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Design, Arte e - Universidade Anhembi Morumbi

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Somente artigos da linha de pesquisa<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong> e Moda: Inter-relações<br />

DESIGN ARTE MODA E TECNOLOGIA<br />

Organização<br />

Gisela Belluzzo<br />

Jofre Silva


D172<br />

DAMT: <strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia<br />

Organização<br />

Gisela Belluzzo<br />

Jofre Silva<br />

Concepção Projetual e Produção Digital<br />

Magda Martins<br />

Jorge Paiva<br />

Leandro Fanelli<br />

Mayra Mártyres<br />

Promoção<br />

<strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong><br />

Pontifícia <strong>Universidade</strong> Católica do Rio de Janeiro<br />

<strong>Universidade</strong> Estadual Paulista -UNESP/Bauru<br />

DAMT: <strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia / Organização Gisela Belluzzo e<br />

Jofre Silva. – São Paulo: Edições Rosari, 2010.<br />

Vários autores.<br />

ISBN 978-85-8050-006-6<br />

1. <strong>Design</strong>. 2. <strong>Design</strong> gráfico. 3. <strong>Design</strong> - Tecnologia.<br />

4. <strong>Arte</strong> e design. 5. <strong>Design</strong> e moda. I. Belluzzo, Gisela.<br />

II. Silva, Jofre. III. Título.<br />

CDD 741.6<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 2


SuMáRIO<br />

Apresentação, 5<br />

Conselho Científico, 6<br />

<strong>Design</strong>, Tecnologia e Linguagem: Interfaces<br />

<strong>Design</strong> e naturalismo: Filosofia naturalista, biônica e ecodesign, 7<br />

Ângela Ribas Cleve Costa, Juliane Vargas Nunes, Márcia Melo Bortolato, Richard Perassi Luiz de Sousa<br />

Video game: análise ergonômica do jogador de Playstation,17<br />

Carolina Poll, Marcelo Almeida<br />

As tendências e o design: metodologia de projeto do mobiliário orientada para o futuro, 37<br />

Aline Teixeira de Souza, Marizilda Santos de Menezes<br />

A inovação através da relação da gestão de design com os princípios do <strong>Design</strong><br />

Thinking, 46<br />

Diego Daniel Casas, Eugenio Andrés Díaz Merino<br />

Diálogo entre design e emergência: O metadesign como estratégia projetual para problemas da alta<br />

complexidade na área de design, 55<br />

Rui Alão<br />

um estudo sobre a linguagem da ilustração e o design gráfico, 67<br />

Jorge Paiva<br />

Analisando o MECOTipo, 87<br />

Leonardo A. Costa Buggy<br />

O reaproveitamento de ideias e materiais no design de joias: origem, intertextualidade e sustentabilidade,<br />

104<br />

Viviane Nogueira de Moraes<br />

O <strong>Design</strong> e a Publicidade dos Anúncios Kolynos na Revista O Cruzeiro entre os anos 1950 e 1960, 117<br />

Leandro Ferretti Fanelli<br />

Classificação e escolha de um sistema de impressão, 126<br />

Leonardo A. Costa Buggy, Lia Alcântara Rodrigues<br />

Transparências e fragrâncias: materialidades simbólicas nas embalagens de perfume, 149<br />

Maureen Schaefer França, Marilda Lopes Pinheiro Queluz<br />

As experiências do design finlandês: reflexões para ações do design, 173<br />

Maria Carolina Medeiros, Mariano Lopes de Andrade Neto, Lívia Flávia de Albuquerque Campos, Paula da Cruz Landim<br />

Investigações metodológicas: aproximação entre design e tecnologia, 186<br />

Deborah Kemmer<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 3


<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong> e Moda: Inter-relações<br />

Cecília Meireles: defensora da Educação Moderna, das <strong>Arte</strong>s e do Cinema na Educação, 201<br />

Ana Mae Barbosa<br />

As interações entre moda e música na constituição de identidades: uma análise das influências da<br />

Black Music, 221<br />

Rita Aparecida da Conceição Ribeiro<br />

Ilustração digital na moda, 244<br />

Gabriela Coutinho Pinheiro, Adriana Leiria Barreto Matos<br />

Moda e música: afinidade declarada, 262<br />

Renata Santiag Freire, Adriana Leiria Barreto Matos<br />

Conexões conceituais entre moda, vestuário, design e arte, 277<br />

Maria Alice Vasconcelos Rocha<br />

Considerações éticas na pesquisa em design de moda, 290<br />

Luciane do Prado Carneiro, Danilo Corrêa Silva, Marizilda dos Santos Menezes, Luis Carlos Paschoarelli,<br />

José Carlos Plácido da Silva<br />

Calçados desejáveis para mulheres portadoras de deficiência física: um desafio desejável para os<br />

designers de calçados, 308<br />

Mariana Rachel Roncoletta<br />

Aspectos do diálogo entre design, arte e moda a partir de uma análise dos calçados do<br />

século XX, 325<br />

Natalie Rodrigues Alves Ferreira, Cristiane Mesquita<br />

Inovação em design na história do underwear masculino, 339<br />

Taísa Vieira-Sena<br />

O terno: questões e reflexões, 358<br />

Luisa de Almeida Magalhães Simão, Cristiane Mesquita<br />

Profissão: designer de moda, 367<br />

Lívia Marsari Pereira, Maria Carolina Medeiros, Paula Hatadani, Raquel Rabelo Andrade, José Carlos Plácido da Silva<br />

<strong>Design</strong>ers: entre céticos e dogmáticos, 378<br />

Diego Daniel Casas, Ricardo Goulart Tredezini Straioto, Richard Perassi Luiz de Sousa<br />

Avaliação da percepção de conforto pelas usuárias de calcinhas, 389<br />

Marina A. Giongo, Daiane P. Heinrich<br />

<strong>Design</strong> cênico: técnica, processo & criação na identidade urbana, 398<br />

Ary Scapin Júnior<br />

O que faço com os meus diários de campo? Inquietações de uma antropóloga no <strong>Design</strong> e<br />

na Moda, 408<br />

Márcia Merlo<br />

O design da marca Colcci: história e construção, 420<br />

Alvaro de Melo Filho, Márcia Merlo<br />

Flávio Império: cenógrafo, arquiteto e artista, 443<br />

Gisela Belluzzo de Campos, Tereza Grimaldi Avellar Campos<br />

<strong>Design</strong>er artesão ou artesão designer? uma questão contemporânea. As aproximações por meio das<br />

intervenções de design no artesanato, 456<br />

Savana Leão Fachone, Márcia Merlo<br />

Estudar com <strong>Design</strong> – uma reflexão sobre o espaço universitário, 463<br />

Fabíola Marialva Marques<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 4


APRESENTAçãO<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia (DAMT) busca contribuir<br />

com a discussão em design, por meio de artigos resultantes<br />

de estudos e de pesquisas de conceitos, de materiais, de<br />

procedimentos, de formas e de produtos culturais. Por ser uma<br />

área em franca e acelerada expansão no Brasil, a diversidade de<br />

temas, enfoques e análises reflete a efervescência da produção<br />

acadêmica em design que, em sua essência, já comporta um<br />

caráter múltiplo e interdisciplinar.<br />

A presente edição dá continuidade ao projeto editorial<br />

intitulado <strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong> e Tecnologia, iniciado em 2005, com o intuito<br />

de fortalecer o diálogo entre estes campos do conhecimento.<br />

Entretanto, com o envolvimento crescente de pesquisadores<br />

interessados nas interfaces entre o <strong>Design</strong> e a Moda, a coletânea<br />

amplia sua proposta original e inicia uma nova fase. Assim, ao<br />

integrar a Moda em seu título, procura não apenas reconhecer<br />

a valiosa colaboração já existente; mas também tratar a letra M<br />

como uma marca do momento de movimentar, mexer e modificar<br />

para mesclar, melhorar e motivar mudanças.<br />

DAMT mantém o perfil conceitual das coletâneas<br />

anteriores, reunindo trabalhos desenvolvidos por professores,<br />

alunos, pesquisadores e profissionais da área. O sucesso do<br />

projeto resulta da integração entre os Programas de Pós-<br />

Graduação em <strong>Design</strong> da <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, da PUC-Rio e<br />

da UNESP-Bauru; bem como do apoio da Edições Rosari. A<br />

publicação conta, desde a sua quarta edição, em 2008, com um<br />

Conselho Científico, para acompanhar a sua organização.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 5


CONSELhO CIENTíFICO<br />

Ana Mae Barbosa, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong><br />

Cristiane Mesquita, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong><br />

Daniela Kutschat Hanns, SENAC-SP, FAU-USP<br />

Denise Portinari, PUC-Rio<br />

Gisela Belluzzo, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong><br />

Giselle Beiguelman, PUC-SP<br />

Jofre Silva, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong><br />

José Carlos Plácido da Silva UNESP-Bauru<br />

Kathia Castilho, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong><br />

Luisa Paraguai, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong><br />

Luis Antonio Coelho, PUC-Rio<br />

Luis Carlos Paschoarelli, UNESP- Bauru<br />

Márcia Merlo, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong><br />

Marcus Bastos, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong><br />

Marizilda Menezes, UNESP-Bauru<br />

Miriam Cristina Carlos Silva, <strong>Universidade</strong> de Sorocaba<br />

Rachel Zuanon, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong><br />

Rejane Spitz, PUC-Rio<br />

Rita Couto, PUC-Rio<br />

Rosane Preciosa, UFJF-MG<br />

Silvia Laurentz , ECA-USP<br />

Suzete Venturelli, UNB<br />

Vicente Gosciola, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong><br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 6


CECíLIA MEIRELES: DEFENSORA DA EDuCAçãO MODERNA, DAS<br />

ARTES E DO CINEMA NA EDuCAçãO<br />

Ana Mae Barbosa; Professora Dra. do PPG em <strong>Design</strong>: <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong><br />

Resumo<br />

Este texto contextualiza alguns escritos de jornal de Cecília<br />

Meireles que não foram incluídos em suas obras completas .São<br />

textos que visavam a modernização da Educação e do ensino das<br />

artes e do Cinema no Brasil. Outro objetivo de Cecília Meireles era<br />

a internacionalização do dialogo educacional.<br />

Palavras-Chave: cinema; artes visuais; educação<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 201


Cecília Meireles: defensora da Educação Moderna, das <strong>Arte</strong>s e do Cinema na Educação<br />

Muito se tem escrito sobre a atuação de Cecília Meireles na área da educação. A reunião<br />

de seus escritos de jornal sobre o assunto no quinto volume da edição de suas obras completas<br />

contribuiu largamente para o entendimento da história da educação nos primeiros anos do<br />

Estado Novo que ela ousa criticar muitas vezes de maneira sutil, como obrigava a situação de<br />

censura e perseguição a educadores, jornalistas e intelectuais. Na crônica de 6 de setembro<br />

de 1941 no jornal A Manhã do Rio de Janeiro ela escreveu: “Estes dez anos diferentes que<br />

o Brasil tem vivido aconteceu coincidirem agora com uns anos bem diferentes para o resto<br />

do mundo. Sejam quais forem os resultados finais destes graves dias, o indiscutível é que o<br />

homem não está humanizado”. Palavras proféticas pois o nazismo estava em plena ascensão<br />

na Alemanha e a perseguição aos judeus e comunistas, também em toda a Europa Ocidental.<br />

Ela termina a crônica dizendo:<br />

Qual é esta educação que tornará o homem bom sem ser débil, forte sem ser<br />

monstruoso, livre de todos os excessos e fanatismo e equilibrado ao mesmo<br />

tempo no universo a que pertence, na sociedade em que vive e no indivíduo<br />

que é? i (MEIRELLES, 2001:38)<br />

Como a obra educadora de Cecília Meireles vem sendo muito estudada vou me restringir<br />

aqui ao aspecto internacionalista de sua atividade de publicista da educação, especialmente<br />

seu esforço para interrelacionar a cultura da América Latina e a sua grande paixão pelo cinema,<br />

tendo chegado a ser sub-Diretora Técnica da Instrução encarregada justamente do cinema.<br />

Farei isto através de duas entrevistas uma feita com ela e outra feita por ela com um educador<br />

uruguaio que viera ao Rio para a inauguração da Escola Uruguai, de volta de uma viagem de<br />

estudos à Europa e aos Estados Unidos para visitar especialmente o Teachers College da<br />

Columbia University, meca também dos escola novistas do Brasil.<br />

No Diário de Notícias de 10/7/1930 em sua página de educação Cecília Meireles anuncia<br />

conferência do reitor da <strong>Universidade</strong> de Montevidéu:<br />

As linhas gerais do ensino secundário no uruguai<br />

O Dr. José Pedro Segundo, professor uruguaio e reitor da <strong>Universidade</strong> de<br />

Montevidéu, que se acha no Rio, como já noticiou o DIÁRIO DE NOTÍCIAS, em missão de<br />

intercâmbio intelectual com o seu colega Dr. Dardo Regules, fez ontem na Associação<br />

Brasileira de Educação, uma interessante conferência que foi presidida pelo Dr. Cícero<br />

Peregrino, reitor da <strong>Universidade</strong> do Rio de Janeiro, e teve a presença de muitos<br />

professores dos nossos estabelecimentos de ensino.<br />

Dissertando sobre as linhas gerais do ensino secundário no Uruguai, o<br />

reitor da <strong>Universidade</strong> de Montevidéu apresentou ao auditório um quadro exato do<br />

desenvolvimento lançado pelo seu país nesse ramo de instituição.”<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 202


Cecília Meireles: defensora da Educação Moderna, das <strong>Arte</strong>s e do Cinema na Educação<br />

A imagem, que ilustra esta nota, é um aspecto da mesa tomado quando o professor<br />

José Pedro Segundo fazia a sua conferência que não consegui recuperar tão bem como a<br />

caricatura que ilustra a entrevista que se segue, com Crescencio Cóccaro:<br />

Figura 1 - Desenho de Correia Dias para o Diário de Notícias em 10/07/1930<br />

Conversando com o inspetor Crescencio Cóccaro<br />

Os problemas da educação em várias partes do mundo<br />

CECILIA MEIRELES<br />

(Especial para o Diário de Notícias)<br />

Preliminarmente, devo declarar que todos os discursos que se pronunciaram por<br />

ocasião da inauguração da Escola Uruguai, foram excelentes. Dito isso, permitam-me<br />

acrescentar, agora que, de todos, o que mais me interessou foi o do inspetor Crescencio<br />

Cóccaro.<br />

Por que?<br />

Vejam por que: todas as pessoas, que falaram, tiveram, mutuamente, palavras<br />

de admiração por alguns grandes vultos do Uruguai e do Brasil; todos fizeram votos<br />

por uma perene amizade entre esses dois povos; e, se uns diziam que o Uruguai não se<br />

detinha na sua fronteira e se prolongava pelo território brasileiro, outros, por sua vez,<br />

afirmavam, com a mais sincera e comovedora convicção, que o Brasil se continuava<br />

pelo Uruguai abaixo, atraído pela simpatia da república oriental. E assim se esforçaram<br />

todos por demonstrar este afeto real, este parentesco amistoso que aproxima as terras<br />

de Artigas e de Rio Branco.<br />

O Sr. Crescencio Cóccaro, porém, lembrou-se de dizer uma coisa ainda mais<br />

interessante que essas. Parece impossível, não é? Pois escutem; o Sr. Crescencio<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 203


Cecília Meireles: defensora da Educação Moderna, das <strong>Arte</strong>s e do Cinema na Educação<br />

Cóccaro disse que, no seu país, se cuidava da revisão dos textos escolares, a fim de<br />

que não ficasse, em nenhum deles, uma linha que pudesse lembrar, de qualquer modo,<br />

qualquer luta que haja existido entre o Uruguai e outros povos...<br />

Isto significa o seguinte: que, além de amizades presentes e futuras, evidentes<br />

e insofismáveis, o Sr. Crescencio Cóccaro ofereceu a oportunidade de nos revelar<br />

um Uruguai que reabilita algum tempo passado que, por desgraça não tinha sido de<br />

completa cordialidade; mostra-nos um povo que, não só quer ser irmão, nas horas de<br />

paz, como deseja remediar as desavenças antigas.<br />

Essa pequena informação, no meio de um discurso, fez-me ver claramente as<br />

qualidades de educador que possui o inspetor Cóccaro. E desde ai não mais o perdi de<br />

vista.<br />

uMA APRESENTAçãO<br />

Eu já estava resolvida a pedir-lhe uma entrevista. Mas, para proceder por um<br />

método gradativo, comecei por pedir-lhe o discurso. O Sr. Crescencio Cóccaro,<br />

entretanto, não m’o quis dar. E sabem por quê? Simplesmente porque o inspetor nunca<br />

publicou escrito algum. E, com aquele seu ar de generosidade sem limites, simples,<br />

cordial, feliz, disse-me, sorrindo:<br />

_ “Nós somos professorezinhos... apenas... nada mais...”<br />

_ Por isso mesmo é tanto...<br />

Ainda que, depois disto, eu não tivesse trocado mais nenhuma palavra com Sr.<br />

Cóccaro, a minha opinião a seu respeito já estaria devidamente consolidada. Toda a sua<br />

personalidade de educação estava naquela frase do discurso e nesta da apresentação.<br />

Feliz aquele que pode dizer: “Sou apenas um professor, e não desejo ser nada mais!”<br />

Depois, voltando à cidade com a delegação uruguaia, tive ocasião de saber que,<br />

além da sua visão pessoal em educação é preciso atender com especial cuidado à sua<br />

formação, para manter de pé os ideais acordados.<br />

Foi por ai, justamente, que começou a nossa palestra.<br />

NOTAS SOBRE O MAGISTÉRIO NO uRuGuAI<br />

O Curso Normal no Uruguai é de 6 anos, sendo 4 de ensino secundário e os dois<br />

últimos de metodologia, prática escolar etc. Terminado o curso, o normalista ainda faz<br />

um concurso, a fim de poder ser nomeado.<br />

_ “Mas, em matéria de questões de educação, tinha o ilustre inspetor uruguaio<br />

um vasto conhecimento dos problemas pedagógicos contemporâneos, acabando de<br />

realizar uma viagem pela Europa e América, em missão do seu país, justamente para<br />

observar o que, nesses assuntos, se vai realizando pelo mundo.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 204


Cecília Meireles: defensora da Educação Moderna, das <strong>Arte</strong>s e do Cinema na Educação<br />

Com grande alegria, portanto, marcamos a palestra do dia seguinte, tanto mais<br />

que o Sr. Cóccaro me punha inteiramente à vontade dizendo:<br />

_ “As coisas que interessam não se pedem nem se concedem por favor. É um<br />

direito. E nem ao menos terá de me agradecer.<br />

“(Vamos concordar que seja realmente um direito, Sr. Inspetor. Deixe-me, porém,<br />

também ter esse de lhe oferecer todos os meus agradecimentos!)<br />

A ENTREVISTA<br />

O Sr. Crecencio Cóccaro é uma dessas criaturas em que já exteriormente se vê a<br />

natureza dadivosa e exuberante que possuem. Alto, forte, simples, com uma expressão<br />

de quem está acostumado a pousar as mãos carinhosamente na cabeça das crianças.<br />

Sem dúvida nenhuma, quando se trata da nova orientação educacional, o<br />

problema principal que nos aparece é o da formação do professor, porque, se do<br />

professor depende esta nova era, concursos e exames, disse-nos o inspetor Cóccaro,<br />

o nosso ponto de vista é sempre este: reprovar o menos possível.<br />

“(Ficamos pensando nos conceitos de Eisntein sobre a maneira comum de<br />

examinar, em que os professores, em geral, se esforçam por fazer o aluno mostrar o<br />

que não sabe, quando justamente se deviam esforçar por fazerem-no revelar o que<br />

conhece...)<br />

_ “Além disso, continuava ele, os concursos não provam nada... Moças com<br />

um curso belíssimo, e cuja capacidade ninguém ignora, podem fracassar, por várias<br />

circunstâncias, disputando um lugar que outras facilmente conquistam, com menos<br />

aptidões embora, com mais serenidade...<br />

“(Nesse ponto ocorreu-nos a força irresistível de pistolão. Mas, não tivemos<br />

coragem para perguntar nada sobre isso, porque estamos em dúvida se é privilégio<br />

nacional...)<br />

Quanto à prática escolar, faz-se em diversas escolas uruguaias, e não numa,<br />

apenas, como aqui.<br />

Há em particular cuidado na promoção dos professores. Os preferidos são os<br />

que mais se dedicam à escola.<br />

“Aqueles, dizia-nos o inspetor Cóccaro, que, nas quintas-feiras ficam preparando<br />

planos, jogos, brinquedos para os seus alunos”.<br />

Atualmente, pretende-se a unificação das classes. Parece que a opinião do nosso<br />

interlocutor não é favorável a esse respeito.<br />

IMPRESSÕES DOS ESTADOS uNIDOS<br />

De tudo quanto viu nas suas viagens, parece que são as impressões dos Estados<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 205


Cecília Meireles: defensora da Educação Moderna, das <strong>Arte</strong>s e do Cinema na Educação<br />

Unidos as que mais acentuadamente se fixaram no interesse do professor Crescencio<br />

Cóccaro.<br />

Notas sobre a organização escolar. Sobre as edificações e o aparecimento das<br />

escolas. Sobre o sentido social da educação americana.<br />

Depois de uma referência a High School da Philadelfia a conversa se encaminha<br />

para o “Teacher’s College” da Unuiversidade de Columbia.<br />

O “Teacher’s College” dá acesso central a duas instituições. Uma, a “Lincoln<br />

School, em que se experimentam todos os métodos, sem distinção de proveniência.<br />

As classes são reduzidíssimas. Verdadeiros laboratórios pedagógicos. Em cada sala<br />

um piano ... Compõem-se poesias.... E o inspetor Cóccaro, descreve-nos a aula,<br />

a professora sentada com os alunos; uma outras professora tocando ao piano uma<br />

música. A primeira canta com as crianças a letra correspondente à música tocada.<br />

Depois vai substituindo as palavras, isto é, compondo outra cantiga, que se sustenta<br />

sobre arcabouço da primeira musica.<br />

As classes têm vinte e dois alunos.<br />

E, nesse ponto, o inspetor uruguaio nos manifesta a sua opinião: acha que as<br />

classes devem ser mais numerosas. Se é preciso pôr a criança em contato com a vida,<br />

fornecer-lhe inúmeras experiências, convém acostumá-la ao ambiente mais aproximado<br />

daquele em que terá de viver, isto é, o mundo, com toda a sua população...<br />

Em seguida, fala-nos das classes de aperfeiçoamento magisterial. Umas de 2<br />

anos, outras de 3, tentando estas últimas a prevalecer. Vão a essas classes, nos Estados<br />

Unidos, os professores que não saem da “High School”.<br />

Refere-se, com entusiasmo, às chamadas Escolas de Continuação (Continuation<br />

Schools) ii , destinadas às pessoas que, pertencendo a uma profissão qualquer, mas<br />

desejando ingressar noutra, fazem os estudos necessários, auxiliadas pelos patrões,<br />

que assim sentem favorecer um futuro bom operário, vendo nisso um proveito nacional.<br />

Tem duas palavras para apreciar as aulas de costura com umas cento e cinquenta<br />

máquinas elétricas, as aulas de datilografia, com certeza de duzentas máquinas de<br />

escrever, e os Institutos de Beleza, sempre repletos de estudantes, que, assim que se<br />

diplomam, logo encontram colocação. As Escolas de Moda são, a seu ver, um triunfo<br />

americano sobre o velho prestígio francês. Rapidamente nos descreve uma das suas<br />

classes, em que as aprendizes projetam modelos de vestidos segundo um certo tipo.<br />

Ou dadas certas condições.<br />

E fala-nos, retrocedendo à fase inicial da escola, aos Jardins de Infância<br />

americanos.<br />

_”Em todas as Escolas dos Estados Unidos _ diz,_ há uma classe para crianças<br />

de cinco anos.<br />

As crianças de cinco anos têm uma grande importância, para o inspetor Cóccaro.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 206


Cecília Meireles: defensora da Educação Moderna, das <strong>Arte</strong>s e do Cinema na Educação<br />

Parece-lhe que possuem capacidades particulares, nessa idade.<br />

E, antes que ele nos dissesse, já tínhamos visto que, se alguma coisa o pudesse<br />

interessar mais particularmente, dentro dos assuntos educacionais, seria o problema<br />

do Jardim da Infância.<br />

JARDINS DA INFÂNCIA<br />

Deixaram-lhe muito boa impressão os Jardins da Infância, de Hamburgo. Mas<br />

não teve tempo de nos pormenorizar as razões, porque logo lhe acudiu o problema<br />

uruguaio: ainda não há, na sua terra, Jardins desses em todas as escolas. E isso<br />

certamente interessa, porque insiste, com amor, nas aptidões das crianças de cinco<br />

anos, e conta-nos o seguinte:<br />

Fez-se uma representação da história de Chapeuzinho Vermelho, com as crianças<br />

dessa idade. Não se ensinou como representar. Contou-se a história, e deixou-se a<br />

interpretação correr por conta dos pequeninos atores. Imagine-se o que aconteceu:<br />

a criança que fazia o lobo, depois do sacrifício da avozinha, escondeu atrás de uma<br />

árvore a criança que representava esse último personagem, a fim de figurar, por meio<br />

dessa ausência, que a tinha devorado.<br />

Parece-lhe admirável, esse rasgo de inteligência. E concordamos, convictamente.<br />

Até reagindo contra a lição-modelo, existe a Escola de Tirocínio.<br />

_ “E como se adapta o professor que só assistiu ao Jardim da Infância, tendo de<br />

enfrentar o curso primário?”<br />

_ “Isso mesmo nos perguntávamos nós, explicou o inspetor Cóccaro. Mas é<br />

que daí, passam para o primeiro ano, seguem com o segundo, e, depois disso, então<br />

habilitados para trabalhar com qualquer classe.<br />

No Uruguai há certa dificuldade em tirar do Jardim da Infância o professor que a<br />

ele se acostumou.”<br />

E como ainda se falasse na Itália, o nosso interlocutor disse:<br />

_ Há mais uma coisa interessante na Itália. Em Roma e Florença, o Instituto Superior<br />

do Magistério prepara especialmente diretores de escola, inspetores e professores para<br />

a Escola Normal”.<br />

(Ai está uma boa sugestão, pensamos nós. Mas logo em seguida refletimos que<br />

não se pode, por enquanto, pensar em coisas tão transcendentes. E..... o inspetor<br />

Cóccaro também parece um pouco séptico com os resultados...)<br />

O DÓLAR<br />

Não sabemos como se insinuou o dólar na nossa conversa. Mas o certo é que o Sr.<br />

Cóccaro me falou em 106 dólares, vencimento do professor americano, e no projetado<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 207


Cecília Meireles: defensora da Educação Moderna, das <strong>Arte</strong>s e do Cinema na Educação<br />

aumento de vencimentos do professor uruguaio.<br />

Fiquei um pouco pensativa. Mas não tanto que prejudicasse a atenção com o que<br />

seguia a conversa. E, precisamente nesse instante, o inspetor Cóccaro nos contava o<br />

seguinte:<br />

_ “Em Boston, os homens ganham mais que as mulheres. É muito justo, porque,<br />

em regra, são os responsáveis pela família”.<br />

Por questão de solidariedade feminina, não concordamos integralmente.<br />

_ “Pois sabe o que fizeram as mulheres em Boston? Declararam que só dariam<br />

seu voto para deputado ao cidadão que se comprometesse a igualar os vencimentos...”<br />

Como se vê, nem exemplo podemos aproveitar...<br />

EDuCAçãO ESTÉTICA<br />

Já vimos como na “Lincoln School” se estuda canto e música ao mesmo tempo<br />

que se compõem pequenos trechos de verso.<br />

Na “Junior High School”, diz-nos o Sr. Crescencio Cóccaro, há cursos de<br />

interpretação musical em que se traduzem os sons em coros. Quer dizer, já não é,<br />

apenas, o ritmo, traduzido em linhas, aplicado a motivos de decoração – mas a impressão<br />

sonora transformada em impressão visual.<br />

Falando em grande respeito da cultura musical dos alemães, e dos cursos de<br />

descrição oral das passagens de certas músicas, antes da sua execução, tem ainda<br />

referência para a Escola Profissional que funciona, na Áustria, onde foi a célebre Escola<br />

de Cavalaria, escola em que as crianças aprendem a esculpir utilizando um sabão<br />

especial para esse fim, e onde a gravura em madeira é tratada com particular carinho,<br />

bem como a arte tipográfica, e a da publicidade, na parte referente a cartazes.<br />

MuSEuS<br />

As suas últimas palavras são para os museus.<br />

Fala-nos dos museus de animais vivos de Berlim. E ambos nos concentramos,<br />

um pouco emocionados sobre um pensamento comum:<br />

_ “Os museus de animais conservados são detestáveis. Ensinam a morte. Ensinam<br />

a matar.”<br />

E eu, recordando Tagore, pude concluir apenas:<br />

_ “Um pássaro empalhado não tem nada a ver com o pássaro que a natureza<br />

nos oferece. A sua personalidade não está na disposição das penas. O feitio do bico,<br />

no tamanho das patas. O pássaro é o seu movimento, o seu vôo, o seu canto, as suas<br />

expressões...”<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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TERMINANDO<br />

Ao terminar a palestra, quis o Sr. Cóccaro, por extrema gentileza, fornecer-nos<br />

alguns dados sobre a situação do ensino no seu país. E disse-nos:<br />

_ “Pela lei de 26 de outubro de 1926, foram votados cem milhões de pesos para<br />

edificações escolares: 50 mil pesos para mobiliário etc.; 45 mil para livros de leitura<br />

(porque o governo uruguaio adquire as edições para as escolas); 130 mil para material<br />

escolar; 25 mil para o material científico; 10 mil para bibliotecas; 5 mil para a aquisição<br />

de lanternas de projeção; 26 mil destinados, unicamente, ao serviço de varrer a escola...<br />

Não se pagam materiais para exame. Há 27 mil pesos destinados aos examinadores; 26<br />

mil para excursões; 200 mil para copos de leite, cantinas etc. Mas, nessa obra, gastamse<br />

600 mil pesos. A diferença é fornecida pelas comissões de pais. Para roupa e calçado,<br />

há uma verba de 30 mil pesos..<br />

Mas há um projeto para elevar esses algarismos. Não nos lembramos bem se os<br />

pretendem duplicar ou triplicar, mas é qualquer coisa assim grandiosa.<br />

IMPRESSãO FINAL<br />

O Professor Crescencio Cóccaro mostrou-se, em toda a palestra como o<br />

advinharamos pelo discurso.<br />

Disse-nos coisas assim:<br />

_ “Nos Estados Unidos ensinam a criança a significação da vida. Ela sabe lidar<br />

com dinheiro, desde pequena... Compra o seu “copo de leite”. Nós achamos que a<br />

criança, pelo próprio fato de ser criança, deve viver isenta dessa preocupação. Tem<br />

direito à sua infância...”<br />

Não é uma opinião digna de respeito?<br />

Mais adiante:<br />

_ “Mas, os Estados Unidos têm esta coisa excelente: são ecléticos, em métodos.<br />

Estudam tudo. E procuram dar a todas as crianças as mesmas possibilidades.”<br />

Sobre métodos, ainda, observou:<br />

_ “Na minha opinião não há método melhor que o professor perfeito. Quando se<br />

sai da aula, sentindo o contato com a alma da criança, pode-se ter certeza de que ela<br />

também ficou sentindo o contato da nossa alma...<br />

23/07/1930<br />

Cecília Meireles deu sempre grande ênfase a necessidade de estabelecermos relações<br />

com nossos colegas da América Latina. Convidou para escrever e prestigiou Gerardo<br />

Seguel,chileno, arte/educador e poeta na sua página de educação do Diário de Notícias e não<br />

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poupava espaço no jornal para elogiar os colegas desta parte do mundo em que vivemos.<br />

Vejamos o que escreveu sobre Gabriella Mistral, também como Seguel, chilena, poeta,<br />

educadora que veio posteriormente a receber o Premio Nobel.<br />

Gabriella Mistral e o Cinema Educativo<br />

Gabriella é um nome que pertence a toda a América.<br />

A poetisa de tão humano sentir que tem repartido o seu coração em cada verso e<br />

pensadora que tem sido nos lábios tanta palavra de fé nos destinos humanos formaram,<br />

juntas, a educadora que, de olhos fitos no futuro do mundo, calcula com exatidão<br />

toda a responsabilidade que nós, os adultos, temos na formação da infância, dessa<br />

infância cujos direitos ela tão bem interpretou por ocasião de uma das Convenções de<br />

Professores americanos.<br />

Dessa notável mulher, que na Liga das Nações representa com elevação o seu<br />

país, oferecemos hoje aos nossos leitores esta opinião sobre o ensino da geografia por<br />

meio do cinema:<br />

“o mapa só fala ao geógrafo. A criança – e os adultos que ainda têm a mesma<br />

sensibilidade da infância – sente pela carta geográfica uma antipatia que eu conheci em<br />

dez anos desse ramos do ensino. Não se poderia ter inventado coisa mais inerte e mais<br />

estranha para dar a conhecer o concreto e o vital. A maravilha da ilha se transforma<br />

em grão de mostarda; o fjord, um arranhão azul; a linha das montanhas, uma cobrinha<br />

escura sem nenhuma sugestão. O mapa fica mais longe da criatura de dez anos que um<br />

problema teológico.<br />

Este mapa pedante e paralítico vai se transformar, tomar corpo e viver ao lado do<br />

cinema, ofertador de paisagens viventes. Vai dar voz ao desenho dos rios; vai colorir as<br />

massas oceânicas; vai reviver, galvanizada, a serpente morta e enroscada das grandes<br />

cidades”.<br />

Diário de Noticias – 19/10/30<br />

O entusiasmo de Cecília Meireles pela América Latina e pelas relações com a Iberoamérica<br />

foram muito estimuladas por seu contato com Alfonso Reyes quando foi embaixador do<br />

México no Brasil (1930 a 1938). Ele já era um intelectual importante quando veio para o Brasil<br />

. Desenvolveu uma relação muito fecunda para a aproximação intelectual dos dois países.<br />

É interessante notar que editava um correio literário, Monterrey, através do qual difundiu a<br />

cultura mexicana no Brasil dando chance a alguns poucos escritores brasileiros se fazerem<br />

conhecer no México. A tarefa de intercambio cultural era desequilibrada . Na realidade a função<br />

diplomática de fazer o México conhecido no Brasil prevaleceu. Mas, ele exerceu influencia<br />

estimuladora entre políticos , como o jovem Carlos Lacerda e muito maior entre intelectuais<br />

brasileiros que se tornaram seus amigos como Manuel Bandeira ,Ribeiro Couto, Ronald de<br />

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Carvalho e Cecília Meireles que se correspondeu com ele de 1931 até mais ou menos 1940<br />

.Segundo Regina Aída Crespo , Reyes forneceu a Cecília Meireles “livros e revistas mexicanos<br />

sobre educação e cultura popular” (CRESPO, 2003:207) , assuntos com os quais ela estava<br />

muito engajada .<br />

Como Gabriella Mistral, Cecília Meireles dentre as <strong>Arte</strong>s além da Literatura valorizava<br />

especialmente o cinema, mas nos deixou várias crônicas sobre <strong>Arte</strong> na educação de um ponto<br />

de vista geral e nas <strong>Arte</strong>s Plásticas e no Teatro em especial. Somente no Jornal A Manhã<br />

escreveu 9 artigos sobre o assunto entre agosto 1941 e janeiro de 1942 e acredito que<br />

escreveu muito mais entre 1929 e 1931 no Diário de Notícias.<br />

A interrelação dos arte/educadores dos países Latino Americanos ainda está para ser<br />

construída apesar do Mercosul e principalmente da Bienal do Mercosul que tem uma influencia<br />

muito positiva restrita principalmente ao Rio Grande do Sul<br />

Houve uma extraordinária tentativa como o FLAAC (Festival Latino Americano de <strong>Arte</strong><br />

e Cultura) idealizado por Laís Aderne com a colaboração dos professores da UNB em Brasília<br />

na década de 80. Mais de mil Latino Americanos de todas as Áreas de <strong>Arte</strong>, de fora do Brasil<br />

se reuniram em Brasília para celebrar nossa união. Laís Aderne , poucos anos depois ,quando<br />

era Secretaria de Cultura de Brasília ,organizou outro Festival Latino Americano que não teve a<br />

importância do primeiro, pois imperaram as intrigas políticas e os boicotes contra ela. Nos anos<br />

setenta um Congresso no Rio de Janeiro organizado pela mulher de um político da ditadura<br />

e dono de jornais ,também grandioso, em nada resultou pois era mais uma demonstração<br />

de poder da organizadora que desempoderou os arte/educadores pois convidou para as<br />

palestras principais apenas pessoas famosas e seus amigos. Restou apenas os anais graças<br />

ao trabalho dedicado de Cecília Jucá, que foi além de sua tarefa de designer.<br />

A criação do CLEA, Comitê Latinoamericano de Educação pela <strong>Arte</strong> foi criado em 1984<br />

no Rio de Janeiro. Trata-se do comitê da INSEA que representa a América Latina. Muitos<br />

membros criadores deste Comitê continuam até hoje lutando por intercomunicação e ações<br />

conjuntas, mas não temos dinheiro para estas operações. Apesar disto conseguimos realizar<br />

muitos Encontros e Congressos.<br />

Um livro sobre a História do Ensino da <strong>Arte</strong> na América Latina foi organizado por Manuel<br />

Pantigoso membro fundador e representante do Peru que também tem Myriam Nemes como<br />

sócia fundadora .<br />

Os membros fundadores Victor Kon, na Argentina, Salomon Azar no Uruguai e Dora<br />

Aguila no Chile permanecem como os baluartes do CLEA. Perdemos em 2008 um dos<br />

membros fundadores, a artista e educadora Olga Blinder do Paraguai. Luís Errazuriz do<br />

Chile e eu também somos membros fundadores, contudo nos dedicamos mais a INSEA, da<br />

qual fui presidente do que propriamente ao CLEA. Só nos últimos 14 anos, depois de minha<br />

aposentadoria da USP é que tenho dado maior atenção ao CLEA. Olga Olaya que se juntou<br />

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ao grupo nos anos 90 foi uma força motriz da instituição e trouxe com ela seu orientador de<br />

doutorado Ramon Cabrera de Cuba. Pela primeira vez, nos seus 25 anos de existência, a<br />

Secretaria do CLEA (equivale a presidência) esteve no Brasil, nas mãos competentes de Lucia<br />

Pimentel de 2006 a 2010. Lúcia Pimentel organizou um Congresso em 2009 na <strong>Universidade</strong><br />

Federal de Minas Gerais que juntou o CLEA e a Federação de <strong>Arte</strong> Educadores do Brasil.<br />

A partir de 2008 encontramos na OEI, Organização dos Estados Iberoamericanos uma<br />

aliada para intercâmbios e ações comuns que tem organizado e patrocinado encontros e<br />

publicou em 2009 um livro, “Educação artística cultura e cidadania”, organizado por Lucina<br />

Jimenez, Imanol Aguirre e Lucia Pimentel.<br />

Ainda há muito que fazer pelo entendimento Latino Americano em <strong>Arte</strong>/Educação.<br />

Vamos ao outro tópico que apaixonou Cecília Meireles e nos interessa especificamente,<br />

o Cinema, que muitos arte/educadores esquecem que é <strong>Arte</strong>.<br />

A Cultura Visual vem conferindo importância ao Cinema na Educação, mas para não<br />

mediocrizar a escolha e a recepção dos filmes é preciso pensarmos que Cinema é Cultura<br />

Visual mas antes disto é Cinema, como se depreende dos escritos de Alice Martins, uma das<br />

pesquisadoras de cinema na educação mais atuantes do Brasil.<br />

Segue-se uma entrevista concedida por Cecília Meirelles sobre a Cinematografia<br />

Educativa.<br />

A CINEMATOGRAFIA EDuCATIVA<br />

A Sr.ª Cecilia Meirelles, entrevistada pelo O JORNAL, fala sobre a próxima<br />

exposição e relata os resultados obtidos com a sua modesta “empresa” da Escola de<br />

Aplicação.<br />

A sub-Diretora técnica da Instrução, tomando a iniciativa de promover uma<br />

exposição de cinema educativo, que será inaugurada na próxima semana, ocupando<br />

várias salas da Escola “José de Alencar”, no largo do Machado, pôs em foco um dos<br />

problemas mais interessantes dos novos métodos de ensino e educação, cujo emprego,<br />

entretanto, por motivos mais de ordem econômica, não tem sido ainda, mesmo na<br />

Europa e nos Estados Unidos, desenvolvido na amplitude permitida pelo atual progresso<br />

da cinematografia.<br />

A exposição, promovida pelo Sr. Jonathas Serrano, além de reunir elementos de<br />

todas as procedências de serem observados pelo professorado, vai também proporcionar<br />

ao público uma oportunidade para compreender a importância desse poderoso<br />

instrumento educativo que já está sendo introduzido, com vantajosos resultados nas<br />

escolas primárias cariocas, apesar da escassez de recursos da municipalidade.<br />

O JORNAL, completando as informações que já tem publicado a respeito desse<br />

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certâmen, entrevistou ontem a senhora Cecília Meirelles, professora da Escola de<br />

Aplicação e membro da comissão encarregada da propaganda da exposição.<br />

_ “A reforma Fernando de Azevedo – disse, de início, a professora – empresta<br />

ao Distrito Federal o prestígio de poder colocar-se ao lado dos países evoluídos que,<br />

vendo na criança o valor da civilização futura, fazem a sua renovação social, cultural,<br />

filosófica, por intermédio e antecipação do processo educativo.<br />

Esta reforma não é, internacionalmente, uma reforma de métodos. É uma<br />

reforma daquilo que, no ensino, é a própria essência. Como, porém, os métodos são<br />

os caminhos que conduzem a essa alta finalidade, é natural que esses caminhos sejam<br />

também diferentes dos das rotinas antigas, como o obriga o ambiente de constantes<br />

atualidade que a reforma espontaneamente requer”.<br />

uM NOVO LEMA<br />

_ “Um dos elementos de mais imediata importância nas escolas de hoje –<br />

continuou a Sr.ª Cecilia Meirelles – é o cinema educativo. Ao lado do “learning by doing”<br />

das escolas americanas, poder-se-ia inscrever também o “learning by seeing”. Porque,<br />

na verdade, nós, e as crianças, também aprendemos vendo. Há uma generalizada<br />

cultura popular que em grande parte se deve a essa difusão de conhecimento que o<br />

cinema-diversão insensível, mas progressivamente faz.<br />

O cinema nos mostra paisagens de todas as zonas, animais de todas as faunas,<br />

costumes de todos os tempos e regiões. O espírito das épocas e das raças se faz<br />

evidente através dos filmes históricos. E os tempos atuais, com os mais recentes<br />

inventos, com as mais arrojadas aventuras, podem ser vividos e compreendidos em<br />

toda a sua intensidade dentro de poucos minutos sobre uma tela próxima”.<br />

Além de instrutivo, o cinema pode ser considerado até curativo, quando projeta<br />

um Buster Keaton, e filosófico, quando apresenta Chaplin.<br />

Mas o que interessa ao professor, em primeiro lugar, é que a criança, como o<br />

adulto, ou mais que ele, aprecia via mente o cinema. Isso e não mais, seria suficiente<br />

para afirmar que o cinema é uma necessidade das escolas.<br />

Todos que já tiveram oportunidade de fazer uma projeção luminosa numa escola,<br />

qualquer que fosse o assunto, hão de ter observado o seguinte: que o simples fato de<br />

pôr ao alcance da criança (??) cidade: que o cinema ou a simples projeção fixa tem<br />

para a criança uma realidade tão grande que as menorzinhas tentam pegar com as<br />

mãos as figuras projetadas: que, após uma projeção, a lembrança das imagens vistas<br />

é mais nítida e mais duradoura que a das mesmas imagens oferecidas por meio de<br />

uma lição falada, e mesmo pela simples apresentação de figuras. Chego a crer que as<br />

coisas vistas por esse meio sejam mais bem observadas que na natureza quer porque<br />

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a atenção esteja limitada ao campo da tela, quer porque as condições de obscuridade,<br />

a (?) coletiva e outros fatores (???). ?? para que as aquisições se façam com mais<br />

facilidade e proveito.<br />

E um dos fatores básicos é talvez que a criança vai para a sala de projeções com<br />

alegria. E a alegria é uma condição favorável para aprender bem, porque é um estado<br />

orgânico de superatividade em que, com todas as energias elevadas ao mais alto grau<br />

o indivíduo fica com a sua capacidade elevada também ao máximo”.<br />

NECESSIDADE NATuRAL<br />

Justificando as vantagens do novo instrumento de ensino, prosseguiu a professora:<br />

_ “A introdução do cinema nas escolas não obedece, pois, a um capricho da<br />

moda ou a qualquer intenção apenas decorativa. Obedece a uma necessidade natural<br />

a que as circunstâncias do progresso humano podem atender.<br />

Se a nossa vida se resumisse no lugar que habitamos e nas coisas que estão<br />

mais perto de nós, seria tão fácil... ... _ conduzir a criança até essas coisas. Mas a vida<br />

se desenvolve em campos mais vastos. Nós temos de conhecer todo o mundo, e todos<br />

os homens, para compreendermos certas coisas universais. E o cinema, o cinema<br />

bem orientado, bem organizado e bem dirigido (orientado nas seleções, organizado de<br />

acordo com as capacidades a que se destina, e dirigido conforme as oportunidades,<br />

pode ser como um grande livro ilustrado, que a criança interessadamente lê, metade nas<br />

legendas, metade nas figuras. Sem esquecer que o cinema falando completará ainda<br />

mais o ideal pedagógico transportando a criança, como num sonho, para ambientes,<br />

como se o fizesse realmente, dentro da vida.”<br />

O QuE há ENTRE NÓS<br />

Interrogada sobre o que, nesse sentido, há feito entre nós a Sr.ª Cecília<br />

Meirelles informou que algumas escolas do Distrito Federal já possuem aparelhos de<br />

cinematografia, ou, pelo menos, lanterna de projeção fixa. E acrescentou:<br />

_ “Se tudo ainda não está resolvido em matéria de filmes adequados, alguma<br />

coisa já se tem feito nesse particular. E não é possível exigir mais, em tão pouco tempo.<br />

Agora, para que fique o professorado a par do que existe em matéria de aparelhos<br />

cinematográficos, bem como do seu funcionamento, conservação etc., a Diretora de<br />

Instrução resolveu organizar, na Segunda quinzena deste mês, uma exposição relativa<br />

ao assunto. A escola “José de Alencar” no Largo do Machado, onde se começa a<br />

preparar o futuro Museu Central, foi o local escolhido para essa exposição. Nela os<br />

inspetores escolares apresentarão: os aparelhos existentes nas escolas primárias,<br />

fotografias de escolas, aspectos de aulas, reuniões de Circuito de Pais, sopa escolar,<br />

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copo de leite, gabinetes médico e dentário, enfim, todos os melhoramentos que, em<br />

benefício das crianças, foram e estão sendo introduzidos nas escolas. Além disso,<br />

deverão os inspetores apresentar gráficos estatísticos ou informações sugestivas de<br />

qualquer obra de iniciativa do distrito.”<br />

DETALhES DA EXPOSIçãO<br />

Continuando, detalhou a Sr.ª Cecilia Meirelles:<br />

- “Como a exposição se realiza no local em que se inicia a obra do Museu<br />

Pedagógico Central, haverá uma sala em que ficarão as realizações desse Museu. Em<br />

outras salas serão expostos exemplares dos decretos da reforma (lei e regulamento),<br />

programas dos vários cursos (primário, complementar anexo, profissional e normal),<br />

modelos de uniformes , plantas, maquetes e fotografias dos prédios escolares já<br />

concluídos ou em construção etc., etc.<br />

Já aderiram à exposição prometendo enviar aparelhos e demais artigos de que<br />

são importadores ou fabricantes, as seguintes firmas: Theodor Wille & Cia., Casa Lohner<br />

S.A, John Jurges & Cia., Fox Film, Meister Irmãos, Botelho Film, Pathé Baby, A .E. B.<br />

Kodak.<br />

Ofereceram também apoio, pondo à disposição da comissão organizadora<br />

valiosos donativos das respectivas especialidades os seguintes estabelecimentos:<br />

Villas Boas & Cia., Vasco Ortigão & Cia. (Parc Royal), Papelaria Americana, Casa Mattos,<br />

Cardinale & Cia., Marcenaria Brasil, Papelaria União e Casa Pratt.<br />

A Urania Film apresentará os tipos de aparelhos de projeção mais modernos, de<br />

medida Universal, contentando-se a fazer correr filmes instrutivos.<br />

A General Electric iluminará todo o recinto da exposição, sendo que uma parte<br />

pelo moderno sistema de luz sem sombras. Instalará também um aparelho de rádio do<br />

tipo mais moderno e, dando o seu completo apoio a essa iniciativa pedagógica fará<br />

distribuir sorvetes preparados nos seus aparelhos de refrigeração.<br />

Os floristas do Mercado Municipal se ofereceram para ornamentar diariamente a<br />

exposição.<br />

Como todos os dias chegam novas adesões de amigos do cinema Educativo, tudo<br />

faz prever que o certame terá uma repercussão excepcional. Durante todo o tempo que<br />

funcionar a exposição haverá demonstrações do manejo de qualquer dos aparelhos<br />

expostos.<br />

É de esperar que não só o professorado, que constitui, por assim dizer, a parte<br />

diretamente interessada pelo assunto, como todas as famílias que têm filhos nas<br />

escolas, e todas as pessoas que se interessam realmente pelo progresso do seu país,<br />

visitem essa próxima exposição.<br />

Agora, mais que nunca a escola deseja ser um lar, para as crianças. Os que<br />

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sentirem a grandeza desse desejo, devem procurar saber como a escola se esforça<br />

para o realizar”.<br />

VANTAGENS DAS PROJEçÕES<br />

Insistindo sobre a importância pedagógica do cinema, frisou a Sr.ª Cecilia<br />

Meirelles as vantagens das projeções:<br />

_ “Animadas: muita coisa, senão quase tudo, pode ser aprendido só pelo cinema.<br />

É uma opinião um pouco ilimitada, mas sincera: observação do crescimento das<br />

plantas, da vida de todos os animais (e os insetos: formigas, abelhas, e os peixes no<br />

seu ambiente submarino), com todos os detalhes mínimos como se consegue em filmes<br />

pacientemente elaborados.<br />

E os exemplos morais. E a vida higiênica etc. Sem esquecer filmes que se<br />

organizam mostrando a vida das crianças de hoje, as suas escolas, o seu trabalho, para<br />

efeitos de solidariedade etc. Mas isso é longo e não se consegue de uma hora para.<br />

Não conheço os filmes que sei que há, no estrangeiro, dedicados a essa especialidade”.<br />

Referindo-se depois às projeções fixas, explicou a professora:<br />

“Tem a vantagem de uma fácil organização. Podem servir de atração aos centros<br />

de interesse da classe e, em muitos casos, serem produzidos pelos próprios alunos.<br />

Podem ser de interesse geral, quer sobre assuntos históricos (comemoração das datas<br />

realmente importantes), quer sobre fatos atuais: febre amarela, a campanha contra<br />

a tuberculose e outras propagandas. Podem também revestir-se de um caráter mais<br />

divertido e serem, então pequenas histórias em quadros, inclusive desenhadas pelos<br />

primeiros alunos e acompanhadas de legendas escritas por eles, ou sem legendas,<br />

para que eles as imaginem, isto é, propriamente, já o problema da “interpretação” da<br />

projeção. Problema vasto: qualquer projeção pode servir de pretexto a qualquer lição,<br />

e, portanto, dar origem a que se reproduza a coisa projetada ou que com ela se tenha<br />

revelações: uma composição, uma representação etc.”<br />

O Jornal do Comércio<br />

20/08/1929<br />

O cinema escolar não se iniciou em 28, com a Reforma Fernando Azevedo, mas foi<br />

esta reforma que deu ao cinema na escola um desenvolvimento que até então não se tinha<br />

visto .Entre 1916 e 1918 houve o projeto Cinema Escolar criado pelos Inspetores Escolares do<br />

Distrito Federal(Rio de Janeiro) José Venerando da Graça Sobrinho e Fábio Lopes dos Santos<br />

Luz.(FERREIRA:2004) Eles produziam os scripts e contratavam alguém para filmar, pois não<br />

dominavam a tecnologia. Produziram vários filmes e eu tive a curiosidade de ver um deles no<br />

acervo da CENP da Secretaria de Estado da Educação em 1983, época em que trabalhei<br />

lá por seis meses mas fui obrigada a me demitir, depois de fazer o Festival de Inverno de<br />

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Campos de Jordão com Claudia Toni e Gláucia Amaral por não agüentar o cerceamento de<br />

ações justamente no início da segunda democratização do Brasil, depois da segunda ditadura<br />

que sofremos. Imaginem que em uma reunião me ofereci para convidar Paulo Freire para<br />

conversar conosco e não aceitaram. Perguntei por que, pois imaginava que todos tivessem<br />

estado como ele e como eu contra a ditadura. A resposta foi – Porque se a gente deixar você<br />

domina tudo aqui. Confesso que neste dia me convenci que a <strong>Universidade</strong> era mais aberta<br />

pois não me cerceava desde que eu trabalhasse sem dinheiro, o que fiz quase a vida toda.<br />

Havia também no acervo da CENP muitos filmes produzidos por Humberto Mauro, ícone<br />

da historia do cinema brasileiro, que também junto com Roquete Pinto ajudou a construir a<br />

história do cinema na educação.<br />

Cecília Meireles se empenhava nas relações internacionais com a América Latina e<br />

com a Europa também, como demonstra este artigo abaixo que escreveu sobre a Maison des<br />

Petits, escola de aplicação do Instituto Jean Jacques Rousseau em Genévè dirigido na época<br />

por Claparede<br />

A Dra Helena Antipof assistente de Claparede no Instituto Jean Jacques Rousseau<br />

(IJJR) já se encontrava trabalhando no Brasil, quando Cecília Meireles publicou no Diário de<br />

Notícias este artigo sobre a Maison des Petits, laboratório teórico/prático do IJJR. De certa<br />

forma já estava preparando a visita de Claparede ao Brasil que como sabemos chegou ao Rio<br />

de Janeiro dois meses depois , em setembro de 1930 Nesta época no IJJR trabalhava Piaget,<br />

que posteriormente mudou o nome do Instituto, ou pior fechou-o para no seu lugar criar uma<br />

Faculdade de Ciências Pedagógicas onde realizou toda sua obra.<br />

A FORMAçãO DA JOVEM EDuCADORA<br />

Como se trabalha na Suíça, na Maison des Petits<br />

A Maison des Petits, essa casa em que se aprende a respeitar a criança e a conduzila,<br />

pelo amor esclarecido à descoberta e ao desenvolvimento de suas possibilidades,<br />

representa na Suíça, um laboratório, da infância, onde futuras professoras ensaiam as<br />

suas aptidões observando e experimentando alunos e métodos:<br />

Com o fim de divulgar a finalidade e as realizações da Maisson des Petits,<br />

suas diretoras, as senhoras Audemars e Lafendeliii publicaram um pequeno livro<br />

interessantíssimo para os pais, os professores, e todos os que se interessam por<br />

compreender a alma infantil e os processos atuais de educação.<br />

É dessa obra que extraímos a seguinte passagem, que encerra algumas<br />

observações e conselhos dignos de atenção pela autoridade de quem os escreveu.<br />

O Instituto JJ Rousseau, criado em Genebra em 1912, escola de ciência<br />

em educação e ao mesmo tempo laboratório de investigação, sentiu inicialmente a<br />

necessidade de constituir um meio educativo, onde se pudesse fazer a verificação<br />

prática dos aperfeiçoamentos e reformas sugeridas pelo conhecimento mais profundo<br />

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Cecília Meireles: defensora da Educação Moderna, das <strong>Arte</strong>s e do Cinema na Educação<br />

da psicologia da criança. Com esse fim fundou em 1913 a casa da criança.<br />

As alunas que pensam dedicar-se especialmente à educação das crianças<br />

menores, praticam nela durante 1, 2, 3 anos segundo o fim que pretendem alcançar.<br />

O programa do trabalho infantil que acabamos de trabalhar indica muito<br />

claramente o das jovens educadoras.<br />

Enfrentando desde o primeiro momento os problemas práticos, iniciam-se elas<br />

no trabalho pessoal. Durante o tempo de que dispões (3 manhãs por semana) as alunas<br />

do primeiro ano se repartem, desde o começo, pelos cinco grupos do primeiro plano.<br />

Cada uma delas sucessivamente consagra mais ou menos um mês aos estudos<br />

das diferentes atividades; no fim do mês apresenta um resumo das suas observações,<br />

das dificuldades que surgiram, dos problemas que tiveram que resolver.<br />

Impõe-se uma colaboração incessante: a aluna que estudou e colecionou os<br />

desenhos de uma criança deve conhecer as manifestações desta mesma criança,<br />

suas diversas atividades; para isso, pede informações às companheiras que estão<br />

encarregadas de outros grupos: construção, modelagem, cálculo, línguas, etc, e assim<br />

pode conhecer com certeza o desenvolvimento da criança e traçar sua monografia.<br />

Estuda-se, pois praticamente, toda a evolução das atividades infantis, servindo<br />

o quadro dos períodos de desenvolvimento como guia precioso para precisar as<br />

observações.<br />

No decorrer das suas ocupações a criança multiplica as suas perguntas,<br />

colocando a educadora na obrigação de responder.<br />

Assim por exemplo: na aula da construção: Porque se sustentam os barcos na<br />

água? (François). Como é que o funicular pode subir o morro? Na aula de línguas, como<br />

que sai o carvão da terra? (Louis) Na aula de modelagem, Daniel examina sua mão e ao<br />

fechá-la apertando o barro, exclama, recordando as dobradiças de uma porta: meus<br />

dedos fazem como as portas. E assim por diante.<br />

Este é um dos problemas mais interessante para o educador: Conhecidas as<br />

necessidades da criança, saber alimentar e estimular seu espírito de curiosidade. É<br />

preciso estar-se disposto a dar informações sobre todos os assuntos que lhes interessam.<br />

Para isso é necessário documentação.<br />

Possuímos uma biblioteca bem provida que está à disposição das alunas que tem<br />

de por-se em condições de saber fazer e alimentar a curiosidade científica no período<br />

do conhecimento.<br />

As lacunas do segundo ano, que aspiram ao diploma da casa da criança,<br />

encarregam de assumir a responsabilidade de pequenos grupos de criança de 6 a 7<br />

anos. Também estudam um tema particular que elas mesmo escolhem; este ano uma<br />

delas escolheu o ensino da leitura e se iniciou no método Decroly; outra escolheu a<br />

iniciação matemática, e a terceira especializou-se principalmente para informar as<br />

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crianças sobre a origem da navegação. Com este fim organizou uma série de ilustrações<br />

outra de uma série de narrações e construiu pequenas máquinas destinadas a fazer<br />

com que a criança compreenda a força e o papel do vapor.<br />

Toda organização e o ambiente da casa às conduz a esta lei pedagógica: uma<br />

lição deve ser uma resposta (Dr. Claparede).<br />

Cada dia de trabalho dá lugar a palestras, discussões, induz o aluno a novas<br />

investigações, e estimula o desejo de aperfeiçoar-se. Reúne-se uma vez por semana<br />

um curso de 2 horas, com cada grupo de alunas (primeiro e segundo ano). As alunas<br />

adiantadas apresentam trabalhos pessoais relativos aos seus ensaios de prática; todas<br />

juntas estudam o material empregado com a criança, os diferentes métodos de ensino<br />

Froebel, Montessori, Dewey, Decroly, etc....<br />

A aluna que quiser pode iniciar-se praticamente nestes métodos, reservando-se<br />

uma pequena sala para esse fim. O material completo está a sua disposição e pode<br />

organizar um ensaio com um pequeno grupo de crianças.<br />

Reservam algumas horas por semana para preparação do material de ensino,<br />

jogos educativos de toda espécie, por exemplo: Tendo uma aluna notado um defeito<br />

qualquer de linguagem em uma criança, estudou para preparar por meio de ilustrações<br />

exercícios próprios que o corrigissem.<br />

Tem também de aprender a conhecer a guiar a criança nos seus brinquedos ao ar<br />

livre, no trabalho de jardinagem, nos seus passeios, visitas aos museus, oficinas, etc...<br />

O campo e experiências é muito grande. Só podemos falar aqui do trabalho feito<br />

sob a nossa direção e é necessário consultar o programa do Instituto Rousseau para<br />

inteirar-se da grande quantidade de cursos e ensinamentos que se oferecem às alunas.<br />

A educadora digna deste nome deve ser viva, entusiasta, livre de interesses<br />

pessoais e de idéias fragmentárias e pré concebidas. Deve possuir as qualidades<br />

indispensáveis de espírito curioso, investigador, experimentador, e se deixará sempre<br />

levar pelo amor e pela dedicação à criança. Sem se deixar dominar ou encadear por<br />

nenhum método procurará não unir se à letra que mata, mas ao espírito que vivifica.<br />

As leis de psicologia da criança ditar-lhe-ão as leis da psicologia do professor. Ai<br />

estão algumas delas deduzidas da nossa prática diária e formuladas com nossas alunas<br />

no decorrer de nossas palestras.<br />

Diário de Notícias 09/07/30<br />

Despretenciosamente, como verdadeira educadora Cecília Meirelles se interessava<br />

muito pelo ensino nos Jardins da Infância. Daí se justificar a escolha de centrar a entrevista<br />

com Crescente Coccaro sobre o tema dos Jardins de Infância e de preparar o publico leitor do<br />

Diário de Notícias para a chegada de Claparede escrevendo justamente acerca do Jardim de<br />

Infância do Instituto Jean Jacques Rousseau,<br />

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Cecília Meireles: defensora da Educação Moderna, das <strong>Arte</strong>s e do Cinema na Educação<br />

O modernismo em <strong>Arte</strong> e Educação teve uma escritora como Cecília Meireles escrevendo<br />

nos jornais para convencer o público da necessidade do “aprender fazendo”. A virada pósmoderna<br />

que acrescentou a necessidade do ver além do fazer <strong>Arte</strong> e a necessidade de<br />

ampliar a visão da Escola para além de seus muros tomando em consideração a cultura dos<br />

alunos , a cultura do meio, a cultura historicamente organizada e a cultura contemporânea,<br />

não encontrou nenhum apoio nos meios de comunicação.<br />

Notas<br />

i Os artigos e entrevista de Cecília Meireles apresentados neste artigo são inéditos e portanto não<br />

fazem parte das coletâneas publicadas.<br />

ii Agora no Brasil chamamos educação continuada.<br />

iii Trata-se do livro AUDEMARS, Mina e LAFENDEL,Louise.La Maison dês Petits de l’Institute Jean<br />

Jacques Rousseau.Neuchatel:Delachaux et Niestle S.A.sem data<br />

Referências<br />

DIÁRIO DE NOTÍCIAS. Rio de Janeiro, 9 jul. 1930.<br />

DIÁRIO DE NOTÍCIAS. Rio de Janeiro, 23 jul. 1930.<br />

DIÁRIO DE NOTÍCIAS. Rio de Janeiro, 19 out. 1930.<br />

O JORNAL DO COMÉRCIO. Rio Grande do Sul, 20 ago. 1929.<br />

MEIRELES, Cecília.”Historia da Educação no Brasil” In Obra em Prosa: Crônicas de Educação.<br />

Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira/MINC, Fundação Biblioteca Nacional,2001.<br />

MENDONÇA, Amélia da Motta. O cinema escolar na história da educação brasileira:<br />

a sua ressignificação através da análise de discurso. Dissertação de mestrado apresentada<br />

ao Programa de Educação da <strong>Universidade</strong> Federal Fluminense. Orientadora Clarice Nunes.<br />

Niteroi, 2004.<br />

NEVES, Margarida de Souza, LÔBO, Yolanda Lima, MIGNOT, Ana Chrystina Venâncio. Cecília<br />

Meireles: a poética da educação. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: Loyola, 2001.<br />

PIMENTA, Jussara S. Fora do outono certo nem as aspirações amadurecem: Cecília<br />

Meireles e a criação da biblioteca infantil do Pavilhão Mourisco (1934-1937). Dissertação de<br />

Mestrado.Departamento de Educação/PUC-RJ, 2001.<br />

CRESPO, Regina Aida. Cultura e política : José Vasconcelos e Alfonso Reyes no Brasil (1922-<br />

1938). Revista de História, São Paulo, ANPUH. v. 23, n.45 , 2003 p.187-207.<br />

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AS INTERAçÕES ENTRE MODA E MúSICA NA CONSTITuIçãO DE<br />

IDENTIDADES: uMA ANáLISE DAS INFLuêNCIAS DA BLACK MuSIC<br />

Rita Aparecida da Conceição Ribeiro; Dra. em Geografi a; Profª PPG <strong>Design</strong>: UEMG<br />

rita_ribeiro@uol.com.br<br />

Resumo<br />

Esse trabalho analisa a interface entre a moda e a música a partir<br />

da perspectiva de análise da constituição de modelos identitários<br />

por ela disseminados. Tomamos como objeto empírico a Black<br />

Music que surge nos anos 60 nos Estados Unidos, dando origem<br />

ao movimento soul, em seus reflexos na moda e na constituição<br />

de um ideal de identidade e orgulho negros. Entendemos que<br />

a moda black surgida a partir dos anos 60 do século passado,<br />

ainda hoje é um determinante na constituição da identidade de<br />

determinados grupos sociais, como a tribo hip-hop e, sendo um<br />

fenômeno duradouro e com características políticas marcantes,<br />

merece uma análise mais apurada.<br />

Palavras-Chave: moda; black music; identidade<br />

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As interações entre moda e música na constituição de identidades: uma análise das influências da Black Music<br />

A moda e a música - a construção de um referencial identitário<br />

A moda diz respeito a uma questão essencial para nossos contemporâneos,<br />

talvez a mais essencial de todas: a de sua identidade. Sendo assim, interpretar<br />

esse fenômeno como um sinal suplementar do materialismo do Ocidente<br />

apenas leva a torná-lo incompreensível (ERNER, 2005, p. 219).<br />

Os fenômenos que povoam o universo da moda, ainda que muito discutidos, ganham<br />

perspectiva acadêmica somente a partir do final do século passado. Desde a antiguidade<br />

os trajes já eram considerados elementos de diferenciação social. Nobres distinguiam-se de<br />

plebeus, trabalhadores rurais do homem citadino. Distinções acerca da etnia e da religiosidade<br />

revelavam-se pelos trajes usados. No transcorrer do século XX, principalmente no período pós<br />

Segunda-Guerra, a moda começa a ser disseminada em grande escala, com o advento do<br />

prêt-a-porter, com os modelos prontos, que podiam ser adquiridos nos magazines em todo o<br />

mundo. No final dos anos 50, a geração baby-boom busca nos tipos sociais estereotipados<br />

no cinema e na música os modelos de filiação e de afirmação de sua identidade. A grande<br />

revolução na vestimenta começa a partir desse momento.<br />

Para compreender como os novos significados são conferidos a itens de<br />

vestuário, e o papel da cultura popular nesse processo, lançarei mão de teorias<br />

segundo as quais alguns itens da cultura popular, entre eles o vestuário, são<br />

‘abertos’, pois são frequentemente redefinidos tanto pelos criadores de cultura<br />

como pelos consumidores. O cinema e a música são elementos importantes<br />

nesse processo. Ao associar imagens de destaque a peças de roupas<br />

específicas, ambos alteram o significado dessas peças e seu poder simbólico<br />

para o público (CRANE, 2006, p. 339).<br />

A moda, assim como a música, que começa a surgir a partir do final dos anos 50 tem<br />

nos jovens seu público alvo e principais disseminadores das novas tendências. A moda para<br />

os jovens começa a representar uma primeira forma de diferenciação e identificação dentro de<br />

seu grupo social.<br />

Entretanto, essas tendências, populares particularmente entre os jovens,<br />

mostram mais uma vez que a moda é antes de tudo uma maneira de elaborar<br />

a identidade. Pela aparência que assume, um indivíduo se situa em relação aos<br />

outros, como também em relação a si mesmo. Nessas condições, a moda é<br />

um dos meios que ele utiliza para se tornar ele mesmo (ERNER, 2005, p. 220).<br />

Esse trabalho pretende discutir a influência da música na moda, a partir da constituição<br />

de modelos identitários por ela disseminados. Tomamos como objeto empírico a Black Music<br />

que surge nos anos 60 nos Estados Unidos, dando origem ao movimento soul, em seus<br />

reflexos na moda e na constituição de um ideal de identidade e orgulho negros. A escolha<br />

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As interações entre moda e música na constituição de identidades: uma análise das influências da Black Music<br />

do objeto é parte da pesquisa desenvolvida no doutorado que gerou a tese Identidade e<br />

Resistência no Urbano: O Quarteirão do Soul em Belo Horizontei Entendemos que a moda<br />

black surgida a partir dos anos 60 ainda hoje é um determinante na constituição da identidade<br />

de determinados grupos sociais, como a tribo hip-hop e, sendo um fenômeno duradouro e<br />

com características políticas marcantes, merece uma análise mais apurada.<br />

A indumentária derivada da influência de cantores é claramente percebida ao longo dos<br />

anos. Basta pensar no visual rebelde de Elvis Presley, nos modelos de “bons rapazes” dos<br />

Beatles no início de sua carreira e do visual hippie que marcou o momento de sua separação.<br />

A moda grunge disseminada pelos grupos de Seatle, até o visual rebelde-retrô da cantora<br />

Amy Winehouse. No entanto, a moda black, não apenas influenciou na construção visual de<br />

determinado grupo social, mas foi principalmente uma declaração de identidade e de princípios<br />

políticos, bandeiras que hoje a moda carrega com propriedade, mas que, até então, não era<br />

algo habitual.<br />

Buscamos assim entender as origens da moda black, sua influência no movimento soul<br />

e mais especificamente no movimento soul no Brasil e perceber a moda, principalmente a moda<br />

black, como um fator de identificação social que ainda hoje é referência para determinados<br />

grupos.<br />

A roupa faz o homem<br />

Crane observa que a atenção com o visual já fazia parte das preocupações da<br />

comunidade negra nos Estados Unidos desde o final do século XIX. Ela ressalta que parte<br />

desse cuidado diz respeito ao fato destas pessoas sentirem necessidade de se apresentar<br />

bem nos eventos sociais (igreja, passeios).<br />

Desde o final do século XIX, as roupas têm tido um significado especial na<br />

cultura negra americana, em parte por causa da importância atribuída por<br />

homens e mulheres à apresentação pessoal nas ruas de bairros negros e em<br />

igrejas. Uma importante fonte de entretenimento para ambos os sexos era<br />

andar pelo bairro exibindo as próprias roupas e observando as dos outros. Os<br />

rapazes, particularmente, orgulhavam-se bastante de se vestir elegantemente.<br />

(CRANE, 2006, p. 379-380).<br />

Essa preocupação com o visual diz respeito, em primeiro lugar, aos momentos de lazer.<br />

A autora apresenta uma discussão da separação entre a vestimenta de trabalho e do lazer,<br />

como forma de diferenciação social. Enquanto a roupa de trabalho revela o status econômico<br />

e social, essa distinção deixa de existir na roupa de lazer. As atividades de lazer criam uma<br />

outra esfera de inserção social, que não a da estratificação econômica.<br />

[...] As sociedades contemporâneas são caracterizadas por uma disjunção<br />

entre economia e cultura, entre trabalho e lazer. Isso sugere que, com base em<br />

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As interações entre moda e música na constituição de identidades: uma análise das influências da Black Music<br />

ocupações e profissões, a população é diferenciada em classes sociais distintas<br />

cujos membros devem exibir identidades marcadas por tipos de atitude e<br />

comportamento característicos no local de trabalho. Fora da esfera econômica,<br />

as bases de estratificação são configurações culturais fundamentadas em estilo<br />

de vida, valores e conceitos de identidade pessoal e de gênero. As atividades<br />

de lazer, entre elas o consumo, moldam as percepções que os indivíduos têm<br />

de si mesmos e, para muitos, são mais significativas que o trabalho. (CRANE,<br />

2006, p. 44).<br />

A construção da imagem social do indivíduo nos momentos de lazer diferencia-o das<br />

atividades cotidianas. Novos papéis podem ser assumidos, em momentos específicos, sem<br />

que haja o comprometimento da identidade do indivíduo, que alterna seus papéis sociais.<br />

Assim o indivíduo pode se apresentar sobriamente em seu ambiente de trabalho e assumir seu<br />

lado glamouroso nas noites de sábado na pista de dança.<br />

Os indivíduos são tão mais lúcidos em relação às suas escolhas de vestuário<br />

que doravante se tornam superinformados sobre os significados dos looks.<br />

Além disso, a uniformização das aparências não resulta da imitação de um<br />

modelo sugerido pelas classes dominantes. Nossa sociedade se caracteriza<br />

por sua reflexividade, sua capacidade de decifrar os símbolos sociais que são<br />

as roupas ou as marcas. Esses símbolos podem informar sobre a posição<br />

social de um indivíduo, às vezes também sobre seu nível de renda. Contudo,<br />

são sobretudo instrutivos a respeito da imagem que este último quer refletir.<br />

(ERNER, 2005, p. 226).<br />

A escolha da roupa hoje reflete muito mais a opção de apresentar-se ao outro e demarcar<br />

questões de identidade, do que a simples imitação de um modelo sugerido pelas instâncias de<br />

formação de opinião, surgidas geralmente a partir dos apelos midiáticos. A escolha da roupa,<br />

muitas vezes, reflete a maneira do indivíduo perceber-se no mundo.<br />

A variedade de opções de estilos de vida disponíveis na sociedade<br />

contemporânea liberta o indivíduo da tradição e lhe permite fazer escolhas<br />

que criem uma auto-identidade significativa. A construção e a apresentação<br />

do eu tornam-se preocupações importantes na medida em que uma pessoa<br />

reavalia continuamente a importância de eventos e compromissos passados<br />

e presentes. O indivíduo constrói um senso de identidade pessoal ao criar<br />

‘narrativas próprias’ que contenham sua compreensão do próprio passado,<br />

presente e futuro. (CRANE, 2006, p. 37).<br />

Essa identidade se constrói a partir da vestimenta, traz os elementos que refletem a<br />

forma como o indivíduo quer se inserir, e principalmente, a forma como este quer ser percebido<br />

pelo grupo. No depoimento do cantor Gerson King Combo, uma das personagens centrais da<br />

soul music nos anos 70 no Brasil já está estampada a preocupação da mensagem que deveria<br />

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As interações entre moda e música na constituição de identidades: uma análise das influências da Black Music<br />

ser percebida pelos fãs:<br />

Aí nós criamos aquela imagem de uma pessoa forte, bem nutrida, pobre da<br />

periferia, mas com saúde. Mostrar que a gente não vivia sob aquele [...] não<br />

era tudo crioulo que era tudo maluco, como é que falavam: ‘esse negão aí’.<br />

Então a gente botou aquela imagem. Minha falecida esposa, Angélica Maria,<br />

criou a grife, criou a imagem. Ela me vestia dos pés a cabeça, mandava fazer<br />

as botas, quer dizer, ela criou a imagem da pessoa, do King. King o forte,<br />

gordo, bem nutrido, come bem. Eu adorei porque as pessoas me curtem até<br />

hoje. E o que acontece no soul? Eu não posso me apresentar assim, sem<br />

aquela vestimenta porque parece que, eu estou disfarçado, eu ando na rua<br />

quase ninguém me conhece. Se eu botar certa touca, aí na mesma hora. Quer<br />

dizer, ficou a imagem. (Gerson King Combo, 02 jul. 2007).<br />

O surgimento do movimento soul e a ascensão da cultura juvenil<br />

Foto 01 - James Brown - o ícone da Black Music<br />

Fonte: Ribeiro, 2008.<br />

A trajetória da black music no século XX começa a ter seu papel escrito a partir do blues.<br />

Atribui-se sua origem ao lamento dos escravos trazidos para os campos dos Estados Unidos. De<br />

suas origens africanas, os negros trouxeram os chamados hollersii gritos de entonações fortes<br />

e diferentes que identificavam seus emissores. Eram, a princípio, uma forma de comunicação<br />

nos campos do sul do país, mas também podiam ser ouvidos nas grandes cidades, nas<br />

vozes de vendedores que anunciavam seus produtos de maneira peculiar. Grande parte dos<br />

pesquisadores atribui o desenvolvimento do blues às work-songs, canções que objetivavam<br />

organizar o trabalho escravo, conferindo-lhes ritmo e cadência. O spirituals, hinos religiosos<br />

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criados pelos negros a partir de histórias da Bíblia, também exercem uma grande influência no<br />

surgimento do blues, pois os seus acordes básicos são derivados da harmonia européia das<br />

canções religiosas. A difusão massiva da música nos Estados Unidos ocorre com o advento<br />

do rádio e da evolução da indústria fonográfica, que percebe nas diversas variantes do blues e<br />

em seus consumidores espalhados por todo o país, um mercado potencial e em crescimento.<br />

O período pós Segunda-Guerra, marcado por uma atmosfera de otimismo e prosperidade<br />

econômica, alavanca a indústria dos gadgets, incluídos aí os toca-discos proporcionando<br />

um aumento de público para os produtos musicais e a incorporação de uma nova massa<br />

de consumidores: os jovens. A incorporação dos estilos musicais vindos dos guetos, a<br />

crescente indústria de consumo de massa cada vez mais voltada para o público jovem e o<br />

desenvolvimento acelerado dos veículos de comunicação tendo em primeiro lugar o rádio e<br />

posteriormente a televisão, possibilita a difusão dos gêneros musicais e sua assimilação por<br />

camadas cada vez maiores de jovens, ávidos pela identificação com os novos ídolos que<br />

começam a surgir.<br />

A novidade da década de 1950 foi que os jovens das classes alta e média, pelo<br />

menos no mundo anglo-saxônico, que cada vez mais dava a tônica global,<br />

começaram a aceitar a música, as roupas e até a linguagem das classes baixas<br />

urbanas, ou o que tomavam por tais como modelo. O rock foi o exemplo mais<br />

espantoso. Em meados da década de 1950, subitamente irrompeu do gueto<br />

de catálogos de ‘Raça’ ou ‘Rhythm and blues’ das gravadoras americanas,<br />

dirigidos aos negros pobres dos EUA, para tornar-se o idioma universal dos<br />

jovens, e notadamente dos jovens brancos. (HOBSBAWM, 1999, p. 324).<br />

O rock passa a ditar comportamentos que rapidamente são incorporados pela indústria<br />

do entretenimento, a partir da criação dos novos grupos e artistas brancos, que incorporam os<br />

elementos da black music abrindo espaço para o consumo de seus produtos.<br />

A mudança mais importante (para o blues) foi a emergência de músicos e de<br />

orquestras brancas de blues [...] esse desenvolvimento reflete a utilização do<br />

blues enquanto componente da cultura juvenil [...] o blues passa, assim, de<br />

uma música puramente negra a uma música substancialmente internacional [...]<br />

Certamente trata-se do desenvolvimento mais inesperado, mas ele aconteceu.<br />

(OLIVIER apud HERZHAFT, 1989, p. 108).<br />

Enquanto no final dos anos 50 o quadro de efervescência política se acentua,<br />

principalmente nos Estados Unidos, surgindo com mais força os movimentos pela igualdade<br />

dos direitos civis, a música negra, cada vez mais aceita pelos brancos, vive uma outra fase.<br />

Progressiva e implicitamente, era toda a atitude dos negros no passado<br />

que denunciavam vozes cada vez mais numerosas. O blues, que tinha sido<br />

a principal expressão cultural dos negros mais pobres e mais explorados,<br />

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aparecia como que ligado a uma condição degradante, da qual não se queria<br />

mais ouvir falar. Em contrapartida, a Igreja conduzia a luta de libertação dos<br />

negros e sua tradição musical - o gospel - ainda ganhava consideração.<br />

(HERZHAFT, 1989, p. 113).<br />

Ao associar-se o rhythm and blues (música profana) ao gospel (música protestante<br />

negra eletrificada descendente dos spirituals) temos o surgimento do Soul. O soul visava o<br />

resgate para os negros de um ritmo autenticamente negro. Herzhaft chama a atenção para o<br />

fato:<br />

Os críticos e historiadores em geral saudaram com bastante justiça o papel<br />

incomparável e bem concreto de ponte entre as raças que desempenhou a<br />

música negro-americana. É verdade que os artistas negros mais ecléticos<br />

obtiveram sucesso junto ao público branco. O que, entretanto, não notaram<br />

a maior parte do tempo é que, à medida que as formas de música negra<br />

tornaram-se populares entre os brancos, deixaram de sê-lo entre os negros,<br />

que, em contrapartida, criaram novas expressões musicais, procurando em<br />

um movimento espontâneo de desafio conservar a especificidade e a alma<br />

(soul) do povo negro-americano. (HERZHAFT, 1989, p. 99).<br />

A soul music, portanto, demarca os “limites com a América branca” ao utilizarem uma<br />

linguagem específica denominando-se “irmãos” - brothers e “irmãs” - sisters, “que reunia-se<br />

em uma comunidade solidária e fraternal que brilhava pela alma (soul)”. A pobreza, associada à<br />

discriminação racial, somada ao fervor religioso desencadeado pelo gospel foram os elementos<br />

que nutriram a cultura que no final dos anos 60 seria sinônimo de reação aos maus-tratos,<br />

da busca da igualdade entre os homens e do orgulho racial - a soul music, tanto nos Estados<br />

Unidos, como posteriormente em outras partes do mundo, inclusive no Brasil.<br />

A soul music no Brasil: dos bailes Black aos festivais<br />

Foto 02 - Tony Tornado no V FIC<br />

Fonte: Disponível em: .<br />

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As interações entre moda e música na constituição de identidades: uma análise das influências da Black Music<br />

A chegada do movimento soul em nosso país coincide com o auge da ditadura militar.<br />

No final dos anos 60 e início dos 70 começam a despontar os primeiros bailes no Rio de<br />

Janeiro. Em pouco tempo surgem várias equipes de som que promovem bailes por toda<br />

a cidade. Em alguns bailes são apresentados filmes que exaltam o orgulho racial. Por essa<br />

mesma razão, são fortemente controlados pelas forças policiais.<br />

Nesse período, fortemente marcado pela repressão política, surgem os festivais de<br />

música, promovidos pelas redes de televisão com o apoio, e até mesmo patrocínio, em alguns<br />

casos, do governo militar.<br />

Nesse período a Record contratou Solano Ribeiro, que realizara o I Festival<br />

de Música Popular Brasileira na Excelsior em 1965 e trouxe a estrutura de<br />

competição dos festivais para a Record. Ribeiro se inspirou no modelo italiano<br />

dos festivais de San Remo. Após o I Festival de Música Popular Brasileira,<br />

seguiram-se outros, começando o período da Era dos Festivais, que durou<br />

até 1972, um dos momentos mais expressivos de produção musical. [...] O<br />

sucesso artístico e de público do empreendimento da Record levou a Globo<br />

a realizar os Festivais Internacionais da Canção, que duraram até o início dos<br />

anos 70, atraindo grandes nomes da música brasileira e estrangeira. (ROCHA,<br />

2007, p. 142).<br />

Os festivais da canção tornaram-se uma ferramenta de propaganda do governo brasileiro<br />

ao apresentarem um clima de alegria, estimulado também pelas campanhas capitaneadas<br />

pelo sucesso de Dom & Ravel “eu te amo meu Brasil”, ou pelos versos que comoviam “90<br />

milhões” saudando a seleção brasileira, tricampeã mundial em 1970, compostos por Miguel<br />

Gustavo. Os Festivais Internacionais da Canção (FIC), realizados em 07 edições (de 1966 a<br />

1972) no Maracanãzinho, no Rio de Janeiro tiveram o apoio da Rede Globoiii , emissora que<br />

teve um crescimento vertiginoso a partir do governo militar.<br />

Gradualmente o festival se transformava numa grande janela escancarada para<br />

mostrar a felicidade do povo brasileiro. As odiosas vaias de cunho político eram<br />

coisa do passado. […] A liberdade manifesta na assistência do Maracanãzinho<br />

era um símbolo vivo, talvez até mais valioso e eficaz que as ações da AERP<br />

(Assessoria Especial de Relações Públicas) promovidas no governo anterior.<br />

Claro, liberdade desde que não ofendesse a família brasileira (MELLO, 2003,<br />

p. 368-369).<br />

A realização do V FIC em 1970, precedido pela conquista do tricampeonato mundial no<br />

futebol, trazia um clima de euforia. Trazia também entre os concorrentes uma forte influência<br />

da soul music, já demonstrada na apresentação da primeira concorrente da noite, em 15 de<br />

outubro.<br />

No novo palco os títulos das canções, autores e intérpretes apareciam em<br />

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três círculos iluminados acima das folhas de três portas giratórias por onde<br />

surgiam os cantores. Os dois primeiros eram Mariá (revelação de cantora no<br />

FIC anterior) e Luís Antônio (também premiado em outros festivais) à frente do<br />

grupo com seis músicos - todos negros vestindo batas africanas coloridas,<br />

liderados pelo pianista Dom Salvador ao órgão, para interpretar ‘Abolição<br />

1860-1980’, dele e Arnoldo Medeiros, gênero spiritual. ‘Não, não se pode falar<br />

em Black Power ou coisa assim’, declarou a cantora quando indagada se a<br />

música tinha caráter político no tocante a racismo. ‘Tem grande vinculação<br />

com a raça, raízes negras [...] mas sem intenções racistas, só musicais’. A<br />

apresentação da primeira concorrente, bastante aplaudida, dava a pista do<br />

que seria a tônica desse ano, a produção cênica das canções alimentada pela<br />

soul music. Sendo artistas negros então, as chances eram maiores (MELLO,<br />

2003, p. 373).<br />

Nesse festival, dominado pelos ritmos da black music que esteve presente em várias<br />

composições, dois nomes causaram sensação em suas apresentações: o maestro Erlon<br />

Chaves, que com a composição Eu Só Quero Mocotó desafiava a plateia ao ser beijado e<br />

reverenciado por mulheres brancas. E no estilo James Brown e do Harlem novaiorquino surge<br />

Toni Tornado, com cabelo, dança e gestos do movimento black power, cantando BR-3. As<br />

reações às apresentações de ambos levaram a plateia ao delírio, mas desagradaram muitos<br />

setores da conservadora sociedade brasileira. Os problemas e perseguições acarretados<br />

aos dois intérpretes serão mais um episódio lamentável de nossa história. No entanto, sua<br />

participação alavancou o movimento soul em todo o país.<br />

Mello (2003, p. 390) afirma que o “V FIC deixou um rastro de racismo, uma marca<br />

de preconceito contra artistas da raça negra”. No entanto, se por um lado a repressão nos<br />

bastidores aconteceu com tanta força, por outro, o que foi visto por milhares de negros foi<br />

outra. O V FIC foi uma demonstração do poderio do negro, de seu talento e orgulho da<br />

raça. A revolução da black music no país já estava em marcha, em um processo que parecia<br />

irreversível.<br />

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As interações entre moda e música na constituição de identidades: uma análise das influências da Black Music<br />

A moda black como declaração de identidade: do Black Rio ao<br />

Quarteirão do Soul em Belo horizonte<br />

Foto 03 - Sapatos bicolores - marca da identidade black<br />

Fonte: Ribeiro, 2008.<br />

Percebe-se que a partir dos anos 60, com a ascensão dos movimentos pela igualdade<br />

racial, sexual, movimento feminista, movimento hippie e o movimento estudantil, entre outros, a<br />

moda passa a ter características políticas. O vestir torna-se uma declaração político-ideológica.<br />

A moda black representa o movimento de afirmação da identidade negra.<br />

Pode-se afirmar que a moda soul iv , como toda moda, mantém uma relação<br />

direta e ininterrupta com o costume. Mas, por seu compromisso específico<br />

com um grupo étnico em condição minoritária, o diálogo estabelecido é duplo<br />

ou, se se prefere, referido a dois diferentes costumes ou tradições. De um lado,<br />

a moda soul dialoga com o costume dominante na sociedade envolvente,<br />

tomando-o como referência a partir da qual procura se distanciar e diferenciar.<br />

De outro lado, ela evoca - e dialoga - com o costume e a tradição nos quais<br />

o grupo vai buscar resgatar sua originalidade e o que seria sua autenticidade<br />

(GIACOMINI, 2006, p. 201).<br />

A moda black, principalmente aquela surgida no Rio de Janeiro, a partir do movimento<br />

denominado Black Rio, alternava-se entre a extravagância das vestimentas coloridas e da<br />

influência afro e a elegância composta pelos ternos, possibilitando uma alternativa em relação<br />

à moda tradicional vigente, e carregava na escolha a peculiaridade dos grupos de filiação,<br />

como apresenta o DJ da época Mr. Funky Santos:<br />

Porque a partir de determinado momento a gente começou a criar a nossa<br />

própria maneira de vestir. Que era muito elegante. Porque era uma roupa que<br />

batia com a gente. Diferente de você chegar ali e comprar uma roupa numa<br />

butique. Era diferente você comprar uma roupa numa loja. Você fazia a sua<br />

roupa. A calça vinha na sua medida, o sapato vinha na sua medida, os sapatos<br />

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eram umas obras de arte porque eram sapatos com tom sobre tom que eles<br />

chamavam de salada de frutas. (Mr. Funky Santos, 03 jul. 2007).<br />

A moda black foi, nesse momento, um determinante para a afirmação da identidade<br />

negra.<br />

A importância é o seguinte, é a identificação porque existia um provérbio<br />

antigo que assim, pelo que você está vestido, pelo que você tem você mostra<br />

a tua personalidade. O carioca era muito galhofeiro. Eles não andavam bem<br />

vestidos, eles andavam mais esbugalhados. O carioca arrumava cada sapato<br />

de 3 andares e não sei o quê, mas era bonito, era coisa bonita, mas só que<br />

por um lado, eu fazia aquele negro bem vestido, com tipo. Fazia justamente<br />

para eles copiarem. Alguns copiaram, mas a maioria da periferia já andava<br />

com uma galhofa. Cada um que pintasse mais coisa viesse mais colorido,<br />

era mais olhado pelas meninas. Em 1975 quando estava aflorando o Black<br />

Rio existia até desfile, o mais bonito negro, a mais bonita, o mais dançarino,<br />

o casal mais dançarino. Então as roupas influenciavam muito até por questão<br />

deles se identificarem no grupo. Aquele grupo, aquele é da gravatinha, aquele<br />

é paletó e fazia paletó, terno, gravata. Eles se sentiam gente, se sentiam<br />

maravilhosamente gente, porque nunca se usou terno e gravata, não tinha<br />

oportunidade. (Gerson King Combo, 02 jul. 2007).<br />

Os trajes alternavam os elementos da cultura convencional, ou seja, terno e gravata, ou<br />

usavam variações da moda também convencional, mas adaptando-as à sua visão de mundo e<br />

aos apelos da identidade black. Eram comuns camisetas com desenhos de capas de discos,<br />

frases de exaltação do soul power, ou do black power. Mas o principal, como revela a fala de<br />

King Combo é o fato de a moda demarcar um sentimento de valorização, de auto-estima, em<br />

suas palavras “de se sentir maravilhosamente gente”.<br />

Sendo um amálgama de materiais extraídos de diversas fontes, os estilos de<br />

roupas têm significados diferentes para diferentes grupos sociais. Assim como<br />

alguns gêneros de música e literatura populares, os estilos de roupas são<br />

significativos para os grupos sociais em que se originam ou para aqueles aos<br />

quais são dirigidos, mas frequentemente incompreensíveis para os que estão<br />

fora desses contextos sociais (CRANE, 2006, p. 47).<br />

A distinção entre os grupos era fortemente marcada pelas visões políticas com as quais<br />

se identificavam no momento, e passava ao largo de outros setores da sociedade que não<br />

tinham (ou ainda hoje não têm) afinidade com o estilo dos blacks. Existiam basicamente dois<br />

grupos: o que se identificava com os ideais africanos e aquele mais próximo ao poder negro<br />

do Black Panther. Dom Filó, responsável pelos mais prestigiados bailes no Rio e pela equipe<br />

de som Soul Grand Prix, era adepto deste último e explica a distinção:<br />

Você tinha aqueles que eram apaixonados pela África, usavam aquelas calças<br />

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coloridas, o cabelo também era afro ou trançado. Na época não era muito<br />

trançado era mais afro porque não tinha ainda a leitura das tranças, mas já<br />

tinham os coquinhos que eram feitos em casa, que ganharam publicamente<br />

a rua com aqueles barbantes coloridos. E as batas que eram características<br />

daquele jovem, o consciente. (Dom Filó, 03 jul. 2007).<br />

Foto 04 - O cantor Stevie Wonder e o modelo afro<br />

Fonte: Disponível em: <br />

Convivendo com o modelo afro, o visual Black, inspirado no grupo político norteamericano<br />

Black Panthers, que era mais agressivo.<br />

E por outro lado tinha aquele que já fazia o visual diferente que era o black, o<br />

visual que começamos a assumir. Você tinha na época, muito pouca opção<br />

de roupa. Não tinha silk screen, não tinha nada. Você tinha camisas que eram<br />

pintadas pelos próprios blacks e eles tiravam, alguns especialistas pintavam,<br />

das próprias capas dos discos que geralmente eram da Soul Grand Prix, de<br />

James Brown. Eles pintavam aquelas camisas coladas no corpo que eram<br />

malha Hering mais baratas, mas sempre calça jeans que na verdade deixou<br />

de ser Alpargatas para ser a calça Lee que começaram a ser compradas<br />

no câmbio negro, geralmente nas zonas de cais do porto. Então você tinha<br />

algumas coisas que eram praxe, as calças jeans que vinham largas e eram<br />

todas apertadas no contexto Black e os sapatos eram todos característicos<br />

porque eles eram plataformas que tinham dois andares, coloridos, tinham todo<br />

um outro traçado. Você tinha, além disso, o visual. Então o visual do cabelo<br />

começa a ser o seguinte, quanto maior mais lindo, mais bonito, mais maneiro,<br />

mais formoso. (Dom Filó, 03 jul. 2007).<br />

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Foto 05 - Os Panteras Negras<br />

Fonte: Disponível em: .<br />

Assim, outro elemento fundamental na composição do visual black era o cabelo, que<br />

pela primeira vez era usado ao natural, sem alisar e em tamanho maior. No auge do movimento<br />

soul, no final dos anos 60, a maioria dos cantores aderiu ao visual black power, de James<br />

Brown a Toni Tornado.<br />

O penteado soul é um exemplo desse duplo diálogo: o volume, a textura e a<br />

produção do penteado expressam, ao mesmo tempo, o compromisso com o<br />

que se representa como sendo o costume ancestral e marcam a diferença face<br />

ao rejeitado penteado do padrão eurocêntrico. (GIACOMINI, 2006, p. 201).<br />

A rejeição ao modelo tradicional dos cabelos, quase raspados para os homens ou<br />

alisados para as mulheres revela também uma rejeição ao padrão de comportamento da<br />

geração anterior e um inconformismo com as regras estabelecidas:<br />

Para falar a verdade naquela época você tinha dois cortes, ou esse que era<br />

o meu e de alguns adeptos, o black-power, e aqueles que usavam o Príncipe<br />

Danilo que era rapadinho do lado e só uma cuia na cabeça. Até dentro de casa<br />

a gente tinha uma pressão da mamãe, do papai, eles diziam: ‘não vai cortar<br />

esse cabelo, tá parecendo macaco’. Então a gente já tinha no subconsciente<br />

que não podia passar de um centímetro o cabelo, ou melhor, meio centímetro.<br />

Então, isso aí fez com que alguns começassem a discutir essa questão da<br />

discriminação. (Dom Filó, 03 jul. 2007).<br />

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Foto 06 - Cabelos black power (Aretha Franklin)<br />

Fonte: Disponível em: .<br />

Foto 07 - Cabelos black power (Michael Jackson)<br />

Fonte: Disponível em: .<br />

Ao atrelamento às raízes africanas, soma-se o orgulho negro nos penteados. Quanto<br />

maior era o cabelo, mais bonito e “black”. De acordo com Mestre Tito, dançarino da atual<br />

equipe Brother Soul em Belo Horizonte:<br />

Importante também era a questão do cabelo, tinha uns caras com o cabelo<br />

desse tamanho igual um repolho. E às vezes chegava com um ouriçador que<br />

era uma madeira com 5 grampinhos assim de ferro para ouriçar o cabelo. Ficar<br />

com cabelo redondão e ir para os bailes, aquilo era impressionante. (Mestre<br />

Tito, 12 fev. 2006).<br />

O orgulho negro revelava-se nos cabelos, que também eram um incômodo para<br />

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as instituições de vigilância. Mesmo porque as vestimentas eram usadas em momentos<br />

específicos, mas o cabelo acompanhava as pessoas onde quer que fossem. Temos relatos,<br />

como já foi visto, de vários blacks em Belo Horizonte que tiveram a cabeça raspada pela<br />

polícia.<br />

O cabelo também é visto como marca ou sinal que melhor e mais decididamente<br />

que qualquer outro, expressariam - ou negariam - o orgulho negro. Trata-se<br />

de um ato de politização do cabelo, a generalização de uma leitura política<br />

do penteado: o penteado transformado em manifesto. (GIACOMINI, 2006, p.<br />

203).<br />

A vestimenta como manifesto de identidade já era uma característica usada pelos<br />

negros americanos nas décadas de 30 e 40, com o chamado terno “zoot”.<br />

Segundo Martin e Koda, ‘o terno zoot [...] normalmente era composto de um<br />

paletó na altura dos joelhos, com ombros largos e retangulares e ombreiras,<br />

calça afunilada, larga na altura dos joelhos e justa na bainha’. Confeccionado<br />

em cores fortes (como azul-celeste), com chapéu combinando, usado com<br />

uma longa corrente dourada e um cinto com um monograma, o terno zoot<br />

imediatamente identificava quem o vestia como parte de uma cultura diversa<br />

da branca, pois era oferecido apenas em bairros negros e usado somente por<br />

negros e hispânicos. O traje era uma afirmação contundente da identidade<br />

negra; representava uma ‘recusa subversiva a ser subserviente’. (CRANE,<br />

2006, p. 361-362).<br />

Um aspecto curioso, é o fato de as calças do terno zoot terem a cintura bem alta, como<br />

pode ser percebido nas fotos abaixo. Esta é uma característica também da indumentária dos<br />

blacks do movimento soul em Belo Horizonte, ainda hoje.<br />

Foto 08 - Terno Zoot<br />

Fonte: Crane, 2006, p. 363.<br />

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Ouriçador, suspensório, a calça era muito alta a calça pegava aqui (no meio<br />

do peito). Inclusive a minha calça pegava aqui (no meio do peito) com dois<br />

suspensórios e uma camisinha por dentro. Era uma coisa impressionante na<br />

época dos blacks mesmo, essa coisa do James Brown estava tocando em<br />

todas as casas de BH. (Mestre Tito, 12 fev. 2006).<br />

O terno zoot, assim como o chapéu, os suspensórios, as correntes e a bengala foram<br />

adaptados ao vestuário dos blacks, principalmente daqueles de Belo Horizonte. Em parte por<br />

que:<br />

O terno zoot [...] codificava uma cultura que exaltava uma identidade específica<br />

de raça, de classe, de gênero e de geração. Os habitantes da costa leste<br />

que o usavam durante a guerra eram basicamente jovens negros e latinos, da<br />

classe operária, cujos locais de vida e círculo social limitavam-se aos guetos da<br />

região noroeste, e o terno refletia uma luta pela negociação dessas identidades<br />

múltiplas em oposição à cultura dominante. (MARTIN; KODA v apud CRANE,<br />

2006, p. 362).<br />

Outra explicação surge na fala dos frequentadores do movimento, ainda que, no fundo,<br />

ela tenha o mesmo sentido da utilização do zoot. Os blacks de Belo Horizonte optaram pelos<br />

trajes “formais”, entendidos como os ternos, em função da discriminação feita pela polícia.<br />

Então é o que acontece: nós criamos, nós pensamos assim, nós temos que<br />

mudar a cara a personalidade desse baile. Porque quem usa terno tem uma<br />

visão diferente. Você pode ver se você colocar um cara bem vestido assim<br />

desse estilo (mostra sua roupa, um terno). E pegar um outro com um bermudão<br />

no meio da canela caindo, cheio de correntes e de tatuagem, assim tem uma<br />

suspeitazinha. Então o que nós começamos a fazer? A ir para o baile de terno,<br />

de paletó, você representando um cidadão. Nós usamos terno. Então esta<br />

coisa está até hoje, porque o black em Belo Horizonte ele usa terno, roupa<br />

social, sapato. (Ronaldo Black, 16 jun. 2007).<br />

Na fala do dançarino, que ainda hoje participa do movimento soul, revela-se o sentimento<br />

de exclusão e a tentativa, pela vestimenta, de se inserir na vida social: “você representando<br />

um cidadão”. O sentimento de cidadania, de fazer parte da cidade não existia entre os blacks<br />

naquele momento. Como completa Lourinho, outro dançarino que viveu a época, o terno seria<br />

uma forma de “melhorar” sua situação frente à polícia:<br />

O pessoal achou ‘na feira hippie dá muita batida’ então a polícia está dando<br />

batida demais, aí o pessoal falou assim: ‘oh gente, pra melhorar, vamos usar<br />

terno’. Isso já foi na caída de 77 pra 78. Então a gente dançava lá e começou a<br />

usar terno porque estava dando muita batida, eu mesmo fui pra conversar com<br />

o delegado umas seis vezes porque sem documento antigamente, menor tinha<br />

que andar com documento, a maioria trabalhava e tal, mas a gente, negro [...]<br />

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né igual hoje não. (Lourinho, 16 jun. 2007).<br />

A sensação de melhoria poderia também ser entendida como o aumento da autoestima,<br />

o orgulho da cor e de estar numa posição socialmente reconhecida, dentro do seu<br />

meio.<br />

Então mexeu com uma geração de pessoas. Mexeu profundamente dentro<br />

do ego dessas pessoas que eles passaram a se vestir melhor, deixou de ser<br />

aquele negro vagabundo barbudo sabe, andava muito de malandragem.<br />

Quer dizer, até no modo de falar, a cultura foi tão boa, você via os negros<br />

falando, sabe quem é que levantou um pouquinho? Naquela década de 70, o<br />

Renascença. O Renascença começou a expandir certa classe de negros que<br />

trabalhavam em banco e outros lugares, já foi melhorando a coisa. Aí você<br />

entrava no Renascença, mas dava gosto de você ir: ‘oh, meu Deus do céu, até<br />

que a classe tá melhorando’. Você vê aquelas pessoas bem vestidas, bonitas,<br />

sorrindo, conversando, falando sobre a Bolsa de Valores, tudo certo. Aquilo<br />

era um orgulho nosso. Então a nossa cultura acendeu e reativou uma coisa<br />

que eles tinham guardada dentro de si que não mexiam por medo de qualquer<br />

coisa, de ser preso. (Gerson King Combo, 02 jul. 2007).<br />

Nos bailes os trajes tinham toda uma concepção voltada para a dança. A calça, os<br />

acessórios, sapatos, tudo fazia parte de uma encenação de um determinado ideal de beleza.<br />

Os modelos variavam desde aqueles que se identificavam com o personagem principal do<br />

filme Shaft, até os que seguiam o cantor James Brown, ou os modelos dos gangsters dos anos<br />

30/40, de clara inspiração na vestimenta zoot. O terno caracterizaria uma forma de inserção<br />

dentro de um modelo aceito socialmente, mas não deixando de afirmar a sua identidade,<br />

pelos acessórios a ele atrelados, como os sapatos. Os sapatos, ainda hoje, constituem o foco<br />

da atenção dos dançarinos. Os modelos de plataforma dos anos 70 foram substituídos, em<br />

Belo Horizonte, pelos sapatos bicolores, símbolo de elegância retrô.<br />

Foto 09 - Sapatos bicolores - marca da identidade black<br />

Fonte: Ribeiro, 2008, p. 168.<br />

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Pode-se observar que a roupa, na maioria das vezes é mais simples, tecidos mais<br />

baratos. Mas os sapatos são sempre caros. Em Belo Horizonte os dançarinos do soul<br />

podem adquirir os modelos bicolores mais simples em apenas uma sapataria. Os modelos<br />

mais sofisticados, ainda hoje, são produzidos e personalizados, por uma única loja - Vivaldo<br />

Sapatos. Eles não custam menos de R$200,00, um custo bastante elevado para a maioria<br />

dos frequentadores dos bailes e do Quarteirão do Soul, espaço que desde 2004 reúne os<br />

blacks da velha guarda e muitos jovens, aos sábados na região central de Belo Horizonte, que<br />

também não abrem mão dos sapatos.<br />

Esse flutuar você usava as mãos pra se equilibrar. Então, por isso se usava luva<br />

porque você mostrava mais a parte e as luzes que faziam efeito, geralmente<br />

com a bengala, por que era ousado. Por que o sapato era brilhoso? Porque<br />

a parte mais importante do black era o sapato. Era o ‘tchan’. Não existia tênis<br />

na época. Ninguém ia de tênis. Então você tinha que fazer um sapato. Ele era<br />

feito sob medida, duas cores, três cores e, geralmente, em verniz. Com isso<br />

se criou uma identidade. O visual do Black tem todo um sentido. E por que a<br />

calça era apertada? Exatamente para aparecer o sapato. Sendo boca sino era<br />

apertada, era difícil de colocar, pois era uma calça muito justa para passar o<br />

movimento das pernas, para mostrar o brilho das pernas. Ali você identificava<br />

o dançarino e na hora de dar o ‘espaguete’ que é quando você abre as pernas<br />

e dá o ‘espaguete’, tem todo um contexto, na dança e na expressão da roupa.<br />

(Dom Filó, 03 jul. 2007).<br />

A composição do traje no soul é pensada de forma a revelar o porte e a elegância dos<br />

dançarinos. Na pista eles deixam seus papéis tradicionais e encarnam os personagens mais<br />

variados.<br />

Foto 10 - Trajes black (James Brown)<br />

Fonte: Disponível em: .; e .<br />

O traje, ele é muito importante na dança Soul, porque o dançarino de Soul<br />

tem que ter charme, tem que ter elegância, então realmente tem que se trajar<br />

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elegantemente. Não existe nenhum traje mais elegante que um traje social, um<br />

sapato bicolor, então tudo faz parte da dança. Às vezes você vê um dançarino<br />

de nariz em pé e tudo é porque ali ele incorpora um personagem e ali ele<br />

começa a soltar aquilo ali, tem uns que fazem uma postura de mafioso e tudo<br />

porque o mafioso também ele traja bem, são impecáveis os trajes dele, então<br />

é por isso que o traje é uma parte do Soul Music, não tem condições do<br />

camarada de esporte fazer os passos de Soul, fica uma coisa ridícula, é a<br />

mesma coisa que jogar futebol de calça esporte. (Stevie, 16 jun. 2007).<br />

Os papéis incorporados pelos dançarinos do soul, na maioria das vezes diferenciavamse<br />

de sua real condição financeira, o que não era impeditivo para sua participação nos bailes.<br />

Sair arrumado de casa impecável e a pé. Sem nenhum centavo no bolso.<br />

Acontecia muito isso. Chegava lá e contava com a colaboração do colega,<br />

para entrar no som. Às vezes acabava o som, faltava meia hora para acabar<br />

e aí a gente conseguia entrar. Dançava três músicas e ficava feliz da vida.<br />

(Adenauer, 12 fev. 2006).<br />

A composição das roupas, os adereços criados para impressionar as mulheres. A<br />

postura dos blacks nos bailes segue todo um ritual, ou como preferem os frequentadores - os<br />

mandamentos black.<br />

A gente ia com uma roupa e já deixava outra roupa pronta, aí você dançava.<br />

Porque um dos mandamentos blacks que a gente tem é que nunca você<br />

dança a primeira música lenta com a dama porque normalmente você está<br />

todo molhado de suor. Então você pode ver o black sempre tem um lencinho<br />

no bolso. Por exemplo, se pintar que você tem que dançar com uma menina,<br />

pelo menos você disfarça o suor. Como a gente morava perto o que a gente<br />

fazia? Ia com uma roupa, mas já pensava em outra e colocava em cima da<br />

cama. Colocava em cima da cama, pois na hora da lenta você ia para a casa<br />

rapidinho e trocava de roupa e já vinha com outro visual. Para você não levar<br />

sacola. E a gente dançava até o som acabar. A gente também colocava graxa<br />

atrás do salto do sapato de um jeito que se andasse não prejudicasse. Aí<br />

chegava no som você pegava com um palito espalhava aquela cera no chão<br />

para você deslizar melhor. Outra coisa é o pessoal que fumava: eles colocavam<br />

aquela caixa de fósforos porosa que acende o palito, colocava na sola do<br />

sapato, ali perto do salto. Aí ele estava dançando, riscava e parecia que ele<br />

tinha feito uma mágica, aí ficava aquele glamour. (Eduardo, 16 jun. 2007).<br />

Todos os códigos da moda black que ainda hoje permanecem no imaginário, não<br />

apenas dos seguidores do movimento, mas das novas gerações que se identificam com a<br />

postura do orgulho negro e da afirmação da identidade. A utilização de todos esses elementos<br />

simbólicos proporciona a identificação e revela sua alteridade.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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As interações entre moda e música na constituição de identidades: uma análise das influências da Black Music<br />

Considerações Finais<br />

Foto 11 - Os blacks no Quarteirão do Soul em Belo Horizonte<br />

Fonte: Ribeiro, 2008.<br />

Foto 12 - A elegância Black no Quarteirão do Soul em Belo Horizonte<br />

Fonte: Ribeiro, 2008.<br />

A identidade black hoje encontra outras variações: existem os que se identificam<br />

com o movimento hip-hop, aqueles do movimento funk, entre outros ritmos. O que todos<br />

esses grupos sociais têm em comum é a busca de uma identidade social que se afirma pela<br />

identificação com a música e com os elementos visuais que compõem a moda dos músicos<br />

de cada universo. Seja encarando uma postura mais politizada como os adeptos do hip-hop,<br />

ou mais sexualizada como os do funk é a partir da moda que esses grupos se percebem e<br />

afirmam as diversas identidades que povoam as ruas da cidade.<br />

A moda é constituída a partir da reflexividade social. Portanto, as mais diversas interações<br />

e mediações promovidas pelos meios de comunicação e pela cultura de massas refletem-se,<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 240


As interações entre moda e música na constituição de identidades: uma análise das influências da Black Music<br />

não apenas na produção da moda, mas também nos diversos consumos e grupos sociais que<br />

se identificam com seus signos.<br />

Compreender assim as relações sociais que permeiam a constituição desses<br />

signos possibilita, não apenas aos pesquisadores, mas também aos produtores de moda,<br />

compreender um pouco como variáveis, às vezes desconsideradas, podem ser fundamentais<br />

na identificação do consumidor e nas diversas significações que tais produtos podem assumir<br />

em suas vidas.<br />

A moda Black pode ser um bom exemplo de como essas identidades se constituem<br />

a partir dos produtos da mídia, como no caso a música e, como sua identificação com ela<br />

pode ser um reflexo dos modos de vida e da postura político-social do indivíduo. Podemos<br />

também, a partir de sua análise, compreender as transições inerentes aos processos sociais:<br />

da valorização da identidade negra do soul, até pensarmos na afirmação do eu pelo hip-hop.<br />

A roupa comunica ao mundo a identidade desses indivíduos.<br />

A moda no século XXI pode ser entendida como uma das principais formas que o<br />

indivíduo tem de demonstrar, de maneira mais explícita, o seu estar no mundo. A vestimenta é<br />

hoje, muito mais que um acessório, mas uma declaração de identidade do indivíduo. Portanto,<br />

conhecer as influências que perpassam esse universo é estar em sintonia com as diversas<br />

variantes que compõem o corpo social e perceber, por vezes antecipadamente, as tendências<br />

que contribuirão para a transformação desta sociedade e na afirmação da alteridade dos<br />

indivíduos, mesmo em meio a tanta padronização.<br />

Foto 13 - O hip-hop visita a “velha guarda” do soul<br />

Fonte: Ribeiro, 2008.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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As interações entre moda e música na constituição de identidades: uma análise das influências da Black Music<br />

Notas<br />

i RIBEIRO, Rita Aparecida da Conceição. Identidade e resistência no urbano: o Quarteirão do Soul em<br />

Belo Horizonte. 2008. 192 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Instituto de Geociências da UFMG, Belo<br />

Horizonte.<br />

ii De acordo com Herzhaft (1989), estes chamados também poderiam se chamar hoolies ou arhoolies.<br />

iii Apenas o primeiro deles (I FIC), realizado em 1966, foi transmitido pela TV Rio.<br />

iv Giacomini refere-se à moda surgida nesse período como moda soul. Preferimos optar pela<br />

denominação moda black por ser mais abrangente e mais característica da identidade dos seguidores<br />

do movimento que, na maioria das vezes, se autodenominam Blacks.<br />

v MARTIN, Richard; KODA, Harold. Jocks and nerds. New York: Rizzoli, 1989. p. 209.<br />

Referências<br />

CRANE, Diana. A moda e seu papel social: classe, gênero e identidade das roupas. São<br />

Paulo: Ed. Senac-SP, 2006.<br />

ERNER, Guillaume. Vítimas da moda?. São Paulo: Ed. Senac-SP, 2005.<br />

GIACOMINI, Sonia Maria. A alma da festa: família, etnicidade e projetos num clube<br />

social da Zona Norte do Rio de Janeiro - o Renascença Clube. Belo Horizonte: Ed.<br />

UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, 2006.<br />

HERZHAFT, Gerard. Blues. Campinas: Papirus, 1989.<br />

HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo:<br />

Companhia das Letras, 1999.<br />

MELLO, Zuza Homem de. A era dos festivais. São Paulo: Ed. 34, 2003.<br />

MUGGIATI, Roberto. Blues: da lama à fama. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995.<br />

RIBEIRO, Rita Aparecida da Conceição. Identidade e resistência no urbano: o Quarteirão<br />

do Soul em Belo Horizonte. 2008. 192 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Instituto de<br />

Geociências da UFMG, Belo Horizonte.<br />

Relação dos entrevistados<br />

Adenauer (Adenauer Marques da Silva) comerciário, integrante do grupo de dança Brother<br />

Soul e colecionador de discos de vinil.<br />

Dom Filó (Asfilófilo de Oliveira Filho) engenheiro coordena a ONG LUB, Liga Urbana de<br />

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As interações entre moda e música na constituição de identidades: uma análise das influências da Black Music<br />

Basquete, com projetos voltados para o desenvolvimento e o resgate da auto-estima dos<br />

jovens negros. Eventualmente toca nos bailes black do Rio.<br />

Gerson King Combo (Gerson Côrtes) cantor carioca, considerado o James Brown brasileiro.<br />

Teve 03 discos solo lançados: Gerson King Combo (1977), Gerson King Combo II (1978)<br />

e Mensageiro da Paz (2001), além de diversas participações em coletâneas e trabalhos de<br />

outros intérpretes. Atualmente trabalha para a Prefeitura do Rio de Janeiro em uma creche<br />

comunitária em Vila Isabel, mas continua se apresentando em bailes black.<br />

Lourinho (José Maria Gonçalves de Carvalho) pintor de automóveis frequenta o Quarteirão<br />

do Soul sempre acompanhado pela mulher Cida, que vende salgados e bebidas no espaço, e<br />

também é uma Dama do Soul.<br />

Mestre Tito (José Antônio Tito) vigilante bancário desenvolve um trabalho social voltado para<br />

capoeira. É integrante do grupo Brother Soul.<br />

Mr. Funky Santos (Oséias Moura dos Santos) autônomo, agora faz participações nas<br />

apresentações da Soul, Baby, Soul e do Club do Soul.<br />

Ronaldo Black (Ronaldo Bernardo Soares) taxista faz parte do grupo de dança BH Soul.<br />

Geralmente vai ao Quarteirão acompanhado do filho Ronaldinho, que já segue os passos do<br />

pai na dança.<br />

Stevie (Aloísio) dançarino do grupo BH Soul.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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ILuSTRAçãO DIGITAL NA MODA<br />

Gabriela Coutinho Pinheiro; Graduanda de <strong>Design</strong> de Moda: UFC<br />

gabrielapinheiro@gmail.com<br />

Adriana Leiria Barreto Matos; Docente do Curso de <strong>Design</strong> de Moda: UFC<br />

adriana.leiria@ufc.br<br />

Resumo<br />

O presente artigo tem o propósito de apresentar um estudo sobre<br />

Ilustração Digital em Moda. Para isto, o artigo se inicia fazendo<br />

um levantamento sobre a história da Ilustração em si, chegando<br />

a um conceito de Ilustração de Moda, fazendo um paralelo com<br />

a criação do próprio computador pessoal. Em seguida, foram<br />

apresentados os principais softwares utilizados no processo<br />

criativo de Ilustrações de Moda, como o CorelDRAW®, o Adobe<br />

Photoshop® e o Illustrator®, visando expor as suas principais<br />

aplicações. Após abordar os principais softwares, por fim serão<br />

discutidas as técnicas fundamentais usadas por Ilustradores,<br />

relacionando-as com os softwares, expondo as suas características<br />

e aplicações. Espera-se assim contribuir com essa área de estudo<br />

na formação de ilustradores de moda.<br />

Palavras-Chave: ilustração; moda; digital<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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Ilustração digital na moda<br />

Introdução<br />

O presente artigo aborda o tema Ilustração Digital em Moda, visando esclarecer a<br />

importância dos recursos disponíveis para esse campo e também expor as técnicas que os<br />

ilustradores profissionais utilizam a partir destes programas. A ilustração digital teve o seu início<br />

recentemente, a partir dos anos 1990, portanto ainda carece de maiores investigações a seu<br />

respeito.<br />

Buscou-se levantar informações quanto à origem da Ilustração Digital de Moda, visando<br />

compreender a sua importância para as ilustrações criadas hoje. Também foi analisada a<br />

utilização das novas tecnologias em comunhão com os procedimentos tradicionais, assim<br />

como buscou-se estudar a influência do uso desses aparatos no resultado final do processo<br />

de criação de ilustrações.<br />

Breve história da ilustração de moda<br />

A história da ilustração de confunde com a própria história da escrita, já que as primeiras<br />

formas de manifestação de comunicação humana deram-se através de figuras rupestres. Mais<br />

tarde, no Egito antigo, surge a primeira versão do que viria a ser um livro ilustrado – o Rev Nu<br />

Pert Em Hru, ou Livro dos Mortos. Inicialmente, os escribas dividiam o espaço do papiro para<br />

fazer a narrativa em hieróglifos, deixando espaços em branco a serem futuramente preenchidos<br />

pelos artistas. Gradativamente, as ilustrações passaram a ter mais importância, e coube aos<br />

artistas iniciarem a produção, invertendo o processo e deixando espaços pequenos para os<br />

escribas preencherem.<br />

Por volta de 1450, surgem os primeiros impressos, denominados de “Manuscritos<br />

Iluminados”. Profissionais adornavam esses manuscritos, contribuindo para a riqueza e<br />

iluminação das páginas folheadas a ouro. Daí surgiu o termo ilustrador – ou iluminador.<br />

A ilustração de moda teve a sua primeira manifestação no século XVII, com as gravuras<br />

detalhadas de Wenceslaus Hollar, um artista inglês que produzia também gravuras de formas<br />

arquitetônicas e plantas de edifícios e igrejas na Londres de 1600. Até então, a percepção de<br />

moda só era possível através das pinturas e esculturas. De acordo com Gragnato: “quando<br />

olhamos para a história da moda, percebemos que seus registros estão atrelados à história da<br />

arte, principalmente em pinturas, esculturas e gravuras” (2009, p.32)<br />

No século XVIII, a moda passou a ser disseminada em diversos jornais e revistas, e<br />

então surgiram os primeiros fashion platesi – ilustrações que mostravam o que havia de novo<br />

na moda, e usado como referência pelas mulheres interessadas (Figura 1).<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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Ilustração digital na moda<br />

De acordo com Lever,<br />

Figura 1<br />

“Evening and Walking dress”, 1827.<br />

Originalmente publicado por J. B. Whittaker, Londres.<br />

The Lady’s Magazine começou a publicá-los [os fashion plates] a partir de 1770.<br />

E, de repente, figurinos semelhantes estavam sendo publicados em toda a<br />

Europa. Para nós, acostumados às ilustrações de moda, é difícil compreender<br />

que, antes da invenção do fashion plate, obter informações sobre a última<br />

moda era [...] trabalhoso. (1989, p. 147)<br />

Durante toda a evolução dos desenhos de moda, as técnicas se aperfeiçoaram desde<br />

as gravuras, passando por técnicas mais tradicionais como guache e aquarela. As ilustrações<br />

continuaram evoluindo nos anos 1920, e nas décadas 1960 e 1970 se intensificou a utilização<br />

da estilização do traço, e a ilustração seguiu a sua história até o princípio dos anos 1990 –<br />

época em que a ilustração digital entrou em cena. Com ela, tornou-se possível alcançar um<br />

nível maior de realismo nas criações.<br />

Uma ilustração de moda, ao contrário de um desenho de moda ou de um desenho<br />

técnico, tem a preocupação de mostrar mais do que somente uma roupa. Como cita Esteves<br />

(2009), “Ilustrações podem mostrar o ambiente no qual o produto será usado e sua interação<br />

com o usuário”. Então, mais do que representar graficamente a criação de um estilista, a<br />

ilustração de moda deve transmitir um conceito.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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Ilustração digital na moda<br />

O ilustrador, na maioria das vezes, tem que se comunicar com o público leigo,<br />

provavelmente o usuário do produto. Por isso, a imagem criada tem que ser<br />

facilmente interpretada e ter um grande apelo visual, não importando detalhes<br />

de um desenho (ESTEVES, 2009) ii .<br />

Nas ilustrações, a representação real da forma deixa de ser crucial, e não é necessária<br />

a sua reprodução fiel para que o produto em questão tenha o seu destaque. De acordo com<br />

Carvalho (2010, p.31): “O ilustrador é, antes de tudo, um leitor e sua ilustração dá visibilidade<br />

à sua interpretação”. Cabe ao ilustrador projetar as suas impressões, interpretá-las de acordo<br />

com a sua visão.<br />

Cardeal e Pedrini (2007) contribuem para essa linha de pensamento, e acrescentam<br />

que, com as facilidades tecnológicas, a ilustração tornou-se uma forma eficaz e rápida de<br />

comunicar, de expor uma ideia. Para Dawber (2003, p. 08) a ilustração proporciona uma<br />

expressão artística que “apela mais ao coração que ao cérebro”.<br />

A ilustração de moda obteve notoriedade nos últimos anos devido à sua utilização na<br />

mídia, em campanhas publicitárias e lançamentos de produtos ilustrados. Nos anos 1990,<br />

surge um dos artistas ilustradores contemporâneos mais importantes: Jason Brooks (Figura<br />

2). Suas ilustrações lhe renderam o prêmio Vogue/Sotheby’s Cecil Beaton por ilustração de<br />

moda ainda na mesma década, e suas criações estabeleceram um novo conceito a respeito da<br />

ilustração vetorizada, antes tomada por rígida e desprovida de vivacidade. O artista produziu<br />

várias ilustrações computadorizadas em flyers para casas de entretenimento.<br />

Outro artista notório da época foi Graham Rounthwaite, que produziu uma série de<br />

outdoors para a marca jeans Levi’s, o que voltou os olhos do público para a ilustração digital.<br />

Figura 2<br />

Ilustração de Jason Brooks<br />

Fonte: Portfolio Online, disponível em: http://www.jason-brooks.com<br />

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Ilustração digital na moda<br />

O interesse atual por ilustração digital de moda se deve, em parte, à popularização de<br />

softwares como o Adobe Photoshop®, Adobe Illustrator® e CorelDRAW®. A internet causou<br />

reconhecimento do público em relação a esses programas, e até mesmo quem não possui<br />

informações técnicas sobre o referido assunto já tomou conhecimento da existência dos<br />

softwares de edição de imagem, como o Adobe Photoshop®.<br />

As proporções nos desenvolvimentos tecnológicos sociais e globais são reflexo<br />

da contemporaneidade que vivemos. A rapidez de informações, a efemeridade<br />

de comportamentos sociais, necessita de uma expressão artística que<br />

envolva os elementos atuais de subjetividade comportamentais; a ilustração<br />

acompanha essa mutação em que se encerra a sociedade atual. Por isso ela<br />

é um campo que atua com grande requisito em propagandas, livros, cartazes,<br />

revistas, todos os meios midiáticos massivos em que ela possa se destacar.<br />

(FREITAS, 2009, p. 3)<br />

Hoje, com acesso à internet, pode-se encontrar com facilidade referências e conteúdos<br />

que orientam o manuseio desses programas, compondo uma verdadeira biblioteca de efeitos,<br />

recursos e imagens. Torna-se possível para um ilustrador aperfeiçoar as suas habilidades<br />

técnicas e expressividade plástica através do compartilhamento de informações que a rede<br />

mundial de computadores disponibiliza, constituindo-se no que Gomes (2010, p.52) chama de<br />

“um vasto arquivo poético visual e objectual”.<br />

O avanço tecnológico expandiu as possibilidades da ilustração. Com o auxilio de<br />

computadores e de softwares especializados, tornou-se viável adicionar texturas e movimentos<br />

com mais realidade e praticidade. Para o ilustrador, isso também significou o contato direto<br />

e imediato com o público. Entretanto, após o surgimento e rápida propagação dessas novas<br />

tecnologias, os ilustradores que antes trabalhavam com técnicas tradicionais tiveram que<br />

adaptar-se:<br />

O ilustrador encontra tantas facilidades técnicas que acaba tendo esvaziado<br />

seu esforço frente a enorme concorrência com os ilustradores insurgentes,<br />

apoiados sobre as facilidades dos atuais softwares de criação gráfica<br />

(a máquina é a artista, o engenheiro, o médico e assim por diante). Nesse<br />

maravilhoso novo mundo, o computador criou, principalmente, a possibilidade<br />

de experimentar. (MILAGRE, 2008) iii<br />

Um dos maiores desafios do ilustrador que presenciou a transição da arte tradicional<br />

para a arte digital, mas que também é uma questão pertinente para os ilustradores iniciantes,<br />

é o de compreender a transformação gerada pela revolução tecnológica sobre a produção<br />

imagética. Com o decorrer do tempo, o repertório tecnológico amplia-se, assim como a<br />

diversidade de informações proeminentes do mundo inteiro, que são compartilhadas a todo<br />

instante numa rede de cooperação:<br />

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Ilustração digital na moda<br />

Alguns ilustradores, vencido o impacto inicial, mantiveram a calma e compraram<br />

computadores para utilizá-los sempre que necessário sem jamais dispensar<br />

o lápis, o guache, o papel e outros materiais tradicionais. Há, também, a<br />

nova geração de ilustradores que, deslumbrados com o computador, estão<br />

esquecendo de aprimorar a parte artística. (NAKATA, 2010, p. 41)<br />

Continuando o raciocínio de Nakata (2010), torna-se imprescindível para um bom<br />

ilustrador associar as técnicas nas quais tenha maior segurança com as crescentes inovações<br />

tecnológicas, procurando expressar-se e mostrar a sua individualidade. Veremos como alguns<br />

ilustradores fazem esse tipo de associação a seguir, mas antes se torna necessário introduzir<br />

as ferramentas e softwares mais difundidos para a ilustração de moda.<br />

Ferramentas utilizadas para ilustrar<br />

A ilustração de moda pode ser produzida com técnicas que vão desde aquelas<br />

com materiais artísticos como aquarela, giz, carvão, pastel, nanquim, tintas,<br />

canetas, grafites, até as consideradas mais sofisticadas em função do uso de<br />

softwares como Photoshop® e CorelDRAW®. Pode-se ainda mesclar essas<br />

técnicas (manuais e digitais) buscando enriquecer e personalizar ainda mais o<br />

resultado final do desenho. (AMORIM, 2008, p. 01)<br />

A ilustração digital teve a oportunidade de surgir com o advento de computadores a<br />

preços mais acessíveis. Nos anos 1980 já existiam os personal computers, ou PCs, mas a<br />

criação do mouse incorporou a gestualidade do artista aos processos digitais.<br />

De acordo com Tallon (2008, p. 12), um ilustrador precisa de instrumentos digitais para<br />

desenho e pintura, a exemplo da mesa digitalizadora, ou pen tablet. Este recurso possibilita<br />

a digitalização imediata do traço composto diretamente sobre uma superfície plana com tela<br />

sensível (a tablet, ou mesa digitalizadora propriamente dita) e uma caneta ótica. Em algumas<br />

marcas, a tecnologia que transmite o desenho para a tela do computador está situada na<br />

caneta; entretanto, a tecnologia em que a superfície da tela é sensível permite um melhor<br />

desempenho. A tablet possibilita uma pintura digital superior à obtida com o mouse, por sua<br />

precisão e pela capacidade de alteração de pressão. Com ela, pode-se também desenhar<br />

diretamente na tela do computador, sem a necessidade de um rascunho prévio digitalizado.<br />

Outra inovação que viabilizou digitalizar esboços foi o scanner, imprescindível para<br />

a transposição do desenho traçado com instrumentos tradicionais para o computador. Um<br />

ilustrador também necessita de métodos de captura de imagens. Tallon (2008, p.12) frisa que<br />

se deve dispor de um scanner de qualidade, que servirá para as possíveis digitalizações no<br />

dia-a-dia.<br />

Um dado bastante significativo em relação à introdução do computador como<br />

ferramenta nas editorias de arte, a partir da década de 90, diz respeito ao<br />

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Ilustração digital na moda<br />

formato dos originais dos desenhos. [...] Os desenhos realizados na década de<br />

80 são de diferentes tamanhos e materiais. Eram fotografados no estúdio do<br />

jornal, sem impedimento de dimensões. Desde a década de 90 as redações<br />

ou os estúdios dos ilustradores dispõem de escaners tamanho A-4 (o tamanho<br />

maior é muito caro), o que acarreta numa limitação evidente em termos de<br />

gestualidade e textura. (GUIRALDO, 2006, p. 10)<br />

Um scanner de alta qualidade detém um custo elevado, então, caso o artista necessite<br />

de uma qualidade superior, é mais viável terceirizar as digitalizações em gráficas especializadas.<br />

Outros recursos disponíveis são as câmeras digitais, tanto para composições quanto para<br />

eventuais aquisições de imagens que irão compor o banco de imagens do ilustrador com a<br />

finalidade nortear futuros trabalhos.<br />

Softwares utilizados<br />

Pode-se considerar que as imagens no meio digital podem ser classificadas em vetoriais<br />

ou bitmaps. Imagens vetoriais são compostas de linhas e pontos, objetos matemáticos,<br />

definidos por vetores. Já a imagem no formato de bitmap (mapa de bits) é constituída por uma<br />

sequência de bits que formam uma figura que consiste em centenas de linhas e colunas de<br />

pequenos elementos, chamados pixelsiv . Dependendo da quantidade de ampliação da imagem<br />

trabalhada, o pixel não pode ser visualizado individualmente, resultando em uma percepção<br />

da imagem em suaves gradações de cor.<br />

A imagem vetorial, por sua vez mantém a sua nitidez quando redimensionada, ao<br />

contrário das imagens em bitmap, que necessitam de um número considerável de pixels para<br />

obter uma imagem nítida. Alguns softwares só produzem imagens vetoriais, como é o caso<br />

do CorelDRAW® que por definição de Canto (2002, p. 5), são desenhos matematicamente<br />

ligados por vários pontos unidos por linhas. Dessa forma, é possível alterar o tamanho e o<br />

formato de um objeto vetorial sem que ele perca as suas definições – ao redimensioná-lo, ele<br />

é recalculado matematicamente para o novo formato, sem que haja perda na qualidade final.<br />

No tocante à edição de imagem, a criação de softwares como Adobe Photoshop®<br />

e CorelDRAW® coincidiram com a criação de máquinas capazes de executá-los. Em 1988<br />

foi lançada a primeira versão do programa CorelDRAW®, mas apenas em 1995 surgiu a<br />

primeira versão do programa em 32 bits, ou seja, em cores. Este programa facilitou em muito<br />

a criação de desenhos técnicos de moda, que é a expressão gráfica primordial do ambiente<br />

industrial, sendo assim de significativa importância. Além da maior rapidez com que as peças<br />

são desenhadas, a utilização desse software possibilita uma imagem perfeitamente simétrica,<br />

dentre outros padrões de exigência específicos da representação técnica, que costumavam<br />

requerer mais tempo e atenção para serem atingidos com ferramentas tradicionais.<br />

Houve uma evolução gradativa em que as ferramentas vetoriais do CorelDRAW®<br />

passassem a ser utilizadas não somente para desenhos técnicos, mas também para desenhos<br />

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Ilustração digital na moda<br />

estilizados e ilustrações. Para isso, torna-se necessário não somente dominar as principais<br />

ferramentas do programa, como também possuir conhecimento também sobre o desenho<br />

de moda. Além de linhas retas e desenhos planificados, o CorelDRAW® também permite a<br />

criação de traços mais fluidos, transparências e outros efeitos que auxiliam na suavização da<br />

imagem.<br />

Outro programa da Corel Corporation é o Corel® PHOTO-PAINT, um software voltado<br />

para edições de imagens em bitmap. Através dele é possível aplicar efeitos em imagens, como<br />

alterar seu brilho e contraste, redimensioná-las e, assim, aprimorar o seu feitio. Também há<br />

o Corel® Paint Shop Pro®, criado em 1991, inicialmente apenas para auxiliar usuários de<br />

computador a modificar o formato das imagens, com alterações básicas na cor e algumas<br />

manipulações, como alterações em brilho e contraste das imagens.<br />

O CorelTRACE®, por sua vez, permitia converter bitmaps em gráficos vetoriais. O<br />

programa transforma uma imagem escaneada num vetor, que pode ser editado futuramente no<br />

CorelDRAW®, viabilizando assim o processo de vetorização de imagem. Hoje o programa foi<br />

incorporado como ferramenta dentro do CorelDRAW®, sob o nome de Corel PowerTRACE®.<br />

Também desenvolvido pela Corel Corporation o programa Corel Painter® destaca-se<br />

na ilustração digital, especialmente no quesito de pintura. De acordo com Grossman (2010,<br />

p. 11): “O Painter foi o primeiro programa de emulação de mídias naturais, criado por artistas<br />

para artistas”. Ele tem a capacidade de imitar virtualmente qualquer técnica tradicional, e<br />

possui uma vasta quantidade de estilos de ferramentas que permitem uma pintura digital<br />

com muitos atributos. Grossman (2010) compara o programa com o Adobe Photoshop®,<br />

que também é voltado para imagens com pixels, declarando que enquanto o Photoshop®<br />

é ideal para manipulação de imagens, o Painter é mais completo em termos de ferramentas<br />

para a pintura digital; ainda de acordo com Grossman(2010), com o passar dos anos, os dois<br />

programas têm se tornado cada vez mais compatíveis, tornando-se assim possível criar uma<br />

imagem utilizando os melhores recursos dos dois programas.<br />

O Adobe Photoshop® surgiu há mais de 20 anos, e tem o seu uso geralmente ligado à<br />

edição e retoques de imagens. Com ele torna-se possível alterar cores, ajustar a luz, adicionar<br />

texturas e estampas e mais uma infinidade de ferramentas. Com o auxílio de um scanner e a<br />

ajuda de uma mesa digitalizadora, pode-se finalizar um croqui feito à mão, adicionando cor<br />

e aperfeiçoando o traço. Também é possível criar uma ilustração ou desenho de moda sem<br />

a necessidade de um esboço inicial digitalizado: na sua área de trabalho é possível a criação<br />

espontânea, com ajuda dos recursos do programa e da tablet:<br />

O programa oferece inúmeras facilidades para designer e produtores gráficos<br />

criarem imagens sofisticadas, que poderão ser impressas ou colocadas na Web.<br />

[...] Apresenta diversas ferramentas específicas para alterar brilho, contraste e<br />

cores de uma imagem; preparar uma foto para ser utilizada por um software<br />

de paginação, como o In<strong>Design</strong>, ou de ilustração digital, como o Illustrator®;<br />

otimizar uma imagem para a Web, a ser utilizada em um programa como o<br />

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Ilustração digital na moda<br />

Dreamweaver; realizar um gerenciamento avançado de camadas; ferramentas<br />

de desenho vetorizado; entre outras funções. (ANDRADE, 2007, p. 11)<br />

Todas as imagens produzidas no Adobe Illustrator® são criadas em vetor, incluindo as<br />

fontes. Uma imagem vetorial, como já foi dito antes, é feita através da união de pontos unidos<br />

por retas – isso faz com que a sua resolução seja independente, tornando a imagem capaz de<br />

ser redimensionada para qualquer tamanho e impressa em qualquer mídia. Isso faz com que<br />

gráficos vetoriais, de acordo com Centner e Vereker (2007), possam ser considerados como o<br />

formato ideal para criar desenhos técnicos detalhados e ilustrações de moda.<br />

A Adobe não batizou o seu produto como Illustrator® sem razão. Artistas<br />

podem criar ilustrações para livros infantis, capas de revistas e artigos e uma<br />

enorme variedade de produtos, e eles utilizam o Illustrator® para aproveitar<br />

a alta qualidade e precisão disponíveis no programa. Uma variedade de<br />

instrumentos, [...] permitem que os ilustradores possam traduzir as imagens<br />

que vêem em suas mentes para a realidade. (GOLDING, 2009, pág. 17)<br />

No universo da moda também são utilizados outros softwares, de cunho mais<br />

especializado e integrado com o ambiente fabril, a exemplo dos programas de CAD ou CAM<br />

(Computer-Aided <strong>Design</strong> e Computer-Aided Manufacturing), como o Audaces. O CAD / CAM<br />

foi introduzido na indústria da moda na década de 1980 como um sistema autônomo. Ele foi<br />

originalmente desenvolvido para a Indústria Têxtil e de Vestuário, no âmbito do processo de<br />

fabricação e produção, que incluiu a criação de produtos têxteis, a elaboração e classificação<br />

de modelagens.<br />

Há uma série de softwares de moda e desenho especificamente para<br />

as pequenas empresas e designer freelancer, mas as grandes empresas<br />

de vestuário são mais propensas a usar o poderoso CAD para vestuário e<br />

programas têxteis produzidos pela Lectra e Gerber. Estes programas têm sido<br />

desenvolvidos para integrar todas as áreas do processo de vestuário e design<br />

têxtil, fazendo modelagens, classificações, e criação de vestuário através<br />

do merchandising e gerenciamento de dados. Consequentemente, estes<br />

programas são caros, mas permitem que as empresas grandes possam obter<br />

economias de escala. (BURKE, 2006, p. 157)<br />

Há também o Lectra Kaledo, um software recomendado para a área de criação; e ainda<br />

programas como o Digital Fashion Pro, My Label 3D, Fashion Tool Box e Virtual Fashion. Este<br />

último é o primeiro programa em 3D voltado especialmente para a moda, destacando-se dos<br />

demais por suas várias possibilidades e efeitos. Nele, torna-se possível criar modelos com<br />

mais veracidade, alcançados com os recursos disponíveis para a representação automática<br />

de textura e de caimento de tecidos.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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Ilustração digital na moda<br />

Técnicas e ilustradores<br />

No campo da ilustração digital, constata-se que, apesar de inúmeras possibilidades de<br />

ferramentas e efeitos que podem ser criados com o auxilio de softwares, algumas técnicas se<br />

destacam.<br />

A técnica mais utilizada pelos ilustradores é a de fazer um esboço a lápis, escaneá-lo<br />

e então aperfeiçoá-lo em softwares específicos. A artista espanhola Carmen Garcia Huerta é<br />

adepta a esse método: ela produz um rascunho a lápis e o digitaliza, então faz o traçado da<br />

imagem inteira no Adobe Illustrator®. Neste ponto, são escolhidas as cores que virá a utilizar,<br />

e então utiliza o Photoshop® para adicionar volumes, luzes, suavizar a pele (Figura 3).<br />

Figura 3:<br />

Ilustração de Carmen Garcia Huerta<br />

Fonte: Portfolio Online, disponível em: http://www.cghuerta.blogspot.com/<br />

A ilustradora Yuko Shimizu utiliza o Adobe Photoshop® como “uma máquina<br />

computadorizada de silk-screen” (MORRIS, 2009, p. 117): após fazer a ilustração à mão com<br />

tinta nanquim, utilizando pincéis de bambu, ela então digitaliza o desenho final e somente<br />

adiciona a cor por intermédio dos recursos digitais. (Figura 4)<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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Ilustração digital na moda<br />

Figura 4<br />

Ilustração de Yuko Shimizu<br />

Disponível em: http://koikoikoi.com<br />

O trabalho de Miles Donovan (Figura 5) se destaca por ser digital, mas ao mesmo aliado<br />

a recursos tradicionais, como a fotografia e a colagem. Inicialmente ele utiliza uma foto, que<br />

é escaneada e manipulada no Adobe Photoshop®. A partir da imagem manipulada, utiliza<br />

então o Illustrator® para separar as cores da imagemv , criando estênceis individuais, que serão<br />

impressos. Os estênceis são cortados e pintados com spray em imagens individuais, que<br />

serão mais uma vez digitalizadas e montadas em camadas no Photoshop®. É um processo<br />

longo e trabalhoso, mas que garante que o artista possua controle absoluto nas formas e nas<br />

cores de todos os elementos de seu trabalho.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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Ilustração digital na moda<br />

Figura 5:<br />

Ilustração de Miles Donovan<br />

Fonte: Portfolio Online, disponível em: http://www.milesdonovan.co.uk/<br />

Já Stephen Campbell (Figura 6) cria as suas ilustrações diretamente no Adobe<br />

Illustrator®, sem um rascunho prévio. Ele utiliza o mouse para criar linhas grossas que lembram<br />

marcadores permanentes, e aprecia o momento de “brincar com as cores durante o processo<br />

criativo” (MORRIS, 2009, p. 132). O ilustrador Marcos Chin também cria diretamente na área<br />

de trabalho do Adobe Illustrator®, mas se diferencia de Stephen Campbell por planejar a sua<br />

ilustração com papel e lápis antes, e usá-la como guia durante todo o seu processo.<br />

Figura 6:<br />

Ilustração de Stephen Campbell<br />

Fonte: Portfolio Online, disponível em: http://www.art-dept.com/illustration/campbell/index.html<br />

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Ilustração digital na moda<br />

Nice Lopes é uma ilustradora brasileira que recentemente teve seu trabalho publicado<br />

no livro Illustration Now, vol. 2 (TASCHEN, 2007). Ela utiliza o CorelDRAW® em conjunto com<br />

o Adobe Photoshop® para criar as suas ilustrações vetorizadas (Figura 7). A argentina Evelyna<br />

Callegari também produz as suas ilustrações utilizando o CorelDRAW®, criando bonecas<br />

estilizadas e com um ar infantil, além de também produzir ilustrações mais complexas que<br />

retratam a mulher moderna. Já o designer de moda praia e ilustrador Roger Hahn também<br />

utiliza o CorelDRAW® para compor as suas ilustrações vetorizadas, utilizando as ferramentas<br />

dos programas para alterar as cores dos trajes de banho das modelos com maior facilidade e<br />

fidelidade ao modelo original.<br />

Discussão<br />

Figura 7:<br />

Ilustração de Nice Lopes<br />

Fonte: Portfolio Online,<br />

disponível em: http://nicelopes.blogspot.com<br />

A despeito da vasta produção imagética de nosso país, no que diz respeito<br />

à formação visual ainda persistem valores românticos como “ter ou não ter<br />

talento”, “saber ou não saber desenhar”, descuida-se da necessidade de<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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Ilustração digital na moda<br />

educação para a linguagem visual e de um entendimento menos obscuro<br />

acerca da elaboração mental envolvida na produção de imagens. (GUIRALDO,<br />

2006, p. 01)<br />

Mesmo depois de discussões referentes ao surgimento da Ilustração de Moda, e o<br />

momento da sua união com a era dos computadores, gerando assim a Ilustração Digital, ainda<br />

existem dúvidas pertinentes ao tema. A primeira é a diferenciação de uma Ilustração de Moda<br />

e de um desenho de moda.<br />

Como comenta Gragnato:<br />

Entendida aqui também como linguagem de representação visual, a ilustração<br />

de moda traz elementos próprios deste universo e vai mais além, incorporando<br />

e interpretando elementos culturais e sociais. Isto significa dizer que a ilustração<br />

de moda traz o “pulsar do tempo”, pois carrega traços desse tempo, valores<br />

e comportamentos, mudanças e oscilações, que influenciam a percepção e a<br />

concepção de novas estéticas, bem como análise e interpretação do espírito<br />

do tempo, da época em que ela foi realizada. Por isso mesmo, a diferença<br />

entre desenho e ilustração é muito sutil e suas nuances se entrelaçam e se<br />

misturam, dificultando a percepção de limites (2008, p. 63)<br />

Um dos maiores obstáculos de um ilustrador de moda é diferenciar o seu trabalho de<br />

um desenho de moda comum; atribuir a ele significados subjetivos, passar sensações e criar<br />

um contexto dê destaque a ilustração. Gomes (2010, p.54) menciona que Couchot considera<br />

o computador e suas funcionalidades detentores de vantagens no que diz respeito à recepção<br />

do expectador ao objeto de visual. Ou seja, a transformação tecnológica na produção imagética<br />

não se restringe somente aos métodos de trabalho do ilustrador, mas também a quem aprecia<br />

e experimenta o processo de fruição dessas imagens.<br />

Sobre a importância das ilustrações, Freitas discorre que:<br />

Talvez por ser uma expressão artística mais midiática e popular, tenha sido<br />

excluída do campo artístico durante muito tempo e hoje ela faça parte do<br />

campo de artes visuais. Esteticamente ela se compõe de vários elementos<br />

significativos que colaboram com o resultado final. (2009, p. 2)<br />

Outro questionamento pertinente é que, até pouco tempo atrás, se considerava a<br />

Ilustração Digital como uma forma de ilustração menor, atribuída a imagens rígidas e sem a<br />

vivacidade conferida às artes tradicionais; hoje, cabe ao ilustrador e aos pesquisadores do<br />

assunto quebrar esses paradigmas. Gomes (2010, p.53) justifica que “[...]‘um novo’ paradigma<br />

no desenvolvimento dessas imagens [...]” torna-se objeto de investigação e análise sob o<br />

ponto de vista técnico-científico. Percebe-se que, a Ilustração Digital amplia as possibilidades<br />

de criação e representação plástica de objetos, contextos e tendências socioculturais através<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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Ilustração digital na moda<br />

de seus inúmeros recursos. Para isso, o ilustrador pode ampliar o seu repertório expressivo<br />

através da utilização dos softwares, para assim poder aplicá-los em seus trabalhos da melhor<br />

forma possível. Entretanto, torna-se necessário ressaltar a importância de um conhecimento<br />

prévio em estilos e técnicas de representação tradicionais, para que a utilização dos meios<br />

digitais sirva para aperfeiçoar todo o processo de composição das ilustrações.<br />

Conclusão<br />

Com a utilização de softwares e demais recursos digitais, torna-se possível criar<br />

ilustrações com um grau de complexidade que só seria alcançada no desenho tradicional<br />

através de muita habilidade técnica e detalhamento. Com o auxilio desses programas, podese<br />

retocar, alterar e colorir as ilustrações digitalizadas, atribuindo tanto mais vivacidade quanto<br />

mais uniformidade ao desenho. Também se podem incorporar tecidos e texturas, sobrepondoas<br />

ao traço, e também representar estampas com mais precisão.<br />

O universo dos recursos digitais enriquece o trabalho, valorizando o traço manual.<br />

Existem inúmeras possibilidades de utilização, tanto na criação direta da ilustração quanto na<br />

combinação entre o desenho digital e outras técnicas tradicionais. Torna-se assim necessário<br />

deter conhecimento abrangente a respeito das ferramentas e programas existentes, assim como<br />

adquirir referências para compor o processo. Todas essas ferramentas auxiliam na elaboração<br />

de uma ilustração autoral, com significação e impacto, diferindo-se dos desenhos de moda.<br />

Uma ilustração que seja capaz de refletir a contemporaneidade, atingindo o expectador por<br />

meio da sensibilidade e da experimentação:<br />

Um possível ponto de referência que permite a diferenciação entre o desenho<br />

e ilustração é a própria idéia de comunicação do produto de moda. Se em<br />

ambos há a representação gráfica de peças de roupa ou acessório, o desenho<br />

ou croqui preocupa-se com seu detalhamento e características envolvidas em<br />

sua fabricação e na ilustração concentra-se na mensagem de moda intrínseca<br />

a este produto. A partir dessa perspectiva, podemos entender que a ilustração<br />

de moda está no campo experimental: novas estéticas, conceitos e técnicas<br />

de comunicação tanto de moda como de estilos de vida (GRAGNATO, 2008,<br />

p. 63)<br />

A popularização dos computadores e criação de novos softwares, aliados à enorme<br />

quantidade de informações encontradas na internet, livrarias, grupos de estudo e de discussão,<br />

eventos e encontros, fez com que hoje a quantidade de designers e ilustradores expondo o<br />

seu trabalho aumentasse consideravelmente. A disseminação de bons trabalhos através de<br />

portfólios online e websites pessoais tornaram-se um desafio para o ilustrador iniciante. Agora,<br />

cada artista pode digitalizar seus trabalhos e expô-los em sites especializados ou pessoais.<br />

Assim, não somente todo o público pode apreciar, como também amplia-se a visibilidade e,<br />

assim, há uma maior difusão da produção de ilustrações.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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Ilustração digital na moda<br />

Não obstante possuir domínio das mídias artísticas tradicionais, como também<br />

conhecimento abrangente sobre as ferramentas disponíveis dos softwares, o ilustrador<br />

possui o desafio também de se diferenciar dos demais. A inclusão digital permite que muitos<br />

outros artistas exponham o seu trabalho, gerando assim uma rede vasta de ilustrações,<br />

ilustradores e imagens. Pode-se considerar que um dos maiores obstáculos para o ilustrador<br />

na contemporaneidade é atingir a identidade visual de sua produção imagética.<br />

Por outro lado, é exatamente o caráter personalizado e diversificado da ilustração que<br />

têm lhe conferido o prestígio perdido para a fotografia. As imagens de moda retratadas através<br />

dos ilustradores refletem além das inovações digitais, uma longa tradição pictórica, aliada ao<br />

seu poder de comunicação. As ilustrações digitais fazem parte de nosso contexto cultural e<br />

unem arte e tecnologia na busca da representação da expressividade contemporânea.<br />

Notas<br />

i Termo em inglês que significa, em tradução livre, tela de moda. As fashion plates eram imagens<br />

que circulavam em revistas especializadas e através de costureiras, expondo o que havia de novo no<br />

mundo da moda em forma de ilustração.<br />

ii Disponível em: http://www.cadesign.com.br/artigos/comunicacao-entre-o-projetista-e-o-ilustrador.<br />

html<br />

iii Disponível em: http://www.webartigos.com/articles/3892/1/Cefetinho---A-Ilustracao-Pedagogica/<br />

pagina1.html#ixzz16mcCZnn1<br />

iv Pixel: abreviatura de picture element - elemento da imagem.<br />

v As imagens na tela do computador são formadas por camadas de cores sobrepostas, chamadas de<br />

RGB (a abreviatura do sistema de cores aditivas formado por Vermelho - Red, Verde - Green e Azul -<br />

Blue). A união dessas camadas dá a cor da foto.<br />

Referências<br />

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Distância. In: Modapalavra E-periódico, ed. 4, 2009.<br />

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Ilustração digital na moda<br />

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São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 261


MODA E MúSICA: AFINIDADE DECLARADA<br />

Renata Santiago Freire; Graduanda de <strong>Design</strong> de Moda: UFC<br />

renatasantiagof@hotmail.com<br />

Adriana Leiria Barreto Matos; Docente do Curso de <strong>Design</strong> de Moda: UFC<br />

adriana.leiria@ufc.br<br />

Resumo<br />

O presente artigo tem o objetivo de analisar e compreender<br />

algumas relações possíveis entre moda e música ao longo<br />

do séc. XX e início do século XXI. Analisa-se a importância e<br />

influência da moda e da música na construção da subjetividade<br />

do indivíduo assim como na construção de grupos e tribos sociais<br />

e culturais. Assim, são conceituadas moda e música, citando<br />

as suas principais semelhanças e lógicas enquanto sistemas,<br />

assim como os principais movimentos históricos em que ambas<br />

enunciam a mesma estética de comportamento. Por fim, situase<br />

a ligação e materialização da união entre moda e música na<br />

contemporaneidade. Almeja-se assim contribuir com essa área<br />

de estudo na formação de estudiosos de moda, música e afins,<br />

considerando que pouco foi pesquisado sobre esse assunto tão<br />

importante devido ao seu rico caráter cultural e interdisciplinar.<br />

Palavras-Chave: moda; música; cultura<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 262


Moda e música: afinidade declarada<br />

Introdução<br />

Realizou-se uma pesquisa com o objetivo de analisar e compreender a relação entre<br />

moda e música ao longo do séc. XX e início do século XXI. O séc. XX é o ponto de partida deste<br />

artigo, já que foi a partir dele que observamos o surgimento denovas mídias e tecnologias de<br />

gravação, o rádio foi popularizado, a música tornou-se portátil e a moda se transformou em<br />

um meio poderoso de expressão e criação de valores da sociedade.<br />

Com a finalidade de comprovar as possíveis relações de afinidade entre moda e música,<br />

é necessário observar as manifestações sociais e movimentos criados no interior dessas duas<br />

representações artísticas que tanto revelam o indivíduo, o espaço e o tempo a que se referem<br />

em determinada época histórica.<br />

Com o advento do séc. XX, a figura da mulher ganhou mais autonomia dentro da<br />

sociedade, que passou a se desenvolver em prol dos valores do consumo e da juventude<br />

(LIPOVETSKY, 1989).Pollini (2007) diz: “Durante a Primeira Guerra, as mulheres tiveram de<br />

assumir trabalhos que antes eram exclusivamente desempenhados por homens, o que<br />

impulsionou de certa forma uma nova postura da mulher” (pág.45). Para Braga (2007) o<br />

“conturbado” e “empolgante” séc. XX fez com que os interesses da moda passassem a ser<br />

outros como as atividades de trabalho, o esporte e o divertimento, especialmente a dança.<br />

Assim, as roupas iam se adaptando às novas necessidades.<br />

Busca-se descobrir qual o papel da música no nascimento e difusão de um estilo de<br />

moda assim como a influência da moda na propagação e fama de determinado estilo musical.<br />

Descrevendo as primeiras décadas do século XX e constatando a união entre a moda e a<br />

música, Braga (2007) articula que: “A diversão fazia parte da vida das pessoas e um dos<br />

valores muito em voga nesse período foi a dança e, por incrível que pareça, contribuiu para as<br />

mudanças da moda”.<br />

Com tantas semelhanças em suas lógicas e conceitos, é necessário refletirmos acerca<br />

da ligação forte entre duas correntes que exploram os sentidos e funcionam como poderosos<br />

meios de comunicação a nível individual e social. E finalmente, são mencionados os movimentos<br />

históricos mais importantes a fim de clarificar a interrelação da moda e da música em nossa<br />

contemporaneidade.<br />

Observa-se que a moda está presente no figurino dos ícones da música, que por sua<br />

vez, inspiram e influenciam a criação dos estilistas, assim como cada vez mais a moda vende<br />

e apropria-se das tendências e ideias criadas pela música.<br />

Moda e música: afinidade declarada<br />

Moda é um poderoso meio de expressão, reflexão e apropriação dos sentidos. É um<br />

sistema amplo que envolve fatores econômicos, sociais, culturais, e ajuda na construção de<br />

nossa identidade através dos inúmeros códigos simbólicos aos quais disponibiliza. Segundo<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 263


Moda e música: afinidade declarada<br />

Polhemus (1994), vestuário e ornamentos são utilizados há milhões de anos com o intuito de<br />

comunicar as suas necessidades, fossem elas pessoas, tradição ou autenticidade.<br />

A moda é um fenômeno peculiar aos seres marcados pela linguagem, representa as<br />

atitudes que o sujeito adota, seja na escolha de uma peça do vestuário ou na preferência<br />

de determinado estilo musical. Para Baldini (2006), a roupa fala e geralmente transmite<br />

informações ambíguas, pois utilizamos o vestuário com o intuito de satisfazer necessidades<br />

pessoais, sociais ou simplesmente pelo simples prazer estético.<br />

A moda cria uma identidade mutável, simplesmente por pregar posições que o sujeito<br />

deve ou não adotar. Através da sua linguagem visual, tão carregada de significações nos<br />

mostra características de um indivíduo assim como as transformações de uma sociedade.<br />

De acordo com Pearson:<br />

A moda não visa exclusivamente homenagear a beleza e a estética - cujos<br />

ideais são variáveis - propondo uma simbologia visual que transmita a idéia ou<br />

sensação que o usuário deseja, naquele instante comunicar ao expectador.<br />

Por esta razão, a Moda se modifica de acordo com os fundamentos culturais<br />

de cada época vivenciada pela história da humanidade. (1994, pág.33)<br />

Ou seja, a linguagem da moda nos possibilita o conhecimento da trajetória do homem<br />

através do estudo e decodificação de seus símbolos. Possui uma historicidade valiosa, sendo<br />

capaz de caracterizar determinada época por ser dotada de um objeto concreto e visível: o<br />

vestuário.<br />

Existem várias definições para a música, assim como muitas possibilidades para<br />

sua classificação segundo gêneros, estilos e formas. Tais classificações podem servir como<br />

uma referência para agrupar obras musicais distintas sob uma mesma vertente a partir da<br />

comparação entre elementos musicais como melodia, harmonia, ritmo, dinâmica e timbre.<br />

Jourdain (1998) defende a idéia de que a música oferece meios para experimentarmos relações<br />

muito mais profundas do que as encontradas por nós no cotidiano.<br />

A relação entre a música e os sentidos se aprimorou ainda mais com a criação dos<br />

primeiros videoclipes já na década de 1950 e também com as cenas de Gene Kelly no filme<br />

Cantando na Chuva de 1952 e Elvis Presley no filme Jailhouse Rock de 1957.<br />

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Moda e música: afinidade declarada<br />

Figura01:Elvis Presley Jailhouse Rock, 1957 Fonte: Website http://www.iill.net/tag/presley<br />

Aliando som, letra e imagem, os videoclipes se tornaram cada vez mais difusores de<br />

moda a partir da década de 1980, quando estrelas do pop como Madonna e Michael Jackson<br />

exibiam seus figurinos bem elaborados através de uma música forte e envolvente. Segundo<br />

Braga (2007, pág. 100): “Ídolos musicais foram grandes formadores de opinião na identificação<br />

de moda jovem. Prince, Madonna e Michael Jackson deixaram suas contribuições na moda,<br />

não só norte-americana, como também na de todo o mundo.<br />

Hoje, não muito diferente do passado, verifica-se as mesmas<br />

influênciascomportamentais geradas por algum determinado estilo musical<br />

que é respondidoem forma de aceitação ou rejeição à cultura. Esse tipo de<br />

exemplo pode ser vistoao observar que em algumas décadas, como as de 60<br />

e 70, os jovens brasileirosutilizaram a música como forma de protesto contra<br />

a dependência cultural e ainfluência estrangeira. (MOUTINHO & VALENÇA,<br />

2005, pág. 225).<br />

Os movimentos que criam estilos musicais geralmente são ditados e difundidos pela<br />

juventude. E é aí que a música se une à moda, mesclando símbolos e criando códigos de<br />

identificação. A escolha de determinada moda ou música funciona como uma espécie de<br />

veículo de comunicação do eu, pois ambas possuem caracterizações específicas que definem<br />

o indivíduo de acordo com seus gostos, aquisições e preferências. Assim, moda e música<br />

possuem uma linguagem própria, são dois ricos meios de expressão, e estão em constante<br />

mutação ao longo de suas evoluções enquanto manifestações históricas. Agem criando<br />

desejos, aspirações e ídolos a serem cultuados e imitados. Ferron discorre acerca da interação<br />

dinâmica de cada indivíduo com o coletivo e o meio no qual ele está inserido, instaurando um<br />

processo que ele chama de percepção inventiva:<br />

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Moda e música: afinidade declarada<br />

As necessidades de “pertencer”, de “fazer parte” de um determinado grupo<br />

em um determinado momento duelam com as necessidades de “surpreender,<br />

de ter destaque, ser notado” pelos outros que cada indivíduo projeta. E a<br />

moda como linguagem e os trajes como suporte registram e animam essa<br />

expressão, dando forma, criando produtos e sonhos. (1994, pág. 7)<br />

Moda e música são fenômenos culturais que se influenciam e fundem-se, dotados de<br />

carga histórica e emocional. Observa-se durante o século passado que os movimentos de<br />

juventude representam de acordo com suas especificidades, os fatos sociais, as manifestações<br />

culturais de uma época e não raro estão relacionados à determinada moda ou música.<br />

Analisando os principais movimentos comportamentais do séc. XX, se pode constatar<br />

a constante união entre moda e música. Aliança essa que auxilia na formação dos conceitos e<br />

definições e no reforço da identidade de tais movimentos perante os seus seguidores.<br />

O início do séc. XX é caracterizado musicalmente pelo surgimento do Jazz que tinha<br />

o apelido pejorativo de “música dos pretos”, por ter sido criado e tocado em sua maioria por<br />

negros. Música essa que nasceu nos EUA, nas proximidades da cidade de Nova Orleans,<br />

e se transformou no símbolo de um novo e mais intenso estilo de vida. Braga (2007, pág.<br />

73) cita que: “Os ritmos mais em evidência foram o charleston, o foxtrot e o jazz.” O jazz<br />

foi fundamental para a expressão e desenvolvimento cultural de seus artistas que utilizavam<br />

referências afro-americanas com notas de blues e swing.<br />

E ainda, o Jazz, o Charleston e as novas descobertas cientificas (que<br />

encorajavam a prática de esportes e passeios ao ar livre) contribuíram para, de<br />

repente, a moda dar um pulo: subitamente, a silhueta mudou, o cabelo mudou,<br />

a altura das saias mudou, os costumes mudaram. (POLLINI, 2007, pág. 45)<br />

Nos anos 1920, o ritmo musical do jazz era compatível com as mudanças aceleradas<br />

que o séc.XX trazia para todos. Segundo Braga (2007) eram os chamados “anos loucos” e<br />

as mudanças foram tantas e tão marcantes que fica difícil desvincular a palavra “novo” dessa<br />

década. Foi um período que vivenciou prosperidade e foi ilustrado pela figura das melindrosas,<br />

que eram as mulheres mais modernas da época, por frequentarem os salões de dança e<br />

traduzirem através de seu comportamento, e modo de vestir, o sentimento e o espírito da Era<br />

do Jazz.<br />

A dança pedia movimento e o vestuário ofereceu o padrão: vestidos curtos com franjas,<br />

costas de fora e longos colares. Com o embalo da música, os padrões de moda da época são<br />

rompidos e as mulheres passam a mostrar mais o corpo e a conquistar aos poucos cada vez<br />

mais autonomia.<br />

As décadas de 1930 e 1940 foram marcadas pela crise financeira mundial, originada<br />

pela queda da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929 e pela eclosão da Segunda Guerra<br />

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Mundial, respectivamente. Porém, Braga (2007, pág.75) afirma que: “Paradoxalmente à crise<br />

econômica, a moda refletiu um momento de grande sofisticação, luxo e esplendor.” Nessa<br />

época, o cinema passa a ter destaque e refletia-se no comportamento de moda. A música<br />

popular passa a ser um fenômeno de proporções continentais e de massa. Para Canellas<br />

(2008), o estilo musical em ascensão, em meados dos anos 1930 era o swing, estilo de jazz<br />

próprio para dançar e adotado fortemente pela mídia com o intuito de estimular e entreter a<br />

população.<br />

O rock and roll, por exemplo, embalou e caracterizou o novo mercado jovem dos anos<br />

1950. O vestuário passa a representar um verdadeiro símbolo de pertencimento a um grupo,<br />

atribuindo papéis e reconhecimento entre pessoas que acreditam em uma mesma atitude<br />

perante o mundo. Segundo Pearson (1994, pág.5): “a cultura rock, evolução de um estilo<br />

musical (rock and roll) para um movimento mundial foi, talvez a primeira fórmula criativa dos<br />

jovens que influenciou a moda entre 1955 e 1965, aproximadamente.”<br />

Nos anos 1960, a moda era questionar o sistema vigente. É nesse momento histórico<br />

que surge a figura dos beatniks e a febre chamada Beatles. O espírito de contestação é a<br />

bandeira dos beatniks. O termo beat, origina o nome Beatles, mania de toda uma geração.<br />

Esses jovens vivem a certeza e o conforto da sociedade de consumo. Evitam luxo e brilho,<br />

usam calças caquis, suéteres longos e sandálias. Possuíam uma imagem doce, amável e<br />

pacífica.<br />

Figura02:The Beatles, 1960Fonte: WebsiteGetty Images<br />

Já a moda disco teve origem em 1976 e nasceu nas discotecas, através de uma música<br />

dita “comercial” e de ritmo simplificado. As discotecas eram o palco principal para a exibição<br />

de uma moda sexy que exalta corpos e com conteúdo musical desprovido de contestação<br />

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política ou social. As divas da dance music como Donna Summer, Grace Jones e Gloria Gaynor<br />

influenciaram o comportamento da época. Braga (2007, pág. 92) fala acerca da ligação entre<br />

moda e música da época: “(...) surgiu uma proposta muito excêntrica para a moda jovem<br />

associada aos grupos musicais em alta, em que a palavra de ordem era o “glamour”.”.<br />

Enquanto na Inglaterra nascia o movimento punk, nos EUA a voz de Barry White e os<br />

grupos Shirley andCo. e The Hues Corporation retratam o estilo da era Disco, que foi levada<br />

aos clubes noturnos cheios de fumaças e luzes coloridas, virando uma mania entre os jovens.<br />

Conhecida por celebrar o amor, a alegria e a dança, a música disco é eletrônica, e se utiliza<br />

de sintetizadores e guitarras. É praticamente uma música dita negra, composta por notas de<br />

soul e blues, pois:<br />

O movimento negro, muito em alta no anos 1970, especialmente nos Estados<br />

Unidos, fez-se presente em ideologia como, por exemplo, a onda “Black<br />

isBeautiful”, privilegiando as raízes afro, a cultura caribenha e também o ritmo<br />

“soul”. (Braga, 2007, pág. 93)<br />

A descoberta da AIDS e Off the Wall, o primeiro disco solo de Michael Jackson, são<br />

acontecimentos responsáveis por retratar o fim do movimento disco, que em 1980, já era quase<br />

que por completo inexistente, com muitos de seus artistas e estilos caindo no anonimato.<br />

Com a crise econômica dos anos 1970, muitos movimentos perderam a força. Porém, a<br />

própria crise inspirou o surgimento do expressivo movimento dos punks, cujo lema “No Future”,<br />

falava justamente da dificuldade de viver com a violência e agressividade presente em todos<br />

os lados da vida moderna. A cultura punk defende a autonomia individual e a simplicidade no<br />

viver. Provocativa e contestadora em sua essência, a música punk é considerada uma vertente<br />

do rock: é composta, em sua grande maioria, por letras rebeldes, sarcásticas, politizadas, e<br />

cheias de subversão à cultura vigente.<br />

A primeira manifestação do estilo punk-rock surge nos Estados Unidos com a banda<br />

The Ramones, em 1974. É caracterizado pela combinação do revivalismo da cultura rock and<br />

roll (com suas músicas curtas, simples e dançantes) e do estilo rocker/greaser (jaquetas de<br />

couro estilo motociclista, camiseta branca, calça jeans, tênis e o culto a juventude, diversão e<br />

rebeldia).<br />

O estilo punk expressava-se a respeito da crise econômica, o desemprego, a falta de<br />

opções e perspectivas; e defendia a total insanidade, ou seja, nada de sonhar ou planejar<br />

demais a vida, o importante é viver o hoje com muita rebeldia, se possível. Seus trajes remetem<br />

a uma linguagem, inusitada, diferente etransgressora (Braga, 2007): couro, tatuagens, botas,<br />

correntes, taxas, óculos escuros, corpos sujos e suados. O movimento punk surgiu em 1977<br />

na Inglaterra. A estilista Vivienne Westwood e o seu então marido, Malcon McLaren, músico<br />

e líder do grupo “Sex Pistols” exemplificaram a afinidade entre moda e música do movimento<br />

punk:<br />

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Moda e música: afinidade declarada<br />

Juntaram ali as vontades de ambos os lados, uns satisfazendo os outros e, com<br />

isso, Vivienne Westwood, uma estilista já renomada, acabou intelectualizando o<br />

movimento e criando roupas para esses jovens contestadores, que cresceram<br />

em número de adeptos ao estilo. (Braga, 2007, pág. 93)<br />

Figura03:Banda The Ramones, 1974.Fonte: Website Getty images<br />

Já em 1978 surge a estética chamada New Wave. Surgindo após a era Disco, o<br />

movimento New Wave é mais intelectual, possui caráter dançante e é conduzida musicalmente<br />

por sintetizadores. O destaque vai para o clube GBGB, localizado no bairro de Manhattan, em<br />

Nova Yorque, onde as bandas do momento se apresentavam, como Elvis Costello, Blondie e<br />

Television.<br />

A imagem visual é alinhada, com roupas bem cortadas, cores fortes, brilho, ombreiras<br />

e caracterizada por uma variada mistura de tendências. Vale ressaltar que estamos falando<br />

do início da década de 1980, contexto marcado pela extrema valorização do trabalho e da<br />

riqueza pessoal. Bandas como Duran Duran e Spandau Ballet, com um pop neo-romântico,<br />

ou grupos como The Police, que possuía um viés musical mais punk, são ícones da época.<br />

A irreverência também é uma característica forte do movimento New Wave. The B52´S<br />

representa essa vertente que é ilustrada por cores cítricas, tecidos tecnológicos, perucas e<br />

meias coloridas.<br />

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Moda e música: afinidade declarada<br />

Figura04:The B52´s, 1979.Fonte: Website http://www.filesbay.net/file/1522616-b52.html<br />

Nos anos 1980 começamos a nos deparar com uma explosão e variedade de imagens<br />

e sons que no começo do século XXI servem de referência ao trabalho de moda e música. A<br />

noção de identidade se torna mais fragmentada diante da variedade de códigos e significados<br />

escondidos em simples escolhas do cotidiano.<br />

Os anos de 1980 trouxeram-nos uma verdadeira profusão de influências e<br />

contrastes, em que os opostos começaram a conviver em harmonia e ambos<br />

sendo aspectos de moda. Essa característica antagônica foi, como ainda o<br />

é hoje, início do século XXI, uma das referências da moda contemporânea.<br />

(Braga, 2007, pág. 95)<br />

Os cultos ao êxito pessoal, financeiro e, ao corpo, assumem grandes proporções. A<br />

moda é globalizada e se consagra como uma linguagem universal, onde mensagens são<br />

enviadas e circulam por todos os países do mundo em uma velocidade rápida onde as<br />

mudanças frenéticas de conceitos e de consumo regem comportamentos.<br />

Segundo M. FILHO (1994, pág.17): “A cultura underground tem um peso essencial nos<br />

anos 80. Grupos ligados geralmente a um determinado tipo de música proliferam, assim como<br />

revivais de movimentos já existentes (neo-hippies, new-romantics).”<br />

O estilo que caracterizou os anos 1980 é basicamente formado pela mistura e a citação<br />

de outras épocas, dando início ao revivalismo na moda. Elementos passados são incorporados<br />

com humor resultando em formas novas e únicas em seu estilo. A moda e a música da época<br />

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Moda e música: afinidade declarada<br />

são caracterizadas pela coexistência de estilos e tendências.<br />

Em 1981 surge a MTV, revolucionando e ligando ainda mais os universos da moda e<br />

da música, aliando som e imagem. Os vídeos clipes popularizam e consagram os estilos da<br />

juventude. É nesse momento que a moda faz uma aliança definitiva com a música jovem.<br />

Surge o estilo streetwear e as roupas unissex. A influência pop foi ricamente representada por<br />

Madonna e Michael Jackson. Ambos fizeram a cabeça da juventude com os seus figurinos<br />

extravagantes, muitas vezes assinados por grandes estilistas, e desenvolveram suas músicas<br />

embaladas por danças com movimentos rápidos e batidas fortes.<br />

Madonna é o ícone feminino da década de 1980. Mudando sempre de imagem e<br />

explorando tabus e preconceitos sociais, representava o exemplo perfeito da ambição feminina,<br />

poder e da importância do trabalho árduo. Em seu primeiro álbum (1983), Madonna adotou<br />

o estilo “bad girl” com referências ao punk e ao fetichismo e explorou a combinação entre<br />

moda, música e movimento. Depois, Madonna deu ênfase ao corpo e ao estilo mais sexy com<br />

a adesão aos tecidos elásticos. Podemos citar como exemplo de peça marcante do figurino<br />

da cantora, o corpete criado pelo estilista Jean Paul Gaultier para a turnê BlondAmbition Tour<br />

em 1990, apresentado na figura 05.<br />

Figura 05Madonna 1990. Fonte: Antenna Web<br />

Ao contrário das mulheres, os cantores exibiam uma imagem suave e carregada de<br />

androginia. As vozes agudas, o forte uso da maquiagem e o vestuário justo e adornado faziam<br />

de Prince, Boy George e Michael Jackson ícones da época.<br />

Observa-se que a década de 1990 contempla uma grande liberdade de se expressar<br />

visualmente. Segundo Braga (2007, pág. 101): “(...) entraram em evidência clubbers,<br />

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Moda e música: afinidade declarada<br />

dragqueens, cybers, ravers, dentre outros grupos, e a ordem foi a moda jovem, ousada e<br />

irreverente.”<br />

A roupa e a música servem mais do que nunca como retratos do estilo de vida de<br />

cada um. Polhemus (1994) defende que a geração atual parece às vezes ser tão absorvida<br />

pelo passado que chega a ser difícil discernir o seu presente e muito menos o seu futuro.<br />

Observamos a mistura e a ligação entre o mundo real e a realidade virtual. Há também uma<br />

variação de estilos e silhuetas já existentes e uma relativa falta de novidade. Para Lipovetsky<br />

(1989):<br />

(...) o importante não é estar o mais próximo possível dos últimoscânones da<br />

moda, menos ainda exibir uma excelência social, masvalorizar a si mesmo,<br />

agradar, surpreender, perturbar, parecerjovem.(pág.122)<br />

O estilo grunge, nascido em Seatle, marcou toda uma juventude inconformada e<br />

questionadora. Ele possui um caráter juvenil, individualista e que se opõe às normas sociais.<br />

O unifome grunge é basicamente composto por bermudões, padronagem xadrez, o jeans,<br />

a camisa de malha, flanela e tênis. A banda Nirvana foi a mais famosa difusora desseestilo<br />

musical e de moda, transformado o grunge em um forte movimento juvenil.<br />

O estilo hip hop também explodiu nos anos 1990, aliando dança, música e indumentária<br />

em uma mesma linguagem.<br />

No contexto cultural contemporâneo, as celebridades da música se transformaram em<br />

verdadeiros ícones de moda. Fazem o papel de modelo para marcas poderosas, transformando<br />

os seus figurinos em verdadeiros objetos de desejo.<br />

Figura 06Lady Gaga, 2010.Fonte: Websitehttp://resumododia.wordpress.com/2010/02/20/lady-gaga-nobrasil-2010/<br />

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Moda e música: afinidade declarada<br />

Polhemus (1994) defende que assim como na música pop, a tendência predominante<br />

hoje em estilo de aparência é regida por misturas diversas, ecléticas e muitas vezes<br />

contraditórias. E acredita que é justamente nessa mistura que encontraremos a nossa própria<br />

realidade. Baseado nesse pensamento, a cantora Lady Gaga desponta como o nome mais<br />

expressivo da contemporaneidade onde moda e música são explorados. Em suas músicas,<br />

fala de temas atuais com humor, irreverência e personalidade. Fazendo dos padrões de beleza<br />

e comportamento ditados pela sociedade, suas obras primas.<br />

Ironizando atitudes através de suas letras provocantes e ambíguas, ou com seu figurino<br />

extravagante e assinado por grandes estilistas, Lady Gaga mostra que não só utiliza a última<br />

moda, como a lança de uma forma ousada e bastante particular.<br />

Discussão<br />

Mais do que um mero produto cultural dentre tantos outros, moda e música representam<br />

conceitos, são manifestações que expressam a própria definição do homem ao longo da<br />

história.<br />

Antes de ser signo da desrazão vaidosa, a moda testemunha o poder dos<br />

homens para mudar e inventar sua maneira de aparecer; é uma das faces<br />

do artificialismo moderno, do empreendimento dos homens para se tornarem<br />

senhores de sua condição de existência. (LIPOVETSKY, 1989, pág. 34)<br />

Através de seus ícones, a música acaba por criar e difundir um estilo de moda. Em<br />

contrapartida, a moda se utiliza da música oferecendo fortes significados simbólicos, que<br />

definam determinado estilo musical para os seus seguidores. Segundo Moraes:<br />

Na pré-história considerava-se a música como um ato instintivo e impulsivo do<br />

homem. Ao perceber os sons que o cercava, o homem pré-histórico detectou<br />

a necessidade de tocar instrumentos musicais e cantar. Ou seja, a música, a<br />

dança e o canto eram ferramentas utilizadas como meio de manifestar seus<br />

sentimentos. (1983, pág. 81)<br />

Nota-se que um figurino bem elaborado é responsável pela construção visual da melodia<br />

de uma música. Assim, acabará por ser apoderado por aqueles que se identificam e seguem<br />

determinado estilo musical.<br />

Em um ambiente repleto de símbolos, gêneros e códigos, tanto a moda quanto a<br />

música se apropriam desses elementos a fim de contar uma narrativa, expressar uma idéia<br />

ou comportamento social. Para M. FILHO (1994, pág. 17): “As tribos são agrupamentos com<br />

um idioma claro no que diz respeito à linguagem, incluindo aí atitudes, fala, gostos, hábitos e<br />

gestos.”A dificuldade de se definir os limites dos movimentos da juventude, que expressam<br />

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Moda e música: afinidade declarada<br />

através da moda e da música o que pensam de si e o que sentem do mundo é evidente. Há<br />

uma verdadeira mistura e apropriação de todos. O contexto atual é marcado pela era das<br />

releituras que nada mais fazem do que agir fixando conceitos já existentes e alimentando a<br />

nossa sociedade efêmera e de consumo.<br />

Segundo Polhemus (1994), vivemos num contexto chamado “supermercado de estilos”,<br />

ou seja, a sensação vigente é de que todos os períodos existentes existem e aparecem como<br />

latas de sopa disponíveis ao nosso alcance em prateleiras de supermercado.<br />

Assim sendo, não se fala mais em movimentos sociais, divisões de classe, idade ou<br />

gênero, e sim em estilos individuais de vida baseados em escolhas diversas de comportamento<br />

e atitude.<br />

Conclusão<br />

Pode-se observar o quanto as tendências e novidades musicais assim como as<br />

tendências de moda são fortes formadoras de opiniões, comportamentos e atitudes para o<br />

indivíduo. São instrumentos utilizados com o objetivo de comunicar e expressar. A música,<br />

através da letra e melodia; e a moda, através do vestuário, são capazes de traduzir e transmitir<br />

sentimentos e desejos.<br />

As revistas de moda e os clipes musicais são ótimos exemplos em que moda e música<br />

se transformam em meios difusores de tendências de comportamento e por consequência,<br />

meios poderosos de comunicação. Originando assim o surgimento e formação de tribos<br />

sociais que são organizadas de acordo com a aceitação ou não do conjunto de códigos<br />

lançados a cada novidade que aparece no mercado cultural midiático<br />

Observa-se que moda e música representam universossemelhantes, com expressões<br />

e denominações que se complementam e até se fundem. Uma agrega valor à outra. A moda<br />

determina o visual de determinado estilo musical e a música embala a fama de qualquer estilo<br />

de moda. A música costuma dizer o que queremos ouvir, enquanto a moda aponta o que<br />

desejamos ver e vestir.<br />

A moda está presente no figurino dos ícones da música, que por sua vez, inspiram e<br />

influenciam a criação dos estilistas. É notório: cada vez mais a moda vende e se apropria das<br />

tendências e ideias criadas pela música.<br />

Há artistas da música que criam suas próprias marcas de roupas, aonde elaboram e<br />

vendem ainda mais a imagem que querem passar. Assim como também existe um fenômeno<br />

recente aonde os profissionais da moda invadem os palcos, atuando como DJ ou formando<br />

suas próprias bandas.<br />

Assim, observa-se que influências e inspirações musicais sempre ditaram e continuam<br />

ditando e também reeditando, através das releituras, verdadeiros estilos de moda. Uma arte<br />

necessita da outra para criar o novo ou simplesmente evocar estilos do passado já consagrados<br />

como caminho seguro para não fracassar no mercado.<br />

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Moda e música: afinidade declarada<br />

Modelos criam bandas de rock. Músicas embalam comerciais de moda. Os melhores<br />

desfiles são aqueles que têm banda ao vivo. Músicos criam suas próprias grifes, codificando<br />

visualmente e reforçando ainda mais a sua mensagem.<br />

Clarifica-se a intensa ligação que os universos, da moda e da música, manifestações<br />

autênticas, possuem entre si. Ambas sensibilizam nossos sentidos, constituem nossas<br />

memórias e constroem imaginários e identidades.<br />

Música é atitude, moda também. Se a música transmite uma mensagem sonora, a<br />

moda sacramenta uma linguagem visual. Se a moda representa um estilo, a música difunde<br />

sua fama. Ambos criam ícones que marcam a cultura do homem. Certamente, moda e música,<br />

ainda farão infinitas combinações para marcar o ritmo e mostrar a forma da juventude, das<br />

individualidades de cada um, dos anos que virão e da história que se fará.<br />

Referências<br />

BALDINI, Massimo. A Invenção da Moda - As Teorias, os Estilistas, a História ,2006.<br />

Disponível em: http://www.almedina.com.br/catalog/Livros/prefacios/9724412601.pdf.<br />

Acesso em: 27/01/2011<br />

BARBOSA Joseane; SHOJI, Marisa. – Supermercado de estilos: A moda aberta.<br />

Disponível em: http://www.antennaweb.com.br/edicao2/artigos/pdf/artigo5.pdf. Acesso em:<br />

25/01/2011.<br />

BRAGA, João. História da moda – 6ª edição. São Paula: Editora <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, 2007.<br />

CANELAS, Fernanda de Jesus Barreiros. Figuras do Anti-Herói nos Períodos de Pós-Guerra,<br />

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Acesso em: 26/01/2011<br />

FERRON, Wanda. <strong>Universidade</strong> Aberta/6 Fascículo nº 1 - Texto 4. Fortaleza, Fundação<br />

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Jourdain, R. (1998). Música, Cérebro e êxtase. Rio de Janeiro: Editora Objetiva. Disponível<br />

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LIPOVETSKY, Gilles – O Império do Efêmero: a moda e seu destino nas sociedades<br />

modernas / Tradução: Maria Lucia Machado – São Paulo: Companhia das Letras, 1989.<br />

M. FILHO, Rocha - <strong>Universidade</strong> Aberta/5 Fascículo nº 1 - Texto 31. Fortaleza, Fundação<br />

Demócrito Rocha, 1994.<br />

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Moda e música: afinidade declarada<br />

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<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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CONEXÕES CONCEITuAIS ENTRE MODA, VESTuáRIO, DESIGN E ARTE<br />

Maria Alice Vasconcelos Rocha; PhD em <strong>Design</strong> de Moda: University of Kent (UK);<br />

Professora do Departamento de Ciências Domésticas: UFRPE - modalice@dcd.ufrpe.br<br />

Resumo<br />

Este estudo discute a complexidade da moda, promovendo a<br />

reflexão de algumas interfaces possíveis entre campos do saber.<br />

Diversas teorias se conectam buscando um alinhamento conceitual<br />

que dê suporte à promoção de conhecimento relacionando a moda<br />

ao vestuário, ao design e à arte sem, no entanto, confundir seus<br />

limites. Por fim, a explanação dos motivos que levam o consumidor<br />

a procurar um produto-roupa que contenha elementos de moda,<br />

de certo colabora para a evolução do pensamento sobre o tema.<br />

Palavras-Chave: teoria de moda; design de vestuário;<br />

complexidade<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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Conexões conceituais entre moda, vestuário, design e arte<br />

Introdução<br />

É certo que não há unanimidade na definição do que é moda. Ao longo da história, a<br />

moda pode ser entendida como um jogo de distinção da classe dominante (BARNARD, 2002).<br />

Já de acordo com Lauwaert (2006), “o vestuário não é um meio de representação, mas um<br />

meio de apresentação. O vestuário não define, ele posiciona. É pragmático, não é semântico.<br />

O vestuário não mente, mas irrevogavelmente denuncia você” i<br />

Hoeks e Post (2006) dizem que o aspecto complementar que une moda e vestuário<br />

fica claro com as estações do ano: a moda, para ser moda precisa estar em voga mas o que<br />

materializa as mudanças fica óbvio por meio das roupas. Ainda de acordo com os autores,<br />

enquanto a indústria do vestuário vende produtos, a indústria da moda não comercializa<br />

objetos e sim significados. E é esta combinação que garante a satisfação das necessidades<br />

dos consumidores.<br />

Ao mesmo tempo, tanto a moda quanto o vestuário são as commodities mais<br />

fetichizadas produzidas e consumidas na sociedade capitalista. ...Moda e vestuário talvez seja<br />

a maneira mais significativa na qual as relações sociais são construídas, experimentadas e<br />

compreendidasii .<br />

Sabe-se que os consumidores e consumidoras tem necessidade de ser sociedade e<br />

indivíduo simultâneamente, e a combinação entre moda e vestuário parece ser uma boa maneira<br />

de negociar essa complexidade humana. Campos do saber como Estética, Ciências Sociais,<br />

Estudos Culturais, Psicologia, Antropologia, Gestão, Economia, Marketing, Comunicação,<br />

<strong>Design</strong> e Produção possuem inter-relações em cada nível que se investiga a combinação<br />

entre moda e vestuário.<br />

Como a moda e o vestuário englobam uma diversidade de disciplinas, cada uma<br />

delas deve ser considerada quando da análise do conceito moda-vestuário. Além disso,<br />

cada disciplina procura encontrar uma maneira específica de explicar a moda e o vestuário<br />

usando termos precisos e as análises teóricas necessárias. O desafio posto é combinar tudo<br />

como normalmente o consumidor vê e experimenta todos estes conceitos em conjunto.<br />

Considerando isso, o conceito do pensamento complexo desenvolvida por Morin (2003)<br />

parece ser uma base adequada para se examinar a questão.<br />

Morin (2000) explica que o conhecimento científico, por razões metodológicas, é<br />

fragmentado. Estas divisões facilitam uma compreensão profunda do fenômeno, mas a forma<br />

ocidental do pensamento científico tem ensinado os pesquisadores a submergir em campos<br />

separados, e há uma falta de movimento no sentido de re-envolver esses campos um com o<br />

outro. O autor afirma que “as coisas” separadas são ligadas, são distintas e são necessárias<br />

para o desenvolvimento da sociedade.<br />

Os indivíduos, as sociedades e todas as “espécimes” são entidades distintas e não<br />

podem ser isolados por conta de sua função cooperativa na compreensão da humanidade.<br />

Assim, o pensamento complexo se baseia na distinção (não separação) e na ligação; não é<br />

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Conexões conceituais entre moda, vestuário, design e arte<br />

composto apenas pela ciência ou apenas pela filosofia, mas permite a comunicação entre<br />

os campos dos saberes, atuando como uma ponte. O paradigma da complexidade deve ser<br />

considerado como aquele que une enquanto distingue.<br />

Seguindo a abordagem do Pensamento Complexo, um diagrama foi desenvolvido a fim<br />

de identificar alguns dos fatores que tornam a combinação moda-vestuário em um tema da<br />

complexidade atual. As abordagens relacionam um conjunto de elementos, tais como o ciclo<br />

de vida do produto, o meio ambiente, a individualidade, a inclusão social, a adequação física<br />

e estratégia para influenciar ou promover a satisfação do consumidor.<br />

O ato de consumir é composto por sete fases: (1) reconhecimento da necessidade, (2)<br />

procura, (3) pré-compra, (4) compra, (5) consumo, (6) avaliação pós-consumo e (7) descarte,<br />

que são afetadas por influências ambientais e diferenças individuais (BLACKWELL ET AL.,<br />

2002). Por outro lado, o sistema de moda é baseado nas fases da difusão que são influenciadas<br />

pelas culturas e ambientes locais e globais.<br />

Frequentemente, o consumo de moda é dividido em dois tipos distintos “universos”<br />

que devem ser devidamente equacionados: primeiramente aquele que poderia ser chamado<br />

de “tendências, estilo ou comportamento “e, em segundo lugar, aquele outro responsável pelo<br />

desenvolvimento das roupas. O primeiro é mais provável em receber a atenção das áreas de<br />

Psicologia, Sociologia, Comunicação e Antropologia enquanto que o último é mais plenamente<br />

analisado através de Ergonomia, Antropometria e Fisiologia Humana.<br />

É a aproximação das tendências com as roupas que cria o produto moda-vestuário,<br />

objeto desta pesquisa. Esta abordagem permite que o negócio seja adicionado à equação<br />

reforçando a complexidade da compreensão do consumo.<br />

Vale lembrar que o ciclo de consumo, quando concluído, gera satisfação ou insatisfação<br />

do consumidor, e este resultado influencia os próximos ciclos do consumo, num movimento<br />

contínuo de retroalimentação do sistema.<br />

Todos os elementos presentes na discussão foram extraídos de teorias ou representam<br />

um insight a partir de uma teoria já existente. Como essas teorias são provenientes de campos<br />

muito diversos, estão classificados nas áreas-chave de investigação que compõem o diagrama<br />

do sistema moda-vestuário.<br />

Citando Barnard (2002), este trabalho é sobre “todas estas coisas: é sobre moda,<br />

roupa, vestimenta, adorno e estilo.” iii . Este estudo foi concebido para fornecer rumo a um<br />

modo holístico de visualizar o fenômeno e onde o leitor encontrará conceitos e reflexões que<br />

ajudam a esclarecer a complexidade da moda.<br />

Por razões metodológicas e respeitando os objetivos da pesquisa, todas as explicações<br />

relacionadas com produtos de moda se referem a peças de roupas com valor de moda,<br />

excluindo os acessórios, sapatos, bolsas, mobiliário, equipamentos, automóveis, etc., mas<br />

incluindo as marcas de moda-vestuário no contexto. A Figura 1 ilustra a área de produtos que<br />

esta pesquisa investiga (em amarelo).<br />

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Conexões conceituais entre moda, vestuário, design e arte<br />

Figura 1 – A interconexão Proposta (ilustração da autora)<br />

É importante afirmar que a moda é um sistema extremamente complexo em<br />

relacionamentos. As teorias relacionadas à Moda, como campo de pesquisa são extremamente<br />

relevantes, mas ainda não exploradas o bastante para abarcar todas as direções que a<br />

envolvem. Por isso, nas subseções a seguir serão apresentadas algumas teorias que podem<br />

auxiliar na reflexão dos relaciomentos entre Moda & Vestuário, Moda & <strong>Design</strong> e Moda & <strong>Arte</strong>.<br />

Essas áreas possuem uma relação direta com a prática no desenvolvimento projetual, embora<br />

elas também possam influenciar os consumidores ou impactar nas decisões empresariais.<br />

Moda & Vestuário<br />

A forma mais própria e direta para que se possa observar o fenômeno de moda é por<br />

meio das roupas. O vestuário é um artigo essencial na vida humana e guarda uma ligação<br />

importante com os profissionais de projeto e de produção. Não são freqüentes os estudos<br />

acerca do vestuário com valor de moda, ou seja, moda tangível, se comparados com os de<br />

moda intangível. Os primeiros, quando ocorrem estão mais relacionadas com a funcionalidade,<br />

a ergonomia e as demandas específicas do corpo.<br />

Porém, do ponto de vista do consumidor, as roupas se tornaram a maneira mais fácil<br />

de representar a moda. Além disso, como Lipovetsky (2002) afirma, peças de vestuário são<br />

o meio mais popular para as empresas estimular o consumo de moda. Apesar da existência<br />

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Conexões conceituais entre moda, vestuário, design e arte<br />

de vários trabalhos que creditam à sazonalidade como o principal catalisador do curto ciclo<br />

de vida das roupas, a subseção a seguir apresenta um dos mais conhecidos e reconhecidos<br />

estudos relacionados à motivação para estar vestido.<br />

Como este estudo se preocupa diretamente com vestuário é importante introduzir a<br />

obra de Flügel (1930), difundida na década de 30 do século passado. Tal como definido por<br />

Flügel proteção, enfeite e pudor são a base, as motivações originais para o surgimento das<br />

roupas. A forma com o autor discute a passagem do nu para o vestido implica numa viagem<br />

que se inicia com a natureza e finda na cultura (CARTER 2003).<br />

De acordo com o conceito de Flügel (1930) a proteção do corpo contra a sensação<br />

desagradável de frio no período pré-histórico, e posteriormente contra qualquer elemento ou<br />

organismo nocivo à saúde, é uma das razões fundamentais para se vestir. Devido à evolução<br />

científica, as considerações sobre higiene mudaram e o vestuário tende a ter uma ligação forte<br />

tanto física quanto psicológica com a proteção. Assim, as roupas possam ser utilizadas como:<br />

[...] a proteção contra a hostilidade geral do mundo no seu conjunto ou, de<br />

forma mais psicológica, uma garantia contra a falta de amor. Se estivermos<br />

numa atmosfera hostil, quer seja humana ou natural, tenderemos, por assim<br />

dizer, a nos abotoar, trazendo nossas vestes mais perto de nós. iv<br />

(FLÜGEL, 1930:77)<br />

Em civilizações tropicais, a função original de enfeite ou adorno, descrita por Flügel está<br />

relacionada com a sua finalidade essencial de distinguir a aparência física a fim de atrair os<br />

olhares de admiração dos outros. O autor cita habitantes indígenas para explicar os instintos<br />

exibicionistas natural da Humanidade embora o trabalho mostre alguma das realidades<br />

contemporâneas de enfeite como exposição sexual, rivalidade política, traje cerimonial e<br />

condição social entre outras.<br />

A função de pudor, de acordo com Flügel (1930), é ocultar as características físicas,<br />

geralmente afetando o destaque de uma pessoa dentro de um grupo, podendo ser no sentido<br />

de permissão ou proibição. Flügel explica o pudor como algo que não é geneticamente<br />

determinado e varia entre as sociedades.<br />

Ainda de acordo com Flügel, nas sociedades “‘civilizadas”, a proteção, o enfeite e o<br />

pudor desempenham seus papéis simultaneamente, embora os antagonismos entre enfeite<br />

e pudor seja uma importante questão defendida pelo autor como um “conceito da condição<br />

da vida humana”. É interessante fazer referência ao fato que no mundo natural, os animais<br />

já carregam todos esses atributos. Segundo Carter (2003, p.84), Flügel identifica diferentes<br />

atitudes para roupa:<br />

Alguns vêem as roupas como equivalentes à camada mais exterior de si e<br />

assim as incorpora na sua vida com pouca dificuldade. Outros consideram<br />

suas roupas quase inteiramente relacionadas ao ambiente externo, o vestuário<br />

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é “o outro” no seu senso de si. (CARTER, 2003:84) v<br />

Baudrillard (1998) introduz o conceito da sociedade de consumo e analisa a relação<br />

entre o objeto de consumo e a sua utilidade, então a necessidade de um produto perpassa do<br />

foco utilitarista para o simbólico.<br />

Em um estudo recente, Kawamura (2005) classifica a moda como um produto simbólico<br />

que não tem substância física e a considera separadamente dos produtos de vestuário por<br />

serem objetos concretos. Mais que isso, para a autora, “A moda não é roupa visível, mas é os<br />

elementos invisíveis que o vestuário carrega.”<br />

Como o desafio deste estudo é manter os elementos simbólicos e utilitários associados,<br />

visto que ambos são importantes e não passivamente dissociados pelos consumidores, outros<br />

modelos teóricos entram na discussão.<br />

Vários estudos consideram os fatores funcionais, ergonômicos e estéticos como<br />

questões distintas e oferecem visões limitadas que os vinculam de forma limitada a dimensões<br />

psicológicas, sociais e culturais quando no desenvolvimento de produtos com valor de<br />

moda para o mercados específicos, como o esportivo ou o maduro (LAMB E KALLAL 1992;<br />

BENKTZON ET AL. 2003) .<br />

Ballin (1885), no seu estudo inicial sobre a ciência vestimentar estava ciente dos prejuízos<br />

que a roupa pode trazer para um organismo saudável e descreve recomendações para uma<br />

roupa ideal: “Elas devem ser leves e quentes de forma a permitir a transpiração natural, ou em<br />

outras palavras, ventilar bem, não exercer qualquer pressão sobre qualquer parte do corpo, e<br />

devem ser livres de todas as partículas tóxicas, seja de sujeira ou de corantevi . (BALLIN 1885<br />

IN JOHNSON 2003)<br />

Outro estudo de Barr (1934) observa atitudes fundamentais na psicologia da escolha<br />

vestimentar: (1) o desejo de se portar conforme dentro de um grupo; (2) o desejo de conforto<br />

em termos de temperatura e sensações tácteis; (3) pudor, resistência a uma nova moda;<br />

(4) o desejo da economia, quando e o que comprar e (5) o impulso estético, o desejo de<br />

estar bonita. Aliás, Barr (1934) explica a fundo o desejo de auto-expressão: uma mistura de<br />

consciência do seu físico, expressão de personalidade, o desejo de parecer distinta, digna ou<br />

jovem, e o desejo de parecer competente ou próspera (BARR 1934 IN JOHNSON 2003).<br />

Considerando a adequação do modelo de motivação para o vestuário de Flügel,<br />

é necessário acrescentar mais variáveis à equação pois os indivíduos diferem em suas<br />

características físicas e psicológicas. A subseção seguinte é dedicada à discussão das<br />

alterações do corpo humano e suas implicações para o vestuário.<br />

Moda & <strong>Design</strong><br />

A atividade do designer é crucial para alimentar a criatividade no sistema da moda.<br />

Existem dois diferentes aspectos a considerar quando se analisa o design de produto com<br />

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valor de moda: o primeiro, intangível, que compreende as tendências, atitudes, valores e estilos<br />

de vida (SOLOMON E RABOLT 2004) e o segundo, o tangível, que se preocupa com o corpo,<br />

a sua forma, os materiais e os fatores sensoriais (COOPER E PRESS 1995). Nota-se que há<br />

uma tendência dentro da indústria de moda para minimizar os aspectos tangíveis.<br />

Mas, o produto de moda - vestuário - atua sobre o corpo como uma segunda pele<br />

e deve ter um desempenho compatível com o formato do corpo do consumidor. Uma das<br />

variáveis mais ignorada na concepção dos produtos da moda é o formato do corpo devido às<br />

tendências ditatoriais do padrão “alta e magra” e a forma do corpo pode não variar somente<br />

por fatores genéticos, mas também é determinada pela dieta, estilo de vida, nível de aptidão<br />

física e idade (LI 2003).<br />

Segundo Pheasant (2006), o produto deverá coincidir com características do usuário,<br />

sendo necessário levar em conta os seguintes critérios para um bom caimento: eficiência<br />

funcional, facilidade de utilização, conforto, qualidade de vida no trabalho e na saúde e segurança.<br />

Na área de design, os produtos de moda-vestuário são um dos poucos desenvolvimentos<br />

nos quais é possível (e necessária) adotar uma abordagem verdadeiramente sob medida,<br />

utilizando tabelas de tamanhos, diferentemente de produtos como automóveis ou cadeiras.<br />

Nesse sentido, o uso da antropometria é relevante, principalmente devido às variações<br />

do corpo, que se altera primeiramente entre os sexos e origens raciais e, de forma contínua,<br />

devido ao envelhecimento. Essas mudanças afetam não apenas a identidade visual do<br />

consumidor, mas seu comportamento e atitudes e, certamente, determinadas diferenças no<br />

formato do corpo têm implicações para o consumo de moda.<br />

Rasband (2002) recomenda muita atenção no ajuste ao vestir uma roupa, pois ela deve:<br />

(1) realçar a aparência e a atratividade; (2) contribuir para a auto-confiança; (3) cair suavemente<br />

sobre a figura; (4) melhorar a relação entre o vestuário e o formato corporal; (5) enfatizar<br />

as áreas mais atraentes do corpo; (6) tirar a atenção das imperfeições físicas (7); se ajustar<br />

naturalmente no corpo em movimento (8) dar suporte a uma vida ativa.<br />

Ainda segundo Rasband (2002), a forma do corpo pode variar devido a seis<br />

características: estatura (baixa, média e alta), estrutura óssea (delgada, média e graúda), peso<br />

(há uma proporção ideal entre peso, estatura e estrutura óssea), áreas do corpo proporcional<br />

(um diagrama do conjunto de medidas), tipo de figura (o polígono formado por seus ombros,<br />

cintura e quadris) e postura (o alinhamento de partes do corpo em relação a outras).<br />

Sheldon (1940) introduziu o conceito de somatotipo, derivado da antropologia física,<br />

definindo três classificações diferentes para os tipos de corpo, numa combinação de<br />

tamanho, peso e formato: endomorfos, mesomorfos e ectomorfos. Embora seja raro que um<br />

indivíduo se encaixe inteiramente dentro uma classificação é possível identificar características<br />

preponderantes em cada pessoa, visto que a classificação é baseada em medidas físicas<br />

utilizando uma escala de um a sete para cada um dos tipos, resultando numa combinação<br />

relacionada a uma das três opções.<br />

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O tipo físico endomorfo é caracterizada por ombros estreitos, quadris largos, cabeça<br />

grande e uma tendência a gordura corporal, principalmente em braços e pernas. O corpo<br />

mesomorfo apresenta ombros amplos, quadris estreitos, cabeça quadrada, baixo acúmulo<br />

de gordura e braços e pernas musculosas. O tipo de corpo ectomofo compreende ombros<br />

e quadris estreitos, pouca gordura corporal e músculos pouco desenvolvidos, rosto, braços e<br />

pernas finas.<br />

Considerando o exposto, os consumidores e consumidoras freqüentemente enfrentam<br />

problemas de dimensionamento no tamanho das roupas. Faust et al. (2006) adiciona<br />

mais uma variável à complexidade do design de vestuário: a imprecisão das empresas no<br />

dimensionamento de seus produtos. Os autores analisam a variação dos tamanhos de roupa<br />

no mercado do Canadá e as dificuldades que os consumidores enfrentam para encontrar<br />

peças adequadas. Segundo eles, o problema comporta, entre outras coisas, a falta de<br />

padronização no dimensionamento de tamanhos e falhas nos procedimentos de controle<br />

relativos às especificações. Como a especificação é uma ação diretamente vinculada à<br />

atividade de design, apresenta-se a seguir conceitos e teorias que podem apoiar o argumento<br />

deste trabalho.<br />

Segundo Cooper e Press (1995), “o design se localiza entre os mundos da cultura e do<br />

comércio, entre a paixão e o lucro” (p. 4) e nas palavras do designer de moda japonês Issey<br />

Miyake, “sonhamos entre dois mundos”. Walker (1990) sugere uma falta de atenção analítica<br />

para a prazerabilidade no ato de consumir, partindo da noção de Marx sobre o fetichismo da<br />

mercadoria para justificar o aumento do consumo na pós-modernidade e identificando cinco<br />

fontes de satisfação do ato de consumo: o desejo, a aquisição, o objeto, o uso e a percepção<br />

de terceiros.<br />

De acordo com Jones (1992), os objetivos do designer estão menos relacionados<br />

com os próprios produtos e mais relacionados para a realização bem sucedida de previsões<br />

interrelacionadas e especificações em resposta a um briefing. Esta hipótese introduz a<br />

complexidade no processo de desenvolvimento de produtos onde existem pelo menos três<br />

atores: a empresa (o ordenador), o designer (o mediador) e o usuário (o receptor). Nesta<br />

seara há ainda um conceito a acrescentar: a autoria, e o equilíbrio entre a racionalidade e<br />

subjetividade é uma questão central para essa relação. A sub-secção seguinte introduz a<br />

questão da subjetividade do designer.<br />

Moda & <strong>Arte</strong><br />

A arte, assim como a moda, tem um conteúdo estético que se materializa na prática do<br />

design, embora por muito tempo, a ligação entre moda e arte tenha se limitado à capacidade<br />

do artista em fornecer informação valiosa sobre as roupas usadas pelas elites (MACKRELL<br />

2005) visto que o artesão que usou suas habilidades para criar a roupa era anônimo. O<br />

segundo link entre moda e arte veio por meio dos ilustradores de moda do século XIX, quando<br />

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Conexões conceituais entre moda, vestuário, design e arte<br />

jornais e revistas passaram a influenciar o consumo e o início da divulgação de tendências se<br />

consolidou como conseqüência.<br />

Os primeiros sinais de identidade de moda com a literatura e a pintura surgiram com<br />

escritores e poetas, ao descreverem os personagens de suas histórias e seus retratos, seja<br />

por meio escrito ou figurativo. O primeiro registro de um monopólio vestimentar autoral é<br />

atribuído a Charles Frederick Worth (1825-1895) que considerava seus vestidos como obras<br />

de arte e usava extensivamente a história da arte como uma fonte de inspiração para suas<br />

criações (MACKRELL 2005).<br />

Em 1883, enquanto Emile Zola, escritor realista francês, escrevia Au Bonheur des<br />

Dames (O Paraíso das Damas), uma história clássica sobre a efervescência do consumo de<br />

moda por mulheres, Edouard Degas, pintor impressionista, registrava a emoção de clientes<br />

consumindo naquela mesma época. Em Londres, a famosa loja de departamentos Liberty,<br />

instituiu em 1884 uma seção de traje, destinada à direção de arte e moda, criando uma marca<br />

de estilo reconhecido até os dias de hoje.<br />

Uma das grandes transformações da indústria da moda no início do século 20 foi a<br />

invenção do “estilista”, uma profissão que tem sua identidade compreendida entre o comércio<br />

e o artista da vez (MacKrell 2005).<br />

No período intermediário entre a duas Guerras Mundiais, a moda francesa consolidou a<br />

liderança com o “Pavilhão da Elegância”, no qual os estilistas tinham um importante papel no<br />

meio artístico, como MacKrell (2005) descreve o “l’air du temps”:<br />

Milhões de americanos e europeus e centenas de fabricantes internacionais<br />

visitaram o exposição que tem sido chamado de o ‘paraíso dos compradores.<br />

As lojas de departamento francesas (“museus para pessoas”) e a “rua das<br />

butiques” junto à Ponte Alexandre III (“centros de compras para mulheres<br />

modernas”) representaram, com cuidadosa orquestração, vitrines que<br />

pretendiam destacar a posição de Paris como o centro do mundo para<br />

compras vii . (MACKRELL, 2005:128)<br />

Do surrealismo ao pós-modernismo, diversos períodos da arte moderna têm sido<br />

associados à moda. Artistas estiveram envolvidos com a concepção de vestuário, designers<br />

de moda se inspiraram em obras de arte, e a fronteira entre o costureiro e o artista se tornou<br />

mais tênue. A compreensão pessoal e a interpretação de realidade se tornou uma obrigação<br />

para designers de moda e o espetáculo efêmero do desfile de moda se tornou algo como uma<br />

obra de arte propriamente dita. Uma recente exposição em Paris, apresentou a quantidade de<br />

trabalho e profissionais envolvidos antes, durante e depois de um desfile de moda, estimulando<br />

um novo campo de investigação própriaviii .<br />

Os anos 80 trouxeram o reconhecimento oficial da moda como “forma digna de<br />

expressão cultural” (MACKRELL 2005, P.153). A exposição retrospectiva de Yves Saint Laurent<br />

no Metropolitan Museum of Art de Nova York em 1983-84 confirmou a importância moda em<br />

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Conexões conceituais entre moda, vestuário, design e arte<br />

museus. Muitas iniciativas se seguiram, incluindo a exposição Biennale di Firenze - Il Tempo<br />

e la Moda de 1996, que definitivamente ligou a arte com a moda. A exposição de obras de<br />

designers de moda em museus agora é comum e há um número crescente de artistas plásticos<br />

contemporâneos que usam materiais têxteis e elementos de moda como temas fundamentais<br />

em suas criações. De acordo com Taylor (2005, p.448), as divisões entre o artista e o designer<br />

de moda poderiam ser consideradas como desnecessárias neste clima de criatividade, no<br />

qual os limites foram ultrapassados em outras áreas de produção.<br />

O currículo de cursos de design de moda hoje em dia tem mais de conteúdos<br />

relacionados à curadoria do que a modelagem e costura. Segundo Müller (2000 p. 15)<br />

“o vocabulário da moda adotou a linguagem da arte e passou a incluir expressões como<br />

“conceitos”,”happenings” e “instalações”. Como consequência, os designers tendem a se<br />

afastar do consumidor de roupa e se aproximar do expectador de moda.<br />

Outro aspecto dessa relação dialética entre a arte e o design é o fato de que a moda<br />

é um estado efêmero em comparação com um artefato de arte (LIPOVETSKY 2002; TAYLOR<br />

2005). A produção em massa que caracteriza o declínio de uma moda é algo que deve ser<br />

parâmetro para separar ”moda arte” de “simplesmente moda”. Mas a tendência vintage dentro<br />

da moda responde a esta inquietação, já que vintage é uma palavra da enologia para designar<br />

a melhor seleção de vinhos de cada estação, e aquilo que poderia ser considerado “antiquado”<br />

em moda pode ser vestido, colecionado e desejado.<br />

Considerações Finais<br />

Este estudo procurou demonstrar a complexidade do sistema moda e as diferentes<br />

formas de ver e tratar algumas das variáveis que divergem em campos do saber mas convergem<br />

no processo de desenvolvimento de produtos com valor de moda, e especificamente, na<br />

indústria do vestuário. Por outro lado, as reflexões apresentadas procuraram demonstrar suas<br />

influências no ambiente de escolha do consumidor. Neste trabalho é possível perceber que,<br />

apesar da moda ser cada vez mais estudada, por meio de diversos pontos de vista, há ainda<br />

lacunas na literatura referenciada acima a serem preenchidas no que tange suas inter-relações,<br />

determinações e mediações.<br />

Neste sentido, buscou-se a inclusão de autores comumente não considerados na<br />

discussão sobre os temas desenvolvidos, visando especialmente a possibilidade de influenciar<br />

estudos posteriores. Procurou-se ainda trazer ao debate algumas relações de causalidade<br />

vinculadas à realidade concreta e mediar reflexões a respeito de vínculos possíveis entre dois<br />

ou mais elementos distintos no sentido de contribuir, principalmente, para a solução de conflitos<br />

de interesse entre campos do saber. Em particular, o fenômeno da moda foi analisado sob<br />

uma perspectiva ontológica, considerando os aspectos psicossociais e envolvendo também a<br />

contribuição de aspectos da anatomia e da fisiologia nas atitudes dos consumidores. Desta forma,<br />

vislumbra-se a possibilidade de uma moda cada vez mais inclusiva e de estudos mais plurais.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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Conexões conceituais entre moda, vestuário, design e arte<br />

Notas<br />

iTradução livre da autora do trecho original: ‘clothing does not represent, it presents. Clothing does not<br />

define, it positions. Clothing is pragmatic, not semantic. Clothing does not lie, but irrevocably betrays<br />

you.’ (p.17).<br />

ii Tradução livre da autora do trecho original: ‘At the same time, fashion and clothing are the most<br />

fetishised commodities produced and consumed within capitalist society. …Fashion and clothing may<br />

be the most significant ways in which social relations between people are constructed, experienced and<br />

understood.’ (Barnard, 2002, pp.8-9).<br />

iii Tradução livre da autora do trecho original: ‘all these things: it is about fashion, clothing, dress,<br />

adornment and style.’ (Barnard 2002, p.9).<br />

iv Tradução livre da autora do trecho original: … a protection against the general unfriendliness of the<br />

world as a whole; or, expressed more psychologically, a reassurance against a lack of love. If we are<br />

in unfriendly surroundings, whether human or natural, we tend, as it were, to button up, to draw our<br />

garments closely round us. (Flugel 1930, p.77).<br />

v Tradução livre da autora do trecho original: Some see clothes as equivalent to the outmost layer of<br />

their selves and so incorporate them into their life-world with little difficulty. Others locate their clothing<br />

almost wholly within the external environment; clothing is “other” to their sense of themselves. Carter<br />

(2003, p.84).<br />

vi Tradução livre da autora do trecho original: ‘They should be light, warm, permit free transpiration, or,<br />

in other words, ventilate well; they should exert no pressure on any part, and they should be free from<br />

all poisonous particles, whether of dirt or of dye.’ (Ballin 1885 in Johnson 2003)<br />

vii Tradução livre da autora do trecho original: Millions of Americans and Europeans and hundreds of<br />

international manufacturers visited the Exposition, which has often been called a ‘shoppers’s paradise’.<br />

French department stores (‘museums for people’) and a ‘rue des Boutiques’ (‘shopping centres for<br />

modern women’) along the Pont Alexandre III were represented, with carefully orchestrated window<br />

displays intended to underline Paris’s position as a world centre for shopping. (Mackrell 2005, p.128).<br />

viii Showtime, le défilé de mode, exposição realizada no período de 4 de Março a 30de Julho de 2006<br />

no Palais Galliera - Musée de la Mode la Ville de Paris.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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Conexões conceituais entre moda, vestuário, design e arte<br />

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CONSIDERAçÕES ÉTICAS NA PESQuISA EM DESIGN DE MODA<br />

Luciane do Prado Carneiro; Mestranda em <strong>Design</strong>: PPG <strong>Design</strong> UNESP/Bauru<br />

luciane@unipar.br<br />

Danilo Corrêa Silva; Mestrando em <strong>Design</strong>: PPG <strong>Design</strong> UNESP/Bauru<br />

danilo@idemdesign.net<br />

Marizilda dos Santos Menezes; Prof. Dr.: PPG <strong>Design</strong> UNESP/Bauru<br />

marizil@faac.unesp.br<br />

Luis Carlos Paschoarelli; Livre docente: PPG<strong>Design</strong> UNESP/Bauru<br />

paschoarelli@faac.unesp.br<br />

José Carlos Plácido da Silva; Titular: PPG<strong>Design</strong> UNESP/Bauru<br />

placido@faac.unesp.br<br />

Resumo<br />

A moda é uma especialidade que nos últimos anos se apropriou<br />

de metodologias do design para sistematizar a sua atuação e<br />

adequar-se às necessidades do mercado. Assim também ocorreu<br />

com a pesquisa científica em design de moda, que atualmente está<br />

em acentuada expansão. No entanto, tal como no design, grande<br />

parte dessas pesquisas envolvem abordagens junto a usuários,<br />

consumidores ou agentes do processo produtivo, o que requer a<br />

observação de aspectos éticos em seus materiais e métodos. O<br />

objetivo desse estudo foi avaliar quantitativamente a consideração<br />

desses critérios na produção científica em design de moda nos<br />

principais eventos científicos/acadêmicos brasileiros da área.<br />

Palavras-Chave: pesquisa cientifica; moda; ética.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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Considerações éticas na pesquisa em design de moda<br />

Introdução<br />

Atualmente, constata-se uma acentuada convergência entre a moda e o design,<br />

com múltiplas interações, seja na busca de referências visuais ou estéticas, ou na busca<br />

de metodologias que permitam sistematizar e integrar processos produtivos. O design,<br />

que em suas origens se associou à racionalidade e à função, passou a buscar elementos<br />

inspiradores, como formas, cores e estampas no universo da moda. Por outro lado, a moda<br />

busca no design o embasamento metodológico projetual,e/ou científico, visando se adequar<br />

às exigências produtivas do mundo globalizado. Dessa união surgem diversos aspectos que<br />

podem e devem ser analisados para um desenvolvimento progressivo não só da área da<br />

moda, mas também do design em suas diversas especialidades.<br />

Como regra geral o designer atua no projeto das interações dos produtos com os seres<br />

humanos, tornando a utilização dos produtos mais efetiva, eficiente e confortável, melhorando<br />

assim a qualidade de vida dos usuários. Assim também atua o designer de moda, gerando<br />

produtos que interagem diretamente com o ser humano, como o vestuário ou acessórios<br />

(calçados, joias e ornamentos). Com a incorporação de metodologias do design à produção<br />

desses itens, também são adquiridos métodos de análise e pesquisa científica, que geram os<br />

parâmetros para a produção desses produtos.<br />

Grande parte das pesquisas científicas em design envolve a participação direta de<br />

indivíduos, seja por meio de entrevistas, questionários ou experimentos laboratoriais; e esta<br />

participação é motivo para o questionamento ético das abordagens, uma vez que é reguladopor<br />

códigos de ética ou resoluções normativas, mas nem sempre considerado.<br />

Este estudo teve como propósito identificar se a produção científica em design de<br />

moda compartilha dessa característica da pesquisa em design no Brasil, e se os aspectos<br />

éticos da participação de seres humanos estão sendo observados. É importante destacar<br />

que não cabe a esse artigo julgar os métodos dos pesquisadores, o intuito é, por outro lado,<br />

divulgar e fortalecer esse aspecto no meio científico do design.<br />

O design de moda no Brasil<br />

O design é uma profissão relativamente recente no Brasil, tendo suas raízes em meados<br />

do século 20 e que, ainda hoje, tem suas fronteiras, áreas de atuação e corpo de conhecimento<br />

prático e científico pouco definido. Também recente é a passagem da tradicional dualidade<br />

entre design gráfico ou de produto, para uma infinidade de novas especializações, demandadas<br />

pelo mercado globalizado, seguindo tendências adotadas nos países desenvolvidos, dando<br />

margem ao surgimento de campos como o design de interiores, design de joias, design de<br />

móveis, design de calçados, gestão do design, e também o design de moda. O design de<br />

moda, portanto, é um dos ramos do design, o qual tem como objetivo o desenvolvimento de<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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Considerações éticas na pesquisa em design de moda<br />

vestuários ou acessórios para o ser humano, respeitando as características culturais, técnicas,<br />

mercadológicas e de moda ou tendências.<br />

Segundo Magnus et al. (2006), até meados da década de 1980, quem desejasse<br />

estudar ou aperfeiçoar-se em moda não tinha alternativa senão ir ao exterior. Destacam que<br />

até então os estilistas eram leigos e autodidatas, ou apenas dotados de talento artístico e que<br />

tinham como fundamento o aprender pela prática. Diante disso, a moda não era vista como<br />

uma área que se valia de conhecimentos científicos. A partir da segunda metade da década de<br />

1970, na França, a moda alcançou legitimação acadêmica, com publicações de Bourdieu, em<br />

1974, Baudrillard, em 1976,eLipovetsky, em 1987. No Brasil, a primeira dissertação tratando<br />

do assunto é “O espírito das roupas”, escrita em 1950 por Gilda de Mello, mas publicada<br />

apenas em 1987.<br />

Esses acontecimentos coincidem com dois momentos de grande importância<br />

do cenário da moda. O primeiro se refere ao fim da década de 1950, quando houve uma<br />

alteração significativa no processo produtivo da moda no Brasil, a partir da qual se observou<br />

uma expansão da indústria têxtil e do comércio. Na década de 1980, essa demanda produtiva<br />

levou à necessidade de profissionais com conhecimentos mais estruturados, culminando com<br />

o surgimentodos primeiros cursos profissionalizantes no eixo Rio/São Paulo e em Minas Gerais<br />

(PORTINARI et al., 2002).<br />

A história da moda no Brasil é rica, e já foi alvo de diversos estudos, incluindo o de<br />

Gilberto Freyre, Modos de homem & Modas de mulher, publicado primeiramente em 1987.<br />

Sociólogo famoso por suas análises críticas da formação e costumes da sociedade brasileira,<br />

o autor equaciona em sua obra as raízes e influências dos costumes do povo brasileiro<br />

em paralelo com outras sociedades do mundo. Cabe aqui ressaltar que um estudo mais<br />

aprofundado sobre a história e os desenvolvimentos do design de moda merece estudos<br />

muito mais aprofundados e que fogem ao escopo desse trabalho. Com isso, o objetivo aqui<br />

é apenas traçar um panorama do desenvolvimento da área e, principalmente, da evolução<br />

acadêmica e científica do design de moda.<br />

Na questão do ensino formal da área, o primeiro curso superior em Desenho de Moda<br />

começou a funcionar em 1988, tendo suas origens na disciplina homônima, introduzida em<br />

1967 nos cursos de bacharelado e licenciatura em Desenho e Plástica da Faculdade Santa<br />

Marcelina, em São Paulo. Na década de 1990 houve uma grande expansão na oferta de<br />

cursos de graduação na área, instalados em locais onde a produção têxtil ou de confecção<br />

encontrava-se consolidada, e sua população comprometida com esse processo, com<br />

destaque para:<br />

• São Paulo (SP), com a Faculdade <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong> (UAM – 1990);<br />

• São Paulo (SP),<strong>Universidade</strong> Paulista (UNIP - 1990);<br />

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Considerações éticas na pesquisa em design de moda<br />

• Caxias do Sul (RS), com a <strong>Universidade</strong> de Caxias do Sul (1993);<br />

• Fortaleza (CE), na <strong>Universidade</strong> Federal do Ceará (1994);<br />

• Rio de Janeiro, na <strong>Universidade</strong> Veiga de Almeida (1995);<br />

• Londrina (PR), <strong>Universidade</strong> Estadual de Londrina (1997);<br />

• Curitiba (PR), <strong>Universidade</strong> Tuiutí do Paraná (1997);<br />

• Blumenau (SC), <strong>Universidade</strong> Regional de Blumenau (1997);<br />

• São Paulo (SP), Centro de Educação em Moda (SENAC - Moda - 1998); e<br />

• Maringá (PR), Centro de Educação Superior de Maringá (1999), entre outros.<br />

Atualmente, a oferta de cursos de graduação em design de moda se expandiu<br />

consideravelmente, sendo que algumas instituições oferecem pós-graduação lato sensu na<br />

área. Esses cursos normalmente se agregaram às faculdades de artes ou design, queem 1999<br />

receberamreformulação curricular, passando a incluir estudos demoda em suas habilitações.<br />

Com a expansão na oferta de cursos, houve uma ampliação da produção acadêmica, como<br />

evidenciado por Portinari et al. (2002). Essas autoras também destacam que os estudos<br />

e pesquisas na modaabordam áreas diversas,como a linguística, história, comunicação,<br />

engenharia de materiais, administração, psicologia, artes, design, entre outras.<br />

O design de moda também compartilha de alguns pressupostos do design, como o<br />

desenvolvimento de produtos para melhorar a qualidade de vida do ser humano. Portanto é<br />

inquestionável a necessidade de produção bibliográfica especializada pertinente e de caráter<br />

científico, que além de dar suporte ao desenvolvimento tecnológico do setor, ainda auxiliará<br />

na formação de discentes e docentes. É focado nessa pequena parcela de atuação que o<br />

presente estudo terá a sua área de análise.<br />

Estudos realizados em qualquer área do conhecimento devem observar alguns<br />

princípios metodológicos específicos, que são ainda desconhecidos ou ignorados por boa<br />

parte da comunidade científica, principalmente quando se trata da participação de seres<br />

humanos. A ética na atuação profissional do designer já foi alvo de alguns questionamentos,<br />

porém a ética na pesquisa científica em design ainda é um princípio raramente contemplado<br />

(PASCHOARELLI et al., 2008).<br />

Princípios éticos e morais<br />

Ética e moral são dois termos adjacentes, que comumente não conduzem a uma<br />

definição consensual. Isso se deve principalmente às variações inerentes aos aspectos culturais<br />

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Considerações éticas na pesquisa em design de moda<br />

e filosóficos de cada comunidade. Do ponto de vista etimológico, o termo ética tem origem<br />

do grego ethiké (ou ethos), que significa “costume”, apresentando como objeto de estudo os<br />

valores oujuízos valorativos daquilo que se considera“certo” ou “errado” na conduta humana.<br />

Da mesma forma, o termo moral (do latim mores) também significa “costume” e se caracteriza<br />

pelo aspecto subjetivo da ação reconhecida pelo sujeito praticante (LADRIÈRE, 1994).<br />

La Taille 2006) afirma que os termos contém o mesmo significado, variando apenas<br />

na sua origem etimológica (grega e latina). Paim (1992) trata sobretudo da evolução histórica<br />

do tema, indicando que os princípios da ética grega estão relacionados à virtude humana e<br />

associada ao saber. Posteriormente, na Idade Média, os preceitos gregos foram associados<br />

à teologia, criando um vínculo entre moral e religião. Durante o século 20, houve um esforço<br />

por dissociar novamente a ética da religião, e diversos pensadores ora atribuíram soluções<br />

racionais (Kant), ora puseram por terra a possibilidade de uma sociedade racional (Weber).<br />

De qualquer maneira, o código moral ocidental é de origem judaico-cristã, e tem o<br />

pressuposto de universalidade. O principal aspecto do modelo ético atual é o ideal de pessoa<br />

humana, que representa o seu núcleo e fonte de inspiração de grande parte dos preceitos<br />

abrangidos pela moralidade. A moral, portanto, deve ser interiorizada e incorporada à vivência<br />

individual, o que exige um diálogo contínuo sobre a universalidade da cultura. Assim, se conclui<br />

que a moral é o acordo entre a consciência individual e os preceitos consagrados, sendo a<br />

primeira o juiz das atitudes (PAIM, 1992).<br />

Porém, o mesmo autor afirma que alguns homens tendem a desviar-se dos<br />

comportamentos morais, o que fez surgir uma nova instância apta a agir de forma preventiva<br />

ou punitiva: o direito. As relações entre moralidade e lei jurídica geralmente são, ao menos<br />

nas sociedades democráticas ocidentais, apoiadas pela comunidade, sendo justamente esse<br />

o traço que as distingue do totalitarismo. Portanto, as considerações de natureza moral (ou<br />

ética), por serem amplamente adotadas pela comunidade, transitam para a esfera do direito<br />

(legislação).<br />

Existem amplas discussões de cunho filosófico sobre o assunto, normalmente em livros<br />

específicos da área, não cabendo a esse artigo se aprofundar demasiadamente no tema.<br />

Para esse estudo, foi adotada a diferenciação por fronteiras utilizada em Paschoarelli et al.<br />

(2008), que possui caráter menos agressivo. O termo “ética” é comumente adotado quando<br />

o julgamento realizado se limita ao grupo no qual se insere o praticante, num âmbito mais<br />

específico. Como exemplo, podem ser citadosdiversos Comitês de Ética responsáveispor<br />

regular o comportamento de determinada categoria e, com isso, manter a integridade do<br />

grupo diante da população. Já o termo moral é adotado num contexto amplo, ou seja, como<br />

a ação pontual de um praticante é avaliada por umindivíduo externo a esse grupo.<br />

Os aspectos éticos e morais são variáveis segundo o tempo e o espaço (PASCHOARELLI<br />

et al., 2008), o que requer uma constante revisão dos códigos que regem as condutas de<br />

determinados grupos. Esses códigos são comumente baseados em comportamentos que<br />

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Considerações éticas na pesquisa em design de moda<br />

devem ser evitados ou proibidos, embora também possam ser utilizados aquelesconsiderados<br />

virtuosos, éticos ou socialmente responsáveis. McKinneyet al. (2010) ressalta que o<br />

desenvolvimento moral de um indivíduo se caracterizaria por este ter o comportamento ético<br />

como um objetivo, visto que teria consciência de que é o “certo a se fazer”.<br />

Segundo Lau (2010), o primeiro passo no processo de decisão ética é reconhecer a<br />

natureza moral da situação. Uma decisão ou ação pode afetar interesses, expectativas ou o<br />

bem estar alheio, de modo conflitante com um ou mais aspectos éticos. O comportamento<br />

ético pressupõe um questionamento a priori, que segundo Ladrière (1994), se caracteriza<br />

por“[...]uma reflexão sobre a ação”, na ocasião em que é evidente “[...]um apelo à iniciativa do<br />

homem, enquanto essa iniciativa não é condicionada (inteiramente em todoo caso) pelo curso<br />

das coisas, pela necessidade natural” (p. 29).Portanto, as questões éticas se caracterizam<br />

como um dos aspectos metodológicos da pesquisa científica, devendo considerar uma ação<br />

equânime dos indivíduos e as suas possíveis consequências (PASCHOARELLI et al., 2008).<br />

Considerações éticas na pesquisa científica<br />

O desenvolvimento científico e tecnológico tem como metas teóricas e básicas a<br />

melhoria das condições de vida humana. Portanto, seria lógico afirmar que toda pesquisa<br />

deve considerar o bem estar do ser humano, assegurando que “... ninguém seja prejudicado<br />

ou sofra consequências adversas devido às atividades de pesquisa” (COOPER; SCHINDLER,<br />

2003, p. 110). Entretanto, no decorrer da história humana podem ser encontradas diversas<br />

situações onde esses princípios.<br />

As considerações sobre ética na pesquisa são relativamente recentes em todos os<br />

campos do saber científico (PAIVA, 2005). Embora as práticas médicas utilizassem o código<br />

de Hipócrates desde a Antiguidade, apenas na segunda metade do século 20 as pesquisas<br />

envolvendo seres humanos começaram a ser controladas, principalmente devido aos<br />

experimentos médicos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Grande parte desses<br />

questionamentos teve o seu ápice na série de julgamentos de crimes de guerra nazistas,<br />

conhecidos como Julgamentos de Nuremberg. Daí resultou o código homônimo, que<br />

estabelecia a participação voluntária dos indivíduos (ROBINSON, 2010).<br />

Entretanto, nem sempre esse código era respeitado. Como resultado dessas violações,<br />

a Associação Médica Mundial (World Medical Association) criou, em 1964, a Declaração de<br />

Helsinque, cuja versão revisada ainda é um padrão mundialmente aceito para pesquisas<br />

biomédicas envolvendo seres humanos (FADARE; PORTERI, 2010). Também na década de<br />

1960, o Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos (NationalInstituteof Health) começou<br />

a exigir que toda pesquisa envolvendo participação humana e desenvolvida com seu apoio<br />

financeiro fosse submetida a uma revisão ética. Nessa ocasião, cada instituição deveria revisar<br />

seus protocolos de pesquisa caso quisessem fundos federais para seus projetos.<br />

Em 1979, o Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos da América criou o<br />

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Considerações éticas na pesquisa em design de moda<br />

Relatório de Belmont (BelmontReport), no qual havia a exigência de três princípios básicos<br />

para pesquisas envolvendo humanos: o respeito às pessoas; beneficência; justiça. Estas<br />

exigências eram possíveis por meio do consentimento esclarecido, uma avaliação de riscos e<br />

benefícios e uma seleção “justa” dos participantes (ROSSet al., 2010).<br />

O consentimento esclarecido é um requisito básico da conduta ética em pesquisa<br />

envolvendo seres humanos. O Council for InternationalOrganizationsof Medical Sciences<br />

define consentimento esclarecido como uma “decisão de participar em uma pesquisa realizada<br />

por um indivíduo competente que recebeu as informações necessárias; compreendeu<br />

adequadamente essas informações; e após considerá-las, chegou a uma conclusão sem<br />

coerção, influência imprópria, indução ou intimidação”. O consentimento é deve ser tomado,<br />

preferivelmente, na forma documental, escrita (FADARE; PORTERI, 2010).<br />

Essas exigências resultaram na criação dos Conselhos Institucionais de Revisão<br />

(InstitutionalReviewBoards - IRB),nos Estados Unidos. Atualmente, esses IRB se expandiram<br />

para cobrir virtualmente todas as instituições de pesquisa desse país (ROBINSON, 2010).<br />

Muitos outros países possuem conselhos como esses, como os ResearchEthicsCommittees na<br />

Inglaterra e os Comitês de Ética em Pesquisa (CEP), no Brasil. Ainda assim, as determinações<br />

e exigências desses comitês possam variar segundo essas localidades, sendo que em alguns<br />

casos sua atuação se limita às áreas biomédicas.<br />

No Brasil, a regulamentação sobre a participação de seres humanos em pesquisa<br />

científica está pautada na Resolução Nº 196, de 10 de outubro de 1996, do Conselho Nacional<br />

de Saúde. Esta resolução fundamenta-se em alguns tratados anteriores, a saber:<br />

• Código de Nuremberg, de 1947;<br />

• Declaração dos Direitos do Homem, de 1948;<br />

• Declaração de Helsinque de 1964, e suas revisões de 1975, 1983 e 1989;<br />

• Acordo Internacional Direitos Civis e Políticos da Organização das Nações Unidas<br />

(ONU) de 1966;<br />

• Diretrizes Éticas Internacionais para Pesquisas Biomédicas Envolvendo Seres<br />

Humanos, do CIOMS / World Health Organization (WHO), de 1982 e 1993;<br />

• Diretrizes Internacionais para Revisão Ética de Estudos Epidemiológicos (CIOMS /<br />

WHO), de 1991.<br />

Além disso, cumpre as disposições da Constituição da República Federativa do Brasil<br />

(1988); do Código de Direitos do Consumidor; Código Civil e Penal; do Estatuto da Criança e<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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Considerações éticas na pesquisa em design de moda<br />

do Adolescente; e outros elementos legais.Segundo a Resolução No 196/1996, a “eticidade”<br />

em pesquisa implica em quatro princípios básicos:<br />

• Autonomia, ou consentimento livre e esclarecido dos indivíduos e proteção dos grupos<br />

vulneráveis e legalmente incapazes;<br />

• Beneficência, ou ponderação entre riscos/benefícios, atuais e potenciais, individuais<br />

e coletivos, objetivando o aumento nos benefícios e a minimização extrema dos riscos;<br />

• Não Maleficência, ou plena garantia de que danos previsíveis serão evitados; e<br />

• Justição e Equidade, ou relevância social da pesquisa com vantagens significativas<br />

para os sujeitos, com igual consideração dos interesses.<br />

Segundo essa resolução, as pesquisas que envolvem seres humanos, individual ou<br />

coletivamente, direta ou indiretamente, em sua totalidade ou partes do indivíduo, incluindo a<br />

manipulação de informações ou materiais, devem ter seus projetos submetidos aos Comitês de<br />

Ética em Pesquisa (CEP). Ou seja, mesmo entrevistas, aplicações de questionários, utilizações<br />

de banco de dados ou revisões de prontuários, e que, independente do nível da pesquisa<br />

(iniciação científica, graduação, mestrado ou doutorado, de interesse aplicado ou científico)<br />

devem ser submetidas à avaliação dos CEP, então caracterizados como:<br />

“[...] colegiados interdisciplinares e independentes, com “munus público”, de<br />

caráter consultivo, deliberativo e educativo, criados para defender os interesses<br />

dos sujeitos da pesquisa em sua integridade e dignidade e para contribuir<br />

no desenvolvimento da pesquisa dentro de padrões éticos” (CONSELHO<br />

NACIONAL DE SAÚDE, 1996).<br />

Na prática, os CEP registrados no Conselho Nacional de Ética em Pesquisa possuem<br />

diversas exigências para a aprovação de um projeto, entretanto podemos destacar a aplicação<br />

do “Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)”, uma vez que:<br />

Objetivo<br />

“[...]o respeito devido à dignidade humana exige que toda pesquisa se processe<br />

após consentimento livre e esclarecido dos sujeitos, indivíduos ou grupos<br />

que por si e/ou por seus representantes legais manifestem a sua anuência à<br />

participação na pesquisa” (CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE, 1996).<br />

O objetivo deste estudo foi mensurar quantitativamente o relato de quaisquer<br />

preocupações éticas na pesquisa envolvendo seres humanos no design de moda, por meio<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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Considerações éticas na pesquisa em design de moda<br />

de análise bibliométrica de alguns dos principais meios de divulgação científica em design no<br />

país.<br />

Metodologia<br />

Objeto de estudo<br />

Foram analisados 5883 artigos científicos, nos anais dos seguintes eventos:<br />

• Colóquio de Moda – 2005 a 2009;<br />

• ABERGO - Congresso Brasileiro de Ergonomia, nas edições de 1999 a 2008;<br />

• P&D <strong>Design</strong> - Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em <strong>Design</strong>, nas<br />

edições de 2000 a 2008;<br />

• CIPED - Congresso Internacional de Pesquisa em <strong>Design</strong> – Brasil, nas edições de<br />

2003 a 2009;<br />

• ERGODESIGN - Congresso Internacional de Ergonomia e Usabilidade<br />

deInterfacesHumano-tecnologia: Produtos, Informação, Ambiente Construído,<br />

Transporte, nas edições de 2002 a 2010;<br />

A escolha por esses bancos de dados (anais de eventos) se deu pela representatividade<br />

e expressividade com que são caracterizados na área do conhecimento do design.<br />

Critérios avaliados<br />

sendo:<br />

Os critérios analisados foram semelhantes aos descritos em Paschoarelli et al. (2008),<br />

• Participação de sujeitos;<br />

• Preocupação relativa a qualquer aspecto ético (consentimento informal ou TCLE);<br />

• Submissão a um CEP;<br />

Procedimentos<br />

Tanto para os anais impressos (anais do P&D <strong>Design</strong> até a edição de 2002), quanto<br />

para os anais em formato digital, recorreu-se a leitura integral dos artigos envolvendo a área<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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Considerações éticas na pesquisa em design de moda<br />

da moda, agrupados em diversas classificações, como ergonomia, gestão do design, design<br />

de produto, etc. Buscou-se identificar qualquer interação com voluntários, seja entrevista,<br />

questionário, ou participação ativa, como experimentação laboratorial, pesquisa de campo ou<br />

teste de produtos.<br />

Os dados coletados se referem ao título do artigo, o evento no qual foi publicado e<br />

a observância dos critérios descritos no item 4.2 deste trabalho. Essas informações foram<br />

tabuladas em planilha eletrônica do Microsoft Office Excel 2007®, onde foram efetuadas<br />

análises estatísticas básicas e geração de gráficos.<br />

Resultados<br />

Colóquio de Moda<br />

O Colóquio de Moda é o maior congresso científico em moda no Brasil. Reúne<br />

pesquisadores de diversos locais e especialidades, caracterizando-se por sua diversidade. A<br />

análise bibliométrica de suas cinco edições permitiu a contagem de 688 artigos (Figura 01).<br />

Figura01: Infográfico da produção científica no Colóquio de Moda.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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Considerações éticas na pesquisa em design de moda<br />

Como visto na Figura 01, a produção científica é crescente nesse evento. Em 61 dos<br />

artigos analisados foi possível identificar a participação de seres humanos, o que representa<br />

8,9% do total, e apenas em um dos artigos houve atendimento às questões éticas (na edição<br />

de 2005). Nesse único caso, o projeto foi também submetido e aprovado por um CEP. No<br />

entanto, todas as demais publicações não mencionaram nenhum tipo de atenção aos aspectos<br />

éticos.<br />

ABERGO<br />

O Congresso Brasileiro de Ergonomia ocorre a cada dois anos, reúne pesquisadores<br />

e especialistas do país todo, bem como do exterior, sendo um dos principais congressos em<br />

ergonomia e design do Brasil. A análise bibliométrica permitiu identificar 56 artigos relacionados<br />

à moda ao longo de todas as edições, o que representa 3,6% da produção total (Figura 02).<br />

Também é possível notar o crescimento do número de publicações, tanto em outras áreas<br />

quanto especificamente para a moda.<br />

Figura02: Infográfico da produção em moda por edição daAbergo.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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Considerações éticas na pesquisa em design de moda<br />

Como visto na Figura 02, é notável a participação de seres humanos na pesquisa em<br />

design de moda, somando 46 publicações, das quais apenas duas mencionaram algum critério<br />

ético: em 2002 um artigo garantiu o sigilo das informações; e em 2008 houve a utilização de<br />

um TCLE.<br />

P&D <strong>Design</strong><br />

O Congresso Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento em <strong>Design</strong> – P&D <strong>Design</strong> é o<br />

maior congresso em design do Brasil. Esse evento é realizado a cada dois anos, reunindo<br />

pesquisadores das mais diversas especialidades. A participação do design de moda ao<br />

longo das edições tem crescido consideravelmente, representando cerca de 7% do total da<br />

produção total do evento (Figura 03).<br />

Figura03: Infográfico da produção em moda no P&D <strong>Design</strong> por edição do P&D <strong>Design</strong>.<br />

Como visto na Figura 03, a produção científica em design de moda é crescente nesse<br />

evento. Ressalta-se aqui que,dos 146 artigos analisados, 56 foram realizados com participação<br />

de voluntários, e nenhum desses mencionou qualquer critério ético.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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Considerações éticas na pesquisa em design de moda<br />

CIPED<br />

O Congresso Internacional de Pesquisa em <strong>Design</strong> – CIPED conta com a participação<br />

de pesquisadores de diversas áreas do design, em nível internacional. A análise bibliométrica<br />

permitiu identificar 95 artigos relacionados à moda ao longo das edições de 2003 a 2009, o<br />

que representa 10,4% da produção total (Figura 04).<br />

Figura04: Infográfico da produção em moda por edição do CIPED.<br />

Nota-se um crescimento vertiginoso das publicações em moda nesse evento. A<br />

participação de voluntários se deu em 33 dos 95 estudos publicados e, em apenas um deles,<br />

na edição de 2009, foi identificada a adoção de critérios éticos, com a utilização simultânea de<br />

um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e submissão do projeto de pesquisa<br />

a um Comitê de Ética em Pesquisa (CEP).<br />

Ergodesign<br />

O Congresso Internacional de Ergonomia e Usabilidade de InterfacesHumano-tecnologia<br />

– Ergodesign surgiu por iniciativa da pesquisadora Anamaria de Moraes e colaboradores, no<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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Considerações éticas na pesquisa em design de moda<br />

Rio de Janeiro, em 2001. Éum dos principais congressos em ergonomia e design do Brasil,<br />

reunindo pesquisadores de diversas regiões e áreas temáticas.A análise bibliométrica permitiu<br />

identificar 36 artigos relacionados à moda ao longo de todas as edições, o que representa<br />

5,2% da produção total (Figura 05).<br />

Figura05: Infográfico da produção de artigos em moda, por edição do Ergodesign.<br />

Como visto na Figura 05, a produção científica em design de moda está num patamar<br />

relativamente estável nesse evento. A participação de voluntários se deu em 24 dos 36 estudos<br />

publicados, com a menção a questões éticas em apenas dois deles, ambos na edição de<br />

2009. No entanto, embora tenham utilizado o TCLE, apenas um deles relatou a aprovação dos<br />

procedimentos por um CEP.<br />

Considerações finais<br />

O presente estudo propôs contextualizar a pesquisa em design de moda no Brasil,<br />

sob o ponto de vista dos critérios éticos envolvidos nos estudos científicos que envolvem a<br />

participação de seres humanos. É importante destacar que o caráter desse artigo é meramente<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 303


Considerações éticas na pesquisa em design de moda<br />

informativo, com o intuito principal de ressaltar a importância da discussão e consideração<br />

dessa necessidade na metodologia de pesquisa científica. Também não se trata de questionar<br />

a validade ou imperfeições da norma, cuja análise merece ser discutida em profundidade em<br />

outra ocasião.<br />

Diante do proposto foi traçado um breve panorama dos conceitos intimamente<br />

relacionados: moral e ética. Embora essa questão remonte a Antiguidade, com o código de<br />

Hipócrates, apenas a partir da Segunda Guerra Mundial foi esboçado um regimento com<br />

amplitude normativa. No Brasil, a Resolução Nº 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde<br />

tem quase a mesma longevidade do P&D <strong>Design</strong>, no entanto são recentes e raros os artigos<br />

científicos que mencionaram preocupações do seu escopo e, muito mais raros os que de fato<br />

a atendem.<br />

Destaca-se que, de maneira geral, esse deve ser um questionamento inerente da<br />

pesquisa em design, pois o mesmo se utiliza de metodologias advindas de diversas outras<br />

áreas do conhecimento, como a Antropologia, a Sociologia e até mesmo Ciências da Saúde<br />

e que, comumente, envolvem participação humana. Para á especialidade do design de moda<br />

não é diferente, por isso buscou-se primeiramente, realizar uma breve abordagem histórica e<br />

teórica da área, demonstrando seu imenso potencial de crescimento.<br />

A moda lida com valores sociais e culturais, e por tratar de produtos em contato tão<br />

próximo com o ser humano, parece se utilizar de abordagens a indivíduos como meio de<br />

obter parâmetros projetuais ou desvendar questões teóricas. Essa “ferramenta” metodológica<br />

proporciona resultados mais confiáveis para compreender as questões que envolvem o design<br />

de moda e sua interferência social, tecnológica e cultural.<br />

Como pôde ser observado, em todos os eventos analisados no presente estudo, houve<br />

uma expansão na pesquisa em design de moda. Os números demonstram um amadurecimento<br />

do setor, com importante participação junto a outras áreas do design. No entanto, assim<br />

como em todas as outras especificidades do design, há de se considerar um constante<br />

aprimoramento e rigor metodológico, sobretudo no que trata a participação humana em seus<br />

procedimentos e, nesse aspecto, a preocupação ética ainda parece incipiente.<br />

Destaca-se que os eventos analisados pareceram não exigir dos participantes (autores /<br />

coautores) quaisquer tipos de considerações quanto aos tópicos descritos no presente estudo.<br />

Nesse sentido é importante destacar que o presente estudo não questiona o mérito dos comitês<br />

científicos e tampouco os seus procedimentos de análise, seleção e aceite para publicação<br />

dos artigos analisados. Pelo contrário, apenas procura demonstrar uma particularidade de<br />

uma determinada área do conhecimento científico, que como qualquer outranecessita de uma<br />

ampla abordagem e discussão, já que o tema não deixa de ser polêmico e complexo.<br />

O presente artigo também não teve a pretensão de discutir a validade ou aplicabilidade<br />

da Resolução Nº 196/1996do CNS em estudos na área do design de moda, em toda a sua<br />

diversidade de abordagens existentes. Pretendeu apenas verificar se há um questionamento ou<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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Considerações éticas na pesquisa em design de moda<br />

uma preocupação no que concerne à participação humana nesses estudos. Como exemplo,<br />

foi citado um estudo onde foi garantido aos participantes o sigilo de suas informações. Assim,<br />

mesmo não atendendo plenamente aos critérios éticos normativos, foi demonstrada uma<br />

preocupação com a integridade dos participantes.<br />

Os resultados desse estudo são relativos a 1021 artigos em design de moda, nos<br />

diversos eventos analisados. Os dados corroboram aqueles obtidos por Paschoarelli et al.<br />

(2008), pois foi encontrada uma expressiva taxa de participação de voluntários nas pesquisas<br />

científicas, representando um total de 216 artigos (21,15% do total). Considerações a critérios<br />

éticosainda são escassas, ocorrendo em apenas 6 artigos e, dentre esses, a submissão<br />

a um CEP foi relatada em apenas 3 casos (0,3% do total). É importante destacar que os<br />

resultados verificados no presente estudo, não indicam necessariamente o não cumprimento<br />

das exigências éticas, mas sim que, não foram mencionados tais procedimentos de pesquisa<br />

quando da descrição da metodologia empregada.<br />

Nesse aspecto, é importante destacar que os dados levantados referem-se apenas a<br />

uma das especialidades do design (a moda), no entanto, partiu de uma inferência a partir de<br />

estudo mais amplo e que, portanto, as ressalvas realizadas aqui reafirmam as anteriores e se<br />

aplicam a qualquer domínio do design. De maneira geral, a pesquisa em design de moda já<br />

conta com iniciativas quanto aos aspectos éticos, demonstrados em alguns poucos estudos,<br />

os quais já relatam preocupações com consentimento dos participantes ou quanto ao uso das<br />

informações obtidas.<br />

Um aspecto notável é que, embora fossem encontrados indícios de participação<br />

de sujeitos em vários estudos, muitos deles não expuseram os resultados dessa interação<br />

diretamente. Dessa forma, vários artigos parecem deixar claro que a abordagem a um indivíduo<br />

foi meramente para coletar informações a respeito do mercado, das necessidades do usuário<br />

ou simplesmente para auxiliar na geração de ideias, o que não os exime de acatar os princípios<br />

éticos da pesquisa científica.<br />

Também foi notado que grande parte das fotografias utilizadas na produção dos<br />

artigos analisados (quer abordem humanos ou não) permite a identificação do sujeito. Embora<br />

possivelmente tenham sido publicadas com autorização do indivíduo, pode ser interessante<br />

uma postura mais segura do pesquisador, como desfocar os rostos nas imagens, o que não<br />

abriria margem para questionamentos futuros.<br />

De qualquer forma, discussões sobre os conceitos de ética e moral são muito vastos<br />

e ainda serão alvo de muitas publicações, não se pretendendo aqui elucidar todos os seus<br />

termos e particularidades. Quanto à história da moda, omissões possivelmente foram feitas,<br />

mas como resultado de síntese de um ponto de vista que buscou apenas posicionar e entender<br />

a importância da área junto ao conjunto de especialidades do design,bem como outras áreas<br />

do conhecimento.<br />

Os resultados demonstram que é necessária uma ampla discussão sobre o assunto, quer<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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Considerações éticas na pesquisa em design de moda<br />

seja pela adoção dos critérios, quer seja pela sua menção quando da publicação das pesquisas<br />

da área. Nesse sentido, destaca-se que ainda há muito espaço para aperfeiçoamentosno<br />

desenvolvimento de estudos de caráter científico na área do design de moda, o que pode ser<br />

considerado inerente a uma área do conhecimento recente e que ainda traça os caminhos<br />

para sua consolidação.<br />

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<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 306


Considerações éticas na pesquisa em design de moda<br />

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<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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CALçADOS DESEJáVEIS PARA MuLhERES PORTADORAS DE<br />

DEFICIêNCIA FíSICA:<br />

uM DESAFIO DESEJáVEL PARA OS DESIGNERS DE CALçADOS<br />

Mariana Rachel Roncoletta; Doutoranda: FAU/USP; Docente: <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong><br />

mariana_rachel@roncoletta.com<br />

Resumo<br />

Este artigo discute as funções estéticas e simbólicas do design<br />

de calçados para mulheres portadoras de deficiência física.<br />

Combinamos os estudos fenomenológico e de caso conforme o<br />

Código de Ética de Pesquisa da CONEP – Resolução 196/96 para<br />

realizar entrevistas semi-estruturadas que apresentou imagens<br />

e produtos. As usuárias revelaram os desejos por calçados<br />

que remetam à sensualidade e à feminilidade como diretrizes<br />

fundamentais da pesquisa projetual do design de calçados para<br />

mulheres com necessidades especiais. Concluímos que a adoção<br />

destas diretrizes conceituais no desenvolvimento de calçados<br />

podem aprimorar a qualidade de vida de nossas usuárias com<br />

relação ao bem estar social.<br />

Palavras-Chave: design de calçados; deficiente físico; imagem<br />

pessoal<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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Calçados desejáveis para mulheres portadoras de deficiência física: um desafio desejável para os designers de calçados<br />

Introdução<br />

O presente artigo possui como objetivo descrever os desejos e anseios das usuárias<br />

portadoras de deficiência física do aparelho locomotor com diferença de membros inferiores<br />

entre 2 a 5 cm com relação ao objeto de design de moda - calçados. Este estudo inicia-se<br />

com a vivência das usuárias entrevistadas.<br />

“Nem coisa, nem ideia, o corpo está associado à motricidade, à percepção, à<br />

sexualidade, à linguagem, ao mito. À experiência vivida, à poesia, ao sensível<br />

e ao invisível, apresentando-se como um fenômeno que não se reduz à<br />

perspectiva de objeto...”. Merleau-Ponty i (1994) apud Nóbrega (2000, p. 101).<br />

Observamos o corpo que se movimenta na passarela da vida, o corpo do outro. Este<br />

corpo que manca, ao subir e ao descer dos movimentos de seus quadris, aquele que rebola<br />

e pisa pelas pontas dos pés. Corpo este que balança o próprio olhar, num sobe e desce<br />

sinuoso, e que, claro, atrai o nosso olhar.<br />

Corpo meu, corpo seu, corpo do outro encontram lugar de destaque na obra<br />

Fenomenologia da Percepção, de Merleau-Ponty, que privilegia o mundo das experiências<br />

vividas como primeiro plano da configuração do ser humano e do conhecimento pela<br />

percepção. A percepção fenomenológica é dotada de significação, tem sentido na nossa<br />

história de vida e faz parte da nossa experiência, depende da nossa vivência corporal, das<br />

situações de nossos corpos. É a forma de comunicação que estabelecemos com os outros e<br />

com as coisas, envolve nossa personalidade, desejos e paixões, “é a maneira fundamental dos<br />

seres humanos estarem no mundo”, complementa Chauí (2000, p. 157).<br />

Neste projeto observou-se as relações destes corpos portadores de deficiência física<br />

do aparelho locomotor com o objeto calçado por intermédio do relato das entrevistadas. Suas<br />

falas percorrem todo o artigo com foco nas necessidades físicas, estéticas e simbólicasii do<br />

design de calçados revelando seus desejos e anseios associados ao seu contexto sociocultural<br />

e as suas experiências.<br />

O desejo, na área do design, é compreendido como ato de querer do “sujeito desejante”<br />

nos níveis consciente ou inconscientes. Segundo Portinari in Coelho (2008, p. 70), o desejo<br />

é um hiato, “condicionado à possibilidade de simbolização da falta, depende da ordem da<br />

linguagem”, ou seja, o ato de desejar está relacionado diretamente a querer aquilo que nos<br />

falta como indivíduos socioculturais.<br />

O poder dos calçados para o público feminino<br />

Os sapatos são as peças mais importante do guarda-roupa feminino, segundo uma<br />

pesquisa realizada pelo site brasileiro Chiciii de Gloria Kalil, em 2007. A pesquisa teve o<br />

objetivo de identificar entre calças, blusas, vestidos e sapatos, qual era o item indispensável<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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Calçados desejáveis para mulheres portadoras de deficiência física: um desafio desejável para os designers de calçados<br />

na composição do look feminino. Das 1.291 voluntárias, 53% consideraram os sapatos a peça<br />

principal. Para Garcia e Miranda (2005) entende-se por look uma organização na construção<br />

de determinadas roupas, associadas à postura corporal, à atitude, ao cabelo, à maquiagem<br />

e etc. Nossos calçados foram identificados com significativa importância na composição de<br />

nossos guarda-roupas e por consequência de nossos looks.<br />

Podemos ser atraídos primeiro pelas qualidades estéticas de um determinado produto,<br />

como a cor vibrante do calçado, ou sua textura macia ou até mesmo a forma sinuosa e sensual<br />

de um salto fino que nos remete historicamente ao poder e fetiche dos calçados. Fetichismo<br />

entendido como adoração a objetos animados ou inanimados produzidos pelo homem. Steele<br />

in Riello e McNell (2006) afirma que os saltos altos exercem um charme poderoso para muitas<br />

pessoas, são os substitutos dos corselets da Belle Époque, e estão associado à feminilidade<br />

e sensualidade da mulher do século XX.<br />

Os calçados são ferramentas protéticas poderosas no sentido de ampliar os valores<br />

simbólicos de nossos corpos, reforçam identidades pessoais ou coletivas. Argumento<br />

reforçado por Castilho e Martins (2005) ao comentar que a moda é um sistema de linguagem,<br />

um discurso de ideias transformadas em produtos, e que estes, por sua vez, refletem os<br />

valores e preocupações socioculturais pela interpretação subjetiva de seu criador.<br />

Relembramos que os produtos de moda utilizam-se dos fatores emocionais<br />

intensamente, estes por sua vez são associados à estética, segundo Norman (2000). São<br />

objetos lúdicos, capazes de satisfazer o usuário através da estimulação sensorial de seus<br />

sentidos. O design de moda é um território de sonhos e desejos, adquirir um par de sapatos<br />

novos, provavelmente não o será para suprir as necessidades básicas do indivíduo, mais sim<br />

desejo, o mesmo vale para não nos desfazermos dos mesmos.<br />

O design com foco na emoção tenta desvendar estas relações entre usuário e produto:<br />

o porquê do calçado, em vez da blusa, o porquê deste sapato específico, daquela marca,<br />

daquele modelo. As teorias de Jordan (2000) com enfoque no prazer são comumente citadas<br />

pelos pesquisadores do design e emoção.<br />

O prazer, construto abstrato, encontra-se na relação entre o usuário, os produtos e o<br />

ambiente onde tais produtos são usados. Os objetos podem ser vistos como objetos vivos<br />

com os quais o ser humano se relaciona, podem nos deixar alegres, tristes, seguros, ansiosos,<br />

etc. “É necessário não somente ter compreensão sobre como as pessoas usam os produtos,<br />

mas também o papel que tais produtos têm na vida das pessoas.” iv afirma Jordan (2000). O<br />

autor apresenta os quatro tipos de prazer: físico, social, psicológico e ideológico. Sua teoria<br />

está baseada nos estudos antropológicos do canadense Lionel Tiger.<br />

O físico é derivado da relação do objeto com os órgãos sensoriais. O prazer social<br />

é a interação entre várias pessoas proporcionada por um objeto. Já o psicológico está<br />

associado às reações emocionais e cognitivas das pessoas em relação ao produto. Referese<br />

ao prazer da mente em realizar tarefas relacionadas à usabilidade e compatibilidade dos<br />

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produtos considerados amigáveis. O prazer ideológico está associado aos valores estéticos e<br />

éticos de uma determinada cultura, geração ou indivíduo. Encontram-se aqui os valores ecossustentáveis,<br />

responsabilidade social, política e moral.<br />

Sob esta perspectiva, o conforto é abordado tanto como uma relação física entre<br />

usuários e objetos como uma relação social por meio dos objetos. Na segunda, os modismos<br />

podem mais uma vez inserir ou excluir um grupo de indivíduos. Aqueles que não possuem<br />

o último lançamento da Apple podem se sentir constrangidos (desconfortáveis) em relação<br />

àqueles que possuem. Segundo nossas entrevistas as telenovelas brasileiras possuem forte<br />

influência social, ou seja, a informação e cultura de moda que é transmitida para as usuárias é<br />

por intermédio dos canais de comunicação que massificam os modismos e não pelas imagens<br />

das publicidades de moda significando, portanto, que os desejos por calçados sejam aqueles<br />

que as telenovelas demonstram “estar na moda”.<br />

Ao questionarmos nossas entrevistadas sobre conforto dos calçados, as respostas<br />

foram em relação às funções de uso diretamente relacionadas às questões físicas e fisiológicas,<br />

como “este sapato me machuca, faz bolhas, calos”, ou ainda “este outro é muito quente”,<br />

“este aqui aperta meus dedos”, ou “este é o único que consigo usar”. E ainda, “este tem salto,<br />

mas parece que estou descalça”.<br />

O conforto depende, em grande parte, da percepção da pessoa que está experimentando<br />

a situação, não existindo uma definição universalmente aceita. (Lueder, 1983; Slater, 1985;<br />

Zhang, 1991). Recentemente, alguns pesquisadores sugeriram que o conforto está relacionado<br />

com o prazer, o que apresenta fronteiras mal definidas com a usabilidade e a funcionalidade<br />

(Slater, 1995; Jordan, 2000). Simultaneamente, outra corrente assume que o conforto e o<br />

desconforto estão em duas dimensões: o conforto associado a sentimentos de relaxamento e<br />

bem estar, e o desconforto ligado a fatores biomecânicos e à fadiga (Zhang, 1992; Zhang, et<br />

all, 1996; Goonetilleke, 1999). Apesar da falta de consenso acadêmico sobre o tema, nossas<br />

usuárias consideram o conforto um aspecto importante relacionado diretamente ao uso do<br />

objeto, relacionados, portanto, à usabilidade e funcionalidade do produto e ao prazer físico.<br />

No Brasil existe uma análise biomecânica dos calçados realizado pelo Instituto Brasileiro<br />

de Tecnologia do Couro, <strong>Arte</strong>fatos e Calçados (IBTeC), responsável pelo “Selo Conforto”. Seus<br />

critérios incluem: a qualidade das costuras, da cola, a resistência dos materiais utilizados,<br />

a espessura da palmilha, os pontos de apoio da alma de aço, os pontos de pressão da<br />

modelagem. Os testes biomecânicos são realizados simulando a marcha normal do corpo<br />

humano, durante determinado tempo. São fundamentais para verificar o conforto físico e<br />

fisiológico dos calçados.<br />

A usabilidade (neologismo traduzido do inglês usability) é definida como “efetividade,<br />

eficiência e satisfação com as quais os usuários específicos atingem metas específicas em<br />

ambientes particulares”, segundo a ISOv apud Jordan (2000, p. 07). Não depende das<br />

características do produto, mas da interação entre usuário, produto e ambiente. O importante<br />

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é como usar um produto para fazer alguma coisa. A usabilidade tende a ser limitada, defende<br />

o autor, os critérios de avaliação tendem a enxergar os produtos como ferramentas das quais<br />

os usuários realizam tarefas.<br />

Martins (2006) acrescenta que a usabilidade representa a interface que possibilita a<br />

utilização eficaz dos produtos, tornando-os amigáveis e prazerosos. A autora desenvolveu<br />

a Oikos, metodologia de avaliação de usabilidade e conforto de vestuário: são estudados as<br />

tarefas de vestir e desvestir; a facilidade de manutenção, assimilação, manuseio, os índices<br />

de conforto e os riscos de segurança, ao considerar os aspectos psicofisiológicos do usuário.<br />

Sobre funcionalidade, Silveira (2008, p. 21-39) argumenta: não é uma característica do<br />

objeto em si, “mas uma série de relacionamentos complexos entre hábitos e usos, técnicas<br />

de fabricação e significados simbólicos.” A autora observa a funcionalidade sob o prisma da<br />

linguagem, com foco na semiótica por intermédio de Bürdek (2005), esta é indissociável das<br />

funções estéticas e simbólicas do design de produtos.<br />

Neste sentido, podemos entender que a usabilidade e a funcionalidade estão<br />

relacionadas diretamente ao uso do objeto e suas funções práticas. Correlacionam-se também<br />

com as questões estético-simbólicas do mesmo, ou seja, o uso do objeto depende também<br />

de sua comunicação, do contexto do usuário, de seu repertório de experiências anteriores,<br />

aspectos estes subjetivos.<br />

Muitos produtos desenvolvidos para pessoas com necessidades especiais possuem<br />

uma estética médica ou clínica facilmente reconhecida por meio da aparência destes aspectos.<br />

As aparências de tais produtos comunicam as restrições de seus usuários contribuindo para a<br />

exclusão social, e não para inclusão. Uma situação social de desprazer e desconforto para o<br />

usuário, caso dos sapatos para diabéticos que, por sua aparência, denunciam a restrição do<br />

usuário, um benefício emocional de valor negativo, acrescenta Roncoletta (2009a).<br />

Devemos acrescentar que muitas mulheres sacrificam a saúde de seus corpos pelo<br />

poder mágico destes aspectos estéticos e simbólicos. As nossas entrevistadas não o fazem<br />

mais, admitem que já sacrificaram seus corpos, mas atualmente procuram artefatos mais<br />

equilibrados entre suas funções. Devido às suas restrições físicasvi elas necessitam de<br />

calçados seguros e desejam calçados sensuais. Encontrar estes dois conceitos no mesmo<br />

par de calçados é uma tarefa praticamente impossível e extenuante, acrescenta Karin, uma de<br />

nossas entrevistadas.<br />

Personal Styling, uma ferramenta de comunicação do indivíduo<br />

A palavra styling, no campo do design, deriva do style (estilo), introduzido nos EUA<br />

entre os anos de 1930-40, segundo Coelho (2008), para estimular o consumismo por meio da<br />

maquiagem estética de produtos antigos.<br />

O estilo pode ser representado pela repetição dos aspectos formais encontrados em<br />

determinado produto até que o mesmo seja identificado por tais características atribuídas à<br />

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autoria do produto ou à época. Para o autor, a palavra estilo ainda pode ser empregada para<br />

representar valores socioculturais atribuídos a determinado produto.<br />

Na área de moda, segundo Roncoletta (2009b) o styling é considerado a maneira de<br />

comunicação do conceito de uma marca, editorial ou indivíduo. Ferramenta de comunicação<br />

simbólica, é a criação do conceito da imagem de moda: o como a imagem é elaborada envolve<br />

a seleção do suporte (casting vivo ou inanimado), ambientação cenográfica, edição dos looks<br />

(roupas, acessórios, cabelo, maquiagem), atitude (coreografia) e, inclusive, trilha sonora<br />

inseridas num determinado contexto. Estes elementos compõem o conceito da imagem, que,<br />

na moda, tende a ser valorizado. Nos desfiles, representa o conceito da marca; nos editoriais<br />

das revistas, a interpretação daquele título sobre determinado assunto; já na esfera pessoal,<br />

representa a forma de comunicação do indivíduo. Esta pesquisa explora a comunicação do<br />

indivíduo, conhecido na área de moda pelo termo em inglês: personal styling.<br />

Relembramos que, na pós-modernidadevii , a comunicação pessoal não está<br />

necessariamente relacionada a um único estilo: podemos querer ser um determinado<br />

personagem num dia, e vestir outro personagem em outra ocasião. O antropólogo Ted Polhemus<br />

(1994) cunhou o termo Supermercado de Estilos que já apontava para estas possibilidades.<br />

Representamos diversos personagens durante nossas vidas, não pertencemos a um único<br />

grupo social, ou a um único estilo de representação visual. Neste sentido, o styling, forma<br />

de comunicação imagética, representa nossas imagens variáveis de acordo com diferentes<br />

contextos em diferentes situações.<br />

Nelly, outra de nossas entrevistadas, inicia nossa conversa comentando: “Nós somos<br />

um sem roupa nenhuma, sem sapato nenhum, mas nós somos outro, um ser social que quer<br />

acertar sua própria imagem.” Acertar sua própria imagem, comunicar através do look aquilo<br />

que o indivíduo gostaria de comunicar é entendido na área de moda como styling.<br />

O calçado faz parte da composição do conceito do look. Solicitar que nossas usuárias<br />

usassem botas ortopédicas no baile de formatura, ou durante seu próprio casamento, ou até<br />

mesmo numa reunião de negócios é NÃO permitir que elas possam assumir os personagens<br />

que queiram. É admitir que os portadores de deficiências físicas não podem construir<br />

imagens lúdicas e poéticas de si mesmos. É negar-lhes o poder de construir suas próprias<br />

representações simbólicas de acordo com seus valores estéticos, sociais, políticos e morais<br />

e, portanto, de acertar sua própria imagem social. Neste sentido, a moda por intermédio do<br />

styling pessoal, pode ser positiva, proporcionando prazer social, psicológico e ideológico/<br />

intelectual ao construir personagens.<br />

Materiais e métodos<br />

Estudo fenomenológico com enfoque nas experiências e vivências das usuárias com<br />

relação as funções práticas dos calçados combinado com pesquisa de campo. Utilizamos<br />

imagens, produtos e entrevistas semi-estruturadas com foco nos aspectos subjetivos –<br />

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estéticos e simbólicos do design de calçado com o objetivo de identificar os valores, desejos<br />

e anseios das usuárias em potencial.<br />

Realizamos as entrevistas nas casas das usuárias, para que assim pudéssemos conhecer<br />

alguns valores subjetivos. Visitamos seus guarda-roupas no intuito de registrar as adaptações<br />

dos calçados realizadas pelas mesmas. As usuárias foram indicadasviii pelos ortopedistas e<br />

fisioterapeutas parceiros desta pesquisa nos aspectos físicos, clínicos e ergonômicos dos<br />

calçados. Foram selecionadas participantes que possuíssem diferença de membros inferiores<br />

entre 2 a 5 cm, independente de suas patologias, uma vez que, precisavam de compensações<br />

nos calçados para equilibrar a diferença entre seus membros inferiores.<br />

Solicitamos que as entrevistadas assinassem o “Termo de Consentimento Informado”,<br />

conforme a Resolução 196/96 do Código de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do<br />

Conepix , que nos permite utilizar seus nomes, publicar os depoimentos com fotos de seus<br />

pertences e elementos audiovisuais. Alguns detalhes das entrevistas foram omitidos por<br />

solicitação dos participantes desta pesquisa. Todos os sujeitos da pesquisa obtiveram um<br />

retorno da pesquisadora para que aprovassem a publicação do material e também para que<br />

conhecessem os resultados desta pesquisa.<br />

A pesquisa estruturou-se de maneira a permitir que o usuário fizesse seus comentários<br />

com relação às dificuldades e os benefícios encontrados nos calçados, requisitos físicos,<br />

comentasse seus desejos e vontades, demonstrasse seus calçados e soluções de adaptações.<br />

Falassem sobre marcas, formas, cores, ou ainda atributos estéticos que lhes fossem desejáveis.<br />

Por último, solicitamos que opinassem livremente sobre os calçados transformáveis das figuras<br />

1 a 6 e sobre as experiências da autora das figuras 7 e 8.<br />

Fig. 1: Sheila’s Heels –<br />

desenvolvido em 2005 por uma<br />

seguradora de carros inglesa,<br />

possui variação de 2 alturas, é<br />

comercializado na Inglaterra. Custo<br />

aproximado de 300 libras o par.<br />

Fonte: site Sheila’Insurece.<br />

Fig. 2: Footloose – patente de<br />

Marte den Hollander, estudante<br />

de <strong>Design</strong> Industrial em Delf –<br />

Holanda, desenvolvido em 2006.<br />

Ainda não foi comercializado.<br />

Fonte: site Virtual Shoes Museum.<br />

Fig. 3: 38degrees – desenvolvido<br />

em 2004 pelo estudante de pósgraduação<br />

Wei-Chieh Tus,do<br />

Brooklyn Institute, varia em 6<br />

alturas de salto apertando o botão<br />

cinza. Não está à venda. Fonte:<br />

site NY Times<br />

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Fig. 4: Sophie Cox – trabalho de graduação em design de produtos da australiana em 2004. Fonte: blog<br />

GizMag.<br />

Fig. 5: Hilo Shoes - projeto iniciado em 2000, comandado pela designer de moda Rosemary Wallin, recebeu<br />

recentemente 500.000 libras para o desenvolvimento industrial do produto. Fonte: site Britsh Council.<br />

Fig. 6: Camileon - desenvolvidos por Donna e David Handel, existem em vários modelos e são comercializados<br />

desde 2004 nos EUA. Custam de US$ 210, 00 a 350,00. Fonte: site Camileon Heels.<br />

Com o auxílio destas imagens, verificamos alguns aspectos relacionados aos quesitos<br />

estéticos do objeto, como cores, formas e materiais de confecção. A adaptação do calçado<br />

Mercadal (fig. 7), utilizada como objeto tridimensional em conjunto com o protótipo (fig. 8),<br />

construído pela autora durante o curso de extensão de design de calçados da FASM, são<br />

indispensáveis para percepções táteis de materiais, construções de formas e análise de<br />

composição cromática, além dos requisitos ergonômicos utilizados na construção deste<br />

calçado. Estes objetos permitiram, também observações relacionadas às questões de prazer<br />

social.<br />

Vale ressaltar que, devido às diferenças de tamanho nas numerações de pés e de<br />

membros inferiores, as entrevistadas não puderam usar os calçados: esta é uma limitação do<br />

método de nossa pesquisa. Os aspectos levantados nesta pesquisa com relação às funções<br />

de uso do objeto vieram de depoimentos relacionados às suas próprias experiências com<br />

calçados anteriores. Alguns aspectos subjetivos também foram levantados através destas<br />

experiências.<br />

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Fig. 7: A vista frontal dos sapatos adaptados<br />

simulando o movimento da macha. Fonte: a<br />

autora.<br />

Discussão: A voz das usuárias<br />

Fig. 8: Calçado construído pela autora de couro macio,<br />

com salto de madeira e solado antiderrapante; possui a<br />

diferença de altura de 3cm, sendo 1cm na planta e 2cm<br />

de salto. Fonte: a autora.<br />

Nossas entrevistadas relatam a dificuldade de fazer as adaptações sugeridas pelos<br />

ortopedistas nas casas ortopédicas. O procedimento costuma acontecer da seguinte maneira:<br />

de posse da receita médica, elas procuram as casas ortopédicas que cobram por centímetro,<br />

acrescenta Nelly, e confeccionam o produto sem a menor preocupação estética. “... E além do<br />

mais, jamais consegui usar o produto, era feio e me machucava e ainda paguei uma fortuna”.<br />

Estas afirmações nos remetem à importância de investigar holisticamente a relação entre um<br />

objeto de design e seu usuário para conhecer seus anseios, desejos e vontades é até mesmo<br />

suas decepções.<br />

Para Nelly não poder variar de calçados para acompanhar suas próprias roupas e,<br />

assim, escolher o personagem do dia-a-dia, era inconcebível. Ela nos conta que sua relação<br />

com os calçados iniciaram-se na infância:<br />

Quando tinha 7 anos de idade sua família foi expulsa do Egito e não podiam retirar<br />

muitas coisas: “Meu pai mandou fazer 2 pares: um vermelho, para passear, e um marrom, para<br />

ir para a escola... o sapateiro fez uma botina, um coturno de exército com fivela lateral que ia<br />

durar 3 gerações: somos em 3 meninas. Eu os usei por muito tempo... não suportava mais<br />

aquilo... na época, as minhas colegas já usavam sapatinho de boneca, de verniz... era lindo.<br />

Eu era apaixonada por aqueles sapatos tão femininos. Eu tentava acabar com os meus mais<br />

rápido, os arrastava no chão, e eles não gastavam nunca: eu os molhava para estragar. Meu<br />

pai comentava: não se preocupe, minha filha. Vou secá-lo no forno. Até que um dia molhei os<br />

dois, e fui de Alpargatas para a escola; meu pai os esqueceu no forno e os 2 pares torraram.<br />

Ele chorava, e eu ria, e ria... Então, meu amor pelos sapatos começou aí,... Economizei o<br />

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dinheiro do sorvete para comprar meu primeiro sapatinho vermelho de alcinha e botão. Era<br />

macio, tinha um cheiro delicioso, e eu dormia tão feliz do lado do sapato.”<br />

Podemos observar que os sapatos têm um valor especial na vida de Nelly; ela<br />

necessitava solucioná-los depois da fatalidade de seu acidente. Seu armário possui 42 pares<br />

de calçados adaptados, até nossos encontros. Suas primeiras experiências foram com tênis<br />

de cano alto; por serem mais fechados, davam suporte à nova movimentação de seu corpo,<br />

protegendo os tornozelos e diminuindo a probabilidade de virar os pés para o lado. Ela já<br />

tinha resolvido as questões físicas com o tênis de cano alto, mas sua paixão por calçados,<br />

associada a diversas situações sociais, como festas, casamentos, ou até mesmo caminhadas,<br />

exigiam outras soluções. As figuras 9, 10, 11 e 12 demonstram algumas destas adaptações<br />

realizadas pela entrevistada.<br />

Fig. 9: Acima à esquerda, sua primeira sandália.<br />

Fig. 10: Acima à direita, a Birkenstock.<br />

Fig. 11: Do lado esquerdo, a sandália de<br />

casamentos e para dançar. Fig. 12: Bota adaptada.<br />

Fonte: a autora.<br />

Todo o seu depoimento é relatado por vontade e desejo de ter diversos pares de<br />

calçados: às vezes, sandálias de salto alto ou tênis para caminhar, ou ainda um determinado<br />

modelo para ir a uma festa, ou aquele desejo por plataformas, ou a vontade por determinadas<br />

cores - preto e vermelho são suas preferidas. O depoimento de Nelly reforça os aspectos<br />

subjetivos relacionados ao prazer como premissas básicas do desenvolvimento projetual. Para<br />

ela, um sapato é uma maneira de se expressar, um vínculo emocional que lhe traz satisfação,<br />

bem estar, apreciação, dentre outros valores atribuídos pela entrevistada. Nelly está preocupada<br />

com segurança e usabilidade, mas não são estes aspectos que a fazem procurar um calçado<br />

e, sim, a elegância das formas, a fluidez das linhas, o desejo por diversas cores de alguns para<br />

determinadas ocasiões, ou ainda vontade de ter um determinada forma, ou a necessidade<br />

de possuir uma bota apropriada, seja ela para inverno ou para caminhada. Seu fetiche por<br />

calçados é evidente, e suas aquisições são baseadas no desejo.<br />

Vanessa só é vista como portadora de restrições físicas pelo movimento de seu corpo.<br />

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Durante sua marcha, ela manca um pouco e seu corpo se projeta para os lados; outras marcas<br />

reconhecíveis pelo outro seriam através de suas cicatrizes. Não existe mais uma aparência física<br />

que possa denunciá-la como deficiente física, conforme a fig. 13. Suas limitações encontramse<br />

no movimento de seu corpo, e talvez seja por isso que estas questões são fundamentais<br />

para ela.<br />

Fig. 13 e 14: Na imagem da esquerda podemos observar a bota feita sob medida com plataforma de 14<br />

cm utilizada na perna arqueada de Vanessa. Na imagem 71 da direita, observamos a solução realizada com<br />

sobreposições de solas de Havaianas da mesma cor de seu vestido de festa. Fonte: doação da entrevistada.<br />

Com relação aos aspectos estéticos, podemos observar o cuidado com as cores<br />

selecionadas pela usuária ao adaptar sua Havaiana em tons de verde e branco que se<br />

harmonizam com seu vestido de festa na fig. 14. A composição do styling do look para esta<br />

ocasião especial demonstra o cuidado da usuária com sua aparência: maquiagem, vestido<br />

e chinelos estão cuidadosamente elaborados para simbolizar harmonia e vaidade, para<br />

comunicar o cuidado com sua aparência independente do aparelho Ilizarovx .<br />

Aos aspectos socioculturais, podemos acrescentar ainda o ambiente em que vivia<br />

quando as entrevistas foram realizadas. Vanessa é formada em biomédicas com TCC que<br />

discute a acessibilidade em trilhas para portadores de restrições físicas. Em seu ambiente<br />

de estudo, “professores doutores e alunos são largados [se refere à preocupação com a<br />

aparência deles] usam bermuda e Havaianas”, ainda acrescenta que o melhor calçado pra ela<br />

são as Havaianas, que permitem movimento e ainda são leves, o peso dos sapatos também<br />

é uma grande preocupação.<br />

Seu critério de escolha é muito claro: o calçado precisa proporcionar segurança<br />

e equilíbrio, em primeiro lugar. As experiências de seu próprio corpo remontam às suas<br />

preocupações com os aspectos de funcionalidade e usabilidade de qualquer produto<br />

associados ao prazer físico e ao conforto.<br />

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Jacqueline, outra jovem entrevistada argumenta que as botas ortopédicas são<br />

vergonhosas. Ela não utiliza calçados ortopédicos e nem faz adaptações. Durante sua<br />

formatura procurou incansavelmente uma sandália que a deixasse segura e que ao mesmo<br />

tempo fosse delicada e sensual. Como uma garota romântica como Jacqueline poderia sentirse<br />

uma princesa de botinha ortopédica na sua noite de formatura? Ela prefere passar por outra<br />

cirurgia do que usar botas ortopédicas: “são vergonhosas”, diz, indignada.<br />

Não podemos ser hipócritas, temos que assumir a nossa parcela de culpa dentre<br />

aqueles que fazem moda e sugerem para garotas como Jacque que só se sintam bem em<br />

ocasiões especiais, nas alturas do salto alto e fino. A indústria cultural do modismo é cruel.<br />

Nós culturalmente impulsionamos este desejo, principalmente nestas ocasiões especiais. As<br />

campanhas e desfiles de moda, as cerimônias do Oscar, diversos filmes e seriados de TV,<br />

inclusive telenovelas brasileiras mostram mulheres usando saltos altos e muitas vezes finos.<br />

Os saltos finos e bicudos representam poder e sedução neste imenso universo midiático que<br />

faz com que garotas como Jacqueline só se sintam poderosas nas alturas de um salto alto.<br />

Encontrar um par de calçados que proporcione um equilibro entre as funções é uma<br />

tarefa praticamente impossível e extenuante. Karin, outra entrevistada comenta: “...Imagina,<br />

você vai com o marido, roda e ele lhe pergunta, não é possível que você não achou um par<br />

de sapatos? Como você tem que comprar 2 pares? Aquilo vira o drama e você perde toda<br />

vontade, já é duro achar um que não seja duro, não tenha abinha atrás, que não me aperte,<br />

que segure... então vira um drama. O drama do sapato.”<br />

Após a dificuldade de escolher e adquirir um par de sapatos, a maioria das usuárias<br />

ainda precisam transformá-los - levar ao sapateiro para realizar as modificações necessárias,<br />

as mais comuns são: acrescentar solado antiderrapante, acrescentar tornozeleiras para<br />

proporcionar maior sensação de segurança e ainda fazer modificações nos saltos (trocá-los)<br />

por saltos mais estáveis e de diferentes tamanhos, conforme as diferenças entre membros<br />

inferiores.<br />

O ato de escolher, comprar e usar calçados são negativos para Karin, sob a perspectiva<br />

do prazer psicológico, que afetam não somente a usuária mas também sua família. Os aspectos<br />

do conforto físico são mencionados pela entrevistada como fator essencial que proporcionem<br />

segurança, porém, podemos perceber em seu discurso que a sensualidade dos calçados é<br />

um fator tão importante quanto o conforto físico, ela acrescenta: “Ah, o salto. A mulher não<br />

vive sem”, comenta sorrindo. “Eu adoraria usar um salto, não precisa ser muito alto... aqueles<br />

sapatos bem bicudos. Aquele que eu ia falar humm, ai que lindo! É o clássico, o preto. Eu<br />

tenho um guardado, da Franziska Hübner, só pra me lembrar...é o meu conceito de sapato<br />

lindo”. O scarpin de salto alto é representante simbólico de um personagem que Karin não<br />

pode e não quer abandonar, mesmo sem poder usar seu scarpin, ela não se desfaz.<br />

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Considerações finais: a procura de calçados poéticos<br />

As nossas usuárias identificaram que os sapatos devem ser fáceis de calçar e descalçar,<br />

e fáceis de limpar; confeccionados em materiais macios, que permitam a transpiração, e<br />

que suas costuras não as machuquem. Devem também proporcionar segurança, isto é, os<br />

calçados devem estar firmes em seus pés, bem presos pelo cabedal , seus saltos devem<br />

proporcionar estabilidade ao marchar com sola antiderrapante, não provocando a sensação<br />

que podem virar o pé, e, por último, seria agradável poder sentir o chão, acrescentam.<br />

Durante nossas entrevistas, verificamos que o contexto do portador de deficiência<br />

física está muito aquém dos universos do design ou da moda. Encontramos ainda muito<br />

preconceito social. As vozes das usuárias relataram diferentes preocupações que as rodeiam<br />

constantemente, são elas: inserção sociocultural, inclusão no mercado de trabalho, preconceito,<br />

mobilidade, possibilidade de educação, acesso e falta de informação.<br />

Esta pesquisa possui como foco as relações entre usuárias e seus calçados, isto é,<br />

como as mulheres se relacionam com o objeto calçado e porque eles são tão importantes em<br />

suas vidas. O estudo fenomenológico utilizado trouxe-nos a abrangência acima citada como<br />

variáveis inesperadas, porém fundamentais na reflexão central deste estudo.<br />

Nossas entrevistadas reforçam a vontade de “se sentir bem no meio social”, o que,<br />

para elas, significa poder construir o styling pessoal, valorizado principalmente em ocasiões<br />

especiais, como as festas, formaturas e casamentos. Elas desejam e necessitam de sonhos<br />

em suas vidas. Sentir-se sensual e feminina é essencial para as usuárias, nestes momentos<br />

de destaque.<br />

O design de moda, representado aqui pelo design de calçados, é uma das ferramentas<br />

que permite construir imagens sociais. A composição de seus looks pode transformá-las na<br />

princesa romântica, essencial para Jacque, ou na rainha do baile, indispensável para Nelly,<br />

ou ainda na empresária poderosa, ressaltada por Karin. Os calçados fazem parte destas<br />

transições de personagens dos quais vivemos. A falta de artigos, combinada com a dificuldade<br />

de encontrá-los ou adaptá-los, é a negação desta possibilidade de se construir personagens;<br />

é abrir portas para a depressão, como Nelly relatou.<br />

Nossas entrevistas apontam para necessidades e desejos completamente distintos,<br />

com relação aos sapatos. O único ponto em comum é a necessidade de conforto físico<br />

proporcionado pelos calçados seguros que não as machuquem. Em relação às necessidades<br />

corporais, os requisitos levantados são muito díspares: diferentes tamanhos de pé (largura<br />

e comprimento) das próprias entrevistadas e entre elas; diferenças de membros inferiores<br />

distintas, ou em pernas distintas e grau de sensibilidade. São corpos únicos, percebidos de<br />

maneiras diferentes.<br />

As questões relacionadas à segurança e à diversificação corporal que foram trabalhadas<br />

na abrangência desta pesquisa já eram requisitos essenciais previsto por nós. As características<br />

de sensual e feminino atribuídas aos calçados, foram extraídas dos depoimentos de nossas<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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Calçados desejáveis para mulheres portadoras de deficiência física: um desafio desejável para os designers de calçados<br />

entrevistadas. A sensualidade se encontra no poder de seduzir o outro e de nos auto seduzir<br />

através da excitação dos sentidos. O visual e o tátil são os mais utilizados na área do design<br />

de moda. Materiais macios e suaves, como o couro de ovelha, literalmente acariciam a<br />

sensibilidade tátil de nossos corpos.<br />

O objeto, ou melhor, o calçado com características sensuais e femininas é aquele que<br />

faz com que a usuária se sinta confiante, incluída em relação ao meio social, isto é, que<br />

lhe proporcione benefícios emocionais, prazer social e psicológico, conforme o contexto da<br />

situação. No dia-a-dia, nossas usuárias estão razoavelmente satisfeitas com os modelos<br />

de tênis, sapatilhas e anabelas, se os mesmos permitirem a construção do styling pessoal.<br />

Vale relembrar que estes calçados devem ser adaptados aos seus corpos. Já em ocasiões<br />

especiais, pressionadas, muitas vezes pela indústria cultural, os calçados tipo scarpin ou<br />

sandália de salto alto (mais de 6 cm) ou médio (aproximadamente 4 cm), foram apontados por<br />

nossas usuárias como modelos capazes de transmitir esta confiança, relacionada diretamente<br />

ao poder de sedução feminino. São nestes momentos especiais que elas querem encantar e<br />

fascinar o outro. São estes instantes de estrelas da passarela da vida que as preocupam.<br />

Satisfazer suas necessidades básicas não basta; se fosse assim, ficariam com as botas<br />

ortopédicas. O calçado é um objeto de design de moda que precisa ser variável conforme os<br />

sonhos, vontades e desejos do indivíduo que o utiliza em situações diversificadas.<br />

A possibilidade de possuir alguns pares de calçados para se harmonizarem com<br />

suas roupas e com as ocasiões nas quais se encontram colocam o styling num patamar<br />

de significativa importância. Não é qualquer sapato, mas um sapato de festa, não é uma<br />

preocupação estética, mas uma preocupação com a comunicação de seus look relacionado à<br />

ocasião que se encontra, associada ainda ao e seu estilos de vida e personalidade.<br />

Concluímos que as funções estético-simbólicas dos calçados podem aprimorar a<br />

qualidade de vida de nossas usuárias. Qualidade de vida significa mais do que ser saudável<br />

no aspecto físico, mas, também, no sentido de “se sentir bem”. O bem estar está relacionado<br />

com a possibilidade de se construir imagens pessoais de acordo com nossas vontades,<br />

influenciadas também pela indústria cultural. Poder, sedução e feminilidade são os principais<br />

valores simbólicos atribuídos por nossas entrevistadas aos calçados desejáveis. Os sapatos<br />

fazem com que as mulheres se sintam bem socialmente, proporcionando melhor qualidade de<br />

vida, aprimorando o bem estar.<br />

Encontrar um equilíbrio entre sedução, como melhoria de qualidade de vida social<br />

e recomendações ergonômicas, como melhoria de qualidade de vida através da saúde, é<br />

projetar calçados seguros e sensuais baseado no prazer físico, social, psicológico e intelectual.<br />

Oferecer uma gama de produtos as usuárias deficientes físicas que possa ser utilizada para<br />

comunicar seus desejos e não suas restrições físicas nos parece, sim, fazer design de moda<br />

com responsabilidade.<br />

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Calçados desejáveis para mulheres portadoras de deficiência física: um desafio desejável para os designers de calçados<br />

Notas<br />

i A obra Phénoménologie de la Perception foi publicada originalmente em 1945 pelo filósofo francês<br />

Maurice Merleau-Ponty.<br />

ii Para Löbach (2001), os produtos possuem três funções: a) a função prática – relações entre o<br />

produto e seus usuários no nível fisiológico de uso; b) a função estética – relação entre o produto e o<br />

usuário no nível dos processos sensoriais, um aspecto psicológico da percepção sensorial durante o<br />

uso; e c) função simbólica – determinada pela capacidade psíquica e social de fazer conexões entre a<br />

aparência percebida sensorialmente e a capacidade mental de associação de ideias (símbolos).<br />

iii CHIC, disponível em: http://chic.ig.com.br/materias/444501-445000/444935/444935_1.html.<br />

Acesso em agosto de 2007 a setembro de 2008.<br />

iv “It’s necessary not only to have understanding of how people use products, but also of the wider role<br />

that products play in people’s life” Jordan (2000, p.08) Tradução da autora.<br />

v Referindo-se a ISO DIS 9241-11. ISO – International Standards Organization.<br />

vi Todas as nossas entrevistadas passaram por diversas cirurgias devidos às suas restrições físicas.<br />

Além das cirurgias ortopédicas, são necessários anos de tratamento fisioterapêutico para recuperarem<br />

ou aprimorarem o máximo possível do potencial de força, resistência e equilíbrio muscular. Ainda<br />

são recomendados tratamentos como acupuntura, para alívio de dores, e re-conexões dos eixos<br />

energéticos do corpo; tratamentos como pilates e RPG, para redescobrirem o alinhamento corporal,<br />

e até mesmo a conscientização postural, um tratamento que alia corpo e mente, e refaz as sinapses<br />

cerebrais. São anos de dedicação, que também envolve alto custo financeiro.<br />

vii A sociedade pós-industrial descreve a rápida queda entre o número de operários, a partir<br />

da década de 1970, e o avanço do setor de serviços. “O termo pós-moderno mostra ser um<br />

campo minado de noções conflitantes. Embora de caráter controvertido, consegue porém<br />

caracterizar, melhor do que outros, a cena cultural atual. A predominância de seu emprego<br />

talvez explique porque expressa adequadamente o clima de mudança cultural em que vivemos.<br />

Mas há quem prefira chamar a era atual de modernidade tardia (Ulric Beck), neomoderno<br />

(Rouanet), hipermodernidade (Lipovetsky) ou – para se contrapor à rigidez da modernidade<br />

de outrora denominada sólida – modernidade liquida (Bauman)”. O autor ainda acrescenta: “A<br />

produção [de artefatos] é feita segundo o gosto do consumidor, adaptada aos seus desejos<br />

e necessidades muito específicos, em estado constante de alteração.” Carmo (2007, p. 179).<br />

viii Neste projeto, unimos as opiniões dos sujeitos do Instituto do Pé do Hospital das Clínicas da<br />

Faculdade de Medicina da <strong>Universidade</strong> de São Paulo (HC), da Clínica de Ortopedia e Fisioterapia<br />

(COF), ambas na cidade de São Paulo, e da Clínica Nivaldo Baldo (CNB) - especialista em<br />

fisioterapia para atletas, da cidade de Campinas. Ele trabalha com diferenciação de membros<br />

inferiores desde 1978. O termo sujeito é utilizado pela Comissão de Ética em Pesquisa para<br />

descrever todos os envolvidos, sejam eles usuários, ortopedistas, fisioterapeutas ou designers.<br />

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Calçados desejáveis para mulheres portadoras de deficiência física: um desafio desejável para os designers de calçados<br />

ix Conselho Nacional de Ética em Pesquisa<br />

x Método russo utilizado em alongamento e calcificação ósseas.<br />

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Produção da <strong>Universidade</strong> Federal de Santa Catarina – UFSC.<br />

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<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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ASPECTOS DO DIáLOGO ENTRE DESIGN, ARTE E MODA A PARTIR DE<br />

uMA ANáLISE DOS CALçADOS DO SÉCuLO XX<br />

Natalie Rodrigues Alves Ferreira; Mestranda em <strong>Design</strong>: <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong><br />

nativolpe@yahoo.com.br<br />

Cristiane Mesquita; Professora Dra. do PPG em <strong>Design</strong>: <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong><br />

cfmesquita@anhembi.br<br />

Resumo<br />

A partir de uma breve análise da produção em design de calçados,<br />

assim como do uso deste artefato em obras de arte no período<br />

Moderno e na contemporaneidade, este artigo investiga possíveis<br />

diálogos e interseções entre os campos do design, da arte e da<br />

moda ao longo do século XX, apoiada nas ideias de GRANDI,<br />

LIPOVETSKY, McDOWELL e O’KEEFFE.<br />

Palavras-Chave: design de moda; arte; calçados<br />

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Aspectos do diálogo entre design, arte e moda a partir de uma análise dos calçados do século XX<br />

Introdução<br />

Uma análise do artefato calçado, em determinado período da história do século XX e do<br />

início do século XXI, é capaz de nos fazer visualizar contágios e cruzamento de fronteiras entre<br />

linguagens e conceitos de arte, moda e design. Este diálogo é frequente a partir do surgimento<br />

de movimentos artísticos de vanguarda, por meio de criações de moda de costureiros e<br />

sapateiros no início do século, além de estilistas e designers no século XX.<br />

Segundo GUMBRECHT (1998), as primeiras décadas do século XX — denominada<br />

de “Alta Modernidade” — são períodos produtivos na história ocidental, incluindo as artes<br />

com experimentos audaciosos tais como o cubismo, o surrealismo e o dadaísmo, com<br />

manifestações artísticas que rompem com a representação.<br />

Não existe uma definição que imponha limites à arte e seus conceitos são contraditórios<br />

em alguns momentos. Para os modernistas, a arte seria produto de um esforço individual,<br />

enquanto o design seria produto de empreendimento coletivo típico da sociedade industrial.<br />

Em definições mais reducionistas, a arte é considerada “atividade específica que visa<br />

produzir objeto — em geral, de caráter simultaneamente material e visual — capazes de<br />

suscitar uma resposta estética em espectadores através de sua contemplação e fruição” —<br />

podendo ser produzido através de processo artesanal, industrial ou outro qualquer (COELHO,<br />

p.18, 2008).<br />

Para MOURA (2008), a arte tem servido como fonte de pesquisa e referência para a<br />

criação e o desenvolvimento de projetos e produtos na esfera da moda e do design. Vários<br />

artistas na história da arte desenvolveram objetos de moda ou design e talvez utilizem os dois<br />

campos como referência ou foram despertados pelo objeto utilitário para a criação de obras<br />

artísticas.<br />

A criação é livre em todas as direções, tanto na arte como na moda. As relações entre a<br />

moda e design são estreitas, ligadas pelo mundo dos projetos, pelos desejos e estilos de vida<br />

dos usuários. Ambos compartilham da novidade como motivação (MOURA in PIRES, 2008).<br />

Na contemporaneidade, os artefatos e objetos são projetados por designers que os<br />

atribuem diversos significados, que testemunham suas subjetividades e também vínculos<br />

estéticos, culturais e sociais como afirma PRECIOSA (2007).<br />

FIORINI (2008, p.71), descreve que “o design é em sua essência um processo criativo<br />

e inovador, provedor de soluções para problemas de importância fundamental para as esferas<br />

produtivas, tecnológicas, econômicas, sociais, ambientais e culturais”. Em seu termo, estão<br />

vinculadas questões expressivas, simbólicas e estéticas e não somente questões produtivas<br />

e técnicas.<br />

Os conceitos de design podem ser baseados no objeto ou no processo. Porém,<br />

não é apenas a união entre estas duas formas a maneira mais coerente de analisar suas<br />

atividades, pois é importante considerar que os produtos desenvolvidos por um determinado<br />

processo podem conter significados não percebidos de forma clara. O objeto pode adquirir<br />

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Aspectos do diálogo entre design, arte e moda a partir de uma análise dos calçados do século XX<br />

além de questões funcionais e estruturais, diversos significados provenientes de necessidades<br />

subjetivas, como os desejos, anseios e expectativas do consumidor. Portanto, estes objetos,<br />

se “inserem no tempo e no espaço, vão perdendo sentidos e adquirindo novos” (FIORINI,<br />

2008, p.34).<br />

As influências da arte moderna na criação do calçado<br />

Em determinados períodos da História da <strong>Arte</strong>, os calçados, assim como outros<br />

componentes da indumentária, eram apenas retratados nas obras de arte. Era o início de um<br />

flerte entre o objeto e a arte. Um exemplo é a pintura “Old Boots”, de 1886, do pintor holandês<br />

Van Gogh (1853-1890). Antes do século XX, pintores se atentavam aos detalhes, mas desde<br />

essa época os calçados eram considerados partes da personalidade humana (McDOWELL,<br />

1989).<br />

A arte se aproxima da moda e a moda da arte em diversos períodos do século XX,<br />

especialmente naqueles momentos em que estão acentuados seus conceitos e criações,<br />

questões do cotidiano e da subjetividade. LIPOVETSKY (1989, p.78), em passagem do livro<br />

“O Império do Efêmero” afirma que não se pode ignorar a influência da arte moderna nas<br />

transformações da moda no início do século XX. As estéticas modernistas, que recusavam o<br />

decorativo e pregavam as linhas puras também influenciam a moda.<br />

No design de calçados, as influências da arte na moda podem ser percebidas de<br />

modo bastante claro. Um dos muitos exemplos são os calçados criados no final década de<br />

1920 e início da década de 1930. São calçados de formas simples e recortes geométricos,<br />

demonstrando inicialmente uma influência do movimento Art Decói . Costureiros e grandes<br />

sapateiros admiravam e homenageavam frequentemente os artistas modernos. Os maiores<br />

exemplos são o costureiro francês Paul Poiret (1879 -1944), a francesa Gabrielle (Coco) Chanel<br />

(1883 -1971), a italiana Elsa Schiaparelli (1880-1973) e o estilista francês Yves Saint Laurent<br />

(1996 - 2008) que, por meio de suas criações, dialogam com grandes artistas e movimentos<br />

de arte, pois “a moda aproximou-se ao mesmo tempo da lógica da arte moderna, de sua<br />

experimentação multidirecional, de sua ausência de regras estéticas comuns” (LIPOVETSKY,<br />

1989, p.125).<br />

Um designer pode confeccionar calçados recorrendo a variados e excêntricos materiais,<br />

utilizando referências culturais e históricas. Duas importantes correntes de vanguarda do início<br />

do século XX influenciaram e dialogaram em diversos momentos com o design e a moda<br />

calçadista. São eles o cubismo e o surrealismo. O cubismo tinha como princípio enfatizar<br />

os aspectos geométricos dos objetos, desviando de uma plástica “realista”. As estruturas<br />

poderiam ser reduzidas a alguns componentes fundamentais, os sólidos geométricos. Alguns<br />

artistas integrantes deste movimento, tais como o artista espanhol Pablo Picasso (1881-1973)<br />

e o francês Georges Braque (1882-1963), argumentavam que seus trabalhos buscavam<br />

múltiplos pontos de vista (AGRA, 2006).<br />

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Aspectos do diálogo entre design, arte e moda a partir de uma análise dos calçados do século XX<br />

Um dos designers de calçados que mais se destacou em criações de calçados que<br />

dialogam com o universo da arte foi o francês André Perugia, nascido em 1893 em Nice, na<br />

França, filho de sapateiro. Aos dezesseis anos abriu sua primeira sapataria e em pouco tempo<br />

inventava novas formas de saltos e cabedaisii com qualidades artísticas e características<br />

ousadas. As senhoras da sociedade, frequentadoras da Riviera Francesa, logo se encantam<br />

com seu trabalho elegante e seu sucesso se firma na parceria com o famoso costureiro Paul<br />

Poiret. André Perugia foi considerado um gênio por suas criações excêntricas e referências<br />

à arte como suas duas sandálias inspiradas (Figura 1 e 2 ) nas obras dos cubistas Picasso e<br />

Braque.<br />

Figura 1: Sapato “Peixe” em homenagem ao cubista Braque, André Perugia, 1931.<br />

Fonte: O’KEEFFE, 1996.<br />

Figura 2: Sandália cubista em homenagem a Picasso, André Perugia, 1950.<br />

Fonte: O’KEEFFE, 1996.<br />

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Aspectos do diálogo entre design, arte e moda a partir de uma análise dos calçados do século XX<br />

O Surrealismo e a Moda<br />

Figura 3: Sapato “sem salto”, André Perugia, 1937.<br />

Fonte: O’KEEFFE, 1996.<br />

Um dos movimentos das chamadas “vanguardas históricas”, o Surrealismo, apresentou<br />

traços da associação da arte com o comportamento, trazendo a grande novidade de libertação<br />

do inconsciente e negação da própria razão. “Enquanto Salvador Dali explora o inconsciente a<br />

todo custo, sem muita preocupação além de fazê-lo aflorar por imagens, René Magritte (Figura<br />

4) o faz pelo caminho da discussão dos próprios estatutos simbólicos” (AGRA, 2006, p.124).<br />

Figura 4: “O modelo vermelho”, René Magritte, 1937.<br />

Fonte: McDOWELL, 1989.<br />

Para McDOWELL (1989), o Surrealismo é um movimento de arte com senso de humor<br />

particular. Desta forma, não surpreende que os artistas surrealistas da década de 1920 e 1930<br />

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Aspectos do diálogo entre design, arte e moda a partir de uma análise dos calçados do século XX<br />

respondessem muito rapidamente aos absurdos da moda e os utilizassem para declarações<br />

com atitudes modernas. As principais características da abordagem surrealista são o choque<br />

e a surpresa causados pelas justaposições inesperadas dos objetos do cotidiano.<br />

Além de Schiaparelli, o estilista Pierre Cardin (1922), a artista Regina Martino e o designer<br />

espanhol de calçados femininos Manolo Blahnik (1942) dialogaram com o movimento. Cardin<br />

criou um par de sapatos em formato de pés (Figura 5), Martino criou um sapato-árvore e<br />

Manolo criou sapatos-fantasia, como os sapatos-luvas (Figura 6) e os sapatos siameses.<br />

Figura 5: “Men’s Shoes” (1986) de Pierre Cardin.<br />

Fonte: McDOWELL, 1989.<br />

Figura 6: Esboço de “sapato-luva”, Manolo Blahnik, 1982.<br />

Fonte: McDOWELL, 1989.<br />

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Aspectos do diálogo entre design, arte e moda a partir de uma análise dos calçados do século XX<br />

Outro exemplo — talvez o mais conhecido de interseção entre a arte e a moda —<br />

foi a parceria entre a costureira italiana Elza Schiaparelli e o artista do movimento surrealista<br />

Salvador Dalí, que também desenvolveu peças de design como o “telefone lagosta” iii e<br />

“sofá de lábios” iv . Dali desenvolveu e desenhou, além de roupas, acessórios como o famoso<br />

“chapéu-sapato” (Figura 7) e a “bolsa-telefone” para a coleção de outono-inverno de Schiaparelli<br />

de 1937/1938.<br />

O inventor do solado “anabela” — um solado no estilo da plataforma, com salto alto<br />

e sola, porém é uma peça única — e da alma de aço — suporte que se instala no interior da<br />

palmilha para sustentar os saltos femininos — foi Salvatore Ferragamo. O italiano, um dos mais<br />

importantes designers de calçados do século XX, também firmou parceria com Schiaparelli na<br />

década de 1930: “Perugia dava asas a imaginação. O primeiro par do conhecido “sapatosstrech”<br />

surgiu assim. Para eliminar o uso de botões ou fechos que Schiaparelli odiava, ele<br />

simplesmente construiu tiras de camurça lado a lado com tiras plásticas, tão engenhoso<br />

quanto o famoso “chapéu-sapato” (CHAVES in BARROS, 1991, p.22). Schiaparelli também<br />

desenvolveu parcerias com Perugia e Ferragamo, que confeccionou a famosa “monkey-boots”<br />

(Figura 8), em 1938.<br />

Figura 7: Ilustração de Marcel Vertes do “chapéu-sapato” de Elsa Schiaparelli, 1937.<br />

Fonte: McDOWELL, 1989.<br />

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Aspectos do diálogo entre design, arte e moda a partir de uma análise dos calçados do século XX<br />

Figura 8: “monkey-boots”, Elsa Schiaparelli, 1938.<br />

Fonte: http://plasticbox.wordpress.com/2009/05/13/mop-top/, acesso em 16/05/2010.<br />

Um outro exemplo de diálogo é a obra “Original Sin” (Figura 9), pintado por Salvador<br />

Dalí em 1941, apresenta-nos uma mensagem complexa. As botas (velhas e desgastadas, mas<br />

bem cuidadas) foram retiradas às pressas e os pés estão envolvidos pela cobra. Dalí contrasta<br />

o exótico e monótono, levando as botas e os pés descalços como paradigmas do cotidiano<br />

de trabalho do homem, ligado à terra e<br />

às mulheres livres e desembaraçadas, prontas para decolar em mundos exóticos e<br />

românticos (McDOWELL, 1989).<br />

Figura 9: Original Sin, Salvador Dali, 1941.<br />

Fonte: McDOWELL, 1989.<br />

O´KEEFFE (1996) destaca a importância dos calçados dizendo que estes sempre<br />

refletiram o estatuto social e a situação econômica de quem os calça, porém não refletem só<br />

a história social, mas também através do calçado encontramos um registro pessoal através<br />

de memórias.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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Aspectos do diálogo entre design, arte e moda a partir de uma análise dos calçados do século XX<br />

Exemplos de diálogos entre o design, arte e moda na pósmodernidade<br />

Além de artistas que adentraram nos campos do design e moda como Salvador<br />

Dalí, designers como Beth Levine (1914-2006) enveredam pelo campo das artes, criando<br />

sapatos únicos. Alguns sapateiros demonstravam estar dispostos a “fazer arte”, com modelos<br />

excêntricos como os saltos vírgula e bola, extremamente criativos, concebidos pelo sapateiro<br />

francês Roger Vivier, parceiro do costureiro Christian Dior.<br />

A americana Beth Levine desejava, desde muito jovem, desenhar calçados. Casouse<br />

com Hebert Levine, um empresário e em 1948 fundaram sua empresa de calçados.<br />

Frequentavam seu estúdio desde criadores de moda como Halston até famosos como Bette<br />

Davis e Liza Minnelli. Levine não teve formação técnica, mas através da prática na indústria e<br />

senso estético permitem-na lançar modelos ousados. Ela foi pioneira em cobrir sapatos com<br />

pedras falsas e a criação da bota strech de vinil, no inicio da década de 1950, uma década<br />

antes das botas se tornarem tendência pelo mundo todo. Utilizava materiais inusitados como<br />

madeira de mobiliários e acrílicos para a confecção de saltos e materiais como o vinil e lurex<br />

no cabedal.<br />

Para criar o seu sapato “Topless”, uma das suas fantasias mais divertidas, cobriu<br />

uma sola acolchoada com cetim vermelho e, nos pontos onde o calcanhar e<br />

o meio do pé tocavam a palmilha, colocou pequenas esponjas embebidas da<br />

cola usada nas barbas falsas. As esponjas colavam-se à sola do pé e o salto<br />

parecia ser uma extensão do calcanhar. (O´KEEFFE, 1996, p.478 e 479)<br />

O curador do The Metropolitan Museam of Art’s Costume Institute, Harold KODA (2010)<br />

descreve que Beth explorava uma variedade de vertentes do modernismo, exotismo oriental e<br />

pop arte, influenciada pelo estilo de vida americano.<br />

Figura 10: Sapato “Topless”, 1959 de Beth Levine. Fonte: http://www.virtualshoemuseum.com/vsm/o.<br />

php?id=1031&col=person&sub=185, acesso em 17/05/2010.<br />

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Aspectos do diálogo entre design, arte e moda a partir de uma análise dos calçados do século XX<br />

Outro exemplo do diálogo entre as três áreas do design, arte e moda são algumas<br />

obras do artista americano pop Andy Warhol (1928-1987), uma das figuras mais conhecidas<br />

e publicizadas da atualidade. O artista, no início, ilustrador comercial, desenhava sapatos, um<br />

fetiche cultuado e amado, desde 1949, para anúncios da indústria de calçados americana<br />

I.Miller, um dos primeiros fabricantes de calçados dos Estados Unidos.<br />

Segundo GRANDI (2008), a Pop Art abriu um diálogo com a linguagem do design e<br />

a comunicação de massa, estabelecendo uma horizontalidade entre as artes e a produção<br />

visual e gráfica dos fenômenos de consumo.<br />

Na década de 1980, Warhol volta ao tema e cria uma obra impressa chamada “Shoes”,<br />

onde mostravam imagens de calçados de saltos coloridos em fundo preto, que foi comentada<br />

da seguinte maneira por SCHMIDT (2003):<br />

Ele transformou os sapatos em objetos de desejo, assim como ele fez com<br />

Marilyn Monroe e Jacqueline Kennedy. Também é intrigante que os sapatos<br />

não são mostrados em pares, como se de propósito Warhol destaca-se em<br />

cada sapato propriedades únicas, dando a cada um uma identidade.<br />

Esta impressão particular realmente mostra o passado de Warhol como ilustrador<br />

comercial, pois os calçados não mostram sinais de desgaste e poderiam ser usados facilmente<br />

em uma propaganda comercial.<br />

O papel de Warhol no mundo da arte e da moda é reconhecido por tratar como<br />

mercadorias mesmo as criações que são ou foram consideradas artísticas, e também propor<br />

um encontro feliz e menos superficial de quanto é afirmado pelo próprio artista, entre arte e<br />

moda, entre notoriedade e imaginação (DORFLES, 1988).<br />

Figura 11 e 12: “Shoes, Shoes, Shoes”, 1955 e “Diamond Dust Shoe”, 1980-81, Andy Warhol.<br />

Fonte: http://www.artesdoispontos.com/cvs.php?tb=cvs&id=6, acessado em 23/05/2010.<br />

Para BARNARD (1996), este é o momento quando paradigmas são questionados. A<br />

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Aspectos do diálogo entre design, arte e moda a partir de uma análise dos calçados do século XX<br />

identidade e a cultura são as idéias centrais. É a era da produção dos significados, que se<br />

refletem por meio das três áreas analisadas. Questões urgentes relacionadas ao cotidiano<br />

são intensificadas nos conceitos artísticos a partir da década de 1960, época de reviravoltas<br />

ligadas à política e à cultura, mudando intensamente os paradigmas vigentes.<br />

Desde os movimentos de vanguarda, grupos de arte procuram aproximar a arte da<br />

vida. Artistas e designers — inclusive designers de moda — presenciam uma mudança<br />

significativa de ordem material e sensível, como afirmam PRECIOSA e BELLUZZO (2008).<br />

Para estas autoras, as esferas, situadas entre estética e o consumo, como a moda e o design,<br />

costumam absorver das artes seus conceitos, atitudes e padrões, que posteriormente se<br />

tornam linguagens acessíveis a um grande público.<br />

Neste momento, a realidade não será apenas representada, surgem movimentos<br />

valorizando “o comum”, o cotidiano e principalmente o individualismo. Segundo LYPOVETSKY<br />

(1989, p.12) “A moda está nos comandos de nossas sociedades; a sedução e o efêmero<br />

tornam-se, em menos de meio século, os princípios organizadores da vida coletiva moderna;<br />

vivemos em sociedades de dominante frívola, último elo da plurissecular aventura capitalistademocrática-individualista”.<br />

As áreas da arte e a da indústria influenciam o design com seus valores característicos,<br />

o que demonstra que as criações de moda de calçados, assim como no vestuário, possuem<br />

influência dos dois campos na construção de seus discursos e significados. No final da<br />

década de 1980 e na de 1990, diversos artistas criaram sapatos como obras de arte. Alguns<br />

exemplos destas criações são os da artista Yone Levine, nascida em Israel, que concebeu<br />

com minúsculas contas de vidros antigas, presos à estrutura de arame, um sapato e a artista<br />

Gaza Bowen, que confeccionou uma série de sapatos com materiais do cotidiano, como<br />

esfregões, esponjas e escovinhas, elaborando uma crítica feminista ao questionado papel<br />

tradicional feminino (O’KEEFFE, 1996).<br />

Neste contexto, um olhar que explore tais diálogos poderá perceber que também no<br />

campo do design de moda essas relações se complexificam. Podemos visualizar tais relações<br />

a partir de criações de calçados contemporâneos de estilistas como Alexander McQueen e de<br />

grifes como Dolce & Gabanna e Prada trilham novos caminhos para a linguagem artística e de<br />

significados na dos trajes urbanos. Para MARINHO (2006, p.5):<br />

Seria possível afirmar que criar constitui, por si, só um fenômeno apropriativo,<br />

seja para o designer ou para o artista. Essa apropriação, contudo, como jogo<br />

de linguagem, explicita-se quando o artista, e também o designer, deslocando<br />

elementos do seu contexto, deixa nas formas finais, do projeto ou da obra, os<br />

rastros que revelam o modo como foram apreendidas as informações e sua<br />

origem.<br />

Para GRANDI (2008, p.91) o estilista é considerado um “gênio criativo”, e em determinados<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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Aspectos do diálogo entre design, arte e moda a partir de uma análise dos calçados do século XX<br />

momentos, pode “... concorrer com o artista no setor da pesquisa e da experimentação visual,<br />

que por seu maior poder comunicativo e de imagem, quer por seu inegável poder econômico,<br />

que, ao contrário, falta ao produtor de arte”.<br />

Figuras 13, 14 e 15: Alexander McQueen primavera-verão 2010, Marc Jacobs primavera-verão 2008 e Prada<br />

primavera-verão 2008. Fonte: www.style.com, acesso em 02/06/2010.<br />

Segundo GRANDI (2008) moda e arte devem ser analisadas como repositórios culturais<br />

que participam das mudanças dos modos de vida, de pensamento, de sintonia com o próprio<br />

tempo, pois juntas, assim como o design, atravessam um período de intenso intercâmbio,<br />

como em diversas áreas da produção material e ideacional, envolvidos nas mudanças sócioeconômicas<br />

e tecnológicas que contribuíram para mudar o nosso panorama de referência<br />

global.<br />

Considerações Finais<br />

Desde a década de 1990, tornam-se cada vez menos evidentes as fronteiras entre a<br />

arte e a moda pois, para GRANDI (2008), estas duas áreas, assim como outras relacionadas<br />

à cultura, estética e criatividade, mesclaram suas modalidades expressivas e comunicativas,<br />

perdendo em alguns momentos, sua especificidade de linguagem, facilitando o fenômeno de<br />

sobreposição de uma área sobre a outra, dificultando a percepção do que pertence a uma<br />

área ou a outra. O vocabulário da moda passa a utilizar com frequência termos da arte como<br />

“instalação” v e “concept” vi .<br />

Um exemplo que contribui para a visualização dessas conexões é o trabalho da artista<br />

performática italiana Vanessa Beecroft (1969), que participou da 25°Bienal Internacional de<br />

São Paulo. Suas obras de arte desconstroem a delimitação da arte e da moda, demonstrando<br />

a existência de um contágio entre estas áreas em suas performances nas quais se utilizam<br />

modelos nuas com características bastante parecidas, calçadas com sapatos de grifes famosas<br />

como Gucci, Prada e Helmut Lang. Beecroft é aficionada por calçados de grife e diz apreciar<br />

a combinação entre a consciência feminista e o clichê da mulher- objeto (ALZUGARAI, 2005).<br />

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Aspectos do diálogo entre design, arte e moda a partir de uma análise dos calçados do século XX<br />

Figura 16: Performance “VB 45”: as modelos vestem apenas botas de Helmut Lang.<br />

Fonte: http://www.terra.com.br/istoegente/138/reportagens/vanessa_beecroft.htm, acesso em: 03/06/2010<br />

Desta forma, podemos então refletir que a arte, os artistas contemporâneos, estilistas<br />

e designers possuem diversos pontos de contato enriquecedores em suas atividades,<br />

apropriando-se da moda e seus meios de difusão, com suas estratégias comunicativas e<br />

promocionais e seu aparato glamoroso para atingir uma visibilidade, como argumenta GRANDI<br />

(2008). Desta forma, os conceitos de áreas como a da arte, design e moda estão em constante<br />

diálogo, propiciando a interdisciplinaridade, através de relações complexas e criativas.<br />

Este diálogo se desenvolve também por meio de criações de calçados, com suas<br />

formas, volumes, proporções, detalhes, cores e significados, assim como na concepção de<br />

uma obra de arte, representando uma época, pois notamos o crescente desejo de autonomia<br />

entre os consumidores, que abrem espaço para o desejo de peças autênticas e inovadoras<br />

em conexão com a cultura e a sensibilidade.<br />

Notas<br />

i A Art Decó foi um movimento internacional de design decorativo dos períodos da década de 1920<br />

a 1930.<br />

ii O cabedal é termo calçadista que significa parte superior do calçado.<br />

iii O “telefone lagosta”, criado em 1938 foi realizado com as técnicas de metal pintado, gesso, borracha<br />

e papel.<br />

iv O “sofá de lábios” de Mae West foi construído com armação de madeira e coberta por cetim rosa,<br />

realizado nos anos de 1936-37.<br />

v Na arte contemporânea, obra tridimensional concebida e montada para ocupar uma área num<br />

determinado recinto, e cujos diversos elementos ou dispositivos agem sobre o imaginário do expectador.<br />

Sua exposição é temporária e a obra desmontada, subsiste através de registros fotográficos.<br />

vi <strong>Arte</strong> Conceitual.<br />

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Aspectos do diálogo entre design, arte e moda a partir de uma análise dos calçados do século XX<br />

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<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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INOVAçãO EM DESIGN NA hISTÓRIA DO unDerwear MASCuLINO<br />

Taísa Vieira-Sena; Mestranda em <strong>Design</strong>: <strong>Universidade</strong> Anembi <strong>Morumbi</strong><br />

taisavieira13@gmail.com<br />

Resumo<br />

O presente artigo tem como objetivo estudar a evolução do<br />

underwear masculino com ênfase no período do século XX aos<br />

dias atuais, identificando aspectos inovadores de design e sua<br />

relação com o contexto sócio-cultural.<br />

Palavras-Chave: underwear masculino; design; inovação<br />

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Inovação em design na história do underwear masculino<br />

Introdução<br />

A palavra underwear é entendida hoje, dentro do contexto atual da moda, como<br />

conceito que extrapola o sinônimo de cueca ou roupa de baixo. Dentro do sistema de moda<br />

o underwear está ligado a elementos e significados que remetem a um estilo de vida. Porém,<br />

este conceito foi instituído na década de 1980, até então encontrávamos produtos com foco<br />

na função de uso.<br />

Com exceção às camisolas ou túnicas usadas por homens e mulheres como roupa<br />

interior, a diferença na anatomia ditou variações básicas das peças íntimas masculinas e<br />

femininas. O underwear feminino tem um maior apelo voltado para a estética e a sexualidade<br />

ao invés de praticidade. Já com as peças masculinas a primeira preocupação foi por muito<br />

tempo apenas funcional, confeccionadas de acordo com a forma do corpo, em materiais<br />

resistentes e na cor branca.<br />

O que chamamos de roupa íntima ou roupa de baixo, enquanto produto de design,<br />

passou por inúmeras inovações incrementais, tecnológicas e até sustentáveis para chegar aos<br />

produtos que encontramos no mercado atualmente.<br />

Inovações no <strong>Design</strong> do underwear Masculino<br />

As cuecas, como conhecemos hoje, foram criadas no século XX, até então havia<br />

peças que compunham a roupa interior. No entanto, as tangas já eram usadas na pré-história.<br />

Segundo Benson & Esten (1996), em 1991 montanhistas encontraram nos Alpes Tiroleses, os<br />

restos congelados de um homem que viveu cerca de 3300 a.C. Ele usava uma tanga de couro<br />

sob a capa, fornecendo a documentação mais antiga de underwear masculino.<br />

Depois da invenção da energia hidráulica, das máquinas de fiação e do descaroçador de<br />

algodão durante a Revolução Industrial, o underwear poderia, pela primeira vez, ser produzido<br />

em massa, o que causou uma reestruturação dos processos e do consumo. As pessoas<br />

começaram a comprar suas roupas íntimas nas lojas em vez de fazê-los em casa, o que podia<br />

levar até três dias.<br />

A roupa de baixo padrão deste período para homens, mulheres e crianças foi os “union<br />

suits”. Uma espécie de macacão, geralmente feito em malha, que cobria desde os tornozelos<br />

até os punhos, possuía uma abertura na parte superior na frente fechada por botões, e uma<br />

abertura na parte de trás inferior de vestir e facilitando os atos de vestir e ir ao banheiro. Em<br />

1895 o catálogo Montgomery Ward (figura 1) oferecia peças em “lã de cor natural, cinza e<br />

vermelho, que se tornou muito popular.<br />

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Inovação em design na história do underwear masculino<br />

Figura 1: Catalogo Montgomery Ward de 1895<br />

Destacamos o uso da cor vermelha como um indício de outras inovações tecnológicas<br />

no desenvolvimento da roupa de baixo. Pois, indicava o domínio da técnica de tingimento da<br />

lã em vermelho, uma cor forte e que precisava de uma boa fixação para não descolorir. Thales<br />

de Andrade (2004), entende por inovação tecnológica alterações e/ou criações tecnológicas<br />

significativas em produtos e processos. A inovação tecnológica pode ser considerada como a<br />

transformação de uma idéia em um produto ou processo novo para utilização na indústria, no<br />

comércio, na ciência ou em uma nova leitura de um serviço social.<br />

No século XX, a historia do underwear masculino, parece ser uma história americana,<br />

as maiores empresas e os grandes investimentos estavam nos Estados Unidos. Havia também<br />

empresas francesas que se destacavam na produção de roupas íntimas mas, os lançamentos<br />

e inovações geralmente ocorriam primeiro na América.<br />

Joe Boxer (1995) observa que como muitos produtos importantes, roupa interior foi<br />

melhorada significativamente pela guerra. Durante a Primeira Guerra Mundial, foi confeccionado<br />

o primeiro bermudão com botões (figuras 2 e 3), como underwear de verão para os soldados<br />

da infantaria. As peças tiveram tão boa aceitação, que os homens insistiram em usá-las quando<br />

eles voltaram para casa.<br />

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Inovação em design na história do underwear masculino<br />

Figura 2: Bermuda usada na I Guerra Mundial Figura 3: Detalhe dos botões<br />

Os esportes e as guerras tiveram forte influência no uso da roupa interior, e com o<br />

surgimento do bermudão com botões, vemos uma importante inovação incremental na roupa<br />

de baixo. De acordo com Fontanini & Carvalho (2005) dentro de um processo de inovação, as<br />

inovações incrementais estão inseridas em um contexto peculiar de investimentos (tempo e<br />

necessidades) em que gradualmente a empresa promove melhorias e aperfeiçoamentos em<br />

seus produtos, equipamentos e métodos de fabricação. A inovação incremental é aquela em<br />

que o novo produto ou processo incorpora alguns novos elementos em relação ao anterior,<br />

sem que, no entanto, sejam alteradas as funções básicas. Neste caso, ocorre a separação do<br />

union suit em camisa e bermuda, mas estas peças continuaram a desempenhar papel de roupa<br />

interior. Estas modificações no produto acarretaram também modificações os processos, de<br />

forma incremental.<br />

Segundo Blackman (2009) a tecnologia e modernização das cidades trazem novos estilos<br />

de vida, assim, quando o homem tornou-se mais ativo e sua roupa interior começou a ser mais<br />

leve, mais fina e confortável. Os esportes tornaram-se parte do lazer vigente, trazendo com<br />

ele a necessidade de liberdade de movimentos. Na década de 1920 as empresas americanas<br />

investiram em diversas tecnologias e usavam os anúncios publicitários para divulgar a patente<br />

de seus novos projetos. Os avanços tecnológicos nos materiais ganharam destaque, entre<br />

eles estavam os tecidos pré-encolhidos e com propriedades de isolamento térmico, como o<br />

Duofoldi (figura 4); e Keepkool (figura 5), que tratava-se de underwear feito em ribana elástica<br />

e porosa que oferecia conforto e frescor.<br />

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Inovação em design na história do underwear masculino<br />

Figura 4: Anúncio de undewear com Duofold Figura 5: Anúncio de undewear Keepkool<br />

As inovações em modelagem também causaram grande impacto e melhorias na<br />

usabilidade da roupa interior. A empresa Swiss American lançou o Navycltohh (figura 6), um<br />

modelo de union suit curto e com peces nas costas para dar melhor ajuste ao corpo. Já a<br />

marca Hatchway criou um modelo em malha com transpasse frontal, que dispensava o uso<br />

de botões (figura 7).<br />

Figura 6: Anúncio de undewear Navicloth Figura 7: Anúncio de undewear Hatchway<br />

Os “shorts íntimos” foram a novidade que chegou com o século XX. De acordo com John<br />

de Greef (1989), duas invenções na década de 1930 modificaram o conceito de underwear,<br />

aproximando-o das peças que conhecemos hoje. A primeira foi quando Jacob Golomb, o<br />

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Inovação em design na história do underwear masculino<br />

fundador da marca Everlast, aplicou um cós elástico nos calções íntimos, deixando-o com<br />

a aparência do short de pugilista, esta peça ficou conhecida como boxerii e a segunda foi a<br />

criação do Jockey Breif ® iii ou slip Jockey (figura 8).<br />

A cueca slip Jockey foi criada em 1934 por Arthur Kneibler, um executivo e designer da<br />

Cooper Inc. A inspiração para o modelo veio de cartão-postal da Riviera Francesa, mostrando<br />

um homem em um maiô estilo biquíni. Depois de algumas experiências, Kneibler introduziu<br />

um novo tipo de roupa interior, confortável sem pernas, com uma sobreposição em Y invertido<br />

parte da frente. Tal formato trazia benefícios funcionais, oferecendo aos seus usuários mais<br />

conforto e suporte do que as outras roupas íntimas masculinas disponíveis no momento.<br />

Figura 8: Modelo Slip Jockey (1935)<br />

Com certeza este dois produtos revolucionaram o mercado de roupa íntima na década<br />

de 1930, mas discordamos de John de Greef quando ele afirma que a concepção da cueca<br />

boxer é uma invenção, trata-se sim de mais uma inovação incremental nesta linha de produtos.<br />

Já o modelo de cueca slip, pode ser considerado uma invenção, que conforme Gomes (2001)<br />

apresenta-se como um produto novo, desenvolvido a partir da manifestação da criatividade<br />

utilizada com foco no incremento funcional do mesmo. Um invento dotado de novidade,<br />

atividade inventiva e utilidade industrial, torna-se suscetível de concessão de patentes. O que<br />

aconteceu com a Jockey Breif ®, patenteada no mesmo ano de sua invenção.<br />

Conforme Bernhard Roetzel (2000), o modelo slip tornou-se “uma cueca verdadeiramente<br />

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Inovação em design na história do underwear masculino<br />

revolucionaria”. Sua modelagem apresentava a vantagem de proporcionar mais su¬porte e<br />

de não marcar ou fazer volume sob as calças leves. Seu corte particular¬mente confortável,<br />

oferecia suporte e um perfeito encaixe, e sobretudo era confeccionada em material de<br />

excelente qualidade. A fita elástica intro¬duzida na parte abaixo da virilha, apenas ajustava a<br />

parte exterior da coxa de forma a não prejudicar a circulação do sangue. Para o autor, o êxito<br />

das cuecas justas da marca Jockey também teve conseqüências no restan¬te roupa, pois<br />

permitiu que as calças fossem confeccionadas com cortes mais ajustados. “Em combinação<br />

com as cuecas Jockey, adaptadas à anatomia do ho¬mem, as calças modernas ajustavam-se<br />

pro-gressivamente mais.” (ROETZEL, 2000 p. 46).<br />

Mais tarde, em 1944, outra marca americana, a Munsingwear, modificou a contronstrução<br />

da parte frontal da cueca slip, tranzendo um bolso horizontal amplo e aberto. E chamou o<br />

produto de Slip Kanguru, devido a relação com a bolsa do marsupial (figuras 9 e 10).<br />

Figura 9: Anúncio da marca Munsingwear 1945 Figura 10: Ilustração do modelo slip Kanguru<br />

O sucesso da slip Jockey não eliminou o modelo boxer. Seu uso passou a ser uma<br />

questão de escolha, pois por mais conforto que a slip pudesse oferecer, para os adeptos da<br />

boxer, ela era sempre apertada. As boxers tinham a vantagem de poder ser feitas sob medida<br />

por um alfaiate, o que simbolizava uma questão de status.<br />

De acordo com John de Greef (1989), nos anos de 1930, o raiom foi introduzido na<br />

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produção de cuecas, uma novidade vendida sob a denominação de seda artificial. Outro<br />

marco importante, foi a introdução dos Fasteners Gripper, um pequeno fixador de pressão.<br />

A publicidade da Scovill Manufacturing Companyiv divulgada na Publication Unknown em<br />

1937 (figura 11), anunciava as vantagem destes fixadores sobre os botões. Para isto usava<br />

o depoimento de Ralph Guldohl e Sam Snead, dois jogadores premiados de golf, sobre a<br />

facilidade dos fixadores na prática de esporte, pois estes ficavam embutidos, não faziam volume<br />

e não machucavam. E de donas de casa, que destacavam que os grippers não quebravam, o<br />

que acontecia constantemente com os botões comuns durante o uso ou a lavagem da peça.<br />

A anúncio destacava ainda, marcas de underwear que usam seus Fasteners Gripper.<br />

Figura 11: Anúncio da Scovill Manufacturing Company 1937.<br />

A revista Life abriu uma nova era de foto jornalismo em 23 de novembro de 1936. Logo<br />

Jockey, Scovill, Quickees entre outras empresas estavam utilizando fotografias em vez de linha<br />

de desenhos em anúncios de suas roupas íntimas, como observado na figura acima.<br />

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Na primeira metade da década de 1940 a inovação no underwear masculino permaneceu<br />

estática. Benson & Esten (1996), destacam que isto ocorreu porque toda a energia americana<br />

estava voltada para o esforço de guerra. A escassez causada pela guerra estava declarada<br />

em um anuncio da marca Jockey que dizia: “Tio Sam precisa de borracha por isso o cós da<br />

Jockey não é mais de elástico”. Neste momento viu-se o retorno do cós de tecido com dois<br />

botões laterais. Mas a guerra também trouxe uma novidade à roupa íntima, a introdução do<br />

conceito de cor. Para uma melhor camuflagem os soldados usavam cuecas verde-oliva, pois<br />

observaram que as peças brancas chamavam a atenção do inimigo quando estavam para<br />

secar. Em 1944 marca Zorba, entrou no mercado nacional e virou sinônimo de cuecas no<br />

Brasil.<br />

Após a guerra, a Cluett, Peabody & Co. Inc, desenvolveu e patenteou o “Sanforized”,<br />

um novo processo de pré-lavagem que impede os tecidos de encolherem. Passam a<br />

ser comercializadas cuecas com o tecido cortado em viés, que se adaptavam a todos os<br />

movimentos. As inovações foram imediatamente adotadas pelos produtores mais importantes,<br />

cada empresa buscava o seu reconhecimento de marca própria.<br />

Segundo Joe Boxer (1995) o conceito de modernidade estava cada vez mais presente.<br />

A revolução das cuecas começou em 1950, quando os fabricantes começaram a confeccionar<br />

underwear estampados e coloridos. Depois de anos de roupas íntimas, simples e brancas, os<br />

homens foram finalmente apresentados a opções variadas quando como mostra o anúncio da<br />

marca Jockey na Look Magazine, como mostra a figura 12.<br />

Figura 12: Anúncio de underwear estampado na década de 1950<br />

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As inovações não se restringiram às cores, novos materiais como raiom, dracon, nylon,<br />

lycra e o spandex entraram no mercado, mas o algodão ainda era o material mais usado. Já nos<br />

anos de 1960 a busca por novos e melhores estilos de roupas íntimas causou uma propulsão<br />

nas empresas de produtos químicos para aprimorar as fibras sintéticas, tornando popular<br />

as cuecas em malha de nylon, ou poliamida. John de Greef (1989), afirma que a Du pont e<br />

designers italianos criam novos produtos e as cuecas se tornam mais elásticas e menores.<br />

Quanto às formas, a tangav e o fio dentalvi foram introduzidos como uma opção entre uma<br />

nova geração de jovens determinados a desafiar o sistema. Também foram foi introduzidas<br />

estampas de leopardo, tigre e estampas de zebra. Havia no mercado uma grande variedade<br />

de produtos, oferecidos em materiais, modelagens, cores e estampas diferenciadas (figura<br />

13), possibilitando que a escolha do underwear figurasse como uma expressão da identidade<br />

de cada homem. Conforme Dario Caldas (1997) no final dos anos 1960, a maior parte dos<br />

homens que seguiam um pouco as tendências de moda começaram a efetuar mudanças em<br />

seu modo de se comunicar através da roupa e do corpo. Ainda na década de 1960 a marca<br />

Zorba introduz o modelo slip no Brasil.<br />

Figura 13: Anúncio Jockey Underwear da década de 1960.<br />

Na década de 1960 ocorrem importantes modificações não apenas peças, mas<br />

também na sua aprensentação ao consuminor. Expondo o corpo masculino de forma mais<br />

explícita, sem que isto maculasse sua masculinidade, isto graças as mudanças sócio culturais<br />

em curso. De acordo com Fernando de Barros (1997) o sentido de juvenilização e a cultura<br />

jovem foram o fio condutor para as primeiras mudanças do masculino na década de 1960,<br />

assimiladas principalmente pela moda, que quebra a visão conservadora de homem, que<br />

começa a passar por transformações.<br />

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Faz-se importante lembrar que qualquer relação estabelecida entre um grupo social<br />

e os padrões estéticos que o identificam ocorra, é preciso que tais padrões sejam aceitos e<br />

compartilhados pelos integrantes do grupo, mesmo se considerarmos que essa estética foi<br />

forjada pela indústria da moda e imposta através da mídia. Assim, vemos que estas primeiras<br />

mudanças no padrão de masculinidade foram possíveis por que estavam em sintonia com os<br />

acontecimentos sócio-culturais vigentes, com destaque para cultura jovem.<br />

Para Marco Sabino (2007) a clássica cueca samba-canção, com altura no meio das<br />

coxas, nunca deixou de ser consumida, mas, nos anos 1970, passou a ser sinônimo de<br />

“caretice” e uma peça adotada por pessoas mais tradicionais. Nesta época ganharam espaço<br />

propagandas enfatizando a sexualidade do underwear, relacionando-o com a revolução sexual<br />

em curso, o corpo masculino passou a ser mostrado de forma mais descontraída e jovial.<br />

“Como nunca antes, os homens eram adorados como símbolos sexuais e, muitas vezes<br />

expressava sua sexualidade recém-descoberta em boates popular conhecido como “discos”.”<br />

(BOXER, 1995, p. 27). Quebraram-se tabus na representação masculina (figura 14), o homem<br />

conservador, provedor da família e com foco no sucesso, pode ser substituído por um jovem,<br />

alegre e sem muitas preocupações, que se permite tomar café em uma caneca tão colorida<br />

quanto sua cuecavii . Parte do corpo da mulher vestindo uma camisola de seda e renda, que<br />

aparece de costas, sugere que a felicidade no jovem também pode estar relacionada a suas<br />

atividades sexuais, porém de forma muito sutil. Como o próprio titulo, “a great understatement<br />

by Jockey” (um grande eufemismo por Jockey) indica. A figura feminina, mesmo que colocada<br />

de forma secundária na imagem, auxilia no equilíbrio da publicidade, para que este homem<br />

não seja percebido como gay.<br />

Figura 14: Anúncio Jockey Underwear da década de 1970.<br />

Há uma mudança significativa na tônica dos discursos que venda, os produtos além<br />

de conforto passam a vender estilo, diversão, juventude, sensualidade e uma diversidade de<br />

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modelos (formas, cores e materiais) criando diferentes opções e possibilidades de construções<br />

visuais masculinas. Segundo Fernando de Barros (1997), na década de 1970 a palavra moda<br />

passou a ser natural para os homens, que passam a escolher novas formas de identificação<br />

a partir do vestuário. O autor afirma ainda que das mudanças introduzidas pela moda nesta<br />

época, a variedade de cores e materiais foi a mais bem aceita na construção dos discursos<br />

sobre o corpo masculino. “A “política do corpo” destacava-se como um dos símbolos de um<br />

novo comportamento. “Permitir, liberar, experimentar” valia também para a moda.” (BAROS,<br />

1997. p. 152)<br />

Conforme Benson & Esten (1996), na década de 1980 a roupa íntima tornou-se<br />

um produto de moda, com peças lançadas em coleções. Quase todas as marcas usavam<br />

publicidade de atração “sexy”, com corpos masculinos e pouca roupa como seu principal<br />

chamariz. Marco Sabino (2007), complementa que a Calvin Klein acabou entrando para a<br />

História da Moda quando exibiu, em um outdoor em plena Times Square, Nova York, o atleta<br />

olímpico Tom Hintnaus de torso nu e ana¬tomia perfeita vestindo apenas uma cueca (figuras<br />

15 e 16).<br />

Figura 15: Outdoor Calvin Klein na Times Square - NY 1982. Figura 16: Imagem aproximada<br />

Observamos que a cultura de massa impulsionou novas representações do corpo, novas<br />

concepções de masculinidade, além de novas lógicas sociais de compartilhamento coletivo,<br />

de aparência, de prazer e de estética, como algo que se faz experimentar e compartilhar com<br />

os outros. Conforme Semprini (2010), a “redescoberta” do corpo se dá a partir da década<br />

de 1960, mas é de 1980 em diante que o corpo se tornou o protagonista da cena social e do<br />

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consumo. A sua liberação progressiva de exigência e de censuras lhe permitiu se fazer notar<br />

e reivindicar uma atenção cada vez maior. A dimensão do corpo também está associada às<br />

lógicas das marcas, tornado-o suporte de múltiplas questões simbólicas. E essa dimensão<br />

simbólica é ainda mais dominante nos territórios do adorno, da beleza e do erotismo, que<br />

fazem do corpo um verdadeiro instrumento de socialização.<br />

Toda esta ênfase no underwear masculino, fez com que o valor destas peças aumentasse<br />

no mercado. Desde então, a Calvin Klein tem dominado o mercado da publicidade cuecas<br />

com modelos como o Mark Wahlberg, ex-jogador de futebol Freddie Ljungberg, o ator africano<br />

Djimon Hounsou, entre outros. Nos anos 1980, uma época em que o espírito lúdico tornou-se<br />

tendência, a cueca samba-canção reapareceu como produto de moda, trazendo estampas<br />

de bichinhos, personagens de Walt Disney e dos desenhos de Hanna Barbera. Este retorno<br />

de formas amplas no underwear, influenciou também na roupa exterior, com o volume das<br />

cuecas, as calças com pregas voltaram a moda. Em 1980 a marca Mash é lançada no Brasil.<br />

Joe Boxer (1995), diz que nos 1990 o fenômeno “cueca de grife” tornou-se ainda mais<br />

forte, e mais uma vez a marca Calvin Klein sai na frente, estampando seu nome no cós de<br />

elástico das peças. Este ato transformou a relação do homem com seu underwear novamente,<br />

a cueca passou de uma peça do vestuário que se escondia sob as calças para um produto<br />

de moda, uma escolha de estilo de vida. Astros pop passaram a exibir o cós grifado de suas<br />

cuecas e adolescentes passaram a optar por calças largas no quadril, estilo conhecido como<br />

grungeviii (figura 17).<br />

Figura 17: Anúncio da Calvin Klein Jeans mostrando o cós da cueca com a marca.<br />

Também nesta época, a lojas de varejo começaram a vender cuecas tipo short mais<br />

ajustados, conhecida nos Estados Unidos como boxer briefs ou midle boxers. Aqui no<br />

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Brasil estas peças são o que chamamos de cueca boxer. Em 1991 a marca Lupo lança<br />

uma linha íntima masculina no mercado nacional. Nos anos 1990 a lingerie masculina evoluiu,<br />

principalmente no que diz respeito aos materiais e técnicas de produção. As inovações das<br />

malhas, naturais e químicas, possibilitaram o desenvolvimento de produtos voltados para usos<br />

específicos, inclusive para diferentes práticas de esporte. O maior destaque ficou com as<br />

peças em microfibra e com costuras invisíveis.<br />

No século XXI, as inovações continuaram com foco nos materiais e acabamentos,<br />

buscando cada vez mais, unir beleza e conforto. As peças sem costura ganharam uma boa fatia<br />

do mercado. A partir dos anos 2000 vemos um número crescente de inovações no mercado<br />

nacional, as empresas brasileiras investem em tecnologia para produzir novos produtos e se<br />

tornam lançadoras de tendências para o mercado mundial. Segundo Márcia Mariano (2006),<br />

a marca gaúcha Upmanix foi a primeira marca a lançar uma cueca em fibra de bambu, com<br />

propriedades bactericidas e anti-odor, além de modelos dupla face e peças perfumadas no<br />

Salão da Lingerie em São Paulo, em agosto de 2006.<br />

O status de artigo fashion e moderno do underwear masculino de hoje, levou a uma<br />

série de modismos. Seguindo as tendências de moda a Zorbax , lançou em 2009 quatro novos<br />

modelos de cuecas, voltados para diferentes públicos. A Boxer Silver dirigida aos jovens, com<br />

elástico mais largo, de 40 mm de largura para ser exibido por fora da calça. ZBoxer Extreme<br />

Action, confeccionada em microfibra, tecido que facilita a transpiração e tem secagem rápida,<br />

além de proporcionar ajuste perfeito ao corpo; Boxer Extreme Nitro com predominância do<br />

algodão, resultando em um produto com ênfase no conforto; e Slip Seamless Algodão, que<br />

utiliza a tecnologia sem costura, proporcionando muito mais liberdade de movimento no diaa-dia.<br />

Outra novidade foi o lançamento da Zorba Orgânica, desenvolvida especialmente para<br />

os consumidores preocupados com a preservação do meio ambiente.<br />

As tendências mundiais alertam para necessidade de preservação do ambiente. Além<br />

dos teóricos da área, vemos esta informação começa a ser disseminada também para o<br />

público em geral. E o design é apontado como um dos grandes possíveis mediadores da<br />

sustentabilidade. Mas para que isto aconteça é necessário que haja mudanças também nas<br />

formas de compreender, ensinar e fazer design. Para Silva & Santos (2009) a sustentabilidade<br />

mediada pelo design, depende de uma abordagem ampla e integrada das competências<br />

do designer, passando pela modificação projetos voltados para os produtos para projetos<br />

sistêmicos, que valorizem requisitos ambientais, sociais, culturais e, sobretudo éticos. Atentas<br />

às novas tendências, as empresas estão buscando desenvolver produtos a partir de processos<br />

e materiais mais limpos.<br />

Dentre as inovações sustentáveis podemos destacar ainda, a cueca de malha PET da<br />

marca D’Uomoxi , que utiliza onze garrafas PET de dois litros para produzir um quilo de malha<br />

PET, suficiente para criar dezesseis cuecas, figura 18.<br />

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Figura18:Anúncios da cueca de malha PET da marca D’Uomo.<br />

E a cueca feita de fibra de bananeira lançada pela marca australiana Aussiebumxii (figuras 19 e 20). Os produtos são confeccionados com uma malha composta de 27% fibra<br />

de banana, 64% algodão e 9% elastano, para garantir ao consumidor conforto e flexibilidade.<br />

Preocupada com os consumidores cada vez mais exigentes e que também levam em conta a<br />

sustentabilidade ecológica e econômica, a empresa garante que as peças da linha “Banana”<br />

são extremamente macias, maleáveis, leves e têm grande poder de absorção de água. Além<br />

da utilização de tecido tecnológico que evita o uso de outros materiais que são normalmente<br />

empregados na confecção de roupa íntima e que agridem o meio-ambiente. Pois, a fibra de<br />

banana tem um bom brilho, é leve, resistente, tem ótima absorção de umidade e é considerada<br />

uma das mais ecologicamente corretas. E as cuecas de fibra de bananeira, não requerem<br />

cuidados diferentes da maioria das roupas íntimas, devem ser lavadas em água fria, sem<br />

alvejantes, seco à sombra e passadas com ferro frio.<br />

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Inovação em design na história do underwear masculino<br />

Figura 19: Foto do desfile Figura 20: destaque da cueca da linha “Banana” – Aussiebum<br />

Mas o investimento em tecnologia para underwear mais inovador é o aplique de GPS<br />

às roupas íntimas. A marca Lindelucyxiii desenvolveu uma cueca em algodão, no modelo boxer,<br />

com recortes e bolsos e o GPS é um acessório que acompanha a cueca, figuras 21 e 22.<br />

Figura 21: Foto do desfile Figura 22: destaque da cueca com GPS - Lindelucy<br />

O aparelho tem a função de rastreamento, através de satélite, isso se o usuário desejar<br />

ser encontrado, caso contrário ele também poderá ser desligado. O GPS traz também o botão<br />

de pânico, que pode ser acionado em caso de qualquer emergência ou eventualidade.<br />

Conclusão<br />

Acreditamos que o homem burguês voltou seu primeiro pensamento para roupas<br />

íntimas quando viu em seu acumulo um valor simbólico, uma forma de diferenciação e de<br />

status. Mas, os aspectos funcionais foram pela maior parte do tempo, no decorrer da história<br />

da roupa íntima, o fator principal da modificação das formas e dos materiais destes produtos,<br />

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Inovação em design na história do underwear masculino<br />

visando a usabilidade e o conforto, porém estas não são mais as únicas preocupações do<br />

mercado.<br />

Atualmente existem diversas marcas que comercializam roupa interior masculina de<br />

grande qualidade, unindo aspectos de funcionalidade às tendências da moda e à qualidade<br />

do design. São utilizados na confecção desta peças diversos tecidos, padrões e modelagens<br />

anatômicas. Tecnologias modernas na confecção foram agregadas ao produto final, permitindo<br />

uma sensação de maciez, toque suave e elasticidade na medida certa. Mas, acima de tudo a<br />

partir dos anos de 1960, e com maior ênfase no anos 1980, observamos início de uma forma<br />

de apresentação do underwear e da representação do corpo masculino, buscando introduzir<br />

elementos simbólicos contidos no discurso da moda que passa a vender um estilo de vida e<br />

não uma peça de roupa do vestuário.<br />

Cada vez mais presente, em maior quantidade e variedade de modelos, no guardaroupa<br />

masculino, as cuecas evoluíram com o tempo e ganharam adeptos que antes não se<br />

preocupavam com o que vestiam por baixo de suas roupas. Hoje, o homem está mais atento<br />

aos produtos que o deixam mais bonito e confortável, e autoconfiante.<br />

Constantes inovações e elementos de design foram agregados à roupa íntima no<br />

século XX. Destacando primeiro, as questões de usabilidade e conforto, dando ênfase à<br />

função prática do produto. E chegamos ao século XXI com peças diferenciadas, bonitas,<br />

tecnológicas, versáteis e confortáveis. Neste processo foram atribuídas as funçõesxiv estéticas<br />

e simbólicas, tornando o underwear um verdadeiro produto de design e de moda.<br />

Notas<br />

i Duofold – tecido feito com duas camadas de lã entrelaçada proporcionando isolamento contra o frio<br />

e separando o suor do corpo.<br />

ii O modelo boxer americano, parece-se com o que conhecemos como samba-canção. Já o que<br />

chamamos de boxer corresponde ao midle-boxer americano.<br />

iii A Jockey Breif ® ou slip Jockey é o modelo que conhecemos como cueca slip.<br />

iv Empresa que criou e patenteou o Fastener Gripper.<br />

v Tanga – modelo de cueca pequena com duas partes de malha unidas na entreprenas são presas a<br />

uma cintura de elástico.<br />

vi Fio dental – modelo de cueca com a parte traseira muito pequena.<br />

vii A frase “que se permite tomar café em uma caneca tão colorida quanto sua cueca” foi escrita para<br />

indicar mais uma quebra de convenções no padrão familiar vigente, onde a família ao acordar se reúne<br />

à mesa para tomarem o café juntos, provavelmente em louças tradicionais. Busca-se mostrar aqui o<br />

rompimento com a forma convencional de ver homem na sociedade patriarcal, em consonância com<br />

os acontecimentos vigentes.<br />

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viii O estilo grunge aparece nos anos 1990 como um movimento de anti-moda, baseado no estilo<br />

de rock do mesmo nome. Nos anos 80, a moda também se apropriou largamente da anti-modapunk.<br />

A inspiração para a moda grunge era a classe proletária de Seattle, com roupas muito largas<br />

e desleixadas, muitas vezes doadas, um ícone desta moda é camisa xadrez semelhante a usada por<br />

lenhadores.<br />

ix www.upman.com.br<br />

x www.zorba.com.br<br />

xi www.cuecasduomo.com.br<br />

xii www.aussiebum.com<br />

xiii www.lindelucy.com.br<br />

xiv Löbach (2001), fala que um produto de design apresenta três funções básicas: a função prática,<br />

ligada a finalidade de uso do produto, bem como sua adequação às necessidades fisiológicas de uso<br />

como segurança, conforto e facilidade de uso. A função estética se refere aos aspectos psicológicos da<br />

percepção sensorial durante o uso, tem como principal atributo a fruição da beleza e esta subordinada<br />

a aspectos sócio-culturais e ao repertório de conhecimento do usuário. E a função simbólica, a<br />

mais complexa, de acordo com autor, tem como fundamento o aspecto estético-formal do produto<br />

reforçado pela base conceitual das dimensões semióticas. Envolve fatores sociais, culturais, políticos<br />

e econômicos e, também, associa-se a valores pessoais, sentimentais e emotivos. A função simbólica<br />

revela-se, sobretudo, por meio dos elementos configuracionais de estilo. Para mais informações ver<br />

LÖBACH, Bernard. <strong>Design</strong> industrial: bases para configuração dos produtos industriais. Rio de Janeiro:<br />

Blücher, 2001.<br />

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O TERNO: QuESTÕES E REFLEXÕES<br />

Luisa de Almeida Magalhães Simão; Mestranda em <strong>Design</strong>: <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong><br />

luisasimao@live.com<br />

Cristiane Mesquita; Professora Dra. do PPG em <strong>Design</strong>: <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong><br />

cfmesquita@anhembi.br<br />

Resumo<br />

O presente artigo propõe uma reflexão sobre o valor do traje<br />

moderno na herança cultural da moda contemporânea. Através<br />

de um estudo a respeito da existência do terno, há cerca de<br />

dois séculos, bem como dos significados sociais que a ele são<br />

atribuídos, o objetivo deste trabalho é discutir como a moda<br />

contemporânea dialoga com a tradição do terno sob medida e de<br />

que maneira essa tradição se perpetua até os dias de hoje.<br />

Palavras-Chave: valor simbólico; terno; moda; herança cultural<br />

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O terno: questões e reflexões<br />

Introdução<br />

No momento em que o corte masculino clássico, conhecido por alfaiataria, foi criado,<br />

em meados do século XIX, as técnicas manuais e artesanais de produção ainda eram um<br />

dos únicos, senão o único recurso para a construção do vestuário da época. Tal limitação,<br />

considerando as inúmeras possibilidades produtivas advindas da era industrial que hoje nos<br />

são comuns, fez nascer algo que há muito se perdeu, de um valor imensurável, de uma poesia<br />

que agrada aos olhos e ao espírito: a autenticidade.<br />

O que chamamos de “autêntico” está, naturalmente, atrelado à exclusividade. A roupa<br />

feita sob medida, possui características que a determinam como única, e a ela é atribuído um<br />

valor que vai muito além de sua materialidade, um valor que refere-se a sua autenticidade.<br />

A definição de aurai , proposta por Walter Benjamin, facilita a compreensão do que<br />

chamamos de autenticidade. Aqui, esse conceito está relacionado ao objeto único para um<br />

corpo único. O terno entra em cena para ilustrar essa relação entre objeto e corpo, entre<br />

roupa e memória.<br />

Pode resumir-se essa falta no conceito de aura e dizer: o que murcha na era da<br />

reprodutibilidade da obra de arte é a sua aura. O processo é sintomático, o seu<br />

significado ultrapassa o domínio da arte. Poderia caracterizar-se a técnica de<br />

reprodução dizendo que liberta o objeto do domínio da tradição. Ao multiplicar<br />

o reproduzido, coloca no lugar de ocorrência única a ocorrência em massa.<br />

(BENJAMIN, 1992, p. 79)<br />

Nesse sentido, perceber o valor intrínseco inerente ao ternoii sob medida, facilita<br />

a continuidade de nosso estudo para a compreensão dos seus valores simbólicos e dos<br />

significados que lhe foram atribuídos, e que, em grande medida se mantém até os dias de<br />

hoje.<br />

A mudança de valores proveniente da transição da peça única, feita sob medida, para<br />

a peça reproduzida em larga escala, com o advento da reprodutibilidade, gerou uma série<br />

de transformações no comportamento do consumidor e na maneira como ele passa a se<br />

relacionar com as peças de roupa. Compreenderemos quais são os signos que o terno carrega<br />

que nos remetem à sua tradição e origem e que, mesmo diante de suas adaptações, de sua<br />

apropriação pelo vestuário feminino, de seu caráter formal e permanentemente evolutivoiii , se<br />

perpetua e se relaciona tão intimamente com a pluralidade da moda contemporânea e com a<br />

fragmentação de nosso tempo.<br />

Valor simbólico do terno<br />

Foi-se o tempo em que a funcionalidade de um produto bastava para que este fosse<br />

consumido. O design centrado no objeto e voltado única e exclusivamente para atender a<br />

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O terno: questões e reflexões<br />

critérios objetivos de seu consumidor, dá lugar ao design centrado no ser humano, o que<br />

significa grandes mudanças na pós-modernidade. Nasce uma preocupação com a maneira<br />

através da qual vemos, interpretamos e convivemos com os artefatosiv . A materialidade dos<br />

signosv que envolvem o objeto, em especial, o terno, passam a ser de suma importância.<br />

Os símbolos são os instrumentos por excelência da integração social:<br />

enquanto instrumentos de conhecimento e de comunicação, eles tornam<br />

possível o consensus acerca do sentido do mundo social que contribui<br />

fundamentalmente para a reprodução da ordem social: a integração lógica é a<br />

condição da integração moral. (BOURDIEU, 2009, p.10)<br />

Em uma sociedade industrial onde os objetos são programados para serem obsoletos<br />

em um tempo determinado, o terno continua a se afirmar como um objeto clássico, atemporal.<br />

Os artefatos que povoam nossos corpos não o fazem mais pela nossa necessidade e sim,<br />

pelos elementos simbólicos que a eles atribuímos. Além de forma e função, passam a ser<br />

recheados de significados que definem o lugar social do indivíduo. Nossos pertences nos<br />

revelam, são a extensão de nossos desejos e escolhas e, porque não, de nossos corpos,<br />

compondo nossa identidade.<br />

Segundo Cardoso (1998), devemos considerar que os produtos desenvolvidos a partir<br />

de um determinado processo podem ser investidos de significados que não são restritos aos<br />

percebidos através da sua natureza. Os seus produtos não oferecem apenas soluções para<br />

necessidades objetivas dos usuários, já que estes também possuem necessidades subjetivas,<br />

provenientes de seus desejos, anseios e expectativas. Logo, um objeto adquire significados<br />

que vão além de suas questões estruturais e funcionais, e cumpre assim variadas funçõesvi .<br />

O terno apresenta, desde seu nascimento, características simbólicas que até<br />

hoje são vigentes. Expressam masculinidade, mas não restringem o corpo<br />

como a armadura ou gibões da Renascença. Possui caimento fácil e esconde<br />

a superfície do corpo de modo bastante completo, o que o faz ter a reputação<br />

de inexpressivo, em uma época de músculos trabalhados e quase nudez dos<br />

corpos. (HOLLANDER, 1996, p. 144-145)<br />

O terno faz surgir um imaginário que atrai quem o porta e, gradualmente, constitui um<br />

padrão de vestuário civil para o mundo inteiro, sugerindo competência, articulação, prudência e<br />

desprendimento. O traje permanece sexualmente poderoso e com sua força intacta, dividindo<br />

a cena com outras maneiras de vestir, mas permanece como “um espelho da moderna<br />

auto-estima masculina”, nas palavras de Hollander (1996, p. 76). De acordo com a autora, o<br />

terno possui um caráter abstrato e apresenta uma mensagem de continuidade formal que é<br />

profundamente satisfatório no mundo contemporâneo, por isso o seu não desaparecimento e<br />

a mudança do seu campo de atuação também para o universo feminino e casual, o que trouxe<br />

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O terno: questões e reflexões<br />

transformações em seus diversos significados. Para a mesma autora, se trata de um objeto<br />

de circulação social, que transita em espaços e tempos variados e através dele percebemos<br />

as relações que permeiam sua trajetória. Sua longevidade se dá pelo fato de a alfaiataria<br />

masculina mostrar a autoridade, a força simbólica e emocional dos valores de perpetuação,<br />

além de permanecer a mesma enquanto passa por mudanças internas constantes e, diante<br />

deste cenário, em vez de perder força ou aceitação, adquire maior virtude e nova valorização<br />

ao longo de sua vida. Os ternos masculinos feitos nos moldes da alfaiataria provam ser<br />

infinitamente dinâmicos e detentores de um vigor elegante próprio.<br />

A permanência do terno deve-se também ao fato de que as roupas são uma espécie<br />

de memória, uma segunda pele que nos faz reviver sensações, nos faz lembrar, nos remete e<br />

nos representa. O terno foi culturalmente e socialmente moldado, transformando-se quando<br />

necessário, mantendo sua estrutura original por ser essa a principal emissora dos significados<br />

que nele estão impregnados.<br />

O poder particular da roupa para efetivar essas redes está estreitamente<br />

associado a dois aspectos quase contraditórios de sua materialidade: sua<br />

capacidade para ser permeada e transformada tanto pelo fabricante quanto<br />

por quem a veste; e sua capacidade para durar no tempo. (STALLYBRASS,<br />

2000, pg. 65)<br />

Ao terno são atribuídos significados de diversas naturezas. Sabemos que a base estética<br />

que deu origem ao ideal moderno de elegância masculina procurou imitar a elegância e a<br />

eficiência da natureza clássica. De acordo com Richard James, alfaiate inglês de Savile Row,<br />

o homem expressa-se através de seu terno. Por ser a roupa mais masculina que já se viu e<br />

de uma versatilidade significativa, capaz de trazer anonimato e, ao mesmo tempo, visibilidade<br />

àquele que o veste, demonstra respeitabilidade e define, quase sempre, os acessórios que o<br />

acompanham.<br />

Na reflexão de Nicholas Antongiavanni (2006), o terno é para o homem o que sua casa<br />

é para sua vida, ou seja, é, de certa forma, um abrigo, uma proteção para o corpo e uma<br />

armadura diante das relações sociais que se estabelecem. Veste-se um uniforme de batalha,<br />

um uniforme que assemelha e distingue ao mesmo tempo, sempre com o intuito de proteger,<br />

resguardar e ao mesmo tempo, exaltar as características daquele homem.<br />

De fato, há algo no vestuário masculino que o torna mais moderno. Talvez por possuir<br />

uma superioridade estética, uma “maturidade” em seu design extremamente satisfatória. Suas<br />

formas são visivelmente mais avançadas, e estabeleceram, dessa maneira, a permanência<br />

do terno durante tantos anos nos códigos do vestir. Ele é associado, por tais motivos, ao<br />

poder, à capacidade intelectual, à seriedade e ao profissionalismo. Isso pode ser comprovado<br />

pela apropriação feminina do vestuário masculino, quando estas precisam emanar maior<br />

credibilidade e competência profissional. Com maior ou menor deliberação, segundo Simmel,<br />

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O terno: questões e reflexões<br />

“o indivíduo cria, muitas vezes, para si mesmo uma conduta, um estilo que se caracteriza<br />

como moda pelo ritmo de sua manifestação, de seu fazer-se valer e sobressair” (2008, p. 47).<br />

O desejo dos homens de parecerem descontraídos marcou todo o desenvolvimento do<br />

terno. O conceito de “moderno” significava uma forma abstrata sugerindo um envelope que se<br />

ajustava folgadamente ao corpo, demonstrando seu caráter confortável e utilitário. Esse ideal<br />

masculino era feito de partes separadas, dispostas em camadas e destacáveis com braços,<br />

pernas e troncos visivelmente indicados oferecendo grande mobilidade física e ajustando-se<br />

ao corpo estático e em movimento.<br />

Segundo Hollander (1996), desde 1800, as roupas masculinas mostravam-se variáveis<br />

e expressivas, fluidas e criativas. A diferença, no entanto, é que surgem de maneira consistente.<br />

Os detalhes modificam-se constantemente mas sua estrutura se mantém a mesma. O paletó<br />

tradicional, por exemplo, se mantém, o que muda são suas lapelas, seus detalhes como<br />

botões, bolsos, etc.<br />

O itinerário percorrido pela indumentária masculina, de acordo com Gilda de Mello e<br />

Souza, em vez de estar sujeito a ciclos, a um ritmo estético de expansão de um determinado<br />

elemento decorativo levado ao limite máximo, se simplifica progressivamente, tendendo a<br />

cristalizar-se num uniforme (1987, p. 64).<br />

Da era artesanal à era industrial: adaptações<br />

Há dois séculos o terno se faz presente no complexo contexto da moda, se adaptando<br />

como lhe é possível às suas incansáveis mutações e renovações. A alfaiataria, da mesma<br />

maneira, em meados do século XIX, vê-se diante de um novo cenário produtivo proveniente<br />

da Revolução Industrial, passando por inúmeras mudanças que marcariam para sempre<br />

sua história. A invenção da máquina de costura, há mais de 150 anos, marca o início de<br />

um período de transformações, diminuindo consideravelmente o trabalho, para muitos<br />

considerado enfadonho e cansativo, de costurar à mão, gerando maior eficiência produtiva.<br />

Para a alfaiataria, o uso do maquinário representou uma maneira de otimizar o trabalho e<br />

conferir-lhe maior precisão e qualidade, além da possibilidade de se produzir em massa,<br />

gerando maior acessibilidade.<br />

A mecanização do trabalho é o outro grande fator que define a industrialização,<br />

e uma série de inovações tecnológicas entre o final do século 18 e início do<br />

19 foi permitindo o aumento constante da produtividade na indústria têxtil a<br />

custos cada vez menores em função da rapidez da produção e da diminuição<br />

da mão-de-obra. (CARDOSO, 2008: 27)<br />

De acordo com Hollander (1996), ao longo do século XIX, o prestígio da roupa sob<br />

medida se mantinha na Inglaterra e na França, enquanto as roupas prontas para vestir<br />

despontavam nos EUA. A indústria do pronto para vestir desenvolveu-se naturalmente neste<br />

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O terno: questões e reflexões<br />

contexto, melhorando significativamente a sua qualidade. O vestuário sob medida perde a<br />

dimensão de uma arte para a maioria da população, para se circunscrever a uma clientela<br />

cada vez mais selecionada, exigindo uma nova relação entre o alfaiate e o cliente.<br />

A industrialização trouxe novas possibilidades e flexibilidade em relação à novas técnicas<br />

produtivas, como foi dito, à modelagem das peças e à própria execução, além de inaugurar<br />

o nascimento do que entendemos hoje por design. Os trajes produzidos em massa foram<br />

criados com um padrão tão alto de design, que chegaram a ser comparados com aqueles<br />

estabelecidos pela alfaiataria de antes (HOLLANDER, 1996).<br />

As exigidas transformações pelas quais a alfaiataria passou, não se limitam, no entanto,<br />

apenas ao aspecto produtivo. Ocorreram mudanças no comportamento do consumidor.<br />

Houve uma transferência de responsabilidades: o alfaiate que confeccionava a roupa sob<br />

medida tinha um olhar crítico pelo cliente, afinal tinha que manter o status de bom profissional.<br />

A roupa pronta para vestir, por sua vez, passa somente pelo crivo do cliente, que estabelece<br />

seus padrões estéticos pessoais, sendo o único que pode julgar o caimento e a qualidade do<br />

traje que irá adquirir. O ato de comprar se tornou corriqueiro, o acesso aos produtos, muito<br />

mais possível, fazendo com que a experiência de compra do consumidor se tornasse bastante<br />

diferente da antiga experiência, onde esperar semanas ou meses por um traje, era normal e<br />

aceitável.<br />

Como as roupas eram feitas de maneira exclusiva, não pensava-se em um padrão único<br />

de medidas e nem em um design que atendesse a todos. A fita métrica como conhecemos<br />

hoje, dividida em centímetros, foi inventada pelos próprios alfaiates, em 1820, com a finalidade<br />

de se produzir mais de um traje por vez. Antes disso, cada cliente tinha sua própria tira de<br />

medidas, com marcações específicas para seu corpo. Observou-se, no entanto, semelhanças<br />

nas proporções de alguns corpos masculinos, e que, dessa maneira, seria possível produzir<br />

várias peças ao mesmo tempo, para corpos semelhantes (HOLLANDER, 1996, p. 137).<br />

Toda a ostentação que antecedeu a Revolução Francesa foi substituída pela simplicidade<br />

e pelo conforto da era industrial. O vestuário masculino tornou-se mais sóbrio, influenciado por<br />

pela moda inglesa. Essa simplicidade se estende até os dias de hoje. O cenário contemporâneo,<br />

de roupas feitas em larga escala, permitiu que bons ternos, trajes antes restritos a camadas<br />

sociais abastadas, tivessem maior flexibilidade, se adequando às mudanças produtivas e às<br />

exigências de seu público cada vez mais diverso.<br />

Mesmo com as constantes mudanças de gostos e ideais, relativas à moda, as formas<br />

da alfaiataria masculina ganham força e valorização ao longo de sua vida e nos servem até os<br />

dias de hoje, sendo periodicamente remodeladas pela moda.<br />

O advento da industrialização e a incapacidade de competir com a rapidez de produção<br />

e os baixos preços das lojas, tornou o serviço do alfaiate caro e de elite. A roupa pronta para<br />

vestir ganhou visibilidade por ser cada vez mais comum e mais barata. Os avanços tecnológicos<br />

contribuíram para a disseminação do prêt-à-porter, possibilitando um aumento significativo<br />

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O terno: questões e reflexões<br />

no padrão de qualidade das roupas prontas. O resultado: alfaiates antes imprescindíveis na<br />

sociedade, encontravam-se em vias de extinção.<br />

Esses profissionais resistiram por algum tempo por serem ainda necessários nas<br />

fábricas que se formavam. Precisavam ensinar a técnica e os segredos da alfaiataria para<br />

que a confecção em larga escala pudesse acontecer. Mas por volta de 1940, os alfaiates<br />

que monitoravam as fábricas foram substituídos por administradores e, a partir de 1950, as<br />

mudanças trouxeram uma redução no trabalho humano resultando em uma queda no tempo<br />

de produção e na melhoria da qualidade dos produtos (MUSGRAVE, 2009).<br />

A produção em série desencadeou o início da extinção das alfaiatarias, no entanto,<br />

outros fatores têm contribuído igualmente para esse fato. Um dos maiores problemas que<br />

impedem a perpetuação do ofício do alfaiate é a falta de continuadores nos ateliers. A imagem<br />

pouco atrativa que as alfaiatarias foram adquirindo, gerou desinteresse das camadas mais<br />

jovens que possivelmente, garantiriam sua continuidade. Além disso, para agravar ainda mais<br />

o quadro, se trata de uma profissão que exige um longo período de aprendizagem e não<br />

oferece uma estrutura organizada de formação profissional.<br />

A situação descrita, acaba por prolongar uma crise generalizada na atividade. Os<br />

poucos alfaiates qualificados, por serem raros, encontram sempre empregos sem dificuldade,<br />

mas os jovens, cada vez mais desinteressados, preferem atividades relacionadas ao prêt-àporter,<br />

onde são mais restritos, com menos possibilidades de expressão da sua criatividade,<br />

mas também auferem, em geral, melhores salários do mercado de moda. Os jovens querem<br />

estudar ou optam por trabalhar em atividades que lhes pareçam mais atrativas e com mais<br />

possibilidades de progressão. Optam, por exemplo, pela área de estilismo, ao invés da área<br />

de alfaiataria.<br />

A resposta aos desafios que hoje atravessa esta profissão, que se passa pela formação<br />

profissional, não pode ser desligada de uma adequada promoção que restitua antes de mais<br />

nada o seu prestígio, de forma a ser assumida como uma arte entre outras artes.<br />

Considerações finais<br />

Pensar a moda é pensar o corpo e suas possibilidades. O corpo como suporte, dialoga<br />

com o terno desde o seu surgimento, e este constrói sobre aquele variadas formas e sentidos,<br />

gerando significações sociais e culturais na história da moda.<br />

A moda, segundo Hollander, “ao enfatizar a proposta de um corpo individual, ilustra a<br />

idéia de que a sexualidade, com sua dependência da fantasia individual e da memória, governe<br />

a vida de cada pessoa” (1996, p. 51). Para Castilho, “O corpo sempre se oferece como suporte<br />

gerador de significação, articulador de um discurso que permite a ação da plasticidade da<br />

decoração corpórea nas situações de interação, presentificação e representação pelo contato<br />

que determina valores positivos e negativos que podem ser, em linhas gerais, polêmico ou<br />

contratual, implícito ou explícito” (2005, p. 141).<br />

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O terno: questões e reflexões<br />

Nas palavras de Castilho, “quando utilizados pelo grupo masculino, certos trajes<br />

assumiam significados específicos, como a glória na hierarquia militar, civil ou religiosa. No<br />

conjunto, a indumentária masculina conferia aos homens o poder, a grandeza, a riqueza, a<br />

dignidade no contexto de uma determinada coletividade” (2005, p. 115).<br />

O sujeito, assim, constrói um discurso sobre o seu corpo, que lhe dá<br />

competência para protagonizar diferentes programas narrativos que se<br />

manifestam pela composição e articulação das formas constitutivas de sua<br />

proposta de parecer, e, com isso, poderá atuar em diferentes papéis no<br />

contexto social. (CASTILHO, 2004, p. 183)<br />

Em concordância, na reflexão de Simmel: “Este significado da moda é o que a leva a<br />

ser adotada por homens refinados e originais: utilizam-na como máscara. A obediência cega<br />

às normas do geral em tudo o que é exterior é para eles o meio consciente e deliberado de<br />

reservar a sua sensibilidade e os seus gostos pessoais; querem a tal ponto guardar estes para<br />

si que se opõe a uma exibição que os tornaria acessíveis a todos” (2008, p.43).<br />

Vemos, dessa maneira, que, através do diálogo entre a moda e o corpo, o terno é capaz<br />

de gerar inúmeras significações ou re-significações que perpassam aspectos sociais, sexuais,<br />

estéticos, entre outros. O antagonismo de sentidos relacionado à busca pela individualização<br />

e, simultaneamente, pela aceitação social, acompanham a evolução do traje moderno.<br />

NOTAS<br />

i “Manifestação única de uma lonjura, por muito próxima que esteja”. (BENJAMIN, Walter. Sobre <strong>Arte</strong>,<br />

Técnica, Linguagem e Política. Relógio D’Água Editores, 1992. p. 81.)<br />

ii Os termos “terno” ou “traje” são utilizados para nomear o conjunto clássico de paletó, calça e colete,<br />

originado no século XIX.<br />

iii HOLLANDER, Anne. O sexo e as roupas: a evolução do traje moderno. Rio de Janeiro: Rocco,<br />

1996. (p. 14)<br />

iv Palestra proferida pelo Prof. Klaus Krippendorff durante o P&D <strong>Design</strong> 2000 (IV Congresso Brasileiro<br />

de Pesquisa e Desenvolvimento em <strong>Design</strong>), realizado em outubro de 2000, na FEEVALE, Nova<br />

Hamburgo – RS.<br />

v BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Rio de Janeiro: Elfos Ed.; Lisboa: Ed. 70, 1995. (p.<br />

58)<br />

vi DENIS, Rafael Cardoso. <strong>Design</strong>, cultura material e o fetichismo dos objetos. Artigo, 1998.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 365


O terno: questões e reflexões<br />

Referências<br />

ANTONGIAVANNI, Nicholas. The Suit. NY: HarperCollins Publishers, 2006.<br />

BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Rio de Janeiro: Elfos Ed.; Lisboa: Ed. 70,<br />

1995. (p. 58)<br />

BENJAMIN, Walter. Sobre <strong>Arte</strong>, Técnica, Linguagem e Política. Relógio D’Água Editores,<br />

1992.<br />

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2009.<br />

CASTILHO, Kathia. Moda e Linguagem. São Paulo: Editora <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, 2004.<br />

Corpo e moda: por uma compreensão do contemporâneo / Ana Claudia de Oliveira,<br />

Kathia Castilho, organizadoras. – Barueri, SP: Estação da Letras e Cores Editora, 2008.<br />

DENIS, Rafael Cardoso. <strong>Design</strong>, cultura material e o fetichismo dos objetos. Artigo, 1998.<br />

HOLLANDER, Anne. O sexo e as roupas: a evolução do traje moderno. Rio de Janeiro:<br />

Rocco, 1996. (p. 14)<br />

LIPOVETSKY, Gilles. O Império do efêmero. A moda e seu destino nas sociedades<br />

modernas. São Paulo, Companhia das Letras, 1989.<br />

SOUZA, Gilda de Mello e. O espírito das roupas: a moda no século dezenove. São Paulo:<br />

Companhia das Letras, 1987.<br />

MUSGRAVE, Eric. Sharp suits. United Kingdom: Pavilion Books, 2009.<br />

PIRES, Dorotéia Baduy (org.). <strong>Design</strong> de Moda: olhares diversos. Barueri, SP: Estação das<br />

Letras e Cores Editora, 2008.<br />

SIMMEL, Georg. Filosofia da moda e outros escritos. São Paulo: Edições Texto & Grafia,<br />

2008.<br />

STALLYBRASS, Peter. O casaco de Marx: roupas, memória, dor. Belo Horizonte: Autêntica<br />

Editora, 2008.<br />

Palestra proferida pelo Prof. Klaus Krippendorff durante o P&D <strong>Design</strong> 2000 (IV Congresso<br />

Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em <strong>Design</strong>), realizado em outubro de 2000, na<br />

FEEVALE, Nova Hamburgo – RS.<br />

Artigo publicado pela Revista Dobras. MOTTA, Eduardo. Fevereiro de 2009. Pg. 31.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 366


PROFISSãO: DESIGNER DE MODA<br />

Lívia Marsari Pereira; Mestre em <strong>Design</strong>: <strong>Universidade</strong> Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho<br />

lilimarsari@hotmail.com<br />

Maria Carolina Medeiros; Mestranda em <strong>Design</strong>: <strong>Universidade</strong> Estadual Paulista<br />

Júlio de Mesquita Filho - mcarolmedeiros@hotmail.com<br />

Paula Hatadani; Mestranda em <strong>Design</strong>: <strong>Universidade</strong> Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho<br />

paulahatadani@yahoo.com.br<br />

Raquel Rabelo Andrade; Mestranda em <strong>Design</strong>: <strong>Universidade</strong> Estadual Paulista<br />

Júlio de Mesquita Filho - raquel_andrade00@yahoo.com.br<br />

José Carlos Plácido da Silva; Doutor: <strong>Universidade</strong> Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho<br />

placido@faac.unesp.br<br />

Resumo<br />

Este estudo é o resultado de uma investigação de natureza<br />

bibliográfica que busca apresentar algumas definições para o<br />

design, retratar a profissão “designer” na atualidade e relatar as<br />

principais vertentes que vem surgindo com a difusão das escolas<br />

de ensino superior nessa área de conhecimento, especialmente o<br />

design de moda.<br />

Palavras-Chave: design; profissão e design de moda<br />

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Profissão: designer de moda<br />

Introdução<br />

A origem do profissional de design remonta ao século passado, influenciado<br />

principalmente pela Revolução Industrial e pela contribuição das vanguardas artísticas que<br />

assumem a estética da máquina, incorporando-a as suas criações.<br />

Dorfles (2002) afirma ser errado defender que o design sempre existiu, pois segundo o<br />

autor, uma das premissas básicas para que um elemento seja pertinente ao design industrial é<br />

que ele seja produzido de modo industrial e mecânico, exclusivamente e, assim, seja passível<br />

de repetição em série, o que não acontecia antes do advento da máquina.<br />

Portanto, podemos considerar o inicio do design em conjunto com o advento da<br />

máquina e na produção de objetos pelo homem.<br />

Ainda na atualidade, descrever uma definição clara e axiomática do design é quase<br />

impossível do ponto de vista de alguns estudiosos. O design é um termo muito citado, porém<br />

ainda não completamente compreendido em relação ao seu conceito. O número infinito de<br />

pensamentos ligados a essa atividade faz dessa profissão uma área incompreendida e sem<br />

definições para grande parte da sociedade.<br />

Ainda falta reconhecimento do design como área e a contribuição específica que ele<br />

tem a dar para a cultura em geral e para a brasileira em particular. Stolarski apud Junior, (2006)<br />

afirma que o problema não é o preconceito, mas sim falta de informação: “o design é muito<br />

comentado e celebrado, mas nunca se sabe direito o que quer dizer a palavra. Assim, o termo<br />

acaba por virar sinônimo de “luxo”, “arte”, “sofisticação”, que estão muito distantes de dar<br />

conta do que a atividade faz”.<br />

Juntamente com esse panorama de desinformação sobre o verdadeiro significado de<br />

design encontra-se uma difusão de novos cursos com diversas abrangências e especialidades<br />

das áreas de atuação do design.<br />

O design de moda é uma dessas áreas que vem destacando-se no panorama atual. O<br />

design de moda cria produtos para produzir experiências significativas nos corpos, em tecidos<br />

e roupas são trabalhadas formas, silhuetas e texturas que produzem experiências sensoriais<br />

e por sua vez criam percepções diversas nas pessoas. Os objetivos e procedimentos da<br />

concepção do vestuário assemelham-se ao processo de desenvolvimento de objetos<br />

de design, pois consideram a importância da metodologia de projeto e da satisfação das<br />

necessidades e anseios dos usuários.<br />

Nesse sentido, Feghali e Dwyer (2001, p.103) definem:<br />

<strong>Design</strong>er de moda é o profissional que define a cara de uma coleção,<br />

independentemente do mercado a ser atingido. Pode ser empregado em<br />

uma empresa ou trabalhar como autônomo. [...] Durante o processo de<br />

criação, ele leva em conta não só os aspectos artísticos e sociais, mas<br />

também a necessidade de atender às tendências de marketing e aos<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 368


Profissão: designer de moda<br />

avanços técnicos da indústria, uma vez que a cada estação, ocorrem<br />

mudanças no que se refere às cores, aperfeiçoamento de tecidos, linha<br />

de produção, capacidades e preços.<br />

Desta forma, este artigo tem como objetivo apresentar algumas definições sobre o<br />

design, relatar as principais vertentes que vem surgindo com a difusão das escolas de ensino<br />

superior nessa área de conhecimento, entre elas o design de moda, foco desta pesquisa.<br />

<strong>Design</strong><br />

A raiz da palavra design em inglês tem origem da palavra latina designare, que também<br />

dá origem na nossa língua às palavras desejo, desenho e designo (ARRIVABENE, 2009). Essas<br />

palavras juntas auxiliam na compreensão deste termo. Por desejo, entende-se o potencial que<br />

o design possui de despertar o interesse e de agregar valor. Por desenho, a preocupação<br />

estética, forma, beleza e a comunicação visual. E designo, a funcionalidade, ergonomia,<br />

preocupação com o usuário e principalmente a atividade projetual.<br />

A palavra <strong>Design</strong> tem sido empregada desde o ano 1580, mas sua primeira acepção<br />

foi documentada em 1588 no Oxford English Dictionary, que o definia como “um plano ou<br />

um esboço concebido pelo homem para algo que se há de se realizar, um primeiro esboço<br />

desenhado para uma obra de arte ou um objeto de arte aplicada, necessário para a sua<br />

execução” (PIRES, 2008, p.96).<br />

A partir do século XX, novas definições mais complexas para o termo foram traçadas,<br />

e o design foi sendo configurado, cada vez mais, como um processo projetual. O design<br />

hoje, enquanto uma atividade engloba inúmeras áreas de trabalho e pesquisa, que tiveram,<br />

inclusive, percursos históricos diferentes, os quais só cruzaram-se quando o perfil do design<br />

como uma atividade multidisciplinar foi traçado.<br />

As definições atuais para o termo situam as atividades do design num patamar ainda<br />

mais abrangente. Diversos autores, entre eles Niemeyer (2000), Pires (2008) e Cardoso (2004),<br />

entende-se o design como sendo o conjunto de atividades teóricas e práticas que objetivam<br />

o desenvolvimento de projetos industriais, que por sua vez, têm como finalidade a realização<br />

de produtos ou serviços que buscam suprir as necessidades humanas. Lobach (2000, p.22)<br />

define design como “o processo de adaptação do ambiente artificial às necessidades físicas<br />

e psíquicas dos homens na sociedade”. Sendo assim, o design deve estar relacionado com<br />

todas as dimensões do produto, sejam elas funcionais, estéticas ou simbólicas.<br />

O design também deve atuar em todo o ciclo de vida do produto e não apenas na sua<br />

concepção - desde a sua criação, até a fabricação, distribuição, uso e descarte. Segundo<br />

definição do International Council <strong>Design</strong> of Societies of Industrial <strong>Design</strong> (ICSID, 2008) o<br />

design é uma atividade criativa cuja finalidade é estabelecer as qualidades multifacetadas de<br />

objetos, processos, serviços e seus sistemas, compreendendo todo o seu ciclo de vida.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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Profissão: designer de moda<br />

Assim, hoje o design pode ser entendido como uma atividade multi e interdisciplinar,<br />

que permeia todo o processo destinado à reprodução industrial realizando a manipulação de<br />

um conjunto de conhecimento e informações de ordem técnica, ergonômica, psicológica,<br />

mercadológica, estética, econômica e cultural, gerando alternativas, até o encontro de uma<br />

solução final para o produto. É um trabalho de caráter multidisciplinar, onde diversas áreas do<br />

conhecimento relacionam-se, de acordo com a natureza do projeto, contribuindo para uma<br />

solução final em termos de produto.<br />

A profissão<br />

No Brasil, a profissão designer não é regulamentada, embora ela conste no Catálogo<br />

Geral de Profissões do Ministério do Trabalho (ESCOREL, 1999). Existem, no entanto,<br />

associações profissionais, de caráter cultural e representativo.<br />

Cursos especializados têm sido abertos todos os anos, o que gera um aumento<br />

significativo da oferta de mão-de-obra. “O aumento da porcentagem de profissionais formados,<br />

por sua vez, coincidiu com a chegada do computador que revolucionou a maneira de projetar<br />

e produzir, acarretando, entre outras coisas, uma redução substancial dos preços cobrados”<br />

(ESCOREL, 1999, p.92).<br />

O avanço da tecnologia e da informação facilitou o acesso ao uso de certas ferramentas<br />

do design, e neste panorama surgiram os famosos “micreiros” – profissionais capazes de<br />

operar os softwares, porém sem formação suficiente para realmente aplicar a tecnologia,<br />

usando-a muitas vezes de forma aleatória.<br />

Muitas pessoas e empresas contratam este “designer” para desenvolver seus trabalhos,<br />

pelo valor que normalmente é cobrado por esse profissional – abaixo do custo real – ou<br />

pelos prazos ou pelas facilidades que eles oferecem ao cliente. “Por vezes, estes clientes<br />

relatam posteriormente que o gasto foi ainda maior que se tivessem realmente contratado<br />

um profissional da área, ou que o trabalho desenvolvido não atingiu a qualidade esperada”<br />

(ALBUQUERQUE, 2008, p.2).<br />

Neste sentido, apesar de todas as tentativas realizadas por profissionais e teóricos<br />

para estabelecer o real significado e abrangência da profissão “designer”, esta ainda é vista,<br />

pela sociedade em geral, como uma atividade meramente empírica, que preocupa-se apenas<br />

com questões estéticas. Tal visão obviamente traduz de forma errônea e simplificada os<br />

aspectos da profissão, pois, segundo Whiteley (1998), cabe aos designers considerar não<br />

apenas as questões artísticas, mas também as questões sociais, econômicas, políticas, éticas,<br />

tecnológicas, ecológicas e ambientais de seus projetos.<br />

Entre os próprios designers, pode-se encontrar duas vertentes mais comuns: aqueles<br />

que acreditam no potencial artístico do design e aqueles que defendem um maior tecnicismo<br />

e formalismo do design, baseados principalmente nas duas maiores escolas de design do<br />

século XX, a Bauhaus (Alemanha 1919-1933) e Escola de Ulm (Alemanha 1953-1968). Whiteley<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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Profissão: designer de moda<br />

(1998) aborda de forma mais detalhada este tema, classificando em seis os diferentes tipos<br />

de designers existentes: o designer formalizado, o designer teorizado, o designer politizado,<br />

o designer consumista, o designer tecnológico e, por fim, o designer valorizado, sendo este<br />

último uma proposta do próprio autor, considerada ideal, pois define um profissional mais<br />

completo, que une de forma coerente a teoria e a prática.<br />

Todos os anos surgem novos profissionais de design, e a cada ano são criados novos<br />

espaços e abrangências. Segundo Albuquerque (2008) atualmente existe mais de seis difusões,<br />

que ramificam-se, tais como o design gráfico, design de produto, design editorial, design de<br />

embalagem, design de multimídia e/ou mídia eletrônica, design ambiental e design de moda.<br />

Nesse sentido, Gomes Filho (2006, p.15) explica que “o campo do design se fraciona<br />

cada vez mais em diversas especialidades ditadas pelo mercado”. As particularidades das<br />

áreas de atuação do design encontram-se amplamente subdivididas, como mostra a Tabela 1.<br />

O que acaba por resultar em certa confusão na medida em que determinadas especialidades<br />

se desdobram e se sobrepõe, quando na verdade possuem significados muito próximos.<br />

Contexto internacional Equivalência aproximada Contexto nacional<br />

Industrial <strong>Design</strong><br />

<strong>Design</strong> Industrial<br />

Object <strong>Design</strong><br />

<strong>Design</strong> do Objeto<br />

Furniture <strong>Design</strong><br />

<strong>Design</strong> de Equipamentos Urbanos<br />

Automobile <strong>Design</strong><br />

<strong>Design</strong> de Mobiliário<br />

Computer <strong>Design</strong><br />

<strong>Design</strong> Automobilístico<br />

Hardware <strong>Design</strong><br />

<strong>Design</strong> de Computador<br />

Packging <strong>Design</strong><br />

<strong>Design</strong> de Máquinas e Equipamentos <strong>Design</strong> de produto<br />

Food <strong>Design</strong><br />

<strong>Design</strong> de Embalagens<br />

Jeweley <strong>Design</strong><br />

<strong>Design</strong> de Alimentos<br />

Sound <strong>Design</strong><br />

<strong>Design</strong> de Jóias<br />

Lighting <strong>Design</strong><br />

<strong>Design</strong> de Sistemas de Som<br />

Textile <strong>Design</strong><br />

<strong>Design</strong> de Sistemas de Iluminação<br />

<strong>Design</strong> Têxtil<br />

Communications <strong>Design</strong> <strong>Design</strong> de Sistemas Comunicativos<br />

Commercial <strong>Design</strong><br />

<strong>Design</strong> gráfico<br />

Corporate <strong>Design</strong><br />

<strong>Design</strong> de Identidade Corporativa<br />

Information <strong>Design</strong><br />

Tabletop <strong>Design</strong><br />

<strong>Design</strong> de Sistemas de Informação<br />

<strong>Design</strong> de Editoração<br />

<strong>Design</strong> Gráfico<br />

Media <strong>Design</strong><br />

<strong>Design</strong> de Meios de Comunicação<br />

Software <strong>Design</strong><br />

<strong>Design</strong> de Programas<br />

Fashion <strong>Design</strong> <strong>Design</strong> de Moda <strong>Design</strong> de Moda<br />

Interior <strong>Design</strong> <strong>Design</strong> de Interiores <strong>Design</strong> de Ambientes<br />

Re-<strong>Design</strong> Redesign Redesign<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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Profissão: designer de moda<br />

Conceptual <strong>Design</strong><br />

Counterdesign<br />

Antidesign<br />

Radicaldesign<br />

Avant-Garde <strong>Design</strong><br />

Bio-<strong>Design</strong><br />

Eco-<strong>Design</strong><br />

Universal <strong>Design</strong><br />

<strong>Design</strong> Conceitual<br />

Counterdesign<br />

Antidesign<br />

Radicaldesign<br />

Avant-Garde <strong>Design</strong><br />

Bio-<strong>Design</strong><br />

Eco-<strong>Design</strong><br />

Universal <strong>Design</strong><br />

<strong>Design</strong> Conceitual<br />

Interface <strong>Design</strong> <strong>Design</strong> de Interfaces <strong>Design</strong> de Interfaces<br />

Fonte: Haufle, 1996 apud Gomes Filho, 2006<br />

Na pesquisa científica podemos encontrar o design também subdividido em suas<br />

difusões de conhecimento como mostra a Figura 2, que representa as diversas áreas de<br />

abrangência de artigos no P&D no ano de 2006.<br />

Figura 2 – As diversas áreas do <strong>Design</strong> (distribuição de artigos por área no P&D 2006)<br />

Fonte: Amstel 2006<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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Profissão: designer de moda<br />

Percebe-se que o <strong>Design</strong> de Moda é citado em todas as classificações de especialidades<br />

de atuação do design, sendo, em comparação, uma área mais nova. Gomes Filho (2006, p.29)<br />

descreve o design de moda como “especialidade ou área de atuação que envolve a criação,<br />

o desenvolvimento e a confecção de produtos da moda e atinge diversos segmentos de<br />

utilização, relacionados com o uso de objetos diretamente sobre o corpo”.<br />

<strong>Design</strong> de Moda<br />

As pesquisas na área do design voltam-se cada vez mais para o universo da moda.<br />

Essa aproximação não está somente marcada pela inserção da palavra designer para nomear<br />

o profissional de moda, mas sim a partir de seu conceito, que passou a participar e conduzir<br />

os processos da moda.<br />

Segundo Palomino (2003), o termo moda surgiu por volta dos séculos XIV e XV, na Europa<br />

Ocidental e atingiu sua plenitude com os processos industriais de produção e aprimoramento<br />

dos aspectos estéticos e técnicos dos produtos industrializados.<br />

O fenômeno moda serviu de alicerce para manutenção de tradições, elementos<br />

distintivos entre classes, funções sociais, simbolismos, suporte para informações a respeito do<br />

individuo e de grupos a que pertence. O vestuário tornou-se, em grande parte por seu caráter<br />

simbólico, a primeira materialização do fenômeno moda.<br />

A moda possui significado abrangente por estar presente nos mais diversos produtos e<br />

como fenômeno social. Rech (2002, p.29) a define pelas “mudanças sociológicas, psicológicas<br />

e estéticas, intrínsecas à arquitetura, às artes visuais, a musica, à religião, à política, à literatura,<br />

à perspectiva filosófica, à decoração e ao vestuário”.<br />

O vestuário inserido no sistema de moda tem por finalidade, além de vestir o corpo,<br />

outras associações como satisfação de necessidades emocionais do consumidor-usuário.<br />

Produtos destinados ao consumo como as roupas denotam aspectos sociais, econômicos,<br />

ambientais e mercadológicos. Diante dessa premissa Montemezzo (2003, p.34) afirma:<br />

Se a concepção destes produtos envolve a articulação de fatores sociais,<br />

antropológicos, ecológicos, ergonômicos, tecnológicos e econômicos,<br />

em coerência às necessidades e desejos de um mercado consumidor, é<br />

pertinente afirmar que tal processo se encaixa perfeitamente na conduta<br />

criativa da resolução de problemas de design.<br />

Ao longo dos tempos surgiram diversas perspectivas de abordagem ao conceito de<br />

design na tentativa de encontrar uma definição completa para este conceito. Assim, o design<br />

é compreendido como metodologia de trabalho e a sua preocupação com a forma, a estética<br />

e a função do objeto.<br />

Desta forma, percebe-se que os objetivos e procedimentos da concepção do vestuário<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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Profissão: designer de moda<br />

assemelham-se ao processo de desenvolvimento de objetos de design ao considerar que<br />

os dois métodos participam de um mesmo ponto de vista da metodologia de projeto e da<br />

satisfação das necessidades e anseios dos usuários.<br />

Assim, design e moda encaixam-se na condução do processo criativo e agregam-se<br />

no conjunto de desenvolvimento do produto. A partir desta afirmativa, Pires (2004) explica que<br />

fazer design é designar aspectos de formas, silhuetas, texturas, cores, materiais, emoções<br />

associando-se a ergonomia na ampliação de benefícios, voltada para soluções estéticas,<br />

funcionais e confortáveis.<br />

Desta forma, o design de moda é a concepção de produtos representados em geral,<br />

por peças, aviamentos, acessórios e roupas que mantém interfaces com o design gráfico e,<br />

principalmente, com o design do produto no que se refere aos acessórios em geral (GOMES<br />

FILHO, 2006).<br />

O vestuário como resultado de um processo de design é denominado produto de moda,<br />

cujo princípio é atender as necessidades de determinado público consumidor, conforme o seu<br />

estilo de vida. De acordo com Rech (2002, p.37) o produto de moda pode ser conceituado<br />

como:<br />

[...] qualquer elemento ou serviço que conjugue as propriedades de<br />

criação (design e tendências de moda), qualidade (conceitual e física),<br />

vestibilidade, aparência (apresentação) e preço a partir das vontades e<br />

anseios do segmento de mercado ao qual o produto se destina.<br />

O processo de design do vestuário deve então, conciliar as características materiais e<br />

tecnológicas adequadas ao ponto de vista do grupo social em questão, agregando valores<br />

estilísticos, estudando a produção, o consumo e os valores de concorrência dos bens<br />

produzidos.<br />

Emerenciano e Waechter (2006) acreditam que ao abordar o produto vestuário pelo<br />

enfoque do design propicia-se uma apreciação abrangente de sua situação de uso seja ela<br />

de consumo ou utilização propriamente dita e ainda possibilita otimização de processos e<br />

utilização de materiais que garantem à diferenciação e exclusividade desses produtos.<br />

Considerações Finais<br />

A atividade do designer fortaleceu-se com o surgimento das indústrias e escolas de<br />

design, já que por meios destas, grande parte dos objetivos da área tornaram-se mais claros<br />

e definidos, como o foco de produção com um fim social.<br />

Ainda que não regulamentada, a profissão vem sendo delineada e continua modificadose<br />

e adquirindo novas ramificações atreladas à inovação e ao comportamento humano e suas<br />

necessidades, as quais também evoluem e alteram-se todos os dias.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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Profissão: designer de moda<br />

Mais do que nunca, os produtos de design representam a cultura mundial e influenciam<br />

a qualidade do nosso ambiente e do nosso cotidiano. Desta forma, o designer necessita refletir<br />

sobre seus atos e projetos para assim encontrar novos caminhos para ajudar as empresas a<br />

promover uma real melhoria na condição de vida das pessoas, sem deixar de lado questões<br />

relativamente novas, mas que tornaram-se primordiais para a prática do design.<br />

Os projetos de design em geral devem responder às necessidades técnicas, funcionais<br />

e culturais da sociedade, propondo soluções inovadoras que comuniquem significado e<br />

emoção, que transcendam idealmente as suas formas, estrutura e fabrico. É necessário ainda<br />

que o profissional do design possua destreza, capacidade interpretativa, racionalidade efetiva,<br />

preocupação social e ética, para que as novas tecnologias aliadas ao design possam propor<br />

objetos inteligentes, resultando trocas físicas e psíquicas em resposta às nossas necessidades<br />

e ao nosso tempo.<br />

Especificamente o designer de moda é um profissional diretamente ligado a questões<br />

que têm como objetivo a concepção, criação e acompanhamento de peças do vestuário e<br />

acessórios, sempre preocupado-se com o mercado, ou seja, com foco principal na satisfação<br />

das necessidades e desejos do consumidor.<br />

O designer de moda deve, além de criar, estar atento a todo o processo de gestão de<br />

produto, desde a sua concepção, até sua distribuição, estando atento aos diversos setores<br />

pelos quais o seu produto passa até chegar ao consumidor.<br />

A formação desse profissional no Brasil é recente e está em processo de evolução.<br />

Segundo Hoffmann (2009) até o ano de 2007 o Brasil possuía 81 cursos de graduação na área<br />

de Moda distribuídos em 52 cidades em 17 estados. Dos 81 cursos voltados à moda no Brasil,<br />

58 foram criados a partir de 2000 e o mais antigo foi autorizado pelo Ministério da Educação e<br />

Cultura (MEC) em 1989. Ou seja, são cursos novos e percebe-se que nos últimos anos houve<br />

um grande volume de cursos em implantação. A pós-graduação, também ainda é pouco<br />

difundida, com poucos cursos disponíveis e abrangendo poucas áreas de atuação da moda.<br />

Sabe-se porem quem nem todos os cursos na área da moda são concebidos a partir<br />

da metodologia do design. Realidade essa, que é motivo de grandes discussões e possíveis<br />

mudanças, devido à grande importância da aplicação dos conhecimentos do design no<br />

desenvolvimento de produtos moda.<br />

Sousa et al (2010) explica que a formação em moda oferecida pela maioria das instituições<br />

superiores brasileiras passou a ser norteada pelas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso<br />

de Graduação em <strong>Design</strong>, consolidadas na Resolução CNE/CES nº 05, de 8 de março de<br />

2004. Este documento influenciou diretamente a conformação dos projetos pedagógicos da<br />

área, levando ainda a um processo de ajuste dos cursos criados anteriormente, de modo a<br />

manterem o direito de funcionar e conquistarem reconhecimento social.<br />

Tais diretrizes têm permeado a cultura de ensino de moda no Brasil com conhecimentos<br />

e práticas do campo do design que passaram a conviver com o campo da moda.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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Profissão: designer de moda<br />

Para o profissional designer de moda existe o desafio de conferir serenidade e conteúdo<br />

ao campo da moda, o que somente será conquistado com investimentos em pesquisa,<br />

qualificação e capacitação dos profissionais.<br />

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<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 377


DESIGNERS: ENTRE CÉTICOS E DOGMáTICOS<br />

Diego Daniel Casas; Mestrando em <strong>Design</strong> Gráfi co: UFSC<br />

Ricardo Goulart Tredezini Straioto; Mestrando em <strong>Design</strong> Gráfi co: UFSC<br />

Richard Perassi Luiz de Sousa; Prof. Dr. do Departamento de Expressão Gráfi ca: UFSC<br />

Resumo<br />

Ao longo dos anos, o design passou por transformações que<br />

alteraram seu discurso e objetivo inicial, o que, em certa medida,<br />

reflete seu amadurecimento e seu reconhecimento social,<br />

principalmente ao deixar de ser uma vanguarda, ou um projeto<br />

alternativo, e passar a ser absorvido pela empresas e pela<br />

sociedade, através da consolidação de um mercado de design. E<br />

apesar de aparentarem certo distanciamento, o pensamento cético<br />

e o design possuem relação estreita. Este artigo objetiva confrontar<br />

o design e algumas de suas perspectivas com o pensamento<br />

cético, no intuito de constituir uma relação entre as abordagens<br />

de design e suas possíveis bases epistemológicas. Como<br />

metodologia para alcançar o objetivo foi utilizada uma pesquisa<br />

exploratória e bibliográfica. Os resultados alcançados ressaltam<br />

que a divisão entre as abordagens de design é, em certa medida,<br />

artificial, como se elas pudessem representar categorias distintas<br />

e grupos exclusivos de indivíduos. É possível também notar que<br />

o pensamento cético e o design possuem íntima relação e tanto<br />

a abordagem de design, como a postura cética ou dogmática em<br />

relação a tal abordagem, devem, ambas, ser fruto reflexão dos<br />

designers.<br />

Palavras-Chave: design; ceticismo; epistemologia<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 378


<strong>Design</strong>ers: entre céticos e dogmáticos<br />

Introdução<br />

Mesmo aparentemente distantes, o pensamento cético e o design possuem uma<br />

relação estreita. De modo que o ceticismo e seu oposto, o dogmatismo, estão presentes<br />

cotidianamente no modo de agir e pensar dos profissionais ligados a atividade de design.<br />

A proposta do artigo é confrontar o design, em suas principais perspectivas, com as<br />

bases do pensamento cético, a fim de estabelecer uma relação entre as abordagens de design<br />

e suas possíveis bases epistemológicas.<br />

Com o passar dos anos, desde sua fundação, o design passou por transformações que<br />

alteraram seu discurso e objetivo inicial, que, em certa medida, reflete seu amadurecimento<br />

e seu reconhecimento social, principalmente ao deixar de ser uma vanguarda, ou um projeto<br />

alternativo, e passar a ser absorvido pela empresas e pela sociedade, através da consolidação<br />

de um mercado de design.<br />

Essa discussão tem como embasamento a análise de Nuno Portas (1993), sobre as<br />

três principais correntes ou tendências em <strong>Design</strong>, que, segundo ele, norteiam a formação e<br />

a visão da maioria dos profissionais da área sobre a atividade e, conseqüentemente, as ações<br />

projetuais e as políticas desenvolvidas pelos mesmos.<br />

Como suporte e complementação a abordagem de Portas, utilizaremos a reflexão<br />

crítica de Norberto Chaves (2001) sobre os discursos assumidos pelo design no decorrer<br />

de sua trajetória, polarizados e contrastados como discurso dos fundadores e discurso do<br />

mercado, mas também se referindo a uma terceira corrente pós-moderna, que nesse ponto se<br />

diferencia de Portas, e assim expande as perspectivas sobre os rumos da atividade de design.<br />

O pensamento cético, em síntese, pode ser encarado como a suspensão do juízo,<br />

sem aceitar ou negar uma teoria, o que demonstra seu caráter de investigação permanente.<br />

O cético pirrônico, conforme Sexto Empírico, também pode propor teorias, mas, no entanto,<br />

a diferença entre ele e o dogmático, é que o cético suspende o juízo e continua investigando.<br />

Conforme o Dicionário Básico de Filosofia (JAPIASSÚ, 1990), por oposição ao ceticismo, o<br />

dogmatismo é a atitude que consiste em admitir a possibilidade, para a razão humana, de<br />

chegar a verdades absolutamente certas e seguras. Na concepção cética geral, portanto, a<br />

especulação filosófica daria lugar ao senso comum e à vida prática.<br />

Considerando apenas o que é aceito no senso comum entre os autores de design<br />

utilizados que, como vimos, é uma das essências do pensamento cético, a ênfase se dará,<br />

então, na abordagem funcionalista relacionada com o discurso dos fundadores da teoria do<br />

design, e a abordagem do Styling adotada pelos agentes do mercado. Essa duas abordagens<br />

são aproximadas do pensamento cético, através de seus principais expoentes - como<br />

Sexto Empírico, Descartes, Hume, Kant entre outros, e assim, buscar estabelecer relações<br />

epistemológicas das duas principais correntes de design. As outras perspectivas também<br />

são indicadas no texto, como concepção sistêmica ou ecológica (Portas) e a pós-moderna<br />

(Chaves), porém sem o mesmo destaque das duas anteriores por não serem consensuais<br />

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<strong>Design</strong>ers: entre céticos e dogmáticos<br />

entre os autores.<br />

Em suma, o presente estudo aborda também a transformação do design no decorrer<br />

dos tempos, de sua origem até a atualidade, traçando um paralelo com o pensamento<br />

cético. Busca contrastar as principais correntes de design, desde a origem funcionalista e<br />

mais dogmática, passando pelo Styling e pelo pragmatismo em relação ao êxito de mercado.<br />

Encerra-se com as correntes mais recentes, como a pós-moderna e o design sistêmico,<br />

que de certa forma se caracterizam, respectivamente, como uma postura mais cética e mais<br />

dogmática em relação ao design.<br />

Os pensamentos cético e dogmático no design<br />

Para Lobach (2001), o design pode ser compreendido, no sentido amplo, como a<br />

concretização de uma ideia em forma de projetos. Para o cético, o conhecimento do real é<br />

impossível à razão humana, portanto o homem deve renunciar à certeza, suspender seu juízo<br />

sobre as coisas e submeter toda afirmação a uma dúvida constante. E ser dogmático, consiste<br />

em admitir a possibilidade, para a razão humana, de chegar a verdades absolutamente certas<br />

e seguras.<br />

Uma aplicação rápida dos pensamentos acima, em relação aos projetos do design, é<br />

o exemplo do walkman, representado pela Figura 01. Ele demonstra o potencial do design no<br />

surgimento de novos produtos, utilizando-se do ceticismo metodológico para refutar propostas<br />

de produtos que não “resolvem o problema”. Como resultado desse processo tem-se um<br />

produto que resistiu a todas as dúvidas impostas sobre suas qualidades, sobre o atendimento<br />

das necessidades do usuário, aos aspectos técnicos de sua produção e comercialização e,<br />

mais recentemente, até mesmo sobre o seu descarte.<br />

Figura 01 - Evolução players<br />

Fonte: arquivo dos autores.<br />

De certa forma, portanto, o designer é cético com relação ao fato de ter alcançado<br />

definitivamente a melhor forma para uma determinada função. Pois, como no exemplo anterior<br />

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<strong>Design</strong>ers: entre céticos e dogmáticos<br />

(fig.01), os produtos sempre se transformam para atender uma mesma função, quando não é<br />

a própria a função que se altera. Por outro lado, o designer também precisa ser pontualmente<br />

dogmático, porque cada produto é uma espécie de teoria, ou enunciado, que corresponde a<br />

uma resposta considerada verdadeira com relação ao atendimento da necessidade proposta.<br />

Nesse sentido, em certos casos, o designer assume o pragmatismo dos céticos, considerando<br />

certos procedimentos e produtos úteis, apesar de não serem necessariamente “verdadeiros”.<br />

Em outros casos, entretanto, assume o dogmatismo ao mostrar-se convencido de que design<br />

é ciência capaz de encontrar a verdade.<br />

Conforme Burdek (1999), todo objeto de design há de ser entendido como resultado<br />

de um processo de desenvolvimento que sempre reflete nas condições sob as quais surgiu:<br />

o contexto histórico, social e cultural, as limitações da técnica e da produção, os requisitos<br />

ergonômicos, ecológicos, os interesses econômicos, políticos e até as aspirações artísticas.<br />

A partir disso, podemos considerar as constantes mudanças sócio-culturais que, com<br />

o passar dos anos, mudam as necessidades, gerando demandas por novas funções para<br />

produtos já existentes e, também, por novos produtos. O designer, como atuante fundamental<br />

no sistema de produção e consumo, deve estar atento às mudanças, visando aprimorar e<br />

adequar o sistema sócio-produtivo.<br />

Relações entre design e ceticismo<br />

O ceticismo inspira a atitude crítica e questionadora da filosofia contemporânea, como<br />

a relatividade do conhecimento e dos limites da razão e da ciência, que a epistemologia<br />

atual trata. Desde a antiguidade, existem os filósofos céticos e os filósofos dogmáticos. Os<br />

primeiros se recusam a crer nas verdades estabelecidas, enquanto os segundos defendem<br />

as verdades de sua “escola”. No <strong>Design</strong>, dentro das suas diversas abordagens e “escolas”, a<br />

atitude cética e a dogmática pode ser utilizada como extremos de uma escala para posicionar<br />

o comportamento, ou mesmo o discurso dos profissionais da área. Como vimos, a relação<br />

entre design e ceticismo é clara ao observarmos o desenvolvimento dos produtos, mas, a<br />

partir de agora, passaremos a confrontar as diversas “escolas de pensamento” ou “discursos”<br />

de design com o pensamento cético e a epistemologia.<br />

O <strong>Design</strong>er Funcionalista e o discurso dos fundadores<br />

Azevedo (1998) afirma que, para compreender melhor a atividade do design é preciso<br />

observar os movimentos que, ao passar do tempo, incentivaram o homem na busca por<br />

novas formas, materiais e métodos. Mas, em essência, a idéia de design surge no mundo<br />

quando o homem começa fazer suas ferramentas e objetos. Principalmente antes do século<br />

XX, a confecção de um objeto era função do artesão. Mas com o surgimento da indústria,<br />

tornou-se necessário aproximar a atividade do artesão e da máquina, pois era preciso adaptar<br />

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<strong>Design</strong>ers: entre céticos e dogmáticos<br />

o processo de construção do objeto de modo a facilitar sua produção pela máquina. Assim,<br />

a partir do modelo industrial de produção, o processo de concepção do objeto passou a ser<br />

entendido como design, ou mesmo, como desenho industrial.<br />

Com origens histórica na Europa Central do primeiro pós-guerra, sobretudo, lançado<br />

pela escola alemã Bauhaus, o design assumia um discurso essencialmente funcionalista, na<br />

medida em que a criação da forma dos produtos deveria traduzir a constituição lógica da<br />

produção do objeto e, sobretudo, a lógica da sua função – da utilidade, do uso – a que se<br />

destinava. O que levou ao desenvolvimento de múltiplos estudos – como a ergonomia - da<br />

adaptação dos utensílios e espaços ao homem (PORTAS, 1993).<br />

Isso porque, segundo Portas (1993), o designer honestamente funcionalista deve<br />

racionalizar a concepção do produto para, sobretudo, torná-lo mais útil e adaptado, melhor<br />

manipulável pelo usuário, cujas atividades ou necessidades se vão conhecendo pela via<br />

científica e não por questões de marketing. Preocupando-se principalmente com o uso<br />

imediato do objeto e em melhorar sua utilidade dentro das condições econômicas e técnicas<br />

aceitáveis pela indústria. (grifo nosso)<br />

Conforme Chaves (2001), este é o estágio inicial da emergência do design, aparecendo<br />

como uma alternativa a todas as formas prévias de definição da forma dos produtos de uso<br />

e do habitat. Em seguida o design foi englobando praticamente a totalidade da produção<br />

material. Dessa forma, o design veio ser a linguagem e a expressão da própria revolução<br />

industrial.<br />

Ainda segundo Chaves (2001) o discurso funcionalista, não somente segue vivo,<br />

como em alguns casos é o único possível, pois para certos problemas possui uma eficácia<br />

incontestável. Porém, a relação imaginária que os designers estabeleciam com o usuário, como<br />

este sendo uma espécie de ser supremo dotado de necessidades objetivas, imaginado a partir<br />

de um modelo de “usuário” concebido como imagem e semelhança da utopia intelectual do<br />

setor. Este usuário era um ente anatômico e fisiológico carregado de necessidades práticas,<br />

privado de história e pré-disposições culturais socialmente adquiridas, que não coincidia com<br />

nenhum setor concreto da população.<br />

De certo modo, este corrente ou escola de design, é que mais se aproxima da postura<br />

puramente dogmática, com fortes influências epistemológicas do Racionalismo e do Positivismo.<br />

Isso porque a ênfase na racionalização do produto e até mesmo do próprio usuário aproxima-se<br />

do Racionalismo, que tem na razão o fundamento de todo o conhecimento possível, e, portanto<br />

somente ela é capaz de conhecer o real. Nesse ponto, em relação ao pensamento cético, a<br />

perspectiva funcionalista do design aproxima-se do ceticismo metodológico de Descartes,<br />

que, segundo Dutra (2005) é voltado para a compreensão do ceticismo como atitude de<br />

duvidar de nossas opiniões - Cogito, ergo sum -, confiando que aquelas que realmente forem<br />

expressão da “verdade” irão resistir a qualquer dúvida, e assim, defender opiniões, teorias e<br />

teses ou, conforme os céticos, estabelecer dogmas.<br />

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<strong>Design</strong>ers: entre céticos e dogmáticos<br />

A preferência pela via científica de aquisição de informações corresponde à abordagem<br />

Positivista, que pregava a cientifização do pensamento e dos estudos humanos, para obter<br />

resultados verdadeiros: claros, objetivos e completamente corretos. O fundador desse<br />

movimento, Auguste Comte (1798-1857), acreditava num ideal de neutralidade, isto é, na<br />

separação entre o pesquisador/autor e seu objeto de pesquisa. A ciência retrataria de forma<br />

neutra e clara uma dada realidade a partir de seus fatos, sem recorrer a opiniões e julgamentos<br />

do pesquisador.<br />

Styling no discurso do mercado<br />

Conforme a análise de Chaves (2001), com o tempo o design torna-se um instrumento<br />

indispensável da sociedade contemporânea, deixa de ser uma proposta e torna-se uma cultura<br />

efetiva, com um mercado concreto de design, onde existem produtores, distribuidores e<br />

consumidores de design. Este metabolismo social da disciplina definiu uma estrutura e conteúdos<br />

bastante distintos dos iniciais. Enquanto no inicio, os agentes eram a própria vanguarda<br />

da arquitetura e do design, como agentes econômicos diretos, posteriormente, o design é<br />

desenvolvido por empresas, corporações e organismos vinculados com o desenvolvimento<br />

dos mercados. Então, o discurso do design passa das mãos das vanguardas às mãos das<br />

empresas e, logo, surgem novas razões, novos princípios e novos sentidos para a disciplina.<br />

Este novo discurso de design, segundo Portas (1993) ficou na história com o nome de<br />

Styling, com origem na América do Norte no período entre guerras e, no pós-guerra na Europa<br />

e no Japão, e corresponde à imagem mais comum que se tem de design na atualidade, que<br />

é “a do embelezamento de um dado produto para o tonar mais atrativo em termos de venda,<br />

ou seja, como fator adicional de competitividade comercial” (PORTAS, 1993, p.233).<br />

O discurso do Styling quase não tem nenhuma palavra em comum com o discurso inicial.<br />

Segundo Chaves (2001), neste contexto a sociedade virou “mercado”, o usuário tornouse<br />

“consumidor”, a qualidade de design tornou-se “valor agregado”, produto é “mercadoria”,<br />

satisfação de necessidades de uso é “motivação de compra”, racionalidade é “competitividade”.<br />

O racional é aquilo que consegue resolver o problema de ingressar no mercado, está é a<br />

racionalidade da sociedade atual.<br />

O racional não é produzir algo intrinsecamente bom, mas produzir algo que funcione<br />

na lógica do mercado. É o discurso da gestão empresarial do design, o discurso do marketing,<br />

o discurso promocional das instituições de apoio e desenvolvimento da competitividade<br />

das empresas. É o que Chaves (2001) chamou de “razão pragmática”, em contraste com os<br />

fundadores, cuja razão foi rotulada por ele como “razão ingênua”, em virtude de excesso de<br />

crença na razão e na neutralidade da ciência.<br />

Sendo que o Pragmatismo considera o conhecimento humano com um caráter utilitário<br />

e operacional, o que conduz ao tema da ação, de nossa atuação no mundo, das consequências<br />

que ela produz e sua relação com o próprio conhecimento. De forma geral, o Pragma-<br />

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tismo americano, principalmente de Dewey, se concentra na tese de que o significado de um<br />

conceito reside em sua consequências, e não na forma como o idealizamos (DUTRA, 2005).<br />

Esse pragmatismo, de certo modo, aproxima-se do ceticismo pirrônico, que consiste<br />

em seguir as manifestações da natureza, os costumes da sociedade em que se vive, isso<br />

conduz também a adotar o significado comum dos termos, sem inquirir a todo o momento<br />

sobre o significado real dos termos. O significado que interessa é aquele que é eficiente na<br />

comunicação e entendimento dos falantes. (DUTRA, 2005, p.36-37)<br />

Sob o ponto de vista do Styling, o design “é o instrumento não da substituição de um<br />

produto por outro substancialmente melhor, mas sim da persuasão do consumidor para substituir<br />

os produtos que usa por outros, apenas porque o aspecto é diferente” (PORTAS, 1993,<br />

p.234).<br />

Volta-se a atenção, portanto, para parâmetros psicológicos principalmente através de<br />

estudos sobre o comportamento do consumidor. Isso propõe no campo filosófico uma retomada<br />

do ceticismo de David Hume (1711-1776), para quem nossas crenças ou opiniões sobre<br />

relações de causa e efeito não são legítimas no sentido de possuírem força de argumento,<br />

mas são inevitáveis em virtude de nossa constituição psicológica (DUTRA, 2005, p.34).<br />

É preciso destacar, ainda, as correntes antagonicas do behavorismo e do mentalismo‏.<br />

Para o Behavorismo o comportamento do humano é regido pelo ambiente, seja esse natural<br />

ou social, que abriga os indivíduos humanos ou animais. O Mentalismo, em oposição, propõe<br />

o comportamento do homem como produto dos processos mentais prévios à ação e internos<br />

ao indivíduo, como defende a psicologia cognitiva contemporânea (DUTRA, 2005).<br />

O Mentalismo apóia-se em pontos do ceticismo filosófico, ou melhor, na corrente intelectualista,<br />

como na filosofia de Kant, que reconhecia a possibilidade de existência dos objetos<br />

ou da coisa-em-si, mas considerava que nós apenas alcançamos o “fenômeno”, ou seja, o<br />

objeto da nossa experiência, decorrente da relação da coisa-em-si com a nossa estrutura de<br />

sensibilidade.<br />

A restrição do objeto ao fenômeno reforça o ceticismo grego, com Agripa e, principalmente,<br />

com Enesidemo, que “esforçaram-se para mostrar que os sentidos somente nos<br />

revelam a aparência e não a essência dos objetos, em outros termos, que as qualidade sensíveis<br />

não pertencem propriamente ao objeto, mas apenas impressões sentidas pelo sujeito”<br />

(VERDAN, 1998, p.97).<br />

O Styling, como corrente de design, apresenta em suas bases pontos de convergência<br />

com o pensamento cético e o pragmatismo, a partir do momento que desloca a atenção do<br />

objeto em si, para o fenômeno do consumo, ou seja, seu interesse principal não é configurar o<br />

melhor produto, mais sim, aquilo que apresenta os melhores resultados em termos de vendas<br />

no mercado.<br />

Conforme Chaves (2001, p.27), compreende-se que o empresário deve ser mais que<br />

um mero “fabricante”, porque precisa ser um excelente comunicador. Deve vender, indepen-<br />

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<strong>Design</strong>ers: entre céticos e dogmáticos<br />

dente do que e onde, pois o produto, como objeto concreto, tende a ter sua importância<br />

econômica diminuída em relação ao universo imaginário que o rodeia. Nessas condições, os<br />

designers tornam-se as “estrelas”, definindo-se pela sua capacidade de inovação estética e<br />

simbólica, porque o que vale agora é a incorporação de um elemento de inovação, que proponha<br />

um acontecimento atraente para o mercado, sem necessariamente buscar a solução<br />

de problemas relacionados às necessidades objetivas do usuário.<br />

Terceiras vias: o <strong>Design</strong>er Sistêmico e o Pós-moderno<br />

Nuno Portas (1993) apresenta a corrente do design sistêmico - ou ecológico - como<br />

terceira principal corrente de pensamento em design. Assim, diverge da análise crítica feita por<br />

Noberto Chaves (2001), que indica como alternativa a corrente pós-moderna em design que,<br />

segundo ele, representa o estágio atual do desenvolvimento cultural do Ocidente.<br />

Para Chaves (2001), o design pós-moderno combina valores das elites culturais com<br />

demandas irrenunciáveis do mercado, retendo os valores “universais” da disciplina articulados<br />

com a cultura do consumo. Para o autor, há uma “razão cínica”, com atributos como irracionalismo,<br />

formalismo, amoralismo, apoliticismo, individualismo, narcisismo, oportunismo outros.<br />

Isso provocou a hipertrofia da inovação formal que, geralmente, é observada nas áreas lentas<br />

ou paralisadas do mercado, onde não é mais possível introduzir inovações radicais.<br />

De certa forma, o design pós-moderno tem grande proximidade com a corrente Styling<br />

e, consequentemente, tende a se posicionar mais próxima da atitude cética, do que a corrente<br />

do design sistêmico. Segundo Portas (1993), o design sistêmico resulta do alargamento<br />

da visão do designer funcionalista. Desse modo, reconecta o design a uma perspectiva que<br />

transcende a lógica do produtor e do consumidor ou usuário, pois não se limita ao objeto em<br />

si, repensado-o como componente de sistemas mais vastos.<br />

Nessa linha, Manzini (2005) argumenta que o design assume uma abordagem sistêmica<br />

quando a tarefa de desenvolvimento de um novo produto torna-se o ato de projetar o ciclo<br />

de vida inteiro do sistema-produto, o que inclui a pré-produção, produção, distribuição, uso e<br />

descarte.<br />

Em última análise, entretanto, a corrente do design sistêmico tem uma proximidade<br />

maior com a atitude dogmática e, assim como o design funcionalista, apresenta uma argumentação<br />

baseada na racionalização do objeto, mesmo reconhecendo que “a simples racionalização<br />

tecnológica e formal pode ter na base uma irracionalidade de necessidades do<br />

ponto de vista da economia do país, dos interesses reais (não fictícios) dos consumidores ou<br />

do equilíbrio ecológico ou ambiental” (PORTAS, 1993, p.238).<br />

A Teoria Geral de Sistemas, uma das principais bases científicas da corrente do design<br />

sistêmico, propõe um programa ao mesmo tempo científico e filosófico que sem abandonar o<br />

rigor das ciências clássicas, exige a criação ou o aperfeiçoamento de uma linguagem própria,<br />

com esquemas teóricos particulares e, até mesmo, de uma particular “visão do mundo”.<br />

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Neste ponto, cabe destacar outra contribuição do ceticismo de David Hume para a<br />

filosofia e para a ciência, considerando também sua contribuição para o design, cujo objetivo<br />

é determinar os limites da razão lógica e definir o domínio que lhe é próprio, a fim de evitar que<br />

ela se perca em problemas insolúveis (VERDAN, 2005). Essa é uma contribuição fundamental,<br />

principalmente, para a abordagem sistêmica, no que consiste em definir os limites do sistemaproduto.<br />

Pois, em última instância um produto se relaciona com praticamente todos os outros<br />

sistemas existentes.<br />

Considerações Finais<br />

A tradição do design clássico-positivista é incompatível com o ceticismo moral ou filosófico,<br />

porque é alinhada ao dogmatismo científico-positivista. A origem teórica do design<br />

é idealista/racionalista e sua prática é funcionalista, como decorrência direta da Revolução<br />

Industrial, que foi um fenômeno material e social decorrente da matriz ideológica positivista.<br />

Na cultura ocidental, entretanto, o positivismo foi superado pelo liberalismo, promovendo<br />

a superação do racionalismo pelo pragmatismo, que uma das expressões possíveis do<br />

ceticismo. O percurso que destituiu o racionalismo dando lugar ao pragmatismo foi expresso<br />

e percebido na evolução do design no Ocidente.<br />

O imediatismo pragmático, contudo, está sob suspeição, na medida em que o consumo<br />

desenfreado provoca o desperdício dos recursos materiais não renováveis em função<br />

da necessidade de renovação simbólica como estratégia de renovação do próprio consumo.<br />

Essa situação de calamidade eminente propôs o discurso da sustentabilidade ambiental que<br />

envolve o reaproveitamento de matéria prima e a suspensão do abuso sobre os recursos naturais.<br />

O design sistêmico que prevê o planejamento de todo ciclo do produto, da concepção<br />

ao descarte, apresenta-se como a solução possível para garantir a renovação dos recursos de<br />

produção e a renovação dos ciclos de consumo, ampliando a esfera do consumo simbólico e<br />

restringindo o desperdício de recursos não renováveis.<br />

A divisão entre as abordagens do design é, portanto, em certa medida, artificial, porque<br />

não representam realidades ou categorias totalmente distintas. Essas abordagens diferenciadas<br />

assinalam a própria evolução da cultura industrial e pós-industrial com relação:<br />

1- A necessidade primeira de atendimento à grande demanda reprimida de consumo<br />

de bens industrializados, que vinha como herança da era artesanal;<br />

2- A necessidade posterior de ampliação do consumo, diante da demanda por<br />

ampliação dos postos de trabalho e a consequente necessidade de ampliação dos<br />

setores produtivos;<br />

3- A necessidade de manutenção e ampliação do consumo e dos postos de trabalho<br />

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<strong>Design</strong>ers: entre céticos e dogmáticos<br />

nos setores produtivos, mas sem colocar ainda mais em risco a vida no planeta terra.<br />

O idealismo positivista/racionalista da abordagem original foi uma resposta dada à<br />

necessidade de se criar uma sociedade industrial que, até então, era inexistente e, portanto,<br />

inacessível à experiência, sendo alcançável apenas idealmente ou racionalmente.<br />

O pragmatismo cético com relação à verdade precedente do projeto sobre a realidade<br />

do mercado, como o conjunto de distribuidores e consumidores, decorreu da constatação de<br />

que nem tudo que fosse oferecido seria prontamente aceito por uma sociedade já praticamente<br />

saciada, com relação às demandas objetivas.<br />

A visão sistêmica também instaura, por fim, o ceticismo, com relação à capacidade da<br />

razão clássica em garantir o futuro da sociedade, da cultura e do planeta.<br />

No percurso evolutivo do design, o ceticismo e o dogmatismo expressos entre os profissionais<br />

da área pode ser entendido, segundo a perspectiva neopirrônica do pensamento<br />

cético que considera ambas as atitudes como comportamento de investigação possíveis, corroborando<br />

o ponto de vista mais pragmático, ou seja, adotando a atitude que alcance melhores<br />

resultados conforme o contexto (DUTRA, 2005), de acordo com os aspectos econômicos,<br />

sociais, culturais e ecológicos do momento.<br />

REFERêNCIAS<br />

AZEVEDO, Wilton; O que é <strong>Design</strong> - São Paulo: Brasiliense, 1998.<br />

BURDEK, Bernhard; Diseño. História, teoría y práctica del diseño industrial - Barcelona:<br />

Editorial Gustavo Gili, SA - 2ª edição 1999.<br />

CHAVES, Norberto; Diseño, mercado e utopia - De instrumento de transformación social<br />

a medio de dinamización económica in El oficio de disenãr: propuestas a la conciencia<br />

crítica de los que comienzan, Editorial GustavoGili, SA, Barcelona, 2001.<br />

DUTRA, Luiz Henrique de Araújo. Oposições Filosóficas - A epistemologia e suas<br />

polêmicas. Florianópolis; Editora da UFSC, 2005<br />

JAPIASSÚ, Hilton. Dicionário Básico de Filosofia / Hilton Japiassú e Danilo Marcondes -<br />

Rio de Janeiro; Ed. Jorge Zahar Editor, 1990.<br />

LÖBACH, Bernd. <strong>Design</strong> Industrial: Bases para a configuração dos produtos industriais.<br />

Tradução Freddy Van Camp. São Paulo: Editora Blucher, 2001.<br />

MANZINI, Ezio; Vezzoli, Carlo; O Desenvolvimento de Produtos Sustentáveis. tradução<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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de Astrid de Carvalho. 1ed. 1reimpr. São Paulo: Editora da <strong>Universidade</strong> de São Paulo, 2005.<br />

PORTAS, Nuno; <strong>Design</strong>: política e formação in <strong>Design</strong> em aberto: uma antologia. Centro<br />

Português de <strong>Design</strong>, 1993.<br />

VERDAN, André. O ceticismo filosófico; tradução Jaimir Conte,- Florianópolis: Ed. da UFSC,<br />

1998.<br />

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AVALIAçãO DA PERCEPçãO DE CONFORTO PELAS uSuáRIAS DE<br />

CALCINhAS<br />

Marina A. Giongo; Graduanda: <strong>Universidade</strong> Feevale<br />

marinagiongo@gmail.com<br />

Daiane P. Heinrich; PhD: <strong>Universidade</strong> do Minho<br />

daiaph@feevale.br<br />

Resumo<br />

Este artigo apresenta alguns tópicos da pesquisa realizada no<br />

trabalho de conclusão de curso como requisito para graduação<br />

em <strong>Design</strong> de Moda e Tecnologia da <strong>Universidade</strong> Feevale. São<br />

apresentados conceitos de conforto e risco, bem como parâmetros<br />

associados a eles. A pesquisa observacional descritiva realizada<br />

através de conceitos da ergonomia investigou a percepção das<br />

usuárias quanto ao conforto de modelos pré-definidos de calcinha.<br />

Como resultado, o conforto psicológico se sobrepõe ao conforto<br />

físico, quando se trata deste tipo de vestimenta.<br />

Palavras-Chave: conforto do vestuário; percepção de conforto e<br />

risco; egonomia<br />

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Avaliação da percepção de conforto pelas usuárias de calcinhas<br />

Introdução<br />

Este trabalho tem como tema a ergonomia aplicada ao vestuário para avaliação de<br />

conforto e risco no uso de calcinhas. Através da percepção do comportamento das usuárias,<br />

surgiu o problema de pesquisa: como a usuária de moda feminina percebe o conforto no uso<br />

de calcinhas? Como hipótese infere-se que o conforto físico é preterido quando o modelo de<br />

calcinha representa conforto psicológico para a usuária.<br />

Os projetos de design do vestuário que são desenvolvidos industrialmente, a partir<br />

de tabelas de medidas (antropometria estática), possuem um alcance restritivo em relação<br />

ao consumidor. Segundo Rosa e Moraes (2009), destacam-se como limitações: a íntima<br />

relação entre o produto e o corpo humano, a diversidade de estilos e segmentos do mercado<br />

consumidor e, o lançamento da maioria das peças sem testes de aceitação do consumidor,<br />

visto que se trata de um processo de alto custo, além da conseqüente facilidade com que uma<br />

nova idéia pode ser imitada ou copiada.<br />

Segundo Baxter (2003), o projeto de novos produtos envolve riscos e é preciso gerir<br />

estes riscos com competência. Sendo a calcinha um produto de moda, de característica<br />

efêmera, pode ser aplicado a esse conceito. É preciso, dentre outros tantos aspectos, garantir<br />

a qualidade dos produtos, com ferramentas de design que sejam efetivas. Pois, segundo o<br />

mesmo autor, os projetos de produtos que são aplicados de forma eficiente nas indústrias<br />

minimizam as perdas em relação à conquista e satisfação do consumidor final.<br />

Conforme Iida (2003), todos os produtos destinam-se a satisfazer necessidades<br />

humanas e, para tanto, entram em contato com o homem. Desta forma, possuem características<br />

desejáveis de qualidade. O autor coloca três características, que são: qualidade técnica, que<br />

considera a eficiência com a qual o produto executa sua função; qualidade ergonômica,<br />

que leva em conta itens de conforto e segurança como facilidade de manuseio, adaptação<br />

antropométrica e compatibilidade de movimentos; e qualidade estética, que atende a<br />

combinação de formas, cores, materiais e texturas para que os produtos sejam visualmente<br />

agradáveis.<br />

Moraes e Mont’alvão discorrem sobre a importância de projetar o produto adequado<br />

ao usuário:<br />

A abordagem ergonômica em relação ao design pode ser resumida como: ‘o<br />

principio do design centrado no usuário – se um objeto, um sistema ou um<br />

ambiente é projetado para uso humano, então seu design deve se basear nas<br />

características físicas e mentais do seu usuário humano. [...] (Pheasant, 1997,<br />

p. 12 apud Moraes e Mont’alvão, 2003, p.33).<br />

Na busca de mensurar o comportamento da consumidora frente ao uso de lingerie, é<br />

preciso identificar quais os elementos presentes no uso do produto que podem interferir na<br />

percepção de conforto e, consequentemente, no seu comportamento de compra.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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Avaliação da percepção de conforto pelas usuárias de calcinhas<br />

O valor desta pesquisa está na busca de qualidade, visto que o conforto no vestuário,<br />

dentro da área da ergonomia, é ainda pouco explorado no meio acadêmico brasileiro e não<br />

existem pesquisas quantitativas em relação à percepção de conforto no uso do produto de<br />

vestuário. O objetivo da pesquisa é identificar a percepção de conforto pelas usuárias de<br />

calcinha.<br />

Para avaliar a percepção do usuário, foi feita uma pesquisa observacional-descritiva<br />

qualitativa e quantitativa, baseada na metodologia de LINDEN (2004). Nesta pesquisa, foi<br />

realizada uma entrevista com referências verbais e de imagem para ilustrar pontos de risco<br />

relacionados ao uso do produto, bem como para identificar quais os modelos de lingerie<br />

mais utilizados pelas participantes da pesquisa. Após a entrevista, foi realizada com cada<br />

participante uma fotogrametria para identificar pontos de interferência na silhueta.<br />

Conforto<br />

O conforto, segundo Heinrich (2009) é um elemento-chave para o sucesso de<br />

produtos de vestuário. Segundo a autora “é precisamente no que diz respeito aos aspectos<br />

do conforto do vestuário que a Ergonomia desempenha um papel crucial e ao mesmo tempo<br />

muito peculiar” (Ibidem, p.2), pois o conforto percebido depende da interação ente o usuário<br />

e a roupa. “Assim, se os produtos não apresentarem as características técnicas mínimas<br />

capazes de propiciar o conforto físico isto pode causar, para além da incômoda sensação de<br />

desconforto, implicações sobre a saúde e o bem-estar do indivíduo” (Ibidem, p.3).<br />

Conforme Senthilkumar & Dasaradan (2007), o conforto é uma das características<br />

desejáveis nos produtos de moda. Para os autores, conforto não é uma propriedade têxtil, mas<br />

sim um sentimento humano, uma condição de tranqüilidade e bem-estar, que é influenciado<br />

por muitos fatores, incluindo propriedades têxteis. <strong>Design</strong>ers de vestuário podem cuidar dos<br />

aspectos físicos e psicológicos de conforto por meio da seleção adequada de cores, texturas,<br />

estilo, modelagem, entre outros fatores.<br />

Linden reconhece a natureza multidimensional do conforto como resultantes das<br />

dimensões física, psicológica e fisiológica. O atendimento das três dimensões é indicação<br />

de harmonia. O autor afirma que o conforto psicológico está relacionado a questões como<br />

autoimagem, relacionamento com outras pessoas e privacidade. Os aspectos fisiológicos têm<br />

relação com o funcionamento do corpo humano que envolve ações de regulação involuntárias.<br />

Já o conforto físico corresponde à interação com a natureza e aos efeitos nas dimensões<br />

psicológica e fisiológica. (LINDEN, 2004).<br />

Broega (2007, p.3), também concorda com Hertzberg, ao passo que traz em seu<br />

trabalho o conceito de Slater, para quem o conforto é “a ausência de dor e de desconforto em<br />

estado neutro”. A autora também afirma que o conforto total do vestuário se divide em quatro<br />

aspectos fundamentais:<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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Avaliação da percepção de conforto pelas usuárias de calcinhas<br />

– Conforto Termo fisiológico – estado térmico e de umidade confortável à superfície da<br />

pele, que envolve a transferência de calor e de vapor de água através dos materiais<br />

têxteis ou do vestuário;<br />

– Conforto Sensorial de “toque” – conjunto de várias sensações neurais, quando um<br />

têxtil entra em contato direto com a pele;<br />

– Conforto Ergonômico – capacidade que uma peça de vestuário tem de “vestir bem”<br />

e de permitir a liberdade dos movimentos do corpo;<br />

– Conforto Psico-Estético – percepção subjetiva da avaliação estética, com base na<br />

visão, toque, audição e olfato, que contribuem para o bem-estar total do portador.<br />

(SLATER, 1997 apud BROEGA, 2007, p.3).<br />

Para diversos autores, a sensação de conforto tem extrema ligação com emoções de<br />

valência prazerosa, entretanto é menos intenso que uma emoção. Ainda assim, as dimensões<br />

de intensidade, qualidade, tempo e a dimensão hedônica devem aparecer. Ao afirmar que o<br />

conforto é uma experiência mental, o autor defende que a aparência incide sobre o desconforto,<br />

A não ser que a experiência de sentir-se desconfortável apresente-se no ponto<br />

de valência hedônica nula (indiferença), que é previsto para essa dimensão.<br />

Contudo, embora teoricamente possa ser defendida, essa possibilidade não<br />

corresponde ao senso comum. Considerando que, normalmente, situações<br />

de desconforto e sentimentos de desconforto são tidas como essencialmente<br />

prazerosas, espera-se que o desconforto seja acompanhado ou ativado<br />

por estímulos com valência negativa na dimensão hedônica. Dessa forma,<br />

a aparência pode afetar positiva ou negativamente o desconforto, de forma<br />

inversa aos seus efeitos no conforto. (LINDEN, 2004, p. 91)<br />

Dessa forma, para o autor “o desconforto decorre de uma ativação negativa, de natureza<br />

fisiológica ou física” (LINDEN, idem, p.90), o que implica em um sentimento de carga hedônica<br />

negativa.<br />

É difícil descrever o conforto de forma positiva, mas o desconforto pode ser facilmente<br />

descrito, em termos como: pinica, coceira, quente e frio. Portanto, uma definição amplamente<br />

aceita para o conforto é liberdade da dor e do desconforto como um estado neutro (Senthilkumar<br />

& Dasaradan, 2007). Os autores ainda destacam algumas definições para o conforto sensorial,<br />

que é percebido através de várias sensações quando um tecido entra em contato com a<br />

pele, para o conforto de movimento, que é a capacidade de um tecido de permitir liberdade<br />

de movimento e moldar o corpo, conforme a exigência, e para o apelo estético, que inclui os<br />

cinco sentidos ativados pela roupa e contribui para o bem-estar do usuário.<br />

Para este estudo relativo à percepção de conforto no uso de calcinhas, somente serão<br />

analisadas as percepções de conforto físico e psicológico e não será enfoque o conforto<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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Avaliação da percepção de conforto pelas usuárias de calcinhas<br />

fisiológico. Neste contexto, serão considerados aspectos de conforto psicológico o prazer, a<br />

imagem corporal e o bem-estar emocional, que têm relação com o uso de lingerie; e aspectos<br />

de conforto físico as interferências corporais identificadas na silhueta bem como sensação<br />

de desconforto, provocadas pelo atrito e pressão no contato da roupa íntima com o corpo.<br />

Destaca-se que estes últimos são fatores influenciadores do conforto fisiológico (LINDEN, 2004,<br />

p.80), porém, novamente, aqui se considera o conforto físico, por conta das conseqüências<br />

identificadas na silhueta corporal.<br />

Figura 1 - Imagem corporal<br />

Modelo para Avaliação da Percepção de Conforto<br />

Conforme o método proposto por Linden (2004, p. 257), “a avaliação de conforto no<br />

uso de produtos é mediada pelos valores pessoais, de acordo com a valência hedônica da<br />

experiência e com os seus potenciais efeitos sobre a integridade pessoal”.<br />

O comportamento de uso e não uso é explicado pela dimensão hedônica e pelos quatro<br />

tipos de prazer determinados por Tiger (1992, apud LINDEN, 2004): prazer físico, psicológico,<br />

social e ideológico. Assim, usar uma calcinha que proporciona desconforto aparente pode<br />

estar relacionado com o prazer psicológico. Não usar o mesmo modelo de calcinha por sentir<br />

desconforto no uso pode estar relacionado ao prazer físico.<br />

Na figura 2, modelo proposto por Linden (2004), em que a percepção do risco está<br />

ligada a aparência e a percepção da usabilidade e da funcionalidade, que são modelos mentais<br />

decorrentes da experiência de uso. Já na figura 3, está representado o modelo para percepção<br />

de conforto apresentado por Linden.<br />

Figura 2 - modelo para relação do conforto no uso do produto de acordo com as necessidades do consumidor<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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Avaliação da percepção de conforto pelas usuárias de calcinhas<br />

Fonte: LINDEN, 2004, p.260.<br />

Conforme o modelo de avaliação de conforto e risco no uso de produtos sugerido por<br />

Linden, a avaliação se dá a partir de características do produto, fórmula de estímulo e referência<br />

dominante para o usuário. A avaliação pode ocorrer em diferentes níveis de processamento<br />

e gera, afinal, respostas afetivas que podem ser emoções prazerosas, desprazerosas ou<br />

sentimento de indiferença.<br />

Figura 3 - modelo para percepção de conforto e risco<br />

Fonte: LINDEN, 2004, p. 261<br />

Linden (2004) supõe que o uso do calçado de salto alto e fino e bico fino é motivado<br />

pela aparência. Além disto, apenas 10% das mulheres consideram que este tipo de calçado é<br />

seguro e confortável, além de ter boa aparência, o que corrobora com a suposição do autor.<br />

Supõe-se que para o uso de calcinhas, este comportamento seja semelhante, visto que<br />

lingerie e calçados femininos são elementos da moda que são ícones do imaginário fetichista<br />

e sensual, o que pode justificar um resultado semelhante a esta pesquisa.<br />

Métodos e Técnicas aplicadas<br />

A metodologia utilizada para esta pesquisa consistiu em revisão bibliográfica e aplicação<br />

em campo de ferramentas para avaliação da percepção de conforto. Tais ferramentas foram<br />

aplicadas a partir dos métodos de Marconi e Lakatos (1999) e Linden (2004) para a entrevista<br />

e AREZES et Al (2006) para a fotogrametria.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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Avaliação da percepção de conforto pelas usuárias de calcinhas<br />

Os participantes desta pesquisa foram recrutados seguindo o tipo de amostra não<br />

probabilística. Este tipo de amostra foi eleito por enquadrar-se nas limitações inerentes a esta<br />

pesquisa, tais como tempo e métodos de pesquisa. Foram avaliadas 40 voluntárias na etapa<br />

de aplicação em campo. Este número de participantes está de acordo com o proposto por<br />

Iida (2005, p. 113), que afirma ser uma amostra representativa em pesquisas de design um<br />

número de 30 a 50 indivíduos.<br />

Participaram apenas alunas do Curso de <strong>Design</strong> de Moda e Tecnologia da <strong>Universidade</strong><br />

Feevale com idade entre 18 e 28 anos, considerado o ano de nascimento (1982 a 1992);<br />

altura entre 1,55m e 1,80m e massa entre 45 kg e 75 kg, dentro das faixas de Índice de<br />

Massa Corpórea (IMC) consideradas abaixo do peso e peso normal. Parâmetros de peso e<br />

altura foram considerados apenas os declarados pelas entrevistadas, não foram aferidas as<br />

medidas e massas. Estes parâmetros visaram garantir que as participantes da pesquisa não<br />

estivessem acima do peso, com base no IMC, o que poderia afetar as condições de avaliação<br />

de interferência na silhueta.<br />

Para avaliar a percepção das usuárias de calcinhas quanto ao conforto e o risco no uso<br />

do produto, foi proposta a execução de fotogrametria como método para verificar, através da<br />

imagem, a ocorrência de interferência corporal na silhueta das entrevistadas e, desta forma,<br />

confrontar com a percepção declarada pelas usuárias.<br />

Resultados e Discussões<br />

A hipótese do trabalho foi parcialmente confirmada. Isto porque a usuária percebe o<br />

risco apresentado – interferência na silhueta –, porém o conforto físico é de fato preterido em<br />

função do conforto psicológico. Das 40 participantes da pesquisa, 30 afirmaram que trocariam<br />

o modelo de calcinha para evitar formação de marca na silhueta.<br />

Entretanto, a figura 4 mostra um comparativo entre uso e percepção de conforto das<br />

usuárias, que revela que o modelo percebido como mais confortável é o menos utilizado e que<br />

o modelo percebido como o maior causador de marca na silhueta é o segundo mais utilizado.<br />

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Avaliação da percepção de conforto pelas usuárias de calcinhas<br />

Figura 4 - comparativo entre uso e percepção de conforto<br />

Fonte: executada pelo autor.<br />

Além disso, o conforto é item recorrente nos critérios de escolha, entretanto a estética<br />

tem valor praticamente igual. Este resultado vai ao encontro do estudo da semântica de<br />

produtos que afirma que o ser humano responde ao que as coisas significam para ele, não as<br />

qualidades físicas destas, conforme Linden e Kunzler (2001).<br />

É válido ressaltar que esta pesquisa poderia ser mais aprofundada com o uso de<br />

software específico para sobrepor e cruzar as imagens obtidas, o que geraria dados mais<br />

concretos para a avaliação da interferência corporal. Aqui se observou, a princípio, apenas a<br />

percepção das usuárias, porém há a perspectiva de continuar o desenvolvimento deste tipo<br />

de investigação acerca do conforto de vestuário, principalmente de moda íntima, que é um<br />

dos setores industriais mais produtivos do Brasil. Para tanto, é preciso gerar conhecimento<br />

e novas tecnologias para a indústria de vestuário e é pertinente o questionamento: Como<br />

agregar conforto físico e psicológico ao design de produto de moda íntima?<br />

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2006.<br />

CARDOSO, Estela. A nova visão da estética corporal. Disponível em:


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GRAVE, Maria de Fátima. A modelagem sob a ótica da ergonomia. São Paulo: Zennex<br />

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IIDA, I.. Ergonomia: projeto e produção. São Paulo: E. Blucher, 2ª Ed., 2005.<br />

LINDEN, Júlio Carlos de Souza Van Der. O conceito de conforto. Revista Tecnologia e<br />

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LINDEN, Júlio Carlos de Souza Van Der. Um modelo descritivo da percepção de conforto<br />

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020.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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DESIGN CêNICO: TÉCNICA, PROCESSO & CRIAçãO NA IDENTIDADE<br />

uRBANA<br />

Ary Scapin Júnior; Mestrando em <strong>Design</strong>: <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong><br />

Resumo<br />

Este artigo versa sobre design e arte quando inseridos no universo<br />

urbano, na interação com a urgência, a inovação e a criatividade.<br />

Busca discutir as possibilidades destes campos nas ruas e, mais<br />

precisamente, no diálogo com as artes cênicas. Propõe um olhar<br />

apurado para o processo projetual da cena e dos espetáculos de<br />

rua, dando a esse processo a denominação de “design cênico”.<br />

Palavras-Chave: design; artes cênicas; arte na rua;<br />

plasticidade cênica; processo projetual; design cênico<br />

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<strong>Design</strong> cênico: técnica, processo & criação na identidade urbana<br />

Introdução<br />

No mundo contemporâneo, o ato inovador é volátil – envelhece rápido, perde o<br />

encantamento e produz a necessidade de algo mais moderno, mais criativo e mais inovador<br />

ainda. É assim nas ciências, no cotidiano das pessoas, no mundo corporativo e também nas<br />

artes. O tempo se renova constantemente, e com ele muitas coisas também se renovam. O<br />

que é hoje, certamente não o será amanhã. As culturas, as tradições, os usos e costumes,<br />

por mais tradicionais que sejam, por mais salvaguardados que possam estar, passam por<br />

processos de transformação, não porque não exista quem os preserve, mas sim por que os<br />

sentidos das coisas mudam.<br />

O tempo na contemporaneidade é fatalizado pela ordem das urgências que significa<br />

uma oscilação na razão instrumental, o culto dos meios e esquecimento dos fins. Ele é o reino<br />

das revoluções tecnológicas do progresso (MATOS, 2009, p. 93).<br />

Este preâmbulo serve para iniciarmos um diálogo sobre a urgência urbana e as inquietudes<br />

dos artistas que se inserem nas questões referentes às artes que acontecem nas ruas. Todas<br />

as expressões de arte podem entender a rua como mais um ponto para o escoamento de suas<br />

produções: o graffite, o cinema, a música, a pintura, entre tantas outras formas, encontram<br />

nela um espaço alternativo de troca. Neste canal de comunicação, os artistas, em sua obra,<br />

devem levar em conta as pessoas às quais ela se destina, considerando o ambiente público<br />

composto sempre de indivíduos (PALLAMIM, 2002). Dá se o espetáculo, a cena, e recebe-se em<br />

contrapartida a admiração, os aplausos, a compreensão, ou o inverso disso.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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<strong>Design</strong> cênico: técnica, processo & criação na identidade urbana<br />

Uma forma de arte a ser assimilada em público e que representa sobretudo<br />

o próprio cidadão no espaço público parece ser uma das funções mais<br />

importantes da arte pública numa democracia. Muitos(as) artistas que<br />

enfrentam, esse desafio executam seu trabalho num campo experimental<br />

situado entre a participação ativa de parte da sociedade, colocações artísticas<br />

e documentação do real. Praticamente todos esses trabalhos estão como que<br />

à procura de uma oportunidade que lhes dê a chance de contribuir de maneira<br />

concreta à vida da sociedade, à vivência e à comunicação. As tentativas vão<br />

desde a abordagem direta de eventuais parceiros, passando pela elaboração<br />

artística das contribuições, até à oferta de participar da criação de novas<br />

estruturas de percepção (PALLAMIN, 2002, p. 85).<br />

As ruas e praças das cidades, da mesma maneira que as galerias de arte, os teatros ou<br />

as salas de espetáculos, constituem uma dinâmica específica e têm características próprias. Os<br />

espaços de artes, projetados para receber produções artísticas variadas, apresentam diversas<br />

formas de adequação e customização aos interesses de uma determinada obra. Há, portanto,<br />

a possibilidade de interferências no projeto original da estrutura física, momento propício à<br />

atuação de um cenógrafo, de um iluminador, de um sonorizador e de outros profissionais<br />

intimamente ligados às propostas do artista, concretizando a obra de arte de acordo com<br />

sua concepção. Em contraponto às possibilidades mutáveis dos “templos das artes”, as ruas<br />

e as praças dos centros urbanos não se adaptam à obra de arte, mas sim às urgências do<br />

cotidiano das pessoas que se utilizam deles. Esta mesma urgência pode ser o mote para o<br />

diálogo criativo e inovador entre o artista e seu público.<br />

Como exemplo, olhando para a obra do artista Flávio de Carvalho, encontramos em seu<br />

manifesto “A cidade do homem nu”, de 1930, um exercício de observação crítica às cidades<br />

e seus espaços urbanos, apontando um descontentamento com os rumos estabelecidos pelo<br />

status quo da sociedade da qual fazia parte e afirmando que o homem caminhava para um<br />

processo destrutivo em função do organismo doentio destas cidades. A proposição de sua<br />

arte, nos parece, instigava as pessoas à criatividade e às mudanças:<br />

A cidade do homem nu é a habilitação do pensamento; o homem produz<br />

idéias que são orientadas e aproveitadas na melhoria da raça e no caminhar<br />

do progresso.<br />

É uma grande máquina de idéias para calcular o meio de progredir sempre,<br />

calcular um processo de constante renovação mental (conforme CARVALHO,<br />

1930 apud CARVALHO, 2010, pp. 28, 29).<br />

Flávio, há setenta anos, apontava para as questões da inovação e da transformação<br />

necessária para a existência humana. Isto sugere especial atenção à sua credulidade em<br />

relação à utilização de proposições modernas – fossem elas reais ou lúdicas – para a solução<br />

de problemas.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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<strong>Design</strong> cênico: técnica, processo & criação na identidade urbana<br />

<strong>Arte</strong> e design na rua<br />

Os preceitos de arte e design interagem. Palavras próximas orbitam os mesmos universos<br />

e caracterizam-se como agentes transformadores. No universo urbano, as divergências de<br />

conceitos parecem irrelevantes, não importando o que é arte ou o que é design, mas apenas o<br />

efeito proporcionado. Deste modo, não serão foco deste artigo as questões de ordem política<br />

relacionadas ao plano diretor de uma cidade, documento que discute, entre outras coisas, a<br />

criação de áreas urbanas específicas para determinados fins – por exemplo, áreas específicas<br />

para atividades comerciais, para atividades financeiras, entre outras, que podem constituir<br />

áreas híbridas –, bem como a definição de instalação de equipamentos e mobiliários de rua, a<br />

visão do espaço e a atribuição da paisagem (BARBOSA, 2008). Focaremos o entretenimento<br />

e suas múltiplas formas de expressão junto aos transeuntes dos centros urbanos.<br />

Para falarmos de design, arte e tecnologia, cabe aqui referenciar a palavra design, a fim<br />

de que possamos equalizar o conhecimento.<br />

A cultura moderna, burguesa, fez uma separação brusca entre o mundo das<br />

artes e o mundo da técnica e das máquinas, de modo que a cultura se dividiu<br />

em dois ramos estranhos entre si: por um lado, o ramo científico, quantificável,<br />

“duro”, e por outro ramo estético, qualificador, “brando”. Essa separação<br />

desastrosa começou a se tornar insustentável no final do século XIX. A Palavra<br />

design entrou nessa brecha como uma espécie de ponte entre esses dois<br />

mundos (FLUSSER, 2008, p. 183).<br />

Em sua análise, Flusser norteia a discussão sobre design deste artigo. Nos parece que,<br />

com essa afirmação, arte e técnica, apesar de possuírem conceitos distintos, podem e devem<br />

coexistir harmonicamente. Isto nos remete aos diferentes tipos e formações das pessoas que<br />

circulam pelas ruas das cidades, que, diferentes entre si, convivem e se relacionam.<br />

Ainda tendo Flusser como referência, encontramos em sua análise fundamentos para<br />

a questão da diversidade de significados da palavra design, e acreditamos que ele aponta<br />

evidencias para o que será entendido por nós como premissa para o estudo do design cênico,<br />

ou seja, para o significado de planejamento, de projeto, que nos remete ao processo projetual.<br />

Em inglês, a palavra design funciona como substantivo e também como verbo<br />

(circunstância que caracteriza muito bem o espírito da língua inglesa). Como<br />

substantivo, significa, entre outras coisas, “propósito”, “plano”, “intenção”,<br />

“meta”, ”esquema maligno”, “conspiração”, “forma”, “estrutura básica”, e todos<br />

esses e outros significados estão relacionados a “astúcia” e a “fraude”. Como<br />

verbo – to design –, significa, entre outras coisas, “tramar algo”, “simular”,<br />

“projetar”, “esquematizar”, “configurar’, “proceder de modo estratégico<br />

(FLUSSER, 2008, p. 181).<br />

O design, entendido como um processo projetual, atribui ao seu projetista a possibilidade<br />

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<strong>Design</strong> cênico: técnica, processo & criação na identidade urbana<br />

de criação, de inovação e de inserção de avanços tecnológicos que, nesse processo, viabilizem<br />

a sua produção. Tal qual a arte, o design pode e deve ser provocador, instigante e questionador.<br />

Artistas e designers podem compartilhar de um mesmo ideal: o de proporcionar mudanças,<br />

as quais, como abordado anteriormente neste texto, são inerentes ao tempo em que vivemos.<br />

Victor Papanek – designer, autor de pesquisas sobre design e com argumentação<br />

filosófica em relação a sustentabilidade – considera o design uma poderosa ferramenta para<br />

moldar as ações de preservação ambiental. Seu conceito de design é provocador, porém de<br />

fácil associação aos princípios da inovação, da criatividade e da liberdade de expressão que<br />

se assemelham aos preceitos das artes, ampliando as possibilidades de forma definitiva e<br />

abrindo espaço para o inusitado.<br />

<strong>Design</strong> cênico<br />

Todos os homens são designers. Tudo o que fazemos quase todo o tempo<br />

é design. O design é básico em todas as atividades humanas. Planejar e<br />

programar qualquer ato, visando a um fim específico, desejado e previsto,<br />

isto constitui um processo de design [...] design é compor um poema épico,<br />

executar um mural, pintar uma obra de arte, escrever um concerto. Mas design<br />

também é limpar e organizar uma escrivaninha, arrancar um dente quebrado,<br />

fazer uma torta de maçã, escolher os lados de um campo de futebol e educar<br />

uma criança (conforme PAPANEK,1995 apud BOMFIN, 2002, p. 9).<br />

Partimos do princípio do ato projetual. <strong>Design</strong> é projeto. É pesquisa. É experimentação.<br />

Assemelha-se à criação de uma cena em um espetáculo de artes cênicas, que necessita do<br />

desenvolvimento de um projeto que a viabilize e que a transforme em realidade. A integração de<br />

diversos elementos, tais como treinamento e preparação, planejamento e criação, coordenação<br />

e cooperação (HEWARD e BACON, 2006), possibilitam a concretização do objetivo final, ou<br />

seja, o alcance de uma plasticidade cênica capaz de transmitir ao público exatamente o que<br />

foi elaborado dentro da mente do encenador do espetáculo.<br />

Mas como fazer do espetáculo essa unicidade estética e orgânica?<br />

Contrariamente às outras formas de arte, a encenação aparece em primeiro<br />

lugar como uma justaposição ou imbricação de elementos autônomos: cenário<br />

e figurino, iluminação e música, trabalho de ator. [...] Por conseguinte, uma<br />

vontade soberana deve impor-se aos diversos técnicos do espetáculo. Essa<br />

vontade conferirá à encenação a unidade orgânica e estética que lhe falta, mas<br />

também a originalidade que resulta de uma intenção criadora (ROUBINE,1998,<br />

p. 42).<br />

As artes cênicas, em geral, constituem o meio de comunicação mais eficaz entre artistas<br />

e público no que se refere à troca de sensações e experiências que levam ao aprendizado<br />

mútuo e ao trânsito entre a formação e as informações. Nos espetáculos de rua, o artista, ou<br />

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<strong>Design</strong> cênico: técnica, processo & criação na identidade urbana<br />

grupo de artistas, tem a intenção de passar uma mensagem ou um recado ao público, e para<br />

que isso ocorra a cena, seja de circo, de teatro ou de dança, passa por um processo projetual.<br />

Focando nossa atenção nas artes circenses realizadas em ruas e praças, nos remetemos<br />

aos artistas denominados “saltimbancos” i , que percorriam as ruas das cidades européias<br />

levando às populações espetáculos de malabarismo, de equitação e pantomimas. Havia,<br />

mesmo que de forma inconsciente, um planejamento. Não havia tecnologia a ser aplicada<br />

às artes desses artistas, porém havia um planejamento referente ao vestuário utilizado, aos<br />

gestos aplicados às personagens e às mascaras. Não se usava um figurino qualquer, mas sim<br />

vestimentas pensadas para garantir um diferencial, assim como eram igualmente pensadas as<br />

gesticulações, as pinturas no rosto e as cores. Todos os componentes dos personagens eram<br />

elaborados a fim criar um ambiente lúdico, mágico, com o intuito de diversão e crítica social.<br />

Circo Sells-Floto e sua trupe de saltimbancos – Início do século XX. (Foto: Dave Leach)<br />

Planejar uma cena ou um espetáculo de artes cênicas para a rua requer um projeto<br />

especial. Não se trata apenas de fazer a transposição do espetáculo que é realizado em um<br />

palco ou em galpão. A rua exige um olhar diferenciado, dinâmico, urgente como os passos<br />

dos transeuntes, uma vez que tanto o artista quanto sua mensagem serão expostos ao acaso,<br />

a um público indeterminado, não segmentado e, portanto, imprevisível em suas reações.<br />

A rua é o imponderável<br />

Inúmeros exemplos poderiam ser analisados neste artigo, mas concentramos nossa<br />

atenção em uma apresentação artística, realizada em São Paulo em junho de 2002, a qual<br />

podemos considerar como um marco, por ter se configurado como a perfeita harmonia entre<br />

o meio ambiente urbano e as artes cênicas.<br />

O Vale do Anhangabaú, na cidade de São Paulo, SP, é um espaço aberto, rodeado<br />

por prédios gigantescos. De um lado, é cortado pelo Viaduto do Chá; do outro, pelo Viaduto<br />

Santa Ifigênia; e uma de suas laterais dialoga com a Praça Ramos de Azevedo, com vista<br />

para a imponente edificação do Teatro Municipal de São Paulo. Trata-se de um local público,<br />

central e nobre, com fluxo incessante de pessoas que transitam pelo seu calçadão em direção<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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<strong>Design</strong> cênico: técnica, processo & criação na identidade urbana<br />

ao trabalho, à escola, às compras e a demais afazeres. A maioria desses transeuntes, de<br />

características heterogêneas, não se dá conta da beleza desse espaço público; porém, é<br />

nesse local que acontecem intervenções artísticas nacionais e internacionais.<br />

Vale do Anhangabaú – São Paulo/SP. (Foto: Sérgio Savaresi)<br />

Em pleno Vale do Anhangabaú, hastes flexíveis, de design e tecnologia exclusivos da<br />

companhia australiana Strange Fruit, suportam artistas em seu topo, paramentados com<br />

figurinos planejados e adequados aos movimentos e ao tema do espetáculo. Luzes coloridas<br />

estrategicamente posicionadas dão um tom especial e, com o cair da tarde, assumem um<br />

grande destaque na cena. O som estudado com precisão compõe o espetáculo, que funde<br />

diversos estilos de artes cênicas, como teatro, dança e circo. E, como costumeiramente<br />

acontece na companhia, o espetáculo era composto por expressões artísticas ligadas a temas<br />

universais, como amor, conflitos, nascimento, morte, trabalho e lazer.<br />

Strange Fruit – www.strangefruit.net.au, acessado em 21/Jun/2010. (Foto: Strange Fruit)<br />

Como descrito antes, propomos observar que tanto o espaço (Vale do Anhangabaú)<br />

quanto a companhia (Strange Fruit) se inseriam no universo do design e vice-versa, criando um<br />

ambiente propício ao design cênico. Quando esta interação se dá, qualquer que seja a ocasião,<br />

a essência da cena, idealizada, planejada e projetada pelos seus criadores, se concretiza e<br />

cumpre a função de levar encantamento aos espectadores, no caso, aos transeuntes das ruas.<br />

Como um produto de design sofisticado, esta produção imaterial passa a compor o repertório<br />

de cada um dos presentes no ato de espetáculo, e esse encantamento é reprodutível na<br />

mente desses espectadores pela quantidade de vezes que eles quiserem.<br />

Strange Fruit – www.strangefruit.net.au, acessado em 21/Jun/2010 (Foto: Strange Fruit)<br />

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<strong>Design</strong> cênico: técnica, processo & criação na identidade urbana<br />

Na apresentação do Vale do Anhangabaú, o idealizador dos espetáculos da Strange<br />

Fruit tinha por objetivo compartilhar uma imagem com o público, e essa imagem era a de um<br />

campo de trigo balançando ao vento. Cabe a cada espectador a interpretação do espetáculo;<br />

porém, tomando por base o que vem sendo exposto até então, podemos imaginar o impacto<br />

coletivo que essa metáfora causou em meio ao grande público!<br />

Encenado em espaços urbanos cercados por edificações (prédios, viadutos, torres), em<br />

meio a trânsito (de automóveis e de pessoas), sons diversificados (buzinas, gritos), natureza<br />

espremida pelo concreto (flora e fauna) e a correria do dia a dia, os espetáculos do Strange<br />

Fruit remetem ao lúdico, proporcionando sentimentos e sensações especiais em cada um dos<br />

espectadores.<br />

Considerações finais<br />

Com um repertório de renome mundial devido à natureza do diálogo livre, a<br />

companhia celebra uma grande variedade de temas e histórias o que a fez<br />

alcançar um status especial em quase todos os continentes ao redor do<br />

mundo. Os espetáculos, sublimes e hipnóticos, são verdadeiramente notáveis,<br />

e é preciso estar atento para apreciar o seu pleno efeito (MICHELLE WILD,<br />

2010).<br />

A cena artística só poderá cristalizar-se na mente dos transeuntes das ruas e praças<br />

das cidades se houver verdadeira interatividade entre o discurso da arte e o urbano. A arte<br />

encenada nesses espaços serve de contraponto entre o lúdico e o real, entre as possibilidades<br />

e a concretude, entre o presente e o futuro acontecendo simultaneamente na urgência das<br />

ruas. Cabe ao idealizador do espetáculo a função de organizar o fluxo produtivo da obra,<br />

tendo por base o processo projetual que converterá idéias em realidade. Retornando ao texto<br />

de Flusser, temos:<br />

[...] e isso foi possível porque essa palavra [design] exprime a conexão interna<br />

entre técnica e arte. E por isso design significa aproximadamente aquele<br />

lugar em que arte e técnica (e, conseqüentemente, pensamentos, valorativo e<br />

científico) caminham juntas, com pesos equivalentes, tornando possível uma<br />

nova forma de cultura (FLUSSER, 2008, pp.183, 184).<br />

A plasticidade cênica, fruto de um processo projetual, nos parece ser um caminho<br />

possível para o início de um diálogo entre técnica e arte, tanto nos espaços públicos quanto<br />

nos privados especialmente destinados a apresentações artísticas. Mais ainda: nos remete<br />

diretamente ao idealizador da cena, colocando-o como uma ferramenta de extrema importância<br />

na tradução dos anseios humanos.<br />

Os espetáculos, assim como as cenas, configuram-se como resultantes do apurado<br />

olhar de um profissional inovador e criativo, que, valendo-se de sua sensibilidade pessoal e da<br />

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<strong>Design</strong> cênico: técnica, processo & criação na identidade urbana<br />

leitura da sensibilidade coletiva, desenha o que propomos chamar de design cênico.<br />

Notas<br />

Strange Fruit – www.strangefruit.net.au, acessado em 21/Jun/2010. (Foto: Strange Fruit)<br />

i CUNHA, 2003, pp. 584, 585.<br />

Referências<br />

BACON, John U.; HEWARD, Lyn. Cirque du Soleil: a reinvenção do espetáculo. Rio de<br />

Janeiro: Elsevier, 2006.<br />

BARBOSA, A. C. M. A. <strong>Design</strong> na cidade: relação conceitual entre o design e o espaço<br />

urbano. São Paulo: 8º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em <strong>Design</strong>, 2008.<br />

BOMFIM, Gustavo Amarante. Seminário de Estudo e Pesquisa em <strong>Design</strong>. São Paulo:<br />

<strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, 2002.<br />

CARVALHO, Flávio de. “A cidade do homem nu”. São Paulo: Publicação original no Diário da<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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<strong>Design</strong> cênico: técnica, processo & criação na identidade urbana<br />

Noite, 1º/Jun/1930 in catálogo da exposição A Cidade do Homem Nu, MAM. São Paulo,<br />

2010.<br />

CUNHA, Newton; Dicionário SESC: a linguagem da cultura. São Paulo: Perspectiva, 2003.<br />

FLUSSER, Vilém. O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunicação. São<br />

Paulo: Cosac Naify, 2008.<br />

MATOS, Olgária. Contemporaneidades. São Paulo: Lazuli, 2009.<br />

PALLAMIN, Vera M.. Cidade e cultura: esfera pública e transformação urbana. São Paulo:<br />

Editora Estação Liberdade, 2002.<br />

PAPANEK, Victor. “O que é design?” In: Revista Arquitetura, n. 5, ano 1. 1995<br />

ROUBINE, Jean Jacques. A linguagem da encenação teatral. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,<br />

1998.<br />

SIEBRA, Leonardo. O designer como agente transformador in http://www.dad.puc-rio.br/<br />

dad07/index.php?pag=down. Acessado em 21/Jun/2010.<br />

WILD, Michelle. Companhia Australiana de Teatro de Rua Strange Fruit in http://www.<br />

strangefruit.net.au/. Acessado em 21/Jun/2010.<br />

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O QuE FAçO COM OS MEuS DIáRIOS DE CAMPO?<br />

INQuIETAçÕES DE uMA ANTROPÓLOGA NO DESIGN E NA MODA.<br />

Márcia Merlo; Profª Dra.; PPG Mestrado em <strong>Design</strong>: <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong><br />

mmerlo@anhembi.br<br />

Resumo<br />

Este artigo discute a utilização da observação participante no <strong>Design</strong><br />

e na Moda. Além do debate em torno do método etnográfico,<br />

também se propõe a problematizar acerca do manuseio e<br />

conservação do material coletado, compreendido aqui como<br />

documentos de processo e registro de reflexões, que guardam<br />

suas particularidades tanto na coleta quanto na conservação e<br />

no manuseio. Desta forma, o texto objetiva repensar formas de<br />

reintegrar o conteúdo do material coletado por meio do registro<br />

de fontes orais e visuais, da observação participante no cotidiano,<br />

associados à riqueza encontrada no universo multifacetado por<br />

meio da memória dos interlocutores da pesquisa e à necessidade<br />

de apresentar resultados, também, em formato de texto acadêmico.<br />

Palavras-Chave: design; moda; antropologia<br />

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O que faço com os meus diários de campo? Inquietações de uma antropóloga no <strong>Design</strong> e na Moda.<br />

Introdução<br />

Começo com uma pequena apresentação para depois compartilhar uma inquietação.<br />

Tenho trabalhado há alguns anos na docência em cursos de Moda – <strong>Design</strong> e Negócios.<br />

Atualmente faço parte do corpo docente do Programa de Mestrado em <strong>Design</strong> da <strong>Anhembi</strong>-<br />

<strong>Morumbi</strong>. Apresentada minha inserção neste universo que não é o da minha formação, já que<br />

venho da Antropologia, inicio o que me proponho neste artigo – discutir as aproximações entre<br />

áreas que, guardadas suas particularidades, partilham de uma substanciação comum – o<br />

humano.<br />

Trabalhar com a observação participante, a primeira vista, parece muito sedutor. No<br />

entanto, trata-se de uma escolha de muita responsabilidade e desafios, que ultrapassa, por<br />

vezes, o próprio método. O que significa isto? Quero dizer, que independe da boa vontade<br />

do (a) pesquisador (a) e igualmente de uma aplicação muito técnica de um conjunto de<br />

procedimentos metodológicos. De fato, entrar nesta questão é discutir a construção de<br />

conhecimento por meio de religação de saberes.<br />

Formada em História pela PUCSP, minha inserção na Antropologia aconteceu com<br />

populações nativas de São Sebastião, Ilhabela e Ubatuba, o que resultou em uma dissertação<br />

de mestrado, uma tese de doutorado, dois livros, alguns artigos científicos, matérias jornalísticas<br />

em imprensa local e, muitas questões acerca do que pude aprofundar e compreender do<br />

presenciado, do que consegui captar, desvelar, desvendar do que me foi revelado e do que<br />

meus olhos, coração e mente observaram e discerniram. Digo isto porque optei em trabalhar<br />

com narrações livres por meio de coleta de histórias orais, depoimentos e histórias de vida;<br />

assim, trabalhando com a memória dos antigos moradores pude registrar como pensavam a<br />

história de seu lugar perpassando a sua própria história.<br />

Para deixar mais claro, o recorte de minha pesquisa de campo durante uma década<br />

abriu a possibilidade de conhecer outras faces e ouvir outras vozes destes lugares. Deparei<br />

com o universo caiçara negro, aprofundei os estudos em relação às transformações ocorridas<br />

com o turismo na região e como os antigos moradores rememoraram sua existência. Percebi<br />

que da memória afro-brasileira pouco se evidenciava como uma possível contribuição a esse<br />

universo, mesmo quando perguntava, a um caiçara negro participante da congada, acerca da<br />

presença negra no lugar. Ao indagar sobre o negro, os depoimentos logo caíam na justificativa<br />

de que em Ilhabela não existia racismo, e, às vezes, mesmo nas narrações livres, esta versão<br />

era explicitada entre negros e brancos. Ao longo da pesquisa e convivência, ao criarmos laços<br />

de amizade e confiabilidade, no entanto, outras verdades começaram a surgir trazendo a tona<br />

o racismo sofrido e vivido por tais populações, revelando por intermédio do trabalho com a<br />

Memória, outra história local refletindo as relações raciais no seio da nação brasileira.<br />

Além desse aprendizado humano, compreendi o quanto o trabalho com abordagens<br />

teórico-metodológicas em torno da Memória, utilizando-se da observação participante,<br />

é oneroso, inquietante e exige uma postura ética do (a) pesquisador (a). Ao tratarmos da<br />

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O que faço com os meus diários de campo? Inquietações de uma antropóloga no <strong>Design</strong> e na Moda.<br />

observação participante dentro do desenvolvimento do método etnográfico construído ao<br />

longo da História da Antropologia evidencia-se que é uma ação de profunda inserção do<br />

pesquisador no meio escolhido e de longa duração e extensão.<br />

Em outras palavras, ao optar pelas narrações livres, inicia-se a busca pelos antigos<br />

contadores de histórias, senhores da tradição ou quem puder contar ou lembrar algo que<br />

remeta a “origem” i e a alguma forma de permanência das antigas tradições de caráter popular,<br />

seja por meio de manifestações culturais existentes, seja por meio da memória. Sendo assim,<br />

o fio da memória dá o tom ao texto. E constata-se que ainda se tece enquanto se conta e ouve<br />

histórias, mas também se percebe que o velho narrador com suas narrativas dá lugar a novas<br />

informações. O antigo território agora tem novos donos e novas relações...<br />

Dito isto, enfatiza-se que não só os elementos culturais interessam a uma pesquisa<br />

dessa natureza, mas também seus produtores. Esses produtores são encarados como<br />

interlocutores, uma vez que se compartilha do pensamento de Geertz (1989) quando se<br />

refere ao objeto de estudo da Antropologia dizendo que “o objetivo maior desta ciência é<br />

o alargamento do discurso humano” (p. 32). Partindo desse pressuposto teórico, a relação<br />

estabelecida entre o pesquisador e o pesquisado é de este último tornar-se interlocutor, o que<br />

propicia outra qualidade ao estudo.<br />

Desta forma, indaga-se em como podemos desenvolver mergulhos deste gênero em<br />

outras áreas do conhecimento humano? A seguir apresentarei algumas inquietações que<br />

estão me direcionando a um caminho interessante no <strong>Design</strong>.<br />

ITINERáRIOS: caminhos tortuosos, resultados incríveis...<br />

Um caminho –<br />

A idéia central é trazer para o universo da pesquisa em <strong>Design</strong> e Moda, as teorias e<br />

métodos da ciência antropológica, por meio das Teorias da Memória e do uso da observação<br />

participante. Parte-se da constatação de que há muitas lacunas encontradas nas fontes<br />

escritas, por isto pretende-se obter respostas nas fontes orais. Também ao adentrarmos o<br />

universo do <strong>Design</strong> e da Moda, os objetos e seus produtores permeiam nosso olhar e se<br />

tornam objetos de nosso estudo.<br />

Um dos teóricos da Memória, Michel Pollak, retrata a linha tênue que une/separa a<br />

história oral dos documentos:<br />

A multiplicação dos objetos que podem interessar à história, produzidos pela<br />

história oral, implica indiretamente aquilo que eu chamaria de uma sensibilidade<br />

epistemológica específica, aguçada. Por isso mesmo acredito que a história<br />

oral obriga a levar ainda mais a sério a crítica das fontes. E, na medida em que,<br />

através da história oral, a crítica das fontes torna-se imperiosa e aumenta a<br />

exigência técnica e metodológica, acredito que somos levados a perder, além<br />

da ingenuidade positivista, a ambição e as condições de possibilidade de uma<br />

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história vista como ciência de síntese para todas as outras ciências humanas<br />

e sociais (POLLAK, 1992, p. 208).<br />

Como Pollak, também, acredita-se neste projeto que fazer um trabalho de memória<br />

apoiado nas fontes escritas e nas orais é trazer para dentro do universo científico “um discurso<br />

sensível à pluralidade das realidades. Temos uma possibilidade não de objetividade, mas de<br />

objetivação, que leva em conta a pluralidade das realidades e dos atos” (ibidem, p. 211).<br />

Ao ouvir as histórias de uns e de outros, assim como ao olhar para os objetos/artefatos<br />

que permeiam a vida social, o pesquisador percebe-se compondo um mosaico em que os<br />

pedacinhos (fragmentos) das lembranças/histórias de um vão se encostando aos de outros,<br />

formando uma paisagem do passado baseada no presente vivido. A lembrança é também o<br />

momento da revisão. O que a movimenta é o presente, que ao sinalizar o vivido direciona o<br />

rememorar aos processos vividos, assim como aos não-ditos, silenciados, clandestinos, de<br />

acordo com o que se objetiva neste ato.<br />

Pollak ao constatar o silêncio, o não-dito, nos faz pensar na memória subterrânea e<br />

sobre os processos silenciados no cotidiano de nossas existências. O autor, ao nos esclarecer<br />

o porquê dos não-ditos, aponta para um possível motivo do silenciamento das memórias e<br />

também o porquê de, em alguns momentos, quando se tem uma escuta e uma situaçãolimite,<br />

emergirem lembranças, rompendo os silêncios:<br />

(...) há uma permanente interação entre o vivido e o aprendido, o vivido e<br />

o transmitido. E essas constatações se aplicam a toda forma de memória,<br />

individual e coletiva, familiar, nacional e de pequenos grupos. O problema que<br />

se coloca a longo prazo para as memórias clandestinas e inaudíveis é o de sua<br />

transmissão intacta até o dia em que elas possam aproveitar uma ocasião para<br />

invadir o espaço público e passar do ‘não-dito’ à contestação e à reivindicação;<br />

o problema de toda memória oficial é o de sua credibilidade, de sua aceitação<br />

e também de sua organização (POLLAK, 1989, p. 9).<br />

Percebe-se que “o que está em jogo na memória é também o sentido da identidade<br />

individual e do grupo” (ibidem, p. 10). Nesse sentido, entende-se que as narrativas servem<br />

para historiar o cotidiano vivido, levando-se em conta até onde o raio da memória consegue<br />

alcançar. Também o pesquisador presencia na relação com o objeto da pesquisa, que no<br />

caso é o próprio sujeito da história narrada, sutilezas que direcionam o desenrolar do trabalho.<br />

Algo que se presentifica ao conhecermos as narrativas dos sujeitos que vivem o lugarii cotidianamente. Nas palavras de Ecléa Bosi:<br />

A veracidade do narrador não nos preocupou: com certeza seus erros e lapsos<br />

são menos graves em suas conseqüências que as omissões da história oficial.<br />

Nosso interesse está no que foi lembrado, no que foi escolhido para perpetuarse<br />

na história de sua vida (BOSI, 1979, p. 1).<br />

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Complementando a idéia desenvolvida por Bosi, ao esclarecer o objetivo da antropologia<br />

interpretativa, Geertz traduz, em parte, a preocupação que permeia este estudo:<br />

Olhar as dimensões simbólicas da ação social – arte, religião, ideologia, ciência,<br />

lei, moralidade, senso comum – não é afastar-se dos dilemas existenciais da<br />

vida em favor de algum domínio empírico de formas não-emocionalizadas; é<br />

mergulhar no meio delas. A vocação essencial da antropologia interpretativa<br />

não é responder às nossas questões mais profundas, mas colocar à nossa<br />

disposição as respostas que outros deram (...) e assim incluí-las no registro de<br />

consultas sobre o que o homem falou (GEERTZ, 1989, p. 40-1).<br />

Mesmo conscientes de que escutamos e vivenciamos reflexões sobre a própria<br />

existência de quem narra a sua história para o ouvinte, no caso, o antropólogo e os designerspesquisadores,<br />

o que percebemos é que nem sempre o nós e os outros estão tão distantes<br />

quanto aparecem, e, muitas das questões subjetivas “deles” são as do próprio pesquisador.<br />

Em pesquisas desta natureza, é possível constatar-se que nem sempre o nós e os outros<br />

estão tão distantes quanto aparecem, ou quanto queremos afastar, e muitas das questões<br />

subjetivas “deles” são as do próprio pesquisador e tudo isto pode auxiliar a pensar e ampliar a<br />

atuação pessoal e profissional em qualquer área em que estejamos inseridos, pois em nossa<br />

volta estamos nós mesmos.<br />

Dito isto, mais uma questão se coloca em uma pesquisa que tem como pressuposto a<br />

utilização da observação participante e do recurso da memória. Aliás, ao se tratar de memória<br />

viva, não dá para se abrir mão da vivência com o grupo pesquisado. Trabalhar com a história<br />

oral e de vida, requer perceber nuances do próprio ato de rememorar, ou seja, a observação<br />

minuciosa e participante de tudo o que envolve o pesquisado e de seu entorno. Sendo assim,<br />

nos apoiamos no trabalho etnográfico, tão caro à Antropologia. Também, neste caso, é<br />

preciso estar atento e consciente de que escutamos e vivenciamos reflexões sobre a própria<br />

existência de quem narra a sua história para o ouvinte. Cabe, também, ao pesquisador ter um<br />

distanciamento necessário para analisar o observado e vivido, mas não estamos dizendo com<br />

isto que acreditamos em imparcialidade, o que afirmamos é que a prática em questão exige<br />

uma postura consciente e ética do pesquisador.<br />

A Memória diz respeito ao que permanece entre o feito e dito de um indivíduo e seu<br />

grupo, assim como o que não é dito, ou melhor, aquilo que se silencia e cai no esquecimento.<br />

Podemos dizer que há tantas memórias quantos grupos existirem, no entanto, também<br />

podemos afirmar que há lembranças subterrâneas, clandestinas que escondem outras<br />

“verdades”. Conhecê-las significa entrarmos em outros “mundos” ou mergulharmos nesses<br />

já tão velhos conhecidos nossos, mas tão pouco pensados no turbilhão em que vivemos,<br />

ou, pensados por outros ângulos, além de nossos conceitos e experiências. Por isto, neste<br />

estudo, os objetos também se tornam “contadores de histórias”, pois carregam (evidenciam)<br />

práticas sociais e culturais diversas. Não só o que se ouve será pensado e trabalhado, mas o<br />

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que se vê, pois se compreende a cultura como um texto que se lê, e, em uma sociedade onde<br />

há o apelo (superexposição) ao visual, o visto será lido e revisto.<br />

Entre as narrativas, estabelece-se a relação entre o narrador e a substância do que<br />

se conta, assim como podemos incluir a “coisa” narrada - o objeto da Memória. Walter<br />

Benjamin em seu texto “O narrador”, expõe uma questão crucial e que nos leva a pensar o<br />

tempo presente contido no desejo de lembrar ou esquecer. O entorno (ou substância) de toda<br />

memória é o tempo presente, o que se vive, o que se lembra, o que se viveu que não pode<br />

mais ser vivido, mas pode ser lembrado. Assim como, o que não se viveu necessariamente,<br />

mas, de tanto sentido que faz, torna-se algo tão íntimo e seu, que pode ser contado. Neste<br />

sentido, também vejo aproximação entre o <strong>Design</strong> e a Memória dos objetos.<br />

A narrativa (...) é ela própria, num certo sentido, uma forma artesanal de<br />

comunicação. Ela não está interessada em transmitir o ‘puro em si’ da coisa<br />

narrada como uma informação ou um relatório. Ela mergulha a coisa na vida<br />

do narrador para em seguida retirá-la dele. (...) Assim, seus vestígios estão<br />

presentes de muitas maneiras nas coisas narradas, seja na qualidade de quem<br />

as viveu, seja na qualidade de quem as relata. (BENJAMIN, 1985, p. 205)<br />

Portanto, Memória traz o estudo das representações sociais, das identidades e do<br />

imaginário, da cultura. O pesquisador se deleita nas possibilidades de conhecer e interpretar<br />

seu objeto de estudo, além de obrigar-se a buscar caminhos para tal conhecimento se efetivar<br />

e gerar frutos, também sociais e culturais.<br />

Talvez por tudo o que foi exposto até agora é que algo sempre me inquietou em relação<br />

à produção científica como fruto de pesquisa com populações nativas ou de qualquer grupo<br />

humano: o que fazer com o material que recolhemos se precisamos transformar os relatos em<br />

um texto acadêmico que está sujeito às normas e técnicas que nem sempre se referem a uma<br />

“forma” que melhor apresente e/ou represente o que desejamos refletir e transmitir. Por vezes,<br />

vira algo bastante diferente daquilo que foi recolhido das fontes orais, isto para não dizer o que<br />

fazer com as imagens que, na maioria das vezes, são utilizadas para preencher um espaço<br />

vazio ou para ilustrar algo que acaba sem vida no meio de tantas palavras, conceitos, teorias.<br />

Também algumas imagens acabam surtindo o efeito de aliviar a leitura, ou melhor, distrair o<br />

leitor, o que acaba comprometendo outros significados dados no ato do registro na tentativa<br />

de abarcar a “totalidade” das relações em uma busca de captar as intersubjetividades e interrelações<br />

em jogo. Parece que no campo do <strong>Design</strong> e da Moda, áreas propícias ao estudo, uso<br />

e abuso de imagens, encontro mais referências para pensar minhas inquietações e também<br />

para torná-las mais instigantes.<br />

Tal desafio já se evidencia de longa data entre os etnólogos e etnógrafos na história<br />

da ciência antropológica. Tanto é que uma das discussões recentes refere-se em abrir os<br />

diários antropológicos para revelar os acertos e os percalços das pesquisas de campo, o que<br />

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também significa explicitação metodológica. Malinowski, já nos apresentava tal inquietação<br />

nas primeiras décadas do século XX ao dizer que a etnografia,<br />

ciência em que o relato honesto de todos os dados é talvez ainda mais<br />

necessário que em outras ciências, infelizmente nem sempre contou no<br />

passado com um grau suficiente deste tipo de generosidade. Muitos dos seus<br />

autores não utilizam plenamente o recurso da sinceridade metodológica ao<br />

manipular os fatos e apresentam-nos ao leitor como que extraídos do nada.<br />

(...) A meu ver, um trabalho etnográfico só terá valor científico irrefutável se nos<br />

permitir distinguir claramente, de um lado, os resultados da observação direta<br />

e das declarações e interpretações nativas e, de outro, as inferências do autor,<br />

baseadas em seu próprio bom-senso e intuição psicológica. (MALINOWSKI,<br />

1976, p.22)<br />

O objeto é o próprio sujeito e o método aquele que mais aproxima a possibilidade<br />

de conhecer seu modo de viver sem reduzi-lo ao que queremos ou podemos perceber. Para<br />

isso a fundamentação teórica sempre esteve lado a lado à observação minuciosa e ao registro<br />

detalhado, com o intuito de captar a materialidade da cultura em questão, assim como sua<br />

dimensão simbólica. Talvez essa seja uma grande pretensão, mas poderia ser diferente?<br />

Então o que fazer com todo o material recolhido, com o que foi observado, sentido, não<br />

compreendido e relatado, às vezes, somente em nossas anotações e diários de campo?<br />

Ainda Malinowski apóia algumas das observações feitas aqui, em relação ao registro<br />

das fontes de informação e a versão final:<br />

Na etnografia, o autor é, ao mesmo tempo, o seu próprio cronista e historiador;<br />

suas fontes de informação são, indubitavelmente, bastante acessíveis, mas<br />

também extremamente enganosas e complexas; não estão incorporadas<br />

a documentos materiais fixos, mas sim ao comportamento e memória de<br />

seres humanos. Na etnografia, é freqüentemente imensa a distância entre<br />

a apresentação final dos resultados da pesquisa e o material bruto das<br />

informações coletadas pelo pesquisador através de suas próprias observações,<br />

das asserções dos nativos, do caleidoscópio da vida tribal. O etnógrafo tem<br />

que percorrer esta distância ao longo dos anos laboriosos que transcorrem<br />

desde o momento em que pela primeira vez pisa numa praia nativa e faz as<br />

primeiras tentativas no sentido de comunicar-se com os habitantes da região,<br />

até à fase final dos seus estudos, quando redige a versão definitiva dos<br />

resultados obtidos. (ibidem, p. 22-3)<br />

Pesquisa de natureza etnográfica ou que utilizam técnicas qualitativas a partir desta<br />

metodologia de pesquisa de campo, geralmente, revelam a problemática do manuseio e<br />

conservação do material, que os críticos genéticos chamam de documentos de reflexão:<br />

diários, anotações, correspondências. O que também ocorre com esboços, croquis, rascunhos,<br />

cadernos de notas, projetos que perpassam o processo criativo dos designers e artistas, que<br />

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nem sempre acabam contemplados ou devidamente armazenados ao ponto de revelar o grau<br />

de importância que tiverem na construção dos objetos/artefatos/histórias que encerram na<br />

materialidade em si. Salles esclarece acerca do trabalho sobre tais documentos de processo<br />

para os artistas e cientistas ao dizer que<br />

Fragmentos podem parecer para um observador desavisado uma cadeia de<br />

ações isoladas. O importante, no entanto, é perceber que os princípios que<br />

norteiam aquele processo aparecem quando o seu observador estabelece<br />

relações entre os gestos: ao longo do trabalho de manuseio de fragmentos,<br />

estes ganham significado na sua relação com o todo.<br />

Este trabalho de estabelecer relações entre índices de uma história na<br />

busca pela compreensão do todo é o mesmo manuseio de rastros feito pelo<br />

arqueólogo, o geólogo e o historiador. (Manuscrítica, no. 7, p.89)<br />

A partir de tal idéia pensei como salvaguardar e ampliar as interpretações de minhas<br />

anotações de viagens, diários de campo, gravações de entrevistas, depoimentos, histórias<br />

de vida, fotografias, filmagens de festas ou do cotidiano desses grupos, que representam,<br />

após anos de coleta, um acervo rico a partir das reais possibilidades de registro. Percebe-se<br />

ao ler alguns textos da Revista Manuscrítica, que a crítica genética, assim como os registros<br />

etnográficos podem oferecer base para tal estudo e análise, principalmente quando Salles<br />

aponta a relevância dos documentos de processo para compreender o momento da criação,<br />

entre outras formas de registro, guardando suas especificidades. Apresenta, a meu ver, uma<br />

possibilidade, assim como uma aproximação com as inquietações antropológicas quanto aos<br />

registros nos cadernos de campo, ao dizer que<br />

Entrevistas, depoimentos e ensaios reflexivos oferecem também dados<br />

importantes para os estudiosos do processo criador; têm, no entanto, caráter<br />

retrospectivo que os colocam fora do momento de criação. (op.cit., p.89)<br />

E indago: É possível uma antropóloga revisitar seus diários de campo, no intuito de<br />

reintegrá-los no processo de construção das idéias que a levou a formatar as pesquisas<br />

realizadas em dissertação, tese e artigos científicos, abrindo outras possibilidades de leitura do<br />

mesmo material? Respondo: com certeza e isto tem sido bastante explorado nas pesquisas<br />

antropológicas. Ainda pergunto: E como registrar, guardar, manusear e demonstrar estes<br />

processos no design de nossas produções acadêmicas e nos processos criativos no design<br />

e na moda? Respondo: acredito que estamos em processo de desenvolvimento destas<br />

linguagens e metodologias. E ainda: O design das teses acadêmicas amplia o universo da<br />

criação do cientista ou o restringe? Em outras palavras, onde colocar as formas, as cores,<br />

os sons apresentados no ato da pesquisa na escritura da tese? Falamos em processos para<br />

quais fins? Respondo: são fontes inesgotáveis de novas pesquisas e reflexões.<br />

Em suma, o que objetivo é uma releitura e um repensar trajetórias e perspectivas que<br />

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porventura e desventuras no fazer antropológico perpassam questões do que está guardado,<br />

do que e como o material etnográfico foi recolhido e registrado, enfim, no processo de coleta<br />

de dados que inclui, além da observação participante, a gravação de depoimentos, histórias<br />

orais, histórias de vida e o registro de imagens. Guardadas as devidas proporções, percebo nos<br />

processos projetuais nas áreas do <strong>Design</strong> e da Moda ainda questões bastante semelhantes,<br />

sobretudo quando o processo de construção cede lugar ao produto final e este se silencia, na<br />

maioria das vezes, ao consumidor/usuário final, caindo no esquecimento de quase todos os<br />

envolvidos neste saber/fazer. Também as percepções do uso e descarte dos objetos ficam,<br />

muitas vezes, distantes dos criadores e nem sempre geram reflexão para os seus usuários.<br />

Algo que interessa ao pesquisador que pretende abarcar não só o produto, mas a produção<br />

dos sentidos por meio dele.<br />

Parto, então, do seguinte pressuposto colocado por Cecília A. Salles,<br />

que discutir a morfologia da criação tem como pretensão oferecer mais do<br />

que um simples registro de um estudo, um modo de ação: tirar objetos do<br />

isolamento de análises e reintegrá-los em seu movimento natural. Aponta<br />

a relevância de observar fatos e fenômenos inseridos em seus processos.<br />

(Manuscrítica 8, p.64)<br />

Parece-me, neste caso, bastante salutar colocarmos à disposição de pesquisas desta<br />

natureza e com esta pretensão, o arcabouço teórico-metodológico da Antropologia e os<br />

teóricos da Memória, no sentido de apoiar reflexões, assim como proporcionar uma mediação<br />

para a análise dos processos embutidos em seu desenrolar científico. Desta forma, propõe-se<br />

conhecer alguns caminhos traçados em uma pesquisa qualitativa utilizando-se de recursos do<br />

método etnográfico.<br />

Sobre métodos e técnicas de pesquisa:<br />

Uma vez traçado o caminho a partir da teoria da memória, o recurso técnico é o da<br />

história oral. As técnicas, portanto, são qualitativas. No caso desta pesquisa, a coleta de<br />

histórias de vida pode significar um recurso estratégico, pois nos interessa tanto conhecer<br />

o cotidiano do trabalho e os modos de viver, pensar, sentir e fazer dos pesquisados; quanto<br />

compreender a metodologia utilizada na produção dos artefatos e/ou produtos que realizam.<br />

Isto porque:<br />

A história de vida permite a valorização de contatos informais baseados na<br />

identificação e empatia entre o pesquisador e o pesquisado, o que explora em<br />

profundidade a contextualização das entrevistas, extraindo delas um máximo<br />

de veracidade. Mais do que isso, a história de vida insere o ator, através de<br />

processos sincrônicos e diacrônicos, na rede real das relações sociais que o<br />

localiza dentro do grupo. (CAMARGO, 1981, p. 29).<br />

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O recurso metodológico da história oral possibilita ao pesquisado narrar as experiências<br />

vividas. O movimento da memória não é linear, não segue uma ordem cronológica, é um ire-vir<br />

constantes, em que associações são feitas, iluminando, até mesmo, situações que se<br />

encontravam encobertas. O que se estabelece aqui é a relação aberta entre pesquisador<br />

e pesquisado. Ao pesquisador, cabe esclarecer os objetivos de sua pesquisa, deixando o<br />

pesquisado totalmente livre para contar/revelar o que se quer registrado. Em alguns momentos,<br />

no entanto, o pesquisador interfere para solicitar mais informações sobre passagens da<br />

narração que precisam ser mais aprofundadas ou ficar mais claras. Quando o objeto em<br />

questão é o artefato, procuramos relacionar os processos de sua criação por meio de seu<br />

criador, ou podemos apoiar tal análise em outras fontes que nos propicie contextualizar o<br />

artefato em si, assim como o momento – circunstâncias e condições – de sua criação, se<br />

possível.<br />

Em outras palavras, o levantamento de histórias orais pressupõe a busca, no anonimato<br />

muitas vezes, de uma visão e vivência de mundo a partir de experiências cotidianas e<br />

inovadoras para uma análise sociocultural mais abrangente. É, portanto, necessário livrar-se<br />

de preconceitos e ampliar os horizontes, no sentido de uma credibilidade e colaboração entre<br />

pesquisador e interlocutor. Como diz Paul Thompson:<br />

O historiador oral tem que ser um bom ouvinte, e o informante, um auxiliar<br />

ativo. (THOMPSON, 1992, p. 43).<br />

Quanto ao historiador oral ter de ser um bom ouvinte, é claro, mas o informante torna-se<br />

mais do que um “auxiliar” ativo, pois ele torna-se um interlocutor, já que é visto como produtor<br />

cultural, como foi dito anteriormente. Essa concepção do fazer histórico encontra morada<br />

na literatura, e em José Saramago há uma passagem que demonstra como tudo passa pela<br />

interpretação, até mesmo o não-dito, como afirma Pollak. O literato diz:<br />

O historiador não deve se contentar em repetir o que já foi escrito. Deve<br />

investigar o não-dito e, sobretudo, o oculto. É essa perspectiva da história,<br />

como investigação do oculto, que me interessa. (...) O principal para mim,<br />

como já disse, não é a história, mas a maneira de contar a história. Os fatos que<br />

manipulo não são falsos, apenas podem ser interpretados de outra maneira.<br />

(SARAMAGO, 21/9/96, em uma entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo).<br />

Sendo assim, parece que cabe ao designer tornar-se um observador atento, um bom<br />

ouvinte e, portanto, propor-se vir a ser um pesquisador qualificado.<br />

Nesse processo de trocas encontra-se o dinamismo do fazer histórico e compreendese<br />

a importância da lembrança e do apreendido pelo dito, não-dito, feito e observado, como<br />

uma recriação do vivido:<br />

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(...) um acontecimento vivido é finito, ao passo que o acontecimento lembrado<br />

é sem limites, porque é apenas uma chave para tudo o que veio antes e depois.<br />

Num outro sentido, é a reminiscência que prescreve, com rigor, o modo da<br />

textura. Ou seja, a unidade do texto está apenas no actus purus da própria<br />

recordação, e não na pessoa do autor, e muito menos na ação (BENJAMIN,<br />

1985, p. 37).<br />

É esse o sentido de se trabalhar com as técnicas qualitativas em uma pesquisa que<br />

prioriza a memória. A busca não é da verdade ou das certezas, conforme o objetivado na<br />

formulação de leis gerais, mas a das lembranças, do vivido, do interpenetrado durante toda<br />

uma existência e que mostra na riqueza simbólica o sentido real e o imaginado do sujeito, que<br />

o faz autor de sua própria trajetória de vida.<br />

Notas<br />

i É importante frisar que ao se colocar origem, não há nenhuma intenção purista na análise, pois<br />

desacreditamos dessa existência, mas o que se quer dizer aqui é como cada um dos interlocutores de<br />

uma pesquisa onde o mote é a lembrança pensa a sua história em relação ao seu meio social. O que<br />

em sua memória ficou interpenetrado da história do seu lugar e do que lhe foi transmitido por gerações<br />

passadas, ou ainda, o que interpenetrou em sua consciência da memória histórica, do ponto de vista<br />

mais oficial e, sobretudo, do como interpreta sua vida e o seu lugar.<br />

ii Aqui se entende lugar de forma amplo. Pode ser a moradia, assim como o lugar profissional e social,<br />

por exemplo. O lugar antropológico é aquele que o sujeito circunscreve sua atuação/ autuação em<br />

múltiplos sentidos.<br />

Referências<br />

BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas. 4ª.ed., São Paulo: Brasiliense, 1985.<br />

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CAMARGO, A. Alcântara de. História oral: catálogo de depoimento. Rio de Janeiro:<br />

FGV/Indipo/CPDOC, 1981.<br />

GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1989.<br />

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vértice, 1990.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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O que faço com os meus diários de campo? Inquietações de uma antropóloga no <strong>Design</strong> e na Moda.<br />

MALINOWSKI, Bronislaw. Argonautas do Pacífico Ocidental. Um relato do empreendimento<br />

e da aventura dos nativos nos arquipélagos da Nova Guiné Melanésia. Coleção Os pensadores.<br />

Tradução de Anton P. Carr, Lígia Aparecida Cardieri Mendonça. Revista por Eunice Ribeiro<br />

Durham. São Paulo, Abril Cultural, 1976.<br />

MERLO, Márcia. Memória de Ilhabela: Faces ocultas, vozes no ar. São Paulo, EDUC/FAPESP,<br />

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____________.Entre o mar e a mata: a memória afro-brasileira. São Sebastião, Ilhabela e<br />

Ubatuba. São Paulo: Editora da PUCSP/FAPESP, 2005.<br />

NORA, Pierre. “Entre memória e história. A problemática dos lugares”. Trad. de Yara Aun<br />

Khoury. In: Projeto História, nº 10, dez., São Paulo, CEDUC, p. 7-46, 1993.<br />

POLLAK, Michael. “Memória, esquecimento, silêncio”. In: Estudos Históricos nº 3. São<br />

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12, Rio de Janeiro, 1992.<br />

SALLES, Cecília Almeida. “Uma experiência transdisciplinar” In Manuscrítica no. 8, Centro de<br />

Estudos de Crítica Genética. PUC-SP.<br />

______________________. “Poder de Descoberta” In Manuscrítica no. 7, Centro de Estudos<br />

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THOMPSON, Paul. A voz do passado. São Paulo: Paz e Terra, 1992.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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O DESIGN DA MARCA COLCCI: hISTÓRIA E CONSTRuçãO<br />

Alvaro de Melo Filho; Mestre em <strong>Design</strong>: <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong><br />

amelofi lho@terra.com.br<br />

Márcia Merlo; Profª Dra.; PPG Mestrado em <strong>Design</strong>: <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong><br />

mmerlo@anhembi.br<br />

Resumo<br />

Este artigo intenciona identificar e explorar o design de marcas,<br />

tendo como suporte de pesquisa a análise da trajetória de uma<br />

marca brasileira de moda, no caso, a Colcci. Objetiva-se estudar<br />

a procura dessa marca por um design característico que a<br />

propulsione dentro do mercado nacional, que busque estruturar<br />

seu trabalho por meio do relacionamento com o consumidor e<br />

que caminhe rumo a um reconhecimento internacional. Trata-se<br />

de um processo de reflexão que pretende revelar os rumos que<br />

traçaram o design da marca Colcci, anunciando os passos que a<br />

empresa está inclinada a seguir e que poderão levá-la a trabalhar<br />

um redesign, contrariando seu discurso de ser apenas uma moda<br />

jeanswear e não uma grande lançadora de tendências.<br />

Palavras-Chave: design de marcas; moda; Colcci<br />

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O design da marca Colcci: história e construção.<br />

Introdução<br />

Este artigo parte da pesquisa realizada com uma marca brasileira de moda. O propósito<br />

do estudo se concentra em identificar e explorar o design de marcas, tendo como suporte de<br />

pesquisa a análise da trajetória da Colccii .<br />

A reflexão aqui proposta perpassa o projeto de design de marcas na contemporaneidade,<br />

sobretudo em como se configuram seus símbolos, valores, imagem, produtos, pontos de<br />

venda, comunicação, merchandising e o relacionamento com o cliente; tudo convergindo para<br />

a busca de um único objetivo: o de proporcionar os significados, funcionais e emocionais, que<br />

serão traduzidos por um grupo de pessoas que compartilham o mesmo código.<br />

Nota-se que a marca, portanto, fornece mais que a simples identificação de um produto,<br />

serviço ou empresa; ela se constitui em significado simbólico para a experiência do indivíduo<br />

quanto ao consumo de objetos e sistemas.<br />

Os pressupostos estão evidenciados em uma discussão teórica que envolve exposições<br />

de diversos autoresii , fundamentação esta que procurou embasar as análises da marca Colcci.<br />

Nesse sentido, objetiva-se entender a procura dessa marca por um design característico que<br />

a propulsione dentro do mercado nacional, que busque estruturar seu trabalho por meio do<br />

relacionamento com o consumidor e que caminhe rumo a um reconhecimento internacional.<br />

O trabalho apoiou-se em pesquisa qualitativa, utilizando, para as análises da marca,<br />

o modelo comparativo, com base em levantamento bibliográfico. Dentre os procedimentos<br />

técnicos, estão o levantamento e análise de livros, dissertações e teses; publicações em<br />

revistas e jornais; ilustrações e fotografias; e entrevistas com designers, estilistas, gestores de<br />

marca, franqueados e consumidores.<br />

Das informações coletadas delineou-se um percurso histórico que acompanha<br />

mudanças no âmbito mercadológico da empresa, com decisões estratégicas que implicam<br />

reconfigurações de seu designiii relativas à marca e seu objeto de moda. Para melhor<br />

entendimento do processo de análise da marca Colcci e dos resultados obtidos, o trabalho<br />

dividiu-se em três fases, apresentadas a seguir.<br />

COLCCI – O design de uma marca<br />

Inicialmente, grande parte de todo o movimento da marca Colcci esteve calcada nas<br />

propostas de Melo (2005) para o design de marcas. O autor ressalta que entre as décadas de<br />

1960 e 1990 existiu uma cultura empresarial focada na busca da identidade visual, em que<br />

o símbolo da marca (ou logotipo) passava a representar signos de comando utilizados para<br />

identificar produtos e orientar quanto à padronização na aplicação da marca.<br />

Nesse sentido nasce, em 1986, a Colcci, uma malharia que concentrava sua produção<br />

em peças básicas – moletons, camisetas e alguns shortinhos – e almejava, em um primeiro<br />

momento, uma marca que representasse apenas a ideia de uma empresa que oferecia peças<br />

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O design da marca Colcci: história e construção.<br />

de qualidade e bons preços.<br />

Seu primeiro logotipo foi apresentado dentro de um molde de negócio inicial, estampava<br />

as etiquetas dos produtos e a fachada do empreendimento. Objetivava informar e nomear o<br />

produto e o estabelecimento. Uma intenção que remete ao exposto por Costa (2008) no<br />

sentido de que a marca, em princípio, tem a função de marcar, traçar, indicar algo. O autor<br />

ainda considera que, a partir do momento em que o usuário entra em contato com o produto,<br />

experimenta e atesta suas características (funcionais, qualitativas e simbólicas), o logotipo<br />

passa a ter um significado.<br />

À primeira vista, a Colcci não possuía um código conhecido por todos, era apenas um<br />

sinal indicativo de objeto de vestuário; porém, dentro das proposições de Costa (2008), em um<br />

segundo estágio, torna-se um símbolo designativo de relação custo/benefício.<br />

Figura 1 – A primeira marca da Colcci, ainda um logotipo. Imagem fornecida pela empresa.<br />

Nesse ponto, além da qualidade das peças, um personagem da marca, Digby, um<br />

cachorrinho estilizado, fazia sucesso entre os consumidores que passavam pela cidade de<br />

Brusque (SC) atrás de peças de roupas básicas, com qualidade e bom preço. O personagem<br />

era estampado em quase todos os produtos e aparecia junto ao nome da marca. Logo Digby<br />

foi adotado como mascoteiv da empresa.<br />

Figura 2 – Digby em sua primeira versão. Arquivo pessoal do pesquisador, 1986 - 1988.<br />

Com base nas colocações de Perez (2004), percebe-se que Digby nasceu como<br />

um mascoteiiii que pretendia, em um primeiro momento, trazer sentimentos de felicidade,<br />

proximidade e afetuosidade aos consumidores que procuravam a marca.<br />

Wheeler (2008, p.116) afirma que “frequentemente, um logotipo é justaposto com um<br />

símbolo em um relacionamento formal.” A procura dos consumidores pelo cachorrinho Digby<br />

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O design da marca Colcci: história e construção.<br />

levou os proprietários da empresa, Lila e Jorge Colzani, a vislumbrar que o sentimento agregado<br />

à sua figura poderia chamar mais atenção sobre o logotipo inicial. Foi nesse momento que o<br />

lettering Colcci passou a se apresentar de uma forma diferente, porém, ainda não de maneira<br />

oficial. Essa nova marca aparecia ora em sua primeira versão (apenas como logotipo), ora com<br />

Digby.<br />

Figura 3 – Segunda marca com Digby agregado ao logotipo. Arquivo pessoal do pesquisador, 1986 - 1988.<br />

Ao perceber que, cada vez mais, os consumidores simpatizavam pela figura de Digby,<br />

os fundadores da marca decidem investir na sua imagem e redesenhá-lo. Ele abandona<br />

seus traços livres de rascunho e ganha uma imagem aproximada da personificação de um<br />

cachorrinho.<br />

Figura 4 – Digby mais trabalhado. Registro do pesquisador, 1989 – 1991.<br />

É possível analisar que a intenção, com a imagem do cachorrinho, aconteceu dentro do<br />

contexto de mascote apresentado por Perez (2004). Ainda de acordo com a autora, percebese<br />

que a pretensão é a de que sejam vistos com sentimentos e vida própria, ligados ao<br />

dia a dia do ser humano. A nova roupagem de Digby pretende humanizar o personagem,<br />

aproximando-o do cotidiano dos indivíduos; e continua com o objetivo de proporcionar<br />

felicidade, criar proximidade e estabelecer afetuosidade aos consumidores da marca, visto<br />

que aparece com uma imagem mais afável, dentro dos contextos do desenho, da imagem de<br />

um bicho de estimação.<br />

Um elemento merece destaque nesta análise: Digby aparece vestido com uma camiseta.<br />

Isso chama nossa atenção para duas interpretações: a primeira, condiz com a humanização<br />

do personagem, visto que agrega à imagem do mascote um elemento do universo do homem,<br />

uma peça do vestuário; a segunda, está para o fato desta peça, uma camiseta, ser o principal<br />

objeto de trabalho da marca, respondendo pela quase totalidade de suas vendas.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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O design da marca Colcci: história e construção.<br />

O redesign de Digby não foi uma mudança impelida pelo primeiro logotipo, apenas uma<br />

atualização do personagem, que passa a agregar, cada vez mais, a marca inicial da empresa.<br />

Figura 5 – A terceira marca da Colcci. Substitui-se o personagem inicial pelo novo desenho de Digby.<br />

Melo (2009) informa que no início a loja foi aberta em um espaço sem identidade visual<br />

definida. Tudo construído nos moldes de uma loja cujo interesse era apenas oferecer malharia<br />

de qualidade, com preços acessíveis. O personagem da marca era muito explorado em<br />

letreiros retroiluminados, sacolas, embalagens e adesivos. Afinal, Digby conquistava a simpatia<br />

dos consumidores e era um dos grandes responsáveis pela ascensão da marca e das vendas.<br />

Um detalhe, porém, chama a atenção: Digby era, comumente, visto nesses materiais<br />

em orientação vertical, apesar de seu uso na marca ser horizontal, o que leva à seguinte<br />

análise: a Colcci buscava, mesmo que não declaradamente ou ainda de forma desorganizada,<br />

uma identidade visual. O fato reforça o exposto por Melo (2005), anteriormente, sobre a cultura<br />

da identidade visual difundida pelas empresas no período que permeia os anos 1960 até<br />

meados dos anos 1990.<br />

Essa identidade visual ainda não declarada era um trabalho de experimentações,<br />

testavam-se as várias aplicações do personagem e logotipo, buscando um formato ideal que<br />

organizasse a aplicação da marca. A administração da empresa, coordenada por Jorge Colzani,<br />

entendia que em certos materiais de comunicação ou merchandising – como cartões de visita,<br />

etiquetas para presente e adesivos – a orientação vertical poderia proporcionar um melhor<br />

reconhecimento do logotipo e personagem. Porém, ao mesmo tempo, em fachadas, a melhor<br />

aplicação condizia com o horizontal, até mesmo porque era o formato oficial da marca.<br />

Figura 6 – À esquerda, a terceira marca estampada em um letreiro retroiluminado na fachada de uma<br />

das primeiras lojas. Acima, cartão de visita com o logotipo e o personagem dentro de uma orientação vertical.<br />

Foto e imagem do arquivo pessoal do pesquisador, 1992.<br />

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O design da marca Colcci: história e construção.<br />

Pode-se verificar, ainda, que essa experimentação se estendia a outros fatores, como,<br />

por exemplo, a cor. Apesar de os materiais de cunho institucional trazerem marca e personagem<br />

dentro das tonalidades amarela e azul (cores padrão da empresa), em outras aplicações Digby<br />

e o logotipo podiam aparecer em cores diferenciadas e alternadas, como é o caso de alguns<br />

adesivos.<br />

Figura 7 – Digby, estampado junto ao logotipo, em adesivo. Orientação vertical, contrária à versão oficial.<br />

Detalhe para a camiseta na cor rosa, destacando o objeto de manufatura principal da fábrica.<br />

Todo esse esforço por acertar o padrão visual na exposição dos produtos, somado à<br />

expansão dos pontos de venda, levou a empresa a buscar também uma identidade visual. E<br />

a Colcci apresenta uma nova marca.<br />

Figura 8 – A quarta marca da Colcci. Imagem cedida pela empresa.<br />

A quarta apresentação oficial mantém o respeito ao padrão de cores – com predominância<br />

do amarelo e azul. Essa versão, entretanto, inaugura a inserção do vermelho, representada<br />

pela camiseta do personagem da marca. Digby ganha novas dimensões, assim como a<br />

relação entre a marca e seus usuários. Daí reiterar a questão da aproximação e afetuosidade<br />

apontadas por Perez (2004) e refletidas nas mudanças da marca Colcci.<br />

Para Ferlauto (2002, p.63), “[...] os designers precisam ‘escrever com clareza’ seus<br />

discursos não verbais, para serem bem entendidos. Isso significa considerar a dinâmica do<br />

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O design da marca Colcci: história e construção.<br />

olhar”. O autor amplia a discussão, ao considerar que, nesse sentido, uma das funções do<br />

designer é proporcionar soluções não verbais, comandadas por questões relativas à dimensão,<br />

forma, posição, cores, texturas, etc., o que, particularmente, mostra que essa versão da marca<br />

não apresenta diferenciações relativas apenas à cor: Digby aparece com um desenho ainda<br />

mais trabalhado, com volume e textura emborrachada.<br />

Dondis (1997, p.70) considera ser a textura “[...] o elemento visual que com frequência<br />

serve de substituto para as qualidades de outro sentido, o tato”. Já o volume, para a autora,<br />

é proporcionado por uma ideia de dimensão. Assim, a textura e o volume funcionam como<br />

uma alusão ótica, ao instigar o sentido tátil de querer afagar o personagem, como se ele fosse<br />

tangível, aproximando-o ainda mais de uma humanização e seus sentidos reais.<br />

Sancionando a análise anterior sobre a orientação vertical na aplicação de Digby junto<br />

ao logotipo, a quarta marca da Colcci atesta a condição de relacionamento formal: o logotipo<br />

é apresentado com o símbolo (WHEELER, 2008), resultando no que autores, como Costa<br />

(2008), Melo (2005) e Strunck (2003), adotam como assinatura visual ou marca.<br />

Para Wheeler (2008), a marca com um personagem é criada vislumbrando a incorporação<br />

de atributos e valores que, geralmente, estão vinculados a um produto. A concretização da<br />

inserção de Digby ao logotipo Colcci é a fundamentação para agregar à marca os valores que<br />

foram transmitidos à imagem do personagem e experimentados pelos clientes.<br />

A partir do crescimento com o modelo inicial de franquia, até 1994 foram 50 franquias,<br />

chegando, em 1997 a 200 estabelecimentos em todo o país. “Em 1993, 1994, a Colcci já estava<br />

em uma fábrica maior, com muitos funcionários (de 250 a 300), isso entre administradores,<br />

financeiro, vendas, estilistas, designers, costureiros, empacotadores, produção...” (MELO,<br />

2009, registro gravado).<br />

Figura 9 – Segunda fábrica da Colcci: construída para abrigar sua expansão, com espaço para todos os<br />

departamentos e setores de produção. No detalhe à direita, setor de estamparia, em processo serigráfico.<br />

Arquivo pessoal do pesquisador.<br />

Nesse mesmo período, a Colcci começou a diversificar as peças que oferecia: vestidos<br />

leves, blusinhas, calças jeans, bermudas, jaquetas, jardineiras, bonés, meias, carteiras, bolsas<br />

para viagem, nécessaires, toalhas, agendas, materiais de cunho promocional, como chaveiros,<br />

canetas, lápis e adesivos; foram agregados ao mix de produtos que a marca oferecia. Segundo<br />

Melo (2009), em 1994, já existia uma coleção “devido à variação das peças que estavam<br />

sendo acrescentadas ao que se trabalhava na loja, tínhamos que ir de duas a quatro vezes ao<br />

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ano à fábrica de Brusque para fazer a compra das coleções” (registro gravado).<br />

Figura 10 – Agenda produzida pela Colcci. Arquivo pessoal do pesquisador.<br />

Figura 11 – Meias, parte do mix de produtos que a empresa começava a oferecer, diversificando-se.<br />

Perez (2004), Strunck (2003) e Wheeler (2008) lembram que, apesar de as ideias que<br />

transmitem a personificação de um personagem se mostrarem atemporais e universais,<br />

raramente elas conseguem se manter atualizadas; precisam ser redesenhadas e adaptadas à<br />

cultura da época. Foi pensando assim que a Colcci aprimorou sua marca, para se atualizar. Na<br />

sua quinta versão, Digby volta a ser bidimensionalizado e vetorizado, o que ajuda na aplicação<br />

da marca em materiais gráficos. Com um visual descolado e jovem, o personagem continua a<br />

ser bem explorado em materiais de merchandising e estampas dos produtos, aparecendo em<br />

diversas aventuras que fazem parte do cotidiano dos seus consumidores.<br />

Figura 12 – A quinta marca da Colcci: personagem volta a ser bidimensionalizado e vetorizado.<br />

Percebe-se, pelo percurso das análises apresentadas, que existe uma busca constante<br />

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da marca no sentido de cada vez mais personificar Digby, aproximando-o de uma humanização,<br />

o que é respaldado por Perez (2004).<br />

Nessa quinta versão da marca, isso se comprova pelo movimento que o personagem<br />

adquire (desprendendo-se dos contextos estáticos e com a face voltada para apresentação<br />

frontal), por sua cor alaranjada (mais representativa dos seres humanos, no universo dos<br />

quadrinhos e animação) e, principalmente, pela vestimenta. Esta, que antes compreendia<br />

apenas a camiseta, agora compõe um look com o tênis e a calça (consequência da diversificação<br />

das peças, que começavam a ser confeccionadas pela marca).<br />

O logotipo, por sua vez, é mantido dentro dos contextos originais. Em decorrência<br />

de tantas modificações no personagem, algo precisava ser mantido para que houvesse um<br />

reconhecimento por parte dos consumidores, uma garantia dos valores intrínsecos ao seu<br />

consumo simbólico (MIRANDA, 2008). E é pensando na construção simbólica que a Colcci se<br />

apresenta com um novo projeto.<br />

COLCCI – um design em transição<br />

O ano de 1997 foi de grandes mudanças para a empresa. Lila Colzani (2007) pontua<br />

que, apesar do crescimento da Colcci, nem todo o percurso do trabalho foi marcado por<br />

sucesso e tranquilidade. Segundo a estilista e ex-proprietária da marca, durante o período de<br />

expansão, houve vários empecilhos: franqueados que não entendiam de moda ou de gestão<br />

de negócios; contratos que impediam a Colcci de entrar com lojas multimarcas em regiões<br />

onde houvesse uma franquia. Foram questões que acabaram prejudicando a empresa. A<br />

solução foi reestruturar a marca. Em meados desse mesmo ano, decidiu-se, estrategicamente,<br />

fechar as franquias que não estivessem dentro de um padrão de loja.<br />

Melo (2005) relata que, ao final da década de 1990 e início dos anos 2000, as empresas<br />

começaram a se preocupar mais com o relacionamento entre marca e clientes. O signo de<br />

comando amplia sua função inicial e passa a responder por significados simbólicos atribuídos<br />

aos objetos e marcas, proporcionando a tradução de valores emocionais. Para o autor, o<br />

branding vem aliar ao design de marcas a preocupação com o relacionamento entre as partes<br />

envolvidas no processo de consumo, fato que orienta o turnaround da Colcci em uma nova<br />

fase, de transição, em que mudam os propósitos do trabalho, o objeto produzido e as marcas;<br />

trabalho que, praticamente, relança a Colcci no mercado, exigindo dela um período de<br />

adaptação, para que a empresa possa entender seus novos objetivos e, consequentemente,<br />

amadurecê-los para transmiti-los a seus usuários.<br />

Havia, por parte da estilista Lila Colzani, o desejo de promover o crescimento da moda<br />

da Colcci dentro do universo fashion de marcas brasileiras. Aponta, ainda, que a marca<br />

estava ficando conhecida como especializada em vestuário básico. Foi quando se percebeu<br />

a importância de mudar essa visão, para evitar que a marca se tornasse definitivamente<br />

conhecida como popular, o que, a essa altura, não era o desejo dos proprietários da empresa,<br />

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O design da marca Colcci: história e construção.<br />

Lila e Jorge Colzani.<br />

O primeiro passo no processo de mudança da marca Colcci foi tornar seu mascote, o<br />

cachorrinho Digby, exclusivo das coleções infantis. Zanon (2009) diz que, apesar de trabalhar<br />

com vários itens, gradualmente a empresa foi inserindo produtos mais voltados a uma linha<br />

fashion e foi se desligando do personagem.<br />

As camisetas foram surgindo em tonalidades de cores diferenciadas e com tratamento<br />

de lavagem do tecido. As estampas deixaram de ser serigrafadas e passaram a receber<br />

bordados, o que proporcionava uma sofisticação ao objeto. Neste caso, o personagem não<br />

aparecia mais. Também a etiqueta da marca mudou: voltou ao logotipo inicial da Colcci, porém,<br />

nas cores principais de cada peça – uma solução adotada para interferir menos no produto,<br />

uma “invisibilidade” com vistas a transparecer apenas a nova proposta do design da empresa.<br />

Figura 13 – À esquerda, estampa de camiseta que começava a compor a nova coleção da Colcci.<br />

Foto do pesquisador.<br />

Figura 14 – À direita, nova etiqueta: “invisibilidade” que buscava transparecer apenas o design do produto.<br />

Dentro dos novos parâmetros, a Colcci começou um trabalho diferenciado: mudou a<br />

marca, a identidade visual das lojas e até o design de sua moda, como já mencionado. Com<br />

esse novo universo, propor um design que mudasse radicalmente a configuração visual da<br />

marca poderia levá-la, em instantes, à bancarrota. Era preciso manter algo que proporcionasse<br />

reconhecimento de elementos familiares ao consumidor, para não gerar um estranhamento<br />

por parte da clientela fiel e, consequentemente, seu distanciamento.<br />

A sexta marca volta a ser um logotipo, mantendo-se as cores da identidade que deram<br />

origem à empresa. Manter tais elementos visuais de reconhecimento seria importante para<br />

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comunicar ao consumidor as novas propostas. E o objetivo era mostrar que a empresa estava,<br />

gradualmente, adaptando-se a um novo universo.<br />

Figura 15 – A sexta marca volta a ser um logotipo.<br />

As cores amarelo e azul foram mantidas, objetivando o reconhecimento da marca. A<br />

tipografia, porém, não condizia mais com o tempo: muito pesada, seu traço, com intenções<br />

manuscritas, não se revelava contemporâneo para o universo informatizado que, cada dia<br />

mais, estava se fazendo presente na vida dos indivíduos. A tipografia deveria, pois, adaptar-se<br />

à cultura da época, digitalizar-se.<br />

Pode-se dizer que a empresa chega a um resultado de design mais amadurecido<br />

para a marca, com caráter mais sério, formas retas e limpas, indo ao encontro das novas<br />

propostas que a Colcci pretendia transmitir em um símbolo. A nova marca Colcci condensa<br />

informação que comunica um amadurecimento no design de suas coleções, pois rompe com<br />

o universo fantástico e bem-humorado, representado por um personagem humanizado, mas<br />

não real. Traduz esse ideal em formas retangulares e cores que proporcionam reconhecimento<br />

e familiaridade com as marcas anteriores, na intenção de gerar lembrança aos seus propósitos<br />

de qualidade, experimentados pelo consumidor.<br />

Nota-se, porém, que o conceito não seria suficiente para atender ao novo posicionamento:<br />

um novo público que agora não buscava apenas se vestir com qualidade e bons preços, mas<br />

intencionava também transparecer uma identidade particular e construída, dentro do ambiente<br />

de consumo de moda, como exposto por Miranda (2008).<br />

Os diretores da Colcci sabiam, portanto, que o trabalho com a sexta versão seria,<br />

dentro desse contexto, temporário. Contudo, não era uma identidade definida, mas uma fase<br />

de transição.<br />

A sétima marca da Colcci é um logotipo que surge para acompanhar o conceito das<br />

peças em produção, possuidoras de um caráter cada vez mais ligado ao fashion. Opta-se por<br />

retirar as cores azul e amarelo e trabalhar, por algum tempo, uma marca monocromática, até<br />

que se acertasse uma proposta de design.<br />

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O design da marca Colcci: história e construção.<br />

Figura 16 – Sétima marca, um logotipo monocromático.<br />

Avalia-se que a Colcci pretendia trazer elementos que a atualizasse e, consequentemente,<br />

fortalecesse sua imagem. A empresa almejava uma ruptura completa com a antiga identidade,<br />

que, em virtude do amarelo e azul, ainda remetia muito aos tempos em que Digby imperava<br />

no design das coleções. É como se a marca estivesse definitivamente se desvinculando de<br />

qualquer ideal ou significado construído ao longo do tempo pelas cores padrão, que sempre<br />

adotou como identidade.<br />

Zanon (2009) considera que todas as mudanças levaram a Colcci a esse redesign,<br />

modificando a marca frequentemente. Apesar de se mostrar um processo estruturado, a<br />

entrevistada acredita que a movimentação para a reestruturação não tenha sido um trabalho<br />

planejado. “Na verdade, foi uma coisa que foi acontecendo [...] acredito que tenha sido mesmo<br />

uma consequência da evolução do produto que precisava também da evolução do logotipo”<br />

(ZANON, 2009, registro gravado).<br />

Contudo, a sexta e sétima versões da marca Colcci não representavam a concepção<br />

visual de um símbolo que significava os planos da empresa para o futuro. Os logotipos eram<br />

a primeira ideia do que se almejava, concepções transitórias, até que a empresa acertasse<br />

seu ritmo e proporcionasse a solução para um design eficiente, capaz de comunicar as novas<br />

intenções.<br />

Entre o final de 1999 e início de 2000, a Colcci apresenta sua oitava marca oficial, uma<br />

assinatura visual, composta de símbolo e logotipo, que a segue até os dias atuais.<br />

Figura 17 – A oitava, e última, marca da Colcci.<br />

A nova marca da Colcci rompe com todas as propostas anteriores, configurando a<br />

consagração de seu novo trabalho. No que se refere às cores, a empresa desenvolveu uma<br />

tonalidade própria para seu símbolo, derivada da cor laranja. A tipografia segue um design<br />

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exclusivo, fugindo da concepção original, manuscrita.<br />

O símbolo é uma solução de design, resultado visual do espectro sonoro que forma<br />

a palavra Colcci quando pronunciada. Nesse sentido, lê-se verbal e visualmente o nome<br />

da empresa. Uma disposição que, no futuro, pode permitir à marca assinar apenas com o<br />

símbolo ou com o logotipo, alternativa que proporciona maleabilidade na comunicação dos<br />

significados adotados.<br />

Figura 18 – Maleabilidade na aplicação da marca: ora aparece assinatura visual, ora somente símbolo, ora<br />

logotipo.<br />

Zanon (2009) relata que todas as mudanças ocorridas com o logotipo foram<br />

acompanhadas por reformulações internas no layout da loja, além da aplicação da identidade<br />

visual no material dos pontos de vendas, de crescimento em ações de comunicação. Enfim,<br />

sempre houve uma preocupação com design, marketing e comunicação.<br />

Figura 19 – A oitava marca Colcci aplicada em fachada de loja da marca. Fotos do pesquisador.<br />

O trabalho de reposicionamento da marca contribuiu para aumentar o sucesso<br />

da empresa, chamando a atenção para a sua força, atraindo, consequentemente, o olhar<br />

de grandes investidores. Em 2000, o grupo AMC Têxtil compra a marca Colcci. A gestão<br />

administrativa da empresa, que se concentrava na figura do então sócio-proprietário Jorge<br />

Colzani, cede espaço a novos diretores – que seguem o comando da liderança de Alexandre<br />

e Margareth Menegotti, irmãos e sócios-proprietários do grupo que adquiriu a marca. Lila<br />

Colzani, porém, não se desliga da empresa como o marido. Apesar de não mais responder<br />

por decisões administrativas, a estilista continua contratada pelo grupo para comandar o<br />

departamento de design de moda das coleções da Colcci.<br />

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O design da marca Colcci: história e construção.<br />

O processo de compra pelo grupo AMC Têxtil, segundo Zanon (2009), passou por um<br />

período de maturação, necessário para que a empresa se enquadrasse nesse novo universo<br />

para, assim, ter uma visão dos novos rumos a serem seguidos. Uma etapa que levará a novas<br />

oportunidades e, ao longo do tempo, acarretará novas mudanças. Em um processo que vai<br />

definir o design da marca Colcci.<br />

COLCCI – A marca, a moda e a modelo<br />

Chega-se, então, às propostas contemporâneas para o design da marca. Melo (2005)<br />

tece considerações sobre a complexidade da marca, visto que o símbolo, a imagem e o<br />

relacionamento com o cliente estão imbricados em uma atividade única: a de proporcionar<br />

os significados, funcionais e emocionais, a serem traduzidos por um grupo que compartilha o<br />

mesmo código. Um trabalho que se presta ao design da marca Colcci no mercado de moda<br />

brasileiro e que necessitou de um longo planejamento, que vai de 2001 – após a compra pelo<br />

grupo – até janeiro de 2004, ano de maior importância para a Colcci, pois marcou sua primeira<br />

aparição em uma semana de moda brasileira.<br />

Zanon (2009) afirma que em 2003 a rede de franquias já estava melhor estruturada<br />

e desenvolviam-se estratégias de trabalho com as multimarcas; que havia, por parte dos<br />

consumidores, certa cobrança pela não participação em uma semana de moda. Os clientes<br />

precisavam e reclamavam de uma visibilidade que a própria marca não possuía, em nível<br />

desejado, nas capitais. Assim, a Colcci sentiu-se motivada para uma mudança que a elevasse<br />

ao patamar de conhecimento pretendido. Percebeu que tal visibilidade poderia ser obtida com<br />

a participação em eventos, como o São Paulo Fashion Week ou o Fashion Rio. Iniciou-se,<br />

pois, um novo trabalho com o design da marca.<br />

Apresentando a coleção Outono/Inverno 2004, a marca teve sua primeira participação<br />

no Fashion Rio – uma parceria que permaneceria até 2007. “Então começamos de fato, com<br />

força, com visibilidade, em janeiro de 2004. [...] desfilamos com a Paris Hilton. Este foi o<br />

primeiro grande desfile da Colcci” (ZANON, 2009, registro gravado).<br />

A modelo Gisele Bündchen participou, na última hora, dos trabalhos que a empresa<br />

preparava para a segunda metade de 2004. Para Zanon (2009), um dos fatores que contribuíram<br />

para a busca do nome da modelo foi a ideia de uma expansão internacional. Na época a Colcci<br />

possuía uma loja nos Estados Unidos e iniciava suas atividades em outros países; precisava<br />

de um rosto que possuísse visibilidade não só no Brasil, como no exterior. Depois de Paris<br />

Hilton, a marca percebeu que era necessário alguém que representasse todos os valores que<br />

se desejava comunicar.<br />

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O design da marca Colcci: história e construção.<br />

Figura 20 – À esquerda, imagem do primeiro desfile Colcci realizado com Paris Hilton, em janeiro de 2004, no<br />

Fashion Rio. Fotos divulgação cedidas pela Colcci.<br />

Figura 21 – À direita, imagem do primeiro desfile Colcci realizado com Gisele Bündchen, em janeiro de 2005, no<br />

Fashion Rio. A coleção Outono/Inverno 2005 tinha como título/tema “Confidential Hotel”.<br />

Fotos divulgação cedidas pela Colcci.<br />

Para Erner (2005), grandes marcas se consolidaram no mercado graças à habilidade de<br />

seus dirigentes; seus produtos são bem comercializados pelo nome que construíram. Muitas<br />

vezes, as vias que propulsionam um resultado ainda maior tomam caminhos que se utilizam<br />

do que o autor chama de people – vestir celebridades – para garantir certo status. A Colcci é<br />

um exemplo, iniciou com Paris Hilton e seguiu com Gisele Bündchen.<br />

A ideia do people, colocada pelo autor, é reforçada, sob outra perspectiva – a psicológica<br />

–, por Miranda (2008, p.25), ao acrescentar que “o indivíduo possui tendência psicológica à<br />

imitação, esta proporciona a satisfação de não estar sozinho em suas ações. Ao imitar, não só<br />

transfere a atividade criativa, mas também a responsabilidade sobre a ação dele para o outro”.<br />

Logo após o primeiro trabalho com a modelo Gisele Bündchen, a marca abriu lojas em<br />

Barcelona e Madri, na Espanha, e começou uma ação muito forte nos Emirados Árabes. No<br />

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O design da marca Colcci: história e construção.<br />

dia da entrevista com Geane Zanon (23 de outubro de 2009), a Colcci estava abrindo uma loja<br />

franqueada no Chile e organizando sua inauguração com a presença do modelo Jesus Luz, o<br />

que, mais uma vez, alinha as estratégias da marca ao pensamento de Erner (2005), Miranda<br />

(2008) e Perez (2004), reforçando-o.<br />

Em 2007 Jéssica Lengyel assume o design das coleções da Colcci e tem, em janeiro<br />

do mesmo ano, a sua premier, apresentando a coleção Outono/Inverno 2007. Lengyel vem<br />

reforçar a intenção da empresa ao apostar no jeanswear. Porém, a Colcci não esconde – nas<br />

peças desfiladas na passarela – o forte apelo fashion, além da intenção de lançar tendências.<br />

Figura 22 – Peças com design assinado por Lengyel e sua equipe. Coleção Primavera/Verão 2008.<br />

A Colcci satisfeita com o resultado positivo das participações no Fashion Rio, em 2008,<br />

transfere a apresentação das coleções para o São Paulo Fashion Week. Zanon (2009) analisa<br />

positivamente o papel das duas semanas de moda na marca: o Fashion Rio foi uma grande<br />

vitrine para a empresa, colocou sua marca no mercado, chamando atenção para a proposta<br />

inovadora de moda que é trabalhada; em São Paulo, teve-se a oportunidade de consagrar,<br />

de forma institucionalizada, a capacidade da Colcci para fazer moda e mostrar que veio para<br />

lançar tendência no jeanswear.<br />

Em sua primeira participação no São Paulo Fashion Week, a Colcci trouxe um reforço à<br />

imagem de Bündchen nas passarelas. Rodrigo Hilbert vem formar, com Gisele, o casal que a<br />

empresa precisava para consagrar o uso do people – como propõem Erner (2005) e Miranda<br />

(2008).<br />

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O design da marca Colcci: história e construção.<br />

Figura 27 – Colcci em estreia no SPFW. Gisele Bündchen e Rodrigo Hilbert fazendo casal na passarela da<br />

marca. Primavera/Veão 2009.<br />

A empresa também leva a imagem “do casal Colcci” aos materiais de comunicação<br />

– que ganham tratamento e trabalhos especiais, com fotógrafos renomados (nomes como<br />

Gui Paganini e David Sims) e agência de propaganda (PrCom) especializados no universo da<br />

moda.<br />

Figura 28 – Imagens do catálogo Primavera/Verão 2009 Colcci. Consagração para a marca no uso do people.<br />

Com Lengyel, a empresa decide fazer outras alterações no seu trabalho, mudando:<br />

etiquetas das peças, bem como as que possuem função instrutiva e de identificação; materiais<br />

de comunicação, publicidade, merchandising; layout das lojas; e, mais tarde, a semana de<br />

moda da qual participava.<br />

A Colcci percebe que esses materiais são parte do significado que possibilita construir<br />

os valores que a empresa insere no design de sua marca, proporcionando oportunidades de<br />

contato da marca com seus consumidores; permitem ser diferenciados e renovados a cada<br />

coleção, já que acompanham as mudanças de estilo e geralmente são desenhados dentro do<br />

que propõe o tema da estação.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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O design da marca Colcci: história e construção.<br />

Figura 23 – Etiquetas encontradas em peças como calças, camisetas, bolsas e tênis. A cada estação um novo<br />

formato que acompanha o tema/título da coleção. Fotos arquivo pessoal.<br />

Com a nova proposta de trabalho e a crescente expansão internacional, a Colcci muda<br />

o layout de suas lojas. No novo design predominam as cores sóbrias, intercaladas com cores<br />

neon, conceito de ousadia encontrado no design das coleções da marca. Características do<br />

universo jovem, que misturam informações e acabam se harmonizando com o consumidor,<br />

aberto ao novo, às experimentações.<br />

Figura 24 – Layout das lojas Colcci a partir de 2007. Fotos do pesquisador.<br />

Nota-se uma setorização na loja, cuja idealização foi concebida para destacar as<br />

linhas segmentadas da marca. Isso valoriza as linhas dos produtos quanto à exposição e cria<br />

ambientes diferenciados, que permitem ao público, ao misturá-las, experimentar o novo, ousar.<br />

Assim, o consumidor pode compor o seu look de forma particular e assumir as propostas<br />

construídas pela marca.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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O design da marca Colcci: história e construção.<br />

Figura 25 – Existe uma setorização na loja, trabalho que valoriza os produtos. Fotos do pesquisador.<br />

Figura 26 – Novas sacolas, novo acabamento interior e nova aplicação para o endereço eletrônico da marca.<br />

Fotos do pesquisador.<br />

As embalagens dos produtos também recebem novo redesenho. Sacolas e caixas<br />

de presentes ganham elegante acabamento: o logotipo é aplicado em dourado, no centro<br />

dos materiais, optando-se por deixar de fora o símbolo da marca, visto que os filetes que o<br />

compõem poderiam desaparecer sobre o arabesco. Entre as alças encontra-se o símbolo<br />

da empresa, compondo o endereço eletrônico de seu site, o que só reforça o ideal de ler<br />

Colcci, visualmente, com o espectro da vocalização formada pelo nome da marca, ao ser<br />

pronunciada, e retoma a discussão da flexibilidade na sua aplicação.<br />

Vale ressaltar que o endereço eletrônico aplicado nesses materiais vem descrito apenas<br />

com a denominação internacional de sites, o “.com”, sem a aplicação da extensão de sites<br />

brasileiros, o “.br”, o que vem mais uma vez reforçar a intenção da marca quanto a um trabalho<br />

internacional, alinhado a uma linguagem de comunicação única.<br />

Esse novo trabalho com o design de etiquetas e tags, comunicação e merchandising,<br />

desfiles e lojas, mostra a preocupação da Colcci em, junto com as novas propostas da designer<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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O design da marca Colcci: história e construção.<br />

contratada, atender a construção dos significados da marca.<br />

Há um discurso, por parte da empresa, de não se intitular uma grande lançadora<br />

de tendências, e para a diretoria nem existe essa pretensão. Segundo Zanon (2009), quem<br />

lança tendência são os designers internacionais de moda, e, hoje, muitos são os brasileiros,<br />

como Ronaldo Fraga, Alexandre Herchcovitch. A entrevistada diz que o projeto da empresa<br />

é ser reconhecida como moda jeanswear; e existe a preocupação de trabalhar tendência<br />

dentro desse segmento; um discurso particularmente diferente do resultado que se vê nas<br />

participações da marca nas semanas de moda.<br />

Na verdade, apesar de a diretora refutar essa ideia, por hora, o discurso da Colcci quanto a iniciar<br />

um trabalho com um produto voltado às grandes tendências de moda, parece estar tomando forma e<br />

pode, em breve, tornar-se realidade. A empresa tem dado mostras de estar trilhando nessa direção.<br />

Hoje a Colcci está presente em, aproximadamente, 35 a 40 países, com 20 estabelecimentos<br />

franqueados e um trabalho de peso com 1500 multimarcas em países estrangeiros. No Brasil, são<br />

100 franqueados e 1300 multimarcas. Os números impressionam, ao todo, existem por volta de<br />

120 lojas franqueadas e 2800 multimarcas trabalhando as coleções da marca em todo o mundo.<br />

Considerações Finais<br />

Algumas constatações levam a uma análise que contesta o contraditório discurso da<br />

marca. A Colcci agora divide Gisele Bündchen com outro rosto internacional, Danny Schwarz<br />

– modelo inglês que tem trabalhos com Calvin Klein, D&G e Pepe Jeans. As fotos foram<br />

clicadas por um fotógrafo de renome internacional no universo da moda, David Sims – que<br />

possui experiência com Gap, Prada, Levi´s, Louis Vuitton, Hugo Boss, Givenchy e Nike. Tais<br />

fatos levam a acreditar que a empresa esteja cada vez mais focada no mercado internacional.<br />

Afinal, existe todo um movimento de internacionalização das linguagens em seus materiais de<br />

comunicação e merchandising, que contam com nomes consagrados do mundo da moda.<br />

Figura 29 – Imagens do catálogo e anúncios da coleção Outono/Inverno 2010 (Viajantes do tempo – Time travelers).<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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O design da marca Colcci: história e construção.<br />

Foi inaugurada, em 28 de maio de 2010, a primeira Concept Store da marca Colcci.<br />

Localizada no shopping Cidade Jardim, em São Paulo, a loja pretende oferecer, além das<br />

peças da coleção, produções exclusivas desfiladas nas passarelas do São Paulo Fashion<br />

Week – semana de moda à qual está inserida –, que só serão encontradas por lá. Essa<br />

estratégia é uma das grandes observações quanto ao discurso contraditório da marca. Podese,<br />

aqui, sacramentar o desejo implícito da empresa de, talvez, em um futuro breve, como já<br />

foi apontado, trabalhar definitivamente um caminho que irá consagrá-la dentro do universo<br />

fashion e apresentar a Colcci como uma marca de moda que veio para lançar tendências.<br />

A empresa busca também estabelecer apenas seu nome, com o símbolo da marca<br />

cada vez mais omisso nas suas aplicações, o que revela o próximo passo: o regresso da<br />

Colcci a um logotipo com design específico da sua tipografia, em cor preta, e alinhado com<br />

os grandes lançadores de tendências internacionais, como Calvin Klein, Calvin Klein Jeans,<br />

Diesel, Dolce & Gabbana, etc.<br />

Zanon (2009) afirma que o uso apenas do logotipo é um trabalho específico do material<br />

de comunicação e marketing das coleções, mas sua apresentação completa, com símbolo, é<br />

a marca institucional; aparece em produtos, etiquetas, tags, lojas, etc.<br />

Analisa-se, no entanto, que, dentro das propostas aqui apresentadas com o design<br />

de marcas contemporâneo, todo ponto de contato com o consumidor é uma oportunidade<br />

de relacionamento da marca com a construção de seus valores e, consequentemente, uma<br />

oportunidade para estabelecer os códigos que permitirão a tradução de seus significados no<br />

futuro.<br />

Sendo assim, essa reflexão mostra que a Colcci tem hoje um trabalho bem organizado<br />

e planejado. Há, por parte dos envolvidos com a empresa, uma grande preocupação com<br />

seu futuro no mercado de moda. Afinal, ela traça um histórico que permeia o trabalho de<br />

uma marca que saiu do interior de Santa Catarina, com a produção de peças de roupas<br />

básicas com estampas de um personagem figurativo – humanizado e carregado de símbolos<br />

de afetividade –, para uma empresa que tem modelos internacionais fotografados por nomes<br />

consagrados da moda, produz peças com design assinado e possui lojas espalhadas por<br />

todo o mundo, vendendo a culturas globalizadas objetos que permitem que os indivíduos se<br />

expressem por meio dos significados construídos pelo design de sua marca.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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O design da marca Colcci: história e construção.<br />

Notas<br />

i Esta pesquisa resultou na dissertação intitulada O <strong>Design</strong> da Marca Colcci, elaborada por Alvaro de<br />

Melo Filho, defendida em agosto de 2010, pelo Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em <strong>Design</strong><br />

da <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, sob a orientação da Profa. Dra. Márcia Merlo.<br />

ii Cauduro e Martino (2005), Costa (2008), Lupton (2006), Melo (2005), Miranda (2008), Perez (2004)<br />

e Wheeler (2008).<br />

iii Aqui também tratado como redesign.<br />

iv [...] mascote remete à figura de pessoas, animais ou coisas consideradas capazes de trazer ou de<br />

proporcionar sorte e felicidade. [...] o objetivo principal da utilização do mascote é o de humanizar a<br />

marca. Normalmente são animaizinhos (reais ou criados, desenhados) que possuem vida própria, têm<br />

sentimentos e participam do cotidiano humano (PEREZ, 2004, p.94 - 95).<br />

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O design da marca Colcci: história e construção.<br />

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São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 442


FLáVIO IMPÉRIO: CENÓGRAFO, ARQuITETO E ARTISTA<br />

Gisela Belluzzo de Campos; Profª Dra. do PPG em <strong>Design</strong>: <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong><br />

giselabelluzzo@uol.com.br<br />

Tereza Grimaldi Avellar Campos; Graduanda do curso de <strong>Arte</strong>s com Habilitação em Audiovisual<br />

e Novas Mídias: <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong> - tetegrimaldi@gmail.com<br />

Resumo<br />

Este artigo busca analisar a diversidade da obra de Flávio Império e<br />

identificar suas referências, processos de criação e singularidades<br />

em relação a outros artistas e cenógrafos, bem como entre suas<br />

obras que transitam pelos campos das artes plásticas, cenografia,<br />

figurinos e arquitetura. Buscou-se obter as informações necessárias<br />

por meio de referências em livros, desenhos e documentos de<br />

processo e relatos de pessoas que conviveram e trabalharam com<br />

ele diretamente. Foram eleitas três peças com cenários e figurinos<br />

de sua autoria para estabelecer relações entre seus estilos e<br />

maneiras de criar e produzir.<br />

Palavras-Chave: Flávio Império; cenografia; desenho;<br />

artes plásticas; processo criativo<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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Flávio Império: cenógrafo, arquiteto e artista<br />

Introdução<br />

Este artigo é resultado de um projeto de Iniciação Científica sobre o papel e a importância<br />

do desenho no processo de criação e na construção de cenários e figurinos teatrais de Flávio<br />

Império.<br />

Flavio foi um dos maiores cenógrafos brasileiros que produziu entre as décadas de<br />

1950 e 1980, tendo criado cenários e figurinos de peças como Morte e Vida Severina, de João<br />

Cabral de Melo Neto, no Teatro Experimental Cacilda Becker, em 1960; Um Bonde Chamado<br />

Desejo, de Tenessee Williams sob direção de José Celso Martinez Corrêa, no Teatro Oficina,<br />

em 1962; Roda Viva de Chico Buarque de Hollanda, em 1964; criou também a cenografia de<br />

shows como Rosa dos Ventos, de Maria Bethania, no Teatro da Praia, no Rio de Janeiro, em<br />

1971, entre muitos outros.<br />

O artigo busca explicitar, em um primeiro momento, a importância de Flávio Império<br />

no contexto de sua época – um conturbado momento na historia do Brasil, marcado pela<br />

ditadura militar e pela censura acirrada sobre os meios de comunicação e, principalmente,<br />

sobre os artistas. Discorremos também acerca da interdisciplinaridade e do processo criativo<br />

de sua trajetória e, por fim, analisamos três peças afim de identificar elementos desse processo<br />

criativo, enfatizando as singularidades e usos de seu trabalho diante do contexto teatral da<br />

época, especificamente aquela que culminou na criação dos cenários e figurinos das peças<br />

Pano de Boca, Andorra e Noel Rosa: o Poeta da Vila e seus Amores.<br />

A pesquisa foi embasada, principalmente, na análise e na observação de desenhos<br />

realizados para projetos de seus cenários e figurinos. Paralelamente, foram consultados<br />

documentos de projetos tais como fotografias, maquetes e escritos em cadernos pessoais<br />

de Flávio, disponíveis, juntamente com os desenhos, no acervo da Sociedade Cultural Flavio<br />

Império, localizada na casa de sua irmã Amélia Império Hamburger. Um grupo de alunos e<br />

arquitetos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da <strong>Universidade</strong> de São Paulo cuida<br />

da catalogação e reorganização deste acervo, que, segundo Amélia, será doado em breve<br />

para alguma instituição ainda não definida. A pesquisa se apoiou ainda em textos autorais<br />

e informativos de comentadores de sua obra que auxiliaram a desvendar o processo e a<br />

construção de seus trabalhos.<br />

Ao observar todo este material podemos entender um pouco como funcionava seu<br />

pensamento, quais eram suas referências e o que ele buscava com suas obras cenográficas.<br />

“O teatro me ensinou a vida, a arquitetura o espaço, o ensino a sinceridade, a pintura a<br />

solidão.” (IMPÉRIO In HAMBURGER; BENEDETTI, 1997).<br />

Contexto<br />

Arquiteto, artista plástico e professor, Flávio foi um dos cenógrafos mais importantes do<br />

teatro brasileiro. Durante os anos de sua produção, de 1956 a 1985, não se pode pensar a<br />

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Flávio Império: cenógrafo, arquiteto e artista<br />

história do teatro brasileiro sem mencionar Flávio Império. Formado em arquitetura e professor<br />

da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da <strong>Universidade</strong> de São Paulo na década de 1950,<br />

Flávio iniciou sua carreira como cenógrafo e figurinista com um grupo de crianças. A partir daí<br />

ingressou em companhias de teatro como o TBC (Teatro Brasileiro de Comédia) e Teatro de<br />

Arena. Paralelamente exercia uma produção no âmbito das artes plásticas, produzindo telas<br />

muitas vezes contendo críticas sociais e políticas.<br />

Pouco antes de Flávio iniciar sua carreira, no ano de 1948, o teatro paulista passava<br />

por grandes transformações. Neste ano foi fundado o Teatro Brasileiro de Comédia, TBC.<br />

Nesta época havia apenas três teatros em São Paulo, o Boa Vista, o Santana e o Municipal,<br />

cujas agendas eram preenchidas por bailes, festas e temporadas de companhias de teatro<br />

estrangeiras, ou seja, não havia espaço para os grupos locais. Esta situação criava uma<br />

dificuldade para os grupos amadores de São Paulo alugarem o Teatro Municipal, a fim de se<br />

apresentarem.<br />

Diante disto, o industrial italiano Franco Zampari, que se encontrava em boa situação<br />

econômica em São Paulo, como forma de retribuição ao que a cidade havia lhe proporcionado,<br />

reformou uma garagem localizada na Rua Major Diogo e a transformou em um teatro com<br />

365 lugares, ainda simples, que seria melhorado ao longo do tempo – o TBC. Este espaço<br />

era destinado à apresentação destes grupos amadores. Ainda em 1948 os grupos vão se<br />

revezando com diversas montagens no recém criado TBC.<br />

O TBC inaugura o teatro profissional em São Paulo, em 1949, que nesta época, era o<br />

mais homogêneo do Brasil, sendo todo ele pertencente à uma geração que compartilhava os<br />

mesmos princípios estéticos. Em 1954, o TBC ocupa o Teatro Ginástico do Rio de Janeiro. Em<br />

1955, passa a ser considerado parte integrante da identidade de São Paulo, um bem coletivo<br />

que pertence à cidade, do mesmo modo que “o prédio do Banco do Brasil, o viaduto do Chá,<br />

os nossos museus e o Parque do Ibirapuera” (MAGALDI e VARGAS, 2001, p. 219).<br />

Em 1958 um grupo de estudantes de direito do Centro Acadêmico XI de Agosto, no Largo<br />

São Francisco, começa a reunir-se para fazer teatro. Inspirados pelas idéias existencialistas<br />

de pensadores como Jean Paul Sartre, estes amadores tinham ainda em comum o desejo de<br />

fazer um teatro diferente, que fugisse do caráter burguês do TBC e de seu italianismo. Surge<br />

então o Teatro Oficina. José Celso Martinez Corrêa, um de seus fundadores, é o nome mais<br />

expressivo do Oficina, sendo diretor da maioria das peças. Ele tem uma posição bastante<br />

radical em relação ao TBC:<br />

Foi criado um tipo de teatro que fosse a imagem idealizada de onde o<br />

imigrante deve chegar e do que o brasileiro produtor de café, criador de porco<br />

ou construtor de fábrica devia alcançar como “requinte”, tal requinte era a<br />

cultura européia. Criou-se o TBC que se fechou totalmente ao teatro brasileiro<br />

já existente, para eles, a cultura não poderia nascer no Brasil, tinha que vir<br />

necessariamente de algum lugar da Europa ( CORRÊA Apud STAAL, 2000, p.<br />

18).<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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Flávio Império: cenógrafo, arquiteto e artista<br />

É importante lembrar que naquele momento o mundo assistia ao auge da Guerra Fria<br />

e o maior receio destes grupos era que o Brasil se inclinasse para o socialismo. O estilo de<br />

governo apresentado por João Goulart causava uma grande preocupação nos EUA que, assim<br />

como os grupos conservadores brasileiros, sentiam-se ameaçados por um golpe comunista.<br />

Este clima de tensão culminou com o golpe político-militar de 1964 que depôs o<br />

presidente João Goulart, obrigando-o a refugiar-se no Uruguai. O general militar Castello Branco<br />

foi eleito pelo Congresso Nacional e, ao contrário do que propunha em seu pronunciamento,<br />

logo que inicia seu governo assume uma postura autoritária que suprimia direitos assegurados<br />

pela Constituição.<br />

O Oficina, assim como toda a classe artística e também os veículos de comunicação, teve<br />

sua liberdade de expressão vigiada pela censura. Intelectuais, estudantes, membros da classe<br />

trabalhadora e todos os que se opunham ao regime militar, eram violentamente reprimidos,<br />

muitas vezes sofrendo perseguição política. Zé Celso e o Oficina tiveram muitas montagens<br />

mutiladas pela censura e, naquele momento, as condições adversas que enfrentavam não os<br />

inibia, ao contrário, fazia com que buscassem expor através de suas montagens sua postura<br />

crítica e insatisfeita com a realidade social em que viviam. Segundo o diretor do Oficina, havia a<br />

necessidade de falar do “aqui e agora”. Flávio era parte desta expressão artística da época, ao<br />

trabalhar em teatros como o Oficina e também o Arena, fundado nos anos 1950, e, ao mesmo<br />

tempo, realizar trabalhos no TBC, o que demonstra sua versatilidade, sua preocupação com<br />

a causa criativa e não apenas política e social.<br />

Produção e processo de criação<br />

Pesquisar a produção de Flávio é uma experiência enriquecedora pela desenvoltura com<br />

que o cenógrafo transita nas diversas áreas e técnicas para construir seus cenários os quais<br />

unem conhecimentos de arquitetura, de artes plásticas e de desenho. O caráter interdisciplinar<br />

do trabalho de Flávio enriquece sua produção e aponta possibilidades de caminhos para<br />

aqueles que a investigam.<br />

Os cenários de Flávio são produções complexas, ricas em experimentações técnicas,<br />

em pesquisas de materiais e de campo. Sua busca por diversas formas de expressão, técnicas<br />

e linguagens faz deste artista, por essência, uma referência nacional nas áreas em que atuou,<br />

principalmente na cenografia.<br />

O desenho é a linguagem comum entre todas as áreas percorridas por Flávio, e, através<br />

dele, pode-se perceber sua diversidade artística. A análise de seus desenhos projetuais para<br />

cenários e figurinos possibilita uma experiência estética que passa pelos campos das artes e<br />

da arquitetura, e atesta que cada cenário seu é fruto da junção da técnica com a sensibilidade.<br />

Na realização dos cenários, Flávio Império é o arquiteto e o mestre de obras. É o<br />

projetista e o executor. Esses trabalhos transcendem o preceito de criação em design, tal<br />

como é identificado na Revolução Industrial com o advento das produções em série, em que<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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Flávio Império: cenógrafo, arquiteto e artista<br />

um bom projetista é contratado e, executores, sem a noção de todo do processo, cumprem<br />

apenas suas funções definidas e limitadas. “Ele acompanhava todo o processo, ele desenhava,<br />

projetava, depois de projetar ia aos detalhes, ele virava noites e ia ver com as costureiras, e<br />

bordava, ia com os maquinistas [...] ficava extenuado e entregava aquilo [o cenário e figurinos].”<br />

(CORRÊA, Apud STAAL, 2000, p.46).<br />

Flávio projeta, analisa, busca os materiais e executa o projeto. Seu instrumento de<br />

trabalho mais significativo são suas próprias mãos. A tecnologia advém de suas experiências<br />

com materiais e técnicas. A produção que Flávio realiza no plano, ao pintar suas telas, serve<br />

também como base para suas produções tridimensionais. A sofisticação de seus cenários<br />

não se baseia em técnicas revolucionárias e sim na capacidade que ele possui de, com<br />

uma inteligência espacial adquirida pela prática como arquiteto aliada ao senso estético<br />

e conhecimento material obtidos pela prática como artista plástico, encontrar soluções<br />

esteticamente harmoniosas e engenhosamente inovadoras. Pode-se traçar um paralelo do<br />

trabalho de Flávio ao de um artesão que dedica sua vida à criação, cujo trabalho como um<br />

todo, desde o projeto até a execução final, proporciona intenso prazer. Laura Greenhalger<br />

comenta que Flávio Império tinha “[...] mãos de artesão. Curiosas, impacientes, dispostas,<br />

detalhistas” (GREENHALGER, 1997, p.16). Rocha acentua que é possível notar o peso de sua<br />

mão em seus trabalhos (ROCHA, 1997). Mãos que circulavam pelas mais diversas técnicas,<br />

das mais diversas formas. Flávio então se descobria pesquisador de materiais, reciclador,<br />

experimentalista, não tinha preconceito no uso dos materiais. Flávio comenta sobre as técnicas<br />

e materiais que utiliza: “[...] Às vezes é papel, às vezes é pano, às vezes é madeira, às vezes é<br />

serigrafia, às vezes é desenho com a mão, às vezes é pintura com recorte, às vezes é pintura<br />

com pincel” (IMPÉRIO apud HAMBURGER; BENEDETTI, 1997).<br />

Durante as experiências iniciais de sua carreira surgiram características de modos de<br />

operar que ele levaria por toda sua trajetória profissional tais como o comprometimento com o<br />

grupo, a habilidade de transformar experiências vividas em linguagem e a capacidade de criar<br />

cenários com recursos ínfimos.<br />

É inevitável, observando panoramicamente a obra de Flávio, pensar nos grandes<br />

artífices da Renascença: homens-artistas-artesãos que dominavam um leque<br />

de atividades complexas cuja dimensão era a resultante de um esplêndido<br />

instinto criador aliado à uma intuitiva posição criativa (RATTO, 1997, p. 41).<br />

A técnica usada também varia de acordo com a peça teatral na qual está trabalhando;<br />

as peças de cunho político geralmente demandavam soluções mais simples e criativas devido<br />

à falta de recursos.<br />

Flávio contemplou a diversidade do contexto teatral da época com técnicas e desenhos<br />

com estilos diferentes. Como já foi dito, o desenho é a linguagem comum entre as áreas<br />

exploradas por Flávio: arquitetura, artes plásticas, cenografia e figurino. Os estilos diversos<br />

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Flávio Império: cenógrafo, arquiteto e artista<br />

se confundem e se misturam, porém sua precisão técnica e liberdade criativa estão sempre<br />

presentes. O desenho tem várias funções em suas criações: é a parte lógica da criação, é<br />

o projeto de toda obra final e é também o documento de processo. Segundo Cecília Salles,<br />

os documentos de processo são índices do percurso mental realizado durante a criação. A<br />

materialidade destes índices varia de acordo com o artista (SALLES, 2001). Observando os<br />

desenhos de Flávio podemos entender o caminho mental de sua criação. Alguns deles surgem<br />

em papéis de guardanapo e, depois, são desenvolvidos e se tornam parte de seus projetos.<br />

Como diz Renina Katz, Flávio não tem um estilo, ele tem uma marca (KATZ, 1997).<br />

Não persegue estilisticamente nada, tem sim, uma necessidade de experimentação, por isso<br />

transita por diversas técnicas artísticas e faz uso dos mais variados materiais. Flávio é dotado,<br />

segundo Gianni Ratto, de uma polimorfia estética (RATTO, 1997).<br />

Cenografia<br />

“A cenografia pode ser considerada uma composição em um espaço tridimensional<br />

– o lugar teatral. Utiliza-se elementos básicos, como cor, luz, formas, volumes e linhas”<br />

(MANTOVANI, 1989, p.8).<br />

Segundo Beneh Mendes, em uma montagem teatral o texto é o elo fundamental, ainda<br />

que para negar determinadas criações. O cenógrafo propõe ao diretor um determinado cenário,<br />

e guia-se pelo texto, o que não significa que este seja a regra para a criação do cenógrafo. O<br />

artista da cenografia faz sua re-leitura, uma interpretação da história.<br />

No teatro não há uma fórmula, bem como não havia na criação de Flávio. Para uma<br />

montagem realizada em locais como o SESC, era necessário um projeto mais apurado e<br />

detalhado, por questões de aprovação de orçamento. Já em outros teatros sua criação podia<br />

ser mais livre, a exemplo da peça Pano de Boca. Neste caso, Flávio fazia um desenho com<br />

o intuito de passar a noção do projeto, o qual não precisava ter um caráter didático, pois ele<br />

estava presente durante toda a montagem, “criando os figurinos no corpo dos atores, bem<br />

como esticando tecidos para o cenário e criando objetos com um apuro estético e visual<br />

impressionantes” (MENDES, 2010)<br />

O Flávio tinha amplo conhecimento de marcenaria, funilaria, serralheria, pintura,<br />

escultura, serigrafia e outros processos de impressão; ele participava da<br />

execução de fio-a-pavio, pegando em ferramentas, metendo a mão na massa,<br />

enfim, de forma que os profissionais que trabalhavam ali ficavam seguros e<br />

satisfeitos com o trabalho (PAULO, 2010).<br />

O fato de ele estar presente durante a montagem possibilitava executar mudanças não<br />

planejadas, improvisos criativos que surgiam a partir do acompanhamento do projeto.<br />

Alguns cenógrafos constroem maquetes, para facilitar o entendimento da proposta de<br />

forma tridimensional, Flávio tinha este hábito.<br />

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Flávio Império: cenógrafo, arquiteto e artista<br />

Flávio era um artista por essência, sua formação como arquiteto apurou sua<br />

noção de espaço, proporcionando uma visão do espaço cênico diferenciada.<br />

Ele pensava no todo. Seus cenários eram projetados de modo a facilitar a<br />

marcação do diretor e movimentação dos atores. O desenho da cenografia,<br />

entretanto, não deixa de ser um projeto de arquitetura, porém trata-se de uma<br />

arquitetura efêmera (PAULO, 2010).<br />

Outro aspecto que podemos considerar em relação a diferença entre seus projetos era<br />

a verba disponível em cada montagem.<br />

O cenário pode sofrer alterações durante o processo de construção, adaptações<br />

podem ser necessárias, diferenciando-se, desta forma, do desenho inicial.<br />

Documentos de processo<br />

Ao analisar os cadernos de anotação de Flávio nos deparemos com referências de<br />

todos os tipos, tais como santinhos de campanhas eleitorais, fotos de viagens, cartas de<br />

amigos, desenhos, telegramas, muitas reflexões pessoais, poesias, escritos sobre cenografia<br />

e sobre suas aulas na FAU-USP. A sensibilidade de Flávio se evidencia ao percorrer estas<br />

páginas nas quais é possível se sentir quase em contato com ele. Um de seus escritos em<br />

forma de versos fala sobre seu entendimento sobre a profissão de cenógrafo:<br />

O cenógrafo<br />

Em geral<br />

É pessoa calada<br />

Porque sempre<br />

Tem<br />

Quem<br />

Fale... muito mais,<br />

E,<br />

Antes.<br />

Eu acabei ficando<br />

Com “prisão de boca”<br />

Semelhante a de ventre<br />

Porque,<br />

Ultimamente,<br />

Não tenho ouvido<br />

Nada muito melhor<br />

Do que me vem a cabeça<br />

Flavio Império, São Paulo, 9-9-82.<br />

Optamos por abordar os desenhos relativos aos projetos de cenário e figurino de três<br />

peças criados por Flávio: Andorra, de Max Frisch, encenada no Teatro Oficina em 1964, Pano<br />

de Boca de Fauzi Arap, montada no teatro 13 de maio em 1976 e Noel Rosa, o Poeta da Vila<br />

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Flávio Império: cenógrafo, arquiteto e artista<br />

e Seus Amores, de Plínio Marcos, montada no Teatro Popular do SESI, em 1977.<br />

A escolha destas peças deve-se às diferenças encontradas entre elas em termos de<br />

estilo de desenho dos projetos, os quais são compostos por toda a pesquisa de Flávio em<br />

relação ao texto, aos materiais, e pelos próprios desenhos. Cada desenho de Flávio é único<br />

e os realizados para os projetos destas três peças exemplificam muito bem esta afirmação.<br />

Andorra<br />

Percebe-se, nos desenhos de Flávio criados para esta peça, a presença do arquiteto<br />

pela precisão técnica. Não há, entretanto, especificações de medidas ou estruturas, evidência<br />

de que Flávio estava sempre presente durante a montagem do projeto. Os croquis dos<br />

figurinos apresentam alguns detalhes coloridos, entretanto, a maior parte deles é feita apenas<br />

com uma caneta esferográfica resultando em desenhos precisos que, ao mesmo tempo, têm<br />

um estilo próprio e característico, nos quais, aparece, então, o artista. Flávio conta que a idéia<br />

desta peça era realizar um teatro próximo do épico, com uma perfeição estética. Em algumas<br />

de suas anotações encontramos as definições de Flávio para o uso de determinadas cores<br />

e sua relação com a história contada, contextualizada na época do nazismo e que trata de<br />

preconceitos e perseguições. “O branco e o preto eram o preconceito. O marrom e o azul<br />

eram o homem no seu universo complexo e incoerente, esbarrando por todos os lados com o<br />

bloqueio dos preconceitos, tanto brancos como pretos” (IMPÉRIO, 1997, p. 89).<br />

Figs.1 e 2. Desenhos para cenário e figurinos da peça Andorra, de Max Frisch, 1964<br />

Fontes: KATZ, Renina e HAMBURGER, Amélia (org). Flávio Império. P. 90. Catálogo da Exposição Flávio<br />

Império em Cena, realizada no Sesc Pompéia em 1977, p. 23<br />

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Pano de Boca<br />

Nos desenhos projetuais da peça Pano de Boca nota-se o contraste estilístico – parecem<br />

até mesmo terem sido realizados por outra pessoa. São esboços menos normatizados, mas<br />

que ainda assim exprimem a desenvoltura técnica de seu criador. Novamente percebemos o<br />

artista presente. Encontramos indicações técnicas em relação a medidas em alguns destes<br />

desenhos. Talvez por serem menos precisos, Flávio sentiu necessidade de colocá-las.<br />

Em meio ao material desta peça, acessível na Sociedade Cultural Flávio Império,<br />

encontram-se folhas de um de seus diversos cadernos de anotações, onde verifica-se a<br />

explicação detalhada de cada etapa da construção dos cenários, bem como listas de compras<br />

de tecidos e materiais para confecção dos figurinos. Tivemos acesso ao texto da peça e a<br />

única referência ao cenário é: “o cenário é um palco cheio de coisas velhas, retalhos de velhos<br />

cenários, roupas jogadas, um baú, muita sujeira”.<br />

Lendo o relato de Flávio entendemos sua interpretação das referências do texto e sua<br />

intenção de fazer com que o palco parecesse um teatro abandonado, situação real do Teatro<br />

13 de Maio quando o cenógrafo o visitou pela primeira vez: “[...] um velho depósito parado,<br />

com um monte de coisa velha, onde se tentava uma nova produção era só uma espécie de<br />

documento do documento” (IMPÉRIO, 1997, p.117). Flávio concebeu elementos cenográficos<br />

com materiais recolhidos em galpões de escola de samba e em depósitos de teatros.<br />

Fig. 3 Desenho de cenário para a peça Pano de Boca, de Fauzi Arap, 1976<br />

Fonte: KATZ, Renina e HAMBURGER, Amélia (org). Flávio Império. P. 120<br />

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Flávio Império: cenógrafo, arquiteto e artista<br />

Fig. 4 Desenho de cenário para a peça Pano de Boca, de Fauzi Arap, 1976<br />

Fonte: KATZ, Renina e HAMBURGER, Amélia (org). Flávio Império. P. 120<br />

Noel Rosa, o Poeta da Vila e seus Amores<br />

Investigando a terceira peça escolhida – Noel Rosa, o poeta da Vila e seus Amores,<br />

encontramos desenhos nos quais nos deparamos com o arquiteto e o artista em harmonia.<br />

Os desenhos possuem uma perfeição em termos de proporção e espaço. Percebe-se o que<br />

é o projeto de uma construção para o palco, que difere de uma construção real. O espaço<br />

e os materiais são diferentes, o que demonstra a versatilidade do arquiteto ao realizar as<br />

adaptações necessárias. O uso das cores é muito sofisticado, bem como as colagens que<br />

compõem o projeto, conferindo-lhe um aspecto de obra finalizada. A peça, que na verdade é<br />

um musical, conta a história de vida de Noel Rosa, compositor e sambista carioca, que viveu<br />

na década de 1920 no bairro de Vila Isabel, Rio de Janeiro. O cenário de Flávio tem como pano<br />

de fundo painéis com desenhos do bairro e as cores conferem uma característica tropical e<br />

um toque da malandragem característica dos sambistas cariocas. Flávio considera todos os<br />

aspectos para a realização da peça, como por exemplo, o espaço que os atores necessitam:<br />

[...] essa (Noel Rosa, o poeta da Vila e seus Amores) não é uma peça realista.<br />

Isso é um musical. Então tem que encher de música e o espaço tem que ficar<br />

livre porque não tem jeito de atravancar. Então a narrativa ficou sujeita a um<br />

espaço eminentemente livre como se fosse para a dança e para o canto. E cada<br />

elemento que descia só circunstanciava mais ou menos de forma decorativa,<br />

nem era uma coisa realista. Era para dar um fundo (IMPÉRIO, 1997, p. 69).<br />

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Flávio Império: cenógrafo, arquiteto e artista<br />

Figs. 5 e 6. Desenhos de cenário e figurinos para a peça Noel Rosa, o Poeta da Vila e Seus Amores, de Plínio<br />

Marcos, 1977. Fonte: Catálogo da Exposição Flávio Império em Cena, realizada no Sesc Pompéia em 1977,<br />

pág. 34<br />

Fig. 7. Desenho de cenário e fotografia da peça Noel Rosa, o Poeta da Vila e Seus Amores, de Plínio Marcos,<br />

1977. Fonte: Catálogo da Exposição Flávio Império em Cena, realizada no Sesc Pompéia em<br />

1977, p. 34<br />

Considerações Finais<br />

Os cenários e figurinos criados por Flávio para estas três peças relacionam-se com os<br />

respectivos textos. Entretanto, possuem uma interpretação pessoal, mensagens refinadas de<br />

um entendimento de mundo muito apurado, digno de um verdadeiro artista, no significado<br />

mais profundo desse termo, isto é, uma pessoa com a mente aberta, com um conhecimento<br />

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Flávio Império: cenógrafo, arquiteto e artista<br />

amplo de técnicas e com maneiras próprias de expressar os significado dos textos teatrais.<br />

Pesquisar os desenhos realizados para a obra cenográfica de Flávio Império é ter a<br />

oportunidade de ampliar a percepção sobre o fazer artístico, de entender a relação constante<br />

entre o conteúdo e a forma – necessárias em uma obra cenográfica – e, ao mesmo tempo,<br />

perceber sua visão de mundo: como se portava diante das dificuldades de uma época de<br />

repressão e censura, período em que uma arte que não fosse política não era considerada<br />

importante. Em sua trajetória, Flávio soube aliar o trabalho direcionado para uma arte social<br />

com produções pessoais, capazes de satisfazer os desejos mais íntimos de um artista, por<br />

exemplo, pinturas sobre telas. Flávio pintava para fugir um pouco do espaço tridimensional do<br />

teatro, para entrar em contato consigo mesmo: “[...] eu pinto toda vez que volto para casa do<br />

palco, e neste caminho de volta do palco para casa é que a minha cabeça vai sintonizando<br />

outra vez o trabalho com a superfície plana, que é muito diferente do trabalho no espaço do<br />

palco.” (IMPÉRIO In HAMBURGER; BENEDETTI, 1997).<br />

Seus cadernos pessoais revelam suas pesquisas, principalmente de materiais, revelando<br />

seu vasto conhecimento – fundamental para seu processo criativo.<br />

Estas características demonstram o caráter interdisciplinar de seu trabalho e o trânsito<br />

entre territórios diversos – característica que se acentua no trabalho de artistas contemporâneos,<br />

bem como a experimentação de novos suportes, técnicas, temas e espaços. Flávio Império<br />

não só transitava pelas mais diversas áreas, como as praticou com perícia, paixão e primor.<br />

“Flávio Império era um homem livre, um artista livre, um criador, como deve ser, como manda<br />

o figurino” (BETHÂNIA, Maria apud HAMBURGER; BENEDETTI, 1997).<br />

Referências<br />

Flávio Império em Cena, Catálogo retrospectiva. Sesc, São Paulo, 1997.<br />

GREENHALGH, Laura. Flávio Império, setembro de 78, in Flávio Império em Cena, Catálogo<br />

retrospectiva. Sesc, São Paulo, 1997<br />

HAMBURGER, Cao. BENEDETTI, Raimo (dir.) Flávio Império Em Tempo. Documentário. São<br />

Paulo: 1977<br />

IMPÉRIO, Flávio. Escritos presentes no livro Flávio Império: Teatro e <strong>Arte</strong>s Plásticas. São Paulo:<br />

Editora da <strong>Universidade</strong> de São Paulo, 1997.<br />

KATZ, Renina e HAMBURGER, Amélia I. (org). Flávio Império: Teatro e <strong>Arte</strong>s Plásticas.<br />

São Paulo: Editora da <strong>Universidade</strong> de São Paulo, 1997.<br />

MAGALDI, Sábato e VARGAS, Maria Thereza. Cem Anos de Teatro em São Paulo. São<br />

Paulo: Editora Senac, 2000.<br />

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Flávio Império: cenógrafo, arquiteto e artista<br />

MANTOVANI, Anna. Cenografia. São Paulo: Ed. Ática, 1989.<br />

MENDES, Beneh. Entrevista concedida em seu escritório a Tereza Grimaldi em 05/02/2010.<br />

PAULO, Augusto Francisco. Entrevista concedida por e-mail a Tereza Grimaldi em 24/02/2010.<br />

RATTO, Giani, Flávio Império um homem de teatro, in Flávio Império em Cena, Catálogo<br />

retrospectiva. Sesc, São Paulo, 1997<br />

ROCHA, Paulo Mendes. Depoimento para o documentário Flávio Império Em Tempo, dir. Cao<br />

Hamburger e Raimo Benedetti, São Paulo, 1997.<br />

SALLES, Almeida Cecília. Gesto Inacabado: processo de criação artística. São Paulo:<br />

Annablume, 2001.<br />

STAAL, Ana Helena Camargo. (Org.). José Celso Martinez Corrêa – Primeiro Ato:<br />

cadernos, depoimentos, entrevistas (1958-1974). São Paulo: Ed. 34,1998.<br />

ZAMBONI, Silvio. Pesquisa em <strong>Arte</strong>: um paralelo entre arte e ciência. Campinas: Autores<br />

Associados, 2006.<br />

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DESIGNER ARTESãO Ou ARTESãO DESIGNER? uMA QuESTãO<br />

CONTEMPORÂNEA<br />

AS APROXIMAçÕES POR MEIO DAS INTERVENçÕES DE DESIGN NO ARTESANATO<br />

Savana Leão Fachone, Mestranda; PPG Mestrado em <strong>Design</strong>: <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong><br />

savanacool@gmail.com<br />

Márcia Merlo; Profª Dra.; PPG Mestrado em <strong>Design</strong>: <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong><br />

mmerlo@anhembi.br<br />

Resumo<br />

A proposta deste artigo é discutir algumas intervenções realizadas<br />

por designers no processo de confecção de artefatos artesanais,<br />

que possam contribuir para uma compreensão dos caminhos de<br />

sua produção na contemporaneidade. Há inúmeros experimentos<br />

relacionando arte, design e artesanato, que se aproximam de<br />

projetos sociais e por meio deles percebe-se, por vezes, que<br />

os papeis do designer e do artesão se misturam. Diante de tal<br />

complexidade, escolhemos apresentar algumas discussões<br />

sobre intervenções, no intuito de introduzir uma reflexão sobre a<br />

importância do papel dos profissionais envolvidos nesse processo<br />

e sobre o objeto em si.<br />

Palavras-Chave: design; artesanato; contemporaneidade<br />

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<strong>Design</strong>er artesão ou artesão designer? Uma questão contemporânea<br />

As aproximações por meio das intervenções de design no artesanato<br />

Introdução<br />

O artesão brasileiro é basicamente um designer em potencial, muito mais do<br />

que propriamente um artesão no sentido clássico.<br />

(Aloísio Magalhães)<br />

Para melhor compreender o artesanato no mundo contemporâneo, em articulação<br />

com a arte e o design, estudamos algumas discussões sobre intervenções realizadas por<br />

designers no artesanato brasileiro. Para o desenvolvimento do estudo proposto foi necessário<br />

determinar um ponto de partida para pensar esse artefato: quem o faz, onde, como, quando e<br />

porque se faz. Além disso, como esse processo se modifica ao longo do tempo, numa cultura<br />

de natureza híbrida, mas, que investe num futuro cada vez mais globalizado (CANCLINI, 1989).<br />

Esse estudo tornou-se necessário na medida em que se observou a escassez de<br />

referenciais teóricos e o aumento das intervenções no artesanato brasileiro. Nossa análise<br />

começa no website da Casa-Museu do Objeto Brasileiro, que tem como objetivo contribuir<br />

para o reconhecimento, valorização e desenvolvimento da produção artesanal, atuando<br />

na mediação de processos culturais no Brasil, que ocorrem na forma de experiências de<br />

intervenções de design em comunidades artesanais pelo país afora. Esses trabalhos nos<br />

mostram a importância de se pensar, não só, os profissionais envolvidos, como, também, o<br />

objeto em si e os caminhos de sua produção na contemporaneidade.<br />

Numa perspectiva de (re) conhecer o artesanato na contemporaneidade, parece-nos<br />

indispensável um retorno à história para entender a importância desta atividade laboral no<br />

cenário atual. Partindo do princípio de que pensar as aproximações é mais enriquecedor que<br />

medir as distâncias, pensamos o artesanato em conexão com o design, independente da<br />

apropriação dos modos de fazer ou da finalidade produtiva, acreditando ser mais interessante<br />

a análise da subjetivação dos significados realizada pelos autores desse processo e sua<br />

materialização em objetosi .<br />

Nas referências bibliográficas e web gráficas consultadas observaram-se algumas<br />

intervenções ligadas a projetos sociais. Nesse processo os papéis do designer e do artesão,<br />

muitas vezes, se confundem. Entretanto, nossa tarefa não é apresentar conceitos e diferenças,<br />

nem nos posicionarmos em relação a uma ou outra definição, até porque no contexto atual,<br />

nos parece impossível. Tomando por base o pensamento de Barbosa (2003), corroboramos<br />

com a idéia de que “Será que pensar as aproximações não seria mais enriquecedor que<br />

medir as distâncias?”. Partindo desta questão, das considerações sobre design de Rafael<br />

Cardoso, e, pesquisas sobre culturas populares e culturas híbridas de Nestor Garcia Canclini,<br />

assim como pensar os interlocutores envolvidos nesta problemática a partir da Antropologia,<br />

seguimos com nossas reflexões.<br />

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<strong>Design</strong>er artesão ou artesão designer? Uma questão contemporânea<br />

As aproximações por meio das intervenções de design no artesanato<br />

<strong>Design</strong>er artesão ou artesão designer?<br />

O artesanato sempre foi negligenciado como campo de atuação do design, e segundo<br />

Aloísio Magalhães, só passaria a ser respeitado quando o próprio designer viesse a agir como<br />

um artesão. Seu papel é muito importante na própria geração da tecnologia e do <strong>Design</strong> e<br />

o artesão pode ser qualificado como produtor de um pré-design. A Bauhaus, uma das mais<br />

importantes escolas de design do mundo, por exemplo, associava o ensino do <strong>Design</strong> com<br />

o artesanato através de oficinas de artes. O objetivo era o conhecimento dos processos de<br />

produção, da matéria prima e das técnicas artesanais (BRAGA, 2002).<br />

Ao artesão é conferido o papel de produtor de tais objetos, assumindo a condição de<br />

construtor do seu cenário cultural, nele imprimindo sua história, a técnica de sua região e a<br />

sua subjetividade. O acesso às maneiras de construir e usar esses objetos possibilita verificar<br />

como se dão as trocas culturais e afetivas entre gerações, entre pais e filhos, entre pares, entre<br />

mestres e aprendizes e, também, entre o artesão e o designer.<br />

O artesanato e sua gênese estão intrinsecamente ligados aos primórdios da humanidade.<br />

Surgiu desde que o ser humano passou a criar e a desenvolver artefatos para garantir sua<br />

sobrevivência e bem-estar produzindo objetos com suas próprias mãos. Estes, por sua vez,<br />

adquiriram diferentes contornos desde sua origem e de acordo com as práticas culturais<br />

produzidas por diferentes sociedades ao longo dos tempos. É preciso imergir na história<br />

humana para conhecer as estratégias de sobrevivência, as formas de dominação e divisão do<br />

trabalho e todos os elementos que emolduraram a produção artesanal.<br />

Com a Revolução Industrial e o conjunto de mudanças tecnológicas, econômicas e<br />

sociais que se seguiram, como a mecanização do trabalho, a rapidez e, consequentemente,<br />

aumento da produção e a diminuição da mão-de-obra, as oficinas artesanais ou transformaramse<br />

em pequenas fábricas comandados pelo inventeurii ou cederam lugar a esses novos<br />

comandos e controles da sociedade industrial. O inventeur concebia o projeto o qual servia<br />

de base para a produção de peças em diversos tamanhos e materiais. Era a primeira divisão<br />

entre projeto e execução (DENIS, 2008)<br />

As transformações fizeram com que esses espaços, conhecidos como oficinas<br />

artesanais, se tornassem importantes unidades de produção especializada, adaptada à<br />

estrutura social e a economia local. A indústria contava com essa estrutura para atender as<br />

pequenas produções, como fabricações de acessórios e até mesmo trabalhos de reparos dos<br />

produtos (CUNHA, 1994). Isso surgiu como uma solução sócio-econômica, que garantia, ao<br />

mesmo tempo, a produção, intensificada pelo aumento da demanda, e o trabalho aos artesãos<br />

que sofreram com as consequências provocadas pelo processo acelerado da industrialização.<br />

O artesanato permanecia, de maneira estratégica, paralelo com o sistema de produção<br />

industrial. Os avanços tecnológicos e a modernidadeiii coexistiam com as tradições. Os<br />

produtos com características híbridasiv , ou seja, artesanal e industrial, se tornaram comuns, mas<br />

o processo de industrialização acarretou mudanças maiores que uma simples transformação<br />

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<strong>Design</strong>er artesão ou artesão designer? Uma questão contemporânea<br />

As aproximações por meio das intervenções de design no artesanato<br />

de métodos produtivos. As grandes fábricas foram tomando o lugar de pequenas oficinas,<br />

isso eliminava a necessidade de empregar trabalhadores com alto grau de capacidade técnica<br />

- no caso, o artesão. Bastava um bom designer, geralmente escolhido por suas habilidades,<br />

um bom gerente e vários operadores de máquinas. A produção em série representava para o<br />

fabricante uma economia de tempo e dinheiro (DENIS, 2008).<br />

Com a introdução de novas tecnologias, crescimento urbano, o aumento de<br />

trabalhadores na indústria, a reorganização e racionalização dos métodos de fabricação, as<br />

atividades dos artesãos especializados tornaram-se obsoletas pelo emprego das máquinas.<br />

O termo artesão também mudou e passou a depender do tipo de relacionamento mantido<br />

com a indústria. De qualquer forma, a realidade era o empobrecimento cultural da tradição<br />

artesanal, visto que o modelo industrial dificultava, até mesmo, o relacionamento mais direto<br />

entre os chefes e seus subordinados, e entre os próprios empregados, diluindo o padrão de<br />

troca e sintonia de valores.<br />

As aproximações do design e do artesanato por meio das intervenções<br />

Nestor Garcia Canclini nos diz que “devemos estudar o artesanato como um processo<br />

e não como um resultado, como produtos inseridos em relações sociais e não como objetos<br />

voltados para si mesmos”. E segue dizendo que:<br />

Interessará repensar e perceber, nesses produtos, chamados de artesanais, a<br />

forma como se reestruturam na atualidade, as oposições clássicas na história<br />

do pensamento antropológico, analisando para isso, as transformações de<br />

significado das culturas populares segundo três dimensões correlacionadas<br />

entre si, isto é, enquanto processos sociais, culturais e econômicos<br />

contemporâneos (1984, p. 51).<br />

Neste processo, tal como afirmou Nestor Canclini, é necessário preocupar-se menos<br />

com o que se extingue do que com o que se transforma. Ou seja, a separação entre o artesanal<br />

e o industrial se mostra como um grande equívoco. Ainda segundo Canclini “o artesanato,<br />

bem como as festas e outras manifestações populares, subsistem e crescem porque<br />

desempenham funções de reprodução social e na divisão do trabalho, necessárias para a<br />

expansão do capitalismo” (CANCLINI, 1983). Podemos complementar essa ideia, dizendo<br />

que as festas assim como o artesanato não precisam, necessariamente, ser entendidos<br />

como meros reprodutores sociais. Ainda que mantendo certa ordem social, podem também<br />

apresentar ricas variáveis no saber-fazer e realizar que contrarie ou diferencia-se do corriqueiro<br />

ou sistematizado. Dito de outra forma, o artesanato, as festas e manifestações da cultura<br />

popular, mais precisamente, seus agentes sociais, são compreendidos aqui como produtores<br />

culturais e reprodutores simbólicos eficazes, já que não se trata simplesmente de uma atividade<br />

mecânica e repetitiva e, sim, de expressões sociais e identitárias fortíssimas.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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<strong>Design</strong>er artesão ou artesão designer? Uma questão contemporânea<br />

As aproximações por meio das intervenções de design no artesanato<br />

Mesmo que o artesão seja visto como o produtor de objetos de utilidade prática e<br />

cotidiana e o artesanato, como a recriação e reprodução de elementos formais, com função<br />

utilitária, ambos estarão sempre presentes na cultura de um grupo ou sociedade. O artesão<br />

precisa de um retorno financeiro imediato, pois não dispõe de tempo ou recursos para investir<br />

em técnicas, estética, qualidade, capacitação e pesquisa ou para esperar que o mercado<br />

reconheça o valor, imaterial, do seu trabalho. Por mais que a estrutura utilizada nessa produção<br />

artesanal balize a escala de produção, o artesão passa a produzir “em série” para sobrevivência.<br />

A tradição contida nesse saber-fazer não é perene, é mutante, revelando de forma impressionante,<br />

por vezes, um saber local e múltiplo altamente inventivo e reinventivo. Tanto é que repensado e<br />

redimensionado nos dias de hoje como indicadores criativos de oportunidades de negócios.<br />

A pesquisa feita pelo SEBRAEv , em 2002, segundo dados do Ministério do<br />

Desenvolvimento, Indústria e Comércio, falou em 8,5 milhões de artesãos, que movimentaram<br />

em 2002, R$ 28 milhões de reais. Hoje esse número deve ser maior, e o artesão tem consciência<br />

de que deve atender as informações econômicas para sustentar a produção artesanal.<br />

Com o aumento dos índices de desigualdades sociais, também aprofundado com o<br />

decréscimo da oferta de empregos, crescem iniciativas de produção artesanal e, talvez até<br />

por falta de escolha, acabam atendendo a finalidade da liberdade econômica tornando-se<br />

exemplo de desenvolvimento diferenciado. Nos últimos anos as intervenções de design no<br />

artesanato começaram a surgir com mais frequência, protegidas por instituições públicas ou<br />

privadas, com a alegação de proteger o patrimônio cultural e ir contra a exacerbação do<br />

consumo de produtos industrializados (BARROSO, 1999).<br />

Ainda não está muito claro que rumos estas práticas discursivas estão tomando. Por<br />

outro lado, famílias artesãs permanecem ganhando a vida com o saber tradicional seja para<br />

vender um ou outro artefato como souvenir para turistas amantes das “coisas” locais, seja<br />

para reproduzir formas aprendidas com as antigas gerações também na geração de alguma<br />

rentabilidade familiar. Também, é possível identificarmos iniciativas públicas e privadas no sentido<br />

de aproximar o fazer artesanal de uma produção sustentável, onde, por vezes, encontramos<br />

alguma atuação do designer como mediador cultural e agente social em parceria com o artesão.<br />

Considerações Finais<br />

Há que se superar qualquer tipo de idéia que coloque, em campos opostos, o designer<br />

e o artesão. Não basta falar das aproximações como qualidade intrínseca dessas áreas. Parece<br />

que tanto ao designer como ao artesão cabe pensar e trabalhar o resgate das vocações<br />

regionais, levando em conta a diversidade, a preservação das culturas locais e a formação de<br />

uma mentalidade empreendedora, por meio da capacitação das organizações e de seus artesãos<br />

para uma sociedade de mercado, se possível e no mínimo, mais equitativa, onde o padrão de<br />

qualidade e a capacidade de produção sejam tão importantes como o respeito à dignidade dos<br />

sujeitos que determinam a aceitação deste produto no mercado interno e externo. Para tanto, o<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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<strong>Design</strong>er artesão ou artesão designer? Uma questão contemporânea<br />

As aproximações por meio das intervenções de design no artesanato<br />

diálogo ético faz-se necessário, assim como se coloca o desafio de estabelecer critérios para tal<br />

aproximação entre designer e artesão e estes em relação ao mercado.<br />

Outro ponto a ser pensado do exposto é o do nível de intervenção do designer no<br />

artesanato em si, pois equilibrar esta balança não é tarefa fácil, sobretudo porque requer clareza<br />

e honestidade de intenções, tomando como ponto de partida o conhecimento do artesão e o seu<br />

desejo de compartilhar novas experiências em relação as suas tradições. O que não podemos<br />

deixar de falar é da fragilidade do discurso que utiliza o artesanato como mero objeto exótico de<br />

consumo para turista comprar, pois o que perpassa a relação entre design e artesanato hoje é<br />

muito mais abrangente e merece muito mais da nossa atenção e vontades.<br />

Nesse contexto podemos ver o valor social do artesanato, que funciona como um equilíbrio<br />

diante das relações de produção do mundo globalizado. O modo de produção artesanal persiste<br />

compondo uma estrutura econômica muito particular dentro do sistema capitalista. Assim, o<br />

artesanato se consolida na sociedade pós-industrial como um dispositivo social, fazendo parte<br />

de um sistema produtivo diferenciado que é essencial para a vida humana.<br />

Notas<br />

i Acreditamos que todas as manifestações artísticas e produções criadas pelo povo se enquadram<br />

na cultura popular, e não podem ser separadas diante de outras formas culturais e artísticas, sendo<br />

desnecessário identificá-la a partir de certos objetos ou modelos culturais.<br />

ii De acordo com Cardoso era o termo utilizado nos primórdios da organização industrial para definir<br />

o inventor ou criador das formas a serem fabricadas. Geralmente era o artesão com maior habilidade<br />

e conhecimentos técnicos.<br />

iii Modernidade aqui entendida como a prática dos valores criados pelo Renascimento e consolidados<br />

com o Iluminismo, principalmente no que se refere ao uso da razão, a idéia de progresso e a intervenção<br />

da ciência na realidade.<br />

iv Termo utilizado por Canclini, em sua obra “Culturas Híbridas”, onde ele apresenta suas reflexões<br />

sobre o fenômeno da hibridação cultural nos países latino-americanos, procurando compreender o<br />

intenso diálogo entre a cultura erudita, a popular e a de massas, que nós emprestamos para definir o<br />

objeto concebido nos modos de fazer artesanal dentro da concepção industrial.<br />

v Para saber mais Revista SEBRAE, n.5 julho-agosto 2002.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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<strong>Design</strong>er artesão ou artesão designer? Uma questão contemporânea<br />

As aproximações por meio das intervenções de design no artesanato<br />

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ESTuDAR COM DESIGN – uMA REFLEXãO SOBRE O ESPAçO<br />

uNIVERSITáRIO<br />

Fabíola Marialva Marques; Mestranda em <strong>Design</strong>: <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong><br />

fabiolamm@gmail.com<br />

Resumo<br />

Este artigo busca refletir sobre a relação do <strong>Design</strong> na Arquitetura<br />

de espaços universitários, partindo da premissa de que o arquiteto,<br />

diante de uma concepção idealizada do que é Instituição, concretiza<br />

sua proposta em um edifício que apresenta signos físicos e<br />

simbólicos; o usuário ao percorrer seu espaço, interage com o<br />

ambiente e reconhecem significados pessoais, isto proporciona<br />

uma leitura particular do lugar. Compreender a influência do <strong>Design</strong><br />

na Arquitetura possibilita refletir sobre a relação entre o partido<br />

arquitetônico e a sociedade com enfoque no repertório cultural e<br />

emocional de quem projeta e de quem usa o espaço.<br />

Palavras-Chave: arquitetura; design; universidade<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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Estudar com <strong>Design</strong> – uma reflexão sobre o espaço universitário<br />

O Ensino Superior e a Arquitetura<br />

Em 1 a.C., Vitrúvius escreve uma obra sobre arquitetura, “De Architectura”, para o<br />

então imperador Augusto e fala sobre a importância da educação como verdadeira riqueza<br />

necessária para se governar, através de pensamentos da alma e da inteligência, o governar<br />

seria possível, somente, por aqueles que tiveram pais que ensinaram artesi aos filhos.<br />

Giurgola e Mehta (1994) destacam o pensamento de Kahn sobre a origem da educação<br />

através de encontros e trocas de experiência:<br />

O ensino começou quando um homem, sentado embaixo de uma árvore, se<br />

pôs a discutir, sem saber que era um professor, com jovens que ignoravam<br />

ser estudantes; pensavam simplesmente no que se dizia na companhia de um<br />

homem tão agradável. E desejavam que um dia seus filhos também tivessem<br />

a oportunidade de ouvir um homem igual. Foi assim que nasceu a primeira<br />

escola e nasceu o primeiro pátio de recreio: consequência das aspirações do<br />

homem. (Giurgola e Mehta, 1994, pag. 94-95)<br />

A evolução da educação, provavelmente, se deu a partir da possibilidade de transmissão<br />

de conhecimento. Desde a troca de experiências iniciadas com conversas entre pais e filhos,<br />

passando pela invenção da escrita pelos fenícios, a criação da primeira Escola de Ciências<br />

por Thales, o florescimento da Enciclopédia com Plínio, o questionamento sobre a Educação<br />

Escolástica por Bacon, o surgimento de Academias e Bibliotecas a partir do Humanismo, o<br />

lançamento do primeiro livro impresso por Gutenberg, as primeiras formulações de teorias<br />

para o Ensino até as reformas Educacionais atuais.<br />

Cada um destes fatos históricos proporcionou a construção de espaços que abrigassem<br />

a divulgação do saber, estabelecendo sentido construtivo a partir da cultura predominante do<br />

seu contexto. Em um período de Antiguidade Clássica, o Ensino se dava em ágoras, teatros<br />

e fóruns; na Idade Média em Igrejas; no Renascimento até dos dias de hoje em Academias e<br />

<strong>Universidade</strong>s.<br />

Para Kahn, segundo Giurgola e Mehta (1994), o essencial de um lugar para se aprender<br />

é ter um ambiente apropriado.<br />

A escolha do local apropriado para uma escola estimulará o diretor de um<br />

instituto a sugerir ao arquiteto o que uma escola deveria ser, com o que ele já<br />

definirá um início de programa. (Giurgola e Mehta, 1994, pag. 94-95)<br />

Quando Kahn fala de “início de um programa”, refere-se ao programa de necessidades<br />

que é estabelecido pelo solicitante do projeto arquitetônico, no qual define quais são os<br />

ambientes necessários para a construção do espaço.<br />

Para elaborar um programa de necessidades é preciso, primeiramente, entender o<br />

objetivo do espaço, entender suas exigências formais, funcionais e os estímulos psicológicos e<br />

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Estudar com <strong>Design</strong> – uma reflexão sobre o espaço universitário<br />

seus significados. Para projetar um espaço de educação é preciso entender qual a sua função,<br />

qual o seu público e as expectativas da Instituição.<br />

A <strong>Universidade</strong>, o lugar, que segundo Wanderley (1988), é privilegiado para conhecer a<br />

cultura universal e as várias ciências, cria e divulga o saber com a finalidade da Educação com<br />

base no ensino, na pesquisa e extensão.<br />

Lauanda (1987) posiciona-se frente à questão sobre o que é <strong>Universidade</strong> dizendo que<br />

é preciso voltar-se para o homem tal qual qualquer questão de Filosofia da Educação, isto<br />

porque, acredita que a <strong>Universidade</strong> apoia-se no caráter livre do conhecimento, bem além das<br />

estruturas políticas da instituição.<br />

Já Minogue (1981), acredita que as universidades são capazes “de criar seu próprio<br />

interesse na busca do conhecimento”, sendo que esta busca pode ser influenciada por outros<br />

tipos de excitação; tais como politica, religião, patriotismo entre outros.<br />

Ter consciência do contexto histórico, econômico e político na qual a instituição se<br />

situa, possibilita o entendimento do seu desenvolvimento e como este pode influenciar o<br />

funcionamento e a política de suas estruturas internas. Contudo não deixa de apresentar sua<br />

função primordial que é produzir e difundir conhecimento através de um sistema simples de<br />

ensino e o aprendizado.<br />

Os agentes usuários das Instituições de Ensino, definidos por Wanderley (1988), são os<br />

professores, alunos e funcionários.<br />

É possível, ainda, incluir outros agentes usuários deste espaço, tais como: familiares<br />

dos alunos e convidados externos (palestrantes, auditores, prestadores de serviços e afins).<br />

Este público, que mesmo pequeno e esporádico, tem grande influência na permanência<br />

dos usuários tradicionais deste lugar de conhecimento. O contato possibilita intercâmbio de<br />

ideias e participações construtivas e reforça a ideia de espaço inclusivo e disseminador de<br />

experiências.<br />

Conhecer o usuário da <strong>Universidade</strong> proporciona identificar as peculiaridades de projeto,<br />

os fluxos, acessos, demarcações territoriais de público e privado, administrativo e acadêmico,<br />

dimensionamento de áreas, tipologia de partido, prioridades de espaço e expectativas de<br />

usos.<br />

O Ensino Superior no Brasil<br />

Segundo Charles e Verger (1996), as instituições universitárias transformaram-se<br />

profundamente, o que de certa forma possibilita compreender melhor uma parte da herança<br />

intelectual e do funcionamento das sociedades.<br />

• Numa análise feita por Onusic (2009), o Ensino Superior no Brasil apresenta uma<br />

evolução histórica de quatro fases:<br />

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• Antes de 1930, com predomínio de instituições públicas;<br />

• Entre 1930 a 1964, com a consolidação do ensino privado;<br />

• Entre 1964 a 1980, com a reforma do ensino superior e o predomínio do setor<br />

privado; e<br />

• Entre 1980 a 2002, com o aumento de oferta de vagas do setor privado, o crescimento<br />

de vagas não preenchidas e evasão acadêmica.<br />

Atualmente, das 2.314 IES registradas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas<br />

Educacionais Anísio Teixeira (INEP), cerca de 90% são privadas (gráfico 1), estando mais<br />

concentrada numa classificação de pequeno porte com até 1.000 alunos (gráfico 2). Podese<br />

notar que a característica da Educação Superior no Brasil está calcada em um modelo<br />

privatizado com ininterrupta expansão.<br />

Gráfico 1 - Evolução do Número de instituições de Educação Superior - Brasil - 2000-2009.<br />

Fonte: Censo da Educação Superior / MEC / Inep / Deed<br />

Gráfico 2 - Distribuição do número de IES por porte da IES na Educação Superior segundo<br />

Categoria Administrativa - Graduação Presencial - Brasil - 2009.<br />

Fonte: Censo da Educação Superior / MEC / Inep / Deed<br />

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Morosini (2005) avalia que a demanda por Educação Superior é responsável pela abertura<br />

da Educação no setor privado, visto que o crescimento da economia do conhecimento, as<br />

mudanças demográficas paralelas as limitações orçamentárias do Estado não conseguem<br />

atender todo o movimento para a educação continuada.<br />

De acordo com Silva Jr e Sguissard (1999), as políticas públicas para a educação<br />

superior brasileira e as reações dos diferentes setores (públicos e privados), promoveram um<br />

reordenamento no espaço social através do fortalecimento de processos mercantilistas, o que<br />

tem acentuado a transformação das identidades das IES particulares.<br />

Este processo pode ser entendido como reflexo da transição do modelo de capitalismo<br />

fordiano para o atual capitalismo pós-moderno vivenciado de forma mundial, contudo não é<br />

foco deste artigo centrar-se nesta questão. O entendimento deste novo contexto, apenas,<br />

sugere, de forma isolada, que num predomínio de IES particulares, que buscam atender a<br />

demanda de mercado, estão cada vez mais modificando sua identidade, profissionalizando as<br />

empresas, racionalizando sua estrutura organizacional interna e buscando atender o seu mais<br />

novo objetivo: o lucro.<br />

Além de transitar pelo entendimento da cultura e sociedade nacional, este contexto<br />

interfere no perfil institucional e, consequentemente, no processo construtivo dos seus espaços<br />

físicos. As IES particulares, numa tentativa de atingir nichos de mercado e diferenciar-se de suas<br />

concorrentes, estabelecem, a partir do seu corpo administrativo, medidas que a individualizem<br />

ou minimizem seus custos como forma de garantir destaque. Desta forma, é comum verificar<br />

instituições sendo amplamente reformadas e instalando materiais de acabamentos luxuosos<br />

como atrativos para alunos de classe A e B, enquanto outras instituições apelam para baixo<br />

investimento em infraestrutura com foco no público de classes inferiores.<br />

O reflexo deste mercantilismo da educação preocupa a Arquitetura, não só na questão<br />

da descaracterização da identidade, mas também na forma como esta política faz com que o<br />

Edifício apresente aspectos de baixa qualidade do espaço físico até a uma apartação social.<br />

Enquanto a escolha e intervenção no tipo de acabamento de um Edifício possam, por<br />

um lado, alterar somente a estética do edifício; por outro, podem indicar uma segregação<br />

de público onde, culturalmente, alguns usuários sintam-se deslocados e excluídos; já a<br />

falta de investimento na construção pode acarretar má qualidade espacial, impossibilitar a<br />

acessibilidade, prejudicando a ergonomia e o conforto ambiental.<br />

Estudar com <strong>Design</strong><br />

Pode-se observar, a partir da análise desenvolvida sobre IES que tanto o sistema<br />

educacional, como os espaços de aprendizagem sempre tiveram que solucionar questões<br />

referentes à renovação da preservação do saber e da integração de seus usuários.<br />

Hoje vemos não só <strong>Universidade</strong> com espaços físicos, mas, também, espaços virtuais<br />

de conhecimento, os chamados ambientes de Educação à Distância (EaD). Dados do INPE<br />

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indicam um aumento de 30,5% de matrículas no EaD, contra o aumento de 12,5% nas<br />

tradicionais matrículas presenciais.<br />

Para Moran (1994), “Educação a Distância é o processo de ensino-aprendizagem<br />

mediado por tecnologias, onde professores e alunos estão separados espacial e/ou<br />

temporalmente.” Desta forma o ensino-aprendizagem ocorre a partir de interligações com<br />

tecnologias, principalmente telemáticas, como a internet, além do correio, rádio, televisão,<br />

vídeo, CD-ROM, telefone, fax ou tecnologias semelhantes.<br />

Segundo Meirelles (2008), a partir do século XXI, vive-se um tempo em que as novas<br />

tecnologias atuam a favor da conectividade, potencializando a interatividade, o que facilita<br />

a ampla circulação de informação. Em um contexto tão fluído e instável, verificou-se a<br />

necessidade de reflexões acerca de conceitos de interatividade e convergência através do<br />

<strong>Design</strong> de Interação. Desta forma, os ambientes educacionais virtuais buscam, nesta área do<br />

<strong>Design</strong>, uma forma de facilitar a relação entre o homem e a máquina, criando ambientes com<br />

linguagens e profusão das mudanças sociais, culturais e tecnológicas vigentes.<br />

Não muito diferente do ambiente físico, o projeto arquitetônico de uma <strong>Universidade</strong><br />

procura resolver um programa de necessidades estabelecido pelas diretrizes do MEC,<br />

evidenciando ambientes de ensino, integração, convivência e desenvolvimento de competências<br />

pelos quais se estabelecem relações de troca de ensino e aprendizagem.<br />

E se um programa atende as necessidades pré-estabelecidas, acompanhando essa<br />

evolução acadêmica, por que é possível encontrar tanta diversidade nos modelos arquitetônicos<br />

das edificações Universitárias?<br />

Para Forty (2009), a diversificação em modelos atende as diferentes categorias de<br />

usos e usuários, correspondendo às noções sobre sociedade e as distinções dentro dela.<br />

Isto porque apresenta uma significação do <strong>Design</strong> dentro da cultura e da dimensão de sua<br />

influência na vida e mente do usuário.<br />

Para Cardoso (2008), o <strong>Design</strong> trata-se de uma atividade que gera projetos, no sentido<br />

de planos, esboços ou modelos, fruto de três grandes processos históricos: industrialização,<br />

urbanização e globalização. Todos estes processos buscam organizar de forma harmoniosa e<br />

dinâmica alguns elementos, tais como: pessoas, veículos, máquinas, moradias, lojas, fábricas,<br />

malhas viárias, estados, legislação, códigos, tratados, entre outros. Sendo a industrialização<br />

como o período que impulsionou o surgimento de propostas de fazer uso do design como<br />

agente de transformação.<br />

Já Ferrara (2002), define <strong>Design</strong> como signo, fenômeno de linguagem que se encontra e<br />

atrita com a arquitetura, a cidade, o desenho industrial, de objeto, gráfico, com a comunicação e<br />

a programação visual; influenciado por sua complexa realidade global como pela multiplicidade<br />

visual da imagem no mundo informatizado. E amplia o conceito escrevendo sobre o design<br />

em espaços, uma realidade fenomênica e epistemológicaii , no qual o elemento de design<br />

apresenta manifestações em forma de signos que permitam a sua legibilidade, passível de<br />

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leitura e interpretação. Ou seja, elementos projetuais do espaço urbano são observados pelo<br />

usuário, concretizando sua imagem e identificando a sua existência; o que resulta em (re)<br />

conhecimento do espaço.<br />

Compreender o <strong>Design</strong> e como está relacionado à Arquitetura sugere reflexões sobre<br />

como a arquitetura apresenta elementos de design em sua concepção, principalmente<br />

vinculado ao conceito de signos.<br />

Kahn (2010) exemplifica bem esta relação entre a Arquitetura e o <strong>Design</strong>, classificando<br />

o <strong>Design</strong> como um ato circunstancial, sendo o “como”; enquanto a Arquitetura é a Forma,<br />

ou seja, o “o quê”. Sendo na harmonia dos espaços que se satisfaz a atividade humana. Ele<br />

escreve:<br />

“Reflita então sobre o que caracteriza, de forma abstrata, a Casa, uma casa,<br />

lar. A Casa é a característica abstrata de espaços bons para se viver. A Casa é<br />

a forma, deveria estar lá sem corpo ou dimensão, na mente do sonhador. Uma<br />

casa é a interpretação condicional desses espaços. Isso é design. Na minha<br />

opinião, a grandeza do arquiteto depende do seu poder de percepção daquilo<br />

que é Casa, em vez de seu design de uma casa, que é um ato circunstancial.<br />

O Lar é a casa e seus ocupantes. O Lar se torna diferente com cada pessoa<br />

que nele vive. (...) Reflita então a respeito do sentido de escola, uma escola,<br />

instituição. A instituição é a autoridade de onde extraímos suas necessidades<br />

de áreas. Uma escola ou um design específico é o que a instituição espera de<br />

nós. Mas a Escola, o espírito escolar, a essência do desejo de existir, é o que o<br />

arquiteto deveria converter em seu design. E eu digo que ele deve, mesmo que<br />

o design não corresponda ao orçamento. O arquiteto, portanto, se distingue<br />

do mero projetista.” (Kahn, 2010, p. 9-11)<br />

Projetar em arquitetura apresenta, em seus elementos e princípios fundamentais, formas<br />

e maneiras de resolver o espaço. Cabe ao arquiteto conseguir traduzir seu conhecimento<br />

para o edifício, resolvendo seu programa de necessidades, a implantação, definindo seus<br />

acessos, a ocupação, a orientação, seus fluxos, as condicionantes de conforto térmico e<br />

acústico e afim. Explorando o design, o campo projetual apresenta diversidade de soluções,<br />

incorporando valores e manifestações culturais e gerando novas possibilidades de partidos<br />

arquitetônicos.<br />

De acordo com Montaner (2007), “a arquitetura depende de uma série de fatores e<br />

deve responder a uma grande quantidade de solicitações de diversas índoles.” Para responder<br />

as solicitações utilizou-se de paradigmas para se legitimar, através de linguagens metafóricas<br />

que sustentassem suas referências iconológicas de cada período, tais como:<br />

• Na tradição clássica, as construções são feitas a partir de ordens, textos de referências,<br />

arquitetura monumental, justificando miticamente as relações harmônicas com o corpo<br />

e a natureza.<br />

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• Arquitetura medieval está ligada aos paradigmas do mundo religioso impregnado<br />

de simbologia em cada elemento e espaço, na constante referência de recriação da<br />

cidade de Deus.<br />

• No Ecletismo, a evolução das formas e os novos modelos construtivos são decorrentes<br />

do ideal renovador da máquina.<br />

• O Modernismo, confiante no novo universo da máquina, apresenta-se em duas fases:<br />

a primeira baseada em uma forma racional de projetar com formas simples e caráter<br />

universal, seguindo o ideal de Le Corbusier de que a planta é geradora de tudo; num<br />

segundo momento, uma corrente influenciada pelos existencialismos e pelo auge das<br />

ciências dos homens, com sensibilidade às culturas locais. “A linguagem metafórica da<br />

máquina é substituída pela linguagem metafórica do orgânico.”<br />

• Já no Pós-modernismo, a evolução da arquitetura acompanha o avanço tecnológico,<br />

as novas condicionantes urbanas, as intervenções dos usuários, suas novas exigências<br />

funcionais, entre outros temas. A arquitetura, efetivamente, passa a transmitir informação.<br />

Okamoto (2002), afirma que o homem sempre planejou e construiu ambientes de<br />

modo que pudessem favorecer suas necessidades vivenciais e sociais. E questiona sobre “de<br />

que forma tais ambientes tem influenciado as pessoas em seu comportamento e como se<br />

processaria essa indução direcionada para uma atuação previsível ou desejada pelo arquiteto?”<br />

Para tanto, é preciso visualizar além da arquitetura, além dos elementos de design<br />

contidos nela; é preciso prestar atenção na forma como estes elementos, traduzido em signos<br />

projetuais que representam a forma com que o edifício, relaciona-se com o entorno. É preciso,<br />

também, compreender como os signos produzidos possibilitam uma identificação junto à<br />

paisagem e oferecem uma leitura pelo usuário. O resultado deste processo, consciente e<br />

intencional, estabelece uma produção e interpretação, fruto de repertório e experiência de<br />

quem projeta e de quem usa o espaço.<br />

Segundo Jung (1977) o homem utiliza uma linguagem cheia de símbolos para se<br />

comunicar. Seja ela um termo, nome ou imagem que se familiariza com o cotidiano e suas<br />

conotações especiais, além do significado evidente e convencional que se pode atribuir a este<br />

símbolo.<br />

Estudos realizados pelo PROARQ/FAU/UFRJ sobre valores e significados atribuídos<br />

aos espaços, constataram que quando um usuário entra em contato com um determinado<br />

espaço, recebe impactos iniciais a partir das impressões que ele visualiza e que geram nele<br />

uma percepção; esta é a primeira etapa de um processo de conhecimento do lugar (processo<br />

cognitivo). Nos próximos passos desta percepção imediata, a possibilidade de discriminar<br />

e classificar os signos do ambiente é garantido pelo domínio que o usuário tem do código<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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apresentado, do qual decorre uma percepção mecânica independente das características<br />

contextuais temporais ou espaciais. Em sistemas similares, a percepção desprovida de qualquer<br />

parâmetro codificado, é tensa e profundamente influenciada pelas características espaciais ou<br />

temporais, é, necessariamente, a apreensão do novo como descoberta perceptiva.<br />

A arquitetura, por proporcionar projetos livres e independentes, assume a possibilidade<br />

de gerar novos significados na medida em que é percorrida. No ambiente construído, o usuário<br />

identifica o lugar e tem o poder de transformá-lo. Este espaço, que a princípio é fruto do desejo<br />

do arquiteto, que já percorreu esta trajetória de leitura a interpretação, passa a ser o lugar do<br />

usuário.<br />

A partir da compreensão e reconhecimento do lugar pelo usuário, que faz uma análise<br />

e uso de seus valores impregnados pelos elementos edificados desse espaço, este atribui<br />

o significado que melhor traduz seus anseios inconscientes. Isto porque, ele não observa<br />

somente a função específica do que foi construído, mas também faz a relação dos aspectos<br />

simbólicos do conjunto para com ele.<br />

Assim, um edifício apresenta, em si, forma de se expressar baseado em símbolos<br />

gráficos e elementos representativos do seu conceito arquitetônico. O espaço é entendido não<br />

só pelo que tem de visível, mas da relação com a história cultural, a composição do conjunto<br />

edificado e a forma como quem o desvenda.<br />

Considerações finais<br />

Não se pode negar que para a elaboração de um projeto arquitetônico de IES, o arquiteto<br />

pode modificar o projeto diante de diretrizes, avaliação e aprovação da gestão que administra a<br />

instituição, fazendo, muitas vezes, com que o projeto inicial não seja concretizado. No entanto,<br />

a Instituição deve considerar que, ao solicitar um projeto, existe um olhar proposto para o que<br />

se constrói, pois isso possibilita a compreensão, por meio de uma linguagem simbólica, sobre<br />

o que é o projeto.<br />

Segundo Ferrara (2007), percorrer a construção supõe não só ler os materiais e<br />

competências estruturais existentes, mas também perceber “que a espacialidade cria<br />

uma teoria do espaço enquanto comunicação ideológica da cultura e exige o resgate das<br />

manifestações presentes nas suas constituições históricas.”<br />

Para Okamoto (2002), os arquitetos devem desenvolver projetos que atendam a<br />

permanente necessidade de interação afetiva do homem com o meio ambiente, favorecendo<br />

o crescimento pessoal, a harmonia no relacionamento social e melhorando a qualidade de<br />

vida.<br />

Isto são os elementos de <strong>Design</strong> na Arquitetura, uma linguagem arquitetônica selecionada<br />

pelo arquiteto com intuito de criar ambientes com formas arquetípicas de construção numa<br />

tentativa de humanizar a arquitetura, a partir da inspiração no lugar, no clima, no programa e<br />

no usuário. Estes elementos, quando bem projetados, sugerem ao usuário um sentido ao que<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, Moda e Tecnologia.<br />

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se vivencia. Ao contrário, ambientes que não tiveram dedicação projetual desagradam pela<br />

rigidez e monotonia, impossibilitando que o usuário se aposse deste lugar.<br />

A partir da compreensão do <strong>Design</strong> na Arquitetura, pode-se refletir em como se pensa<br />

a arquitetura universitária hoje em dia. E em como o espaço universitário tem traduzido a<br />

forma de ensino, a função educadora exercida nos usuários que o vivenciam e experimentam<br />

seu espaço, e se tem sido capaz de transmitir informações, aglutinar pessoas e produzir<br />

sensações que evidencie a identidade da Instituição.<br />

Notas<br />

i Segundo Vitrúvius, a lei ateniense procurava educar através da arte que era exercida através da<br />

aprendizagem da literatura e conhecimento geral de todas as disciplinas, deleitando-se de temas<br />

literários e artísticos, bem como sobre obras em forma de comentários para alimento do espírito e<br />

normas para vida. Tratado de Arquitetura, pag. 290-291.<br />

ii“O design em espaços é, portanto, uma realidade tanto fenomênica como epistemológica. Ou seja,<br />

é flagrado concretamente nas manifestações sígnicas, nas marcas passíveis de serem percebidas e<br />

lidas no espaço, ao mesmo tempo em que as correlações interpretativas desses signos acabam por<br />

gerar um conhecimento do espaço enquanto objeto que tem no design sua dimensão representativa.”<br />

(Ferrara L. D., 2002, p. 7)<br />

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