador,<br />
mas obrigação a ser consi<strong>de</strong>rada em suas pesquisas. A simultaneida<strong>de</strong><br />
temporal dos fatos acima mencionados é, no mínimo, intrigante;<br />
<strong>de</strong>ve, certamente, <strong>de</strong>spertar a curiosida<strong>de</strong> dos estudiosos<br />
no assunto. Sobretudo se consi<strong>de</strong>rarmos outros documentos na<br />
composição <strong>de</strong>ste contexto, como por exemplo, o ofício nº 829, encaminhado<br />
pelo diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico<br />
Nacional (SPHAN), Rodrigo Mello Franco <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, em 23 <strong>de</strong><br />
julho <strong>de</strong> 1942, ao Ministro da Educação e Saú<strong>de</strong> Pública, Gustavo<br />
Capanema:<br />
A fim <strong>de</strong> dar cumprimento à <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> Vossa Excelência<br />
no sentido dêste [sic] Serviço elaborar o projeto <strong>de</strong><br />
adaptação do edifício do Hospício Nacional <strong>de</strong> Alienados à<br />
56
História, memória e instituições: algumas reflexões teórico-metodológicas<br />
para os trabalhos do Projeto Memória - SiBI/UFRJ<br />
finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Externato do Colégio Pedro II, solicito as providências<br />
necessárias para o feito <strong>de</strong> ser transmitido a esta repartição<br />
o programa <strong>de</strong> instalação <strong>de</strong>sejado para o referido<br />
estabelecimento <strong>de</strong> ensino. (CAETANO, 1993, s/p, tomo 2).<br />
Em ofício <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1944, o diretor <strong>de</strong> obras do Ministério<br />
da Educação e Saú<strong>de</strong>, Ruy Moreira Reis, se dirigia ao diretor do<br />
Colégio Pedro II:<br />
No processo 39.967/43, foram aprovadas pelo Sr. Presi<strong>de</strong>nte<br />
da República as obras <strong>de</strong> restauração do Hospital<br />
Psiquiátrico, para nele ser instalado o Colégio Pedro II. Encaminhando<br />
o processo a esta Divisão, transmitiu o Sr. Diretor<br />
Geral do Departamento <strong>de</strong> Administração recomendação<br />
verbal do Sr. Ministro para que as obras se iniciem a 20 do<br />
corrente. Tratando-se <strong>de</strong> Edifício histórico, aconselhou-me o<br />
Sr. Diretor Geral, que entre em entendimento imediato com<br />
esse Serviço, afim <strong>de</strong> que sejam combinadas as providências<br />
cabíveis, para dar andamento às obras em questão, no prazo<br />
fixado pelo Sr. Ministro. (1993, s/p).<br />
Ainda a 7 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1944, o Ministro Gustavo Capanema<br />
enviava a seguinte mensagem ao Diretor do SPHAN:<br />
Agra<strong>de</strong>ço o interesse, a diligência e o esmêro com que o<br />
Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional estudou<br />
e projetou esta remo<strong>de</strong>lação, ao mesmo tempo que lhe peço<br />
que empregue o máximo <strong>de</strong> esfôrço [sic] afim <strong>de</strong> que as obras<br />
se façam com urgência, visto como é meu <strong>de</strong>sejo que o Colégio<br />
Pedro II possa funcionar na nova se<strong>de</strong> no ano <strong>de</strong> 1945.<br />
Apresento-lhe os meus protestos <strong>de</strong> elevada estima e alta consi<strong>de</strong>ração.<br />
(1993, s/p)<br />
Documentos referentes à execução das obras, entre os<br />
anos <strong>de</strong> 1942 a 1944, levam-nos a consi<strong>de</strong>rar a preocupação com<br />
a a<strong>de</strong>quação do prédio para receber as novas instalações do colé-<br />
57
Antonio José Barbosa <strong>de</strong> Oliveira<br />
gio. Entretanto, após um hiato documental entre os anos <strong>de</strong> 1944 e<br />
1945, somos surpreendidos pelo ofício do reitor da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do<br />
Brasil, Ignácio M. Azevedo do Amaral, ao diretor do SPHAN, Rodrigo<br />
<strong>de</strong> Mello Franco <strong>de</strong> Almeida, expedido em 6 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1945:<br />
Tenho a honra <strong>de</strong> apresentar a V.Excia. o Sr. Professôr arquiteto<br />
Archime<strong>de</strong>s Memória, da Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Arquitetura,<br />
com quem V. Excia. po<strong>de</strong>rá enten<strong>de</strong>r-se sobre todas<br />
as informações necessárias às obras <strong>de</strong> instalação da Reitoria<br />
da <strong>Universida<strong>de</strong></strong>, da Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Arquitetura e da<br />
Escola Nacional <strong>de</strong> Educação Física e Desportos. Aproveito o<br />
ensejo para apresentar a V. Excia. meus protestos <strong>de</strong> elevada<br />
estima e distinta consi<strong>de</strong>ração [sic]. (1993, s/p).<br />
Ainda não temos conclusões sobre as questões apresentadas<br />
e não preten<strong>de</strong>mos reduzir a problemática a uma mera<br />
“conspiração” e reação conservadora <strong>de</strong> grupos à <strong>de</strong>terminação<br />
governamental <strong>de</strong> construção da cida<strong>de</strong> universitária, que <strong>de</strong>veria,<br />
inclusive, receber a totalida<strong>de</strong> das unida<strong>de</strong>s da universida<strong>de</strong>. Mas é<br />
fato que merece estudos mais aprofundados a quase simultaneida<strong>de</strong><br />
das obras na Ilha do Fundão e na Praia Vermelha. Como também<br />
gera estranheza o argumento, tão utilizado nos discursos da universida<strong>de</strong>,<br />
<strong>de</strong> que a incorporação do prédio do antigo Hospício à<br />
universida<strong>de</strong> se <strong>de</strong>u em função da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> impedir sua <strong>de</strong>struição.<br />
Certamente, não o seria. Os documentos apresentados nos<br />
dão evidências <strong>de</strong> que, ao ser <strong>de</strong>stinado ao Colégio Pedro II, com<br />
obras sob a supervisão do SPHAN, não somente seria preservado,<br />
como seriam também consi<strong>de</strong>radas as suas características arquitetônicas<br />
<strong>de</strong> prédio histórico.<br />
Finalizando e não concluindo<br />
Os nossos arquivos e centros <strong>de</strong> documentação, como <strong>lugares</strong><br />
<strong>de</strong> memória que são, <strong>de</strong>vem ser consi<strong>de</strong>rados como instâncias<br />
fundamentais no aprofundamento da compreensão sobre eventos<br />
58
História, memória e instituições: algumas reflexões teórico-metodológicas<br />
para os trabalhos do Projeto Memória - SiBI/UFRJ<br />
pretéritos, já que possibilitam a existência <strong>de</strong> uma diversificação<br />
das reservas documentais nas suas diversas coleções, que precisam<br />
ser analisadas em conjunto, nas suas especificida<strong>de</strong>s, no que apresentam<br />
em comum, nas suas contradições, no que se guardou para<br />
fazer-nos lembrar e também no que foi “<strong>de</strong>scartado”, levando-nos<br />
ao esquecimento ou <strong>de</strong>sconhecimento. Se todo arquivo é “indício<br />
<strong>de</strong> uma falta”, como já nos alertou Henry Rousso (1996), é preciso<br />
também consi<strong>de</strong>rarmos que ele “encontra sua unida<strong>de</strong> em quem<br />
o produziu como conjunto, ou seja, em quem acumula os documentos<br />
no exercício <strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong>s. O agrupamento dos documentos,<br />
sua seleção <strong>de</strong>ntre todos os passíveis <strong>de</strong> serem guardados<br />
proporciona o sentido dos mesmos.” (VIANA, 1986 apud LACERDA,<br />
1993, p. 50).<br />
Os exemplos, aqui rapidamente mencionados, <strong>de</strong>monstram o<br />
quanto a incorporação <strong>de</strong> novas fontes atribui novos significados a<br />
uma realida<strong>de</strong> pretensamente conhecida. São nestes labirintos da<br />
história e memória que um pesquisador transita. Novas pistas levam-no<br />
a outros caminhos, quando não a mudanças <strong>de</strong> trajetórias.<br />
Saindo da tranqüilida<strong>de</strong> dos conceitos e verda<strong>de</strong>s que se perpetuam<br />
ao longo dos anos e solidificados nas narrativas institucionais,<br />
para zonas nebulosas, incertas, permeadas por silêncios e vazios<br />
que também significam. Trabalho instigante, constante <strong>de</strong>safio <strong>de</strong><br />
nosso fazer diário...<br />
59
Antonio José Barbosa <strong>de</strong> Oliveira<br />
Referências<br />
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HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2006.<br />
LACERDA, Aline Lopes <strong>de</strong>. Os sentidos da imagem: fotografias em arquivos pessoais.<br />
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<strong>de</strong>z.1993.<br />
60
História, memória e instituições: algumas reflexões teórico-metodológicas<br />
para os trabalhos do Projeto Memória - SiBI/UFRJ<br />
LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas: Unicamp, 2006.<br />
MIGUEL, Maria Lúcia Cerutti. A fotografia como documento: uma instigação à leitura.<br />
ACERVO: Revista do Arquivo Nacional. Rio <strong>de</strong> Janeiro, v.6, n. 1/2, p. 121-132, jan./<br />
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OLIVEIRA, Antonio José Barbosa <strong>de</strong> Oliveira. Das ilhas à cida<strong>de</strong>: a universida<strong>de</strong><br />
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OLIVEIRA, Carmen Irene Correia <strong>de</strong>. UNIVERSIDADE DO RIO DE JANEIRO:<br />
discurso, memória e i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>: gênese e afirmação. Dissertação (Mestrado)<br />
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do Rio <strong>de</strong> Janeiro (UNIRIO). Rio <strong>de</strong> Janeiro, 2002.<br />
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discurso: um diálogo promissor. In: DODEBEI, Vera ; GONDAR, Jô (org). O que é<br />
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ORLANDI, Eni P. Análise <strong>de</strong> discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Pontes,<br />
2007.<br />
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Rio <strong>de</strong> Janeiro: UFRJ : FGV, p. 295-330, 1996.<br />
ROUSSO, Henry. Revista Estudos Históricos, Rio <strong>de</strong> Janeiro, n. 17, 1996.<br />
61
Memória, Discursos e Instituições<br />
Diana <strong>de</strong> Souza Pinto<br />
Ao ser convidada para proferir a conferência Memória, Discursos<br />
e Instituições no II Seminário Memória, Documentação e Pesquisa:<br />
A <strong>Universida<strong>de</strong></strong> e os <strong>seus</strong> <strong>lugares</strong> <strong>de</strong> memória, indagueime<br />
sobre a contribuição que po<strong>de</strong>ria trazer para as reflexões como<br />
lingüista/analista do discurso, que trabalha na interface do discurso<br />
e <strong>de</strong> vários campos do conhecimento, a exemplo do Ensino <strong>de</strong> Língua<br />
Estrangeira, da Saú<strong>de</strong> Mental e recentemente da Memória Social,<br />
programa <strong>de</strong> pós-graduação no qual <strong>de</strong>senvolvo minhas pesquisas<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2006 na UNIRIO. Acrescente-se a isso o fato <strong>de</strong> que o<br />
encontro foi sediado na UFRJ, local que fomentou meu interesse<br />
pelo mundo da pesquisa e, sobretudo, pela pesquisa interdisciplinar.<br />
E neste percurso interdisciplinar, sempre esteve presente pessoal e<br />
profissionalmente, o meu interesse pelas estórias, pelas narrativas<br />
que as pessoas contam, pois, além <strong>de</strong> expressarem experiências<br />
pessoais <strong>de</strong> suas vidas (LABOV, 1967, 1972), <strong>seus</strong> afetos, elas também<br />
nos fornecem ricos subsídios sobre o lugar, a história, sobretudo<br />
o contexto institucional em que ocorrem e, assim, contribuem<br />
para o entendimento da memória social produzida em diferentes<br />
contextos institucionais, a exemplo da universida<strong>de</strong>, o tema <strong>de</strong>ste<br />
encontro. A partir <strong>de</strong>ste lugar da interdisciplinarida<strong>de</strong>, constitutivo<br />
da análise do discurso (GILL, 2000), e também do campo da Memória<br />
Social (GONDAR E DODEBEI, 2005), resolvi abordar aqui como<br />
exemplo para a reflexão um evento <strong>de</strong> fala (HYMES, 1974) ocorrido<br />
no âmbito da UFRJ recentemente. Antes, contudo, faz-se necessário<br />
esclarecer o que é um evento <strong>de</strong> fala. Hymes cunhou termo evento<br />
<strong>de</strong> fala para <strong>de</strong>screver “ativida<strong>de</strong>s ou aspectos <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s que são<br />
diretamente governados por regras ou normas para o uso da fala”<br />
(1974, p. 52). Ainda <strong>de</strong> acordo com o autor, a interpretação do que<br />
63
Diana <strong>de</strong> Souza Pinto<br />
está acontecendo no momento que interajo com o outro <strong>de</strong>pen<strong>de</strong><br />
fundamentalmente do tipo <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> em curso. O conhecimento<br />
do evento <strong>de</strong> fala integra a competência comunicativa dos falantes<br />
que abarca o código lingüístico, os recursos paralinguísticos (tom<br />
<strong>de</strong> voz, entonação, ritmo da fala, etc), a linguagem não verbal, assim<br />
como as habilida<strong>de</strong>s interacionais e o conhecimento da cultura e<br />
dos valores sociais compartilhados pelos elementos daquele grupo.<br />
Neste capítulo, tratarei do evento <strong>de</strong> fala cerimônia <strong>de</strong> colação<br />
<strong>de</strong> grau, uma prática comunicativa institucional (DREW ; HERITAGE,<br />
1992) no âmbito da universida<strong>de</strong> da qual fui personagem e que nos<br />
permite vislumbrar um pouco da vida/estória e da memória <strong>de</strong>sta<br />
instituição UFRJ. A eleição <strong>de</strong>ste evento, a cerimônia <strong>de</strong> formatura<br />
da Escola <strong>de</strong> Música da UFRJ, <strong>de</strong>ntre as inúmeras práticas comunicativas<br />
institucionais que integram a rotina <strong>de</strong>sta universida<strong>de</strong>,<br />
<strong>de</strong>ve-se, sobretudo, pela maneira como me <strong>de</strong>ixei afetar pelos vários<br />
elementos constitutivos <strong>de</strong>sta cerimônia, que passo a examinar<br />
com vocês a partir <strong>de</strong> agora.<br />
Fui convidada para a cerimônia <strong>de</strong> formatura da Escola <strong>de</strong><br />
Música da UFRJ DE 2007, por uma pessoa <strong>de</strong> minha família. Normalmente,<br />
<strong>de</strong>clinaria tal convite em função do dia (sábado) e hora<br />
(17:30) em época tão atribulada: volta <strong>de</strong> férias, alunos <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo<br />
dissertações, projetos <strong>de</strong> qualificação para serem lidos e comentados,<br />
entre outras tarefas. Porém, esse era um convite bastante especial:<br />
após concluir dois cursos <strong>de</strong> graduação, entre casamentos<br />
e filhas criadas, e após se aposentar <strong>de</strong> um emprego em uma instituição<br />
financeira pública, finalmente ela concluía ali uma estória<br />
<strong>de</strong> interrupções e retomadas, que agora ficavam <strong>de</strong>finitivamente<br />
para trás. Do ponto <strong>de</strong> vista familiar, do grupo <strong>de</strong> <strong>de</strong>z primas que<br />
fomos introduzidas a lições <strong>de</strong> piano em nossas infâncias, como<br />
parte integrante da educação <strong>de</strong> moças <strong>de</strong> uma dada geração e nível<br />
sócio-educacional no país, ela foi a única em quem a música <strong>de</strong><br />
fato ecoou. Ela, a prima mais velha, a quem eu, na minha infância,<br />
64
Memória, Discursos e Instituições<br />
implorava para que interrompesse <strong>seus</strong> estudos intermináveis e,<br />
aos meus olhos e ouvidos, maçantes, das escalas, para que tocasse,<br />
a pueril melodia do “Olha o Passo do Elefantinho” 1 , música <strong>de</strong> Henry<br />
Mancini, com letra do Trio Esperançam, jingle muito popular na<br />
década <strong>de</strong> 70.<br />
Passo então a relatar alguns momentos da cerimônia <strong>de</strong> formatura.<br />
O primeiro que <strong>de</strong>staco é o discurso <strong>de</strong> um professor homenageado<br />
que me chamou especial atenção. É fato que a estrutura<br />
retórica da fala <strong>de</strong> um convidado para um ritual <strong>de</strong> tal natureza se<br />
inicia, em geral, pelos agra<strong>de</strong>cimentos. Já nesse momento, o discurso<br />
(concebido aqui como prática social resultante da interação<br />
entre os participantes <strong>de</strong> um encontro face-a-face) <strong>de</strong>ste professor,<br />
se mostrou interessante pois, <strong>de</strong> fato, não foi um agra<strong>de</strong>cimento,<br />
mas uma manifestação explícita <strong>de</strong> sua emoção: ao tomar a palavra,<br />
comparou a felicida<strong>de</strong> que teve, ao receber aquele convite, com o<br />
nascimento <strong>de</strong> seu primeiro neto. Emoção que se intensificou pelo<br />
fato <strong>de</strong> ser uma turma que escolhera, como patrono, o músico, arranjador,<br />
compositor, professor e musicólogo César Guerra Peixe.<br />
Em momentos como o <strong>de</strong>scrito acima, ser analista do discurso<br />
configura-se como um problema, pois <strong>de</strong> imediato a seguinte pergunta<br />
se coloca: “Por que não tenho uma câmera <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o ou mesmo<br />
um gravador aqui” Seria tão importante gravar e transcrever,<br />
para posterior exame, com os recursos que a metodologia e a teoria<br />
nos fornecem, as estratégias usadas para causar aqueles efeitos <strong>de</strong><br />
sentido que impressionaram a platéia, como os incessantes aplausos,<br />
ao final <strong>de</strong> sua fala, evi<strong>de</strong>nciaram. Destacarei duas estratégias,<br />
em especial, pela relevância com o tema em questão, o discurso e a<br />
memória das instituições. A mensagem <strong>de</strong>ixada aos formandos, outra<br />
parte da estrutura retórica <strong>de</strong>sses tipos <strong>de</strong> discursos, fazia apelo<br />
à lembrança <strong>de</strong> dois pontos que o referido professor <strong>de</strong>stacou: o<br />
fato <strong>de</strong> que eles hoje eram o que eram - bacharéis e professores <strong>de</strong><br />
1 Para aqueles que não conhecem a música, cf. (http://meuwebsite.com.br/marciadp/trioesperanca.html).<br />
65
Diana <strong>de</strong> Souza Pinto<br />
Música - , “a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> várias forças po<strong>de</strong>rosas”, graças à formação<br />
em uma universida<strong>de</strong> pública e <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>, e <strong>de</strong> que aquela casa é<br />
e sempre será <strong>de</strong>les. Voltaremos a estes enunciados em breve.<br />
O gênero discursivo 2 discurso <strong>de</strong> formatura apresenta elementos<br />
constitutivos <strong>de</strong> naturezas verbal e não verbal que ilustram diferentes<br />
aspectos que estão presentes na categoria discurso, sob a<br />
ótica <strong>de</strong> uma lingüista/analista do discurso. Um pouco da estória da<br />
Lingüística se faz necessária aqui. Esta área <strong>de</strong> conhecimento, durante<br />
muito tempo, tratou da língua como estrutura, como sistema.<br />
A língua era então percebida como aquilo que é estável e homogêneo,<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do contexto 3 em que ela fosse usada e do modo<br />
em que ela se manifesta concretamente. Na Língua Portuguesa, por<br />
exemplo, o sintagma nominal é formado pelo artigo seguido pelo<br />
nome (o livro), e não o contrário (livro o). Em alemão, a formação da<br />
sentença se dá pelo sujeito, seguido <strong>de</strong> verbo auxiliar, os complementos<br />
verbais e no fim da frase temos o verbo principal (Ich habe<br />
das lessen verstehen; ich = sujeito, habe = verbo auxiliar, das lessen =<br />
objeto direto e vestehen= verbo principal). Estes são dois exemplos<br />
<strong>de</strong> formas estáveis em ambas as línguas. Nessa perspectiva estruturalista,<br />
a língua era concebida como objeto <strong>de</strong> estudo in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />
do contexto em que era usada. Não importava quem falou,<br />
em que circunstâncias, com que motivações, em que lugar e <strong>de</strong> que<br />
lugar, mas sim a forma utilizada. Sabemos que a estória <strong>de</strong> um campo<br />
<strong>de</strong> conhecimento está intimamente relacionada às condições<br />
<strong>de</strong> produção e, naquele momento, a corrente positivista (DENZIN;<br />
2 Os gêneros discursivos são tipos relativamente estáveis <strong>de</strong> enunciados marcados<br />
sócio-historicamente, visto que estão diretamente relacionados à diferentes situações<br />
sociais. Cada um dos padrões comunicativos <strong>de</strong>limita características temáticas,<br />
composicionais e estilísticas próprias (BAKHTIN,1992). Consi<strong>de</strong>ra-se também o conjunto<br />
<strong>de</strong> participantes, a intenção do autor/falante e o leitor/interlocutor en<strong>de</strong>reçado.<br />
3 Para maiores esclarecimentos sobre a noção <strong>de</strong> contexto, ver DURANTI & GOO-<br />
DWIN (1992) e RIBEIRO e PEREIRA (2004).<br />
66
Memória, Discursos e Instituições<br />
LINCOLN, 2000) ainda era <strong>de</strong>terminante na constituição dos saberes.<br />
Na década <strong>de</strong> 70 do século XX, contudo, com a contribuição<br />
fundamental <strong>de</strong> outras áreas do saber, tais como a Antropologia e<br />
a Sociologia, observa-se a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar a função da<br />
língua, ou seja, a língua em uso. As preocupações se voltam para o<br />
que falar e como falar, a partir da observação da força que as funções<br />
lingüísticas exercem nas socieda<strong>de</strong>s, Consi<strong>de</strong>ra-se, portanto, a<br />
fala, o discurso, como eminentemente uma ativida<strong>de</strong> social. A questão<br />
central para os estudiosos da comunicação em uma perspectiva<br />
discursiva é compreen<strong>de</strong>r como seres humanos empregam a língua<br />
para constituir os mundos socio-culturais nos quais habitamos. Os<br />
estudos <strong>de</strong> práticas discursivas orais ocupam lugar central nas investigações.<br />
Incluem-se aí aspectos contextuais, tais como o ambiente<br />
físico, a moldura social e espacial on<strong>de</strong> o encontro ocorre, o<br />
comportamento não verbal <strong>de</strong> participantes, entre outros.<br />
Do ponto <strong>de</strong> vista da análise do discurso em uma abordagem<br />
interacional e que objetiva a investigação dos processos constitutivos<br />
dos discursos institucionais 4 , interessa-nos saber como os participantes<br />
<strong>de</strong> uma instituição, ao utilizar a língua, moldam e mantêm<br />
suas condutas <strong>de</strong> acordo com a orientação para esses encontros<br />
institucionais.<br />
No exemplo do discurso <strong>de</strong> formatura, citado anteriormente,<br />
é relevante consi<strong>de</strong>rar alguns dos vários aspectos contextuais que<br />
cercam aquele momento. Em primeiro lugar, estamos diante do gênero<br />
discursivo discurso <strong>de</strong> formatura. Po<strong>de</strong>mos reconhecer vários<br />
traços/seqüências lingüísticas que nos fazem i<strong>de</strong>ntificar este gênero:<br />
os agra<strong>de</strong>cimentos iniciais, a mensagem, etc. Mas também há<br />
várias marcas/pistas <strong>de</strong> contextualização 5 não verbais que nos au-<br />
4 Para DREW e HERITAGE (1992), o discurso institucional é caracterizado pela realização<br />
<strong>de</strong> uma tarefa através da conversa.<br />
5 Pistas <strong>de</strong> contextualização, segundo GUMPERZ (1982), são traços <strong>de</strong> natureza sociolingüística<br />
que utilizamos para sinalizar nossas intenções comunicativas ou para<br />
inferir as intenções do outro. As escolhas lexicais, as pausas, hesitações, a curva melódica,<br />
a ênfase, assim como a direção do olhar, e a distância entre participantes são<br />
exemplos <strong>de</strong> pistas cujos usos e interpretações são culturalmente <strong>de</strong>finidos.<br />
67
Diana <strong>de</strong> Souza Pinto<br />
xiliam a interpretar aquela fala à luz <strong>de</strong> nossa experiência discursiva<br />
prévia como discurso <strong>de</strong> formatura: a beca, usada pelos professores<br />
homenageados e pelos alunos, o ambiente físico, o Salão Leopoldo<br />
Miguez da Escola <strong>de</strong> Música da UFRJ, e a disposição do mobiliário;<br />
a mesa para os homenageados, os grupos <strong>de</strong> ca<strong>de</strong>iras, parte para<br />
os formandos, parte para a audiência, etc. O cenário é fundamental<br />
para o reconhecimento <strong>de</strong>ste gênero discursivo. O discurso <strong>de</strong><br />
formatura é um exemplo <strong>de</strong> como o discurso, aqui consi<strong>de</strong>rado<br />
como categoria, atua sobre o mundo. Ela não representa o mundo,<br />
etiquetando-o e rotulando-o, como se fosse externa à linguagem<br />
(MARTINS, 2000), mas cria este mundo social a todo o momento.<br />
Os noticiários jornalísticos ilustram diariamente essa questão: ao falar<br />
do MST como ocupação ou assentamento, a simples escolha <strong>de</strong><br />
um ou outro substantivo implica escolhas político-i<strong>de</strong>ológicas, não<br />
constituindo, portando, mera <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong>. Nesta<br />
criação <strong>de</strong> mundos sociais através do uso da linguagem, realizamos<br />
várias ações: expressamos nossos afetos, elogiamos, cerceamos e<br />
celebramos a vida, como o orador em particular fez nesta ocasião.<br />
Como relacionar a discussão acima apresentada com a memória<br />
<strong>de</strong> uma instituição Criamos, recriamos, reiteramos e transformamos<br />
as instituições em que vivemos, a exemplo <strong>de</strong>sta universida<strong>de</strong>,<br />
através <strong>de</strong> uma enorme gama <strong>de</strong> práticas discursivas. De<br />
maneira geral, po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>finir práticas discursivas institucionais<br />
como a realização <strong>de</strong> uma tarefa através da interação (DREW; HERI-<br />
TAGE, 1992). A entrevista médica é um exemplo; consultamos este<br />
profissional para resolver um problema <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>; a ele (a) cabe, ancorado<br />
(a) em seu saber e sua prática, nos orientar. Em uma prática<br />
comunicativa institucional, pelo menos um dos participantes <strong>de</strong>sta<br />
interação <strong>de</strong>ve ser membro da instituição (no caso que motiva<br />
nossa reflexão, professor, funcionário, aluno). É importante <strong>de</strong>stacar<br />
que a caracterização dos discursos como institucionais não está vinculada<br />
ao ambiente físico em que ele ocorre. É possível termos, por<br />
exemplo, uma sessão <strong>de</strong> orientação acadêmica durante um almoço,<br />
68
Memória, Discursos e Instituições<br />
em um restaurante. O que importa, para esta categorização, são as<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s sociais e profissionais em atuação.<br />
As práticas discursivas institucionais po<strong>de</strong>m ser escritas ou<br />
orais. No âmbito universitário, no primeiro caso, encontram-se as<br />
portarias, os regimentos, as <strong>de</strong>clarações, os memorandos, os diplomas,<br />
para citar algumas. É o que tradicionalmente chamamos <strong>de</strong><br />
“documentos”, no seu sentido mais limitado, <strong>de</strong> prova documental<br />
(LE GOFF, 1984) a partir <strong>de</strong> uma perspectiva positivista. E os discursos<br />
institucionais orais Estes são <strong>de</strong> diferentes naturezas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os<br />
mais planejados até os mais comezinhos, aos quais, em geral, não<br />
é atribuído o estatuto <strong>de</strong> documento, em uma instituição que prima<br />
pelo letramento. As aulas, as reuniões entre professores, entre<br />
alunos, entre todos os membros das comunida<strong>de</strong>s universitárias, as<br />
<strong>de</strong>fesas <strong>de</strong> dissertação e tese, as conversas informais na cantina, as<br />
conversas <strong>de</strong> faxineiras, porteiros, seguranças e ascensoristas, dos<br />
“humanos quase invisíveis”, como o chamou o jornalista Gilberto Dimenstein<br />
em seu livro O mistério das bolas <strong>de</strong> gu<strong>de</strong>. Toda esta gama<br />
<strong>de</strong> diferentes gêneros discursivos orais, circunscrita por <strong>de</strong>terminadas<br />
condições <strong>de</strong> produção, está a todo momento ajudando a<br />
constituir memórias das instituições universitárias, uma memória<br />
difusa, não organizada, ainda não documentada/registrada e mais,<br />
que ainda não se tornou objeto sistemático <strong>de</strong> nossas preocupações<br />
acadêmicas. São narrativas consi<strong>de</strong>radas marginais, à margem<br />
do que estruturalmente concebemos como relevante para nossas<br />
pesquisas, mas que concentram uma riqueza <strong>de</strong> sentidos, valores<br />
e crenças que, por um lado, permeiam as instituições que possibilitam<br />
seu surgimento e que, por outro, recriam os <strong>lugares</strong> institucionais<br />
<strong>de</strong> on<strong>de</strong> falam.<br />
Vamos ampliar nossa análise e incluir outros gêneros discursivos<br />
integrantes da cerimônia <strong>de</strong> formatura da Escola <strong>de</strong> Música da<br />
UFRJ <strong>de</strong> 2007. Nesta cerimônia, o homenageado especial foi Seu<br />
João da cantina. No convite, após a foto <strong>de</strong> Seu João retratado em<br />
sua cantina, seguem as palavras dos formandos dirigidas a ele: “É só<br />
69
Diana <strong>de</strong> Souza Pinto<br />
<strong>de</strong>ixar no Seu João!” Deixar uma partitura, um texto, o instrumento...<br />
É o nosso guarda volumes, inclusive <strong>de</strong> documentos e informações<br />
preciosas, sem contar com as longas contas penduras! Definitivamente,<br />
a comunicação na Escola <strong>de</strong> Música <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da cantina<br />
<strong>de</strong> Seu João. Justamente por isso homenageamos essa figura tão<br />
representativa nos servindo sempre com muito carinho. Até mais<br />
seu João”.<br />
A maioria <strong>de</strong> nós já graduados, que passou por uma universida<strong>de</strong><br />
ou ainda está nela, tem um Seu João que faz parte <strong>de</strong> nossas<br />
memórias da época da faculda<strong>de</strong>. Um bar das Freiras, na PUC-RJ,<br />
o Ciro da cantina do IPUB/UFRJ, o sujinho para a os estudantes da<br />
UFRJ do Campus da Praia Vermelha. Estes são espaços institucionais<br />
on<strong>de</strong> vários encontros sociais ocorrem, nos quais freqüentemente<br />
se sobrepõem conversas informais, com colegas, por exemplo, e<br />
discursos institucionais que objetivam a discussão <strong>de</strong> temas profissionais<br />
e nos quais utilizamos a linguagem para atuar, operacionalizando<br />
nossas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s sociais / institucionais (MISHLER, 2002;<br />
SARANGI ; ROBERTS, 1999).<br />
Na homenagem especial a Seu João, observamos uma construção<br />
discursiva que lhe projeta várias outras i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s que<br />
transcen<strong>de</strong>m o aspecto profissional do funcionário / proprietário<br />
<strong>de</strong> um estabelecimento, Seu João da cantina. A fala acima <strong>de</strong>stacada<br />
o posiciona como guardião <strong>de</strong> “informações preciosas”, objetos<br />
materiais quase sagrados para os alunos <strong>de</strong> Música: “a partitura”, “o<br />
instrumento”. A lista <strong>de</strong> objetos passíveis <strong>de</strong> serem guardados é finalizada<br />
então com “as contas penduras”, sendo evocada então a<br />
generosida<strong>de</strong> e o carinho <strong>de</strong> Seu João. E finalmente os alunos se<br />
<strong>de</strong>spe<strong>de</strong>m com uma expressão formulaica (GUMPERZ, 1982) - Até<br />
mais Seu João - que não sinaliza um a<strong>de</strong>us, mas sim um até breve,<br />
voltamos já. É interessante observar que toda a homenagem<br />
é realizada no tempo presente: é uma homenagem a alguém que<br />
participou intensamente <strong>de</strong> uma época que se encerra, portanto,<br />
no passado, mas que é atualizada discursivamente no presente,<br />
70
Memória, Discursos e Instituições<br />
sugerindo perenida<strong>de</strong>, permanência. Trata-se <strong>de</strong> mais um capítulo<br />
da Memória Social daquela Escola que está sendo incessantemente<br />
construída, interpretada, reiterada em um processo social realizado<br />
continuamente.<br />
O conceito Memória Social é, sobretudo, polissêmico. Halbwachs<br />
(2004) foi o primeiro a observar, <strong>de</strong> forma sistemática, o aspecto<br />
social da memória. Até então a memória era concebida como um<br />
fenômeno individual e subjetivo. Ao consi<strong>de</strong>rar a memória coletiva<br />
resultado da interação social entre indivíduos, insere-a nos processos<br />
sociais. Assim, para ele, não existe lembrança sem socieda<strong>de</strong> e,<br />
portanto, memória e linguagem são indissociáveis. As lembranças<br />
<strong>de</strong>vem ser observadas a partir <strong>de</strong> representações coletivas, <strong>de</strong> convenções<br />
sociais, <strong>de</strong> quadros sociais dos grupos, isto é, o já estabelecido,<br />
os elementos <strong>de</strong> tradição 6 . Por outro lado, o referido autor<br />
apontou que essas lembranças do passado são construções continuamente<br />
realizadas à luz do presente.<br />
Gondar (2005), em seu texto “Quatro proposições sobre memória<br />
social”, <strong>de</strong>staca que a memória, como processo <strong>de</strong> construção<br />
social, implica um jogo <strong>de</strong> forças, um campo <strong>de</strong> disputa, <strong>de</strong> enfrentamentos.<br />
Esta memória social e processual é constituída <strong>de</strong> vários<br />
discursos, pequenos gestos, conversas informais e narrativas que<br />
tematizam <strong>de</strong>sejos, expressam sentidos, marcam presenças, etc.<br />
Estamos falando <strong>de</strong> histórias <strong>de</strong>scontínuas, <strong>de</strong> narrativas contadas<br />
por cada um <strong>de</strong> nós, sujeitos <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>s industriais pós-mo<strong>de</strong>rnas<br />
(HALL, 2002), sujeitos multifacetados, não lineares, cujas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s<br />
são vivenciadas em um contínuo fluxo <strong>de</strong> tensões e contradições<br />
nos diversos mundos sociais que habitamos; não somos<br />
coerentes, progressivos e lineares. Estamos atolados <strong>de</strong> <strong>de</strong>svios,<br />
vazios e hiatos (MISHLER, 2002). Para o autor, ao contarmos as estórias,<br />
ao narrarmos eventos, nos “reistoricizamos” diante <strong>de</strong> nossos<br />
interlocutores, atribuindo às narrativas diferentes significados ao<br />
6 Os quadros <strong>de</strong> memória, segundo Halbwachs, são sistemas <strong>de</strong> valores que unificam<br />
dados grupos sociais (HALBWACHS, 1925).<br />
71
Diana <strong>de</strong> Souza Pinto<br />
longo das mesmas. Retomando Paul Ricoeur, citado por Mishler,<br />
“O passado não está gravado em pedra”. Memória e esquecimento<br />
estão indissoluvelmente ligados. O que nos faz lembrar <strong>de</strong> certas<br />
coisas e esquecer outras Para Gondar, “há sempre uma concepção<br />
<strong>de</strong> memória social implicada na escolha do que lembrar e do que<br />
esquecer” (2005, p. 17). Como po<strong>de</strong>mos pensar, então, estes dois<br />
conceitos <strong>de</strong> Memória Social para iluminar nossa breve análise aqui<br />
empreendida<br />
Retornemos mais uma vez à nossa cerimônia <strong>de</strong> formatura, o<br />
evento comunicativo em questão. Por um lado, temos várias pistas<br />
não verbais que nos ajudam a refletir sobre qual memória da instituição<br />
universida<strong>de</strong>, mais especificamente, a UFRJ, e mais especificamente<br />
ainda, da Escola <strong>de</strong> Música, está sendo evocada, reiterada,<br />
silenciada e recriada neste evento. Vamos agora observar a moldura<br />
espacial, o ambiente físico em que ela foi realizada: no prédio da Escola<br />
<strong>de</strong> Música da universida<strong>de</strong>, no Passeio, no belo Salão Leopoldo<br />
Miguéz,. O web site 7 da Escola nos informa:<br />
“Bem-vindo ao website da Escola <strong>de</strong> Música da<br />
UFRJ. Aqui você po<strong>de</strong>rá conhecer um pouco da história e<br />
do trabalho da mais antiga instituição <strong>de</strong> ensino musical<br />
do Brasil, além <strong>de</strong> obter informações sobre <strong>seus</strong> cursos - da<br />
Iniciação Musical à Pós-Graduação - , sobre sua produção artística,<br />
sobre o calendário <strong>de</strong> eventos, sobre <strong>seus</strong> produtos e<br />
serviços, em geral. Localizada no centro do Rio <strong>de</strong> Janeiro, a<br />
Escola <strong>de</strong> Música da UFRJ integra o Corredor Cultural da<br />
cida<strong>de</strong>, sendo seu prédio tombado pelo Patrimônio Histórico<br />
Municipal. Tem como vizinhos outras instituições importantes<br />
como o Theatro Municipal, a Sala Cecília Meireles, o Museu da<br />
Imagem e do Som, a Aca<strong>de</strong>mia Brasileira <strong>de</strong> Música e o Instituto<br />
Histórico e Geográfico Brasileiro. Como moldura, o Passeio<br />
Público e os Arcos da Lapa.”<br />
7 www.musica.ufrj.br, acessado em 19/04/2008. Em 15/08/2008 o mesmo site já<br />
apresentava modificações substanciais em seu texto, que não integram a análise<br />
aqui apresentada.<br />
72
Memória, Discursos e Instituições<br />
Observemos a construção discursiva da apresentação institucional<br />
da Escola. A expressão “a instituição mais antiga <strong>de</strong> ensino<br />
musical do Brasil” remete o leitor à história da formação do campo<br />
musical no país, inscrevendo-a em um sistema <strong>de</strong> valores ao qual<br />
tradição, renome e antiguida<strong>de</strong> estão associados. Em seguida,<br />
inscreve o prédio na memória arquitetônica da cida<strong>de</strong>, fazendo<br />
menção à geografia da antiga capital da República nacional ao<br />
elencar alguns dos prédios/construções famoso (a)s em seu entorno.<br />
Assim, além <strong>de</strong> ser a mais antiga do campo, seu prédio tombado,<br />
ou seja, <strong>de</strong> reconhecido valor patrimonial, é listado juntamente a<br />
outras instituições que marcaram o cenário da música nacional,<br />
emoldurado ainda por uma das paisagens que figuram nos cartões<br />
postais da cida<strong>de</strong>, os Arcos da Lapa. Em outro local do site, é informado<br />
ao leitor que aquele prédio abrigou a Biblioteca Nacional, um<br />
lugar <strong>de</strong> memória, como nos diz Nora (1993), por excelência.<br />
Observemos agora o que nos diz o site sobre o Salão Leopoldo<br />
Miguez:<br />
“O Salão Leopoldo Miguéz, uma das mais importantes<br />
salas <strong>de</strong> concertos do país, conhecido pela excelência<br />
<strong>de</strong> sua acústica, foi inaugurado em 1922, na administração<br />
<strong>de</strong> Abdon Milanez. Inspirado na Sala Gaveau, <strong>de</strong> Paris, seu interior<br />
é <strong>de</strong>corado com afrescos <strong>de</strong> Antônio Parreiras e Carlos<br />
Oswald (...) Nos últimos anos <strong>de</strong>u-se início à reforma geral do<br />
prédio <strong>de</strong> 1922, com a restauração <strong>de</strong> suas características originais,<br />
projeto patrocinado pela Petrobrás.”<br />
Mais uma vez, <strong>de</strong>staca-se, com relação ao espaço, as qualida<strong>de</strong>s<br />
da sala: a excelente acústica, no quesito funcionalida<strong>de</strong>, e o caráter<br />
estético, em particular a estética francesa; ambas as <strong>de</strong>scrições que<br />
nos remetem a um passado glorioso daquela sala. Um fato interessante<br />
é que os afrescos, que ficam ao fundo da sala, estavam, no dia<br />
da formatura, cobertos com um gran<strong>de</strong> plástico preto. Este plástico,<br />
associado a ca<strong>de</strong>iras brancas <strong>de</strong> plástico colocadas no local para<br />
comportar o público esperado, formava um contraste inquietante<br />
73
Diana <strong>de</strong> Souza Pinto<br />
e perturbador com o restante do auditório já reformado. Marcas <strong>de</strong><br />
tradição conviviam, naquele dia da cerimônia, com as marcas do<br />
improviso.<br />
Com relação ao salão on<strong>de</strong> foi realizada a cerimônia <strong>de</strong> formatura,<br />
o Salão Leopoldo Miguéz, o site institucional nos informa que<br />
ele teve seu nome em<br />
“homenagem ao compositor Leopoldo Miguéz<br />
(1850-1902), primeiro diretor do Instituto Nacional <strong>de</strong> Música,<br />
que empreen<strong>de</strong>u uma viagem à Europa para visitar<br />
conservatórios e recolher sugestões para serem aplicadas ao<br />
ensino, adquirindo, nessa viagem, instrumentos, aparelhos<br />
<strong>de</strong> acústica e livros para o Instituto. Miguez também foi o responsável<br />
pela compra <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> órgão <strong>de</strong> tubos da marca<br />
Wilhelm Sauer, que ofereceu ao Instituto, como prêmio que<br />
ganhou pelo primeiro lugar no concurso que escolheu o Hino<br />
à Proclamação da República.”<br />
O personagem em questão nos é apresentado como compositor<br />
premiado, <strong>de</strong> fundamental importância na constituição da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />
nacional, já que foi o autor do Hino da República, diretor do<br />
Instituto, empreen<strong>de</strong>dor, homem <strong>de</strong> visão, educador, etc.<br />
Em ambas as apresentações, do espaço e do personagem, a<br />
história oficial institucional narrada evoca um sistema <strong>de</strong> valores<br />
constituídos por marcas <strong>de</strong> distinção relativas ao ambiente físico,<br />
aos aspectos temporal, da antiguida<strong>de</strong>, e dos personagens eleitos<br />
para figurarem ali, que apontam para algo da or<strong>de</strong>m do construído,<br />
sugerindo uma unificação <strong>de</strong>ste grupo social da Escola <strong>de</strong> Música.<br />
Como sugeriu Halbwachs (2004), a memória coletiva é um importante<br />
instrumento <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s, e o conjunto<br />
<strong>de</strong> pistas que integraram a cerimônia em questão, algumas das<br />
quais <strong>de</strong>staquei aqui, aponta para um grupo social que, ao organizar<br />
tal evento tão importante em suas vidas, se i<strong>de</strong>ntifica com substratos<br />
comuns, associados a uma dada memória coletiva “estável”<br />
que olha com orgulho para um passado institucional on<strong>de</strong> foram<br />
74
Memória, Discursos e Instituições<br />
educados, formados profissionalmente e reiteram elementos que<br />
os iluminarão em suas carreiras profissionais na construção <strong>de</strong> <strong>seus</strong><br />
próprios projetos futuros. A beca, que todos vestiam indistintamente,<br />
oradores, professores homenageados e formandos, por exemplo,<br />
simboliza uma a<strong>de</strong>são a um acordo tácito coletivo, pautado pelos<br />
critérios <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>, disciplina, <strong>de</strong>dicação, sistemas <strong>de</strong> valores<br />
instituídos <strong>de</strong> acordos legitimadores.<br />
E qual é o papel da memória social na dinâmica social <strong>de</strong>sta<br />
instituição se analisarmos o evento cerimônia <strong>de</strong> formatura A cerimônia<br />
em questão é uma rememoração, lembranças que se valem<br />
dos quadros <strong>de</strong> memória que os antece<strong>de</strong>m; nesta cerimônia,<br />
encontram-se conjugadas diferentes dimensões temporais: passado,<br />
presente e futuro. A vivacida<strong>de</strong> do acontecimento é que se<br />
lembra e se reitera. Este futuro, além <strong>de</strong> estar presente no objetivo<br />
comunicativo do evento formatura (ou seja, ambiciona jogar os formandos<br />
na vida profissional futura), se materializou na formatura<br />
através <strong>de</strong> vários cartazes que eram levantados <strong>de</strong> quando em vez<br />
para a audiência. Esses cartazes retratavam falas comuns a alunos<br />
naquele contexto acadêmico, ora rememorando, através <strong>de</strong> falas<br />
corriqueiras, as i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> alunos, por exemplo, “Prof, qual foi<br />
minha nota”, ora celebrando o fim da fase estudantil “Aleluia”.<br />
A música “Aleluia’ <strong>de</strong> Haen<strong>de</strong>l, cantada ao final da cerimônia<br />
por todos os formandos, parece reiterar a alegria <strong>de</strong> se<br />
livrarem das cobranças, dos prazos apertados, das horas intermináveis<br />
<strong>de</strong> ensaios, etc. Regidos pela Profª Sonia Goulart,<br />
com o arranjo dos músicos populares Michael Jackson, Mervyn<br />
Warren e Mark Kibble, aquela apresentação era uma conjugação<br />
<strong>de</strong> uma música clássica em ritmo popular que contagiou<br />
toda a platéia. O fim musical da cerimônia, como não po<strong>de</strong>ria<br />
<strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser, parece-me icônico para pensarmos o conceito<br />
<strong>de</strong> Memória Social: configura uma dimensão <strong>de</strong> alteração, <strong>de</strong><br />
embates, <strong>de</strong> diversida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> confronto, <strong>de</strong> criação e <strong>de</strong> potência,<br />
constantes na vida social/institucional na medida em que<br />
75
Diana <strong>de</strong> Souza Pinto<br />
conjuntamente, os alunos e a professora, construíram, <strong>de</strong>pois<br />
<strong>de</strong> muitos esforços para encontrarem horas comuns para os<br />
ensaios, como ela mesma relatou na ocasião, a fim <strong>de</strong> criar uma<br />
interpretação institucional daquela turma <strong>de</strong> música, a partir<br />
<strong>de</strong> uma peça musical referendada pela Memória Social do campo<br />
da música.<br />
Nesta breve análise, <strong>de</strong>paramo-nos com a memória social <strong>de</strong><br />
um dado grupo constituída por representações coletivas institucionalmente<br />
legitimadas com a produção <strong>de</strong> um novo, que integra a<br />
concepção <strong>de</strong> memória como processo que adotei aqui. Toda esta<br />
breve análise dos elementos não verbais não significa dizer que não<br />
há aspectos <strong>de</strong> disputas e <strong>de</strong> conflitos. Falar <strong>de</strong> discurso institucional,<br />
neste contexto universitário, e <strong>de</strong> memória social, em nossa socieda<strong>de</strong>,<br />
implica aceitarmos que nos posicionamos ética e politicamente,<br />
reconhecendo que “toda perspectiva envolve a escolha <strong>de</strong><br />
um passado e aposta em um futuro” (GONDAR, 2005).<br />
Vamos agora retornar ao discurso verbal do orador Profº Samuel<br />
Araújo. O orador /professor homenageado, em sua fala, <strong>de</strong>stacou<br />
dois aspectos: a) uma relação <strong>de</strong> causalida<strong>de</strong> entre a formação<br />
<strong>de</strong> bacharéis e professores em Música e a instituição que os formou,<br />
uma universida<strong>de</strong> pública e <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> várias “forças<br />
po<strong>de</strong>rosas” e b) que aquela casa é e sempre será <strong>de</strong>les. Cabe-nos perguntar<br />
então: <strong>de</strong> que lugar ele fazia o apelo à lembrança <strong>de</strong>stes dois<br />
pontos Inicialmente, ao explicitar um embate, através das expressões<br />
“a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> várias forças po<strong>de</strong>rosas” e reafirmar universida<strong>de</strong><br />
pública e <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>, ele tematiza interdiscursos (PECHEUX, 1988),<br />
já-ditos, que integram a experiência universitária brasileira <strong>de</strong> lutas<br />
incessantes contra a privatização do ensino universitário constantes<br />
no cenário político contemporâneo. Adota um posicionamento<br />
/ comprometimento ético e político ao utilizar sua fala <strong>de</strong> orador<br />
para “agir sobre o mundo” em <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> uma instituição centenária<br />
e <strong>de</strong> tudo que ela representa no universo acadêmico da música.<br />
Implicitamente, portanto, lembra aos formandos e à audiência que<br />
76
Memória, Discursos e Instituições<br />
os embates no campo universitário são montagens sociais que surgem<br />
<strong>de</strong> dadas condições <strong>de</strong> produção sócio-políticas daqueles que<br />
nos prece<strong>de</strong>ram, e que a memória da instituição <strong>de</strong> ensino público<br />
<strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> assim foi formada.<br />
Em sua segunda lembrança (que aquela casa é e sempre será<br />
<strong>de</strong>les), em uma fala que en<strong>de</strong>reça aos formandos como <strong>seus</strong> interlocutores<br />
primários, nomeia a universida<strong>de</strong>, mais precisamente a<br />
Escola <strong>de</strong> Música, como a casa <strong>de</strong>les, utilizando uma expressão formulaica,<br />
que sinaliza intimida<strong>de</strong> da parte <strong>de</strong> quem fala, convidando-os<br />
ao eterno (sempre) retorno. Tais expressões são comuns em<br />
situações familiares, quando, por exemplo, o filho sai <strong>de</strong> casa e os<br />
pais <strong>de</strong>ixam-lhe as portas abertas. Ao enunciar esta elocução, temporariamente<br />
há uma suspensão discursiva da hierarquia acadêmica<br />
fortemente marcada nas instituições universitárias pela titulação<br />
(para ter voz e ascen<strong>de</strong>r profissionalmente é necessário os diplomas<br />
<strong>de</strong> Mestrado, Doutorado e pós-doutorado, <strong>de</strong> preferência) para dar<br />
espaço a um discurso mais simétrico entre profissionais.<br />
Enten<strong>de</strong>r os processos discursivos na constituição da memória<br />
social <strong>de</strong> uma instituição, a partir da investigação <strong>de</strong> um evento<br />
comunicativo, como uma cerimônia <strong>de</strong> colação <strong>de</strong> grau, ajuda-nos<br />
a refletir sobre como significados consi<strong>de</strong>rados “universais” na contemporaneida<strong>de</strong><br />
(tais como economia globalizada, avanço tecnológico,<br />
entre outros) são também responsáveis pelo esquecimento<br />
sistemático ou pelo silenciamento / naturalização <strong>de</strong> temas fundamentais<br />
como educação e saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> gratuitas para todos<br />
em uma socieda<strong>de</strong> que se preten<strong>de</strong> justa e <strong>de</strong>mocrática. A luta pelo<br />
<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> políticas públicas sistemáticas e consistentes<br />
para as áreas sociais, tais como a educação, é uma necessida<strong>de</strong> inerente<br />
ao <strong>de</strong>sempenho ético e político <strong>de</strong> nossas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s profissionais<br />
que são operacionalizadas nos nossos discursos, gestos<br />
e sonhos.<br />
Apresentei aqui um breve exemplo <strong>de</strong> como a análise do discurso<br />
<strong>de</strong> uma cerimônia <strong>de</strong> formatura da Escola <strong>de</strong> Música <strong>de</strong>sta<br />
77
Diana <strong>de</strong> Souza Pinto<br />
universida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> nos auxiliar a compreen<strong>de</strong>r os processos <strong>de</strong><br />
constituição <strong>de</strong> memórias institucionais. Ao <strong>de</strong>stacar um conjunto<br />
<strong>de</strong> pistas verbais e não verbais, como o convite, os discursos, o<br />
cenário, procurei mostrar que as rotinas institucionais ocupam um<br />
lugar central na formação <strong>de</strong> nossas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s sociais e, conseqüentemente,<br />
na memória discursiva <strong>de</strong> uma dada instituição.<br />
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79
Memória, preservação e<br />
uso das edificações históricas da UFRJ<br />
Maria Ângela Dias<br />
Este trabalho apresenta a atuação da Divisão <strong>de</strong> Preservação<br />
<strong>de</strong> Imóveis Tombados no Escritório Técnico da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral<br />
do Rio <strong>de</strong> Janeiro (DIPRIT/ETU) como um lugar <strong>de</strong> memória do patrimônio<br />
arquitetônico histórico da UFRJ e sugere a criação <strong>de</strong> um<br />
Centro <strong>de</strong> Estudos e Memória dos Bens Culturais da <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />
como ampliação do universo <strong>de</strong> sua atuação.<br />
Introdução<br />
Ao longo <strong>de</strong> sua existência a UFRJ incorporou ao seu patrimônio<br />
vários imóveis, sendo alguns reconhecidos como edificações<br />
históricas. Essas edificações, em sua maioria, sofreram múltiplas<br />
transformações provocadas por mudanças sociais, culturais, políticas<br />
e tecnológicas.<br />
Como exemplo disso po<strong>de</strong>mos observar, entre outros, o antigo<br />
prédio que <strong>de</strong> Hospício (1852) transformou-se num Complexo<br />
Acadêmico (1949), hoje Palácio Universitário, ou ainda O Hotel Sete<br />
<strong>de</strong> Setembro (1921-1922), na Av. Rui Barbosa 762, no bairro do Flamengo,<br />
que passou a ser Internato da Escola Ana Néri (1926-1972),<br />
posteriormente Casa do Estudante Universitário (1972-1995) e atualmente,<br />
em restauro <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2002, abriga o Centro Brasileiro <strong>de</strong> Altos<br />
Estudos. Aliás, repetindo o que ocorre em outros países, on<strong>de</strong><br />
os templos gregos e romanos foram transformados em igrejas, os<br />
conventos em fábricas e <strong>de</strong>pois em apartamentos, os silos em hotéis<br />
e os moinhos em restaurantes.<br />
Portanto, a prática da transformação tem sido reconhecida<br />
como uma forma <strong>de</strong> se renovar a edificação e <strong>de</strong> satisfazer às novas<br />
81
Maria Ângela Dias<br />
necessida<strong>de</strong>s funcionais. Porém, compatibilizar essas necessida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> intervenção com os cuidados que um imóvel histórico requer é<br />
sempre um gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>safio que envolve profissionais <strong>de</strong> várias áreas<br />
e custos elevados.<br />
A tarefa <strong>de</strong> restaurar e adaptar os espaços históricos da UFRJ<br />
foi sempre uma <strong>de</strong>cisão isolada <strong>de</strong> pessoas, ou <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong> pessoas<br />
abnegadas (arquitetos, professores, administradores) que sensibilizadas<br />
pela beleza e importância histórica das edificações se<br />
dispunham a trabalhar por sua preservação.<br />
Para congregar esses esforços isolados, num mesmo setor da<br />
UFRJ, institucionalmente constituído, foi criada, em 2004, a Divisão<br />
<strong>de</strong> Preservação <strong>de</strong> Imóveis Tombados - DIPRIT, no Escritório Técnico<br />
da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> - ETU que, sob a coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> um diretor e<br />
a atuação <strong>de</strong> uma equipe <strong>de</strong> profissionais <strong>de</strong> restauro, <strong>de</strong>senvolve<br />
trabalhos <strong>de</strong> levantamento físico, mapeamento <strong>de</strong> danos e elaboração<br />
<strong>de</strong> diretrizes <strong>de</strong> preservação e uso para cada um dos bens tombados<br />
da UFRJ, formando, assim, um banco <strong>de</strong> dados sobre esse<br />
patrimônio histórico e constituindo a memória <strong>de</strong> sua existência.<br />
Lugar <strong>de</strong> memória<br />
Como representante oficial da UFRJ na interlocução com o<br />
IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional),<br />
INEPAC (Instituto Estadual do Patrimônio Cultural) e SEDREPAHC<br />
(Secretaria Extraordinária <strong>de</strong> Patrimônio Cultural), a DIPRIT possui,<br />
hoje, um importante arquivo com todas as solicitações <strong>de</strong> projetos<br />
<strong>de</strong> restauração e intervenção nos prédios tombados da UFRJ que<br />
são encaminhas para os órgãos <strong>de</strong> tutela. Da mesma forma reune<br />
todas as exigências e aceites dos referidos órgãos <strong>de</strong> tutela e os encaminha<br />
para o setor correspon<strong>de</strong>nte da UFRJ.<br />
Cabe <strong>de</strong>stacar a importância <strong>de</strong>sta centralização, não só pela<br />
questão da organização e arquivamento dos documentos, mas<br />
também pela sistematização dos procedimentos <strong>de</strong> interlocução.<br />
Anteriormente, o diálogo com os órgãos <strong>de</strong> tutela era pontual, di-<br />
82
Memória, Preservação e Uso das Edificações Históricas da UFRJ<br />
retamente com cada um dos responsáveis pela restauração <strong>de</strong> cada<br />
prédio histórico e muitas vezes na forma oral.<br />
As ações da DIPRIT são fundamentadas em várias etapas <strong>de</strong><br />
pesquisa e têm como objetivo elaborar, para cada edificação histórica,<br />
um plano <strong>de</strong> diretrizes que permita orientar as intervenções<br />
necessárias e/ou <strong>de</strong>sejáveis, estabelecendo critérios para restauração<br />
e uso do bem tombado.<br />
Entre esses procedimentos estão:<br />
• i<strong>de</strong>ntificação e diagnóstico da edificação que inclui: a pesquisa<br />
histórica, iconográfia e cromática (prospecção); a arqueologia<br />
(quando necessária);<br />
•<br />
documentação e visualização que inclui: a elaboração das<br />
plantas, cortes e fachadas do edifício (levantamento físico);<br />
relatório <strong>de</strong> diagnóstico, contendo a totalida<strong>de</strong> das informações<br />
pesquisadas (situação do imóvel, mapeamento<br />
<strong>de</strong> danos); e estimativa orçamentária para realização da<br />
restauração;<br />
As práticas <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong>sses procedimentos viabilizam,<br />
como mencionado acima, a formação <strong>de</strong> um banco <strong>de</strong> dados e<br />
constroem a memória do patrimônio arquitetônico histórico. Além<br />
disso, elas contribuem para: abertura <strong>de</strong> campo <strong>de</strong> pesquisa para<br />
mestrandos e doutorandos; realização <strong>de</strong> estágios supervisionados<br />
para graduandos; qualificação <strong>de</strong> profissionais <strong>de</strong> arquitetura, engenharia,<br />
belas artes; composição da base para realização <strong>de</strong> cursos<br />
<strong>de</strong> especialização em restauro.<br />
Constituem universo <strong>de</strong> atuação da DIPRIT os imóveis históricos<br />
que a UFRJ tem a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> preservar. São eles (dados<br />
fornecidos pelo ETU):<br />
83
Maria Ângela Dias<br />
01. Colégio Brasileiro <strong>de</strong> Altos Estudos - Antigo Hotel Sete <strong>de</strong><br />
Setembro<br />
Av. Rui Barbosa, 762 – Flamengo / RJ<br />
Processo <strong>de</strong> Tombamento INEPAC n° E-03/111.357/83 <strong>de</strong> 15/06/89<br />
Área: 5.405 m 2 . Sofreu várias transformações <strong>de</strong> uso. Ainda está em processo <strong>de</strong><br />
restauro. Obteve o patrocínio da Eletrobrás e Petrobrás, num total aproximado <strong>de</strong><br />
R$6.000.000,00 e necessita <strong>de</strong> R$ 9.000.000,00 para completar a última fase do projeto<br />
<strong>de</strong> restauro.<br />
02. Hospital Escola São Francisco <strong>de</strong> Assis<br />
Av. Presi<strong>de</strong>nte Vargas, 2863 - Cida<strong>de</strong> Nova / RJ<br />
Processo <strong>de</strong> Tombamento IPHAN n° 978/T.78, inscrição n°490, Livro Histórico, folha<br />
86, e inscrição n°554, volume 11, folha 05, Livro <strong>de</strong> Belas Artes, <strong>de</strong> 23/06/83.<br />
Área: 9.423 m 2<br />
84
Memória, Preservação e Uso das Edificações Históricas da UFRJ<br />
03. Escola Nacional <strong>de</strong> Música<br />
Rua do Passeio, 98- Centro / RJ.<br />
Processo <strong>de</strong> Tombamento SEDREPHAC n° 12/004034/92 - Decreto 12.802 <strong>de</strong><br />
15/04/92<br />
Área: 3.787 m 2<br />
85
Maria Ângela Dias<br />
04. Instituto <strong>de</strong> Filosofia e Ciências Sociais<br />
Largo <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula, n°1 - Centro / RJ.<br />
Processo <strong>de</strong> Tombamento INEPAC n° E-03/011.357/83 <strong>de</strong> 15/06/89<br />
Processo <strong>de</strong> Tombamento IPHAN 615-T, inscrição. n° 342, Livro Histórico, folha 567<br />
<strong>de</strong> 11/04/62<br />
Área: 11.868 m 2<br />
05. Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Direito<br />
Rua Moncorvo Filho, n° 02 - Centro / RJ.<br />
Processo <strong>de</strong> Tombamento INEPAC n° E-03/031.267/83 <strong>de</strong> 27/01/88<br />
Área: 5.483 m 2<br />
86
Memória, Preservação e Uso das Edificações Históricas da UFRJ<br />
06. Escola <strong>de</strong> Enfermagem Anna Nery<br />
Rua Afonso Cavalcanti, 275 - Cida<strong>de</strong> Nova / RJ.<br />
Processo <strong>de</strong> Tombamento IPHAN n° 953/T. 77, inscrição n° 507, Livro Histórico, folha<br />
93, <strong>de</strong> 14/08/86<br />
Área: 2.319 m 2<br />
07. Palácio Universitário - Antigo Hospital dos Alienados<br />
Av. Pasteur, 250 - Urca / RJ.<br />
Processo <strong>de</strong> Tombamento IPHAN n° 503/T, inscrição n° 438, Livro Histórico, folha 72,<br />
<strong>de</strong> 11/07/72<br />
Área: 14.450 m 2<br />
87
Maria Ângela Dias<br />
08. Antiga Escola <strong>de</strong> Eletrotécnica<br />
Praça da República, 22 - Centro / RJ.<br />
Processo <strong>de</strong> Tombamento INEPAC n° E-03/31.267/83 <strong>de</strong> 15/06/89<br />
Área: 1739 m 2<br />
09. Museu Nacional - Paço <strong>de</strong> São Cristóvão<br />
Quinta da Boa Vista - São Cristóvão / RJ.<br />
Processo <strong>de</strong> Tombamento IPHAN n° 101/T, 154/T e 77/T, inscrição. n° 23, Livro Histórico,<br />
folha 5, inscrição n° 14, Livro <strong>de</strong> Belas Artes, folha 10, <strong>de</strong> 11/05/38, e inscrição n°<br />
14, Livro Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, folha 4, <strong>de</strong> 14/04/48<br />
Área: 13.720 m 2<br />
88
Memória, Preservação e Uso das Edificações Históricas da UFRJ<br />
10. Conjunto Paisagístico do Observatório do Valongo<br />
Rua Camerino, 22 - Centro / RJ.<br />
Processo <strong>de</strong> Tombamento IPHAN n° 99/T, inscrição n° 653, Livro Histórico, folha 12,<br />
inscrição n° 157, Livro <strong>de</strong> Belas Artes, folha 28, <strong>de</strong> 30/06/38.<br />
11. Fundação Universitária José Bonifácio<br />
Av. Pasteur, 280 - Urca / RJ.<br />
Processo <strong>de</strong> Tombamento INEPAC n° E-18/300.321/87 <strong>de</strong> 06/09/90.<br />
89
Maria Ângela Dias<br />
12. Centro <strong>de</strong> Arte Hélio Oiticica<br />
Rua Luis <strong>de</strong> Camões, 68 - Centro / RJ.<br />
Processo <strong>de</strong> Tombamento INEPAC n° E-03/31.267/83 <strong>de</strong> 15/06/89.<br />
13. Instituto <strong>de</strong> Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira<br />
Rua Bruno Lobo, 50 - Cida<strong>de</strong> Universitária - Ilha do Governador / RJ.<br />
Processo <strong>de</strong> Tombamento Provisório em curso no INEPAC <strong>de</strong>s<strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2003<br />
Área: 16.074 m 2<br />
90
Memória, Preservação e Uso das Edificações Históricas da UFRJ<br />
Com indicação para tombamento ou preservação<br />
Teatro Qorpo Santo<br />
Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Arquitetura<br />
Centro <strong>de</strong> Tecnologia<br />
Plano Urbanístico do Fundão<br />
Limitações na atuação<br />
A rotina do trabalho nas ações <strong>de</strong> preservação e restauro,<br />
em adaptações ou transformações para novos usos, exige a participação<br />
<strong>de</strong> um número cada vez maior e mais especializado <strong>de</strong><br />
protagonistas. No <strong>de</strong>correr <strong>de</strong> um projeto e/ou uma obra, por inúmeras<br />
vezes a equipe da DIPRIT necessitou dos serviços <strong>de</strong> arquitetos<br />
especializados, historiadores, restauradores (para pesquisas <strong>de</strong><br />
materiais e prospecções estratigráficas), arqueólogos; engenheiros<br />
estruturalistas e <strong>de</strong> instalações prediais; e biólogos e químicos, para<br />
análises laboratoriais.<br />
Conseguir a contratação <strong>de</strong>sses profissionais é quase sempre<br />
ter que vencer uma maratona administrativa, consi<strong>de</strong>rando que a<br />
DIPRIT possui uma equipe bastante reduzida, 3 arquitetos, 2 mestrandos<br />
e 6 estagiários para atuar profissionalmente nas edificações<br />
tombadas, e administrativamente respon<strong>de</strong>ndo à direção do ETU,<br />
aos órgãos <strong>de</strong> tutela e aos professores que ocupam as edificações<br />
tombadas.<br />
Neste quadro po<strong>de</strong>mos acrescentar a falta <strong>de</strong> recursos próprios<br />
e <strong>de</strong> representação nos fóruns da <strong>de</strong>cisão da UFRJ, meios necessários<br />
para agilizar o atendimento à <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> serviços nas<br />
edificações.<br />
Cabe ainda comentar que a falta <strong>de</strong> conhecimento da complexida<strong>de</strong><br />
dos projetos e das intervenções, aqui incluído o alto custo<br />
para execução das obras, aliada a esta relação <strong>de</strong>sproporcional entre<br />
<strong>de</strong>manda <strong>de</strong> serviço versus mão-<strong>de</strong>-obra disponível, muitas vezes<br />
gera ações <strong>de</strong> intervenção equivocadas, por parte dos usuários,<br />
91
Maria Ângela Dias<br />
nas edificações tombadas. As conseqüências <strong>de</strong>ssas ações são os<br />
danos causados nas edificações, muitas vezes irreversíveis, e instauração<br />
<strong>de</strong> inquérito civil pelo Ministério Público contra a UFRJ.<br />
Esta situação dificulta o pleno funcionamento da DIPRIT enquanto<br />
lugar <strong>de</strong> memória, pesquisa, qualificação <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra<br />
e <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> uso das edificações históricas.<br />
Ampliação da atuação<br />
O que nos parece fundamental, neste contexto, é a possibilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> criar a partir da experiência da DIPRIT, um Centro ou Núcleo<br />
<strong>de</strong> Estudo, Memória e Uso Qualificado do Patrimônio Cultural da<br />
UFRJ, a exemplo do que fez a USP, numa situação administrativa similar<br />
ao Fórum <strong>de</strong> Ciência e Cultura.<br />
Apresentamos, como fruto <strong>de</strong> nossa experiência administrativa<br />
na UFRJ e a título <strong>de</strong> sugestão, a concepção <strong>de</strong>ste Centro ou Núcleo,<br />
acima mencionado, doravante chamado <strong>de</strong> CEMPAC.<br />
O CEMPAC <strong>de</strong>verá ser concebido como unida<strong>de</strong> administrativa<br />
e orçamentária in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e dirigido por um Conselho Deliberativo,<br />
que programará as ativida<strong>de</strong>s do Centro.<br />
Entre as ativida<strong>de</strong>s possíveis <strong>de</strong> atuação do Centro estão:<br />
• i<strong>de</strong>ntificação e diagnóstico do patrimônio cultural pertencente<br />
a UFRJ;<br />
• produção <strong>de</strong> documentação para salvaguarda do<br />
patrimônio, intervenção e captação <strong>de</strong> recursos;<br />
• qualificação <strong>de</strong> uso - <strong>de</strong>stinação e uso dos bens;<br />
• qualificação profissional através <strong>de</strong> cursos <strong>de</strong> especialização,<br />
em preservação e restauro; parcerias com os cursos<br />
existentes na UFRJ; convênios com instituições nacionais e<br />
estrangeiras; e oferecimento <strong>de</strong> estágios supervisionados<br />
• estabelecimento <strong>de</strong> um fórum <strong>de</strong> intercâmbio e interlocução<br />
entre a UFRJ e os órgãos <strong>de</strong> tutela (IPHAN, INEPAC<br />
e SEDREPAC);<br />
92
Memória, Preservação e Uso das Edificações Históricas da UFRJ<br />
• difusão do conhecimento adquirido sobre o patrimônio;<br />
• <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> planos orçamentários e critérios para alocação<br />
<strong>de</strong> recursos em colaboração com a Pró-Reitoria <strong>de</strong><br />
Planejamento e Desenvolvimento-PR3.<br />
O Conselho Deliberativo terá um presi<strong>de</strong>nte, (Reitor ou Pró-<br />
Reitor) e será composto por: membros da Diretoria do Centro,<br />
representantes dos docentes, dos servidores técnicos administrativos<br />
e dos alunos da UFRJ. Esses representantes <strong>de</strong>verão ter atuação<br />
e/ou interesse comprovado na área <strong>de</strong> preservação e restauro<br />
e <strong>de</strong>verão ser oriundos, preferencialmente, das seguintes unida<strong>de</strong>s:<br />
Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Arquitetura e Urbanismo; Escola <strong>de</strong> Belas Artes; Escola<br />
<strong>de</strong> Engenharia; Escola <strong>de</strong> Química; Instituto <strong>de</strong> Física; Instituto <strong>de</strong><br />
Biologia; Departamento <strong>de</strong> História; Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito; Prefeitura<br />
Universitária; Escritório Técnico da <strong>Universida<strong>de</strong></strong>; <strong>Sistema</strong> <strong>de</strong> <strong>Bibliotecas</strong><br />
e Informação; Museu Nacional; e Pró-Reitoria <strong>de</strong> Extensão<br />
e Pró- Reitoria <strong>de</strong> Planejamento e Desenvolvimento - PR3.<br />
Consi<strong>de</strong>rando que ainda não existem cursos <strong>de</strong> graduação para<br />
a formação <strong>de</strong> especialistas em preservação e restauro, a criação do<br />
CEMPAC po<strong>de</strong>rá contribuir para o preenchimento <strong>de</strong>sta lacuna.<br />
A se<strong>de</strong> do CEMPAC po<strong>de</strong>rá ser no prédio situado na Av. Rui Barbosa<br />
762, no bairro do Flamengo / RJ, compartilhando com Colégio<br />
Brasileiro <strong>de</strong> Altos Estudos, a mesma edificação.<br />
Conclusão<br />
Concluindo volto ao início reforçando a proposta <strong>de</strong> ampliar<br />
a atuação da Divisão <strong>de</strong> Preservação <strong>de</strong> Imóveis Tombados para o<br />
universo do patrimônio cultural da UFRJ, compartilhando <strong>de</strong>cisões<br />
sobre este patrimônio, com outros núcleos e programas <strong>de</strong> preservação<br />
e restauro (inclusive os que se apresentaram anteriormente),<br />
garantindo a representação nos fóruns <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão da UFRJ, quanto<br />
ao uso qualificado <strong>de</strong>sses bens e a dotação orçamentária para sua<br />
salvaguarda e adquirindo maior reconhecimento externo juntos<br />
aos órgãos <strong>de</strong> tutela e dos governos municipal, estadual e fe<strong>de</strong>ral.<br />
93
Maria Ângela Dias<br />
Cabe <strong>de</strong>stacar a atuação da DIPRIT e o empenho da reitoria na<br />
preservação e restauração <strong>de</strong> <strong>seus</strong> imóveis tombados. O trabalho<br />
empreendido, vencendo a superação das inúmeras dificulda<strong>de</strong>s<br />
tem gerado resultados relevantes na garantia das referências arquitetônicas<br />
históricas para a população carioca e brasileira.<br />
94
Museu da Escola Politécnica: o espaço <strong>de</strong><br />
construção da memória da Escola Politécnica<br />
da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
Heloi José Fernan<strong>de</strong>s Moreira<br />
Luiz Antonio Salgado Neto<br />
As origens da Escola Politécnica da UFRJ<br />
A origem do ensino <strong>de</strong> engenharia no Brasil, em caráter formal<br />
e contínuo, ocorreu em 17 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1792 quando D. José<br />
Luís <strong>de</strong> Castro, o 2º Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Resen<strong>de</strong>, instituiu a Real Aca<strong>de</strong>mia<br />
<strong>de</strong> Artilharia, Fortificação e Desenho 1 . Esta instituição funcionou até<br />
1810 na Casa do Trem, prédio hoje parcialmente preservado e que<br />
faz parte do conjunto arquitetônico do Museu Histórico Nacional<br />
na Cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />
Apesar <strong>de</strong> o seu Estatuto apresentar um conjunto <strong>de</strong> disciplinas<br />
com forte conotação militar, o seu Artigo 2º <strong>de</strong>terminava que:<br />
“Para a instrução do sexto ano nomearei outro Lente, o<br />
qual será obrigado a ensinar a Arquitetura Civil, o corte das<br />
pedras e ma<strong>de</strong>iras, o orçamento dos edifícios, e tudo o mais<br />
que for relativo ao conhecimento dos materiais que entram<br />
na sua composição; como também explicará os melhores métodos,<br />
que hoje se praticam nas construções dos caminhos e<br />
calçadas. No mesmo ano se ensinará igualmente a Hidráulica<br />
e as mais partes que lhe são análogas, como a Arquitetura das<br />
Pontes, Canais, Portos, Diques e Comportas, e os que quiserem<br />
seguir a profissão <strong>de</strong> Engenheiros... só terminarão o tempo <strong>de</strong><br />
sua aplicação no fim do sexto ano”.<br />
1 PARDAL, Paulo. BRASIL, 1792: Início do Ensino da Engenharia Civil e da Escola <strong>de</strong><br />
Engenharia da UFR. Construtora Norberto O<strong>de</strong>brecht e Companhia Brasileira <strong>de</strong> Projetos<br />
e Obras. Rio <strong>de</strong> Janeiro, 1985.<br />
95
Heloi José Fernan<strong>de</strong>s Moreira & Luiz Antonio Salgado Neto<br />
Comprova-se, portanto, que a Real Aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> Artilharia, Fortificação<br />
e Desenho <strong>de</strong> 1792 ensinava formalmente a engenharia,<br />
em especial também sobre um conhecimento <strong>de</strong> engenharia nãomilitar,<br />
ou seja, <strong>de</strong> engenharia civil.<br />
Curiosamente, o Artigo 6º informava: “os discípulos que aspirarem<br />
a ser promovidos a profissão <strong>de</strong> Engenheiros, serão obrigados a<br />
mostrar por exame que sabem a doutrina correspon<strong>de</strong>nte ao primeiro<br />
ano (ao menos) [sic] e que tenham constituição robusta, sem <strong>de</strong>feito<br />
algum na vista ou tremura <strong>de</strong> mãos”. Certamente naquela época<br />
eram raros os equipamentos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senho disponíveis no então Brasil-Colônia<br />
(esquadros, réguas, etc.), o que tornava imprescindível a<br />
acuida<strong>de</strong> visual e a firmeza no traço para a confecção das plantas.<br />
Percebe-se aí que os responsáveis pelo ensino militar, então<br />
<strong>de</strong>stinados para a <strong>de</strong>fesa do território brasileiro contra as constantes<br />
invasões estrangeiras, já consi<strong>de</strong>ravam a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se<br />
ocupar convenientemente o solo pátrio, construindo-se edificações<br />
não-militares com o uso <strong>de</strong> materiais apropriados às construções,<br />
abrindo estradas e construindo pontes, utilizando-se dos caminhos<br />
hidrográficos naturais para o movimento e atracação das embarcações,<br />
que na época era o meio mais conveniente para a locomoção<br />
<strong>de</strong> cargas e <strong>de</strong> passageiros.<br />
Em 04 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1810, aí então sob a iniciativa do Con<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Linhares e com a presença da Família Real na cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro, a Real Aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> Artilharia, Fortificação e Desenho foi<br />
transformada, por carta régia <strong>de</strong> D. João VI, em Aca<strong>de</strong>mia Real Militar<br />
2 . E essa carta régia, além <strong>de</strong> ampliar o ensino com a introdução<br />
<strong>de</strong> ca<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> ciências matemáticas, físicas e naturais manteve textualmente,<br />
no seu Título Segundo, também para o sexto ano, a seguinte<br />
ca<strong>de</strong>ira: “Princípios da Arquitetura Civil, traço e construção das<br />
estradas, Pontes, Canais e Portos, Orçamento das obras, e tudo o que<br />
2 Original no Arquivo Nacional do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Citado por José Nascimento <strong>de</strong><br />
Brito em História da Escola Nacional <strong>de</strong> Engenharia, Revista do Clube <strong>de</strong> Engenharia,<br />
nº 313 e seguintes, setembro <strong>de</strong> 1962, Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />
96
Museu da Escola Politécnica<br />
mais po<strong>de</strong> interessar, seja sobre o corte das pedras, seja a força das terras<br />
para <strong>de</strong>rrubarem os edifícios, ou muralhas que lhe são contíguas”.<br />
Embora a Aca<strong>de</strong>mia Real Militar tenha sofrido várias alterações<br />
<strong>de</strong> conteúdo e <strong>de</strong> <strong>de</strong>nominação ao longo da sua existência, em meados<br />
do século XIX, sob o nome <strong>de</strong> Escola Militar da Corte, acirravase<br />
uma discussão institucional que havia se iniciado nos anos 20 e<br />
perduraria até 1874, quando houve a separação <strong>de</strong>finitiva dos ensinos<br />
militar e civil. Segundo Pedro Carlos da Silva Telles 3 ,<br />
“parecer enviado ao Imperador Pedro I, em outubro <strong>de</strong><br />
1823, pelo Coronel Engenheiro Francisco Villela Barbosa, futuro<br />
Marquês <strong>de</strong> Paranaguá, assinalava a contradição fundamental<br />
do programa da Aca<strong>de</strong>mia Real Militar, por <strong>de</strong>stinarse<br />
essa Escola tanto à formação <strong>de</strong> oficiais, como também <strong>de</strong><br />
engenheiros, para os quais os programas <strong>de</strong>veriam ser completamente<br />
diferentes. Salientava, também, que conviria a<br />
criação <strong>de</strong> “uma classe <strong>de</strong> engenheiros privativa para as obras<br />
hidráulicas e <strong>de</strong> pontes e calçadas, ficando os engenheiros<br />
militares <strong>de</strong>sonerados <strong>de</strong> semelhantes trabalhos, que além<br />
<strong>de</strong> serem mais civis do que militares, exigem uma aplicação e<br />
prática particular”.<br />
A questão era <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong>sse conflito entre os dois ensinamentos<br />
em uma só instituição: Primeiro, a crescente importância<br />
dos problemas militares da Bacia do Prata na década <strong>de</strong> 50 e que<br />
culminaram com a Guerra do Paraguai em 1865. Segundo, nessa<br />
mesma década, “entrávamos na época da estrada <strong>de</strong> ferro, do telégrafo,<br />
da navegação a vapor, isto é, no mundo da engenharia civil e dos<br />
engenheiros” 4 . Assim, encontramos no relatório <strong>de</strong> 1851 do Ministro<br />
3 SILVA Telles, Pedro Carlos da. História da Engenharia no Brasil, Séculos XVI a XIX,<br />
Edição do Clube <strong>de</strong> Engenharia, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 1994.<br />
4 MOTTA, Jehovah. Formação do Oficial do Exército. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Biblioteca do<br />
Exército, 2001.<br />
97
Heloi José Fernan<strong>de</strong>s Moreira & Luiz Antonio Salgado Neto<br />
da Guerra Manoel Felizardo <strong>de</strong> Souza Melo, a seguinte observação 5:<br />
“A nossa Escola Militar tem todos os elementos para fazer sábios; poucos,<br />
porém, para formar oficiais”. Por outro lado, o Deputado Lisboa<br />
Serra, na sessão da Câmara <strong>de</strong> 17 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1854, assim discursou<br />
6 :<br />
“O País reclama urgentemente um pessoal idôneo para<br />
cuidar do seu <strong>de</strong>senvolvimento material e industrial, e nenhuma<br />
das nossas instituições po<strong>de</strong> ministrá-lo a não ser a Escola<br />
Militar, on<strong>de</strong> já se ensinam todas ou quase todas as disciplinas<br />
que constituem a parte teórica da engenharia civil”.<br />
Assim é que, para melhor aten<strong>de</strong>r aos anseios militares e ainda<br />
respon<strong>de</strong>r às necessida<strong>de</strong>s da socieda<strong>de</strong> civil é criada, em 1855, na<br />
Fortaleza da Praia Vermelha, uma Escola <strong>de</strong> Aplicação responsável<br />
pela parte prática dos exercícios militares.<br />
Segundo Jehovah Motta 77<br />
“se, em 1855, a Praia Vermelha era o mundo das coisas<br />
nascentes, ainda em busca <strong>de</strong> afirmação e estabilida<strong>de</strong>,<br />
o Largo <strong>de</strong> São Francisco já era a obra adulta, dona da sua<br />
experiência e do seu estilo. Com a reforma <strong>de</strong>sse ano o velho<br />
instituto do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Linhares vê restritas as suas tarefas, mas<br />
sentir-se-á mais senhor <strong>de</strong> si mesmo, pois que melhor aparelhado<br />
para fazer aquilo que vinha sendo, há tempos, a sua inclinação<br />
mais forte: as matemáticas, as ciências, a engenharia.<br />
Ce<strong>de</strong>u à Praia Vermelha parte do seu currículo, as matérias<br />
da técnica militar, mas nada do seu patrimônio material. De<br />
agora em diante o seu problema será constituir-se, cada vez<br />
mais e melhor, num centro <strong>de</strong> altos estudos científicos e <strong>de</strong> formação<br />
<strong>de</strong> engenheiros”.<br />
5 Relatório do Ministério da Guerra, ano 1851<br />
6 Anais da Câmara, sessão <strong>de</strong> 17 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1854<br />
7 MOTTA, Jehovah. Op. cit.<br />
98
Museu da Escola Politécnica<br />
Apesar disso a disputa entre os dois ensinos continuou. Como<br />
assinalou Nascimento Brito 8 ,<br />
“dois ilustres militares, o Gen. Bellegar<strong>de</strong> e o então Marquês<br />
<strong>de</strong> Caxias, quando Ministro da Guerra, em <strong>seus</strong> relatórios<br />
<strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1855 e <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1856, insistiram na necessida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> se separar completamente o ensino militar do ensino civil,<br />
na criação <strong>de</strong> um curso com as disciplinas essenciais à engenharia<br />
civil, e na mudança do nome da Escola”.<br />
Em 1º <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1858, o Decreto 2.116 <strong>de</strong>terminou que a<br />
“Escola Militar da Corte passa a se <strong>de</strong>nominar Escola Central” 9 , mas<br />
mesmo assim manteve ainda o dilema <strong>de</strong> ministrar, em uma única<br />
instituição, os ensinamentos militar e civil. Segundo o relatório do<br />
General Jerônimo Francisco Coelho, seu primeiro Comandante em<br />
1858, as linhas mestres <strong>de</strong> seu trabalho seriam:<br />
1. A Escola Central <strong>de</strong>ve ser uma espécie <strong>de</strong> centro ou tronco<br />
para o ensino das doutrinas comuns às diferentes especialida<strong>de</strong>s,<br />
e tomar a si, <strong>de</strong> modo específico, as ciências matemáticas,<br />
físicas e naturais;<br />
2. A distinção entre a engenharia civil e militar acabará com os<br />
inconvenientes da acumulação <strong>de</strong>stas duas espécies em um<br />
só indivíduo, que ficava sendo um engenheiro enciclopédico,<br />
mas sem habilitações perfeitas. 10<br />
Como observou Silva Telles 11 ,<br />
“mesmo assim a Escola Central continuou a ser um estabelecimento<br />
militar, subordinada ao Ministério da Guerra, e<br />
on<strong>de</strong> os professores e alunos militares eram obrigados a freqüentarem<br />
fardados. A disciplina era rígida, não só para os<br />
alunos como também para os professores, cujos atos <strong>de</strong> indis-<br />
8 NASCIMENTO Brito, José do. op. cit.<br />
9 TELLES, Pedro Carlos da Silva. Op. cit.<br />
10 MOTTA, Jehovah. Op. cit.<br />
11 TELLES, Pedro Carlos da Silva. Op. cit.<br />
99
Heloi José Fernan<strong>de</strong>s Moreira & Luiz Antonio Salgado Neto<br />
ciplina seriam punidos segundo os Regulamentos Militares.<br />
Havia ativida<strong>de</strong>s escolares mesmo durante as férias quando<br />
eram feitos, em caráter obrigatório, trabalhos práticos <strong>de</strong> topografia<br />
e geodésia e, também, visitas a obras e indústrias”.<br />
Como uma escola híbrida que era, isto é, um estabelecimento<br />
militar para formar engenheiros militares e civis, o regime na escola<br />
variou muito, <strong>de</strong> acordo com a índole dos comandantes. O Viscon<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Taunay 12 conta que no seu tempo <strong>de</strong> aluno vigorava um<br />
regime militar rigoroso, havendo “para tudo formaturas, chamadas<br />
e marchas. O comandante trancava o portão e mandava pôr gra<strong>de</strong>s<br />
às portas das aulas, para vigilância severa durante as lições e salas <strong>de</strong><br />
estudos”.<br />
Evi<strong>de</strong>ntemente, o conteúdo da ca<strong>de</strong>ira original <strong>de</strong> Arquitetura<br />
Civil permaneceu no curso da Escola Central, <strong>de</strong>sdobrando-se em<br />
várias matérias segundo o aprimoramento acadêmico e o <strong>de</strong>senvolvimento<br />
tecnológico da época.<br />
Durante a Guerra do Paraguai a Escola esvaziou-se, porque<br />
muitos professores e alunos foram combater em <strong>de</strong>fesa da Pátria.<br />
Os comandantes militares continuaram reclamando que a oficialida<strong>de</strong><br />
possuía bastante base matemática, mas permanecia a pouca<br />
aplicabilida<strong>de</strong> para as operações militares.<br />
Finalmente, em 1874, houve a separação <strong>de</strong>finitiva dos dois<br />
cursos, sendo criada a Escola Polytéchnica do Rio <strong>de</strong> Janeiro e encarregada<br />
<strong>de</strong> ministrar o curso <strong>de</strong> engenharia civil. Mais uma vez o<br />
conteúdo do curso foi ampliado, <strong>de</strong>sdobrando-se em diversas disciplinas<br />
correlatas.<br />
A Escola Polytéchnica do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
O <strong>de</strong>senvolvimento industrial ocorrido no Brasil durante o século<br />
XIX provocou também a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se estudar novas áreas<br />
do conhecimento e aplicações tecnológicas. Estas <strong>de</strong>veriam ser<br />
12 _______ibi<strong>de</strong>m<br />
100
Museu da Escola Politécnica<br />
atendidas com mão <strong>de</strong> obra mais especializada. Assim é que várias<br />
alterações acadêmicas foram feitas no curso <strong>de</strong> engenharia da Escola<br />
Polytéchnica (anos <strong>de</strong> 1874, 1896, 1911, 1925) quando foram<br />
criadas, além da Engenharia Civil já existente, outras especialida<strong>de</strong>s:<br />
Engenheiro Geógrafo, <strong>de</strong> Minas, <strong>de</strong> Artes e Manufaturas, Mecânico,<br />
Industrial e Eletricista.<br />
O objetivo era formar engenheiros politécnicos, ou seja, com<br />
múltiplos conhecimentos técnicos para aten<strong>de</strong>r a diversida<strong>de</strong> dos<br />
novos campos <strong>de</strong> atuação. A rigor o aluno continuava formandose<br />
em engenharia civil, na medida em que esse era o maior campo<br />
<strong>de</strong> trabalho, mas especializava-se também em uma outra área <strong>de</strong><br />
conhecimento. Eram também conhecidos como “engenheiros enciclopédicos”.<br />
No conteúdo das primeiras reformas houve uma fortíssima influência<br />
francesa. A rigor essa influência já vinha ocorrendo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a<br />
Escola Central, pois até o seu nome foi evi<strong>de</strong>ntemente influenciado<br />
pela École Centrale <strong>de</strong>s Arts et Manufactures, criada em Paris em<br />
1828. Não só os livros eram importados da França, mas também<br />
foram contratados vários professores franceses (Charles Ernest Guinet,<br />
Clément Joubert, Émile Grandmasson, Louis Couty, Eugène Tisserandot<br />
e outros). Mais ainda, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a época da Escola Central até<br />
o primeiro quartel do século XX, o Positivismo <strong>de</strong> Augusto Comte<br />
exerceu influência nos ensinamentos da Escola Polytéchnica. Conforme<br />
Roberto Marinho <strong>de</strong> Azevedo 13 , “A influência <strong>de</strong> Comte faziase<br />
sentir no curso <strong>de</strong> cálculo diferencial e integral <strong>de</strong> Ferreira Braga e no<br />
<strong>de</strong> Licínio Cardoso. A geometria analítica <strong>de</strong> Comte, a geometria geral<br />
como ele preferia chamá-la, era muito lida”.<br />
Nesse recorte, dois gran<strong>de</strong>s momentos da Escola Polytéchnica<br />
do Rio <strong>de</strong> Janeiro merecem ser citados. O primeiro, <strong>de</strong> âmbito nacional<br />
e social, refere-se à campanha abolicionista. Sob a influência <strong>de</strong><br />
André Rebouças, um dos professores mais admirado pelos alunos, o<br />
13 LINS, Ivan. História do Positivismo no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional,<br />
1964.<br />
101
Heloi José Fernan<strong>de</strong>s Moreira & Luiz Antonio Salgado Neto<br />
corpo discente participou ativamente do movimento. Como forma<br />
<strong>de</strong> chamar mais ainda a atenção da socieda<strong>de</strong>, os alunos “<strong>de</strong>cretaram”<br />
que qualquer escravo que passasse pelo Largo <strong>de</strong> São Francisco<br />
<strong>de</strong> Paula seria alforriado. “No dia 15 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1888 André Rebouças<br />
foi carregado pelos alunos em <strong>de</strong>lirante ovação pelo peristilo da<br />
Escola” 14 . Já o segundo momento, técnico e restrito à Cida<strong>de</strong> do Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro, ocorreu no início do século XX, e refere-se a participação<br />
dos ex-alunos e então professores Paulo <strong>de</strong> Frontin e Pereira Passos,<br />
na mo<strong>de</strong>rnização da cida<strong>de</strong> e construção da Avenida Central.<br />
Ainda sob a <strong>de</strong>nominação <strong>de</strong> Escola Polytéchnica do Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />
professores e alunos comemoraram a outorga pelo Chefe do<br />
Executivo, do Decreto-Lei nº 23.569, <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1933,<br />
que regulamentou a profissão <strong>de</strong> engenheiro.<br />
A Escola Nacional <strong>de</strong> Engenharia<br />
da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil<br />
Em 1937 o Presi<strong>de</strong>nte Getulio Vargas cria “instituições nacionais”.<br />
A revelia da Congregação e do corpo social da Escola Polytéchnica,<br />
a Lei nº 452 <strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1937 altera o seu nome para Escola<br />
Nacional <strong>de</strong> Engenharia.<br />
A <strong>de</strong>speito da alteração do seu nome, a Escola Nacional <strong>de</strong><br />
Engenharia da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil manteve o seu papel <strong>de</strong> formadora<br />
<strong>de</strong> cidadãos-engenheiros da mais alta qualida<strong>de</strong>. E a indústria<br />
nacional crescia a passos largos. Seus ex-alunos e professores<br />
participavam dos mais importantes empreendimentos: na indústria<br />
si<strong>de</strong>rúrgica que se <strong>de</strong>senvolvia e que culminou com a criação da<br />
Companhia Si<strong>de</strong>rúrgica Nacional, na construção <strong>de</strong> portos, em particular<br />
o Porto do Rio <strong>de</strong> Janeiro, nas obras <strong>de</strong> saneamento e abastecimento<br />
<strong>de</strong> água, na consolidação do sistema elétrico brasileiro, no<br />
<strong>de</strong>senvolvimento do concreto armado, permitindo a construção <strong>de</strong><br />
gran<strong>de</strong>s estruturas, na expansão da malha rodoviária brasileira, na<br />
14 Veríssimo, Ignácio José. André Rebouças através <strong>de</strong> sua auto-biografia. Liv. José<br />
Olympio, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 1939.<br />
102
Museu da Escola Politécnica<br />
criação da Petrobrás, etc. E inúmeros outros campos da engenharia<br />
po<strong>de</strong>riam ser citados.<br />
Para se ter idéia da preocupação dos professores da Escola na<br />
formação <strong>de</strong> <strong>seus</strong> alunos, cabe aqui transcrever parte do discurso<br />
do formando José Pedro Canabarro <strong>de</strong> Faria Alvim, orador da turma<br />
<strong>de</strong> 1956 15 :<br />
“Durante a administração do Prof. Francisco <strong>de</strong> Sá Lessa,<br />
foram iniciadas as obras <strong>de</strong> ampliação, com a construção<br />
<strong>de</strong> dois novos andares, contendo 15 laboratórios e 8 salas <strong>de</strong><br />
aulas, resultando num acréscimo <strong>de</strong> 70%, sobre a área útil da<br />
Escola. Foram também adquiridos novos equipamentos e máquinas<br />
mo<strong>de</strong>rnas”.<br />
O engenheirando se referia às anteriores dificulda<strong>de</strong>s que o<br />
prédio do Largo <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula oferecia ao crescimento<br />
da instituição, apresentando escassez <strong>de</strong> laboratórios e acanhadas<br />
salas <strong>de</strong> aula. E continuou:<br />
“Futuramente, com a transferência da E.N.E. para a Cida<strong>de</strong><br />
Universitária, on<strong>de</strong> ficará alojada em prédios amplos e<br />
confortáveis, projetados <strong>de</strong> acordo com os últimos ditames da<br />
técnica arquitetônica, ficará solucionado, em <strong>de</strong>finitivo, este<br />
velho problema, que tanto preocupa professores e alunos”.<br />
O recém-formado traduzia em palavras um antigo sonho do<br />
corpo social da E.N.E. da U.B.<br />
A Escola <strong>de</strong> Engenharia da UFRJ<br />
Em 1966, na reforma universitária ocorrida durante o regime<br />
militar, mais uma vez a Escola teve sua <strong>de</strong>nominação alterada e, novamente,<br />
a sua revelia. Pior, com um nome sem qualquer significado<br />
maior, sem i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> com um projeto político ou pedagógico.<br />
Afinal, qualquer Escola <strong>de</strong> Engenharia po<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve ser chamada <strong>de</strong><br />
Escola <strong>de</strong> Engenharia!<br />
15 Escola Nacional <strong>de</strong> Engenharia. Anuário, 1956<br />
103
Heloi José Fernan<strong>de</strong>s Moreira & Luiz Antonio Salgado Neto<br />
Mesmo convivendo com os anos sombrios e muita repressão<br />
aos movimentos políticos e reivindicações estudantis, ocupando<br />
um imenso prédio ainda em obras e com enormes dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
acesso, obrigada a realizar um aumento <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nado <strong>de</strong> vagas no<br />
vestibular sem estar preparada pedagógica e administrativamente<br />
para tanto, com o Governo Fe<strong>de</strong>ral investindo praticamente na<br />
pós-graduação, o seu corpo docente, ainda que <strong>de</strong>smotivado em<br />
termos salariais e com enormes dificulda<strong>de</strong>s para exercer a sua docência,<br />
soube ultrapassar as enormes dificulda<strong>de</strong>s que lhes foram<br />
impostas. Lembro-me ouvir professores dizendo: “Estou ainda aqui<br />
por que tenho carinho e gratidão à minha Escola” (Prof. Hugo Cardoso<br />
da Silva) ou “Continuo dando aulas por que recebi <strong>de</strong>ssa Escola<br />
a maior riqueza que um engenheiro po<strong>de</strong> ter: ser respeitado<br />
no mercado <strong>de</strong> trabalho pela sua competência e po<strong>de</strong>r dizer com<br />
orgulho o nome da sua Escola <strong>de</strong> origem” (Prof. Waldon Salengue).<br />
Enquanto nos anos 60 a Escola formou 2.438 engenheiros, na<br />
década seguinte, com todas as dificulda<strong>de</strong>s acima apontadas, esse<br />
número aumentou 78%, passando para 4.352 engenheiros recémformados!<br />
Aten<strong>de</strong>ndo à crescente especialização do mercado <strong>de</strong><br />
trabalho, ao final dos anos 70 formavam-se engenheiros civis, mecânicos,<br />
metalúrgicos, navais, <strong>de</strong> produção, eletricistas e eletrônicos.<br />
A Escola Politécnica da UFRJ<br />
No ano <strong>de</strong> 1999 começou a ocorrer na Escola <strong>de</strong> Engenharia<br />
um movimento para se resgatar o nome <strong>de</strong> origem da instituição<br />
civil: Escola Politécnica. O Prof. Pedro Carlos da Silva Telles, autorida<strong>de</strong><br />
reconhecida em história da engenharia no Brasil, ex-aluno e<br />
professor aposentado, encaminha à Congregação um documento<br />
intitulado “O nome Escola Politécnica”, para que este seja analisado<br />
e discutido pelo colegiado superior da Escola.<br />
Entre outros pontos, textualmente é colocado:<br />
“Novas exigências como proteção ambiental, normas <strong>de</strong><br />
segurança mais rígidas, imposição <strong>de</strong> normas e padrões <strong>de</strong><br />
104
Museu da Escola Politécnica<br />
qualida<strong>de</strong> e aumento <strong>de</strong> competitivida<strong>de</strong>, fruto da internacionalização<br />
da economia, impõem a busca <strong>de</strong> novas soluções<br />
e <strong>de</strong> reformulações dos padrões e refêrências adotadas. Não<br />
há mais dúvidas a respeito da necessida<strong>de</strong> da ciência na prática<br />
cotidiana da engenharia, mas ainda existem questões em<br />
aberto, principalmente as relativas à apropriação <strong>de</strong> novos<br />
campos <strong>de</strong> conhecimento, das questões gerenciais e das relações<br />
humanas, em especial as <strong>de</strong> natureza política.<br />
O resgate da tradição da politecnia se afirma na necessida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> encontrar um caminho <strong>de</strong> síntese e técnica em torno<br />
dos problemas contemporâneos da engenharia no Brasil.<br />
Ao propor mudar o nome da Escola <strong>de</strong> Engenharia para<br />
Escola Politécnica não se quer apenas resgatar uma tradição,<br />
por mais importante que possa vir a ser esse resgate, mas forjar<br />
uma nova i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> a partir <strong>de</strong> uma po<strong>de</strong>rosa referência<br />
do passado com o objetivo <strong>de</strong> realizar a superação dos <strong>de</strong>safios<br />
do presente, produzir conhecimento e formar profissionais<br />
capazes <strong>de</strong> apontar as soluções mais a<strong>de</strong>quadas para os<br />
problemas tecnológicos do Brasil.”<br />
A alteração da <strong>de</strong>nominação é aprovada pela Congregação em<br />
04 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1999, em seguida também o é pelos colegiados<br />
superiores da UFRJ até que finalmente, em 18 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2004,<br />
pela portaria ministerial nº 3.239 do Sr.Ministro da Educação, a nova<br />
<strong>de</strong>signação ESCOLA POLITÉCNICA da UFRJ é <strong>de</strong>finitivamente aprovada<br />
16 .<br />
Após praticamente 70 anos, duas injustiças históricas e <strong>de</strong>srespeitosas<br />
para com a Escola e a sua Congregação foram finalmente<br />
reparadas.<br />
Atualmente a Escola Politécnica da UFRJ forma engenheiros em<br />
12 diferentes habilitações: civil, naval, ambiental, petróleo, metalur-<br />
16 Processo 23000.012405/2003-47 do Ministério da Educação<br />
105
Heloi José Fernan<strong>de</strong>s Moreira & Luiz Antonio Salgado Neto<br />
gia, materiais, produção, mecânica, elétrica, controle e informação,<br />
eletrônica e computação, apresentando o curso <strong>de</strong> engenharia civil<br />
quatro gran<strong>de</strong>s ênfases: construção civil, recursos hídricos e meio<br />
ambiente, transportes e gran<strong>de</strong>s estruturas.<br />
Passando por diferentes <strong>de</strong>nominações e ocupando diversos<br />
prédios, na Casa do Trem, no Largo <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula e na<br />
Cida<strong>de</strong> Universitária, ministrando ininterruptamente as bases do<br />
saber na área da engenharia, esta é a mais antiga instituição <strong>de</strong> ensino<br />
<strong>de</strong> engenharia e, também, <strong>de</strong> ensino superior do Brasil.<br />
Nela, ao longo dos <strong>seus</strong> 216 anos, estudaram e lecionaram<br />
notáveis e numerosos nomes da engenharia e da ciência nacional.<br />
Mais ainda, nos <strong>seus</strong> laboratórios foram feitas experiências pioneiras<br />
no Brasil, tais como a iluminação a gás <strong>de</strong> mamona, as primeiras<br />
aplicações <strong>de</strong> raios X, as primeiras ligações telefônicas, a primeira<br />
instalação telegráfica, a primeira iluminação elétrica no Brasil, etc.<br />
A história da Escola Politécnica da UFRJ é rica em fatos, feitos<br />
e vultos. Figuras notáveis como André, Antônio e José Rebouças,<br />
Paulo <strong>de</strong> Frontin, Pereira Passos e muitos e muitos outros tiveram<br />
intensa participação na vida nacional. Através dos <strong>seus</strong> personagens,<br />
a sua história, além daquela que se refere ao ensino e a técnica,<br />
permeia por inúmeras outras áreas do saber e das ativida<strong>de</strong>s<br />
humanas. Po<strong>de</strong>mos citar na educação Heitor Lyra e Paula Freitas,<br />
na literatura Lima Barreto, na geografia, etmologia e toponomia<br />
Teodoro Sampaio, na biblioteconomia Bastos Tigre, nas artes Leon<br />
Hirszman, Zelito Viana, Francis Hime, na religião D. Irineu e Gustavo<br />
Corção, na política Viscon<strong>de</strong> do Rio Branco, Miguel Calmon, Mauro<br />
Thibau, Maurício Joppert e Helio <strong>de</strong> Almeida, na economia Eugenio<br />
Gudin, Jorge Felipe Kafuri e Mario Henrique Simonsen, na geopolítica<br />
Everardo Backheuser, na matemática Joaquim Gomes <strong>de</strong> Souza,<br />
Jacob Pallis Júnior, Leopoldo Nachbin, Oto <strong>de</strong> Alencar, Malba Tahan,<br />
nas ciências físicas Henrique Morize e Lélio Gama e tantos e tantos<br />
outros exemplos, que apesar do nosso lamento nos sentimos obrigado<br />
a limitar por razões óbvias.<br />
106
Museu da Escola Politécnica<br />
Com cerca <strong>de</strong> 22.000 engenheiros formados a partir <strong>de</strong> 1874,<br />
é digno <strong>de</strong> nota a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> antigos e atuais professores e exalunos<br />
que criaram um profundo sentimento <strong>de</strong> amor pela instituição.<br />
Inúmeros livros, <strong>de</strong>poimentos, fotografias e textos foram por<br />
eles produzidos, registrando a memória e a importância da Escola<br />
para as suas vidas pessoal e profissional. Possuem a consciência que<br />
fizeram e fazem a história da Escola, e que ela fez a história <strong>de</strong> vida<br />
<strong>de</strong> cada um <strong>de</strong>les.<br />
A título <strong>de</strong> exemplos, transcrevemos dois textos produzidos<br />
por alguns <strong>de</strong>les:<br />
1º) Depoimento <strong>de</strong> Eugenio Gudin (turma <strong>de</strong> 1905) à Associação<br />
dos Antigos Alunos da Politécnica no Prédio do Largo <strong>de</strong> São<br />
Francisco <strong>de</strong> Paula em 26/06/1980:<br />
“Outra figura que evoco é a do porteiro. Quando a gente<br />
entrava aqui, topava com o velho Cirilo. Ele era um senhor<br />
escuro, alto, grandão, com barba, fraque preto e que tratava<br />
o estudante muito bem e, ao mesmo tempo, com muita consi<strong>de</strong>ração;<br />
era um homem extremamente bem dotado <strong>de</strong> trato.<br />
O porteiro, enquanto estive aqui, era uma figura querida dos<br />
alunos”.<br />
Recordações <strong>de</strong> um homem que teve importante projeção nacional,<br />
já no ocaso da sua existência, relembrando com muito carinho<br />
<strong>de</strong> uma figura que para aqueles que ainda não se aperceberam<br />
da sua própria existência, não teria importância na vida da Escola.<br />
2º) Parte do texto <strong>de</strong> abertura do Almanaque comemorativo<br />
do Jubileu <strong>de</strong> Prata da Turma formada em 1935:<br />
“Nos idos <strong>de</strong> 31<br />
Tremeu José Bonifácio<br />
No largo <strong>de</strong> S. Francisco<br />
De pé e costas p’rá Escola<br />
Não quis ver entrar os calouros,<br />
Da turma que logo a seguir<br />
107
Heloi José Fernan<strong>de</strong>s Moreira & Luiz Antonio Salgado Neto<br />
A alcunha temida ganhava:<br />
Engenheiros <strong>de</strong> um, nove, três, cinco.<br />
E <strong>de</strong> pé com o <strong>de</strong>do em riste<br />
Apontando pr’o vasto Brasil,<br />
Ficou cinco anos contados,<br />
A dizer aos calouros <strong>de</strong> então:<br />
- Saiam logo<br />
Vagabundos da Escola.<br />
O País está querendo vocês,<br />
Mostrem a todos que são os “can-cans”<br />
Salvem a Pátria que há anos eu vejo<br />
Precisando <strong>de</strong> “obreiros” bacanas.<br />
E o Zezé Bonifácio, o austero,<br />
De costas e <strong>de</strong> pé lá ficou<br />
Nos cinco anos seguidos<br />
Que na Escola vivemos a vida,<br />
De estudos (nem tantos… nem tantos…)<br />
De folguedos (aí sim… aí sim…)<br />
De greves, <strong>de</strong> bombas, <strong>de</strong> paus…<br />
De quebra <strong>de</strong> andaimes eternos<br />
Que a fachada da Escola escondia”.<br />
A turma <strong>de</strong> 1935 foi uma das mais ativas na vida da Escola.<br />
Comemoravam efusivamente os aniversários <strong>de</strong> formatura, caracterizando<br />
um profundo sentimento <strong>de</strong> afeição entre si e a instituição.<br />
Po<strong>de</strong>ríamos citar alguns nomes proeminentes na engenharia<br />
nacional, mas certamente cometeríamos injustiças. Naquela época<br />
era muito comum, entre os alunos da Escola, escrever sonetos, quadras<br />
e poesias, tendo sido Caio Soter Araújo um dos expoentes, com<br />
o seu famoso poema “EX-TUDO”.<br />
O Museu da Escola Politécnica<br />
Esse longínquo e resumido relato histórico sobre a Escola<br />
Politécnica, alguns dos <strong>seus</strong> alunos e fatos que nela ocorreram,<br />
108
Museu da Escola Politécnica<br />
<strong>de</strong>monstram a importância da existência do Museu da Escola Politécnica<br />
da UFRJ para a história da própria Escola, da UFRJ e da socieda<strong>de</strong><br />
brasileira. Sendo a mais antiga escola <strong>de</strong> engenharia do Brasil,<br />
a sua história contém bens acadêmicos e imateriais relativos à evolução<br />
do ensino da engenharia e aos <strong>de</strong>senvolvimentos científico<br />
e tecnológico que ocorreram no Brasil <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século XIX. Nesse<br />
sentido, o Museu se propõe a registrar a história do ensino da engenharia<br />
no Brasil e a própria existência e trajetória histórica da Escola<br />
Politécnica da UFRJ.<br />
Um aspecto que <strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>rado para se avaliar o papel<br />
e a importância do Museu da Escola Politécnica foi a transferência<br />
da Escola do Largo <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula para a Cida<strong>de</strong> Universitária<br />
na Ilha do Fundão e suas conseqüências. Ocorrida paulatinamente<br />
ao longo da década <strong>de</strong> 60, essa mudança foi uma gran<strong>de</strong><br />
aspiração e luta dos corpos discente e docente por mais <strong>de</strong> 30 anos.<br />
Sonhava-se com o gran<strong>de</strong> prédio na Cida<strong>de</strong> Universitária, projetado<br />
para sediar somente a ENE da UB, com instalações para comportar<br />
gran<strong>de</strong>s e mo<strong>de</strong>rnos laboratórios, prevendo-se acomodar em torno<br />
<strong>de</strong> 3.500 estudantes <strong>de</strong> engenharia.<br />
Confinada no velho casarão, sem condições <strong>de</strong> crescimento,<br />
a Escola já utilizava um prédio anexo na Rua Luiz <strong>de</strong> Camões para<br />
as instalações do seu laboratório <strong>de</strong> máquinas térmicas, local on<strong>de</strong><br />
hoje está instalado o Centro Cultural Helio Oiticica. Mais ainda, todas<br />
as aulas da área <strong>de</strong> eletricida<strong>de</strong> eram realizadas no prédio do<br />
Instituto <strong>de</strong> Eletrotécnica, situado na Praça da República, esquina<br />
com a Rua Viscon<strong>de</strong> do Rio Branco.<br />
No relatório relativo ao ano <strong>de</strong> 1937, apresentado pelo Diretor<br />
Prof. Luiz Cantanhe<strong>de</strong> <strong>de</strong> Carvalho Almeida 17 ao Exmo. Sr. Reitor da<br />
<strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil, assim o Diretor finalizou a parte introdutória:<br />
“Não é mais assunto <strong>de</strong> discussão a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> retirar<br />
do velho casarão do Largo <strong>de</strong> São Francisco a Escola Nacional<br />
17 Relatório da Escola Nacional <strong>de</strong> Engenharia, 1937<br />
109
Heloi José Fernan<strong>de</strong>s Moreira & Luiz Antonio Salgado Neto<br />
<strong>de</strong> Engenharia, que ainda se reparte por dois outros pontos da<br />
cida<strong>de</strong>, dificultando a sua administração.<br />
A fundação da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil, com o programa<br />
<strong>de</strong> construção da sua cida<strong>de</strong> universitária, é o primeiro passo<br />
para essas novas instalações <strong>de</strong> que tanto carece a nossa<br />
Escola para melhorar as condições do seu ensino, com mais<br />
recursos e instalações apropriadas.<br />
Realizado o programa do Governo atual das novas instalações<br />
da cida<strong>de</strong> universitária, estará a nossa Escola dotada<br />
<strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s e apropriados edifícios para o <strong>de</strong>senvolvimento do<br />
seu nobre e fecundo programa <strong>de</strong> ação”.<br />
Apesar das expectativas, a transferência foi traumática. Se <strong>de</strong><br />
um lado <strong>de</strong>sejava-se a expansão da Escola em um local mais amplo,<br />
por outro lado encontrava-se um prédio inacabado, com salas <strong>de</strong><br />
aula em obras, ausência até <strong>de</strong> simples bebedouros e, pior ainda,<br />
sem a menor possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alimentação, sem um mínimo <strong>de</strong><br />
meios <strong>de</strong> transportes, enfim um ambiente totalmente inóspito para<br />
todo o corpo social da instituição. A transferência foi realizada <strong>de</strong><br />
modo quase brutal e lembro pessoalmente <strong>de</strong> um dos relatos do<br />
Prof. Hugo Cardoso da Silva: “os livros da nossa biblioteca, muitos<br />
do século XIX, foram transferidos em caminhão aberto, transportados<br />
pela Av. Brasil, carregados e <strong>de</strong>scarregados da carroceria como<br />
se fossem tijolos <strong>de</strong> uma obra, por operários da construção do próprio<br />
prédio; inúmeros instrumentos dos laboratórios sumiram ou<br />
danificaram-se totalmente”.<br />
Talvez tenha sido a partir <strong>de</strong>ssa experiência que o corpo docente<br />
da instituição tomou consciência da importância <strong>de</strong> se ter um<br />
museu. Com a reforma universitária ocorrida ao final da década <strong>de</strong><br />
60, os regimentos das instituições foram reformulados para adaptarem-se<br />
à nova legislação. E então encontramos no Regimento da<br />
Escola <strong>de</strong> Engenharia da UFRJ 18 , aprovado pelo Conselho Universi-<br />
18 Relatório da Escola <strong>de</strong> Engenharia – Supl. Boletim da UFRJ nº 4, <strong>de</strong> 22/01/1972<br />
110
Museu da Escola Politécnica<br />
tário em 25/11/1971, o seguinte texto:<br />
“TÍTULO IX – Do Museu da Escola<br />
Art. 115 – Seis meses após a aprovação do presente Regimento,<br />
o Diretor da Escola fará criar em recinto próprio o Museu<br />
da Escola <strong>de</strong> Engenharia para custódia, exibição e estudo<br />
<strong>de</strong> tudo que a ela se refira e que se relacione com a evolução<br />
da engenharia e ciência afins, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua fundação.<br />
Parágrafo Único: O Museu assumirá a categoria <strong>de</strong> serviço<br />
permanente, tendo como Superinten<strong>de</strong>nte um Professor<br />
<strong>de</strong>signado pelo Diretor, com assessoramento do Bibliotecário-<br />
Chefe”.<br />
Observa-se, portanto, que a criação do Museu não se <strong>de</strong>u por<br />
uma iniciativa individual <strong>de</strong> algum docente, mas sim por sábia<br />
<strong>de</strong>cisão da Congregação da Escola, ciosa da importância em preservar<br />
a memória da instituição. Aproveitando-se da obrigatorieda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> reformular o seu regimento, por intermédio <strong>de</strong>le instituiu o seu<br />
Museu.<br />
Foto 1: Entrada do Museu da Escola Politécnica<br />
111
Heloi José Fernan<strong>de</strong>s Moreira & Luiz Antonio Salgado Neto<br />
Embora <strong>de</strong>vendo iniciar as suas ativida<strong>de</strong>s em abril <strong>de</strong> 1972,<br />
somente em torno <strong>de</strong> 1976, com as presenças das museólogas Veralucia<br />
Ferreira <strong>de</strong> Souza, Elza Freitas, Rosana Barreto <strong>de</strong> Siqueira<br />
Torres, Laís Blanck Drischel e o esfôrço da bibliotecária-chefe Zulei-<br />
Foto 2: Mobiliário do gabinete do<br />
Viscon<strong>de</strong> do Rio Branco<br />
<strong>de</strong>, o Museu da Escola Politécnica<br />
começou a ensaiar<br />
os <strong>seus</strong> primeiros passos<br />
institucionais. Mas, <strong>de</strong> fato,<br />
só tomou corpo a partir <strong>de</strong><br />
1978, sob a superintendência<br />
do Prof. Hugo Cardoso<br />
da Silva. Des<strong>de</strong> então situase<br />
em uma sala no 2º andar<br />
do Bloco A do prédio do<br />
CT, fazendo parte da administração<br />
central da Escola<br />
Politécnica.<br />
O acervo do Museu<br />
contem inúmeras peças,<br />
documentos e móveis dos<br />
séculos XIX e XX. São aparelhos, instrumentos e equipamentos <strong>de</strong><br />
laboratórios, maquetes confeccionadas por alunos, mo<strong>de</strong>los reduzidos<br />
<strong>de</strong> embarcações e locomotivas, diplomas e medalhas, quadros<br />
e álbuns <strong>de</strong> fotografias <strong>de</strong> formatura <strong>de</strong> turmas, réguas <strong>de</strong> cálculo<br />
e ábacos, sólidos geométricos e materiais para <strong>de</strong>senho, escrivaninhas<br />
e mesas, carteiras e bancos escolares, bustos, fotografias, livros<br />
<strong>de</strong> registro e documentos, retratos a óleo <strong>de</strong> catedráticos e diretores,<br />
quadros, etc.<br />
A foto 2 mostra o mobiliário do gabinete do Diretor Viscon<strong>de</strong><br />
do Rio Branco (1875 - 1876). Ao fundo, tela <strong>de</strong> Firmino Monteiro<br />
documentando o seu retorno da Europa em 1879.<br />
Existem também <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> engenheiros e professores<br />
sobre obras e projetos <strong>de</strong> engenharia, colhidos pelo Prof. Sydney<br />
Martins Gomes dos Santos, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> construir um pro-<br />
112
Museu da Escola Politécnica<br />
jeto <strong>de</strong> sua autoria <strong>de</strong>nominado Comissão Pró-Memória da Engenharia<br />
Nacional.<br />
Evi<strong>de</strong>ntemente a maior parte do acervo é proveniente da própria<br />
Escola Politécnica, mas não se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rar a gran<strong>de</strong><br />
contribuição que os ex-alunos têm dado. Lamentavelmente, na<br />
maioria das vezes são familiares <strong>de</strong> ex-alunos recém-falecidos que,<br />
ao tomarem conhecimento da existência do Museu, lhe oferecem<br />
as lembranças da Escola que o ex-aluno carinhosamente guardou<br />
ao longo <strong>de</strong> muitos anos.<br />
Fotos 3 e 4: Exposição sobre os sólidos geométricos do Prof. Alcyr Pinheiro Rangel<br />
As fotos 3 e 4 mostram a exposição que no momento está sendo<br />
realizada sobre os sólidos construídos pelo Prof. Rangel, intitulada<br />
O ”terror” nos antigos vestibulares. Nota-se as carteiras das salas<br />
<strong>de</strong> aula que existiam no Largo <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula ao final do<br />
século XIX.<br />
Deve-se observar também o importante papel <strong>de</strong>sempenhado<br />
pela Associação dos Antigos Alunos da Politécnica – A3P na preservação<br />
da memória da Escola. Entida<strong>de</strong> sem fins lucrativos e legalmente<br />
registrada como pessoa jurídica, foi criada em 1932 para<br />
fundamentalmente apoiar a Escola Politécnica nas suas realizações.<br />
Também como entida<strong>de</strong> congraçadora dos ex-alunos, publica bimensalmente<br />
um boletim que lhes é encaminhado com notícias<br />
atualizadas da Escola e <strong>de</strong> <strong>seus</strong> colegas. Isso alimenta o sentimento<br />
<strong>de</strong> afeição que os ex-alunos nutrem pela instituição. Ao tomarem<br />
conhecimento da existência e do papel do Museu, é comum doarem<br />
objetos e documentos relativos ao seu tempo <strong>de</strong> estudante.<br />
113
Heloi José Fernan<strong>de</strong>s Moreira & Luiz Antonio Salgado Neto<br />
A equipe atual do Museu é composta pelos Professores Heloi<br />
José Moreira , superinten<strong>de</strong>nte e Luiz Antonio Salgado Neto, responsável<br />
pelas Exposições Temáticas. Conta também com dois funcionários<br />
técnico-administrativos: Marli da Cruz Pardal, secretária e<br />
Zeugmar Ferreira da Silva, graduado em História. No recente concurso<br />
realizado pela UFRJ para provimento do quadro <strong>de</strong> servidores<br />
técnico-administrativos <strong>de</strong> nível superior, está prevista a chegada<br />
<strong>de</strong> museólogo à equipe.<br />
Referências<br />
BRASIL. Ministério da Educação. Processo 23000.012405/2003-47.<br />
ESCOLA NACIONAL DE ENGENHARIA. Anuário, 1956.<br />
ESCOLA NACIONAL DE ENGENHARIA. Relatório, 1937.<br />
LINS, Ivan. História do Positivismo no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional,<br />
1964.<br />
MOTTA, Jehovah. Formação do oficial do Exército. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Biblioteca do<br />
Exército, 2001.<br />
PARDAL, Paulo. BRASIL, 1792: início do ensino da engenharia civil e da Escola <strong>de</strong><br />
Engenharia da UFRJ. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Construtora Norberto O<strong>de</strong>brecht e Companhia<br />
Brasileira <strong>de</strong> Projetos e Obras, 1985.<br />
TELLES, Pedro Carlos da Silva. História da Engenharia no Brasil: séculos XVI a XIX.<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro: Edição do Clube <strong>de</strong> Engenharia, 1994.<br />
VERÍSSIMO, Ignácio José. André Rebouças através <strong>de</strong> sua auto-biografia. Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro: José Olympio, 1939.<br />
114
1. Introdução<br />
Museu da Química<br />
Professor Athos da Silveira Ramos: a<br />
memória da Química no Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
Júlio Carlos Afonso<br />
O Museu da Química Professor Athos da Silveira Ramos<br />
(1906-2002) foi inaugurado no dia 13 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2001, durante a<br />
IX Semana <strong>de</strong> Química do Instituto <strong>de</strong> Química da UFRJ. Ele tem por<br />
objetivo a preservação do passado histórico da Química em nosso<br />
país, particularmente no Rio <strong>de</strong> Janeiro, constituindo-se numa iniciativa<br />
pioneira no Brasil, já que não existe um museu consagrado<br />
exclusivamente à Química. O nome dado ao museu é uma homenagem<br />
a um dos fundadores do Instituto <strong>de</strong> Química da UFRJ, cujo<br />
cinqüentenário se dará em 2009.<br />
O Museu se insere <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> esforço do Instituto<br />
<strong>de</strong> Química em <strong>de</strong>senvolver suas linhas <strong>de</strong> extensão, aproximando<br />
suas realizações e capacida<strong>de</strong>s com a socieda<strong>de</strong> brasileira. Ele se<br />
apresenta em exposições itinerantes em eventos e em locais on<strong>de</strong><br />
um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> pessoas possa conhecer a trajetória da ciência<br />
química em nosso país. Além disso, o Museu é parte figurante<br />
do roteiro <strong>de</strong> visitas guiadas <strong>de</strong> escolas e grupos ao Instituto, e integra<br />
o calendário anual <strong>de</strong> recepção dos novos alunos dos cursos<br />
<strong>de</strong> graduação e <strong>de</strong> pós-graduação da unida<strong>de</strong>. Ele possui uma se<strong>de</strong><br />
provisória instalada no 7 o andar do bloco A do Centro <strong>de</strong> Tecnologia.<br />
Além disso, conta com uma sala <strong>de</strong>stinada à reserva técnica, no<br />
5 o andar do mesmo bloco.<br />
O acervo é representativo do momento político, sócio-cultural,<br />
técnico e econômico que a Ciência e a Tecnologia brasileira atravessaram<br />
nas últimas cinco décadas do século XIX e durante todo o<br />
século XX, particularmente no Rio <strong>de</strong> Janeiro, então Capital Fe<strong>de</strong>ral.<br />
115
Júlio Carlos Afonso<br />
Ele envolve, além do próprio Instituto <strong>de</strong> Química (1959), diversas<br />
instituições que lhe prece<strong>de</strong>ram no tempo no ensino e na pesquisa<br />
em Química: Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina do Rio <strong>de</strong> Janeiro (1812), Faculda<strong>de</strong><br />
Nacional <strong>de</strong> Farmácia (1933), Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Farmácia (1965);<br />
Escola Central (1858), Escola Politécnica (1874), Escola Nacional<br />
<strong>de</strong> Engenharia (1937), Escola <strong>de</strong> Engenharia (1965); Escola Militar<br />
(1874), Instituto Tecnológico do Exército (1935); Colégio Militar<br />
do Rio <strong>de</strong> Janeiro (1889); Colégio Pedro II (1837); Escola Superior<br />
<strong>de</strong> Agricultura (1922), Escola Nacional <strong>de</strong> Química (1933), Escola<br />
<strong>de</strong> Química (1965); Estação Experimental <strong>de</strong> Combustíveis e Minérios<br />
(1921), Instituto Nacional <strong>de</strong> Tecnologia (1934); Laboratório <strong>de</strong><br />
Produção Mineral (1933); <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Distrito Fe<strong>de</strong>ral (1935);<br />
Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia (1939); Escola Superior <strong>de</strong> Guerra<br />
(1949); Centro Brasileiro <strong>de</strong> Pesquisas Físicas (1949).<br />
O acervo contém atualmente cerca <strong>de</strong> 32.000 objetos, sendo:<br />
cerca <strong>de</strong> 3.400 reagentes; 3.500 aparelhagens e equipamentos <strong>de</strong>stinados<br />
às aulas práticas; 15.000 documentos relativos à trajetória<br />
da UFRJ, da Escola Superior <strong>de</strong> Agricultura e Medicina Veterinária,<br />
da Escola Técnica Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Química (atual CEFET-Química), da primeira<br />
Socieda<strong>de</strong> Brasileira <strong>de</strong> Química e da Associação Química do<br />
Brasil, esta última única do gênero no país; 10.300 livros cobrindo<br />
essencialmente as quatro últimas décadas do século XIX e as quatro<br />
primeiras do século XX. Essa coleção inclui obras clássicas e mesmo<br />
raras <strong>de</strong> notáveis cientistas como Einstein, Berthélot, Gibbs, Van <strong>de</strong>r<br />
Waals, Sommerfeld, Niels Bohr, Ostwald, etc. Somam-se a isso obras<br />
pioneiras <strong>de</strong> química e áreas afins publicadas no país por autores<br />
brasileiros, incluindo-se traduções <strong>de</strong> obras estrangeiras feitas aqui<br />
ou em Portugal. Cerca <strong>de</strong> 6% <strong>de</strong>sses livros contém “ex-libris” ou <strong>de</strong>dicatórias<br />
dos autores.<br />
A constituição inicial <strong>de</strong>sse acervo era baseada na coleta <strong>de</strong><br />
material <strong>de</strong> laboratório do Instituto, classificado como obsoleto/<br />
sucata. Após um período <strong>de</strong> quatro anos (1997-2000), atingiu-se<br />
um montante <strong>de</strong> 1.000 peças; após a classificação <strong>de</strong>sse material,<br />
116
Museu da Química Professor Athos da Silveira Ramos: a memória da Química no Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
lançou-se a idéia <strong>de</strong> criar um museu que pu<strong>de</strong>sse mostrar a química<br />
ao público em geral e relacioná-la com a história da própria<br />
UFRJ através das instituições do passado e <strong>de</strong> hoje que ministram<br />
a química como matéria <strong>de</strong> ensino ou <strong>de</strong> formação profissional.<br />
Com o tempo, graças à difusão do projeto do Museu junto ao meio<br />
acadêmico e a instituições externas à UFRJ, o acervo <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser<br />
baseado apenas em recolhimento <strong>de</strong> material inservível, mas hoje<br />
é predominantemente acrescido a partir <strong>de</strong> doações e legados <strong>de</strong><br />
coleções particulares e oficiais <strong>de</strong> empresas, instituições externas à<br />
UFRJ e ex-professores da <strong>Universida<strong>de</strong></strong>.<br />
2. Missão<br />
A preservação da memória história <strong>de</strong> uma dada instituição é<br />
um dos meios mais eficazes <strong>de</strong> divulgá-la e <strong>de</strong> <strong>de</strong>fendê-la junto à<br />
socieda<strong>de</strong>. Particularmente o Brasil ainda é um país pouco acostumado<br />
a valorizar o passado e a memória <strong>de</strong> suas instituições. A <strong>de</strong>spersonalização<br />
<strong>de</strong>ssas instituições po<strong>de</strong> ser entendida como um<br />
dos meios eficazes <strong>de</strong> acabar com a cultura <strong>de</strong> um povo, facilitando<br />
a sua <strong>de</strong>scaracterização e a assimilação por novos mo<strong>de</strong>los estranhos<br />
à sua vocação histórica. A Química é apenas um dos pontos<br />
que compõem o passado científico e tecnológico <strong>de</strong> um país, e a<br />
recuperação <strong>de</strong> sua memória tem revelado que, apesar <strong>de</strong> uma visão<br />
muitas vezes provinciana, o Brasil tem um passado rico na área<br />
química. Isso é a visão que dá suporte e justifica o uso do acervo em<br />
pesquisas e exposições.<br />
O Museu da Química tem dupla visão: na primeira, ele se volta à<br />
preservação da memória da própria UFRJ, pois se constitui num veículo<br />
capaz <strong>de</strong> divulgá-la e <strong>de</strong>fendê-la perante a própria socieda<strong>de</strong>,<br />
servindo como argumento <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa contra os <strong>de</strong>tratores do Ensino<br />
Superior Público, mostrando sua contribuição para o progresso do<br />
país através <strong>de</strong> importantes nomes que tiveram e têm <strong>de</strong>staque no<br />
cenário nacional e internacional; na segunda, as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> extensão<br />
aproximam as pessoas da Química; em geral, elas têm pouca<br />
117
Júlio Carlos Afonso<br />
ou nenhuma noção sobre esta ciência, e o emprego tanto <strong>de</strong> material<br />
histórico como a realização <strong>de</strong> experimentos didáticos simples<br />
contribuí para quebrar este paradigma arraigado em boa parcela<br />
da socieda<strong>de</strong>, mostrando como a Química está vivamente presente<br />
no cotidiano. Os próprios alunos que participam da equipe têm seu<br />
próprio testemunho. A participação nos eventos ajuda a <strong>de</strong>senvolver<br />
neles a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dialogar com todo tipo <strong>de</strong> público-alvo,<br />
<strong>de</strong> explicar em linguagem simples e acessível o acervo, a ciência<br />
química e a UFRJ às pessoas, e <strong>de</strong> combater a inibição e a insegurança<br />
quanto à postura diante do público. Não é <strong>de</strong> se estranhar que<br />
quase todos os alunos integrantes da equipe são (foram) do curso<br />
<strong>de</strong> Licenciatura em Química. Para eles, o trabalho no Museu ajuda<br />
<strong>de</strong>cisivamente na formação <strong>de</strong>sses futuros profissionais do ensino,<br />
dando-lhes uma visão muito além da formação intelectual.<br />
Em 2008, Ano Ibero-Americano dos Mu<strong>seus</strong>, o Museu da Química<br />
foi parte integrante <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s coor<strong>de</strong>nadas pelo Instituto<br />
do Patrimônio Histórico Nacional - IPHAN com vistas a divulgar este<br />
evento em todos os organismos <strong>de</strong>dicados à história e à memória<br />
nacionais.<br />
O acervo também serve como fonte <strong>de</strong> pesquisa, tanto em nível<br />
<strong>de</strong> disciplinas <strong>de</strong> graduação e <strong>de</strong> pós-graduação, como <strong>de</strong> monografias<br />
<strong>de</strong> mestrado e trabalhos <strong>de</strong> conclusão <strong>de</strong> curso <strong>de</strong> graduação<br />
(química, licenciatura em química e engenharia química).<br />
3. Ativida<strong>de</strong>s realizadas e em curso<br />
Des<strong>de</strong> 2001, foram realizadas 49 exposições itinerantes e 29<br />
mostras científicas (média <strong>de</strong> 11 eventos/ano), com cerca <strong>de</strong> 20.500<br />
visitantes até julho <strong>de</strong> 2008 (cerca <strong>de</strong> 3.000 pessoas/ano). Vinte e<br />
cinco estabelecimentos <strong>de</strong> ensino visitaram a se<strong>de</strong>. O acervo já<br />
serviu <strong>de</strong> suporte a duas dissertações <strong>de</strong> M.Sc em História das Ciências,<br />
das Técnicas e Epistemologia, e vinte trabalhos <strong>de</strong> alunos<br />
da disciplina “Evolução da Química” (ministrada para os Cursos <strong>de</strong><br />
Licenciatura em Química e Química). Até o momento, vinte e duas<br />
118
Museu da Química Professor Athos da Silveira Ramos: a memória da Química no Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
monografias <strong>de</strong> conclusão <strong>de</strong> curso <strong>de</strong> graduação (Licenciatura em<br />
Química e Química) foram apresentadas. Oito orientadores tiveram<br />
a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalhar com o acervo em questão. O Museu<br />
participou <strong>de</strong> sete eventos em que apresentou trabalho. Dez trabalhos<br />
completos foram publicados entre 2003 (capítulos <strong>de</strong> livros) e<br />
2004 (periódicos in<strong>de</strong>xados - Química Nova).<br />
Em médio prazo preten<strong>de</strong>-se que todo este acervo seja inserido<br />
na Base Minerva (www.minerva.ufrj.br), o banco <strong>de</strong> dados da<br />
UFRJ referente aos acervos das bibliotecas, arquivos e mu<strong>seus</strong> da<br />
<strong>Universida<strong>de</strong></strong>. Além disso, o Museu está integrado ao Projeto Gênese,<br />
elaborado pelo <strong>Sistema</strong> <strong>de</strong> <strong>Bibliotecas</strong> e Informação - SiBI/UFRJ,<br />
o qual prevê o resgate da memória da UFRJ.<br />
4. Descrição e datação das peças do acervo<br />
Uma vez recebidas as doações/legados, é feito o registro<br />
<strong>de</strong> todos os dados que i<strong>de</strong>ntifiquem o doador e a origem do material.<br />
Em seguida, é realizada uma pesquisa que <strong>de</strong>termina (ou estima)<br />
a época em que o mesmo foi produzido. As informações são<br />
finalmente digitadas em banco <strong>de</strong> dados; a exceção dos livros, os<br />
<strong>de</strong>mais itens do acervo se acham <strong>de</strong>ssa forma catalogados.<br />
A <strong>de</strong>terminação da origem dos materiais é <strong>de</strong> suma importância,<br />
pois ele po<strong>de</strong> dar informações sobre como esses materiais<br />
foram passados <strong>de</strong> uma instituição a outra, conforme o modo e a<br />
responsabilida<strong>de</strong> do ensino <strong>de</strong> química mudaram ao longo do tempo<br />
(fato esse particularmente notável na história da UFRJ). Isso se<br />
consegue por uma combinação <strong>de</strong> mecanismos: consulta a registros<br />
<strong>de</strong> patrimônio das unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> origem; testemunho pessoal<br />
<strong>de</strong> ex-alunos; docentes e técnico-administrativos aposentados;<br />
análise <strong>de</strong> fotografias antigas; consulta a catálogos <strong>de</strong> fabricantes<br />
e fornecedores; comparação com peças idênticas existentes em<br />
diversos locais (mu<strong>seus</strong>, salas <strong>de</strong> direção etc.). Seguindo tendência<br />
observada em mu<strong>seus</strong> europeus e norte-americanos, não são apenas<br />
introduzidas no acervo peças ditas “antigas”, mas também itens<br />
119
Júlio Carlos Afonso<br />
fabricados há relativamente pouco tempo (10-20 anos), <strong>de</strong>vido ao<br />
fenômeno da obsolescência rápida <strong>de</strong>sses mesmos itens.<br />
A maioria do acervo provém das antigas Escolas Nacionais <strong>de</strong><br />
Química e Farmácia, bem como da Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia.<br />
Fora da estrutura da UFRJ, as principais origens são o Colégio Militar<br />
do Rio <strong>de</strong> Janeiro (CMRJ) e a Associação Brasileira <strong>de</strong> Química<br />
(ABQ).<br />
4.1 Reagentes<br />
Marca característica <strong>de</strong> um laboratório químico, os cerca <strong>de</strong><br />
3.400 exemplares mostram uma perfeita noção da evolução das<br />
embalagens, dos rótulos e da quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produtos disponíveis<br />
comercialmente ao longo das décadas, sendo um retrato vivo <strong>de</strong><br />
como a química influenciou e influencia a vida em nosso dia a dia.<br />
Os reagentes mais antigos datam da década <strong>de</strong> 1870 (Figura 1).<br />
Figura 1: à esquerda: fosfato <strong>de</strong> sódio (Na 2<br />
HPO 4<br />
), procedência alemã (1951), reagente<br />
da Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia; ao centro: sulfato <strong>de</strong> “nickel e ammonea”<br />
(NH 4<br />
) 2<br />
Ni(SO 4<br />
) 2<br />
, procedência alemã (1924), usado na Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina do Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro; à direita: alizarina artifical (1918), da Escola Politécnica do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
(Largo <strong>de</strong> S. Francisco)<br />
120
Museu da Química Professor Athos da Silveira Ramos: a memória da Química no Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
4.2 Insumos <strong>de</strong> laboratório<br />
Correspon<strong>de</strong>m a toda uma varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> materiais: papéis<br />
<strong>de</strong> filtro, material <strong>de</strong> aquecimento, papéis <strong>de</strong> pH e universal, espátulas,<br />
réguas <strong>de</strong> cálculo químicas, mo<strong>de</strong>los atômicos, pinças, suportes,<br />
garras, vidrarias as mais diversas, etc. Neste último caso, é notável<br />
a percepção da evolução do instrumental <strong>de</strong> laboratório ao longo<br />
do tempo: do vidro sódico ao pirex, passando pelo vidro neutro. A<br />
forma <strong>de</strong> utilização e o <strong>de</strong>senho das peças <strong>de</strong> vidro também mostram<br />
mudanças, visando principalmente a eficiência e a segurança<br />
na condução dos experimentos. Nesta categoria (Figura 2) incluemse<br />
os termômetros e os <strong>de</strong>nsímetros, <strong>de</strong>ntre os quais se encontram<br />
as peças mais antigas do acervo (década <strong>de</strong> 1850).<br />
Figura 2: à esquerda: combustor (ca. 1930), oriundo da Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Farmácia;<br />
à direita: caixa <strong>de</strong> papel <strong>de</strong> filtro <strong>de</strong> procedência sueca, com a imagem <strong>de</strong> seu<br />
inventor J. J. Berzelius (ca. 1915), provavelmente oriundo da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina<br />
do Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />
4.3 Equipamentos<br />
Incluem balanças, centrífugas, bombas a vácuo, microscópios,<br />
refratômetros, sacarímetros, colorímetros, aparelhagens para<br />
aquecimento em geral, viscosímetros, medidores <strong>de</strong> pH, medidores<br />
<strong>de</strong> radiação etc. Uma das características mais marcantes é a eletrifi-<br />
121
Júlio Carlos Afonso<br />
cação dos instrumentos, como as centrífrugas, e esse fato é um dos<br />
que mais chamam a atenção dos visitantes ao Museu. Sempre que<br />
possível, catálogos, manuais e fotos ilustrativas <strong>de</strong> como os equipamentos<br />
eram empregados no passado são incluídos para a <strong>de</strong>scrição<br />
completa da peça.<br />
Figura 3: à esquerda: bomba a vácuo a manivela (ca. 1920), proveniente do Colégio<br />
Militar do Rio <strong>de</strong> Janeiro; à direita: sacarímetro da Escola Politécnica do Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />
1890.<br />
4.4 Acervo documental<br />
Dentre os diversos itens, <strong>de</strong>stacam-se: teses <strong>de</strong> concurso<br />
para o provimento <strong>de</strong> cátedras (disciplinas) <strong>de</strong> química da Escola<br />
Politécnica (anos 1920-1930); teses <strong>de</strong> concurso para o provimento<br />
<strong>de</strong> cátedras <strong>de</strong> química da Escola Nacional <strong>de</strong> Química (anos<br />
1940-1950); revistas da primeira Socieda<strong>de</strong> Brasileira <strong>de</strong> Química<br />
(1937-1944); acervo documental da Associação Química do Brasil<br />
(1939-1951); revistas e boletins da Associação Brasileira <strong>de</strong> Química<br />
(1951-1999); manuais <strong>de</strong> química mineral e <strong>de</strong> águas minerais do<br />
Brasil (1920-1929); enciclopédias <strong>de</strong> hidráulica e química industrial<br />
(1879-1896); catálogo <strong>de</strong> produtos para laboratório (1916-2001); fotografias<br />
<strong>de</strong> laboratórios <strong>de</strong> Química da Escola Politécnica (ca. 1910),<br />
da Escola Nacional <strong>de</strong> Química (1954-1962) e do Instituto <strong>de</strong> Química<br />
(1960-1970); catálogos do Instituto <strong>de</strong> Química (1963-1995); atas<br />
<strong>de</strong> exames orais <strong>de</strong> Química da Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia<br />
122
Museu da Química Professor Athos da Silveira Ramos: a memória da Química no Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
(1940-1950); anuários das unida<strong>de</strong>s da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil (atual<br />
UFRJ) dos anos 1940, 1950 e 1960; estatuto e regimento da <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />
do Brasil (1950); pautas <strong>de</strong> reuniões do Conselho Universitário<br />
(1955-1959); atos <strong>de</strong> regulamentação da Escola Técnica <strong>de</strong> Química<br />
(atual CEFET-Química - 1943-1946); Curso <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> professores<br />
para o Ensino Industrial pela Comissão Brasileiro-Americana<br />
para o Ensino Industrial (CBAI - 1947).<br />
Figura 4: à esquerda: carteira <strong>de</strong> estudante <strong>de</strong> Gelcyra Cardoso Bittencourt, (4º ano do<br />
Curso <strong>de</strong> Química Industrial da Escola Superior <strong>de</strong> Agricultura e Medicina Veterinária,<br />
1932); à direita: na época da transferência do Instituto <strong>de</strong> Química para o bloco A do<br />
Centro <strong>de</strong> Tecnologia (1968), parte do interior do prédio ainda estava em obras.<br />
4.5 Livros<br />
Cerca <strong>de</strong> 70% das obras está disponível para consulta imediata<br />
da comunida<strong>de</strong>; os 30% restantes exigem algum trabalho prévio <strong>de</strong><br />
higienização, sendo, por isso, <strong>de</strong> consulta e acesso restritos. Mais <strong>de</strong><br />
80% dos livros são da área <strong>de</strong> química, mas também existem obras<br />
das áreas <strong>de</strong> Engenharia, Medicina, Geologia, Geografia, Matemática,<br />
Física, Meteorologia, Farmácia, Arquitetura e Urbanismo, Ciência<br />
Política, Astronomia, Biologia e História.<br />
5. A Química em experimentos<br />
Após inicio da ativida<strong>de</strong>, em 2004, as experiências propostas<br />
visam <strong>de</strong>spertar nos visitantes o gosto e o interesse pela ciência<br />
química, <strong>de</strong>smistificando a idéia da Química como algo perigoso e<br />
ruim, e mostrando a sua forte presença no cotidiano <strong>de</strong> todos.<br />
123
Júlio Carlos Afonso<br />
As experiências são selecionadas <strong>de</strong> modo a impactar as<br />
pessoas pelo aparecimento (ou mudança) <strong>de</strong> cores, precipitados e<br />
<strong>de</strong>sprendimento <strong>de</strong> gases, empregando reagentes <strong>de</strong> baixo custo<br />
e <strong>de</strong> menor toxicida<strong>de</strong> possível (os resíduos dos experimentos são<br />
coletados e posteriormente tratados). Alguns experimentos <strong>de</strong> física,<br />
como pesagem em balanças, uso da eletricida<strong>de</strong> e magnetismo<br />
são também i<strong>de</strong>alizados e executados. Menciona-se também a<br />
constituição <strong>de</strong> uma Tabela Periódica on<strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 50 elementos<br />
químicos puros são exibidos.<br />
Além do foco centrado no visitante, estagiários e professores<br />
<strong>de</strong> ensino <strong>de</strong> ciências (nível fundamental) e <strong>de</strong> química (nível<br />
médio) vêm se beneficiando <strong>de</strong>ssa ativida<strong>de</strong>, pois elas auxiliam na<br />
inserção <strong>de</strong> novas práticas <strong>de</strong> ensino, acessíveis aos <strong>seus</strong> alunos.<br />
A inserção <strong>de</strong> material histórico mostra claramente a evolução da<br />
Química como ciência experimental, na busca <strong>de</strong> uma maior perfeição,<br />
e segurança na execução dos experimentos.<br />
Des<strong>de</strong> 2005 cresceu significativamente o número <strong>de</strong> participações<br />
do Museu em eventos escolares, particularmente feiras <strong>de</strong><br />
ciências e semanas culturais, bem como <strong>de</strong> visitas <strong>de</strong> escolas (públicas<br />
e privadas) à se<strong>de</strong> (Figura 5).<br />
Figura 5: à esquerda: alunos do Colégio Intellectus (unida<strong>de</strong> Vila Isabel) visitam o Museu<br />
em abril/2002, à direita, alunos do pré-vestibular Samora Michel visitam a se<strong>de</strong><br />
do Museu em agosto/2007.<br />
124
Museu da Química Professor Athos da Silveira Ramos: a memória da Química no Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
6. Desafios para o futuro<br />
O Museu da Química precisa <strong>de</strong> uma maior área para exposição<br />
permanente e guarda <strong>de</strong> seu acervo, facilitando não só o manuseio<br />
do mesmo, mas também a conservação, restauração e manutenção.<br />
Um dos <strong>de</strong>safios mais marcantes é dar consistência e valor a objetos<br />
que são muitas vezes partes <strong>de</strong> um acervo maior, disperso ou<br />
já parcialmente <strong>de</strong>struído. É preciso esgotar todos os mecanismos<br />
que visem i<strong>de</strong>ntificar e enquadrar <strong>de</strong>terminado objeto <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />
um contexto histórico.<br />
Investimentos se fazem necessários para a recuperação <strong>de</strong><br />
peças <strong>de</strong> laboratório e higienização/restauração <strong>de</strong> itens dos<br />
acervos bibliográfico e arquivístico, o que facilitará o registro e o<br />
reconhecimento <strong>de</strong>sse acervo junto ao IPHAN.<br />
7. Conclusão<br />
O Museu da Química Prof. Athos da Silveira Ramos cumpre<br />
uma missão que vai além <strong>de</strong> sua vocação natural para a extensão<br />
universitária: serve igualmente como fonte para pesquisas e como<br />
suporte didático, propiciando à sua equipe uma rica e variada experiência<br />
tanto acadêmica como cidadã.<br />
A sua proposta, ainda hoje inovadora no cenário nacional,<br />
permite que este projeto continue a cumprir a sua missão por muito<br />
tempo. A instalação em um espaço maior consolidará <strong>de</strong>finitivamente<br />
a sua vocação como um projeto voltado para a memória da<br />
ciência brasileira e da própria UFRJ.<br />
8. Agra<strong>de</strong>cimentos<br />
Ao Programa Institucional <strong>de</strong> Bolsas <strong>de</strong> Extensão (PIBEX/<br />
UFRJ) e ao Programa <strong>de</strong> Apoio ao Estudante (PAE/UFRJ) pela<br />
concessão <strong>de</strong> bolsas aos alunos participantes <strong>de</strong>ste projeto. Ao<br />
Conselho Nacional <strong>de</strong> Desenvolvimento Científico e Tecnológico<br />
CNPq pelo auxílio financeiro.<br />
125
Júlio Carlos Afonso<br />
9. Referência (trabalhos completos publicados com base<br />
no acervo do Museu)<br />
AFONSO, J.C.; AGUIAR, R.M.; GOMES, L.M.B. Análise química <strong>de</strong> sais <strong>de</strong> cobre<br />
fabricados entre 1877 e 1995, Quimica Nova, v.27, n. 4, p. 678-683, 2004.<br />
AFONSO, J.C.; AGUIAR, R. M. A evolução dos reagentes químicos comerciais através<br />
dos rótulos e frascos, Quimica Nova, v.27, n. 5, p. 837-844, 2004.<br />
AFONSO, J.C.; SILVA, R.M. A evolução da balança analítica, Quimica Nova, v.27,<br />
n. 6, p. 1021-1027, 2004.<br />
AFONSO, J. C.; PIRES, D. P. L.; CHAVES, A. B. Do termoscópio ao termômetro<br />
digital: 4 séculos <strong>de</strong> termometria, Quimica Nova, v.29, n. 6, p. 1393-1400, 2006.<br />
GAMA, M. S.; AFONSO, J. C. “De Svante Arrhenius ao peagâmetro figital: 100 anos<br />
<strong>de</strong> medida <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>z”, Quimica Nova, v. 30, n. 1, p. 232-239, 2007.<br />
LIMA, R. S.; PIMENTEL, L. C. F.; AFONSO, J. C. “Raios-x: fascinação, medo e<br />
ciência”, Quimica Nova, 2008. Revista no prelo.<br />
PIMENTEl, L. C. F.; et al. O inacreditável emprego <strong>de</strong> produtos químicos perigosos no<br />
passado”, Quimica Nova, v.29, n. 5, p. 1138-1149, 2006.<br />
PIRES, D. P.L.; CHAVES, A. B.; AFONSO, J. C. A termometria nos séculos XIX e XX,<br />
Revista Brasileira <strong>de</strong> Ensino <strong>de</strong> Física, v. 28, n. 1, p.101-114, 2006.<br />
SILVA, A. P.; SANTOS, N. P.; AFONSO, J. C. A criação do curso <strong>de</strong> engenharia química<br />
na Escola Nacional <strong>de</strong> Química, Quimica Nova, v.29, n. 4, p. 881-888, 2006.<br />
Todos os artigos estão disponíveis gratuitamente para acesso em :<br />
http://quimicanova.sbq.org.br/in<strong>de</strong>x.php<br />
http://www.sbfisica.org.br/rbef.<br />
126
Quando um museu dá samba:<br />
a popularização do Museu Nacional/UFRJ<br />
no carnaval carioca<br />
Introdução<br />
Regina Dantas<br />
O Museu Nacional, instituição científica mais antiga do país,<br />
criada por D. João VI em 1818 e incorporada à <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil<br />
em 1946 (atual <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro), se vê<br />
diante <strong>de</strong> um <strong>de</strong>safio: disseminar o conhecimento científico para a<br />
diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>seus</strong> visitantes. Um convite inesperado fez com que<br />
a Direção da instituição, através do professor Sérgio Alex Kugland<br />
<strong>de</strong> Azevedo e Wagner W. Martins, abraçasse a oportunida<strong>de</strong> ímpar<br />
<strong>de</strong> transformar a história do Museu Nacional em samba-enredo <strong>de</strong><br />
uma escola <strong>de</strong> samba para o Carnaval do Rio <strong>de</strong> Janeiro em 2008.<br />
Chama-se aqui <strong>de</strong> <strong>de</strong>safio a problemática da busca por melhores<br />
estratégias para a disseminação do conhecimento por parte dos<br />
mu<strong>seus</strong> (MENEZES, 2002).<br />
Em março <strong>de</strong> 2007, estávamos concluindo nossa dissertação<br />
<strong>de</strong> mestrado em Memória Social, na <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral do Estado<br />
do Rio <strong>de</strong> Janeiro (UNIRIO), sobre o Paço <strong>de</strong> São Cristóvão, do período<br />
<strong>de</strong> D.Pedro II até a sua transformação em Museu Nacional. Foi<br />
quando surgiu a proposta do carnavalesco Ricardo Netto do Grêmio<br />
Recreativo Escola <strong>de</strong> Samba Arrastão <strong>de</strong> Cascadura, <strong>de</strong> transformar<br />
a história da instituição em samba-enredo para o Carnaval 2008. Ficou<br />
<strong>de</strong>cidido, então, que a dissertação seria a estrutura teórica para<br />
a construção do enredo.<br />
A partir <strong>de</strong> então, foi criado um cronograma <strong>de</strong> trabalho que<br />
se <strong>de</strong>senvolveu ao longo <strong>de</strong> todo o ano. Iniciamos pela leitura da<br />
dissertação e i<strong>de</strong>ntificação dos principais personagens da história<br />
do palácio real e imperial. O segundo momento foi a percepção das<br />
127
Regina Dantas<br />
duas histórias que se unem: a história do Paço <strong>de</strong> São Cristóvão e a<br />
história do Museu Nacional (DANTAS, 2007), no viés da Memória Social<br />
(HALBWACHS, 1990). Assim, ficou acertado que o enredo seria<br />
dividido nestas duas partes: entre a memória do palácio enquanto<br />
um patrimônio histórico (ABREU, 2003; GONÇALVES, 2003; CHOAY,<br />
2001) e a história cientifica do Museu Nacional (LOPES, 1997).<br />
As Escolas do grupo C têm direito a três carros alegóricos e 16<br />
alas com 30 componentes cada. Diante <strong>de</strong>ste cenário, o próximo<br />
momento seria a <strong>de</strong>finição dos carros alegóricos e das fantasias.<br />
Entretanto, pelo calendário das Escolas <strong>de</strong> Samba, a <strong>de</strong>finição do<br />
samba enredo era o mais emergencial para dar tempo aos compositores<br />
para <strong>de</strong>senvolverem suas criações. Para isso, foi relevante o<br />
contato com o carnavalesco para passar os principais personagens<br />
que atuaram no palácio durante o século XIX, o papel <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque<br />
da instituição para as ciências no Brasil (AZEVEDO, 1994; NETTO,<br />
1870) e também propor alguns objetos (POMIAN, 1997; BRIGOLA,<br />
2003; GUIMARÃES, 2003) como <strong>de</strong>staque para o samba enredo.<br />
Após várias explicações sobre a história do Paço <strong>de</strong> São Cristóvão<br />
e a da instituição científica, em final do mês <strong>de</strong> maio estava<br />
escolhido o tema: Do Palácio Real ao Museu Nacional, 200 anos<br />
<strong>de</strong> história. Assim, a Escola do Grupo C também estaria seguindo a<br />
orientação da Liga das Escolas <strong>de</strong> Samba em homenagear os 200<br />
anos da vinda da Corte portuguesa para o Brasil.<br />
Ao longo dos meses <strong>de</strong> junho e julho, o carnavalesco foi elaborando<br />
sua proposta para o <strong>de</strong>senvolvimento da Escola. Sobre os<br />
carros alegóricos, a <strong>de</strong>finição não foi tão complexa <strong>de</strong>vido à <strong>de</strong>limitação<br />
dos números <strong>de</strong> carros (três) e <strong>de</strong>vido à história po<strong>de</strong>r ser dividida<br />
em duas partes, por isso, o primeiro carro anunciaria o palácio<br />
- o Paço <strong>de</strong> São Cristóvão - e os outros dois carros trariam símbolos<br />
emblemáticos que representariam a pesquisa científica do Museu<br />
Nacional. Quais seriam os dois símbolos mais marcantes da instituição<br />
Por se tratar <strong>de</strong> disseminação do conhecimento <strong>de</strong> um museu,<br />
um espaço <strong>de</strong> memória (NORA, 1993), tivemos que i<strong>de</strong>ntificar as sa-<br />
128
Quando um museu dá samba: a popularização do Museu Nacional/UFRJ no Carnaval carioca<br />
las mais visitadas da exposição. Como resposta obtivemos – a dos<br />
dinossauros e das múmias. Diante do exposto, o segundo carro traria<br />
um dinossauro e o terceiro (e último), um sarcófago. Assim, estaríamos<br />
sendo coerentes com a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> passada ao longo dos<br />
anos para os visitantes da instituição (CHAGAS & MYRIAM, 1940).<br />
Outra <strong>de</strong>finição importante foi a <strong>de</strong> contar a história do Paço<br />
e do Museu a partir da nossa dissertação, que em seu terceiro e<br />
último capítulo trata do Museu do Imperador; um total <strong>de</strong> quatro<br />
salas na residência imperial do monarca que representa seu espaço<br />
repleto <strong>de</strong> artefatos e objetos das ciências naturais e antropológicas,<br />
que apresenta assim, um novo perfil do imperador - um colecionista<br />
- que realizava visitas guiadas para naturalistas viajantes<br />
<strong>de</strong> diferentes países para conhecerem sua coleção (DANTAS, 2008;<br />
SCHWARCZ & DANTAS, 2008). Parte <strong>de</strong> sua coleção mineralógica e <strong>de</strong><br />
seu herbário foram herdados por sua mãe, a imperatriz Leopoldina<br />
(OBERACKER, 1973), e o acervo foi sendo aumentado <strong>de</strong>vido aos<br />
presentes recebidos por representantes <strong>de</strong> países que o visitavam,<br />
presentes em geral, trocas realizadas entre instituições <strong>de</strong> pesquisas<br />
e mu<strong>seus</strong> estrangeiros, além <strong>de</strong> objetos adquiridos em suas três<br />
viagens ao exterior .<br />
Durante o mês <strong>de</strong> agosto foram realizadas as reuniões com<br />
a ala dos compositores para apresentação e explicação do tema,<br />
além da contextualização das fantasias das alas diretamente relacionadas<br />
à dissertação <strong>de</strong> mestrado. Durante os meses <strong>de</strong> outubro<br />
e novembro, participei da escolha do samba enredo, aos sábados<br />
à noite, e o samba vencedor foi o que melhor contou a história que<br />
estava sendo proposta para o <strong>de</strong>sfile. Segue o samba-enredo vencedor<br />
do GRES Arrastão <strong>de</strong> Cascadura – Carnaval 2008:.<br />
ENREDO: “Paço <strong>de</strong> São Cristóvão: do Palácio Real ao Museu<br />
Nacional, 200 anos <strong>de</strong> história”<br />
AUTORES: Luquinha da Conceição/ Julinho Cá/ Nilson Lemos/<br />
Marquinho/ Cosminho/ Garcia/ Vanir Mec<br />
INTÉRPRETE: Marquinhos Silva<br />
129
Regina Dantas<br />
Em meu Brasil aportou<br />
Realeza chegou <strong>de</strong> Portugal<br />
A Quinta da mais bela vista<br />
Se fez moradia o Palácio Real<br />
Ilustres moradores <strong>seus</strong> feitos imortais<br />
Usaram a razão, <strong>de</strong>terminação conquistando i<strong>de</strong>ais<br />
Um grito ecoou, In<strong>de</strong>pendência a nação<br />
Liberda<strong>de</strong> é um direito em forma <strong>de</strong> oração<br />
Mas com o fim da monarquia<br />
O improvável aconteceu<br />
E o Paço quem diria se transforma em Museu<br />
Acervo sem igual, <strong>de</strong> arqueologia<br />
Evolução as etnias<br />
África <strong>de</strong> Daomé, Roma e <strong>seus</strong> gladiadores<br />
Os incas sucumbiram aos invasores<br />
Ben<strong>de</strong>gó caiu em terras da Bahia<br />
E Santos Dumont pra aviação renasceria<br />
Diversos exemplares a fauna e a flora em evidência<br />
Biblioteca <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> extensão incentivo à ciência<br />
Torá livro sagrado dos ju<strong>de</strong>us<br />
Antigo Egito no museu não precisa se assustar<br />
Estudantes, visitantes<br />
A múmia não vai te pegar<br />
Do Palácio Real ao Museu Nacional<br />
200 anos <strong>de</strong> história<br />
Trazendo a corte imperial<br />
Aí vem o Arrastão, almejando a vitória<br />
130
Quando um museu dá samba: a popularização do Museu Nacional/UFRJ no Carnaval carioca<br />
Em <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2007, iniciamos a jornada <strong>de</strong> visitas ao atelier<br />
para avaliar a elaboração das fantasias e ao barracão para acompanhar<br />
a montagem dos carros alegóricos (Figura 1).<br />
Figura 1 – À esquerda, as costureiras da Escola <strong>de</strong> Samba Arrastão <strong>de</strong> Cascadura e a<br />
montagem do carro alegórico do dinossauro, que daria início à história da instituição.<br />
O <strong>de</strong>senvolvimento do enredo da Escola a partir da escolha do<br />
tema e o contato com os componentes e membros da diretoria vão<br />
fazer parte do nosso trabalho, acompanhando a criação do carnavalesco<br />
e os <strong>de</strong>mais atores que <strong>de</strong>ram vida a uma dissertação sobre<br />
o Paço <strong>de</strong> São Cristóvão e o Museu Nacional.<br />
A história sendo construída<br />
Após a <strong>de</strong>finição dos carros alegóricos e a i<strong>de</strong>alização das fantasias<br />
por parte do carnavalesco Ricardo Netto, tivemos função<br />
relevante na orientação da construção do enredo para que, entre<br />
outras situações, não fossem cometidas distorções sobre a história<br />
do império – nosso cenário (NEVES, 1999).<br />
Um exemplo bastante interessante, que talvez nos auxilie para<br />
melhor ilustrar o papel do historiador em diferentes atuações, foi<br />
o fato da escolha dos temas para as fantasias. Após a <strong>de</strong>finição em<br />
separar a história em duas partes - história do Paço <strong>de</strong> São Cristóvão<br />
e a história do Museu Nacional - auxiliamos na indicação dos temas<br />
por alas. Assim, foi interessante separar a primeira ala para ser<br />
composta por integrantes do Museu Nacional. Cabe ressaltar que<br />
131
Regina Dantas<br />
Figura 2 – Primeira ala da Escola - D. Pedro I, composta por técnico-administrativos,<br />
docentes, alunos e estagiários do Museu Nacional/UFRJ.<br />
a ala primeira <strong>de</strong>veria aparecer na avenida com muita animação<br />
para dar o tom da Escola. Seria uma gran<strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> para<br />
os integrantes e também, para nós que ficamos responsáveis pela<br />
composição, organização e garantia <strong>de</strong> que todos apren<strong>de</strong>riam o<br />
samba-enredo para não <strong>de</strong>sclassificar a Escola.<br />
O casal <strong>de</strong> imperadores D. Pedro II e Teresa Cristina <strong>de</strong>veriam<br />
vir em <strong>de</strong>staque no carro-alegórico do Paço, <strong>de</strong>vido ao monarca ter<br />
nascido na residência e ter permanecido por mais tempo no palácio.<br />
Assim, D. Pedro I seria lembrado na primeira ala (composta por<br />
funcionários do Museu Nacional), e D. João VI e Carlota Joaquina<br />
seriam o primeiro casal <strong>de</strong> mestre-sala e porta-ban<strong>de</strong>ira. Cabe ressaltar<br />
que D. João VI, ao criar o Museu Real (atual Museu Nacional),<br />
marcou o <strong>de</strong>senvolvimento das ciências no Brasil (OLIVEIRA, 2005)<br />
e D. Pedro II fortaleceu esta iniciativa com <strong>seus</strong> estudos e viagens<br />
(BEDIAGA, 1999) incrementando o colecionismo científico.<br />
D. João VI também tem sua importância na aquisição da antiga<br />
residência que pertenceu ao luso-libanês Elie Antun Lubbus, nome<br />
132
Quando um museu dá samba: a popularização do Museu Nacional/UFRJ no Carnaval carioca<br />
aportuguesado para Elias Antonio Lopes (KHATLAB, 2002, p.19), e<br />
a sua posterior transformação no Paço <strong>de</strong> São Cristóvão, além da<br />
realização <strong>de</strong> aterramento e <strong>de</strong>mais melhorias no bairro.<br />
Aqui apresentamos um exemplo <strong>de</strong> distorção histórica i<strong>de</strong>ntificada<br />
por nós e <strong>de</strong>vidamente corrigida. Após a <strong>de</strong>ntificação dos temas<br />
<strong>de</strong> cada ala, foi marcada uma reunião no Museu Nacional para<br />
apresentação dos <strong>de</strong>senhos das fantasias. O <strong>de</strong>senho referente à<br />
primeira ala - D. Pedro I (Figura 3) - vinha com o esplendor com as<br />
ban<strong>de</strong>iras da República, o que seria um grave erro histórico. Assim<br />
substituímos por uma <strong>de</strong> cor ver<strong>de</strong> e outra <strong>de</strong> cor amarela.<br />
Figura 3 – <strong>de</strong>senho da ala D. Pedro I com as ban<strong>de</strong>iras da República, ao lado, a fantasia<br />
modificada com estagiários do Museu Nacional.<br />
As alas seguintes representariam as áreas <strong>de</strong> estudos <strong>de</strong> D. Pedro<br />
II: a biblioteca, a astronomia, a torá, explanadas na nossa dissertação<br />
sobre o cotidiano do monarca. A Biblioteca <strong>de</strong> Sua Majesta<strong>de</strong><br />
Imperial (Figura 4), composta <strong>de</strong> aproximadamente <strong>de</strong> 31.000 livros<br />
(CUNHA, 1966), foi iniciada com as obras trazidas para o Brasil por<br />
D. João VI (ex-libris da Real Biblioteca), obras adquiridas por sua<br />
mãe, dona Leopoldina, e complementada pelo segundo casal <strong>de</strong><br />
133
Regina Dantas<br />
imperadores (Ex-libris da Biblioteca Particular <strong>de</strong> Sua Majesta<strong>de</strong> Imperial).<br />
Inclusive, os livros faziam parte obrigatória <strong>de</strong> algumas <strong>de</strong><br />
suas imagens fotográficas ou em pinturas para compor a imagem<br />
do monarca-cidadão, associado à cultura e às ciências (SCHWARCZ,<br />
1998).<br />
Figura 4 – Ex-libris das obras que pertenceram a D. João VI e a D. Pedro II e à direita a<br />
representação da biblioteca do monarca.<br />
No Paço <strong>de</strong> São Cristóvão existiu um espaço <strong>de</strong> uso privado<br />
utilizado para as observações do monarca, localizado na parte externa<br />
do palácio, no terraço: o Observatório Astronômico do imperador.<br />
Construído em 1862 pelo engenheiro Francisco Joaquim<br />
Bettencourt da Silva, o Observatório era constituído <strong>de</strong> um quarto<br />
envidraçado localizado acima do torreão norte, contendo equipamentos<br />
necessários para a análise <strong>de</strong> corpos celestes. Nesse espaço<br />
totalmente transparente, o monarca utilizava diversos equipamentos,<br />
<strong>de</strong>ntre eles os que necessitavam da luz solar. Utilizamos para<br />
representar esta área <strong>de</strong> estudo do monarca dois objetos: o relógio<br />
<strong>de</strong> sol e o canhão do meio dia (Figura 5).<br />
Um material que figurou no museu do monarca, e que também<br />
lhe serviu como fonte <strong>de</strong> exercício para tradução do hebraico para o<br />
inglês, foi a Torá (Figura 6). O Museu Nacional <strong>de</strong>tém a guarda <strong>de</strong>sse<br />
material atualmente distribuída por nove rolos <strong>de</strong> couro contendo<br />
o texto bíblico, incompleto e escrito em hebraico. Acreditamos que<br />
a Torá tenha figurado na área oriental do museu do monarca, entre<br />
outros motivos, por seu significado religioso e cultural; pelas formas<br />
físicas das peças (suntuosida<strong>de</strong> típica <strong>de</strong> uma relíquia) e em razão<br />
do interesse ostensivo do Imperador pelo oriente.<br />
134
Quando um museu dá samba: a popularização do Museu Nacional/UFRJ no Carnaval carioca<br />
Figura 5 – À esquerda, o relógio <strong>de</strong> sol e o canhão do meio-dia, objetos que pertenceram<br />
ao Gabinete Astronômico do monarca. Ao lado, a fantasia representando os<br />
estudos <strong>de</strong> astronomia do imperador.<br />
Figura 6 – À esquerda, os rolos que compõem a Torah <strong>de</strong> D. Pedro II e, à direita, a sua<br />
representação no <strong>de</strong>sfile.<br />
A Princesa Isabel também foi representada a partir da atuação<br />
do trabalho escravo no <strong>de</strong>senvolvimento da economia e da cultura<br />
do período imperial (BARMAN, 2005), através da fantasia <strong>de</strong> negros<br />
embalando uma ban<strong>de</strong>ira com as inscrições “Lei Áurea”, simbolizando<br />
o ato <strong>de</strong> libertação dos escravos.<br />
A ala das Baianas, marco das escolas <strong>de</strong> samba, foi uma homenagem<br />
à imperatriz Leopoldina, favorável à criação do Museu Real<br />
e <strong>de</strong>stacando seu perfil colecionista com uma fantasia repleta <strong>de</strong><br />
flores (representando a botânica e o herbário herdado por seu filho,<br />
D. Pedro II) e <strong>de</strong> pedras (simbolizando os minerais, fazendo menção<br />
à sua coleção mineralógica também herdada por seu filho).<br />
Para <strong>de</strong>marcação da virada da história do Paço <strong>de</strong> São<br />
Cristóvão para a do Museu Nacional, foi colocado o segundo<br />
casal <strong>de</strong> mestre-sala e porta-ban<strong>de</strong>ira anunciando a chegada das<br />
135
Regina Dantas<br />
ciências. Em seguida, o segundo carro-alegórico foi o da réplica do<br />
dinossauro do projeto Dinossauros do Brasil do Museu Nacional.<br />
As <strong>de</strong>mais alas representaram as áreas do conhecimento do<br />
Museu Nacional e que aqui apresentaremos articulando-as com<br />
os objetos que pertenceram à instituição ou, em alguns casos, aos<br />
artefatos que figuraram no Museu do Imperador e que hoje também<br />
fazem parte do acervo do Museu Nacional. Esta articulação é justificada<br />
pelo <strong>de</strong>staque que a dissertação <strong>de</strong>u aos acervos do monarca<br />
que ficavam expostos em seu museu particular.<br />
A primeira ala representou a criação do Museu Real (atual<br />
Museu Nacional) com um objeto doado por seu criador, D. João VI:<br />
um trono recebido por ele pelo representante do rei <strong>de</strong> Daomé.<br />
Cabe <strong>de</strong>stacar que o Museu Real foi criado em 6 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1818,<br />
com forte atuação da imperatriz Leopoldina, e ficava localizado no<br />
Campo <strong>de</strong> Santana, tendo sido transferido para a Quinta da Boa<br />
Vista em 1892, após longa insistência do ex-diretor Ladislau Netto,<br />
que pretendia transferir o Museu Nacional para o prédio do antigo<br />
Paço <strong>de</strong> São Cristóvão (residência real e imperial) com intuito <strong>de</strong>,<br />
inclusive, se apropriar do acervo do Museu do Imperador.<br />
As <strong>de</strong>mais alas da Escola foram assim apresentadas: antropologia;<br />
botânica; entomologia, geologia/paleontologia e vertebrados.<br />
Não houve fantasias que representassem a área dos animais<br />
invertebrados.<br />
No Museu Nacional duas áreas do conhecimento estão unidas:<br />
a Geologia e a Paleontologia. A primeira foi abordada no sambaenredo<br />
através do meteorito <strong>de</strong> Ben<strong>de</strong>gó e a Paleontologia representada<br />
no carro alegórico que apresentaria a instituição científica.<br />
A botânica teve sua representação na ala <strong>de</strong> mesmo nome,<br />
com uma fantasia repleta <strong>de</strong> flores coloridas; a antropologia foi<br />
<strong>de</strong>stacada na ala das passistas, com a plumária indígena brasileira<br />
(Figura 7) e na fantasia dos componentes da bateria, os incas <strong>de</strong>staram<br />
as civilizações pré-colombianas nas Américas.<br />
136
Quando um museu dá samba: a popularização do Museu Nacional/UFRJ no Carnaval carioca<br />
Figura 7 – À esquerda, a plumária indígena brasileira e à direita, a ala das passistas.<br />
A arqueologia foi apresentada com a fantasia “ven<strong>de</strong>doras<br />
<strong>de</strong> ânforas” e “Vesúvio”, simbolizando a coleção greco-romana <strong>de</strong><br />
Tereza Cristina, que figurou no Museu do Imperador, e que marcam<br />
a presença <strong>de</strong>stes objetos arqueológicos existentes no Museu<br />
Nacional da UFRJ.<br />
Dando seguimento à apresentação das áreas do conhecimento<br />
da instituição cientifica, a entomologia participou do <strong>de</strong>sfile na ala<br />
das borboletas, e a sub-área da Zoologia - os vertebrados - estiveram<br />
presentes através da ala dos animais empalhados, com a fantasia<br />
da onça do mato.<br />
O terceiro e último carro alegórico fechava a apresentação trazendo<br />
um sarcófago estilizado, acompanhado por uma pequena ala<br />
coreografada com múmias. A próxima ala foi uma homenagem aos<br />
visitantes ilustres do Museu Nacional, <strong>de</strong>stacando a visita <strong>de</strong> Santos<br />
Dumont e o <strong>de</strong>staque <strong>de</strong> chão foi Albert Einstein. Finalizando, a ala<br />
que representa o motivo principal das exposições da instituição - os<br />
alunos das escolas públicas e privadas - que representam um número<br />
constante <strong>de</strong> visitação do museu ao longo do ano.<br />
Diante do exposto, a Escola <strong>de</strong> Samba Arrastão <strong>de</strong> Cascadura<br />
ficou assim apresentada:<br />
137
Regina Dantas<br />
1ª. Parte – Carro abre alas: Paço <strong>de</strong> São Cristóvão<br />
• D. Pedro II e Thereza Cristina (<strong>de</strong>staques);<br />
• D. Pedro I<br />
o<br />
• D. João VI e Carlota Joaquina (1 casal <strong>de</strong> mestre-sala e<br />
porta-ban<strong>de</strong>ira);<br />
• Estudos <strong>de</strong> D. Pedro II – Biblioteca, Gabinete <strong>de</strong> Astronomia<br />
e Torá;<br />
• Princesa Isabel;<br />
• Leopoldina.<br />
Cientistas (2 o casal <strong>de</strong> mestre-sala e porta-ban<strong>de</strong>ira).<br />
2ª. Parte – Carro Museu Nacional - Paleontologia<br />
• Criação do Museu Real;<br />
• Geologia;<br />
• Botânica;<br />
• Zoologia - Vertebrados;<br />
• Entomologia;<br />
• Antropologia:<br />
Arqueologia pré-colombiana;<br />
Etnologia indígena brasileira;<br />
Arqueologia das culturas mediterrâneas.<br />
3ª. Parte – Carro sarcófago:<br />
• Egito;<br />
• Visitantes ilustres;<br />
• Estudantes.<br />
E o Museu Nacional virou samba<br />
Após todos os <strong>de</strong>sdobramentos provenientes da construção<br />
da Escola para o <strong>de</strong>sfile, o nosso <strong>de</strong>safio agora era garantir a boa<br />
apresentação da primeira ala (<strong>de</strong> D. Pedro I) composta <strong>de</strong> servidores<br />
do Museu Nacional (docentes, técnico-administrativos, estagiários<br />
e alunos). Para motivar os participantes e garantir a presença <strong>de</strong><br />
todos, as fantasias <strong>de</strong>sta ala não foram distribuídas como <strong>de</strong> cos-<br />
138
Quando um museu dá samba: a popularização do Museu Nacional/UFRJ no Carnaval carioca<br />
tume, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> orientar os membros da ala sobre cada passo do<br />
<strong>de</strong>senvolvimento do samba, das fantasias e do barracão, foi organizada<br />
em minha casa uma concentração, sete horas antes do horário<br />
previsto para a realização do <strong>de</strong>sfile.<br />
Com isso, foi garantido que: os participantes não chegariam<br />
separadamente; que a montagem das fantasias seria padronizada;<br />
estaria garantida a animação e o conhecimento do samba-enredo;<br />
foi proposto e aprovado por todos, uma coreografia em um momento<br />
do samba; não houve ausências (dois servidores justificaram<br />
a ausência e foram substituídos por nossos estagiários) nem excessos<br />
com bebida alcoólica. A concentração, além <strong>de</strong> ter <strong>de</strong>senvolvido<br />
a motivação (principalmente para aqueles que teriam sua primeira<br />
experiência), promoveu uma coesão entre os participantes na relevante<br />
tarefa <strong>de</strong> representar o Museu Nacional.<br />
O <strong>de</strong>sfile foi realizado no dia 3 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2008, na avenida<br />
Inten<strong>de</strong>nte Magalhães, no bairro do Campinho, subúrbio carioca. A<br />
Escola <strong>de</strong> Samba Arrastão <strong>de</strong> Cascadura <strong>de</strong>sfilou à 1 hora da manhã<br />
e para aumentar a emoção, contou com a presença do professor e<br />
diretor geral do Museu Nacional, Sergio Alex Kugland <strong>de</strong> Azevedo<br />
e do professor Alex Kellner, ambos paleontólogos e que <strong>de</strong>sfilaram<br />
como integrantes da ala da Diretoria da Escola, emocionados por<br />
verem o Museu Nacional ser cantado na avenida pela população.<br />
Conclusão<br />
A repercussão no próprio Museu Nacional/UFRJ sobre a participação<br />
da instituição teve um impacto acima do esperado. A comunida<strong>de</strong><br />
queria maiores informações sobre o passo a passo para a<br />
transformação <strong>de</strong> uma dissertação sobre o Paço <strong>de</strong> São Cristóvão e<br />
o Museu Nacional/UFRJ em um enredo <strong>de</strong> escola <strong>de</strong> samba, que foi<br />
contemplado com a presente publicação. O Museu Nacional conseguiu<br />
vencer o <strong>de</strong>safio <strong>de</strong> popularizar as ciências através <strong>de</strong> ações<br />
consonantes com os anseios e a linguagem da socieda<strong>de</strong>. Sua participação<br />
no <strong>de</strong>sfile da Inten<strong>de</strong>nte Magalhães representou a possi-<br />
139
Regina Dantas<br />
bilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vivenciarmos uma perfeita e enriquecedora integração<br />
<strong>de</strong> uma instituição <strong>de</strong> pesquisa com uma região carente e popular<br />
do subúrbio carioca.<br />
A Escola <strong>de</strong> Samba Arrastão <strong>de</strong> Cascadura recebeu o título <strong>de</strong><br />
vice-campeã do Carnaval carioca <strong>de</strong> 2008 e <strong>de</strong>sfilará em 2009 na<br />
Marques <strong>de</strong> Sapucaí. O carnavalesco Ricardo Netto recebeu o prêmio<br />
<strong>de</strong> melhor enredo <strong>de</strong> 2008. Por nossa participação e envolvimento<br />
no trabalho, eu e o diretor do Museu Nacional/UFRJ recebemos<br />
a medalha <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque na participação no Carnaval 2008,<br />
como reconhecimento da Escola <strong>de</strong> Samba Arrastão <strong>de</strong> Cascadura.<br />
O presente trabalho foi apresentado no Seminário Memória,<br />
documentação e pesquisa, do <strong>Sistema</strong> <strong>de</strong> <strong>Bibliotecas</strong> e Informação<br />
da UFRJ (SiBI) , no Congresso da Associação Nacional dos Profissionais<br />
<strong>de</strong> História (ANPUH/RJ) e foi solicitada sua apresentação no<br />
Congresso Universidad 2010 em Havana - Cuba, como exemplo da<br />
popularização da pesquisa através da Extensão Universitária.<br />
Acreditamos que ao tornar pública a metodologia para a constituição<br />
da instituição em enredo e samba, possamos motivar os<br />
profissionais responsáveis pela guarda e preservação <strong>de</strong> objetos em<br />
mu<strong>seus</strong>, no sentido <strong>de</strong>, ao fazê-los conhecidos pela população, atribuir-lhes<br />
maiores significados e importância. O ofício do historiador<br />
e do pesquisador, quando integrado aos trabalhos populares, experimenta<br />
novas feições. Com rigor, critério e responsabilida<strong>de</strong>, mas<br />
livre dos constantes formalismos, típicos da aca<strong>de</strong>mia e das instituições<br />
científicas, adquire novos contornos, inesperadas nuances e<br />
múltiplas possibilida<strong>de</strong>s criadoras.<br />
140
Quando um museu dá samba: a popularização do Museu Nacional/UFRJ no Carnaval carioca<br />
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Crédito das imagens<br />
Autora - figuras – 1; 2; 3<br />
Cláudio Bastos – figura 5.<br />
Roosevelt Mota – Seção <strong>de</strong> Áudio-visual do Museu Nacional/UFRJ – figuras – 4 e 7.<br />
Site www.obatuque.com – figuras – 4 e 6.<br />
Site www.esquinadosamba.com.br – figuras – 5 e 7.<br />
143
O Museu D. João VI da Escola <strong>de</strong> Belas Artes<br />
da UFRJ - memória institucional<br />
Angela Ancora da Luz<br />
A história é narrativa <strong>de</strong> acontecimentos, conforme afirma<br />
Paul Veyne (1987), possuindo, entre outras características, natureza<br />
lacunar. Com o respaldo <strong>de</strong>stas afirmações preten<strong>de</strong>mos apresentar,<br />
a partir <strong>de</strong> uma narrativa, aquilo que pu<strong>de</strong>mos recolher em<br />
registros, entre as lacunas abertas pelo tempo, na falta <strong>de</strong> documentação<br />
suficiente, a qual procuramos suprir pela história oral, <strong>de</strong><br />
acordo com o que ouvimos <strong>de</strong> mestres mais antigos e, também, do<br />
que temos vivenciado, sobretudo no momento em que ocorreu a<br />
mudança da Escola <strong>de</strong> Belas Artes, do centro da cida<strong>de</strong> para a Ilha<br />
do Fundão. Assim, ao construir a história do Museu D.João VI, <strong>de</strong>sejamos<br />
refazer a história <strong>de</strong> uma coleção que guarda em si a memória<br />
institucional do ensino artístico no Brasil, procurando preencher<br />
algumas lacunas, sem a pretensão <strong>de</strong> ser a versão final dos fatos<br />
que a compõem.<br />
O Museu D.João VI foi criado em 1979, com um acervo que<br />
testifica o ensino da arte em nosso país. As obras que compõem<br />
sua coleção já pertenciam à Escola <strong>de</strong> Belas Artes, razão pela qual<br />
precisamos iniciar nossa narrativa pelo Decreto <strong>de</strong> 12 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong><br />
1816, quando D.João VI cria a Escola Real <strong>de</strong> Ciências, Artes e Ofícios.<br />
Naquele momento, a situação política na França era <strong>de</strong>licada. Em<br />
1815, com a queda <strong>de</strong> Napoleão Bonaparte, iniciava-se o período<br />
da Restauração. Os Bourbons estavam <strong>de</strong> volta ao po<strong>de</strong>r, conforme<br />
se contextualizava no âmago do Congresso <strong>de</strong> Viena, fazendo com<br />
que os bonapartistas não mais encontrassem <strong>seus</strong> espaços na França.<br />
Este era o caso do grupo <strong>de</strong> artistas que constituiria a Missão<br />
Francesa e que chegaria ao Brasil em 1816. A incerteza do futuro<br />
fez com que procurassem apoio externo. Para alguns historiadores<br />
Nicolas-Antoine Taunay teria escrito uma carta à rainha <strong>de</strong> Portu-<br />
145
Angela Ancora da Luz<br />
gal rogando-lhe a mediação, junto ao Príncipe-Regente D.João, <strong>de</strong><br />
modo a que estes artistas pu<strong>de</strong>ssem receber o convite e terem condições<br />
<strong>de</strong> trabalho. Para outros pesquisadores, a idéia teria partido<br />
do marquês <strong>de</strong> Marialva, através do naturalista Alexan<strong>de</strong>r Von Humboldt,<br />
sendo esta a versão mais citada.<br />
Com a acolhida <strong>de</strong> D. João, sensível à arte e <strong>de</strong>sejoso <strong>de</strong> contribuir<br />
para a afirmação da corte em terras brasileiras, observa-se o<br />
duplo interesse político convergindo para a consecução da vinda da<br />
Missão Artística Francesa ao Brasil. De um lado o grupo francês resguardando-se<br />
das possíveis conseqüências resultantes da inclinação<br />
bonapartista que caracterizava <strong>seus</strong> artistas, <strong>de</strong> outro o monarca<br />
português afirmando-se no panorama europeu, <strong>de</strong>pois da saída<br />
abrupta <strong>de</strong> sua corte, motivada pelo mesmo Napoleão, só que em<br />
tempos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. A criação <strong>de</strong> uma aca<strong>de</strong>mia atendia plenamente<br />
aos interesses dos dois lados, somando-se, ainda, o gran<strong>de</strong> impulso<br />
cultural que adviria da implantação do ensino artístico no Brasil.<br />
Sob a li<strong>de</strong>rança <strong>de</strong> Lebreton, que assumira as negociações, o<br />
grupo chega ao Brasil em 1816 para aten<strong>de</strong>r a finalida<strong>de</strong> traçada. Dez<br />
anos <strong>de</strong>pois, o prédio neoclássico para ela projetado por Grandjean<br />
<strong>de</strong> Montigny, seria inaugurado. Como o Brasil já havia se tornado<br />
in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, a Escola Real se torna Aca<strong>de</strong>mia Imperial das Belas<br />
Artes. As obras trazidas por D.João VI iniciam uma coleção que seria<br />
ampliada por Joachin Lebreton, que também a organiza formando<br />
assim o núcleo inicial do acervo artístico da Aca<strong>de</strong>mia Imperial das<br />
Belas Artes. Durante o século XIX outras obras seriam incorporadas<br />
ao patrimônio, por compra, doação e, sobretudo pelos prêmios <strong>de</strong><br />
viagem ao estrangeiro e pela produção dos pensionistas na Europa,<br />
já que estes <strong>de</strong>veriam enviar para a Aca<strong>de</strong>mia as obras que iam realizando,<br />
comprovando os benefícios do aperfeiçoamento técnico<br />
que a estadia e o convívio com os gran<strong>de</strong>s centros lhes propiciava.<br />
Os mestres da Missão Francesa iniciaram as aulas ainda sem um<br />
prédio próprio. É possível que tivessem começado em algumas salas<br />
<strong>de</strong> edifícios públicos, assim como é sabido que Debret e Grandjean<br />
146
O Museu D.João VI da Escola <strong>de</strong> Belas Artes da UFRJ<br />
<strong>de</strong> Montigny teriam alugado uma casa no centro da cida<strong>de</strong> para<br />
levarem à frente o projeto. Especula-se, ainda, que o ateliê <strong>de</strong> Debret,<br />
no Catumbi, possa ter servido, também, para esta finalida<strong>de</strong>.<br />
Contudo, o prédio projetado por Grandjean <strong>de</strong> Montigny para ser a<br />
Aca<strong>de</strong>mia Imperial das Belas Artes só viria a ser inaugurado em 5 <strong>de</strong><br />
novembro <strong>de</strong> 1826. Era um edifício em estilo neoclássico, situado<br />
na Travessa das Belas Artes, saindo da Travessa do Sacramento, atual<br />
Avenida Passos, próximo ao Rocio. Este prédio abrigou as primeiras<br />
coleções, tanto <strong>de</strong> obras artísticas como <strong>de</strong> livros e documentos.<br />
No início do Estado Novo ele seria <strong>de</strong>molido, restando, hoje, apenas<br />
o frontão que foi levado para o Jardim Botânico, local em que ainda<br />
se encontra.<br />
Entre 1906 e 1908 seria construído o novo prédio da Escola Nacional<br />
<strong>de</strong> Belas Artes 1 , <strong>de</strong> autoria do arquiteto Adolpho Morales <strong>de</strong><br />
Los Rios, na Avenida Central, hoje Avenida Rio Branco para on<strong>de</strong><br />
seria transferida a Escola. Um espaço digno do ensino da arte, com<br />
amplos ateliês, galerias com clarabóias, salas <strong>de</strong> aula iluminadas e<br />
uma pinacoteca, que “guardava o tesouro”, por assim dizer, <strong>de</strong> toda<br />
a coleção <strong>de</strong> obras que, a partir do núcleo inicial das 54 peças da<br />
coleção <strong>de</strong> Lebreton vinha se ampliando a cada ano.<br />
Nos ateliês e salas <strong>de</strong> aula preservava-se um outro acervo paralelo,<br />
que subsidiava a fundamentação teórica da arte que se <strong>de</strong>sejava<br />
transmitir, ficando exposto para servir <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo para os estudantes<br />
<strong>de</strong> arte. No campo da escultura, as moldagens diretas em<br />
gesso, tomadas <strong>de</strong> estátuas originais a partir <strong>de</strong> acordos permitidos<br />
com o Museu do Louvre, ocupavam as galerias e, como paradigmas<br />
silenciosos iam incutindo a exigência da norma e da regra como<br />
princípio canônico a ser perseguido. Mais uma vez, as moldagens<br />
dos ornatos em baixo-relevo ficavam à disposição do ensino <strong>de</strong><br />
arte. Desta forma, as peças <strong>de</strong> referência para o aprendizado da<br />
1 N.A. Com a Proclamação da República em 15 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1889 o nome da Aca<strong>de</strong>mia<br />
Imperial das Belas Artes ficara em <strong>de</strong>sacordo com o novo regime republicano,<br />
razão pela qual, a partir <strong>de</strong> 08/11/1890, a antiga Aca<strong>de</strong>mia Imperial torna-se Escola<br />
Nacional <strong>de</strong> Belas Artes.<br />
147
Angela Ancora da Luz<br />
arte alimentavam gota a gota, a visualida<strong>de</strong> dos iniciantes. As pare<strong>de</strong>s<br />
recebiam novas obras, pois a produção continuada garantia<br />
que bons exemplos fossem fixados motivando os futuros artistas e<br />
prosseguindo nesta or<strong>de</strong>m até 1937, quando foi criado o Museu Nacional<br />
<strong>de</strong> Belas Artes, pela Lei N.378 <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> janeiro daquele ano,<br />
assinada pelo presi<strong>de</strong>nte Getúlio Vargas. “Art. 48. Fica creado o Museu<br />
Nacional <strong>de</strong> Bellas Artes, <strong>de</strong>stinado a recolher, conservar e expor as<br />
obras <strong>de</strong> arte pertencentes ao patrimonio fe<strong>de</strong>ral”. 2<br />
Com a criação do Museu Nacional <strong>de</strong> Belas Artes separa-se a<br />
coleção. As obras que fundamentaram o ensino e estavam na Escola<br />
Nacional <strong>de</strong> Belas Artes ficaram com a instituição, as <strong>de</strong>mais, passaram<br />
ao abrigo do Museu permanecendo sob sua responsabilida<strong>de</strong><br />
até a presente data.<br />
Aos poucos houve a acomodação das instituições irmãs, que<br />
foram estabelecendo uma convivência complementar, pois cada<br />
uma emprestava à outra, uma parte <strong>de</strong> sua própria i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. A<br />
entrada principal, pela Avenida Rio Branco número 199 ficou para o<br />
acesso ao Museu Nacional <strong>de</strong> Belas Artes, enquanto que a portaria<br />
da Rua Araújo Porto-alegre tornou-se a entrada da Escola. Por ela<br />
era possível ir diretamente aos ateliês do térreo ou, subindo a escada,<br />
acessar a galeria principal que permitia a distribuição das salas<br />
<strong>de</strong> aula e administração. No terceiro andar ficava o Salão Nobre com<br />
suas ca<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> espaldar alto, utilizado pelas duas instituições para<br />
conferências ou aulas <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> assistência. No quarto andar, acessível<br />
pelo pequeno elevador ou por uma escada <strong>de</strong> ferro, ficavam<br />
alguns ateliês. Em 1965 ela passa a chamar-se Escola <strong>de</strong> Belas Artes,<br />
incorporando-se a <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Foi assim<br />
até 1975, ano da mudança da Escola para a Cida<strong>de</strong> Universitária, na<br />
Ilha do Fundão, sem qualquer infra-estrutura que possibilitasse um<br />
<strong>de</strong>stino menos traumático.<br />
Em pleno regime militar a Escola encerrou o período letivo <strong>de</strong><br />
1974 em seu prédio próprio, mas nele não iniciaria o ano seguinte.<br />
2 http://e-legis.anvisa.gov.br/leisref/public/showAct.phpid=19560&word= site<br />
consultado em 12/07/2008 : Lei N.378 - <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1937 / Art.48<br />
148
O Museu D.João VI da Escola <strong>de</strong> Belas Artes da UFRJ<br />
Se 1968 é chamado <strong>de</strong> “o ano que não acabou”, para a Escola <strong>de</strong> Belas<br />
Artes, 1975 po<strong>de</strong>ria ser conhecido como “o ano que não começou”.<br />
Naquela ocasião o arquiteto Thales Memória dirigia a Escola<br />
<strong>de</strong> Belas Artes, enquanto que a museóloga Maria Elisa Carrazzoni<br />
estava à frente do Museu Nacional <strong>de</strong> Belas Artes. Não havia uma<br />
consciência formada sobre a iminência do que estava por acontecer<br />
entre a maioria <strong>de</strong> <strong>seus</strong> professores e funcionários e o <strong>de</strong>sconhecimento<br />
quase total por parte dos estudantes. A Escola tinha acompanhado<br />
a cassação <strong>de</strong> <strong>seus</strong> três gran<strong>de</strong>s mestres: Quirino Campofiorito,<br />
Mário Barata e Abelardo Zaluar e mantinha-se em silêncio.<br />
Não havia representação estudantil e os colegiados eram restritos.<br />
Sabia-se muito pouco do que se passava na Escola <strong>de</strong> Belas Artes<br />
e as estátuas e telas, que tudo escutavam, nada contavam do que<br />
ouviam. Em abril houve a transferência. Na verda<strong>de</strong>, em <strong>de</strong>zembro<br />
do ano anterior, algumas reuniões estavam acontecendo sem que<br />
houvesse um planejamento maior.<br />
Em abril, quando os caminhões encostaram junto à entrada<br />
da Escola, as obras foram sendo retiradas, sem qualquer proteção<br />
maior. Não eram tombadas, sendo que algumas constavam apenas<br />
nas anotações preciosas do professor Alfredo Galvão. A separação<br />
do acervo obe<strong>de</strong>ceu ao critério estabelecido em 1937 com a criação<br />
do Museu, razão pela qual o que se encontrava nas salas e ateliês,<br />
proprieda<strong>de</strong> da Escola, foi levado com ela, que passou a ocupar uma<br />
parte do prédio da Reitoria, originalmente projetado por Jorge Machado<br />
Moreira para a Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Arquitetura, na Ilha da Cida<strong>de</strong><br />
Universitária. Com a Escola ficou, ainda, uma coleção preciosa, que,<br />
por termo testamentário <strong>de</strong>veria ser incorporada ao seu acervo, já<br />
que em 1947 a Escola Nacional <strong>de</strong> Belas Artes recebera, por doação,<br />
a Coleção Jerônimo Ferreira das Neves, com peças do Renascimento<br />
italiano, ibérico e flamengo, porcelanas da Companhia das<br />
Índias e marfins <strong>de</strong> Goa. A coleção <strong>de</strong> medalhística e <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhos<br />
ornamentais e arquitetônicos, bem como o acervo documental <strong>de</strong><br />
gran<strong>de</strong> interesse para a pesquisa em arte, tanto no campo teórico<br />
149
Angela Ancora da Luz<br />
como no aplicado, constituíam parte <strong>de</strong>sta herança cultural que se<br />
preservara na Escola e, conseqüentemente veio com ela para a Ilha<br />
do Fundão.<br />
“Estes acervos são o resultado do patrimônio acadêmico<br />
produzido pela Escola no período compreendido, principalmente,<br />
entre 1820 e 1920. Suas coleções reúnem a evolução<br />
e a produção artística dos séculos XIX e XX no Brasil e, em especial,<br />
no Rio <strong>de</strong> Janeiro, e reúne produções das escolas européias<br />
(Itália, França, Países-Baixos, Espanha e Portugal) datadas<br />
a partir do século XVI.” 3<br />
Como patrimônio da Escola estavam também as “obras raras”,<br />
que integravam a biblioteca <strong>de</strong> arte pertencente à instituição. Esta<br />
recebeu livros transferidos da Biblioteca Pública Imperial, sendo<br />
formada por doações que começaram com nossos imperadores,<br />
somando-se a <strong>de</strong> professores e suas famílias, a <strong>de</strong> artistas, a <strong>de</strong> ministros<br />
<strong>de</strong> Estado e outros diferentes doadores que tinham como<br />
ponto comum o interesse pela preservação da memória artística<br />
em benefício da pesquisa acadêmica. Obras raras como “Piranesi<br />
- Obras Completas”, “Montigny - Architecture Toscane”, “Martius -<br />
Flora Brasiliense”, estão entre os títulos <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> valor que fazem<br />
parte da biblioteca da EBA.<br />
Todo este acervo foi retirado do antigo prédio e transportado<br />
para o novo espaço sem as condições recomendáveis. As verbas<br />
<strong>de</strong>stinadas à mudança, pelo que se saiba, nunca chegaram, <strong>de</strong><br />
modo que a catastrófica saída foi efetivada sob os critérios mais improvisados<br />
possíveis, tendo como única garantia o amor <strong>de</strong> muitos<br />
professores pela escola, pelas obras <strong>de</strong> seu acervo, que lhes conferia<br />
o referencial simbólico <strong>de</strong> sua história. Havia sofrimento e silêncio.<br />
As moldagens diretas em gesso se avariavam com a acomodação<br />
<strong>de</strong> suas peças nos caminhões. As estátuas da galeria principal da<br />
Escola não pu<strong>de</strong>ram ser retiradas. Não havia lugar para elas no pré-<br />
3 http://www.eba.ufrj.br/in<strong>de</strong>x.phpoption=com_content&task=view&id=54&Itemi<br />
d=117 . Página da Escola <strong>de</strong> Belas Artes consultada em 11 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2008.<br />
150
O Museu D.João VI da Escola <strong>de</strong> Belas Artes da UFRJ<br />
dio <strong>de</strong> <strong>de</strong>stino, cujo programa arquitetônico fora concebido para a<br />
Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Arquitetura. Houve perda, sem dúvida alguma; extravios<br />
<strong>de</strong> variados matizes, sem que fosse possível <strong>de</strong>terminar sua extensão<br />
e o seu <strong>de</strong>stino. Muitas histórias eram contadas, mas não há<br />
provas materiais, pois não houve o tombamento anterior das obras<br />
que garantisse a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e existência material <strong>de</strong> cada uma, antes<br />
da transferência.<br />
Em 1976 assume a direção da Escola <strong>de</strong> Belas Artes o professor<br />
Almir Pare<strong>de</strong>s Cunha, que <strong>de</strong>sempenharia um papel fundamental<br />
para a instituição e a preservação do seu acervo, que estava espalhado<br />
e mal acomodado em <strong>de</strong>pósitos impróprios e inseguros.<br />
Além disso, as salas não eram condizentes às necessida<strong>de</strong>s do ensino<br />
artístico. Os ateliês <strong>de</strong> Gravura, por exemplo, localizados no<br />
sétimo andar, logo começaram a dar problemas, pois os ácidos utilizados<br />
na gravura em metal eram escoados pelas pias, corroendo<br />
o encanamento dos andares inferiores. As mesas que constituíam o<br />
mobiliário <strong>de</strong> época, não entravam nas salas mo<strong>de</strong>rnistas do prédio<br />
projetado para Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Arquitetura. Os cavaletes <strong>de</strong> Pintura se<br />
amontoavam nos espaços exíguos, impedindo o distanciamento do<br />
aluno, fazendo com que este fosse obrigado a pintar sempre muito<br />
próximo à tela. O professor Almir Pare<strong>de</strong>s Cunha foi conseguindo<br />
novos espaços, solucionando a transferência dos ateliês <strong>de</strong> Gravura<br />
e obtendo verbas para a aquisição <strong>de</strong> mobiliário a<strong>de</strong>quado aos espaços<br />
das salas. O problema do espaço para a Pintura só seria equacionado<br />
cerca <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos após e, ainda hoje, a falta <strong>de</strong> um prédio<br />
projetado para a Escola <strong>de</strong> Belas Artes, que atenda aos interesses <strong>de</strong><br />
uma Escola com gran<strong>de</strong> potencial para crescer, possibilitando sua<br />
melhor contribuição para a formação <strong>de</strong> novos artistas é o gran<strong>de</strong><br />
obstáculo que enfrentamos.<br />
O novo diretor possuía formação em museologia e logo se<br />
preocupou com a situação encontrada, sobretudo pelo alto risco<br />
que as peças corriam, nas condições que estavam. É <strong>de</strong>le a idéia<br />
<strong>de</strong> formar um Museu Didático que pu<strong>de</strong>sse reunir todo o acervo,<br />
conforme suas palavras:<br />
151
Angela Ancora da Luz<br />
“(...) Dessa vez ele serviria para consolidar a história da<br />
Escola, com <strong>seus</strong> métodos <strong>de</strong> ensino, e mostrar a obra <strong>de</strong> professores<br />
e alunos que por ela passaram. A idéia foi aprovada<br />
pela Congregação, recebendo o nome <strong>de</strong> Museu D. João VI,<br />
por sugestão do Professor Armando Sócrates Schnoor.” (TER-<br />
RA, 2003, p.30-31)<br />
Apesar da criação do Museu, homologada pela Congregação<br />
da Escola <strong>de</strong> Belas Artes, não havia lugar para a sua instalação. Mais<br />
uma vez coube ao diretor procurar e encontrar o local próprio:<br />
“Novamente fui buscar o local para o nosso museu, nos<br />
espaços <strong>de</strong>ixados ociosos no edifício projetado para a Faculda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Arquitetura e Urbanismo. Desta vez foi a biblioteca,<br />
que permanecera sem nenhuma função <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua construção.<br />
Consegui o espaço e a verba necessária e iniciou-se a<br />
montagem do museu, graças ao trabalho incansável e meticuloso<br />
da Professora Ecyla Castanheira Brandão, que <strong>de</strong>u uma<br />
organização museográfica que partia da Missão Francesa e<br />
chegava aos nossos dias, incluindo no conjunto da exposição<br />
uma série <strong>de</strong> objetos que fugiam à história do ensino artístico,<br />
mas que se integravam à da Escola, como por exemplo, a Coleção<br />
Jerônimo das Neves” (2003, p.31)<br />
A participação da Professora Ecyla Castanheira Brandão foi<br />
inestimável. Com <strong>de</strong>dicação e conhecimento ela fez do Museu D.<br />
João VI o projeto acadêmico <strong>de</strong> sua vida na Escola <strong>de</strong> Belas Artes. Só<br />
então foi possível se perceber, <strong>de</strong> modo palpável, o rico acervo que<br />
ainda possuíamos, e, mesmo sem i<strong>de</strong>ntificar as perdas que a mudança<br />
<strong>de</strong>sastrosa nos infringira, senti-las <strong>de</strong> modo agudo, avivando<br />
a consciência dos que permaneciam da responsabilida<strong>de</strong> que cabia<br />
a cada um.<br />
O mobiliário e os painéis foram projetados pelo professor<br />
Almir Ga<strong>de</strong>lha com o apoio <strong>de</strong> Salvador Galuzzi. Enfim, no dia 28<br />
<strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1979, a Escola <strong>de</strong> Belas Artes inaugura o seu museu,<br />
152
O Museu D.João VI da Escola <strong>de</strong> Belas Artes da UFRJ<br />
enquanto estudantes da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Arquitetura promovem um<br />
enterro simbólico do que seria a sua biblioteca. Feita <strong>de</strong> contrastes<br />
e afinida<strong>de</strong>s, a relação entre as duas unida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> alguma forma, se<br />
revitalizava. Contudo, o que parecia ser um local perfeito, rapidamente,<br />
<strong>de</strong>monstrou o seu contrário. As chuvas provocavam inúmeras<br />
goteiras e, apesar das sucessivas impermeabilizações, o material<br />
do telhado não resistia por muito tempo. Em breve o pesa<strong>de</strong>lo da<br />
água atormentava os sucessivos coor<strong>de</strong>nadores do Museu D. João<br />
VI.<br />
Nos quase trinta anos <strong>de</strong> sua existência, o Museu D. João VI<br />
passou por muitos problemas. A falta <strong>de</strong> verbas, os poucos funcionários,<br />
a insalubre reserva técnica, a precária re<strong>de</strong> elétrica e, sobretudo,<br />
a falta <strong>de</strong> segurança constituíam o grupo <strong>de</strong> vilões que atormentava<br />
o seu pleno funcionamento. Apesar <strong>de</strong> tudo, os sucessivos<br />
coor<strong>de</strong>nadores e a <strong>de</strong>dicação dos poucos funcionários, buscavam<br />
as condições i<strong>de</strong>ais para que se pu<strong>de</strong>sse inserir o museu no circuito<br />
cultural da cida<strong>de</strong>, tornando-o vivo e atual, na sua condição <strong>de</strong> ser<br />
um museu acadêmico. Era preciso repensar o Museu com o olhar<br />
da contemporaneida<strong>de</strong>, mas, para tanto, seria necessário, também,<br />
repensar o local em que se encontrava. Não se <strong>de</strong>veria separá-lo<br />
da Escola <strong>de</strong> Belas Artes, pois ele per<strong>de</strong>ria o sentido original que<br />
se queria manter, o <strong>de</strong> museu universitário, que servisse à pesquisa<br />
no campo da História da Arte Brasileira, porém, cada vez mais era<br />
evi<strong>de</strong>nte que não <strong>de</strong>veria ser mantido no mesmo espaço, para que<br />
ele pu<strong>de</strong>sse servir aos propósitos <strong>de</strong>sejados. Mais uma vez, a falta<br />
<strong>de</strong> espaço para a Escola impedia a implementação <strong>de</strong> <strong>seus</strong> projetos.<br />
Enclausurada entre as pare<strong>de</strong>s funcionais do edifício mo<strong>de</strong>rnista,<br />
ainda assim, a Escola <strong>de</strong> Belas Artes se expandia através <strong>de</strong> <strong>seus</strong> cursos<br />
e dos quase dois mil estudantes que a constituíam.<br />
Em 2004, a Professora Sonia Gomes Pereira, também museóloga,<br />
elaborou um novo projeto para o Museu D.João VI, que foi<br />
apresentado no ano seguinte à Petrobrás. Obteve-se a aprovação<br />
do mesmo e, assim, os recursos necessários finalmente chegaram<br />
para tornar possível a reforma <strong>de</strong>sejada, <strong>de</strong> modo a se formular um<br />
153
Angela Ancora da Luz<br />
outro mo<strong>de</strong>lo, mais ágil e voltado para o objetivo maior e primeiro:<br />
servir ao ensino da arte no Brasil.<br />
Mais uma vez a Escola <strong>de</strong> Belas Artes se <strong>de</strong>frontava com o mesmo<br />
problema: espaço. Como promover as reformas <strong>de</strong>sejadas no<br />
local em que o museu se encontrava De que adiantaria refazer o<br />
projeto museográfico se as goteiras não fossem eliminadas e a segurança<br />
não fosse um sonho, mas sim a realida<strong>de</strong> Quando Sonia<br />
Gomes Pereira me apresentou a idéia <strong>de</strong> levar o Museu para o sétimo<br />
andar do prédio, instalando-o no local da Biblioteca Alfredo<br />
Galvão, acolhi imediatamente a sugestão, passando a <strong>de</strong>senvolver<br />
as ações necessárias para sua realização. Sentia ser necessária uma<br />
mudança drástica. Como a Escola <strong>de</strong> Belas Artes já havia se posicionado<br />
a favor da integração <strong>de</strong> sua biblioteca com a da Faculda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Arquitetura e a do Instituto <strong>de</strong> Pesquisa e Planejamento Urbano<br />
e Regional, unida<strong>de</strong>s alocadas no edifício, julguei exeqüível a realização<br />
do projeto. Mas o espaço anterior era duas vezes maior do<br />
que aquele que iríamos ocupar. A Professora Marise Malta, arquiteta<br />
e professora da Escola <strong>de</strong> Belas Artes, juntou-se a Sonia Gomes<br />
Pereira, museóloga e historiadora da arte, iniciando o <strong>de</strong>safio <strong>de</strong><br />
154
O Museu D.João VI da Escola <strong>de</strong> Belas Artes da UFRJ<br />
equacioná-lo. Ela realizou o projeto para o novo Museu D.João VI,<br />
aten<strong>de</strong>ndo ao objetivo traçado <strong>de</strong> torná-lo uma gran<strong>de</strong> reserva técnica,<br />
que pu<strong>de</strong>sse ser visitada, que oferecesse aos pesquisadores,<br />
estudantes e professores a oportunida<strong>de</strong> do contato com a obra,<br />
tanto a artística quanto a documental, po<strong>de</strong>ndo-se, a partir daí abrir<br />
eficientemente o Museu.<br />
Sua inauguração está prevista para acontecer ainda este ano,<br />
possivelmente em novembro. O novo projeto museográfico permitirá<br />
ao estudioso da arte conhecer uma coleção íntegra, reunida<br />
num só local, tornando possível se mover com a segurança necessária,<br />
tanto nas obras raras, como nos arquivos <strong>de</strong>slizantes do acervo<br />
<strong>de</strong> papel ou, se <strong>de</strong>sejar, contemplar as pinturas e esculturas, nos<br />
<strong>seus</strong> trainéis e estantes. Toda a coleção que fundamenta o conhecimento<br />
sobre o ensino da arte no século XIX estará disponível, bem<br />
como o arquivo informatizado, em sala própria para a pesquisa.<br />
Hoje o Museu D.João VI já tem disponível três bancos <strong>de</strong> dados em<br />
sua base: Acervo, Guia <strong>de</strong> fontes bibliográficas e Personalida<strong>de</strong>s da<br />
Aca<strong>de</strong>mia. (http://www.djoaovi.ufrj.br/), sendo sua atual coor<strong>de</strong>nadora<br />
a museóloga Ana Maria M. <strong>de</strong> Alencar.<br />
155
Angela Ancora da Luz<br />
O Museu D.João VI ressurge como fênix <strong>de</strong> suas próprias cinzas<br />
e, assim como a ave mítica que simbolizava a esperança e a continuida<strong>de</strong>,<br />
a permanência e a imortalida<strong>de</strong>, ele se renova e se insere<br />
na exigência do mundo contemporâneo. Alheio às prerrogativas <strong>de</strong><br />
ser um museu tesouro, ele vai assumindo sua própria i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, a<br />
serviço da arte e do ensino e pesquisa. Como museu universitário<br />
ele se ajusta à exigência do tempo presente e, na eternida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um<br />
novo ciclo, se ergue redivivo como obra, que, por sua vez, dá testemunho<br />
do significado da Escola <strong>de</strong> Belas Artes para a formação do<br />
artista brasileiro, enquanto preserva nosso patrimônio cultural para<br />
as gerações futuras.<br />
Referências<br />
LUZ, Angela Ancora . Perspectivas contemporâneas para “um museu acadêmico”: a<br />
reforma do Museu D. João VI da Escola <strong>de</strong> Belas Artes. In: CONGRESSO DA AICA,<br />
41, 2007, São Paulo. Anais...São Paulo: USP, out. 2007.<br />
SEMINÁRIO DA ESCOLA DE BELAS ARTES, 180., 1998, Rio <strong>de</strong> Janeiro. Anais...<br />
Sônia Gomes Pereira (Org.). Rio <strong>de</strong> Janeiro: UFRJ, 1998.<br />
TERRA, Carlos Gonçalves (Org.). Arquivos da Escola <strong>de</strong> Belas Artes. Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />
n.16, 2003.<br />
VEYNE, Paul. Como se escreve a história. Lisboa: Edições 70, 1987.<br />
156
Arquitetura e acervos x<br />
Acervo <strong>de</strong> arquitetura<br />
Elizabete Rodrigues <strong>de</strong> Campos Martins<br />
João Cláudio Parucher<br />
Cláudio Muniz Viana<br />
O Núcleo <strong>de</strong> Pesquisa e Documentação (NPD) como “lugar <strong>de</strong><br />
memória” do curso <strong>de</strong> Arquitetura e Urbanismo da UFRJ, apresentou<br />
no seminário, i<strong>de</strong>alizado pela equipe do <strong>Sistema</strong> <strong>de</strong> <strong>Bibliotecas</strong><br />
e Informação (SiBI/UFRJ), as especificida<strong>de</strong>s relativas ao processo<br />
<strong>de</strong> criação <strong>de</strong>ste curso através <strong>de</strong> <strong>seus</strong> documentos específicos.<br />
Entretanto, em virtu<strong>de</strong> da peculiarida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> acervo, no<br />
qual misturam-se objetos cuja variação <strong>de</strong> suportes 1 e <strong>de</strong> técnicas 2<br />
ora os confere valor <strong>de</strong> obra rara, ora os i<strong>de</strong>ntificam como especializados<br />
- tal qual o <strong>de</strong> arquitetura que é a base para os complementares<br />
como: estruturas, instalações entre outros -, enten<strong>de</strong>u-se<br />
por elaborar uma exposição da organização quantitativa dos<br />
documentos. Ao contrário <strong>de</strong> uma apresentação técnica representada<br />
apenas por planilhas quantitativas, optou-se por ilustrá-las com<br />
trabalhos selecionados <strong>de</strong> ex-alunos, <strong>de</strong>pois arquitetos, <strong>de</strong> gran<strong>de</strong><br />
importância na consolidação da Arquitetura Mo<strong>de</strong>rna Brasileira. Por<br />
isso, o quantitativo ilustrado expressa a historiografia do campo e a<br />
do próprio NPD, mas se entremeia às biografias <strong>de</strong>stes profissionais<br />
relevantes para o ofício, ainda que <strong>de</strong> modo resumido.<br />
A idéia do campo da Arquitetura constituir um Acervo se<br />
originou na década <strong>de</strong> oitenta com a criação do Centro <strong>de</strong> Pesquisa<br />
e Documentação, <strong>de</strong>pois Núcleo <strong>de</strong> Pesquisa e Documentação,<br />
pelo diretor da FAU-UFRJ à época, arquiteto Ulysses Burlamaqui.<br />
Esta criação estruturava-se justamente na idéia da constituição <strong>de</strong><br />
1 papel canson, manteiga, vegetal <strong>de</strong> diferentes gramaturas, etc.<br />
2 aquarela, pastel, grafite, nanquim, canetas esferográficas e hidrocor, etc.<br />
157
Elizabete R. <strong>de</strong> Campos Martins, João C. Parucher e Cláudio M. Viana<br />
um acervo com fontes documentais especificas à disciplina para o<br />
<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> diferentes estudos no campo da historiografia,<br />
tanto na escala do edifício como na do urbanismo.<br />
Apesar do interesse em reunir e sistematizar a documentação,<br />
é interessante rememorar que durante o período do curso <strong>de</strong><br />
arquitetura compartilhado ao da ENBA, era exigido aos alunos realizar<br />
todos os trabalhos práticos nos ateliers da escola. Os <strong>de</strong>senhos<br />
eram fixados nas pranchetas, carimbados e assinados pelos professores<br />
da disciplina, mantendo a integral permanência dos alunos<br />
na própria escola como <strong>de</strong> parte substancial <strong>de</strong>ssa produção. Com<br />
estes originais se constituíram as “coleções”: alunos da ENBA -<br />
Escola Nacional <strong>de</strong> Belas Artes até 1944, FNA - Faculda<strong>de</strong> Nacional<br />
<strong>de</strong> Arquitetura <strong>de</strong> 1945 a 1965 e, da FAU - Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Arquitetura<br />
e Urbanismo a partir <strong>de</strong> 1966, quanto os específicos das disciplinas,<br />
geometria <strong>de</strong>scritiva, plástica, entre outros, os quais serão reorganizados<br />
nos períodos referentes a i<strong>de</strong>ntificação das escolas.<br />
Este processo foi pouco a pouco consolidando o Núcleo <strong>de</strong><br />
Pesquisa e Documentação - NPD - num importante Acervo <strong>de</strong><br />
Arquitetura, no qual estão tutelados “documentos-memória”<br />
<strong>de</strong> <strong>seus</strong> antigos discípulos, como diferentes fundos e coleções <strong>de</strong><br />
profissionais cuja atuação na constituição e consolidação do campo<br />
da arquitetura e da cida<strong>de</strong> foram <strong>de</strong> extrema relevância. Quer dizer,<br />
aqueles i<strong>de</strong>ntificados com a autoria dos “primeiros mo<strong>de</strong>rnistas”<br />
como, por exemplo, os <strong>de</strong> Jorge Machado Moreira, Carlos Leão e<br />
Affonso Eduardo Reidy.<br />
Na conservação dos <strong>de</strong>senhos, quer dos originais ou <strong>de</strong> cópias,<br />
adota-se o principio básico da inalterabilida<strong>de</strong> do tempo, da<br />
técnica e em função do estado físico <strong>de</strong> <strong>seus</strong> suportes, a intervenção<br />
é apenas realizada objetivando garantir a estrutura do suporte. O<br />
que requer o seguinte procedimento metodológico: higienização,<br />
catalogação (quando necessário), restauração, acondicionamento e<br />
a digitalização através <strong>de</strong> câmera fotográfica digital, resguardando<br />
os suportes e as técnicas da luz emitida por scanners.<br />
158
Arquitetura e Acervos x Acervo <strong>de</strong> Arquitetura<br />
O acervo do Núcleo <strong>de</strong> Pesquisa e Documentação atualmente<br />
se constituí <strong>de</strong> sete coleções e <strong>de</strong>zesseis fundos, totalizando 70.000<br />
documentos, incluindo <strong>de</strong>senhos, plantas técnicas, documentos<br />
pessoais e fotografias. Para tanto o processamento dos arquivos <strong>de</strong><br />
cada arquiteto é inserido <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um contexto <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrição documental,<br />
com vistas à padronização, conforme preconiza as normas<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>scrição entre instituições <strong>de</strong> memória. Esta <strong>de</strong>scrição é<br />
atrelada a uma possível regulação, mediante levantamento prévio,<br />
<strong>de</strong> indicação <strong>de</strong> autoria e produção sobre os conjuntos documentais<br />
existentes no Núcleo.<br />
Outra medida importante para regular as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrição<br />
é o levantamento dos documentos iconográficos, muitas vezes<br />
sem quaisquer pistas para sua i<strong>de</strong>ntificação, suscitando uma prospecção<br />
em cada imagem tornando-se possível filtrar atributos figurativos<br />
necessários à in<strong>de</strong>xação e posterior produção <strong>de</strong> palavraschaves<br />
utilizadas nas pesquisas das áreas específicas, <strong>de</strong> acordo<br />
com os gêneros documentais abaixo <strong>de</strong>scritos.<br />
Alunos da ENBA, FNA e FAU<br />
Coleção Plantas Desenho Catalogados Total<br />
ENBA , FNA<br />
e FAU<br />
2088 3632 2478 5720<br />
159
Elizabete R. <strong>de</strong> Campos Martins, João C. Parucher e Cláudio M. Viana<br />
Carlos Azevedo Leão<br />
Fundo Plantas Catalogados Total<br />
Carlos Leão 326 326 326<br />
Carlos Leão formado em arquitetura na turma <strong>de</strong> 1931 da Escola<br />
Nacional <strong>de</strong> Belas Artes. No início <strong>de</strong> sua carreira profissional<br />
colaborou no escritório <strong>de</strong> Lúcio Costa e Warchavchik.<br />
Após o término <strong>de</strong>sta socieda<strong>de</strong> continuou trabalhando com<br />
Lúcio Costa que o incluiu na equipe que projetou o Ministério da<br />
Educação e Saú<strong>de</strong>. E foi principalmente pela influência no convívio<br />
com Le Corbusier , consultor <strong>de</strong>ste projeto, que passou a imprimir<br />
em <strong>seus</strong> projetos traços com mais leveza e harmonia em <strong>seus</strong> trabalhos.<br />
Carlos Leão concebeu o projeto que serviu <strong>de</strong> base para a<br />
construção da Escola Naval e participou <strong>de</strong> outros gran<strong>de</strong>s projetos.<br />
Mas foi nos projetos <strong>de</strong> residências que Leão se <strong>de</strong>stacou e se<br />
<strong>de</strong>dicou por mais tempo. Projetou a residência Homero Souza e<br />
Silva em Cabo Frio com <strong>de</strong>talhes associados diretamente ao gosto<br />
<strong>de</strong> cada membro da família. Desenvolveu um trabalho para Carlota<br />
<strong>de</strong> Macedo Soares em que transcen<strong>de</strong>ra seu ofício <strong>de</strong> arquiteto e<br />
permitiu-se atuar como topógrafo no loteamento Samambaia em<br />
Petrópolis para a construção da residência. Contudo, Carlos Leão<br />
<strong>de</strong>senvolveu uma <strong>de</strong> suas habilida<strong>de</strong>s artísticas em outra categoria:<br />
o nu feminino. Desenvolveu esta arte com o auxílio <strong>de</strong> sua sobrinha<br />
Suzana <strong>de</strong> Moraes que o incentivara posando como mo<strong>de</strong>lo e no<br />
estímulo a seguir <strong>de</strong>senhando, o que lhe ren<strong>de</strong>u algumas mostras<br />
em exposições.<br />
160
Arquitetura e Acervos x Acervo <strong>de</strong> Arquitetura<br />
Jorge Machado Moreira<br />
Fundo Plantas Fotografias Catalogados Total<br />
Jorge M.<br />
Moreira<br />
2156 552 998 2708<br />
Formou-se pela Escola Nacional <strong>de</strong> Belas Artes em 1932. Iniciou<br />
sua carreira em meio ao antagonismo <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ais marcado pelos<br />
estilos neocolonial e o mo<strong>de</strong>rnismo, fazendo-se a<strong>de</strong>pto <strong>de</strong>ste. Fato<br />
que confirma isto é o seu ingresso na Construtora Baerlin, on<strong>de</strong> o<br />
gosto pelo neocolonial ainda <strong>de</strong>terminava os projetos. A partir <strong>de</strong><br />
alguns projetos com conceitos <strong>de</strong> arquitetura racionalista atrelados<br />
às condições sociais e princípios plásticos contemporâneos Jorge<br />
Machado passa a sinalizar com uma nova proposta para a arquitetura<br />
da época.<br />
Sua participação no projeto do Ministério da Educação e Saú<strong>de</strong>,<br />
<strong>de</strong>terminante em sua carreira pelo contato com Le Corbusier e<br />
Lúcio Costa foi a confirmação do estilo com linguagem mo<strong>de</strong>rna.<br />
As construções <strong>de</strong> monoblocos gigantes para instituições foram<br />
a marca <strong>de</strong> sua arquitetura para selar um novo estilo encontrado<br />
pelas cida<strong>de</strong>s que projetou. Fato que culminou com o seu ingresso<br />
como arquiteto-chefe no escritório técnico da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do<br />
Brasil para <strong>de</strong>senvolver o projeto da Cida<strong>de</strong> <strong>Universida<strong>de</strong></strong>.<br />
161
Elizabete R. <strong>de</strong> Campos Martins, João C. Parucher e Cláudio M. Viana<br />
Affonso Eduardo Reidy<br />
Fundo Plantas Negativos Fotografias Catalogados Total<br />
A.E.Reidy 69 26 350 445 445<br />
Nasceu em 1909 em Paris, filho <strong>de</strong> pai inglês e mãe brasileira.<br />
Formou-se pela ENBA em 1930, ano em que foi premiado com o<br />
Grau Máximo, concurso realizado ao final da graduação. Pelo trabalho<br />
intitulado Palácio <strong>de</strong> Convenções Rotarianas, Reidy recebeu<br />
medalha <strong>de</strong> ouro na ENBA e medalha <strong>de</strong> prata no IV Congresso Panamericano<br />
<strong>de</strong> Arquitetos, seção escolar, realizado em 1930 na cida<strong>de</strong><br />
do Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />
Reidy atuou mais como arquiteto funcionário público no Município<br />
do Rio <strong>de</strong> Janeiro durante sua vida profissional e com sua<br />
arquitetura ajudou a interferir no novo cenário que se <strong>de</strong>scortinava<br />
sobre um novo tempo e <strong>de</strong> uma nova tendência, através <strong>de</strong> uma<br />
arquitetura racionalista. Mas <strong>de</strong>stacara-se também no campo urbanístico,<br />
on<strong>de</strong> fora encarregado a dar seqüência aos projetos do<br />
urbanista francês Alfred Agache.<br />
Fazer uma arquitetura social e econômica era uma marca <strong>de</strong><br />
seu trabalho, o projeto do Conjunto Resi<strong>de</strong>ncial <strong>de</strong> Pedregulho <strong>de</strong>monstra<br />
bem essa característica, com conceitos que apontam soluções<br />
para famílias <strong>de</strong> baixa renda em um espaço que congrega<br />
serviços <strong>de</strong> educação, saú<strong>de</strong>, lazer e comércio como forma a facilitar<br />
a vida daquelas famílias menos favorecidas.<br />
162
Arquitetura e Acervos x Acervo <strong>de</strong> Arquitetura<br />
Reidy morreu prematuramente em 1964 aos cinqüenta e cinco<br />
anos antes <strong>de</strong> ver a conclusão da obra do Museu <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna<br />
do Rio <strong>de</strong> Janeiro, um <strong>de</strong> <strong>seus</strong> principais projetos ao lado da engenheira<br />
e companheira Carmem Portinho.<br />
Severiano Mario Porto<br />
Fundo Plantas Quadros Fotografias Catalogados Total<br />
Severiano<br />
M. Porto<br />
45000 103 186 45128 45289<br />
Formou-se pela Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Arquitetura pela <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />
do Brasil (atual UFRJ), em 1954. Ganhou reconhecimento<br />
através <strong>de</strong> sua arquitetura sustentável, utilizando-se <strong>de</strong> técnicas e<br />
materiais que valorizavam, sobretudo, abordagem holística sobre<br />
as condições da região Amazônica. A ma<strong>de</strong>ira, alguns procedimentos<br />
dos nativos, o clima e os recursos naturais da região associados<br />
às tecnologias mo<strong>de</strong>rnas <strong>de</strong>terminaram essa arquitetura que conjuga<br />
conceitos ecológicos às soluções simples e eficientes.<br />
Dentre tantos projetos que po<strong>de</strong>m confirmar esse tipo <strong>de</strong> arquitetura,<br />
o projeto da Pousada Silves traduz a forma como Severiano<br />
Mário Porto trabalhou e transformou um espaço <strong>de</strong> difícil acesso<br />
e distante 50 minutos <strong>de</strong> Manaus em uma opção <strong>de</strong> lazer e promoção<br />
<strong>de</strong> empregos. Utilizou material e mão <strong>de</strong> obra local e medidas<br />
163
Elizabete R. <strong>de</strong> Campos Martins, João C. Parucher e Cláudio M. Viana<br />
para não agredir o meio ambiente. A estrutura da Pousada contou<br />
com ma<strong>de</strong>iras que foram utilizadas <strong>de</strong> forma in natura na estrutura<br />
da construção.<br />
Em 1968 Severiano fundou escritório <strong>de</strong> arquitetura com seu<br />
colega, da FNA, Mário Emílio Ribeiro, parceria que durou até novembro<br />
<strong>de</strong> 1989. A se<strong>de</strong> ficava em Manaus e sua filial no Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />
Em 2003 foi agraciado com título <strong>de</strong> Professor Honoris Causa<br />
pela FAU-UFRJ.<br />
Ulysses Bularmaqui<br />
Fundo Plantas Plantas cópias Fotografias Total<br />
Ulysses<br />
Bularmaqui<br />
1100 147 186<br />
Desenhos Mapas Catalogados<br />
500 216 929<br />
3078<br />
Ulysses Petrônio Burlamaqui formou-se em arquitetura, pela<br />
Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Arquitetura – UFRJ (atual FAU), no ano <strong>de</strong><br />
1950. Foi professor <strong>de</strong> Planejamento <strong>de</strong> Arquitetura nesta instituição<br />
a partir <strong>de</strong> 1951. Durante sua gestão como Diretor da FAU, na<br />
164
Arquitetura e Acervos x Acervo <strong>de</strong> Arquitetura<br />
década <strong>de</strong> 1980, fundou o Centro <strong>de</strong> Pesquisa e Documentação,<br />
atual Núcleo <strong>de</strong> Pesquisa e Documentação, em 14 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1982.<br />
Dentre mais <strong>de</strong> uma centena <strong>de</strong> projetos realizados <strong>de</strong>stacamse:<br />
Centro Científico da CTB, em Botafogo; Residência Roberto<br />
Campos na Gávea Pequena; Conjunto Habitacional na Estrada do<br />
Tambá - RJ; Escolas Pré-Fabricadas nos subúrbios do Rio.<br />
Obteve como principais premiações: Menção Honrosa no Congresso<br />
Internacional <strong>de</strong> Arquitetura – Perú – Lima em 1948; Concurso<br />
<strong>de</strong> estudantes – IAB em 1949; Concurso Internacional Peugeot<br />
– Buenos Aires em 1962 (colaborador Marcos Kon<strong>de</strong>r Neto); Prêmio<br />
IAB em 1963; Prêmio Shell <strong>de</strong> Arquitetura em 1963; Prêmio anual<br />
IAB em 1964; 2° lugar no Concurso Casa da Moeda – Rio em 1971<br />
(colaborador Alexandre Chan e Roberto Cavalcanti); 1° lugar no<br />
Concurso Privado UEB-CENTER – Rio em 1973 (coladorador Alexandre<br />
Chan) que originou o projeto do Rio Sul Shopping Center.<br />
Irmãos Roberto<br />
Fundo Plantas Negativos Fotografias Sli<strong>de</strong>s Total<br />
MMMRoberto 524 936 2973 1024 5457<br />
165
Elizabete R. <strong>de</strong> Campos Martins, João C. Parucher e Cláudio M. Viana<br />
Francisco Bolonha<br />
Fundo Plantas Negativos Fotografias Total<br />
Francisco<br />
Bolonha<br />
Stélio Alves <strong>de</strong> Souza<br />
1183 14 197 1394<br />
Fundo Plantas Desenhos Mapas Catalogados Total<br />
Stélio Alves<br />
<strong>de</strong> Souza<br />
520 101 70 413 691<br />
Morales <strong>de</strong> Los Rios<br />
Fundo Plantas Catalogados Total<br />
Morales <strong>de</strong> Los Rios 97 97 97<br />
166
Arquitetura e Acervos x Acervo <strong>de</strong> Arquitetura<br />
Rolf Werner Huther<br />
Fundo Plantas Catalogados Total<br />
Rolf Werner<br />
Huther<br />
1500 *** 1500<br />
Aldary Henriques Toledo<br />
Fundo Plantas Catalogados Total<br />
Aldary H. Toledo 1500 247 1500<br />
167
Elizabete R. <strong>de</strong> Campos Martins, João C. Parucher e Cláudio M. Viana<br />
Os Acervos Técnicos, no qual se inclui os <strong>de</strong> Arquitetura, ganham<br />
importância tornando-se objeto para a reflexão <strong>de</strong> arquivistas,<br />
historiadores e arquitetos, bem como <strong>de</strong> diferentes instituições<br />
que vêm se preocupando com a expansão <strong>de</strong>ste arquivo especializado,<br />
como é o caso do Centro George Pompidou em Paris. No país,<br />
diferentes instituições já sinalizam a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> organizar <strong>seus</strong><br />
acervos, como é o caso da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Juiz <strong>de</strong> Fora, o<br />
que ampliará a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> pesquisas da história e da teoria <strong>de</strong>ste campo<br />
específico.<br />
Reconhecendo a importância <strong>de</strong>sses acervos, o Arquivo Nacional,<br />
instituiu, em 2007, a Câmara Setorial <strong>de</strong> Arquivos Técnicos <strong>de</strong><br />
Engenharia, Arquitetura e Urbanismo, visando mapear os acervos<br />
<strong>de</strong>sta natureza a fim <strong>de</strong> implementar normas nacionais. Este mapeamento<br />
objetiva, sobretudo, a salvaguarda dos documentos originais<br />
nas localida<strong>de</strong>s em que se originaram e que, com os arquivos<br />
digitais, alargam a perspectiva <strong>de</strong> consulta nacional, preservando o<br />
direito <strong>de</strong> autor a eles pertinentes.<br />
Referências<br />
BONDUKI, Nabil. Affonso Eduardo Reidy. São Paulo: Instituto Lina Bo & P.M. Bardi,<br />
2000.<br />
BURLAMAQUI, Ulysses Petrônio. Curriculum Vitae. Acervo do Núcleo <strong>de</strong> Pesquisa e<br />
Documentação FAU/UFRJ. Rio <strong>de</strong> Janeiro. Datilografado.<br />
CZAJKOWSKI, Jorge. Jorge Machado Moreira. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Centro <strong>de</strong> Arquitetura<br />
e Urbanismo do Rio <strong>de</strong> Janeiro, 1999.<br />
168
MANUSCRITO sobre Carlos Leão: Acervo do Núcleo <strong>de</strong> Pesquisa e Documentação<br />
FAU/UFRJ. Rio <strong>de</strong> Janeiro, 1993.<br />
MARTINS, Elizabete Rodrigues <strong>de</strong> Campos. A arquitetura brasileira <strong>de</strong> Severiano<br />
Mario Porto. In: Arquitextos: texto especial, São Paulo,, n.43, texto especial n.209,<br />
<strong>de</strong>z.2003.Disponível em <br />
MEIRIÑO, Marcelo J.. Arquitetura e sustentabilida<strong>de</strong>. In: Arquitextos: texto especial,<br />
São Paulo, n.47, texto expecial n. 227, abr.2004. Disponível em <br />
ROVO, Mirian Keiko Ito; OLIVEIRA, Beatriz Santos. Por um regionalismo ecoeficiente:<br />
a obra <strong>de</strong> Severiano Mário Porto. In: Arquitextos: texto especial, São Paulo,<br />
n. 47, texto especial, 226, abr.2004. Disponível em <br />
169
Memória do trabalho, memória sindical,<br />
memória política: o Arquivo <strong>de</strong> Memória<br />
Operária do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
1. O AMORJ<br />
Elina G. da Fonte Pessanha<br />
Marcos Aurélio Santana Rodrigues<br />
O Arquivo <strong>de</strong> Memória Operária do Rio <strong>de</strong> Janeiro é um núcleo<br />
<strong>de</strong> pesquisa e documentação, sediado no Instituto <strong>de</strong> Filosofia e Ciências<br />
Sociais da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro e voltado<br />
para a recuperação, registro e preservação do patrimônio material<br />
e imaterial referente à história do trabalho, dos trabalhadores e suas<br />
organizações. Partindo <strong>de</strong> uma perspectiva bastante abrangente, o<br />
AMORJ tem tentado cobrir as características <strong>de</strong> constituição e trajetória<br />
<strong>de</strong> diversos segmentos da classe trabalhadora, sua experiência<br />
<strong>de</strong> trabalho em diferentes ambientes, <strong>seus</strong> esforços <strong>de</strong> reprodução,<br />
suas manifestações culturais, suas várias formas <strong>de</strong> resistência e<br />
atuação política, além da história das instituições relacionadas ao<br />
mundo do trabalho.<br />
Respeitando a distinção (HALBWACHS, 1990; NORA, 1993) entre<br />
a história, operação intelectual que <strong>de</strong>manda análise e discurso<br />
crítico, e a memória (dos indivíduos ou coletiva), esta última sujeita<br />
a permanentes seleções, omissões - nem sempre voluntárias - e reelaborações<br />
durante o processo <strong>de</strong> sua produção ou reprodução,<br />
a proposta do AMORJ vai além, e preten<strong>de</strong> possibilitar, entre esses<br />
campos, um <strong>de</strong>bate revelador <strong>de</strong> múltiplas possibilida<strong>de</strong>s (DE DEC-<br />
CA, 1992). Acredita-se que, com isso, revalorizam-se as formas <strong>de</strong><br />
“visita ao passado” e <strong>de</strong> reconstrução da memória à luz do presente,<br />
viabilizando a produção <strong>de</strong> uma história “nova”, mais <strong>de</strong>nsa e complexa.<br />
171
Elina G. da Fonte Pessanha & Marcos Aurélio Santana Rodrigues<br />
As noções <strong>de</strong> “experiência” e <strong>de</strong> “auto-construção” dos grupos<br />
sociais e da “classe” (THOMPSON,1987) são, nesse sentido, referências<br />
centrais ao trabalho, orientando não só a pesquisa e a análise,<br />
como, no plano documental, a consi<strong>de</strong>ração da lógica interna <strong>de</strong> organização<br />
<strong>de</strong> informações e coleções <strong>de</strong> militantes ou institucionais.<br />
Num cenário em que ocorreram profundas mudanças no mundo do<br />
trabalho (PIALLOUX e BEAUD, 1999; BEYNON, 1995; HYMAN, 1994;<br />
SUPIOT, 1999) por força dos ajustes capitalistas e na tentativa <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sregulamentação das relações trabalhistas (PESSANHA e MOREL,<br />
1999), a “tradição”, mais do que representar o atraso, po<strong>de</strong> se revelar<br />
força ativa na <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> direitos históricos duramente conquistados.<br />
Preservá-la é garantir à socieda<strong>de</strong> e aos grupos sociais que a produziram,<br />
ou que a eles se seguiram ou seguirão, a liberda<strong>de</strong> necessária<br />
para apreciá-la e orientar criticamente suas futuras ações.<br />
O AMORJ foi criado no final dos anos 80, e veio se juntar a<br />
outras iniciativas que consi<strong>de</strong>ravam que, apesar da importância<br />
social da classe trabalhadora e do crescente interesse acadêmico<br />
por sua história, os registros materiais <strong>de</strong> trajetórias individuais e<br />
coletivas <strong>de</strong> <strong>seus</strong> principais atores - contrariamente ao que ocorria<br />
em relação às elites - não recebiam o cuidado merecido. Desse<br />
ponto <strong>de</strong> vista, no caso do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro, o AMORJ<br />
<strong>de</strong>sempenhou um papel pioneiro, que se mantém peculiar, quanto<br />
ao recorte temático, até hoje.<br />
Seu acervo físico, inicialmente reunindo documentação oriunda<br />
<strong>de</strong> algumas pesquisas acadêmicas concluídas 1 , foi progressivamente<br />
enriquecido por outras pesquisas, por doações <strong>de</strong> coleções<br />
particulares <strong>de</strong> militantes sindicais e políticos e <strong>de</strong> material institucional<br />
(muitas vezes porque ameaçado <strong>de</strong> <strong>de</strong>struição ou disper-<br />
1 Tais pesquisas <strong>de</strong>senvolviam-se no âmbito do Projeto O Trabalhador Carioca-Produção<br />
e Reprodução da Classe Trabalhadora no Rio <strong>de</strong> Janeiro, financiado pela FINEP<br />
a partir do início dos anos 80, e que reunia os Professores Alice Abreu, Bila Sorj, Elina<br />
Pessanha, José Ricardo Ramalho, Luiz Antonio Machado da Silva, Maria Rosilene Alvim,<br />
Paola Cappellin, Regina Morel e Vera Pereira.<br />
172
Memória do trabalho, memória sindical, memória política:<br />
o Arquivo <strong>de</strong> Memória Operária do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
são), e pela reunião sistemática <strong>de</strong> exemplares da imprensa sindical<br />
e local, <strong>de</strong> dissertações e teses sobre temas afins aos objetivos do<br />
Arquivo.<br />
Hoje, esse acervo está distribuído por 02 Fundos e 55 Coleções<br />
(Particulares, Institucionais e Acadêmicas), e reúne material relacionado<br />
a:<br />
1) setores profissionais, sindicatos, organizações partidárias<br />
e partidos políticos vinculados às classes trabalhadoras - no<br />
campo e na cida<strong>de</strong> - ou aos chamados “setores populares”;<br />
2) militantes e li<strong>de</strong>ranças sindicais e político-partidárias<br />
expressivas;<br />
3) atores e instituições da área dos direitos - e da Justiça -<br />
do trabalho.<br />
O acervo compõe-se <strong>de</strong> documentação arquivística, bibliográfica<br />
e iconográfica (em originais, reproduções e microfilmes)<br />
e ainda material sonoro e áudio-visual. Inclui uma coleção significativa<br />
<strong>de</strong> periódicos, nacionais e estrangeiros com 2542 títulos, organizados<br />
e catalogados. Conta ainda com uma Coleção importante<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>poimentos orais (mais <strong>de</strong> 500 fitas gravadas), <strong>de</strong> militantes<br />
sindicais e político-partidários, dos mais variados matizes, entre<br />
eles Apolônio <strong>de</strong> Carvalho, Tibor Sulik, Jorge Bittar, Geraldo Cândido,<br />
Washington Costa; e também <strong>de</strong> atores expressivos da história<br />
dos direitos e da Justiça do Trabalho no país, como Evaristo <strong>de</strong> Moraes<br />
Filho, Arnaldo Sussekind, Roberto Santos, Francisco Fausto e<br />
outros.<br />
A documentação reunida tem sido objeto <strong>de</strong> consulta pelo<br />
comunida<strong>de</strong> acadêmica nacional e estrangeira e pelo público em<br />
geral. Várias dissertações e teses produzidas nos Programas <strong>de</strong> Pós-<br />
Graduação em História, nas áreas das Ciências Sociais e outras afins,<br />
no próprio Instituto <strong>de</strong> Filosofia e Ciências Sociais - IFCS, em outras<br />
unida<strong>de</strong>s da UFRJ, nas <strong>Universida<strong>de</strong></strong>s do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro e<br />
<strong>de</strong> outras regiões do país, além <strong>de</strong> algumas no exterior, se benefi-<br />
173
Elina G. da Fonte Pessanha & Marcos Aurélio Santana Rodrigues<br />
ciam dos dados, informações e imagens recolhidas no Arquivo. Os<br />
documentos em microfilmes, formados basicamente por cópias do<br />
material preservado - durante o regime militar pós-64 - pelo Archivio<br />
Storico <strong>de</strong>l Movimento Operaio Brasiliano - ASMOB na Fundação<br />
Feltrinelli, em Milão/Itália, foram adquiridos pela UFRJ, e abriram<br />
para os pesquisadores fluminenses a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acessar<br />
um material até então só disponível em São Paulo.<br />
Em torno da proposta do AMORJ associam-se professores/<br />
pesquisadores e estudantes, bolsistas do Conselho Nacional <strong>de</strong><br />
Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq e do Programa<br />
Institucional <strong>de</strong> Bolsas <strong>de</strong> Iniciação Cientifica - PIBIC, <strong>de</strong> três <strong>de</strong>partamentos<br />
da UFRJ: Antropologia Cultural, História e Sociologia. As<br />
pesquisas <strong>de</strong>senvolvidas ligam-se ao Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação<br />
em Sociologia e Antropologia - através das linhas <strong>de</strong> pesquisa “Relações<br />
<strong>de</strong> Trabalho e Relações <strong>de</strong> Po<strong>de</strong>r” e “Desigualda<strong>de</strong>s Sociais”- e<br />
ao Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em História Comparada, ambos do<br />
IFCS 2 .<br />
Estar constituído como um arquivo <strong>de</strong> memória política, sindical,<br />
das relações e direitos do trabalho, <strong>de</strong>ntro da universida<strong>de</strong>,<br />
tem vantagens que não po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>stacadas. Campo<br />
<strong>de</strong> disputas explícitas, a política envolve interesses e paixões muitas<br />
vezes contraditórios. A <strong>Universida<strong>de</strong></strong>, nesse sentido, apresenta-se<br />
como espaço possível para abrigar a memória das diferenças que<br />
se manifestam mesmo entre aqueles indivíduos e instituições que<br />
compartilham a <strong>de</strong>fesa do trabalho e dos trabalhadores, e o AMORJ<br />
tem pretendido possibilitar a coexistência e a manifestação <strong>de</strong>ssa<br />
diversida<strong>de</strong>.<br />
2 Fazem parte da Diretoria do AMORJ, os professores Paola Cappellin, Maria Rosilene<br />
Alvim, Marco Aurélio Santana (PPGSA) e Anita Prestes (PPGHC). A professora Sandra<br />
Rebel Gomes (UFF) é consultora do AMORJ para assuntos referentes à documentação<br />
e ao acervo virtual. Os atuais bolsistas <strong>de</strong> Iniciação Científica são Miguel Carvalho<br />
Rego, Gustavo Moura, Natália Batista Peçanha e Marilia El- Kaddoum Trajtenberg. Colabora<br />
também com o AMORJ o doutorando do PPGSA José Luiz Soares.<br />
174
Memória do trabalho, memória sindical, memória política:<br />
o Arquivo <strong>de</strong> Memória Operária do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
2. O acervo do AMORJ<br />
A) O acervo físico<br />
O AMORJ possui um rico e volumoso acervo físico, distribuído<br />
principalmente em fundos e coleções. Os Fundos são dois, e referem-se<br />
à documentação <strong>de</strong> dois partidos políticos, o Partido Comunista<br />
Brasileiro e o Partido dos Trabalhadores.<br />
O Fundo PCB é um fundo fechado que compreen<strong>de</strong> documentação<br />
bibliográfica e arquivística, esta cobrindo o período <strong>de</strong> 1979<br />
a 1991. Foi doado ao AMORJ quando da criação do Partido Popular<br />
Socialista (PPS). A biblioteca reúne mais <strong>de</strong> 2500 volumes, originários<br />
<strong>de</strong> doações <strong>de</strong> filiados ao partido. O conteúdo <strong>de</strong>ste acervo<br />
bibliográfico é rico em assuntos como política, economia, partidos<br />
políticos, movimento sindical, literatura brasileira e estrangeira, história<br />
do Brasil e dos países do “bloco socialista”, entre outros.<br />
O Fundo PT é um fundo aberto, e reúne documentos textuais,<br />
documentos impressos, documentos audiovisuais e material museológico,<br />
produzidos a partir <strong>de</strong> 1979. Esse material, referente à trajetória<br />
nacional e local da instituição (Rio <strong>de</strong> Janeiro principalmente, e<br />
alguns outros estados <strong>de</strong> forma mais mo<strong>de</strong>sta) foi em gran<strong>de</strong> parte<br />
doado pelo próprio partido, por gabinetes <strong>de</strong> <strong>de</strong>putados e vereadores<br />
e por militantes, mas também é resultado <strong>de</strong> levantamentos<br />
realizados pela equipe do AMORJ. Recentemente o AMORJ recebeu<br />
uma gran<strong>de</strong> doação (cerca <strong>de</strong> 200 caixas-box) da executiva local do<br />
Partido dos Trabalhadores, documentação essa que começa a ser<br />
organizada.<br />
Já as coleções que compõem o acervo, distribuem-se por 3<br />
modalida<strong>de</strong>s. As coleções institucionais reúnem os mais variados<br />
tipos <strong>de</strong> documentação e foram, majoritariamente, doadas por instituições<br />
sindicais, arquivos, partidos políticos, grupos acadêmicos,<br />
organizações várias. Merecem <strong>de</strong>staque, entre elas: a Coleção Movimentos<br />
e Organização dos Trabalhadores Rurais no Brasil - MOTR,<br />
doada pela ONG KOINONIA - Presença Ecumênica e Serviço (originária<br />
do CEDI - Centro Ecumênico <strong>de</strong> Documentação e Informação),<br />
175
Elina G. da Fonte Pessanha & Marcos Aurélio Santana Rodrigues<br />
por intermediação da Professora Nei<strong>de</strong> Esterci (IFCS-UFRJ), compreen<strong>de</strong>ndo<br />
documentação diversificada sobre a atuação e a luta dos<br />
trabalhadores no campo; a Coleção NUPES - Núcleo <strong>de</strong> Estudos Sindicais,<br />
constituída sob a coor<strong>de</strong>nação dos professores José Ricardo<br />
Ramalho e Paola Cappellin e a colaboração, entre outros, do professor<br />
Marco Aurélio Santana; a coleção Entida<strong>de</strong>s Sindicais, reunida<br />
pela equipe do AMORJ; as Coleções relativas às Centrais Sindicais<br />
CUT, CGT, Força Sindical e CAT; as Coleções relativas a partidos políticos,<br />
como o PCdoB, PDT, PSB, PSTU e a Reconstrução do Partido<br />
Comunista Brasileiro-RPCB; a Coleção Organizações <strong>de</strong> Esquerda; a<br />
Coleção Movimento Estudantil; a Coleção Pastoral do Trabalhador.<br />
Destaque-se finalmente, a Coleção Archivio Storico <strong>de</strong>l Movimento<br />
Operaio Brasiliano – ASMOB, <strong>de</strong> microfilmes, que foi adquirida pela<br />
UFRJ, como já citado anteriormente. Entre <strong>seus</strong> mais <strong>de</strong> 90 mil fotogramas,<br />
encontram-se os arquivos privados <strong>de</strong> Astrogildo Ribeiro e<br />
Roberto Morena, documentação sobre o exílio pós-64.<br />
As coleções particulares são muitas e altamente diversificadas<br />
em termos <strong>de</strong> sua origem e do volume e varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> documentos<br />
reunidos, compreen<strong>de</strong>ndo documentos textuais, recorte <strong>de</strong> jornais,<br />
correspondência, fotos, etc. Há coleções <strong>de</strong> militantes sindicais, políticos<br />
e <strong>de</strong> organizações, compondo uma expressiva amostra do<br />
perfil <strong>de</strong> indivíduos - indiretamente <strong>de</strong> instituições - comprometidos<br />
com a <strong>de</strong>fesa dos interesses dos trabalhadores, em períodos<br />
diversos e com estratégias diferenciadas <strong>de</strong> ação. A relativa concentração<br />
<strong>de</strong> coleções <strong>de</strong> militantes do PCB explica-se em virtu<strong>de</strong><br />
da participação do AMORJ no projeto “Memória do PCB”, em que o<br />
Arquivo <strong>de</strong>sempenhou o papel <strong>de</strong> principal receptor <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong><br />
material documental no Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />
Entre as coleções particulares estão as <strong>de</strong> Antonieta Campos<br />
da Paz, Ângelo Labanca, Eduardo Stotz, Eloíza Felizardo Prestes, Geraldo<br />
Cândido, Giocondo Dias, Hércules Correia, João <strong>de</strong> Deus da<br />
Silva, Leôncio Basbaum, Leônidas Cardoso Júnior, Moisés Vinhas,<br />
Tibor Sulik e Ulisses Lopes, para citar apenas algumas. Esta última,<br />
176
Memória do trabalho, memória sindical, memória política:<br />
o Arquivo <strong>de</strong> Memória Operária do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
foi doada ao AMORJ por intermediação do professor Marco Aurélio<br />
Santana, e possui fotos bastante expressivas da trajetória do militante<br />
sindical e da história do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro.<br />
As coleções oriundas <strong>de</strong> pesquisas reúnem-se principalmente<br />
em torno <strong>de</strong> duas linhas: uma mais voltada para a história <strong>de</strong><br />
trabalhadores e <strong>de</strong> <strong>seus</strong> sindicatos, compreen<strong>de</strong> por um lado, documentação<br />
e <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> operários da CSN - Companhia<br />
Si<strong>de</strong>rúrgica Nacional, da antiga FNM – Fábrica <strong>de</strong> motores<br />
Nacional e <strong>de</strong> estaleiros da Indústria Naval, recolhidos respectivamente<br />
pelos professores Regina Morel, José Ricardo Ramalho e<br />
Elina Pessanha. Rico material está presente também nas coleções:<br />
Bairro e Fábrica, doada pela professora Francisca Nogueira (Programa<br />
<strong>de</strong> Pós-Graduação em História Social - PPGHS / IFCS); Secretária,<br />
uma ambiguida<strong>de</strong> em feitio <strong>de</strong> profissão, doada pela professora Bila<br />
Sorj (Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia –<br />
PPGSA / IFCS); e Escola <strong>de</strong> Lí<strong>de</strong>res Operários, doada pela professora<br />
Fátima Tavares (UFJF - <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Juiz <strong>de</strong> Fora). Além<br />
disso, a Coleção No Calor do Fogo, doada pela professora Lour<strong>de</strong>s<br />
Canosa, agrega produtos <strong>de</strong> sua pesquisa com operários da Nova<br />
Cosim, si<strong>de</strong>rúrgica paulista.<br />
A outra linha permite recuperar a trajetória da Justiça do Trabalho<br />
e a configuração dos direitos trabalhistas, através <strong>de</strong> documentação<br />
e <strong>de</strong> um banco <strong>de</strong> <strong>de</strong>poimentos orais <strong>de</strong> <strong>seus</strong> operadores.<br />
Refere-se fundamentalmente à pesquisa História dos Direitos e da<br />
Justiça do Trabalho no Brasil, coor<strong>de</strong>nada pelas professoras Ângela<br />
<strong>de</strong> Castro Gomes (CPDOC Centro <strong>de</strong> Pesquisa e Documentação<br />
História e UFF <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral Fluminense), Regina Morel e<br />
Elina Pessanha (UFRJ), que contou com o apoio do CNPq e da<br />
FAPERJ - Fundação Carlos Chagas Filho <strong>de</strong> Amparo à Pesquisa<br />
do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro e reuniu farto material, entre textos,<br />
documentos, <strong>de</strong>poimentos e dados coletados através da realização<br />
<strong>de</strong> um survey. Aplicado aos mais <strong>de</strong> 2500 juizes do trabalho <strong>de</strong> todo<br />
177
Elina G. da Fonte Pessanha & Marcos Aurélio Santana Rodrigues<br />
o país, o survey permitiu traçar o seu perfil sociológico e registrar as<br />
suas opiniões sobre temas relativos ao alcance e atuação da Justiça<br />
do Trabalho, liberda<strong>de</strong> sindical e reformas trabalhistas (GOMES,<br />
PESSANHA e MOREL, 2003, e MOREL, GOMES e PESSANHA, 2007).<br />
Os <strong>de</strong>poimentos orais já parcialmente editados resultaram <strong>de</strong><br />
entrevistas em profundida<strong>de</strong> (mais <strong>de</strong> 30 horas <strong>de</strong> gravação, cada)<br />
com dois construtores <strong>de</strong> nosso Direito do Trabalho, Evaristo <strong>de</strong><br />
Moraes Filho e Arnaldo Sussekind, também registrados em livros<br />
publicados (GOMES, PESSANHA, MOREL, 2003 e MOREL, GOMES,<br />
PESSANHA, 2007); e <strong>de</strong> entrevistas <strong>de</strong> história <strong>de</strong> vida (3 horas <strong>de</strong><br />
gravação em média, cada), com 28 juizes e 3 procuradores do trabalho,<br />
<strong>de</strong> diversas gerações e regiões do país 3 .<br />
O acervo possui ainda uma coleção <strong>de</strong> fotos, constituída basicamente<br />
por cópias <strong>de</strong>scartadas - doação efetuada pelo Jornal do<br />
Brasil no início da década <strong>de</strong> 90 - e por material constante <strong>de</strong> outras<br />
coleções. A coleção <strong>de</strong> cartazes referentes a eventos, manifestações,<br />
etc., é expressiva, reunindo cerca <strong>de</strong> 800 peças. O quadro a seguir<br />
exibe o conjunto <strong>de</strong> fundos e coleções do acervo.<br />
Acervo do AMORJ<br />
FUNDOS<br />
• Partido Comunista Brasileiro<br />
• Partido dos Trabalhadores<br />
COLEÇÕES INSTITUCIONAIS<br />
• Archivo Storico <strong>de</strong>l Movimento Operaio Brasiliano<br />
• Bancários Perseguidos pela Ditadura e a Luta pela Anistia<br />
• Central Autônoma dos Trabalhadores<br />
• Central Geral dos Trabalhadores<br />
• Central Única dos Trabalhadores<br />
• Coletivo Gregório Bezerra<br />
• Entida<strong>de</strong> Sindicais<br />
• Força Sindical<br />
3 Foram realizadas entrevistas no Rio, São Paulo, Brasília, Minas Gerais, Pará, Rio<br />
Gran<strong>de</strong> do Sul, Rio Gran<strong>de</strong> do Norte, Pernambuco, Maranhão e Bahia.<br />
178
Memória do trabalho, memória sindical, memória política:<br />
o Arquivo <strong>de</strong> Memória Operária do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
• Grupo Tortura Nunca Mais<br />
• Movimento Estudantil<br />
• Movimentos e Organização dos Trabalhadores<br />
Rurais no Brasil<br />
• Organizações <strong>de</strong> Esquerda (1969-1974)<br />
• Partido Comunista do Brasil<br />
• Partido Democrático Trabalhista<br />
• Partido Socialista Brasileiro<br />
• Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado<br />
• Pastoral do Trabalhador<br />
• Reconstrução do Partido Comunista Brasileiro<br />
COLEÇÕES PARTICULARES<br />
• Almir <strong>de</strong> Oliveira Neves<br />
• Ana Maria Batista<br />
• Angelo Morena<br />
• Anita Leocádia Prestes<br />
• Antonieta Campos da Paz<br />
• Armando Ribeiro<br />
• Carlson Magno Barbosa<br />
• Celso Rodrigues Maio<br />
• Edmundd Frow<br />
• Eduardo Stoltz<br />
• Eloiza Felizardo Prestes<br />
• Geraldo Cândido<br />
• Giocondo Dias<br />
• Ingrid Sarti<br />
• Hamilton Garcia<br />
• Henrique Ferreira Gama<br />
• Hércules Corrêa<br />
• João Angelo Labanca<br />
• João <strong>de</strong> Deus da Silva<br />
• Leôncio Basbaum<br />
• Leônidas Cardoso Júnior<br />
• Luiz Branco do Valle<br />
• Luiz Fernando Gallotti<br />
179
Elina G. da Fonte Pessanha & Marcos Aurélio Santana Rodrigues<br />
• Marcelo Camurça<br />
• Marcos Jaimovich<br />
• Marcus Miranda<br />
• Moisés Vinhas<br />
• Muniz Ferreira<br />
• Silvio Tavares<br />
• Sócrates Gonçalves<br />
COLEÇÕES DE PESQUISAS ACADÊMICAS<br />
• No Calor do Fogo<br />
• Companhia Si<strong>de</strong>rúrgica Nacional<br />
• Escola <strong>de</strong> Lí<strong>de</strong>res Operários<br />
• Estado e Classe Trabalhadora nos Governos<br />
Militares (1964-1985)<br />
• Fábrica Nacional <strong>de</strong> Motores<br />
• Indústria da Construção Naval do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
• Secretária: Uma Ambigüida<strong>de</strong> em Feitio <strong>de</strong> Profissão<br />
• Direitos e Justiça do Trabalho no Brasil<br />
CATÁLOGOS GERAIS<br />
• Catálogo <strong>de</strong> Cartazes<br />
• Catálogo <strong>de</strong> Depoimentos<br />
• Catálogo <strong>de</strong> Fitas Cassete <strong>de</strong> Áudio<br />
• Catálogo <strong>de</strong> Fitas Cassete <strong>de</strong> Ví<strong>de</strong>o<br />
• Catálogo <strong>de</strong> Livros (Fundo PCB)<br />
• Catálogo <strong>de</strong> Periódicos jornais e revistas<br />
• Catálogo <strong>de</strong> Teses e Dissertações<br />
• Catálogo dos Documentos Anarquistas da Coleção Asmob<br />
• Catálogo sobre a Repressão Política no Brasil (1964-1985)<br />
• Catálogo Mulheres Militantes no Acervo do AMORJ<br />
180
Memória do trabalho, memória sindical, memória política:<br />
o Arquivo <strong>de</strong> Memória Operária do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
O AMORJ disponibiliza ao público, catálogos digitais referentes<br />
a <strong>seus</strong> fundos e coleções, além <strong>de</strong> alguns catálogos temáticos, que<br />
<strong>de</strong>stacam partes do acervo, como Mulheres Militantes, Repressão<br />
Política 1964-1985, Documentos Anarquistas e outros. Esse material<br />
po<strong>de</strong> ser consultado em seu site na internet: www.ifcs.ufrj.<br />
br/~amorj/, on<strong>de</strong> brevemente estarão acessíveis também alguns<br />
<strong>de</strong>poimentos orais digitalizados 4 .<br />
Página <strong>de</strong> abertura do site do AMORJ<br />
4 São também publicações do AMORJ: Calendário dos Metalúrgicos 1989-1990,<br />
1989; Partido Comunista Brasileiro - Os anos <strong>de</strong> formação (1922-1929),1994; Batistinha,<br />
o combatente dos trilhos, 1994; Partido Comunista Brasileiro - Caminhos da<br />
Revolução (1929-1935), 1995.<br />
181
Elina G. da Fonte Pessanha & Marcos Aurélio Santana Rodrigues<br />
B) O acervo virtual<br />
O AMORJ tem investido também, mais recentemente, na composição<br />
<strong>de</strong> um acervo virtual, para consulta em computadores colocados<br />
à disposição dos pesquisadores ou através da internet. Nesse<br />
sentido, conta atualmente com três conjuntos documentais.<br />
1- O primeiro <strong>de</strong>les refere-se ao material digitalizado da Coleção<br />
do Archivio Storico <strong>de</strong>l Movimento Operaio Brasiliano (AS-<br />
MOB), cujos originais estão hoje <strong>de</strong> volta ao Brasil e abrigados na<br />
UNESP - <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Estadual Paulista, que generosamente tem<br />
disponibilizado sua reprodução. A Coleção conta com 22 CDS gravados,<br />
referentes a 319 títulos <strong>de</strong> periódicos que cobrem o período<br />
<strong>de</strong> 1902-1950 e se constituem em fontes preciosas para a pesquisa.<br />
A consulta a esse material digitalizado po<strong>de</strong> ser feita diretamente<br />
no AMORJ.<br />
2- A segunda e expressiva iniciativa é resultante da montagem,<br />
a partir <strong>de</strong> vasta documentação pessoal, da Biblioteca Virtual Evaristo<br />
<strong>de</strong> Moraes Filho, disponibilizada via internet (www.bvemf.ifcs.<br />
ufrj.br).<br />
Página <strong>de</strong> abertura da Biblioteca Virtual Evaristo <strong>de</strong> Moraes Filho (AMORJ)<br />
182
Memória do trabalho, memória sindical, memória política:<br />
o Arquivo <strong>de</strong> Memória Operária do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
Esta biblioteca virtual é um serviço <strong>de</strong> informação sobre a trajetória<br />
e obra do jurista, sociólogo e membro da Aca<strong>de</strong>mia Brasileira<br />
<strong>de</strong> Letras, Evaristo <strong>de</strong> Moraes Filho. Atualmente com 93 anos,<br />
o ex-professor das Faculda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Direito e Filosofia da UFRJ está<br />
ligado à história dos direitos do trabalho no Brasil (MORAES FILHO,<br />
1971) em termos <strong>de</strong> ensino, pesquisa, atuação como um dos primeiros<br />
Procuradores do Trabalho, e propositor <strong>de</strong> reformas (é autor<br />
da proposta <strong>de</strong> Código do Trabalho, <strong>de</strong> 1963, abortada em 1964)<br />
e princípios constitucionais (fez parte da Comissão Afonso Arinos,<br />
que formulou propostas para a Constituição <strong>de</strong> 1988), sempre no<br />
sentido da maior <strong>de</strong>mocratização <strong>de</strong> nossas relações <strong>de</strong> trabalho<br />
(PESSANHA, VILLAS Boas e MOREL, 2005).<br />
Primeiros Procuradores Regionais do Trabalho, reunidos com Ministro do Trabalho<br />
Armando Falcão, 1941 (Biblioteca Virtual Evaristo <strong>de</strong> Moraes Filho)<br />
A organização da Coleção Pessoal do Professor Evaristo, realizada<br />
pelo historiador Marcos Aurélio Santana Rodrigues sob supervisão<br />
da professora Regina Morel, <strong>de</strong>mandou vários anos <strong>de</strong> trabalho,<br />
e o quadro a seguir arrola os documentos cuidadosamente<br />
reunidos durante toda uma vida e gradualmente i<strong>de</strong>ntificados e<br />
<strong>de</strong>scritos graças à prodigiosa memória <strong>de</strong> seu principal ator. Gran<strong>de</strong><br />
parte <strong>de</strong>sses documentos foi digitalizada e essas reproduções<br />
fazem parte do acervo virtual da Biblioteca.<br />
183
Elina G. da Fonte Pessanha & Marcos Aurélio Santana Rodrigues<br />
Arquivo Evaristo <strong>de</strong> Moraes Filho<br />
TIPOS / ASSUNTOS PERÍODOS Quant.<br />
SÉRIE 01. IMPRENSA (recortes) 1934-2005 1.719<br />
01.1. Artigos <strong>de</strong> Evaristo <strong>de</strong> Moraes Filho 1934-2000 285<br />
01.2. Resenhas, artigos e anúncios <strong>de</strong> livros <strong>de</strong> Evaristo <strong>de</strong> Moraes Filho 1943-1986 50<br />
01.3. Instalação da Justiça do Trabalho / Bahia 1941 11<br />
01.5. Anteprojeto do Código do Trabalho 1962-1964 201<br />
01.6. Notícias em geral 1937-2005 1.185<br />
SÉRIE 02. FOTOGRAFIAS 1930-2004 321<br />
02.1. Fotografias pessoais 1906-2004 118<br />
02.2. Fotografias em geral 1924-1997 201<br />
SÉRIE 03. CORRESPONDÊNCIAS 1932-2004 3411<br />
03.1. Correspondências enviadas em geral 1961-1985 20<br />
03.2. Correspondências recebidas - “Concurso e posse na cátedra na FND” 1957-1958 128<br />
03.3. Correspondências recebidas - “Posse na ABL” 1984 -<br />
03.5. Correspondências recebidas em geral 1932-2006 3522<br />
SÉRIE 04. DIVERSOS 1934-2007 640<br />
04.1. Ativida<strong>de</strong>s discentes <strong>de</strong> EMF 1930-1957 75<br />
04.2. Ativida<strong>de</strong>s docentes <strong>de</strong> EMF 1939-1976 93<br />
04.3. Funções públicas <strong>de</strong> EMF 1934-1969 102<br />
04.4. Diplomas e certificados 1949-1995 40<br />
04.5. Convites e homenagens 1938-2007 101<br />
04.6. Concursos públicos 1953-1958 21<br />
04.7. Cátedra <strong>de</strong> Sociologia e aposentadoria compulsória 1966-1969 29<br />
04.8. Congressos e seminários 1953-2006 48<br />
04.9. Fortuna crítica 1935-1998 11<br />
04.10. Currículos - 15<br />
04.11. Discursos e textos em geral - 87<br />
04.12. Instituições e empresas 1974-1985 18<br />
184
Memória do trabalho, memória sindical, memória política:<br />
o Arquivo <strong>de</strong> Memória Operária do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
3- Finalmente, outra iniciativa em curso no AMORJ, é a organização<br />
do Núcleo DE Direitos - Documentação e Estudos sobre Direitos<br />
Sociais no Brasil, que <strong>de</strong>verá reunir documentos, dados, estudos,<br />
verbetes, referências, notícias, em diferentes áreas <strong>de</strong> construção e<br />
esforços para a expansão <strong>de</strong> direitos sociais em nosso país. Trabalho,<br />
Gênero, Ambiente, Infância e Juventu<strong>de</strong>, Saú<strong>de</strong>, são algumas<br />
das áreas em que se tem investido para organizar e disponibilizar<br />
ao público, via internet, informações necessárias ao exercício pleno<br />
da cidadania 5 .<br />
Objetivando colocar rapidamente o material produzido à disposição<br />
pública, o Núcleo DE Direitos vem se organizando na montagem<br />
<strong>de</strong> um site, que <strong>de</strong>verá informar àqueles que o consultarem<br />
sobre:<br />
a) os principais estatutos, leis, preceitos constitucionais, códigos,<br />
convenções internacionais assinadas pelo Brasil, relacionados<br />
aos direitos <strong>de</strong> cada área (Estatuto da Criança e do Adolescente, CLT,<br />
códigos ambiental, por exemplo), <strong>de</strong>stacando <strong>seus</strong> aspectos principais;<br />
5 A questão da formatação e existência dos direitos é objeto <strong>de</strong> estudos clássicos no<br />
âmbito da Sociologia, que <strong>de</strong>stacam as lutas históricas para alcançá-los e chamam<br />
atenção para a reação conservadora frequentemente acionada para impedir os <strong>seus</strong><br />
avanços. O trabalho fundamental <strong>de</strong> Marshall (1987), <strong>de</strong>screvendo a progressiva<br />
e linear conquista – <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século XVIII- dos direitos civis, políticos e sociais nas<br />
socieda<strong>de</strong>s capitalistas oci<strong>de</strong>ntais, assim como a <strong>de</strong>scrição do <strong>de</strong>senvolvimento da<br />
chamada Era dos Direitos (Bobbio, 1992), têm servido <strong>de</strong> parâmetro para o entendimento<br />
do processo <strong>de</strong> construção da cidadania em vários países. Por outro lado,<br />
trabalhos como o <strong>de</strong> Hirschman (1992), por exemplo, têm analisado a resistência que<br />
se opõe a essas conquistas. No caso do Brasil, contribuições como a <strong>de</strong> José Murilo<br />
<strong>de</strong> Carvalho (1996 e 2001), entretanto, têm chamado atenção para o rompimento da<br />
lógica linear <strong>de</strong> avanço dos direitos exposta por Marshall, já que os chamados direitos<br />
sociais teriam sido - com o impulso do Estado pós-30 - os primeiros a vigorar <strong>de</strong><br />
forma mais ampla em nosso país. As dificulda<strong>de</strong>s e complexida<strong>de</strong> nos <strong>de</strong>sdobramentos<br />
<strong>de</strong> acesso aos direitos, <strong>de</strong> toda forma, continuam mobilizando os pesquisadores<br />
das questões sociais incentivando-os a fomentar percursos <strong>de</strong> difusão para o efetivo<br />
uso <strong>de</strong>stes direitos por parte dos cidadãos.<br />
185
Elina G. da Fonte Pessanha & Marcos Aurélio Santana Rodrigues<br />
b) as principais instituições públicas, privadas, locais, regionais<br />
e nacionais <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa e garantia;<br />
c) textos produzidos sobre os direitos nessas diferentes âmbitos,<br />
compreen<strong>de</strong>ndo não só textos analíticos <strong>de</strong> fundo, como<br />
verbetes explicativos, comentários, que facilitem a compreensão<br />
e reflexão sobre eles (por exemplo: ALVIM, 1988; CAPPELLIN, 2002<br />
e 2004; GIULIANI, 1998; SANTANA, 2003). Nesse sentido, a idéia é<br />
constituir coleções <strong>de</strong> textos - documentos, artigos, teses, resultados<br />
<strong>de</strong> pesquisas, - sobre cada um dos âmbitos dos direitos sociais<br />
cobertos pelo site, referenciá-los e disponibilizá-los ao público. O<br />
Núcleo quer colaborar para aprimorar a transparência das informações<br />
e ampliar o manuseio por parte do público em geral quando<br />
busca o acesso às instituições que tem como meta a <strong>de</strong>fesa dos direitos.<br />
Assim o núcleo se preocupa em esten<strong>de</strong>r a consulta on-line<br />
já existente no acervo físico do AMORJ.<br />
3. A UFRJ e os projetos <strong>de</strong> memória<br />
A oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realização do Seminário Memória, Documentação<br />
e Pesquisa, promovidas em 2008, pelo <strong>Sistema</strong> <strong>de</strong> <strong>Bibliotecas</strong><br />
e Informação - SiBI, permitiu a exposição <strong>de</strong> várias experiências<br />
realizadas em diferentes unida<strong>de</strong>s da UFRJ. A diversida<strong>de</strong><br />
temática observada, rica expressão dos ramos do conhecimento<br />
científico e os objetivos institucionais específicos, não escon<strong>de</strong>m,<br />
entretanto, a proximida<strong>de</strong> entre as trajetórias dos vários arquivos,<br />
mu<strong>seus</strong>, bibliotecas, programas, núcleos e centros <strong>de</strong> documentação,<br />
que resultam do empenho acadêmico, do compromisso social<br />
e da vonta<strong>de</strong> política <strong>de</strong> professores, pesquisadores e técnicos <strong>de</strong>sta<br />
universida<strong>de</strong>.<br />
O patrimônio cultural reunido na <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro é inestimável. Ele preserva e conta a história da ciência,<br />
da socieda<strong>de</strong> civil, das instituições e do Estado. Registra e divulga o<br />
conhecimento, a vida em socieda<strong>de</strong>, as realizações, conflitos, projetos<br />
e utopias dos homens e mulheres que fizeram e fazem a história<br />
<strong>de</strong> nosso país.<br />
186
Memória do trabalho, memória sindical, memória política:<br />
o Arquivo <strong>de</strong> Memória Operária do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
Espera-se que o Seminário - e o relato das experiências registradas<br />
neste livro - venham a cumprir o papel esperado <strong>de</strong> dar<br />
maior visibilida<strong>de</strong> a todas essas iniciativas, propiciar o intercâmbio<br />
e a colaboração entre elas e, principalmente, estimular o contínuo<br />
apoio da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> a esse trabalho.<br />
Referências<br />
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v. 26,1988.<br />
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1989. 1 calendário, color., 12 cm x 9 cm.<br />
CAPPELLIN, Paola. A igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong> nas relações <strong>de</strong> trabalho: a<br />
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entre homens e mulheres. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL: SALÁRIO IGUAL PARA<br />
TRABALHO DE IGUAL VALOR: avanços e <strong>de</strong>safios na implementação da Convenção<br />
n. 100 da OIT, Turim, 2002. São Paulo: CUT/OIT, 2002.<br />
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Revista <strong>de</strong> Estudos<br />
______. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Civ. Brasileira, 2001.<br />
187
Elina G. da Fonte Pessanha & Marcos Aurélio Santana Rodrigues<br />
CENTRO DE MEMÓRIA FERROVIÁRIA DO SINDICATO DOS TRABALHADORES<br />
FERROVIÁRIOS DA ZONA DA CENTRAL DO BRASIL. Batistinha: o combatente dos<br />
trilhos. Rio <strong>de</strong> Janeiro: UFRJ / IFCS /AMORJ, 1994.<br />
DE DECCA. Edgar. Memória e Cidadania. In O direito à memória. São Paulo:5 DPH,<br />
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Marino Regini (Orgs.). The Future of Labour Movements. Madrid: SAGE/ISA, 1994.<br />
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NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos <strong>lugares</strong>.Projeto História,<br />
188
Memória do trabalho, memória sindical, memória política:<br />
o Arquivo <strong>de</strong> Memória Operária do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
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tempo da ditadura: regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.<br />
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droit du travail en Europe. Paris : Flammarion, 1999.<br />
THOMPSON, E. P. A formação da classe operária inglesa. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Paz e<br />
Terra, 1987.<br />
189
O Centro <strong>de</strong> Documentação da Escola <strong>de</strong><br />
Enfermagem Anna Nery – EEAN/UFRJ<br />
Maria da Luz Barbosa Gomes<br />
Sandra Cristina Demetrio <strong>de</strong> Moraes<br />
O mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> enfermagem anglo americano implantado na<br />
capital do Brasil, no início da década <strong>de</strong> 20, ocorreu em uma conjuntura<br />
<strong>de</strong> forte influência americana nos domínios da economia e<br />
da tecnologia.<br />
Assim, uma Missão <strong>de</strong> Enfermeiras americanas, patrocinada<br />
pela Fundação Rockfeller e chefiada por Ethel Parsons, foi trazida<br />
para o Brasil com o objetivo <strong>de</strong> promover as inovações requeridas<br />
pelo Departamento Nacional <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Pública - DNSP, consi<strong>de</strong>radas<br />
necessárias à efetivação da Reforma Carlos Chagas e aqui<br />
permaneceu por uma década (1921-1931).<br />
Em 1922 foi criada a Escola <strong>de</strong> Enfermeiras<br />
do Departamento Nacional <strong>de</strong><br />
Saú<strong>de</strong> Pública, hoje Escola <strong>de</strong> Enfermagem<br />
Anna Nery, sendo transplantado<br />
para o Brasil um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> enfermagem<br />
que agregava às características do tradicional<br />
mo<strong>de</strong>lo Nightingale, e outras, <strong>de</strong>senvolvidas<br />
com o intuito <strong>de</strong> adaptar-se<br />
aos padrões da socieda<strong>de</strong> americana.<br />
As primeiras diretoras da EEAN<br />
Ethel Parsons<br />
foram as norte - americanas: Clara<br />
Chefe da Missão <strong>de</strong><br />
enfermeiras americanas Louise Kieninger (1923-1925); Loraine<br />
Geneviéve Denhardt (1925-1928)<br />
(acerco CDOC/EEAN)<br />
e Bertha Lucille Pullen (1928-1931 /<br />
1934-1938).<br />
191
Maria da Luz Barbosa Gomes & Sandra Cristina Demetrio <strong>de</strong> Moraes<br />
Diretoras norte-americanas. Da esquerda para direita: Clara Louise KIENINGER<br />
(1923-1925), Loraine Geneviéve DENHARDT (1295-1928) e Berthe L. PULLEN<br />
(1928-1931/1934-1938).<br />
Durante este período ocorre a institucionalização do ensino <strong>de</strong><br />
enfermagem <strong>de</strong> alto padrão e a organização do Hospital Geral da<br />
Assistência, hoje Hospital Escola São Francisco <strong>de</strong> Assis que funcionou<br />
e até hoje funciona como campo <strong>de</strong> estágio para a EEAN.<br />
Hospital Escola São Francisco <strong>de</strong> Assis - 1926<br />
Em 1926, Carlos Chagas obteve junto ao Ministro da Justiça,<br />
Afonso Pena Junior, a cessão do prédio do ex-hotel Sete <strong>de</strong> Setembro,<br />
pertencente ao governo, para instalação da Residência das Alunas<br />
(internato). Ao mesmo tempo a Fundação Rockfeller celebrou<br />
192
O Centro <strong>de</strong> Documentação da Escola <strong>de</strong> Enfermagem Anna Nery – EEAN/UFRJ<br />
acordo com o governo brasileiro, através do qual se comprometia<br />
a fazer adaptações necessárias e mobiliar as <strong>de</strong>pendências do prédio.<br />
Ex-Hotel Sete <strong>de</strong> Setembro – Internato (1926)<br />
Devido à distância entre a residência e o Hospital on<strong>de</strong> as alunas<br />
estagiavam, a Fundação Rockfeller provi<strong>de</strong>nciou também a<br />
compra <strong>de</strong> um ônibus e a construção <strong>de</strong> um pavilhão <strong>de</strong> aulas.<br />
193
Maria da Luz Barbosa Gomes & Sandra Cristina Demetrio <strong>de</strong> Moraes<br />
Pavilhão <strong>de</strong> Aulas - 1926<br />
O plano para a enfermagem brasileira, elaborado por Ethel Parsons,<br />
foi executado <strong>de</strong> maneira exemplar e <strong>de</strong> modo a assegurar<br />
a autonomia do ensino, a qualificação profissional e a inserção da<br />
Enfermeira no mercado <strong>de</strong> trabalho, em bases seguras.<br />
A trajetória da Escola <strong>de</strong> Enfermagem Anna Nery como instituição<br />
<strong>de</strong>dicada à formação <strong>de</strong> enfermeiras(os) ao longo <strong>de</strong> mais<br />
<strong>de</strong> oitenta anos, encontra-se registrada em um rico patrimônio documental<br />
sob a custódia do Centro <strong>de</strong> Documentação da Escola <strong>de</strong><br />
Enfermagem Anna Nery, localizado no prédio do Pavilhão <strong>de</strong> Aulas<br />
da Escola, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico<br />
Nacional (IPHAN), situado na Rua Afonso Cavalcante, 275 - Cida<strong>de</strong><br />
Nova - Centro-Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />
Ao final da década <strong>de</strong> 1980 houve o reconhecimento da importância<br />
<strong>de</strong>sse amplo e valioso acervo e a constituição <strong>de</strong> uma linha<br />
<strong>de</strong> pesquisa em História da Enfermagem Brasileira. A construção<br />
<strong>de</strong>sta linha <strong>de</strong> pesquisa ocorreu em estreita ligação com o curso <strong>de</strong><br />
doutorado, o Centro <strong>de</strong> Documentação e o Núcleo <strong>de</strong> Pesquisa <strong>de</strong><br />
História da Enfermagem Brasileira (Nuphebras), que serviram como<br />
alavanca para que a EEAN / UFRJ tomasse, no início da década <strong>de</strong><br />
1990 algumas iniciativas voltadas para a preservação <strong>de</strong> documen-<br />
194
O Centro <strong>de</strong> Documentação da Escola <strong>de</strong> Enfermagem Anna Nery – EEAN/UFRJ<br />
tos textuais, iconográficos e orais. Reunidos e organizados, esses<br />
documentos são fontes primárias, imprescindíveis para pesquisadores<br />
das áreas <strong>de</strong> história da enfermagem e da saú<strong>de</strong>, bem como<br />
outras áreas <strong>de</strong> formação profissional.<br />
Vale ressaltar que a criação do curso <strong>de</strong> Doutorado em Enfermagem<br />
(1989), a inauguração do Centro <strong>de</strong> Documentação (1993)<br />
e a implantação do Núcleo <strong>de</strong> Pesquisa <strong>de</strong> História da Enfermagem<br />
(1993) ensejaram o incremento da produção dos enfermeiros sobre<br />
história da enfermagem. Tanto os docentes <strong>de</strong> enfermagem como<br />
os técnicos <strong>de</strong> enfermagem dos serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> têm buscado<br />
esclarecer suas perplexida<strong>de</strong>s através dos estudos históricos. A produção<br />
vem a<strong>de</strong>nsando e no momento contabilizamos cerca <strong>de</strong> uma<br />
centena <strong>de</strong> trabalhos publicados, entre livros e artigos. Além disso,<br />
essa produção vem se diversificando tanto no que se refere à natureza<br />
<strong>de</strong> <strong>seus</strong> objetos no tempo e no espaço, quanto à abordagem<br />
teórico-metodológica e às fontes utilizadas. Essas pesquisas são<br />
<strong>de</strong>senvolvidas mediante consulta ao acervo documental (textual,<br />
iconográfico e oral) ao mesmo tempo em que os nutrem, com documentos<br />
resgatados ou produzidos pela ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> investigação.<br />
Destacamos ainda a participação <strong>de</strong> pesquisadores <strong>de</strong> outras<br />
áreas <strong>de</strong>senvolvendo pesquisas em história da enfermagem, no<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro e em São Paulo, subvencionados por agências <strong>de</strong> fomento.<br />
Assim, a discussão sobre a mesma é pertinente e consente a<br />
reconstrução da história da enfermagem brasileira cuja continuida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da existência das fontes documentais.<br />
Constituição e i<strong>de</strong>ntificação do acervo<br />
O acervo do Centro <strong>de</strong> Documentação da Escola <strong>de</strong> Enfermagem<br />
Anna Nery <strong>de</strong>ve-se ao empenho <strong>de</strong> algumas professoras, entre<br />
elas, Anna Jaguaribe Nava e Madalena Werneck, que nas décadas<br />
<strong>de</strong> 1940 e 1950 organizaram o arquivo iconográfico. Posteriormente,<br />
as professoras Cecília Pecego Coelho e Vilma <strong>de</strong> Carvalho <strong>de</strong>ram<br />
início à organização do arquivo dos documentos textuais.<br />
195
Maria da Luz Barbosa Gomes & Sandra Cristina Demetrio <strong>de</strong> Moraes<br />
É importante <strong>de</strong>stacar que a inauguração do CDOC, em 1993,<br />
foi precedida da organização do acervo que esteve a cargo da Profª<br />
Drª Vilma <strong>de</strong> Carvalho e Profª Drª Jussara Sauthier.<br />
Os documentos Textuais foram organizados em Séries Abertas:<br />
-A MISSÃO (1922-1931) - documentos escritos pelas enfermeiras<br />
estrangeiras que implantaram a Enfermagem Mo<strong>de</strong>rna no Brasil;<br />
-AS PIONEIRAS (1932-1950) - período que abrange as gestões<br />
das Diretoras Rachel H. Lobo, Berta Pullen e Lais Netto dos Reis;<br />
-CURSO DE GRADUAÇÃO (1923-1990) - composto <strong>de</strong> dossiê<br />
das alunas que concluíram o curso <strong>de</strong> enfermagem a partir da primeira<br />
turma que colou grau em 1925;<br />
- SOCORRISTAS VOLUNTÁRIAS DE GUERRA (1942-1945) - reúne<br />
documentos que <strong>de</strong>monstram a participação da EEAN no preparo<br />
<strong>de</strong> moças brasileiras, motivadas a inscreverem-se como voluntárias<br />
na II Guerra Mundial;<br />
- ASSOCIAÇÃO DE VOLUNTÁRIAS DE ANNA NERY (AVAN) - resultado<br />
<strong>de</strong> um movimento feminino em prol do bem estar dos clientes<br />
dos hospitais públicos ou filantrópicos do Rio <strong>de</strong> Janeiro;<br />
- OS EXCLUÍDOS (1923-1970) - dossiê das alunas que foram<br />
reprovadas ou convidadas a <strong>de</strong>ixar o curso <strong>de</strong> Graduação da EEAN;<br />
- SÉRIE PÓS-GRADUAÇÃO - documentos produzidos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a<br />
criação do curso <strong>de</strong> Mestrado, em 1972 (falta ser organizado);<br />
- DIRETORAS E OUTRAS PERSONALIDADES - documentos pertencentes<br />
ao arquivo privado;<br />
- OBRAS RARAS - reúne exemplares que datam do período<br />
inicial da ascensão da enfermagem no Brasil, ca<strong>de</strong>rnos ou textos<br />
manuscritos, livros que indicam a adoção <strong>de</strong> novas abordagens<br />
na enfermagem, com anotações manuscritas ou com autógrafos<br />
<strong>de</strong> enfermeiras que se projetaram num dado campo profissional,<br />
primeiros periódicos brasileiros e a coleção especial <strong>de</strong> Teses e Dissertações<br />
<strong>de</strong>fendidas na EEAN.<br />
O projeto “Quadro Documental da Escola <strong>de</strong> Enfermagem Anna<br />
Nery - 70 anos <strong>de</strong> evolução histórica (1922-1992)” coor<strong>de</strong>nado pela<br />
196
O Centro <strong>de</strong> Documentação da Escola <strong>de</strong> Enfermagem Anna Nery – EEAN/UFRJ<br />
Profª Vilma <strong>de</strong> Carvalho teve como um dos produtos o CATÁLOGO<br />
ANALÍTICO DA EEAN (1922-1972) sob a responsabilida<strong>de</strong> da Profª<br />
Jussara Sauthier que foi o alicerce para a organização do acervo.<br />
Dando continuida<strong>de</strong> ao trabalho <strong>de</strong> organização do acervo as<br />
professoras produziram ainda os seguintes catálogos:<br />
A MISSÃO PARSONS – os documentos históricos da EEAN<br />
(1922-1931);<br />
AS PIONEIRAS E A CONSOLIDAÇÃO DA ENFERMAGEM NO BRA-<br />
SIL - documentos históricos da EEAN/UFRJ (1932-1950);<br />
ANAES DE ENFERMGEM INFORMATIZAÇÃO DAS PUBLICAÇÕES<br />
(1932-1954).<br />
Atualmente, o projeto SALTOS EVOLUTIVOS DA ENFERMAGEM<br />
está sendo concluído pelas Professoras Vilma <strong>de</strong> Carvalho e Jussara<br />
Sauthier dando conta da organização <strong>de</strong> mais um catalogo analítico<br />
cujo recorte temporal abrange 1951-1975.<br />
Os catálogos são <strong>de</strong>scritivos e visam facilitar a localização <strong>de</strong><br />
um documento no CDOC. Os dados que integram cada série documental<br />
<strong>de</strong>sses catálogos estão dispostos <strong>de</strong> acordo com o seu<br />
tipo, acompanhados <strong>de</strong> um breve resumo <strong>de</strong> seu conteúdo, autoria,<br />
data, local on<strong>de</strong> foi produzido e número <strong>de</strong> páginas.<br />
A localização do documento é ainda facilitada pela indicação<br />
do módulo, caixa e número do documento na série documental a<br />
qual pertence.<br />
O acervo oral<br />
Com a criação do Curso <strong>de</strong> Doutorado em Enfermagem, em<br />
1989, iniciou-se a organização <strong>de</strong> um acervo <strong>de</strong> História Oral com a<br />
doação <strong>de</strong> fitas, gravadas e transcritas, <strong>de</strong> <strong>de</strong>poimentos provenientes<br />
das teses <strong>de</strong> doutorado das professoras Ieda <strong>de</strong> Alencar Barreira,<br />
Suely <strong>de</strong> Souza Baptista, Isabel Cristina dos Santos Oliveira e Cristina<br />
Maria Loyola <strong>de</strong> Miranda.<br />
Além disso, foi doada pela Associação Brasileira <strong>de</strong> Enfermagem<br />
uma série <strong>de</strong> fitas cassetes com <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> li<strong>de</strong>ranças da<br />
197
Maria da Luz Barbosa Gomes & Sandra Cristina Demetrio <strong>de</strong> Moraes<br />
enfermagem realizadas no âmbito do projeto “Nexos da Escola <strong>de</strong><br />
Enfermagem Anna Nery /ABEn: criação <strong>de</strong> um fundo <strong>de</strong> arquivo”. É<br />
um acervo aberto que recebe doações <strong>de</strong> <strong>de</strong>poimentos cedidos por<br />
pesquisadores da área da História da Enfermagem. Conta também<br />
com várias outras gravações referentes aos eventos realizados na<br />
Escola.<br />
Com o apoio financeiro da FAPERJ foi possível realizar o trabalho<br />
<strong>de</strong> digitalização <strong>de</strong> 280 fitas cassetes perfazendo um total <strong>de</strong><br />
500 CDs com originais e cópias que hoje compõem o acervo.<br />
Os documentos fotográficos<br />
O acervo fotográfico é constituído <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> dois mil documentos,<br />
em sua maioria cópias fotográficas em papel; 36 álbuns e<br />
aproximadamente 100 sli<strong>de</strong>s. Estas fotografias remontam à década<br />
<strong>de</strong> 20 do século passado e testemunharam os fatos oficiais e sociais<br />
da Escola.<br />
Este acervo foi restaurado pela FUNARTE em 2006 através do<br />
projeto “Preservando e Difusão do acervo Documental da Escola <strong>de</strong><br />
Enfermagem Anna Nery” financiado pelo CNPq.<br />
Por que um centro <strong>de</strong> documentação e não um arquivo<br />
Na tarefa <strong>de</strong> reunir todo o acervo da EEAN foram <strong>de</strong>scobertos<br />
documentos impressos, textuais, audiovisuais, cartográficos, além<br />
<strong>de</strong> indumentárias e objetos específicos da área <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Isso fez<br />
com que se pensasse em um espaço que pu<strong>de</strong>sse contemplar tudo<br />
que havia sido encontrado. Então o argumento usado foi o <strong>de</strong> coligir,<br />
armazenar, classificar e disseminar a INFORMAÇÃO ao invés do<br />
DOCUMENTO.<br />
Integram ao acervo do Centro <strong>de</strong> Documentação/EEAN/UFRJ:<br />
135 metros lineares <strong>de</strong> documentos textuais, 3.426 fotografias, 26<br />
fitas VHS, 6 Dvds, 398 títulos (livros, revista e anais) e 280 fitas cassetes<br />
perfazendo um total <strong>de</strong> 500 CDs original e cópia referentes a 283<br />
entrevistas e eventos realizados na Escola.<br />
198
O Centro <strong>de</strong> Documentação da Escola <strong>de</strong> Enfermagem Anna Nery – EEAN/UFRJ<br />
Da esquerda para a direita, <strong>de</strong> cima para baixo: o espaço linear dos documentos<br />
textuais, espaço <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> classificação <strong>de</strong> documentos, espaço <strong>de</strong> trabalho<br />
administrativo e o acervo <strong>de</strong> fotografias.<br />
No Brasil, o Arquivo Permanente ou “Arquivo Morto” da Instituição<br />
Pública tinha função <strong>de</strong> <strong>de</strong>pósito. Nele estavam guardados os<br />
documentos que já não tinham mais função administrativa. Assim,<br />
montanhas <strong>de</strong> documentos eram acumuladas em <strong>lugares</strong> sujos,<br />
úmidos, com pouca luminosida<strong>de</strong>. Acreditava-se que o mobiliário,<br />
livros e jornais <strong>de</strong> épocas passadas, <strong>de</strong>viam fazer parte <strong>de</strong>sse espaço.<br />
É possível, ainda hoje, afirmar que essa postura continua permeando<br />
alguns Órgãos da Administração Pública.<br />
A mudança <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong> começa a <strong>de</strong>sabrochar, em alguns<br />
segmentos públicos, a partir do momento em que a solicitação dos<br />
pesquisadores torna-se mais intensa.<br />
O caminho para <strong>de</strong>svendar a informação está nesses <strong>de</strong>pósitos,<br />
mas o que fazer Quando os próprios pesquisadores partem<br />
para um trabalho <strong>de</strong> garimpagem do espaço, que as preciosida<strong>de</strong>s<br />
vão surgindo, sendo separadas e levadas para um ambiente, que<br />
embora não seja o i<strong>de</strong>al, apresenta condições muito melhores.<br />
199
Maria da Luz Barbosa Gomes & Sandra Cristina Demetrio <strong>de</strong> Moraes<br />
“Resgatar” passa a ser o termo utilizado na busca <strong>de</strong> recursos<br />
em prol da recuperação, restauração, preservação dos documentos<br />
ou informação, porquanto o importante é que possam ter um tratamento<br />
que os tornem acessíveis à consulta. Pois que até então<br />
ficavam enclausurados nos porões sem que ninguém pu<strong>de</strong>sse vêlos<br />
e nem tocá-los. Muitos <strong>lugares</strong> serviam <strong>de</strong> abrigo para as gatas<br />
parirem.<br />
A Aca<strong>de</strong>mia toma consciência da emergência da situação; daí<br />
o aparecimento <strong>de</strong> Projetos, Programas e Centros voltados para<br />
o resgate da Memória e da História das Instituições Públicas. Isso<br />
significa que se inicia uma jornada para interlocução com os<br />
Dirigentes e as Agencias <strong>de</strong> Fomento. E eis a surpresa! Ainda não<br />
existe por parte das autorida<strong>de</strong>s públicas uma vonta<strong>de</strong> plena <strong>de</strong> ver<br />
<strong>seus</strong> documentos ou informações restituídas à função <strong>de</strong> suporte<br />
para pesquisa. E é por causa disso que trabalhamos em condições<br />
muito aquém das possibilida<strong>de</strong>s do i<strong>de</strong>al e o discurso permanece o<br />
mesmo <strong>de</strong> 1970.<br />
Consi<strong>de</strong>rações finais<br />
E importante pontuar, <strong>de</strong> acordo com as palavras <strong>de</strong> Profª Vilma<br />
<strong>de</strong> Carvalho, que a organização <strong>de</strong>ste acervo foi feito <strong>de</strong> forma<br />
artesanal, além <strong>de</strong> ter buscado como objetivo garantir as condições<br />
<strong>de</strong> preservação e acesso a este rico patrimônio da história da enfermagem<br />
brasileira.<br />
Destacamos a participação dos alunos do Curso <strong>de</strong> Graduação<br />
em Enfermagem na organização do Centro <strong>de</strong> Documentação, através<br />
da disciplina Fontes para História da Enfermagem Brasileira.<br />
Ressaltamos que durante as várias fases <strong>de</strong> organização do<br />
acervo contamos com a colaboração <strong>de</strong> arquivistas, prestadores <strong>de</strong><br />
serviços, que <strong>de</strong> alguma forma vieram orientar o trabalho. Entretanto,<br />
só recentemente, em 2004, foi que nosso Centro <strong>de</strong> Documentação<br />
pô<strong>de</strong> contar com uma arquivista do quadro permanente da<br />
UFRJ que vem dando ênfase aos aspectos técnico-arquivísticos.<br />
200
O Centro <strong>de</strong> Documentação da Escola <strong>de</strong> Enfermagem Anna Nery – EEAN/UFRJ<br />
Referências<br />
GOMES, C; CARVALHO, V; SAUTHIER, J. A inserção da Escola Ana NÉRI na<br />
<strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil (1934-1937). CD-ROM<br />
MEMÓRIAS do <strong>de</strong>senvolvimento: entrevista com Lucas Lopes. Coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> Maria<br />
Antonieta Paarahyba Leopoldi; entrevistadores Maria Antonieta Parahyba Leopoldi e<br />
Plínio <strong>de</strong> Abreu Ramos. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Centro da Memória <strong>de</strong> Eletricida<strong>de</strong> no Brasil.<br />
1991. 346 p.il.<br />
MOTTA, Marly. “Dentro da Névoa autoritária acen<strong>de</strong>mos a fogueira...” a OAB na<br />
re<strong>de</strong>mocratização brasileira(1974-80) Revista Culturas Jurídicas . Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />
v.3, n.1, p. 1-29, jan/jul. 2008. Disponível em: .<br />
Acesso em: 5 jun. 2008.<br />
SANTOS, T. C. F. e BARREIRA, I. A. O po<strong>de</strong>r simbólico da enfermagem norteamericana<br />
no ensino da enfermagem na capital do Brasil: 1928-1938. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />
Escola <strong>de</strong> Enfermagem Anna Nery / UFRJ, 2002.<br />
SAUTHIER, J; CARVALHO, M. T. C. <strong>de</strong> SANTOS, N. M. P. Centro <strong>de</strong> Documentação<br />
da Escola <strong>de</strong> Enfermagem Anna Nery (EEAN): uma contribuição à história da<br />
enfermagem. Revista Latino-Americana <strong>de</strong> Enfermagem. Ribeirão Preto: USP, v. 8,<br />
n.5, p. 81-84, out. 2008.<br />
SAUTHIER, J; BARREIRA, I. A. As enfermeiras norte-americanas e o ensino da<br />
enfermagem na capital do Brasil: 1921-1931. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Escola <strong>de</strong> Enfermagem<br />
Anna Nery / UFRJ, 1999.<br />
FOTOGRAFIAS do acervo do Centro <strong>de</strong> Documentação da Escola <strong>de</strong> Enfermagem<br />
Anna Nery. Rio <strong>de</strong> Janeiro: EEAN / UFRJ, [19_ _ ].<br />
201
A Escola <strong>de</strong> Música da UFRJ<br />
e suas coleções especiais<br />
I - Um pequeno histórico a guisa <strong>de</strong> introdução<br />
André Cardoso<br />
O ensino da música no Rio <strong>de</strong> Janeiro, até meados do século<br />
XIX, era feito em cursos particulares <strong>de</strong> alguns professores. O mais<br />
famoso e eficiente <strong>de</strong>sses cursos foi aquele mantido em sua residência,<br />
pelo Padre José Maurício Nunes Garcia (1767-1830), mestre<br />
da Capela Imperial e mais importante compositor brasileiro <strong>de</strong> seu<br />
tempo. No seu curso que funcionava na Rua das Marrecas estudou<br />
e se formou Francisco Manoel da Silva (1795-1865), autor do Hino<br />
Nacional Brasileiro e um dos fundadores da Socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Música,<br />
órgão classista que dava assistência e <strong>de</strong>fendia os interesses profissionais<br />
dos músicos. Com o objetivo <strong>de</strong> formar novos artistas para<br />
as orquestras e coros da então capital, a Socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Música solicitou<br />
ao Governo Imperial em 1841, autorização para a criação <strong>de</strong><br />
um Conservatório <strong>de</strong> Música. O Decreto Imperial nº. 238, <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong><br />
novembro <strong>de</strong> 1841, autorizou a Socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Música a extrair duas<br />
loterias anuais para a criação e a manutenção do Conservatório.<br />
Até 1847, entretanto, nenhuma ação efetiva do governo havia<br />
sido tomada em relação ao <strong>de</strong>creto, até que outro <strong>de</strong>creto estabeleceu<br />
novas bases para a instalação do Conservatório. Sua inauguração<br />
<strong>de</strong> fato só ocorreu em 13 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1848, em solenida<strong>de</strong><br />
ocorrida no Museu Imperial, antigo prédio do Arquivo Nacional, na<br />
atual Praça da República, seguida <strong>de</strong> um concerto on<strong>de</strong> foi executada<br />
por uma orquestra, entre outras obras, uma Abertura do Padre<br />
José Maurício Nunes Garcia. O Conservatório <strong>de</strong> Música instalouse<br />
inicialmente em um salão do Museu Imperial, tendo como seu<br />
primeiro diretor Francisco Manoel da Silva. Em 1855, foi anexado à<br />
Aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> Belas Artes.<br />
203
André Cardoso<br />
Sua primeira se<strong>de</strong> própria foi inaugurada em 1872, pela Princesa<br />
Isabel, na Rua da Lampadosa, atual nº. 52 da Rua Luiz <strong>de</strong> Camões.<br />
O prédio, que teve sua pedra fundamental lançada em 1863<br />
e que levou quase <strong>de</strong>z anos para ser construído, atualmente abriga<br />
o Centro Cultural Hélio Oiticica, na Praça Tira<strong>de</strong>ntes. Após a morte<br />
<strong>de</strong> Francisco Manoel da Silva, assumiu a direção do Conservatório<br />
o Dr. Thomas Gomes dos Santos, em cuja gestão foi elaborado um<br />
novo estatuto que reorganizou o Conservatório e criou novas ca<strong>de</strong>iras,<br />
possibilitando a contratação <strong>de</strong> diversos professores. Seus<br />
sucessores imediatos foram Antônio Nicolau Tolentino e Ernesto<br />
Gomes Maia. Entre os diversos alunos que passaram pelo Conservatório<br />
<strong>de</strong>stacam-se alguns dos mais importantes músicos brasileiros<br />
do século XIX, como Henrique Alves <strong>de</strong> Mesquita (1830-1906),<br />
Anacleto <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros (1866-1907), Francisco Braga (1868-1945),<br />
autor do Hino à Ban<strong>de</strong>ira, e Antônio Carlos Gomes (1836-1896), famoso<br />
autor <strong>de</strong> “Il Guarany”. Entre os professores aparecem o flautista<br />
Joaquim Antônio da Silva Callado (1848-1880), Gioacchinno Giannini<br />
(1817-1860), professor <strong>de</strong> composição, Carlos <strong>de</strong> Mesquita (harmonia)<br />
e Demétrio Rivero (violino).<br />
Com a Proclamação da República, em 1889, o Conservatório<br />
<strong>de</strong>u lugar ao Instituto Nacional <strong>de</strong> Música (INM), através do Decreto<br />
nº. 143, <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1890. Seu primeiro diretor foi o compositor<br />
Leopoldo Miguez (1850-1902), que empreen<strong>de</strong>u uma viagem à<br />
Europa para visitar conservatórios e recolher sugestões para serem<br />
aplicadas ao ensino, adquirindo, nessa viagem, instrumentos, aparelhos<br />
<strong>de</strong> acústica e livros para o Instituto. Após a gestão <strong>de</strong> Leopoldo<br />
Miguez, suce<strong>de</strong>ram-se na direção do Instituto os compositores<br />
Alberto Nepomuceno (1864-1920) e Henrique Oswald (1852-1931).<br />
Durante a segunda gestão <strong>de</strong> Nepomuceno, que se manteve<br />
à frente do Instituto por mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos, o mesmo foi transferido<br />
em 1913 para a sua se<strong>de</strong> atual, à Rua do Passeio, prédio que abrigava<br />
anteriormente a Biblioteca Nacional. Dentre inúmeros avanços,<br />
Nepomuceno empreen<strong>de</strong>u nova reforma curricular para aten<strong>de</strong>r ao<br />
204
A Escola <strong>de</strong> Música da UFRJ e suas coleções especiais<br />
crescente número <strong>de</strong> alunos, aprovou um novo regimento interno,<br />
implementou concursos públicos para professor e criou a Congregação,<br />
como órgão <strong>de</strong>liberativo. Além disso, organizou a biblioteca<br />
criada por Miguez, e seu arquivo musical, seção pela qual tinha especial<br />
zelo.<br />
O Salão Leopoldo Miguez, uma das mais importantes salas<br />
<strong>de</strong> concertos do país, conhecido pela excelência <strong>de</strong> sua acústica,<br />
foi inaugurado em 1922, na administração <strong>de</strong> Abdon Milanez<br />
(1858-1927). Inspirado na Sala Gaveau, <strong>de</strong> Paris, seu interior é <strong>de</strong>corado<br />
com afrescos <strong>de</strong> Antônio Parreiras e Carlos Oswald. Em 1923,<br />
assumiu a direção o prof. Alfredo Fertin <strong>de</strong> Vasconcelos, que criou<br />
a orquestra do Instituto, cujo principal regente, em <strong>seus</strong> primeiros<br />
anos, foi o maestro Francisco Braga. Importante reforma curricular<br />
começou a ser empreendida por Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> e Antônio <strong>de</strong> Sá<br />
Pereira, durante a gestão <strong>de</strong> Luciano Gallet (1893-1931), quando o<br />
Instituto Nacional <strong>de</strong> Música foi incorporado à <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro. Tal plano <strong>de</strong> reforma, no entanto, foi executado durante<br />
a administração <strong>de</strong> Guilherme Fontainha (1887-1970), que foi responsável<br />
também pelo lançamento da Revista Brasileira <strong>de</strong> Música,<br />
em 1934.<br />
Em 1937, a <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro passa a chamar-se<br />
<strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil e o Instituto Nacional <strong>de</strong> Música<br />
torna-se Escola Nacional <strong>de</strong> Música. Em 1943, durante a gestão<br />
<strong>de</strong> Antônio <strong>de</strong> Sá Pereira (1888-1966), foi criado o Centro <strong>de</strong><br />
Pesquisas Folclóricas, primeiro em seu gênero no país e que<br />
teve na figura <strong>de</strong> Luiz Heitor Corrêa <strong>de</strong> Azevedo (1905-1992)<br />
seu gran<strong>de</strong> mentor. O período posterior é marcado pela administração<br />
<strong>de</strong> Joanídia Sodré, que foi diretora por mais <strong>de</strong> vinte<br />
anos. Em 1954, adquiriu o gran<strong>de</strong> órgão Tamburini para o<br />
Salão Leopoldo Miguez, em substituição ao antigo Sauer, doado<br />
pelo primeiro diretor. O quadro docente, nessa época, é marcado<br />
por alguns dos mais importantes músicos e compositores<br />
brasileiros como Francisco Mignone (1897-1986) na ca<strong>de</strong>ira<br />
205
André Cardoso<br />
<strong>de</strong> regência, Lorenzo Fernan<strong>de</strong>z (1897-1948) na <strong>de</strong> harmonia,<br />
José Siqueira (1907-1981) na <strong>de</strong> composição, Oscar Borgeth<br />
(1906-1992) na <strong>de</strong> violino, Iberê Gomes Grosso (1905-1983) na<br />
<strong>de</strong> violoncelo e Arnaldo Estrela (1908-1980) na <strong>de</strong> piano.<br />
A atual <strong>de</strong>signação da Escola <strong>de</strong> Música foi estabelecida em<br />
1965, quando, por força do Decreto nº. 4.759, do Governo Militar,<br />
a <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil transformou-se em <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral<br />
do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Ainda nos anos sessenta, durante a gestão <strong>de</strong> Yolanda<br />
Ferreira, foram adquiridos vários pianos Steinway <strong>de</strong> diversos<br />
tamanhos, que se encontram, hoje, nas salas <strong>de</strong> aulas e <strong>de</strong> concertos.<br />
No mesmo período, o Salão Leopoldo Miguez passou por sua<br />
primeira gran<strong>de</strong> reforma, que mo<strong>de</strong>rnizou suas instalações, mas infelizmente<br />
ocultou gran<strong>de</strong> parte da sua <strong>de</strong>coração original.<br />
Já nos anos 1970, na administração <strong>de</strong> Baptista Siqueira, a<br />
Escola <strong>de</strong> Música ganhou um novo regimento, que estabeleceu a<br />
atual divisão acadêmica em sete diferentes <strong>de</strong>partamentos. Coube<br />
ainda a Batista Siqueira evitar a <strong>de</strong>struição do prédio <strong>de</strong> aulas da Escola<br />
<strong>de</strong> Música, por ocasião da reurbanização da Lapa, que <strong>de</strong>moliu<br />
vários prédios vizinhos.<br />
A partir dos anos 1980, atrelado ao processo <strong>de</strong> re<strong>de</strong>mocratização<br />
pelo qual passava o país, professores, servidores técnicoadministrativos<br />
e alunos passaram a indicar o nome dos novos<br />
diretores. A professora Diva Men<strong>de</strong>s Abalada, tornou-se então a<br />
primeira diretora nomeada por indicação da comunida<strong>de</strong> acadêmica<br />
e foi responsável pelo início do processo <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização<br />
da Escola <strong>de</strong> Música. A ela suce<strong>de</strong>ram-se no cargo os professores<br />
Colbert Bezerra (1990/1991), Sonia Maria Vieira (1992/1994), José<br />
Alves da Silva (1994/1998), Therezinha Schiavo (1998/1999),<br />
João Guilherme Ripper (1999/2003) e Harlei Elbert Raymundo<br />
(2003/2007).<br />
Em 1980 foi criado o primeiro Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação<br />
em Música do país, que já soma quase três centenas <strong>de</strong> trabalhos<br />
<strong>de</strong>fendidos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então. Nesta última década foi empreendida<br />
206
A Escola <strong>de</strong> Música da UFRJ e suas coleções especiais<br />
uma reforma curricular <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> proporção e uma reforma geral<br />
do prédio <strong>de</strong> 1922, com a restauração <strong>de</strong> suas características originais,<br />
projeto patrocinado pela Petrobrás.<br />
II - Os acervos históricos<br />
Durante os <strong>seus</strong> 160 anos <strong>de</strong> existência a Escola <strong>de</strong> Música da<br />
UFRJ acumulou um inestimável patrimônio, hoje dividido em diferentes<br />
setores que reúnem coleções especiais. São eles a Biblioteca<br />
Alberto Nepomuceno, o Museu Instrumental Delgado <strong>de</strong> Carvalho,<br />
o Centro <strong>de</strong> Pesquisas Folclóricas e o Laboratório <strong>de</strong> Acústica. Abordaremos<br />
neste artigo os dois primeiros.<br />
1. Biblioteca Alberto Nepomuceno<br />
A Biblioteca Alberto Nepomuceno (BAN) da Escola <strong>de</strong> Música<br />
da UFRJ é um dos principais repositórios <strong>de</strong> documentos musicais<br />
que guardam parte significativa da memória musical brasileira. Em<br />
<strong>seus</strong> arquivos estão <strong>de</strong>positadas obras dos mais importantes compositores<br />
nacionais, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os tempos coloniais até os dias <strong>de</strong> hoje,<br />
além <strong>de</strong> número expressivo <strong>de</strong> manuscritos <strong>de</strong> compositores estrangeiros,<br />
principalmente portugueses e italianos. O total do acervo é<br />
estimado em torno <strong>de</strong> 85 mil obras, sendo 14 mil só <strong>de</strong> manuscritos,<br />
e inclui ainda, além do patrimônio bibliográfico (partituras e livros),<br />
coleções <strong>de</strong> periódicos, o acervo iconográfico, o arquivo histórico e<br />
a fonoteca. A BAN é citada em várias enciclopédias e periódicos especializados<br />
<strong>de</strong> todo o mundo e é i<strong>de</strong>ntificada como uma das mais<br />
importantes bibliotecas <strong>de</strong> música <strong>de</strong> todo o continente.<br />
A origem da biblioteca remonta ao tempo da fundação<br />
do Conservatório <strong>de</strong> Música. Em um livro <strong>de</strong> registros encontra-se<br />
a mais antiga referência sobre o acervo: a doação <strong>de</strong> uma coletânea<br />
<strong>de</strong> 12 valsas, feita por Francisco Xavier Boaventura em 1848<br />
(BRANDÃO; CARVALHO. 2002, p. 69). Em <strong>seus</strong> primeiros anos, o<br />
acervo da BAN foi formado principalmente por partituras e livros<br />
207
André Cardoso<br />
doados por músicos e professores. Muitas coleções particulares tiveram<br />
como <strong>de</strong>stino a biblioteca do Conservatório, após o falecimento<br />
<strong>de</strong> <strong>seus</strong> proprietários, doadas por <strong>seus</strong> her<strong>de</strong>iros.<br />
Com a transformação do antigo Conservatório em Instituto<br />
Nacional <strong>de</strong> Música (INM), em 1890, por ocasião da Proclamação<br />
da República, a biblioteca ganhou novo impulso. No período compreendido<br />
entre 1890 e 1920, a biblioteca beneficiou-se muito com<br />
a atuação <strong>de</strong> dois diretores do INM, Leopoldo Miguez e Alberto<br />
Nepomuceno. Segundo Brandão e Carvalho “a primeira iniciativa<br />
documentada <strong>de</strong> organização foi a do próprio diretor do Instituto,<br />
Leopoldo Miguez, que, em 1891, começou a registrar as obras do<br />
acervo, com letra <strong>de</strong> seu próprio punho” (2002, p. 70).<br />
Nepomuceno, por sua vez, chegou mesmo a transferir provisoriamente<br />
seu gabinete <strong>de</strong> trabalho para junto da biblioteca e<br />
iniciou o catálogo alfabético, que <strong>de</strong>screvia e localizava as obras<br />
nas estantes. Em 1957 a Escola <strong>de</strong> Música, em reconhecimento ao<br />
trabalho do compositor, <strong>de</strong>u o nome Alberto Nepomuceno à biblioteca<br />
(2002, p. 70). Em suas viagens à Europa tanto Miguez quanto<br />
Nepomuceno adquiriram o que <strong>de</strong> mais mo<strong>de</strong>rno havia na literatura<br />
musical para o enriquecimento do acervo. Data <strong>de</strong> 1916 o início<br />
da tradução, por Alberto Nepomuceno, do Harmonielehre <strong>de</strong><br />
Arnold Schoenberg, cuja primeira edição foi impressa pela Universal<br />
Edition em 1911. Ao mesmo tempo em que a literatura mais recente<br />
era adquirida, várias obras raras foram, aos poucos, transformando<br />
o acervo num dos mais valiosos das Américas.<br />
Gran<strong>de</strong>s coleções também foram incorporadas ao acervo após<br />
a extinção <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas organizações musicais. É o caso, por<br />
exemplo, da coleção dos Teatros São João e São Pedro <strong>de</strong> Alcântara<br />
e do arquivo musical da Socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Concertos Sinfônicos.<br />
A Exposição Universal <strong>de</strong> 1908, por sua vez, <strong>de</strong>ixou como legado<br />
para a biblioteca todo o material das obras executadas nos concertos<br />
que aconteciam no antigo pavilhão da Praia Vermelha. Algumas<br />
<strong>de</strong>ssas obras foram ouvidas pela primeira vez no Brasil durante a<br />
208
A Escola <strong>de</strong> Música da UFRJ e suas coleções especiais<br />
exposição, como, por exemplo, o Prelu<strong>de</strong> a “l’après midi dun faune”<br />
<strong>de</strong> Debussy, dirigida por Francisco Braga.<br />
Diversos músicos renomados foram sucessivamente nomeados<br />
bibliotecários. Entre 1903 e 1940 respon<strong>de</strong>ram pela biblioteca:<br />
Delgado <strong>de</strong> Carvalho (1872-1921), a partir <strong>de</strong> 1903 (primeiro a adotar<br />
o sistema <strong>de</strong> fichas), Guilherme <strong>de</strong> Melo (1867-1932) entre 1908<br />
e 1931 (que <strong>de</strong>u continuida<strong>de</strong> ao trabalho <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nação do acervo<br />
iniciado por Nepomuceno, registrando 18.972 obras) e Luiz Heitor<br />
Corrêa <strong>de</strong> Azevedo, a partir <strong>de</strong> 1932 (2002, p. 70).<br />
Luiz Heitor foi outro nome que marcou profundamente a história<br />
da biblioteca e da própria Escola. Foi o primeiro redator da<br />
Revista Brasileira <strong>de</strong> Música, mais antigo periódico <strong>de</strong> musicologia<br />
do Brasil, criada em 1934. Foi, também, o responsável pela primeira<br />
tentativa <strong>de</strong> edição sistemática <strong>de</strong> obras do acervo.<br />
O Arquivo <strong>de</strong> Música Brasileira, na forma <strong>de</strong> suplemento da<br />
Revista Brasileira <strong>de</strong> Música, publicou suas primeiras partituras em<br />
1934. A partir <strong>de</strong> 1937 as edições musicais abandonaram a forma <strong>de</strong><br />
suplemento e foi criada a Coleção <strong>de</strong> Música Brasileira, publicada<br />
pela já então <strong>de</strong>nominada Escola Nacional <strong>de</strong> Música da <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />
do Brasil, com o apoio do Ministério da Educação e Saú<strong>de</strong>. A<br />
saída <strong>de</strong> Luiz Heitor como bibliotecário se <strong>de</strong>u em 1939, para assumir<br />
a recém-criada ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> folclore, e a saída da própria Escola <strong>de</strong><br />
Música em 1947, para dirigir os serviços <strong>de</strong> música da UNESCO.<br />
Durante os sucessivos mandatos da professora Joanídia<br />
Sodré a circulação da Revista Brasileira <strong>de</strong> Música foi suspensa. Com<br />
o <strong>de</strong>correr dos anos a BAN passou por diversas vicissitu<strong>de</strong>s como<br />
a transferência <strong>de</strong> local, diminuição <strong>de</strong> seu espaço físico, a interrupção<br />
do trabalho <strong>de</strong> catalogação e <strong>de</strong>mais procedimentos técnicos,<br />
culminando com um incêndio que atingiu suas instalações no<br />
ano <strong>de</strong> 1956. Tal situação levou à interdição <strong>de</strong> parte do setor <strong>de</strong><br />
manuscritos e <strong>de</strong> partituras impressas.<br />
Quase quarenta anos foram necessários para a reversão <strong>de</strong>sse<br />
quadro. Em 1981 a publicação da RBM foi retomada. Em 1985<br />
209
André Cardoso<br />
foi firmado um convênio entre a Escola <strong>de</strong> Música e a Biblioteca<br />
Nacional que visava a catalogação e microfilmagem da coleção <strong>de</strong><br />
manuscritos. Durante seis meses foram catalogadas e acondicionadas<br />
600 obras, trabalho que contou com a preciosa colaboração <strong>de</strong><br />
Merce<strong>de</strong>s Reis Pequeno, então Chefe da Seção <strong>de</strong> Música da Biblioteca<br />
Nacional (2002, p. 71). A partir <strong>de</strong> 1989 uma nova estratégia <strong>de</strong><br />
trabalho foi implementada, visando a organização global do acervo.<br />
Projetos como o <strong>de</strong> Registro Patrimonial <strong>de</strong> Manuscritos e o <strong>de</strong><br />
Acondicionamento do Acervo <strong>de</strong> Partituras foram fundamentais,<br />
este último com o apoio da infelizmente extinta Fundação VITAE.<br />
Projetos <strong>de</strong> pesquisa <strong>de</strong>senvolvidos com o acervo da BAN também<br />
foram muito importantes e se somaram ao planejamento da equipe<br />
<strong>de</strong> bibliotecárias.<br />
Tendo passado por uma fase <strong>de</strong> obras, com recursos da UFRJ,<br />
que ampliaram seu espaço físico, reestruturação e inventário<br />
material, a BAN estabeleceu como um <strong>de</strong> <strong>seus</strong> principais objetivos a<br />
digitalização <strong>de</strong> seu acervo. Tal objetivo visava <strong>de</strong>mocratizar o acesso<br />
a seu acervo por usuários do mundo inteiro através da internet,<br />
possibilitando também a sua preservação. Infelizmente o processo<br />
<strong>de</strong> abertura e mo<strong>de</strong>rnização da BAN foi interrompido entre 2003 e<br />
2007, quando o acesso a partes do acervo foi dificultado e bibliotecárias<br />
afastadas, inviabilizando seu pleno funcionamento e <strong>de</strong>senvolvimento.<br />
A retomada se <strong>de</strong>u em julho <strong>de</strong> 2007 com a imediata recomposição<br />
da equipe <strong>de</strong> bibliotecárias e ampliação do quadro <strong>de</strong> funcionários.<br />
O espaço físico foi reor<strong>de</strong>nado e um projeto <strong>de</strong> digitalização<br />
do acervo estabelecido. Em setembro do mesmo ano foi inaugurada<br />
a Biblioteca Digital da Escola <strong>de</strong> Música da UFRJ reunindo 3.500<br />
páginas <strong>de</strong> seu acervo para consulta, impressão ou download através<br />
da internet.<br />
Do enorme acervo especializado da BAN <strong>de</strong>stacaremos aqui<br />
três diferentes setores: o <strong>de</strong> obras raras, o <strong>de</strong> documentos históricos<br />
e o <strong>de</strong> manuscritos musicais.<br />
210
A Escola <strong>de</strong> Música da UFRJ e suas coleções especiais<br />
1.1 – Obras raras<br />
O setor <strong>de</strong> obras raras é constituído por tratados teórico-musicais<br />
do século XVI ao século XIX, especialmente italianos e franceses,<br />
que representa o que <strong>de</strong> mais importante foi produzido nas<br />
áreas da teoria e história da música. Por sua rarida<strong>de</strong> – alguns exemplares<br />
são únicos em todo o Brasil e raros até mesmo em bibliotecas<br />
européias – a coleção <strong>de</strong>sperta um gran<strong>de</strong> interesse por parte <strong>de</strong><br />
pesquisadores <strong>de</strong> todo o mundo. As obras mais antigas datam da<br />
segunda meta<strong>de</strong> do século XVI <strong>de</strong>stacando-se três títulos do italiano<br />
Gioseffo Zarlino (1517-1590): Le Istitutioni Harmoniche, <strong>de</strong> 1562,<br />
Dimostrationi Harmoniche, <strong>de</strong> 1571, e Sopplimenti Musicali, <strong>de</strong> 1588.<br />
Ainda do século XVI temos o Graduale Sanctuarium, <strong>de</strong> 1583, com<br />
uma coletânea <strong>de</strong> cantos gregorianos, e o tratado L’Arte <strong>de</strong>l Contraponto<br />
(1598) <strong>de</strong> Giovanni Maria Artusi (c.1540–1613). Do século<br />
seguinte encontramos Musico Prattico (1673) <strong>de</strong> Giovanni Maria<br />
Bononcini (1642-1678), Historia Musica (1695) <strong>de</strong> Giovanni Andréa<br />
Bontempi (1624-1705) e o Compendium Musicae do filósofo, físico e<br />
matemático francês René Descartes (1596-1650).<br />
“Le Istitutioni Harmoniche”(1562) <strong>de</strong> Gioseffo Zarlino.<br />
Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno da Escola <strong>de</strong> Música da UFRJ<br />
211
André Cardoso<br />
Os tratados publicados no século XVIII são mais numerosos,<br />
principalmente os franceses. De Jean Jacques Rousseau<br />
(1712-1778), uma das figuras marcantes do Iluminismo francês, está<br />
presente o Dictionnaire <strong>de</strong> Musique, publicado em Paris em 1768. De<br />
Jean le Rond D’Alembert (1717-1783) encontramos o seu Élémens<br />
<strong>de</strong> Musique Théorique et Pratique, publicado em Lyon em 1772. O<br />
maior <strong>de</strong>staque, entretanto é a edição original da principal obra<br />
teórica do compositor Jean-Philippe Rameau (1683-1764), o Traité<br />
<strong>de</strong> l’Harmonie réduite à sés príncipes naturels, <strong>de</strong> 1722. Ainda do<br />
século XVIII é uma das obras referenciais sobre baixo contínuo:<br />
L’ Armonico Pratico al Cimbalo, <strong>de</strong> Francesco Gasparini (1668-1727),<br />
cuja primeira impressão foi feita em Veneza em 1708.<br />
A maior quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> obras se concentra no século XIX,<br />
incluindo aí o primeiro dicionário musical publicado no Brasil em<br />
1843, <strong>de</strong> autoria <strong>de</strong> Raphael Coelho Machado (1814-1887) e o<br />
Compendio <strong>de</strong> Principios Elementares <strong>de</strong> Musica <strong>de</strong> Francisco<br />
Manoel da Silva (1795-1865). Entre os títulos estrangeiros o <strong>de</strong>staque<br />
no campo lexicográfico são os oito volumes da Biographie<br />
universelle <strong>de</strong>s musiciens do musicólogo belga François-Joseph Fétis<br />
(1784-1871), publicada entre os anos <strong>de</strong> 1835 e 1844.<br />
1.2 – Documentos históricos<br />
Além <strong>de</strong> livros e partituras sobre música e temas afins a BAN<br />
possui um setor <strong>de</strong> documentos históricos que valoriza enormemente<br />
seu acervo, pois retratam e representam mais <strong>de</strong> dois séculos<br />
<strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s musicais. São documentos pessoais, peças gráficas,<br />
programas <strong>de</strong> concertos, fotografias, recortes <strong>de</strong> jornais e revistas,<br />
acessórios e utensílios, além <strong>de</strong> documentos administrativos da instituição<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> os tempos do Conservatório <strong>de</strong> Música.<br />
A Coleção <strong>de</strong> Autógrafos é a que <strong>de</strong>sperta maior interesse.<br />
São cartas, postais, bilhetes e cartões <strong>de</strong> visitas <strong>de</strong> alguns dos mais<br />
importantes compositores <strong>de</strong> todos os tempos, que foram sendo<br />
incorporados ao acervo ao longo dos anos através <strong>de</strong> doações <strong>de</strong><br />
212
A Escola <strong>de</strong> Música da UFRJ e suas coleções especiais<br />
professores e colecionadores. Entre os documentos <strong>de</strong> maior <strong>de</strong>staque<br />
estão cartas e bilhetes dos compositores Gioachino Rossini<br />
(1792-1868), Johannes Brahms (1833-1897), Franz Liszt (1811-1886),<br />
Giacomo Meyerbeer (1791-1864), Edvard Grieg (1843-1907) e Camile<br />
Saint-Saens (1835-1921). Entre os compositores brasileiros se <strong>de</strong>stacam<br />
Carlos Gomes (1836-1896), Leopoldo Miguez (1850-1902),<br />
Alberto Nepomuceno (1864-1920) e Alexandre Levy (1864-1892).<br />
Na mesma coleção encontra-se o livro <strong>de</strong> autógrafos on<strong>de</strong> os gran<strong>de</strong>s<br />
músicos e compositores do final do século XIX e início do XX<br />
<strong>de</strong>ixaram registradas mensagens após visita ao Instituto Nacional<br />
<strong>de</strong> Música. Lá estão mensagens e assinaturas <strong>de</strong>, entre outros, Ottorino<br />
Respighi (1879-1936), José Viana da Mota (1868-1948) e Ignacy<br />
Pa<strong>de</strong>rewski (1860-1941).<br />
Carta autógrafa <strong>de</strong> Johannes Brahms para G. Astor. Viena, 23 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1892.<br />
Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno da Escola <strong>de</strong> Música da UFRJ<br />
O setor <strong>de</strong> documentos históricos também é composto por<br />
obras musicais que formam coleções mistas <strong>de</strong> manuscritos e impressos<br />
que, por sua importância, merecem algum <strong>de</strong>staque. A Coleção<br />
Guilherme <strong>de</strong> Mello é uma <strong>de</strong>las.<br />
213
André Cardoso<br />
Guilherme Theodoro Pereira <strong>de</strong> Mello assumiu o posto <strong>de</strong> bibliotecário<br />
interino do Instituto Nacional <strong>de</strong> Música em 1928, sendo<br />
efetivado no ano seguinte. Foi o autor da primeira história da música<br />
brasileira, intitulada A Música no Brasil e publicada em Salvador<br />
no ano <strong>de</strong> 1908. Em 1947 a obra, por sua importância histórica<br />
e pioneirismo, foi corrigida e prefaciada por Luiz Heitor Corrêa <strong>de</strong><br />
Azevedo, tendo sido reeditada pela Escola Nacional <strong>de</strong> Música. A<br />
Coleção Guilherme <strong>de</strong> Mello foi reunida e doada à biblioteca por<br />
seu proprietário, sendo composta por modinhas, lundus e música<br />
<strong>de</strong> salão do século XIX, manuscritas e impressas. Estão presentes<br />
na coleção peças <strong>de</strong> autores consagrados como Gabriel Fernan<strong>de</strong>s<br />
da Trinda<strong>de</strong>, Xisto Bahia e Carlos Gomes, assim como uma série <strong>de</strong><br />
outras <strong>de</strong> autores anônimos que retratam a diversida<strong>de</strong> da música<br />
popular brasileira da época.<br />
Outras coleções importantes são as particulares, normalmente<br />
doadas por her<strong>de</strong>iros. Uma das mais ricas e completas é a Coleção<br />
Luciano Gallet que abrange praticamente toda a vida do compositor<br />
e inclui documentos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua infância, como boletins escolares<br />
e atestados <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, até cópias <strong>de</strong> memorandos e ofícios <strong>de</strong> seu<br />
período como diretor do Instituto Nacional <strong>de</strong> Música, passando<br />
por extensa correspondência recebida <strong>de</strong> várias personalida<strong>de</strong>s da<br />
época, entre as quais o escritor Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> (1893-1945).<br />
Alguns documentos avulsos também merecem <strong>de</strong>staque como<br />
as memórias do compositor e pianista Arthur Napoleão (1843-1925)<br />
e os originais do livro “150 anos <strong>de</strong> música no Brasil”, principal trabalho<br />
do musicólogo Luiz Heitor Correa <strong>de</strong> Azevedo.<br />
1.3 – Manuscritos musicais<br />
Um dos setores mais ricos do acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno<br />
é o <strong>de</strong> manuscritos musicais. Abrange obras <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />
século XVIII até o XXI. O gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>staque é, sem dúvida, a coleção<br />
<strong>de</strong> obras do padre José Maurício Nunes Garcia, que se constitui na<br />
maior mauriciana do país. A coleção é formada por manuscritos <strong>de</strong><br />
214
A Escola <strong>de</strong> Música da UFRJ e suas coleções especiais<br />
diferentes origens. A maior parte, entretanto, é originária do acervo<br />
reunido por Bento Fernan<strong>de</strong>s das Mercês (1805-1887), antigo copista,<br />
cantor e mestre da Capela Imperial do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Após<br />
sua morte os manuscritos chegaram até sua afilhada, Gabriela Alves<br />
<strong>de</strong> Souza, que ofereceu a coleção <strong>de</strong> manuscritos ao governo<br />
brasileiro para compra, pela quantia <strong>de</strong> 2:000$000. Adquirido graças<br />
a uma proposta do <strong>de</strong>putado mineiro João Pandiá Calógeras<br />
(1870-1934), que incluiu, em fins <strong>de</strong> 1897, a quantia no orçamento<br />
fe<strong>de</strong>ral, a coleção foi encaminhada ao Instituto Nacional <strong>de</strong> Música,<br />
à época dirigida pelo compositor Leopoldo Miguez. É o conjunto <strong>de</strong><br />
manuscritos mais consultado e reproduzido entre as diversas coleções<br />
do setor.<br />
Manuscrito autógrafo do Salmo “Laudate Pueri” composto pelo Padre José Maurício<br />
Nunes Garcia em 1813<br />
Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno da Escola <strong>de</strong> Música da UFRJ<br />
Outros compositores têm presença marcante no acervo<br />
como Francisco Manoel da Silva, com a partitura original do Hino<br />
Nacional Brasileiro, Carlos Gomes, Leopoldo Miguez, Henrique<br />
Oswald (1852-1931), Alberto Nepomuceno, Francisco Braga, Glauco<br />
215
André Cardoso<br />
Velásquez (1884-1914) e Luciano Gallet, constituindo um verda<strong>de</strong>iro<br />
painel da história da música no Brasil.<br />
Autores estrangeiros também se fazem presentes, especialmente<br />
portugueses e italianos como José Joaquim dos Santos<br />
(1747-1801), Marcos Portugal (1762-1830) e Saverio Mercadante<br />
(1795-1870), este último representado por um manuscrito autógrafo<br />
<strong>de</strong>dicado ao Imperador D. Pedro II.<br />
Outra coleção <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque é a dos teatros do Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />
que inclui cópias manuscritas das óperas que foram apresentadas<br />
na cida<strong>de</strong> durante o século XIX, especialmente nos Teatros São João<br />
e São Pedro <strong>de</strong> Alcântara. A presença predominante <strong>de</strong> autores italianos<br />
revela o gosto musical da socieda<strong>de</strong> brasileira da época. As<br />
cópias manuscritas <strong>de</strong> óperas <strong>de</strong> Gioachino Rossini (1792-1868),<br />
Gaetano Donizetti (1797-1848), Vincenzo Bellini (1801-1835) e Giuseppe<br />
Verdi (1813-1901) vêm <strong>de</strong>spertando cada vez mais o interesse<br />
<strong>de</strong> musicólogos estrangeiros, pois muitas vezes revelam diferenças<br />
no texto musical ou até mesmo versões alternativas <strong>de</strong> árias e<br />
conjuntos.<br />
2. Museu Delgado <strong>de</strong> Carvalho<br />
A primeira referência sobre a existência <strong>de</strong> um acervo<br />
museológico na Escola <strong>de</strong> Música encontra-se em publicação oficial<br />
do Ministério da Justiça on<strong>de</strong> está registrado que “o Instituto Nacional<br />
<strong>de</strong> Música tem um pequeno museu muito interessante e curioso;<br />
um gabinete <strong>de</strong> acústica regularmente montado, uma biblioteca<br />
pequena, um órgão <strong>de</strong> 16 pés <strong>de</strong> Wilhem Sauer, um pequeno órgão<br />
<strong>de</strong> estudo do mesmo autor e um instrumental para orchestra”. 1 A<br />
primeira catalogação das peças, que revela a constituição inicial<br />
do acervo, foi feita pelo compositor Joaquim Tomas Delgado <strong>de</strong><br />
1 NOTÍCIA histórica dos serviços, instituições e estabelecimentos pertencentes a esta<br />
repartição. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Imprensa Nacional, 1898, p. 16. Apud ALMEIDA, Afifi Craveiro.<br />
Museu Instrumental Delgado <strong>de</strong> Carvalho: breve história. Revista Brasileira <strong>de</strong><br />
Música, v. 21, p. 87, 1994.<br />
216
A Escola <strong>de</strong> Música da UFRJ e suas coleções especiais<br />
Carvalho (1872-1922) que havia sido nomeado bibliotecário do Instituto<br />
Nacional <strong>de</strong> Música em 1902, cargo que exerceu até o ano<br />
<strong>de</strong> 1907. Ao bibliotecário do Instituto cabia a responsabilida<strong>de</strong> pelo<br />
museu.<br />
A organização do acervo seguiu a metodologia estabelecida<br />
pelo curador do Museu do Real Conservatório <strong>de</strong> Bruxelas,<br />
Victor-Charles Mahillon (1841-1924), que gerou anos mais tar<strong>de</strong><br />
o sistema <strong>de</strong> classificação <strong>de</strong> instrumentos musicais estabelecido<br />
pelos musicólogos Erich Moritz von Hornbostel (1877-1935) e Curt<br />
Sachs (1881-1959), origem da mo<strong>de</strong>rna organologia. Os instrumentos<br />
foram divididos em quatro diferentes categorias: autofônicos,<br />
hymenofônicos, dianemofônicos e cordofônicos. Além <strong>de</strong> instrumentos<br />
musicais o museu possuía também, em sua organização<br />
original, os setores <strong>de</strong> Mecânica (mecanismos <strong>de</strong> pianos, metrônomos,<br />
fonógrafos), Acessórios (surdinas, bancos, chaves <strong>de</strong> afinação,<br />
válvulas <strong>de</strong> extensão, peles, etc), Exposições Gráficas (documentos<br />
históricos) e Utensílios (batutas, medalhas, máscaras mortuárias,<br />
etc) (CARVALHO, 1905, p 5-12). Pela <strong>de</strong>scrição do acervo original<br />
do museu po<strong>de</strong>mos perceber e relação que o mesmo tinha com o<br />
acervo da biblioteca.<br />
Outras duas catalogações foram produzidas em 1974 e<br />
1990, revelando as peças que foram agregadas ao acervo e, lamentavelmente,<br />
as que foram perdidas (ALMEIDA, 1994, p. 89).<br />
O acervo atual é composto por instrumentos musicais <strong>de</strong><br />
diversas culturas <strong>de</strong> todo o mundo, além <strong>de</strong> peças raras que remontam<br />
aos séculos XVIII, como um basset-horn em fá, e XIX, como uma<br />
flauta fabricada por Theobald Boehm (1794-1881), datada <strong>de</strong> 1867,<br />
e um oboé da manufatura <strong>de</strong> Fortunato Vinatieri (1807 - 1863).<br />
217
André Cardoso<br />
Basset-horn em Fá (séc.XVIII) e Oboé (séc.XIX)<br />
Acervo do Museu Delgado <strong>de</strong> Carvalho da Escola <strong>de</strong> Música da UFRJ<br />
Dezesseis diferentes países estão representados: Egito, Marrocos,<br />
Sudão, Java, Índia, Pérsia, China, Japão, Sião, Alemanha, França,<br />
Bélgica, Hungria, Estados Unidos, Portugal e Brasil.<br />
Destacamos, por exemplo, o “Ine-Kin” da China, o “Darabukkeh”<br />
do Egito, o “Aktara” da Índia e “Meyura Vina”, instrumento indiano<br />
em forma <strong>de</strong> pavão.<br />
O Museu Delgado <strong>de</strong> Carvalho durante mais <strong>de</strong> trinta anos<br />
ficou localizado no corredor <strong>de</strong> entrada da Escola <strong>de</strong> Música da<br />
UFRJ. O Regimento da Escola, em seu artigo 259, <strong>de</strong>termina que “a<br />
Escola manterá um museu <strong>de</strong> objetos <strong>de</strong> interesses musicais” cuja<br />
diretoria “manterá um funcionário <strong>de</strong> sua confiança encarregado<br />
<strong>de</strong> zelar pela conservação do museu”. 2 Já o artigo 278 do mesmo<br />
regimento informa que o museu é “anexo à biblioteca” e “ficará sob<br />
a fiscalização do bibliotecário, a quem incumbirá a guarda e conservação<br />
dos instrumentos musicais antigos e objetos relativos à música<br />
e será supervisionado por um professor titular indicado pela<br />
direção”(1994, p.103-104).<br />
2 REGIMENTO da Escola <strong>de</strong> Música. Suplemento ao Boletim no. 05 <strong>de</strong> 01 <strong>de</strong> fevereiro<br />
<strong>de</strong> 1973. Rio <strong>de</strong> Janeiro: UFRJ/CLA, 1973, p. 96.<br />
218
A Escola <strong>de</strong> Música da UFRJ e suas coleções especiais<br />
A leitura do regimento e o local on<strong>de</strong> estava localizado revelam<br />
que o acervo <strong>de</strong> instrumentos e objetos musicais não se constitui<br />
efetivamente em um museu, mas uma simples exposição <strong>de</strong><br />
instrumentos e objetos musicais <strong>de</strong>positados em armários inapropriados<br />
sem conservação e climatização. Não há um museólogo<br />
responsável ou reserva técnica. Nos últimos vinte anos o acervo não<br />
recebeu nenhum tipo <strong>de</strong> doação e seu acervo não foi renovado ou<br />
ampliado. Desconheço a existência <strong>de</strong> algum projeto educacional<br />
ou artístico que tenha sido <strong>de</strong>senvolvido <strong>de</strong> modo a atingir os objetivos<br />
culturais e sociais <strong>de</strong> um museu.<br />
Como perspectiva para o Museu Delgado <strong>de</strong> Carvalho se apresenta<br />
o Projeto <strong>de</strong> Restauração e Revitalização da Escola <strong>de</strong> Música<br />
da UFRJ (Pronac 028988) que, sob patrocínio da Petrobras, prevê a<br />
elaboração <strong>de</strong> um projeto museológico e a reinstalação do acervo<br />
em condições a<strong>de</strong>quadas.<br />
Meyura Vina (Índia)<br />
Acervo do Museu Delgado <strong>de</strong> Carvalho da Escola <strong>de</strong> Música da UFRJ<br />
219
André Cardoso<br />
Referências<br />
ALMEIDA, Afifi Craveiro. Museu Instrumental Delgado <strong>de</strong> Carvalho: breve história.<br />
Revista Brasileira <strong>de</strong> Música. Rio <strong>de</strong> Janeiro, v. 21, p. 87 - 94, 1994.<br />
BRANDÃO, Dolores; CARVALHO, Maria Luiza Nery <strong>de</strong>. Biblioteca Alberto<br />
Nepomuceno da Escola <strong>de</strong> Música da UFRJ: do raro ao virtual. Revista Brasileira <strong>de</strong><br />
Música. Rio <strong>de</strong> Janeiro, v. 22, p. 69 - 75, 2002.<br />
CARVALHO, Joaquim Tomas Delgado <strong>de</strong>. O museu instrumental do Instituto Nacional<br />
<strong>de</strong> Música do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Imprensa Nacional, 1905.<br />
DE PAOLA, Andrely Quintella; GONSALEZ, Helenita. Escola <strong>de</strong> Música da<br />
<strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro: história e arquitetura. Rio <strong>de</strong> Janeiro: UFRJ,<br />
1998.<br />
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO. Centro <strong>de</strong> Letras e Artes. Escola<br />
<strong>de</strong> Música. Regimento da Escola <strong>de</strong> Música. Boletim da Escola <strong>de</strong> Música. Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro, n.5, 1. fev. 1973. Sumplemento.<br />
SIQUEIRA, Baptista. Do Conservatório à Escola <strong>de</strong> Música: ensaio histórico. Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro: UFRJ, 1972.<br />
220
O PROEDES – Programa <strong>de</strong> Estudos e<br />
Documentação Educação e Socieda<strong>de</strong>:<br />
origens e <strong>de</strong>senvolvimento 1<br />
Maria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Albuquerque Fávero<br />
1. O PROEDES: das origens à construção<br />
Como é freqüente em comunicações, esta apresenta uma<br />
visão em processo do tema em foco. Tentaremos <strong>de</strong>screver e analisar<br />
uma experiência que reflete uma práxis que envolve pesquisa e<br />
documentação. Trata-se <strong>de</strong> articular o trabalho <strong>de</strong> investigação com<br />
o <strong>de</strong> resgate, recuperação e organização <strong>de</strong> fontes documentais.<br />
Este trabalho visa reagrupar as fontes documentais, tornando-as<br />
pertinentes, colocando-as em relação até constituírem um conjunto,<br />
através do qual a memória coletiva passa a ser valorizada, instituindo-se<br />
em patrimônio cultural, além <strong>de</strong> oferecer importantes<br />
subsídios para estudos e investigações <strong>de</strong> pesquisadores, não<br />
apenas do PROEDES - Programa <strong>de</strong> Estudos e Documentação Educação<br />
e Socieda<strong>de</strong>, mas <strong>de</strong> diversas instituições do Rio <strong>de</strong> Janeiro, <strong>de</strong> outros<br />
estados e até mesmo do exterior.<br />
O PROEDES tem suas origens no projeto <strong>de</strong> pesquisa: “Da<br />
Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia à Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Educação: resgate<br />
<strong>de</strong> uma história” <strong>de</strong>senvolvido por um grupo <strong>de</strong> pesquisadores da<br />
Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Educação, da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
1 Esta comunicação tem por base estudos anteriores sobre o PROEDES, produzidos<br />
pela autora: a) FÁVERO, Maria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s <strong>de</strong> A. O PROEDES- Programa <strong>de</strong> Estudos e<br />
Documentação Educação e Socieda<strong>de</strong> – produzindo referências em educação superior.<br />
Educação em Revista. Belo Horizonte: Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Educação da UFMG, n.35, p.<br />
93-102, julho 2002 e b) “O PROEDES: origens, construção e <strong>de</strong>senvolvimento”, comunicação<br />
apresentada no SEMINÁRIO 20 ANOS do PROEDES, 13 e 14 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong><br />
2007. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Fórum <strong>de</strong> Ciência e Cultura / UFRJ.<br />
221
Maria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Albuquerque Fávero<br />
(UFRJ), incluindo a participação <strong>de</strong> mestrandos e doutorandos, bem<br />
como <strong>de</strong> bolsistas <strong>de</strong> Iniciação Científica, Aperfeiçoamento e Apoio<br />
Técnico do CNPq e da FAPERJ. Esse projeto teve início em janeiro <strong>de</strong><br />
1987, sendo <strong>de</strong>senvolvido até julho <strong>de</strong> 1990, contando com o apoio<br />
<strong>de</strong>ssas duas agências <strong>de</strong> fomento à pesquisa, da Fundação Universitária<br />
José Bonifácio (FUJB/UFRJ), além <strong>de</strong> importante colaboração<br />
e assessoria do Arquivo Nacional na organização do fundo <strong>de</strong>ssa<br />
Faculda<strong>de</strong>.<br />
Durante esse período, o trabalho do grupo <strong>de</strong> pesquisa centrou-se<br />
no levantamento e análise <strong>de</strong> dados relativos à Faculda<strong>de</strong><br />
Nacional <strong>de</strong> Filosofia (FNFi), procurando apreen<strong>de</strong>r as razões que<br />
contribuíram e influenciaram sua criação em 1939, seu <strong>de</strong>senvolvimento<br />
e sua fragmentação, efetuada entre 1967 e 1968. Extinta<br />
em 1968, ela continua presente na memória daqueles que a<br />
produziram e vivenciaram, assim como, indiretamente, através <strong>de</strong><br />
unida<strong>de</strong>s da UFRJ, que nela têm suas origens: Escola <strong>de</strong> Comunicação,<br />
Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Educação, Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras, Instituto <strong>de</strong><br />
Biologia, Instituto <strong>de</strong> Física, Instituto <strong>de</strong> Filosofia e Ciências Sociais,<br />
Instituto <strong>de</strong> Geociências, Instituto <strong>de</strong> Matemática e Instituto <strong>de</strong><br />
Química.<br />
Com a preocupação <strong>de</strong> apreen<strong>de</strong>r melhor a história daquela<br />
instituição, realizamos não somente análise <strong>de</strong> suas fontes documentais,<br />
mas procuramos também ouvir pessoas que participaram<br />
e produziram a Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia – ex-professores,<br />
ex-alunos e ex-funcionários -, realizando entrevistas, das quais<br />
trinta e oito estão publicadas no livro: Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia:<br />
Depoimentos. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Serviço Industrial Gráfico-UFRJ,<br />
1992. V.5 - Série Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia, além <strong>de</strong> alguns<br />
<strong>de</strong>poimentos também importantes que se encontram no PROEDES,<br />
abertos à consulta e que não foram incluídos nesse livro, porque<br />
não dispúnhamos, na época, <strong>de</strong> autorização dos entrevistados para<br />
sua divulgação. Um problema grave e que não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />
registrar, é que até 3 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1990, tínhamos um arquivo<br />
222
O PROEDES – Programa <strong>de</strong> Estudos e Documentação Educação e Socieda<strong>de</strong>:<br />
sonoro com cerca <strong>de</strong> cem fitas cassete gravadas, contendo entrevistas<br />
com ex-professores, ex-alunos e ex-funcionários da FNFi 2 . Mas,<br />
todo esse material foi furtado do anexo da Biblioteca do Centro <strong>de</strong><br />
Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), on<strong>de</strong> estão preservados mais<br />
<strong>de</strong> 70% da Biblioteca do CBPE/INEP e, naquele período, funcionava<br />
também o PROEDES. Embora o furto tenha sido registrado na<br />
Secretaria <strong>de</strong> Estado da Polícia Civil do Rio <strong>de</strong> Janeiro, em 4 <strong>de</strong><br />
outubro <strong>de</strong> 1990, não se recebeu posteriormente qualquer informação<br />
a respeito.<br />
O problema não teve conseqüências maiores com a perda<br />
<strong>de</strong>ssas fitas porque os <strong>de</strong>poimentos sobre a Faculda<strong>de</strong> Nacional<br />
<strong>de</strong> Filosofia estavam transcritos e a maior parte autorizados para<br />
publicação pelos respectivos <strong>de</strong>poentes. Mas, na ótica dos que trabalhavam<br />
e continuam a fazê-lo no PROEDES, não somente a UFRJ<br />
per<strong>de</strong>u parte <strong>de</strong> sua memória gravada, naquele período, assim<br />
como parte da história da ciência no país. Afinal era um trabalho que<br />
vínhamos <strong>de</strong>senvolvendo com especial interesse e com imensas<br />
dificulda<strong>de</strong>s. Naquele momento o apoio da Reitoria e do Decanato<br />
do CFCH da UFRJ foi inestimável, como também o <strong>de</strong> alguns pesquisadores<br />
e cientistas <strong>de</strong> outras instituições, <strong>de</strong>ntre os quais<br />
<strong>de</strong>stacaríamos o professor José Leite Lopes, do Centro Brasileiro <strong>de</strong><br />
Pesquisas Físicas (CBPF) e ex-catedrático da Faculda<strong>de</strong> Nacional<br />
<strong>de</strong> Filosofia.<br />
Até então, não imaginávamos a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa ocorrência.<br />
Temíamos, sim, que essas fitas, por motivos diversos, pu<strong>de</strong>ssem<br />
ser danificadas. Por essa razão, do auxílio solicitado à FAPERJ,<br />
naquele ano, uma parte dos recursos era <strong>de</strong>stinada à aquisição <strong>de</strong><br />
um lote consi<strong>de</strong>rável <strong>de</strong> fitas para se fazer uma duplicata <strong>de</strong> cada<br />
2 Tínhamos, também duas fitas contendo uma entrevista com o General Meira<br />
Mattos, que fez toda uma sindicância antes <strong>de</strong> nos receber - a doutoranda Elizabeth<br />
Jones, já falecida e eu. É pertinente lembrar que Meira Mattos foi presi<strong>de</strong>nte da<br />
Comissão Especial, instituída em 29/12/1967 para emitir parecer sobre as ativida<strong>de</strong>s<br />
estudantis e propor medidas que garantissem a aplicação das diretrizes governamentais<br />
no setor (Decreto nº. 62.024/67).<br />
223
Maria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Albuquerque Fávero<br />
entrevista, a qual ficaria guardada em outro local, na UFRJ. Mas, o<br />
inesperado ocorreu.<br />
Esse episódio nos fez enten<strong>de</strong>r o significado da perda <strong>de</strong> importantes<br />
fontes, como tem ocorrido em arquivos e mu<strong>seus</strong> do país<br />
e conscientizando-nos <strong>de</strong> que sempre é tempo <strong>de</strong> recomeçar. Após<br />
um inci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>sse tipo, o pesquisador e sua equipe precisam ter<br />
clareza do que preten<strong>de</strong>m realizar, apostar no que se quer, além <strong>de</strong><br />
muita imaginação para prosseguir. Desse modo, o trabalho não sofreu<br />
solução <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong>. Os entrevistados foram contatados,<br />
solicitando àqueles que ainda não tinham visto a transcrição <strong>de</strong> sua<br />
entrevista para fazer uma leitura e, estando <strong>de</strong> acordo, autorizarem<br />
a publicação, como também a abertura ao público para consultas.<br />
A resposta foi integralmente positiva.<br />
Uma questão que precisa ser registrada é que, no início da pesquisa<br />
sobre a Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia, não tínhamos idéia<br />
exata da situação em que se encontrava seu acervo. Para surpresa<br />
da equipe, <strong>de</strong>paramo-nos com gran<strong>de</strong> massa <strong>de</strong> documentos, sem<br />
nenhuma organização arquivística, muitos <strong>de</strong>les estragados, com<br />
perda <strong>de</strong> informações, outros acidificados pela falta <strong>de</strong> climatização,<br />
muitos danificados pela ferrugem <strong>de</strong> clipes e grampos <strong>de</strong> ferro,<br />
enquanto outros ainda incompletos. 3 O acesso e o contato direto<br />
com essas fontes nos <strong>de</strong>ixaram perplexos em relação ao estado<br />
lamentável <strong>de</strong> conservação <strong>de</strong>sse fundo, sobretudo porque acreditávamos<br />
<strong>de</strong> que se tratava <strong>de</strong> um arquivo <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> relevância<br />
para um conhecimento mais completo da história da <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />
Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro (UFRJ), como também das instituições<br />
educacionais e científicas no país. O trabalho <strong>de</strong> recuperação e<br />
3 Os <strong>de</strong>poimentos e entrevistas realizadas sobre Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia<br />
nos permitem inferir que parte significativa <strong>de</strong> fontes documentais textuais foram<br />
<strong>de</strong>struídas ou <strong>de</strong>sapareceram após o Golpe <strong>de</strong> 1964, quando militares passaram a<br />
“visitar” freqüentemente a Faculda<strong>de</strong>. Entre os documentos <strong>de</strong>saparecidos, chamaram<br />
especial atenção os livros <strong>de</strong> Atas das Reuniões da Congregação referentes aos<br />
anos <strong>de</strong> 1962, 1963 e do primeiro semestre <strong>de</strong> 1964, não encontrados até hoje na<br />
<strong>Universida<strong>de</strong></strong>.<br />
224
O PROEDES – Programa <strong>de</strong> Estudos e Documentação Educação e Socieda<strong>de</strong>:<br />
organização <strong>de</strong>sse importante fundo, constituído atualmente por<br />
mais <strong>de</strong> 100.000 documentos, nos fez ver com maior clareza que<br />
a preservação e a valorização da memória educacional e cultural<br />
brasileira era e continua sendo uma tarefa que está a <strong>de</strong>safiar<br />
permanentemente a intervenção lúcida e diligente da iniciativa<br />
pública, como também da particular.<br />
Ao mesmo tempo em que <strong>de</strong>senvolvíamos a pesquisa sobre<br />
a Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia e éramos compelidos a organizar<br />
seu acervo, as reflexões da equipe do projeto se ampliavam em<br />
dupla direção: <strong>de</strong> um lado, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se dominar um referencial<br />
teórico para melhor apreen<strong>de</strong>r a realida<strong>de</strong>, admitindo que<br />
a teoria é fundamental para se lidar com os fatos, para se dialogar<br />
com as fontes; <strong>de</strong> outro, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se criar um espaço que<br />
possibilitasse o diálogo teórico-metodológico, <strong>de</strong> forma consistente<br />
e conseqüente, com a clareza <strong>de</strong> que a produção científica não<br />
se faz isoladamente. Sob essa ótica, a opção assumida pelo grupo<br />
passou a ser a <strong>de</strong> ampliar o trabalho, o que nos levou, após várias<br />
discussões em reuniões, a elaborar o Projeto <strong>de</strong> Estudos e Documentação<br />
Educação e Socieda<strong>de</strong> -PROEDES.<br />
Em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> todo um trabalho realizado, o PROEDES<br />
é aprovado em agosto <strong>de</strong> 1990 pelo Conselho <strong>de</strong> Ensino para<br />
Graduados (CEPG/UFRJ), como um projeto integrado, tendo como<br />
principais objetivos: dar continuida<strong>de</strong> à pesquisa sobre a Faculda<strong>de</strong><br />
Nacional <strong>de</strong> Filosofia e completar a organização <strong>de</strong> seu arquivo; <strong>de</strong>senvolver<br />
estudos e investigações sobre instituições educacionais<br />
e científicas no país e <strong>seus</strong> atores; organizar um centro <strong>de</strong> documentação<br />
referente à história da educação brasileira, às instituições<br />
educacionais e científicas no país e ao pensamento educacional<br />
brasileiro, sobretudo a partir <strong>de</strong> 1930. Com vistas à concretização<br />
<strong>de</strong>sses objetivos, durante dois anos <strong>de</strong>u-se continuida<strong>de</strong> à pesquisa<br />
sobre a Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia, procurando-se aprofundar<br />
as seguintes questões: concepções <strong>de</strong> ensino e pesquisa nos<br />
diferentes cursos <strong>de</strong>ssa Faculda<strong>de</strong> e como essas concepções vão se<br />
225
Maria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Albuquerque Fávero<br />
refletir mais tar<strong>de</strong> em escolas, faculda<strong>de</strong>s e institutos da UFRJ que<br />
tiveram origem naquela instituição.<br />
A idéia <strong>de</strong> se criar um núcleo, centro ou programa <strong>de</strong> estudos<br />
e documentação surgiu em 1990, quando recebemos o Arquivo do<br />
Asylo <strong>de</strong> Meninos Desvalidos, com mais <strong>de</strong> 34.000 documentos. Foi<br />
intensificada a partir <strong>de</strong> 1991 com a doação <strong>de</strong> arquivos e coleções<br />
dos educadores Durmeval Trigueiro Men<strong>de</strong>s (1991-1992), João Roberto<br />
Moreira (1992), Raul Bittencourt (1992) e <strong>de</strong> várias coleções<br />
temáticas, abrangendo documentos relativos aos Acordos MEC-<br />
USAID, à Constituinte, à Lei <strong>de</strong> Diretrizes e Bases da Educação Nacional,<br />
<strong>de</strong>ntre outros.<br />
Da parte daqueles que integravam o Projeto <strong>de</strong> Estudos e Documentação<br />
havia a preocupação <strong>de</strong> não apenas <strong>de</strong>senvolver pesquisas,<br />
mas também <strong>de</strong> resgatar, recuperar e organizar as fontes<br />
documentais, procurando articulá-las, <strong>de</strong> modo que a memória coletiva<br />
educacional fosse valorizada e preservada. Os pesquisadores<br />
tinham muito presente a importância <strong>de</strong>ssas fontes documentais<br />
para o estudo da história da educação brasileira, da história <strong>de</strong> instituições<br />
educacionais e científicas do país e do pensamento educacional<br />
brasileiro.<br />
Após vários contatos com diferentes instâncias <strong>de</strong>cisórias da<br />
UFRJ, o Projeto é reconhecido como Programa, em 1994, pela Congregação<br />
da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Educação e, em 1995, pelo Conselho<br />
<strong>de</strong> Coor<strong>de</strong>nação do Centro <strong>de</strong> Filosofia e Ciências Humana (CFCH)<br />
e pelo Conselho <strong>de</strong> Ensino para Graduados e Pesquisa (CEPG) da<br />
UFRJ.<br />
O Programa <strong>de</strong> Estudos e Documentação Educação e Socieda<strong>de</strong><br />
foi instituído tendo por objetivos: a) realizar estudos e pesquisas referentes<br />
a temas <strong>de</strong> educação, a instituições educacionais e científicas;<br />
b) contribuir para a formação <strong>de</strong> pesquisadores; c) constituir-se<br />
em um centro <strong>de</strong> documentação em educação brasileira.<br />
Para concretizar tais objetivos, o PROEDES passou a <strong>de</strong>senvolver<br />
estudos e investigações em duas linhas <strong>de</strong> pesquisa. A primeira,<br />
226
O PROEDES – Programa <strong>de</strong> Estudos e Documentação Educação e Socieda<strong>de</strong>:<br />
centrada na historia das instituições educacionais e científicas no<br />
país, com os seguintes propósitos: a) estudar essas instituições, buscando<br />
i<strong>de</strong>ntificar as propostas e as condições que <strong>de</strong>ram origem<br />
à sua criação, institucionalização e <strong>de</strong>senvolvimento; b) analisar o<br />
papel, as contribuições e a importância estratégica <strong>de</strong> instituições<br />
educacionais e científicas nos embates políticos e i<strong>de</strong>ológicos que<br />
se travaram no país, em especial no período que se esten<strong>de</strong> <strong>de</strong> 1930<br />
aos dias atuais, procurando caracterizar, também, suas relações <strong>de</strong><br />
po<strong>de</strong>r, mecanismos <strong>de</strong> dominação e participação, bem como sua<br />
constituição e funcionamento; c) investigar contribuições inovadoras<br />
<strong>de</strong> instituições educacionais, em termos <strong>de</strong> concepção <strong>de</strong> ensino,<br />
pesquisa e <strong>de</strong> extensão universitária, <strong>de</strong> propostas curriculares,<br />
<strong>de</strong> formação <strong>de</strong> professores e especialistas em diferentes áreas do<br />
conhecimento, <strong>de</strong> pesquisadores e <strong>de</strong> administradores <strong>de</strong> educação.<br />
A segunda linha passou a trabalhar a construção do pensamento<br />
educacional brasileiro, procurando: a) investigar o processo<br />
<strong>de</strong> construção <strong>de</strong>sse pensamento, i<strong>de</strong>ntificando suas origens, matrizes<br />
e formas como se traduz na história da educação brasileira,<br />
através <strong>de</strong> diretrizes políticas, da legislação, <strong>de</strong> planos e programas<br />
educacionais; b) analisar o pensamento <strong>de</strong> educadores brasileiros,<br />
sua trajetória e produção acadêmico-científica, bem como a contribuição<br />
prestada à educação no país; c) analisar idéias, planos e<br />
propostas adotadas pelo sistema educacional, sobretudo a partir<br />
dos anos 1930, através <strong>de</strong> órgãos governamentais, instituições <strong>de</strong><br />
ensino público e privado.<br />
Nessa perspectiva, graças ao esforço e <strong>de</strong>dicação daqueles que<br />
vêm trabalhando no PROEDES, este espaço <strong>de</strong> pesquisa e documentação<br />
gradativamente foi sendo reconhecido como um Centro<br />
<strong>de</strong> Referência em Educação Brasileira, no qual são oferecidas informações<br />
sobre a história da educação brasileira, as instituições educacionais<br />
e científicas no país e sobre o pensamento educacional<br />
brasileiro. Possibilita àqueles que o procuram não apenas a consulta<br />
227
Maria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Albuquerque Fávero<br />
ao acervo documental que está sob sua guarda, mas também uma<br />
orientação para busca <strong>de</strong> referências existentes em outros órgãos<br />
<strong>de</strong> documentação e pesquisa da cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Visando<br />
contribuir para melhor atendimento dos usuários que têm procurado<br />
o PROEDES, quando necessário, os encaminhamos a outros<br />
centros <strong>de</strong> documentação e bibliotecas (Arquivo Nacional, Biblioteca<br />
Nacional, Arquivo da Cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro, CPDOC/FGV<br />
etc), para que obtenham informações e dados necessários a <strong>seus</strong><br />
trabalhos.<br />
2. O PROEDES: produzindo referências em educação<br />
Em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong>ssa caminhada, a partir da pesquisa sobre a<br />
Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia e a organização <strong>de</strong> seu fundo, junto<br />
a outros arquivos e coleções, enquanto Centro <strong>de</strong> Estudos e Documentação,<br />
o PROEDES abriga, atualmente, um acervo constituído<br />
por mais <strong>de</strong> 300.000 documentos, distribuídos em 32 arquivos e<br />
coleções: 12 institucionais, 10 temáticos e 10 <strong>de</strong> educadores.<br />
O trabalho <strong>de</strong>senvolvido neste Programa procura também<br />
associar memória e história, reunindo conjuntos documentais e<br />
preservando “registros do passado <strong>de</strong> educadores e <strong>de</strong> instituições<br />
educacionais, ao mesmo tempo que busca reunir documentação<br />
sobre temas específicos, com vistas a proporcionar subsídios<br />
aos pesquisadores empenhados em <strong>de</strong>senvolver <strong>seus</strong> estudos e investigações<br />
no âmbito da história da educação brasileira” (XAVIER,<br />
2007, p.163).<br />
A preocupação com o trabalho, a pesquisa e a divulgação<br />
<strong>de</strong> informações contidas nos acervos que estão sob a guarda do<br />
PROEDES revela , também, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> assegurar a um centro<br />
<strong>de</strong> documentação como este, seu papel <strong>de</strong> elemento <strong>de</strong> apoio e referência<br />
à pesquisa, além da tarefa <strong>de</strong> viabilizar as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
acesso, organização e preservação <strong>de</strong> fontes documentais. Sob esse<br />
ponto <strong>de</strong> vista, o trabalho com arquivos e coleções existentes no<br />
PROEDES tem nos levado a perceber, cada vez com maior clareza<br />
228
O PROEDES – Programa <strong>de</strong> Estudos e Documentação Educação e Socieda<strong>de</strong>:<br />
que, se o documento é ponto <strong>de</strong> partida para se conhecer um fato<br />
histórico, é também por meio <strong>de</strong>le que po<strong>de</strong>mos revisitar o passado<br />
e reinterpretá-lo sob novo olhar. Como adverte Le Goff, (1992), “o documento<br />
não é inócuo”. Mas, não se po<strong>de</strong> per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista, que resulta:<br />
“[...] <strong>de</strong> uma montagem consciente ou inconsciente, da história,<br />
da época, da socieda<strong>de</strong> que o produziu, mas também das épocas<br />
sucessivas durante as quais continuou a viver, talvez esquecido, durante<br />
as quais continuou a ser manipulado, ainda que pelo silêncio”<br />
(1992, p.547). Daí, “ser preciso começar por <strong>de</strong>smontar, <strong>de</strong>molir essa<br />
montagem, <strong>de</strong>sestruturar essa construção e analisar as condições<br />
<strong>de</strong> produção dos documentos/monumentos” (1992, p. 548).<br />
Nessa perspectiva, endossamos Margarida Neves, quando assinala:<br />
O historiador não é um arqueólogo da documentação,<br />
mediador neutro entre a verda<strong>de</strong> da fonte e a verda<strong>de</strong> da História,<br />
mas sim aquele que é capaz <strong>de</strong> formular uma problemática<br />
e <strong>de</strong> construir uma interpretação em que reconhece o<br />
encontro entre duas historicida<strong>de</strong>s: a sua própria e a da documentação<br />
que utiliza. (1985, 34-35)<br />
Apoiando-nos nessas percepções, po<strong>de</strong>mos afirmar que o<br />
trabalho com as fontes documentais existentes no Programa, nos<br />
tem permitido compreen<strong>de</strong>r que a preservação <strong>de</strong>ssas fontes é <strong>de</strong><br />
fundamental importância, na medida em que esses documentos<br />
oferecem elementos para análises e abordagens diferenciadas no<br />
processo <strong>de</strong> elaboração do conhecimento em história da educação<br />
brasileira, história social e política da cultura, história das instituições<br />
educacionais e científicas no país e sobre o pensamento<br />
educacional brasileiro, sobretudo a partir dos anos <strong>de</strong> 1930.<br />
Mas, consi<strong>de</strong>ramos que os fatos e os dados não falam por si, como<br />
observa Carr (1976). Falam apenas quando o pesquisador os aborda,<br />
procurando apreen<strong>de</strong>r o pensamento que está por trás <strong>de</strong>les.<br />
É o pesquisador, o historiador quem <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> quais os fatos e os documentos<br />
que virão à cena e em que or<strong>de</strong>m ou contexto. Assim,<br />
229
Maria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Albuquerque Fávero<br />
não é por estarem registrados nos documentos que os fatos ocorreram<br />
exatamente daquela forma, pois, nenhum documento, por<br />
si só, po<strong>de</strong> nos dizer mais do que o autor achou que aconteceu<br />
ou, talvez, o que gostaria que acontecesse, ou que ele queria<br />
que acontecesse ou, talvez, o que ele queria que outros pensassem<br />
que ele pensava (1976, p. 14, 20). Essa experiência, por outro<br />
lado, nos tem possibilitado a compreensão <strong>de</strong> que a integração<br />
entre o pesquisador e as fontes constitui um diálogo permanente<br />
entre o passado e o presente, embora jamais se consiga conhecer a<br />
totalida<strong>de</strong> do caminho. A busca <strong>de</strong> um conhecimento consistente<br />
se apresenta como uma relação permanente e esclarecedora<br />
entre fragmentos documentais e o todo que se <strong>de</strong>vem elucidar<br />
mutuamente. O PROEDES tendo como uma <strong>de</strong> suas preocupações<br />
produzir referência em educação, levanta questões que se colocam<br />
e que po<strong>de</strong>rão levar a outros <strong>de</strong>safios (FÁVERO, 2002, p.97). No<br />
entanto, faz-se necessário consi<strong>de</strong>rar que é no contato com a realida<strong>de</strong><br />
que se po<strong>de</strong> “corrigir” uma percepção falha e capacitar-se para<br />
melhor reconstruí-la. E que, essa percepção po<strong>de</strong>rá ser diferente<br />
em função da formação e da intenção <strong>de</strong> quem percebe.<br />
Sob essa ótica, para dar uma visão mais abrangente do<br />
Programa <strong>de</strong> Estudos e Documentação Educação e Socieda<strong>de</strong> como<br />
um espaço universitário que produz conhecimento em educação,<br />
consi<strong>de</strong>ramos necessário situar não apenas os aspectos interiores<br />
<strong>de</strong>ssa construção, <strong>de</strong> um ponto <strong>de</strong> vista epistemológico, mas também<br />
chamar a atenção para aqueles aspectos que buscam entendêla<br />
no seu tempo e na instituição que a abriga. Um espaço que busca<br />
fixar, como assinala Libânia Xavier ( 2007) “os vestígios materiais<br />
do processo <strong>de</strong> constituição <strong>de</strong> diferentes áreas <strong>de</strong> conhecimento,<br />
bem como da própria história da instituição que o produziu”(2007,<br />
p.169).<br />
Voltando nosso olhar sobre essa produção <strong>de</strong> conhecimento,<br />
parece-nos oportuno <strong>de</strong>stacar estudos e pesquisas <strong>de</strong>senvolvidos<br />
pelos pesquisadores, pós-graduandos e bolsistas <strong>de</strong> iniciação cien-<br />
230
O PROEDES – Programa <strong>de</strong> Estudos e Documentação Educação e Socieda<strong>de</strong>:<br />
tífica, aperfeiçoamento e apoio técnico integrados a esse Programa.<br />
Vale mencionar ainda os acervos, que estão sob sua guarda, on<strong>de</strong><br />
se encontram vários trabalhos sobre a história das instituições educacionais<br />
e científicas e temas relacionados à educação e ao pensamento<br />
educacional brasileiro.<br />
Em face dos propósitos <strong>de</strong>ste texto, indicaremos somente alguns<br />
produtos mais significativos que marcaram a história <strong>de</strong>ste<br />
Programa e contribuíram para dar visibilida<strong>de</strong> ao trabalho <strong>de</strong>senvolvido<br />
neste espaço, como um centro <strong>de</strong> estudos, pesquisa e documentação.<br />
Ao lado <strong>de</strong> outros, <strong>de</strong>stacaremos a Série Faculda<strong>de</strong><br />
Nacional <strong>de</strong> Filosofia, resultante do projeto <strong>de</strong> pesquisa sobre essa<br />
Faculda<strong>de</strong>, constituída <strong>de</strong> seis volumes: V. 1- Faculda<strong>de</strong> Nacional<br />
<strong>de</strong> Filosofia. Projeto ou trama universitária Rio <strong>de</strong> Janeiro: Editora<br />
UFRJ/INEP, 1989, 99 p.; V. 2 – Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia. O corpo<br />
docente. Matizes <strong>de</strong> uma proposta autoritária. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Editora<br />
UFRJ; INEP, 1989, 136 p; V. 3 - Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia.<br />
Caminhos e <strong>de</strong>scaminhos. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Editora UFRJ; INEP, 1989,<br />
85 p; V 4 - Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia. Os cursos: começando a<br />
<strong>de</strong>senrolar um novelo. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Editora UFRJ; INEP, 1989, 79<br />
p; V 5- Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia: Depoimentos. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />
FUJB, CFCH, Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Educação e PROEDES da UFRJ, 1992, 542<br />
p. O volume 6 da Série é o Catálogo do Arquivo da FNFi, <strong>de</strong> 1995,<br />
publicado no ano em que a <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
comemorava 75 anos <strong>de</strong> sua criação. Esse Catálogo apresenta um<br />
total <strong>de</strong> 89.248 documentos textuais, 237 documentos visuais e três<br />
mapas hidrográficos referentes à construção <strong>de</strong> um pavilhão <strong>de</strong> Botânica<br />
por essa Faculda<strong>de</strong> em 1942. Atualmente, como já assinalado,<br />
o Arquivo da Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia contém mais <strong>de</strong><br />
100.000 documentos e está recebendo nova organização.<br />
Entre as obras produzidas no PROEDES, merece especial <strong>de</strong>staque<br />
o Dicionário <strong>de</strong> Educadores no Brasil: da Colônia aos dias atuais,<br />
com 74 verbetes, publicada a 1ª edição pela Ed.UFRJ/MEC-INEP-<br />
Comped, em 1999, 496 p. Reconhecido por pesquisadores e estu-<br />
231
Maria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Albuquerque Fávero<br />
diosos como obra <strong>de</strong> referência importante na área <strong>de</strong> educação do<br />
país, tendo <strong>seus</strong> organizadores, Maria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Albuquerque<br />
Fávero e Ja<strong>de</strong>r <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros Britto recebido voto <strong>de</strong> louvor do Conselho<br />
Nacional <strong>de</strong> Educação (CNE), aprovado por unanimida<strong>de</strong>, em<br />
sessão plenária <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2000. A 2ª edição revista e ampliada,<br />
foi publicada em 2002, incluindo 144 verbetes <strong>de</strong> educadores, com<br />
1.007 p. Essa obra tem sido objeto <strong>de</strong> consulta por muitos estudiosos<br />
e pesquisadores da área <strong>de</strong> educação e áreas afins.<br />
Cabe <strong>de</strong>stacar a pesquisa realizada sobre a história da <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />
do Brasil, hoje UFRJ, coor<strong>de</strong>nada por nós, com a participação<br />
<strong>de</strong> bolsistas <strong>de</strong> Iniciação Científica e <strong>de</strong> Apoio Técnico do CNPq,<br />
tendo a Editora da UFRJ, com apoio financeiro do INEP publicado<br />
dois volumes, em 2000: 1) A <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil: das origens à<br />
construção e 2) <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil: guia dos dispositivos legais.<br />
O Programa <strong>de</strong> Estudos e Documentação Educação e Socieda<strong>de</strong>,<br />
integrando docentes-pesquisadores e alunos da graduação e pósgraduação,<br />
vem produzindo referências em educação, como já assinalamos.<br />
Dispõe <strong>de</strong> valioso potencial multiplicador, por seu trabalho<br />
com fontes documentais e suas publicações e por se constituir<br />
um espaço <strong>de</strong> estudo e <strong>de</strong> pesquisa. Cabe registrar que, <strong>de</strong> 1987<br />
a 2007, foram realizados no PROEDES vinte e um projetos <strong>de</strong> pesquisa.<br />
Atualmente, sete estão em <strong>de</strong>senvolvimento. Além <strong>de</strong>sses,<br />
não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> mencionar os projetos interinstitucionais<br />
que pesquisadores do Programa participam ou participaram 4 , bem<br />
como teses <strong>de</strong> doutorado e dissertações <strong>de</strong> mestrado resultantes<br />
das pesquisas realizadas neste espaço.<br />
Reiteramos que o PROEDES, como Centro <strong>de</strong> Pesquisa e Documentação,<br />
guarda e preserva fontes documentais centradas principalmente<br />
na história das instituições educacionais e científicas<br />
no país e <strong>seus</strong> atores e sobre o pensamento educacional brasileiro.<br />
Nesta perspectiva, os acervos sob sua guarda estão organizados em<br />
4 A respeito dos projetos <strong>de</strong> pesquisa <strong>de</strong>senvolvidos no PROEDES e os projetos<br />
interinstitucionais ver o CD-ROM do SEMINÁRIO 20 ANOS - PROEDES, ISBN<br />
978.85.99052.06-8.<br />
232
O PROEDES – Programa <strong>de</strong> Estudos e Documentação Educação e Socieda<strong>de</strong>:<br />
três gran<strong>de</strong>s blocos: a) arquivos e coleções sobre instituições educacionais;<br />
b) arquivos e coleções <strong>de</strong> educadores; c) coleções temáticas.<br />
Além disso, este Programa procura se constituir e se organizar<br />
para tratar a informação especializada e alimentar-se <strong>de</strong> material<br />
custodiado em bibliotecas, como também em fontes documentais<br />
existentes em outros arquivos (BELLOTO, 1991).<br />
Existem, todavia, problemas e dificulda<strong>de</strong>s que enfrentamos<br />
no PROEDES e que se aguçaram mais ainda à medida que as<br />
universida<strong>de</strong>s públicas passaram a sofrer cortes e sérias restrições<br />
financeiras. Temos presente que, para este Programa avançar e<br />
atingir <strong>de</strong> forma eficaz as metas a que se propõe, far-se-á necessário<br />
suprir nossas carências em termos <strong>de</strong> recursos humanos. Além<br />
<strong>de</strong> pesquisadores, pós-graduandos, bolsistas <strong>de</strong> iniciação científica<br />
e apoio técnico, necessitamos <strong>de</strong> dois arquivistas, um auxiliar<br />
administrativo e um especialista em banco <strong>de</strong> dados que domine<br />
diferentes tipos <strong>de</strong> programa, assumindo a responsabilida<strong>de</strong> pela<br />
colocação dos dados dos arquivos em DVDs etc. Há cerca <strong>de</strong> seis<br />
anos, o PROEDES não dispõe <strong>de</strong> nenhum funcionário administrativo<br />
e <strong>de</strong> nenhum arquivista do quadro da UFRJ. Como Centro <strong>de</strong><br />
Pesquisa e Documentação, com mais <strong>de</strong> 300.000 documentos sob<br />
sua guarda, essa carência constitui uma das maiores dificulda<strong>de</strong>s<br />
para esse Programa avançar nos objetivos que se propõe. Não<br />
obstante, apesar <strong>de</strong>sses obstáculos e limitações, temos atendido<br />
ao público que nos procura.<br />
Para finalizar<br />
Neste trabalho procuramos apresentar um pouco <strong>de</strong> nossa experiência<br />
na construção coletiva <strong>de</strong> um Centro <strong>de</strong> Pesquisa e Documentação<br />
na <strong>Universida<strong>de</strong></strong> que, apesar das dificulda<strong>de</strong>s, tornou-se<br />
viável. É um espaço que vem se institucionalizando gradualmente e<br />
com reais perspectivas <strong>de</strong> ajudar a fundamentar melhor o conhecimento<br />
sobre a história das instituições educacionais e científicas<br />
no país e <strong>seus</strong> atores, bem como sobre o pensamento educacional<br />
brasileiro.<br />
233
Maria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Albuquerque Fávero<br />
Referências<br />
BELLOTO, Heloisa Liberalli. As fronteiras da documentação. In: CASTILHO, Ataliba<br />
Teixeira (org.). A <strong>Sistema</strong>tização <strong>de</strong> Arquivos Públicos. Campinas: UNICAMP, 1991.<br />
BRASIL. Conselho Nacional <strong>de</strong> Arquivos. NOBRADE: Norma Brasileira <strong>de</strong> Descrição<br />
Arquivística. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Arquivo Nacional, 2006.<br />
CARR, Eward H. Que é história Rio <strong>de</strong> janeiro: Paz e Terra, 1976.<br />
FÁVERO, Maria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Albuquerque. O PROEDES: Programa <strong>de</strong> Estudos<br />
e Documentação Educação e Socieda<strong>de</strong>: produzindo referências em educação<br />
superior. Educação em Revista. Belo Horizonte: Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Educação da UFMG,<br />
n. 35, p.93-102, jul. 2002.<br />
______.O PROEDES: origens, construção e <strong>de</strong>senvolvimento. In: SEMINÁRIO 20<br />
anos do PROEDES, 2007, Rio <strong>de</strong> Janeiro. Anais...Rio <strong>de</strong> Janeiro: Fórum <strong>de</strong> Ciência<br />
e Cultura/UFRJ, 2007. 1 CD-ROM.<br />
LE GOFF, Jacques. História e memória. 2. ed. Campinas: UNICAMP, 1992.<br />
NEVES, Margarida. O bordado <strong>de</strong> um tempo: a história <strong>de</strong> Esaú e Jacó. Revista<br />
Tempo Brasileiro, Rio <strong>de</strong> Janeiro, n. 81, p.32-42, abr./jun. 1985.<br />
XAVIER, Libânia. Apreciação dos espaços <strong>de</strong> memória da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral do<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro. In: OLIVEIRA, Antonio José Barbosa <strong>de</strong> (Org.). <strong>Universida<strong>de</strong></strong> e os<br />
múltiplos olhares <strong>de</strong> si mesma. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Fórum <strong>de</strong> Ciência e Cultura / <strong>Sistema</strong><br />
<strong>de</strong> <strong>Bibliotecas</strong> e Informação, 2007. p. 153-171.<br />
234
Perfis e trajetórias dos professores<br />
universitários do curso <strong>de</strong> História<br />
no Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
Marieta <strong>de</strong> Moraes Ferreira<br />
Este artigo tem como objetivo analisar a trajetória dos professores<br />
que atuaram na implantação dos primeiros cursos universitários<br />
<strong>de</strong> História no Rio <strong>de</strong> Janeiro. Isto significa investigar a criação<br />
do curso <strong>de</strong> História na <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Distrito Fe<strong>de</strong>ral (UDF) e na<br />
Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia (FNFi) da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil. A<br />
proposta é pesquisar principalmente três momentos: os projetos<br />
iniciais elaborados na criação da UDF, em 1935; sua extinção, em<br />
1939; e a estruturação e consolidação do novo curso da Faculda<strong>de</strong><br />
Nacional <strong>de</strong> Filosofia (FNFi) da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil, atual <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />
Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro (UFRJ) no período <strong>de</strong> 1939-1955. A<br />
idéia básica é a <strong>de</strong> estudar as trajetórias das primeiras gerações <strong>de</strong><br />
profissionais <strong>de</strong> história e geografia num momento <strong>de</strong> institucionalização<br />
<strong>de</strong>ste campo profissional. Através do perfil <strong>de</strong> <strong>seus</strong> membros<br />
é possível acompanhar a formação, as maneiras <strong>de</strong> recrutamento,<br />
suas relações com outros segmentos da socieda<strong>de</strong> e instituições, as<br />
mudanças, os conflitos e as disputas no campo da constituição da<br />
história como ensino universitário. A estratégia <strong>de</strong> trabalho adotada<br />
é o estudo das biografias coletivas dos professores <strong>de</strong> história da<br />
UDF e <strong>de</strong> história e geografia da FNFi, já que a partir <strong>de</strong> 1939 as duas<br />
formações passaram a estar juntas no novo curso.<br />
O estudo da criação das universida<strong>de</strong>s no Brasil por si só,<br />
reveste-se <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância para a compreensão dos <strong>de</strong>safios<br />
que se colocam para nosso país na atualida<strong>de</strong>. A UDF, e<br />
posteriormente, a FNFi se constituíram em um padrão para as<br />
<strong>de</strong>mais Faculda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Filosofia nas décadas <strong>de</strong> 1930 e 1940 o que<br />
faz da análise <strong>de</strong> suas trajetórias uma contribuição importante para<br />
235
Marieta <strong>de</strong> Moraes Ferreira<br />
a história da educação no Brasil.<br />
Este trabalho preten<strong>de</strong> contribuir para uma melhor compreensão<br />
das relações entre ensino e pesquisa, bem como da<br />
constituição e especificida<strong>de</strong> dos cursos na universida<strong>de</strong>. No terreno<br />
particular da História, nosso enfoque insere-se também numa<br />
perspectiva <strong>de</strong> discussão historiográfica preocupado com concepções<br />
<strong>de</strong> história e embates políticos entre universos i<strong>de</strong>ológicos<br />
antagônicos.<br />
Em 4 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1935 foi criada a <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Distrito<br />
Fe<strong>de</strong>ral. Pelo exame dos <strong>seus</strong> estatutos, percebe-se que a UDF era<br />
uma universida<strong>de</strong> bastante original, tanto pelos cursos que oferecia,<br />
quanto pela maneira como propunha o <strong>de</strong>senvolvimento da socieda<strong>de</strong><br />
através da educação.<br />
Construída segundo esse mo<strong>de</strong>lo, a UDF ia <strong>de</strong> encontro aos estatutos<br />
das universida<strong>de</strong>s brasileiras <strong>de</strong> 1931, que subordinavam as<br />
universida<strong>de</strong>s ao Ministério da Educação e ao governo fe<strong>de</strong>ral. Seu<br />
<strong>de</strong>creto <strong>de</strong> criação contrariava a orientação oficial, pois <strong>de</strong>finia estatutariamente<br />
a UDF como vinculada ao po<strong>de</strong>r municipal da cida<strong>de</strong><br />
do Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />
O objetivo principal da nova universida<strong>de</strong> era encorajar a pesquisa<br />
científica, literária e artística “propagar as aquisições da ciência<br />
e das artes através do ensino regular <strong>de</strong> suas escolas e dos cursos<br />
populares”. A UDF não pretendia somente produzir profissionais,<br />
mas sim formar “quadros intelectuais” para o Brasil.<br />
A análise da proposta da UDF nos indica <strong>de</strong> imediato a<br />
existência <strong>de</strong> um curso <strong>de</strong> História separado do <strong>de</strong> Geografia, com<br />
um peso semelhante ao que era atribuído aos <strong>de</strong>mais. Po<strong>de</strong>-se<br />
perceber também uma gran<strong>de</strong> importância dos cursos voltados para<br />
a área pedagógica o que <strong>de</strong>monstra a orientação <strong>de</strong> privilegiar a<br />
formação <strong>de</strong> professores, essa abordagem, no entanto não eliminava<br />
a preocupação com a pesquisa como um elemento importante para<br />
a formação dos futuros mestres.<br />
A UDF encontrou fortes resistências, não obstante <strong>seus</strong><br />
dirigentes procurassem superar os obstáculos e garantir a consoli-<br />
236
Perfis e trajetórias dos professores universitários <strong>de</strong> História no Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
dação da instituição. Mas, conforme já dito, a existência da <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />
contrariava o projeto <strong>de</strong>fendido pelo governo fe<strong>de</strong>ral que, em<br />
5 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1937, sancionou a lei n° 452, estabelecendo a <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />
do Brasil, projeto <strong>de</strong>fendido pelo ministro Gustavo Capanema.<br />
Esta instituição dava continuida<strong>de</strong> à antiga <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro, criada na década <strong>de</strong> 1920 como uma reunião das escolas<br />
superiores existentes na cida<strong>de</strong>. O projeto do novo organismo<br />
visava a consolidação <strong>de</strong> uma universida<strong>de</strong> padrão para as outras<br />
que viessem a se constituir.<br />
Outro momento se iniciava no processo <strong>de</strong> institucionalização<br />
do ensino superior <strong>de</strong> história. Um novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> graduação<br />
estava se conformando naqueles anos e passaria a ter uma forte<br />
influência em todo o país. Diferentemente da proposta anterior, o<br />
curso enfatizava a preparação dos professores secundários voltada<br />
essencialmente para o ensino sem um comprometimento maior<br />
com o <strong>de</strong>senvolvimento da pesquisa.<br />
Apesar <strong>de</strong> se configurar como uma experiência inovadora, a<br />
UDF durou apenas quatro anos. Os <strong>seus</strong> quadros foram incorporados<br />
formalmente à <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil pelo Decreto-lei 1.063, <strong>de</strong> 20<br />
<strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1939. Em 4 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1939, o Decreto-lei 1190, instituiu<br />
a Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia (FNFi), tendo por finalida<strong>de</strong>s:<br />
“a) preparar trabalhadores intelectuais para o exercício<br />
das altas ativida<strong>de</strong>s culturais <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>sinteressada ou técnica;<br />
b) preparar candidatos ao magistério do ensino secundário<br />
e normal;<br />
c) realizar pesquisas nos vários domínios da cultura, que<br />
constituíam objeto <strong>de</strong> seu ensino”. 1<br />
O mesmo <strong>de</strong>creto <strong>de</strong> criação estabelecia ainda a organização<br />
da Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia em quatro seções funda-<br />
1 “DECRETO-LEI 1.190 – DE 4 DE ABRIL DE 1939. Coleção das Leis da República dos<br />
Estados Unidos do Brasil <strong>de</strong> 1939. Volume IV. Atos do Po<strong>de</strong>r Executivo. Decretos-Leis<br />
(abril a junho). Rio <strong>de</strong> Janeiro. Imprensa Nacional, 1939. p. 50-66.<br />
237
Marieta <strong>de</strong> Moraes Ferreira<br />
mentais: Seção <strong>de</strong> Filosofia, Seção <strong>de</strong> Ciências, Seção <strong>de</strong> Letras e<br />
Seção <strong>de</strong> Pedagogia. Haveria, ainda, uma seção especial <strong>de</strong> didática.<br />
2 A Seção <strong>de</strong> Ciências compreendia, além <strong>de</strong> outros cursos, o <strong>de</strong><br />
História e Geografia. O curso, reunindo as duas formações, só seria<br />
novamente <strong>de</strong>smembrado a partir <strong>de</strong> 1955.<br />
Transformações importantes estavam ocorrendo e os<br />
professores precisavam buscar formas <strong>de</strong> inserção nesta nova<br />
conjuntura. Tendo por função legal a formação <strong>de</strong> professores<br />
e constituída como um padrão para as <strong>de</strong>mais Faculda<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> Filosofia nas décadas <strong>de</strong> 1930 e 1940, a FNFi formou gerações<br />
em diversos campos <strong>de</strong> conhecimento e constituiu marco<br />
relevante da evolução cultural, científica e tecnológica do<br />
país. Passaram pela instituição, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua fundação em 1939<br />
até sua extinção, professores brasileiros e estrangeiros, que<br />
contribuíram para a institucionalização <strong>de</strong> <strong>seus</strong> respectivos campos<br />
<strong>de</strong> conhecimento no Brasil. Em fins da década <strong>de</strong> 1960, com a<br />
Reforma Universitária, a Faculda<strong>de</strong> foi <strong>de</strong>smembrada em diversas<br />
escolas e institutos, que hoje fazem parte dos quadros da <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />
Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />
As primeiras gerações <strong>de</strong> profissionais <strong>de</strong> história<br />
Uma análise rápida do perfil dos professores da UDF e da<br />
FNFi nos permite <strong>de</strong>tectar algumas diferenças significativas<br />
entre os dois grupos. As possibilida<strong>de</strong>s abertas com a organização<br />
e leitura dos quadros das biografias coletivas dos professores nos<br />
levam a fazer uma distinção institucional entre os profissionais da<br />
primeira experiência na UDF e no momento seguinte, na FNFi.<br />
Ainda que tenha sido mencionado que a FNFi absorveria alunos e<br />
professores da UDF, houve uma renovação expressiva dos professores<br />
no novo curso (ver anexos). Os professores brasileiros que<br />
atuaram no curso história da UDF foram: Afonso Arinos <strong>de</strong> Mello<br />
2 I<strong>de</strong>m.<br />
238
Perfis e trajetórias dos professores universitários <strong>de</strong> História no Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
Franco, Arthur Ramos, Carlos Miguel Delgado <strong>de</strong> Carvalho, Gilberto<br />
Freyre, Isnard Dantas Barreto, Jayme Coelho, João Batista <strong>de</strong><br />
Melo e Sousa, José Maria Bello, Josué <strong>de</strong> Castro e Luiz Camillo <strong>de</strong><br />
Oliveira Neto. Como assistentes po<strong>de</strong>m ser listados Sérgio Buarque<br />
<strong>de</strong> Holanda e Victor Leuzinger.<br />
Affonso Arinos <strong>de</strong> Mello Franco (1905-1990) nasceu em Belo<br />
Horizonte, <strong>de</strong> uma tradicional família <strong>de</strong> políticos mineiros. Fez os<br />
estudos secundários no Colégio Pedro II no Rio <strong>de</strong> Janeiro e, em<br />
1927, bacharelou-se pela Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito do Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />
Era colaborador <strong>de</strong> vários jornais e <strong>de</strong>dicou-se aos estudos <strong>de</strong><br />
História do Brasil. Em 1935, foi convidado para ser professor da ca<strong>de</strong>ira<br />
<strong>de</strong> História da Civilização Brasileira na UDF. Escreveu na ocasião<br />
as obras Conceito <strong>de</strong> Civilização Brasileira (1936) e Síntese da<br />
História Econômica no Brasil (1938). Indicou para seu assistente Luiz<br />
Camillo. Em 1937, <strong>de</strong>ixou a instituição.<br />
Arthur Ramos <strong>de</strong> Araújo Pereira (1903-1949) nasceu em Pilar,<br />
estado do Alagoas. Filho <strong>de</strong> médico, <strong>de</strong>u seguimento à profissão do<br />
pai: foi um médico psiquiatra, psicólogo social, indigenista, etnólogo,<br />
folclorista e antropólogo brasileiro. Em 1934, publicou a obra “O<br />
Negro Brasileiro”. Na UDF assumiu, em 1935, a cátedra <strong>de</strong> Psicologia<br />
Social, vindo a ser consagrado como o pai da Antropologia Brasileira.<br />
Na FNFi, em 1939, foi nomeado catedrático interino <strong>de</strong> Antropologia<br />
e Etnografia (1941-1949). Teve como sua principal assistente,<br />
Marina São Paulo.<br />
Gilberto Freyre (1900-1987) nasceu em Recife, Pernambuco.<br />
Filho <strong>de</strong> uma tradicional família, seu pai ocupou vários cargos<br />
públicos como juiz e professor da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito <strong>de</strong> Recife.<br />
Fez <strong>seus</strong> estudos secundários no Colégio Americano Gilreath. Em<br />
1917, concluiu o curso <strong>de</strong> Bacharel em Ciências e Letras do mesmo<br />
colégio Gilreath. Em 1920 seguiu para Nova Iorque, on<strong>de</strong> cursa<br />
Ciências Sociais na <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Colúmbia. Na década <strong>de</strong> 1920,<br />
ocupou cargos políticos e atuou como professor convidado em<br />
algumas universida<strong>de</strong>s americanas. Inicia suas ativida<strong>de</strong>s docentes<br />
239
Marieta <strong>de</strong> Moraes Ferreira<br />
em Recife e, em 1935, é convidado para se ocupar da ca<strong>de</strong>ira Antropologia<br />
Social e Cultural da América Latina e <strong>de</strong> Sociologia na UDF,<br />
<strong>de</strong> 1935 a 1937.<br />
Isnard Dantas Barreto foi professor <strong>de</strong> História da Ida<strong>de</strong> Média<br />
e Mo<strong>de</strong>rna.<br />
Jayme Coelho (1887-) formou-se em Direito, exerceu ativida<strong>de</strong>s<br />
jornalísticas e foi professor do Colégio Pedro II. Ingressou na<br />
UDF em 1936, on<strong>de</strong> lecionou História da Antigüida<strong>de</strong>.<br />
João Batista <strong>de</strong> Melo e Sousa (1888-1969) nasceu em Queluz,<br />
estado <strong>de</strong> São Paulo. Filho <strong>de</strong> professora, fez <strong>seus</strong> estudos secundários<br />
no Colégio Pedro II, no Rio <strong>de</strong> Janeiro. Formou-se em Direito<br />
em 1910 e na década <strong>de</strong> 1920 ocupou cargos políticos. Na UDF, foi<br />
professor <strong>de</strong> História da Civilização na América (1936-1939).<br />
José Maria Bello (1886-1959) nasceu em Barreiros, Pernambuco.<br />
Formou-se em Direito pela Faculda<strong>de</strong> Livre <strong>de</strong> Ciências Jurídicas<br />
e Sociais do Rio <strong>de</strong> Janeiro e fez carreira política, tendo sido eleito<br />
<strong>de</strong>putado, senador e presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Pernambuco. Na UDF, ministrou<br />
o curso <strong>de</strong> “História Geral da Civilização” para a graduação <strong>de</strong><br />
Geografia (1936-1939).<br />
Luiz Camillo <strong>de</strong> Oliveira Neto (1904-1953) nasceu em Itabira,<br />
Minas Gerais. Filho <strong>de</strong> família tradicional, seu pai era funcionário<br />
público e jornalista. Formou-se em Química Industrial pela Escola<br />
<strong>de</strong> Engenharia <strong>de</strong> Belo Horizonte. Na década <strong>de</strong> 1930, transferiu-se<br />
para o Rio <strong>de</strong> Janeiro e ocupou diferentes funções na área pública<br />
como a direção da Casa <strong>de</strong> Rui Barbosa e da Biblioteca Nacional.<br />
Em 1936, indicado por Afonso Arinos, ingressou na UDF, on<strong>de</strong> posteriormente<br />
ocupou a ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> “História da Civilização Brasileira”.<br />
Nos últimos momentos da UDF foi vice-reitor e reitor da <strong>Universida<strong>de</strong></strong>.<br />
Convidado para integrar a cátedra <strong>de</strong> “História do Brasil” na<br />
FNFi, rejeitou o convite em protesto ao fechamento da UDF.<br />
Sérgio Buarque <strong>de</strong> Holanda (1902-1982) nasceu na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
São Paulo e formou-se pela Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito do Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />
em 1925. Na UDF, foi assistente das ca<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> História Mo<strong>de</strong>rna e<br />
240
Perfis e trajetórias dos professores universitários <strong>de</strong> História no Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
Econômica e Literatura Comparada (1936-1937). Escreveu, na época,<br />
Raízes do Brasil (1936).<br />
Na Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia os professores catedráticos<br />
brasileiros que exerceram papel fundamental na consolidação do<br />
curso foram: Arthur Ramos, Carlos Delgado <strong>de</strong> Carvalho, Eremildo<br />
Viana, Hélio Viana, Hilgard Sternberg, Josué <strong>de</strong> Castro, Sílvio Julio,<br />
Victor Leuzinger. Como assistentes po<strong>de</strong>m se listados: Antero Manhães,<br />
Eulália Lobo, Luci <strong>de</strong> Abreu, Maria Luiza Fernan<strong>de</strong>s, Marina<br />
São Paulo, Maria Terezinha Segadas Soares, Maria Yeda Linhares.<br />
Carlos Miguel Delgado <strong>de</strong> Carvalho (1884-1980) nasceu na Legação<br />
do Brasil na França. Era <strong>de</strong> uma tradicional família, filho <strong>de</strong><br />
diplomata. Bacharelou-se em Letras pelo Colégio São Tomás <strong>de</strong><br />
Aquino <strong>de</strong> Lyon; em Direito pela <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Lausanne; em<br />
Diplomática pela École <strong>de</strong>s Sciences Polítiques e em Economia pela<br />
Escola Econômica <strong>de</strong> Londres. Lecionou em colégios franceses e ingleses.<br />
Veio ao Brasil pela primeira vez em 1906, quando <strong>de</strong>cidiu<br />
estabelecer-se no país. Em 1920, entrou no Colégio Pedro II como<br />
professor <strong>de</strong> inglês, chegando, na década <strong>de</strong> 1930, à vice-diretoria<br />
do Externato do Colégio. Em 1935, entrou na UDF como professor<br />
das ca<strong>de</strong>iras “Sociologia Educacional” e “Geografia Humana” e, em<br />
1936, passou à ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> “História Contemporânea”.<br />
Eremildo Luís Viana (1913-) nasceu no Rio <strong>de</strong> Janeiro. Concluiu<br />
<strong>seus</strong> estudos no Colégio Pedro II, on<strong>de</strong> recebeu o título <strong>de</strong> Bacharel<br />
em Ciências e Letras em 1932. Em 1933, entrou para a Faculda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Direito do Rio <strong>de</strong> Janeiro e em 1935, para o curso <strong>de</strong> História da<br />
UDF. Formou-se em Direito, mas não concluiu o curso <strong>de</strong> História<br />
saindo em 1937, pois <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o ano anterior já dava aulas no Colégio<br />
Pedro II. Entrou para a FNFi, em 1939, como assistente da ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong><br />
“História da Antigüida<strong>de</strong> e da Ida<strong>de</strong> Média” (1941-1945) e a partir <strong>de</strong><br />
1944 assumiu a ca<strong>de</strong>ira interinamente. Prestou concurso em 1946 e<br />
pô<strong>de</strong>, então, assumir a cátedra em caráter efetivo.<br />
Marina <strong>de</strong> São Paulo Vasconcellos (1912-1973) nasceu no Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro. Seu pai era médico. Estudou no tradicional Colégio Jaco-<br />
241
Marieta <strong>de</strong> Moraes Ferreira<br />
bina e, aos 20 anos, ingressou na Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito da <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />
do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Bacharel em Direito, retornou à vida universitária<br />
para estudar História em 1936. Aprovada no exame vestibular<br />
fez parte <strong>de</strong> uma das primeiras turmas da UDF. Foi aluna <strong>de</strong> Arthur<br />
Ramos, com quem estabeleceu forte ligação. Com a transferência<br />
dos quadros da UDF para a Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia, Marina,<br />
como aluna, também foi transferida para a nova instituição, on<strong>de</strong><br />
se formou em História e Geografia. Em janeiro <strong>de</strong> 1940, tornou-se a<br />
substituta <strong>de</strong> Arthur Ramos na ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> “Antropologia e Etnografia”<br />
da FNFi, pois o titular fora convidado a lecionar na Louisiana State<br />
University e no College Of Arts and Sciences. Em 1949, foi efetivada<br />
nas ca<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> “Antropologia” e “Etnografia”, após concurso.<br />
Josué Apolônio <strong>de</strong> Castro (1908-1973) nasceu em Recife, Pernambuco.<br />
Fez curso secundário na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> origem e, em 1929,<br />
formou-se na Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Medicina, no Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />
Em 1932 torna-se livre-docente em Fisiologia da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina<br />
do Recife. Em 1935, indicado por Roquette Pinto, volta ao Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro para lecionar “Antropologia Física” no curso <strong>de</strong> História<br />
da UDF. Permanece na ca<strong>de</strong>ira até o ano <strong>de</strong> 1938, quando a disciplina<br />
foi suprimida dos currículos da <strong>Universida<strong>de</strong></strong>. Em 1938 é transferido<br />
para a ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Geografia, na qual permanece na condição<br />
<strong>de</strong> professor adjunto, até o fechamento da UDF. Na FNFi, passa a<br />
lecionar a ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> “Geografia Humana”, <strong>de</strong> 1940 até 1955.<br />
Eulália Maria Lahmeyer Lobo (1924) nasceu no Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />
Estudou no Colégio Jacobina e graduou-se em História e Geografia<br />
pela Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil no<br />
ano <strong>de</strong> 1944. Na Faculda<strong>de</strong>, foi assistente da ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> “História da<br />
América”, assumindo a regência da ca<strong>de</strong>ira em 1958, após <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r<br />
tese <strong>de</strong> livre-docência. Catedrática interina em 1967 foi aposentada<br />
compulsoriamente em 1968.<br />
Maria Yedda Leite Linhares (1921) nasceu em Fortaleza, Ceará.<br />
Estudou no Instituto Lafayette e concluiu o secundário no Colégio<br />
São Paulo. Entrou para a FNFi como aluna em 1939, transferida da<br />
242
Perfis e trajetórias dos professores universitários <strong>de</strong> História no Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
UDF. Interrompeu o curso para passar dois anos estudando nos Estados<br />
Unidos. Essa experiência foi <strong>de</strong>cisiva para sua formação e, ao<br />
voltar ao Brasil, em 1944, concluiu o curso <strong>de</strong> “História e Geografia<br />
na Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia” e foi admitida como assistente<br />
da ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> História Mo<strong>de</strong>rna e Contemporânea na mesma instituição.<br />
Em 1955 é nomeada catedrática interina e, em 1957, após<br />
concurso, assume efetivamente a cátedra.<br />
Apresentados <strong>de</strong> uma forma sintética o perfil <strong>de</strong>sses professores<br />
que atuavam no curso <strong>de</strong> história e geografia, passaremos<br />
à análise das suas origens familiares e regionais, da sua formação<br />
educacional, do sistema <strong>de</strong> recrutamento e das suas re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> relações.<br />
A pesquisa dos nomes dos professores indica a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
origens regionais e a presença <strong>de</strong> professores vindos <strong>de</strong> diferentes<br />
estados da região Nor<strong>de</strong>ste (Arthur Ramos, Gilberto Freyre, José<br />
Maria Bello, Josué <strong>de</strong> Castro, Sílvio Júlio e Maria Yedda Leite Linhares),<br />
<strong>de</strong> Minas Gerais (Luiz Camillo <strong>de</strong> Oliveira, Hélio Vianna e Afonso<br />
Arinos) e do Rio <strong>de</strong> Janeiro (Eremildo Viana, Eulália Lobo, Hilgard<br />
Sternberg, Marina São Paulo e Victor Leuzinger). Quanto às origens<br />
familiares é notório o número <strong>de</strong> professores provenientes <strong>de</strong> famílias<br />
<strong>de</strong> profissões liberais e funcionários públicos e em alguns casos<br />
<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> membros <strong>de</strong> elites econômicas em <strong>de</strong>clínio.<br />
Um segundo item importante para a nossa investigação é a<br />
formação educacional. Os estudos secundários para a maioria dos<br />
professores que dispomos <strong>de</strong> dados foram efetivados em escolas<br />
públicas, tais como os casos <strong>de</strong> Afonso Arinos Eremildo Viana, Arthur<br />
Ramos, Hélio Vianna, Maria Yedda Linhares, Luiz Camillo, Isnard<br />
Dantas Barreto, Fernando Raja Gabaglia. Quanto à formação universitária,<br />
há um predomínio marcante <strong>de</strong> professores formados em<br />
Direito, sobretudo a primeira geração, nascida entre 1890 e 1910,<br />
como foram os casos <strong>de</strong> Delgado <strong>de</strong> Carvalho, Sílvio Júlio e Jayme<br />
Coelho. Já os nascidos um pouco mais tar<strong>de</strong> (<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 1915) passaram<br />
a ter uma dupla formação: Direito e História, como Marina <strong>de</strong><br />
243
Marieta <strong>de</strong> Moraes Ferreira<br />
São Paulo, Eremildo Viana e Hélio Vianna.<br />
Na geração nascida <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 1920, <strong>de</strong>tecta-se a presença <strong>de</strong><br />
uma formação específica em História e Geografia, como os casos<br />
<strong>de</strong> Maria Yedda Linhares, Eulália Lobo, Hilgard Sternberg e Maria do<br />
Carmo Galvão. Po<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>tectar também a presença pequena <strong>de</strong><br />
médicos e engenheiros, como Artur Ramos, Josué <strong>de</strong> Castro, Victor<br />
Leuzinger e Fernando Raja Gabaglia.<br />
Um terceiro ponto importante para análise são as re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong><br />
dos professores que permitiram a ocupação das ca<strong>de</strong>iras.<br />
O sistema <strong>de</strong> recrutamento <strong>de</strong> professores, tanto na UDF como<br />
na FNFi, baseava-se nas re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> relações que os candidatos possuíam<br />
e não na seleção através <strong>de</strong> concursos públicos. No caso da UDF<br />
fica clara a importância <strong>de</strong> laços com os educadores da Associação<br />
Brasileira <strong>de</strong> Educação, li<strong>de</strong>rada por Anísio Teixeira, como um elemento<br />
para garantir o acesso àquela universida<strong>de</strong>. Percebe-se também<br />
a presença marcante <strong>de</strong> nomes já com expressão intelectual<br />
e política na esfera nacional, como Afonso Arinos, Gilberto Freyre,<br />
Artur Ramos, bem como <strong>de</strong> um núcleo <strong>de</strong> professores oriundos do<br />
colégio Pedro II, como Delgado <strong>de</strong> Carvalho, Jaime Coelho, Fernando<br />
Raja Gabaglia, Isnard Dantas Barreto, Eremildo Viana. Essa vinculação<br />
com o Colégio Pedro II funcionava como um passaporte <strong>de</strong><br />
prestígio para garantir o acesso à universida<strong>de</strong> recém-criada.<br />
A presença dos professores atuantes na UDF como Luís Camilo,<br />
Josué <strong>de</strong> Castro, Victor Leuzinger também nos permite perceber o<br />
papel dos laços <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong> para enten<strong>de</strong>r os mecanismos <strong>de</strong> seleção.<br />
Luiz Camillo é trazido pelas mãos <strong>de</strong> Afonso Arinos. Eremildo e<br />
Sérgio Buarque são indicados por Eugènne Albertini e Henri Hauser<br />
respectivamente. Josué <strong>de</strong> Castro e Victor Leuzinger eram indicações<br />
do geógrafo francês Deffontaines.<br />
A FNFi não alterou esse estado <strong>de</strong> coisas: o processo <strong>de</strong> recrutamento<br />
manteve-se apoiado nas re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> relações. O fechamento<br />
da UDF promoveu a transferência <strong>de</strong> alguns professores para integrar<br />
os quadros do novo curso, enquanto outros se afastaram por<br />
244
Perfis e trajetórias dos professores universitários <strong>de</strong> História no Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
vonta<strong>de</strong> própria ou foram excluídos. Os critérios adotados para o<br />
preenchimento dos postos vagos foram diversificados. Em alguns<br />
casos, antigos assistentes foram alçados à condição <strong>de</strong> catedráticos<br />
interinos, como Victor Leuzinger 3 . Em outros, permaneceram<br />
na mesma condição, fossem assistentes ou titulares. 4 Arthur Ramos<br />
manteve a cátedra <strong>de</strong> “Antropologia”, mas Delgado <strong>de</strong> Carvalho foi<br />
preterido para ocupar a ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> “Sociologia”, conquistando a <strong>de</strong><br />
“Geografia do Brasil”. 5 Além <strong>de</strong>sses professores, novos nomes foram<br />
incorporados, como Sílvio Júlio, catedrático <strong>de</strong> “História da América”<br />
e Hélio Vianna, catedrático interino <strong>de</strong> “História do Brasil”.<br />
Nesta nova realida<strong>de</strong> po<strong>de</strong>-se perceber que a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> relações<br />
sustentada pelos educadores da Escola Nova e do Pedro II foi sendo<br />
progressivamente esvaziada. Delgado <strong>de</strong> Carvalho, figura <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque,<br />
ligado a Anísio Teixeira e ao Colégio Pedro II, permaneceu<br />
numa posição secundária.<br />
Por outro lado, setores católicos ligados ao Centro Dom Vital,<br />
com Alceu <strong>de</strong> Amoroso Lima e antigos integralistas, ganharam relevo<br />
na indicação <strong>de</strong> nomes. A direção da FNFi foi entregue a San<br />
Tiago Dantas e a cátedra <strong>de</strong> “História do Brasil” que no contexto do<br />
Estado Novo <strong>de</strong>veria <strong>de</strong>sempenhar um papel chave na formação<br />
dos futuros professores secundários, foi entregue a Hélio Vianna<br />
(1908-1972). O arquivo Capanema mostra um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong><br />
indicados para o posto, <strong>de</strong>ntre eles, Oliveira Viana. Entretanto, por<br />
motivos pouco claros, não lograram sucesso, recaindo a escolha fi-<br />
3 Josué <strong>de</strong> Castro pediu ao Ministro, por carta, a ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Antropologia e Etnografia,<br />
disciplina na qual se especializava no exterior. Ver Arquivo Gustavo GC g<br />
1936.01.18 (Pasta III)<br />
4 No arquivo Capanema temos carta <strong>de</strong> 17 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1939, <strong>de</strong> Leitão da Cunha a<br />
Gustavo Capanema, enviando relação <strong>de</strong> professores que po<strong>de</strong>riam lecionar na FNFi.<br />
(GC 1936.01.18, Pasta III, doc. 11)<br />
5 “Geographia do Brasil – Delgado <strong>de</strong> Carvalho. Escreveu carta ao Sr. Presi<strong>de</strong>nte,<br />
pedindo a ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> sociologia. Mas concorda em ficar com a <strong>de</strong> Geografia do Brasil.<br />
Não temos [para] Geographia do Brasil pessoas <strong>de</strong> maior competência.” Arquivo<br />
Gustavo Capanema, GC g 1936.01.18.<br />
245
Marieta <strong>de</strong> Moraes Ferreira<br />
nal no mineiro Hélio Vianna. Quem era Hélio Vianna Quais eram as<br />
bases <strong>de</strong> sua indicação para o posto Nascido em Belo Horizonte,<br />
em 1908; bacharelou-se pela Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito da <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />
do Rio <strong>de</strong> Janeiro em 1932; em 1939 foi nomeado catedrático interino,<br />
com 31 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>. Diferente <strong>de</strong> <strong>seus</strong> colegas que já tinham<br />
alguma inserção acadêmica, ou porque foram assistentes na UDF,<br />
ou porque eram nomes já reconhecidos – professores <strong>de</strong> Colégio<br />
Pedro II, membros do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro –,<br />
Hélio Vianna até então estava fora <strong>de</strong>sse circuito. Sua referência era<br />
ter sido integralista, funcionário do Departamento <strong>de</strong> Imprensa e<br />
Propaganda (DIP) e lecionar no colégio Jacobina.<br />
Hélio Vianna, ao que tudo indica, era ligado ao grupo católico,<br />
uma vez que até o ano <strong>de</strong> sua nomeação para a Faculda<strong>de</strong> Nacional<br />
<strong>de</strong> Filosofia possuía artigos publicados em “A or<strong>de</strong>m”, revista ligada<br />
ao Centro Dom Vital, que tinha por diretor Alceu <strong>de</strong> Amoroso Lima.<br />
O próprio Alceu envia para o ministro Gustavo Capanema um currículo<br />
<strong>de</strong> Hélio Vianna, propondo-o para catedrático <strong>de</strong> “História da<br />
América”. 6 Não se consegue saber exatamente porque acabou obtendo<br />
a cátedra <strong>de</strong> “História do Brasil”. Além do reconhecimento do<br />
grupo católico, Hélio Vianna teve vários <strong>de</strong> <strong>seus</strong> textos, a partir <strong>de</strong><br />
1935, irradiados na Hora do Brasil, programa radiofônico produzido<br />
pelo Departamento Nacional <strong>de</strong> Propaganda (DNP).<br />
A cátedra <strong>de</strong> “História da América” também foi ocupada, por<br />
um nome pouco conhecido nos meios intelectuais até então, Sílvio<br />
Julio <strong>de</strong> Albuquerque Lima (1895-1984). Nascido em Recife, Pernambuco,<br />
estudou no Colégio Militar no Rio <strong>de</strong> Janeiro e formou-se<br />
em Direito em 1918 pela <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul. Exerceu<br />
uma intensa ativida<strong>de</strong> jornalística e, na ocasião, trabalhava no<br />
setor <strong>de</strong> censura do Ministério da Educação. Na consulta ao Arquivo<br />
<strong>de</strong> Capanema, não fica claro como exatamente conquistou o posto,<br />
pois seu nome não circulava nas listas <strong>de</strong> pedidos feitas por Alceu<br />
<strong>de</strong> Amoroso Lima ou outras li<strong>de</strong>ranças católicas.<br />
6 Arquivo Gustavo Capanema, GC g 1936.01.18.<br />
246
Perfis e trajetórias dos professores universitários <strong>de</strong> História no Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
A contribuição dos mestres franceses<br />
Outra variável importante para compor o perfil dos professores<br />
do curso <strong>de</strong> História e Geografia é a presença dos estrangeiros.<br />
Des<strong>de</strong> a criação da UDF e posteriormente na FNFi, po<strong>de</strong>-se perceber<br />
a participação dos franceses como referências fundamentais para a<br />
montagem do curso e dos programas. Os professores <strong>de</strong> História e<br />
Geografia que vieram para o Rio <strong>de</strong> Janeiro nos anos 1930 foram<br />
Henri Hauser, Eugène Albertini e Pierre Deffontaines, para a UDF, e<br />
Victor Tapié, Antoine Bon e Francis Ruellan para a FNFi.<br />
Quem eram esses professores O mais importante <strong>de</strong>les<br />
era Henri Hauser (1866-1946), que, diferentemente <strong>de</strong> <strong>seus</strong><br />
companheiros, ocupava um lugar <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque na estrutura acadêmica<br />
francesa. Tinha sido um dos precursores da história econômica,<br />
e sua obra historiográfica era consi<strong>de</strong>rada <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> relevância 7 .<br />
De família judia, <strong>de</strong> origem humil<strong>de</strong>, 8 cursou École Normale Supérieure,<br />
foi aprovado no exame <strong>de</strong> agrégation em 1888 e terminou o<br />
doutorado em 1892. Sua longa carreira, que o fez passar por várias<br />
universida<strong>de</strong>s no interior da França antes <strong>de</strong> chegar à Sorbonne,<br />
teve início num período <strong>de</strong> afirmação da História como disciplina e<br />
<strong>de</strong> consagração do ofício <strong>de</strong> historiador 9 .<br />
Naturalmente, a carreira e a obra <strong>de</strong> Hauser se beneficiaram<br />
<strong>de</strong>ssa conjuntura favorável. O jovem historiador foi aluno <strong>de</strong> Monod,<br />
compartilhou as regras propostas por Seignobos para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r “la<br />
métho<strong>de</strong> historique” e integrou-se à re<strong>de</strong> <strong>de</strong> relações profissionais<br />
que a Revue Historique e a Revue d’Histoire Mo<strong>de</strong>rne et Contemporaine<br />
teceram. Muitos <strong>de</strong> <strong>seus</strong> trabalhos foram publicados nesses<br />
periódicos.<br />
Em 1919, Hauser ingressou na Sorbonne como chargé <strong>de</strong> cours.<br />
Somente em 1927 tornou-se professor <strong>de</strong> história econômica, ca-<br />
7 Crouzet, 1995, e Venâncio Filho, 1997.<br />
8 Entrevista <strong>de</strong> Françoise Crouzet à Marieta <strong>de</strong> Moraes Ferreira, março <strong>de</strong><br />
1997, em Paris<br />
9 Noiriel, 1990<br />
247
Marieta <strong>de</strong> Moraes Ferreira<br />
<strong>de</strong>ira na qual permaneceu até aposentar-se em 1935. Publicou inúmeros<br />
livros e artigos. Além <strong>de</strong> colaborador assíduo das duas revistas<br />
acima citadas, participou, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o começo da década <strong>de</strong> 1920,<br />
das articulações para o lançamento da revista Annales d’Histoire Economique<br />
et Sociale, vindo a integrar, a partir do momento da criação<br />
da revista, em 1929, seu comitê <strong>de</strong> redação.<br />
Marc Bloch e Lucien Fèbvre mantiveram com Hauser, ao longo<br />
dos anos 1920 e 1930, uma relação <strong>de</strong> respeito e admiração, conforme<br />
po<strong>de</strong> ser constatado na correspondência publicada entre<br />
os dois historiadores fundadores dos Annales. Hauser é percebido<br />
como um elemento importante para o lançamento da nova revista,<br />
funcionando como elo entre aqueles que <strong>de</strong>fendiam uma nova<br />
maneira <strong>de</strong> fazer história e setores mais tradicionais, que ocupavam<br />
postos importantes nas principais instituições francesas <strong>de</strong> ensino<br />
e pesquisa. 10<br />
No que se refere ao Brasil, Hauser também <strong>de</strong>sempenhou um<br />
papel-chave, pois, acionando sua re<strong>de</strong> <strong>de</strong> relações, não só indicou<br />
vários nomes para integrar as missões que vieram para São Paulo<br />
(entre os quais Pierre Monbeig e Fernand Brau<strong>de</strong>l), como foi um dos<br />
primeiros a escrever e publicar sobre o Brasil na França, permitindo<br />
aos franceses uma “re<strong>de</strong>scoberta” do Brasil. Em 1937, publicou uma<br />
nota divulgando os esforços <strong>de</strong> jovens estudantes universitários da<br />
UDF, para criar um Centro <strong>de</strong> Estudos Históricos em 1936. 11 Em 1937<br />
e 1938, publicou vários artigos sobre o Brasil nos Annales.<br />
Sua atuação no curso <strong>de</strong> história na UDF consistiu não só em<br />
organizar a ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> “História Mo<strong>de</strong>rna”, mas também em apresentar<br />
propostas para a montagem do curso como um todo, em<br />
geral valorizando as ca<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> conteúdo histórico em <strong>de</strong>trimento<br />
das disciplinas <strong>de</strong> formação pedagógica. A ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> “História<br />
10 Ver a esse respeito correspondência Lucien Febvre - Marc Bloch - ps.14, 158, 185,<br />
152, 256, 252.<br />
11 Ver “Notes et reflexions sur le travail historique au Brèsil”, in Revue Historique –<br />
1937, pp.() 85-95.<br />
248
Perfis e trajetórias dos professores universitários <strong>de</strong> História no Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
Mo<strong>de</strong>rna” sofreu então uma duplicação <strong>de</strong> carga horária, passando<br />
<strong>de</strong> três para seis horas semanais. A influência marcante <strong>de</strong> Hauser<br />
na estruturação curricular e na difusão <strong>de</strong> uma nova concepção <strong>de</strong><br />
história econômica e social estava conectada com os movimentos<br />
<strong>de</strong> renovação da disciplina na França.<br />
Outro importante professor <strong>de</strong> História que participou das<br />
missões francesas que trabalharam no Rio <strong>de</strong> Janeiro foi o professor<br />
<strong>de</strong> “História Antiga” da UDF, Eugène Albertini (1888-1941). Ainda<br />
que <strong>de</strong> uma geração mais jovem que Hauser, formado pela École<br />
Normale Supérieure em 1900, agrégé <strong>de</strong>s lettres em 1903, após um<br />
concurso brilhante, passou três anos na École <strong>de</strong> Rome. A seguir,<br />
após um curto retorno ao ensino secundário, tornou-se, entre 1909<br />
e 1912, membro da École <strong>de</strong>s Hautes Étu<strong>de</strong>s Hispaniques. Depois<br />
da guerra, foi professor <strong>de</strong> “História Antiga” na Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras<br />
<strong>de</strong> Argel (1920) até ingressar, em 1932, no Collège <strong>de</strong> France, em<br />
Paris.<br />
Uma biografia <strong>de</strong> Albertini, por mais curta que seja, mostra a<br />
multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua competência. Reconhecido latinista, também<br />
se <strong>de</strong>stacou como arqueólogo e epigrafista. Sua obra concentrou-se<br />
no estudo do Império romano, em especial da África romana. Publicou<br />
um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> livros e artigos e integrou o conselho <strong>de</strong><br />
redação da Revue Historique. Foi ainda colaborador dos Annales. 12<br />
Em pleno apogeu <strong>de</strong> sua carreira acadêmica na França, veio para o<br />
Brasil com a perspectiva <strong>de</strong> participar do esforço do governo francês<br />
para assegurar um lugar expressivo para a cultura francesa nas<br />
universida<strong>de</strong>s brasileiras em fase <strong>de</strong> organização.<br />
Albertini pautou sua atuação na UDF pela apresentação <strong>de</strong><br />
propostas <strong>de</strong> reestruturação do programa <strong>de</strong> “História Antiga”. No<br />
momento <strong>de</strong> sua estada no Brasil, já usufruía <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> prestígio na<br />
Argélia e na França e estava inserido numa importante re<strong>de</strong> <strong>de</strong> relações<br />
acadêmicas. Era um crítico da hegemonia da história política e<br />
reivindicava uma história dos povos e civilizações. 13<br />
12 Ver Revue Historique - 1941 – p. 373<br />
13 Ver Lições inaugurais da missão universitária francesa em 1936, p. 21.<br />
249
Marieta <strong>de</strong> Moraes Ferreira<br />
Além dos professores com formação específica em História, os<br />
geógrafos exerceram forte influência nos cursos <strong>de</strong> sua disciplina.<br />
Foi este o caso <strong>de</strong> Pierre Deffontaines (1894-1978). Des<strong>de</strong> muito<br />
cedo, Deffontaines <strong>de</strong>monstrou interesse pela Geografia, acabando<br />
por se <strong>de</strong>dicar ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>sse campo do saber. Seus<br />
primeiros estudos foram, contudo, no campo do Direito, curso em<br />
que formou em 1916, em Poitiers. Em seguida mudou-se para Paris<br />
e passou a freqüentar a Sorbonne, on<strong>de</strong> obteve o diploma <strong>de</strong><br />
estudos superiores <strong>de</strong> Geografia. Nos anos seguintes, cumpriu as<br />
etapas usuais da carreira do magistério na França: agrégation em<br />
História e Geografia (1922), professor e diretor do Instituto <strong>de</strong> Geografia<br />
da Faculda<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> Lille (1925-1939), chargé <strong>de</strong> cours <strong>de</strong><br />
Geografia pré-histórica na École d’Anthropologie <strong>de</strong> Paris, doutor<br />
em Geografia pela Sorbonne (1932) e secretário-geral da Socieda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Geografia <strong>de</strong> Lille (1932-1937).<br />
Deffontaines iniciou seu contato com o Brasil na década <strong>de</strong><br />
1930, fundando a ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Geografia na USP em 1935. Em seguida<br />
criou a ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Geografia na UDF, on<strong>de</strong> lecionou <strong>de</strong> 1936 a<br />
1938. Foi também um dos principais responsáveis pela criação da<br />
Associação dos Geógrafos Brasileiros, do Conselho Nacional <strong>de</strong><br />
Geografia e da Revista Brasileira <strong>de</strong> Geografia. Promoveu, igualmente,<br />
a participação do Conselho Nacional <strong>de</strong> Geografia do Brasil no<br />
Comitê Internacional <strong>de</strong> Geografia.<br />
Além <strong>de</strong> sua intensa ativida<strong>de</strong> intelectual, Deffontaines era<br />
um militante católico extremamente atuante, ligado ao grupo <strong>de</strong><br />
Robert Garric. Diferentemente <strong>de</strong> <strong>seus</strong> colegas <strong>de</strong> missão, quando<br />
<strong>de</strong>cidiu vir ao Brasil em 1935, tinha pouca projeção acadêmica na<br />
França. Professor da Faculda<strong>de</strong> Católica <strong>de</strong> Lille, seu projeto era<br />
conquistar uma vaga numa universida<strong>de</strong> pública. Na condição <strong>de</strong><br />
católico militante, Deffontaines sentia-se mais próximo do geógrafo<br />
também católico Jean Brunhes, do Collège <strong>de</strong> France, que tinha<br />
uma concepção <strong>de</strong> geografia humana ligada às causalida<strong>de</strong>s religiosas<br />
e temporais. 14<br />
14 Ver Diário <strong>de</strong> Pierre Deffontaines<br />
250
Perfis e trajetórias dos professores universitários <strong>de</strong> História no Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
A vinda para o Brasil representou uma alternativa profissional<br />
importante para Deffontaines. No Brasil, ligou-se a grupos católicos<br />
que seguiam a orientação <strong>de</strong> Alceu Amoroso Lima, mas também<br />
ampliou sua atuação em outras direções. Fez diversas viagens pelo<br />
país, escreveu artigos e livros sobre temas brasileiros, proferiu várias<br />
palestras e conferências. O Brasil representou um laboratório <strong>de</strong><br />
pesquisa privilegiado para o geógrafo francês e serviu <strong>de</strong> base para<br />
gran<strong>de</strong> parte da sua produção.<br />
O encerramento da experiência da UDF, em 1939, e a consolidação<br />
da Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia abririam espaço para uma<br />
nova missão universitária francesa. Mais dois professores, Victor Tapié<br />
(1898-1975) e Antoine Bon (1901-1972), vieram participar <strong>de</strong>ssa<br />
nova etapa da criação dos cursos <strong>de</strong> História no Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />
Victor Lucien Tapié nasceu em Paris. Sua carreira foi marcada<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> cedo no interesse pelo estudo da História dos países da Europa<br />
Central e da época mo<strong>de</strong>rna. Já na sua tese <strong>de</strong> doutorado, <strong>de</strong>fendida<br />
na Sorbonne em 1934, <strong>de</strong>dicou-se à política externa da França<br />
no começo da Guerra dos 30 anos (1616-1621). Nos anos seguintes,<br />
manteve seu interesse por essa temática publicando alguns trabalhos<br />
sobre a Áustria, a Tchecoslováquia e a Hungria. Mesmo tendo<br />
sido orientando <strong>de</strong> Pierre Renouvin, gran<strong>de</strong> professor da Sorbonne,<br />
e mantendo-se ligado à re<strong>de</strong> <strong>de</strong> relações <strong>de</strong>sse historiador, não<br />
conseguiu obter logo um posto como professor universitário<br />
na França. 15 Em 1939 fez concurso para maitre <strong>de</strong> conférence na<br />
Sorbonne, mas não foi aprovado.<br />
Diferentemente <strong>de</strong> <strong>seus</strong> colegas Hauser e Albertini, que participaram<br />
do processo <strong>de</strong> criação da UDF e que já usufruíam <strong>de</strong> um estatuto<br />
profissional ao virem para o Brasil, Tapié ainda era um jovem<br />
<strong>de</strong>sconhecido, com poucas publicações, e que tinha como área <strong>de</strong><br />
interesse algo muito distante do Brasil. Ainda assim, em 1939, optou<br />
por vir trabalhar no país, on<strong>de</strong> permaneceria até 1943. O motivo<br />
15 Entrevistas <strong>de</strong> Jacques Revel e Jean Beranger concedidas à Marieta <strong>de</strong> Moraes<br />
Ferreira. Paris, março <strong>de</strong> 1997. Ver também Universalia Encyclopaedia (1975).<br />
251
Marieta <strong>de</strong> Moraes Ferreira<br />
<strong>de</strong>ssa escolha não é explicado na documentação consultada. Po<strong>de</strong>se<br />
supor que os problemas trazidos pela Segunda Guerra e os contatos<br />
<strong>de</strong> Tapié com grupos católicos tenham facilitado sua vinda,<br />
afinal, ele chegou ao país exatamente no momento em que o lí<strong>de</strong>r<br />
católico Alceu Amoroso Lima passou a exercer forte influência na<br />
Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia.<br />
No Brasil, Tapié procurou buscar um ponto <strong>de</strong> contato entre temas<br />
brasileiros e sua experiência <strong>de</strong> pesquisa prévia com os países<br />
<strong>de</strong> Europa central. A solução encontrada foi o estudo do barroco mineiro.<br />
Atendo-se a essa temática, procurou relacionar os problemas<br />
do barroco da Europa central com os do Brasil. Na verda<strong>de</strong>, esse<br />
tema funcionou como estímulo para que Tapié viesse a produzir sua<br />
obra mais importante sobre a Europa central, <strong>de</strong>dicada ao barroco e<br />
ao classicismo naquela região.<br />
Ainda que tenha permanecido um período bastante longo<br />
na FNFi – comparativamente a <strong>seus</strong> colegas que vieram para o Rio<br />
ou mesmo para São Paulo – Tapié não chegou a ter uma produção<br />
expressiva sobre o Brasil. Depois <strong>de</strong> voltar à França, publicou<br />
em 1946 uma obra <strong>de</strong>dicada à América Latina, intitulada Histoire<br />
<strong>de</strong> l’Amérique Latine dans le XIX ème siècle, que po<strong>de</strong> ser caracterizada<br />
com um trabalho bastante tradicional <strong>de</strong> história política e<br />
évenemmentielle. Enfim, Tapié apresentava-se como um historiador<br />
vinculado a uma concepção <strong>de</strong> História que não continha nenhuma<br />
proposta inovadora.<br />
Após seu retorno à França, Tapié mais uma vez candidatou-se a<br />
professor <strong>de</strong> “História Mo<strong>de</strong>rna” na Sorbonne, <strong>de</strong>ssa vez com sucesso.<br />
Permaneceu no cargo até a aposentadoria. Seus contatos com o<br />
Brasil também não tiveram continuida<strong>de</strong>, e sua memória entre <strong>seus</strong><br />
ex-alunos brasileiros apagou-se quase completamente.<br />
Antoine Bon foi outro professor francês que veio em 1939 para<br />
o Rio <strong>de</strong> Janeiro, para ocupar a ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> “História Antiga” na FNFi.<br />
Permaneceu vários anos no Brasil, mas, ao que parece, também<br />
não <strong>de</strong>ixou maior influência entre <strong>seus</strong> alunos. Já Francis Ruellan<br />
252
Perfis e trajetórias dos professores universitários <strong>de</strong> História no Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
(1874-1975), nascido na França, era especialista em Geomorfologia<br />
e professor da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Paris. Ruellan permanceu como<br />
professor na FNFi <strong>de</strong> 1941 a 1956 e <strong>de</strong>ixou uma memória extremamente<br />
forte e positiva entre <strong>seus</strong> alunos. Uma das suas muitas contribuições<br />
foi <strong>de</strong>senvolver as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pesquisa e os trabalhos<br />
<strong>de</strong> campos com <strong>seus</strong> alunos. Ruellan <strong>de</strong>sempenhou importantes<br />
funções no Conselho Nacional <strong>de</strong> Geografia e no IBGE.<br />
O balanço das trajetórias dos professores franceses <strong>de</strong> História<br />
e Geografia que atuaram no Rio <strong>de</strong> Janeiro po<strong>de</strong> fornecer informações<br />
interessantes para se avaliar a importância <strong>de</strong> sua contribuição<br />
para a estruturação dos cursos <strong>de</strong> história no Rio <strong>de</strong> Janeiro e no<br />
Brasil, além da maior difusão <strong>de</strong> temas brasileiros entre os franceses.<br />
Em primeiro lugar, é preciso ressaltar a diversida<strong>de</strong> da composição<br />
das missões francesas. Os professores eram oriundos <strong>de</strong> gerações<br />
diferentes, tinham formações distintas e estavam em estágios<br />
profissionais também muito diferenciados. No que diz respeito às<br />
formas <strong>de</strong> conceber e ensinar a História, também havia diferenças.<br />
Enquanto Hauser e Albertini já eram gran<strong>de</strong>s professores e tinham<br />
como perspectiva o ensino <strong>de</strong> uma História social e econômica,<br />
que valorizasse o estudo das socieda<strong>de</strong>s, da vida cotidiana e das<br />
relações sociais, Tapié e Bon estavam comprometidos com o estudo<br />
<strong>de</strong>scritivo dos gran<strong>de</strong>s eventos, das batalhas e dos tratados.<br />
No que diz respeito às re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> relações e formas <strong>de</strong> inserção<br />
no campo intelectual francês, as distinções também são evi<strong>de</strong>ntes.<br />
Hauser e Albertini eram provenientes <strong>de</strong> uma tradição republicana<br />
e laica, ao passo que Deffontaines e Tapié mantinham uma estreita<br />
vinculação com o movimento católico.<br />
A comparação dos professores que foram para o Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
com os que foram para São Paulo e participaram da criação do curso<br />
<strong>de</strong> história da USP também é bastante reveladora. Se tomarmos os<br />
nomes <strong>de</strong> Émile Coornaert (1886-1980), professor <strong>de</strong> “História Mo<strong>de</strong>rna”<br />
na USP em 1935, e Fernand Brau<strong>de</strong>l (1902-1985), sucessor <strong>de</strong><br />
253
Marieta <strong>de</strong> Moraes Ferreira<br />
Coornaert; <strong>de</strong> Pierre Deffontaines, professor <strong>de</strong> geografia humana<br />
na USP em 1935 e seu sucessor Pierre Monbeig (1908-1987) perceberemos<br />
características semelhantes, mas também alguns traços<br />
divergentes.<br />
Assim como os que foram para o Rio <strong>de</strong> Janeiro, os professores<br />
que foram para a USP pertenciam a gerações diferentes, ligavam-se<br />
a tradições historiográficas distintas e integravam-se a re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> relações<br />
diversas. Émile Coornaert nasceu em 1886 e tinha 16 anos a<br />
mais que Fernand Brau<strong>de</strong>l. Em função <strong>de</strong>ssa diferença, vieram para<br />
o Brasil em estágios diferentes <strong>de</strong> suas carreiras. Coornaert já tinha<br />
concluído seu doutorado e era directeur <strong>de</strong> recherche da École Pratique<br />
<strong>de</strong>s Hautes Étu<strong>de</strong>s, cargo obtido numa disputa em que <strong>de</strong>rrotou<br />
nada menos que Marc Bloch. Tinha laços estreitos na Sorbonne,<br />
contatos importantes na Revue d’Histoire Mo<strong>de</strong>rne et Contemporaine<br />
e na Revue d’ Histoire Mo<strong>de</strong>rne, on<strong>de</strong> publicou resenhas e artigos sobre<br />
autores e temas brasileiros. Sua obra, no entanto, foi objeto <strong>de</strong><br />
comentários críticos <strong>de</strong> Bloch e Fèbvre.<br />
Já Brau<strong>de</strong>l ainda estava em início <strong>de</strong> carreira. Era um brilhante<br />
professor do ensino secundário, que, após um estágio na Argélia e<br />
antes <strong>de</strong> vir para o Brasil, lecionara no Liceu Henri IV, em Paris. Ainda<br />
que não mantivesse, nessa ocasião, contatos mais estreitos com<br />
Bloch e Fèbvre e não tivesse publicado nada nos Annales e muito<br />
pouco em outros periódicos, mantinha relações próximas com<br />
Hauser e tinha espaço para publicar na Revue <strong>de</strong> Synthèse, <strong>de</strong> Henri<br />
Berr.<br />
Se avançarmos nessa comparação e tomarmos as trajetórias<br />
dos geógrafos Pierre Deffontaines e Pierre Monbeig, mais uma vez<br />
constataremos a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> formação. Além <strong>de</strong> terem 14 anos<br />
<strong>de</strong> diferença <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> – Deffontaines nasceu em 1894 e Monbeig<br />
em 1908 –, suas trajetórias eram completamente diferentes. Enquanto<br />
Deffontaines era vinculado a grupos católicos na França e<br />
no Brasil, Monbeig foi indicado pelo anticlerical Hauser e, na França,<br />
sua re<strong>de</strong> <strong>de</strong> relações passava por Demongeon e Lucien Fèbvre 16 .<br />
16 Ver carta <strong>de</strong> P. Monbeig a L. Febvre 1939 – Arquivo IMEC – Fundo Henri Berr.<br />
254
Perfis e trajetórias dos professores universitários <strong>de</strong> História no Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
Outro aspecto que merece ser apontado são as diferenças<br />
<strong>de</strong> atuação entre os professores <strong>de</strong> Geografia e os <strong>de</strong> História. Os<br />
historiadores que para aqui vieram trouxeram bibliografia atualizada,<br />
métodos e técnicas <strong>de</strong> pesquisa, propuseram sugestões para o<br />
formato dos cursos e, em alguns casos, chegaram a publicar textos<br />
referentes ao Brasil. No entanto, essa temática nunca chegou a<br />
ocupar um lugar <strong>de</strong> relevo em suas obras.<br />
Já os geógrafos estabeleceram laços <strong>de</strong> outra natureza com o<br />
país. Não só permaneceram um período mais longo, tanto Monbeig<br />
como Deffontaines, como viajaram pelo interior realizando pesquisas,<br />
formando gerações <strong>de</strong> novos alunos, criando instituições e<br />
elegendo o Brasil como tema central <strong>de</strong> suas obras. A reflexão<br />
geográfica no Brasil era incipiente, e a pesquisa praticamente inexistente.<br />
Assim, os geógrafos franceses ocuparam um espaço vazio,<br />
vieram para constituir uma geografia brasileira, e isso é válido tanto<br />
para São Paulo como para o Rio <strong>de</strong> Janeiro 17 .<br />
No que diz respeito à História, o quadro era outro. Já antes<br />
da criação das universida<strong>de</strong>s o campo dos estudos históricos era<br />
bastante <strong>de</strong>senvolvido e objeto <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> interesse e controle por<br />
parte do Estado e das elites do país. O professor Eduardo D’Oliveira<br />
França, referindo-se às características do ensino e da pesquisa da<br />
história na USP dos anos 1930, e à influência dos professores franceses,<br />
<strong>de</strong>clarou: “A História do Brasil não teve a sorte da Geografia do<br />
Brasil. A Geografia se atualizou, renovou-se profundamente, com<br />
Deffontaines e Monbeig, mas a historiografia teve retardado o seu<br />
processo <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização” 18 .<br />
Maria Yedda Linhares faz um diagnóstico semelhante para os<br />
cursos <strong>de</strong> História no Rio <strong>de</strong> Janeiro. No seu enten<strong>de</strong>r, os problemas<br />
para o <strong>de</strong>senvolvimento da pesquisa nos cursos <strong>de</strong> história <strong>de</strong>rivavam<br />
do controle que o catedrático Hélio Vianna tinha sobre a pesquisa<br />
referente a temas brasileiros, que impedia a criação <strong>de</strong> novos<br />
17 Massi, 1991<br />
18 Freitas, 1993<br />
255
Marieta <strong>de</strong> Moraes Ferreira<br />
centros <strong>de</strong> pesquisa <strong>de</strong>dicados, por exemplo, à história contemporânea<br />
do Brasil.<br />
Esses dados, rapidamente alinhavados, indicam que em São<br />
Paulo, a exemplo do que ocorria no Rio <strong>de</strong> Janeiro, além das diferenças<br />
geracionais, dominava uma diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> orientações entre<br />
os professores. Os profissionais que foram para o Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
eram visivelmente mais velhos e titulados, enquanto para São Paulo<br />
dirigiram-se professores mais jovens. Por outro lado, se há pontos<br />
<strong>de</strong> convergência entre as concepções <strong>de</strong> História que prevaleciam<br />
no Rio <strong>de</strong> Janeiro e em São Paulo, também aparecem diferenças.<br />
Um balanço das informações apresentadas nos permite traçar<br />
algumas conclusões provisórias. Se a influência dos professores<br />
franceses se mostrou limitada no que diz respeito a uma nova maneira<br />
<strong>de</strong> fazer História no Brasil, sua presença foi importante com<br />
relação à atualização bibliográfica dos alunos, à estruturação dos<br />
cursos criados e ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> canais <strong>de</strong> intercâmbio entre<br />
as comunida<strong>de</strong>s universitárias francesa e brasileira. Este último<br />
aspecto vale muito mais para São Paulo do que para o Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />
on<strong>de</strong> os laços pessoais e institucionais com os mestres franceses<br />
se diluíram ao longo das décadas seguintes. A partir dos dados pesquisados,<br />
po<strong>de</strong>mos chegar a algumas consi<strong>de</strong>rações sobre a institucionalização<br />
dos cursos universitários <strong>de</strong> história na cida<strong>de</strong> do Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro. Em primeiro lugar, verificamos que o curso <strong>de</strong> História na<br />
UDF (1935-1939) pautou-se numa concepção <strong>de</strong> História centrada<br />
na <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> uma História social da civilização em oposição à uma<br />
História política nacional <strong>de</strong> exaltação dos gran<strong>de</strong>s personagens.<br />
Devemos acrescentar ainda que os professores <strong>de</strong> História da UDF<br />
representaram uma primeira geração <strong>de</strong> profissionais universitários,<br />
que estavam empenhados em formar alunos comprometidos ,<br />
ao mesmo tempo, com o ensino e a pesquisa.<br />
Em segundo lugar, é possível levantar a hipótese <strong>de</strong> que a institucionalização<br />
do curso <strong>de</strong> História no Rio <strong>de</strong> Janeiro, na FNFi, foi fortemente<br />
influenciada por uma concepção <strong>de</strong> História on<strong>de</strong> prevale-<br />
256
Perfis e trajetórias dos professores universitários <strong>de</strong> História no Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
cia uma História política <strong>de</strong>stinada a reforçar os laços da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />
brasileira através do fortalecimento da unida<strong>de</strong> nacional, e do papel<br />
dos gran<strong>de</strong>s heróis como construtores da Nação. Diferentemente<br />
da minha hipótese inicial apresentada em outro texto 19 , o Instituto<br />
Histórico Geográfico Brasileiro teve pouca participação na indicação<br />
<strong>de</strong> nomes, tanto no caso da UDF, como mencionado, como para<br />
a FNFi. Po<strong>de</strong>-se notar também que entre as conturbações políticas e<br />
os embates acadêmicos forjou-se um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> curso universitário<br />
<strong>de</strong> História que privilegiava a formação <strong>de</strong> profissionais do ensino<br />
secundário <strong>de</strong>svinculados da produção do saber histórico.<br />
19 Notas sobre a institucionalização do ensino <strong>de</strong> História no Rio <strong>de</strong> Janeiro. In:<br />
GUIMARÃES, Manoel Salgado. Estudos sobre a escrita da História. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Sete<br />
Letras, 2007. pp. 139-161.<br />
257
Quadro <strong>de</strong> Professores do curso <strong>de</strong> História da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Distrito Fe<strong>de</strong>ral (1935-1939)<br />
Nome e<br />
Naturalida<strong>de</strong><br />
Formação<br />
Escolar<br />
Cargos na UDF Principais Obras Outras Informações<br />
Afonso Arinos <strong>de</strong><br />
Melo Franco<br />
*1905 – † 1990<br />
Belo Horizonte,<br />
Minas Gerais<br />
Colégio Pedro II – Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro<br />
Direito (Faculda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Direito do Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro - 1927)<br />
Professor <strong>de</strong> História<br />
da Civilização do Brasil<br />
(1936-1938)<br />
Introdução a realida<strong>de</strong> brasileira (1933)<br />
Conceito <strong>de</strong> civilização brasileira (1936)<br />
Síntese da História Econômica do Brasil<br />
(1938)<br />
- Foi um dos fundadores da UDN<br />
- Membro da ABL<br />
Arthur Ramos <strong>de</strong><br />
Araújo Pereira<br />
*1903 – † 1949<br />
Pilar, Alagoas<br />
Doutorou-se em<br />
1926, pela Faculda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Medicina da Bahia<br />
Psicologia Social<br />
(1935-1939)<br />
Primitivo e Loucura (1926)<br />
O negro brasileiro (1934)<br />
- Foi chefe da Seção Técnica <strong>de</strong> Ortofrenia e<br />
Higiene Mental do Departamento <strong>de</strong> Educação<br />
e Cultura do DF (1934-1935)<br />
- Fundou a Socieda<strong>de</strong> Brasileira <strong>de</strong> Antropologia<br />
e Etnografia, em 1941<br />
- Foi Chefe do Departamento <strong>de</strong> Ciências Sociais<br />
da UNESCO em 1949, ano <strong>de</strong> sua morte<br />
Carlos Miguel<br />
Delgado <strong>de</strong> Carvalho<br />
*1884 – † 1980<br />
Legação do Brasil em<br />
Paris, França<br />
Direito e Ciências<br />
Sociais (<strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />
<strong>de</strong> Lousanne/ London<br />
School of Economics)<br />
Sociologia Educacional<br />
(1935-1939) Geografia<br />
Humana (1935) e<br />
História Contemporânea<br />
(1936-1939)<br />
Un Centre Économique au Brésil: L’Êtat <strong>de</strong><br />
Minas (1908)<br />
Le Brésil Méridional: étu<strong>de</strong> économique sur les<br />
états du sud, (1910)<br />
Sociologia e Educação (1934)<br />
História Geral (1935)<br />
Súmulas <strong>de</strong> História Colegial (1947)<br />
Didática das Ciências Sociais (1949)<br />
- Foi professor <strong>de</strong> Inglês, Sociologia e vicediretor<br />
do Externato do Colégio Pedro II<br />
- Um dos membros fundadores e presi<strong>de</strong>nte<br />
da ABE<br />
- Membro do IHGB e da Socieda<strong>de</strong> Capistrano<br />
<strong>de</strong> Abreu<br />
- Professor <strong>de</strong> Sociologia do Instituto <strong>de</strong><br />
Educação<br />
- Diretor do Instituto <strong>de</strong> Pesquisas Educacionais<br />
do Departamento <strong>de</strong> - Educação do<br />
Distrito Fe<strong>de</strong>ral (1931-1934)<br />
- Membro do Conselho Nacional <strong>de</strong> Educação<br />
(1931-)<br />
- Membro da Comissão Brasileira Revisora<br />
dos textos <strong>de</strong> História e Geografia (1936)
Eugène Albertini<br />
* 1888 – † 1941<br />
Copiègne, França<br />
Ècole Normale<br />
Supérieure (1900)<br />
Agregé em Letras<br />
(1903)<br />
História da Civilização<br />
Romana (1936-1938)<br />
L’Empire romain (1929)<br />
L’Afrique romaine (1937)<br />
- Membro da École <strong>de</strong> Hautes Étu<strong>de</strong>s Hispaniques<br />
(1909-1912)<br />
- Professor <strong>de</strong> Língua e Literatura Clássica<br />
na <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Fribourg (1919) e <strong>de</strong><br />
História Antiga na Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras <strong>de</strong><br />
Argel (1920)<br />
- Collége <strong>de</strong> France (1932-1941)<br />
Gilberto Freyre<br />
* 1900 – † 1987<br />
Recife, Pernambuco<br />
Bacharel em Ciências<br />
e Letras do colégio<br />
Gilreath (1917). Bacharel<br />
em Artes pela<br />
Baylor University, em<br />
Waco, Texas (1920).<br />
Mestrado em Ciências<br />
Sociais, Columbia<br />
University, em Nova<br />
York (1922)<br />
Antropologia Social e<br />
Cultural (1935 e Sociologia<br />
(1935-1937)<br />
Casa Gran<strong>de</strong> e Senzala: formação da família<br />
brasileira sob o regime <strong>de</strong> economia patriarcal<br />
(1933)<br />
Sobrados e Mucambos (1936)<br />
Nor<strong>de</strong>ste: aspectos da influência da cana sobre<br />
a vida e a paisagem do Nor<strong>de</strong>ste do Brasil.<br />
(1937)<br />
O mundo que o português criou (1940)<br />
- Professor extraordinário da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong><br />
Stanford, em 1931<br />
- Professor <strong>de</strong> Sociologia da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Direito do Recife, em 1935<br />
- Nomeado membro da Aca<strong>de</strong>mia Portuguesa<br />
<strong>de</strong> História em 1938, pelo presi<strong>de</strong>nte<br />
Oliveira Salazar<br />
Henri Hauser<br />
*1866 – † 1946<br />
Oràn, França<br />
École Normale<br />
Superieure, agrègé d’<br />
histoire et geógraphie<br />
(1888)<br />
Docteur en lettres<br />
(1892)<br />
História Mo<strong>de</strong>rna e<br />
Econômica (1936)<br />
La mo<strong>de</strong>rnité du XVIe siècle (1930)<br />
La prépondérance espagnole (1933)<br />
Le paix économique (1935)<br />
- Professor <strong>de</strong> História Antiga e Medieval na<br />
<strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Clermont-Ferrand, Dijon, Paris<br />
(após 1919)<br />
Isnard Dantas Barreto<br />
História da Ida<strong>de</strong> Média<br />
e Mo<strong>de</strong>rna (1935-1937)<br />
- General, professor do Colégio Militar<br />
Jayme Coelho<br />
* 1887 - <br />
História da Antiguida<strong>de</strong><br />
Formação francesa,<br />
(1935-1939)<br />
estudou na França. 20 e Prática <strong>de</strong> Ensino<br />
Leituras históricas (1932) 21<br />
Hittitas: (esboço historico). (1926) 22 - Catedrático do Instituto <strong>de</strong> Educação. 23<br />
- Membro da Socieda<strong>de</strong> Capistrano <strong>de</strong> Abreu<br />
20 Entrevista com Eremildo Vianna (setembro <strong>de</strong> 1996).<br />
21 Rio <strong>de</strong> Janeiro : Briguiet, 1932. 467p.<br />
22 [Rio <strong>de</strong> Janeiro] : Revista dos Tribunais, 1926. These apresentada a Congregação do Colégio Pedro II para o concurso <strong>de</strong> Historia Geral. 68p.
João Batista<br />
<strong>de</strong> Melo e Sousa<br />
*1888 – † 1969<br />
Queluz, São Paulo<br />
José Maria <strong>de</strong><br />
Albuquerque Belo<br />
*1886 –† 1959<br />
Barreiros - Pernambuco<br />
Luiz Camillo <strong>de</strong> Oliveira<br />
Neto<br />
*1904 – † 1953<br />
Itabira do Mato Dentro,<br />
Minas Gerais<br />
Roberto Ban<strong>de</strong>ira<br />
Accioly<br />
*1910 – † 1999<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro - Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro<br />
Sérgio Buarque <strong>de</strong><br />
Hollanda<br />
*1902 – † 1982<br />
São Paulo - São Paulo<br />
Fez estudos<br />
secundários no<br />
Colégio Pedro II<br />
Direito (Faculda<strong>de</strong> do<br />
RJ – 1910)<br />
Direito<br />
(Faculda<strong>de</strong> Livre <strong>de</strong><br />
Ciências Jurídicas<br />
e Sociais do Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro 1911)<br />
Graduação em Química<br />
Industrial/Escola <strong>de</strong><br />
Engenharia <strong>de</strong> Belo<br />
Horizonte (1924)<br />
Bacharel em Direito<br />
Colégio S. Bento<br />
Direito (Faculda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Direito do Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro 1921-1925<br />
História da Civilização na<br />
América (1936- 1939)<br />
História da Civilização<br />
(para Geografia e Inglês)<br />
(1936 - 1939)<br />
História das Artes e das<br />
Indústrias (1936-1938)<br />
História da do Brasil<br />
(1938-1939)<br />
Professor Assistente <strong>de</strong><br />
História da Civilização<br />
Romana (1936-1939)<br />
Assistente nas ca<strong>de</strong>iras<br />
<strong>de</strong> História Mo<strong>de</strong>rna e<br />
Econômica e Literatura<br />
Comparada (1936-1937)<br />
Professor titular das<br />
ca<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> História da<br />
América e <strong>de</strong> Cultura Luso-Brasileira<br />
(1937-1939)<br />
Majupira: romance brasileiro da atualida<strong>de</strong><br />
(1930-1934) (1938)<br />
Estudantes do meu tempo:<br />
crônicas do antigo Colegio Pedro II. (1943)<br />
Democracia e anti-<strong>de</strong>mocracia (1936)<br />
Inteligência do Brasil: ensaios sobre Machado<br />
<strong>de</strong> Assis, Joaquim Nabuco, Eucli<strong>de</strong>s da Cunha<br />
e Rui Barbosa, síntese da evolução literária do<br />
Brasil (1938)<br />
História da República: primeiro período<br />
1889 - 1902 (1940)<br />
Cesar e a realeza (1941)<br />
História do Brasil<br />
para o exame <strong>de</strong> admissão (1961)<br />
Raízes do Brasil (1936)<br />
Cobra <strong>de</strong> vidro (1944)<br />
- Fundador do Colégio Melo e Sousa<br />
- Catedrático <strong>de</strong> História Geral e do Brasil do<br />
Colégio Pedro II<br />
- Membro da Aca<strong>de</strong>mia Carioca <strong>de</strong> Letras<br />
- Foi diretor da biblioteca da Câmara dos Deputados<br />
- Membro do Conselho Geral da Prefeitura do<br />
Distrito Fe<strong>de</strong>ral em 1937<br />
- Diretor da Casa <strong>de</strong> Rui Barbosa (1934-1936)<br />
- Membro da Socieda<strong>de</strong> Capistrano <strong>de</strong> Abreu<br />
- Chefe da Biblioteca do Itamaraty (1940-1943)<br />
- Diretor do Externato do Colégio Pedro II<br />
- Presi<strong>de</strong>nte do IBGE<br />
- Membro do Conselho Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Educação<br />
- Diretor do setor <strong>de</strong> publicações da Biblioteca<br />
Nacional (1944-1946)<br />
- Diretor do Museu Paulista (1946-1953)
Quadro <strong>de</strong> Professores do curso <strong>de</strong> História e Geografia da FNFi (1939-1955)<br />
Nome e<br />
Naturalida<strong>de</strong><br />
Geografia<br />
Formação Cargo na FNFi Principais Obras Outras Funções<br />
André Gibert<br />
Geografia Humana<br />
(1939-1940)<br />
- Professeur à la Faculte <strong>de</strong>s Lettres <strong>de</strong> Lyon, Géographie.<br />
Professor “tarefeiro”, ausentou-se do país em<br />
1940 24<br />
Arthur Ramos<br />
<strong>de</strong> Araújo Pereira<br />
*1903 –† 1949<br />
Pilar, Alagoas<br />
Doutorou-se em 1926, pela<br />
Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da<br />
Bahia<br />
Antropologia e<br />
Etnografia<br />
(1941-1949)<br />
Primitivo e Loucura (1926)<br />
Cultura e Ethos (1949)<br />
- Atuou na UDF como professor <strong>de</strong> Psicologia Social e<br />
Psicologia Geral<br />
- Fundou a Socieda<strong>de</strong> Brasileira <strong>de</strong> Antropologia e Etnografia,<br />
em 1941<br />
- Foi Chefe do Departamento <strong>de</strong> Ciências Sociais da<br />
UNESCO (1949)<br />
Francis Ruellan<br />
*1894 –† 1975<br />
Especialista em Geomorfologia<br />
com carreira provavelmente<br />
consolidada na<br />
<strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Paris<br />
Professor <strong>de</strong> Geografia<br />
(Curso Especializado)<br />
(1941-1956)<br />
Les métho<strong>de</strong>s mo<strong>de</strong>rnes<br />
d’enseignement <strong>de</strong> la géographie.<br />
(1942)<br />
Expedições geomorfológicas<br />
no território do Rio Branco (1952)<br />
- Dirigia investigações no Conselho Nacional <strong>de</strong> Geografia<br />
e exerceu importantes funções no IBGE<br />
- Promoveu <strong>de</strong> trabalhos <strong>de</strong> campo que permitiram<br />
acumular conhecimento empírico sobre o território<br />
brasileiro e sua ocupação<br />
Hilgard O’ Reilly<br />
Sternberg<br />
*1917<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
Bacharel e Licenciado em<br />
História pela FNFi (1941)<br />
Professor Assistente<br />
<strong>de</strong> Geografia do Brasil<br />
(1942-1944)<br />
Catedrático Interino<br />
<strong>de</strong> Geografia do Brasil<br />
(1944 -)<br />
Contribuição ao Estudo da<br />
Geografia (1946) [Prefácio <strong>de</strong> Pierre<br />
Deffontaines]<br />
Enchentes e movimentos<br />
coletivos do solo no Vale do<br />
Paraíba em <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1948:<br />
influência da exploração <strong>de</strong>strutiva<br />
das terras (1949)<br />
- Foi o primeiro Vice-presi<strong>de</strong>nte da União Geográfica<br />
Internacional<br />
- Foi aluno do curso <strong>de</strong> Geografia da UDF<br />
24 Arquivo Gustavo Capanema, GC g 1936.01.18-I.
Josué Apolônio<br />
<strong>de</strong> Castro<br />
*1908 –† 1973<br />
Recife, Pernambuco<br />
Marina Delamare<br />
São Paulo Vasconcellos<br />
*1912 –† 1973<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
Victor Ribeiro<br />
Leuzinger<br />
Formou-se em Medicina pela<br />
Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong><br />
Medicina, no Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
em 1929. Estágios na <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />
<strong>de</strong> Columbia e no<br />
Medical Center <strong>de</strong> Nova York<br />
Estudou no tradicional<br />
Colégio Jacobina.<br />
Formou-se em direito pela<br />
Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito da<br />
<strong>Universida<strong>de</strong></strong> do<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro (1932-),<br />
Entrou em 1936 para o curso<br />
<strong>de</strong> História da UDF, do qual<br />
requeriu diploma em 1938<br />
Engenheiro<br />
Professor Catedrático<br />
<strong>de</strong> Geografia Humana<br />
(1940-1955)<br />
Assistente <strong>de</strong> Antropologia<br />
e Etnografia<br />
(1941-1949)<br />
Em 1949 foi efetivada<br />
Catedrático Interino<br />
<strong>de</strong> Geografia Física<br />
(1940-1966)<br />
Geografia da Fome (1946)<br />
Geopolítica da Fome (1951)<br />
Alguns movimentos contra-aculturativos<br />
do nor<strong>de</strong>ste. (1949)<br />
Controvérsias geomorfológicas<br />
(1948)<br />
- Professor Catedrático <strong>de</strong> Antropologia da <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />
do Distrito Fe<strong>de</strong>ral, 1935 a 1938<br />
- Foi membro do Conselho Departamental e chefe<br />
do Departamento <strong>de</strong> Geografia, no Brasil no final dos<br />
anos 40 e início dos anos 50<br />
- Ensinava História no Colégio <strong>de</strong> Aplicação<br />
- Foi contratada como professora do Colégio Souza<br />
Aguiar<br />
- Ministrou aulas na Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Filosofia do Instituto<br />
La-Fayette, no cargo <strong>de</strong> Assistente da ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong><br />
Ida<strong>de</strong> Média (1942) e Didática Especial <strong>de</strong> Geografia<br />
e História (1945)<br />
- Foi membro da Congregação, Diretor da FNFi e chefe<br />
do Departamento <strong>de</strong> Geografia<br />
- Possibilitou o direcionamento <strong>de</strong> verbas para congressos,<br />
principalmente para o XVIII Congresso Internacional<br />
<strong>de</strong> Geografia, realizado no Rio <strong>de</strong> Janeiro em<br />
1956, viagens <strong>de</strong> trabalho, cursos diversos e para o<br />
Centro <strong>de</strong> Estudos do Brasil, organizado em 1952 por<br />
Hilgard Stemberg
História<br />
Nome Formação Cargo na FNFi Principal Obra Outras Funções<br />
Antero Manhães<br />
Assistente <strong>de</strong> História Mo<strong>de</strong>rna e<br />
Contemporânea (1940-1953)<br />
Primeiros surtos <strong>de</strong> colonização<br />
e ban<strong>de</strong>irismo (1927)<br />
Limites e conceituação do<br />
Renascimento<br />
(Tese <strong>de</strong> concurso) (1948)<br />
Antoine Bon<br />
*1901-† 1972<br />
História da Antiguida<strong>de</strong> e da Ida<strong>de</strong><br />
Média. (1941-1945)<br />
Note additionnelle sur les<br />
forteresses médiévales <strong>de</strong> la<br />
Grèce centrale (1938)<br />
Introduction générale a<br />
l’histoire <strong>de</strong> l’art (1943)<br />
- Membro da École Française d’Athènes<br />
(EfA) (Ingresso em 1924) 26<br />
- Professeur à la faculte <strong>de</strong>s Lettres <strong>de</strong><br />
Montpellier (Histoire Ancienne et Mediévale)<br />
Carlos Miguel<br />
Delgado <strong>de</strong><br />
Carvalho<br />
*1884 –† 1980<br />
Legação do Brasil<br />
em Paris, França<br />
Direito e Ciências Sociais<br />
(<strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Lousanne /<br />
London School of Economics).<br />
Ecole <strong>de</strong>s Sciencies Politiques,<br />
Paris<br />
Professor <strong>de</strong> Geografia Humana<br />
(1939-1942)<br />
Catedrático Interino <strong>de</strong> História Mo<strong>de</strong>rna<br />
e contemporânea (1943-1945)<br />
Catedrático efetivo <strong>de</strong> História Mo<strong>de</strong>rna<br />
e Contemporânea (1945-1955)<br />
(Ver quadro acima) (Ver quadro acima)<br />
Eremildo Luiz<br />
Viana<br />
*1913 - <br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
Colégio Pedro II (Externato) –<br />
Bacharel em Ciências e Letras<br />
(1932)<br />
Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito do Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro (1933-) 25<br />
Foi aluno <strong>de</strong> História da UDF,<br />
mas não terminou o curso,<br />
saindo em 1937<br />
Assistente da ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> História<br />
da Antiguida<strong>de</strong> e da Ida<strong>de</strong> Média<br />
(1941-1945)<br />
Em 1944 assume a cátedra por <strong>de</strong>cisão<br />
do CTA e em 1946 prestou concurso<br />
para o qual foi aprovado<br />
História da Civilização (1941)<br />
Uma Fase do imperialismo<br />
romano: a guerra <strong>de</strong> Roma<br />
contra Jugurta (1945)<br />
- Professor do Colégio Pedro II, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
1936<br />
- Foi eleito diretor da Faculda<strong>de</strong> Nacional<br />
<strong>de</strong> Filosofia em 1957<br />
- Membro da Socieda<strong>de</strong> Capistrano <strong>de</strong><br />
Abreu<br />
25 Ver a seguinte lista <strong>de</strong> membros: http://www.efa.gr/histoire/membresEfa.pdf (acesso em 31 mar 2008)<br />
26 FÁVERO, Maria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s. Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia. Depoimentos. n.º 5. UFRJ/PROEDES Março <strong>de</strong> 1992
Eulália Lahmeyer<br />
Lobo<br />
*1924<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
Hélio Vianna<br />
*1908 –† 1972<br />
Belo Horizonte,<br />
Minas Gerais<br />
Colégio Jacobina;<br />
Graduação em História e<br />
Geografia pela Faculda<strong>de</strong><br />
Nacional <strong>de</strong> Filosofia da UB<br />
(1940-1944)<br />
Bacharel em Ciências<br />
Jurídicas e Sociais diplomado<br />
pela Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito<br />
da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro (1932)<br />
Assistente da Ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong><br />
História da América (1952-1958)<br />
Regente da Ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong><br />
História da América (1958-1964)<br />
Catedrática Interina da Ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong><br />
História da América (1967-1968)<br />
Catedrático interino <strong>de</strong> História do<br />
Brasil (1939-1945)<br />
Catedrático Efetivo <strong>de</strong> História do<br />
Brasil (1946-1968)<br />
Administração colonial<br />
luso-espanhola nas Américas<br />
(1952)<br />
Caminho <strong>de</strong> Chiquitos as<br />
missões guaranis: <strong>de</strong> 1690 a<br />
1718: ensaio interpretativo<br />
(Tese <strong>de</strong> livre docência - Faculda<strong>de</strong><br />
Nacional <strong>de</strong> Filosofia,<br />
1957)<br />
Formação Brasileira. (1935)<br />
Contribuição À História<br />
da Imprensa Brasileira<br />
1812-1869 (1945)<br />
Da maiorida<strong>de</strong> a conciliação:<br />
1840-1857: síntese <strong>de</strong> historia<br />
política e bibliografia do<br />
período (1945)<br />
Tese <strong>de</strong> concurso à cátedra<br />
<strong>de</strong> professor <strong>de</strong> História do<br />
Brasil.<br />
História do Brasil (1961/1962)<br />
- Professora do Colégio Pedro II<br />
( 957-1968)<br />
- Membro efetivo da Socieda<strong>de</strong> Capistrano<br />
<strong>de</strong> Abreu<br />
- Em junho <strong>de</strong> 1934, passou a lecionar história<br />
do Brasil nos cursos promovidos pelo<br />
Departamento <strong>de</strong> Doutrina da província<br />
da Guanabara.<br />
- Em outubro <strong>de</strong> 1934 se candidatou a um<br />
mandato parlamentar na legenda da AIB,<br />
mas não obteve sucesso<br />
- Membro do Instituto <strong>de</strong> Estudos Brasileiros<br />
(1938)<br />
- Em 1941 assumiu a cátedra <strong>de</strong> História da<br />
América na Pontifícia <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Católica<br />
do Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />
- Pertenceu à Aca<strong>de</strong>mia Brasileira <strong>de</strong> História<br />
e foi sócio do IHGB<br />
- Foi membro da Comissão <strong>de</strong> Estudos <strong>de</strong><br />
Textos da História do Brasil, do Ministério<br />
das Relações Exteriores e da Comissão<br />
Diretora <strong>de</strong> Publicações da Biblioteca do<br />
Exército
Maria Yedda<br />
Linhares<br />
*1921<br />
Fortaleza, Ceará<br />
Sílvio Julio <strong>de</strong> Albuquerque<br />
Lima<br />
*1895 –† 1984<br />
Recife,<br />
Pernambuco<br />
Victor Marie<br />
Lucien Tapié<br />
*1898 –† 1975<br />
Paris, França<br />
Parte da Graduação<br />
Centenary Junior<br />
College, CJC, Estados Unidos<br />
(1940-1941)<br />
Parte da Graduação<br />
Barnard College, BC,<br />
Estados Unidos (1941-1942)<br />
Graduação em História pela<br />
<strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil (1943).<br />
Graduação em Geografia<br />
pela <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil<br />
(1944)<br />
Doutorado em História Mo<strong>de</strong>rna<br />
e Contemporânea pela<br />
<strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil (1954)<br />
Colégio Militar (1908-1913),<br />
Bacharelado em Direito pela<br />
Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ciências Jurídicas<br />
e Sociais do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
(1914), on<strong>de</strong> não pô<strong>de</strong><br />
terminar o curso concluindoo<br />
em Porto Alegre (1918)<br />
Doutorado na Sorbonne<br />
(1934)<br />
Assistente <strong>de</strong> História Mo<strong>de</strong>rna<br />
e Contemporânea (1944-1954)<br />
Em 1955 é nomeada<br />
catedrática interina<br />
Em 1957 após ser aprovada em concurso<br />
assumiu efetivamente a cátedra<br />
Professor catedrático interino <strong>de</strong><br />
História da América (1941-1945)<br />
Professor catedrático efetivo <strong>de</strong><br />
História da América (1945-1960)<br />
Professor <strong>de</strong> História Mo<strong>de</strong>rna<br />
e Contemporânea (1941-1942)<br />
As Relações anglo-egípcias<br />
e o Sudão:<br />
(março 1950-novembro 1951)<br />
A queda <strong>de</strong> Delcassé:<br />
aspectos das origens da<br />
guerra <strong>de</strong> 1914. (1956)<br />
História da Agricultura<br />
Brasileira: combates e<br />
controvérsias (1981)<br />
História Geral do Brasil (1990)<br />
Cérebro e Coração <strong>de</strong> Bolívar<br />
(1931)<br />
Terra e povo do Ceará (1936)<br />
Toda a América (1939)<br />
Escritores da Colômbia e<br />
Venezuela (1942)<br />
La politique étrangère <strong>de</strong> la<br />
France et le début <strong>de</strong> la guerre<br />
<strong>de</strong> trente ans (1616-1621)<br />
(1934)<br />
Histoire <strong>de</strong> l’Amérique Latine<br />
dans le XIX ème siècle (1946)<br />
Barroco e Classicismo (1974)<br />
- Deu aula <strong>de</strong> Língua Portuguesa no<br />
Barnard’s College, CJC, EUA (1941-1942) e<br />
no Middlebury College, MC, Estados Unidos<br />
(1941-1942)<br />
- Trabalhou no DASP como Técnica <strong>de</strong> Pessoal<br />
(1944-1945)<br />
- Ministrou aulas no Instituto Rio Branco<br />
(1957)<br />
- Quando houve o golpe militar, era Diretora<br />
do Serviço <strong>de</strong> Radiodifusão Educativa<br />
(Rádio MEC) (1963-1964)<br />
- Fez teste para maitre <strong>de</strong> conférence na<br />
Sorbonne, em 1939, mas não foi aprovado
Marieta <strong>de</strong> Moraes Ferreira<br />
Referências<br />
BARBOSA, Rosângela Carvalho. O projeto da UDF e a formação <strong>de</strong> Intelectuais<br />
na década <strong>de</strong> 30. Dissertação (Mestrado) - Instituto <strong>de</strong> Filosofia e Ciências Sociais,<br />
<strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 1996.<br />
BLOCH, Marc e FEBVRE, Lucien. Correspon<strong>de</strong>nce 1928-1933. Paris: Fayard, 1994.<br />
v1.<br />
BOURDIEU,Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva,1974.<br />
CHARLES, Christophe. La republique <strong>de</strong>s universitaires. 1870-1940. Paris: Seuil,<br />
1979.<br />
FÁVERO, Maria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Albuquerque. A Faculda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Filosofia, RJ:<br />
1939-1968: o projeto possível. Rio <strong>de</strong> Janeiro: UFRJ / PROEDES, [19_ _ ].<br />
______. A <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Distrito Fe<strong>de</strong>ral: 1935-1939: centro <strong>de</strong> estudos e produção<br />
do saber. Rio <strong>de</strong> Janeiro, mimeografado.<br />
FERREIRA, Marieta <strong>de</strong> Moraes. Les professeurs français et l’enseignement <strong>de</strong><br />
l’histoire à Rio <strong>de</strong> Janeiro pendant les annés 1930. In: CROUZET, François et al.<br />
(Org.). Paris: L´harmattan, 2002.<br />
_______ . A ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> história mo<strong>de</strong>rna e contemporânea: um espaço <strong>de</strong> crítica e<br />
renovação do ensino da história. In: SILVA, Francisco Carlos Teixeira da; MATTOS,<br />
Hebe Maria ; FRAGOSO, João. (Org.) Escritos sobre história e educação: homenagem<br />
à Maria Yedda Linhares. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Mauad: FAPERJ, 2001. p. 553-568.<br />
_______. Notas sobre a institucionalização do ensino <strong>de</strong> história no Rio <strong>de</strong> Janeiro In:<br />
GUIMARÃES, Manoel Salgado. Estudos sobre a escrita da história. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />
Sete Letras, 2007. p. 139-161.<br />
FREITAS, Sônia Maria. Reminiscências. São Paulo: Maltese, 1993.<br />
GOMES, Ângela <strong>de</strong> Castro. História e historiadores: a política cultural do Estado<br />
Novo. Rio <strong>de</strong> Janeiro: FGV, 1996.<br />
GUIMARÃES, Lúcia Maria Paschoal. Política e mecenato. Rio <strong>de</strong> Janeiro, 1998.<br />
mimeografado.<br />
266
Perfis e trajetórias dos professores universitários <strong>de</strong> História no Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
GUIMARÃES, Manoel Luís Salgado. Entre amadorismo e profissionalismo: as<br />
tensões da prática histórica no século XIX. In: Topoi. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Programa <strong>de</strong><br />
Pós-Graduação em História Social da UFRJ / 7 Letras, n. 5, p. 184-200, set. 2002.<br />
HAUSER, Henri. L’enseignement <strong>de</strong>s sciences sociales. Paris: Chevalier-Marescq et<br />
Cie, 1903.<br />
LEFEVRE, Jean Paul. Les missions universitaires françaises au Brésil dans les<br />
années 1930. Vingtième Siècle: Revue d’histoire, n. 38, avril – juin.1993.<br />
MACHADO, Mônica Sampaio. A geografia universitária carioca e o campo científico<br />
disciplinar da geografia brasileira, 2002. Tese (Doutorado) - <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> São<br />
Paulo, São Paulo, 2002.<br />
MASSI, Fernanda Peixoto. Estrangeiros no Brasil: a missão francesa na <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />
<strong>de</strong> São Paulo, 1991. Dissertação (Mestrado). <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Campinas, Campinas,<br />
1991.<br />
MATTOS, Ilmar Rohloff. (Org.). Histórias do ensino da história no Brasil. Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro: Access, 1999.<br />
MELLO FRANCO, Affonso Arinos <strong>de</strong>. Síntese da história econômica do Brasil.<br />
Salvador: Progresso: UFBA, 1958.<br />
MICELI, Sérgio (Org.). História das ciências sociais. São Paulo: Sumaré, 1995. v.2.<br />
p. 223-307.<br />
NOIRIEL, Gérard. Naissance du métier d’historien. Genêses, n.1, sept, 1990.<br />
OLIVEIRA, Lúcia Lippi. As ciências sociais no Rio <strong>de</strong> Janeiro. In: MICELI, Sérgio.<br />
História das Ciências Sociais. São Paulo: Sumaré, 1995. v.2. p. 223-307.<br />
RESNIK, Luis. Tecendo o amanhã: a história do Brasil no ensino secundário:<br />
programas e livros didáticos: 1931 a 1945. Dissertação (Mestrado) - <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />
Fe<strong>de</strong>ral Fluminense, Niterói, 1992.<br />
267
SCHWARTZMAN, Simon; BOMENY, Helena; COSTA, Vanda Ribeiro (1984) Tempos<br />
<strong>de</strong> Capanema. 2. ed. São Paulo: Paz e Terra; Rio <strong>de</strong> Janeiro: Fundação Getúlio<br />
Vargas, 2000.<br />
VICENZI, Lectícia Josephina Braga <strong>de</strong>. A fundação da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Distrito<br />
Fe<strong>de</strong>ral e seu significado para a educação no Brasil. Forum Educacional. Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro, v.10, n.3, jul./set. 1986.<br />
268
Introdução<br />
A Preservação da memória através das<br />
coleções pessoais <strong>de</strong>positadas na UFRJ:<br />
o caso da Coleção Afonso Carlos<br />
Marques dos Santos<br />
José Tavares da Silva Filho<br />
Rosane Cristina <strong>de</strong> Oliveira<br />
Andréa Côrtes Torres<br />
Os <strong>lugares</strong> <strong>de</strong> memória e <strong>de</strong> preservação da memória encontram<br />
nos acervos pessoais adquiridos pelas universida<strong>de</strong>s, espaço<br />
<strong>de</strong> lembranças, conforme chamou a atenção Pierre Nora (1993),<br />
mais um lugar <strong>de</strong> memória, “porque não há mais meios <strong>de</strong> memória”.<br />
A problemática instala-se na dificulda<strong>de</strong> em lidar e cuidar <strong>de</strong>sses<br />
“<strong>lugares</strong> <strong>de</strong> memória”, e é neste sentido que o presente trabalho<br />
preten<strong>de</strong> trazer à luz para a discussão a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se pensar<br />
melhores alternativas para o tratamento dos acervos pessoais recebidos<br />
pelas universida<strong>de</strong>s, tendo como estudo <strong>de</strong> caso a <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />
Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />
Os profissionais da área <strong>de</strong> biblioteconomia e gestão da informação,<br />
geralmente encarregados <strong>de</strong> receber e manipular esses<br />
acervos, em sua maioria estão distantes da discussão e da importância<br />
<strong>de</strong>sses <strong>lugares</strong> <strong>de</strong> memória e, em alguns casos, o tratamento<br />
<strong>de</strong>stinado a esses acervos confun<strong>de</strong>-se com as <strong>de</strong>mais obras da<br />
biblioteca.<br />
Lugar, memória e história<br />
As questões que envolvem lugar, memória e história vêm sendo<br />
objeto <strong>de</strong> vários estudos, especialmente <strong>de</strong> historiadores como<br />
Pierre Nora, Jacques Le Goff e Afonso Carlos Marques dos Santos.<br />
269
José Tavares da S. Filho, Rosane C. <strong>de</strong> Oliveira, Andréa C. Torres<br />
Pierre Nora (1993) centralizou a discussão na problemática dos <strong>lugares</strong><br />
<strong>de</strong> memória, e ele afirma que “há locais <strong>de</strong> memória porque<br />
não há mais meio <strong>de</strong> memória”, e é com o advento da socieda<strong>de</strong> industrial<br />
que as tradições, costumes e a repetição ancestral, enquanto<br />
meios <strong>de</strong> perpetuar a memória, per<strong>de</strong>m sentido e espaço.<br />
Memória e história, não se confun<strong>de</strong>m. Na concepção <strong>de</strong> Nora<br />
(1993) a primeira é “a vida”, em permanente construção e evolução,<br />
e a segunda, é a tentativa <strong>de</strong> reconstrução incompleta do que não<br />
existe mais. A negativida<strong>de</strong> da história estaria na <strong>de</strong>struição da memória<br />
espontânea e a <strong>de</strong>struição do “passado vivido”, uma vez que,<br />
a cada movimento histórico, a socieda<strong>de</strong> que se forma e suplanta<br />
a anterior ao mesmo tempo <strong>de</strong>strói e reconstrói os meios <strong>de</strong> legitimar-se,<br />
o movimento da história, a ambição histórica não são a<br />
exaltação do que verda<strong>de</strong>iramente aconteceu, mas sua anulação.<br />
Sem dúvida um criticismo generalizado conservaria<br />
mu<strong>seus</strong>, medalhas e monumentos, isto é, o arsenal necessário<br />
ao seu próprio trabalho, mas esvaziando-os daquilo que,<br />
a nosso ver, os faz <strong>lugares</strong> <strong>de</strong> memória. Uma socieda<strong>de</strong> que<br />
vivesse integralmente sob o signo da história não conheceria,<br />
afinal, mais do que uma socieda<strong>de</strong> tradicional, <strong>lugares</strong> on<strong>de</strong><br />
ancorar sua memória. (Nora, 1993: p. 9)<br />
Mas, a partir do momento em que dizemos que algo simboliza<br />
a memória, para Nora (1993) significa que aquela memória não<br />
existe mais e que já se transformou em história. Neste sentido, a necessida<strong>de</strong><br />
dos arquivos, acervos, entre outros <strong>lugares</strong> <strong>de</strong> memória,<br />
é um movimento contemporâneo que tenta preservar o passado<br />
e o presente. O autor lança uma crítica interessante aos profissionais<br />
que cuidavam da preservação da informação e apren<strong>de</strong>ram “a<br />
arte da <strong>de</strong>struição controlada”. Mas reconhece que no presente os<br />
profissionais, especialmente os que atuam em instituições privadas,<br />
recebem recomendações para guardar tudo. Se no passado os produtores<br />
<strong>de</strong> arquivos eram as gran<strong>de</strong>s famílias, a igreja e o Estado,<br />
270
A Preservação da memória através das coleções pessoais <strong>de</strong>positadas na UFRJ:<br />
o caso da Coleção Afonso Carlos Marques dos Santos<br />
atualmente cresce o número <strong>de</strong> indivíduos que guardam e registram<br />
suas memórias. O arquivo é o elemento principal quando se<br />
pensa em preservação da memória na socieda<strong>de</strong> pós-mo<strong>de</strong>rna.<br />
As bibliotecas, igualmente, só se tornam <strong>lugares</strong> <strong>de</strong> memória se a<br />
imaginação investir em uma aura simbólica. Daí a idéia da criação<br />
<strong>de</strong> campo simbólico, conforme chamou a atenção Pierre Bourdieu<br />
(2000), e neste caso as bibliotecas compõem um universo simbólico<br />
<strong>de</strong> preservação da memória, individual e coletiva.<br />
Um lugar <strong>de</strong> memória : os acervos bibliográficos das<br />
Instituições <strong>de</strong> Ensino Superior do Brasil<br />
A formação e o <strong>de</strong>senvolvimento dos acervos bibliográficos tiveram<br />
início com a transferência da Corte portuguesa para o Brasil,<br />
em 1808. Em 18 <strong>de</strong> fevereiro do mesmo ano foi assinado um <strong>de</strong>creto<br />
prevendo a criação da primeira Escola Médico-Cirúrgica do Brasil,<br />
na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Salvador, Bahia, que passou a funcionar no prédio dos<br />
jesuítas on<strong>de</strong> já havia um hospital militar (Calmon, 1952). Esse ato<br />
resultou em transformações que <strong>de</strong>ram especificida<strong>de</strong> à História<br />
da América portuguesa, abrangendo não só o âmbito econômico<br />
como também o cultural, resultando na fundação <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong><br />
instituições. Entre essas instituições, <strong>de</strong>sçamos a criação das primeiras<br />
Escolas Superiores como um elemento fundamental para o patrimônio<br />
1 cultural brasileiro.<br />
Além das Escolas Superiores, o professor Maurício Joppert<br />
da Silva (1950, p.37) chamou a atenção para o processo <strong>de</strong> criação<br />
<strong>de</strong> uma universida<strong>de</strong> no Brasil, como resultado da instauração do<br />
Convento <strong>de</strong> Santo Antônio por religiosos franciscanos, <strong>de</strong>stacando<br />
que<br />
1 A <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> patrimônio, no dicionário da língua portuguesa Houaiss, diz respeito<br />
ao “conjunto <strong>de</strong> bens naturais ou culturais <strong>de</strong> importância reconhecida num<br />
<strong>de</strong>terminado lugar, região, país ou mesmo para a humanida<strong>de</strong>, que passa por um<br />
processo <strong>de</strong> tombamento para que seja protegido e preservado”. (Houaiss, 2004,<br />
p.2151)<br />
271
José Tavares da S. Filho, Rosane C. <strong>de</strong> Oliveira, Andréa C. Torres<br />
a primeira idéia <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> uma universida<strong>de</strong> no Brasil<br />
parece ter partido dos religiosos franciscanos, do Convento <strong>de</strong><br />
Santo Antonio, no Rio <strong>de</strong> Janeiro, no século XVIII, o qual <strong>de</strong>veria<br />
compreen<strong>de</strong>r cursos <strong>de</strong> teologia, filosofia, retórica, hebreu,<br />
grego, latim, entre outros. O plano foi aprovado por alvará <strong>de</strong><br />
11 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1776, mas a idéia não teve andamento.<br />
Segundo (Fávero, 2000), a segunda tentativa para a criação<br />
<strong>de</strong> uma universida<strong>de</strong> no Brasil <strong>de</strong>u-se na Inconfidência Mineira. As<br />
referências po<strong>de</strong>m ser observadas nos documentos que integram<br />
parte dos Autos da <strong>de</strong>vassa da Inconfidência Mineira (Brasil, MES,<br />
1936). Ainda em 1808, D. João VI criou os primeiros Cursos ou Aulas<br />
nas cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Salvador e do Rio <strong>de</strong> Janeiro, que mais tar<strong>de</strong>, em<br />
1832, constituiriam a Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina. Após a criação dos<br />
cursos médicos, o imperador vislumbrou a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> instalação<br />
<strong>de</strong> um curso ou Escola que formasse militares e engenheiros<br />
(Lobo, 1980).<br />
Em 4 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1810 foi inaugurada a Aca<strong>de</strong>mia Real<br />
Militar, que mais tar<strong>de</strong>, em 1839 receberia o nome <strong>de</strong> Escola Militar.<br />
Em 1858, Escola Central, e em 1874, após várias modificações passou<br />
a chamar-se Escola Polythecnica.<br />
Após a chegada da Missão Francesa, chefiada por Joaquim Lebreton,<br />
em 1816 foi criada a Escola Real <strong>de</strong> Ciências, Artes e Ofícios,<br />
que após o processo <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência, passou a chamar-se Imperial<br />
Aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> Belas Artes. Já o Museu Nacional teve origem a<br />
partir do Gabinete <strong>de</strong> História Natural, fundado em 1782, pelo vicerei<br />
D. Luís <strong>de</strong> Vasconcelos. Em junho <strong>de</strong> 1818, D. João VI transformou<br />
em Museu Real, inicialmente sediado no Campo <strong>de</strong> Sant´Ana e, em<br />
1892, foi transferido para a Quinta da Boa Vista.<br />
Nos últimos anos do império, em 1882 foi criada a Faculda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Ciências Jurídicas e Sociais, e em 1891, a Faculda<strong>de</strong> Livre <strong>de</strong><br />
Direito da Capital Fe<strong>de</strong>ral, ambas <strong>de</strong> iniciativa privada e reconhecida<br />
pelo Decreto 639 <strong>de</strong> 31 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1891. No Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />
em 7 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1920, foi a criada a <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro, através do Decreto 14.343, sancionado pelo presi<strong>de</strong>nte<br />
Epitácio Pessoa.<br />
272
A Preservação da memória através das coleções pessoais <strong>de</strong>positadas na UFRJ:<br />
o caso da Coleção Afonso Carlos Marques dos Santos<br />
Após o breve comentário acerca da formação dos primeiros<br />
cursos ao longo do regime imperial do século XIX, <strong>de</strong>stacamos a<br />
criação da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil, atual <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro. Nesta universida<strong>de</strong> estão abrigadas várias coleções pessoais<br />
nas bibliotecas das unida<strong>de</strong>s da instituição. Como testemunho<br />
da lembrança, as coleções pessoais <strong>de</strong>positadas nas bibliotecas da<br />
UFRJ representam e atuam como um instrumento <strong>de</strong> reconstrução<br />
da memória <strong>de</strong> bibliógrafos e colecionadores, registrando o saber<br />
individual e subjetivo, transformando-o em social e coletivo, materializando<br />
a memória, <strong>de</strong>mocratizando as informações até então<br />
dispersas e muitas vezes não preservadas.<br />
Em um país como o Brasil, a preocupação com questão da preservação<br />
assumiu maior <strong>de</strong>staque em fins do século XX. As instituições<br />
que hoje são <strong>de</strong>tentoras <strong>de</strong> coleções pessoais investem-se no<br />
simbolismo e na lembrança, garantindo assim, a interação históriamemória.<br />
Neste sentido, reportamo-nos a Pierre Nora,<br />
O que nós chamamos <strong>de</strong> memória é, <strong>de</strong> fato, a constituição<br />
gigantesca e vertiginosa do estoque material daquilo que<br />
nos é impossível lembrar, repertório insondável daquilo que<br />
po<strong>de</strong>ríamos ter necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nos lembrar. ... À medida em<br />
que <strong>de</strong>saparece a memória tradicional, nós nos sentimos obrigados<br />
a acumular religiosamente vestígios, testemunhos, documentos,<br />
imagens, discursos, sinais visíveis do que foi, como<br />
se esse dossiê cada vez mais prolífero <strong>de</strong>vesse se tornar prova<br />
em não se sabe que tribunal da história... (Nora, 1993 : 15)<br />
As coleções pessoais na UFRJ: um estudo <strong>de</strong> caso<br />
Em 14 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1950, as novas instalações da Biblioteca<br />
Central foram inauguradas no Palácio Universitário da Praia<br />
Vermelha. A partir daí, o acervo foi sendo formado por doações e<br />
aquisições <strong>de</strong> coleções pessoais, <strong>de</strong>stacando-se as que pertence-<br />
273
José Tavares da S. Filho, Rosane C. <strong>de</strong> Oliveira, Andréa C. Torres<br />
ram a Ramalho Ortigão, Afrânio Coutinho, Olegário Mariano, Rodolfo<br />
Garcia, Adyr Guimarães e Antônio Monteiro <strong>de</strong> Barros 2 Destas<br />
coleções, a <strong>de</strong> maior visibilida<strong>de</strong> é a <strong>de</strong> Adyr Guimarães, constituída<br />
por obras com <strong>de</strong>dicatórias <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong>s renomadas na área<br />
<strong>de</strong> literatura e ciências sociais. Em 1969, a pedido do Prof. Afrânio<br />
Coutinho, estas coleções foram transferidas para a Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Letras da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro. A coleção está<br />
<strong>de</strong>positada na Seção <strong>de</strong> Obras Raras da Biblioteca da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Letras.<br />
Ainda na biblioteca <strong>de</strong>sta Faculda<strong>de</strong>, outras coleções <strong>de</strong> valor<br />
histórico-cultural estão separadas do acervo acadêmico, como a Coleção<br />
Celso Cunha, adquirida em 1990 pelo valor <strong>de</strong> U$ 500.000,00<br />
(quinhentos mil dólares). O acervo é composto <strong>de</strong> 25.000 exemplares,<br />
entre livros, periódicos, medalhas e diplomas, abrangendo as<br />
áreas <strong>de</strong> filologia, lingüística, medievalismo, entre outras. As obras<br />
raras estão sediadas em um espaço reconstituído com mobiliário<br />
do escritório do professor Celso Cunha. Sua biblioteca <strong>de</strong>staca-se,<br />
ainda, por possuir as primeiras edições dos assuntos citados acima<br />
e os primeiros dicionários da língua portuguesa. Outra coleção <strong>de</strong><br />
peso, a Coleção Afrânio Coutinho, chegou à universida<strong>de</strong> em 1994 e<br />
integra mais <strong>de</strong> 100.000 (cem mil) volumes incluindo livros, periódicos<br />
e artigos <strong>de</strong> jornais nas áreas <strong>de</strong> literatura brasileira e universal,<br />
arte e literatura barroca, crítica literária, manuscritos, documentos<br />
raros, obras raras e autografadas. A partir <strong>de</strong> um projeto elaborado<br />
pela biblioteca da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras da UFRJ, e com financiamento<br />
da Fundação Vitae, foi criado o Centro <strong>de</strong> Estudos Afrânio Coutinho<br />
- CEAC.<br />
Reconhecida internacionalmente, a Biblioteca do Museu Nacional,<br />
fundada em 1863, abriga a Coleção Thereza Cristina, oriunda<br />
da Biblioteca <strong>de</strong> D. Pedro II, doada ao Museu Nacional em fins do século<br />
XIX, quando a família real partiu para o exílio em 1889. Outras<br />
2 As informações sobre a vida e obra <strong>de</strong>stes letrados estão disponíveis na página<br />
eletrônica da Aca<strong>de</strong>mia Brasileira <strong>de</strong> Letras. (www.abl.br)<br />
274
A Preservação da memória através das coleções pessoais <strong>de</strong>positadas na UFRJ:<br />
o caso da Coleção Afonso Carlos Marques dos Santos<br />
obras da imperatriz chegaram à biblioteca por meio do acervo da<br />
Comissão Científica <strong>de</strong> Exploração voltada para as ciências naturais.<br />
Atualmente, essa importante e rara biblioteca pessoal está incorporada<br />
à seção <strong>de</strong> obras raras da biblioteca.<br />
Em meados <strong>de</strong> 2004, a Biblioteca Pedro Calmon do Fórum <strong>de</strong><br />
Ciência e Cultura da UFRJ, antiga Biblioteca Central da <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />
do Brasil, recebeu, através <strong>de</strong> doação, o acervo pessoal do historiador<br />
Afonso Carlos Marques dos Santos, professor titular da ca<strong>de</strong>ira<br />
<strong>de</strong> Teoria e Metodologia da História do Instituto <strong>de</strong> Filosofia e Ciências<br />
Sociais da UFRJ e coor<strong>de</strong>nador do Fórum <strong>de</strong> Ciência e Cultura<br />
(1999 a 2002), falecido em maio <strong>de</strong> 2004.<br />
A coleção é constituída <strong>de</strong> aproximadamente 10 mil volumes<br />
<strong>de</strong> livros e documentos em diversos suportes, sendo o resultado<br />
das aquisições realizadas ao longo <strong>de</strong> trinta anos <strong>de</strong> <strong>de</strong>dicação à<br />
docência e à pesquisa histórica. O acervo reúne títulos <strong>de</strong> extrema<br />
relevância em diversos idiomas, predominando o português, o espanhol,<br />
o inglês, além do francês, cobrindo os campos <strong>de</strong> estudo<br />
em torno da História do Rio <strong>de</strong> Janeiro, História do Brasil, História<br />
<strong>de</strong> Portugal, História da Cida<strong>de</strong> e Patrimônio Cultural, Teoria, Historiografia<br />
e Metodologia da História, História da Arte, ou, Arquitetura<br />
e Literatura oci<strong>de</strong>ntal clássica. Há que se ressaltar no acervo<br />
obras autografadas, edições esgotadas e únicas adquiridas em livrarias<br />
especializadas no Brasil, Europa, Estados Unidos da América<br />
e Argentina, bem como títulos <strong>de</strong> autoria do próprio colecionador.<br />
Destacam-se, na coleção, obras iconográficas que relatam as transformações<br />
urbanas da cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro nos séculos XIX e XX<br />
constituindo assim, uma coleção <strong>de</strong> preciosida<strong>de</strong>s.<br />
Posteriormente à doação, foi <strong>de</strong>senvolvido um projeto objetivando<br />
garantir a incorporação da coleção, como conjunto não<strong>de</strong>smembrável,<br />
ao acervo da Biblioteca Pedro Calmon do FCC,<br />
localizada no Campus da Praia Vermelha, integrada ao <strong>Sistema</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>Bibliotecas</strong> e Informação - SiBI da UFRJ, segundo vonta<strong>de</strong> expressa<br />
do próprio professor. Trata-se <strong>de</strong> garantir a preservação <strong>de</strong> valioso<br />
275
José Tavares da S. Filho, Rosane C. <strong>de</strong> Oliveira, Andréa C. Torres<br />
acervo documental na cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro e na <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />
on<strong>de</strong> ele atuou, <strong>de</strong> forma a assegurar fontes para a pesquisa acadêmica<br />
no campo da história e da cultura, disponibilizando via internet<br />
na Base Minerva - <strong>Sistema</strong> <strong>de</strong> Documentação da UFRJ do SiBI<br />
(www.minerva.ufrj.br), bem como consulta local. O projeto recebeu<br />
financiamento da Fundação Universitária José Bonifácio e o apoio<br />
da Pró-Reitoria <strong>de</strong> Graduação, do <strong>Sistema</strong> <strong>de</strong> <strong>Bibliotecas</strong> e Informação<br />
da UFRJ e da Associação Nacional <strong>de</strong> História-RJ (ANPUH). Os<br />
trabalhos foram concluídos em outubro <strong>de</strong> 2007, quando <strong>de</strong>u-se a<br />
reabertura da Biblioteca com a apresentação da Coleção à comunida<strong>de</strong><br />
acadêmica e também o lançamento do livro pela Ed. UFRJ<br />
- A invenção do Brasil: ensaios <strong>de</strong> história e cultura, <strong>de</strong> Afonso<br />
Carlos Marques dos Santos.<br />
Metodologia<br />
A metodologia adotada foi dividida em 6 fases, <strong>de</strong> acordo com<br />
o objetivo do projeto e a importância das obras.<br />
Na 1ª fase os documentos foram i<strong>de</strong>ntificados e selecionados<br />
<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> suas categorias, a saber: documentos pessoais e<br />
coleção bibliográfica. Nessa fase, iniciou-se o trabalho <strong>de</strong> inventário,<br />
separando os documentos pessoais em caixas, i<strong>de</strong>ntificando-os<br />
por tipo para futuramente serem tratados. Na 2ª fase iniciou-se a<br />
pesquisa da coleção bibliográfica na Base Minerva da UFRJ (www.<br />
minerva.ufrj.br), buscando i<strong>de</strong>ntificar se as obras já haviam sido incluídas<br />
na Base por outra biblioteca do <strong>Sistema</strong>. Já na 3ª. fase, as<br />
obras não encontradas na Base Minerva, foram pesquisadas nos<br />
principais catálogos on line das bibliotecas universitárias relevantes<br />
às áreas e idiomas da coleção, na Biblioteca Nacional e nas principais<br />
bibliotecas nacionais do mundo, i<strong>de</strong>ntificando no verso da<br />
folha <strong>de</strong> rosto da obra as informações referentes à pesquisa.<br />
As principais bibliotecas pesquisadas foram : <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral<br />
do Rio <strong>de</strong> Janeiro, Fundação Biblioteca Nacional, <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />
<strong>de</strong> São Paulo, <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Campinas, <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Brasília,<br />
276
A Preservação da memória através das coleções pessoais <strong>de</strong>positadas na UFRJ:<br />
o caso da Coleção Afonso Carlos Marques dos Santos<br />
Library of Congress, The British Library, Bibliothèque Nationale <strong>de</strong><br />
France, Biblioteca Nacional <strong>de</strong> Portugal, Biblioteca Nacional da Espanha,<br />
Biblioteca Nacional da Argentina e Karlsruhe Virtual Catalog<br />
Standard version English.<br />
A metodologia <strong>de</strong> pesquisa adotada foi inovadora na UFRJ, e<br />
teve como objetivo verificar o valor da coleção através da duplicida<strong>de</strong><br />
ou não das obras nos acervos das principais bibliotecas das<br />
Instituições <strong>de</strong> Ensino Superior do Brasil, na Biblioteca Nacional do<br />
Brasil e nas maiores <strong>Bibliotecas</strong> <strong>de</strong>positárias <strong>de</strong> acervos do mundo.<br />
Há <strong>de</strong> se ressaltar que, através <strong>de</strong>ssa pesquisa, foi possível comprovar<br />
que muitas obras da Coleção Afonso Carlos Marques dos Santos<br />
não estão <strong>de</strong>positadas nas bibliotecas nacionais do país <strong>de</strong> origem<br />
da edição, outras são únicas nos acervos pesquisados. Toda a pesquisa<br />
realizada servirá para uma futura avaliação <strong>de</strong>sse valioso acervo,<br />
abrindo campo para outras análises.<br />
Na 4ª. fase, tendo findado a pesquisa bibliográfica, foi efetuado<br />
o processamento técnico das obras na Base Minerva da UFRJ , preparando<br />
o livro para consulta com a inclusão das etiquetas e do Ex-<br />
Libris, criado especialmente para esta coleção. A 5ª. fase do projeto<br />
foi a elaboração <strong>de</strong> um link na página da Biblioteca Pedro Calmon<br />
(www.forum.ufrj.br/biblioteca/afonso.html), como forma <strong>de</strong> disseminar<br />
a Coleção pessoal, constando <strong>de</strong> informações biográficas,<br />
produção científica, homenagens, vida acadêmica e participação e<br />
orientação em bancas e acesso direto às fontes documentais do<br />
doador. A 6ª. e última fase do projeto foi a reorganização do espaço<br />
físico da biblioteca para que ficasse reunida e separada do restante<br />
do acervo. Para isso foram instaladas portas <strong>de</strong> vidro tipo Blin<strong>de</strong>x.<br />
foi criada também uma exposição permanente <strong>de</strong> objetos pessoais,<br />
fotos, diplomas e publicações do colecionador.<br />
Preocupados com a segurança, foi adquirido e instalado um<br />
programa com placa <strong>de</strong> captura <strong>de</strong> imagens e instalação <strong>de</strong> câmeras<br />
na entrada da biblioteca e junto ao acervo pessoal doado.<br />
Para maior proteção estamos solicitando a compra <strong>de</strong> um sistema<br />
277
José Tavares da S. Filho, Rosane C. <strong>de</strong> Oliveira, Andréa C. Torres<br />
antifurto com dispositivo eletrônico para segurança e gerenciamento<br />
<strong>de</strong> acervos bibliográficos.<br />
Neste sentido, a proposta <strong>de</strong>ste trabalho, mais do que pensar<br />
os <strong>lugares</strong> <strong>de</strong> memória, baseia-se no interesse em chamar a atenção<br />
para discutir a cristalização da lembrança, tendo os acervos pessoais,<br />
especialmente a Coleção do Professor Afonso Carlos, recém<br />
chegado à universida<strong>de</strong>, como uma fonte importante para pensar<br />
novas alternativas <strong>de</strong> preservação da memória e do patrimônio cultural.<br />
Referências<br />
BORDIEU, Pierre. O po<strong>de</strong>r simbólico. São Paulo: Bertrand Brasil, 2000.<br />
CALMON, Pedro. O Palácio da Praia Vermelha. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Gráfica da<br />
<strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil, 1952.<br />
FÁVERO, Maria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s Albuquerque. A <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil: das origens à<br />
construção. Rio <strong>de</strong> Janeiro: UFRJ, Comped, Inep, 2000.<br />
LE GOFF, J. (Coord.). Memória / História. Lisboa: Imprensa Nacional: Casa da Moeda,<br />
1984. (Enciclopédia Einaudi, 1)<br />
LOBO, Francisco Bruno. UFRJ: subsídio à sua história. Rio <strong>de</strong> Janeiro: UFRJ, 1980.<br />
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos <strong>lugares</strong>. Projeto História,<br />
São Paulo: PUC, n.10, p. 7-28, <strong>de</strong>z. 1993.<br />
SANTOS, Afonso Carlos Marques dos. Memória cidadã: História e Patrimônio cultural.<br />
In:_____. A invenção do Brasil: ensaios <strong>de</strong> história e cultura. Rio <strong>de</strong> Janeiro: UFRJ,<br />
2007.<br />
SILVA, Maurício Joppert da. As cida<strong>de</strong>s universitárias: aula inaugural da <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />
do Brasil, ano letivo <strong>de</strong> 1950. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Escola Nacional <strong>de</strong> Engenharia, 1950.<br />
278
O Acervo INEP na UFRJ:<br />
30 anos... e muita história pra contar<br />
Maria Cristina Rangel Jardim<br />
A memória não é absolutamente o exercício <strong>de</strong> uma<br />
fuga do presente nem uma justificação genealógica daquilo que é,<br />
e tampouco o inventário mais ou menos sistemático<br />
dos monumentos <strong>de</strong> um passado encerrado e <strong>de</strong>finitivo<br />
que se preten<strong>de</strong> reavivar por intermédio da nostalgia:<br />
não, é a imersão na flui<strong>de</strong>z do tempo e no traçado<br />
<strong>de</strong> <strong>seus</strong> múltiplos - e também interrompidos - itinerários...”<br />
(CAMBI , 2001. p.35)<br />
1. Introdução<br />
O Instituto Nacional <strong>de</strong> Estudos Pedagógicos – INEP, ao ser criado<br />
em 30 <strong>de</strong> Julho <strong>de</strong> 1938 pelo Decreto-Lei nº 580 tinha, <strong>de</strong>ntre os<br />
<strong>seus</strong> principais objetivos, o <strong>de</strong> caracterizar-se como um centro <strong>de</strong><br />
excelência, <strong>de</strong>dicado ao estímulo à pesquisa, à formulação <strong>de</strong> propostas<br />
educacionais e ao treinamento e aperfeiçoamento <strong>de</strong> pessoal,<br />
<strong>de</strong>stacando-se como dinâmico fórum <strong>de</strong> <strong>de</strong>bates e também<br />
como centro irradiador <strong>de</strong> idéias nas questões relativas ao ensino<br />
<strong>de</strong>mocrático no Brasil.<br />
Ao assumir a direção do Instituto, em 1952, Anísio Teixeira<br />
passou a dar maior ênfase ao trabalho <strong>de</strong> pesquisa. Seu objetivo<br />
era estabelecer centros <strong>de</strong> pesquisa como um meio <strong>de</strong> “fundar em<br />
bases científicas a reconstrução educacional do Brasil”. A idéia concretizou-se<br />
com a criação do Centro Brasileiro <strong>de</strong> Pesquisas Educacionais<br />
(CBPE), com se<strong>de</strong> no Rio <strong>de</strong> Janeiro, e dos Centros Regionais,<br />
nas cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Recife, Salvador, Belo Horizonte, São Paulo e Porto<br />
Alegre. Tanto o CBPE como os Centros Regionais foram instituídos<br />
pelo Decreto 38.460 <strong>de</strong> 26/12/1955 e estavam vinculados à nova<br />
estrutura do INEP.<br />
279
Maria Cristina Rangel Jardim<br />
A gestão <strong>de</strong> Anísio Teixeira - 1952 a 1964 - caracterizou-se por<br />
promover a adoção <strong>de</strong> estudos sociológicos como instrumento<br />
complementar da Educação, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> diagnosticar os<br />
principais problemas educacionais brasileiros. No final do ano <strong>de</strong><br />
1953, Anísio Teixeira percebe a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sistematizar a produção<br />
<strong>de</strong>senvolvida pelas campanhas 1 e setores do INEP.<br />
A Biblioteca, presente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início da fundação do INEP, teve,<br />
sob a administração <strong>de</strong> Anísio Teixeira (1952-1964), seu momento<br />
mais expressivo do ponto <strong>de</strong> vista qualitativo e quantitativo, no que<br />
se refere aos aspectos <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização das ativida<strong>de</strong>s documentárias<br />
e <strong>de</strong> ampliação da abrangência <strong>de</strong> seu acervo, dotando-o <strong>de</strong><br />
obras básicas, não só <strong>de</strong> educação, mas também, <strong>de</strong> ciências sociais,<br />
cultura brasileira, psicologia, antropologia e sociologia educacional.<br />
Com o golpe militar <strong>de</strong> 1964, a “estrutura INEP” (CBPE e Centros<br />
Regionais), atravessa diversas dificulda<strong>de</strong>s. Houve uma expressiva<br />
evasão <strong>de</strong> técnicos e <strong>de</strong> pesquisadores até que, em 1977, o CBPE foi<br />
extinto e o INEP <strong>de</strong>finitivamente transferido para Brasília.<br />
A Biblioteca, a esta época com um acervo estimado em cerca<br />
<strong>de</strong> 70 mil volumes, foi <strong>de</strong>sativada e, por <strong>de</strong>cisões políticas, uma parte<br />
significativa <strong>de</strong> seu acervo é <strong>de</strong>ixada no Rio <strong>de</strong> Janeiro, doado,<br />
em caráter <strong>de</strong>finitivo, ao Centro <strong>de</strong> Filosofia e Ciências Humanas da<br />
UFRJ em setembro <strong>de</strong> 1977, sendo organizado e aberto ao público<br />
em 1979, com o apoio financeiro da Fundação Universitária José<br />
Bonifácio – FUJB. Este acervo encontra-se localizado na Biblioteca<br />
do CFCH – Espaço Anísio Teixeira, no Campus da Praia Vermelha.<br />
1 Campanha <strong>de</strong> Inquéritos e Levantamentos do Ensino Médio e Elementar – CILEME,<br />
criada em 01/04/1953, pela Portaria nº. 3 do INEP e Campanha do Livro Didático e<br />
dos Manuais <strong>de</strong> Ensino – CALDEME, criada em 14/07/1952, <strong>de</strong>stinada a objetivar a<br />
assistência técnica ao professorado.<br />
280
O Acervo INEP na UFRJ: 30 anos... e muita história pra contar<br />
2. O Acervo INEP na UFRJ - Cronologia<br />
1977 - Doação do acervo ao CFCH/UFRJ;<br />
1979 - Organização e acesso ao público, liberado com o apoio<br />
financeiro da Fundação Universitária José Bonifácio – FUJB;<br />
1987 - Proposta <strong>de</strong> mudança da antiga Biblioteca Central do<br />
CFCH para um novo espaço físico, no mesmo Campus da Praia Vermelha.<br />
Todo o acervo foi encaixotado e transferido para um espaço<br />
na Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras, no Campus da Ilha do Fundão, lá permanecendo<br />
até 1990, quando a construção do novo prédio foi concluída;<br />
1990 - Retorno ao Campus da Praia Vermelha, sem que o espaço<br />
físico <strong>de</strong>stinado à Biblioteca estivesse <strong>de</strong>finido e concluído,<br />
tampouco as etapas do processo <strong>de</strong> reorganização estivessem estabelecidas<br />
e consolidadas. Parte do acervo encaixotado ficou no<br />
novo prédio e parte no restaurante “ban<strong>de</strong>jão” da Praia Vermelha,<br />
já <strong>de</strong>sativado;<br />
1990/1991 - Início do processo <strong>de</strong> abertura das caixas, armazenadas<br />
nas instalações do Espaço Anísio Teixeira (Livros), com vistas<br />
à organização progressiva dos volumes da coleção INEP neste<br />
espaço;<br />
1996 - Os procedimentos <strong>de</strong> organização foram interrompidos<br />
e as caixas restantes (em sua maioria, Periódicos) foram transportadas<br />
para o andar térreo e 2º andar do Prédio Anexo do CFCH;<br />
1998 - Nova iniciativa <strong>de</strong> organização, <strong>de</strong>sta vez focalizando os<br />
periódicos que se mantinham, ainda, encaixotados, no Prédio Anexo<br />
do CFCH (Térreo e 2º andar);<br />
De acordo com o relatório do trabalho executado em 1998 por<br />
uma empresa <strong>de</strong> consultoria especialmente contratada para este<br />
serviço, gran<strong>de</strong> parte dos periódicos foi i<strong>de</strong>ntificada e organizada<br />
nas estantes, em or<strong>de</strong>m alfabética, para serem, posteriormente,<br />
integrados ao acervo geral <strong>de</strong> periódicos, conforme a classificação<br />
adotada pela Biblioteca. No <strong>de</strong>correr <strong>de</strong>ste trabalho, foram encontrados<br />
3.810 Livros da Coleção INEP que foram transferidos para o<br />
Espaço Anísio Teixeira, armazenados em caixas;<br />
281
Maria Cristina Rangel Jardim<br />
2000 - Medidas adotadas para a unificação <strong>de</strong> todo o acervo<br />
<strong>de</strong> periódicos em um único ambiente. Realização dos serviços <strong>de</strong><br />
análise e avaliação da coleção localizada no Prédio Anexo do CFCH,<br />
verificando inconsistências, danos às publicações, duplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
títulos e completeza das coleções. Este trabalho foi realizado pela<br />
equipe da Biblioteca. Houve, também, mudanças no lay-out, com<br />
corte e nova disposição das estantes e a<strong>de</strong>quação do sistema <strong>de</strong><br />
iluminação;<br />
Jul./2002 - Coleção geral <strong>de</strong> periódicos transferida do Prédio<br />
da Decania do CFCH para o Prédio Anexo do CFCH pela equipe da<br />
Biblioteca. Essa transferência movimentou cerca <strong>de</strong> 42.900 documentos<br />
e teve como principal objetivo integrar os acervos <strong>de</strong> Periódicos<br />
da Coleção INEP com o da Coleção Geral Biblioteca do CFCH;<br />
2004 - Continuida<strong>de</strong> do processo <strong>de</strong> organização do Acervo<br />
INEP/CBPE na UFRJ (Livros) no Espaço Anísio Teixeira.<br />
3. Planejamento interno para organização dos acervos<br />
No ano <strong>de</strong> 2004, a Biblioteca do CFCH iniciou a última etapa<br />
do “Programa <strong>de</strong> reorganização, distribuição e tratamento técnico<br />
dos acervos localizados em suas três instalações (Prédio Decania do<br />
CFCH - Prédio Anexo do CFCH e Espaço Anísio Teixeira)”. Este planejamento<br />
<strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s teve como principal objetivo o <strong>de</strong> estruturar a<br />
coleção geral distribuindo-a, <strong>de</strong> forma sistematizada, levando em<br />
conta o espaço físico <strong>de</strong>stinado à Biblioteca do CFCH. Incluía-se<br />
nesta proposta: estabelecer com exatidão os dados quantitativos<br />
<strong>de</strong> acervo e tornar disponível o expressivo conjunto documental<br />
encaixotado e/ou armazenado, com sérios problemas <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação,<br />
conservação e higienização.<br />
3.1 Etapas adotadas para o <strong>de</strong>senvolvimento<br />
dos serviços<br />
a) organização dos Livros, Teses, Dissertações e Monografias,<br />
localizados no Prédio da Decania, incluindo a realização <strong>de</strong> inven-<br />
282
O Acervo INEP na UFRJ: 30 anos... e muita história pra contar<br />
tário, padronização <strong>de</strong> tratamento técnico das obras e inclusão na<br />
Base Minerva (2000 - 2009);<br />
b) transferência dos 3.810 Livros da Coleção INEP, i<strong>de</strong>ntificados<br />
no Prédio Anexo do CFCH, para o Espaço Anísio Teixeira, armazenados<br />
em caixas (Mar./2002);<br />
c) transferência da coleção <strong>de</strong> Periódicos do Bloco A para o<br />
Prédio Anexo (Jul./2002) e sua organização, incluindo os procedimentos<br />
<strong>de</strong>stacados no item “a)”; este trabalho movimentou cerca<br />
<strong>de</strong> 42.900 documentos; e<br />
d) organização do Acervo INEP na UFRJ no Espaço Anísio Teixeira,<br />
com início previsto para 2006.<br />
A etapa <strong>de</strong> transferência dos periódicos (indicada no item b)<br />
do Prédio da Decania para o Prédio Anexo foi totalmente concretizada.<br />
No entanto, a integração da coleção <strong>de</strong> periódicos do CBPE/<br />
INEP (já armazenada no Prédio Anexo) à coleção transferida, bem<br />
como sua organização e registro dos itens na Base Minerva ainda<br />
não haviam sido concluídos quando, em 2004, alguns fatores foram<br />
<strong>de</strong>cisivos para o início do processo <strong>de</strong> organização do Acervo INEP/<br />
CBPE (Livros) na UFRJ.<br />
3.2 Ajustes no percurso<br />
“Assim, ao dar maior ou menor visibilida<strong>de</strong> ao acervo,<br />
o que se faz é confirmar ou não um <strong>de</strong>terminado discurso,<br />
uma <strong>de</strong>terminada interpretação da realida<strong>de</strong>”.<br />
(RAMOS, 2003, p. 5 – 8)<br />
É neste contexto, e com o firme propósito <strong>de</strong> confirmar o<br />
discurso <strong>de</strong> formar uma “consciência educacional comum” (TEIXEI-<br />
RA, 1952, p. 69-79), que se insere o ajuste em nosso planejamento.<br />
Não po<strong>de</strong>ríamos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar que as constantes <strong>de</strong>mandas<br />
<strong>de</strong> pesquisa neste acervo evi<strong>de</strong>nciam nele uma dinâmica peculiar<br />
<strong>de</strong> movimento e <strong>de</strong> interferência nas estratégias planejadas para<br />
283
Maria Cristina Rangel Jardim<br />
o seu <strong>de</strong>senvolvimento como coleção, confirmando sua vocação<br />
como um gran<strong>de</strong> conjunto documental, que reúne as obras mais<br />
importantes sobre a memória da educação e da cultura no Brasil.<br />
Cada uma <strong>de</strong>ssas obras po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada instrumento fundamental<br />
e competente para a compreensão dos fatos e acontecimentos<br />
atuais e para a formação <strong>de</strong> uma consciência crítica, motivadora<br />
<strong>de</strong> novas idéias, capaz <strong>de</strong> produzir contribuições consistentes nas<br />
<strong>de</strong>cisões relativas ao <strong>de</strong>senvolvimento da política educacional brasileira.<br />
Neste momento, se torna clara para nós a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> retomar<br />
a proposta <strong>de</strong> um novo formato <strong>de</strong> concepção para a ocupação<br />
da área física da Biblioteca do CFCH/Espaço Anísio Teixeira,<br />
buscando resgatar as propostas i<strong>de</strong>alizadas por Anísio Teixeira, <strong>de</strong><br />
estimular a pesquisa e o <strong>de</strong>bate em torno dos principais temas sócio-educacionais<br />
que formam e transformam os indivíduos e a socieda<strong>de</strong><br />
on<strong>de</strong> se inserem, em um local a<strong>de</strong>quado, a fim <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r<br />
aos objetivos <strong>de</strong> sua vocação.<br />
Talvez se consiga enten<strong>de</strong>r o “modus operandi” <strong>de</strong>sta coleção,<br />
se observarmos sua habilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sugerir as <strong>de</strong>mandas <strong>de</strong> consulta,<br />
o que convencionamos chamar “recortes” no gran<strong>de</strong> conjunto<br />
<strong>de</strong> obras, procurando i<strong>de</strong>ntificar e divulgar cada uma, no labirinto<br />
on<strong>de</strong> não se encontram dois livros idênticos: todos são únicos (BRE-<br />
GLIA, 2007).<br />
Num rápido exercício <strong>de</strong> memória, resgatamos episódios e<br />
i<strong>de</strong>ntificamos tentativas <strong>de</strong> organização do conjunto, que apontavam<br />
para um “sentido <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> que o faz ser ele mesmo e não<br />
outro. Daí sua importância” (FONTANA, 1998).<br />
3.3. Principais “recortes” <strong>de</strong> pesquisa<br />
Observamos que os estudos sobre o acervo, na UFRJ, têm início<br />
no ano <strong>de</strong> 1993, dando conta à comunida<strong>de</strong> pesquisadora do<br />
seu uso e mantendo sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> como o Acervo INEP na UFRJ.<br />
284
O Acervo INEP na UFRJ: 30 anos... e muita história pra contar<br />
Preten<strong>de</strong>mos registrar os trabalhos e as pesquisas que apresentaram<br />
resultados conclusivos e que foram conduzidos <strong>de</strong> maneira<br />
a tratar dos assuntos <strong>de</strong>finidos pelos objetivos <strong>de</strong>lineados e<br />
inicialmente propostos.<br />
a) No ano <strong>de</strong> 1993, em Monografia apresentada à Escola <strong>de</strong><br />
Biblioteconomia da UNI-RIO, registramos o primeiro trabalho<br />
<strong>de</strong> pesquisa, na UFRJ, sobre o acervo INEP: Catálogo<br />
preliminar <strong>de</strong> obras raras e/ou especiais da Biblioteca<br />
do INEP, elaborado pela servidora Sueli Palma Borges Paranhos,<br />
que i<strong>de</strong>ntificou 92 títulos. Este trabalho foi apresentado<br />
no III Encontro Nacional <strong>de</strong> Acervo Raro, evento<br />
paralelo ao BIBLOS 2000 - 17º Congresso Brasileiro <strong>de</strong> Biblioteconomia<br />
e Documentação, 10 a 15 <strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> 1994,<br />
Belo Horizonte.<br />
b) No ano <strong>de</strong> 1999, o projeto Um olhar para o mundo - contemporaneida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Anísio Teixeira apresenta, na Biblioteca<br />
do CFCH, a Exposição Contemporaneida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Anísio<br />
Teixeira, <strong>de</strong> 2 <strong>de</strong> Setembro a 8 <strong>de</strong> Outubro <strong>de</strong> 1999,<br />
iniciando a série <strong>de</strong> eventos comemorativos do centenário<br />
<strong>de</strong> Anísio Teixeira. Com este projeto, foram i<strong>de</strong>ntificados<br />
os títulos da obra escrita do educador e também as fontes<br />
consi<strong>de</strong>radas matrizes <strong>de</strong> pensamento que alimentaram<br />
suas idéias.<br />
c) No ano <strong>de</strong> 2004, foi objeto <strong>de</strong> estudo com o Projeto “Espaço<br />
Anísio Teixeira: referência para pesquisa educacional<br />
no Brasil”, coor<strong>de</strong>nado pela Profª Libânia Nacif Xavier, da<br />
Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Educação da UFRJ e realizado com o apoio<br />
da Fundação Universitária José Bonifácio - FUJB, com vistas<br />
a divulgar o conjunto <strong>de</strong> livros editados pela CBPE / INEP<br />
/ MEC, no período 1955-1965. O resultado <strong>de</strong>ste Projeto<br />
foi apresentado no III Congresso Brasileiro <strong>de</strong> História<br />
<strong>de</strong> Educação /2004 e o resultado do material i<strong>de</strong>ntificado<br />
po<strong>de</strong> ser consultado nos formatos: papel e eletrônico - CD-<br />
ROM.<br />
285
Maria Cristina Rangel Jardim<br />
d) Em 2005, o Projeto “Reestruturação <strong>de</strong> documentos do<br />
acervo da Biblioteca do CFCH – Espaço Anísio Teixeira”<br />
que, com recursos da FUJB, recuperou 100 volumes i<strong>de</strong>ntificados<br />
pelo “Projeto Espaço Anísio Teixeira: referência<br />
para a pesquisa educacional no Brasil” (mencionado no item<br />
c).<br />
e) Em 2007, o Projeto: O Acervo do Instituto Nacional <strong>de</strong><br />
Estudos Pedagógicos (INEP) no Espaço Anísio Teixeira da<br />
Biblioteca do CFCH (UFRJ): Proposta <strong>de</strong> Organização, que<br />
se caracteriza como projeto interinstitucional, uma vez que<br />
congrega pesquisadores <strong>de</strong> três instituições, a saber, PUC/<br />
RJ, UFRJ e UFF, no ano <strong>de</strong> 2006. O resultado <strong>de</strong>ste Projeto<br />
foi apresentado no I Encontro <strong>de</strong> História da Educação<br />
do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro, 4 a 6/06/2007.<br />
Inicialmente, observados os princípios básicos <strong>de</strong> organização<br />
já utilizados nas coleções localizadas nos outros espaços da Biblioteca,<br />
a execução <strong>de</strong> um inventário total das obras no Espaço Anísio<br />
Teixeira era tarefa fundamental, consi<strong>de</strong>rando que a coleção sofreu<br />
vários <strong>de</strong>slocamentos.<br />
A proposta <strong>de</strong> realização do inventário teria <strong>seus</strong> objetivos ampliados,<br />
uma vez que apontaria para o que <strong>de</strong>nominamos “núcleo<br />
histórico” – obras consi<strong>de</strong>radas matrizes para representar o período<br />
da gestão <strong>de</strong> Anísio Teixeira no INEP/CBPE, principal objetivo do<br />
projeto. Além disso, seria possível i<strong>de</strong>ntificar o estado <strong>de</strong> conservação<br />
das obras, informação <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> utilida<strong>de</strong> para o futuro planejamento<br />
dos serviços <strong>de</strong> preservação: processos <strong>de</strong> reestruturação,<br />
higienização e <strong>de</strong>sinfestação que <strong>de</strong>verão ser realizados nos documentos<br />
diagnosticados.<br />
Paralelamente a este serviço, iniciamos a abertura das caixas<br />
que foram transferidas do Bloco B/Periódicos para o Espaço Anísio<br />
Teixeira, para verificar a natureza <strong>de</strong> seu conteúdo (3.810 documentos<br />
da Coleção INEP, i<strong>de</strong>ntificados no Prédio Anexo do CFCH, foram<br />
transferidos para o Espaço Anísio Teixeira).<br />
286
O Acervo INEP na UFRJ: 30 anos... e muita história pra contar<br />
4. Fatores que contribuíram para o início do<br />
processo <strong>de</strong> organização do Acervo INEP na UFRJ<br />
1.1<br />
1.2<br />
2004 - Reparo do <strong>Sistema</strong> <strong>de</strong> refrigeração central e manutenção<br />
das máquinas no Espaço Anísio Teixeira e<br />
2006 - Pelo Projeto BNDES/UFRJ/SiBI, a Biblioteca do CFCH foi<br />
contemplada com equipamentos <strong>de</strong> preservação, conservação<br />
e segurança <strong>de</strong> acervos (03 purificadores <strong>de</strong> ar, 03 <strong>de</strong>sumidificadores,<br />
01 termo-higrômetro, 01 mesa <strong>de</strong> higienização <strong>de</strong><br />
documentos e 02 câmeras <strong>de</strong> circuito fechado com monitor).<br />
5. Conclusão<br />
A história do acervo da Biblioteca do INEP é marcada por eventos<br />
que influenciaram as <strong>de</strong>cisões a respeito <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>stino, as quais,<br />
infelizmente, não consi<strong>de</strong>raram, com a merecida preocupação, a<br />
função social da coleção, a integrida<strong>de</strong> das obras e a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>slocamento <strong>de</strong> um acervo <strong>de</strong> tal envergadura.<br />
287
Maria Cristina Rangel Jardim<br />
Diante <strong>de</strong> tantos <strong>de</strong>slocamentos, mantido encaixotado em um<br />
espaço na Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras, reconduzido ao Campus da Praia<br />
Vermelha e permanecendo encaixotado no espaço on<strong>de</strong> se localizava<br />
o antigo restaurante “Ban<strong>de</strong>jão”, este acervo somente retorna,<br />
parcialmente, à Biblioteca do CFCH - Espaço Anísio Teixeira em 1991,<br />
pois a outra parte, ainda encaixotada, permaneceria até 1998 no 2º<br />
andar do Prédio Anexo do CFCH.<br />
É importante enfatizar o empenho e o compromisso da Biblioteca<br />
do CFCH/UFRJ, ao longo <strong>de</strong>sses 30 anos, em todas as suas gestões,<br />
na organização e acesso às obras <strong>de</strong>sta coleção, bem como em<br />
criar um ambiente favorável à pesquisa e ao <strong>de</strong>bate <strong>de</strong> idéias, para<br />
que importantes temas e questões relativos à educação e à cultura<br />
brasileiras possam ser amplamente expostos e <strong>de</strong>batidos, recuperando,<br />
assim, os i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong>fendidos por Anísio Teixeira.<br />
É importante <strong>de</strong>ixar registrada a importância <strong>de</strong> se consolidar<br />
na UFRJ uma política <strong>de</strong> integração <strong>de</strong> acervos, on<strong>de</strong> sejam consi<strong>de</strong>radas<br />
e <strong>de</strong>senvolvidas, cuidadosamente, as metodologias e as<br />
288
O Acervo INEP na UFRJ: 30 anos... e muita história pra contar<br />
competências necessárias para o recebimento, a organização e a<br />
gerência dos acervos, respeitando, tanto quanto possível, a padronização<br />
e a uniformização das estruturas <strong>de</strong>scritivas dos documentos<br />
a serem integrados.<br />
Referências<br />
BREGLIA, Vera Lucia Alves; SANTOS, Daniel Ribeiro dos. ... E assim se passaram 30<br />
anos: um reencontro com o acervo INEP/CBPE. In: Encontro <strong>de</strong> História da Educação,<br />
1., 2207, Niterói. Anais...UFF, 2007.<br />
CAMBI, Franco. História da Pedagogia. São Paulo: UNESP, 2001.<br />
FONTANA, Josep. História: análise do passado e projeto social. Bauru: EDUSC,<br />
1998.<br />
RAMOS, Eloisa Helena Capovilla da Luz. A memória, a história e as instituições da<br />
memória. Revista Humanida<strong>de</strong>s, Fortaleza, v. 18, n. 1, p. 5-8, jan./jun. 2003.<br />
SAAVEDRA, Silvia M.Galliac. Passos e <strong>de</strong>scompassos <strong>de</strong> uma instituição <strong>de</strong> pesquisa<br />
educacional no Brasil: a realida<strong>de</strong> do INEP. Dissertação (Mestrado). Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Educação, <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Brasília, Brasíla, DF, 1988.<br />
SOUZA, Helena <strong>de</strong> Miranda Rosa e. Rio <strong>de</strong> Janeiro: transferência da capital fe<strong>de</strong>ral<br />
e <strong>seus</strong> impactos na esfera da informação/documentação. Dissertação (Mestrado)-<br />
Escola <strong>de</strong> Comunicação, <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro, 1992.<br />
TEIXEIRA, Anísio. Discurso <strong>de</strong> posse do Professor Anísio Teixeira no Instituto<br />
Nacional <strong>de</strong> Estudos Pedagógicos. Revista Brasileira <strong>de</strong> Estudos Pedagógicos. Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro, v. 17, n. 46, p. 69-79, abr./jun. 1952.<br />
XAVIER, Libânia N. Regionalização da pesquisa e inovação pedagógica: os centros <strong>de</strong><br />
pesquisa educacionais do INEP: 1950-1960. Revista Brasileira Estudos Pedagógicos,<br />
Brasília, v.80, n.194, p. 81-92, jan. / abr. 1999.<br />
289
Arquivos <strong>de</strong> Cultura Contemporânea: uma<br />
experiência <strong>de</strong> pesquisa e documentação.<br />
Introdução<br />
Cristina Barros Barreto<br />
Os Arquivos <strong>de</strong> Cultura Contemporânea contemplam o acervo<br />
do PACC, Programa Avançado <strong>de</strong> Cultura Contemporânea, vinculado<br />
ao Fórum <strong>de</strong> Ciência e Cultura/UFRJ.<br />
O PACC se <strong>de</strong>stina à pesquisa, à documentação e a projetos<br />
<strong>de</strong> extensão. Articula pesquisadores da UFRJ, <strong>de</strong> outras instituições<br />
acadêmicas e <strong>de</strong> organizações da socieda<strong>de</strong> civil em torno das ativida<strong>de</strong>s<br />
que <strong>de</strong>senvolve, <strong>de</strong>stacando-se o Programa <strong>de</strong> Pós-Doutorado<br />
em Estudos Culturais, além da publicação da “Revista Z Cultural”<br />
e do informativo “O Dragão Contemporâneo”. O programa mantém<br />
ainda as <strong>Bibliotecas</strong> Virtuais <strong>de</strong> Estudos Culturais, Literatura e Artes<br />
Cênicas.<br />
A produção e a reunião <strong>de</strong> documentação, aliadas à pesquisa,<br />
é a marca do trabalho que originou a criação dos Arquivos <strong>de</strong> Cultura<br />
Contemporânea, no final dos anos 1970, inicialmente reunindo<br />
material relativo às iniciativas <strong>de</strong> resistência à ditadura militar no<br />
âmbito da cultura e nos anos seguintes ampliando seu universo temático,<br />
tendo sempre como foco central <strong>de</strong> análise, os referenciais<br />
simbólicos da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> cultural brasileira.<br />
Arquivos: preservação da memória<br />
e produção do conhecimento<br />
Quando, ao final da década <strong>de</strong> 1970, a professora Heloisa Buarque<br />
<strong>de</strong> Hollanda, criou, na Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Letras da UFRJ, o Centro<br />
<strong>de</strong> Documentação Literária, com o objetivo <strong>de</strong> reunir documentos<br />
sobre os movimentos <strong>de</strong> resistência ao regime militar, estava acom-<br />
291
Cristina Barros Barreto<br />
panhando a tendência mundial <strong>de</strong> emergência da memória como<br />
preocupação cultural e política.<br />
Conforme Andréas Huyssen (2000, p.8), ao contrário da<br />
atenção voltada para o futuro, característica do começo do século<br />
XX, a partir dos anos 1980, o foco se <strong>de</strong>sloca, para o “passado<br />
presente”. Os discursos <strong>de</strong> memória emergem como “no rastro da<br />
<strong>de</strong>scolonização e dos novos movimentos sociais em sua busca por<br />
histórias alternativas e revisionistas” (2000, p.10), numa procura por<br />
outras tradições e pela tradição dos “outros” em contraposição com<br />
a história oficial e hegemônica. Por um lado apontava-se o fim da<br />
história convencional, tradicional, e, por outro, crescia a preocupação<br />
com a preservação e o acesso a registros do passado. A tendência<br />
<strong>de</strong> multiplicação dos arquivos acontece no momento em que<br />
percebe-se “a história como uma narrativa construída e não mais<br />
como a <strong>de</strong>scoberta e reconstituição <strong>de</strong> um passado efetivamente<br />
existente, isto é, ‘daquilo que <strong>de</strong> fato aconteceu’ “ (STROZENBERG,<br />
2000). É neste sentido que se vinculam as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pesquisa e<br />
documentação, pois acredita-se na “vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> memória” (NORA,<br />
1993) e no fato <strong>de</strong> que a reunião <strong>de</strong>ssa documentação, resultante<br />
dos estudos realizados, permitem sua permanente ressignificação.<br />
Em 1986, sob a coor<strong>de</strong>nação da professora Heloisa Buarque,<br />
a iniciativa <strong>de</strong> unir pesquisa e documentação referentes à socieda<strong>de</strong><br />
brasileira contemporânea foi transferida para a Escola <strong>de</strong><br />
Comunicação, quando criou-se o Centro Interdisciplinar <strong>de</strong> Estudos<br />
Culturais - CIEC -, vinculado ao Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação da<br />
ECO.<br />
No CIEC, a perspectiva dos Estudos Culturais - metodologia <strong>de</strong><br />
estudo da socieda<strong>de</strong> contemporânea que estava sendo introduzida<br />
no Brasil naquela época - passou a referendar tanto a produção<br />
<strong>de</strong> conhecimento analítico, quanto a coleta e a organização sistemática<br />
<strong>de</strong> documentos. Passaram a fazer parte <strong>de</strong>ste núcleo pesquisadores<br />
das áreas da Comunicação, Literatura, Antropologia e<br />
Arquitetura.<br />
292
Arquivos <strong>de</strong> Cultura Contemporânea: uma experiência <strong>de</strong> pesquisa e documentação.<br />
Entre os principais tópicos <strong>de</strong> agenda temática dos Estudos<br />
Culturais estão políticas <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, manifestações da cultura<br />
urbana, práticas político-estéticas, pós-colonialismo, multiculturalismo<br />
e globalização. Um traço importante <strong>de</strong> atuação dos Estudos<br />
Culturais é o compromisso <strong>de</strong> interagir diretamente com as práticas<br />
políticas, sociais e culturais, também objetos <strong>de</strong> sua abordagem.<br />
O número <strong>de</strong> pesquisas então realizadas no CIEC cresceu e,<br />
conseqüentemente, o acervo aumentou, com a chegada <strong>de</strong> novos<br />
documentos reunidos e produzidos pelos pesquisadores vinculados<br />
a este laboratório. Com o aumento do material produzido e recolhido,<br />
tornou-se clara a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> organização, catalogação e armazenamento<br />
corretos do acervo, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> preservá-lo<br />
e disseminá-lo convenientemente para o público. Estas ativida<strong>de</strong>s<br />
exigiam a presença <strong>de</strong> bibliotecários e/ou arquivistas, que foram<br />
em diferentes períodos contratados como prestadores <strong>de</strong> serviços<br />
ou arregimentados como bolsistas, patrocinados por fundações e<br />
instituições <strong>de</strong> apoio à pesquisa. Entre elas, a Fundação Ford, a FA-<br />
PERJ e o CNPq.<br />
Quinze anos <strong>de</strong>pois, em 2004, o CIEC torna-se um projeto associado<br />
ao PACC que absorve o seu acervo, chamado a partir <strong>de</strong> então<br />
<strong>de</strong> Arquivos <strong>de</strong> Cultura Contemporânea.<br />
A perspectiva <strong>de</strong> pesquisa que enfatiza a valorização <strong>de</strong> registros<br />
pouco contemplados por políticas usuais <strong>de</strong> construção e preservação<br />
da memória, perpassa ao longo dos anos a reunião <strong>de</strong>ssa<br />
documentação, conferindo-lhe um perfil único <strong>de</strong> relevante significado<br />
acadêmico e social.<br />
Os principais temas tratados pelos pesquisadores que nestas<br />
três últimas décadas trabalharam associados ao CIEC e ao PACC são<br />
gênero e sexualida<strong>de</strong>, i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s nacionais, etnia, cultura popular<br />
e <strong>seus</strong> públicos, políticas <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, práticas político-estéticas,<br />
discurso e textualida<strong>de</strong>, multiculturalismo e globalização, no contexto<br />
da socieda<strong>de</strong> brasileira contemporânea.<br />
Até o momento, o acervo dos Arquivos <strong>de</strong> Cultura Contemporânea<br />
totaliza: 16.230 documentos impressos; 3.081 fotografias;<br />
293
Cristina Barros Barreto<br />
392 cartazes; 975 gravações sonoras e 249 fitas <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o. Vale mencionar,<br />
ainda, a existência <strong>de</strong> 319 títulos <strong>de</strong> periódicos em coleções<br />
incompletas.<br />
Os livros catalogados e inseridos na base Minerva totalizam<br />
cerca <strong>de</strong> 2.200 e foram doados, em 2007, à biblioteca do CFCH.<br />
O PACC mantém uma equipe que coor<strong>de</strong>na os trabalhos <strong>de</strong><br />
organização, conservação e divulgação dos Arquivos <strong>de</strong> Cultura<br />
Contemporânea. O acervo está localizado numa pequena área do<br />
andar superior do prédio que abriga o Espaço Anísio Teixeira, no<br />
campus da Praia Vermelha da UFRJ e vem sendo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua criação,<br />
freqüentemente procurado por alunos e pesquisadores do Brasil e<br />
do exterior interessados em consultar <strong>seus</strong> documentos.<br />
Descrição do Acervo<br />
As coleções estão reunidas <strong>de</strong> acordo com os gran<strong>de</strong>s temas<br />
tratados, conforme <strong>de</strong>screvemos a seguir:<br />
CULTURA E RESISTÊNCIA: Tema das duas coleções que congregam<br />
documentos sobre a produção cultural alternativa <strong>de</strong> resistência<br />
ao regime militar e sobre a atuação <strong>de</strong> movimentos políticos<br />
<strong>de</strong> resistência naquele período.<br />
• A primeira traz um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> documentos sobre<br />
a produção cultural alternativa <strong>de</strong> resistência ao regime<br />
militar. As áreas <strong>de</strong> poesia marginal, teatro alternativo,<br />
cinema un<strong>de</strong>rground e imprensa alternativa estão presentes<br />
em documentos impressos, panfletos e, sobretudo,<br />
<strong>de</strong>poimentos inéditos <strong>de</strong> escritores, artistas, críticos e<br />
intelectuais gravados em áudio. Este material resulta <strong>de</strong><br />
pesquisa coor<strong>de</strong>nada por Heloisa Buarque <strong>de</strong> Hollanda e<br />
gerou a publicação <strong>de</strong> dois livros <strong>de</strong> sua autoria: Impressões<br />
<strong>de</strong> Viagem (1980) e Patrulhas I<strong>de</strong>ológicas (1980), este último<br />
com Carlos Alberto Messe<strong>de</strong>r Pereira.<br />
294
Arquivos <strong>de</strong> Cultura Contemporânea: uma experiência <strong>de</strong> pesquisa e documentação.<br />
• Coleção Anos 60 - formada por documentos reunidos pelo<br />
jornalista Zuenir Ventura para a elaboração <strong>de</strong> seu livro<br />
1968, o ano que não terminou, publicado em 1988, pela Editora<br />
Nova Fronteira. Com ênfase na atuação <strong>de</strong> movimentos<br />
políticos <strong>de</strong> resistência, reúne mais <strong>de</strong> 100 gravações<br />
sonoras com entrevistas <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong>s como Cabo Anselmo,<br />
Darcy Ribeiro, Hélio Pellegrino, Hélio Silva, Fernando<br />
Gabeira, Ferreira Gullar, José Dirceu, Leandro Kon<strong>de</strong>r, entre<br />
outros. Os documentos impressos, in<strong>de</strong>xados por assunto,<br />
remetem aos seguintes temas principais: movimento estudantil,<br />
polêmicas, cultura engajada e censura.<br />
MÍDIA E CULTURA: Coleções cujos documentos resultam <strong>de</strong><br />
levantamentos realizados para projetos editoriais ou cinematográficos,<br />
focalizando manifestações culturais brasileiras <strong>de</strong> 1950 ao final<br />
dos anos 70.<br />
• Coleção Telenovela no Rio <strong>de</strong> Janeiro 1950-1963 - agrupa <strong>de</strong>poimentos<br />
e documentos sobre as origens da telenovela;<br />
alguns <strong>de</strong>les registros únicos da implantação da televisão<br />
no Brasil no período em que a produção era ao vivo. Esta<br />
pesquisa foi coor<strong>de</strong>nada pela professora Beatriz Resen<strong>de</strong><br />
e por Marta Klagsbrunn e contou com o apoio do Museu<br />
da Imagem e do Som do Rio <strong>de</strong> Janeiro que também guarda<br />
em seu arquivo as gravações das entrevistas realizadas.<br />
Uma parte do material recolhido foi publicada no volume<br />
A Telenovela no Rio <strong>de</strong> Janeiro 1950-1963, série Quase Catálogo,<br />
editado pela CIEC/UFRJ em 1991.<br />
Coleção<br />
• Diretores <strong>de</strong> Cinema Brasileiro - reúne as entrevistas<br />
em gravações sonoras e transcritas que serviram para<br />
a elaboração dos livros Nelson Pereira dos Santos; o sonho<br />
295
Cristina Barros Barreto<br />
impossível do cinema brasileiro, publicado em 1987 pela<br />
Editora Nova Fronteira e Leon Hirszman – o navegador das<br />
estrelas, publicado pela Editora Rocco em 1997, ambos <strong>de</strong><br />
autoria da jornalista Helena Salem.<br />
• Programa Café com Letras – gravações sonoras do programa<br />
radiofônico “Café com Letras”, dirigido por Heloisa Buarque<br />
<strong>de</strong> Hollanda e Ronaldo Santos, veiculado pela rádio<br />
MEC, nos anos 1970. Entre os <strong>de</strong>poimentos, encontram-se<br />
os <strong>de</strong> Ana Cristina César, Armando Freitas Filho, Francisco<br />
Alvim, Turíbio dos Santos, além <strong>de</strong> programas em homenagem<br />
a Carlos Drummond <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, Manuel Ban<strong>de</strong>ira e<br />
Pedro Nava.<br />
RELAÇÕES RACIAIS: Tema das coleções cujos registros se referem<br />
à cultura negra, discriminação racial, violência, situação da<br />
mulher negra e políticas raciais.<br />
Coleção<br />
• Centenário da Abolição - resultado <strong>de</strong> levantamento<br />
sobre a dinâmica das relações raciais no Brasil no ano<br />
<strong>de</strong> 1988, tais como foram representadas através das comemorações<br />
do centenário em todo país. Esta ampla coleção,<br />
única no Brasil, contém coberturas fotográficas, registros<br />
etnográficos, entrevistas, documentação relativa a ativida<strong>de</strong>s<br />
acadêmicas, concursos e patrocínios temáticos, iniciativas<br />
dos movimentos sociais e um inventário minucioso<br />
do que foi divulgado na imprensa, rádio e TV durante 1988,<br />
perfazendo um total <strong>de</strong> 2.608 eventos e 8.913 documentos.<br />
O levantamento resultou <strong>de</strong> pesquisa apoiada pela<br />
Fundação Ford e coor<strong>de</strong>nada pelos professores Heloísa<br />
Buarque <strong>de</strong> Hollanda, Yvone Maggie e Carlos Alberto Messe<strong>de</strong>r<br />
Pereira. Apesar <strong>de</strong> organizada a partir do eixo das<br />
comemorações do Centenário da Abolição, este material,<br />
296
Arquivos <strong>de</strong> Cultura Contemporânea: uma experiência <strong>de</strong> pesquisa e documentação.<br />
em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua riqueza e diversida<strong>de</strong>, possui um gran<strong>de</strong><br />
potencial em termos do estudo sobre as relações raciais no<br />
país e <strong>seus</strong> temas correlatos.<br />
• Coleção Movimentos Negros no Rio <strong>de</strong> Janeiro e a atuação<br />
do Estado – engloba entrevistas com li<strong>de</strong>ranças dos movimentos<br />
negros sobre sua militância e o processo <strong>de</strong> institucionalização<br />
do movimento, bem como <strong>de</strong> órgãos do<br />
Estado no Rio <strong>de</strong> Janeiro, a partir da década <strong>de</strong> 1960. Uma<br />
edição <strong>de</strong>stas entrevistas está publicada no volume Li<strong>de</strong>ranças<br />
Negras, <strong>de</strong> Marcia Contins, da Editora Aeroplano,<br />
2001.<br />
• Coleção Memória <strong>de</strong> Famílias Negras no Rio <strong>de</strong> Janeiro - composta<br />
por fitas <strong>de</strong> áudio (<strong>de</strong>poimentos e história oral) que<br />
fizeram parte da pesquisa coor<strong>de</strong>nada por Gizelda Melo do<br />
Nascimento.<br />
• Coleção Cor e Educação: Políticas alternativas <strong>de</strong> combate<br />
à exclusão (1998–2000) - reúne material elaborado e recolhido<br />
durante a pesquisa <strong>de</strong>senvolvida em cooperação<br />
com o Instituto <strong>de</strong> Filosofia e Ciências Sociais (IFCS/UFRJ),<br />
o Departamento <strong>de</strong> Sociologia da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong><br />
Viçosa e o Departamento <strong>de</strong> Ciências Sociais da <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />
do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro sobre ação afirmativa,<br />
cotas, pré-vestibular para negros e carentes e questões<br />
raciais. Reúne gravações sonoras com entrevistas e <strong>de</strong>poimentos;<br />
documentos impressos como fol<strong>de</strong>rs e prospectos<br />
<strong>de</strong> eventos; projetos <strong>de</strong> lei e publicações governamentais;<br />
recortes <strong>de</strong> jornais e revistas e relatórios <strong>de</strong> pesquisa.<br />
Coleção<br />
• Cor e Mercado - contém documentos resultantes<br />
da pesquisa <strong>de</strong>dicada à análise do discurso publicitário e<br />
297
Cristina Barros Barreto<br />
dos consumidores sobre relações raciais, coor<strong>de</strong>nada pela<br />
professora Ilana Strozenberg. Este estudo fez parte do projeto<br />
“Estética e política: relações entre raça, publicida<strong>de</strong> e<br />
a produção da beleza no Brasil”, coor<strong>de</strong>nado pelo professor<br />
Peter Fry, do IFCS/UFRJ. Inclui gravações sonoras com<br />
entrevistas e fotos <strong>de</strong> anúncios publicados em jornais e<br />
revistas que fornecem uma visão das tendências da propaganda<br />
e do mercado, bem como questões <strong>de</strong> raça e discriminação.<br />
ETNICIDADE E IMIGRAÇÃO: Coleções cujos registros se referem<br />
a imigrantes e sua importância na cultura e configuração do espaço<br />
urbano brasileiro, especialmente na cida<strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />
• Coleção Heranças e Lembranças – reúne documentos sobre<br />
os imigrantes ju<strong>de</strong>us <strong>de</strong> diversas origens que chegaram<br />
ao Brasil nas primeiras décadas do século XX, resultado do<br />
levantamento coor<strong>de</strong>nado por Susane Worcman. Compreen<strong>de</strong><br />
entrevistas gravadas, fotografias <strong>de</strong> familiares cedidas<br />
pelos entrevistados e reproduções <strong>de</strong> objetos e documentos.<br />
Coleção<br />
• Memória do SAARA – formada por documentos<br />
impressos, fotografias e gravações <strong>de</strong> entrevistas sobre<br />
a história das ruas do centro da cida<strong>de</strong> que compõem a<br />
Socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Amigos e Adjacências da Rua da Alfân<strong>de</strong>ga<br />
– associação organizada por lojistas <strong>de</strong> uma das mais<br />
antigas e dinâmicas áreas comerciais do Rio <strong>de</strong> Janeiro –<br />
on<strong>de</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as primeiras décadas do século XX, convivem<br />
imigrantes <strong>de</strong> diversas origens. Este material i<strong>de</strong>ntifica<br />
aspectos do <strong>de</strong>senvolvimento urbano da área, a população<br />
<strong>de</strong> imigrantes e <strong>seus</strong> <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes, suas ativida<strong>de</strong>s<br />
comerciais além das relações políticas e sociais inseridas<br />
298
Arquivos <strong>de</strong> Cultura Contemporânea: uma experiência <strong>de</strong> pesquisa e documentação.<br />
neste espaço da cida<strong>de</strong>. Pesquisa coor<strong>de</strong>nada por Susane<br />
Worcman.<br />
• Coleção Teatro Ídiche no Brasil – engloba uma ampla documentação<br />
sobre o teatro encenado por imigrantes ju<strong>de</strong>us<br />
no Rio <strong>de</strong> Janeiro e em seis outras cida<strong>de</strong>s do Brasil: Recife,<br />
Salvador, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre e São Paulo.<br />
Pesquisa coor<strong>de</strong>nada por Susane Worcman.<br />
RELAÇÕES DE GÊNERO: Este acervo compõe-se <strong>de</strong> registros<br />
diversos sobre a participação das mulheres na vida cultural brasileira.<br />
• Coleção Cinema realizado por Mulheres no Brasil – resultado<br />
do levantamento da produção cinematográfica <strong>de</strong>ssas<br />
mulheres, realizado por Ana Rita Mendonça e Ana Pessoa.<br />
Compõe-se <strong>de</strong> um acervo sonoro com <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong><br />
história <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> cineastas, entre as quais se <strong>de</strong>stacam:<br />
Ana Carolina, Tizuka Yamazaki, Suzana Amaral, Zita Carvalhosa,<br />
Olga Futema e Lucy Barreto. Este estudo gerou a<br />
publicação Realizadoras <strong>de</strong> cinema no Brasil (1989) , da série<br />
Quase Catálogo, publicada pelo Centro Interdisciplinar <strong>de</strong><br />
Estudos Culturais - CIEC/UFRJ juntamente com o Museu da<br />
Imagem e do Som do Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />
Coleção<br />
• Mulheres nas Artes Plásticas – Anos 1970 – reúne<br />
<strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> artistas plásticas, entre as quais Anna Maria<br />
Maiolino, Anna Bella Geiger, Lygia Pape, Tereza Simões,<br />
Marilia Kranz, Edith Bhering, Iole <strong>de</strong> Freitas e Ione Saldanha.<br />
Parte <strong>de</strong>ste acervo está disponível no volume Artistas<br />
Plásticas no Rio <strong>de</strong> Janeiro (1975-1985), série Quase Catálogo,<br />
publicado pelo CIEC/UFRJ e Secretaria <strong>de</strong> Cultura da<br />
Cida<strong>de</strong> do RJ, em 1993.<br />
299
Cristina Barros Barreto<br />
• Coleção Ensaístas Brasileiras é composta por documentos<br />
originais como entrevistas, fichas e textos organizados por<br />
Heloisa Buarque <strong>de</strong> Hollanda e Lúcia Nascimento Araújo,<br />
que <strong>de</strong>ram origem ao livro Ensaístas Brasileiras. Mulheres<br />
que escreveram sobre Literatura e Artes <strong>de</strong> 1860 a 1991, publicado<br />
pela editora Rocco em 1993.<br />
• Coleção Imprensa e Mulher – mais <strong>de</strong> 3.500 recortes <strong>de</strong> jornais<br />
datados <strong>de</strong> 1968 a 1993 e recolhidos por pesquisadores<br />
estudiosos da linha <strong>de</strong> estudos <strong>de</strong> gênero. O material<br />
encontra-se in<strong>de</strong>xado por diferentes assuntos tais como:<br />
artes plásticas, cinema, comportamento, direitos da mulher,<br />
discriminação sexual, feminismo, homossexualismo,<br />
prostituição, sexualida<strong>de</strong>, trabalho e violência.<br />
• Coleção Matriarcas Nor<strong>de</strong>stinas – documentos impressos<br />
e transcrições <strong>de</strong> entrevistas realizadas no âmbito <strong>de</strong> um<br />
projeto na linha <strong>de</strong> estudos <strong>de</strong> gênero, que procurou estudar<br />
o po<strong>de</strong>r das mulheres, no período republicano, para<br />
além da família. Toma-se como caso as mães <strong>de</strong> famílias<br />
extensas como um clã, no nor<strong>de</strong>ste brasileiro. A pesquisa<br />
foi realizada por Heloisa Buarque <strong>de</strong> Hollanda, Rachel <strong>de</strong><br />
Queiroz e Luzilá Gonçalves Ferreira.<br />
Situação atual e perspectivas<br />
Dando continuida<strong>de</strong> à preocupação <strong>de</strong> preservar a integrida<strong>de</strong><br />
do acervo, viabilizar sua divulgação para um público mais<br />
amplo e permitir a recuperação da informação pelo usuário, e <strong>de</strong><br />
acordo com a tendência atual <strong>de</strong> informatização e disponibilização<br />
na internet, dos centros <strong>de</strong> documentação, bibliotecas e arquivos,<br />
o PACC estabeleceu uma parceria com a DocPro – empresa que <strong>de</strong>senvolveu<br />
um sistema informatizado <strong>de</strong> recuperação da informa-<br />
300
Arquivos <strong>de</strong> Cultura Contemporânea: uma experiência <strong>de</strong> pesquisa e documentação.<br />
ção. Este sistema prevê a disponibilização on-line <strong>de</strong> qualquer tipo<br />
<strong>de</strong> documento.<br />
Em primeiro lugar, estão sendo digitalizadas, com apoio da<br />
FAPERJ, as coleções cujo tema remete às relações raciais, ou seja os<br />
documentos impressos (recortes <strong>de</strong> jornais e folhetos) , cartazes e<br />
gravações sonoras das coleções Centenário da Abolição, Movimentos<br />
Negros no Rio <strong>de</strong> Janeiro e a atuação do Estado e Memória das<br />
Famílias Negras.<br />
Este trabalho criará suportes digitais (CDs e DVDs) que serão<br />
<strong>de</strong>vidamente armazenados e seu conteúdo será disponibilizado<br />
para acesso público, no site do PACC - http://www.pacc.ufrj.br/ .<br />
Além disso, em acordo firmado entre o PACC e o Museu da<br />
Pessoa - museu virtual <strong>de</strong> histórias <strong>de</strong> vida, disponível no en<strong>de</strong>reço<br />
http://www.museudapessoa.net/ - todos os documentos impressos<br />
e gravações sonoras da coleção Heranças e Lembranças também<br />
estão sendo digitalizados e po<strong>de</strong>rão ser consultados brevemente,<br />
através dos sites das duas instituições.<br />
O objetivo <strong>de</strong>sses esforços é o <strong>de</strong> facilitar ao público interessado<br />
a consulta ao acervo e <strong>seus</strong> documentos, muitas vezes únicos ou<br />
raros, reunidos ao longo das três últimas décadas.<br />
Relembrando Pierre Nora, “os <strong>lugares</strong> <strong>de</strong> memória nascem e vivem<br />
do sentimento que não há memória espontânea, que é preciso<br />
criar arquivos” (1993, p. 13). Verda<strong>de</strong>iro lugar <strong>de</strong> memória, no sentido<br />
que este autor empresta à expressão, o significado dos Arquivos<br />
<strong>de</strong> Cultura Contemporânea ultrapassa o da sua existência material<br />
enquanto <strong>de</strong>pósitos <strong>de</strong> documentos e <strong>de</strong> sua utilida<strong>de</strong> funcional<br />
<strong>de</strong> servirem como fontes <strong>de</strong> informação. Investido, cada vez mais,<br />
<strong>de</strong> uma aura simbólica, seu acervo é tido como patrimônio da memória<br />
e, como tal, chave indispensável, via <strong>de</strong> acesso insubstituível,<br />
para a <strong>de</strong>finição da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> social daqueles que encontram, ali,<br />
os fragmentos <strong>de</strong> sua história” (STROZENBERG, 2000, p.3).<br />
301
Cristina Barros Barreto<br />
Referências<br />
HUYSSEN, Andréas. Seduzidos pela memória: arquitetura, monumentos, mídia. Rio<br />
<strong>de</strong> Janeiro: Aeroplano, 2000. 116 p.<br />
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos <strong>lugares</strong>. Projeto História,<br />
São Paulo: PUC, n.10, p. 7-29, <strong>de</strong>z. 1993.<br />
SILVA, Tomaz Ta<strong>de</strong>u da (Org.). O que é, afinal, estudos culturais Belo Horizonte:<br />
Autêntica, 2004. 240 p.<br />
STROZENBERG, Ilana. Pesquisa e documentação na CIEC: produção <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s<br />
culturais. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Escola <strong>de</strong> Comunicação, <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 2000. 9f.<br />
302
O SINTUFRJ e a memória dos servidores<br />
técnico-administrativos em Educação<br />
Ana Maria Ribeiro<br />
“A Comunida<strong>de</strong> universitária não é uma comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
intelectuais, como se pensou, por exemplo, nos Estados Unidos.<br />
Ela é também uma comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> todos os setores que<br />
participam <strong>de</strong>la, <strong>de</strong> estudantes que estão começando, <strong>de</strong> estudantes<br />
que estão avançando, fazendo doutorado e <strong>de</strong> funcionários<br />
<strong>de</strong> vários níveis.”<br />
Florestan Fernan<strong>de</strong>s (extraído do livro <strong>de</strong> João Eduardo<br />
do Nascimento Fonseca, “Novos atores na cena universitária”,<br />
NAU Editora, pag.5)<br />
303
Ana Maria Ribeiro<br />
Uma trajetória <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 45 anos<br />
O objetivo <strong>de</strong>sta apresentação é mostrar o papel dos técnicoadministrativos<br />
e <strong>de</strong> sua representação ao longo <strong>de</strong> quase cinco<br />
décadas, no histórico da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />
trazendo o que existe <strong>de</strong> registro e memória.<br />
A categoria dos técnico-administrativos sempre esteve presente<br />
no corpo social das universida<strong>de</strong>s, como verificaremos nos<br />
instrumentos legais <strong>de</strong> criação do ensino superior brasileiro. Mas é<br />
só a partir da década <strong>de</strong> 80, no século XX, que se apresenta como<br />
parte integrante dos movimentos sociais, como sujeitos na luta em<br />
<strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> <strong>seus</strong> direitos e <strong>de</strong> participação ativa na vida universitária.<br />
O movimento dos técnico-administrativos em educação (atual<br />
<strong>de</strong>nominação da carreira <strong>de</strong>stes trabalhadores, servidores públicos<br />
fe<strong>de</strong>rais nas instituições fe<strong>de</strong>rais <strong>de</strong> ensino superior) na UFRJ, se<br />
<strong>de</strong>staca não apenas por ser esta a primeira e uma das maiores instituições<br />
do sistema fe<strong>de</strong>ral, mas porque é a associação, ASSUFRJ,<br />
<strong>de</strong>pois transformada em sindicato, SINTUFRJ, que se <strong>de</strong>stacou na<br />
organização da categoria nacionalmente. É da UFRJ que saíram os<br />
principais quadros dirigentes da FASUBRA, fe<strong>de</strong>ração nacional que<br />
aglutina o conjunto <strong>de</strong> associações/sindicatos locais. Portanto, resgatar<br />
a memória dos técnico-administrativos em educação da UFRJ,<br />
também é resgatar a memória <strong>de</strong> uma categoria com presença nacional.<br />
Breve histórico<br />
A universida<strong>de</strong> no Brasil foi instituída em 1920, com a criação<br />
da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Entretanto, o ensino superior se<br />
iniciou bem antes, em 1808 com os cursos <strong>de</strong> Medicina da Bahia e<br />
no Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />
O ensino superior, assim como todo e qualquer nível <strong>de</strong> ensino,<br />
tem o seu corpo social constituído <strong>de</strong> professores, alunos e funcionários.<br />
Aqueles que apren<strong>de</strong>mos a chamar <strong>de</strong> funcionários eram,<br />
304
O SINTUFRJ e a Memória dos Servidores Técnico-Administrativos em Educação<br />
nos séculos XIX e XX, os que asseguravam as tarefas <strong>de</strong> portaria,<br />
inspetor, secretarias, cozinha, biblioteca, ou seja, toda a estrutura<br />
necessária para a efetivida<strong>de</strong> da ação educacional. Entretanto, toda<br />
a literatura existente, sejam as que discutem as teorias educacionais<br />
ou as que <strong>de</strong>screvem os movimentos sociais <strong>de</strong> contestação, tão comuns<br />
na vida universitária, não citam os funcionários como agentes<br />
ou participantes <strong>de</strong>stes cenários.<br />
Somente no final do século XX, em 1996, com a publicação<br />
pela NAU Editora do livro “Novos atores na cena universitária”, do<br />
técnico-administrativo em educação João Eduardo do Nascimento<br />
Fonseca, resultado <strong>de</strong> sua dissertação <strong>de</strong> Mestrado, passamos a ter<br />
uma literatura específica da trajetória do movimento <strong>de</strong>sta parcela<br />
dos trabalhadores universitários.<br />
A construção da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />
De Servidores Públicos Civis, passando pela terminologia Funcionários<br />
das <strong>Universida<strong>de</strong></strong>s, somente em 1987, com a conquista<br />
<strong>de</strong> um plano <strong>de</strong> carreira específico, passamos a Servidores Técnico-<br />
Administrativos. Em 2005, o novo plano <strong>de</strong> carreira estabelece a<br />
terminologia Técnico-Administrativos em Educação - TAEs. Anos<br />
<strong>de</strong> luta pelo reconhecimento <strong>de</strong> uma categoria no “fazer” do ensino<br />
superior; <strong>de</strong> superação <strong>de</strong> uma relação subalterna, para sujeito na<br />
política universitária.<br />
Na UFRJ essa luta passou pelo fortalecimento <strong>de</strong> sua representação<br />
organizativa.<br />
A Associação <strong>de</strong> Servidores da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> do Brasil, ASSUB,<br />
é fundada em 11 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1960, visando à prática <strong>de</strong> esportes,<br />
reuniões sociais, assistência médica, jurídica, farmacêutica, odontológica<br />
e hospitalar. Dez anos <strong>de</strong>pois, fun<strong>de</strong>-se com o Esporte<br />
Clube Cida<strong>de</strong> Universitária, mantendo seu caráter assistencialista<br />
e afirmando em seu estatuto que entre <strong>seus</strong> objetivos está absterse<br />
<strong>de</strong> qualquer discussão política. Mantém um vínculo forte com a<br />
instituição e avessa às <strong>de</strong>mandas reivindicatórias e confronto com<br />
305
Ana Maria Ribeiro<br />
as administrações e órgãos do Estado. Nascida ASSUB, passou a<br />
ASSURJ e <strong>de</strong>pois ASSUFRJ, Associação <strong>de</strong> Servidores da <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />
Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />
Em 1982, os funcionários reconhecem a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um<br />
instrumento <strong>de</strong> luta forte e organizado. Vencendo o imobilismo das<br />
diretorias da ASSUFRJ, organizam sua primeira greve, que <strong>de</strong>ixou<br />
marcas profundas e um avanço irreversível no movimento. Ao término<br />
daquela greve, criou-se um conselho <strong>de</strong> representantes in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />
da direção da ASSUFRJ, que se tornou o interlocutor,<br />
<strong>de</strong> fato, da categoria.<br />
Nas eleições <strong>de</strong> 1984, o grupo mais combativo vence a eleição<br />
e dá à entida<strong>de</strong> uma face política e <strong>de</strong> representação dos servidores.<br />
Várias associações no país, assim como a FASUBRA - Fe<strong>de</strong>ração das<br />
Associações <strong>de</strong> Servidores das <strong>Universida<strong>de</strong></strong>s Brasileiras, ganham<br />
um novo perfil <strong>de</strong> combativida<strong>de</strong>. Neste mesmo ano, instalou-se<br />
uma longa greve, <strong>de</strong> 84 dias, em que os professores também a<strong>de</strong>riram,<br />
com pautas unificadas. A categoria ganha 40% <strong>de</strong> aumento e<br />
o compromisso <strong>de</strong> isonomia com as universida<strong>de</strong>s fundacionais. No<br />
Brasil, viviam-se as mobilizações pelas “Diretas Já” para Presi<strong>de</strong>nte<br />
da República. Nas universida<strong>de</strong>s, o lema era: “Diretas para Presi<strong>de</strong>nte<br />
e para Reitor Já!”. É neste clima que a primeira eleição para Reitor<br />
acontece na UFRJ – uma consulta organizada pelos movimentos<br />
e que pela apuração paritária dos votos, se conquista a eleição do<br />
Prof. Horácio Macedo. A posse do reitor eleito traz outra vertente<br />
ao corpo técnico-administrativo, que oferece ao movimento a Sub-<br />
Reitoria <strong>de</strong> Pessoal e Serviços Gerais (SR-4), atual PR-4. A categoria<br />
em <strong>de</strong>cisão histórica, em assembléia, aprova por esmagadora maioria,<br />
a indicação <strong>de</strong> seu presi<strong>de</strong>nte para o cargo, João Eduardo do<br />
Nascimento Fonseca, que se licencia das funções associativas. Pela<br />
primeira vez na história, um funcionário ocupa um cargo na administração<br />
central. Fato este que veio a se repetir em várias universida<strong>de</strong>s<br />
do país.<br />
Novas greves, nos anos seguintes, até a conquista, em 1987,<br />
da Lei da Isonomia e da almejada carreira. Depois <strong>de</strong> mais um<br />
306
O SINTUFRJ e a Memória dos Servidores Técnico-Administrativos em Educação<br />
período <strong>de</strong> greve, entre abril e maio, o MEC apressa o processo <strong>de</strong><br />
implantação da isonomia entre autarquias e fundações. Essas<br />
conquistas são um importante passo para o fortalecimento da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />
da categoria como trabalhadores do setor público <strong>de</strong> educação.<br />
A participação <strong>de</strong> li<strong>de</strong>ranças do movimento na administração<br />
da UFRJ foi extremamente importante para subsidiar a construção<br />
do plano <strong>de</strong> carreira conquistado. Assim como a elaboração, inicialmente<br />
dos militantes ativos da ASSUFRJ, na construção do Projeto<br />
<strong>Universida<strong>de</strong></strong> para os Trabalhadores, que entre outras propostas<br />
incluía a criação do Pré-vestibular gratuito para a categoria. O projeto<br />
foi adotado pela reitoria da UFRJ, mas após o final do mandato<br />
(1990) passou à responsabilida<strong>de</strong> da ASSUFRJ e até hoje é um<br />
exemplo <strong>de</strong> sucesso e <strong>de</strong>dicação.<br />
Em 1988, com a nova Carta Magna - Constituição Fe<strong>de</strong>ral, inúmeras<br />
ban<strong>de</strong>iras <strong>de</strong>fendidas pelos trabalhadores foram conquistadas.<br />
Entretanto, a nova <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> cargo público trouxe um sério<br />
problema para o recém conquistado plano <strong>de</strong> carreira. O acesso ao<br />
cargo passa a ser exclusivamente por concurso público, <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rando<br />
carreiras com vários cargos, inviabilizando a ascensão funcional<br />
- concurso interno - que existia e possibilitava o crescimento<br />
do servidor na carreira. Enquanto que na esfera privada, um trabalhador<br />
po<strong>de</strong> crescer – entrar servente, estudar e almejar um novo<br />
posto, na esfera pública isso foi abolido.<br />
Em 1989, a categoria aprofunda a busca por uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />
única dos servidores públicos fe<strong>de</strong>rais e se trava a luta pela construção<br />
<strong>de</strong> um Regime Jurídico Único - RJU. Na UFRJ, a disputa interna<br />
também contamina as li<strong>de</strong>ranças do movimento sindical. A sucessão<br />
do professor Horacio Macedo, em 1989, traz uma séria divisão<br />
no grupo que conquistou a ASSUFRJ em 1984, que se apresentou<br />
dividida nas eleições da associação e da reitoria. Vencedora a chapa<br />
<strong>de</strong> oposição ao professor Horacio, o professor Nelson Maculan assume<br />
a reitoria e convida para a SR-4 a funcionária Irai<strong>de</strong>s Coelho,<br />
que também saía da presidência da ASSUFRJ; fica dois anos no car-<br />
307
Ana Maria Ribeiro<br />
go e sofre inúmeras críticas em sua atuação por parte dos técnicoadministrativos.<br />
Foram momentos <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> tensão e divisão na<br />
UFRJ que se fez presente no conjunto do movimento dos técnicoadministrativos,<br />
docente e estudantil. Passou-se à era “horacistas” e<br />
“pinguelistas”.<br />
Em 1990, o RJU é aprovado, após intensa luta. Mais uma vitória<br />
com caravanas à Brasília e paralisações para <strong>de</strong>rrotar o veto <strong>de</strong><br />
Collor. Os servidores da UFRJ foram os primeiros a aprovar greve<br />
no serviço público contra a política <strong>de</strong> <strong>de</strong>missões <strong>de</strong>ste governo.<br />
Os trabalhadores da UFRJ estiveram entre os primeiros também a<br />
apoiar a luta “Fora Collor, por eleições gerais”, que culminou com<br />
seu impeachment.<br />
Já em 1992, trava-se a luta vitoriosa contra a estatuinte imposta<br />
pela reitoria da época, pensada e criada sem a participação<br />
da comunida<strong>de</strong> universitária. A reitoria reconhece que todos os<br />
servidores são estatutários, preservando direitos <strong>de</strong> quatro mil extra-quadros.<br />
Uma nova greve em maio exige: carreira para todos<br />
os trabalhadores em educação, recomposição salariais e passivos,<br />
como também a retirada do Projeto <strong>de</strong> Emenda Constitucional do<br />
Governo (PEC-56), que acabava com o RJU e restringia as verbas<br />
para a universida<strong>de</strong>. A PEC 56 sai <strong>de</strong> pauta <strong>de</strong> votação. Cresce a necessida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> consolidação <strong>de</strong> uma entida<strong>de</strong> sindical, que representasse<br />
o conjunto da categoria, em uma forma <strong>de</strong> organização<br />
mais avançada.<br />
Em 1993, a categoria <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> pela transformação da Associação<br />
em um Sindicato local. Nasce, então, o Sindicato dos Trabalhadores<br />
em Educação da UFRJ, o SINTUFRJ. Os anos que se<br />
seguiram foram <strong>de</strong> muita luta com relação à efetivação da carreira<br />
e da isonomia. O corte no 13º salário em 1994 levou a uma paralisação<br />
que quase inviabiliza o concurso <strong>de</strong> seleção para acesso aos<br />
cursos <strong>de</strong> graduação <strong>de</strong> 1995.<br />
O período <strong>de</strong> 1995 a 2002 foi <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s disputas e o movimento<br />
sindical como um todo atuou no sentido da <strong>de</strong>fesa das conquis-<br />
308
O SINTUFRJ e a Memória dos Servidores Técnico-Administrativos em Educação<br />
tas existentes frente aos gran<strong>de</strong>s ataques <strong>de</strong>feridos pelo governo<br />
FHC (Fernando Henrique Cardoso). Instalou-se em Brasília o império<br />
dos ataques diretos contra os direitos dos servidores e a <strong>de</strong>struição<br />
do serviço público. Lutamos contra a revisão constitucional, para<br />
garantir o pagamento dos 26% (perdas impostas aos servidores) e<br />
pela autonomia universitária. Lutamos contra a reforma administrativa<br />
e contra a intervenção do governo <strong>de</strong> FHC na UFRJ.<br />
O movimento dos servidores da UFRJ extrapolou os muros da<br />
universida<strong>de</strong> e saiu em <strong>de</strong>fesa da Vale do Rio Doce e dos trabalhadores<br />
rurais: Servidores e MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais<br />
Sem Terra) marcham juntos sobre Brasília. Em vários momentos,<br />
o SINTUFRJ esteve nas ruas, como no ato “<strong>Universida<strong>de</strong></strong> na Praça”, o<br />
“Show dos Sem”, e a campanha “Fome <strong>de</strong> Justiça”. Esteve também<br />
ao lado <strong>de</strong> movimentos sociais, como o dos Trabalhadores Rurais<br />
Sem Terra, na exposição promovida pelo IFCS “Terra - MST - Sebastião<br />
Salgado”. Mas a luta pelo respeito à Justiça e o direito <strong>de</strong> recebermos<br />
os 28,86% seguiu ao longo <strong>de</strong> 1997 e 1998. Na UFRJ, a categoria<br />
enfim conquista assento no Conselho Universitário e passa a<br />
ser representada por 10 técnico-administrativos eleitos para tal.<br />
Em 1995 e 1996, uma forte atuação no Congresso Nacional<br />
para impedir o golpe na Lei <strong>de</strong> Diretrizes e Bases da Educação Nacional<br />
(LDB). O projeto <strong>de</strong> lei construído pelos movimentos sociais,<br />
e apoiado pelo Fórum em Defesa da Escola Pública em que a Fasubra<br />
participava, sofre forte ataque com um substitutivo apresentado<br />
pelo Senador Darcy Ribeiro, rasgando as principais ban<strong>de</strong>iras<br />
dos <strong>de</strong>fensores da escola pública. O SINTUFRJ participou ativamente<br />
<strong>de</strong>sta luta com a participação no GT Educação da Fasubra.<br />
A aprovação das leis nº 9192/95 e 9394/96, que cerceia o processo<br />
<strong>de</strong> escolha dos dirigentes universitários – impondo os 70% <strong>de</strong> votos<br />
para os docentes e a LDB, respectivamente, trazem claramente um<br />
processo <strong>de</strong> controle do governo às universida<strong>de</strong>s, um afronta ao<br />
Art. 207 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral que conce<strong>de</strong>u a Autonomia Universitária.<br />
309
Ana Maria Ribeiro<br />
Em 1998, o SINTUFRJ li<strong>de</strong>rou a maior mobilização em <strong>de</strong>fesa da<br />
UFRJ, e junto aos estudantes, docentes, dirigentes universitários e<br />
conselheiros do CONSUNI (Conselho Universitário) e do CEG (Conselho<br />
<strong>de</strong> Ensino <strong>de</strong> Graduação) teve uma posição <strong>de</strong> confronto ao<br />
governo FHC.<br />
Em meio a uma das maiores greves nas universida<strong>de</strong>s, 15.000<br />
pessoas foram às urnas nos dias 17, 18 e 19/4 e escolheram o professor<br />
Aloísio Teixeira para reitor. Este resultado foi ratificado <strong>de</strong>pois<br />
no Colégio Eleitoral. Todos os candidatos a reitor, com exceção <strong>de</strong><br />
Luiz Henrique Vilhena (IFCS), retiraram suas candidaturas em prol<br />
do mais votado nas urnas. O professor do IFCS, que havia sido vicereitor<br />
na gestão anterior e um dos menos votados nas três categorias,<br />
foi nomeado em Brasília pelo governo FHC, abrindo a maior<br />
crise já instalada na história da UFRJ.<br />
Acontece, então, uma das maiores greves já realizadas na<br />
UFRJ. Por mais <strong>de</strong> 90 dias, servidores protagonizam uma heróica<br />
luta <strong>de</strong> ocupação da reitoria, logo após a comunicação da posse do<br />
interventor, em <strong>de</strong>fesa da autonomia universitária. Os conselhos<br />
superiores, congregações e conselhos <strong>de</strong> centro da maioria das uni-<br />
310
O SINTUFRJ e a Memória dos Servidores Técnico-Administrativos em Educação<br />
da<strong>de</strong>s se posicionaram contra a nomeação e exigiam a renúncia do<br />
mesmo. O Conselho <strong>de</strong> Ensino <strong>de</strong> Graduação se manteve em convocação<br />
permanente. A UFRJ e seu corpo social viveram momentos<br />
<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> conflito e paralisia do seu funcionamento institucional.<br />
Os técnico-administrativos mostraram na prática como se <strong>de</strong>ve lutar<br />
pela <strong>de</strong>mocracia.<br />
Apesar da <strong>de</strong>socupação por <strong>de</strong>cisão judicial e com todo aparato<br />
militar, o movimento continuou unido e foi impossível ao<br />
interventor implementar a política <strong>de</strong> FHC na universida<strong>de</strong>. Mas<br />
vivemos dias difíceis e assistimos ao crescimento da divisão interna<br />
na UFRJ, separação das unida<strong>de</strong>s, ampliação das fundações<br />
privadas no interior da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> e ao completo abandono das<br />
instâncias colegiadas. Com isso, a ausência <strong>de</strong> transparência e espaço<br />
<strong>de</strong>mocrático <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões. As alterações no Estatuto da UFRJ levaram<br />
à redução <strong>de</strong> nossa representação no Conselho Universitário<br />
<strong>de</strong> 10 para 5 membros.<br />
Em 2002, os novos ventos, o clima <strong>de</strong> re<strong>de</strong>mocratização da<br />
UFRJ e a unida<strong>de</strong> entre docentes, técnico-administrativos e alunos,<br />
possibilitaram a vitória <strong>de</strong> uma chapa <strong>de</strong> reconstrução e união com<br />
o professor Carlos Lessa no cargo <strong>de</strong> Reitor. Mais uma vez, repetindo<br />
o ocorrido nos anos <strong>de</strong> 1984 e 1990, levando um ex-dirigente do<br />
SINTUFRJ à administração central, agora no cargo <strong>de</strong> Superinten<strong>de</strong>nte<br />
Geral da Pró-Reitoria <strong>de</strong> Pessoal, Roberto Gambine. Des<strong>de</strong><br />
1992, um técnico-administrativo, com compromisso com as ban<strong>de</strong>iras<br />
da categoria, não assumia uma função na estrutura universitária.<br />
Reflexo dos 10 anos <strong>de</strong> retrocesso no espaço <strong>de</strong> conquista<br />
da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, fruto dos anos <strong>de</strong> neoliberalismo, pelos ataques<br />
que sofremos <strong>de</strong> tentativas <strong>de</strong> resulbalternização da categoria,<br />
impossibilitando sua atuação também como sujeitos na construção<br />
da universida<strong>de</strong>. A partir <strong>de</strong> 2002 foi possível retomar a pauta <strong>de</strong><br />
ocupação dos espaços na universida<strong>de</strong>, por parte dos técnico-administrativos,<br />
seja com a conquista <strong>de</strong> assento no Conselho <strong>de</strong> Ensino<br />
<strong>de</strong> Graduação e Pós-Graduação (CEG e CEPG), nos colegiados dos<br />
311
Ana Maria Ribeiro<br />
centros, na eleição/consulta <strong>de</strong> diversos setores como DVST e Divisão<br />
<strong>de</strong> Transportes. Na luta nacional, o Cargo Único em consonância<br />
com o Projeto <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Cidadã para os Trabalhadores.<br />
Todas as greves e lutas salariais tinham como objetivo a construção<br />
do Plano <strong>de</strong> Carreira, até que na greve <strong>de</strong> 2004 foi conquistada<br />
a Lei 11.091, aprovada em 2005, e que se encontra atualmente<br />
em fase <strong>de</strong> aperfeiçoamento. Mas esta carreira trouxe um novo paradigma<br />
para a categoria:<br />
1º - sua qualificação como Técnico-administrativo em Educação<br />
e seu reconhecimento como ramo da educação;<br />
2º - o reconhecimento <strong>de</strong> sua progressão por qualificação e<br />
capacitação, separadamente, incentivando assim uma maior formação<br />
e mais ainda, vinculando ao ambiente <strong>de</strong> trabalho, o que<br />
significou sua condição <strong>de</strong> ligação entre o saber e fazer <strong>de</strong>ntro da<br />
instituição;<br />
3º - o reconhecimento na sua atuação, na orientação, coor<strong>de</strong>nação<br />
e execução <strong>de</strong> pesquisa e extensão;<br />
4º - a valorização <strong>de</strong> sua atuação no ambiente <strong>de</strong> trabalho e<br />
a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um Programa <strong>de</strong> Avaliação que compreenda as<br />
ações no processo como um todo e não simplesmente aspectos burocráticos<br />
e administrativos;<br />
5º - o <strong>de</strong>bate sobre o saber acadêmico e o saber adquirido no<br />
processo <strong>de</strong> trabalho;<br />
6º - o <strong>de</strong>bate sobre o perfil e atuação dos técnico-administrativos<br />
numa universida<strong>de</strong> no século XXI.<br />
De 2005 a 2007, a categoria vem lutando pelo aperfeiçoamento<br />
da carreira conquistada, os direitos conquistados como Plano <strong>de</strong><br />
Saú<strong>de</strong> Complementar, contra as Fundações Estatais e pelo aumento<br />
<strong>de</strong> recursos orçamentários e vagas para concurso público para<br />
técnico-administrativos e docentes. Ainda luta pela criação <strong>de</strong> um<br />
Conselho <strong>de</strong> Administração como colegiado especifico <strong>de</strong> organização<br />
dos trabalhadores em educação, possibilitando dar um passo<br />
fundamental à <strong>de</strong>mocratização da UFRJ. Ainda é muito presente o<br />
312
O SINTUFRJ e a Memória dos Servidores Técnico-Administrativos em Educação<br />
assédio moral, a perseguição política e sulbaternização da categoria<br />
técnico-administrativa pelo corpo docente. Essa é uma página<br />
da história que <strong>de</strong>sejamos virar e só será possível quando todos os<br />
trabalhadores forem tratados como trabalhadores, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />
<strong>de</strong> suas titulações. Todos somos servidores públicos fe<strong>de</strong>rais no<br />
cumprimento <strong>de</strong> ações para o público, para a população brasileira.<br />
Conclusão<br />
Nestes 45 anos <strong>de</strong> existência organizada e 200 <strong>de</strong> existência<br />
enquanto categoria, po<strong>de</strong>mos afirmar que apenas há uns 25 anos<br />
começamos a nos apresentar ao mundo, com uns 10 anos <strong>de</strong> interrupção<br />
no nosso caminho.<br />
Mas voltamos ao rumo traçado e não há mais volta.<br />
Ocupando nosso espaço e reivindicando cada vez mais.<br />
313
Ana Maria Ribeiro<br />
Referências<br />
FONSECA, João Eduardo. Novos atores na cena universitária. Rio <strong>de</strong> Janeiro: NAU/<br />
UFRJ, 1996.<br />
Fotos e informações do acervo do SINTUFRJ, Departamento <strong>de</strong> Comunicação<br />
(DECOS).<br />
314
Os Autores<br />
Manoel Luiz Salgado Guimarães é Professor Doutor pela <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />
Livre <strong>de</strong> Berlim e com Pós-doutorado na Escola <strong>de</strong> Altos<br />
Estudos em Ciências Socias <strong>de</strong> Paris. Professor Associado do Departamento<br />
<strong>de</strong> História e do Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em História<br />
Social do IFCS/UFRJ. Professor Adjunto do Departamento <strong>de</strong> História<br />
da UERJ e Pesquisador do CEO/PRONEX – CNPq / FAPERJ.<br />
Antonio José Barbosa <strong>de</strong> Oliveira é Graduado em História<br />
pelo IFCS/UFRJ, Especialista em História do Brasil pela Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Formação <strong>de</strong> Professores da UERJ e Mestre em História Comparada<br />
(IFCS/UFRJ). Historiador responsável pelo Projeto Memória do<br />
<strong>Sistema</strong> <strong>de</strong> <strong>Bibliotecas</strong> e Informação (SiBI) e professor colaborador<br />
do curso <strong>de</strong> Biblioteconomia e Gestão <strong>de</strong> Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Informação<br />
(CBG/FACC-UFRJ).<br />
Diana <strong>de</strong> Souza Pinto é Graduada em Letras, Mestre em Lingüística<br />
Aplicada e Doutora em Ciências da Saú<strong>de</strong> pela <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />
Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Professora e atual coor<strong>de</strong>nadora do<br />
Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em Memória Social na <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />
Fe<strong>de</strong>ral do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro (UNIRIO).<br />
Maria Ângela Dias é arquiteta, Profª. Dsc da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Arquitetura<br />
e Urbanismo e Pesquisadora do Programa <strong>de</strong> Pós Graduação<br />
em Arquitetura – PROARQ/ UFRJ. Atuou na administração da<br />
UFRJ como Diretora da FAU, Prefeita da UFRJ e Diretora do Escritório<br />
Técnico da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> - ETU, on<strong>de</strong> criou, em 2004, um setor <strong>de</strong><br />
memória arquitetônica dos imóveis históricos da UFRJ, a Divisão <strong>de</strong><br />
Preservação dos Imóveis Tombados - DIPRIT.<br />
315
Heloi José Fernan<strong>de</strong>s Moreira é Engenheiro Eletricista pela<br />
PUC/RJ ; Mestre em Ciências em Engenharia pela UFRJ. Professor da<br />
Escola Politécnica da UFRJ <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1973; Diretor da Escola Politécnica<br />
da UFRJ <strong>de</strong> 1996 a 2006. Atualmente é Superinten<strong>de</strong>nte do Museu<br />
da Escola Politécnica, Presi<strong>de</strong>nte da Associação dos Antigos Alunos<br />
da Politécnica e Presi<strong>de</strong>nte do Clube <strong>de</strong> Engenharia.<br />
Júlio Carlos Afonso é Professor associado do Departamento<br />
<strong>de</strong> Química Analítica do Instituto <strong>de</strong> Química da UFRJ, Engenheiro<br />
Químico (Escola <strong>de</strong> Química/UFRJ, 1985); Químico com Atribuições<br />
Tecnológicas (Instituto <strong>de</strong> Química/UFRJ, 1986); Mestre em Engenharia<br />
Química e Doutor em Engenharia Química (Institut <strong>de</strong> Rechcerches<br />
sur la Catalyse, Lyon-França, 1990). Criador e responsável<br />
pelo Museu da Química Prof. Athos da Silveira Ramos.<br />
Regina Dantas é Mestre em Memória Social (PPGMS / UNIRIO),<br />
Doutoranda em História da Ciência pela COPPE / UFRJ, professora<br />
colaboradora do curso <strong>de</strong> Biblioteconomia e Gestão <strong>de</strong> Unida<strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> Informação da UFRJ. Historiadora do Museu Nacional / UFRJ e<br />
Superinten<strong>de</strong>nte Administrativa da Pró-Reitoria <strong>de</strong> Pós-graduação<br />
e Pesquisa/UFRJ.<br />
Ângela Âncora da Luz é Mestre em Filosofia (UFRJ) e Doutora<br />
em História Social (UFRJ). Atualmente é Diretora da Escola <strong>de</strong> Belas<br />
Artes da UFRJ e atua como professora do Programa <strong>de</strong> Pós-graduação<br />
em Artes Visuais (UFRJ). Historiadora e Crítica <strong>de</strong> Arte.<br />
Elizabete Rodrigues <strong>de</strong> Campos Martins é Doutora em Geographie<br />
Sociale et D`Etu<strong>de</strong> Urbaines – École dês Hautes Etu<strong>de</strong>s<br />
em Sciences Sociales. Professora da FAU/UFRJ e Coor<strong>de</strong>nadora do<br />
Núcleo <strong>de</strong> Pesquisa e Documentação (NPD/FAU-UFRJ). João Cláudio<br />
Parucher é Bacharel em Arquivologia (UNIRIO) e Arquivista do<br />
Núcleo <strong>de</strong> Pesquisa e Documentação (NPD/FAU). Cláudio Muniz<br />
Viana é Bacharel em Arquivologia (UNIRIO) e Arquivista do SiBI (<strong>Sistema</strong><br />
<strong>de</strong> <strong>Bibliotecas</strong> e Informação da UFRJ).<br />
316
Elina G. da Fonte Pessanha é graduada em Ciências Sociais<br />
pela <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral Fluminense, Mestre em Antropologia Social<br />
pela <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio <strong>de</strong> Janeiro (Museu Nacional)<br />
e Doutora em Ciências Humanas pela <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> São Paulo .<br />
Realizou pós-doutorado junto à <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Londres. Professora<br />
do <strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> Ciências Sociais / IFCS/ UFRJ e atua no Programa<br />
<strong>de</strong> Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia. Coor<strong>de</strong>na<br />
o Arquivo <strong>de</strong> Memória Operária do Rio <strong>de</strong> Janeiro (AMORJ). Marcos<br />
Aurélio Santana Rodrigues é Bacharel e Licenciado em História<br />
pela UFRJ. Atualmente é bolsista <strong>de</strong> apoio técnico pelo CNPq e <strong>de</strong>senvolve<br />
a função <strong>de</strong> supervisor <strong>de</strong> documentação do AMORJ.<br />
Maria da Luz Barbosa Gomes é Doutora em Enfermagem pela<br />
Escola <strong>de</strong> Enfermagem Anna Nery. Professor Adjunto do Departamento<br />
<strong>de</strong> Enfermagem Fundamental da EEAN/UFRJ. Pesquisadora<br />
do Núcleo <strong>de</strong> Pesquisa <strong>de</strong> História da Enfermagem Brasileira da<br />
EEAN/UFRJ. Responsável Acadêmico do Centro <strong>de</strong> Documentação<br />
- CEDOC da EEAN/UFRJ. Sandra Cristina Demetrio <strong>de</strong> Moraes é<br />
Arquivologista e <strong>de</strong>senvolve o Projeto <strong>de</strong> Organização do Arquivo<br />
Permanente da EEAN. Arquivista do CEDOC.<br />
André Cardoso é graduado pela Escola <strong>de</strong> Música da UFRJ,<br />
Meste e Doutor em Musicologia pela UNIRIO. Atualmente é Diretor<br />
da Escola <strong>de</strong> Música da UFRJ, on<strong>de</strong> é professor <strong>de</strong> Regência e Prática<br />
<strong>de</strong> Orquestra, além <strong>de</strong> diretor artístico e regente da Orquestra<br />
Sinfônica da UFRJ.<br />
Maria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Albuquerque Fávero é Livre-Docente em<br />
Educação pela PUC/Rio, Pesquisadora Nível 1A do CNPq; Professora<br />
Aposentada na UFRJ e Coor<strong>de</strong>nadora do PROEDES – Programa <strong>de</strong><br />
Estudos e Documentação Educação e Socieda<strong>de</strong>/FE/UFRJ.<br />
317
Marieta <strong>de</strong> Moraes Ferreira é Doutora em História pela <strong>Universida<strong>de</strong></strong><br />
Fe<strong>de</strong>ral Fluminense, com pós-doutorado na École <strong>de</strong>s<br />
Hautes Etu<strong>de</strong>s em Sciences Sociales-EHSS, Paris. Diretora da Editora<br />
FGV é também pesquisadora do CNPQ e da FAPERJ. Foi Diretora do<br />
Centro <strong>de</strong> Pesquisa e Documentação <strong>de</strong> História Contemporânea<br />
do Brasil da Fundação Getulio Vargas-CPDOC/FGV (1999-2005). Professora<br />
do Departamento <strong>de</strong> História da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral do<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro e pesquisadora do CPDOC/FGV.<br />
José Tavares da Silva Filho é bibliotecário da UFRJ, Especialista<br />
em Obras Raras e Preservação <strong>de</strong> Acervos Bibliográficos. Atualmente<br />
é coor<strong>de</strong>nador técnico da Biblioteca Pedro Calmon do<br />
Fórum <strong>de</strong> Ciência e Cultura (FCC / UFRJ). Rosane Cristina <strong>de</strong> Oliveira<br />
é Cientista Social e Mestre em Ciência Política - IFCS/UFRJ<br />
e Doutoranda em Ciências Sociais no Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação<br />
em Ciências Sociais da UERJ. Andréa Côrtes Torres é bibliotecária<br />
da Biblioteca Pedro Calmon (FCC /UFRJ) e Mestranda do Programa<br />
<strong>de</strong> Pós-Graduação em Memória Social (PPGMS-UNIRIO).<br />
Maria Cristina Rangel Jardim é Bibliotecária / Documentalista,<br />
Especialista em Desenvolvimento <strong>de</strong> Recursos Humanos e coor<strong>de</strong>nadora<br />
das <strong>Bibliotecas</strong> do Centro <strong>de</strong> Filosofia e Ciências Humanas<br />
(CFCH/UFRJ) e da Escola <strong>de</strong> Comunicação (ECO / UFRJ).<br />
Cristina Barros Barreto é graduada em Letras (PUC/RJ), Mestre<br />
em Ciência da Informação (UFF). Trabalha na UFRJ <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1991,<br />
no Programa Avançado <strong>de</strong> Cultura Contemporânea, como membro<br />
da equipe <strong>de</strong> organização dos Arquivos <strong>de</strong> Cultura Contemporânea,<br />
preparadora e revisora <strong>de</strong> textos da Revista Z Cultural e analista <strong>de</strong><br />
informação da Biblioteca Virtual <strong>de</strong> Estudos Culturais.<br />
Ana Maria Ribeiro é graduada em Matemática e servidora<br />
técnico-administrativa da UFRJ. Foi coor<strong>de</strong>nadora administrativa da<br />
Comissão Executiva do Concurso <strong>de</strong> Seleção (Vestibular). Representante<br />
dos técnico-administrativos no Conselho Universitário (CON-<br />
SUNI) e no Conselho <strong>de</strong> Ensino <strong>de</strong> Graduação (CEG). Membro do GT<br />
Educação da FASUBRA, foi coor<strong>de</strong>nadora do SINTUFRJ no período<br />
2001-2008.<br />
318