Jornal da ABI Especial - A Cronologia dos Quadrinhos 2
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362<br />
JANEIRO<br />
2011<br />
Órgão oficial <strong>da</strong> Associação Brasileira de Imprensa
EDITORIAL<br />
A epopéia continua<br />
SE ESTE EDITORIAL pudesse<br />
ser resumido numa tira, esta seria<br />
a <strong>da</strong>s Cobras que publicamos<br />
acima. Em apenas três quadrinhos,<br />
Luís Fernando Verissimo<br />
sintetiza a importância <strong>da</strong>s hqs<br />
para os jornais num determinado<br />
momento <strong>da</strong> História. E é<br />
essa História que continuamos<br />
contando na segun<strong>da</strong> parte <strong>da</strong><br />
<strong>Cronologia</strong> <strong>dos</strong> <strong>Quadrinhos</strong>, que<br />
o <strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> apresenta nesta<br />
edição.<br />
Júlio Shimamoto, entre outros<br />
talentos.<br />
UM NOME SE DESTACA em<br />
meio a tantos lançamentos:<br />
Jayme Cortez. Ele lutou pela<br />
nacionalização <strong>da</strong> produção de<br />
quadrinhos e trabalhou com os<br />
mais importantes desenhistas<br />
<strong>da</strong> época; foi o responsável pelo<br />
lançamento de revistas <strong>dos</strong><br />
mais diversos temas produzi<strong>da</strong>s<br />
no País.<br />
ANÚNCIO DA<br />
REVISTA PERERÊ,<br />
DO ZIRALDO,<br />
PUBLICADO<br />
PELA EDITORA<br />
E GRÁFICA<br />
O CRUZEIRO.<br />
PRIMEIRA TIRA DO BIDU,<br />
DE MAURICIO DE SOUSA.<br />
A GUERRA ENTRE Adolfo Aizen<br />
e Roberto Marinho atinge<br />
seu ápice com diversos lançamentos<br />
de revistas em quadrinhos.<br />
Ca<strong>da</strong> um tentando ocupar<br />
seu espaço e sobrepujar o<br />
concorrente. Logo surge a Editora<br />
Abril, de Victor Civita, que<br />
chega com o Pato Donald e os<br />
personagens <strong>da</strong> Disney. E, em<br />
segui<strong>da</strong>, as várias editoras paulistas<br />
que publicam mais e mais<br />
títulos de to<strong>dos</strong> os gêneros.<br />
ALÉM DAS REVISTAS de terror,<br />
que passam a ser totalmente<br />
produzi<strong>da</strong>s no Brasil, sucessos<br />
do rádio e <strong>da</strong> tv começam<br />
a inspirar a<strong>da</strong>ptações para os<br />
quadrinhos. Revistas como<br />
Aventuras do Anjo, Fuzarca e Torresmo,<br />
Arrelia e Pimentinha,<br />
Oscarito e Grande Otelo, Carequinha<br />
e Fred, Mazzaropi em<br />
<strong>Quadrinhos</strong>, Jerônimo - O Herói<br />
do Sertão, Juvêncio - o Justiceiro<br />
e Vigilante Rodoviário<br />
são produzi<strong>da</strong>s por desenhistas<br />
<strong>da</strong> mais alta<br />
qualificação: Flávio<br />
Colin, Nico Rosso,<br />
André Le Blanc, Eugênio<br />
Colonnese, Sérgio<br />
Lima, Rodolfo Zala,<br />
OUTRO BALUARTE DAS hqs<br />
no Brasil foi Adolfo Aizen, que<br />
lutou para fazer que os quadrinhos<br />
fossem respeita<strong>dos</strong> e vistos<br />
sem preconceito. Por isso,<br />
sua Editora Brasil-América,<br />
conheci<strong>da</strong> carinhosamente como<br />
Ebal, sempre lançou revistas<br />
educativas e buscou o apoio<br />
de professores e intelectuais<br />
para seus projetos. Revistas<br />
como Edição Maravilhosa e<br />
Epopéia foram de notável importância<br />
em sua época. Alguns<br />
romances <strong>da</strong> literatura<br />
brasileira foram a<strong>da</strong>pta<strong>dos</strong><br />
para os quadrinhos com bons<br />
resulta<strong>dos</strong> editoriais.<br />
VIGILANTE RODOVIÁRIO,<br />
DE OSWALDO TALO<br />
NOS ANOS 1960, dois autores<br />
começam a se destacar: Ziraldo,<br />
com a turma do Pererê,<br />
e Mauricio de Sousa, com seus<br />
personagens infantis, lidera<strong>dos</strong><br />
por Bidu, Cebolinha e, claro, a<br />
Mônica. Na entrevista que publicamos,<br />
Mauricio nos conta<br />
como um repórter policial nunca<br />
deixou de acreditar que podia<br />
sobreviver desenhando<br />
quadrinhos. Também batemos<br />
um papo com um desenhista<br />
cultuado por apenas cinco hqs<br />
produzi<strong>da</strong>s nos anos 1970 para<br />
a Ebal: Floriano Hermeto de<br />
Almei<strong>da</strong> Filho, ou FHAF,<br />
como assinava suas histórias<br />
de O Judoka.<br />
DE 1949 A 1977 muita<br />
coisa aconteceu e<br />
“Poucas vezes no<br />
quadro geral <strong>da</strong><br />
literatura e arte<br />
brasileiras, uma obra<br />
refletiu com tanta<br />
agudeza crítica os<br />
problemas sociais<br />
de sua época.”<br />
MOACY CIRNE, EM A LINGUAGEM<br />
DOS QUADRINHOS, SOBRE O<br />
PERERÊ, DE ZIRALDO.<br />
tentamos registrar os principais<br />
fatos aqui. Os 34 anos seguintes<br />
serão tema de novo<br />
volume <strong>da</strong> <strong>Cronologia</strong> <strong>dos</strong> <strong>Quadrinhos</strong>,<br />
que será apresentado<br />
pelo <strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> no segundo<br />
semestre.<br />
FAÇA UMA BOA viagem no<br />
tempo!<br />
2 <strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011
VICTOR CIVITA VÊ<br />
PROVAS DE IMPRESSÃO DA<br />
REVISTA O PATO DONALD.<br />
DESENHO DE<br />
ANDRÉ LE BLANC<br />
PARA A ADAPTAÇÃO<br />
DE O GUARANI,<br />
PUBLICADA NA<br />
EDIÇÃO<br />
MARAVILHOSA<br />
DA EBAL.<br />
BEETLE BAILEY,<br />
DE MORT WALKER,<br />
ANTES DE SE<br />
ALISTAR NO<br />
EXÉRCITO E SE<br />
TORNAR O<br />
RECRUTA ZERO.<br />
1950<br />
1949<br />
Chega às bancas a revista em<br />
quadrinhos Shazam!, último<br />
título lançado por Roberto<br />
Marinho através de O Globo.<br />
Depois de publicar revistas de<br />
sucesso como Gibi (lança<strong>da</strong> em<br />
12 de abril de 1939), Gibi<br />
Mensal (1942), O Globo<br />
Juvenil Mensal (1943) e Biriba<br />
(1948), Marinho passaria a<br />
lançar suas publicações em<br />
quadrinhos pela Rio Gráfica e<br />
Editora a partir de 1952.<br />
Com o sucesso de Herói,<br />
Superman (1947) e Idílio<br />
(1948), Adolfo Aizen, <strong>da</strong> Editora<br />
Brasil-América-Ebal, lança quatro<br />
novas revistas em quadrinhos:<br />
Mindinho, Álbum Gigante,<br />
Edição Maravilhosa<br />
(inicialmente, uma tradução <strong>da</strong><br />
norte-americana Classics<br />
Illustrated; mais tarde publicaria<br />
também a<strong>da</strong>ptações de romances<br />
nacionais) e Aí, Mocinho, com<br />
histórias de faroeste.<br />
1950<br />
A Editora Abril, de Victor<br />
Civita, lança O Pato Donald<br />
onald, sua<br />
primeira publicação oficial<br />
(antes, com o nome de Editora<br />
Primavera, já havia lançado a<br />
revista Raio Vermelho<br />
ermelho),<br />
tornando-se a casa oficial <strong>da</strong><br />
Disney no Brasil até hoje. Os<br />
lucros de O Pato Donald<br />
aju<strong>da</strong>ram a montar o império<br />
editorial que se tornou a Editora<br />
Abril. O personagem brasileiro<br />
de Disney, Zé Carioca, aparecia<br />
já na capa <strong>da</strong> primeira edição,<br />
trazendo uma bicicleta para o<br />
Pato Donald consertar.<br />
A Ebal começa a publicar<br />
a<strong>da</strong>ptações de romances<br />
brasileiros em sua Edição<br />
Maravilhosa. A primeira é<br />
O Guarani, de José de Alencar,<br />
ilustrado com maestria por<br />
André Le Blanc. Não era a<br />
primeira vez, entretanto, que<br />
esse romance de Alencar tinha<br />
sido quadrinizado: em 1947,<br />
Jayme Cortez publicou uma<br />
versão serializa<strong>da</strong> no<br />
Diário <strong>da</strong> Noite.<br />
A Editora Vecchi lança as<br />
revistas Xuxá e Pequeno<br />
Sheriff, de procedência italiana,<br />
inaugurando o “formato cheque”<br />
no Brasil (tipo de revista em<br />
quadrinhos na forma de tiras<br />
horizontais, que lembram um<br />
talão de cheques). A revista<br />
Super X (acima), <strong>da</strong> Ebal,<br />
também é lança<strong>da</strong> nesse formato.<br />
Em abril, a Ebal lança a revista<br />
Quem Foi?<br />
oi?, com aventuras<br />
policiais e suspense. Na capa o<br />
alerta: “para maiores de 17<br />
anos”. Três meses depois, a<br />
editora paulista La Selva lança<br />
O Terror Negro com histórias<br />
policiais e de mistério com o<br />
personagem que <strong>da</strong>va nome à<br />
publicação. Pelas páginas <strong>da</strong><br />
revista desfilavam heróis menos<br />
conheci<strong>dos</strong> como Detetive<br />
Fantasma, Homem-Maravilha e<br />
Doc Strange.<br />
Mort Walker cria a tira Beetle<br />
Bailey<br />
ailey, distribuí<strong>da</strong> pelo King<br />
Features. No Brasil, o personagem<br />
seria conhecido como Recruta<br />
Zero. Mas o interessante é que ele<br />
começou como civil e só entrou<br />
para o exército (de onde nunca<br />
mais deu baixa) no ano seguinte.<br />
Charles M. Schulz<br />
cria uma tira<br />
mostrando o<br />
universo de crianças<br />
pequenas: Peanuts.<br />
Ele desenhou essa<br />
tira continuamente<br />
por 50 anos, até<br />
morrer, em 2000.<br />
Personagens como<br />
Charlie Brown, Linus<br />
Snoopy e Woodstock se<br />
transformaram em ver<strong>da</strong>deiros<br />
ícones <strong>da</strong> cultura pop.<br />
Com textos de Elliot Caplin<br />
(irmão de Al Capp) e desenhos<br />
de John Cullen Murphy começa<br />
Big Ben Bolt<br />
olt, uma tira<br />
protagoniza<strong>da</strong> por um boxeador.<br />
1951<br />
A Editora La Selva relança<br />
O Terror Negro a partir do<br />
número 1, depois que o<br />
personagem que <strong>da</strong>va o nome à<br />
revista é cancelado nos Esta<strong>dos</strong><br />
Uni<strong>dos</strong>, e começa a publicar<br />
histórias de terror, tornando a<br />
publicação campeã brasileira no<br />
gênero. Esse fato provoca a ira<br />
do jornalista Carlos Lacer<strong>da</strong>, <strong>da</strong><br />
Tribuna <strong>da</strong> Imprensa, que<br />
publica uma reportagem contra a<br />
editora, perguntando em tom de<br />
denúncia “O que lêem as<br />
crianças no Brasil?” E ele mesmo<br />
dá a resposta sensacionalista:<br />
“Os La Selva espalham o terror<br />
pelo Brasil”. Mas o sucesso <strong>da</strong><br />
revista motiva o surgimento de<br />
congêneres <strong>da</strong> própria La Selva e<br />
de sua editora meio-irmã, Gráfica<br />
Novo Mundo, e logo as bancas<br />
estão cheias de títulos como<br />
Sobrenatural, Medo, Gato<br />
Preto e Mundo de Sombras.<br />
Em julho, Tarzan<br />
ganha sua<br />
revista em quadrinhos pela<br />
Editora Brasil-América. Capitão Z,<br />
no “formato cheque”, surge no<br />
mesmo mês. Em novembro, a<br />
Ebal lança também a revista<br />
Cinemin, que publica<br />
quadrinizações de grandes<br />
sucessos cinematográficos,<br />
como Quando Canta o Coração<br />
(Two Weeks with Love), cartaz<br />
<strong>da</strong> primeira edição.<br />
Samuel Wainer, ao lançar<br />
Última Hora, faz uma parceria<br />
com Adolfo Aizen, <strong>da</strong> Ebal, que<br />
edita para ele um suplemento<br />
diário de quadrinhos, encartado<br />
no jornal. Mas o amor de Wainer<br />
pelos quadrinhos duraria pouco.<br />
Dois anos depois, para se vingar<br />
de Roberto Marinho, que o<br />
denunciara por não ser brasileiro<br />
nato e ser dono de uma<br />
empresa jornalística, Samuel<br />
contrata o jornalista Edmar Morel<br />
para escrever uma série de artigos<br />
fazendo uma violenta campanha<br />
contra os quadrinhos.<br />
O Capitão Atlas, personagem<br />
do rádio que vivia aventuras<br />
principalmente na selva<br />
amazônica, ganha uma revista<br />
em quadrinhos com histórias<br />
desenha<strong>da</strong>s por André Le Blanc.<br />
Nos últimos números reveza as<br />
páginas <strong>da</strong> revista com outra<br />
criação de Le Blanc, Morena Flor.<br />
PEANUTS, DE<br />
CHARLES M. SCHULZ<br />
<strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011<br />
3
FOTO PUBLICADA NA REVISTA O HERÓI, DA EDITORA<br />
BRASIL-AMÉRICA, COM OS ORGANIZADORES DA<br />
1ª EXPOSIÇÃO DE HISTÓRIAS EM QUADRINHOS:<br />
JAYME CORTEZ, REINALDO OLIVEIRA,<br />
SYLLAS ROBERG E ÁLVARO DE MOYA.<br />
CAVALEIRO NEGRO<br />
PIMENTINHA,<br />
DE HANK KETCHAM<br />
Álvaro de Moya, Reinaldo<br />
Oliveira, Miguel Penteado, Jayme<br />
Cortez e Syllas Roberg organizam<br />
a Primeira Exposição<br />
Internacional de Histórias em<br />
<strong>Quadrinhos</strong>, em São Paulo, que<br />
exibe di<strong>da</strong>ticamente originais de<br />
desenhistas como Alex Raymond<br />
(Flash Gordon), Milton Cannif<br />
(Terry e os Piratas/Steve<br />
Canyon), Al Capp (Ferdinando),<br />
George Herriman (Krazy Kat),<br />
Roy Crane (Wash Tubbs/Buzz<br />
Sawyer) e Will Eisner (Spirit).<br />
Hank Ketcham cria Dennis,<br />
The Menace, o Pimentinha.<br />
Cisco Kid, que surgiu no<br />
conto The Caballero's Way, de<br />
O´Henry, em 1907, já tinha sido<br />
a<strong>da</strong>ptado para rádio, filmes<br />
mu<strong>dos</strong> e fala<strong>dos</strong>, seriado de tv e<br />
até mesmo quadrinhos. Mas é<br />
na versão de tiras de jornais<br />
distribuí<strong>da</strong> pelo King Features<br />
Syndicate, roteiriza<strong>da</strong> por Rod<br />
Reed e ilustra<strong>da</strong> pelo argentino<br />
José Luís Salinas, que o<br />
personagem galante vive a sua<br />
melhor encarnação.<br />
1952<br />
Harvey Kurtzman cria a revista<br />
Mad, que logo se torna o carrochefe<br />
<strong>da</strong> editora E.C. Comics.<br />
Os cowboys cantores Gene<br />
Autry e Roy Rogers ganham<br />
revista própria em abril, pela<br />
Ebal. No mesmo mês, Papai<br />
Noel deixa as festivi<strong>da</strong>des<br />
natalinas para <strong>da</strong>r nome a uma<br />
revista infantil mensal, com<br />
histórias de Tom & Jerry. Já a La<br />
Selva lança outro famoso<br />
cowboy, John Wayne<br />
ayne.<br />
No Japão, Osamu Tezuka<br />
começa a publicar o mangá<br />
Tetsuwan Atom, que se tornaria<br />
sua mais famosa criação. Uma<br />
déca<strong>da</strong> depois, viraria série de<br />
animação e seria o primeiro<br />
desenho japonês a ser<br />
importado pelos EUA, com o<br />
nome de Astro Boy, que virou<br />
febre e abriu as portas para<br />
vários outros. Mas a série original<br />
nunca foi exibi<strong>da</strong> no Brasil.<br />
Seguindo o caminho <strong>da</strong><br />
Edição Maravilhosa, em agosto,<br />
a Ebal publica o primeiro<br />
número <strong>da</strong> antológica Epopéia,<br />
revista em formato maior (como<br />
O Cruzeiro) que publicaria<br />
quadrinhos com a<strong>da</strong>ptações de<br />
episódios <strong>da</strong> História universal.<br />
Surge a Rio Gráfica e<br />
Editora, de Roberto Marinho,<br />
que absorve os títulos do Globo<br />
Juvenil (Gibi Mensal, O Globo<br />
Juvenil Mensal, Biriba) além de<br />
lançar novas publicações, como<br />
a revista do Cavaleiro Negro<br />
ro<br />
(Black Rider), um vingador<br />
mascarado que estreou nos<br />
Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong> em 1948 no<br />
CISCO KID, DE JOSÉ LUÍS SALINAS<br />
segundo número <strong>da</strong> revista All-<br />
Western Winners, <strong>da</strong> Timely<br />
Comics (mais tarde, Marvel<br />
Comics). Suas aventuras<br />
fizeram tanto sucesso no Brasil<br />
que, mesmo depois de serem<br />
cancela<strong>da</strong>s em seu país de<br />
origem, continuaram a ser<br />
produzi<strong>da</strong>s no Brasil, desenha<strong>da</strong>s<br />
por talentosos artistas como<br />
Gutemberg Monteiro, Walmir<br />
Amaral e Juarez Odilon.<br />
Em outubro, a revista Mickey<br />
é lança<strong>da</strong> pela Editora Abril.<br />
1953<br />
Alguns personagens de O<br />
Globo Juvenil ganham título<br />
próprio pela Rio Gráfica. O primeiro<br />
é O Fantasma Magazine, em<br />
março. Em segui<strong>da</strong>, são<br />
lança<strong>da</strong>s as revistas Mandrake<br />
Magazine e Flecha Ligeira.<br />
Em março, a Ebal lança<br />
quatro novas revistas: Batman<br />
atman,<br />
Possante, Pinduca e Popeye.<br />
Em julho chega a vez de Reis<br />
do Faroeste<br />
aroeste, uma <strong>da</strong>s revistas<br />
de maior duração <strong>da</strong> editora. Na<br />
primeira edição, o cowboy Buck<br />
Jones é a atração.<br />
4 <strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011
ZEZÉ & CIA, DE MORT WALKER E<br />
DIK BROWNE (ACIMA). TINTIN E SUA<br />
TURMA CHEGAM À LUA (DIREITA).<br />
Surgem as primeiras revistas<br />
em 3-D. A tecnologia foi<br />
desenvolvi<strong>da</strong> por Joe Kubert e<br />
Norman Maurer. A primeira é<br />
uma edição especial de Mighty<br />
Mouse (Possante) e a Ebal<br />
rapi<strong>da</strong>mente a publica no Brasil.<br />
Para ver as imagens em terceira<br />
dimensão o leitor tem que<br />
colocar óculos especiais. A<br />
mo<strong>da</strong> vira uma febre, mas a<br />
novi<strong>da</strong>de cansa rápido.<br />
<strong>Especial</strong>ista em retratar as<br />
raízes do Brasil, o pintor e<br />
desenhista José Lanzellotti cria<br />
um personagem bem brasileiro:<br />
Raimundo, o Cangaceiro, que<br />
alia documentação histórica e<br />
quadrinhos, duas especiali<strong>da</strong>des<br />
do artista. O personagem passa a<br />
ser publicado na revista Aliança<br />
Juvenil em 1954; nos anos<br />
1960, é relançado pela La Selva.<br />
Os personagens de Tintin<br />
são os primeiros humanos <strong>dos</strong><br />
quadrinhos a pôr os pés na Lua,<br />
antecipando Neil Armstrong, que<br />
só repetiria essa proeza dezesseis<br />
anos depois. A história começou<br />
seria<strong>da</strong> em 1950 e se estendeu<br />
até 1953, na revista belga do<br />
mesmo nome; depois foi reuni<strong>da</strong>,<br />
em dois álbuns, Objectif: Lune<br />
e On a Marche sur La a Lune,<br />
publica<strong>dos</strong> respectivamente em<br />
1953 e 1954.<br />
Preocupado com as críticas<br />
que os detratores <strong>dos</strong><br />
quadrinhos fazem, Adolfo Aizen<br />
continua a lançar uma linha de<br />
revistas educativas. Depois de<br />
Edição Maravilhosa e Epopéia,<br />
chega a vez <strong>da</strong> Série Sagra<strong>da</strong>,<br />
que em sua primeira edição<br />
traz a história do Papa Pio XII.<br />
Em novembro, a Ebal lança<br />
Ciência em <strong>Quadrinhos</strong>.<br />
A La Selva lança revistas de<br />
vários gêneros: contos policiais<br />
aparecem em Emoção e<br />
Contos de Mistério; humor<br />
com Abott e Costello, infantojuvenis<br />
com Capitão Ra<strong>da</strong>r,<br />
Supermouse, O Coelho<br />
Valente<br />
alente, Seleções Juvenis,<br />
Aventuras Heróicas, entre<br />
várias outras.<br />
1954<br />
O cerco se fecha para os<br />
quadrinhos: é publicado o livro<br />
do psiquiatra norte-americano<br />
Frederic Wertham, Seduction of<br />
the Innocent (A Sedução do<br />
Inocente), que tenta provar por<br />
a + b que as revistas em<br />
quadrinhos são nocivas para a<br />
formação <strong>da</strong> juventude. Ele levanta<br />
suspeitas de que Batman e Robin<br />
(abaixo) são homossexuais e a<br />
Mulher-Maravilha é lésbica, além<br />
de ser <strong>da</strong><strong>da</strong> a práticas de<br />
bon<strong>da</strong>ge. Mas o alvo maior são<br />
as revistas de crime e de terror,<br />
que estavam fazendo a fama e a<br />
fortuna de William M. Gaines,<br />
proprietário <strong>da</strong> E.C. Comics.<br />
Como conseqüência, o Senado<br />
norte-americano abre uma CPI<br />
para investigar o assunto, e as<br />
fogueiras nos EUA destróem<br />
milhões de revistas em<br />
quadrinhos.<br />
Para evitar<br />
que essa<br />
campanha<br />
contra os<br />
quadrinhos<br />
atinja to<strong>da</strong> a<br />
indústria, e não apenas as<br />
histórias de terror e crime, os<br />
principais editores norteamericanos<br />
unem-se para criar o<br />
Comics Code Authority,<br />
mecanismo auto-regulatório que<br />
coloca um “selo de quali<strong>da</strong>de”<br />
nas revistas aprova<strong>da</strong>s por uma<br />
comissão que avalia o conteúdo.<br />
Na prática, uma censura vela<strong>da</strong>.<br />
Chegam às bancas<br />
Sobrenatural e Contos de<br />
Terror<br />
error, ambas <strong>da</strong> La Selva.<br />
O famoso cowboy mascarado<br />
The Lone Ranger finalmente<br />
ganha, em março, uma revista<br />
no Brasil, mas a Ebal altera o<br />
seu nome para Zorro<br />
orro, e a<br />
publicação se tornaria uma <strong>da</strong>s<br />
mais duradouras <strong>da</strong> editora. Mas<br />
os lançamentos não param por<br />
aí: em abril, chega Pequenina,<br />
uma revista em formato de bolso<br />
que publica histórias clássicas<br />
como O Homem <strong>da</strong> Máscara de<br />
Ferro, sua primeira<br />
atração. E o grande<br />
desenhista Max x Yantok<br />
antok,<br />
que trabalhara em O<br />
Tico-Tico, passa a<br />
desenvolver várias<br />
histórias que seriam<br />
publica<strong>da</strong>s a partir de<br />
outubro na nova série<br />
de O Capitão Z.<br />
A Rio Gráfica lança<br />
outro personagem do<br />
faroeste: Búfalo Bill.<br />
Mort Walker cria sua<br />
segun<strong>da</strong> tira de sucesso,<br />
Zezé & Cia (Hi and Lois), só<br />
que agora apenas escrevendo.<br />
Os desenhos ficam a cargo de<br />
Dik Browne. O casal tinha<br />
aparecido anteriormente<br />
fazendo pontas na tira Beetle<br />
Bailey (sim, Hi and Lois são,<br />
respectivamente, cunhado e<br />
irmã do Recruta Zero).<br />
No Rio Grande do Sul surge<br />
uma revista concebi<strong>da</strong> para o<br />
público infantil, cuja circulação<br />
era praticamente restrita à Região<br />
Sul: Cacique, mix de contos,<br />
passatempos e até quadrinhos.<br />
Entre os colaboradores estava o<br />
promissor Renato Canini, que<br />
mais tarde seria o responsável<br />
pela renovação <strong>da</strong>s histórias de<br />
Zé Carioca no Brasil.<br />
A editora Western Publishing<br />
lança a revista Turok, Son of<br />
Stone, com aventuras de índios<br />
nativos americanos em um<br />
mundo dominado por<br />
dinossauros. Mais tarde, o título<br />
sairia pela Gold Key e pela Valiant<br />
Comics. O ilustrador original foi<br />
Rex Maxon, mas a criação<br />
original <strong>da</strong>s histórias é disputa<strong>da</strong><br />
por vários autores, como<br />
Matthew H. Murphy, Gaylord Du<br />
Bois e Paul S. Newman.<br />
1955<br />
A Rio Gráfica lança em janeiro<br />
a revista do Águia Negra<br />
(Sir<br />
Falcon), um clone australiano do<br />
Fantasma, que em vez <strong>da</strong> selva<br />
tinha sua base num castelo<br />
medieval e também passava o<br />
uniforme de pai para filho, por<br />
séculos a fio. Ain<strong>da</strong> no primeiro<br />
trimestre, a RGE lança duas<br />
revistas de faroeste, Don on Chicote<br />
e Bronco Piler, além de<br />
O Santo, com as aventuras do<br />
personagem britânico de livros<br />
de mistério que ganhou fama<br />
também em novelas<br />
radiofônicas, no cinema e na tv.<br />
O Santo começou a ser<br />
publicado em tiras diárias a<br />
partir de 1948. Nick Holmes e<br />
Capitão Marvel também<br />
ganham revista própria pela RGE.<br />
A revista Edição<br />
Maravilhosa, que publica com<br />
grande sucesso a<strong>da</strong>ptações de<br />
romances mundiais para os<br />
quadrinhos, como Os Três<br />
Mosqueteiros, e nacionais, como<br />
A Moreninha, Escrava Isaura,<br />
chega à 100ª edição no mês de<br />
março com a a<strong>da</strong>ptação de<br />
Menino de Engenho, de José<br />
Lins do Rego, desenha<strong>da</strong> por<br />
André Le Blanc. Desde janeiro,<br />
Adolfo Aizen inicia uma nova<br />
série <strong>da</strong> revista Álbum Gigante,<br />
que passa a publicar também<br />
Romances Ilustra<strong>dos</strong>, como<br />
indica a capa <strong>da</strong> publicação.<br />
Vendo o sucesso <strong>da</strong> concorrente,<br />
a RGE também entra nessa linha<br />
e lança Romance em<br />
<strong>Quadrinhos</strong>. O desenhista<br />
<strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011<br />
5
NA ÚLTIMA TIRA DE RIP KIRBY, A DESPEDIDA DE ALEX RAYMOND.<br />
AS AVENTURAS ESPACIAIS DE JEFF HAWKE.<br />
Gutemberg Monteiro, que<br />
ilustrou A Moreninha e já havia<br />
realizado outros trabalhos para<br />
Adolfo Aizen, <strong>da</strong> Ebal, é contratado<br />
pela RGE. Na nova casa, além de<br />
quadrinizar romances e criar as<br />
capas de várias revistas, passa a<br />
desenhar algumas <strong>da</strong>s histórias do<br />
Fantasma. Mais tarde, na déca<strong>da</strong><br />
de 60, ele se mu<strong>da</strong>ria para os<br />
Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong>, onde seria o autor<br />
de diversos comics importantes,<br />
como Tom & Jerry, assinando<br />
seus trabalhos como Goot.<br />
Depois de O Guri (lançado<br />
em 1940 no Diário <strong>da</strong> Noite),<br />
Assis Chateaubriand amplia seus<br />
lançamentos em quadrinhos<br />
apostando em Luluzinha (Little<br />
Lulu), que passa a ser publica<strong>da</strong><br />
pela Editora O Cruzeiro a partir<br />
de julho.<br />
A Editora La Selva começa a<br />
publicar versões em quadrinhos<br />
de palhaços ou comediantes<br />
brasileiros famosos <strong>da</strong> época:<br />
Fuzarca e Torresmo<br />
orresmo, Arrelia e<br />
Pimentinha, Oscarito e<br />
Grande Otelo, Carequinha e<br />
Fred<br />
entre outros.<br />
O desenhista britânico e expiloto<br />
<strong>da</strong> Royal Air Force-RAF<br />
Sidney Jor<strong>da</strong>n começa a publicar<br />
Jeff Hawke. Inicialmente um<br />
piloto <strong>da</strong> RAF, o personagem<br />
passa a viver instigantes<br />
aventuras espaciais depois que<br />
William Patterson assume os<br />
roteiros <strong>da</strong>s histórias, <strong>da</strong>ndo a<br />
Jor<strong>da</strong>n a chance de trabalhar<br />
ain<strong>da</strong> mais seus traços realísticos.<br />
Ham Fisher, o criador de Joe<br />
Palooka<br />
alooka, comete suicídio<br />
após ter sido expulso<br />
<strong>da</strong> National Cartoonists<br />
Society, por ter tentado difamar<br />
Al Capp, acusando-o de embutir<br />
desenhos pornográficos em<br />
suas tiras. A “prova” apresenta<strong>da</strong><br />
foi uma tira, retoca<strong>da</strong> pelo<br />
próprio Fisher, que ficou<br />
desmoralizado, quando Capp<br />
apresentou o original <strong>da</strong> tira, que<br />
na<strong>da</strong> tinha de pornográfico. A rixa<br />
entre os dois vinha de longe:<br />
Fisher, na déca<strong>da</strong> de 30, tinha<br />
conhecido Al Capp por acaso<br />
durante um encontrão casual na<br />
rua; ao ajudá-lo a recolher os<br />
desenhos espalha<strong>dos</strong> pelo chão,<br />
reconheceu seu talento e o<br />
convidou para ser seu assistente.<br />
Mais tarde, quando Al Capp<br />
pediu demissão e criou sua<br />
própria tira, Ferdinando<br />
(Li’l<br />
Abner), com sucesso estron<strong>dos</strong>o,<br />
começou uma guerra suja. Fisher<br />
alegava que os caipiras de<br />
Dogpatch (Brejo Seco) haviam<br />
sido plagia<strong>dos</strong> de uma história<br />
de Joe Palooka; Capp contraatacava,<br />
satirizando-o como<br />
um personagemdesenhista<br />
que explorava<br />
os assistentes.<br />
1956<br />
William Gaines mu<strong>da</strong><br />
o formato <strong>da</strong> revista Mad<br />
para escapar <strong>da</strong> censura,<br />
que visa só as revistas<br />
em quadrinhos<br />
colori<strong>da</strong>s. Mas<br />
logo ele e o<br />
editor Harvey<br />
Kurtzman se desentendem e o<br />
comando é passado para o exeditor<br />
<strong>da</strong>s revistas de terror, Al<br />
Feldstein, que, entre outras<br />
novi<strong>da</strong>des, incorpora o mascote<br />
Alfred E. Neuman (abaixo) na<br />
capa <strong>da</strong> revista e contrata como<br />
colaborador o impagável Don<br />
Martin, que logo se torna o<br />
sustentáculo <strong>da</strong> revista.<br />
Acaba a pendência judicial<br />
Superman x Capitão Marvel.<br />
Mas não porque a DC Comics<br />
tenha ganhado o processo. A<br />
Fawcett é que desiste, quando<br />
sente que não valia mais a pena,<br />
comercialmente, continuar<br />
publicando o personagem. Mas<br />
o editor britânico ain<strong>da</strong> estava<br />
tendo lucro e cria dois clones<br />
para substituir Capitão Marvel e<br />
Capitão Marvel Jr.: Marvelman e<br />
Marvelman Jr. Eram cópias<br />
descara<strong>da</strong>s, com palavra<br />
mágica e tudo<br />
(Shazam foi<br />
substituí<strong>da</strong> por<br />
Kimota). Até o<br />
arquiinimigo do<br />
herói, Dr.Silvana,<br />
tinha seu clone,<br />
chamado<br />
Gargunza. No Brasil,<br />
essas histórias saíam,<br />
juntamente com os<br />
personagens<br />
originais, nos<br />
gibis <strong>da</strong> Rio<br />
A REVISTA LASSIE É<br />
LANÇADA PELA EBAL.<br />
DESENHADO POR<br />
CARMINE INFANTINO,<br />
FLASH É RELANÇADO<br />
NOS ESTADOS UNIDOS:<br />
INÍCIO DA SILVER AGE.<br />
SUPER-HOMEM E<br />
CAPITÃO MARVEL:<br />
FIM DA LUTA<br />
NA JUSTIÇA.<br />
Gráfica, com os nomes de Jack<br />
Marvel e Jack Marvel Jr. E na<br />
déca<strong>da</strong> de 80, o laureado Alan<br />
Moore faria um remake desses<br />
personagens, mu<strong>da</strong>ndo o nome<br />
para Miracleman, para evitar<br />
problemas com a atual<br />
detentora <strong>da</strong> marca “Marvel”, a<br />
Marvel Comics.<br />
A DC Comics ressuscita, com<br />
nova roupagem, seu herói <strong>dos</strong><br />
anos 40, Flash. Essa publicação<br />
é o marco que define a entra<strong>da</strong><br />
<strong>dos</strong> quadrinhos norte-americanos<br />
na Silver Age (Era de Prata).<br />
Morre aos 46 anos num<br />
desastre automobilístico o<br />
criador de Flash Gordon, Alex<br />
Raymond, no auge <strong>da</strong> fama.<br />
Raymond dirigia o carro do<br />
amigo e também cartunista Stan<br />
Drake, autor de The Heart of<br />
Juliet Jones, que saiu bem<br />
machucado, mas sobreviveu. O<br />
fato curioso é que a última tira<br />
desenha<strong>da</strong> por Alex<br />
Raymond, a do detetive<br />
Rip Kirby, a última fala<br />
de um <strong>dos</strong> personagens<br />
é em tom de despedi<strong>da</strong>.<br />
John Prentice<br />
assume a série.<br />
Os personagens<br />
clássicos Dick Tracy<br />
e Flash<br />
Gordon ganham títulos próprios<br />
pela RGE, que também lança as<br />
revistas Campeões do Oeste e<br />
Robin Hood, além de outra<br />
publicação educativa, seguindo<br />
o mesmo caminho <strong>da</strong> Ebal:<br />
Enciclopédia em <strong>Quadrinhos</strong>.<br />
Em maio, dois cães famosos<br />
ganham revista própria pela Ebal:<br />
Rin-Tinin-Tin<br />
in e Lassie. Mas as<br />
novi<strong>da</strong>des não param por aí. A<br />
editora lança também Misterinho,<br />
revista em quadrinhos com<br />
a<strong>da</strong>ptações de romances policiais,<br />
cuja primeira edição publicou A<br />
Porta <strong>da</strong>s Sete Chaves, do<br />
dramaturgo e jornalista inglês<br />
Edgar Wallace, e Princesinha,<br />
revista infantil que publicava<br />
a<strong>da</strong>ptações de contos de fa<strong>da</strong>.<br />
DOS SERIADOS<br />
DA TV PARA OS<br />
QUADRINHOS:<br />
O CABO RUSTY<br />
E RIN-TIN-TIN.<br />
6 <strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011
SANTOS DUMONT, QUADRINIZAÇÃO<br />
DESENHADA POR JOSÉ GERALDO PARA<br />
A SÉRIE GRANDES FIGURAS, DA EBAL.<br />
JERÔNIMO, O HERÓI DO<br />
SERTÃO, COM DESENHOS DE<br />
EDMUNDO RODRIGUES.<br />
ZORRO, DE<br />
ALEX TOTH,<br />
BASEADO NA<br />
SÉRIE DE TV<br />
PRODUZIDA<br />
PELA DISNEY.<br />
Mike Nomad aparece<br />
pela primeira vez em uma<br />
aventura de Steve Roper,<br />
e a partir <strong>da</strong>í começa a<br />
dividir com ele o<br />
estrelato <strong>da</strong> tira. Após<br />
resolverem o primeiro<br />
caso juntos, Roper<br />
arruma para Nomad o<br />
emprego de motorista de<br />
caminhão <strong>da</strong> revista Proof.<br />
1957<br />
Jerônimo, o Herói do<br />
Sertão, novela radiofônica de<br />
Moisés Weltman, torna-se uma<br />
revista de quadrinhos de<br />
sucesso <strong>da</strong> Rio Gráfica e Editora,<br />
com aventuras desenha<strong>da</strong>s por<br />
Edmundo Rodrigues.<br />
A La Selva publica Mazzaropi<br />
em <strong>Quadrinhos</strong> com desenhos<br />
de Jayme Cortez.<br />
A Ebal lança, em abril, mais<br />
aventuras romancea<strong>da</strong>s na<br />
revista Invictus e mais faroeste<br />
na revista Neva<strong>da</strong>. Mas, a grande<br />
novi<strong>da</strong>de chega em agosto: a<br />
revista Grandes Figuras em<br />
<strong>Quadrinhos</strong> apresenta<br />
biografias de personali<strong>da</strong>des<br />
históricas do Brasil. O primeiro<br />
número traz Rondon, o Último<br />
Bandeirante, que conta a<br />
trajetória do Marechal Rondon.<br />
Logo chegariam Oswaldo Cruz,<br />
Castro Alves, Machado de Assis,<br />
Tiradentes, Duque de Caxias,<br />
Pedro Américo, Santos Dumont,<br />
entre outros.<br />
Mell Lazarus lança<br />
Miss Peach, famosa<br />
tira que foi produzi<strong>da</strong><br />
ininterruptamente<br />
até 2002.<br />
No britânico Daily<br />
Mirror estréia Andy<br />
Capp, de Reg Smythe (ao<br />
lado). No Brasil, ele seria<br />
conhecido como Zé do Boné.<br />
Hector Oesterheld escreve,<br />
e Solano López desenha<br />
El Eternauta, um marco do<br />
quadrinho argentino publicado<br />
em Hora Cero.<br />
Demiti<strong>dos</strong> <strong>da</strong> MGM, que<br />
fechou seu departamento de<br />
animação e parou de produzir<br />
os desenhos de Tom & Jerry,<br />
os animadores William Hanna<br />
e Joseph Barbera montam sua<br />
própria empresa e passam a<br />
produzir desenhos para a tv.<br />
O primeiro é The Ruff & Reddy<br />
Show (Jambo & Ruivão). No<br />
ano seguinte vêm Huckeberry<br />
Hound (Dom Pixote) e Quick<br />
Draw McGraw (Pepe Legal).<br />
To<strong>dos</strong> os personagens de<br />
Hanna-Barbera são licencia<strong>dos</strong><br />
pela Western Printing, que<br />
produz as revistas em<br />
quadrinhos <strong>da</strong> Dell.<br />
Em 10 de outubro, estréia na<br />
ABC a série Zorro<br />
orro, produzi<strong>da</strong><br />
pela Walt Disney, com Guy<br />
Williams no papel do<br />
espa<strong>da</strong>chim mascarado. As<br />
aventuras do herói ganhariam<br />
uma antológica a<strong>da</strong>ptação para<br />
os quadrinhos, realiza<strong>da</strong> pelo<br />
jovem desenhista Alex Toth<br />
oth, que<br />
ganhou notorie<strong>da</strong>de a partir de<br />
então e se tornou um <strong>dos</strong> mais<br />
brilhantes desenhistas <strong>dos</strong><br />
Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong>.<br />
1958<br />
Por volta desse período,<br />
Carlos Zéfiro segue o exemplo<br />
<strong>dos</strong> americanos Tijuana Bibles<br />
existentes desde os anos 1930<br />
e começa a produzir seus<br />
“catecismos” eróticos<br />
distribuí<strong>dos</strong> numa rede<br />
clandestina, que abastece o<br />
então, por baixo <strong>dos</strong> panos,<br />
mercado pornô. O gênero<br />
prolifera e surgem vários<br />
seguidores e imitadores, mas<br />
sempre é Zéfiro o mais<br />
lembrado. Essas revistas, que<br />
mediam em torno de 11x14cm,<br />
apesar <strong>da</strong> distribuição não oficial,<br />
chegam aos quatro cantos do<br />
Brasil, tornando-se cult. Os<br />
catecismos foram publica<strong>dos</strong> até<br />
1970, quando perderam<br />
mercado para as revistas<br />
pornográficas com fotos<br />
colori<strong>da</strong>s, que vinham de<br />
contrabando de países nórdicos,<br />
e também pelo aperto <strong>da</strong>s<br />
autori<strong>da</strong>des, que estavam<br />
fechando o cerco. Apesar de<br />
inúmeras tentativas de localizálo,<br />
a ver<strong>da</strong>deira identi<strong>da</strong>de de<br />
Carlos Zéfiro continua um<br />
mistério absoluto até 1991.<br />
Outro cartunista comete<br />
suicídio: Jack Cole, criador do<br />
Homem de Borracha, no auge<br />
<strong>da</strong> carreira, aos 43 anos, quando<br />
trabalhava para a Playboy, de<br />
Hugh Hefner. Cole comprou um<br />
rifle e se matou. Segundo Art<br />
Spiegelman, ele teria tomado<br />
essa decisão ao perceber que<br />
sofria de impotência sexual.<br />
Surge B.C., de Johnny Hart<br />
(abaixo), história ambienta<strong>da</strong> na<br />
i<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s cavernas que inaugura<br />
uma nova vertente de humor no<br />
mercado de tiras.<br />
Começam as aventuras de<br />
Kit Teller, O Pequeno Ranger<br />
(Piccolo Ranger), criado pelo<br />
jornalista italiano Andrea<br />
Lavezzolo e desenhado por<br />
Francesco Gamba.<br />
Falcão Negro, um <strong>dos</strong><br />
primeiros seria<strong>dos</strong> brasileiros <strong>da</strong><br />
televisão, ganha sua revista de<br />
quadrinhos pela Editora Garimar.<br />
As aventuras eram credita<strong>da</strong>s a<br />
Péricles Leal e os desenhos<br />
eram de Getulio Delphin, entre<br />
outros. O personagem, uma<br />
espécie de Zorro <strong>da</strong> I<strong>da</strong>de<br />
Média, era interpretado por<br />
diferentes atores, já que na<br />
época as transmissões de tv<br />
eram ao vivo. Em São Paulo, o<br />
herói era vivido por José Parisi;<br />
no Rio, por Gilberto Martinho.<br />
Texas Kid Magazine é<br />
lança<strong>da</strong> pela RGE (acima).<br />
A Ebal lança em<br />
novembro a revista<br />
Biografia em <strong>Quadrinhos</strong>,<br />
que começa com a história<br />
de Cristóvão Colombo,<br />
iniciando a Série<br />
Descobridores.<br />
O forte <strong>da</strong> Garimar eram<br />
as histórias verídicas <strong>dos</strong><br />
pracinhas <strong>da</strong> II Guerra<br />
Mundial, quadriniza<strong>da</strong>s em suas<br />
revistas de guerra. Mas essa<br />
editora publicou até uma<br />
biografia em quadrinhos com o<br />
pai do jiu-jitsu, Hélio Gracie,<br />
dividi<strong>da</strong> em várias edições e<br />
chama<strong>da</strong> A Ver<strong>da</strong>de sobre os<br />
Gracie.<br />
O belga Pierre Clifford (que<br />
assinava Peyo) introduz em uma<br />
aventura de seu personagem<br />
Johan, publicado na revista<br />
Spirou, estranhos duendes azuis<br />
chama<strong>dos</strong> Schtroumpfs<br />
(abaixo). Eles fazem sucesso<br />
instantâneo e ganham depois<br />
sua própria série. Anos mais<br />
<strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011<br />
7
SARGENTO ROCK, DE JOE KUBERT.<br />
ASTERIX, O<br />
GAULÊS, E<br />
SEU AMIGO<br />
OBELIX;<br />
CRIAÇÃO DE<br />
GOSCINNY<br />
E UDERZO.<br />
AVENTURAS DO ANJO, DE FLÁVIO COLIN.<br />
1960<br />
MORTADELO & SALAMINHO<br />
tarde, a Vecchi lançaria os<br />
personagens numa revista<br />
própria com o nome de Os<br />
Duendes Strunfs em 1975.<br />
Desenhado por Francisco<br />
Ibáñez, surge nas páginas <strong>da</strong><br />
revista Pulgarcito, <strong>da</strong> Editorial<br />
Bruguera, a atrapalha<strong>da</strong> dupla<br />
de agentes secretos Mortadelo<br />
& Salaminho (Mortadelo y<br />
Filemón), que se torna uma <strong>da</strong>s<br />
mais populares séries <strong>dos</strong><br />
quadrinhos espanhóis.<br />
1959<br />
Outro seriado televisivo<br />
brasileiro, o super-herói Capitão 7,<br />
ganha sua revista pela Editora<br />
Continental (depois Outubro). A<br />
primeira aventura é desenha<strong>da</strong><br />
por um jovem estreante, Julio<br />
Shimamoto. O nome do<br />
personagem vem do número do<br />
canal que o exibia (TV Record). Era<br />
interpretado por Aires Campos.<br />
Em janeiro a Ebal lança a<br />
revista infantil Anjinho, que<br />
apresenta a a<strong>da</strong>ptação de Aladim<br />
e a Lâmpa<strong>da</strong> Maravilhosa. Em<br />
fevereiro, a editora finalmente<br />
publica no Brasil a revista do<br />
Pica-Pau<br />
au, mas ela recebe o<br />
nome de Údi-Údi, uma<br />
diminuição sonora do<br />
nome real do personagem,<br />
Woody Woodpecker<br />
oodpecker. O<br />
personagem foi lançado<br />
em desenhos anima<strong>dos</strong>,<br />
em 1940, pelo estúdio de<br />
animação de Walter Lantz. Em<br />
1942, ele já apareceria nos<br />
Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong> na revista New<br />
Funnies, <strong>da</strong> Dell; depois<br />
ganharia seu próprio título.<br />
O Reizinho (The Little King),<br />
de Otto Soglow, ganha uma<br />
revista só dele, pela RGE.<br />
A revista do Pimentinha é<br />
lança<strong>da</strong> pela Empresa Gráfica<br />
O Cruzeiro e seria publica<strong>da</strong><br />
até 1967.<br />
Aventuras do Anjo é outra<br />
famosa novela radiofônica que<br />
ganha vi<strong>da</strong> nos gibis, desta vez<br />
sob os traços de Flavio Colin,<br />
que inova a narrativa gráfica<br />
com uma fase que ain<strong>da</strong> seguia<br />
de perto a escola visual de<br />
Milton Caniff. Colin a<strong>da</strong>ptava os<br />
roteiros radiofônicos do criador<br />
do personagem, Álvaro de<br />
Aguiar, transplantando as<br />
aventuras que originalmente se<br />
passavam nos EUA para o Brasil.<br />
Mauricio de Sousa começa<br />
a publicar suas primeiras tiras<br />
do Bidu em jornais do grupo<br />
Folha de S.Paulo, criando<br />
depois mais personagens e<br />
montando sua própria agência<br />
de distribuição nos moldes <strong>dos</strong><br />
syndicates americanos, a qual<br />
revendia as tiras para todo o<br />
País, estabelecendo o império<br />
que o tornaria anos depois o<br />
mais importante desenhista<br />
brasileiro de quadrinhos.<br />
Em outubro, Jean-Michel<br />
Charlier, Albert Uderzo, René<br />
Goscinny, Raymond Joly,<br />
François Clauteaux e Jean<br />
Hébrard fun<strong>da</strong>m a publicação<br />
semanal Pilote, que passa a ser<br />
uma referência mundial pela<br />
quali<strong>da</strong>de <strong>dos</strong> quadrinhos<br />
publica<strong>dos</strong> em suas páginas.<br />
Goscinny e Uderzo criam, para a<br />
nova revista, o gaulês Asterix,<br />
que se torna o herói nacional <strong>da</strong><br />
França. No ano 50 a.C., uma<br />
pequena aldeia resiste à invasão<br />
romana, uma referência à<br />
Resistência Francesa que o país<br />
montou quinze anos antes,<br />
quando a França fora ocupa<strong>da</strong><br />
pelos nazistas. Em 1960, Pilote é<br />
vendi<strong>da</strong> à Dargaud que a<br />
mantém semanal até 1974,<br />
quando a revista se torna mensal<br />
e nova numeração é inicia<strong>da</strong>.<br />
Bob Kanigher e Joe Kubert<br />
criam o mais famoso<br />
personagem de guerra <strong>da</strong> DC<br />
Comics: Sargento Rock, líder<br />
<strong>da</strong> Easy Co. (Companhia <strong>da</strong><br />
Moleza) em missões na<br />
Segun<strong>da</strong> Guerra Mundial.<br />
Super-Homem ganha uma<br />
prima, Supergirl<br />
(Supermoça),<br />
como ele, uma sobrevivente do<br />
planeta Krypton. Ela aparece na<br />
revista Action Comics n° 252,<br />
de maio.<br />
O rinoceronte Cacareco é o<br />
vereador mais votado de São<br />
Paulo. Uma disputa entre os<br />
zoológicos do Rio e de São<br />
Paulo, que reivindicavam a<br />
guar<strong>da</strong> do animal, ganhou a<br />
mídia, no mesmo período <strong>da</strong><br />
campanha eleitoral; e a<br />
desmoralização <strong>da</strong> classe política<br />
na época levou os paulistanos a<br />
votarem em protesto no<br />
simpático paquiderme, que teve<br />
mais de 100 mil votos (to<strong>dos</strong> os<br />
candi<strong>da</strong>tos do partido mais<br />
votado, soma<strong>dos</strong>, não chegaram<br />
a 95 mil). O pitoresco resultado<br />
<strong>da</strong>s eleições deu a idéia ao<br />
editor Jayme Corte<br />
tez, <strong>da</strong><br />
Continental/Outubro, de<br />
transformá-lo em uma revista<br />
em quadrinhos infantil. No<br />
início do ano seguinte, era<br />
lança<strong>da</strong> a revista Cacareco,<br />
cujo slogan publicitário foi<br />
“eleito pela maioria!”<br />
Joe Simon e Jack Kirby criam<br />
The Fly (Homem-Mosca), um<br />
super-herói que recebe poderes<br />
de uma raça extraterrestre de<br />
outra dimensão. O personagem<br />
antecipou as futuras criações <strong>da</strong><br />
Marvel Comics. No Brasil, ele foi<br />
lançado pela La Selva em 1965.<br />
1960<br />
É lança<strong>da</strong> a primeira<br />
revista em quadrinhos de<br />
Mauricio de Sousa: Bidu, pela<br />
Editora Continental. Mauricio,<br />
que apareceu na editora com<br />
uma história de terror debaixo<br />
do braço tentando uma brecha<br />
nas revistas que estavam saindo,<br />
foi estimulado pelo editor Jayme<br />
Cortez a não sair do estilo<br />
infantil. “Você não é o mesmo<br />
Mauricio <strong>da</strong>quela tira Bidu <strong>da</strong><br />
8 <strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011
A TURMA DO PERERÊ, DE ZIRALDO<br />
(ESQUERDA), FRED FLINTSTONE (ACIMA)<br />
E SPY VS SPY, DE PROHIAS (ABAIXO).<br />
Folha?” (Leia o restante do<br />
diálogo na entrevista com<br />
Mauricio de Sousa a partir <strong>da</strong><br />
página 19 desta edição).<br />
Don on Pixote, animação de<br />
sucesso <strong>da</strong> Hanna-Barbera,<br />
ganha uma revista que é<br />
publica<strong>da</strong> até 1966 pela<br />
Empresa Gráfica O Cruzeiro.<br />
Estréia, em horário nobre,<br />
nos Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong>, a animação<br />
The Flintstones, primeiro megasucesso<br />
de Hanna-Barbera. Até<br />
os anos 90 (quando o recorde<br />
foi batido pelos Simpsons), foi a<br />
série que ficou mais tempo no<br />
ar. Os personagens foram<br />
licencia<strong>dos</strong> rapi<strong>da</strong>mente para os<br />
quadrinhos em jornais e revistas.<br />
No Brasil, Os Flintstones foram<br />
publica<strong>dos</strong> pela Editora Gráfica<br />
O Cruzeiro a partir de 1962.<br />
Após uma parceria de quase<br />
25 anos, a Western Printing<br />
cancela o contrato com a Dell<br />
Comics. Essa editora distribuía os<br />
quadrinhos cria<strong>dos</strong> e impressos<br />
pela Western, que passa a ter o<br />
seu próprio selo editorial, Gold<br />
Key Comics, para publicar as<br />
revistas de to<strong>dos</strong> os personagens<br />
licencia<strong>dos</strong>, como os <strong>da</strong> Disney e<br />
<strong>da</strong> Hanna-Barbera, além de<br />
novos títulos. O primeiro<br />
lançamento inédito <strong>da</strong> editora é<br />
Solar Man of The Atom, uma<br />
criação original <strong>da</strong> Western. No<br />
Brasil, Solar, o Homem-Átomo foi<br />
lançado pela Ebal em agosto de<br />
1966, numa revista cujo miolo<br />
era impresso em duas cores. A<br />
Dell continuaria no mercado<br />
produzindo os próprios comics.<br />
Para se preparar para uma<br />
possível lei de nacionalização <strong>dos</strong><br />
quadrinhos, que estava sendo<br />
reivindica<strong>da</strong> pela enti<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />
classe, a editora O Cruzeiro abre<br />
as portas para os desenhistas <strong>da</strong><br />
casa. Ziraldo, então funcionário<br />
<strong>da</strong> revista, a<strong>da</strong>pta o seu Pererê<br />
ererê,<br />
um cartum semanal já publicado<br />
em O Cruzeiro, para o universo<br />
<strong>dos</strong> quadrinhos, criando o<br />
ambiente <strong>da</strong> Mata do Fundão e<br />
a trupe de coadjuvantes: Galileu,<br />
Tininim, Pedro Vieira, Moacir e o<br />
Compadre Tonico e Seu Neném.<br />
A revista em quadrinhos começa<br />
em outubro de 1960 e sai<br />
ininterruptamente até 1964, ano<br />
do golpe militar. O cancelamento<br />
<strong>da</strong> revista acontece devido a uma<br />
disputa financeira entre Ziraldo e<br />
a editora.<br />
Péricles, autor de O Amigo <strong>da</strong><br />
Onça, também publicado na<br />
revista O Cruzeiro, não consegue<br />
finalizar o protótipo de sua<br />
revista do Oliveira Trapalhão, e<br />
o projeto é abortado. Dois anos<br />
depois o terceiro cartunista<br />
mais famoso de O Cruzeiro<br />
levaria seu Dr. . Macarra<br />
(ao lado) para as<br />
páginas de uma revista<br />
homônima, que<br />
não consegue<br />
chegar a um ano<br />
de publicação.<br />
Alguns meses<br />
antes do Pererê,<br />
entretanto, a editora<br />
O Cruzeiro já tinha começado a<br />
publicar o seu primeiro quadrinho<br />
produzido no Brasil, embora não<br />
completamente “nacional”. Como<br />
o material original americano<br />
havia acabado, e para não perder<br />
um título que vendia bem, por<br />
causa do sucesso do seriado de<br />
tv no ar, o desenhista Getulio<br />
Delphin fora incumbido de criar<br />
novas aventuras de Charlie Chan,<br />
agora ambienta<strong>da</strong>s em nosso<br />
País. O Charlie Chan tupiniquim<br />
fez ain<strong>da</strong> uma ponta numa<br />
aventura do Pererê<br />
ererê, em que era<br />
culpado do próprio crime que<br />
estava fingindo desven<strong>da</strong>r: o<br />
sumiço <strong>da</strong> tanga de Tininim.<br />
Mais dois clássicos <strong>dos</strong><br />
quadrinhos passam a<br />
circular em revistas próprias:<br />
Brucutu e Príncipe<br />
Valente<br />
alente, ambas <strong>da</strong> RGE. A<br />
editora lança também a<br />
revista Cavaleiro Fantasma<br />
antasma,<br />
que traz as aventuras de<br />
um pistoleiro mascarado no<br />
velho Oeste. O personagem<br />
guar<strong>da</strong> muitas semelhanças<br />
com o famoso Fantasma<br />
de Lee Falk.<br />
A Ebal lança mais<br />
uma revista “para<br />
meninas e meninos”:<br />
Per-lim-pim-pim, que<br />
na ver<strong>da</strong>de publicava<br />
histórias mais femininas.<br />
O cartunista cubano<br />
Antonio Prohias entra<br />
no índex do e é<br />
obrigado a fugir de<br />
mala e cuia para os EUA.<br />
Após alguns meses de<br />
sufoco, cria uma dupla de<br />
espiões, Spy vs Spy, que é<br />
imediatamente compra<strong>da</strong> pela<br />
revista Mad e publica<strong>da</strong> a partir<br />
de 1961. Embora <strong>da</strong>ta<strong>da</strong>, pois<br />
remete aos tempos <strong>da</strong> Guerra<br />
Fria, a série sobrevive ao tempo<br />
e os dois espiões são até hoje<br />
um <strong>dos</strong> carros-chefes <strong>da</strong> revista.<br />
Trocando o R pelo L, surge<br />
em outubro mais um ícone <strong>da</strong><br />
turminha cria<strong>da</strong> por Mauricio de<br />
Sousa: Cebolinha (abaixo)<br />
aparece pela primeira vez nas<br />
tiras do Franjinha.<br />
1961<br />
Após a morte do<br />
criador Péricles<br />
Maranhão, o<br />
Amigo <strong>da</strong> Onça<br />
(à direita) não<br />
pára de ser<br />
publicado. A série<br />
é assumi<strong>da</strong> por<br />
Carlos Estevão, que<br />
consegue fazer uma<br />
versão ain<strong>da</strong> melhor.<br />
Jayme Corte<br />
tez recebe o<br />
Prêmio Jabuti na categoria<br />
capista pelo trabalho feito em<br />
Barro Blanco.<br />
A Resolução nº 204 <strong>da</strong><br />
Superintendência <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong> e do<br />
Crédito, durante o Governo Jânio<br />
Quadros, é um duro golpe para<br />
as editoras de quadrinhos e para<br />
a imprensa de modo geral. Com<br />
a retira<strong>da</strong> <strong>dos</strong> subsídios, entre<br />
outros produtos importa<strong>dos</strong>, do<br />
papel de imprensa, comprado<br />
com 75% de desconto, o peso<br />
<strong>dos</strong> custos do papel no<br />
orçamento <strong>da</strong>s revistas passa a<br />
ser muito maior. Isso acarreta<br />
um aumento de preço de<br />
capa e o cancelamento de<br />
alguns títulos, que passaram<br />
a não ser mais rentáveis.<br />
Bristow, personagem<br />
criado pelo cartunista<br />
britânico Frank Dickens,<br />
ganha sua própria tira.<br />
Sob o pseudônimo de<br />
Guido Nolitta, Sergio Bonelli<br />
cria Zagor, com o traço de<br />
Gallieno Ferri.<br />
<strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011<br />
9
A ERA DE OURO DA MARVEL COMICS<br />
COMEÇA COM QUARTETO FANTÁSTICO,<br />
HULK, HOMEM-ARANHA, X-MEN: OS SUPER-<br />
HERÓIS PASSARIAM A VIVER PROBLEMAS<br />
COMUNS AOS SIMPLES MORTAIS ENQUANTO<br />
COMBATEM OS MAIS INCRÍVEIS VILÕES.<br />
A CAPA DA PRIMEIRA EDIÇÃO DA REVISTA<br />
FERDINANDO, DA RIO GRÁFICA, FOI DESENHADA<br />
POR GUTEMBERG, QUE NA ÉPOCA FAZIA PARTE<br />
DA EQUIPE DE DESENHISTAS DA EDITORA.<br />
A ABRIL COMEÇOU A PUBLICAR HISTÓRIAS<br />
DO ZÉ CARIOCA PRODUZIDAS NO BRASIL.<br />
A revista Zé Carioca surge<br />
quinzenalmente nas bancas,<br />
revezando as edições com o<br />
Pato Donald<br />
onald, começando no<br />
número 471! Na ver<strong>da</strong>de era<br />
um “truque” que facilitava a<br />
distribuição monta<strong>da</strong> pela<br />
Editora Abril e o recolhimento do<br />
encalhe <strong>da</strong>s revistas pelos<br />
jornaleiros. Os números ímpares<br />
eram de Zé Carioca e os pares<br />
continuavam sendo as edições<br />
do Pato Donald. A Abril começa<br />
a produzir aventuras do<br />
papagaio com artistas locais.<br />
Depois de ter suas histórias<br />
publica<strong>da</strong>s na revista Mindinho,<br />
o coelho Pernalonga<br />
ganha um<br />
título próprio a partir de abril, na<br />
mesma Ebal.<br />
Também em abril, a Ebal<br />
lança a revista trimestral Edição<br />
Monumental, em formato<br />
maior que o <strong>da</strong>s revistas<br />
convencionais. A primeira edição<br />
traz a quadrinização do romance<br />
Gabriela, Cravo e Canela, de<br />
Jorge Amado, que apoiou<br />
totalmente a a<strong>da</strong>ptação. O texto<br />
foi de Fernando Albagli e os<br />
desenhos de Ramón Llampayas.<br />
Ferdinando<br />
(Li’l Abner), a<br />
genial criação de Al Capp, ganha<br />
uma revista pela RGE, que<br />
também lança Recruta Zero<br />
ero.<br />
Stan Lee e Jack Kirby lançam<br />
a primeira revista em quadrinhos<br />
que inaugura a<br />
gloriosa “Era Marvel”:<br />
Fantastic Four<br />
(Quarteto<br />
Fantástico) introduz os<br />
problemas pessoais e existenciais<br />
no gênero super-heróis.<br />
A Hanna-Barbera lança mais<br />
duas séries de animação na tv:<br />
The Yogi Bear Show (Zé<br />
Colméia) e Top Cat (Man<strong>da</strong><br />
Chuva).<br />
Roy Litchenstein, um <strong>dos</strong><br />
pais <strong>da</strong> pop-art, começa a usar<br />
elementos de quadrinhos em<br />
suas obras. A primeira tentativa é<br />
canibalizar Mickey Mouse, o que<br />
é rechaçado pela Disney, que<br />
ameaça meter um processo<br />
nele. Ele passa então a fazer<br />
ampliações de quadrinhos mais<br />
“genéricos”, como os <strong>da</strong>s<br />
revistas no gênero romântico e<br />
guerra, publica<strong>dos</strong> pela DC<br />
Comics, principalmente os<br />
desenha<strong>dos</strong> por Irv Novick.<br />
As principais editoras<br />
brasileiras – Ebal, Rio Gráfica, O<br />
Cruzeiro e Abril – se unem e<br />
criam uma versão tupiniquim do<br />
Comics Code norte-americano,<br />
imitando o selo e algumas<br />
regras e o rebatizam de Código<br />
de Ética, passando a estampá-lo<br />
nas capas de suas revistas. O<br />
objetivo era basicamente o<br />
mesmo de seu<br />
similar norteamericano:<br />
atrapalhar a<br />
concorrência<br />
(no caso, as<br />
editoras<br />
paulistas que publicavam o<br />
gênero terror) e aplacar a ira de<br />
alguns religiosos e educadores,<br />
que moviam campanha contra<br />
os quadrinhos, <strong>da</strong>ndo a<br />
entender algo como “os nossos<br />
quadrinhos são limpinhos”.<br />
1962<br />
O então Governador do Rio<br />
Grande do Sul, Leonel Brizola,<br />
aju<strong>da</strong> o desenhista José Geraldo<br />
a montar a Cooperativa Editora<br />
de Trabalho de Porto Alegre-<br />
Cetpa, volta<strong>da</strong> para a publicação<br />
de genuínos heróis nacionais<br />
como o gaúcho Aba Larga, de<br />
Getulio Delphin, e Sepé, de<br />
Flavio Colin. O projeto previa<br />
uma inteira linha de revistas em<br />
quadrinhos, mas a editora não<br />
consegue emplacar, não só<br />
economicamente, mas<br />
também pelo conturbado<br />
clima político que estava se<br />
formando no Brasil na época.<br />
A Ebal lança mais duas<br />
revistas em formato cheque: a<br />
infantil Minha Revistinha e a de<br />
faroeste O Juvenil Mensal, esta<br />
para concorrer diretamente com<br />
a tradicional O Globo o Juvenil<br />
Mensal, <strong>da</strong> Rio Gráfica, que já<br />
passava do número 250.<br />
Jorge Amado e os quadrinhos<br />
JORGE AMADO E SUA FAMÍLIA EM FOTO<br />
PUBLICADA NA PRIMEIRA EDIÇÃO MONUMENTAL:<br />
ELOGIO VEEMENTE AOS QUADRINHOS DA EBAL.<br />
Num depoimento publicado<br />
na primeira Edição Monumental,<br />
Jorge Amado escreveu<br />
um grande elogio ao<br />
trabalho de Adolfo Aizen à<br />
frente de sua Editora Brasil-<br />
América e se disse plenamente<br />
satisfeito com as<br />
a<strong>da</strong>ptações para os quadrinhos<br />
de seus romances. Segundo<br />
o escritor, “elas só<br />
têm feito aumentar o público<br />
<strong>dos</strong> meus livros”.<br />
Reconheceu, porém, um<br />
<strong>dos</strong> graves problemas que os<br />
quadrinhos ain<strong>da</strong> enfrentavam<br />
à época: “Há muita gente<br />
que tem preconceitos contra<br />
as histórias em quadrinhos<br />
e algumas aconselharam-me a não permitir tal a<strong>da</strong>ptação.<br />
Mas eu gosto de concluir por mim mesmo, à base <strong>da</strong> experiência.”<br />
E continuou, defendendo sua posição: “O leitor <strong>da</strong> a<strong>da</strong>ptação<br />
em quadrinhos, se gosta do livro, termina por ir buscá-lo para<br />
uma leitura na íntegra. Tenho provas disso. Da mesma maneira<br />
que as a<strong>da</strong>ptações cinematográfica, teatral, radiofônica ou para<br />
tv, a a<strong>da</strong>ptação em quadrinhos é uma forma de popularizar o livro,<br />
de aumentar seu círculo de leitores, de ampliar sua repercussão.<br />
E concluiu fazendo um elogio à Ebal: “O trabalho que Adolfo<br />
Aizen, à frente <strong>da</strong> Brasil-América, vem realizando é admirável<br />
e merecedor de to<strong>dos</strong> os elogios. Eu, de minha parte, quero<br />
deixar aqui o meu louvor à grande realização que é sua editora.<br />
Editora ama<strong>da</strong> pelas crianças, que mais pode desejar um homem<br />
cuja vi<strong>da</strong> foi to<strong>da</strong> volta<strong>da</strong> para os meninos brasileiros?”<br />
A RGE, por sua vez,<br />
lança Jim <strong>da</strong>s Selvas,<br />
Pafúncio<br />
afúncio, Zezé & Cia e<br />
mais uma revista de faroeste:<br />
Xerife Magazine. No ano<br />
seguinte seria a vez de Bang<br />
Bang Magazine engor<strong>da</strong>r o<br />
cardápio de publicações sobre o<br />
Oeste bravio, gênero que era<br />
sucesso de ven<strong>da</strong>s na época.<br />
Em parceria com Steve Ditko,<br />
Stan Lee acerta em cheio com a<br />
criação de O Homem-Aranha<br />
(Spider-man), que traz a história<br />
de um adolescente que ganha<br />
poderes extraordinários mas<br />
continua a enfrentar os problemas<br />
comuns de um rapaz de sua<br />
i<strong>da</strong>de. Nesse mesmo ano, Stan<br />
Lee e Jack Kirby criam um outro<br />
ícone <strong>da</strong> editora: O Incrível Hulk,<br />
um anti-herói que combina<br />
elementos de Frankenstein e Dr<br />
Jekyll e Mr Hyde.<br />
Com o sucesso de Os<br />
Flintstones, a Hanna-Barbera<br />
volta os olhos para o<br />
futuro e lança Os Jetsons.<br />
Depois de fracassar em<br />
várias tentativas de lançar<br />
revistas para concorrer<br />
com a Mad, Harvey<br />
Kurtzman cria Little Annie<br />
Fanny<br />
para a revista<br />
Playboy.<br />
Sergio Aragonés<br />
vende seus primeiros<br />
cartuns para a revista<br />
Mad. Ele logo começa a<br />
publicar as famosas<br />
“marginais do Mad” (ao lado<br />
e abaixo), minúsculos cartuns<br />
que enfeitam até hoje os<br />
cantos <strong>da</strong>s páginas. Esse<br />
espaço era preenchido com<br />
frases e os editores acharam<br />
ótima a idéia de substituí-las<br />
por cartuns, pois estavam<br />
ficando sem imaginação para<br />
novas frases. Depois de Al<br />
Jaffee (criador <strong>da</strong> famosa<br />
10 <strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011
PETER PARKER, O<br />
ADOLESCENTE QUE<br />
GANHOU PODERES<br />
INCRÍVEIS, TINHA<br />
DIFICULDADES<br />
PARA PAGAR<br />
AS CONTAS<br />
NO FINAL<br />
DO MÊS.<br />
TENENTE<br />
BLUEBERRY,<br />
CRIAÇÃO DE JEAN<br />
GIRAUD, MAIS<br />
TARDE CONHECIDO<br />
MUNDIALMENTE<br />
POR MOEBIUS.<br />
A FOLHINHA<br />
DE S.PAULO,<br />
SUPLEMENTO QUE<br />
MAURICIO DE<br />
SOUSA AJUDOU<br />
A CRIAR E A TIRA<br />
DO CEBOLINHA<br />
ONDE A MÔNICA<br />
FEZ SUA ESTRÉIA.<br />
Dobradinha), Aragonês é o<br />
colaborador que publicou mais<br />
páginas até hoje.<br />
Surge na França a aventura de<br />
ficção científica Barbarella, de<br />
Jean Claude Forest (abaixo), com<br />
avança<strong>dos</strong> conceitos feministas<br />
que até hoje influenciam os<br />
quadrinhos. Em 1968, a história<br />
foi leva<strong>da</strong> ao cinema por Roger<br />
Vadim com a bombshell Jane<br />
Fon<strong>da</strong> no papel <strong>da</strong> heroína. No<br />
ano seguinte, o álbum em<br />
quadrinhos foi lançado no Brasil<br />
pela Linográfica Editora com<br />
tradução de Jô Soares.<br />
1963<br />
As leis de nacionalização não<br />
vingam e os principais artistas,<br />
como Shimamoto, Colin e<br />
Getulio Delphin migram para os<br />
pastos mais verdes <strong>da</strong> ilustração<br />
publicitária. Não param de ser<br />
produzi<strong>dos</strong> quadrinhos<br />
brasileiros, mas quem continua<br />
ativo na profissão são<br />
estrangeiros aqui radicaliza<strong>dos</strong>,<br />
como o italiano Nico Rosso e os<br />
argentinos Eugenio Colonnese e<br />
Rodolfo Zalla. O gênero terror<br />
ganha força, uma vez que nos<br />
EUA não estavam sendo mais<br />
produzi<strong>da</strong>s essas histórias, por<br />
causa do Comics Code Authority.<br />
Com o grande sucesso <strong>da</strong> série<br />
de tv, a Outubro lança a revista<br />
em quadrinhos Vigilante<br />
Rodoviário, com roteiros de<br />
Gedeone Malagola e desenhos<br />
de Flávio Colin e Osvaldo Talo.<br />
Mônica, que se tornaria a<br />
mais famosa personagem de<br />
Mauricio de Sousa, faz sua<br />
estréia em uma tira do<br />
Cebolinha, publica<strong>da</strong> no jornal<br />
Folha <strong>da</strong> Manhã. Horácio, que<br />
aparecia desde 1960 nas<br />
aventuras pré-históricas do<br />
Piteco, também estréia em<br />
histórias semanais próprias na<br />
Folhinha de S.Paulo. O simpático<br />
dinossauro verde seria publicado<br />
no suplemento <strong>da</strong> Folha de<br />
S.Paulo durante 24 anos.<br />
Além <strong>dos</strong> personagens Zé<br />
Colméia e Pepe Legal, <strong>da</strong><br />
Hanna-Barbera, a O Cruzeiro<br />
passa a publicar a revista Pingo<br />
de Gente, com histórias <strong>dos</strong><br />
Peanuts, de Schulz, que<br />
receberam nomes bem diferentes:<br />
Charlie Brown foi chamado de<br />
João Barbosa; Snoopy era Xereta<br />
e Schroeder ficou conhecido<br />
como Essenfelder.<br />
Peter O’Donnell e Jim<br />
Hol<strong>da</strong>way criam, na Inglaterra,<br />
Modesty Blaise.<br />
O famoso Gato Félix é outro<br />
personagem clássico <strong>dos</strong><br />
quadrinhos a saltar para as<br />
páginas de sua própria revista<br />
pela Rio Gráfica e Editora.<br />
A Gold Key lança nos Esta<strong>dos</strong><br />
Uni<strong>dos</strong> a revista Magnus Robot<br />
ot<br />
Fighter 4000 AD, personagem<br />
de ficção científica criado por<br />
Russ Manning, que também<br />
desenhava as tiras e pranchas<br />
dominicais de Tarzan.<br />
Stan Lee e Jack Kirby criam os<br />
X-Men (abaixo), personagens<br />
que se tornariam grandes ícones<br />
<strong>da</strong> Marvel Comics.<br />
A revista Pilote lança o<br />
cowboy Blueberry na aventura<br />
Fort Navajo. A autoria é de Jean<br />
Giraud, que assinava Gir, e mais<br />
tarde ficaria mundialmente<br />
famoso com seu outro<br />
pseudônimo, Moebius.<br />
Na Paraíba, Deo<strong>da</strong>to Borges<br />
resolve transformar seu<br />
personagem Flama, grande<br />
sucesso local do rádio (era líder<br />
de audiência, destronando até o<br />
popular Jerônimo) numa revista<br />
de histórias em quadrinhos, a<br />
primeira publica<strong>da</strong> na Paraíba.<br />
Outro mérito de Deo<strong>da</strong>to Borges<br />
é ser o pai de Deo<strong>da</strong>to Filho, que<br />
virou estrela internacional com o<br />
pseudônimo Mike Deo<strong>da</strong>to Jr.<br />
Em dezembro, a Editora Abril<br />
lança o Almanaque do Tio<br />
Patinhas<br />
atinhas. Em 1970, a revista<br />
passaria a ser chama<strong>da</strong> apenas<br />
de Tio Patinhas.<br />
OS MUTANTES X-MEN<br />
ERAM REJEITADOS<br />
PELA SOCIEDADE,<br />
QUE OS VIA COMO<br />
UMA AMEAÇA.<br />
<strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011<br />
11
O ÚLTIMO NÚMERO DA<br />
REVISTA PERERÊ PELA<br />
O CRUZEIRO TEVE TOM<br />
PROFÉTICO, A<br />
COMEÇAR PELA DATA<br />
IMPRESSA NA REVISTA<br />
E PELO DIÁLOGO QUE<br />
ACONTECE LOGO NA<br />
SEGUNDA PÁGINA DA<br />
HISTÓRIA DE ABERTURA,<br />
QUANDO O COMPADRE<br />
COMUNICA AOS<br />
H<strong>ABI</strong>TANTES DA MATA<br />
DO FUNDÃO O TEOR<br />
DA PEÇA QUE SERIA<br />
APRESENTADA. AO<br />
LADO, DUAS DAS MAIS<br />
IMPORTANTES REVISTAS<br />
DE TERROR DOS<br />
ESTADOS UNIDOS DAS<br />
DÉCADAS DE 1960 E<br />
1970: CREEPY E EERIE.<br />
1964<br />
Após ter sido demitido <strong>da</strong><br />
revista O Cruzeiro por causa de<br />
protestos contra sua Esta é a<br />
Ver<strong>da</strong>deira História do Paraíso,<br />
Millôr Fernandes lança, por conta<br />
própria, O Pif-Paf<br />
como revista<br />
independente. Mas ela só dura<br />
oito números.<br />
Outra vítima <strong>da</strong> editora O<br />
Cruzeiro: o último número <strong>da</strong><br />
revista Pererê, de Ziraldo,<br />
aparecia nas bancas na última<br />
semana de março e a <strong>da</strong>ta <strong>da</strong><br />
publicação impressa na revista,<br />
1° de abril, era uma estranha<br />
coincidência com o golpe militar.<br />
Uma reforma gráfica na<br />
Folha de S. Paulo aumenta<br />
consideravelmente o espaço<br />
para as tiras em quadrinhos.<br />
Entre as novi<strong>da</strong>des, está<br />
Vizunga, de Flavio Colin,<br />
considera<strong>da</strong> uma de suas<br />
melhores histórias e marco <strong>da</strong><br />
transição do estilo do artista. A<br />
narrativa tinha duas linhas<br />
gráficas: o tempo presente<br />
(personagens ouvindo o<br />
personagem-título contar suas<br />
histórias), em estilo realista, e<br />
as aventuras do velho caçador,<br />
em estilo cômico.<br />
Estréia na tv americana uma<br />
bem-sucedi<strong>da</strong> série de<br />
desenhos anima<strong>dos</strong> de ação:<br />
Jonny Quest. Criado por Doug<br />
Wildey para a Hanna-Barbera, o<br />
personagem logo seria<br />
publicado em quadrinhos.<br />
Para driblar a censura do<br />
Comics Code norte-americano, o<br />
editor James Warren lança as<br />
revistas de terror Creepy e Eerie<br />
em preto e branco e formato<br />
diferente. Diversos artistas <strong>da</strong><br />
fase <strong>da</strong> E.C. Comics tornam-se<br />
colaboradores e Frank Frazetta<br />
vira o principal capista. Mais<br />
tarde as duas revistas ganham<br />
uma irmã, Vampirella<br />
ampirella.<br />
Os Fradinhos<br />
de Henfil, ain<strong>da</strong><br />
embrionários, fazem sua estréia<br />
na revista mineira Alterosa.<br />
O argentino Quino cria<br />
Mafal<strong>da</strong>, a contestatária<br />
(abaixo), que se transformou<br />
num grande sucesso em seu<br />
país e em todo o mundo,<br />
tornando-se um símbolo <strong>da</strong> luta<br />
pela liber<strong>da</strong>de e contra a tirania.<br />
A La Selva lança a revista com<br />
protagonista do famoso seriado<br />
<strong>da</strong> tv Dr. . Kil<strong>da</strong>re.<br />
PERSONAGENS DA<br />
SÉRIE O MAGO DE ID.<br />
ACIMA, UMA TIRA<br />
DE VIZUNGA,<br />
DE FLÁVIO COLIN E,<br />
NA EXTREMA DIREITA<br />
CAPTAIN EASY<br />
GANHOU O NOME<br />
DE CAPITÃO CÉSAR<br />
NO BRASIL.<br />
Os amigos cartunistas Brant<br />
Parker e Johnny Hart criam a<br />
tira O Mago de Id (The Wizard<br />
of Id), com um acentuado tom<br />
de crítica política bem ao gosto<br />
de Parker.<br />
Os Três rês Patetas<br />
atetas, que já<br />
foram publica<strong>dos</strong> pela La Selva,<br />
passam para a Ebal.<br />
Reestréia em grande estilo,<br />
pela Marvel, as aventuras do<br />
Capitão América (Captain<br />
America), personagem clássico<br />
do tempo <strong>da</strong> Segun<strong>da</strong> Grande<br />
Guerra, desenhado pelo<br />
mesmo Jack Kirby.<br />
Minami Keizi cria Tupãzinho<br />
upãzinho,<br />
publicado em tiras no Diário<br />
Popular de São Paulo. No ano<br />
seguinte, o personagem,<br />
inspirado no Astroboy, de<br />
Osamo Tezuka, ganha sua<br />
revista própria pela editora Pan-<br />
Juvenil, embrião <strong>da</strong> editora Edrel<br />
que ele fun<strong>da</strong>ria depois. O<br />
personagem Tupãzinho vira o<br />
símbolo <strong>da</strong> editora.<br />
Na Itália, é lança<strong>da</strong> a revista<br />
Linus, abrindo caminho para um<br />
novo tipo de publicação. Mistura<br />
1965<br />
Neste ano a Rio<br />
Gráfica e Editora<br />
coloca nas bancas<br />
mais seis revistas:<br />
Arizona Kid, Agente<br />
Secreto, Capitão<br />
Cesar (acima), Gibi<br />
Colorido, Jim Gordon e<br />
Rancho Fundo.<br />
CAPITÃO AMÉRICA, DE JACK KIRBY E STAN LEE.<br />
12 <strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011
À ESQUERDA, NETRON SE<br />
PERDE NOS LÁBIOS DE<br />
VALENTINA. À DIREITA, O<br />
DESENHISTA JIM STERANKO<br />
DEU A NICK FURY UM<br />
TRATAMENTO GRÁFICO DE<br />
ALTO NÍVEL.<br />
tiras cult americanas como B.C.<br />
e Peanuts (o nome Linus vem<br />
do amigo de Charlie Brown) e<br />
abre espaço para a produção<br />
local lançando Neutron, de<br />
Guido Crepax. Esta, uma<br />
série de ficção científica,<br />
acabaria mu<strong>da</strong>ndo de<br />
foco, quando a coadjuvante<br />
Valentina<br />
alentina, namora<strong>da</strong> de<br />
Neutron, vira protagonista e um<br />
ícone do quadrinho erótico.<br />
SPACE GHOST,<br />
DE ALEX TOTH.<br />
que conquistou fama<br />
internacional, quando seu Cuba<br />
para Principiantes foi traduzido<br />
para o inglês e se tornou um bestseller<br />
internacional.<br />
Tom K. Ryan começa a<br />
publicar Tumbleweeds<br />
(acima),<br />
uma paródia ao velho Oeste. No<br />
Brasil, o personagem foi<br />
chamado de Kid Farofa. O artista<br />
produziu a tira durante 42 anos,<br />
até encerrá-la em 2007.<br />
O mexicano Eduardo Del Rio<br />
(Rius) cria Los os Supermachos,<br />
quadrinhos de cunho político e<br />
social misturando seus desenhos<br />
com colagens e fotopotocas,<br />
falado em linguagem simples para<br />
o povão entender, sobre assuntos<br />
que variavam do trivial urbano a<br />
política ou à Igreja Católica. Os<br />
Supermachos freqüentemente<br />
eram vítimas <strong>da</strong> censura (o editor<br />
sofria pressões do Governo e<br />
trocava os diálogos à revelia do<br />
autor), o que causou a ruptura de<br />
Rius com a Editorial Meridiano,<br />
que, entretanto, manteve o título<br />
com outros desenhistas. Em<br />
1968, ele cria outra revista similar,<br />
Los Agacha<strong>dos</strong>, que durou mais<br />
de 200 edições. Mas foi em 1970<br />
A turma <strong>da</strong> Disney ganha um<br />
reforço: Pateta (Goofy) come o<br />
super-amendoim que o<br />
transforma em Superpateta .<br />
A Marvel Comics lança na<br />
revista Strange Tales<br />
as<br />
primeiras histórias de Nick Fury<br />
ury,<br />
Agente <strong>da</strong> S.H.I.E.L.D,<br />
personagem secundário <strong>da</strong>s<br />
histórias do Capitão América<br />
que, nas mãos de Jim Steranko,<br />
a partir do final de 1966, ganha<br />
contornos plásticos arroja<strong>dos</strong> e<br />
uma história de espionagem de<br />
grande impacto dramático.<br />
1966<br />
O desenhista Alex Toth<br />
desenvolve para a Hanna-Barbera<br />
uma nova linha de desenhos<br />
anima<strong>dos</strong> para tv: os personagens<br />
agora são super-heróis e o<br />
primeiro a ser lançado é<br />
Space Ghost (acima). Logo<br />
viriam outros, entre os quais<br />
Os Herculóides (The Herculoids)<br />
e O Poderoso Mightor (The<br />
Mighty Mightor). To<strong>dos</strong> teriam<br />
suas histórias a<strong>da</strong>pta<strong>da</strong>s para<br />
os quadrinhos.<br />
Batman vira série de tv, com<br />
A<strong>da</strong>m West no papel-título e Burt<br />
Ward interpretando Robin. A<br />
série, que não passava de uma<br />
paródia <strong>dos</strong> quadrinhos, vira um<br />
sucesso instantâneo nos EUA e<br />
também no Brasil, lançando a<br />
tendência conheci<strong>da</strong> como<br />
Batmania e até mesmo gera um<br />
longa-metragem no mesmo ano.<br />
A DC Comics aproveita<br />
para mu<strong>da</strong>r um<br />
BATMAN, POR<br />
CARMINE<br />
INFANTINO.<br />
pouco o leiaute <strong>dos</strong> quadrinhos,<br />
que ain<strong>da</strong> se baseava nos traços<br />
do criador Bob Kane, e escala o<br />
desenhista Carmine Infantino<br />
(antes do staff <strong>da</strong>s revistas de<br />
ficção-científica) para a<br />
empreita<strong>da</strong>.<br />
As aventuras do veterano (e<br />
fictício) repórter policial Márcio<br />
Moura, do jornal O Globo,<br />
interpretado por Jardel Filho na<br />
série 22-2000 2-2000 Ci<strong>da</strong>de Aberta<br />
desde 1965, saem <strong>da</strong> tv para<br />
ganhar as páginas <strong>da</strong> revista em<br />
<strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011<br />
13
ILUSTRAÇÃO COM OS CINCO<br />
HERÓIS MARVEL QUE FOI<br />
UTILIZADA NA CAMPANHA<br />
DE LANÇAMENTO DOS<br />
SUPER HERÓIS SHELL EM<br />
PARCERIA COM A EBAL.<br />
CORTO<br />
MALTESE,<br />
DE HUGO<br />
PRATT.<br />
O SURFISTA<br />
PRATEADO, DE<br />
JACK KIRBY.<br />
quadrinhos de mesmo nome,<br />
lança<strong>da</strong> pela RGE, e desenha<strong>da</strong><br />
por Edmundo Rodrigues.<br />
Criação do aclamado Jack<br />
Kirby, Surfista Prateado (Silver<br />
Surfer) faz sua primeira aparição<br />
na revista Fantastic Four n° 48,<br />
de março.<br />
Miguel Penteado, que tinha<br />
fun<strong>da</strong>do uma nova editora, a<br />
GEP (Gráfica Editora Penteado),<br />
lança revistas de vários gêneros,<br />
a maioria cria<strong>da</strong> por Gedeone<br />
Malagola: Raio Negro<br />
ro é um<br />
super-herói com visual<br />
“emprestado” do Ciclope, <strong>da</strong><br />
antiga formação <strong>dos</strong> X-Men, e<br />
origem idêntica à do Lanterna<br />
Verde <strong>da</strong> Era de Prata. Na época,<br />
a editora achava que essas<br />
revistas jamais seriam publica<strong>da</strong>s<br />
aqui. No campo de terror, lança<br />
Lobisomem<br />
obisomem, escrita por<br />
Gedeone e desenha<strong>da</strong><br />
RAIO NEGRO,<br />
DE GEDEONE<br />
MALAGOLA.<br />
por Sérgio Lima, e A Múmia.<br />
De Eugênio Colonnese, lança<br />
Pele de Cobra, além de<br />
revistas de guerra e infantil.<br />
Mais tarde a GEP lança também<br />
alguns heróis Marvel que a Ebal<br />
deixou de lado.<br />
O ilustrador e quadrinista<br />
mexicano Eduardo Del Río<br />
(Rius) publica o álbum Cuba<br />
para Principiantes, <strong>da</strong>ndo início<br />
a uma série de álbuns sobre<br />
política e comunismo. Em 1972,<br />
publicou também o livro Marx<br />
para Principiantes, com uma<br />
introdução ao estudo do<br />
marxismo e <strong>da</strong> figura de Karl Marx.<br />
Henfil migra de Belo<br />
Horizonte para o Rio, onde<br />
arruma trabalho em O Sol, de<br />
Reynaldo Jardim, e no <strong>Jornal</strong><br />
<strong>dos</strong> Sports, cui<strong>da</strong>ndo <strong>da</strong>s<br />
charges. Já começa mu<strong>da</strong>ndo<br />
to<strong>dos</strong> os símbolos <strong>dos</strong> clubes<br />
antes calca<strong>dos</strong> em personagens<br />
estrangeiros: Popeye era o<br />
mascote do Flamengo, que<br />
Henfil representou<br />
como Urubu. Sua<br />
populari<strong>da</strong>de foi<br />
comprova<strong>da</strong> no dia em<br />
que, incita<strong>da</strong> por uma<br />
charge do jornal, a<br />
VIDA DEL CHE,<br />
DE HECTOR<br />
OESTERHELD<br />
E ALBERTO E<br />
ENRIQUE<br />
BRECCIA.<br />
torci<strong>da</strong> de um Maracanã lotado<br />
urrou em peso, no jogo do Brasil<br />
contra o Uruguai, “Maricón!<br />
Maricón!” para <strong>da</strong>r as boasvin<strong>da</strong>s<br />
à seleção rival.<br />
1967<br />
Três meses após a morte de<br />
Che Guevara, o roteirista Hector<br />
Oesterheld e os dois Breccia<br />
(Alberto e Enrique, pai e filho)<br />
lançam na Argentina Vi<strong>da</strong> Del<br />
el<br />
Che (mais tarde conheci<strong>da</strong><br />
como Che, os Últimos Dias de<br />
um Herói), que desagradou<br />
o Governo argentino. Poucos<br />
meses depois, a editora que<br />
o publicou foi invadi<strong>da</strong> e os<br />
exemplares recolhi<strong>dos</strong>. Em<br />
1969, foi a vez de os originais<br />
serem destruí<strong>dos</strong>. Em 1973 o<br />
livro foi proibido oficialmente<br />
pela ditadura militar. E,<br />
finalmente, boa parte <strong>da</strong> família<br />
Oesterheld engrossou a lista <strong>dos</strong><br />
desapareci<strong>dos</strong> políticos em<br />
1977, quando não só ele como<br />
as quatro filhas (uma grávi<strong>da</strong>) e<br />
dois genros foram seqüestra<strong>dos</strong><br />
pelos militares.<br />
A Ebal lança três revistas com<br />
cinco já famosos (nos Esta<strong>dos</strong><br />
Uni<strong>dos</strong>) super-heróis Marvel:<br />
Capitão Z traz as aventuras do<br />
Capitão América e do Homem<br />
de Ferro<br />
erro; Super X, com as<br />
histórias de Namor, , o Príncipe<br />
Submarino e o Incrível Hulk,<br />
e Álbum Gigante, com as<br />
aventuras do Poderoso Thor<br />
hor.<br />
Esses personagens chegam<br />
apoia<strong>dos</strong> em uma grande<br />
campanha de marketing <strong>da</strong><br />
Shell, que também inclui o<br />
patrocínio de desenhos<br />
anima<strong>dos</strong> na tv.<br />
Além <strong>dos</strong> personagens<br />
<strong>da</strong> Marvel, a Ebal coloca<br />
nas bancas Sargento Rock,<br />
de Joe Kubert; Batman e<br />
Super-Homem, na revista<br />
Invictus; Elektron; Os Falcões<br />
alcões;<br />
Flash, o Homem Relâmpago;<br />
O Gavião Negro<br />
e Jerry Lewis,<br />
na revista O Garotão,<br />
publicando histórias do famoso<br />
comediante do cinema.<br />
O gênero super-heróis, em<br />
alta no mercado norteamericano,<br />
começa a crescer<br />
por aqui. Enquanto a Ebal<br />
amplia sua linha de personagens<br />
vin<strong>dos</strong> <strong>da</strong> DC e <strong>da</strong> Marvel, as<br />
editoras paulistas lançam<br />
“genéricos” nacionais como<br />
Golden Guitar, de Rivaldo;<br />
Super-Heros, de Paulo Fukue;<br />
Mylar, de Colonnese (abaixo) e<br />
Pabeyma<br />
de Fernando Ikoma.<br />
Esta última, antecipando a ciência,<br />
já fala de engenharia genética.<br />
MYLAR, DE<br />
COLONNESE<br />
14 <strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011
À ESQUERDA, OS QUATRO INTEGRANTES<br />
DA BANDA THE MONKEES, DA DIVERTIDA<br />
SÉRIE DE TELEVISÃO QUE FOI ADAPTADA<br />
PARA OS QUADRINHOS. EMBAIXO,<br />
DETALHE DE UMA HISTÓRIA DESENHADA<br />
POR FERNANDO IKOMA PARA A REVISTA<br />
ESTÓRIAS ADULTAS, DA EDREL<br />
À DIREITA, A SENSUAL VAMPIRA MIRZA,<br />
DE EUGÊNIO COLONNESE. EMBAIXO, O<br />
GURU MR. NATURAL, DE ROBERT CRUMB.<br />
A Edrel, editora fun<strong>da</strong><strong>da</strong> por<br />
Minami Keizi e o empresário<br />
Salvador Bentivegna, se firma no<br />
mercado. Os principais artistas,<br />
como o próprio Minami mais<br />
Fernando Ikoma e Claudio Seto<br />
são nisseis e “importam” o<br />
modelo <strong>dos</strong> quadrinhos<br />
japoneses, chama<strong>dos</strong> de mangás,<br />
voltando-se principalmente para<br />
a produção de histórias de<br />
conteúdo erótico-light dentro <strong>da</strong><br />
liberalização de costumes que<br />
surgia com os anos 60. Algumas<br />
revistas intercalavam quadrinhos<br />
com fotos de mulheres seminuas,<br />
em muitas páginas, como os<br />
mangás japoneses. A Edrel<br />
conseguiu se estabelecer nesse<br />
nicho de mercado, mas não<br />
resistiu a uma portaria que proibia<br />
revistas eróticas, surgi<strong>da</strong> em<br />
1969 com o recrudescimento<br />
<strong>da</strong> ditadura militar.<br />
O italiano Hugo Pratt cria seu<br />
personagem mais famoso,<br />
Corto to Maltese, na história Uma<br />
Bala<strong>da</strong> del Mare Salato (Bala<strong>da</strong><br />
do Mar Salgado), que foi<br />
publica<strong>da</strong> originalmente na<br />
revista italiana Sgt. Kirk (o nome<br />
<strong>da</strong> revista vem de outro<br />
personagem seu). Corto Maltese<br />
era um marinheiro que vivia<br />
aventuras nas duas primeiras<br />
déca<strong>da</strong>s no século 20 e suas<br />
an<strong>da</strong>nças incluem até a<br />
Amazônia. Em 1970, quando<br />
Pratt se mudou para a França,<br />
seu personagem se tornou um<br />
<strong>dos</strong> astros <strong>da</strong> revista Pif. Hugo<br />
Pratt teve seus trabalhos<br />
publica<strong>dos</strong> em diversos países,<br />
como Itália, Inglaterra, França e<br />
Argentina, e fixou residência em<br />
alguns deles. Como seu<br />
personagem, Pratt viajou o<br />
mundo e adorava o Brasil.<br />
Outro italiano, o roteirista Gino<br />
D’Antonio, inicia a publicação de<br />
Storia del West<br />
est (A História do<br />
Oeste), um <strong>dos</strong> maiores clássicos<br />
<strong>dos</strong> quadrinhos italianos de<br />
to<strong>dos</strong> os tempos, que conta as<br />
aventuras <strong>da</strong> família MacDonald<br />
no Oeste norte-americano.<br />
Essas aventuras seriam<br />
lança<strong>da</strong>s no Brasil três<br />
anos depois, em 1970,<br />
pela Ebal, na revista<br />
Epopéia-Tri<br />
ri.<br />
Valentina<br />
alentina, de Guido Crepax,<br />
se torna protagonista de sua<br />
própria série. Sua primeira<br />
história é La Curva di Lesmo.<br />
Aproveitando-se <strong>da</strong>s<br />
facili<strong>da</strong>des de exportação cria<strong>da</strong>s<br />
pela Associação Latino-Americana<br />
de Livre Comércio-Alalc, a editora<br />
chilena Lord Cochrane inun<strong>da</strong> as<br />
bancas brasileiras com revistas<br />
em quadrinhos traduzi<strong>da</strong>s e<br />
impressas no Chile, com<br />
personagens que não estavam<br />
sendo publica<strong>dos</strong> pelas editoras<br />
brasileiras, como Gato Félix, X-9,<br />
Jim <strong>da</strong>s Selvas e outros. A<br />
iniciativa fracassa, não só porque<br />
a maioria <strong>dos</strong> títulos não eram<br />
comercialmente fortes, como<br />
também por causa do péssimo<br />
letreiramento e <strong>da</strong> sofrível<br />
tradução em “portunhol”.<br />
Robert Crumb cria o místico<br />
guru e profeta <strong>dos</strong> anos 1960,<br />
Mr. . Natural (acima).<br />
Estréia, na Espanha, Cinco<br />
por Infinito, série de ficçãocientífica<br />
de Esteban Maroto,<br />
lança<strong>da</strong> no Brasil dois anos<br />
depois pela Ebal.<br />
Na França, começa a ser<br />
publica<strong>da</strong> na revista Pilote a<br />
série Valérian<br />
alérian, agente espaçotemporal,<br />
de Pierre Christin<br />
e Jean-Claude Mézières.<br />
O sucesso do<br />
seriado Jorna<strong>da</strong> nas<br />
Estrelas (Star Trek)<br />
estimula a Gold Key a<br />
lançar uma versão em<br />
quadrinhos, com desenhos<br />
do italiano Alberto<br />
Giolitti (ao lado),<br />
que já fazia<br />
trabalhos para<br />
editoras nos Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong> e<br />
enviava seus originais pelo correio.<br />
A voluptuosa Mirza, a Mulher<br />
Vampiro<br />
ampiro, de Eugenio Colonnese,<br />
conhece a luz do dia, quer dizer,<br />
<strong>da</strong> noite. Ela foi cria<strong>da</strong> antes de<br />
outra vampira famosa:<br />
Vampirella<br />
ampirella. Nesse mesmo ano,<br />
Colonnese inicia as histórias de<br />
O Morto do Pântano,<br />
precedendo seus congêneres<br />
norte-americanos Man-Thing<br />
(<strong>da</strong> Marvel) e Swamp Thing<br />
(O<br />
Monstro do Pântano, <strong>da</strong> DC).<br />
1968<br />
Muito populares na tv, Os<br />
Monkees também são lança<strong>dos</strong><br />
numa revista em quadrinhos <strong>da</strong><br />
Ebal. Neste mesmo ano a editora<br />
passa a publicar as revistas<br />
Supermoça, A Legião <strong>dos</strong><br />
Super-Heróis e Turma Titã.<br />
A HISTÓRIA DO OESTE É CONTADA<br />
A PARTIR DA CHEGADA DE BRETT<br />
MACDONALD (AO LADO) AOS ESTADOS<br />
UNIDOS. À DIREITA, EM CIMA, SPOCK E<br />
CAPITÃO KIRK, DE JORNADA NAS<br />
ESTRELAS (STAR TREK). ABAIXO, A<br />
FICÇÃO CIENTÍFICA ESPANHOLA<br />
CINCO POR INFINITO, DE<br />
ESTEBAN MAROTO.<br />
<strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011<br />
15
AS PRIMEIRAS<br />
HISTÓRIAS DE<br />
SIGMUND<br />
NO PASQUIM<br />
ERAM MUITO<br />
SELVAGENS.<br />
ENQUANTO<br />
ISSO, JEREMIAS,<br />
O BOM, DE<br />
ZIRALDO, ERA<br />
SÓ CORAÇÃO.<br />
À DIREITA,<br />
PÁGINA DE<br />
ABERTURA DE<br />
UMA HISTÓRIA<br />
DO JUDOKA,<br />
DE FLORIANO<br />
HERMETO.<br />
produtos. Jotalhão torna-se “o<br />
elefante mais amado do Brasil”.<br />
A imprensa underground<br />
começa a florescer nos EUA.<br />
Robert Crumb e sua mulher<br />
vendem de mão em mão, nas<br />
ruas de São Francisco, o<br />
primeiro número de Zap<br />
Comix, Crumb torna-se, em<br />
pouco tempo, o maior<br />
representante <strong>da</strong> nova vertente.<br />
The Fabulous Freak<br />
Brothers, de Gilbert<br />
Shelton estréia na<br />
revista underground<br />
Fed<br />
eds s ‘n’ Heads. Os<br />
personagens fazem a<br />
cabeça do público e<br />
no ano seguinte<br />
Shelton e mais três<br />
malucos fun<strong>da</strong>m a<br />
Rip Off Press para<br />
lançar mais revistas com<br />
os personagens, que fazem<br />
mais sucesso ain<strong>da</strong> e chegam<br />
até a ser publica<strong>dos</strong> na Playboy.<br />
Eternos desemprega<strong>dos</strong>, o lema<br />
deles era “Dope will get you<br />
through times of no money<br />
better than money will get you<br />
through times of no dope.”— que<br />
na revista brasileira Grilo ganhou<br />
uma tradução ain<strong>da</strong> mais<br />
saborosa: “A grama te aju<strong>da</strong> a<br />
viver melhor quando não tem<br />
grana do que a grana te aju<strong>da</strong> a<br />
viver quando não tem grama.”<br />
Antes de ficar famoso com<br />
sua Turma do Lambe-Lambe,<br />
Daniel Azulay publica o seu<br />
Capitão Cipó em tiras diárias no<br />
Correio <strong>da</strong> Manhã.<br />
Lançamento <strong>da</strong> revista de hq<br />
de horror A Cripta, R. F.<br />
Lucchetti e Nico Rosso pela Taika<br />
A Editora Abril lança Clássicos<br />
Walt Disney com a<strong>da</strong>ptações<br />
<strong>dos</strong> desenhos anima<strong>dos</strong> do<br />
estúdio. Em formato maior que<br />
as revistas em quadrinhos <strong>da</strong><br />
época, a edição de estréia trouxe<br />
A Bela Adormeci<strong>da</strong>.<br />
Surge pela Editora Prelúdio a<br />
revista Juvêncio, o Justiceiro,<br />
um personagem saído <strong>da</strong> rádionovela<br />
homônima cria<strong>da</strong> pelo<br />
jornalista Reinaldo Santos, no<br />
rastro do sucesso de Jerônimo,<br />
o Herói do Sertão. Geralmente<br />
a<strong>da</strong>pta<strong>dos</strong> <strong>da</strong>s histórias originais,<br />
os roteiros <strong>dos</strong> quadrinhos do<br />
herói mascarado foram escritos<br />
por nomes como R.F, Lucchetti<br />
e Gedeone Malagola.<br />
Para os desenhos,<br />
artistas de peso<br />
como Sérgio Lima,<br />
Rodolfo Zala e<br />
Eugênio Colonnese,<br />
deram um toque de<br />
excelência à<br />
publicação.<br />
1969<br />
A populari<strong>da</strong>de<br />
de Mônica aumenta<br />
quando ela e o elefante Jotalhão<br />
(acima), outra criação de Mauricio<br />
de Sousa, são veicula<strong>dos</strong> nos<br />
comerciais <strong>dos</strong> extratos de<br />
tomate <strong>da</strong> Cica, abrindo as portas<br />
para o licenciamento de seus<br />
O <strong>Jornal</strong> do Brasil começa a<br />
publicar The Supermãe, de<br />
Ziraldo, mas o sucesso <strong>da</strong><br />
personagem a leva para as páginas<br />
colori<strong>da</strong>s <strong>da</strong> revista Claudia, <strong>da</strong><br />
Editora Abril, em março de 1970.<br />
Surge O Pasquim<br />
asquim, criado por<br />
Jaguar, Tarso de Castro e Sérgio<br />
Cabral, e com a rápi<strong>da</strong> adesão<br />
de nomes como Ziraldo, Millôr<br />
Fernandes, Fortuna e também<br />
Henfil, que lança os seus<br />
Fradinhos<br />
e eles se tornam<br />
muito populares entre os leitores.<br />
O Pasquim<br />
rapi<strong>da</strong>mente pula <strong>da</strong><br />
tiragem inicial de 20 mil para<br />
200 mil exemplares por edição.<br />
Sig, o rato criado por Jaguar, vira<br />
mascote do jornal.<br />
Com prefácio do jornalista e<br />
escritor Antônio Callado, a<br />
Editora Expressão e Cultura<br />
lança em julho o livro Jeremias,<br />
O Bom<br />
om, de Ziraldo.<br />
Cláudio Seto cria Maria<br />
Erótica (ao lado), a princípio<br />
uma coadjuvante em histórias<br />
O JUDOKA,<br />
NO TRAÇO DE<br />
MONTEIRO<br />
FILHO, E<br />
THE SUPERMÃE,<br />
CRIAÇÃO DE<br />
ZIRALDO.<br />
de outro personagem, Beto<br />
Sonhador. Depois ganha<br />
aventuras solo, torna-se uma <strong>da</strong>s<br />
estrelas <strong>da</strong> editora e chega a ter<br />
sua própria revista.<br />
A Ebal lança seu super-herói<br />
brasileiro: O Judoka. A estréia<br />
acontece em outubro, no<br />
número 7 <strong>da</strong> revista de<br />
mesmo nome, que publicava<br />
desde abril as aventuras de<br />
Judô-Master, estranho<br />
personagem <strong>da</strong> Charlton<br />
Comics. A idéia do novo<br />
herói foi do próprio Adolfo<br />
Aizen, que concebeu os<br />
conceitos básicos do<br />
personagem, e o visual foi<br />
criado por Monteiro Filho. Os<br />
roteiros são do novelista <strong>da</strong> Era<br />
do Rádio, Pedro Anísio, e vários<br />
desenhistas se revezavam:<br />
Eduardo Baron, Mário Lima,<br />
Claudio Almei<strong>da</strong>, Juarez<br />
Odilon, Alberto Silva e<br />
muitos outros. Mas com a<br />
entra<strong>da</strong> de FHAF (pseudônimo<br />
de Floriano Hermeto de Almei<strong>da</strong><br />
Filho), que se inspirava na<br />
técnica narrativa de Guido<br />
Crepax, Enric Siò e Steranko, o<br />
quadrinho passa a ser<br />
endeusado por críticos como<br />
Moacy Cirne. O personagem<br />
deu origem ain<strong>da</strong> a um filme<br />
(mal) produzido em 1972 com<br />
Pedrinho Aguinaga no papeltítulo<br />
e a jovem atriz Elisângela<br />
como a namora<strong>da</strong> do herói e foi<br />
um tremendo fracasso de<br />
bilheteria. Porém a expectativa<br />
cria<strong>da</strong> pelo lançamento do filme<br />
nos cinemas salvou a revista de<br />
um cancelamento antecipado. A<br />
revista durou 52 números e foi<br />
publica<strong>da</strong> até julho de 1973.<br />
A Ebal também lança dois<br />
grandes personagens <strong>da</strong> Marvel,<br />
O Homem Aranha e O<br />
Demolidor, além <strong>dos</strong> títulos <strong>da</strong><br />
DC, Aquaman e Os Justiceiros.<br />
Neste ano, a editora passa a<br />
publicar revistas colori<strong>da</strong>s com<br />
capas plastifica<strong>da</strong>s impressas<br />
num papel de melhor quali<strong>da</strong>de.<br />
Os primeiros títulos são<br />
Superman, Batman<br />
atman, Superboy,<br />
Pernalonga e Tarzan<br />
arzan.<br />
O cineasta José Mojica<br />
Marins vira personagem de<br />
quadrinhos, com a publicação<br />
<strong>da</strong> revista O Estranho Mundo<br />
de Zé do Caixão.<br />
Magnus, de Russ Manning,<br />
passa a ser publicado no Brasil<br />
pela O Cruzeiro.<br />
16 <strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011
A CAPA DA EDIÇÃO<br />
COMEMORATIVA CHAMADA<br />
GERAL E OS HERÓIS CANTANDO<br />
PARABÉNS PARA A EBAL. MAIS<br />
À DIREITA, JIMMY OLSEN E O<br />
GUARDIÃO, DE JACK KIRBY.<br />
1970<br />
A Hanna-Barbera lança uma<br />
nova série de sucesso: Scooby-<br />
Doo, Where Are You!<br />
Surge na França a revista<br />
Charlie, inspira<strong>da</strong> na italiana<br />
Linus, que passa a publicar tiras<br />
clássicas e cultua<strong>da</strong>s como<br />
Krazy Kat e Andy Capp;<br />
quadrinhos contemporâneos,<br />
como Mafal<strong>da</strong>, e autores<br />
europeus (Pichard, Wolinski,<br />
Crepax e muitos outros).<br />
Em janeiro, a Editorial Novaro,<br />
do México, lança a revista<br />
Fantomas, La a Amenaza<br />
Elegante, que era livremente<br />
inspirado no personagem<br />
Fantômas, criado em 1909 por<br />
Pierre Souvestre e Marcel Allain<br />
na Europa, cujos livros de<br />
suspense fizeram muito sucesso<br />
no começo do século XX. Antes<br />
de ganhar um título próprio<br />
quinzenal, o personagem foi<br />
publicado em outras revistas <strong>da</strong><br />
editora, mas rapi<strong>da</strong>mente se<br />
tornou um grande sucesso,<br />
principalmente pelos roteiros<br />
bem elabora<strong>dos</strong>, escritos<br />
inicialmente por Alfredo Cardona<br />
Peña e desenha<strong>dos</strong> com<br />
elegância por Rubén Lara<br />
Romero e seu estúdio. No Brasil,<br />
Fantomas<br />
foi publicado pela Ebal<br />
numa revista própria mensal a<br />
partir de agosto de 1970, mas<br />
saíram apenas 13 edições.<br />
Cortázar e Fantomas<br />
Fantomas, a Ameaça Elegante fez tanto sucesso no México<br />
que até o escritor Júlio Cortaázar pegou o personagem “emprestado”<br />
quando escreveu, em 1975, o conto Fantomas Contra<br />
los Vampiros Multinacionales, sobre as violações <strong>dos</strong> direitos<br />
humanos que assolavam a América Latina na déca<strong>da</strong> de 1970<br />
e o exílio forçado de muitos persegui<strong>dos</strong> políticos. Na história,<br />
o narrador é o próprio Cortazar, que fala do golpe de estado<br />
no Chile, patrocinado pela CIA, contra o governo democraticamente<br />
eleito de Salvador Allende. A história começa durante<br />
uma viajem de Cortázar, quando ele descobre que Fantomas<br />
busca pistas que o ajudem a desven<strong>da</strong>r quem está por trás de<br />
uma conspiração demoníaca que quer destruir a cultura em todo<br />
o mundo. Vários intelectuais estavam recebendo ameaças de<br />
morte. Entre eles, Alberto Moravia, Octávio Paz, Susan Sontag<br />
e o próprio Cortázar. Bibliotecas em todo mundo sofriam<br />
atenta<strong>dos</strong> terroristas e eram incendia<strong>da</strong>s. Mas to<strong>da</strong> essa violência<br />
encobria uma reali<strong>da</strong>de muito mais vil. Este conto foi<br />
publicado no Brasil em 1976 pelo jornal Versus <strong>Quadrinhos</strong> – <strong>Especial</strong><br />
América Latina.<br />
Fantomas é um milionário<br />
e misterioso ladrão de obras<br />
de arte, que não se furta<br />
a aju<strong>da</strong>r os necessita<strong>dos</strong>.<br />
1970<br />
Quarteto Fantástico<br />
finalmente chega ao Brasil pela<br />
Ebal, que lança também a<br />
revista O Homem de Aço, com<br />
as aventuras de Miriam Lane<br />
(como era conheci<strong>da</strong> na época<br />
a namora<strong>da</strong> do Super-Homem,<br />
Lois Lane) e Jimmy Olsen, além<br />
de outras duas que publicam<br />
a<strong>da</strong>ptações <strong>dos</strong> seria<strong>dos</strong> de<br />
faroeste <strong>da</strong> tv Cheyenne e<br />
Gunsmoke.<br />
A Ebal comemora 25 anos<br />
reunindo to<strong>dos</strong> os personagens<br />
importantes que publicou numa<br />
edição especial <strong>da</strong> revista<br />
Epopéia intitula<strong>da</strong> Chama<strong>da</strong><br />
Geral, em que até mesmo um<br />
Ota adolescente, que já<br />
trabalhava na editora, aparece<br />
ciceroneando personagens<br />
como Tarzan, Zorro, Super-<br />
Homem, Capitão América,<br />
Mandrake, o próprio Judoka,<br />
além de personali<strong>da</strong>des <strong>da</strong><br />
História do Brasil como D. Pedro<br />
II (publica<strong>dos</strong> na série Grandes<br />
Figuras) e ain<strong>da</strong> os heróis <strong>dos</strong><br />
contos de fa<strong>da</strong>s como Branca<br />
de Neve. Esse especial publica o<br />
primeiro e maior cross-over de<br />
personagens de copyrights<br />
diferentes de que se tem notícia,<br />
precedendo até a junção <strong>dos</strong><br />
super-heróis <strong>da</strong>s rivais DC e<br />
Marvel Comics em Superman<br />
vs. Spider-Man (Super-Homem<br />
Contra o Homem-Aranha)<br />
publica<strong>da</strong> somente em 1976. O<br />
roteiro é assinado por Pedro<br />
Anísio e os desenhos são de<br />
Eugenio Colonnese.<br />
Maio marca a entra<strong>da</strong><br />
definitiva de Mauricio de Sousa<br />
no mercado de revistas em<br />
quadrinhos: finalmente a<br />
Editora Abril lança Mônica e<br />
Sua Turma<br />
(simplifica<strong>da</strong> para<br />
“Mônica” nas edições seguintes)<br />
no mesmo formato <strong>da</strong>s revistas<br />
Disney. Essa foi a primeira de<br />
uma série de publicações<br />
periódicas com os personagens<br />
do grande desenhista.<br />
Depois de se desgastar com<br />
Stan Lee, Jack Kirby troca a<br />
Marvel Comics pela sua maior<br />
rival, a DC, e desenvolve uma<br />
nova linha de revistas para a<br />
editora a partir <strong>dos</strong> personagens<br />
Novos Deuses (New Gods),<br />
Senhor Milagre<br />
re (Mister<br />
Miracle), Kamandi, entre outros.<br />
Kirby desenvolve também novas<br />
histórias para Super-Homem e<br />
seu amigo Jimmy Olsen, cuja<br />
revista Superman’s Pal Jimmy<br />
Olsen corria o risco de ser<br />
cancela<strong>da</strong>. O genial desenhista e<br />
roteirista resgata a Legião<br />
ião (The<br />
Newsboy Legion) e o Guardião<br />
<strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011<br />
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ACIMA, UMA CENA REPLETA DE AÇÃO DE LOBO SOLITÁRIO. ABAIXO, ARQUEIRO-VERDE DESCOBRE QUE SEU PUPILO É VICIADO EM DROGAS.<br />
(Guardian), antigos personagens<br />
cria<strong>dos</strong> por ele e por Joe Simon<br />
em 1942, para viverem aventuras<br />
ao lado do fotógrafo do Planeta<br />
Diário e do Homem de Aço e a<br />
revista volta a ser um sucesso de<br />
ven<strong>da</strong>s. Nessa revista surge, na<br />
edição 134, de novembro, o vilão<br />
cósmico Darkseid, que se tornaria<br />
um <strong>dos</strong> personagens mais<br />
importantes do Universo DC.<br />
Denny O’Neil e Neil A<strong>da</strong>ms<br />
revolucionam a mídia<br />
introduzindo temas modernos<br />
nos quadrinhos de Green<br />
Lantern/Green Arrow (Lanterna<br />
Verde/Arqueiro Verde) e ganham<br />
vários prêmios. Uma <strong>da</strong>s edições<br />
<strong>da</strong> revista desafia o Comics Code<br />
ao publicar uma história em que<br />
Speedy (Ricardito), parceiro do<br />
Arqueiro Verde, torna-se viciado<br />
em drogas, abrindo um<br />
precedente que marcaria o fim<br />
do Comics Code.<br />
No Japão, Kazuo Koike e<br />
Goseki Kojima começam a<br />
publicar a saga de um samurai e<br />
seu filhote: Kozure Ôkami<br />
(Lobo Solitário).<br />
Em São Paulo realiza-se o<br />
I Congresso Internacional de<br />
Histórias em<br />
<strong>Quadrinhos</strong><br />
com convi<strong>da</strong><strong>dos</strong><br />
do naipe de Will<br />
Eisner, Lee Falk e<br />
Burne Hogarth.<br />
A Editora Vozes lança o livro<br />
A Explosão Criativa <strong>dos</strong><br />
<strong>Quadrinhos</strong>, escrito por Moacy<br />
Cirne, um <strong>dos</strong> mais importantes<br />
estudiosos <strong>dos</strong> quadrinhos<br />
no Brasil. Ele lançaria ain<strong>da</strong><br />
A Linguagem <strong>dos</strong> <strong>Quadrinhos</strong><br />
(1971) e Para Ler os<br />
<strong>Quadrinhos</strong> (1972).<br />
Mell Lázarus emplaca a sua<br />
segun<strong>da</strong> tira de sucesso: Mãe!<br />
(Momma), personagem<br />
inspirado em sua própria mãe.<br />
O bárbaro Conan, criado pelo<br />
escritor Robert E. Howard em<br />
A ARTE SOTURNA DE BERNIE WRIGHTSON EM O MONSTRO DO PÂNTANO.<br />
1932, finalmente, chega ao<br />
mundo <strong>dos</strong> quadrinhos, quando<br />
a Marvel Comics passa a publicar<br />
as aventuras do personagem.<br />
1971<br />
Os fun<strong>da</strong>dores <strong>da</strong> revista<br />
Bondinho lançam Grilo, um<br />
jornal em quadrinhos em<br />
formato tablóide que sobrevive<br />
ao fechamento <strong>da</strong>s demais<br />
publicações <strong>da</strong> editora (que<br />
lançou várias publicações de<br />
resistência ao regime militar,<br />
como Ex-, fecha<strong>da</strong>s pela ditadura<br />
uma após a outra). Grilo começa<br />
publicando alguns <strong>dos</strong> mais<br />
importantes quadrinhos <strong>da</strong><br />
época, como Peanuts, Mago de<br />
Id, Feiffer, Tumbleweeds e<br />
Valentina. Mas no número 25<br />
mu<strong>da</strong> de formato e passa a<br />
publicar também a imprensa<br />
underground norte-americana<br />
encabeça<strong>da</strong> por Robert Crumb e<br />
quadrinhos franceses de<br />
vanguar<strong>da</strong>, como os cartuns de<br />
Wolinski e a história que ele fez<br />
em parceria com Georges<br />
Pichard, Paulette. Esta heroina<br />
sensual teve algumas aventuras<br />
vivi<strong>da</strong>s no Brasil, onde foi<br />
tortura<strong>da</strong> pelos militares.<br />
A revista acabou quando essa<br />
história estava sendo publica<strong>da</strong><br />
em série.<br />
Henfil lança um tablóide com<br />
o seu personagem mais famoso:<br />
Fradim<br />
(abaixo), que reúne suas<br />
primeiras histórias e se esgota<br />
rapi<strong>da</strong>mente. Outras edições<br />
seriam lança<strong>da</strong>s até que, em<br />
1976, o título se torna uma revista<br />
mensal no formato 27x18cm.<br />
Nas páginas <strong>da</strong> revista de<br />
terror House of Secrets é<br />
publica<strong>da</strong> a primeira aventura de<br />
Monstro do Pântano (Swamp<br />
Thing), de Len Wein e Bernie<br />
Wrightson.<br />
18 <strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011<br />
,<br />
Continua na pagina 31
FRANCISCO UCHA<br />
Aos 75 anos de i<strong>da</strong>de e 51 anos de carreira,<br />
Mauricio de Sousa construiu com histórias em<br />
quadrinhos uma multinacional jamais imagina<strong>da</strong><br />
por quem viu os primeiros desenhos do jovem<br />
jornalista. A imprensa permeia a história deste<br />
que é hoje o maior desenhista brasileiro. O<br />
homem responsável por um trabalho que<br />
inspira centenas de profissionais e continua<br />
alfabetizando milhões de pessoas mundo afora.<br />
POR FRANCISCO UCHA<br />
certo afirmar que Mauricio de Sousa hoje é, antes<br />
de tudo, um empresário, mas seria um erro<br />
confundi-lo com um empresário qualquer. No<br />
dia-a-dia to<strong>dos</strong> o reconhecem como alguém que<br />
cui<strong>da</strong> de seus negócios com extremo carinho,<br />
organização e ousadia dentro de uma dinâmica<br />
invejável. Para conseguir um espaço em sua agen<strong>da</strong><br />
depois <strong>da</strong>s comemorações <strong>dos</strong> seus 50 anos de carreira,<br />
em plena produção para a Bienal do Livro, Mauricio reservou<br />
um dia para ser entrevistado por diversos jornalistas<br />
e veículos interessa<strong>dos</strong> em registrar sua história.<br />
Quando chegamos ao seu escritório, ele já havia concedido<br />
duas entrevistas e teria para nós apenas 40 minutos<br />
antes do compromisso seguinte. Porém a conversa<br />
seguiu com tanta espontanei<strong>da</strong>de que durou mais de<br />
duas horas. Nesse entretempo presenciamos outra rápi<strong>da</strong><br />
entrevista por telefone a uma rádio em Portugal.<br />
Assim, sem parar. Sem perder a paciência, a simpatia e<br />
o ar atencioso que já se tornou uma característica<br />
reconheci<strong>da</strong> até por pessoas que o abor<strong>da</strong>m<br />
em busca de um autógrafo.<br />
O seu largo e generoso sorriso sempre esteve presente<br />
enquanto respondia às nossas perguntas. Com<br />
uma caneta na mão e vários papéis, Mauricio não parava<br />
de desenhar para explicar as coisas. Ele fala com<br />
as mãos e com os olhos. “A nossa próxima déca<strong>da</strong> será<br />
a <strong>da</strong> educação!”, disse com a euforia de quem já aju<strong>da</strong><br />
a alfabetizar milhões de crianças na<br />
China, Coréia, Vietnã e Indonésia.<br />
“Espero que um dia consiga fazer<br />
isso no Brasil também.”<br />
Embora milhões de brasileiros<br />
tenham encontrado nas histórias<br />
em quadrinhos o primeiro contato<br />
com a leitura, Mauricio sabe que<br />
o desafio <strong>da</strong> educação no Brasil<br />
é muito mais complexo, e<br />
talvez por isso mesmo esteja<br />
tão empenhado em<br />
colaborar com os<br />
que pretendem<br />
enfrentá-lo.<br />
Entre as memórias<br />
revela<strong>da</strong>s<br />
nesta longa<br />
conversa está<br />
a lembrança<br />
<strong>da</strong> primeira vez que mostrou<br />
seus desenhos a um<br />
certo diretor de Arte que<br />
tentou dissuadi-lo <strong>da</strong> idéia<br />
de vencer na vi<strong>da</strong> desenhando.<br />
Isso foi na Folha <strong>da</strong> Manhã,<br />
quando ain<strong>da</strong> era um jovem em<br />
busca do primeiro emprego. Foi lá também<br />
que encontrou na Re<strong>da</strong>ção um amigo que<br />
lhe deu bons conselhos e o incentivou a continuar.<br />
Desde aquele tempo, nota-se: ele é obstinado,<br />
sabe o que quer e como fazer.<br />
<strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011<br />
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FOTOS: ARQUIVO PESSOAL<br />
JORNAL DA <strong>ABI</strong> – COMO SURGIU SEU IN-<br />
TERESSE POR DESENHOS E POR QUADRINHOS?<br />
Mauricio de Sousa – Tudo começou<br />
com o jornal. Sou fruto do ambiente em<br />
que cresci. Desde a infância, vivi cercado<br />
de livros, de cadernos de poesia, música,<br />
de gente tocando violão, compondo,<br />
pessoal que trabalhava no rádio. Sempre<br />
tinha perto de mim publicações de<br />
cinema e de rádio, quando não filmes e<br />
programas. Naquele tempo, ain<strong>da</strong> não<br />
havia televisão. Enquanto brincava em<br />
casa, mamãe ouvia novelas no rádio –<br />
a Rádio São Paulo, rainha <strong>da</strong>s novelas.<br />
Eu me lembro <strong>da</strong>s novelas, <strong>da</strong>s músicas,<br />
<strong>dos</strong> arranjos musicais <strong>da</strong>s novelas. Tinha<br />
cinco ou seis anos, mas recebia informação<br />
sobre como as novelas eram<br />
escritas e produzi<strong>da</strong>s, com músicas,<br />
acompanhamentos, arranjos e tudo<br />
mais. Além disso, meu pai trabalhava em<br />
rádio. Fazia de tudo:<br />
era re<strong>da</strong>tor, apresentador,<br />
interpretava,<br />
cantava. E ele me levava<br />
na emissora.<br />
No interior e depois<br />
em São Paulo, na<br />
Rádio Cruzeiro do<br />
Sul, que era a rádio<br />
mais importante na<br />
época, – a Globo de<br />
então. O rádio era o<br />
que havia de mais<br />
avançado em termos<br />
de mostrar e exibir<br />
artistas. Eu via artistas de Hollywood, <strong>da</strong><br />
Metro Goldwyn Mayer, o grande estúdio<br />
do período, <strong>da</strong>nçando, as orquestras<br />
tocando ao lado <strong>dos</strong> pianistas, freqüentava<br />
os bastidores. Houve até um tempo<br />
que eu pensei que ia ser pianista, não<br />
desenhista.<br />
rumar emprego de desenhista, mas não<br />
consegui. O que poderia fazer, então?<br />
Escrever e trabalhar como jornalista,<br />
mais uma coisa de que gostava.<br />
JORNAL DA <strong>ABI</strong> – COMO SE DEU ESSA<br />
TRANSIÇÃO?<br />
Mauricio de Sousa – Um <strong>dos</strong> jornais<br />
em que procurei espaço como desenhista<br />
foi a Folha <strong>da</strong> Manhã, hoje Folha de S.<br />
Paulo. Quando cheguei na Folha, no começo,<br />
com um desenho debaixo do braço,<br />
fui procurar o Diretor de Arte, que<br />
era um grande desenhista e ilustrador,<br />
e havia trabalhado na revista O Cruzeiro,<br />
a grande publicação ilustra<strong>da</strong> <strong>da</strong> época.<br />
Mas ele me disse: “Menino, desista! Isso<br />
não dá dinheiro, não dá futuro. Vá fazer<br />
outra coisa na vi<strong>da</strong>!” Puxa, o cara que<br />
eu admirava, um <strong>dos</strong> maiores desenhistas<br />
do País chega e joga esse balde de<br />
água gela<strong>da</strong> em você... Eu saí <strong>da</strong> sala dele<br />
me arrastando pela Re<strong>da</strong>ção e pensando:<br />
“Minha mãe, meu pai, meus amigos,<br />
minha avó, minha professora, todo<br />
mundo me enganou. Todo mundo falava<br />
que eu desenhava; até eu pensava que<br />
desenhava. E esse cara fala isso”. Nisso,<br />
um jornalista chamado Mário Cartaxo,<br />
já falecido, viu a forma como eu estava<br />
saindo e perguntou o que tinha acontecido.<br />
Eu devia estar com uma cara... Penso<br />
que temiam que eu fosse me jogar <strong>da</strong><br />
No alto, o pai Antonio<br />
Mauricio de Souza (com z)<br />
nos anos 20 no jardim de<br />
Mogi <strong>da</strong>s Cruzes, e<br />
Mauricio (o segundo à<br />
esquer<strong>da</strong>, sentado) com<br />
sua turma do 3° ano do<br />
Grupo Escolar Visconde<br />
de Congonhas do Campo,<br />
no Tatuapé. Ao lado, na<br />
formatura do Ginásio e<br />
iniciando como repórter no<br />
jornal à la Dick Tracy.<br />
JORNAL DA <strong>ABI</strong> – O QUE O FEZ PENSAR<br />
ASSIM?<br />
Mauricio de Sousa – Eu estava mais<br />
cercado de música do que de desenho.<br />
Mas, em segui<strong>da</strong>, meu pai começou a me<br />
levar também às Re<strong>da</strong>ções de jornal,<br />
principalmente em Mogi <strong>da</strong>s Cruzes.<br />
Ele tinha amigos, proprietários de jornais,<br />
e quando comecei a brincar de<br />
desenhar ele pediu que me dessem uma<br />
oportuni<strong>da</strong>de. Comecei rabiscando figuras<br />
e símbolos <strong>dos</strong> clubes de futebol<br />
<strong>da</strong> região. Foi a minha estréia e o pessoal<br />
gostou. Entre desenho e música, optei<br />
pelo primeiro. Para ingressar na carreira<br />
musical, precisava batalhar e estu<strong>da</strong>r<br />
muito, e eu não tinha como fazer essas<br />
coisas em Mogi. Já para o desenho havia<br />
condições. Também pesou aí o fato<br />
de ser apaixonado por gibis. Lembro-me<br />
de que me alimentava deles desde que<br />
me considero por gente; mamãe me<br />
ensinou a ler no gibi antes de eu entrar<br />
na escola. Queria fazer história em quadrinhos,<br />
criar meus próprios personagens.<br />
E comecei a treinar. Na escola eu<br />
fazia caricatura <strong>dos</strong> meus personagens,<br />
<strong>dos</strong> meus amigos, <strong>dos</strong> meus colegas, e<br />
fazia meus gibizinhos artesanais, e distribuía<br />
para a turma. De tanto ser incentivado<br />
pela família e incentivado por<br />
amigos, vim para São Paulo. Queria arjanela.<br />
Eu falei pra ele<br />
o que tinha acontecido;<br />
ele pegou os desenhos<br />
para ver e disse:<br />
“Você tem jeito para<br />
desenho, mas <strong>da</strong> próxima<br />
vez coloca numa<br />
pasta, enfeita mais,<br />
põe papel manteiga<br />
por cima, dá uma capricha<strong>da</strong>, não põe<br />
tudo junto, põe um por um, aumenta o<br />
tamanho, faz isso, faz aquilo, capricha<br />
mais, desenvolve um pouco”. Ele deu<br />
uma aula de marketing. Acho que gostou<br />
de mim, pois me disse que havia<br />
uma vaga de copidesque, e mesmo não<br />
ganhando muito trabalhava só três<br />
horas e meia. Além disso, havia a possibili<strong>da</strong>de<br />
de conhecer o pessoal que<br />
poderia me contratar para publicar os<br />
desenhos. “Entra aqui, faz isso, e <strong>da</strong>qui<br />
algum tempo, você melhora, capricha,<br />
faz uma apresentação melhor e <strong>da</strong>í você<br />
vai mostrar para o amigo seu, o cara que<br />
já tomou café com você, que já tomou<br />
cervejinha com você”. Valia a pena; eu<br />
estava estu<strong>da</strong>ndo ain<strong>da</strong> de noite, então<br />
<strong>da</strong>va pra trabalhar de dia. Peguei a vaga<br />
de copidesque, trabalhei menos de um<br />
mês, e se abriu a vaga de repórter e ele<br />
me avisou: “Mauricio, tem uma vaga de<br />
repórter policial ou na parte social, quer<br />
se candi<strong>da</strong>tar? Tem uma possibili<strong>da</strong>de,<br />
mas tem 200 candi<strong>da</strong>tos”. Eu passei em<br />
primeiro lugar, pois escrevia bem. Entrei<br />
na reportagem como trainee. Quinze<br />
dias depois, o repórter principal ficou<br />
doente e me chamaram para ocupar o<br />
lugar dele. A rotina era massacrante,<br />
mas foi ótimo. Essa foi uma experiência<br />
que me ensinou muita coisa, na base<br />
<strong>da</strong> porra<strong>da</strong> mesmo. Comecei a gostar:<br />
com o tempo, ganhei até prêmios de reportagem.<br />
Trabalhava num grande jornal,<br />
sempre tinha um fotógrafo ao meu<br />
lado (era ele quem apanhava quando<br />
tinha confusão), motorista, jipinho à<br />
disposição... Eu era o super-homem, o<br />
Dick Tracy. (risos)<br />
JORNAL DA <strong>ABI</strong> – PODE CONTAR UMA HIS-<br />
TÓRIA DAQUELES TEMPOS DE REPORTAGEM?<br />
Mauricio de Sousa – Para ser sincero,<br />
eu estava na fase de super-herói mesmo.<br />
Sentia que era o defensor <strong>dos</strong> fracos e<br />
oprimi<strong>dos</strong>. Quando ia na delegacia e via<br />
alguma coisa acontecendo, um mau trato<br />
com alguém que chegava lá ou dúvi<strong>da</strong><br />
sobre tortura de preso, ia investigar. Era<br />
um chato para a Polícia e mesmo para<br />
os nossos repórteres que já estavam há<br />
mais tempo lá. Eu perturbava a vi<strong>da</strong> deles,<br />
não caía em qualquer historinha.<br />
Certa vez, havia uma denúncia de que<br />
um delegado espancava o pessoal com<br />
uma palmatória. Não importava se o<br />
preso era inocente ou culpado. Fazia fila<br />
e batia com força, sem dó. A fama do<br />
homem se espalhou como uma len<strong>da</strong>.<br />
Entrei na Delegacia, num momento que<br />
estava passando uma fila. “Será a fila <strong>da</strong><br />
palmatória?”, pensei. Quando vi que se<br />
dirigia para sala afasta<strong>da</strong> e que estava<br />
sempre fecha<strong>da</strong>, entrei no meio <strong>dos</strong> meliantes,<br />
na fila. Realmente, era a fila <strong>da</strong><br />
palmatória. Só não apanhei porque,<br />
quando estava chegando minha vez, o<br />
pessoal me reconheceu.<br />
JORNAL DA <strong>ABI</strong> – A REPORTAGEM FOI<br />
UMA TREMENDA DENÚNCIA...<br />
Mauricio de Sousa – Na<strong>da</strong>. Descobri<br />
que as torturas com palmatória eram<br />
reais, mas a chefia <strong>da</strong> Re<strong>da</strong>ção não se<br />
interessou em noticiar. Achavam que o<br />
delegado estava fazendo um bom trabalho.<br />
Mas não foi a única história curiosa.<br />
Noutra vez, meu chefe de Re<strong>da</strong>ção<br />
me segurou: “Você não vai à rua<br />
fazer matéria hoje”. “Por quê?”, questionei.<br />
“Fica aí. Depois eu falo com<br />
você”. Fiquei lá, batendo papo, escrevendo.<br />
De repente, chegou um povo,<br />
passou pela minha mesa, olhou para<br />
mim e foi conversar com meu chefe.<br />
Deram meia-volta e foram embora. “O<br />
20 <strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011
FOTOS: ARQUIVO PESSOAL<br />
que foi?”, questionei. “Eles<br />
haviam falado que um repórter<br />
estava achacando<br />
um pessoal, não fazendo os<br />
textos e distorcendo acontecimentos.<br />
Eles acharam<br />
que fosse você. Vieram te<br />
reconhecer”. Não acreditei<br />
no que ouvia. Sentia-me o<br />
pior <strong>dos</strong> criminosos e briguei<br />
com ele, pois não aceitava<br />
que duvi<strong>da</strong>ssem <strong>da</strong><br />
minha ética. Quebrei o pau<br />
ali na Re<strong>da</strong>ção mesmo.<br />
Não aceitava um negócio<br />
desses. Foi difícil, mas era<br />
a minha escola. Aquela<br />
Re<strong>da</strong>ção foi a escola! De lá,<br />
trouxe amizades que tenho<br />
até hoje, e ali também,<br />
aprendi a falar o “jornalês”,<br />
para criar histórias em quadrinhos, chegar<br />
nos jornais e vender meu peixe.<br />
JORNAL DA <strong>ABI</strong> – A REPORTAGEM POLICI-<br />
AL É O COMEÇO PARA MUITOS JORNALISTAS,<br />
MAS BOA PARTE NÃO GOSTA DA ÁREA. O QUE<br />
O FEZ GOSTAR DELA?<br />
Mauricio de Sousa – Eu vinha de gibi,<br />
devorava tramas policiais, histórias do<br />
Dick Tracy. Queria até mesmo virar o<br />
personagem. A primeira coisa que fiz<br />
quando me disseram que estava contratado<br />
foi ir até o Largo do Arouche e comprar<br />
uma capa e um chapéu de repórter<br />
norte-americano. Quando cheguei na<br />
Re<strong>da</strong>ção, alguns até tiraram sarro comigo,<br />
mas por que fiz isso? Eu era tímido,<br />
vinha do interior e tinha chegado num<br />
jornalzão de uma grande metrópole.<br />
Quando botava a capa e o chapéu, virava<br />
outro. Já não era o Mauricio, caipira do<br />
interior; era o repórter, eu era o Dick<br />
Tracy. Eu falava com o governador, com<br />
o bandidão, com o industrial, de igual<br />
para igual, <strong>da</strong> mesma maneira. Então,<br />
era uma maneira de eu me revestir de<br />
outra personali<strong>da</strong>de.<br />
JORNAL DA <strong>ABI</strong> – ISSO O AJUDAVA NO JOR-<br />
NALISMO?<br />
Mauricio de Sousa – Sim. Desde a escola,<br />
eu era muito tímido, tanto que não<br />
tinha coragem de pedir para nenhuma<br />
garota para namorar, ficava só na vontade.<br />
Mas aí também enfrentei um choque<br />
na Re<strong>da</strong>ção. Eu vinha de uma escola<br />
pública, ótima, por sinal, em que aprendi<br />
inglês, francês e latim, com professores<br />
ótimos. Era tão louco, que lia todo<br />
dia um livro novo nos tempos do velho<br />
ginásio. Cheguei no jornal carregado de<br />
Machado de Assis, Eça de Queirós, José<br />
de Alencar, mas tinha de escrever as<br />
notinhas <strong>da</strong>quele jeito, mais conciso. O<br />
pessoal vivia me falando para jogar fora<br />
os adjetivos, tirar meus pensamentos,<br />
minhas opiniões, a emoção, as sensações<br />
e tudo mais. Tive que aprender à força<br />
a me limitar ao “o quê, onde, como, por<br />
que e quando”, o lide. O mais importante<br />
era a pirâmide inverti<strong>da</strong>; se sobrasse<br />
espaço, poderia escrever mais alguma<br />
coisa, o que quase nunca acontecia. Mas<br />
sem exageros estilísticos. “Meu Deus”,<br />
pensei, “Estudei tanto para isso? Para<br />
jogar todo o meu português fora?” Foram<br />
anos de muita briga, mas o jornalismo<br />
me ensinou a concisão.<br />
JORNAL DA <strong>ABI</strong> – ENTÃO, VOCÊ CONSE-<br />
GUIU PEGAR O RITMO DA REDAÇÃO...<br />
Mauricio de Sousa – Tive que me enquadrar.<br />
(Mauricio pega uma caneta e<br />
um papel e começa a desenhar) Mas graças<br />
a isso quando comecei a fazer histórias<br />
em quadrinhos aprendi a ser<br />
mais conciso, colocar um texto inteiro<br />
dentro de um balão, se não eu não<br />
seria roteirista de quadrinhos, seria um<br />
desenhista. Mas o jornalismo me ensinou<br />
a concisão, me ensinou o que o<br />
Twitter está fazendo hoje na internet<br />
para as novas gerações. Você se obriga<br />
a caber no espaço, e eu me obriguei a<br />
caber em três linhas no balão. Com isso,<br />
não percebi na época, mas consegui futuramente<br />
enfrentar os quadrinhos<br />
concorrentes, que vinham com balões<br />
grandes que mais pareciam trazer romances.<br />
Eu tinha preguiça de ler aquilo.<br />
E decidi que a minha história em quadrinhos<br />
não podia passar de três linhas<br />
num balão. Até hoje passo essas valiosas<br />
lições para o pessoal aqui do estúdio.<br />
Além disso, economizei um salário,<br />
já que era roteirista e desenhista.<br />
O jornal pagava apenas um dólar por<br />
tira e era importante acumular as duas<br />
funções para enfrentar a concorrência<br />
e não encarecer o trabalho. O jornal não<br />
ia pagar mais por isso. Então, o jornalismo,<br />
acidentalmente, me ajudou a<br />
desenvolver a indústria de quadrinhos<br />
que fizemos aqui e, ao mesmo tempo,<br />
enfrentar a concorrência. O jornalismo<br />
me ensinou muitas coisas, além <strong>da</strong><br />
concisão. Me ensinou a objetivi<strong>da</strong>de do<br />
lide. Minhas histórias têm começo,<br />
meio e fim; sem tramas paralelas, situações<br />
anteriores, como flashbacks. Os<br />
textos são curtos, rápi<strong>dos</strong>. Vencemos<br />
a concorrência e hoje temos 86% do<br />
mercado. Sinto muito, mas o pessoal<br />
que faça a mesma coisa.<br />
Um bolo caprichado para comemorar as mil tiras publica<strong>da</strong>s do Cebolinha.<br />
Mauricio com as filhas Maria Angela, Mônica e Magali em<br />
1964. Acima, Mônica recebe o carinho do pai-coruja.<br />
JORNAL DA <strong>ABI</strong> – ESSA BAGAGEM TODA<br />
VOCÊ ADQUIRIU NO TEMPO DE JORNAL?<br />
Mauricio de Sousa – Diversas circunstâncias<br />
nos levaram à posição em que<br />
estamos. Lógico, eu também estudei<br />
bastante. Mesmo trabalhando na reportagem,<br />
ain<strong>da</strong> mantinha o objetivo de fazer<br />
história em quadrinhos. Assim, cantava<br />
os chefes de Re<strong>da</strong>ção para me <strong>da</strong>rem<br />
todo o material que chegava <strong>dos</strong><br />
syndicates norte-americanos, os folders,<br />
prospectos. Daí eu via como é que chegavam,<br />
como é que eram traduzi<strong>dos</strong>,<br />
como faziam os balões, tudo. Eu estava<br />
estu<strong>da</strong>ndo, porque não havia no Brasil<br />
uma redistribuição como os syndicates;<br />
eu tinha que inventar isso, tinha que<br />
criar uma distribuição no Brasil. Ou<br />
fazia isso ou continuaria ganhando um<br />
dólar por tira de jornal. Eu ia ganhar<br />
menos do que um salário-mínimo para<br />
fazer uma história em quadrinhos diária.<br />
Não <strong>da</strong>va, <strong>da</strong>í eu via que lá o pessoal<br />
fazia uma tira e redistribuía para diversos<br />
jornais. Decidi fazer o mesmo.<br />
Aprendi como enviar o material e, depois<br />
de cinco anos trabalhando na reportagem,<br />
deixei o jornalismo para fazer as<br />
primeiras tirinhas do Bidu.<br />
JORNAL DA <strong>ABI</strong> – SEUS QUADRINHOS<br />
NASCERAM NOS JORNAIS?<br />
Mauricio de Sousa – Umbilicalmente<br />
liga<strong>dos</strong> a eles. Em 1959, montei meu primeiro<br />
estúdio, em Mogi <strong>da</strong>s Cruzes. Fácil<br />
de chegar, a apenas 50 quilômetros<br />
<strong>da</strong> Re<strong>da</strong>ção. Mas eu ain<strong>da</strong> precisava<br />
vender o peixe e não tinha dinheiro para<br />
montar a distribuidora. Meus recursos<br />
só <strong>da</strong>vam para chegar aos jornais próximos<br />
e oferecer meu material. Tanto<br />
que pedia para o pessoal <strong>da</strong> Re<strong>da</strong>ção<br />
devolver os clichês e os originais. Originais<br />
que tenho guar<strong>da</strong><strong>dos</strong> até hoje. Já<br />
que não tinha dinheiro, peguei o compasso,<br />
botei a ponta seca em Mogi e<br />
rodei 100 quilômetros em volta. Era<br />
para onde eu conseguiria pagar ônibus<br />
para chegar. Não <strong>da</strong>va para ir a Belo<br />
Horizonte, Rio de Janeiro, Curitiba,<br />
Ribeirão Preto; mas chegava em Campinas,<br />
Santos, Sorocaba. Eu pegava o<br />
ônibus com os clichês devolvi<strong>dos</strong> e ia<br />
visitar os jornais de padre, e alguns outros<br />
jornais de artes que havia na região.<br />
E comecei a vender, a distribuir. Aos<br />
poucos, fui aumentando o círculo e<br />
<strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011<br />
21
FOTOS: ARQUIVO PESSOAL<br />
cheguei em Curitiba e Rio de Janeiro.<br />
Em dez anos, publicava as tiras em 300<br />
jornais: estava pronto para lançar uma<br />
revista. Nesses 300 jornais e na prévia<br />
do lançamento <strong>da</strong> revista, no fim <strong>dos</strong><br />
anos 60, eu me reencontrei com alguns<br />
jornalistas <strong>dos</strong> velhos tempos. Eles estavam<br />
montando uma editora para fazer<br />
revistas e me convi<strong>da</strong>ram para fazer<br />
gibi – o gibi <strong>da</strong> Mônica.<br />
JORNAL DA <strong>ABI</strong> – ELES ESTAVAM PENSAN-<br />
DO NA MÔNICA MESMO? NÃO NO BIDU OU<br />
CEBOLINHA?<br />
Mauricio de Sousa – O Bidu e o Cebolinha<br />
eram fortes. Mas já estava trabalhando<br />
na Mônica. Começamos a produzir<br />
o material.<br />
JORNAL DA <strong>ABI</strong> – QUEM ERAM OS JORNA-<br />
LISTAS?<br />
Mauricio de Sousa - Era uma equipe de<br />
jornalistas chefia<strong>da</strong> pelo Sinval de Itacarambi,<br />
que hoje é o Diretor <strong>da</strong> revista<br />
Imprensa. Só que, quando combinamos<br />
tudo e eu me preparei para lançar, todo<br />
mundo foi preso pelos militares e eu não<br />
sabia! Todo mundo sumiu! “Cadê o pessoal<br />
que ia fazer a revista comigo?” Custei<br />
para descobrir a resposta dessa pergunta.<br />
Fiquei sem saber, não achava ninguém,<br />
não atendiam telefone... só depois<br />
de muito tempo, quando começaram a<br />
libertá-los, é que descobri. Era 1969.<br />
Então, a ditadura desmontou a minha<br />
célula de resistência <strong>da</strong>s histórias em quadrinhos<br />
brasileiras. O projeto foi abortado<br />
até que veio a proposta <strong>da</strong> Editora<br />
Abril para fazer a revista Mônica e Sua<br />
Turma. O gibi começou em 1970, <strong>da</strong>ndo<br />
grande visibili<strong>da</strong>de à Mônica e garantindo<br />
recursos para que pudéssemos terminar<br />
nosso projeto de chegar a outros importantes<br />
jornais brasileiros.<br />
Mauricio<br />
tem um<br />
carinho<br />
especial por<br />
Horácio.<br />
Mauricio ao lado de<br />
Jayme Cortez em<br />
Lucca, durante sua<br />
primeira viagem<br />
internacional,<br />
em 1966.<br />
JORNAL DA <strong>ABI</strong> – VOLTANDO AO INÍCIO DOS<br />
ANOS 60, VOCÊ AJUDOU A FUNDAR A ASSOCI-<br />
AÇÃO DE DESENHISTAS DE SÃO PAULO-ADESP.<br />
POR QUE ACONTECEU ESSE MOVIMENTO?<br />
Mauricio de Sousa – Na início <strong>da</strong> déca<strong>da</strong><br />
de 60, quando assumiu a Presidência,<br />
o Jânio Quadros iniciou uma campanha<br />
pela valorização do material brasileiro<br />
e pediu para nós desenhistas criarmos<br />
condições para isso. Naquela<br />
época surgiram muitas revistas. Falavam<br />
sobre artistas de televisão, cinema,<br />
como Mazzaropi, Oscarito, os palhaços<br />
Arrelia e Pimentinha, o Vigilante Rodoviário<br />
e uma porção de outras publicações.<br />
Foi aí que criei a Associação <strong>dos</strong><br />
Desenhistas do Estado de São Paulo.<br />
Provoquei o surgimento de outras associações<br />
no resto do País, mas também<br />
tive um problemão com a Folha. A Associação<br />
não tinha inclinação política.<br />
Mas naquela época ou você era de direita<br />
ou era de esquer<strong>da</strong>. Não havia meiotermo.<br />
Eu não era na<strong>da</strong>! Eu só queria<br />
fazer histórias em quadrinhos. Alguém<br />
disse: “Vamos fazer uma lei de proteção.”<br />
E eu perguntei: “Mas pra que lei<br />
de proteção?” Começamos a lutar por<br />
uma lei de proteção e a Adesp começou<br />
a ter uma conotação política. A Folha me<br />
chamou e mandou parar com aquilo. O<br />
Estado de S. Paulo publicou editorial chamando<br />
todo mundo de comunista. E eu<br />
falava que não podia parar, que não era<br />
comunista, que não poderia abandonar<br />
o barco, pois a luta era justa. Acabei despedido,<br />
mas fiquei com os clichês e passei<br />
a me dedicar somente às tirinhas.<br />
JORNAL DA <strong>ABI</strong> – POR ESSE TEMPO, SUAS<br />
TIRINHAS TAMBÉM COMEÇARAM A FAZER SU-<br />
CESSO NO RIO DE JANEIRO. COMO CHEGOU LÁ?<br />
Mauricio de Sousa – Naquele tempo,<br />
a imagem nacionalista estava sendo<br />
muito ataca<strong>da</strong> e eu entrei em contato<br />
com a Tribuna <strong>da</strong> Imprensa para oferecer<br />
uma história brasileira. Mas devido<br />
ao contato de um editor amigo meu<br />
quem acabou me procurando para<br />
comprar quadrinhos foi o Alberto<br />
Dines, que coman<strong>da</strong>va o concorrente<br />
<strong>Jornal</strong> do Brasil. O jornal<br />
tinha uma proposta nacionalista e<br />
promoveu uma campanha muito<br />
grande no Rio de Janeiro para o<br />
lançamento <strong>da</strong> história em<br />
quadrinhos do Piteco. Promoveram<br />
uma ver<strong>da</strong>deira campanha de marketing,<br />
anunciando a chega<strong>da</strong> de celebri<strong>da</strong>des:<br />
o homem pré-histórico e os dinossauros.<br />
E foi um sucesso. Quando a<br />
Folha viu que eu tinha entrado no JB<br />
e depois na Tribuna de Imprensa, teve<br />
as garantias de que precisava de que<br />
eu não era comunista. Fui chamado<br />
novamente pelo Frias e pelo<br />
Caldeira, comecei a desenhar o<br />
Horácio, participei <strong>da</strong> criação<br />
<strong>da</strong> Folhinha e atraímos muitos<br />
novos leitores para o jornal.<br />
Em contraparti<strong>da</strong> tive<br />
auxílio para deslanchar:<br />
eles me alugaram<br />
meio an<strong>da</strong>r do prédio<br />
ao lado do jornal por<br />
um preço simbólico,<br />
sem cobrar luz ou telefone. Era uma bela<br />
troca. O Frias e o Caldeira me aju<strong>da</strong>ram<br />
bastante e eu <strong>da</strong>va um sucesso <strong>da</strong>nado<br />
para o jornal também. (Octávio Frias,<br />
dono <strong>da</strong> Folha; Carlos Caldeira, seu sócio.)<br />
JORNAL DA <strong>ABI</strong> – A FOLHINHA TAMBÉM<br />
FOI CRIADA PARA ATRAIR NOVOS LEITORES?<br />
Mauricio de Sousa – Sim, era a proposta.<br />
Uma proposta minha e <strong>da</strong> Lenita<br />
Miran<strong>da</strong> de Figueiredo, que era jornalista.<br />
Queríamos que as crianças pegassem<br />
no jornal. Para mim não foi exatamente<br />
uma novi<strong>da</strong>de, pois já estava publicando<br />
um suplemento em vários jornais<br />
com quadrinhos. Chamava-se <strong>Jornal</strong>zinho<br />
<strong>da</strong> Mônica.<br />
JORNAL DA <strong>ABI</strong> – VOCÊ JÁ TINHA UMA<br />
EQUIPE OU FAZIA SOZINHO?<br />
Mauricio de Sousa – Eu tinha uma<br />
pequena equipe. Foi muito louco na época,<br />
porque eu trabalhava na Folha e também<br />
vendia para a cadeia <strong>dos</strong> Diários<br />
Associa<strong>dos</strong>. Eu tinha duas linhas de produtos:<br />
Chico Bento, Astronauta, Piteco<br />
iam para os Diários; e Mônica, Cebolinha,<br />
Jotalhão e Horácio iam para a<br />
Folha. Então, os meus próprios materiais<br />
competiam. Por isso, digo que meu<br />
trabalho nasceu tão ligado ao jornal.<br />
Hoje o perfil <strong>dos</strong> jornais mudou bastante,<br />
inclusive no que diz respeito às histórias<br />
em quadrinhos. Mas estou brigando,<br />
pois acho que os quadrinhos<br />
podem voltar e com força. Tenho até um<br />
projeto diferenciado nesse sentido, mas<br />
não posso falar ain<strong>da</strong> sobre ele.<br />
JORNAL DA <strong>ABI</strong> – ESSA É UMA DAS LUTAS<br />
DA <strong>ABI</strong>: VALORIZAR O DESENHISTA NACIONAL.<br />
NÃO SÓ DE QUADRINHOS, MAS ILUSTRADORES<br />
TAMBÉM.<br />
Mauricio de Sousa – Outra coisa: a<br />
história em quadrinhos fideliza o jornal<br />
para a criança. Se não tiver esse tipo de<br />
material, o jornal morre. O pessoal não<br />
percebe isso. Eu brigo tanto com os jornais<br />
porque se a criança não pegar no<br />
jornal, ele vai acabar morrendo.<br />
JORNAL DA <strong>ABI</strong> – FALE SOBRE SUA RELA-<br />
ÇÃO COM ADOLFO AIZEN E COM JAYME COR-<br />
TEZ, DOIS GRANDES NOMES DOS QUADRINHOS<br />
NO BRASIL.<br />
Mauricio de Sousa – O Aizen deu o<br />
pontapé inicial para as histórias em<br />
quadrinhos no Brasil. Era uma pessoa<br />
maravilhosa, respeitava os artistas,<br />
criou a Ebal quando ele lançou O Herói.<br />
Foi um marco porque ele se preocupava<br />
com a quali<strong>da</strong>de de impressão,<br />
do papel. Eu levei um susto quando vi<br />
aquelas revistas... era outra coisa. A<br />
gente não estava acostumado com<br />
aquele jeito de as histórias em quadrinhos<br />
serem publica<strong>da</strong>s, com melhor<br />
quali<strong>da</strong>de gráfica inclusive. Ele era uma<br />
simpatia e a equipe dele também! Visitei<br />
a Ebal, o museu <strong>dos</strong> quadrinhos,<br />
a locomotiva que tinha lá... era um sonho.<br />
Depois ele e a esposa visitaram o<br />
meu estúdio. Vieram com o Monteiro<br />
Filho, que fazia várias capas <strong>da</strong> Ebal. Foi<br />
uma visita histórica para mim. (Ebal:<br />
Editora Brasil-América Lt<strong>da</strong>.)<br />
JORNAL DA <strong>ABI</strong> – QUANDO FOI ISSO?<br />
Mauricio de Sousa – Nossa... isso tem<br />
tempo! Foi no começo <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 70.<br />
Maurício durante o 1° Congresso de História em <strong>Quadrinhos</strong> de 1974, em Avaré.<br />
22 <strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011
FOTOS: ARQUIVO PESSOAL<br />
Os Superamigos<br />
Amizades e negócios quase sempre an<strong>da</strong>m<br />
juntos: com Osamu Tezuka (no alto),<br />
conversas para reunir num crossover a Turma<br />
<strong>da</strong> Mônica e Astro Boy; com Pelé, a criação do<br />
Pelezinho; com Kim Basinger, um projeto de<br />
um parque de diversões e de personagens<br />
infantis que acabou não se concretizando.<br />
Abaixo, o abraço fraterno a Will Eisner.<br />
JORNAL DA <strong>ABI</strong> – FOI O JAYME CORTEZ<br />
QUE PUBLICOU SUA PRIMEIRA REVISTA EM<br />
QUADRINHOS, NÃO?<br />
Mauricio de Sousa – O dia em que eu<br />
conheci o Cortez... ele me encheu de<br />
palavrões! (risos) Eu fui lá na Editora<br />
para vender uma história de terror para<br />
eles e eu já estava publicando as tirinhas<br />
do Bidu na Folha de S. Paulo. Mas a on<strong>da</strong><br />
era história de terror. O pessoal<br />
ganhava dinheiro com<br />
histórias de terror e as tiras<br />
de jornal <strong>da</strong>vam uma merrequinha.<br />
Aí eu pensei:<br />
“Puxa, preciso ganhar dinheiro!”.<br />
Então, fiz umas<br />
páginas de terror... uma<br />
porcaria porque eu não tinha<br />
jeito para aquilo! E levei<br />
pra ele... Aí ele olhou o<br />
material e falou:<br />
“Tu não és aquele gajo que<br />
faz aquelas historinhas do<br />
cachorrinho lá no jornal?”<br />
“Sou...”<br />
“Então porque me trazes<br />
essa mer<strong>da</strong>? (risos) Trazes<br />
aquilo que tu estás acostumado<br />
a desenhar!<br />
“Mas...”<br />
“Mas na<strong>da</strong>!”<br />
Ai ele falou mais um<br />
monte de palavrões e eu<br />
voltei e fiz umas páginas<br />
com histórias em quadrinhos<br />
do Bidu e do Franjinha,<br />
levei e publicamos as primeiras<br />
revistas em quadrinhos<br />
do Bidu. Como eu não<br />
tinha equipe, não tinha<br />
na<strong>da</strong>, era repórter e tinha<br />
que trabalhar de madruga<strong>da</strong><br />
para fazer as histórias,<br />
agüentei fazer uns cinco números<br />
só... tive que parar. Trabalhava,<br />
ganhava pouco, a Editora pagava um<br />
salário-mínimo para fazer uma revista<br />
inteirinha! Então não agüentei mais...<br />
mas foram as minhas primeiras revistas.<br />
Uma boa experiência graças ao Cortez.<br />
Só dez anos depois que tive condições<br />
de manter uma revista e foi quando<br />
lancei a Mônica. Quando Cortez ficou<br />
disponível no mercado, eu o chamei<br />
para ser Diretor de Arte do nosso estúdio.<br />
Ele trabalhou lá durante muitos<br />
anos. Acompanhou, por exemplo, o planejamento<br />
e a produção do primeiro desenho<br />
animado nosso, <strong>da</strong> Turma <strong>da</strong> Mônica,<br />
produzido pelo Daniel Messias, que<br />
passou na Globo e que tinha aquela<br />
música de Natal que todo mundo canta<br />
até hoje... ele é que, praticamente, coproduziu.<br />
E agora nós vamos refazer<br />
esse desenho e lançar de novo na Globo,<br />
depois de 40 anos. Então, o Cortez<br />
faz parte <strong>da</strong> história de nosso estúdio;<br />
orientou muita gente, orientou o pessoal<br />
do desenho animado que está comigo até<br />
agora. Ele foi fun<strong>da</strong>mental na construção,<br />
na elaboração de nosso estúdio.<br />
JORNAL DA <strong>ABI</strong> – VOCÊ LANÇOU A REVIS-<br />
TA MÔNICA E SUA TURMA EM 1970 E UM<br />
ANO DEPOIS GANHOU O TROFÉU YELLOW KID,<br />
EM LUCCA, NA ITÁLIA. COMO VOCÊ RECEBEU<br />
Em 1963, Mauricio participou ativamente<br />
<strong>da</strong> criação do suplemento infantil Folhinha<br />
de S.Paulo, e dois anos depois lançou pela<br />
FTD alguns livros infantis com personagens<br />
como Astronauta e Piteco (acima).<br />
A NOTÍCIA DE SUA PREMIAÇÃO? AFINAL O YE-<br />
LLOW KID É CONSIDERADO O OSCAR DOS<br />
QUADRINHOS.<br />
Mauricio de Sousa - Eu já estava lá. Era<br />
a terceira ou quarta vez que eu ia a Lucca<br />
apresentar os trabalhos, estava mostrando,<br />
fazendo a minha festa lá. Aí falaram<br />
pra mim: “Você precisa ir lá” e ninguém<br />
falava por quê. “Vai bem vestido,<br />
vai de gravata”. Na festa me chamaram<br />
e aí fui receber o prêmio... Custei a entender<br />
o significado e o peso <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de...<br />
Eles tinham, então, um motivo:<br />
uma revista numa grande editora,<br />
a coroação de um trabalho de dez anos<br />
de histórias em quadrinhos, uma publicação<br />
nova que representava uma saí<strong>da</strong><br />
para os quadrinhos brasileiros.<br />
JORNAL DA <strong>ABI</strong> – VOCÊ PARTICIPOU TAM-<br />
BÉM DA ELABORAÇÃO DO ESTADINHO?<br />
Mauricio de Sousa – Sim. Na déca<strong>da</strong><br />
de 80, o Octávio Frias Filho remodelou<br />
o jornal e decidiu apostar em histórias<br />
mais volta<strong>da</strong>s para adultos. Nisso, o Estadão<br />
me chamou e criamos o Estadinho,<br />
que no começo era praticamente igual<br />
à Folhinha. Aos poucos, o caderno foi<br />
mu<strong>da</strong>ndo seu perfil. Mas você falou<br />
sobre a valorização <strong>dos</strong> desenhistas<br />
nacionais. Em comemoração aos 50<br />
anos de quadrinhos, lançamos dois<br />
livros em que 100 artistas brasileiros<br />
foram convi<strong>da</strong><strong>dos</strong> para desenhar<br />
a turma <strong>da</strong> Mônica, com<br />
seu traço, seu estilo e sua história.<br />
Ca<strong>da</strong> um fez à sua maneira.<br />
Esse pessoal não está sendo usado<br />
pelos jornais, mas por multinacionais<br />
como a Marvel, a DC ou fazem<br />
sucesso no Japão. A imprensa brasileira<br />
está virando as costas para esse<br />
pessoal aqui... renegando grandes talentos<br />
brasileiros.<br />
JORNAL DA <strong>ABI</strong> – QUANDO VOCÊ LANÇOU<br />
SUAS HISTÓRIAS, ELAS FIZERAM SUCESSO NÃO<br />
APENAS PORQUE ERAM BRASILEIRAS, MAS<br />
TAMBÉM POR CAUSA DO SEU TRAÇO SINGULAR<br />
E DOS ROTEIROS BEM CRIATIVOS. IMAGINAVA<br />
FAZER TANTO SUCESSO?<br />
Mauricio de Sousa – O sucesso foi uma<br />
soma de muitas coisas. Você até pode<br />
errar na <strong>dos</strong>e, mas teve o negócio do texto,<br />
do ritmo, de a história ser linear, de<br />
falarmos a mesma língua – quer dizer,<br />
a língua <strong>da</strong> criança<strong>da</strong>, a língua <strong>da</strong> casa.<br />
Mas acredito que sucesso não se planeja.<br />
Você prepara uma carreira, monta uma<br />
estrutura, mas não sabe se vai ou não<br />
<strong>da</strong>r certo. O que fazemos aqui é procurar<br />
o melhor. O artista sempre está insatisfeito,<br />
quer o melhor, procura coisas<br />
que ain<strong>da</strong> não fez. Estamos sempre<br />
inventando novos personagens, criando<br />
novas revistas. Mas tudo o que temos<br />
hoje já começou a ser planejado<br />
quando comecei a desenhar. Já pensava<br />
em fazer histórias para os jornais,<br />
desenhar as tirinhas, depois em formato<br />
tablóide, revistas, desenhos anima<strong>dos</strong>,<br />
parques temáticos. Mas eu não inventei<br />
isso. Era uma tendência. Olhei e<br />
percebi que os norte-americanos já começavam<br />
a fazer isso. Adequamos para<br />
fazer no Brasil. Nossos quadrinhos não<br />
foram influencia<strong>dos</strong> pela Disney. Nos<br />
anos 40 e 50, eles tinham bons desenhistas,<br />
mas eu achava suas histórias fracas.<br />
Havia outros bons modelos. Histórias<br />
clássicas do Li’l Abner, o Ferdinando do<br />
Al Capp; o Spirit, do Will Eisner; Brucutu,<br />
de Vincent Hamlin, e outras me<br />
mostraram que não precisávamos ficar<br />
no básico. Podíamos fazer quadrinhos<br />
mais elabora<strong>dos</strong>, sofistica<strong>dos</strong>. Não acho<br />
que inventei na<strong>da</strong>. Apenas recriamos em<br />
um contexto diferente. Outro personagem<br />
de que gosto muito é o Asterix. Ele<br />
tem a quali<strong>da</strong>de de ser o detonador para<br />
o processo de leituras mais sofistica<strong>da</strong>s.<br />
A criança pode ler outras histórias, mas<br />
quando encontra as do Asterix começa<br />
a buscar algo mais cabeça.<br />
Zé Vampir e Penadinho<br />
eram desenha<strong>dos</strong><br />
assim em 1965.<br />
<strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011<br />
23
JORNAL DA <strong>ABI</strong> – VOCÊ AINDA LÊ HISTÓ-<br />
RIAS EM QUADRINHOS?<br />
Mauricio de Sousa – Quando tenho<br />
tempo, procuro ler tudo que dá de histórias<br />
em quadrinhos. Mas não gosto de<br />
coisas muito dramáticas, sofri<strong>da</strong>s. Prefiro<br />
as mais leves, cômicas, de ficção científica<br />
e de aventuras.<br />
JORNAL DA <strong>ABI</strong> – E OS QUADRINHOS JA-<br />
PONESES, VOCÊ GOSTA?<br />
Mauricio de Sousa – O problema é que<br />
a maioria <strong>dos</strong> mangás japoneses apela<br />
muito para a violência. Um personagem<br />
que eu e meu filho de onze anos gostamos<br />
muito é o Naruto. É uma trama<br />
bem produzi<strong>da</strong> e alicerça<strong>da</strong>, apesar de<br />
acharmos que, às vezes, exagera na violência.<br />
Já outros desenhos são insuportáveis.<br />
Penso que devemos <strong>da</strong>r às crianças<br />
algo mais leve, que as estimule a<br />
pensar e não transformar as revistas em<br />
divãs de psicanalistas.<br />
JORNAL DA <strong>ABI</strong> – VOCÊ TAMBÉM JÁ FALOU<br />
SOBRE A INSPIRAÇÃO DO BOLINHA E DA LU-<br />
LUZINHA SOBRE SEU TRABALHO. EM QUE ES-<br />
Popular, Mauricio de Sousa já apareceu diversas<br />
vezes em aventuras junto com a Turma <strong>da</strong> Mônica.<br />
SES PERSONAGENS TE INSPIRARAM?<br />
Mauricio de Sousa – Foi a última inspiração<br />
que eu tive. Como disse, tive<br />
outras. Meu estilo de desenho sempre<br />
foi meio parecido com a Marta, de Luluzinha,<br />
simples. Só que eu via os outros<br />
desenhistas norte-americanos,<br />
muito sofistica<strong>dos</strong> em termos de arte,<br />
grafismo. Eu tinha um pouquinho de<br />
receio, de medo, pois me achava muito<br />
simples, pe<strong>da</strong>gógico. Quando vi o sucesso<br />
<strong>da</strong> Luluzinha, isso me encorajou. A<br />
Luluzinha me deu coragem para apostar<br />
no desenho que eu já fazia. Meu traço<br />
é ágil, rápido. Parece com aquele cineminha<br />
que eu fiz com 13 ou 14 anos,<br />
de brincadeirinha. A minha avó contava<br />
histórias e eu ilustrava, desenhava<br />
aqui, colava com cola de farinha de trigo,<br />
fazia uma manivela, botava num caixote,<br />
cortava, fazia uma telinha, colocava<br />
a vela atrás, passava e contava a história.<br />
Aquilo foi uma excelente forma,<br />
que me permitiu criar estilo próprio.<br />
Outra coisa que me ajudou a criar um<br />
estilo simplificado de desenho foi ter<br />
começado a fazer ilustrações para a Folha<br />
<strong>da</strong> Tarde, do mesmo Grupo Folha, no<br />
começo <strong>da</strong> minha carreira. Eu chegava<br />
<strong>da</strong> Polícia e tinha meia hora para ler o<br />
noticiário do jornal. Precisava escolher<br />
duas matérias e ilustrar com desenho<br />
simples para colocar como chama<strong>da</strong> de<br />
capa no jornal. Não tinha tempo nem<br />
de fazer rascunho; tinha que olhar aquilo<br />
e sair quase que psicografando o negócio.<br />
Foi uma escola também para eu<br />
dominar o traço simples e rápido.<br />
JORNAL DA <strong>ABI</strong> – O RITMO ALUCINANTE<br />
DA REDAÇÃO, ENTÃO, MOLDOU SEU ESTILO?<br />
Mauricio de Sousa – Realmente,<br />
aprendi na loucura. Hoje podemos sofisticar<br />
um pouco mais graficamente. Mas<br />
sempre me perguntam por que a Mônica<br />
não tem sapatos. Assim como o Cascão<br />
e a Magali, a Mônica não tinha sapatos<br />
porque eu não tinha tempo de desenhar<br />
sapatos. E por que o Cebolinha<br />
tem sapatos? Porque quando criei o Cebolinha<br />
fazia uma tira só; então, tinha<br />
tempo de desenhar sapatos. Quando<br />
comecei a desenhar várias tiras, fiquei<br />
sem tempo. Quem nasceu com sapatos<br />
não podia perdê-los; quem nasceu sem<br />
sapatos não podia mais ganhá-los.<br />
JORNAL DA <strong>ABI</strong> – O CEBOLINHA VEIO PRI-<br />
MEIRO QUE A MÔNICA?<br />
Mauricio de Sousa – É. O Cebolinha<br />
surgiu com sapatos e o Cascão sem sapatos,<br />
mas ambos nasceram juntos.<br />
Mas durante muitos meses eu tive<br />
medo de lançar o Cascão por causa do<br />
hábito dele de não tomar banho. Tinha<br />
receio do pessoal pegar no meu pé, criticar<br />
muito. Então, o Cebolinha foi na<br />
frente. Depois eu falei para a minha mulher,<br />
a mãe <strong>da</strong> Mônica, <strong>da</strong> minha dúvi<strong>da</strong>.<br />
E ela me convenceu de que era besteira.<br />
Arrisquei, mas já não <strong>da</strong>va tempo<br />
de desenhar sapatos.<br />
JORNAL DA <strong>ABI</strong> – ALIÁS, QUAL A INSPIRA-<br />
ÇÃO PARA SEUS PERSONAGENS?<br />
Mauricio de Sousa – A maioria de<br />
meus personagens é inspira<strong>da</strong> em pessoas<br />
reais, gente que conheço, familiares<br />
e amigos. A Mônica, a Magali, o Do<br />
Contra, o Nimbus são filhos. A Mônica<br />
tinha mesmo um coelho, mas não<br />
batia em ninguém com ele, pois era<br />
maior que ela. Mas acho que pensei na<br />
idéia em algum momento meu de mais<br />
“agressivi<strong>da</strong>de”. (risos) Nem na Turma<br />
<strong>da</strong> Mônica Jovem eu inventei. Minha<br />
filha Mônica, quando tinha seus 15<br />
anos, era <strong>da</strong>quele jeito: vai<strong>dos</strong>a, gostava<br />
sempre de estar elegante e bem arruma<strong>da</strong>.<br />
Optei por desenhar a Turma <strong>da</strong><br />
Mônica Jovem em estilo mangá, porque<br />
esse estilo japonês ganhou o mundo e<br />
atrai muitos jovens. Foi uma estratégia<br />
acerta<strong>da</strong>: a revista é a publicação de<br />
quadrinhos brasileira mais li<strong>da</strong> no<br />
mundo, com mais de 400 mil<br />
exemplares por edição. Ain<strong>da</strong><br />
devemos fazer o Chico Bento<br />
Jovem, no mesmo estilo.<br />
JORNAL DA <strong>ABI</strong> – ALÉM DO TRAÇO<br />
E DA CONSISTÊNCIA NAS HISTÓRIAS, O<br />
QUE MAIS JUSTIFICA QUE, CINCO DÉCA-<br />
Os personagens Pelezinho e Ronaldinho<br />
Gaúcho tiveram carreira internacional.<br />
Abaixo, capa <strong>da</strong> revista na França. Ao lado,<br />
a Turma <strong>da</strong> Mônica Jovem em estilo mangá<br />
é um enorme sucesso em ven<strong>da</strong>s.<br />
DAS DE DESENHOS DEPOIS, SEUS PERSONA-<br />
GENS CONTINUEM TÃO APRECIADOS?<br />
Mauricio de Sousa – O que aju<strong>da</strong> um<br />
personagem a durar – com sucesso – tanto<br />
tempo é o cui<strong>da</strong>do que o autor tem<br />
com esse personagem. E o autor durar<br />
também. (risos) Nunca disse estar farto<br />
<strong>da</strong> Mônica e espero que ela nunca<br />
diga isso de mim também. Sei que montei<br />
uma ver<strong>da</strong>deira “indústria” de histórias<br />
em quadrinhos. Por isso, preocupo-me<br />
com a continuação dessa “empresa”.<br />
Nesse sentido, trabalhamos a fidelização<br />
do nosso público e a sucessão,<br />
quem virá depois de mim. Dos meus dez<br />
filhos, seis já trabalham comigo. Dá para<br />
escolher. Três chegaram agora, são mais<br />
novos, o que dá um gás renovado e atual<br />
às histórias. A Marina, de 24 anos, por<br />
exemplo, faz roteiros. Eu examino os<br />
roteiros de tudo o que sai. Tem também<br />
o Mauro, mais ligado ao teatro, e o<br />
Mauricio, que cui<strong>da</strong> de uma área de<br />
tecnologia, mais liga<strong>da</strong> à internet. Enquanto<br />
isso, a Mônica está cui<strong>da</strong>ndo <strong>da</strong><br />
parte comercial, a Van<strong>da</strong>, de projetos<br />
especiais, inclusive liga<strong>dos</strong> a nosso instituto<br />
cultural; a Valéria aju<strong>da</strong> na área<br />
internacional. É uma empresa familiar,<br />
mas não apenas <strong>da</strong> minha família. Vários<br />
funcionários também trazem seus<br />
parentes para trabalhar aqui. Isso me dá<br />
a certeza de fideli<strong>da</strong>de e durabili<strong>da</strong>de.<br />
Tenho gente que trabalha há mais de 40<br />
anos comigo, sem problema nenhum.<br />
JORNAL DA <strong>ABI</strong> – ESSA “INDÚSTRIA” VIROU<br />
UMA AUTÊNTICA MULTINACIONAL DA CULTURA...<br />
Mauricio de Sousa – Somos multinacionais.<br />
Os personagens de Ronaldinho<br />
Gaúcho já estão em 32 idiomas. Em 2010,<br />
quero chegar a 60 ou 70 países do mundo<br />
com desenhos anima<strong>dos</strong>. Trabalhamos<br />
em co-produção não apenas no Brasil, mas<br />
26 <strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011
FOTOS: FRANCISCO UCHA<br />
O irmão de Mauricio de<br />
Sousa, Márcio Araujo (de<br />
pé, à esquer<strong>da</strong>) cui<strong>da</strong> <strong>da</strong><br />
finalização <strong>dos</strong> desenhos<br />
anima<strong>dos</strong> e <strong>da</strong>s trilhas<br />
sonoras. O desenhista<br />
Zazo Aguiar faz as capas<br />
<strong>da</strong> Turma <strong>da</strong> Mônica<br />
Jovem (direita). Embaixo,<br />
diversas etapas <strong>da</strong><br />
produção <strong>da</strong>s revistas<br />
em quadrinhos: o<br />
letreiramento de uma<br />
história do Ronaldinho<br />
Gaúcho; os roteiros de<br />
histórias <strong>da</strong> Dorinha e do<br />
Chico Bento esboça<strong>dos</strong><br />
pelo roteirista Robson B.<br />
Lacer<strong>da</strong>, e a colorização<br />
de uma história <strong>da</strong> Tina.<br />
na Itália, na China e em outros países. Isso<br />
permite produzirmos mais rapi<strong>da</strong>mente<br />
e com mais quali<strong>da</strong>de os desenhos, de<br />
forma a entrar com força na televisão<br />
aberta no mundo inteiro. Depois disso,<br />
acredito que o licenciamento e o merchandising<br />
nos <strong>da</strong>rão condições financeiras<br />
para entrar em outros espaços. Isso nos<br />
permitirá novos investimentos em parques<br />
temáticos e na área educacional.<br />
JORNAL DA <strong>ABI</strong> – E VOCÊ CONTINUA DE-<br />
SENHANDO?<br />
Mauricio de Sousa – Infelizmente já<br />
não desenho mais, a não ser as histórias<br />
do Horácio, mas reviso to<strong>dos</strong> os roteiros.<br />
To<strong>da</strong>s as histórias passam por<br />
mim. Idéias nunca faltam. Quanto mais<br />
você tem, mais vêm. É um poço sem fundo.<br />
Junto com os roteiristas e desenhistas,<br />
produzimos uma nova revista a<br />
ca<strong>da</strong> dois dias. Temos uma equipe de<br />
150 pessoas trabalhando conosco diretamente,<br />
sem contar os indiretos. Eles<br />
produzem histórias com uns 300 personagens.<br />
Alguns personagens ficaram<br />
para trás. Mas não digo que fracassaram.<br />
Isto seria como negar a um filho.<br />
Não me arrependo de na<strong>da</strong>, apenas tento<br />
consertar o que não deu certo.<br />
JORNAL DA <strong>ABI</strong> – É VOCÊ MESMO QUE FAZ<br />
O SEU ORKUT, O SEU TWITTER?<br />
Mauricio de Sousa - Sim. Sou eu mesmo.<br />
Falo apenas <strong>da</strong> superfície do que eu<br />
faço. E coloco muitas fotos...<br />
JORNAL DA <strong>ABI</strong> – VOCÊ TEM COMPARTI-<br />
LHADO COM SEUS SEGUIDORES DO TWITTER<br />
MUITAS FOTOS HISTÓRICAS. POR QUÊ? SAU-<br />
DOSISMO?<br />
Mauricio de Sousa – É... realmente<br />
quero ficar mais assíduo na história <strong>dos</strong><br />
quadrinhos e na minha história nos quadrinhos,<br />
inclusive no meu contato com<br />
outros autores. Depois pretendo fazer<br />
um álbum ou uma revista com o material<br />
que estou publicando no Twitter<br />
para documentar essa história, para não<br />
ficar solto. Na internet fica solto, não<br />
há uma continui<strong>da</strong>de cultural. Talvez<br />
até crie um endereço na internet dedicado<br />
só para falar dessa história <strong>dos</strong><br />
quadrinhos. Mas já conversei com a<br />
Panini e eles estão estu<strong>da</strong>ndo uma pu-<br />
FOTOS: DIVULGAÇÃO<br />
blicação em cima do que eu coloco no<br />
Twitter. Não só com o material histórico,<br />
mas também com as coisas que<br />
estão acontecendo no dia-a-dia.<br />
JORNAL DA <strong>ABI</strong> – VOCÊ CONHECEU AS<br />
PRIMEIRAS PALAVRAS ATRAVÉS DAS HISTÓRI-<br />
AS EM QUADRINHOS. AGORA, PRETENDE ATU-<br />
AR NA EDUCAÇÃO NA PRÓXIMA DÉCADA. FALE<br />
UM POUCO SOBRE ISSO.<br />
Mauricio de Sousa – Queremos trabalhar<br />
em alfabetização e no ensino de valores<br />
para as crianças não somente com<br />
quadrinhos, mas também com desenhos<br />
anima<strong>dos</strong> e livros. Projetos em<br />
parceria com os governos, mas não necessariamente<br />
dependendo deles. Já<br />
temos condições de embarcar nessas<br />
ações. A nossa próxima déca<strong>da</strong> será a <strong>da</strong><br />
educação. Na China, por exemplo, firmamos<br />
um contrato para que 180 milhões<br />
de crianças sejam alfabetiza<strong>da</strong>s<br />
com a Turma <strong>da</strong> Mônica. Uma empresa<br />
de Xangai nos contratou, juntamente<br />
com a Discovery e BBC. Gostaram <strong>da</strong><br />
nossa proposta filosófica. Estamos<br />
abrindo caminho aí para 200 milhões de<br />
chineses chegarem à i<strong>da</strong>de adulta com<br />
a Turma <strong>da</strong> Mônica na cabeça. Eu não<br />
sei o que vai acontecer com isso, mas vai<br />
acontecer. Serão os futuros dirigentes<br />
na China. Também estamos entrando<br />
com propostas pareci<strong>da</strong>s na Coréia,<br />
Vietnã e Indonésia. Espero que um dia<br />
faça no Brasil também.<br />
No HQMix 2010, Mauricio recebeu <strong>da</strong>s mãos de Sonia Luyten um presente especial do escultor Olintho Tahara, responsável pelos troféus do<br />
prêmio: um Astronauta personalizado. Durante as Olimpía<strong>da</strong>s de Pequim, Mauricio teve a oportuni<strong>da</strong>de de mostrar ao Presidente Lula o<br />
trabalho educativo de grande impacto que ele desenvolve com o apoio do Governo chinês para alfabetizar milhões de crianças naquele país.<br />
JORNAL DA <strong>ABI</strong> – POR QUE A RESISTÊNCIA?<br />
Mauricio de Sousa – Estou propondo<br />
esse tipo de trabalho há uns quatro ministros<br />
<strong>da</strong> Educação. Às vezes, a resistência<br />
não é do Governo. O Lula já me<br />
<strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011<br />
27
No último dia 4 de<br />
janeiro Mauricio<br />
postou esta foto no<br />
Twitter com a<br />
seguinte legen<strong>da</strong>:<br />
Cebolinha 50 Anos:<br />
acabei de receber.<br />
Está sensacional!<br />
Durante as<br />
comemorações <strong>dos</strong><br />
30 anos de criação<br />
<strong>da</strong> Mônica, em<br />
1993, vários<br />
desenhistas de<br />
renome enviaram<br />
ao Mauricio<br />
desenhos com<br />
interpretações<br />
pessoais <strong>da</strong><br />
personagem. Milo<br />
Manara fez a bela<br />
ilustração ao lado.<br />
Embaixo, a revista<br />
<strong>da</strong> Mônica na<br />
Indonésia.<br />
disse que quer. Mas aí precisa<br />
passar por Ministérios,<br />
por comissões e aparece<br />
gente falando que o<br />
Mauricio não precisa disso,<br />
sugerindo que faça por<br />
conta própria. Ou acusando<br />
de que a minha<br />
motivação é ganhar dinheiro<br />
e vender mais produtos.<br />
Também existem<br />
aqueles que acusam a<br />
Mônica de ser agressiva, o<br />
Cascão de não tomar banho<br />
e buscam problemas<br />
em outros personagens. Sempre há alguma<br />
coisa atrapalhando, e com isso a gente<br />
vai perdendo tempo precioso de poder<br />
passar para a criança<strong>da</strong> um processo tipo<br />
Vila Sésamo de pré-alfabetização. Nos<br />
Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong>, houve o mesmo problema<br />
para alfabetizar os filhos <strong>dos</strong> imigrantes<br />
que não falavam o inglês. Aqui nós<br />
não temos mais o problema com o imigrante,<br />
temos o problema do brasileiro.<br />
Ele precisa ler mais cedo, precisa se alfabetizar<br />
até antes de entrar na escola. Principalmente<br />
agora, que chega e não sabe<br />
nem pegar no lápis. Se nós ensinarmos<br />
pela televisão essa criança<strong>da</strong> que não tem<br />
acesso ao ensino infantil,<br />
eles começam a treinar em<br />
casa, começam a brincar<br />
de aulinha. Se nós criamos<br />
produtos que de alguma<br />
maneira apontam para<br />
esse tipo de preocupação,<br />
eu penso que realmente<br />
estaremos no caminho<br />
para furar a barreira <strong>dos</strong>...<br />
pe<strong>da</strong>gogos “analistas” cujos<br />
critérios eu não entendo<br />
bem, mas... devem ter<br />
lá os seus critérios. Temos<br />
que respeitá-los, logicamente,<br />
e torcer para que a gente esteja<br />
acertando... Enquanto não estou acertando<br />
deste lado, vou acertando do outro,<br />
alfabetizando milhões de crianças<br />
nesses anos to<strong>dos</strong> naqueles países, com<br />
gibis, com livros, com desenhos anima<strong>dos</strong>...<br />
Eu faço o que eu posso.<br />
JORNAL DA <strong>ABI</strong> – PRODUZIR EM ESCALA<br />
GLOBAL DEVE SER BASTANTE CUSTOSO E COM-<br />
PLEXO.<br />
Mauricio de Sousa – É caro, especialmente<br />
desenhos anima<strong>dos</strong>. Nosso plano<br />
era entrar com tudo nesse mercado<br />
já no ano 2000. Montamos todo o esque-<br />
Mauricio de Sousa deve investir ain<strong>da</strong> mais em desenhos anima<strong>dos</strong> a partir deste ano. A turma do<br />
Penadinho estreou no dia 31 de outubro dentro do <strong>Especial</strong> do Dia <strong>da</strong>s Bruxas do Cartoon Network.<br />
ma com a TV Globo, mas depois o contrato<br />
não foi adiante e nos atrasamos. Estamos<br />
agora retomando a produção em<br />
desenho animado. Quero ver se no ano<br />
que vem chegamos a 40 ou 50 países. Daí<br />
a gente vai ratear os custos e o preço baixa<br />
para entrar em mais países. As revistas<br />
já estão na Holan<strong>da</strong>, Grécia, França. Esse<br />
material <strong>da</strong> China, por exemplo, na zona<br />
de Xangai é em papel; no resto do país<br />
será disponibilizado pela internet. Pelo<br />
menos não podem nos acusar de destruir<br />
os recursos do planeta.<br />
JORNAL DA <strong>ABI</strong> – COMO SURGIU A PARCE-<br />
RIA DO MAURICIO DE SOUSA COM O RUBEM<br />
ALVES?<br />
Mauricio de Sousa – Estamos planejando<br />
com a Editora Record/Verus várias<br />
coisas de que ain<strong>da</strong> não posso falar,<br />
mas queríamos lançar algum produto<br />
que estivesse pronto para a Bienal do<br />
Livro deste ano e não <strong>da</strong>va tempo de eu<br />
escrever uma história. Então sugeriram<br />
o material do Rubem, que tem uma penetração<br />
muito grande com educadores.<br />
Eu vi a profundi<strong>da</strong>de <strong>dos</strong> textos e falei:<br />
“Opa! Isso eu quero ilustrar”. Não é um<br />
texto tão infantil, principalmente o Pinóquio<br />
às Avessas, que é um livro mais<br />
para os pais <strong>dos</strong> alunos. Fizemos uma<br />
ilustração diferencia<strong>da</strong> <strong>da</strong> infantil, com<br />
outro tratamento. Agora, A Menina e<br />
Pássaro Encantado é uma história bonita,<br />
gostosa, na linha de O Pequeno Príncipe,<br />
e fizemos com o desenho tradicional.<br />
Chamei a minha turma, orientei e deu<br />
tempo de fazer para a Bienal deste ano.<br />
O Rubem Alves é uma sumi<strong>da</strong>de... dá<br />
vontade de ficar ouvindo-o falar o tempo<br />
todo pela forma como ele explica de<br />
onde vem a idéia, a inspiração, as emoções<br />
que ele passa e transforma num<br />
texto. Estou aprendendo com ele.<br />
JORNAL DA <strong>ABI</strong> – E SOBRE OS NOVOS<br />
PROJETOS?<br />
Mauricio de Sousa – Muitos desenhos<br />
anima<strong>dos</strong> e muitos livros, principalmente<br />
na área paradidática. Nós temos acor<strong>dos</strong><br />
de publicação com 12 editoras, porque<br />
ca<strong>da</strong> uma tem uma especiali<strong>da</strong>de; vai<br />
para um nicho de mercado. E nós trabalhamos<br />
para um público supervariado.<br />
Então, tenho que trabalhar com editoras<br />
diferentes. As editoras não são concorrentes:<br />
uma publica livros paradidáticos;<br />
a outra, entretenimento; a outra,<br />
cultura, e assim nós vamos espalhar mais<br />
livros porque o pessoal precisa ler. Se nós<br />
pudermos usar imagem, figuras, desenhos,<br />
grafismos para puxar mais o leitor,<br />
vamos puxar mais leitores! Vamos criar<br />
os habituês pela leitura porque a pessoa<br />
quando começa a ler não pára mais e é<br />
isso de que se precisa neste País. O leitor<br />
precisa sentir que há uma cumplici<strong>da</strong>de<br />
dele com o autor ou com o grupo editorial.<br />
Não é papel pintado. Isso aqui tem<br />
espírito, tem mensagem, tem conteúdo.<br />
Por isso temos que fazer com que a turma<br />
leia, leia, leia ca<strong>da</strong> vez mais, porque<br />
aí não pára mais! Assim o povo não é<br />
mais enganado e assim nós vamos mu<strong>da</strong>r<br />
este País. Estamos numa democracia<br />
mas está faltando o acabamento.<br />
Colaborou Marcos Stefano. Entrevista feita em<br />
novembro de 2009 e agosto de 2010.<br />
28 <strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011
DIVULGAÇÃO<br />
No traço <strong>dos</strong> melhores<br />
Homenagem aos 50 anos de carreira de Mauricio de Sousa<br />
resulta em livros que formam uma antologia com a participação<br />
<strong>dos</strong> mais conheci<strong>dos</strong> nomes <strong>dos</strong> quadrinhos brasileiros.<br />
Jean (ao lado), que<br />
criou uma história<br />
com o Louco e o<br />
Cebolinha, disse que<br />
Mauricio de Sousa é<br />
uma referência<br />
também como<br />
empresário: “Ele foi<br />
capaz de levar seus<br />
personagens para<br />
diversos países e<br />
culturas e se manteve<br />
sempre atualizado.”<br />
POR MARCOS STEFANO<br />
O mercado de histórias em quadrinhos<br />
passa por um momento de efervescência<br />
no Brasil. É bem ver<strong>da</strong>de que,<br />
se ain<strong>da</strong> está longe do ideal, termos<br />
como instabili<strong>da</strong>de e crise parecem<br />
ca<strong>da</strong> vez mais distante de seu, para usar<br />
um jargão próprio do meio, “universo”.<br />
Chegar até este ponto não foi na<strong>da</strong><br />
fácil, mas se existe uma figura emblemática<br />
desse processo ela é a do desenhista<br />
Mauricio de Sousa. Apontado<br />
como exemplo e fonte de inspiração, ele<br />
é considerado pelos nossos grandes desenhistas<br />
como o “Walt Disney brasileiro”.<br />
E, após mais de 50 anos de carreira,<br />
na<strong>da</strong> melhor do que o devido reconhecimento,<br />
que veio com o lançamento<br />
no final de 2009 do livro MSP 50 -<br />
Mauricio de Sousa Por 50 Artistas, publicado<br />
pela Panini Comics.<br />
Ain<strong>da</strong> mais do que uma homenagem<br />
ao criador <strong>da</strong> Turma <strong>da</strong> Mônica, a obra<br />
é um libelo do atual momento pelo qual<br />
os quadrinhos nacionais passam. Cinqüenta<br />
<strong>dos</strong> melhores ilustradores, desenhistas,<br />
cartunistas, chargistas e quadrinistas<br />
brasileiros foram convi<strong>da</strong><strong>dos</strong><br />
para emprestar seus traços e produzir<br />
histórias com Magali, Cebolinha, Chico<br />
Bento, Cascão e companhia. Ca<strong>da</strong><br />
qual poderia escolher seu personagem,<br />
mas sem copiar o estilo de Mauricio de<br />
Sousa. O traço deveria ser original.<br />
A coletânea reuniu os mais varia<strong>dos</strong><br />
estilos e temas com expoentes do gênero,<br />
como Vitor Cafaggi, Jean Galvão,<br />
Walmir Orlandeli,<br />
Ziraldo, Laerte, Julia<br />
Bax, Angeli, Wander<br />
Antunes, Marcelo Campos,<br />
Fernando Gonsales e Ivan<br />
Reis. Sidney Gusman, editor<br />
do site Universo HQ e idealizador<br />
do projeto,<br />
acertou em cheio a<br />
mão. Mais do que<br />
um belo álbum,<br />
faz uma antologia<br />
<strong>dos</strong> quadrinhos<br />
nacionais que<br />
mistura talento<br />
e ótimo<br />
argumento.<br />
Na obra, as<br />
histórias assemelham-se<br />
a contos. As mais<br />
fracas são muito<br />
boas. Muitas são<br />
ótimas. E várias<br />
são excelentes.<br />
“Fui alfabetizado<br />
lendo quadrinhos.<br />
Quando recebi o convite para participar<br />
dessa homenagem, quase não consegui<br />
me conter. Ter a liber<strong>da</strong>de de mexer num<br />
universo que faz parte <strong>da</strong> nossa cultura<br />
é maravilhoso, mas também uma<br />
grande responsabili<strong>da</strong>de. Afinal, Mauricio<br />
de Sousa é o nosso Disney. Meu<br />
traço é meio sujo, rabiscado, com um pé<br />
no underground. Por isso, lembrei do<br />
Capitão Feio, um vilão com sua hor<strong>da</strong>,<br />
saindo <strong>dos</strong> esgotos. Parecia um prato<br />
cheio para desenvolver uma boa história<br />
e apostei minhas fichas nele”, conta<br />
Orlandeli, conhecido pelos quadrinhos<br />
e charges que publica em jornais<br />
e por personagens como Grump.<br />
Autor de charges na Folha de S. Paulo<br />
e tiras de quadrinhos nas revistas Recreio<br />
e Runners, Jean Galvão diz que Mauricio<br />
de Sousa não é apenas uma referência<br />
como artista, também é como empresário.<br />
Alguém que foi capaz de levar seus<br />
personagens para diversos países e culturas<br />
e com criativi<strong>da</strong>de para se reinventar<br />
e se manter sempre atualizado:<br />
“Aprendi a desenhar copiando desenhos<br />
<strong>da</strong> tv e <strong>dos</strong> gibis, como os <strong>da</strong> Mônica.<br />
Quando comecei a fazer minha história<br />
para o livro, não pensei em um roteiro<br />
do início ao fim. Um quadrinho foi<br />
puxando outro. Daí, quase não consegui<br />
parar mais. Desenhos e ilustrações estão<br />
hoje em alta. Mas não dá para dizer o<br />
mesmo <strong>da</strong>s charges, já que muitos jornais<br />
não têm espaço para elas”, conta ele, que<br />
em MSP 50 escolheu as personagens Louco<br />
e Cebolinha para trabalhar.<br />
A aposta tornou-se um sucesso. E<br />
como o número de artistas era maior<br />
do que o livro poderia comportar, um<br />
segundo volume foi lançado em agosto<br />
de 2010: MSP + 50 – Mauricio de<br />
Sousa Por Mais 50 Artistas. Já está em<br />
produção um terceiro volume <strong>da</strong> série,<br />
com outros talentos que não entraram<br />
nessas duas edições e que breve deve<br />
chegar às livrarias:<br />
“O trabalho está sendo colorizado e<br />
ain<strong>da</strong> é cedo para <strong>da</strong>r mais detalhes. Mas<br />
é um desafio se distanciar do traço do<br />
Mauricio. Acho fantástico o design que<br />
ele criou. Eu me esforcei ao máximo para<br />
imprimir meu estilo, mas achei legal<br />
manter algumas características do traço<br />
oficial. Acredito que quem gostou<br />
<strong>dos</strong> outros dois gostará também do terceiro.<br />
A coleção é realmente um compêndio<br />
<strong>dos</strong> quadrinhos nacionais”, afirma<br />
Eduardo Francisco de Jesus, um <strong>dos</strong><br />
mais conheci<strong>dos</strong> ilustradores brasileiros<br />
no mercado norte-americano e que participará<br />
do novo volume em parceria<br />
com o roteirista Marcelo Cassaro.<br />
DIVULGAÇÃO<br />
Orlandeli e seu Capitão Feio (à esquer<strong>da</strong>):<br />
“Ter a liber<strong>da</strong>de de mexer num universo que<br />
faz parte <strong>da</strong> nossa cultura é maravilhoso,<br />
mas também uma grande responsabili<strong>da</strong>de”.<br />
<strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011<br />
29
Os quadrinhos<br />
chegam à Academia<br />
Com a eleição de Mauricio de Sousa para imortal, a Academia<br />
Paulista de Letras quer aumentar o diálogo com a socie<strong>da</strong>de.<br />
POR MARCOS STEFANO<br />
Histórias em quadrinhos finalmente<br />
estão ganhando status de literatura.<br />
E a confirmação disso se deu em dezembro,<br />
quando o cartunista, ilustrador e escritor<br />
Mauricio de Sousa foi eleito o<br />
mais novo imortal <strong>da</strong> Academia Paulista<br />
de Letras-APL. O criador <strong>da</strong> Turma <strong>da</strong><br />
Mônica ocupará a cadeira de número 24<br />
<strong>da</strong> instituição, que pertencia ao poeta<br />
e jurista Geraldo de Camargo Vidigal,<br />
morto em agosto.<br />
Mas degustar o tradicional chá <strong>da</strong>s<br />
reuniões <strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de, nas tardes <strong>da</strong>s<br />
quintas-feiras, na companhia de personali<strong>da</strong>des<br />
como Walcyr Carrasco, Ignácio<br />
de Loyola Brandão, Ruth Rocha, Lygia<br />
Fagundes Telles, Antônio Ermírio<br />
de Moraes, Miguel Reale Júnior, Gabriel<br />
Chalita e Jorge Caldeira, entre outras,<br />
deverá ser apenas uma <strong>da</strong>s tarefas<br />
do novo acadêmico. A centenária<br />
APL planeja uma revolução em sua<br />
atuação junto à socie<strong>da</strong>de paulista. E<br />
Mauricio pode ser uma <strong>da</strong>s peças que<br />
faltavam para esse<br />
novo momento.<br />
Primeiro quadrinista<br />
a conquistar a<br />
honraria, Mauricio<br />
de Sousa disputou a<br />
condição de imortal,<br />
nome como se<br />
torna conhecido o<br />
membro <strong>da</strong> Academia,<br />
com o advogado<br />
Joaquim Cavalcanti<br />
de Oliveira<br />
Lima Neto. Em outros tempos, nos<br />
quais histórias em quadrinhos não passavam<br />
de entretenimento sem maior<br />
propósito, certamente teria perdido e<br />
por grande diferença de votos. Nesse<br />
novo momento, no entanto, com resistências<br />
venci<strong>da</strong>s, conquistou a preferência<br />
de 30 <strong>dos</strong> 36 presentes à sessão.<br />
Autor de textos, mas textos dentro<br />
de balões, como ele mesmo costuma<br />
dizer, Mauricio recebeu a notícia do<br />
próprio Presidente <strong>da</strong> APL, o jornalista<br />
e desembargador José Renato Nalini,<br />
durante um coquetel realizado em sua<br />
homenagem, na sede <strong>da</strong> Editora Globo,<br />
em São Paulo, pouco depois.<br />
Sintonizado com os propósitos <strong>da</strong><br />
Academia, Mauricio, que ain<strong>da</strong> não foi<br />
empossado, falou sobre a emoção que<br />
sentiu ao receber a nova distinção e<br />
sobre seus planos na instituição:<br />
“Além <strong>da</strong> honra de me sentar ao lado<br />
de luminares <strong>da</strong> literatura e <strong>da</strong> intelectuali<strong>da</strong>de,<br />
beber de suas luzes e inteli-<br />
“Os quadrinhos são a<br />
porta de entra<strong>da</strong> de boa<br />
parte <strong>da</strong> juventude para<br />
as demais mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des<br />
literárias. E esperamos<br />
que o Mauricio nos ajude<br />
nesse processo de formar<br />
novos leitores.”<br />
gências, gostaria de atrair crianças e<br />
jovens para conhecerem a APL e seus<br />
representantes. E, com estes, discutir<br />
eventos que possam rejuvenescer a Casa<br />
com a presença dessas crianças; afinal,<br />
são leitores ou futuros leitores <strong>da</strong>s nossas<br />
letras. Sem esquecer meu lado de<br />
quadrinhos, que me trouxe até aqui e<br />
abriu caminho para minhas incursões<br />
também em livros.”<br />
Para quem pensa ser esta uma proposta<br />
au<strong>da</strong>ciosa, não é mais do que a<br />
própria Academia espera do quadrinista.<br />
Assim como a Academia Brasileira<br />
de Letras, a APL foi cria<strong>da</strong> segundo o<br />
modelo <strong>da</strong> Academia Francesa, instituí<strong>da</strong><br />
em 1634 pelo Cardeal Richelieu.<br />
Fun<strong>da</strong><strong>da</strong> em 27 de novembro de 1909,<br />
por iniciativa do médico carioca Joaquim<br />
José de Carvalho, a enti<strong>da</strong>de paulista<br />
enfrentou segui<strong>dos</strong> perío<strong>dos</strong> de<br />
inativi<strong>da</strong>de e ressurgimento. O mais<br />
novo desses momentos de ressurreição<br />
é aquele pelo qual ela passa agora, a<br />
começar pela reforma de sua sede, um<br />
prédio histórico localizado no Largo do<br />
Arouche, no Centro<br />
de São Paulo. Levanta<strong>da</strong><br />
entre 1948<br />
e 1953, a construção<br />
nunca havia<br />
passado por reforma.<br />
Molduras de<br />
obras de arte tinham<br />
cupins, tapetes<br />
e carpetes estavam<br />
rasga<strong>dos</strong> e o<br />
teto do auditório tinha<br />
desabado por<br />
causa <strong>da</strong>s infiltrações. Graças a uma parceria<br />
com o Governo do Estado, o auditório<br />
e o primeiro an<strong>da</strong>r já foram restaura<strong>dos</strong>.<br />
Restam ain<strong>da</strong> outros dois an<strong>da</strong>res.<br />
Quando tudo estiver pronto, a Academia<br />
pretende realizar ali eventos<br />
como palestras e cursos sobre temas<br />
atuais, cinema, teatro e artes plásticas,<br />
coquetéis e lançamentos de livros.<br />
Portas abertas<br />
Outra proposta é facilitar o acesso<br />
às mais de 100 mil obras de sua biblioteca.<br />
Por enquanto, os livros só podem<br />
ser empresta<strong>dos</strong> pelos acadêmicos. Demais<br />
interessa<strong>dos</strong> precisam agen<strong>da</strong>r<br />
visita com antecedência e podem apenas<br />
consultar as obras. A idéia é firmar<br />
uma parceria com alguma grande universi<strong>da</strong>de<br />
ou instituição para transformar<br />
o lugar em um espaço de convívio,<br />
além de digitalizar os livros – inúmeros<br />
deles raros – e disponibilizar o acervo<br />
pela internet.<br />
“Queremos abrir as portas <strong>da</strong> Academia<br />
ao povo paulista, contribuir não apenas<br />
nos debates sobre questões como<br />
educação e democracia, transformando<br />
a enti<strong>da</strong>de num “grilo-falante” <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de,<br />
numa pedra no sapato <strong>da</strong>s autori<strong>da</strong>des,<br />
uma voz <strong>da</strong> consciência. Mas<br />
também construindo diretamente o futuro<br />
pela promoção desses eventos.<br />
Quem não gostaria de participar de um<br />
encontro com a escritora Lygia Fagundes<br />
Telles, uma <strong>da</strong>s autoras mais importantes<br />
<strong>da</strong> literatura nacional, imortal tanto<br />
<strong>da</strong> APL quanto <strong>da</strong> ABL, ou com Paulo<br />
Bomfim, o “príncipe <strong>dos</strong> poetas” e nosso<br />
membro mais antigo?”, questiona o<br />
acadêmico José Renato Nalini.<br />
A proposta de revolucionar a vi<strong>da</strong> <strong>da</strong><br />
Academia é coloca<strong>da</strong> em prática desde<br />
a gestão do jurista e professor Ives Gandra<br />
Martins, quando a APL resgatou<br />
uma preocupação já presente em sua<br />
fun<strong>da</strong>ção: ser a mais representativa<br />
possível <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. Entre seus imortais<br />
há real preocupação de se ter a participação<br />
não somente de escritores<br />
profissionais, mas também de juristas,<br />
médicos, engenheiros, jornalistas e<br />
médicos. Nos últimos tempos, as eleições,<br />
decidi<strong>da</strong>s tantas vezes na base <strong>da</strong><br />
amizade, passaram a <strong>da</strong>r mais importância<br />
às obras e ao renome <strong>dos</strong> escolhi<strong>dos</strong>.<br />
Na teoria, qualquer autor de texto<br />
publicado pode concorrer à vaga,<br />
enviando uma carta ao Presidente <strong>da</strong><br />
instituição e anexando currículo e<br />
exemplar <strong>da</strong> obra. Nem precisa ser nascido<br />
em São Paulo. Basta residir na ci<strong>da</strong>de.<br />
Mas, na prática, os eleitos são<br />
muito bem seleciona<strong>dos</strong>.<br />
Outra mu<strong>da</strong>nça é a ampliação do leque<br />
de ocupação <strong>dos</strong> acadêmicos. Júlio<br />
Me<strong>da</strong>glia, por exemplo, é maestro; já<br />
Benedito Lima de Toledo, arquiteto.<br />
Gabriel Chalita é um educador; por sua<br />
vez, Raul Cutait é o médico-cirurgião do<br />
ex-Vice-Presidente José de Alencar. Walcyr<br />
Carrasco e Tatiana Belinky são figuras<br />
importantes <strong>da</strong> televisão. O primeiro<br />
é um consagrado novelista. Ela, uma<br />
<strong>da</strong>s mais profícuas escritoras infantojuvenis<br />
<strong>da</strong> atuali<strong>da</strong>de, é aponta<strong>da</strong> como<br />
a grande responsável por trazer crianças<br />
e adolescentes para a tv, ain<strong>da</strong> em suas<br />
primeiras déca<strong>da</strong>s no País, com exuberantes<br />
a<strong>da</strong>ptações. A religião católica<br />
também mostra sua força na enti<strong>da</strong>de.<br />
No quadro <strong>dos</strong> imortais está um sacerdote,<br />
Dom Fernando Antônio Figueiredo,<br />
especializado em Patrística e mentor<br />
do carismático padre Marcelo Rossi.<br />
Mesmo assim, nenhuma ousadia se<br />
compara à eleição de Mauricio de Sousa.<br />
O quadrinista deverá ser empossado<br />
no fim de fevereiro, em cerimônia<br />
que também marcará a posse <strong>da</strong> nova<br />
gestão <strong>da</strong> APL. À frente <strong>da</strong> Academia<br />
estará, a partir de então, o advogado,<br />
jornalista e cronista Antônio Penteado<br />
Mendonça. Mas a proposta de continuar<br />
a abertura permanece, especialmente<br />
aproveitando a populari<strong>da</strong>de do criador<br />
<strong>da</strong> Mônica, um <strong>dos</strong> dez escritores<br />
mais admira<strong>dos</strong> no Brasil em to<strong>dos</strong> os<br />
tempos, segundo pesquisa do Ibope para<br />
o Instituto Pró-Livro, realiza<strong>da</strong> em 2008.<br />
“O diálogo com a socie<strong>da</strong>de deve ser<br />
ampliado. Os quadrinhos são a porta<br />
de entra<strong>da</strong> de boa parte <strong>da</strong> juventude<br />
para as demais mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des literárias.<br />
E esperamos que o Mauricio nos ajude<br />
nesse processo de formar novos leitores.<br />
Quando conscientiza usando<br />
seus personagens sobre temas como o<br />
cui<strong>da</strong>do com o planeta, ele mostra que<br />
sua obra ultrapassa a arte. Esse é o alvo<br />
<strong>da</strong> Academia. Ano passado, Monteiro<br />
Lobato, que foi imortal <strong>da</strong> APL, quase<br />
foi censurado numa absur<strong>da</strong> acusação<br />
de racismo. Ignácio de Loyola Brandão<br />
chegou a ter um de seus contos tachado<br />
de obsceno. Obscena é a reali<strong>da</strong>de do<br />
Brasil, uma <strong>da</strong>s maiores economias do<br />
mundo, mas com péssima educação e<br />
elevadíssimas taxas de analfabetismo<br />
funcional”, conclui Nalini que, a partir<br />
do fim de fevereiro, será o Secretário-<br />
Geral <strong>da</strong> Academia.<br />
30 <strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011
O BEIJO ARDENTE<br />
DE BATMAN EM<br />
TALIA, A FILHA DE<br />
UM INIMIGO<br />
MAQUIAVÉLICO:<br />
RA'S AL GHUL. À<br />
DIREITA, A FACE<br />
MARCADA DO<br />
PISTOLEIRO<br />
JONAH HEX<br />
ASSUSTOU MUITAS<br />
PESSOAS NO<br />
OESTE SELVAGEM.<br />
Mauricio de Sousa ganha o<br />
prêmio Yellow Kid do Salão de<br />
Lucca, na Itália, considerado o<br />
“Oscar” <strong>dos</strong> quadrinhos (veja<br />
crônica na página 48).<br />
Em 1969, o escritor Dennis<br />
O’Neil e o desenhista Neal<br />
A<strong>da</strong>ms passaram a trabalhar na<br />
reformulação total de Batman,<br />
afastando-o <strong>da</strong> aparência<br />
caricata que a série de tv impôs<br />
ao personagem. Na reali<strong>da</strong>de,<br />
como disse O’Neil na época, sua<br />
idéia “era simplesmente levá-lo<br />
de volta à sua origem”. Com um<br />
trabalho magistral de Neal<br />
A<strong>da</strong>ms, o cruzado ganhou<br />
contornos mais soturnos e<br />
histórias mais densas, além <strong>da</strong><br />
inclusão de novos personagens,<br />
como Man-Bat (Morcegomen),<br />
criado pela dupla A<strong>da</strong>ms e Frank<br />
Robbins em 1970. E o ponto alto<br />
dessas mu<strong>da</strong>nças acontece em<br />
junho de 1971 com a entra<strong>da</strong><br />
de um grande vilão em cena:<br />
Ra's al Ghul. Ele e sua filha Talia<br />
infernizam a vi<strong>da</strong> de Batman. O<br />
personagem estrearia no cinema<br />
em 2005 no filme Batman<br />
Begins, de Christopher Nolan,<br />
interpretado por Liam Neeson.<br />
de Outubro”. O livro<br />
causou interesse no<br />
Ocidente, mas, na<br />
ver<strong>da</strong>de, tudo não<br />
passou de uma farsa.<br />
Sadecky era um picareta,<br />
que convenceu dois<br />
artistas tchecos,<br />
Bohumil Koneèný e<br />
Zdenek Burian, a<br />
produzirem a história<br />
alegando já ter um<br />
editor em vista. A personagem<br />
se chamaria então Amazona.<br />
Sadecky fugiu para o Ocidente<br />
com os originais na mala, onde<br />
conseguiu interessar editores,<br />
forjando a história de que ela<br />
seria um produto clandestino <strong>da</strong><br />
União Soviética. Mais tarde,<br />
Koneèný e Burian chegaram a<br />
processar Sadecky num tribunal<br />
<strong>da</strong> Alemanha Ocidental.<br />
Ganharam, mas não levaram,<br />
pois não conseguiram recuperar<br />
os direitos nem os originais.<br />
Como a personagem não tinha<br />
copyright, sendo, portanto, de<br />
domínio público, diversos artistas,<br />
entre eles Brian Talbot, usaram<br />
Octobriana em outras histórias.<br />
Manuel Victor Filho recebe o<br />
Prêmio Jabuti pelas ilustrações<br />
<strong>da</strong>s obras de Monteiro Lobato.<br />
1972<br />
Oito anos depois de sua<br />
revista ser cancela<strong>da</strong>, as histórias<br />
do Pererê, de Ziraldo, são<br />
reuni<strong>da</strong>s na série de livros A<br />
Turma do Pererê, publica<strong>dos</strong><br />
pela Gráfica Editora Primor.<br />
Iniciativa de alguns alunos <strong>da</strong><br />
Usp e seus parceiros, surge um<br />
marco na imprensa alternativa:<br />
Balão<br />
alão, que revela jovens<br />
talentos como os irmãos Chico e<br />
Paulo Caruso, Laerte e Angeli,<br />
to<strong>dos</strong> ain<strong>da</strong> em formação.<br />
Henfil passa a trabalhar no<br />
<strong>Jornal</strong> do Brasil, onde cria<br />
Zeferino, Graúna e o bode<br />
Francisco Orellana com os<br />
quais mostra a reali<strong>da</strong>de do<br />
agreste brasileiro.<br />
Com roteiro de John Albano e<br />
desenhos de Tony de Zuniga,<br />
surge, na revista All-Star Western<br />
n°10, o caçador de recompensas<br />
Jonah Hex, um ex-sol<strong>da</strong>do<br />
confederado que teve seu rosto<br />
marcado para sempre.<br />
Fun<strong>da</strong><strong>da</strong> pelos conceitua<strong>dos</strong><br />
roteiristas e desenhistas de<br />
quadrinhos Marcel Gotlib, Claire<br />
Bretécher e Nikita Mandrykam,<br />
surge, em maio, a revista<br />
francesa L’Écho des Savanes,<br />
que se manterá com a mesma<br />
fórmula até 1982. A revista<br />
encerra sua carreira em 2006.<br />
Os editores Joe Orlando e<br />
Carmine Infantino, em busca de<br />
mão-de-obra para ilustrar suas<br />
histórias em quadrinhos, vão às<br />
Filipinas e recrutam os melhores<br />
artistas locais, entre eles Alfredo<br />
Alcala, Nestor Redondo e Alex<br />
Niño. A “invasão filipina” havia<br />
começado um pouco antes,<br />
quando Tony de Zuniga, criador<br />
de Jonah Hex, começou a<br />
vender seus trabalhos para a<br />
editora americana, e revelou ao<br />
mundo a existência <strong>dos</strong><br />
talentosos artistas, que há<br />
déca<strong>da</strong>s abasteciam as revistas<br />
<strong>da</strong>quele país.<br />
torna tão popular que vira filme<br />
de animação destinado ao<br />
público adulto. Dirigi<strong>da</strong> por Ralph<br />
Bashki, a produção se torna um<br />
grande sucesso, mas os<br />
desentendimentos entre o autor<br />
e o diretor levam Crumb a tomar<br />
uma decisão drástica: matar seu<br />
personagem. Nesse mesmo<br />
ano, ele publica uma hq em que<br />
o gato Fritz é assassinado por<br />
uma ex-namora<strong>da</strong>.<br />
Com um ótimo cardápio de<br />
tiras que inclui Hagar, Kid Farofa,<br />
Zé do Boné, Peanuts, Mafal<strong>da</strong>,<br />
Mago de Id, B.C. entre outras,<br />
começa a circular a revista<br />
Patota<br />
atota, lança<strong>da</strong> pela Artenova. A<br />
editora também passa a publicar<br />
uma série de livros de bolso<br />
com as tiras <strong>dos</strong> Peanuts<br />
eanuts, de<br />
Charles Schulz. O primeiro título<br />
é Puxa Vi<strong>da</strong>, Charlie Brown!, e<br />
os livrinhos se tornam um<br />
sucesso de ven<strong>da</strong>s, abrindo<br />
espaço para o lançamento de<br />
Aparece o livro Octobriana<br />
and the Russian Underground,<br />
escrito pelo tcheco Petr Sadecky,<br />
que revela ao mundo a<br />
existência de uma heroína<br />
underground russa, Octobriana,<br />
que teria sido cria<strong>da</strong> em 1960<br />
por um grupo de dissidentes<br />
soviéticos, auto-intitulado PPP<br />
(Pornografia Política Progressiva).<br />
O nome seria uma alusão ao<br />
“ver<strong>da</strong>deiro espírito <strong>da</strong> Revolução<br />
Comemorando meio século<br />
<strong>da</strong> travessia aérea do Atlântico,<br />
realiza<strong>da</strong> por Sacadura Cabral e<br />
Gago Coutinho em 1922, a Ebal<br />
lança o álbum A Fantástica<br />
Aventura<br />
(ao lado), com<br />
desenhos de Eugênio<br />
Colonnese, roteiro de Pedro<br />
Anísio e capa de Monteiro Filho.<br />
Publicado desde 1965, Fritz<br />
the Cat, de Robert Crumb, se<br />
<strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011<br />
31
BURNE HOGART EXPLOROU O MOVIMENTO E AS<br />
CORES E CRIOU UMA SELVA DE BELEZA BARROCA<br />
QUANDO SE DESPEDIU DE TARZAN, DEIXANDO UMA<br />
OBRA DEFINITIVA SOBRE A ORIGEM DO HOMEM-MACACO.<br />
Depois de passar vinte anos<br />
afastado do mundo <strong>dos</strong><br />
quadrinhos, Burne Hogarth<br />
volta a ser o centro <strong>da</strong>s atenções<br />
quando é publica<strong>da</strong> uma<br />
graphic-novel de luxo com a<br />
origem de Tarzan<br />
reconta<strong>da</strong>.<br />
SON-O’-GOD: JESUS VIRA SUPER-HERÓI NESTA SÉRIE SATÍRICA QUE CAUSOU MUITA POLÊMICA.<br />
títulos de outros personagens,<br />
como Kid Farofa<br />
e BC.<br />
Lança<strong>da</strong> em abril de 1970, a<br />
revista de humor National<br />
Lampoon<br />
começa a publicar a<br />
partir de janeiro a controverti<strong>da</strong><br />
série Son-O’-<br />
O’-God Comics,<br />
cria<strong>da</strong> por Michael Choquette e<br />
Sean Kelly e desenha<strong>da</strong> pelo<br />
premiado artista Neal A<strong>da</strong>ms,<br />
que reformulou Batman,<br />
Lanterna Verde e Arqueiro Verde<br />
para a DC Comics. A história<br />
mostra Jesus como um superherói<br />
<strong>dos</strong> tempos modernos<br />
lutando contra o Anticristo e<br />
seus asseclas. Muito mais que<br />
uma paródia aos super-heróis,<br />
os autores fazem uma crítica<br />
contundente ao fanatismo<br />
religioso. Ofensivo para muitos e<br />
hilariante para outros, Son-O’-God<br />
Comics saiu de cena em 1976.<br />
É também neste ano que a<br />
DC Comics assume a revista<br />
Tarzan<br />
e Carmine Infantino,<br />
então Diretor-Editorial, chama Joe<br />
Kuber<br />
ubert para recontar a história<br />
do Rei <strong>da</strong>s Selvas a partir <strong>dos</strong><br />
livros de Edgar Rice Burroughs.<br />
A Editora Perspectiva lança,<br />
em sua coleção Debates, o livro<br />
Shazam! – organizado por<br />
Álvaro de Moya. Entre os textos<br />
publica<strong>dos</strong> estão artigos de Jô<br />
Soares, Reinaldo de Oliveira,<br />
Naumim Aizen, Henrique Lipszyc,<br />
O DESENHO<br />
DE JOE KUBERT<br />
RESSALTOU O<br />
ASPECTO<br />
SELVAGEM<br />
DE TARZAN.<br />
O TRAÇO MARCANTE DE GENE COLAN CONTRIBUIU PARA O SUCESSO DE THE TOMB OF DRACULA.<br />
<strong>dos</strong> jornalistas Sérgio Augusto e<br />
Luís Gasca, além do próprio<br />
Moya, entre outros nomes.<br />
A dupla belga Greg e<br />
Hermann inicia a publicação de<br />
um <strong>dos</strong> grandes clássicos do<br />
faroeste europeu: Comanche.<br />
pela revista Patota a partir de<br />
1973. Marly é uma solteirona<br />
eternamente fofocando ao<br />
telefone e seu bordão “Ralooou,<br />
Creuzodete?” agra<strong>da</strong> aos leitores.<br />
A Marvel lança The Tomb of<br />
Dracula, revista com histórias de<br />
terror do Príncipe <strong>da</strong>s Trevas,<br />
magistralmente desenha<strong>da</strong>s por<br />
Gene Colan.<br />
O capixaba Milson Henriques<br />
cria Marly, publica<strong>da</strong> em tiras<br />
diárias no Espírito Santo. A<br />
personagem se torna<br />
nacionalmente conheci<strong>da</strong><br />
quando passa a ser publica<strong>da</strong><br />
32 <strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011
À ESQUERDA, BUDA, DE OSAMU TEZUKA.<br />
À DIREITA, UMA SEQÜÊNCIA MAGISTRAL DE<br />
PAUL GULACY: A LUTA ENTRE SHANG-CHI E<br />
O GATO EM O MESTRE DO KUNG FU.<br />
que é publica<strong>da</strong> até hoje. Seu<br />
filho Tom, que já trabalhava com<br />
ele desde 1997, assumiu a tira<br />
depois de sua morte em 2006.<br />
A Abril passa a publicar a<br />
linha de personagens de<br />
Hanna-Barbera. A primeira<br />
revista lança<strong>da</strong> é Os Flintstones,<br />
em dezembro.<br />
Osamu Tezuka, o criador de<br />
Astro Boy, A Princesa e o<br />
Cavaleiro, Kimba, o Leão<br />
Branco e tantos outros<br />
personagens de sucesso, inicia<br />
no Japão aquela que seria uma<br />
de suas obras mais aclama<strong>da</strong>s:<br />
Bu<strong>da</strong>, que retrata através de<br />
seu genial olhar a vi<strong>da</strong> do<br />
fun<strong>da</strong>dor do Budismo. Esta<br />
história ficaria inédita no Brasil<br />
por mais de 30 anos.<br />
A Ebal lança o álbum Uma<br />
Estória na Independência, com<br />
a hq escrita e desenha<strong>da</strong> por<br />
Luiz Antônio Novelli vencedora<br />
do I Grande Concurso de<br />
Histórias em <strong>Quadrinhos</strong><br />
promovido pela editora para<br />
comemorar o Sesquicentenário<br />
<strong>da</strong> Independência do Brasil.<br />
Bob Thaves inicia a publicação<br />
<strong>da</strong> tira cômica Frank & Ernest,<br />
1973<br />
Depois de três anos reinando<br />
sozinha, Mônica passa a ter<br />
companhia nas bancas a partir<br />
de janeiro: Mauricio de Sousa e<br />
a Editora Abril lançam a revista<br />
do Cebolinha, que se torna<br />
outro grande sucesso de ven<strong>da</strong>s.<br />
Apesar de aparecer na capa, o<br />
Capitão Feio não participa de<br />
nenhuma aventura nesta<br />
primeira edição.<br />
Morando em Nova York, onde<br />
fora tentar novos tratamentos para<br />
a hemofilia, Henfil consegue<br />
vender seus personagens para<br />
um distribuidor norte-americano,<br />
o Universal Press Syndicate. Os<br />
Fradinhos se transformam em<br />
The he Mad Monks. Mas o humor<br />
corrosivo de Henfil não agra<strong>da</strong> ao<br />
público americano; chovem<br />
cartas de protesto e to<strong>dos</strong> os<br />
jornais cancelam a série.<br />
Dik Browne, parceiro de Mort<br />
Walker em Hi and Lois, cria<br />
Hagar, , o Horrível (Hagar the<br />
Horrible) ambientando as<br />
aventuras na I<strong>da</strong>de Média. As<br />
historinhas mesclam as<br />
conquistas do bárbaro viking<br />
com situações familiares<br />
comuns e superam o sucesso<br />
<strong>da</strong> tira precedente.<br />
Shang-Chi, O Mestre do<br />
Kung Fu, personagem criado<br />
pelo roteirista Steve Englehart e<br />
pelo desenhista Jim Starlin,<br />
passa a ser publicado pela<br />
Marvel em dezembro e se torna<br />
um sucesso instantâneo. Porém<br />
a série ganha um novo status e<br />
passa a ser aclama<strong>da</strong> pela crítica<br />
especializa<strong>da</strong> quando o escritor<br />
Doug Moench e o desenhista<br />
Paul Gulacy assumem as<br />
histórias do herói.<br />
O paraibano Emir Ribeiro cria<br />
Welta<br />
elta, super-heroína brasileira<br />
similar às hqs americanas em<br />
mo<strong>da</strong> na época. Welta ain<strong>da</strong><br />
circula em publicações à<br />
margem do sistema, como<br />
fanzines e edições artesanais<br />
banca<strong>da</strong>s pelo próprio autor,<br />
mas seu nome ganhou um “V”<br />
no lugar do “W” original.<br />
A ditadura militar man<strong>da</strong> para<br />
o pelotão de fuzilamento um<br />
monte de revistas em quadrinhos:<br />
edita a Portaria 209/73, que<br />
proíbe o conteúdo erótico nesse<br />
tipo de publicação, ain<strong>da</strong> que de<br />
forma sutil. É o fim para a maioria<br />
de editoras paulistas como a<br />
Edrel, que exploravam esse<br />
mercado. Do listão de quadrinhos<br />
bani<strong>dos</strong> não escapa nem o<br />
inocente Chico de Ogum, de<br />
Nico Rosso. Esse personagem<br />
era inspirado no famoso médium<br />
Chico Xavier e não escapou <strong>da</strong><br />
po<strong>da</strong> porque, quando fazia suas<br />
projeções astrais, o espírito de<br />
Chico de Ogum aparecia pelado.<br />
Entretanto, depois os editores<br />
conseguiram reverter a proibição.<br />
FRANK & ERNEST,<br />
DE BOB THAVES.<br />
EMBAIXO,<br />
HAGAR, O<br />
HORRÍVEL, DE<br />
DIK BROWNE.<br />
UMA ESTÓRIA NA INDEPENDÊNCIA, DE LUIZ ANTÔNIO NOVELLI.<br />
<strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011<br />
33
À ESQUERDA, O<br />
HORROR DA BOMBA<br />
ATÔMICA NA OBRA<br />
MÁXIMA DE KEIJI<br />
NAKAZAWA: GEN<br />
PÉS DESCALÇOS.<br />
À DIREITA, É O<br />
PRÓPRIO DISNEY<br />
QUE APRESENTA AS<br />
HISTÓRIAS DE SEUS<br />
PERSONAGENS NO<br />
LIVRO EM SUA<br />
HOMENAGEM.<br />
E quem diria: depois de<br />
tanta confusão o antigo Capitão<br />
Marvel/Shazam volta, agora<br />
publicado pela própria editora<br />
que o processou déca<strong>da</strong>s atrás.<br />
Já que a DC Comics tinha<br />
comprado o acervo <strong>da</strong> rival<br />
Fawcett, quando esta encerrou<br />
a sua linha de quadrinhos, e<br />
estava com o personagem<br />
<strong>da</strong>ndo sopa. Para a empreita<strong>da</strong>,<br />
até o desenhista original <strong>da</strong><br />
série, C.C. Beck, foi chamado e<br />
Super-Homem aparece na capa<br />
<strong>da</strong> primeira edição apresentando<br />
o retorno do herói. Para justificar<br />
o sumiço do personagem por<br />
tantos anos, inventaram a<br />
desculpa de que a Família<br />
Marvel e seus inimigos <strong>da</strong><br />
Família Silvana tinham ficado<br />
em animação suspensa esse<br />
tempo todo. No Brasil, o<br />
relançamento do personagem<br />
foi comemorado na Ebal com<br />
um "Cacharolete Shazânico (de<br />
pouco poder explosivo)" no dia<br />
17 de agosto. No evento foram<br />
distribuí<strong>dos</strong> os 300 exemplares de<br />
uma edição de pré-lançamento<br />
<strong>da</strong> revista Shazam! n°1 "sujeita<br />
a correções e imperfeições,<br />
especialmente impressa e<br />
encaderna<strong>da</strong> para os<br />
convi<strong>da</strong><strong>dos</strong>", como informava a<br />
sobrecapa <strong>da</strong> publicação.<br />
Sérgio Macedo lança em uma<br />
edição independente pela<br />
Massao Ohno Editora seu<br />
primeiro livro, O Karma de<br />
Gaargot. As páginas vêm com<br />
uma espécie de papel de se<strong>da</strong><br />
entre elas, que teria sido<br />
colocado para evitar que a tinta<br />
borrasse as páginas contíguas, o<br />
que os leitores adoram porque<br />
podem fazer outros usos dele.<br />
Depois Macedo emigra para a<br />
França, onde aju<strong>da</strong>rá a fun<strong>da</strong>r os<br />
Humanóides Associa<strong>dos</strong>.<br />
A revista japonesa Weekly<br />
Shonen Jump inicia a publicação<br />
de Gen Pés Descalços<br />
escalços, de Keiji<br />
Nakazawa, dramático e pungente<br />
relato sobre os horrores <strong>da</strong><br />
guerra e do holocausto nuclear<br />
de Hiroshima.<br />
A Ebal lança em outubro Os<br />
Lusía<strong>da</strong>s - Quadrinização do<br />
Poema de Luís de Camões,<br />
a<strong>da</strong>ptado por Pedro Anísio e<br />
desenhado por Nico Rosso. A<br />
edição comemora os 400 anos<br />
<strong>da</strong> obra-prima do grande<br />
escritor português.<br />
Com chama<strong>da</strong> de capa em<br />
letras garrafais “<strong>Jornal</strong> de texto,<br />
história em quadrinhos, fotos e<br />
cometas”, é lançado em São<br />
Paulo, ex-, publicação tablóide<br />
que dedica a sessão “Comicus”<br />
às hqs cult e undergrounds,<br />
como Crumb, Feiffer, Don<br />
Martin, Son-O’-God, BC e outros.<br />
A Editora Abril publica o livro<br />
Cinquentenário Disney, que<br />
comemora os 50 anos de<br />
ativi<strong>da</strong>de de Walt Disney. No<br />
livrão, no formato <strong>da</strong> revista Veja,<br />
o próprio Disney se encarrega de<br />
apresentar as principais histórias de<br />
seus mais famosos personagens<br />
e de contar como eles surgiram.<br />
Tudo isso, em quadrinhos.<br />
Surgido na Itália em 1965,<br />
Peninha ganha um alter-ego<br />
criado no Brasil: o atrapalhado<br />
Morcego Vermelho<br />
ermelho.<br />
Em dezembro, é finaliza<strong>da</strong> a<br />
impressão do álbum de luxo<br />
gigante Flash Gordon no<br />
Planeta Mongo, lançado pela<br />
Editora Brasil-América para<br />
comemorar os 40 anos de<br />
publicação do álbum original,<br />
lançado em 1934. O livro reúne<br />
as primeiras 60 pranchas<br />
dominicais <strong>da</strong> obra-prima de<br />
Alex Raymond, originalmente<br />
publica<strong>da</strong> no Suplemento Juvenil.<br />
O cavaleiro<br />
do Zodiako<br />
Jayme Cortez criou dois de<br />
seus mais importantes trabalhos<br />
quando foi convi<strong>da</strong>do a<br />
participar <strong>da</strong> revista Crás!, <strong>da</strong><br />
Editora Abril. Na primeira<br />
edição foi publica<strong>da</strong> uma pequena<br />
obra-prima: O Retrato<br />
do Mal. Na segun<strong>da</strong> edição, o<br />
mestre deu início à saga do<br />
Zodiako. Mas a partir <strong>da</strong> terceira<br />
edição a revista mudou<br />
de formato e linha editorial e<br />
a história não teve continuação<br />
na revista. Finalmente em<br />
1975 o Zodiako seria publicado<br />
num álbum e no ano seguinte<br />
estrearia nas páginas<br />
<strong>da</strong> prestigia<strong>da</strong> revista italiana<br />
Sgt. Kirk. (Leia matéria sobre<br />
Cortez na página 42)<br />
1974<br />
Na tentativa de buscar novos<br />
personagens que atraíssem o<br />
público, a Editora Abril publica a<br />
revista Crás! somente com<br />
histórias cria<strong>da</strong>s por grandes<br />
nomes do quadrinho nacional,<br />
O KARMA DE GAARGOT,<br />
DE SÉRGIO MACEDO E,<br />
À DIREITA, OS LUSÍADAS,<br />
DE NICO ROSSO.<br />
34 <strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011
KEN PARKER, DE<br />
GIANCARLO BERARDI<br />
E IVO MILAZZO<br />
LAMPIÃO FALOU EM<br />
ITALIANO PRIMEIRO: A<br />
OBRA DE JÔ OLIVEIRA<br />
FOI PUBLICADA ANTES<br />
NA REVISTA ALTERLINUS.<br />
NO BRASIL, SÓ EM 1976.<br />
como Jayme Cortez, Canini,<br />
Perotti, Lanzellotti, Nico Rosso,<br />
Herrero, Zélio, Ciça, Sian,<br />
Michele, Walmir, Primaggio,<br />
Igayara, entre outros. Mas,<br />
mesmo com um time tão bom<br />
de colaboradores, a revista não<br />
decola e é cancela<strong>da</strong> no sexto<br />
número. A publicação de<br />
histórias com estilos e gêneros<br />
tão diversos não agradou ao<br />
leitor. Kactus Kid, de Canini, e<br />
Satanésio, de Ruy Perotti, foram<br />
os personagens mais publica<strong>dos</strong>.<br />
Farkas, Dionnet, Druilett e<br />
Moebius fun<strong>da</strong>m os<br />
Humanóides Associa<strong>dos</strong> (Les<br />
Humanoïdes Associés) e lançam<br />
a revista Metal Hurlant, que<br />
contava com a colaboração do<br />
brasileiro Sérgio Macedo.<br />
Em janeiro, nasce na Itália a<br />
revista AlterLinus, que volta sua<br />
atenção para histórias mais<br />
densas e de aventura, deixando<br />
sua irmã editorial, a Linus,<br />
publica<strong>da</strong> desde 1965,<br />
com as tiras de humor.<br />
Passam pelas páginas<br />
<strong>da</strong> nova revista nomes<br />
como Hugo Pratt e seu Corto<br />
Maltese; Pichard e Wolinski, com<br />
Paulette; Crepax e sua Valentina,<br />
além de Moebius, Sergio Toppi e<br />
o brasileiro Jô Oliveira, com A<br />
Guerra do Reino Divino, que foi<br />
capa <strong>da</strong> quinta edição <strong>da</strong> revista.<br />
O primeiro número trouxe a<br />
clássica a<strong>da</strong>ptação de Ulisses, de<br />
Homero, por Lob e Pichard.<br />
Também na Itália, Giancarlo<br />
Berardi e Ivo Milazzo criam Ken<br />
en<br />
Parker<br />
arker, baseado no personagem<br />
vivido por Robert Redford no<br />
filme Mais Forte Que a Vingança<br />
(Jeremiah Johnson). Inicialmente<br />
programa<strong>da</strong> para uma única<br />
história, Ken en Parker<br />
torna-se<br />
uma <strong>da</strong>s mais importantes e<br />
cultua<strong>da</strong>s séries de faroeste já<br />
produzi<strong>da</strong>s nos quadrinhos.<br />
A série I protagonisti, do<br />
roteirista e desenhista Rino<br />
Albertarelli<br />
tarelli, é lança<strong>da</strong> em<br />
setembro na Itália. A obra,<br />
basea<strong>da</strong> numa profun<strong>da</strong><br />
pesquisa do autor, desmistifica<br />
vários personagens lendários do<br />
Oeste americano, a começar<br />
pelo General Custer, tema do<br />
primeiro volume. Albertarelli<br />
trabalhava no projeto há mais de<br />
um ano e morreu poucos dias<br />
depois de seu lançamento,<br />
quando já estava terminando os<br />
desenhos do décimo volume,<br />
que foi finalizado por outro<br />
grande mestre: Sergio Toppi.<br />
Numa iniciativa de esforço<br />
pessoal, Mort Walker, criador do<br />
Recruta Zero, fun<strong>da</strong> o Museum<br />
of Cartoon Art com seu acervo<br />
pessoal de originais e revistas<br />
raras que ele começou a<br />
colecionar quando descobriu<br />
que originais de Krazy Kat<br />
estavam sendo<br />
destruí<strong>dos</strong>. O museu<br />
mudou de lugar e de<br />
nome diversas vezes até<br />
fechar com dívi<strong>da</strong>s em<br />
2002. Walker acabou<br />
doando seu incrível<br />
acervo de mais de 200<br />
mil desenhos originais,<br />
além de milhares de revistas e<br />
filmes de valor inestimável, para<br />
a Ohio State University.<br />
Em julho, a Abril lança a<br />
revista <strong>da</strong> Luluzinha que será<br />
publica<strong>da</strong> até o final de 1992.<br />
Com o lançamento do livro<br />
Rango 1, do desenhista e<br />
cartunista Edgar Vasques, surge<br />
a L&PM M Editores, fun<strong>da</strong><strong>da</strong> por<br />
Paulo de Almei<strong>da</strong> Lima e Ivan<br />
Pinheiro Machado em agosto.<br />
Vasques criou Rango em 1970<br />
e foi <strong>da</strong>s tiras diárias que mais<br />
combateram a ditadura militar<br />
nesse período, sendo censura<strong>da</strong><br />
em diversas ocasiões. A<br />
publicação de uma tira citando<br />
as cores <strong>da</strong> bandeira brasileira<br />
chegou a acarretar a apreensão<br />
de to<strong>da</strong> uma edição do Pasquim.<br />
A Editora Vecchi lança a versão<br />
brasileira <strong>da</strong> revista norteamericana<br />
Mad. Ninguém<br />
acredita que uma revista “tão<br />
americana” vá pegar no Brasil,<br />
razão pela qual nenhuma editora<br />
tinha tido coragem de publicá-la<br />
antes. Mas, surpreendentemente,<br />
torna-se um sucesso instantâneo<br />
e, alguns anos depois, já tem<br />
metade de seu conteúdo com<br />
material nacional, estimulando o<br />
aparecimento de várias<br />
concorrentes como Klik,<br />
Panca<strong>da</strong> e Crazy. A revista<br />
sobrevive à Vecchi (que faliu na<br />
déca<strong>da</strong> seguinte) e passa por<br />
várias outras editoras (Record,<br />
Mythos e Panini), sempre<br />
coman<strong>da</strong><strong>da</strong> pelo cartunista Ota<br />
até o ano de 2008.<br />
Em agosto, a Ebal lança o<br />
primeiro volume de Príncipe<br />
Valente nos Tempos do Rei<br />
Arthur, num grande livro de<br />
luxo, com capa dura e papel<br />
couchê, que resgata as pranchas<br />
dominicais <strong>da</strong> clássica história de<br />
Harold Foster. Em dezembro é a<br />
vez de Jim <strong>da</strong>s Selvas, que ganha<br />
uma edição de luxo com as<br />
primeiras 89 pranchas desenha<strong>da</strong>s<br />
por Alex Raymond entre janeiro<br />
de 1934 e outubro de 1935.<br />
O livro Mandrake, com as<br />
histórias No País <strong>dos</strong> Faquires e<br />
No País <strong>dos</strong> Homens Pequeninos,<br />
é outra obra de luxo lança<strong>da</strong> pela<br />
Ebal, esta totalmente colori<strong>da</strong> e<br />
com texto de apresentação do<br />
jornalista Sérgio Augusto.<br />
KACTUS KID, DE CANINI, E O<br />
DESENHO DE MOEBIUS NA<br />
CAPA DA METAL HURLANT.<br />
É realizado o 1° Salão de<br />
Humor de Piracicaba, que passa<br />
a fazer parte do calendário <strong>da</strong><br />
ci<strong>da</strong>de e é considerado o salão de<br />
humor mais importante do País.<br />
<strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011<br />
35
AS COBRAS E A CRÍTICA SOCIAL DE LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO.<br />
ARZACH E A FANTASIA DELIRANTE DE MOEBIUS.<br />
the Tropical Forest, de W.H.<br />
Hudson. Em 1975, a<br />
personagem também ganharia<br />
revista própria no Brasil, pela<br />
Ebal, com o nome de Rima, a<br />
Princesa <strong>da</strong>s Selvas.<br />
A Vecchi lança as revistas<br />
Gasparzinho e Brasinha.<br />
A Editora Abril passa a<br />
publicar a revista Luluzinha.<br />
A Rio Gráfica e Editora traz de<br />
volta seu título mais emblemático:<br />
é lançado o Gibi Semanal em<br />
formato tablóide (acima). A<br />
publicação chega ao número 40,<br />
permanecendo pouco menos<br />
de um ano nas bancas. Um<br />
mês antes de terminar, a RGE<br />
lança o Almanaque do Gibi,<br />
com 132 páginas.<br />
A Editora Vecchi lança a versão<br />
brasileira <strong>da</strong> revista Eureka, com<br />
tiras de Feiffer, Pafúncio, Pinduca,<br />
Brumil<strong>da</strong> (Russel Myers), Manhê<br />
(de Mel Lazarus) e alguns outros<br />
personagens pouco conheci<strong>dos</strong>,<br />
além de histórias completas de<br />
Jeff Hawke, Cisco Kid, Steve<br />
Canyon, entre outros. Nas duas<br />
últimas edições a revista<br />
melhorou muito seu cardápio<br />
de personagens, incluindo Spirit,<br />
Hagar, Krazy Kat, Little Nemo, O<br />
Mago de Id, além de O<br />
Amotinamento do Potemkin, de<br />
Toppi, e do excelente material<br />
nacional com Vizunga, de Flavio<br />
Colin, A Morte do Samurai, uma<br />
história inédita de Shimamoto, e<br />
Zodiako, de Jayme Cortez. Mas<br />
isso não impediu seu fim após<br />
12 edições.<br />
1975<br />
Luís Fernando Veríssimo<br />
começa a publicar As Cobras,<br />
no jornal Zero Hora e no <strong>Jornal</strong><br />
do Brasil.<br />
A Editora Codecri, que publica<br />
o Pasquim, lança a revista O<br />
Bicho, idealiza<strong>da</strong> e edita<strong>da</strong> por<br />
Fortuna, que passa a publicar<br />
Ma<strong>da</strong>me e seu Bicho Muito<br />
Louco. A revista reúne também<br />
trabalhos de jovens talentos<br />
como Nani, Gui<strong>da</strong>cci, Coentro e<br />
outros, além de republicar<br />
ícones <strong>da</strong> contracultura norteamericana<br />
como Robert Crumb.<br />
Seis números são publica<strong>dos</strong><br />
nessa fase, mas a revista é<br />
suspensa por baixas ven<strong>da</strong>s.<br />
Dois anos depois saem mais<br />
duas edições por outra editora.<br />
Henrique Magalhães<br />
cria, na Paraíba, Maria,<br />
personagem que começa como<br />
uma “caça-mari<strong>dos</strong>” mas depois<br />
evolui para a crítica política e<br />
defende o feminismo.<br />
Bill Rechin, Don Wilder e<br />
Brant Parker (criador de O Mago<br />
de Id) criam a tira de humor<br />
Crock (Os Legionários).<br />
Sergio Bonelli emplaca outro<br />
sucesso: com o pseudônimo de<br />
MADAME E SEU<br />
BICHO MUITO<br />
LOUCO, DE<br />
FORTUNA.<br />
ABAIXO,<br />
CROCK, OS<br />
LEGIONÁRIOS.<br />
Guido Nolitta ele cria Mister No,<br />
um ex-sol<strong>da</strong>do <strong>dos</strong> Esta<strong>dos</strong><br />
Uni<strong>dos</strong> que vive aventuras na<br />
Amazônia durante a déca<strong>da</strong> de<br />
1950. Este é o primeiro<br />
personagem <strong>da</strong> Sergio Bonelli<br />
Editore cujas aventuras não são<br />
ambienta<strong>da</strong>s no velho Oeste.<br />
As aventuras silenciosas do<br />
guerreiro Arzach começam a ser<br />
publica<strong>da</strong>s na revista francesa<br />
Metal Hurlant e causam grande<br />
impacto pela beleza <strong>dos</strong><br />
desenhos e criativi<strong>da</strong>de. O<br />
personagem se torna uma <strong>da</strong>s<br />
criações mais famosas de<br />
Moebius e é republicado em<br />
álbuns. Mas o artista<br />
continua inovando<br />
com histórias<br />
criativas como as<br />
belíssimas Ballade<br />
e The Long<br />
Tomorrow<br />
omorrow, de Dan O’Bannon,<br />
para a mesma revista. Mais tarde<br />
esta inspiraria o conceito visual<br />
do cultuado filme Blade Runner,<br />
de Ridley Scott.<br />
Devido à crise do papel e<br />
para obter mais competitivi<strong>da</strong>de<br />
<strong>da</strong>s bancas, praticamente to<strong>da</strong>s<br />
as revistas de histórias em<br />
quadrinhos passam a ser<br />
publica<strong>da</strong>s em tamanho menor,<br />
o mesmo formato já adotado<br />
Com arte do brilhante<br />
desenhista Nestor Redondo, a<br />
DC Comics lança a revista Rima,<br />
The Jungle Girl (ao lado),<br />
basea<strong>da</strong> na heroína do romance<br />
Green Mansions: A Romance of<br />
36 <strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011
À ESQUERDA,<br />
O CRUZEIRO DOS<br />
ESQUECIDOS, DE<br />
PIERRE CHRISTIN<br />
E ENKI BILAL.<br />
ABAIXO, O<br />
AMALUCADO<br />
CAPITÃO KLOTZ,<br />
DE DON MARTIN.<br />
pela Editora Abril com Pato<br />
Donald e as revistas <strong>da</strong> turma<br />
<strong>da</strong> Mônica. A Rio Gráfica reduz<br />
to<strong>dos</strong> os seus gibis, adotando o<br />
nome “tamanho gostoso”. As<br />
novas editoras que entram no<br />
mercado, Vecchi e Bloch, lançam<br />
suas revistas no mesmo<br />
formato. A Ebal é a única que<br />
resiste, mantendo o padrão<br />
tradicional, mas é força<strong>da</strong> a<br />
ceder às tendências do mercado<br />
e a partir do ano seguinte<br />
também reduz as suas, criando<br />
a expressão “formatinho<br />
formatinho”, que<br />
passa a ser o termo usado por<br />
to<strong>dos</strong> para definir esse formato.<br />
A decadência <strong>da</strong> Ebal<br />
começa neste ano, com a per<strong>da</strong><br />
de um de seus títulos mais<br />
rentáveis, O Homem-Aranha,<br />
para a Bloch, que negociou com<br />
a americana Marvel Comics um<br />
pacote com to<strong>dos</strong> os seus<br />
personagens, e vários deles<br />
foram lança<strong>dos</strong> ao mesmo<br />
tempo em revistas individuais.<br />
Mas nunca os personagens<br />
Marvel foram tão maltrata<strong>dos</strong>,<br />
com edições sofríveis e<br />
traduções malfeitas, razão pela<br />
qual os contratos foram sendo<br />
cancela<strong>dos</strong> até 1975, quando a<br />
Bloch ain<strong>da</strong> mantinha a linha de<br />
terror <strong>da</strong> Marvel.<br />
SATANÉSIO E<br />
SEU ANJO DA<br />
GUARDA:<br />
ANJOCA.<br />
Em parceria com o roteirista<br />
Pierre Christin, Enki Bilal começa<br />
a desenhar histórias que<br />
reúnem o realismo fantástico e a<br />
ficção científica em aventuras<br />
sombrias. O Cruzeiro <strong>dos</strong><br />
Esqueci<strong>dos</strong> (La Croisière des<br />
Oubliés) é a primeira a ser<br />
lança<strong>da</strong>. Viriam depois Le<br />
Vaisseau de Pierre (A Nave de<br />
Pedra, 1976), La Ville Qui<br />
n’Existait Pas (A Ci<strong>da</strong>de que Não<br />
Existia, 1977), Les Phalanges de<br />
l’Ordre Noir (As Falanges <strong>da</strong><br />
Ordem Negra, 1979), Partie de<br />
Chasse (Parti<strong>da</strong> de Caça, 1983).<br />
A Turma do Pererê, de<br />
Ziraldo, volta com força total e<br />
passa a ser publica<strong>da</strong> numa<br />
revista mensal pela Abril. Neste<br />
ano a editora lançaria também<br />
Pernalonga e Heróis <strong>da</strong> Tevê<br />
evê,<br />
esta com os personagens <strong>da</strong><br />
Hanna-Barbera.<br />
A RGE lança Gibi <strong>Especial</strong>,<br />
com personagens clássicos <strong>dos</strong><br />
quadrinhos. A primeira edição é<br />
dedica<strong>da</strong> a The Spirit.<br />
A revista Crás!, <strong>da</strong> Abril, ganha<br />
uma cria: Satanésio, de Ruy<br />
Perotti, que anos antes havia<br />
criado o popular Sujismundo,<br />
ganha um título próprio,<br />
publicado a ca<strong>da</strong><br />
quatro meses. A<br />
revista pára no<br />
quarto número,<br />
sendo substituí<strong>da</strong><br />
por outra criação<br />
de Perotti: o<br />
macaco Gabola, que<br />
possui um maracá mágico<br />
com o qual ele e sua<br />
turma de amigos vivem<br />
aventuras no tempo.<br />
Pela primeira vez uma tira<br />
de quadrinhos ganha o Prêmio<br />
Pulitzer, na categoria “cartum<br />
editorial”: Doonesbury, de Gay<br />
Trudeau (abaixo), que é<br />
publica<strong>da</strong> desde 1970.<br />
Em comemoração ao<br />
centenário de nascimento de<br />
Edgar Rice Burroughs, a Ebal<br />
lança o álbum A Primeira<br />
Aventura de Tarzan em<br />
<strong>Quadrinhos</strong>, de Harold Foster, e<br />
inicia a publicação de uma série<br />
de álbuns de Tarzan<br />
arzan, de Russ<br />
Manning. Ao todo são<br />
produzi<strong>da</strong>s cinco edições com<br />
as pranchas dominicais do<br />
refinado desenhista que foram<br />
publica<strong>da</strong>s nos jornais <strong>dos</strong><br />
Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong> entre janeiro de<br />
1968 e abril de 1972.<br />
A Vecchi começa a publicar<br />
os Livros de Bolso Mad. O<br />
primeiro traz As Aventuras do<br />
Capitão Klutz, de Don Martin.<br />
Para comemorar os 25 anos<br />
de sua fun<strong>da</strong>ção, a Editora Abril<br />
lança o álbum Pato ato Donald<br />
<strong>Especial</strong>, um livro em formato<br />
maior e capa dura com nove<br />
aventuras do divertido<br />
personagem que foi o ponto de<br />
parti<strong>da</strong> editorial de Victor Civita.<br />
Em dezembro a Abril lança a<br />
revista Man<strong>da</strong> Chuva.<br />
1976<br />
É publicado o primeiro<br />
número de American Splendor,<br />
hq autobiográfica escrita por<br />
Harvey Pekar e ilustra<strong>da</strong> por<br />
inúmeros desenhistas, entre eles<br />
Robert Crumb.<br />
A Editora Codecri lança uma<br />
<strong>da</strong>s primeiras graphic-novels<br />
brasileiras, quando esse termo<br />
ain<strong>da</strong> não existia, A Guerra do<br />
Reino Divino, do pernambucano<br />
Jô Oliveira, com o grafismo <strong>dos</strong><br />
livros de cordel. Essa história já<br />
havia sido publica<strong>da</strong> na revista<br />
italiana AlterLinus.<br />
<strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011<br />
37
A GARAGEM HERMÉTICA,<br />
DE MOEBIUS E, AO LADO,<br />
O HOMEM DO NILO,<br />
DE SERGIO TOPPI, NA<br />
SÉRIE ITALIANA UN UOMO<br />
UN’AVVENTURA.<br />
A L&PM lança Caulos - Só<br />
Dói Quando Eu Respiro, uma<br />
coletânea <strong>da</strong> obra do desenhista<br />
publica<strong>da</strong> no Pasquim e no<br />
<strong>Jornal</strong> do Brasil, com texto de<br />
apresentação de Sérgio Augusto.<br />
<strong>Quadrinhos</strong> de Bolso<br />
olso, uma<br />
série de livros com um<br />
personagem por volume. Hagar<br />
abre a coleção. Depois viriam<br />
Recruta Zero, Frank & Ernest,<br />
Touro Sentado, entre outros.<br />
Moebius dá início à elogia<strong>da</strong><br />
série de ficção científica<br />
A Garagem Hermética<br />
(Le Garage Hermétique)<br />
na revista Metal Hurlant.<br />
O material <strong>da</strong>s cultua<strong>da</strong>s<br />
revistas Creepy e Eerie, <strong>dos</strong><br />
Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong>, é lançado no<br />
Brasil pela revista Kripta, <strong>da</strong> RGE.<br />
A Ebal lança o álbum Agente<br />
Secreto X-9 em O Caso<br />
Powers, de Dashiell Hammett e<br />
Alex Raymond, com capa de<br />
Monteiro Filho. Na reali<strong>da</strong>de uma<br />
republicação de melhor quali<strong>da</strong>de<br />
de uma edição especial do<br />
Suplemento Juvenil de 1937.<br />
A RGE também passa a<br />
publicar a coleção<br />
É publica<strong>da</strong> a edição especial<br />
Versus <strong>Quadrinhos</strong> – América<br />
Latina<br />
atina, com as histórias<br />
Fantomas contra os Vampiros<br />
Multinacionais, escrita por Julio<br />
Cortazar, e Os Quatro Cavaleiros<br />
do Apocalipse, de Jô Oliveira.<br />
Ain<strong>da</strong> na edição Luiz Gê; Rango,<br />
de Edgar Vasques; Enrique<br />
Breccia e Chico Caruso, além de<br />
uma entrevista com Henfil.<br />
Zé Colméia ganha uma<br />
revista mensal pela Editora Abril.<br />
Criado em 1973 por Steve<br />
Gerber e Val Mayerik, a Marvel<br />
Comics lança a revista Howard<br />
The Duck (ao<br />
lado). Além<br />
de Steve, são<br />
chama<strong>dos</strong> para produzir as<br />
aventuras satíricas desse<br />
estranho personagem nomes<br />
consagra<strong>dos</strong> como Frank<br />
Brunner, Gene Colan, Mark<br />
Evanier, Marv Wolfman, Bill<br />
Mantlo, All Milgrom, Carmine<br />
Infantino e Frank Giacoia.<br />
Na Argentina, a dupla Juan<br />
Gimenez e Ricardo Barreiro<br />
inicia, na revista Scórpio, a<br />
publicação de um <strong>dos</strong> maiores<br />
clássicos de guerra <strong>dos</strong><br />
quadrinhos, Ás de Espa<strong>da</strong>s.<br />
Em novembro, a italiana<br />
Sergio Bonelli Editore lança Un<br />
Uomo Un’Avventura<br />
vventura, uma<br />
extraordinária coleção de álbuns<br />
em formato especial, bem maior<br />
do que as outras revistas <strong>da</strong> casa<br />
editorial. Sob a curadoria de<br />
Decio Canzio, a série publicou os<br />
trabalhos de alguns <strong>dos</strong> maiores<br />
desenhistas <strong>dos</strong> quadrinhos<br />
mundiais, como Sergio Toppi,<br />
Hugo Pratt, Enric Sio, Guido<br />
Crepax, Milo Manara, Gallep, Ivo<br />
Millazzo, entre muitos outros<br />
nomes de destaque. Até um<br />
brasileiro participou <strong>da</strong> epopéia:<br />
o grande artista Jô Oliveira, com<br />
O Homem de Canu<strong>dos</strong>.<br />
A exemplo do Pato Donald<br />
no final do ano anterior, outro<br />
personagem Disney também<br />
ganha um livro com capa dura:<br />
Tio Patinhas <strong>Especial</strong> é<br />
lançado pela Abril.<br />
1977<br />
A Rio Gráfica e Editora lança a<br />
revista Sítio do Picapau Amarelo,<br />
para aproveitar o sucesso que a<br />
série <strong>da</strong> Rede Globo fazia. Mas os<br />
desenhos <strong>dos</strong> personagens não<br />
são tão bem resolvi<strong>dos</strong> e a série é<br />
totalmente reformula<strong>da</strong> dois anos<br />
depois, ganhando traços mais<br />
adequa<strong>dos</strong> ao público infantil.<br />
A RGE também lança A Vaca<br />
Voadora<br />
oadora, basea<strong>da</strong> nos livros <strong>da</strong><br />
escritora Edy Lima.<br />
Depois de muitas<br />
conversas com Pelé,<br />
Mauricio de Sousa<br />
finaliza o projeto de<br />
um personagem<br />
infantil baseado<br />
na figura do Rei<br />
do Futebol e,<br />
em agosto,<br />
lança pela<br />
Editora Abril a<br />
revista Pelezinho, com to<strong>da</strong> uma<br />
nova galeria de personagens.<br />
O escalador de paredes mais<br />
famoso <strong>dos</strong> quadrinhos chega<br />
aos jornais: o Homem-Aranha<br />
passa a ser publicado também<br />
em tiras diárias.<br />
A Codecri lança o livro O Novo<br />
Humor do Pasquim<br />
asquim, reunindo<br />
um time de grandes desenhistas,<br />
como Reinaldo, Nani, Gui<strong>da</strong>cci,<br />
38 <strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011
O BRASILEIRO SERGIO<br />
MACEDO ESTEVE<br />
PRESENTE NA PRIMEIRA<br />
EDIÇÃO DA HEAVY METAL<br />
COM A HISTÓRIA SELENIA<br />
(À ESQUERDA).<br />
NA PRIMEIRA EDIÇÃO,<br />
DR. SPEKTRO SÓ TEVE<br />
HISTÓRIAS DESSE<br />
PERSONAGEM, QUE NÃO<br />
VOLTARIA MAIS A SER<br />
PUBLICADO NA REVISTA.<br />
O SEGUNDO NÚMERO DA<br />
SPEKTRO, JÁ COM NOVO<br />
NOME, TRAZ NA CAPA A<br />
ARTE DE VILMAR. ABAIXO,<br />
UMA PÁGINA ILUSTRADA<br />
POR SHIMAMOTO PARA O<br />
TERCEIRO NÚMERO DA<br />
PUBLICAÇÃO.<br />
Duayer, Luscar, Mariza, Mollica,<br />
Angeli, Canini, Calicut, Geandré,<br />
Mino, Nicolielo, Ral, Nilson,<br />
Santiago e muitos outros.<br />
A mesma editora <strong>da</strong> satírica<br />
National Lampoon, então no<br />
auge do sucesso, lança a revista<br />
Heavy Metal, com material<br />
importado <strong>da</strong> francesa Metal<br />
Hurlant. A nova publicação dá<br />
espaço também para a nata do<br />
quadrinho americano. A primeira<br />
edição já mostra a que vem<br />
publicando os trabalhos de<br />
Richard Corben, Drulllet,<br />
Moebius, Alexis, Jean-Claude<br />
Gal, Jean-Pierre Dionnet e o<br />
nosso Sergio Macedo.<br />
Edgar de Souza, que ilustrou Os<br />
Irmãos Dagobe, de Guimarães<br />
Rosa. Participam também Angeli,<br />
Rubens Matuk e Luiz Gê. Nas<br />
últimas seis páginas, Rui Veiga e<br />
Mário Augusto Jacobskind<br />
apresentam os fragmentos de<br />
um texto inédito de Paulo Pontes.<br />
Franco Maria Ricci Editore<br />
lança o álbum Casanova, com<br />
as histórias do famoso<br />
aventureiro veneziano<br />
interpreta<strong>da</strong>s por nomes de<br />
destaque <strong>dos</strong> quadrinhos<br />
mundiais como Dino Battaglia,<br />
Guido Crepax e o brasileiro<br />
Miguel Paiva. A L&PM lançaria o<br />
álbum no Brasil 11 anos depois.<br />
A Vecchi lança a Coleção<br />
Eureka Terror e seu primeiro<br />
número apresenta As Histórias<br />
Sobrenaturais do Dr. Spektro,<br />
mas já na segun<strong>da</strong> edição o<br />
conceito <strong>da</strong> publicação mu<strong>da</strong><br />
completamente, a começar pelo<br />
nome, resumido apenas para<br />
Spektro. A revista, que mais<br />
parecia um livro, com mais de<br />
190 páginas, capa plastifica<strong>da</strong> e<br />
lomba<strong>da</strong> quadra<strong>da</strong>, passa a<br />
publicar, além do material<br />
importado, com várias histórias<br />
clássicas de Steve Ditko,<br />
reportagens, contos e quadrinhos<br />
nacionais, trazendo de volta <strong>da</strong><br />
antiga Editora Outubro grandes<br />
autores, como Jayme Cortez,<br />
Flávio Colin, Nico Rosso e Júlio<br />
Shimamoto. Suas capas passam<br />
a ser desenha<strong>da</strong>s por ilustradores<br />
como Vilmar, Carlos Chagas e o<br />
próprio Shimamoto. Inicialmente<br />
com poucas histórias produzi<strong>da</strong>s<br />
no Brasil, aos poucos a publicação<br />
vai se nacionalizando e passa a<br />
revelar novos talentos, como<br />
Watson Portela, Elmano Silva,<br />
Zenival Ferraz e o roteirista Patati.<br />
E dá espaço para artistas <strong>da</strong> nova<br />
geração – como Ofeliano, César<br />
Lobo, Antonino Homobono –,<br />
expandirem seus horizontes. E<br />
até cartunistas como Mariza e<br />
Luscar tiveram espaço na seção<br />
Humor Negro. Em pouco tempo<br />
Spektro passa a publicar apenas<br />
trabalhos produzi<strong>dos</strong> no Brasil e,<br />
com isso, deixa sua marca na<br />
história editorial do País: uma<br />
única revista publicava quase<br />
200 páginas de quadrinhos<br />
nacionais por mês.<br />
Tracy Ullman Show. Em vez<br />
disso, ele cria uma família<br />
inteira de novos personagens:<br />
Os Simpsons.<br />
Surge Thorgal<br />
horgal, criado pelo<br />
escritor belga Jean Van Hamme<br />
e o desenhista polonês Grzegorz<br />
Rosinski.<br />
A editora L&PM publica o<br />
álbum As Cobras e outros<br />
Bichos, compilação <strong>da</strong>s tiras As<br />
Cobras, de Luís Fernando<br />
Veríssimo, publica<strong>da</strong>s desde os<br />
anos 1970 em diversos jornais<br />
brasileiros. Em 1997, aos 60<br />
anos, Veríssimo decidiu<br />
aposentar as cobrinhas.<br />
A Editora Versus lança Livrão<br />
<strong>dos</strong> <strong>Quadrinhos</strong>, uma revista<br />
especial de 84 páginas com<br />
histórias escritas e desenha<strong>da</strong>s<br />
por autores como Jô Oliveira, que<br />
apresentou a história de Zumbi<br />
com o seu grafismo inspirado na<br />
literatura de cordel; Edgar Vasques,<br />
que trouxe a história de outro<br />
revolucionário, Artur Arão, e<br />
O canadense Dave Sim<br />
começa a publicar o quadrinho<br />
independente Cerebus the<br />
Aardwark, prometendo que seria<br />
uma “máxi-série de 300 edições”.<br />
Comemorando os 50 anos <strong>da</strong><br />
criação do camundongo mais<br />
famoso <strong>dos</strong> quadrinhos, a Editora<br />
Abril lança Mickey <strong>Especial</strong>, um<br />
livro de 160 páginas, capa dura e<br />
uma seleção de histórias desde<br />
os primórdios <strong>da</strong> Disney.<br />
OS SIMPSONS, DE MATT GROENING.<br />
Matt Groening publica a<br />
primeira revista em quadrinhos<br />
independente de Life in Hell,<br />
que começa a sair em veículos<br />
alternativos e aos poucos vai<br />
ganhando a mídia. Anos mais<br />
tarde, o produtor James L.<br />
Brooks chama-o para produzir<br />
sketches com essa série para o<br />
Continua!<br />
A história <strong>dos</strong> próximos 34 anos continua<br />
no terceiro volume do <strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> •<br />
<strong>Cronologia</strong> <strong>dos</strong> <strong>Quadrinhos</strong>, que trará também mais entrevistas e<br />
perfis de alguns <strong>dos</strong> mais destaca<strong>dos</strong> desenhistas brasileiros.<br />
<strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011<br />
39
MONTAGEM SOBRE DOIS DESENHOS DE EUGÊNIO COLONNESE PUBLICADOS NA REVISTA CHAMADA GERAL<br />
A grande<br />
aventura de<br />
um russo<br />
no Brasil<br />
A trajetória de Adolfo Aizen, responsável pela introdução<br />
no Brasil <strong>da</strong>s principais histórias em quadrinhos<br />
norte-americanas e coman<strong>da</strong>nte <strong>da</strong> histórica Ebal,<br />
sinônimo de quali<strong>da</strong>de na publicação de hqs.<br />
POR PAULO CHICO<br />
Ele é visto como o ‘pai’ <strong>dos</strong> quadrinhos.<br />
Foi o responsável pela introdução<br />
no Brasil <strong>da</strong>s principais histórias em<br />
quadrinhos norte-americanas, como<br />
Mandrake, Tarzan, Dick Tracy, Príncipe<br />
Valente e Flash Gordon. Estamos falando<br />
de Adolfo Aizen, para muitos um<br />
<strong>dos</strong> maiores editores brasileiros de to<strong>dos</strong><br />
os tempos. Há um porém nesta história.<br />
Aizen não era baiano, como afirmava,<br />
e sim russo. Como somente um<br />
legítimo brasileiro poderia ser dono de<br />
um veículo de comunicação no País.<br />
Para iniciar suas ativi<strong>da</strong>des empresariais<br />
Aizen forjou uma certidão de nascimento<br />
e conseguiu esconder seu segredo<br />
até à morte. Sua ver<strong>da</strong>deira nacionali<strong>da</strong>de<br />
só seria revela<strong>da</strong> muitos<br />
anos mais tarde pelo jornalista e escritor<br />
Gonçalo Júnior em seu livro A Guerra<br />
<strong>dos</strong> Gibis: A Formação do Mercado<br />
Editorial Brasileiro e a Censura aos <strong>Quadrinhos</strong>,<br />
lançado pela Companhia <strong>da</strong>s<br />
Letras, em 2004.<br />
“Sem dúvi<strong>da</strong>, ele foi o responsável<br />
pelo nascimento <strong>da</strong> indústria <strong>dos</strong> quadrinhos<br />
no Brasil, ao criar, em 1934, o<br />
Grande Consórcio de Suplementos, e<br />
depois trazer para o País os modernos<br />
quadrinhos de aventura que descobriu<br />
nos Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong>. Ao lado de Roberto<br />
Marinho, seu concorrente entre as<br />
déca<strong>da</strong>s de 1930 e 1950, foi fun<strong>da</strong>mental<br />
para combater o preconceito e as<br />
tentativas de se criar leis de censura aos<br />
gibis, que brotaram entre 1938 e 1964<br />
– foram mais de 20 iniciativas. Para atrair<br />
a simpatia de professores e padres, que<br />
costumavam acusar os quadrinhos de<br />
‘deseducarem’ crianças e jovens, Aizen<br />
criou revistas educativas e religiosas,<br />
como Edição Maravilhosa, Ciência em<br />
<strong>Quadrinhos</strong> e Série Sagra<strong>da</strong>”, conta Gonçalo,<br />
um apaixonado por hqs e organizador<br />
de coleções de livros, como <strong>Quadrinhos</strong><br />
Sujos.<br />
Embora tenha realmente morado na<br />
Bahia, foi no Rio de Janeiro, para onde<br />
se mudou na adolescência, que Aizen<br />
deu seus primeiros passos profissionais.<br />
Em 1933, começou a trabalhar na editora<br />
O Malho, responsável pela revista<br />
O Tico-Tico. Já em 1934, lançou<br />
o histórico Suplemento Juvenil, com<br />
histórias de personagens <strong>dos</strong> quadrinhos<br />
americanos. Inicialmente, ele vinha<br />
encartado no jornal A Nação. Devido<br />
à sua grande repercussão, logo o suplemento<br />
passou a circular como publicação<br />
independente. O sucesso mexeu<br />
com um poderoso concorrente, lembra<br />
Gonçalo Júnior.<br />
“Quando Aizen viajou para os Esta<strong>dos</strong><br />
Uni<strong>dos</strong>, em agosto de 1933, como<br />
assessor do Touring Clube do Brasil, ele<br />
era repórter de O Globo. Ao voltar, propôs<br />
a Roberto Marinho lançar suplementos<br />
diários no jornal, gratuitamente<br />
para os leitores. Entre eles, o de quadrinhos.<br />
Marinho considerou a proposta<br />
de custo elevado e inviável. Em março<br />
de 1934, Aizen lançou os suplementos<br />
diários no jornal A Nação. O de quadrinhos<br />
foi o de maior sucesso e aumentou<br />
a tiragem do jornal de 20 mil para 80 mil<br />
exemplares. Logo se tornaria independente,<br />
como Suplemento Juvenil. Em<br />
maio de 1937, Marinho chama Aizen<br />
para conversar e lhe propõe socie<strong>da</strong>de.<br />
Aizen recusa; em junho, Marinho lança<br />
O Globo Juvenil, o que deixa Aizen irado.<br />
Ele acusa o antigo<br />
patrão de ‘roubar’<br />
o termo ‘juvenil’ de<br />
seu tablóide e de pegar<br />
carona em seu sucesso”,<br />
diz o escritor.<br />
40 <strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011
REPRODUÇÃO<br />
REPRODUÇÃO<br />
Um <strong>dos</strong> troféus de que Adolfo<br />
Aizen tinha mais orgulho era<br />
a estátua de bronze de<br />
Gutemberg que representava<br />
o Prêmio Paula Brito<br />
conferido à Editora Brasil-<br />
América em 1958 “em<br />
reconhecimento à obra de<br />
nacionalização e melhoria<br />
constante que esta empresa<br />
jornalística vem realizando<br />
no setor <strong>da</strong>s histórias em<br />
quadrinhos”, como informava<br />
a nota publica<strong>da</strong> na revista<br />
Epopéia. Ao lado de Aizen,<br />
aparece o Prefeito Sá Freire<br />
Alvim, que lhe entregou a<br />
estatueta. O prêmio foi<br />
instituído pela Secretaria<br />
Geral de Educação e Cultura<br />
do antigo Distrito Federal.<br />
Uma vista noturna do prédio <strong>da</strong> Ebal numa foto publica<strong>da</strong> na revista comemorativa Chama<strong>da</strong> Geral.<br />
A disputa ain<strong>da</strong> teria capítulos mais<br />
radicais. Em 1939, Roberto Marinho<br />
convence Aroxelas Galvão, representante<br />
do King Features, a transferir to<strong>dos</strong><br />
os personagens que Aizen publicava<br />
no Suplemento Juvenil para O Globo<br />
Juvenil. Aizen, cordialmente, avisa a<br />
seus leitores que continuassem a ler suas<br />
histórias no concorrente. Como resposta,<br />
man<strong>da</strong> registrar o nome e lança o<br />
Lobinho, que, na ver<strong>da</strong>de, era o Globinho<br />
sem a letra “G”, para impedir Marinho<br />
de apoderar-se do título.<br />
“Passa<strong>da</strong> essa fase de disputa de mercado,<br />
já na déca<strong>da</strong> de 1950 os dois se<br />
reaproximaram para combater o preconceito<br />
contra os quadrinhos. No enterro<br />
de Aizen, em 1991, Marinho se<br />
aproximou do caixão, pegou-lhe nas<br />
mãos e disse: ‘Meu amigo, meu grande<br />
amigo’...”, revela Gonçalo.<br />
mente o Adolfo, que em 1934 lançou o<br />
Suplemento Juvenil, com os heróis <strong>da</strong>quele<br />
tempo, que eram novi<strong>da</strong>de por aqui.<br />
Além do caso de O Globo Juvenil, Roberto<br />
Marinho pegou carona em outro lançamento<br />
de Aizen. Ele havia lançado o<br />
Mirim, que já era um tamanho metade<br />
de tablóide. Marinho lançou, então, o<br />
Gibi imitando o concorrente – e o termo<br />
‘gibi’ passou a ser um sinônimo de<br />
revista em quadrinhos”, recor<strong>da</strong> ele,<br />
lembrando ain<strong>da</strong> a experiência de Civita<br />
no setor. “Na déca<strong>da</strong> de 1950, Victor Civita<br />
veio para o Brasil com os direitos do<br />
Disney e lançou o Pato Donald, que foi<br />
a pedra fun<strong>da</strong>mental nesse gigante em<br />
que se transformou a Editora Abril.”<br />
Outro ponto destacado por Álvaro na<br />
trajetória de Adolfo Aizen é, claro, a<br />
Ebal. “Pela Editora Brasil-América Limita<strong>da</strong>,<br />
cria<strong>da</strong> por ele em 1945, lançou as<br />
revistas Super-Homem, Quarteto Fantástico,<br />
Homem-Aranha, Popeye, Fantasma,<br />
Mulher Maravilha, Pernalonga e outros.<br />
Tinha to<strong>dos</strong> os títulos <strong>da</strong> Marvel e <strong>da</strong><br />
DC Comics.”<br />
Em 1975, Aizen recebeu na Bienal<br />
Internacional de <strong>Quadrinhos</strong> de Lucca,<br />
na Itália, o Prêmio Yellow Kid, como<br />
reconhecimento de sua contribuição ao<br />
desenvolvimento <strong>da</strong> ‘Nona arte’, com<br />
a menção de que tinha ‘uma vi<strong>da</strong> dedica<strong>da</strong><br />
aos quadrinhos’. Outra distinção<br />
ao editor ocorreu no Brasil, por iniciativa<br />
<strong>da</strong> União Brasileira de Escritores-<br />
UBE, que instituiu o Prêmio Adolfo<br />
Aizen de Literatura Infantil, que desde<br />
os anos 1990 destaca as melhores publicações<br />
no gênero.<br />
Nas déca<strong>da</strong>s de 1950 e 1960, a Ebal era<br />
líder nas bancas, vendendo anualmente<br />
milhões de revistas e chegando a ter<br />
mais de 40 títulos mensais com tiragens<br />
superiores a 150 mil exemplares. Suas<br />
diversas publicações formaram gerações<br />
de leitores – nobre papel desempenhado<br />
pelos quadrinhos e que sempre fora destacado<br />
por Aizen. E influenciaram diretamente<br />
editores e artistas que surgiam<br />
naquela época. Em seu apogeu, a editora<br />
era dirigi<strong>da</strong>, também, por Paulo Adolfo<br />
Aizen e Naumin Aizen, filhos de Adolfo,<br />
bem como pelo jornalista Fernando<br />
Albagli. O período de crise <strong>da</strong> Ebal teve<br />
início em mea<strong>dos</strong> <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1970.<br />
Após a morte de seu criador, em 1991, a<br />
editora durou apenas quatro anos, publicando<br />
ain<strong>da</strong> um último álbum de luxo<br />
do Príncipe Valente, de Hal Foster.<br />
No prédio que pertencia à Ebal, na Rua<br />
Almério de Moura, em São Cristóvão,<br />
funciona atualmente uma escola particular.<br />
Suas revistas estão na memória de<br />
diversos brasileiros ou entre colecionadores.<br />
E o acervo do Museu <strong>dos</strong> <strong>Quadrinhos</strong>,<br />
que incluía publicações importantes de<br />
outras editoras, foi doado pela família<br />
Aizen à Fun<strong>da</strong>ção Biblioteca Nacional,<br />
que já os colocou em exposição, em 2002<br />
e 2003, na mostra HQ, O Mundo Encan-<br />
Os mais destaca<strong>dos</strong>: Aizen,<br />
Roberto Marinho e Civita<br />
Esse período também é lembrado por<br />
Álvaro de Moya, escritor, ilustrador e<br />
especialista em histórias em quadrinhos.<br />
“Os três nomes mais importantes,<br />
quando falamos de grupos editoriais de<br />
quadrinhos, são Adolfo Aizen, Roberto<br />
Marinho e Victor Civita. Principaltado<br />
<strong>dos</strong> <strong>Quadrinhos</strong>. O fato é que o legado<br />
de Aizen permanece vivo, sendo destacado<br />
por artistas <strong>dos</strong> quadrinhos.<br />
Um grande sonho de<br />
consumo: conhecer a Ebal<br />
“Os leitores como eu sabiam que o<br />
selo <strong>da</strong> Ebal era garantia de quali<strong>da</strong>de.<br />
Para quem teve a infância e adolescência<br />
nos anos 1960, uma visita à Ebal era<br />
o maior sonho de consumo. Aizen abria<br />
as portas para caravanas de visitas escolares<br />
e mostrava a gráfica que imprimia<br />
os gibis – termo que, em seu íntimo,<br />
ele abominava, pois o título pertencia<br />
ao rival Roberto Marinho. Ele <strong>da</strong>va<br />
aos visitantes um pacote de cortesia<br />
com revistas <strong>da</strong> editora. Essa política de<br />
relações públicas lhe rendia bons frutos<br />
e consoli<strong>da</strong>va a marca. Sou muito grato<br />
a Aizen porque, depois do meu pai,<br />
ele foi o primeiro que enxergou a minha<br />
vocação e me deu uma chance de trabalhar<br />
com o que eu mais gostava. Ele via<br />
potencial em mim e disse mais de uma<br />
vez que um dia eu seria ‘o futuro diretor’<br />
<strong>da</strong> editora”, relata o cartunista Ota,<br />
que segue num depoimento emocionado<br />
sobre o mestre e sua maior criação.<br />
“Para um moleque de 15 anos, como<br />
eu, era um sonho trabalhar na Ebal. O<br />
salário era baixo. Começava-se com salário-mínimo<br />
e os aumentos eram comedi<strong>dos</strong>.<br />
Mas isso era compensado<br />
pelas inúmeras vantagens. Além de fazer<br />
aquilo que eu gostava, lia as histórias<br />
antes de todo mundo, fuçava nas<br />
gavetas e encontrava centenas de coisas<br />
interessantes. Tinha acesso às coleções<br />
de tudo que eles publicavam, inclusive<br />
as encadernações do Suplemento<br />
Juvenil e Lobinho. Eu era pago<br />
para ler gibis! Aprendi como funcionava<br />
uma gráfica por dentro, a<br />
mexer com edição e fazia amizade<br />
com os visitantes ilustres que apareciam<br />
de vez em quando – ídolos<br />
de infância como Malba Tahan, Ziraldo,<br />
caravanas de editores estrangeiros<br />
e representantes <strong>dos</strong> personagens<br />
que eram publica<strong>dos</strong>... Vi coisas<br />
acontecendo, negócios sendo fecha<strong>dos</strong>...<br />
Era como um estranho que<br />
caiu nas boas graças <strong>da</strong> família real<br />
de um reino distante. De fato, a Ebal<br />
era um reino. E Aizen a chamava de<br />
O Reino Encantado <strong>da</strong>s Histórias em<br />
<strong>Quadrinhos</strong>”, relembra Ota.<br />
<strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011<br />
41
As lições do versátil<br />
Nascido em Lisboa, foi no Brasil que Jayme Cortez Martins se<br />
tornou mestre e referência para diversas gerações de<br />
desenhistas. Ele deu provas de seu talento também<br />
na televisão, na publici<strong>da</strong>de e no cinema.<br />
POR PAULO CHICO<br />
Alguns <strong>dos</strong> mais belos traços <strong>da</strong> história<br />
do desenho brasileiro aqui chegaram<br />
embala<strong>dos</strong> pelas on<strong>da</strong>s do mar.<br />
Foram forja<strong>dos</strong> nas mãos de um português<br />
nascido em Lisboa em 1926 que<br />
desembarcou no porto de Santos, em<br />
São Paulo, em 1947. Nesse episódio particular<br />
<strong>da</strong> História, era o Brasil que estava<br />
prestes a descobrir o talento <strong>da</strong>quele<br />
que, em pouco tempo, se firmaria<br />
como um <strong>dos</strong> seus maiores autores de<br />
quadrinhos. Ao chegar aqui, Jayme Cortez<br />
Martins já havia publicado, em<br />
1944, sua primeira hq no semanário O<br />
Mosquito – publicação na qual atuou por<br />
dois anos. Na época, seu trabalho tinha<br />
ênfase na exploração <strong>dos</strong> tipos populares<br />
lusitanos.<br />
No Brasil, radicando-se em São Paulo,<br />
casou-se com a brasileira Maria Edna.<br />
Começou a trabalhar na Gazeta Juvenil<br />
e na Gazeta Esportiva, ain<strong>da</strong> nos tempos<br />
<strong>da</strong> Aveni<strong>da</strong> Cásper Líbero. Iniciou sua<br />
carreira como desenhista de quadrinhos<br />
fazendo tiras para o Diário <strong>da</strong> Noite –<br />
como Caça aos Tubarões e O Guarany.<br />
Atuou também nas editoras La Selva e<br />
Outubro, onde foi capista e diretor<br />
de arte.<br />
Cortez exerceu o papel de grande<br />
mestre de gerações de artistas. E teve<br />
passagens curiosas em sua trajetória,<br />
como as experiências de ator de cinema,<br />
em três filmes dirigi<strong>dos</strong> por José Mojica<br />
Marins, o Zé do Caixão: Delírios de<br />
um Anormal lançado em 1978; Mundo -<br />
Mercado do Sexo, de 1979, e Perversão -<br />
Estupro, de 1979.<br />
“Esse português chegou ao Brasil com<br />
18 anos de i<strong>da</strong>de e se tornou fun<strong>da</strong>mental<br />
para a profissionalização <strong>dos</strong> quadrinhos<br />
no Brasil. Principalmente graças à<br />
sua amizade com o gráfico e desenhista<br />
amador Miguel Penteado – com quem<br />
criaria, em 1959, a Editora Continental,<br />
depois rebatiza<strong>da</strong> de Outubro. Os dois<br />
agregaram uma geração de jovens quadrinistas<br />
e estabeleceram uma nova<br />
forma de fazer quadrinhos, a partir <strong>da</strong><br />
utilização de modelos vivos – não só<br />
pessoas, mas também animais. Essa<br />
turma acabaria suprindo to<strong>da</strong> a produção<br />
nacional necessária para as revistas<br />
<strong>da</strong> La Selva na déca<strong>da</strong> de 1950. Para essa<br />
editora, aliás, Cortez<br />
fez capas antológicas<br />
nas revistas de terror,<br />
como Terror Negro e Sobrenatural,<br />
até hoje cultua<strong>da</strong>s por fãs do<br />
gênero”, lembra Gonçalo Júnior,<br />
jornalista e autor de diversos livros<br />
sobre hqs.<br />
Outro apaixonado por quadrinhos<br />
que situa a importância de Cortez é o<br />
cartunista Márcio Baraldi:<br />
“Ele foi um presente que Portugal deu<br />
ao Brasil. Quando Cortez veio pra cá,<br />
ain<strong>da</strong> muito jovem, já era um desenhista<br />
virtuoso e tinha uma carreira respeitável<br />
em Portugal. Aqui no Brasil ele rapi<strong>da</strong>mente<br />
se enturmou com os melhores<br />
desenhistas <strong>da</strong> época, como Eugenio Collonese,<br />
Rodolfo Zalla, Benicio, Getulio<br />
Delphim... Logo formaram uma ver<strong>da</strong>deira<br />
‘geração inesquecível’ <strong>da</strong> hq brasileira!<br />
Ele era o melhor de to<strong>dos</strong>, o ‘mestre<br />
<strong>dos</strong> mestres’ como o chamavam, pois<br />
dominava to<strong>da</strong>s as técnicas e estilos de<br />
ilustração que se possa imaginar. Ia do<br />
grafismo cubista à pintura hiper-realista<br />
em segun<strong>dos</strong>. Por conta disso, as editoras<br />
de hqs <strong>da</strong> época o colocavam sempre<br />
para fazer as capas <strong>dos</strong> gibis, que ficavam<br />
sempre deslumbrantes, graças às<br />
suas pinturas primorosas.”<br />
Baraldi ressalta facetas do namoro<br />
profissional de Cortez com o cinema:<br />
“Ele foi o desenhista oficial de outros<br />
grandes artistas de sua época, como os<br />
comediantes Mazzaropi e a dupla Oscarito<br />
e Grande Otelo. Graças também<br />
à sua versatili<strong>da</strong>de, foi um artista muito<br />
produtivo, que deixou centenas e<br />
centenas de obras de altíssima quali<strong>da</strong>de<br />
gráfica, to<strong>da</strong>s feitas no pincel e tinta,<br />
que continuam atuais e surpreendem<br />
até hoje, quando temos devaneios mil<br />
com os recursos <strong>dos</strong> computadores.<br />
Pouca gente sabe, mas Cortez também<br />
foi ator e protagonizou até algumas<br />
propagan<strong>da</strong>s de tv”, revela.<br />
Amigo de Cortez, Álvaro de Moya<br />
também exalta a sua importância para<br />
os quadrinhos.<br />
“Os desenhistas brasileiros, salvo raras<br />
e honrosas exceções, copiavam Alex<br />
Raymond e Harold Foster. Cortez influenciou<br />
to<strong>da</strong> uma geração brasileira a trabalhar<br />
com modelos vivos e a criar um<br />
estilo próprio. Em 1951, no dia 18 de<br />
junho, ele e um grupo de desenhistas,<br />
inclusive eu, prepararam a primeira Exposição<br />
Internacional de Histórias em<br />
<strong>Quadrinhos</strong> do mundo, realiza<strong>da</strong> no<br />
Centro Cultura e Progresso, em São Paulo.<br />
Nunca antes havia sido feita uma<br />
exposição didática provando que os quadrinhos<br />
eram uma arte. Pareci<strong>da</strong> com<br />
cinema e literatura, mas com uma expressão<br />
própria. O quadrinho começava<br />
a ganhar status. Tanto que, nas déca<strong>da</strong>s<br />
42 <strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011
Zodiako (à esquer<strong>da</strong>) foi uma de suas<br />
obras primas nos quadrinhos. Mas<br />
Jayme Cortez também criou capas de<br />
revistas e cartazes de cinema e foi um<br />
ilustrador de primeira: até seus esboços<br />
merecem destaque, como o deste cavalo.<br />
O gênero de<br />
Terror era a<br />
especiali<strong>da</strong>de de<br />
Jayme Cortez.<br />
seguintes, artistas do porte do cineasta<br />
Federico Fellini revelaram ao público a<br />
importância <strong>dos</strong> quadrinhos em sua formação<br />
artística e intelectual.”<br />
Hoje, o reconhecimento a esse feito<br />
permanece nas enciclopédias sobre comics<br />
nos Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong>, França, Itália<br />
e Espanha, onde sempre há um verbete<br />
registrando que o Brasil foi um país pioneiro,<br />
ao fazer uma exposição nesses<br />
moldes. Álvaro de Moya lembra que<br />
Cortez militou na publici<strong>da</strong>de na televisão,<br />
pela primeira vez, fazendo o desenho-assinatura<br />
de uma telenovela <strong>da</strong> TV<br />
Excelsior. E emprestou seu talento aos<br />
estúdios de um de seus discípulos mais<br />
famosos, Mauricio de Sousa, onde foi<br />
Diretor de Merchandising e Animação.<br />
Cortez escreveu três livros: A Técnica<br />
do Desenho, Mestres <strong>da</strong> Ilustração e<br />
Manual Prático do Ilustrador. Também<br />
essa contribuição é reconheci<strong>da</strong> por<br />
colegas, como Toninho Mendes.<br />
“Seus livros sobre como desenhar,<br />
publica<strong>dos</strong> nas déca<strong>da</strong>s de 1950 e 1960,<br />
influenciaram to<strong>da</strong> uma geração. Antes<br />
deles, até havia publicações técnicas<br />
sobre desenho... Mas era tudo muito<br />
desorganizado, pulverizado, publicado<br />
em fascículos. Ele foi o primeiro mestre<br />
que juntou, em livros completos, as<br />
dicas de como desenhar pés, mãos e<br />
outras partes do corpo, com to<strong>da</strong>s as<br />
instruções e as técnicas de acabamento<br />
a lápis, nanquim e bico de pena.”<br />
Fun<strong>da</strong>dor <strong>da</strong> Circo Editorial e atualmente<br />
à frente <strong>da</strong> Editora Peixe Grande,<br />
ele confirma a tese de que Cortez foi<br />
referência para os jovens que estavam<br />
se formando em desenho na época.<br />
“O que havia de mais marcante em<br />
sua arte é que ela é solta, livre, e precisa<br />
ao mesmo tempo. Ele não tinha um<br />
traço ‘duro’. Escrevo e tenho livros publica<strong>dos</strong>.<br />
Minha praia é mais a edição e<br />
a diagramação de Arte. Mas o que aprendi<br />
sobre desenho, na infância e na adolescência,<br />
teve muito <strong>da</strong> contribuição de<br />
Cortez”, diz Toninho Mendes.<br />
Em novembro de 1986, Jayme Cortez<br />
foi homenageado em Lucca, na Itália,<br />
com o prêmio Caran D’Ache, no XX<br />
Festival Internacional de HQ e Ilustração,<br />
pelos seus 50 anos de ativi<strong>da</strong>des. Foi<br />
professor <strong>da</strong> Escola Pan-Americana de<br />
Arte e trabalhou na área publicitária<br />
como diretor de criação <strong>da</strong> McCann<br />
Erickson. Ao longo de sua carreira, no<br />
Brasil, participou ativamente <strong>da</strong> luta<br />
pelo reconhecimento e valorização <strong>dos</strong><br />
quadrinhos – visto com menosprezo e<br />
preconceito por setores conservadores<br />
<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de e até mesmo por alguns<br />
segmentos editoriais. Foi um <strong>dos</strong> idealizadores<br />
do projeto de reserva de<br />
mercado para a produção nacional de<br />
hq, reservando dois terços do espaço<br />
para artistas locais, que chegou a ser<br />
entregue às autori<strong>da</strong>des, mas<br />
nunca foi implantado.<br />
Jayme Cortez morreu em<br />
1987, de ataque cardíaco, após<br />
dois dias internado em conseqüência de<br />
uma hemorragia no abdômen. Deixou<br />
organizado o álbum Saga de Terror, reunindo<br />
diversos de seus quadrinhos. A<br />
obra foi lança<strong>da</strong> postumamente pela<br />
editora Martins Fontes, e segue disponível<br />
em catálogo.<br />
<strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011<br />
43
FRANCISCO UCHA<br />
Com apenas cinco edições de O Judoka,<br />
publicado pela Ebal nos anos 70,<br />
Floriano Hermeto escreveu seu nome no<br />
hall <strong>dos</strong> grandes desenhistas brasileiros.<br />
POR PAULO CHICO<br />
O golpe certeiro de<br />
um mestre do desenho<br />
“O maior problema do quadrinho é<br />
saber a hora de parar, identificar o momento<br />
em que o desenho está pronto. Ter<br />
a sabedoria de não fazer demais, e nem<br />
de menos.”<br />
A lição é de Floriano Hermeto, autor<br />
de cinco festeja<strong>da</strong>s edições de O Judoka,<br />
publica<strong>da</strong>s pela Editora Brasil-América,<br />
mais conheci<strong>da</strong> como Ebal. Engenheiro<br />
civil de formação, no início <strong>dos</strong> anos<br />
70 mergulhado nas obras do metrô do<br />
Rio de Janeiro na Aveni<strong>da</strong> Presidente<br />
Vargas, Floriano Hermeto chegou a ser<br />
apontado como o melhor autor e melhor<br />
desenhista por Moacy Cirne, especialista<br />
em hqs, em sua coluna no <strong>Jornal</strong> de<br />
Letras. Com produção tão curta e farta<br />
de elogios, não teria Floriano traído a<br />
própria receita, e parado de desenhar<br />
antes do tempo?<br />
“Essa coisa de fazer histórias em quadrinhos<br />
surgiu como uma distração, diversão.<br />
Nunca vi essa experiência como<br />
carreira, um meio de vi<strong>da</strong>, até pelo fato<br />
de pagarem muito mal. Se fosse uma<br />
opção profissional, acho que teria encarado<br />
tudo de outra maneira. Depois <strong>da</strong>s<br />
edições de O Judoka, iniciei a produção<br />
de Zorro, mas o Adolfo Aizen, dono <strong>da</strong><br />
Ebal, achou que meu desenho ficara sofisticado<br />
para o personagem. Eu trabalhava<br />
o dia inteiro como engenheiro do<br />
metrô, tinha uma mão-de-obra <strong>da</strong>na<strong>da</strong><br />
durante o dia e chegava em casa e ain<strong>da</strong><br />
tinha que desenhar... Estava ficando cansado.<br />
Daí, abandonei tudo e nunca mais<br />
desenhei, a não ser em casa. Fiz os retratos<br />
<strong>da</strong>s minhas filhas e <strong>da</strong> minha esposa”,<br />
conta ele, mostrando suas detalha-<br />
Esta é uma <strong>da</strong>s cenas mais reproduzi<strong>da</strong>s em livros de estu<strong>dos</strong> sobre quadrinhos no Brasil e<br />
aparece na primeira história do Judoka desenha<strong>da</strong> por Floriano Hermeto: A Caça<strong>da</strong>.<br />
<strong>da</strong>s reproduções, feitas de ponto em<br />
ponto, pendura<strong>da</strong>s na parede.<br />
Paixão precoce<br />
A paixão pelos quadrinhos veio ain<strong>da</strong><br />
<strong>da</strong> infância. Já a inspiração para passar<br />
de simples leitor para autor de histórias<br />
em quadrinhos surgiu por volta<br />
<strong>dos</strong> 30 anos de i<strong>da</strong>de.<br />
“Desde garoto fui criado sem televisão.<br />
Era só rádio, gostava muito <strong>da</strong>s revistas<br />
e gibis. Gostava de desenho, mas<br />
nunca estudei. Aliás, acho que desenho<br />
é prática. To<strong>dos</strong> os desenhistas começam<br />
jovens desenhando muito mal, e depois<br />
de dez, quinze anos, estão fazendo maravilhas.<br />
Ninguém começa a carreira<br />
como um grande desenhista. Fazia de<br />
brincadeira no colégio, e em casa ficava<br />
desenhando. E fui crescendo assim. Até<br />
que pensei em desenhar algo, mas para<br />
ser publicado, e não ficar guar<strong>da</strong>do no<br />
fundo de uma gaveta.”<br />
No Rio de Janeiro, na época, a Ebal<br />
dominava o mercado. Dentre as suas<br />
publicações, o único personagem nacional<br />
era O Judoka.<br />
“Eu o achava meio ridículo... Não gosto<br />
de super-herói. Mas, por falta de opção,<br />
parti pra fazer uma aventura com<br />
ele mesmo. Fiz umas dez pranchas. Uma<br />
secretária do trabalho conhecia o Fernando<br />
Albagli, <strong>da</strong> Ebal. Peguei as pranchas<br />
e fui pra lá. Veio o Fernando, veio o Naumin<br />
Aizen, pediram para ver o material<br />
e foram to<strong>dos</strong> lá pra dentro. Aí, depois,<br />
veio o seu Adolfo, que me disse que iriam<br />
publicar a minha história”, recor<strong>da</strong><br />
Floriano. “Sabia que eles iam gostar. Pelo<br />
nível <strong>da</strong>s outras edições, a minha arte<br />
não estava abaixo. Estava no mesmo<br />
nível, ou até melhor.”<br />
Mas a alegria pela aprovação <strong>dos</strong> desenhos<br />
cedeu espaço para uma preocupação<br />
prática. “Pensei: e agora? Como<br />
é que eu vou terminar isso? Nem sei<br />
como essa história vai acabar, só fiz<br />
essas dez pranchas sem pensar no final.<br />
Tanto que, você vê, dá pra notar bem<br />
que, numa parte, a história pára e começa<br />
outra coisa. Há um corte, que até<br />
funcionou bem.”<br />
A repercussão rendeu mais quatro<br />
edições. Das cinco que assinou como<br />
desenhista, apenas uma teve um parceiro,<br />
Pedro Anísio, um <strong>dos</strong> criadores de O<br />
Judoka e autor do roteiro de Gigantes de<br />
44 <strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011
Apuarema. Um momento difícil, no qual<br />
a diversão quase se tornou um martírio.<br />
“Essa história foi horrível, e muito mal<br />
desenha<strong>da</strong> por mim. Não me enquadrava<br />
no estilo dele. Suava frio, madruga<strong>da</strong><br />
adentro, desenhando. Queria fazer a<br />
minha história, entende? Se eu via uma<br />
motocicleta que me chamava atenção,<br />
ela entrava na história; colocava o Judoka<br />
an<strong>da</strong>ndo de motocicleta. Ou seja, eu<br />
fazia a história à medi<strong>da</strong> que desenhava,<br />
não a fazia antes. Nem tinha tempo<br />
pra isso... E assim seguia até o final. Eram<br />
29 páginas, acho. Fazia uma página, fazia<br />
outra... Seguia criando e <strong>dos</strong>ando<br />
tudo até chegar ao final.”<br />
Como explicar que, com apenas cinco<br />
edições de O Judoka – que também<br />
ganhou formas e cores pelas mãos de<br />
Eduardo Baron, Mário Lima, Cláudio de<br />
Almei<strong>da</strong> – FHAF (como assina Floriano<br />
Hermeto de Almei<strong>da</strong> Filho) tenha garantido<br />
o seu nome entre os grandes desenhistas<br />
brasileiros? “Sinceramente?<br />
Não sei”, responde Floriano, ciente de<br />
que há alguns palpites no ar.<br />
O processo peculiar de sua<br />
criação, no qual desenho e<br />
história nasciam juntos, pode<br />
ser uma explicação. “Para<br />
mim, a história era um meio<br />
de desenhar. Certa vez, fiz<br />
uma história com águas-vivas,<br />
que eu havia visto em<br />
fotos. Achei que ficariam bonitas<br />
no desenho. Pronto, fui<br />
lá e coloquei o herói na<strong>da</strong>ndo<br />
perto delas.”<br />
Nas mãos de Floriano Hermeto<br />
O Judoka teve ganhos<br />
reais em termos de ação e<br />
aventura. Na prática foram<br />
derruba<strong>da</strong>s algumas fronteiras<br />
que limitavam a ação do<br />
personagem, que passou a viver<br />
aventuras mesclando perigos<br />
internacionais, espionagem<br />
e mistério. “Era uma<br />
proposta que não deve ser<br />
confundi<strong>da</strong> com a pasteurização<br />
que hoje é o principal<br />
algoz <strong>da</strong> manifestação artística”,<br />
diz Floriano.<br />
Sem estilo, decadência<br />
“A história em quadrinhos americana<br />
está numa decadência terrível. Aliás, as<br />
hqs estão em decadência no mundo todo.<br />
Elas são bem desenha<strong>da</strong>s, mas são pasteuriza<strong>da</strong>s.<br />
Você não identifica mais o estilo<br />
do desenhista. Antigamente, você<br />
via a história e, ain<strong>da</strong> sem ler, identificava<br />
personagem e autor.”<br />
E o que teria causado esse mal? Floriano<br />
tem lá suas suspeitas.<br />
“Quando tudo descambou pra superheróis<br />
e monstros, porra<strong>da</strong> pra lá, panca<strong>da</strong><br />
pra cá, começaram a faltar enredo<br />
e boas histórias. A Europa experimentou<br />
um boom, mas as revistas foram acabando.<br />
A Linus acabou, Correo del Piccolo, Pilote...<br />
Pego isso agora na internet, mas<br />
tudo do final <strong>dos</strong> anos 70, ou 80. As de<br />
hoje não têm graça. Se você lê uma história,<br />
leu to<strong>da</strong>s... Os brasileiros, coita<strong>dos</strong>,<br />
estão desenhando bem, mas você não<br />
sabe quem é brasileiro, quem é<br />
americano. Esse é outro problema:<br />
um cara faz uma cor, outra<br />
pessoa faz o desenho, um terceiro<br />
faz o lápis, outro a letra...<br />
Falta espaço para a produção<br />
mais autoral. Na minha<br />
época, eu fazia capa, lápis,<br />
tinta, legen<strong>da</strong>, título, história...<br />
Fazia tudo”, recor<strong>da</strong>.<br />
Do mesmo mal, acredita,<br />
padece outra de suas paixões:<br />
o cinema.<br />
“Antigamente, quando você<br />
ia atrás de um filme de determinado<br />
diretor, sabia o que<br />
estava indo assistir. Hoje, ca<strong>da</strong><br />
filme é de um diretor diferente,<br />
e eles são to<strong>dos</strong> iguais.<br />
É sempre aquela correria, com<br />
explosões e brigas, closes em<br />
cima de closes, empobrecimento<br />
<strong>da</strong> linguagem. Acho<br />
que há um guia básico de<br />
como filmar. É tudo massificado,<br />
e os caras são obriga<strong>dos</strong><br />
a fazer <strong>da</strong>quele jeito. Muitos<br />
<strong>dos</strong> filmes eu não consigo<br />
acompanhar”, critica.<br />
O próprio O Judoka, embalado<br />
pelo sucesso nas bancas,<br />
foi tema de filme, tendo<br />
como estrelas o modelo Pedro Aguinaga,<br />
então considerado o homem mais bonito<br />
do Brasil, no papel título, e Elisângela.<br />
Lançado em 1973, foi um fracasso<br />
nas bilheterias, pois sua produção mostrou-se<br />
muito amadora.<br />
Por falar em estilo próprio, Floriano<br />
é crítico de sua obra.<br />
“Eu não acredito que tenha desenvolvido<br />
um estilo próprio. Não tive tempo<br />
pra isso”, diz ele, que reconhece algumas<br />
To<strong>da</strong>s as capas de<br />
O Judoka desenha<strong>da</strong>s<br />
por Floriano Hermeto<br />
e Irma La Douce<br />
(direita), sua vilã<br />
preferi<strong>da</strong>. À<br />
esquer<strong>da</strong>, um<br />
desenho <strong>da</strong> esposa<br />
feito em 1976.<br />
influências. “Gostava<br />
muito do<br />
Steranko, copiei<br />
um personagem<br />
dele. E havia os<br />
espanhóis, né?<br />
Maravilhosos,<br />
como o Victor de<br />
la Fuente.”<br />
Apesar <strong>da</strong> magia<br />
<strong>dos</strong> quadrinhos, acredita ele, essa é<br />
uma arte fa<strong>da</strong><strong>da</strong> à extinção.<br />
“As histórias para adultos já acabaram.<br />
Os quadrinhos para crianças podem<br />
durar um pouco. Mas à medi<strong>da</strong> que<br />
forem se difundindo coisas mais interativas,<br />
anima<strong>da</strong>s, vai sobrar pouco espaço<br />
para os impressos”, acredita.<br />
“Um choque de felici<strong>da</strong>de”<br />
Edições que promovem experiências<br />
únicas, como a do garoto Floriano Hermeto,<br />
que na déca<strong>da</strong> de 40 corria às bancas<br />
atrás <strong>da</strong>s principais publicações do<br />
gênero, no bairro de São Cristóvão. Emoção<br />
que teria uma releitura anos mais<br />
tarde, no bairro de Ipanema, onde mora<br />
até hoje, aos 74 anos.<br />
“Minha maior sensação como desenhista<br />
foi ver a primeira revista que fiz<br />
nas mãos de um garoto. Me avisaram lá<br />
<strong>da</strong> Ebal: O Judoka vai sair tal dia. E lá fui<br />
eu pra banca <strong>da</strong> General Osório. Quando<br />
eu estava atravessando a rua em direção<br />
ao jornaleiro, veio um garoto com<br />
a revista aberta, lendo-a na rua. Isso foi<br />
um choque de felici<strong>da</strong>de, um impacto!<br />
Depois, até desenhei essa passagem<br />
numa história de O Judoka, com direito<br />
à Praça General Osório, jornaleiro e<br />
tudo mais....”<br />
Colaborou Francisco Ucha.<br />
<strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011<br />
45
FOTOS E IMAGENS: DIVULGAÇÃO<br />
em movimento<br />
A chega<strong>da</strong> ao mercado do dvd Profissão Cartunista – Will Eisner, filme produzido por<br />
Marisa Furtado há mais de dez anos, apresenta a antigas e novas gerações o talento e<br />
a personali<strong>da</strong>de encantadora de um <strong>dos</strong> maiores artistas do universo <strong>da</strong>s hqs.<br />
POR PAULO CHICO<br />
William Erwin Eisner nasceu em<br />
Nova York, em 1917, e faleceu na Flóri<strong>da</strong>,<br />
no dia 3 de janeiro de 2005. Em 87<br />
anos de vi<strong>da</strong>, esteve por diversas vezes<br />
no Brasil, país com o qual desenvolveu<br />
uma relação muito especial e no qual fez<br />
grandes amizades. Pois é justamente por<br />
meio de uma dessas amigas especiais que<br />
Eisner, considerado um <strong>dos</strong> mais importantes<br />
artistas <strong>da</strong> História <strong>da</strong>s histórias<br />
em quadrinhos, volta à vi<strong>da</strong>. Sua arte, seu<br />
senso de humor e seu talento estão novamente<br />
ao alcance do público, graças ao<br />
lançamento, em dvd, do documentário<br />
Profissão Cartunista – Will Eisner, lançado<br />
pela gravadora Rob Digital.<br />
Originalmente o vídeo é uma produção<br />
de 1999, fruto de uma parceria entre<br />
a produtora Scriptorium, de Marisa<br />
Furtado, e a TV Senac. O filme chegou<br />
a ser exibido em diversos canais,<br />
como a TV Cultura, além <strong>da</strong> própria tv<br />
que participou <strong>da</strong> produção. Foi lançado<br />
no mercado pela Devir, mas de forma<br />
incompleta, com apenas dois de seus<br />
três episódios. Fez brilhante carreira<br />
internacional, sendo exibido em mais de<br />
40 países, e ganhou o Troféu HQ Mix<br />
em 2000, na categoria melhor a<strong>da</strong>ptação<br />
<strong>dos</strong> quadrinhos para outro veículo.<br />
“Agora ele chega ao mercado, no formato<br />
dvd, em versão completa, inclusive com<br />
o terceiro episódio, que nunca fora lançado,<br />
e mais quatro extras. Esse episódio, o<br />
Will Eisner em 1941;<br />
embaixo, The Spirit.<br />
Master Class, considero,<br />
hoje, o mais<br />
interessante. É o<br />
que mais encanta<br />
as pessoas, pois fala<br />
em detalhes <strong>da</strong> técnica<br />
do desenho, de<br />
como Eisner trabalhava<br />
as questões<br />
<strong>da</strong> sombra, <strong>da</strong> luz...<br />
Nele o artista demonstra<br />
sua técnica<br />
desenhando na prancheta e comentando<br />
seus livros, como o <strong>Quadrinhos</strong> e Arte<br />
Seqüencial”, conta Marisa Furtado, que<br />
dividiu a direção e produção do vídeo<br />
com Paulo Serran, que se dedicou sobretudo<br />
ao roteiro <strong>da</strong> obra.<br />
Os dois primeiros episódios do dvd<br />
são Spirit – Tudo sobre The Spirit, retratando<br />
o personagem mais famoso de<br />
Eisner, que estreou em 1940 e vem sendo<br />
continuamente publicado em todo<br />
o mundo, e O Sonho – O Sonho de Eisner,<br />
no qual é explorado o fato de Eisner ser<br />
mundialmente reconhecido como um<br />
artista através de seu meio original de<br />
expressão, que são os quadrinhos. Fala<br />
ain<strong>da</strong> de seu encontro com artistas underground<br />
em 1978 e de como isso o<br />
levou a produzir a primeira novela gráfica<br />
para adultos que revolucionou o<br />
mercado e as hqs. Nos extras, o próprio<br />
Will Eisner fala de sua vi<strong>da</strong> pessoal, profissional,<br />
faz pia<strong>da</strong>s e revela sua intensa<br />
relação com o Brasil, país que visitou<br />
sete vezes e onde fez amigos como Álvaro<br />
de Moya e Jaime Cortez.<br />
Marisa Furtado faz questão de ressaltar<br />
a produção extremamente cui<strong>da</strong><strong>dos</strong>a<br />
para o lançamento do dvd brasileiro<br />
– o filme chegou ao mercado norte-americano<br />
em 2008.<br />
“Nossa versão, na ver<strong>da</strong>de, tem um<br />
cui<strong>da</strong>do de acabamento maior. Deu muito<br />
trabalho reunir todo esse material,<br />
fechar os extras, gravar narrações, produzir<br />
um menu animado bacana...”,<br />
enumera ela, lembrando que o dvd tem<br />
várias seqüências anima<strong>da</strong>s feitas a partir<br />
<strong>dos</strong> originais de Eisner e traz entrevistas<br />
com Ann Eisner, esposa do artista, Art<br />
Spiegelman, Bill Sienkiewicz, Denis<br />
Kitchen, Jerry Robinson, Angeli, Mauricio<br />
de Sousa e Ziraldo, entre outros.<br />
A produtora fala ain<strong>da</strong> <strong>da</strong>s dificul<strong>da</strong>des<br />
encontra<strong>da</strong>s para lançar o filme no<br />
mercado brasileiro.<br />
“O mais complicado foi justamente<br />
conseguir um distribuidor. Acontecia<br />
assim: todo mundo achava o filme ótimo,<br />
genial, dizia que deveria mesmo<br />
estar em catálogo. Desenhistas sempre<br />
o procuraram, professores universitários<br />
também... O pessoal <strong>da</strong> Warner chegou<br />
a se mostrar interessado. Tentei viabilizar<br />
o projeto via Riofilme, mas não<br />
andou... Até que o Roberto Carvalho, <strong>da</strong><br />
Rob Digital, que na ver<strong>da</strong>de é mais volta<strong>da</strong><br />
para a área de música, se encantou<br />
com o trabalho e demonstrou interesse<br />
em lançá-lo em dvd”, conta Marisa.<br />
Nesta primeira forma<strong>da</strong>, saíram 5 mil<br />
cópias. O dvd está à ven<strong>da</strong> no site <strong>da</strong> Rob<br />
Digital (www.robdigital.com.br) e também<br />
pode ser encontrado nas Livrarias<br />
46 <strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011
A diretora Marisa Furtado (acima filmando<br />
nos arquivos <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de Ohio) e Will<br />
Eisner (ao lado, em 1997) se tornaram<br />
grandes amigos e ele deu total liber<strong>da</strong>de de<br />
criação para desenvolver o documentário<br />
que agora é lançado completo em dvd.<br />
Travessa e Saraiva e em algumas livrarias<br />
especializa<strong>da</strong>s em hqs, como a Comix,<br />
em São Paulo. Com a obra disponível<br />
no mercado, Marisa diz que pretende<br />
negociar em breve, diretamente<br />
com a gravadora, melhores preços de<br />
ven<strong>da</strong> do produto, para tentar torná-lo<br />
mais acessível ao público. E adianta que<br />
há previsão de lançamento de outros<br />
três filmes produzi<strong>dos</strong> por ela na série<br />
Profissão Cartunista – estes retratando<br />
Jerry Robinson, Ziraldo e Henfil.<br />
Vinha de longa <strong>da</strong>ta a admiração de<br />
Marisa por Eisner. Mas a relação estreita<br />
entre os dois começou meio que por<br />
acaso.<br />
“Quando ele veio para a primeira<br />
Bienal de <strong>Quadrinhos</strong>, no Rio, em 1991,<br />
eu fiquei encarrega<strong>da</strong> de assessorá-lo,<br />
inclusive em eventos e entrevistas. Fui<br />
esperá-lo no aeroporto e logo no contato<br />
inicial me surpreendi. Eu não podia imaginar<br />
que ele seria a pessoa que era. Um<br />
sedutor! Tivemos uma identificação à<br />
primeira vista. Nos tornamos os melhores<br />
amigos. Inclusive, mantenho contato<br />
com Ann Eisner até hoje.”<br />
Amizade já estabeleci<strong>da</strong>, foi numa<br />
viagem aos Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong>, onde ficou<br />
hospe<strong>da</strong><strong>da</strong> na casa do casal Eisner, que<br />
Marisa teve acesso a um vasto material<br />
sobre Will. Por pura coincidência, na<br />
época Paulo Serran, que atuava no ain<strong>da</strong><br />
incipiente segmento de tv a cabo no<br />
Brasil, necessitava de material inédito<br />
e de quali<strong>da</strong>de para compor a programação<br />
de novos canais. Pronto! Estava lança<strong>da</strong><br />
a semente para a produção de Profissão<br />
Cartunista – Will Eisner. O próprio<br />
artista assistiu ao filme. E se encantou<br />
com o que viu.<br />
“Ele amou, adorou o filme! Aliás, tive<br />
total liber<strong>da</strong>de de criação, sem qualquer<br />
controle <strong>da</strong> parte dele. Ao fazer o vídeo<br />
eu havia manipulado sua arte, interpretado<br />
suas visões, tomado liber<strong>da</strong>des<br />
com o trabalho de sua vi<strong>da</strong>... Interferências<br />
que poucos artistas consentiriam<br />
com facili<strong>da</strong>de. Então, imagine a minha<br />
alegria quando recebi o seguinte fax <strong>dos</strong><br />
Eisners: ‘Queri<strong>dos</strong> Marisa e Paulo, eu e<br />
Ann recebemos o seu filme na noite<br />
passa<strong>da</strong>... Bravo! Ele é excelente. Seu<br />
design <strong>da</strong>s seqüências anima<strong>da</strong>s foi<br />
brilhante e criativo! Obrigado por esse<br />
grande filme!’, escreveram eles, que<br />
compareceram às duas pré-estréias do<br />
filme, em novembro de 1999, no Rio e<br />
em São Paulo”, lembra Marisa Furtado.<br />
<strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong><br />
Número 362 - Janeiro de 2011<br />
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Projeto gráfico e diagramação: Francisco Ucha<br />
Edição de textos: Maurício Azêdo<br />
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Marques Gomes.<br />
Conselheiros suplentes 2008-2011<br />
Alcyr Cavalcânti, Edgar Catoira, Francisco Paula Freitas, Francisco Pedro do Coutto,<br />
Itamar Guerreiro, Jarbas Domingos Vaz, José Pereira <strong>da</strong> Silva (Pereirinha), Maria do<br />
Perpétuo Socorro Vitarelli, Ponce de Leon, Ruy Bello (in memoriam) , Salete Lisboa, Sidney<br />
Rezende, Sylvia Moretzsohn, Sílvio Paixão e Wilson S. J. de Magalhães.<br />
COMISSÃO DE SINDICÂNCIA<br />
José Pereira <strong>da</strong> Silva (Pereirinha), Presidente; Carlos Di Paola, Marcus Antônio Mendes de<br />
Miran<strong>da</strong>, Maria Ignez Duque Estra<strong>da</strong> Bastos e Toni Marins (in memoriam) .<br />
COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO<br />
Alberto Dines, Arthur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti.<br />
COMISSÃO DE DEFESA DA LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOS<br />
Lênin Novaes de Araújo, Presidente; Wilson de Carvalho, Secretário; Alcyr Cavalcanti, Arcírio<br />
Gouvêa Neto, Daniel de Castro, Geraldo Pereira <strong>dos</strong> Santos, Germando de Oliveira Gonçalves,<br />
Gilberto Magalhães, José Ângelo <strong>da</strong> Silva Fernandes, Lucy Mary Carneiro, Maria Cecília<br />
Ribas Carneiro, Mário Augusto Jakobskind, Martha Arru<strong>da</strong> de Paiva e Yacy Nunes.<br />
COMISSÃO DIRETORA DA DIRETORIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL<br />
Ilma Martins <strong>da</strong> Silva, Presidente, Jorge Nunes de Freitas, Manoel Pacheco <strong>dos</strong> Santos,<br />
Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Mirson Murad e Moacyr Lacer<strong>da</strong>.<br />
REPRESENTAÇÃO DE SÃO PAULO<br />
Conselho Consultivo: Rodolfo Konder (Diretor), Douglas Tavolaro, Fausto Camunha,<br />
George Benigno Jatahy Duque Estra<strong>da</strong>, James Akel, Luthero Maynard e Reginaldo Dutra.<br />
O JORNAL DA <strong>ABI</strong> NÃO ADOTA AS REGRAS DO ACORDO ORTOGRÁFICO DOS PAÍSES DE<br />
LÍNGUA PORTUGUESA, COMO ADMITE O DECRETO Nº 6.586, DE 29 DE SETEMBRO DE 2008.<br />
CAPA: OS PERSONAGENS QUE INTERFEREM NO LOGOTIPO DO JORNAL DA <strong>ABI</strong> SÃO MAFALDA, THE MAD MONKS (DO HENFIL NOS EUA), SNOOPY, MÔNICA, HOMEM-ARANHA E PERERÊ. EMBAIXO, NO SENTIDO HORÁRIO, COMEÇANDO PELO SAMURAI LOBO<br />
SOLITÁRIO, OS QUADRINHOS QUE ILUSTRAM A CAPA SÃO BALLADE, DE MOEBIUS; KEN PARKER; ZUMBI, DE JÔ OLIVEIRA; JUVÊNCIO, O JUSTICEIRO, POR SÉRGIO LIMA; PELE DE COBRA; VALENTINA (EM CIMA) E BARBARELLA; E O JUDOKA, POR MARIO LIMA.<br />
<strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011<br />
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Sem dinheiro...<br />
no hotel mais<br />
caro do mundo<br />
POR MAURICIO DE SOUSA<br />
Era tempo de festival<br />
de História em<br />
<strong>Quadrinhos</strong> em Lucca, na<br />
Itália. O mais importante do mundo e que reunia,<br />
a ca<strong>da</strong> ano, os mais importantes desenhistas<br />
de ca<strong>da</strong> país. O ano: 1971.<br />
Para mim um festival memorável:<br />
voltei para o Brasil com dois<br />
prêmios: o Gran Guinigi e o Yellow<br />
Kid (este último considerado<br />
o Oscar <strong>da</strong>s HQ).<br />
E lá estávamos nós, os desenhistas,<br />
reuni<strong>dos</strong> para palestras,<br />
convenções, premiações e principalmente<br />
(naquela região <strong>da</strong> Toscana)<br />
para almoços e jantares<br />
monumentais, rega<strong>dos</strong> a vinho<br />
generoso. Mas a coisa não terminava<br />
aí. A Europa nos convi<strong>da</strong>va para estica<strong>da</strong>s<br />
aos países mais próximos após a mostra. E eu aceitei<br />
a sugestão do meu colega Hugo Pratt (Corto<br />
Maltese) para visitá-lo em Veneza, onde ele tinha<br />
uma de suas casas.<br />
Antes, como o clima do Festival estava uma<br />
beleza, antevia a premiação e tinha um tempinho<br />
para essa fugidinha para Veneza, liguei para o Brasil<br />
e convidei minha então esposa Vera Lúcia, para<br />
“voar” para Lucca, a fim de ain<strong>da</strong> pegar o Festival<br />
pelo meio e depois irmos, juntos, para Veneza<br />
numa lua-de-mel tardia. Vera conseguiu chegar rapidinho,<br />
participou <strong>da</strong>s festivi<strong>da</strong>des de premiação<br />
e arrumamos as malas para a estica<strong>da</strong> veneziana.<br />
Só havia um problema naquele tempo: eu tinha<br />
o dinheiro contado para os poucos dias que<br />
Este texto foi publicado<br />
originalmente no Portal <strong>da</strong><br />
Mônica (www.monica.com.br)<br />
em 1996. No site, Mauricio<br />
de Sousa tem uma área onde<br />
publica periodicamente suas<br />
crônicas. Nesta, ele conta,<br />
25 anos depois, um fato<br />
marcante que aconteceu logo<br />
depois de ter sido agraciado<br />
com o Oscar <strong>dos</strong> <strong>Quadrinhos</strong>,<br />
o Prêmio Yellow Kid.<br />
vinham pela frente. Não podíamos<br />
nem pensar em errar na escolha<br />
de um mero restaurante. Tínhamos<br />
que economizar, mesmo!<br />
Mas o outono era uma festa, o<br />
clima de lua-de-mel também.<br />
Dinheiro era o menos importante... desde que<br />
tomássemos cui<strong>da</strong>do.<br />
Chegamos a Veneza, por trem.<br />
Hugo nos esperava, com aquele<br />
seu corpanzil, sorriso simpático<br />
e jeitão todo diferente de falar.<br />
Misturando italiano com português<br />
e espanhol para que Vera<br />
o compreendesse. Chamou uma<br />
lancha-táxi e disse que tinha reservado<br />
para nós um hotelzinho<br />
simpático e barato. Eu já havia lhe<br />
contado, em Lucca, do nosso problema<br />
de caixa. Ele nos acalmou,<br />
enquanto singrávamos pelos canais, aboba<strong>dos</strong> pelo<br />
espetáculo. Hugo dizia, enquanto admirávamos<br />
a ci<strong>da</strong>de, que Veneza fôra feita para lua-de-mel. E<br />
a lancha embicou numa viela-canal ao lado de<br />
velhos prédios, próximo <strong>da</strong> Piazza San Marco.<br />
Uma portinha quase despercebi<strong>da</strong> surgiu rente<br />
à água, num paredão lateral de uma velhíssima<br />
construção. Hugo disse que era ali. Fez-nos descer<br />
<strong>da</strong> lancha num pequeno embarcadouro e nos<br />
encaminhou à entra<strong>da</strong>. Antes que pudéssemos<br />
falar mais coisas subiu na lancha e sumiu.<br />
Tomamos o corredorzinho meio escuro e fomos<br />
em busca <strong>da</strong> recepção. A julgar pelo corredor<br />
velho e escuro, já estava até imaginando que<br />
o Hugo Pratt nos indicara um hotel inferior ao<br />
que eu pedira.<br />
Mas a dúvi<strong>da</strong> se desvaneceu quando deparamos<br />
com um enorme salão renascentista, coalhado<br />
de quadros e tapetes maravilhosos. A decoração<br />
era, no gênero, o que eu vira de mais sofisticado<br />
e magnificente. Era de cair o queixo. Vera<br />
e eu achamos que o Hugo se enganara ou estávamos<br />
no meio de um museu no caminho do tal<br />
hotelzinho. Mas tudo era muito estranho. Até encontrarmos,<br />
atrás de uma coluna, a recepção.<br />
Onde nos informaram <strong>da</strong> reserva feita em meu<br />
nome. Preenchemos as fichas e subimos para uma<br />
suite de cobertura que <strong>da</strong>va para o grande canal.<br />
Uma beleza de vista. Lin<strong>da</strong>. E provavelmente<br />
muito cara. Vera estava encanta<strong>da</strong>. E preocupa<strong>da</strong>,<br />
como eu.<br />
Como é que íamos pagar tudo aquilo?<br />
Telefonei para o Hugo. E ele, às gargalha<strong>da</strong>s,<br />
disse que tinha planejado tudo aquilo, sim, porque<br />
achava que uma lua-de-mel merecia o melhor<br />
e mais caro hotel do mundo: o Danieli Excelsior.<br />
E que eu economizasse no resto <strong>da</strong> viagem.<br />
Mas não nos três dias de Veneza.<br />
Aceitei o argumento. Já que estávamos ali, o<br />
melhor era aproveitarmos.<br />
O que fizemos.<br />
Nos dias restantes, na volta via Paris tivemos<br />
que experimentar almoços e jantares de sanduíches<br />
e vinhos mais baratos. Mas sabe que também<br />
foi delicioso? Pudera: pão e salame franceses<br />
e mais vinho Beaujolais, que era mais barato<br />
que água. O que mais queríamos para terminar<br />
a lua-de-mel temporã?<br />
Mas to<strong>da</strong>s essas aventuras tiveram um significado<br />
especial dentre as minhas lembranças de<br />
vi<strong>da</strong>: uma semana depois de nossa chega<strong>da</strong> ao<br />
Brasil, Vera morreu num acidente de carro.