13.07.2017 Views

Jornal da ABI Especial - A Cronologia dos Quadrinhos 2

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

362<br />

JANEIRO<br />

2011<br />

Órgão oficial <strong>da</strong> Associação Brasileira de Imprensa


EDITORIAL<br />

A epopéia continua<br />

SE ESTE EDITORIAL pudesse<br />

ser resumido numa tira, esta seria<br />

a <strong>da</strong>s Cobras que publicamos<br />

acima. Em apenas três quadrinhos,<br />

Luís Fernando Verissimo<br />

sintetiza a importância <strong>da</strong>s hqs<br />

para os jornais num determinado<br />

momento <strong>da</strong> História. E é<br />

essa História que continuamos<br />

contando na segun<strong>da</strong> parte <strong>da</strong><br />

<strong>Cronologia</strong> <strong>dos</strong> <strong>Quadrinhos</strong>, que<br />

o <strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> apresenta nesta<br />

edição.<br />

Júlio Shimamoto, entre outros<br />

talentos.<br />

UM NOME SE DESTACA em<br />

meio a tantos lançamentos:<br />

Jayme Cortez. Ele lutou pela<br />

nacionalização <strong>da</strong> produção de<br />

quadrinhos e trabalhou com os<br />

mais importantes desenhistas<br />

<strong>da</strong> época; foi o responsável pelo<br />

lançamento de revistas <strong>dos</strong><br />

mais diversos temas produzi<strong>da</strong>s<br />

no País.<br />

ANÚNCIO DA<br />

REVISTA PERERÊ,<br />

DO ZIRALDO,<br />

PUBLICADO<br />

PELA EDITORA<br />

E GRÁFICA<br />

O CRUZEIRO.<br />

PRIMEIRA TIRA DO BIDU,<br />

DE MAURICIO DE SOUSA.<br />

A GUERRA ENTRE Adolfo Aizen<br />

e Roberto Marinho atinge<br />

seu ápice com diversos lançamentos<br />

de revistas em quadrinhos.<br />

Ca<strong>da</strong> um tentando ocupar<br />

seu espaço e sobrepujar o<br />

concorrente. Logo surge a Editora<br />

Abril, de Victor Civita, que<br />

chega com o Pato Donald e os<br />

personagens <strong>da</strong> Disney. E, em<br />

segui<strong>da</strong>, as várias editoras paulistas<br />

que publicam mais e mais<br />

títulos de to<strong>dos</strong> os gêneros.<br />

ALÉM DAS REVISTAS de terror,<br />

que passam a ser totalmente<br />

produzi<strong>da</strong>s no Brasil, sucessos<br />

do rádio e <strong>da</strong> tv começam<br />

a inspirar a<strong>da</strong>ptações para os<br />

quadrinhos. Revistas como<br />

Aventuras do Anjo, Fuzarca e Torresmo,<br />

Arrelia e Pimentinha,<br />

Oscarito e Grande Otelo, Carequinha<br />

e Fred, Mazzaropi em<br />

<strong>Quadrinhos</strong>, Jerônimo - O Herói<br />

do Sertão, Juvêncio - o Justiceiro<br />

e Vigilante Rodoviário<br />

são produzi<strong>da</strong>s por desenhistas<br />

<strong>da</strong> mais alta<br />

qualificação: Flávio<br />

Colin, Nico Rosso,<br />

André Le Blanc, Eugênio<br />

Colonnese, Sérgio<br />

Lima, Rodolfo Zala,<br />

OUTRO BALUARTE DAS hqs<br />

no Brasil foi Adolfo Aizen, que<br />

lutou para fazer que os quadrinhos<br />

fossem respeita<strong>dos</strong> e vistos<br />

sem preconceito. Por isso,<br />

sua Editora Brasil-América,<br />

conheci<strong>da</strong> carinhosamente como<br />

Ebal, sempre lançou revistas<br />

educativas e buscou o apoio<br />

de professores e intelectuais<br />

para seus projetos. Revistas<br />

como Edição Maravilhosa e<br />

Epopéia foram de notável importância<br />

em sua época. Alguns<br />

romances <strong>da</strong> literatura<br />

brasileira foram a<strong>da</strong>pta<strong>dos</strong><br />

para os quadrinhos com bons<br />

resulta<strong>dos</strong> editoriais.<br />

VIGILANTE RODOVIÁRIO,<br />

DE OSWALDO TALO<br />

NOS ANOS 1960, dois autores<br />

começam a se destacar: Ziraldo,<br />

com a turma do Pererê,<br />

e Mauricio de Sousa, com seus<br />

personagens infantis, lidera<strong>dos</strong><br />

por Bidu, Cebolinha e, claro, a<br />

Mônica. Na entrevista que publicamos,<br />

Mauricio nos conta<br />

como um repórter policial nunca<br />

deixou de acreditar que podia<br />

sobreviver desenhando<br />

quadrinhos. Também batemos<br />

um papo com um desenhista<br />

cultuado por apenas cinco hqs<br />

produzi<strong>da</strong>s nos anos 1970 para<br />

a Ebal: Floriano Hermeto de<br />

Almei<strong>da</strong> Filho, ou FHAF,<br />

como assinava suas histórias<br />

de O Judoka.<br />

DE 1949 A 1977 muita<br />

coisa aconteceu e<br />

“Poucas vezes no<br />

quadro geral <strong>da</strong><br />

literatura e arte<br />

brasileiras, uma obra<br />

refletiu com tanta<br />

agudeza crítica os<br />

problemas sociais<br />

de sua época.”<br />

MOACY CIRNE, EM A LINGUAGEM<br />

DOS QUADRINHOS, SOBRE O<br />

PERERÊ, DE ZIRALDO.<br />

tentamos registrar os principais<br />

fatos aqui. Os 34 anos seguintes<br />

serão tema de novo<br />

volume <strong>da</strong> <strong>Cronologia</strong> <strong>dos</strong> <strong>Quadrinhos</strong>,<br />

que será apresentado<br />

pelo <strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> no segundo<br />

semestre.<br />

FAÇA UMA BOA viagem no<br />

tempo!<br />

2 <strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011


VICTOR CIVITA VÊ<br />

PROVAS DE IMPRESSÃO DA<br />

REVISTA O PATO DONALD.<br />

DESENHO DE<br />

ANDRÉ LE BLANC<br />

PARA A ADAPTAÇÃO<br />

DE O GUARANI,<br />

PUBLICADA NA<br />

EDIÇÃO<br />

MARAVILHOSA<br />

DA EBAL.<br />

BEETLE BAILEY,<br />

DE MORT WALKER,<br />

ANTES DE SE<br />

ALISTAR NO<br />

EXÉRCITO E SE<br />

TORNAR O<br />

RECRUTA ZERO.<br />

1950<br />

1949<br />

Chega às bancas a revista em<br />

quadrinhos Shazam!, último<br />

título lançado por Roberto<br />

Marinho através de O Globo.<br />

Depois de publicar revistas de<br />

sucesso como Gibi (lança<strong>da</strong> em<br />

12 de abril de 1939), Gibi<br />

Mensal (1942), O Globo<br />

Juvenil Mensal (1943) e Biriba<br />

(1948), Marinho passaria a<br />

lançar suas publicações em<br />

quadrinhos pela Rio Gráfica e<br />

Editora a partir de 1952.<br />

Com o sucesso de Herói,<br />

Superman (1947) e Idílio<br />

(1948), Adolfo Aizen, <strong>da</strong> Editora<br />

Brasil-América-Ebal, lança quatro<br />

novas revistas em quadrinhos:<br />

Mindinho, Álbum Gigante,<br />

Edição Maravilhosa<br />

(inicialmente, uma tradução <strong>da</strong><br />

norte-americana Classics<br />

Illustrated; mais tarde publicaria<br />

também a<strong>da</strong>ptações de romances<br />

nacionais) e Aí, Mocinho, com<br />

histórias de faroeste.<br />

1950<br />

A Editora Abril, de Victor<br />

Civita, lança O Pato Donald<br />

onald, sua<br />

primeira publicação oficial<br />

(antes, com o nome de Editora<br />

Primavera, já havia lançado a<br />

revista Raio Vermelho<br />

ermelho),<br />

tornando-se a casa oficial <strong>da</strong><br />

Disney no Brasil até hoje. Os<br />

lucros de O Pato Donald<br />

aju<strong>da</strong>ram a montar o império<br />

editorial que se tornou a Editora<br />

Abril. O personagem brasileiro<br />

de Disney, Zé Carioca, aparecia<br />

já na capa <strong>da</strong> primeira edição,<br />

trazendo uma bicicleta para o<br />

Pato Donald consertar.<br />

A Ebal começa a publicar<br />

a<strong>da</strong>ptações de romances<br />

brasileiros em sua Edição<br />

Maravilhosa. A primeira é<br />

O Guarani, de José de Alencar,<br />

ilustrado com maestria por<br />

André Le Blanc. Não era a<br />

primeira vez, entretanto, que<br />

esse romance de Alencar tinha<br />

sido quadrinizado: em 1947,<br />

Jayme Cortez publicou uma<br />

versão serializa<strong>da</strong> no<br />

Diário <strong>da</strong> Noite.<br />

A Editora Vecchi lança as<br />

revistas Xuxá e Pequeno<br />

Sheriff, de procedência italiana,<br />

inaugurando o “formato cheque”<br />

no Brasil (tipo de revista em<br />

quadrinhos na forma de tiras<br />

horizontais, que lembram um<br />

talão de cheques). A revista<br />

Super X (acima), <strong>da</strong> Ebal,<br />

também é lança<strong>da</strong> nesse formato.<br />

Em abril, a Ebal lança a revista<br />

Quem Foi?<br />

oi?, com aventuras<br />

policiais e suspense. Na capa o<br />

alerta: “para maiores de 17<br />

anos”. Três meses depois, a<br />

editora paulista La Selva lança<br />

O Terror Negro com histórias<br />

policiais e de mistério com o<br />

personagem que <strong>da</strong>va nome à<br />

publicação. Pelas páginas <strong>da</strong><br />

revista desfilavam heróis menos<br />

conheci<strong>dos</strong> como Detetive<br />

Fantasma, Homem-Maravilha e<br />

Doc Strange.<br />

Mort Walker cria a tira Beetle<br />

Bailey<br />

ailey, distribuí<strong>da</strong> pelo King<br />

Features. No Brasil, o personagem<br />

seria conhecido como Recruta<br />

Zero. Mas o interessante é que ele<br />

começou como civil e só entrou<br />

para o exército (de onde nunca<br />

mais deu baixa) no ano seguinte.<br />

Charles M. Schulz<br />

cria uma tira<br />

mostrando o<br />

universo de crianças<br />

pequenas: Peanuts.<br />

Ele desenhou essa<br />

tira continuamente<br />

por 50 anos, até<br />

morrer, em 2000.<br />

Personagens como<br />

Charlie Brown, Linus<br />

Snoopy e Woodstock se<br />

transformaram em ver<strong>da</strong>deiros<br />

ícones <strong>da</strong> cultura pop.<br />

Com textos de Elliot Caplin<br />

(irmão de Al Capp) e desenhos<br />

de John Cullen Murphy começa<br />

Big Ben Bolt<br />

olt, uma tira<br />

protagoniza<strong>da</strong> por um boxeador.<br />

1951<br />

A Editora La Selva relança<br />

O Terror Negro a partir do<br />

número 1, depois que o<br />

personagem que <strong>da</strong>va o nome à<br />

revista é cancelado nos Esta<strong>dos</strong><br />

Uni<strong>dos</strong>, e começa a publicar<br />

histórias de terror, tornando a<br />

publicação campeã brasileira no<br />

gênero. Esse fato provoca a ira<br />

do jornalista Carlos Lacer<strong>da</strong>, <strong>da</strong><br />

Tribuna <strong>da</strong> Imprensa, que<br />

publica uma reportagem contra a<br />

editora, perguntando em tom de<br />

denúncia “O que lêem as<br />

crianças no Brasil?” E ele mesmo<br />

dá a resposta sensacionalista:<br />

“Os La Selva espalham o terror<br />

pelo Brasil”. Mas o sucesso <strong>da</strong><br />

revista motiva o surgimento de<br />

congêneres <strong>da</strong> própria La Selva e<br />

de sua editora meio-irmã, Gráfica<br />

Novo Mundo, e logo as bancas<br />

estão cheias de títulos como<br />

Sobrenatural, Medo, Gato<br />

Preto e Mundo de Sombras.<br />

Em julho, Tarzan<br />

ganha sua<br />

revista em quadrinhos pela<br />

Editora Brasil-América. Capitão Z,<br />

no “formato cheque”, surge no<br />

mesmo mês. Em novembro, a<br />

Ebal lança também a revista<br />

Cinemin, que publica<br />

quadrinizações de grandes<br />

sucessos cinematográficos,<br />

como Quando Canta o Coração<br />

(Two Weeks with Love), cartaz<br />

<strong>da</strong> primeira edição.<br />

Samuel Wainer, ao lançar<br />

Última Hora, faz uma parceria<br />

com Adolfo Aizen, <strong>da</strong> Ebal, que<br />

edita para ele um suplemento<br />

diário de quadrinhos, encartado<br />

no jornal. Mas o amor de Wainer<br />

pelos quadrinhos duraria pouco.<br />

Dois anos depois, para se vingar<br />

de Roberto Marinho, que o<br />

denunciara por não ser brasileiro<br />

nato e ser dono de uma<br />

empresa jornalística, Samuel<br />

contrata o jornalista Edmar Morel<br />

para escrever uma série de artigos<br />

fazendo uma violenta campanha<br />

contra os quadrinhos.<br />

O Capitão Atlas, personagem<br />

do rádio que vivia aventuras<br />

principalmente na selva<br />

amazônica, ganha uma revista<br />

em quadrinhos com histórias<br />

desenha<strong>da</strong>s por André Le Blanc.<br />

Nos últimos números reveza as<br />

páginas <strong>da</strong> revista com outra<br />

criação de Le Blanc, Morena Flor.<br />

PEANUTS, DE<br />

CHARLES M. SCHULZ<br />

<strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011<br />

3


FOTO PUBLICADA NA REVISTA O HERÓI, DA EDITORA<br />

BRASIL-AMÉRICA, COM OS ORGANIZADORES DA<br />

1ª EXPOSIÇÃO DE HISTÓRIAS EM QUADRINHOS:<br />

JAYME CORTEZ, REINALDO OLIVEIRA,<br />

SYLLAS ROBERG E ÁLVARO DE MOYA.<br />

CAVALEIRO NEGRO<br />

PIMENTINHA,<br />

DE HANK KETCHAM<br />

Álvaro de Moya, Reinaldo<br />

Oliveira, Miguel Penteado, Jayme<br />

Cortez e Syllas Roberg organizam<br />

a Primeira Exposição<br />

Internacional de Histórias em<br />

<strong>Quadrinhos</strong>, em São Paulo, que<br />

exibe di<strong>da</strong>ticamente originais de<br />

desenhistas como Alex Raymond<br />

(Flash Gordon), Milton Cannif<br />

(Terry e os Piratas/Steve<br />

Canyon), Al Capp (Ferdinando),<br />

George Herriman (Krazy Kat),<br />

Roy Crane (Wash Tubbs/Buzz<br />

Sawyer) e Will Eisner (Spirit).<br />

Hank Ketcham cria Dennis,<br />

The Menace, o Pimentinha.<br />

Cisco Kid, que surgiu no<br />

conto The Caballero's Way, de<br />

O´Henry, em 1907, já tinha sido<br />

a<strong>da</strong>ptado para rádio, filmes<br />

mu<strong>dos</strong> e fala<strong>dos</strong>, seriado de tv e<br />

até mesmo quadrinhos. Mas é<br />

na versão de tiras de jornais<br />

distribuí<strong>da</strong> pelo King Features<br />

Syndicate, roteiriza<strong>da</strong> por Rod<br />

Reed e ilustra<strong>da</strong> pelo argentino<br />

José Luís Salinas, que o<br />

personagem galante vive a sua<br />

melhor encarnação.<br />

1952<br />

Harvey Kurtzman cria a revista<br />

Mad, que logo se torna o carrochefe<br />

<strong>da</strong> editora E.C. Comics.<br />

Os cowboys cantores Gene<br />

Autry e Roy Rogers ganham<br />

revista própria em abril, pela<br />

Ebal. No mesmo mês, Papai<br />

Noel deixa as festivi<strong>da</strong>des<br />

natalinas para <strong>da</strong>r nome a uma<br />

revista infantil mensal, com<br />

histórias de Tom & Jerry. Já a La<br />

Selva lança outro famoso<br />

cowboy, John Wayne<br />

ayne.<br />

No Japão, Osamu Tezuka<br />

começa a publicar o mangá<br />

Tetsuwan Atom, que se tornaria<br />

sua mais famosa criação. Uma<br />

déca<strong>da</strong> depois, viraria série de<br />

animação e seria o primeiro<br />

desenho japonês a ser<br />

importado pelos EUA, com o<br />

nome de Astro Boy, que virou<br />

febre e abriu as portas para<br />

vários outros. Mas a série original<br />

nunca foi exibi<strong>da</strong> no Brasil.<br />

Seguindo o caminho <strong>da</strong><br />

Edição Maravilhosa, em agosto,<br />

a Ebal publica o primeiro<br />

número <strong>da</strong> antológica Epopéia,<br />

revista em formato maior (como<br />

O Cruzeiro) que publicaria<br />

quadrinhos com a<strong>da</strong>ptações de<br />

episódios <strong>da</strong> História universal.<br />

Surge a Rio Gráfica e<br />

Editora, de Roberto Marinho,<br />

que absorve os títulos do Globo<br />

Juvenil (Gibi Mensal, O Globo<br />

Juvenil Mensal, Biriba) além de<br />

lançar novas publicações, como<br />

a revista do Cavaleiro Negro<br />

ro<br />

(Black Rider), um vingador<br />

mascarado que estreou nos<br />

Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong> em 1948 no<br />

CISCO KID, DE JOSÉ LUÍS SALINAS<br />

segundo número <strong>da</strong> revista All-<br />

Western Winners, <strong>da</strong> Timely<br />

Comics (mais tarde, Marvel<br />

Comics). Suas aventuras<br />

fizeram tanto sucesso no Brasil<br />

que, mesmo depois de serem<br />

cancela<strong>da</strong>s em seu país de<br />

origem, continuaram a ser<br />

produzi<strong>da</strong>s no Brasil, desenha<strong>da</strong>s<br />

por talentosos artistas como<br />

Gutemberg Monteiro, Walmir<br />

Amaral e Juarez Odilon.<br />

Em outubro, a revista Mickey<br />

é lança<strong>da</strong> pela Editora Abril.<br />

1953<br />

Alguns personagens de O<br />

Globo Juvenil ganham título<br />

próprio pela Rio Gráfica. O primeiro<br />

é O Fantasma Magazine, em<br />

março. Em segui<strong>da</strong>, são<br />

lança<strong>da</strong>s as revistas Mandrake<br />

Magazine e Flecha Ligeira.<br />

Em março, a Ebal lança<br />

quatro novas revistas: Batman<br />

atman,<br />

Possante, Pinduca e Popeye.<br />

Em julho chega a vez de Reis<br />

do Faroeste<br />

aroeste, uma <strong>da</strong>s revistas<br />

de maior duração <strong>da</strong> editora. Na<br />

primeira edição, o cowboy Buck<br />

Jones é a atração.<br />

4 <strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011


ZEZÉ & CIA, DE MORT WALKER E<br />

DIK BROWNE (ACIMA). TINTIN E SUA<br />

TURMA CHEGAM À LUA (DIREITA).<br />

Surgem as primeiras revistas<br />

em 3-D. A tecnologia foi<br />

desenvolvi<strong>da</strong> por Joe Kubert e<br />

Norman Maurer. A primeira é<br />

uma edição especial de Mighty<br />

Mouse (Possante) e a Ebal<br />

rapi<strong>da</strong>mente a publica no Brasil.<br />

Para ver as imagens em terceira<br />

dimensão o leitor tem que<br />

colocar óculos especiais. A<br />

mo<strong>da</strong> vira uma febre, mas a<br />

novi<strong>da</strong>de cansa rápido.<br />

<strong>Especial</strong>ista em retratar as<br />

raízes do Brasil, o pintor e<br />

desenhista José Lanzellotti cria<br />

um personagem bem brasileiro:<br />

Raimundo, o Cangaceiro, que<br />

alia documentação histórica e<br />

quadrinhos, duas especiali<strong>da</strong>des<br />

do artista. O personagem passa a<br />

ser publicado na revista Aliança<br />

Juvenil em 1954; nos anos<br />

1960, é relançado pela La Selva.<br />

Os personagens de Tintin<br />

são os primeiros humanos <strong>dos</strong><br />

quadrinhos a pôr os pés na Lua,<br />

antecipando Neil Armstrong, que<br />

só repetiria essa proeza dezesseis<br />

anos depois. A história começou<br />

seria<strong>da</strong> em 1950 e se estendeu<br />

até 1953, na revista belga do<br />

mesmo nome; depois foi reuni<strong>da</strong>,<br />

em dois álbuns, Objectif: Lune<br />

e On a Marche sur La a Lune,<br />

publica<strong>dos</strong> respectivamente em<br />

1953 e 1954.<br />

Preocupado com as críticas<br />

que os detratores <strong>dos</strong><br />

quadrinhos fazem, Adolfo Aizen<br />

continua a lançar uma linha de<br />

revistas educativas. Depois de<br />

Edição Maravilhosa e Epopéia,<br />

chega a vez <strong>da</strong> Série Sagra<strong>da</strong>,<br />

que em sua primeira edição<br />

traz a história do Papa Pio XII.<br />

Em novembro, a Ebal lança<br />

Ciência em <strong>Quadrinhos</strong>.<br />

A La Selva lança revistas de<br />

vários gêneros: contos policiais<br />

aparecem em Emoção e<br />

Contos de Mistério; humor<br />

com Abott e Costello, infantojuvenis<br />

com Capitão Ra<strong>da</strong>r,<br />

Supermouse, O Coelho<br />

Valente<br />

alente, Seleções Juvenis,<br />

Aventuras Heróicas, entre<br />

várias outras.<br />

1954<br />

O cerco se fecha para os<br />

quadrinhos: é publicado o livro<br />

do psiquiatra norte-americano<br />

Frederic Wertham, Seduction of<br />

the Innocent (A Sedução do<br />

Inocente), que tenta provar por<br />

a + b que as revistas em<br />

quadrinhos são nocivas para a<br />

formação <strong>da</strong> juventude. Ele levanta<br />

suspeitas de que Batman e Robin<br />

(abaixo) são homossexuais e a<br />

Mulher-Maravilha é lésbica, além<br />

de ser <strong>da</strong><strong>da</strong> a práticas de<br />

bon<strong>da</strong>ge. Mas o alvo maior são<br />

as revistas de crime e de terror,<br />

que estavam fazendo a fama e a<br />

fortuna de William M. Gaines,<br />

proprietário <strong>da</strong> E.C. Comics.<br />

Como conseqüência, o Senado<br />

norte-americano abre uma CPI<br />

para investigar o assunto, e as<br />

fogueiras nos EUA destróem<br />

milhões de revistas em<br />

quadrinhos.<br />

Para evitar<br />

que essa<br />

campanha<br />

contra os<br />

quadrinhos<br />

atinja to<strong>da</strong> a<br />

indústria, e não apenas as<br />

histórias de terror e crime, os<br />

principais editores norteamericanos<br />

unem-se para criar o<br />

Comics Code Authority,<br />

mecanismo auto-regulatório que<br />

coloca um “selo de quali<strong>da</strong>de”<br />

nas revistas aprova<strong>da</strong>s por uma<br />

comissão que avalia o conteúdo.<br />

Na prática, uma censura vela<strong>da</strong>.<br />

Chegam às bancas<br />

Sobrenatural e Contos de<br />

Terror<br />

error, ambas <strong>da</strong> La Selva.<br />

O famoso cowboy mascarado<br />

The Lone Ranger finalmente<br />

ganha, em março, uma revista<br />

no Brasil, mas a Ebal altera o<br />

seu nome para Zorro<br />

orro, e a<br />

publicação se tornaria uma <strong>da</strong>s<br />

mais duradouras <strong>da</strong> editora. Mas<br />

os lançamentos não param por<br />

aí: em abril, chega Pequenina,<br />

uma revista em formato de bolso<br />

que publica histórias clássicas<br />

como O Homem <strong>da</strong> Máscara de<br />

Ferro, sua primeira<br />

atração. E o grande<br />

desenhista Max x Yantok<br />

antok,<br />

que trabalhara em O<br />

Tico-Tico, passa a<br />

desenvolver várias<br />

histórias que seriam<br />

publica<strong>da</strong>s a partir de<br />

outubro na nova série<br />

de O Capitão Z.<br />

A Rio Gráfica lança<br />

outro personagem do<br />

faroeste: Búfalo Bill.<br />

Mort Walker cria sua<br />

segun<strong>da</strong> tira de sucesso,<br />

Zezé & Cia (Hi and Lois), só<br />

que agora apenas escrevendo.<br />

Os desenhos ficam a cargo de<br />

Dik Browne. O casal tinha<br />

aparecido anteriormente<br />

fazendo pontas na tira Beetle<br />

Bailey (sim, Hi and Lois são,<br />

respectivamente, cunhado e<br />

irmã do Recruta Zero).<br />

No Rio Grande do Sul surge<br />

uma revista concebi<strong>da</strong> para o<br />

público infantil, cuja circulação<br />

era praticamente restrita à Região<br />

Sul: Cacique, mix de contos,<br />

passatempos e até quadrinhos.<br />

Entre os colaboradores estava o<br />

promissor Renato Canini, que<br />

mais tarde seria o responsável<br />

pela renovação <strong>da</strong>s histórias de<br />

Zé Carioca no Brasil.<br />

A editora Western Publishing<br />

lança a revista Turok, Son of<br />

Stone, com aventuras de índios<br />

nativos americanos em um<br />

mundo dominado por<br />

dinossauros. Mais tarde, o título<br />

sairia pela Gold Key e pela Valiant<br />

Comics. O ilustrador original foi<br />

Rex Maxon, mas a criação<br />

original <strong>da</strong>s histórias é disputa<strong>da</strong><br />

por vários autores, como<br />

Matthew H. Murphy, Gaylord Du<br />

Bois e Paul S. Newman.<br />

1955<br />

A Rio Gráfica lança em janeiro<br />

a revista do Águia Negra<br />

(Sir<br />

Falcon), um clone australiano do<br />

Fantasma, que em vez <strong>da</strong> selva<br />

tinha sua base num castelo<br />

medieval e também passava o<br />

uniforme de pai para filho, por<br />

séculos a fio. Ain<strong>da</strong> no primeiro<br />

trimestre, a RGE lança duas<br />

revistas de faroeste, Don on Chicote<br />

e Bronco Piler, além de<br />

O Santo, com as aventuras do<br />

personagem britânico de livros<br />

de mistério que ganhou fama<br />

também em novelas<br />

radiofônicas, no cinema e na tv.<br />

O Santo começou a ser<br />

publicado em tiras diárias a<br />

partir de 1948. Nick Holmes e<br />

Capitão Marvel também<br />

ganham revista própria pela RGE.<br />

A revista Edição<br />

Maravilhosa, que publica com<br />

grande sucesso a<strong>da</strong>ptações de<br />

romances mundiais para os<br />

quadrinhos, como Os Três<br />

Mosqueteiros, e nacionais, como<br />

A Moreninha, Escrava Isaura,<br />

chega à 100ª edição no mês de<br />

março com a a<strong>da</strong>ptação de<br />

Menino de Engenho, de José<br />

Lins do Rego, desenha<strong>da</strong> por<br />

André Le Blanc. Desde janeiro,<br />

Adolfo Aizen inicia uma nova<br />

série <strong>da</strong> revista Álbum Gigante,<br />

que passa a publicar também<br />

Romances Ilustra<strong>dos</strong>, como<br />

indica a capa <strong>da</strong> publicação.<br />

Vendo o sucesso <strong>da</strong> concorrente,<br />

a RGE também entra nessa linha<br />

e lança Romance em<br />

<strong>Quadrinhos</strong>. O desenhista<br />

<strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011<br />

5


NA ÚLTIMA TIRA DE RIP KIRBY, A DESPEDIDA DE ALEX RAYMOND.<br />

AS AVENTURAS ESPACIAIS DE JEFF HAWKE.<br />

Gutemberg Monteiro, que<br />

ilustrou A Moreninha e já havia<br />

realizado outros trabalhos para<br />

Adolfo Aizen, <strong>da</strong> Ebal, é contratado<br />

pela RGE. Na nova casa, além de<br />

quadrinizar romances e criar as<br />

capas de várias revistas, passa a<br />

desenhar algumas <strong>da</strong>s histórias do<br />

Fantasma. Mais tarde, na déca<strong>da</strong><br />

de 60, ele se mu<strong>da</strong>ria para os<br />

Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong>, onde seria o autor<br />

de diversos comics importantes,<br />

como Tom & Jerry, assinando<br />

seus trabalhos como Goot.<br />

Depois de O Guri (lançado<br />

em 1940 no Diário <strong>da</strong> Noite),<br />

Assis Chateaubriand amplia seus<br />

lançamentos em quadrinhos<br />

apostando em Luluzinha (Little<br />

Lulu), que passa a ser publica<strong>da</strong><br />

pela Editora O Cruzeiro a partir<br />

de julho.<br />

A Editora La Selva começa a<br />

publicar versões em quadrinhos<br />

de palhaços ou comediantes<br />

brasileiros famosos <strong>da</strong> época:<br />

Fuzarca e Torresmo<br />

orresmo, Arrelia e<br />

Pimentinha, Oscarito e<br />

Grande Otelo, Carequinha e<br />

Fred<br />

entre outros.<br />

O desenhista britânico e expiloto<br />

<strong>da</strong> Royal Air Force-RAF<br />

Sidney Jor<strong>da</strong>n começa a publicar<br />

Jeff Hawke. Inicialmente um<br />

piloto <strong>da</strong> RAF, o personagem<br />

passa a viver instigantes<br />

aventuras espaciais depois que<br />

William Patterson assume os<br />

roteiros <strong>da</strong>s histórias, <strong>da</strong>ndo a<br />

Jor<strong>da</strong>n a chance de trabalhar<br />

ain<strong>da</strong> mais seus traços realísticos.<br />

Ham Fisher, o criador de Joe<br />

Palooka<br />

alooka, comete suicídio<br />

após ter sido expulso<br />

<strong>da</strong> National Cartoonists<br />

Society, por ter tentado difamar<br />

Al Capp, acusando-o de embutir<br />

desenhos pornográficos em<br />

suas tiras. A “prova” apresenta<strong>da</strong><br />

foi uma tira, retoca<strong>da</strong> pelo<br />

próprio Fisher, que ficou<br />

desmoralizado, quando Capp<br />

apresentou o original <strong>da</strong> tira, que<br />

na<strong>da</strong> tinha de pornográfico. A rixa<br />

entre os dois vinha de longe:<br />

Fisher, na déca<strong>da</strong> de 30, tinha<br />

conhecido Al Capp por acaso<br />

durante um encontrão casual na<br />

rua; ao ajudá-lo a recolher os<br />

desenhos espalha<strong>dos</strong> pelo chão,<br />

reconheceu seu talento e o<br />

convidou para ser seu assistente.<br />

Mais tarde, quando Al Capp<br />

pediu demissão e criou sua<br />

própria tira, Ferdinando<br />

(Li’l<br />

Abner), com sucesso estron<strong>dos</strong>o,<br />

começou uma guerra suja. Fisher<br />

alegava que os caipiras de<br />

Dogpatch (Brejo Seco) haviam<br />

sido plagia<strong>dos</strong> de uma história<br />

de Joe Palooka; Capp contraatacava,<br />

satirizando-o como<br />

um personagemdesenhista<br />

que explorava<br />

os assistentes.<br />

1956<br />

William Gaines mu<strong>da</strong><br />

o formato <strong>da</strong> revista Mad<br />

para escapar <strong>da</strong> censura,<br />

que visa só as revistas<br />

em quadrinhos<br />

colori<strong>da</strong>s. Mas<br />

logo ele e o<br />

editor Harvey<br />

Kurtzman se desentendem e o<br />

comando é passado para o exeditor<br />

<strong>da</strong>s revistas de terror, Al<br />

Feldstein, que, entre outras<br />

novi<strong>da</strong>des, incorpora o mascote<br />

Alfred E. Neuman (abaixo) na<br />

capa <strong>da</strong> revista e contrata como<br />

colaborador o impagável Don<br />

Martin, que logo se torna o<br />

sustentáculo <strong>da</strong> revista.<br />

Acaba a pendência judicial<br />

Superman x Capitão Marvel.<br />

Mas não porque a DC Comics<br />

tenha ganhado o processo. A<br />

Fawcett é que desiste, quando<br />

sente que não valia mais a pena,<br />

comercialmente, continuar<br />

publicando o personagem. Mas<br />

o editor britânico ain<strong>da</strong> estava<br />

tendo lucro e cria dois clones<br />

para substituir Capitão Marvel e<br />

Capitão Marvel Jr.: Marvelman e<br />

Marvelman Jr. Eram cópias<br />

descara<strong>da</strong>s, com palavra<br />

mágica e tudo<br />

(Shazam foi<br />

substituí<strong>da</strong> por<br />

Kimota). Até o<br />

arquiinimigo do<br />

herói, Dr.Silvana,<br />

tinha seu clone,<br />

chamado<br />

Gargunza. No Brasil,<br />

essas histórias saíam,<br />

juntamente com os<br />

personagens<br />

originais, nos<br />

gibis <strong>da</strong> Rio<br />

A REVISTA LASSIE É<br />

LANÇADA PELA EBAL.<br />

DESENHADO POR<br />

CARMINE INFANTINO,<br />

FLASH É RELANÇADO<br />

NOS ESTADOS UNIDOS:<br />

INÍCIO DA SILVER AGE.<br />

SUPER-HOMEM E<br />

CAPITÃO MARVEL:<br />

FIM DA LUTA<br />

NA JUSTIÇA.<br />

Gráfica, com os nomes de Jack<br />

Marvel e Jack Marvel Jr. E na<br />

déca<strong>da</strong> de 80, o laureado Alan<br />

Moore faria um remake desses<br />

personagens, mu<strong>da</strong>ndo o nome<br />

para Miracleman, para evitar<br />

problemas com a atual<br />

detentora <strong>da</strong> marca “Marvel”, a<br />

Marvel Comics.<br />

A DC Comics ressuscita, com<br />

nova roupagem, seu herói <strong>dos</strong><br />

anos 40, Flash. Essa publicação<br />

é o marco que define a entra<strong>da</strong><br />

<strong>dos</strong> quadrinhos norte-americanos<br />

na Silver Age (Era de Prata).<br />

Morre aos 46 anos num<br />

desastre automobilístico o<br />

criador de Flash Gordon, Alex<br />

Raymond, no auge <strong>da</strong> fama.<br />

Raymond dirigia o carro do<br />

amigo e também cartunista Stan<br />

Drake, autor de The Heart of<br />

Juliet Jones, que saiu bem<br />

machucado, mas sobreviveu. O<br />

fato curioso é que a última tira<br />

desenha<strong>da</strong> por Alex<br />

Raymond, a do detetive<br />

Rip Kirby, a última fala<br />

de um <strong>dos</strong> personagens<br />

é em tom de despedi<strong>da</strong>.<br />

John Prentice<br />

assume a série.<br />

Os personagens<br />

clássicos Dick Tracy<br />

e Flash<br />

Gordon ganham títulos próprios<br />

pela RGE, que também lança as<br />

revistas Campeões do Oeste e<br />

Robin Hood, além de outra<br />

publicação educativa, seguindo<br />

o mesmo caminho <strong>da</strong> Ebal:<br />

Enciclopédia em <strong>Quadrinhos</strong>.<br />

Em maio, dois cães famosos<br />

ganham revista própria pela Ebal:<br />

Rin-Tinin-Tin<br />

in e Lassie. Mas as<br />

novi<strong>da</strong>des não param por aí. A<br />

editora lança também Misterinho,<br />

revista em quadrinhos com<br />

a<strong>da</strong>ptações de romances policiais,<br />

cuja primeira edição publicou A<br />

Porta <strong>da</strong>s Sete Chaves, do<br />

dramaturgo e jornalista inglês<br />

Edgar Wallace, e Princesinha,<br />

revista infantil que publicava<br />

a<strong>da</strong>ptações de contos de fa<strong>da</strong>.<br />

DOS SERIADOS<br />

DA TV PARA OS<br />

QUADRINHOS:<br />

O CABO RUSTY<br />

E RIN-TIN-TIN.<br />

6 <strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011


SANTOS DUMONT, QUADRINIZAÇÃO<br />

DESENHADA POR JOSÉ GERALDO PARA<br />

A SÉRIE GRANDES FIGURAS, DA EBAL.<br />

JERÔNIMO, O HERÓI DO<br />

SERTÃO, COM DESENHOS DE<br />

EDMUNDO RODRIGUES.<br />

ZORRO, DE<br />

ALEX TOTH,<br />

BASEADO NA<br />

SÉRIE DE TV<br />

PRODUZIDA<br />

PELA DISNEY.<br />

Mike Nomad aparece<br />

pela primeira vez em uma<br />

aventura de Steve Roper,<br />

e a partir <strong>da</strong>í começa a<br />

dividir com ele o<br />

estrelato <strong>da</strong> tira. Após<br />

resolverem o primeiro<br />

caso juntos, Roper<br />

arruma para Nomad o<br />

emprego de motorista de<br />

caminhão <strong>da</strong> revista Proof.<br />

1957<br />

Jerônimo, o Herói do<br />

Sertão, novela radiofônica de<br />

Moisés Weltman, torna-se uma<br />

revista de quadrinhos de<br />

sucesso <strong>da</strong> Rio Gráfica e Editora,<br />

com aventuras desenha<strong>da</strong>s por<br />

Edmundo Rodrigues.<br />

A La Selva publica Mazzaropi<br />

em <strong>Quadrinhos</strong> com desenhos<br />

de Jayme Cortez.<br />

A Ebal lança, em abril, mais<br />

aventuras romancea<strong>da</strong>s na<br />

revista Invictus e mais faroeste<br />

na revista Neva<strong>da</strong>. Mas, a grande<br />

novi<strong>da</strong>de chega em agosto: a<br />

revista Grandes Figuras em<br />

<strong>Quadrinhos</strong> apresenta<br />

biografias de personali<strong>da</strong>des<br />

históricas do Brasil. O primeiro<br />

número traz Rondon, o Último<br />

Bandeirante, que conta a<br />

trajetória do Marechal Rondon.<br />

Logo chegariam Oswaldo Cruz,<br />

Castro Alves, Machado de Assis,<br />

Tiradentes, Duque de Caxias,<br />

Pedro Américo, Santos Dumont,<br />

entre outros.<br />

Mell Lazarus lança<br />

Miss Peach, famosa<br />

tira que foi produzi<strong>da</strong><br />

ininterruptamente<br />

até 2002.<br />

No britânico Daily<br />

Mirror estréia Andy<br />

Capp, de Reg Smythe (ao<br />

lado). No Brasil, ele seria<br />

conhecido como Zé do Boné.<br />

Hector Oesterheld escreve,<br />

e Solano López desenha<br />

El Eternauta, um marco do<br />

quadrinho argentino publicado<br />

em Hora Cero.<br />

Demiti<strong>dos</strong> <strong>da</strong> MGM, que<br />

fechou seu departamento de<br />

animação e parou de produzir<br />

os desenhos de Tom & Jerry,<br />

os animadores William Hanna<br />

e Joseph Barbera montam sua<br />

própria empresa e passam a<br />

produzir desenhos para a tv.<br />

O primeiro é The Ruff & Reddy<br />

Show (Jambo & Ruivão). No<br />

ano seguinte vêm Huckeberry<br />

Hound (Dom Pixote) e Quick<br />

Draw McGraw (Pepe Legal).<br />

To<strong>dos</strong> os personagens de<br />

Hanna-Barbera são licencia<strong>dos</strong><br />

pela Western Printing, que<br />

produz as revistas em<br />

quadrinhos <strong>da</strong> Dell.<br />

Em 10 de outubro, estréia na<br />

ABC a série Zorro<br />

orro, produzi<strong>da</strong><br />

pela Walt Disney, com Guy<br />

Williams no papel do<br />

espa<strong>da</strong>chim mascarado. As<br />

aventuras do herói ganhariam<br />

uma antológica a<strong>da</strong>ptação para<br />

os quadrinhos, realiza<strong>da</strong> pelo<br />

jovem desenhista Alex Toth<br />

oth, que<br />

ganhou notorie<strong>da</strong>de a partir de<br />

então e se tornou um <strong>dos</strong> mais<br />

brilhantes desenhistas <strong>dos</strong><br />

Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong>.<br />

1958<br />

Por volta desse período,<br />

Carlos Zéfiro segue o exemplo<br />

<strong>dos</strong> americanos Tijuana Bibles<br />

existentes desde os anos 1930<br />

e começa a produzir seus<br />

“catecismos” eróticos<br />

distribuí<strong>dos</strong> numa rede<br />

clandestina, que abastece o<br />

então, por baixo <strong>dos</strong> panos,<br />

mercado pornô. O gênero<br />

prolifera e surgem vários<br />

seguidores e imitadores, mas<br />

sempre é Zéfiro o mais<br />

lembrado. Essas revistas, que<br />

mediam em torno de 11x14cm,<br />

apesar <strong>da</strong> distribuição não oficial,<br />

chegam aos quatro cantos do<br />

Brasil, tornando-se cult. Os<br />

catecismos foram publica<strong>dos</strong> até<br />

1970, quando perderam<br />

mercado para as revistas<br />

pornográficas com fotos<br />

colori<strong>da</strong>s, que vinham de<br />

contrabando de países nórdicos,<br />

e também pelo aperto <strong>da</strong>s<br />

autori<strong>da</strong>des, que estavam<br />

fechando o cerco. Apesar de<br />

inúmeras tentativas de localizálo,<br />

a ver<strong>da</strong>deira identi<strong>da</strong>de de<br />

Carlos Zéfiro continua um<br />

mistério absoluto até 1991.<br />

Outro cartunista comete<br />

suicídio: Jack Cole, criador do<br />

Homem de Borracha, no auge<br />

<strong>da</strong> carreira, aos 43 anos, quando<br />

trabalhava para a Playboy, de<br />

Hugh Hefner. Cole comprou um<br />

rifle e se matou. Segundo Art<br />

Spiegelman, ele teria tomado<br />

essa decisão ao perceber que<br />

sofria de impotência sexual.<br />

Surge B.C., de Johnny Hart<br />

(abaixo), história ambienta<strong>da</strong> na<br />

i<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s cavernas que inaugura<br />

uma nova vertente de humor no<br />

mercado de tiras.<br />

Começam as aventuras de<br />

Kit Teller, O Pequeno Ranger<br />

(Piccolo Ranger), criado pelo<br />

jornalista italiano Andrea<br />

Lavezzolo e desenhado por<br />

Francesco Gamba.<br />

Falcão Negro, um <strong>dos</strong><br />

primeiros seria<strong>dos</strong> brasileiros <strong>da</strong><br />

televisão, ganha sua revista de<br />

quadrinhos pela Editora Garimar.<br />

As aventuras eram credita<strong>da</strong>s a<br />

Péricles Leal e os desenhos<br />

eram de Getulio Delphin, entre<br />

outros. O personagem, uma<br />

espécie de Zorro <strong>da</strong> I<strong>da</strong>de<br />

Média, era interpretado por<br />

diferentes atores, já que na<br />

época as transmissões de tv<br />

eram ao vivo. Em São Paulo, o<br />

herói era vivido por José Parisi;<br />

no Rio, por Gilberto Martinho.<br />

Texas Kid Magazine é<br />

lança<strong>da</strong> pela RGE (acima).<br />

A Ebal lança em<br />

novembro a revista<br />

Biografia em <strong>Quadrinhos</strong>,<br />

que começa com a história<br />

de Cristóvão Colombo,<br />

iniciando a Série<br />

Descobridores.<br />

O forte <strong>da</strong> Garimar eram<br />

as histórias verídicas <strong>dos</strong><br />

pracinhas <strong>da</strong> II Guerra<br />

Mundial, quadriniza<strong>da</strong>s em suas<br />

revistas de guerra. Mas essa<br />

editora publicou até uma<br />

biografia em quadrinhos com o<br />

pai do jiu-jitsu, Hélio Gracie,<br />

dividi<strong>da</strong> em várias edições e<br />

chama<strong>da</strong> A Ver<strong>da</strong>de sobre os<br />

Gracie.<br />

O belga Pierre Clifford (que<br />

assinava Peyo) introduz em uma<br />

aventura de seu personagem<br />

Johan, publicado na revista<br />

Spirou, estranhos duendes azuis<br />

chama<strong>dos</strong> Schtroumpfs<br />

(abaixo). Eles fazem sucesso<br />

instantâneo e ganham depois<br />

sua própria série. Anos mais<br />

<strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011<br />

7


SARGENTO ROCK, DE JOE KUBERT.<br />

ASTERIX, O<br />

GAULÊS, E<br />

SEU AMIGO<br />

OBELIX;<br />

CRIAÇÃO DE<br />

GOSCINNY<br />

E UDERZO.<br />

AVENTURAS DO ANJO, DE FLÁVIO COLIN.<br />

1960<br />

MORTADELO & SALAMINHO<br />

tarde, a Vecchi lançaria os<br />

personagens numa revista<br />

própria com o nome de Os<br />

Duendes Strunfs em 1975.<br />

Desenhado por Francisco<br />

Ibáñez, surge nas páginas <strong>da</strong><br />

revista Pulgarcito, <strong>da</strong> Editorial<br />

Bruguera, a atrapalha<strong>da</strong> dupla<br />

de agentes secretos Mortadelo<br />

& Salaminho (Mortadelo y<br />

Filemón), que se torna uma <strong>da</strong>s<br />

mais populares séries <strong>dos</strong><br />

quadrinhos espanhóis.<br />

1959<br />

Outro seriado televisivo<br />

brasileiro, o super-herói Capitão 7,<br />

ganha sua revista pela Editora<br />

Continental (depois Outubro). A<br />

primeira aventura é desenha<strong>da</strong><br />

por um jovem estreante, Julio<br />

Shimamoto. O nome do<br />

personagem vem do número do<br />

canal que o exibia (TV Record). Era<br />

interpretado por Aires Campos.<br />

Em janeiro a Ebal lança a<br />

revista infantil Anjinho, que<br />

apresenta a a<strong>da</strong>ptação de Aladim<br />

e a Lâmpa<strong>da</strong> Maravilhosa. Em<br />

fevereiro, a editora finalmente<br />

publica no Brasil a revista do<br />

Pica-Pau<br />

au, mas ela recebe o<br />

nome de Údi-Údi, uma<br />

diminuição sonora do<br />

nome real do personagem,<br />

Woody Woodpecker<br />

oodpecker. O<br />

personagem foi lançado<br />

em desenhos anima<strong>dos</strong>,<br />

em 1940, pelo estúdio de<br />

animação de Walter Lantz. Em<br />

1942, ele já apareceria nos<br />

Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong> na revista New<br />

Funnies, <strong>da</strong> Dell; depois<br />

ganharia seu próprio título.<br />

O Reizinho (The Little King),<br />

de Otto Soglow, ganha uma<br />

revista só dele, pela RGE.<br />

A revista do Pimentinha é<br />

lança<strong>da</strong> pela Empresa Gráfica<br />

O Cruzeiro e seria publica<strong>da</strong><br />

até 1967.<br />

Aventuras do Anjo é outra<br />

famosa novela radiofônica que<br />

ganha vi<strong>da</strong> nos gibis, desta vez<br />

sob os traços de Flavio Colin,<br />

que inova a narrativa gráfica<br />

com uma fase que ain<strong>da</strong> seguia<br />

de perto a escola visual de<br />

Milton Caniff. Colin a<strong>da</strong>ptava os<br />

roteiros radiofônicos do criador<br />

do personagem, Álvaro de<br />

Aguiar, transplantando as<br />

aventuras que originalmente se<br />

passavam nos EUA para o Brasil.<br />

Mauricio de Sousa começa<br />

a publicar suas primeiras tiras<br />

do Bidu em jornais do grupo<br />

Folha de S.Paulo, criando<br />

depois mais personagens e<br />

montando sua própria agência<br />

de distribuição nos moldes <strong>dos</strong><br />

syndicates americanos, a qual<br />

revendia as tiras para todo o<br />

País, estabelecendo o império<br />

que o tornaria anos depois o<br />

mais importante desenhista<br />

brasileiro de quadrinhos.<br />

Em outubro, Jean-Michel<br />

Charlier, Albert Uderzo, René<br />

Goscinny, Raymond Joly,<br />

François Clauteaux e Jean<br />

Hébrard fun<strong>da</strong>m a publicação<br />

semanal Pilote, que passa a ser<br />

uma referência mundial pela<br />

quali<strong>da</strong>de <strong>dos</strong> quadrinhos<br />

publica<strong>dos</strong> em suas páginas.<br />

Goscinny e Uderzo criam, para a<br />

nova revista, o gaulês Asterix,<br />

que se torna o herói nacional <strong>da</strong><br />

França. No ano 50 a.C., uma<br />

pequena aldeia resiste à invasão<br />

romana, uma referência à<br />

Resistência Francesa que o país<br />

montou quinze anos antes,<br />

quando a França fora ocupa<strong>da</strong><br />

pelos nazistas. Em 1960, Pilote é<br />

vendi<strong>da</strong> à Dargaud que a<br />

mantém semanal até 1974,<br />

quando a revista se torna mensal<br />

e nova numeração é inicia<strong>da</strong>.<br />

Bob Kanigher e Joe Kubert<br />

criam o mais famoso<br />

personagem de guerra <strong>da</strong> DC<br />

Comics: Sargento Rock, líder<br />

<strong>da</strong> Easy Co. (Companhia <strong>da</strong><br />

Moleza) em missões na<br />

Segun<strong>da</strong> Guerra Mundial.<br />

Super-Homem ganha uma<br />

prima, Supergirl<br />

(Supermoça),<br />

como ele, uma sobrevivente do<br />

planeta Krypton. Ela aparece na<br />

revista Action Comics n° 252,<br />

de maio.<br />

O rinoceronte Cacareco é o<br />

vereador mais votado de São<br />

Paulo. Uma disputa entre os<br />

zoológicos do Rio e de São<br />

Paulo, que reivindicavam a<br />

guar<strong>da</strong> do animal, ganhou a<br />

mídia, no mesmo período <strong>da</strong><br />

campanha eleitoral; e a<br />

desmoralização <strong>da</strong> classe política<br />

na época levou os paulistanos a<br />

votarem em protesto no<br />

simpático paquiderme, que teve<br />

mais de 100 mil votos (to<strong>dos</strong> os<br />

candi<strong>da</strong>tos do partido mais<br />

votado, soma<strong>dos</strong>, não chegaram<br />

a 95 mil). O pitoresco resultado<br />

<strong>da</strong>s eleições deu a idéia ao<br />

editor Jayme Corte<br />

tez, <strong>da</strong><br />

Continental/Outubro, de<br />

transformá-lo em uma revista<br />

em quadrinhos infantil. No<br />

início do ano seguinte, era<br />

lança<strong>da</strong> a revista Cacareco,<br />

cujo slogan publicitário foi<br />

“eleito pela maioria!”<br />

Joe Simon e Jack Kirby criam<br />

The Fly (Homem-Mosca), um<br />

super-herói que recebe poderes<br />

de uma raça extraterrestre de<br />

outra dimensão. O personagem<br />

antecipou as futuras criações <strong>da</strong><br />

Marvel Comics. No Brasil, ele foi<br />

lançado pela La Selva em 1965.<br />

1960<br />

É lança<strong>da</strong> a primeira<br />

revista em quadrinhos de<br />

Mauricio de Sousa: Bidu, pela<br />

Editora Continental. Mauricio,<br />

que apareceu na editora com<br />

uma história de terror debaixo<br />

do braço tentando uma brecha<br />

nas revistas que estavam saindo,<br />

foi estimulado pelo editor Jayme<br />

Cortez a não sair do estilo<br />

infantil. “Você não é o mesmo<br />

Mauricio <strong>da</strong>quela tira Bidu <strong>da</strong><br />

8 <strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011


A TURMA DO PERERÊ, DE ZIRALDO<br />

(ESQUERDA), FRED FLINTSTONE (ACIMA)<br />

E SPY VS SPY, DE PROHIAS (ABAIXO).<br />

Folha?” (Leia o restante do<br />

diálogo na entrevista com<br />

Mauricio de Sousa a partir <strong>da</strong><br />

página 19 desta edição).<br />

Don on Pixote, animação de<br />

sucesso <strong>da</strong> Hanna-Barbera,<br />

ganha uma revista que é<br />

publica<strong>da</strong> até 1966 pela<br />

Empresa Gráfica O Cruzeiro.<br />

Estréia, em horário nobre,<br />

nos Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong>, a animação<br />

The Flintstones, primeiro megasucesso<br />

de Hanna-Barbera. Até<br />

os anos 90 (quando o recorde<br />

foi batido pelos Simpsons), foi a<br />

série que ficou mais tempo no<br />

ar. Os personagens foram<br />

licencia<strong>dos</strong> rapi<strong>da</strong>mente para os<br />

quadrinhos em jornais e revistas.<br />

No Brasil, Os Flintstones foram<br />

publica<strong>dos</strong> pela Editora Gráfica<br />

O Cruzeiro a partir de 1962.<br />

Após uma parceria de quase<br />

25 anos, a Western Printing<br />

cancela o contrato com a Dell<br />

Comics. Essa editora distribuía os<br />

quadrinhos cria<strong>dos</strong> e impressos<br />

pela Western, que passa a ter o<br />

seu próprio selo editorial, Gold<br />

Key Comics, para publicar as<br />

revistas de to<strong>dos</strong> os personagens<br />

licencia<strong>dos</strong>, como os <strong>da</strong> Disney e<br />

<strong>da</strong> Hanna-Barbera, além de<br />

novos títulos. O primeiro<br />

lançamento inédito <strong>da</strong> editora é<br />

Solar Man of The Atom, uma<br />

criação original <strong>da</strong> Western. No<br />

Brasil, Solar, o Homem-Átomo foi<br />

lançado pela Ebal em agosto de<br />

1966, numa revista cujo miolo<br />

era impresso em duas cores. A<br />

Dell continuaria no mercado<br />

produzindo os próprios comics.<br />

Para se preparar para uma<br />

possível lei de nacionalização <strong>dos</strong><br />

quadrinhos, que estava sendo<br />

reivindica<strong>da</strong> pela enti<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />

classe, a editora O Cruzeiro abre<br />

as portas para os desenhistas <strong>da</strong><br />

casa. Ziraldo, então funcionário<br />

<strong>da</strong> revista, a<strong>da</strong>pta o seu Pererê<br />

ererê,<br />

um cartum semanal já publicado<br />

em O Cruzeiro, para o universo<br />

<strong>dos</strong> quadrinhos, criando o<br />

ambiente <strong>da</strong> Mata do Fundão e<br />

a trupe de coadjuvantes: Galileu,<br />

Tininim, Pedro Vieira, Moacir e o<br />

Compadre Tonico e Seu Neném.<br />

A revista em quadrinhos começa<br />

em outubro de 1960 e sai<br />

ininterruptamente até 1964, ano<br />

do golpe militar. O cancelamento<br />

<strong>da</strong> revista acontece devido a uma<br />

disputa financeira entre Ziraldo e<br />

a editora.<br />

Péricles, autor de O Amigo <strong>da</strong><br />

Onça, também publicado na<br />

revista O Cruzeiro, não consegue<br />

finalizar o protótipo de sua<br />

revista do Oliveira Trapalhão, e<br />

o projeto é abortado. Dois anos<br />

depois o terceiro cartunista<br />

mais famoso de O Cruzeiro<br />

levaria seu Dr. . Macarra<br />

(ao lado) para as<br />

páginas de uma revista<br />

homônima, que<br />

não consegue<br />

chegar a um ano<br />

de publicação.<br />

Alguns meses<br />

antes do Pererê,<br />

entretanto, a editora<br />

O Cruzeiro já tinha começado a<br />

publicar o seu primeiro quadrinho<br />

produzido no Brasil, embora não<br />

completamente “nacional”. Como<br />

o material original americano<br />

havia acabado, e para não perder<br />

um título que vendia bem, por<br />

causa do sucesso do seriado de<br />

tv no ar, o desenhista Getulio<br />

Delphin fora incumbido de criar<br />

novas aventuras de Charlie Chan,<br />

agora ambienta<strong>da</strong>s em nosso<br />

País. O Charlie Chan tupiniquim<br />

fez ain<strong>da</strong> uma ponta numa<br />

aventura do Pererê<br />

ererê, em que era<br />

culpado do próprio crime que<br />

estava fingindo desven<strong>da</strong>r: o<br />

sumiço <strong>da</strong> tanga de Tininim.<br />

Mais dois clássicos <strong>dos</strong><br />

quadrinhos passam a<br />

circular em revistas próprias:<br />

Brucutu e Príncipe<br />

Valente<br />

alente, ambas <strong>da</strong> RGE. A<br />

editora lança também a<br />

revista Cavaleiro Fantasma<br />

antasma,<br />

que traz as aventuras de<br />

um pistoleiro mascarado no<br />

velho Oeste. O personagem<br />

guar<strong>da</strong> muitas semelhanças<br />

com o famoso Fantasma<br />

de Lee Falk.<br />

A Ebal lança mais<br />

uma revista “para<br />

meninas e meninos”:<br />

Per-lim-pim-pim, que<br />

na ver<strong>da</strong>de publicava<br />

histórias mais femininas.<br />

O cartunista cubano<br />

Antonio Prohias entra<br />

no índex do e é<br />

obrigado a fugir de<br />

mala e cuia para os EUA.<br />

Após alguns meses de<br />

sufoco, cria uma dupla de<br />

espiões, Spy vs Spy, que é<br />

imediatamente compra<strong>da</strong> pela<br />

revista Mad e publica<strong>da</strong> a partir<br />

de 1961. Embora <strong>da</strong>ta<strong>da</strong>, pois<br />

remete aos tempos <strong>da</strong> Guerra<br />

Fria, a série sobrevive ao tempo<br />

e os dois espiões são até hoje<br />

um <strong>dos</strong> carros-chefes <strong>da</strong> revista.<br />

Trocando o R pelo L, surge<br />

em outubro mais um ícone <strong>da</strong><br />

turminha cria<strong>da</strong> por Mauricio de<br />

Sousa: Cebolinha (abaixo)<br />

aparece pela primeira vez nas<br />

tiras do Franjinha.<br />

1961<br />

Após a morte do<br />

criador Péricles<br />

Maranhão, o<br />

Amigo <strong>da</strong> Onça<br />

(à direita) não<br />

pára de ser<br />

publicado. A série<br />

é assumi<strong>da</strong> por<br />

Carlos Estevão, que<br />

consegue fazer uma<br />

versão ain<strong>da</strong> melhor.<br />

Jayme Corte<br />

tez recebe o<br />

Prêmio Jabuti na categoria<br />

capista pelo trabalho feito em<br />

Barro Blanco.<br />

A Resolução nº 204 <strong>da</strong><br />

Superintendência <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong> e do<br />

Crédito, durante o Governo Jânio<br />

Quadros, é um duro golpe para<br />

as editoras de quadrinhos e para<br />

a imprensa de modo geral. Com<br />

a retira<strong>da</strong> <strong>dos</strong> subsídios, entre<br />

outros produtos importa<strong>dos</strong>, do<br />

papel de imprensa, comprado<br />

com 75% de desconto, o peso<br />

<strong>dos</strong> custos do papel no<br />

orçamento <strong>da</strong>s revistas passa a<br />

ser muito maior. Isso acarreta<br />

um aumento de preço de<br />

capa e o cancelamento de<br />

alguns títulos, que passaram<br />

a não ser mais rentáveis.<br />

Bristow, personagem<br />

criado pelo cartunista<br />

britânico Frank Dickens,<br />

ganha sua própria tira.<br />

Sob o pseudônimo de<br />

Guido Nolitta, Sergio Bonelli<br />

cria Zagor, com o traço de<br />

Gallieno Ferri.<br />

<strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011<br />

9


A ERA DE OURO DA MARVEL COMICS<br />

COMEÇA COM QUARTETO FANTÁSTICO,<br />

HULK, HOMEM-ARANHA, X-MEN: OS SUPER-<br />

HERÓIS PASSARIAM A VIVER PROBLEMAS<br />

COMUNS AOS SIMPLES MORTAIS ENQUANTO<br />

COMBATEM OS MAIS INCRÍVEIS VILÕES.<br />

A CAPA DA PRIMEIRA EDIÇÃO DA REVISTA<br />

FERDINANDO, DA RIO GRÁFICA, FOI DESENHADA<br />

POR GUTEMBERG, QUE NA ÉPOCA FAZIA PARTE<br />

DA EQUIPE DE DESENHISTAS DA EDITORA.<br />

A ABRIL COMEÇOU A PUBLICAR HISTÓRIAS<br />

DO ZÉ CARIOCA PRODUZIDAS NO BRASIL.<br />

A revista Zé Carioca surge<br />

quinzenalmente nas bancas,<br />

revezando as edições com o<br />

Pato Donald<br />

onald, começando no<br />

número 471! Na ver<strong>da</strong>de era<br />

um “truque” que facilitava a<br />

distribuição monta<strong>da</strong> pela<br />

Editora Abril e o recolhimento do<br />

encalhe <strong>da</strong>s revistas pelos<br />

jornaleiros. Os números ímpares<br />

eram de Zé Carioca e os pares<br />

continuavam sendo as edições<br />

do Pato Donald. A Abril começa<br />

a produzir aventuras do<br />

papagaio com artistas locais.<br />

Depois de ter suas histórias<br />

publica<strong>da</strong>s na revista Mindinho,<br />

o coelho Pernalonga<br />

ganha um<br />

título próprio a partir de abril, na<br />

mesma Ebal.<br />

Também em abril, a Ebal<br />

lança a revista trimestral Edição<br />

Monumental, em formato<br />

maior que o <strong>da</strong>s revistas<br />

convencionais. A primeira edição<br />

traz a quadrinização do romance<br />

Gabriela, Cravo e Canela, de<br />

Jorge Amado, que apoiou<br />

totalmente a a<strong>da</strong>ptação. O texto<br />

foi de Fernando Albagli e os<br />

desenhos de Ramón Llampayas.<br />

Ferdinando<br />

(Li’l Abner), a<br />

genial criação de Al Capp, ganha<br />

uma revista pela RGE, que<br />

também lança Recruta Zero<br />

ero.<br />

Stan Lee e Jack Kirby lançam<br />

a primeira revista em quadrinhos<br />

que inaugura a<br />

gloriosa “Era Marvel”:<br />

Fantastic Four<br />

(Quarteto<br />

Fantástico) introduz os<br />

problemas pessoais e existenciais<br />

no gênero super-heróis.<br />

A Hanna-Barbera lança mais<br />

duas séries de animação na tv:<br />

The Yogi Bear Show (Zé<br />

Colméia) e Top Cat (Man<strong>da</strong><br />

Chuva).<br />

Roy Litchenstein, um <strong>dos</strong><br />

pais <strong>da</strong> pop-art, começa a usar<br />

elementos de quadrinhos em<br />

suas obras. A primeira tentativa é<br />

canibalizar Mickey Mouse, o que<br />

é rechaçado pela Disney, que<br />

ameaça meter um processo<br />

nele. Ele passa então a fazer<br />

ampliações de quadrinhos mais<br />

“genéricos”, como os <strong>da</strong>s<br />

revistas no gênero romântico e<br />

guerra, publica<strong>dos</strong> pela DC<br />

Comics, principalmente os<br />

desenha<strong>dos</strong> por Irv Novick.<br />

As principais editoras<br />

brasileiras – Ebal, Rio Gráfica, O<br />

Cruzeiro e Abril – se unem e<br />

criam uma versão tupiniquim do<br />

Comics Code norte-americano,<br />

imitando o selo e algumas<br />

regras e o rebatizam de Código<br />

de Ética, passando a estampá-lo<br />

nas capas de suas revistas. O<br />

objetivo era basicamente o<br />

mesmo de seu<br />

similar norteamericano:<br />

atrapalhar a<br />

concorrência<br />

(no caso, as<br />

editoras<br />

paulistas que publicavam o<br />

gênero terror) e aplacar a ira de<br />

alguns religiosos e educadores,<br />

que moviam campanha contra<br />

os quadrinhos, <strong>da</strong>ndo a<br />

entender algo como “os nossos<br />

quadrinhos são limpinhos”.<br />

1962<br />

O então Governador do Rio<br />

Grande do Sul, Leonel Brizola,<br />

aju<strong>da</strong> o desenhista José Geraldo<br />

a montar a Cooperativa Editora<br />

de Trabalho de Porto Alegre-<br />

Cetpa, volta<strong>da</strong> para a publicação<br />

de genuínos heróis nacionais<br />

como o gaúcho Aba Larga, de<br />

Getulio Delphin, e Sepé, de<br />

Flavio Colin. O projeto previa<br />

uma inteira linha de revistas em<br />

quadrinhos, mas a editora não<br />

consegue emplacar, não só<br />

economicamente, mas<br />

também pelo conturbado<br />

clima político que estava se<br />

formando no Brasil na época.<br />

A Ebal lança mais duas<br />

revistas em formato cheque: a<br />

infantil Minha Revistinha e a de<br />

faroeste O Juvenil Mensal, esta<br />

para concorrer diretamente com<br />

a tradicional O Globo o Juvenil<br />

Mensal, <strong>da</strong> Rio Gráfica, que já<br />

passava do número 250.<br />

Jorge Amado e os quadrinhos<br />

JORGE AMADO E SUA FAMÍLIA EM FOTO<br />

PUBLICADA NA PRIMEIRA EDIÇÃO MONUMENTAL:<br />

ELOGIO VEEMENTE AOS QUADRINHOS DA EBAL.<br />

Num depoimento publicado<br />

na primeira Edição Monumental,<br />

Jorge Amado escreveu<br />

um grande elogio ao<br />

trabalho de Adolfo Aizen à<br />

frente de sua Editora Brasil-<br />

América e se disse plenamente<br />

satisfeito com as<br />

a<strong>da</strong>ptações para os quadrinhos<br />

de seus romances. Segundo<br />

o escritor, “elas só<br />

têm feito aumentar o público<br />

<strong>dos</strong> meus livros”.<br />

Reconheceu, porém, um<br />

<strong>dos</strong> graves problemas que os<br />

quadrinhos ain<strong>da</strong> enfrentavam<br />

à época: “Há muita gente<br />

que tem preconceitos contra<br />

as histórias em quadrinhos<br />

e algumas aconselharam-me a não permitir tal a<strong>da</strong>ptação.<br />

Mas eu gosto de concluir por mim mesmo, à base <strong>da</strong> experiência.”<br />

E continuou, defendendo sua posição: “O leitor <strong>da</strong> a<strong>da</strong>ptação<br />

em quadrinhos, se gosta do livro, termina por ir buscá-lo para<br />

uma leitura na íntegra. Tenho provas disso. Da mesma maneira<br />

que as a<strong>da</strong>ptações cinematográfica, teatral, radiofônica ou para<br />

tv, a a<strong>da</strong>ptação em quadrinhos é uma forma de popularizar o livro,<br />

de aumentar seu círculo de leitores, de ampliar sua repercussão.<br />

E concluiu fazendo um elogio à Ebal: “O trabalho que Adolfo<br />

Aizen, à frente <strong>da</strong> Brasil-América, vem realizando é admirável<br />

e merecedor de to<strong>dos</strong> os elogios. Eu, de minha parte, quero<br />

deixar aqui o meu louvor à grande realização que é sua editora.<br />

Editora ama<strong>da</strong> pelas crianças, que mais pode desejar um homem<br />

cuja vi<strong>da</strong> foi to<strong>da</strong> volta<strong>da</strong> para os meninos brasileiros?”<br />

A RGE, por sua vez,<br />

lança Jim <strong>da</strong>s Selvas,<br />

Pafúncio<br />

afúncio, Zezé & Cia e<br />

mais uma revista de faroeste:<br />

Xerife Magazine. No ano<br />

seguinte seria a vez de Bang<br />

Bang Magazine engor<strong>da</strong>r o<br />

cardápio de publicações sobre o<br />

Oeste bravio, gênero que era<br />

sucesso de ven<strong>da</strong>s na época.<br />

Em parceria com Steve Ditko,<br />

Stan Lee acerta em cheio com a<br />

criação de O Homem-Aranha<br />

(Spider-man), que traz a história<br />

de um adolescente que ganha<br />

poderes extraordinários mas<br />

continua a enfrentar os problemas<br />

comuns de um rapaz de sua<br />

i<strong>da</strong>de. Nesse mesmo ano, Stan<br />

Lee e Jack Kirby criam um outro<br />

ícone <strong>da</strong> editora: O Incrível Hulk,<br />

um anti-herói que combina<br />

elementos de Frankenstein e Dr<br />

Jekyll e Mr Hyde.<br />

Com o sucesso de Os<br />

Flintstones, a Hanna-Barbera<br />

volta os olhos para o<br />

futuro e lança Os Jetsons.<br />

Depois de fracassar em<br />

várias tentativas de lançar<br />

revistas para concorrer<br />

com a Mad, Harvey<br />

Kurtzman cria Little Annie<br />

Fanny<br />

para a revista<br />

Playboy.<br />

Sergio Aragonés<br />

vende seus primeiros<br />

cartuns para a revista<br />

Mad. Ele logo começa a<br />

publicar as famosas<br />

“marginais do Mad” (ao lado<br />

e abaixo), minúsculos cartuns<br />

que enfeitam até hoje os<br />

cantos <strong>da</strong>s páginas. Esse<br />

espaço era preenchido com<br />

frases e os editores acharam<br />

ótima a idéia de substituí-las<br />

por cartuns, pois estavam<br />

ficando sem imaginação para<br />

novas frases. Depois de Al<br />

Jaffee (criador <strong>da</strong> famosa<br />

10 <strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011


PETER PARKER, O<br />

ADOLESCENTE QUE<br />

GANHOU PODERES<br />

INCRÍVEIS, TINHA<br />

DIFICULDADES<br />

PARA PAGAR<br />

AS CONTAS<br />

NO FINAL<br />

DO MÊS.<br />

TENENTE<br />

BLUEBERRY,<br />

CRIAÇÃO DE JEAN<br />

GIRAUD, MAIS<br />

TARDE CONHECIDO<br />

MUNDIALMENTE<br />

POR MOEBIUS.<br />

A FOLHINHA<br />

DE S.PAULO,<br />

SUPLEMENTO QUE<br />

MAURICIO DE<br />

SOUSA AJUDOU<br />

A CRIAR E A TIRA<br />

DO CEBOLINHA<br />

ONDE A MÔNICA<br />

FEZ SUA ESTRÉIA.<br />

Dobradinha), Aragonês é o<br />

colaborador que publicou mais<br />

páginas até hoje.<br />

Surge na França a aventura de<br />

ficção científica Barbarella, de<br />

Jean Claude Forest (abaixo), com<br />

avança<strong>dos</strong> conceitos feministas<br />

que até hoje influenciam os<br />

quadrinhos. Em 1968, a história<br />

foi leva<strong>da</strong> ao cinema por Roger<br />

Vadim com a bombshell Jane<br />

Fon<strong>da</strong> no papel <strong>da</strong> heroína. No<br />

ano seguinte, o álbum em<br />

quadrinhos foi lançado no Brasil<br />

pela Linográfica Editora com<br />

tradução de Jô Soares.<br />

1963<br />

As leis de nacionalização não<br />

vingam e os principais artistas,<br />

como Shimamoto, Colin e<br />

Getulio Delphin migram para os<br />

pastos mais verdes <strong>da</strong> ilustração<br />

publicitária. Não param de ser<br />

produzi<strong>dos</strong> quadrinhos<br />

brasileiros, mas quem continua<br />

ativo na profissão são<br />

estrangeiros aqui radicaliza<strong>dos</strong>,<br />

como o italiano Nico Rosso e os<br />

argentinos Eugenio Colonnese e<br />

Rodolfo Zalla. O gênero terror<br />

ganha força, uma vez que nos<br />

EUA não estavam sendo mais<br />

produzi<strong>da</strong>s essas histórias, por<br />

causa do Comics Code Authority.<br />

Com o grande sucesso <strong>da</strong> série<br />

de tv, a Outubro lança a revista<br />

em quadrinhos Vigilante<br />

Rodoviário, com roteiros de<br />

Gedeone Malagola e desenhos<br />

de Flávio Colin e Osvaldo Talo.<br />

Mônica, que se tornaria a<br />

mais famosa personagem de<br />

Mauricio de Sousa, faz sua<br />

estréia em uma tira do<br />

Cebolinha, publica<strong>da</strong> no jornal<br />

Folha <strong>da</strong> Manhã. Horácio, que<br />

aparecia desde 1960 nas<br />

aventuras pré-históricas do<br />

Piteco, também estréia em<br />

histórias semanais próprias na<br />

Folhinha de S.Paulo. O simpático<br />

dinossauro verde seria publicado<br />

no suplemento <strong>da</strong> Folha de<br />

S.Paulo durante 24 anos.<br />

Além <strong>dos</strong> personagens Zé<br />

Colméia e Pepe Legal, <strong>da</strong><br />

Hanna-Barbera, a O Cruzeiro<br />

passa a publicar a revista Pingo<br />

de Gente, com histórias <strong>dos</strong><br />

Peanuts, de Schulz, que<br />

receberam nomes bem diferentes:<br />

Charlie Brown foi chamado de<br />

João Barbosa; Snoopy era Xereta<br />

e Schroeder ficou conhecido<br />

como Essenfelder.<br />

Peter O’Donnell e Jim<br />

Hol<strong>da</strong>way criam, na Inglaterra,<br />

Modesty Blaise.<br />

O famoso Gato Félix é outro<br />

personagem clássico <strong>dos</strong><br />

quadrinhos a saltar para as<br />

páginas de sua própria revista<br />

pela Rio Gráfica e Editora.<br />

A Gold Key lança nos Esta<strong>dos</strong><br />

Uni<strong>dos</strong> a revista Magnus Robot<br />

ot<br />

Fighter 4000 AD, personagem<br />

de ficção científica criado por<br />

Russ Manning, que também<br />

desenhava as tiras e pranchas<br />

dominicais de Tarzan.<br />

Stan Lee e Jack Kirby criam os<br />

X-Men (abaixo), personagens<br />

que se tornariam grandes ícones<br />

<strong>da</strong> Marvel Comics.<br />

A revista Pilote lança o<br />

cowboy Blueberry na aventura<br />

Fort Navajo. A autoria é de Jean<br />

Giraud, que assinava Gir, e mais<br />

tarde ficaria mundialmente<br />

famoso com seu outro<br />

pseudônimo, Moebius.<br />

Na Paraíba, Deo<strong>da</strong>to Borges<br />

resolve transformar seu<br />

personagem Flama, grande<br />

sucesso local do rádio (era líder<br />

de audiência, destronando até o<br />

popular Jerônimo) numa revista<br />

de histórias em quadrinhos, a<br />

primeira publica<strong>da</strong> na Paraíba.<br />

Outro mérito de Deo<strong>da</strong>to Borges<br />

é ser o pai de Deo<strong>da</strong>to Filho, que<br />

virou estrela internacional com o<br />

pseudônimo Mike Deo<strong>da</strong>to Jr.<br />

Em dezembro, a Editora Abril<br />

lança o Almanaque do Tio<br />

Patinhas<br />

atinhas. Em 1970, a revista<br />

passaria a ser chama<strong>da</strong> apenas<br />

de Tio Patinhas.<br />

OS MUTANTES X-MEN<br />

ERAM REJEITADOS<br />

PELA SOCIEDADE,<br />

QUE OS VIA COMO<br />

UMA AMEAÇA.<br />

<strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011<br />

11


O ÚLTIMO NÚMERO DA<br />

REVISTA PERERÊ PELA<br />

O CRUZEIRO TEVE TOM<br />

PROFÉTICO, A<br />

COMEÇAR PELA DATA<br />

IMPRESSA NA REVISTA<br />

E PELO DIÁLOGO QUE<br />

ACONTECE LOGO NA<br />

SEGUNDA PÁGINA DA<br />

HISTÓRIA DE ABERTURA,<br />

QUANDO O COMPADRE<br />

COMUNICA AOS<br />

H<strong>ABI</strong>TANTES DA MATA<br />

DO FUNDÃO O TEOR<br />

DA PEÇA QUE SERIA<br />

APRESENTADA. AO<br />

LADO, DUAS DAS MAIS<br />

IMPORTANTES REVISTAS<br />

DE TERROR DOS<br />

ESTADOS UNIDOS DAS<br />

DÉCADAS DE 1960 E<br />

1970: CREEPY E EERIE.<br />

1964<br />

Após ter sido demitido <strong>da</strong><br />

revista O Cruzeiro por causa de<br />

protestos contra sua Esta é a<br />

Ver<strong>da</strong>deira História do Paraíso,<br />

Millôr Fernandes lança, por conta<br />

própria, O Pif-Paf<br />

como revista<br />

independente. Mas ela só dura<br />

oito números.<br />

Outra vítima <strong>da</strong> editora O<br />

Cruzeiro: o último número <strong>da</strong><br />

revista Pererê, de Ziraldo,<br />

aparecia nas bancas na última<br />

semana de março e a <strong>da</strong>ta <strong>da</strong><br />

publicação impressa na revista,<br />

1° de abril, era uma estranha<br />

coincidência com o golpe militar.<br />

Uma reforma gráfica na<br />

Folha de S. Paulo aumenta<br />

consideravelmente o espaço<br />

para as tiras em quadrinhos.<br />

Entre as novi<strong>da</strong>des, está<br />

Vizunga, de Flavio Colin,<br />

considera<strong>da</strong> uma de suas<br />

melhores histórias e marco <strong>da</strong><br />

transição do estilo do artista. A<br />

narrativa tinha duas linhas<br />

gráficas: o tempo presente<br />

(personagens ouvindo o<br />

personagem-título contar suas<br />

histórias), em estilo realista, e<br />

as aventuras do velho caçador,<br />

em estilo cômico.<br />

Estréia na tv americana uma<br />

bem-sucedi<strong>da</strong> série de<br />

desenhos anima<strong>dos</strong> de ação:<br />

Jonny Quest. Criado por Doug<br />

Wildey para a Hanna-Barbera, o<br />

personagem logo seria<br />

publicado em quadrinhos.<br />

Para driblar a censura do<br />

Comics Code norte-americano, o<br />

editor James Warren lança as<br />

revistas de terror Creepy e Eerie<br />

em preto e branco e formato<br />

diferente. Diversos artistas <strong>da</strong><br />

fase <strong>da</strong> E.C. Comics tornam-se<br />

colaboradores e Frank Frazetta<br />

vira o principal capista. Mais<br />

tarde as duas revistas ganham<br />

uma irmã, Vampirella<br />

ampirella.<br />

Os Fradinhos<br />

de Henfil, ain<strong>da</strong><br />

embrionários, fazem sua estréia<br />

na revista mineira Alterosa.<br />

O argentino Quino cria<br />

Mafal<strong>da</strong>, a contestatária<br />

(abaixo), que se transformou<br />

num grande sucesso em seu<br />

país e em todo o mundo,<br />

tornando-se um símbolo <strong>da</strong> luta<br />

pela liber<strong>da</strong>de e contra a tirania.<br />

A La Selva lança a revista com<br />

protagonista do famoso seriado<br />

<strong>da</strong> tv Dr. . Kil<strong>da</strong>re.<br />

PERSONAGENS DA<br />

SÉRIE O MAGO DE ID.<br />

ACIMA, UMA TIRA<br />

DE VIZUNGA,<br />

DE FLÁVIO COLIN E,<br />

NA EXTREMA DIREITA<br />

CAPTAIN EASY<br />

GANHOU O NOME<br />

DE CAPITÃO CÉSAR<br />

NO BRASIL.<br />

Os amigos cartunistas Brant<br />

Parker e Johnny Hart criam a<br />

tira O Mago de Id (The Wizard<br />

of Id), com um acentuado tom<br />

de crítica política bem ao gosto<br />

de Parker.<br />

Os Três rês Patetas<br />

atetas, que já<br />

foram publica<strong>dos</strong> pela La Selva,<br />

passam para a Ebal.<br />

Reestréia em grande estilo,<br />

pela Marvel, as aventuras do<br />

Capitão América (Captain<br />

America), personagem clássico<br />

do tempo <strong>da</strong> Segun<strong>da</strong> Grande<br />

Guerra, desenhado pelo<br />

mesmo Jack Kirby.<br />

Minami Keizi cria Tupãzinho<br />

upãzinho,<br />

publicado em tiras no Diário<br />

Popular de São Paulo. No ano<br />

seguinte, o personagem,<br />

inspirado no Astroboy, de<br />

Osamo Tezuka, ganha sua<br />

revista própria pela editora Pan-<br />

Juvenil, embrião <strong>da</strong> editora Edrel<br />

que ele fun<strong>da</strong>ria depois. O<br />

personagem Tupãzinho vira o<br />

símbolo <strong>da</strong> editora.<br />

Na Itália, é lança<strong>da</strong> a revista<br />

Linus, abrindo caminho para um<br />

novo tipo de publicação. Mistura<br />

1965<br />

Neste ano a Rio<br />

Gráfica e Editora<br />

coloca nas bancas<br />

mais seis revistas:<br />

Arizona Kid, Agente<br />

Secreto, Capitão<br />

Cesar (acima), Gibi<br />

Colorido, Jim Gordon e<br />

Rancho Fundo.<br />

CAPITÃO AMÉRICA, DE JACK KIRBY E STAN LEE.<br />

12 <strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011


À ESQUERDA, NETRON SE<br />

PERDE NOS LÁBIOS DE<br />

VALENTINA. À DIREITA, O<br />

DESENHISTA JIM STERANKO<br />

DEU A NICK FURY UM<br />

TRATAMENTO GRÁFICO DE<br />

ALTO NÍVEL.<br />

tiras cult americanas como B.C.<br />

e Peanuts (o nome Linus vem<br />

do amigo de Charlie Brown) e<br />

abre espaço para a produção<br />

local lançando Neutron, de<br />

Guido Crepax. Esta, uma<br />

série de ficção científica,<br />

acabaria mu<strong>da</strong>ndo de<br />

foco, quando a coadjuvante<br />

Valentina<br />

alentina, namora<strong>da</strong> de<br />

Neutron, vira protagonista e um<br />

ícone do quadrinho erótico.<br />

SPACE GHOST,<br />

DE ALEX TOTH.<br />

que conquistou fama<br />

internacional, quando seu Cuba<br />

para Principiantes foi traduzido<br />

para o inglês e se tornou um bestseller<br />

internacional.<br />

Tom K. Ryan começa a<br />

publicar Tumbleweeds<br />

(acima),<br />

uma paródia ao velho Oeste. No<br />

Brasil, o personagem foi<br />

chamado de Kid Farofa. O artista<br />

produziu a tira durante 42 anos,<br />

até encerrá-la em 2007.<br />

O mexicano Eduardo Del Rio<br />

(Rius) cria Los os Supermachos,<br />

quadrinhos de cunho político e<br />

social misturando seus desenhos<br />

com colagens e fotopotocas,<br />

falado em linguagem simples para<br />

o povão entender, sobre assuntos<br />

que variavam do trivial urbano a<br />

política ou à Igreja Católica. Os<br />

Supermachos freqüentemente<br />

eram vítimas <strong>da</strong> censura (o editor<br />

sofria pressões do Governo e<br />

trocava os diálogos à revelia do<br />

autor), o que causou a ruptura de<br />

Rius com a Editorial Meridiano,<br />

que, entretanto, manteve o título<br />

com outros desenhistas. Em<br />

1968, ele cria outra revista similar,<br />

Los Agacha<strong>dos</strong>, que durou mais<br />

de 200 edições. Mas foi em 1970<br />

A turma <strong>da</strong> Disney ganha um<br />

reforço: Pateta (Goofy) come o<br />

super-amendoim que o<br />

transforma em Superpateta .<br />

A Marvel Comics lança na<br />

revista Strange Tales<br />

as<br />

primeiras histórias de Nick Fury<br />

ury,<br />

Agente <strong>da</strong> S.H.I.E.L.D,<br />

personagem secundário <strong>da</strong>s<br />

histórias do Capitão América<br />

que, nas mãos de Jim Steranko,<br />

a partir do final de 1966, ganha<br />

contornos plásticos arroja<strong>dos</strong> e<br />

uma história de espionagem de<br />

grande impacto dramático.<br />

1966<br />

O desenhista Alex Toth<br />

desenvolve para a Hanna-Barbera<br />

uma nova linha de desenhos<br />

anima<strong>dos</strong> para tv: os personagens<br />

agora são super-heróis e o<br />

primeiro a ser lançado é<br />

Space Ghost (acima). Logo<br />

viriam outros, entre os quais<br />

Os Herculóides (The Herculoids)<br />

e O Poderoso Mightor (The<br />

Mighty Mightor). To<strong>dos</strong> teriam<br />

suas histórias a<strong>da</strong>pta<strong>da</strong>s para<br />

os quadrinhos.<br />

Batman vira série de tv, com<br />

A<strong>da</strong>m West no papel-título e Burt<br />

Ward interpretando Robin. A<br />

série, que não passava de uma<br />

paródia <strong>dos</strong> quadrinhos, vira um<br />

sucesso instantâneo nos EUA e<br />

também no Brasil, lançando a<br />

tendência conheci<strong>da</strong> como<br />

Batmania e até mesmo gera um<br />

longa-metragem no mesmo ano.<br />

A DC Comics aproveita<br />

para mu<strong>da</strong>r um<br />

BATMAN, POR<br />

CARMINE<br />

INFANTINO.<br />

pouco o leiaute <strong>dos</strong> quadrinhos,<br />

que ain<strong>da</strong> se baseava nos traços<br />

do criador Bob Kane, e escala o<br />

desenhista Carmine Infantino<br />

(antes do staff <strong>da</strong>s revistas de<br />

ficção-científica) para a<br />

empreita<strong>da</strong>.<br />

As aventuras do veterano (e<br />

fictício) repórter policial Márcio<br />

Moura, do jornal O Globo,<br />

interpretado por Jardel Filho na<br />

série 22-2000 2-2000 Ci<strong>da</strong>de Aberta<br />

desde 1965, saem <strong>da</strong> tv para<br />

ganhar as páginas <strong>da</strong> revista em<br />

<strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011<br />

13


ILUSTRAÇÃO COM OS CINCO<br />

HERÓIS MARVEL QUE FOI<br />

UTILIZADA NA CAMPANHA<br />

DE LANÇAMENTO DOS<br />

SUPER HERÓIS SHELL EM<br />

PARCERIA COM A EBAL.<br />

CORTO<br />

MALTESE,<br />

DE HUGO<br />

PRATT.<br />

O SURFISTA<br />

PRATEADO, DE<br />

JACK KIRBY.<br />

quadrinhos de mesmo nome,<br />

lança<strong>da</strong> pela RGE, e desenha<strong>da</strong><br />

por Edmundo Rodrigues.<br />

Criação do aclamado Jack<br />

Kirby, Surfista Prateado (Silver<br />

Surfer) faz sua primeira aparição<br />

na revista Fantastic Four n° 48,<br />

de março.<br />

Miguel Penteado, que tinha<br />

fun<strong>da</strong>do uma nova editora, a<br />

GEP (Gráfica Editora Penteado),<br />

lança revistas de vários gêneros,<br />

a maioria cria<strong>da</strong> por Gedeone<br />

Malagola: Raio Negro<br />

ro é um<br />

super-herói com visual<br />

“emprestado” do Ciclope, <strong>da</strong><br />

antiga formação <strong>dos</strong> X-Men, e<br />

origem idêntica à do Lanterna<br />

Verde <strong>da</strong> Era de Prata. Na época,<br />

a editora achava que essas<br />

revistas jamais seriam publica<strong>da</strong>s<br />

aqui. No campo de terror, lança<br />

Lobisomem<br />

obisomem, escrita por<br />

Gedeone e desenha<strong>da</strong><br />

RAIO NEGRO,<br />

DE GEDEONE<br />

MALAGOLA.<br />

por Sérgio Lima, e A Múmia.<br />

De Eugênio Colonnese, lança<br />

Pele de Cobra, além de<br />

revistas de guerra e infantil.<br />

Mais tarde a GEP lança também<br />

alguns heróis Marvel que a Ebal<br />

deixou de lado.<br />

O ilustrador e quadrinista<br />

mexicano Eduardo Del Río<br />

(Rius) publica o álbum Cuba<br />

para Principiantes, <strong>da</strong>ndo início<br />

a uma série de álbuns sobre<br />

política e comunismo. Em 1972,<br />

publicou também o livro Marx<br />

para Principiantes, com uma<br />

introdução ao estudo do<br />

marxismo e <strong>da</strong> figura de Karl Marx.<br />

Henfil migra de Belo<br />

Horizonte para o Rio, onde<br />

arruma trabalho em O Sol, de<br />

Reynaldo Jardim, e no <strong>Jornal</strong><br />

<strong>dos</strong> Sports, cui<strong>da</strong>ndo <strong>da</strong>s<br />

charges. Já começa mu<strong>da</strong>ndo<br />

to<strong>dos</strong> os símbolos <strong>dos</strong> clubes<br />

antes calca<strong>dos</strong> em personagens<br />

estrangeiros: Popeye era o<br />

mascote do Flamengo, que<br />

Henfil representou<br />

como Urubu. Sua<br />

populari<strong>da</strong>de foi<br />

comprova<strong>da</strong> no dia em<br />

que, incita<strong>da</strong> por uma<br />

charge do jornal, a<br />

VIDA DEL CHE,<br />

DE HECTOR<br />

OESTERHELD<br />

E ALBERTO E<br />

ENRIQUE<br />

BRECCIA.<br />

torci<strong>da</strong> de um Maracanã lotado<br />

urrou em peso, no jogo do Brasil<br />

contra o Uruguai, “Maricón!<br />

Maricón!” para <strong>da</strong>r as boasvin<strong>da</strong>s<br />

à seleção rival.<br />

1967<br />

Três meses após a morte de<br />

Che Guevara, o roteirista Hector<br />

Oesterheld e os dois Breccia<br />

(Alberto e Enrique, pai e filho)<br />

lançam na Argentina Vi<strong>da</strong> Del<br />

el<br />

Che (mais tarde conheci<strong>da</strong><br />

como Che, os Últimos Dias de<br />

um Herói), que desagradou<br />

o Governo argentino. Poucos<br />

meses depois, a editora que<br />

o publicou foi invadi<strong>da</strong> e os<br />

exemplares recolhi<strong>dos</strong>. Em<br />

1969, foi a vez de os originais<br />

serem destruí<strong>dos</strong>. Em 1973 o<br />

livro foi proibido oficialmente<br />

pela ditadura militar. E,<br />

finalmente, boa parte <strong>da</strong> família<br />

Oesterheld engrossou a lista <strong>dos</strong><br />

desapareci<strong>dos</strong> políticos em<br />

1977, quando não só ele como<br />

as quatro filhas (uma grávi<strong>da</strong>) e<br />

dois genros foram seqüestra<strong>dos</strong><br />

pelos militares.<br />

A Ebal lança três revistas com<br />

cinco já famosos (nos Esta<strong>dos</strong><br />

Uni<strong>dos</strong>) super-heróis Marvel:<br />

Capitão Z traz as aventuras do<br />

Capitão América e do Homem<br />

de Ferro<br />

erro; Super X, com as<br />

histórias de Namor, , o Príncipe<br />

Submarino e o Incrível Hulk,<br />

e Álbum Gigante, com as<br />

aventuras do Poderoso Thor<br />

hor.<br />

Esses personagens chegam<br />

apoia<strong>dos</strong> em uma grande<br />

campanha de marketing <strong>da</strong><br />

Shell, que também inclui o<br />

patrocínio de desenhos<br />

anima<strong>dos</strong> na tv.<br />

Além <strong>dos</strong> personagens<br />

<strong>da</strong> Marvel, a Ebal coloca<br />

nas bancas Sargento Rock,<br />

de Joe Kubert; Batman e<br />

Super-Homem, na revista<br />

Invictus; Elektron; Os Falcões<br />

alcões;<br />

Flash, o Homem Relâmpago;<br />

O Gavião Negro<br />

e Jerry Lewis,<br />

na revista O Garotão,<br />

publicando histórias do famoso<br />

comediante do cinema.<br />

O gênero super-heróis, em<br />

alta no mercado norteamericano,<br />

começa a crescer<br />

por aqui. Enquanto a Ebal<br />

amplia sua linha de personagens<br />

vin<strong>dos</strong> <strong>da</strong> DC e <strong>da</strong> Marvel, as<br />

editoras paulistas lançam<br />

“genéricos” nacionais como<br />

Golden Guitar, de Rivaldo;<br />

Super-Heros, de Paulo Fukue;<br />

Mylar, de Colonnese (abaixo) e<br />

Pabeyma<br />

de Fernando Ikoma.<br />

Esta última, antecipando a ciência,<br />

já fala de engenharia genética.<br />

MYLAR, DE<br />

COLONNESE<br />

14 <strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011


À ESQUERDA, OS QUATRO INTEGRANTES<br />

DA BANDA THE MONKEES, DA DIVERTIDA<br />

SÉRIE DE TELEVISÃO QUE FOI ADAPTADA<br />

PARA OS QUADRINHOS. EMBAIXO,<br />

DETALHE DE UMA HISTÓRIA DESENHADA<br />

POR FERNANDO IKOMA PARA A REVISTA<br />

ESTÓRIAS ADULTAS, DA EDREL<br />

À DIREITA, A SENSUAL VAMPIRA MIRZA,<br />

DE EUGÊNIO COLONNESE. EMBAIXO, O<br />

GURU MR. NATURAL, DE ROBERT CRUMB.<br />

A Edrel, editora fun<strong>da</strong><strong>da</strong> por<br />

Minami Keizi e o empresário<br />

Salvador Bentivegna, se firma no<br />

mercado. Os principais artistas,<br />

como o próprio Minami mais<br />

Fernando Ikoma e Claudio Seto<br />

são nisseis e “importam” o<br />

modelo <strong>dos</strong> quadrinhos<br />

japoneses, chama<strong>dos</strong> de mangás,<br />

voltando-se principalmente para<br />

a produção de histórias de<br />

conteúdo erótico-light dentro <strong>da</strong><br />

liberalização de costumes que<br />

surgia com os anos 60. Algumas<br />

revistas intercalavam quadrinhos<br />

com fotos de mulheres seminuas,<br />

em muitas páginas, como os<br />

mangás japoneses. A Edrel<br />

conseguiu se estabelecer nesse<br />

nicho de mercado, mas não<br />

resistiu a uma portaria que proibia<br />

revistas eróticas, surgi<strong>da</strong> em<br />

1969 com o recrudescimento<br />

<strong>da</strong> ditadura militar.<br />

O italiano Hugo Pratt cria seu<br />

personagem mais famoso,<br />

Corto to Maltese, na história Uma<br />

Bala<strong>da</strong> del Mare Salato (Bala<strong>da</strong><br />

do Mar Salgado), que foi<br />

publica<strong>da</strong> originalmente na<br />

revista italiana Sgt. Kirk (o nome<br />

<strong>da</strong> revista vem de outro<br />

personagem seu). Corto Maltese<br />

era um marinheiro que vivia<br />

aventuras nas duas primeiras<br />

déca<strong>da</strong>s no século 20 e suas<br />

an<strong>da</strong>nças incluem até a<br />

Amazônia. Em 1970, quando<br />

Pratt se mudou para a França,<br />

seu personagem se tornou um<br />

<strong>dos</strong> astros <strong>da</strong> revista Pif. Hugo<br />

Pratt teve seus trabalhos<br />

publica<strong>dos</strong> em diversos países,<br />

como Itália, Inglaterra, França e<br />

Argentina, e fixou residência em<br />

alguns deles. Como seu<br />

personagem, Pratt viajou o<br />

mundo e adorava o Brasil.<br />

Outro italiano, o roteirista Gino<br />

D’Antonio, inicia a publicação de<br />

Storia del West<br />

est (A História do<br />

Oeste), um <strong>dos</strong> maiores clássicos<br />

<strong>dos</strong> quadrinhos italianos de<br />

to<strong>dos</strong> os tempos, que conta as<br />

aventuras <strong>da</strong> família MacDonald<br />

no Oeste norte-americano.<br />

Essas aventuras seriam<br />

lança<strong>da</strong>s no Brasil três<br />

anos depois, em 1970,<br />

pela Ebal, na revista<br />

Epopéia-Tri<br />

ri.<br />

Valentina<br />

alentina, de Guido Crepax,<br />

se torna protagonista de sua<br />

própria série. Sua primeira<br />

história é La Curva di Lesmo.<br />

Aproveitando-se <strong>da</strong>s<br />

facili<strong>da</strong>des de exportação cria<strong>da</strong>s<br />

pela Associação Latino-Americana<br />

de Livre Comércio-Alalc, a editora<br />

chilena Lord Cochrane inun<strong>da</strong> as<br />

bancas brasileiras com revistas<br />

em quadrinhos traduzi<strong>da</strong>s e<br />

impressas no Chile, com<br />

personagens que não estavam<br />

sendo publica<strong>dos</strong> pelas editoras<br />

brasileiras, como Gato Félix, X-9,<br />

Jim <strong>da</strong>s Selvas e outros. A<br />

iniciativa fracassa, não só porque<br />

a maioria <strong>dos</strong> títulos não eram<br />

comercialmente fortes, como<br />

também por causa do péssimo<br />

letreiramento e <strong>da</strong> sofrível<br />

tradução em “portunhol”.<br />

Robert Crumb cria o místico<br />

guru e profeta <strong>dos</strong> anos 1960,<br />

Mr. . Natural (acima).<br />

Estréia, na Espanha, Cinco<br />

por Infinito, série de ficçãocientífica<br />

de Esteban Maroto,<br />

lança<strong>da</strong> no Brasil dois anos<br />

depois pela Ebal.<br />

Na França, começa a ser<br />

publica<strong>da</strong> na revista Pilote a<br />

série Valérian<br />

alérian, agente espaçotemporal,<br />

de Pierre Christin<br />

e Jean-Claude Mézières.<br />

O sucesso do<br />

seriado Jorna<strong>da</strong> nas<br />

Estrelas (Star Trek)<br />

estimula a Gold Key a<br />

lançar uma versão em<br />

quadrinhos, com desenhos<br />

do italiano Alberto<br />

Giolitti (ao lado),<br />

que já fazia<br />

trabalhos para<br />

editoras nos Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong> e<br />

enviava seus originais pelo correio.<br />

A voluptuosa Mirza, a Mulher<br />

Vampiro<br />

ampiro, de Eugenio Colonnese,<br />

conhece a luz do dia, quer dizer,<br />

<strong>da</strong> noite. Ela foi cria<strong>da</strong> antes de<br />

outra vampira famosa:<br />

Vampirella<br />

ampirella. Nesse mesmo ano,<br />

Colonnese inicia as histórias de<br />

O Morto do Pântano,<br />

precedendo seus congêneres<br />

norte-americanos Man-Thing<br />

(<strong>da</strong> Marvel) e Swamp Thing<br />

(O<br />

Monstro do Pântano, <strong>da</strong> DC).<br />

1968<br />

Muito populares na tv, Os<br />

Monkees também são lança<strong>dos</strong><br />

numa revista em quadrinhos <strong>da</strong><br />

Ebal. Neste mesmo ano a editora<br />

passa a publicar as revistas<br />

Supermoça, A Legião <strong>dos</strong><br />

Super-Heróis e Turma Titã.<br />

A HISTÓRIA DO OESTE É CONTADA<br />

A PARTIR DA CHEGADA DE BRETT<br />

MACDONALD (AO LADO) AOS ESTADOS<br />

UNIDOS. À DIREITA, EM CIMA, SPOCK E<br />

CAPITÃO KIRK, DE JORNADA NAS<br />

ESTRELAS (STAR TREK). ABAIXO, A<br />

FICÇÃO CIENTÍFICA ESPANHOLA<br />

CINCO POR INFINITO, DE<br />

ESTEBAN MAROTO.<br />

<strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011<br />

15


AS PRIMEIRAS<br />

HISTÓRIAS DE<br />

SIGMUND<br />

NO PASQUIM<br />

ERAM MUITO<br />

SELVAGENS.<br />

ENQUANTO<br />

ISSO, JEREMIAS,<br />

O BOM, DE<br />

ZIRALDO, ERA<br />

SÓ CORAÇÃO.<br />

À DIREITA,<br />

PÁGINA DE<br />

ABERTURA DE<br />

UMA HISTÓRIA<br />

DO JUDOKA,<br />

DE FLORIANO<br />

HERMETO.<br />

produtos. Jotalhão torna-se “o<br />

elefante mais amado do Brasil”.<br />

A imprensa underground<br />

começa a florescer nos EUA.<br />

Robert Crumb e sua mulher<br />

vendem de mão em mão, nas<br />

ruas de São Francisco, o<br />

primeiro número de Zap<br />

Comix, Crumb torna-se, em<br />

pouco tempo, o maior<br />

representante <strong>da</strong> nova vertente.<br />

The Fabulous Freak<br />

Brothers, de Gilbert<br />

Shelton estréia na<br />

revista underground<br />

Fed<br />

eds s ‘n’ Heads. Os<br />

personagens fazem a<br />

cabeça do público e<br />

no ano seguinte<br />

Shelton e mais três<br />

malucos fun<strong>da</strong>m a<br />

Rip Off Press para<br />

lançar mais revistas com<br />

os personagens, que fazem<br />

mais sucesso ain<strong>da</strong> e chegam<br />

até a ser publica<strong>dos</strong> na Playboy.<br />

Eternos desemprega<strong>dos</strong>, o lema<br />

deles era “Dope will get you<br />

through times of no money<br />

better than money will get you<br />

through times of no dope.”— que<br />

na revista brasileira Grilo ganhou<br />

uma tradução ain<strong>da</strong> mais<br />

saborosa: “A grama te aju<strong>da</strong> a<br />

viver melhor quando não tem<br />

grana do que a grana te aju<strong>da</strong> a<br />

viver quando não tem grama.”<br />

Antes de ficar famoso com<br />

sua Turma do Lambe-Lambe,<br />

Daniel Azulay publica o seu<br />

Capitão Cipó em tiras diárias no<br />

Correio <strong>da</strong> Manhã.<br />

Lançamento <strong>da</strong> revista de hq<br />

de horror A Cripta, R. F.<br />

Lucchetti e Nico Rosso pela Taika<br />

A Editora Abril lança Clássicos<br />

Walt Disney com a<strong>da</strong>ptações<br />

<strong>dos</strong> desenhos anima<strong>dos</strong> do<br />

estúdio. Em formato maior que<br />

as revistas em quadrinhos <strong>da</strong><br />

época, a edição de estréia trouxe<br />

A Bela Adormeci<strong>da</strong>.<br />

Surge pela Editora Prelúdio a<br />

revista Juvêncio, o Justiceiro,<br />

um personagem saído <strong>da</strong> rádionovela<br />

homônima cria<strong>da</strong> pelo<br />

jornalista Reinaldo Santos, no<br />

rastro do sucesso de Jerônimo,<br />

o Herói do Sertão. Geralmente<br />

a<strong>da</strong>pta<strong>dos</strong> <strong>da</strong>s histórias originais,<br />

os roteiros <strong>dos</strong> quadrinhos do<br />

herói mascarado foram escritos<br />

por nomes como R.F, Lucchetti<br />

e Gedeone Malagola.<br />

Para os desenhos,<br />

artistas de peso<br />

como Sérgio Lima,<br />

Rodolfo Zala e<br />

Eugênio Colonnese,<br />

deram um toque de<br />

excelência à<br />

publicação.<br />

1969<br />

A populari<strong>da</strong>de<br />

de Mônica aumenta<br />

quando ela e o elefante Jotalhão<br />

(acima), outra criação de Mauricio<br />

de Sousa, são veicula<strong>dos</strong> nos<br />

comerciais <strong>dos</strong> extratos de<br />

tomate <strong>da</strong> Cica, abrindo as portas<br />

para o licenciamento de seus<br />

O <strong>Jornal</strong> do Brasil começa a<br />

publicar The Supermãe, de<br />

Ziraldo, mas o sucesso <strong>da</strong><br />

personagem a leva para as páginas<br />

colori<strong>da</strong>s <strong>da</strong> revista Claudia, <strong>da</strong><br />

Editora Abril, em março de 1970.<br />

Surge O Pasquim<br />

asquim, criado por<br />

Jaguar, Tarso de Castro e Sérgio<br />

Cabral, e com a rápi<strong>da</strong> adesão<br />

de nomes como Ziraldo, Millôr<br />

Fernandes, Fortuna e também<br />

Henfil, que lança os seus<br />

Fradinhos<br />

e eles se tornam<br />

muito populares entre os leitores.<br />

O Pasquim<br />

rapi<strong>da</strong>mente pula <strong>da</strong><br />

tiragem inicial de 20 mil para<br />

200 mil exemplares por edição.<br />

Sig, o rato criado por Jaguar, vira<br />

mascote do jornal.<br />

Com prefácio do jornalista e<br />

escritor Antônio Callado, a<br />

Editora Expressão e Cultura<br />

lança em julho o livro Jeremias,<br />

O Bom<br />

om, de Ziraldo.<br />

Cláudio Seto cria Maria<br />

Erótica (ao lado), a princípio<br />

uma coadjuvante em histórias<br />

O JUDOKA,<br />

NO TRAÇO DE<br />

MONTEIRO<br />

FILHO, E<br />

THE SUPERMÃE,<br />

CRIAÇÃO DE<br />

ZIRALDO.<br />

de outro personagem, Beto<br />

Sonhador. Depois ganha<br />

aventuras solo, torna-se uma <strong>da</strong>s<br />

estrelas <strong>da</strong> editora e chega a ter<br />

sua própria revista.<br />

A Ebal lança seu super-herói<br />

brasileiro: O Judoka. A estréia<br />

acontece em outubro, no<br />

número 7 <strong>da</strong> revista de<br />

mesmo nome, que publicava<br />

desde abril as aventuras de<br />

Judô-Master, estranho<br />

personagem <strong>da</strong> Charlton<br />

Comics. A idéia do novo<br />

herói foi do próprio Adolfo<br />

Aizen, que concebeu os<br />

conceitos básicos do<br />

personagem, e o visual foi<br />

criado por Monteiro Filho. Os<br />

roteiros são do novelista <strong>da</strong> Era<br />

do Rádio, Pedro Anísio, e vários<br />

desenhistas se revezavam:<br />

Eduardo Baron, Mário Lima,<br />

Claudio Almei<strong>da</strong>, Juarez<br />

Odilon, Alberto Silva e<br />

muitos outros. Mas com a<br />

entra<strong>da</strong> de FHAF (pseudônimo<br />

de Floriano Hermeto de Almei<strong>da</strong><br />

Filho), que se inspirava na<br />

técnica narrativa de Guido<br />

Crepax, Enric Siò e Steranko, o<br />

quadrinho passa a ser<br />

endeusado por críticos como<br />

Moacy Cirne. O personagem<br />

deu origem ain<strong>da</strong> a um filme<br />

(mal) produzido em 1972 com<br />

Pedrinho Aguinaga no papeltítulo<br />

e a jovem atriz Elisângela<br />

como a namora<strong>da</strong> do herói e foi<br />

um tremendo fracasso de<br />

bilheteria. Porém a expectativa<br />

cria<strong>da</strong> pelo lançamento do filme<br />

nos cinemas salvou a revista de<br />

um cancelamento antecipado. A<br />

revista durou 52 números e foi<br />

publica<strong>da</strong> até julho de 1973.<br />

A Ebal também lança dois<br />

grandes personagens <strong>da</strong> Marvel,<br />

O Homem Aranha e O<br />

Demolidor, além <strong>dos</strong> títulos <strong>da</strong><br />

DC, Aquaman e Os Justiceiros.<br />

Neste ano, a editora passa a<br />

publicar revistas colori<strong>da</strong>s com<br />

capas plastifica<strong>da</strong>s impressas<br />

num papel de melhor quali<strong>da</strong>de.<br />

Os primeiros títulos são<br />

Superman, Batman<br />

atman, Superboy,<br />

Pernalonga e Tarzan<br />

arzan.<br />

O cineasta José Mojica<br />

Marins vira personagem de<br />

quadrinhos, com a publicação<br />

<strong>da</strong> revista O Estranho Mundo<br />

de Zé do Caixão.<br />

Magnus, de Russ Manning,<br />

passa a ser publicado no Brasil<br />

pela O Cruzeiro.<br />

16 <strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011


A CAPA DA EDIÇÃO<br />

COMEMORATIVA CHAMADA<br />

GERAL E OS HERÓIS CANTANDO<br />

PARABÉNS PARA A EBAL. MAIS<br />

À DIREITA, JIMMY OLSEN E O<br />

GUARDIÃO, DE JACK KIRBY.<br />

1970<br />

A Hanna-Barbera lança uma<br />

nova série de sucesso: Scooby-<br />

Doo, Where Are You!<br />

Surge na França a revista<br />

Charlie, inspira<strong>da</strong> na italiana<br />

Linus, que passa a publicar tiras<br />

clássicas e cultua<strong>da</strong>s como<br />

Krazy Kat e Andy Capp;<br />

quadrinhos contemporâneos,<br />

como Mafal<strong>da</strong>, e autores<br />

europeus (Pichard, Wolinski,<br />

Crepax e muitos outros).<br />

Em janeiro, a Editorial Novaro,<br />

do México, lança a revista<br />

Fantomas, La a Amenaza<br />

Elegante, que era livremente<br />

inspirado no personagem<br />

Fantômas, criado em 1909 por<br />

Pierre Souvestre e Marcel Allain<br />

na Europa, cujos livros de<br />

suspense fizeram muito sucesso<br />

no começo do século XX. Antes<br />

de ganhar um título próprio<br />

quinzenal, o personagem foi<br />

publicado em outras revistas <strong>da</strong><br />

editora, mas rapi<strong>da</strong>mente se<br />

tornou um grande sucesso,<br />

principalmente pelos roteiros<br />

bem elabora<strong>dos</strong>, escritos<br />

inicialmente por Alfredo Cardona<br />

Peña e desenha<strong>dos</strong> com<br />

elegância por Rubén Lara<br />

Romero e seu estúdio. No Brasil,<br />

Fantomas<br />

foi publicado pela Ebal<br />

numa revista própria mensal a<br />

partir de agosto de 1970, mas<br />

saíram apenas 13 edições.<br />

Cortázar e Fantomas<br />

Fantomas, a Ameaça Elegante fez tanto sucesso no México<br />

que até o escritor Júlio Cortaázar pegou o personagem “emprestado”<br />

quando escreveu, em 1975, o conto Fantomas Contra<br />

los Vampiros Multinacionales, sobre as violações <strong>dos</strong> direitos<br />

humanos que assolavam a América Latina na déca<strong>da</strong> de 1970<br />

e o exílio forçado de muitos persegui<strong>dos</strong> políticos. Na história,<br />

o narrador é o próprio Cortazar, que fala do golpe de estado<br />

no Chile, patrocinado pela CIA, contra o governo democraticamente<br />

eleito de Salvador Allende. A história começa durante<br />

uma viajem de Cortázar, quando ele descobre que Fantomas<br />

busca pistas que o ajudem a desven<strong>da</strong>r quem está por trás de<br />

uma conspiração demoníaca que quer destruir a cultura em todo<br />

o mundo. Vários intelectuais estavam recebendo ameaças de<br />

morte. Entre eles, Alberto Moravia, Octávio Paz, Susan Sontag<br />

e o próprio Cortázar. Bibliotecas em todo mundo sofriam<br />

atenta<strong>dos</strong> terroristas e eram incendia<strong>da</strong>s. Mas to<strong>da</strong> essa violência<br />

encobria uma reali<strong>da</strong>de muito mais vil. Este conto foi<br />

publicado no Brasil em 1976 pelo jornal Versus <strong>Quadrinhos</strong> – <strong>Especial</strong><br />

América Latina.<br />

Fantomas é um milionário<br />

e misterioso ladrão de obras<br />

de arte, que não se furta<br />

a aju<strong>da</strong>r os necessita<strong>dos</strong>.<br />

1970<br />

Quarteto Fantástico<br />

finalmente chega ao Brasil pela<br />

Ebal, que lança também a<br />

revista O Homem de Aço, com<br />

as aventuras de Miriam Lane<br />

(como era conheci<strong>da</strong> na época<br />

a namora<strong>da</strong> do Super-Homem,<br />

Lois Lane) e Jimmy Olsen, além<br />

de outras duas que publicam<br />

a<strong>da</strong>ptações <strong>dos</strong> seria<strong>dos</strong> de<br />

faroeste <strong>da</strong> tv Cheyenne e<br />

Gunsmoke.<br />

A Ebal comemora 25 anos<br />

reunindo to<strong>dos</strong> os personagens<br />

importantes que publicou numa<br />

edição especial <strong>da</strong> revista<br />

Epopéia intitula<strong>da</strong> Chama<strong>da</strong><br />

Geral, em que até mesmo um<br />

Ota adolescente, que já<br />

trabalhava na editora, aparece<br />

ciceroneando personagens<br />

como Tarzan, Zorro, Super-<br />

Homem, Capitão América,<br />

Mandrake, o próprio Judoka,<br />

além de personali<strong>da</strong>des <strong>da</strong><br />

História do Brasil como D. Pedro<br />

II (publica<strong>dos</strong> na série Grandes<br />

Figuras) e ain<strong>da</strong> os heróis <strong>dos</strong><br />

contos de fa<strong>da</strong>s como Branca<br />

de Neve. Esse especial publica o<br />

primeiro e maior cross-over de<br />

personagens de copyrights<br />

diferentes de que se tem notícia,<br />

precedendo até a junção <strong>dos</strong><br />

super-heróis <strong>da</strong>s rivais DC e<br />

Marvel Comics em Superman<br />

vs. Spider-Man (Super-Homem<br />

Contra o Homem-Aranha)<br />

publica<strong>da</strong> somente em 1976. O<br />

roteiro é assinado por Pedro<br />

Anísio e os desenhos são de<br />

Eugenio Colonnese.<br />

Maio marca a entra<strong>da</strong><br />

definitiva de Mauricio de Sousa<br />

no mercado de revistas em<br />

quadrinhos: finalmente a<br />

Editora Abril lança Mônica e<br />

Sua Turma<br />

(simplifica<strong>da</strong> para<br />

“Mônica” nas edições seguintes)<br />

no mesmo formato <strong>da</strong>s revistas<br />

Disney. Essa foi a primeira de<br />

uma série de publicações<br />

periódicas com os personagens<br />

do grande desenhista.<br />

Depois de se desgastar com<br />

Stan Lee, Jack Kirby troca a<br />

Marvel Comics pela sua maior<br />

rival, a DC, e desenvolve uma<br />

nova linha de revistas para a<br />

editora a partir <strong>dos</strong> personagens<br />

Novos Deuses (New Gods),<br />

Senhor Milagre<br />

re (Mister<br />

Miracle), Kamandi, entre outros.<br />

Kirby desenvolve também novas<br />

histórias para Super-Homem e<br />

seu amigo Jimmy Olsen, cuja<br />

revista Superman’s Pal Jimmy<br />

Olsen corria o risco de ser<br />

cancela<strong>da</strong>. O genial desenhista e<br />

roteirista resgata a Legião<br />

ião (The<br />

Newsboy Legion) e o Guardião<br />

<strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011<br />

17


ACIMA, UMA CENA REPLETA DE AÇÃO DE LOBO SOLITÁRIO. ABAIXO, ARQUEIRO-VERDE DESCOBRE QUE SEU PUPILO É VICIADO EM DROGAS.<br />

(Guardian), antigos personagens<br />

cria<strong>dos</strong> por ele e por Joe Simon<br />

em 1942, para viverem aventuras<br />

ao lado do fotógrafo do Planeta<br />

Diário e do Homem de Aço e a<br />

revista volta a ser um sucesso de<br />

ven<strong>da</strong>s. Nessa revista surge, na<br />

edição 134, de novembro, o vilão<br />

cósmico Darkseid, que se tornaria<br />

um <strong>dos</strong> personagens mais<br />

importantes do Universo DC.<br />

Denny O’Neil e Neil A<strong>da</strong>ms<br />

revolucionam a mídia<br />

introduzindo temas modernos<br />

nos quadrinhos de Green<br />

Lantern/Green Arrow (Lanterna<br />

Verde/Arqueiro Verde) e ganham<br />

vários prêmios. Uma <strong>da</strong>s edições<br />

<strong>da</strong> revista desafia o Comics Code<br />

ao publicar uma história em que<br />

Speedy (Ricardito), parceiro do<br />

Arqueiro Verde, torna-se viciado<br />

em drogas, abrindo um<br />

precedente que marcaria o fim<br />

do Comics Code.<br />

No Japão, Kazuo Koike e<br />

Goseki Kojima começam a<br />

publicar a saga de um samurai e<br />

seu filhote: Kozure Ôkami<br />

(Lobo Solitário).<br />

Em São Paulo realiza-se o<br />

I Congresso Internacional de<br />

Histórias em<br />

<strong>Quadrinhos</strong><br />

com convi<strong>da</strong><strong>dos</strong><br />

do naipe de Will<br />

Eisner, Lee Falk e<br />

Burne Hogarth.<br />

A Editora Vozes lança o livro<br />

A Explosão Criativa <strong>dos</strong><br />

<strong>Quadrinhos</strong>, escrito por Moacy<br />

Cirne, um <strong>dos</strong> mais importantes<br />

estudiosos <strong>dos</strong> quadrinhos<br />

no Brasil. Ele lançaria ain<strong>da</strong><br />

A Linguagem <strong>dos</strong> <strong>Quadrinhos</strong><br />

(1971) e Para Ler os<br />

<strong>Quadrinhos</strong> (1972).<br />

Mell Lázarus emplaca a sua<br />

segun<strong>da</strong> tira de sucesso: Mãe!<br />

(Momma), personagem<br />

inspirado em sua própria mãe.<br />

O bárbaro Conan, criado pelo<br />

escritor Robert E. Howard em<br />

A ARTE SOTURNA DE BERNIE WRIGHTSON EM O MONSTRO DO PÂNTANO.<br />

1932, finalmente, chega ao<br />

mundo <strong>dos</strong> quadrinhos, quando<br />

a Marvel Comics passa a publicar<br />

as aventuras do personagem.<br />

1971<br />

Os fun<strong>da</strong>dores <strong>da</strong> revista<br />

Bondinho lançam Grilo, um<br />

jornal em quadrinhos em<br />

formato tablóide que sobrevive<br />

ao fechamento <strong>da</strong>s demais<br />

publicações <strong>da</strong> editora (que<br />

lançou várias publicações de<br />

resistência ao regime militar,<br />

como Ex-, fecha<strong>da</strong>s pela ditadura<br />

uma após a outra). Grilo começa<br />

publicando alguns <strong>dos</strong> mais<br />

importantes quadrinhos <strong>da</strong><br />

época, como Peanuts, Mago de<br />

Id, Feiffer, Tumbleweeds e<br />

Valentina. Mas no número 25<br />

mu<strong>da</strong> de formato e passa a<br />

publicar também a imprensa<br />

underground norte-americana<br />

encabeça<strong>da</strong> por Robert Crumb e<br />

quadrinhos franceses de<br />

vanguar<strong>da</strong>, como os cartuns de<br />

Wolinski e a história que ele fez<br />

em parceria com Georges<br />

Pichard, Paulette. Esta heroina<br />

sensual teve algumas aventuras<br />

vivi<strong>da</strong>s no Brasil, onde foi<br />

tortura<strong>da</strong> pelos militares.<br />

A revista acabou quando essa<br />

história estava sendo publica<strong>da</strong><br />

em série.<br />

Henfil lança um tablóide com<br />

o seu personagem mais famoso:<br />

Fradim<br />

(abaixo), que reúne suas<br />

primeiras histórias e se esgota<br />

rapi<strong>da</strong>mente. Outras edições<br />

seriam lança<strong>da</strong>s até que, em<br />

1976, o título se torna uma revista<br />

mensal no formato 27x18cm.<br />

Nas páginas <strong>da</strong> revista de<br />

terror House of Secrets é<br />

publica<strong>da</strong> a primeira aventura de<br />

Monstro do Pântano (Swamp<br />

Thing), de Len Wein e Bernie<br />

Wrightson.<br />

18 <strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011<br />

,<br />

Continua na pagina 31


FRANCISCO UCHA<br />

Aos 75 anos de i<strong>da</strong>de e 51 anos de carreira,<br />

Mauricio de Sousa construiu com histórias em<br />

quadrinhos uma multinacional jamais imagina<strong>da</strong><br />

por quem viu os primeiros desenhos do jovem<br />

jornalista. A imprensa permeia a história deste<br />

que é hoje o maior desenhista brasileiro. O<br />

homem responsável por um trabalho que<br />

inspira centenas de profissionais e continua<br />

alfabetizando milhões de pessoas mundo afora.<br />

POR FRANCISCO UCHA<br />

certo afirmar que Mauricio de Sousa hoje é, antes<br />

de tudo, um empresário, mas seria um erro<br />

confundi-lo com um empresário qualquer. No<br />

dia-a-dia to<strong>dos</strong> o reconhecem como alguém que<br />

cui<strong>da</strong> de seus negócios com extremo carinho,<br />

organização e ousadia dentro de uma dinâmica<br />

invejável. Para conseguir um espaço em sua agen<strong>da</strong><br />

depois <strong>da</strong>s comemorações <strong>dos</strong> seus 50 anos de carreira,<br />

em plena produção para a Bienal do Livro, Mauricio reservou<br />

um dia para ser entrevistado por diversos jornalistas<br />

e veículos interessa<strong>dos</strong> em registrar sua história.<br />

Quando chegamos ao seu escritório, ele já havia concedido<br />

duas entrevistas e teria para nós apenas 40 minutos<br />

antes do compromisso seguinte. Porém a conversa<br />

seguiu com tanta espontanei<strong>da</strong>de que durou mais de<br />

duas horas. Nesse entretempo presenciamos outra rápi<strong>da</strong><br />

entrevista por telefone a uma rádio em Portugal.<br />

Assim, sem parar. Sem perder a paciência, a simpatia e<br />

o ar atencioso que já se tornou uma característica<br />

reconheci<strong>da</strong> até por pessoas que o abor<strong>da</strong>m<br />

em busca de um autógrafo.<br />

O seu largo e generoso sorriso sempre esteve presente<br />

enquanto respondia às nossas perguntas. Com<br />

uma caneta na mão e vários papéis, Mauricio não parava<br />

de desenhar para explicar as coisas. Ele fala com<br />

as mãos e com os olhos. “A nossa próxima déca<strong>da</strong> será<br />

a <strong>da</strong> educação!”, disse com a euforia de quem já aju<strong>da</strong><br />

a alfabetizar milhões de crianças na<br />

China, Coréia, Vietnã e Indonésia.<br />

“Espero que um dia consiga fazer<br />

isso no Brasil também.”<br />

Embora milhões de brasileiros<br />

tenham encontrado nas histórias<br />

em quadrinhos o primeiro contato<br />

com a leitura, Mauricio sabe que<br />

o desafio <strong>da</strong> educação no Brasil<br />

é muito mais complexo, e<br />

talvez por isso mesmo esteja<br />

tão empenhado em<br />

colaborar com os<br />

que pretendem<br />

enfrentá-lo.<br />

Entre as memórias<br />

revela<strong>da</strong>s<br />

nesta longa<br />

conversa está<br />

a lembrança<br />

<strong>da</strong> primeira vez que mostrou<br />

seus desenhos a um<br />

certo diretor de Arte que<br />

tentou dissuadi-lo <strong>da</strong> idéia<br />

de vencer na vi<strong>da</strong> desenhando.<br />

Isso foi na Folha <strong>da</strong> Manhã,<br />

quando ain<strong>da</strong> era um jovem em<br />

busca do primeiro emprego. Foi lá também<br />

que encontrou na Re<strong>da</strong>ção um amigo que<br />

lhe deu bons conselhos e o incentivou a continuar.<br />

Desde aquele tempo, nota-se: ele é obstinado,<br />

sabe o que quer e como fazer.<br />

<strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011<br />

19


FOTOS: ARQUIVO PESSOAL<br />

JORNAL DA <strong>ABI</strong> – COMO SURGIU SEU IN-<br />

TERESSE POR DESENHOS E POR QUADRINHOS?<br />

Mauricio de Sousa – Tudo começou<br />

com o jornal. Sou fruto do ambiente em<br />

que cresci. Desde a infância, vivi cercado<br />

de livros, de cadernos de poesia, música,<br />

de gente tocando violão, compondo,<br />

pessoal que trabalhava no rádio. Sempre<br />

tinha perto de mim publicações de<br />

cinema e de rádio, quando não filmes e<br />

programas. Naquele tempo, ain<strong>da</strong> não<br />

havia televisão. Enquanto brincava em<br />

casa, mamãe ouvia novelas no rádio –<br />

a Rádio São Paulo, rainha <strong>da</strong>s novelas.<br />

Eu me lembro <strong>da</strong>s novelas, <strong>da</strong>s músicas,<br />

<strong>dos</strong> arranjos musicais <strong>da</strong>s novelas. Tinha<br />

cinco ou seis anos, mas recebia informação<br />

sobre como as novelas eram<br />

escritas e produzi<strong>da</strong>s, com músicas,<br />

acompanhamentos, arranjos e tudo<br />

mais. Além disso, meu pai trabalhava em<br />

rádio. Fazia de tudo:<br />

era re<strong>da</strong>tor, apresentador,<br />

interpretava,<br />

cantava. E ele me levava<br />

na emissora.<br />

No interior e depois<br />

em São Paulo, na<br />

Rádio Cruzeiro do<br />

Sul, que era a rádio<br />

mais importante na<br />

época, – a Globo de<br />

então. O rádio era o<br />

que havia de mais<br />

avançado em termos<br />

de mostrar e exibir<br />

artistas. Eu via artistas de Hollywood, <strong>da</strong><br />

Metro Goldwyn Mayer, o grande estúdio<br />

do período, <strong>da</strong>nçando, as orquestras<br />

tocando ao lado <strong>dos</strong> pianistas, freqüentava<br />

os bastidores. Houve até um tempo<br />

que eu pensei que ia ser pianista, não<br />

desenhista.<br />

rumar emprego de desenhista, mas não<br />

consegui. O que poderia fazer, então?<br />

Escrever e trabalhar como jornalista,<br />

mais uma coisa de que gostava.<br />

JORNAL DA <strong>ABI</strong> – COMO SE DEU ESSA<br />

TRANSIÇÃO?<br />

Mauricio de Sousa – Um <strong>dos</strong> jornais<br />

em que procurei espaço como desenhista<br />

foi a Folha <strong>da</strong> Manhã, hoje Folha de S.<br />

Paulo. Quando cheguei na Folha, no começo,<br />

com um desenho debaixo do braço,<br />

fui procurar o Diretor de Arte, que<br />

era um grande desenhista e ilustrador,<br />

e havia trabalhado na revista O Cruzeiro,<br />

a grande publicação ilustra<strong>da</strong> <strong>da</strong> época.<br />

Mas ele me disse: “Menino, desista! Isso<br />

não dá dinheiro, não dá futuro. Vá fazer<br />

outra coisa na vi<strong>da</strong>!” Puxa, o cara que<br />

eu admirava, um <strong>dos</strong> maiores desenhistas<br />

do País chega e joga esse balde de<br />

água gela<strong>da</strong> em você... Eu saí <strong>da</strong> sala dele<br />

me arrastando pela Re<strong>da</strong>ção e pensando:<br />

“Minha mãe, meu pai, meus amigos,<br />

minha avó, minha professora, todo<br />

mundo me enganou. Todo mundo falava<br />

que eu desenhava; até eu pensava que<br />

desenhava. E esse cara fala isso”. Nisso,<br />

um jornalista chamado Mário Cartaxo,<br />

já falecido, viu a forma como eu estava<br />

saindo e perguntou o que tinha acontecido.<br />

Eu devia estar com uma cara... Penso<br />

que temiam que eu fosse me jogar <strong>da</strong><br />

No alto, o pai Antonio<br />

Mauricio de Souza (com z)<br />

nos anos 20 no jardim de<br />

Mogi <strong>da</strong>s Cruzes, e<br />

Mauricio (o segundo à<br />

esquer<strong>da</strong>, sentado) com<br />

sua turma do 3° ano do<br />

Grupo Escolar Visconde<br />

de Congonhas do Campo,<br />

no Tatuapé. Ao lado, na<br />

formatura do Ginásio e<br />

iniciando como repórter no<br />

jornal à la Dick Tracy.<br />

JORNAL DA <strong>ABI</strong> – O QUE O FEZ PENSAR<br />

ASSIM?<br />

Mauricio de Sousa – Eu estava mais<br />

cercado de música do que de desenho.<br />

Mas, em segui<strong>da</strong>, meu pai começou a me<br />

levar também às Re<strong>da</strong>ções de jornal,<br />

principalmente em Mogi <strong>da</strong>s Cruzes.<br />

Ele tinha amigos, proprietários de jornais,<br />

e quando comecei a brincar de<br />

desenhar ele pediu que me dessem uma<br />

oportuni<strong>da</strong>de. Comecei rabiscando figuras<br />

e símbolos <strong>dos</strong> clubes de futebol<br />

<strong>da</strong> região. Foi a minha estréia e o pessoal<br />

gostou. Entre desenho e música, optei<br />

pelo primeiro. Para ingressar na carreira<br />

musical, precisava batalhar e estu<strong>da</strong>r<br />

muito, e eu não tinha como fazer essas<br />

coisas em Mogi. Já para o desenho havia<br />

condições. Também pesou aí o fato<br />

de ser apaixonado por gibis. Lembro-me<br />

de que me alimentava deles desde que<br />

me considero por gente; mamãe me<br />

ensinou a ler no gibi antes de eu entrar<br />

na escola. Queria fazer história em quadrinhos,<br />

criar meus próprios personagens.<br />

E comecei a treinar. Na escola eu<br />

fazia caricatura <strong>dos</strong> meus personagens,<br />

<strong>dos</strong> meus amigos, <strong>dos</strong> meus colegas, e<br />

fazia meus gibizinhos artesanais, e distribuía<br />

para a turma. De tanto ser incentivado<br />

pela família e incentivado por<br />

amigos, vim para São Paulo. Queria arjanela.<br />

Eu falei pra ele<br />

o que tinha acontecido;<br />

ele pegou os desenhos<br />

para ver e disse:<br />

“Você tem jeito para<br />

desenho, mas <strong>da</strong> próxima<br />

vez coloca numa<br />

pasta, enfeita mais,<br />

põe papel manteiga<br />

por cima, dá uma capricha<strong>da</strong>, não põe<br />

tudo junto, põe um por um, aumenta o<br />

tamanho, faz isso, faz aquilo, capricha<br />

mais, desenvolve um pouco”. Ele deu<br />

uma aula de marketing. Acho que gostou<br />

de mim, pois me disse que havia<br />

uma vaga de copidesque, e mesmo não<br />

ganhando muito trabalhava só três<br />

horas e meia. Além disso, havia a possibili<strong>da</strong>de<br />

de conhecer o pessoal que<br />

poderia me contratar para publicar os<br />

desenhos. “Entra aqui, faz isso, e <strong>da</strong>qui<br />

algum tempo, você melhora, capricha,<br />

faz uma apresentação melhor e <strong>da</strong>í você<br />

vai mostrar para o amigo seu, o cara que<br />

já tomou café com você, que já tomou<br />

cervejinha com você”. Valia a pena; eu<br />

estava estu<strong>da</strong>ndo ain<strong>da</strong> de noite, então<br />

<strong>da</strong>va pra trabalhar de dia. Peguei a vaga<br />

de copidesque, trabalhei menos de um<br />

mês, e se abriu a vaga de repórter e ele<br />

me avisou: “Mauricio, tem uma vaga de<br />

repórter policial ou na parte social, quer<br />

se candi<strong>da</strong>tar? Tem uma possibili<strong>da</strong>de,<br />

mas tem 200 candi<strong>da</strong>tos”. Eu passei em<br />

primeiro lugar, pois escrevia bem. Entrei<br />

na reportagem como trainee. Quinze<br />

dias depois, o repórter principal ficou<br />

doente e me chamaram para ocupar o<br />

lugar dele. A rotina era massacrante,<br />

mas foi ótimo. Essa foi uma experiência<br />

que me ensinou muita coisa, na base<br />

<strong>da</strong> porra<strong>da</strong> mesmo. Comecei a gostar:<br />

com o tempo, ganhei até prêmios de reportagem.<br />

Trabalhava num grande jornal,<br />

sempre tinha um fotógrafo ao meu<br />

lado (era ele quem apanhava quando<br />

tinha confusão), motorista, jipinho à<br />

disposição... Eu era o super-homem, o<br />

Dick Tracy. (risos)<br />

JORNAL DA <strong>ABI</strong> – PODE CONTAR UMA HIS-<br />

TÓRIA DAQUELES TEMPOS DE REPORTAGEM?<br />

Mauricio de Sousa – Para ser sincero,<br />

eu estava na fase de super-herói mesmo.<br />

Sentia que era o defensor <strong>dos</strong> fracos e<br />

oprimi<strong>dos</strong>. Quando ia na delegacia e via<br />

alguma coisa acontecendo, um mau trato<br />

com alguém que chegava lá ou dúvi<strong>da</strong><br />

sobre tortura de preso, ia investigar. Era<br />

um chato para a Polícia e mesmo para<br />

os nossos repórteres que já estavam há<br />

mais tempo lá. Eu perturbava a vi<strong>da</strong> deles,<br />

não caía em qualquer historinha.<br />

Certa vez, havia uma denúncia de que<br />

um delegado espancava o pessoal com<br />

uma palmatória. Não importava se o<br />

preso era inocente ou culpado. Fazia fila<br />

e batia com força, sem dó. A fama do<br />

homem se espalhou como uma len<strong>da</strong>.<br />

Entrei na Delegacia, num momento que<br />

estava passando uma fila. “Será a fila <strong>da</strong><br />

palmatória?”, pensei. Quando vi que se<br />

dirigia para sala afasta<strong>da</strong> e que estava<br />

sempre fecha<strong>da</strong>, entrei no meio <strong>dos</strong> meliantes,<br />

na fila. Realmente, era a fila <strong>da</strong><br />

palmatória. Só não apanhei porque,<br />

quando estava chegando minha vez, o<br />

pessoal me reconheceu.<br />

JORNAL DA <strong>ABI</strong> – A REPORTAGEM FOI<br />

UMA TREMENDA DENÚNCIA...<br />

Mauricio de Sousa – Na<strong>da</strong>. Descobri<br />

que as torturas com palmatória eram<br />

reais, mas a chefia <strong>da</strong> Re<strong>da</strong>ção não se<br />

interessou em noticiar. Achavam que o<br />

delegado estava fazendo um bom trabalho.<br />

Mas não foi a única história curiosa.<br />

Noutra vez, meu chefe de Re<strong>da</strong>ção<br />

me segurou: “Você não vai à rua<br />

fazer matéria hoje”. “Por quê?”, questionei.<br />

“Fica aí. Depois eu falo com<br />

você”. Fiquei lá, batendo papo, escrevendo.<br />

De repente, chegou um povo,<br />

passou pela minha mesa, olhou para<br />

mim e foi conversar com meu chefe.<br />

Deram meia-volta e foram embora. “O<br />

20 <strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011


FOTOS: ARQUIVO PESSOAL<br />

que foi?”, questionei. “Eles<br />

haviam falado que um repórter<br />

estava achacando<br />

um pessoal, não fazendo os<br />

textos e distorcendo acontecimentos.<br />

Eles acharam<br />

que fosse você. Vieram te<br />

reconhecer”. Não acreditei<br />

no que ouvia. Sentia-me o<br />

pior <strong>dos</strong> criminosos e briguei<br />

com ele, pois não aceitava<br />

que duvi<strong>da</strong>ssem <strong>da</strong><br />

minha ética. Quebrei o pau<br />

ali na Re<strong>da</strong>ção mesmo.<br />

Não aceitava um negócio<br />

desses. Foi difícil, mas era<br />

a minha escola. Aquela<br />

Re<strong>da</strong>ção foi a escola! De lá,<br />

trouxe amizades que tenho<br />

até hoje, e ali também,<br />

aprendi a falar o “jornalês”,<br />

para criar histórias em quadrinhos, chegar<br />

nos jornais e vender meu peixe.<br />

JORNAL DA <strong>ABI</strong> – A REPORTAGEM POLICI-<br />

AL É O COMEÇO PARA MUITOS JORNALISTAS,<br />

MAS BOA PARTE NÃO GOSTA DA ÁREA. O QUE<br />

O FEZ GOSTAR DELA?<br />

Mauricio de Sousa – Eu vinha de gibi,<br />

devorava tramas policiais, histórias do<br />

Dick Tracy. Queria até mesmo virar o<br />

personagem. A primeira coisa que fiz<br />

quando me disseram que estava contratado<br />

foi ir até o Largo do Arouche e comprar<br />

uma capa e um chapéu de repórter<br />

norte-americano. Quando cheguei na<br />

Re<strong>da</strong>ção, alguns até tiraram sarro comigo,<br />

mas por que fiz isso? Eu era tímido,<br />

vinha do interior e tinha chegado num<br />

jornalzão de uma grande metrópole.<br />

Quando botava a capa e o chapéu, virava<br />

outro. Já não era o Mauricio, caipira do<br />

interior; era o repórter, eu era o Dick<br />

Tracy. Eu falava com o governador, com<br />

o bandidão, com o industrial, de igual<br />

para igual, <strong>da</strong> mesma maneira. Então,<br />

era uma maneira de eu me revestir de<br />

outra personali<strong>da</strong>de.<br />

JORNAL DA <strong>ABI</strong> – ISSO O AJUDAVA NO JOR-<br />

NALISMO?<br />

Mauricio de Sousa – Sim. Desde a escola,<br />

eu era muito tímido, tanto que não<br />

tinha coragem de pedir para nenhuma<br />

garota para namorar, ficava só na vontade.<br />

Mas aí também enfrentei um choque<br />

na Re<strong>da</strong>ção. Eu vinha de uma escola<br />

pública, ótima, por sinal, em que aprendi<br />

inglês, francês e latim, com professores<br />

ótimos. Era tão louco, que lia todo<br />

dia um livro novo nos tempos do velho<br />

ginásio. Cheguei no jornal carregado de<br />

Machado de Assis, Eça de Queirós, José<br />

de Alencar, mas tinha de escrever as<br />

notinhas <strong>da</strong>quele jeito, mais conciso. O<br />

pessoal vivia me falando para jogar fora<br />

os adjetivos, tirar meus pensamentos,<br />

minhas opiniões, a emoção, as sensações<br />

e tudo mais. Tive que aprender à força<br />

a me limitar ao “o quê, onde, como, por<br />

que e quando”, o lide. O mais importante<br />

era a pirâmide inverti<strong>da</strong>; se sobrasse<br />

espaço, poderia escrever mais alguma<br />

coisa, o que quase nunca acontecia. Mas<br />

sem exageros estilísticos. “Meu Deus”,<br />

pensei, “Estudei tanto para isso? Para<br />

jogar todo o meu português fora?” Foram<br />

anos de muita briga, mas o jornalismo<br />

me ensinou a concisão.<br />

JORNAL DA <strong>ABI</strong> – ENTÃO, VOCÊ CONSE-<br />

GUIU PEGAR O RITMO DA REDAÇÃO...<br />

Mauricio de Sousa – Tive que me enquadrar.<br />

(Mauricio pega uma caneta e<br />

um papel e começa a desenhar) Mas graças<br />

a isso quando comecei a fazer histórias<br />

em quadrinhos aprendi a ser<br />

mais conciso, colocar um texto inteiro<br />

dentro de um balão, se não eu não<br />

seria roteirista de quadrinhos, seria um<br />

desenhista. Mas o jornalismo me ensinou<br />

a concisão, me ensinou o que o<br />

Twitter está fazendo hoje na internet<br />

para as novas gerações. Você se obriga<br />

a caber no espaço, e eu me obriguei a<br />

caber em três linhas no balão. Com isso,<br />

não percebi na época, mas consegui futuramente<br />

enfrentar os quadrinhos<br />

concorrentes, que vinham com balões<br />

grandes que mais pareciam trazer romances.<br />

Eu tinha preguiça de ler aquilo.<br />

E decidi que a minha história em quadrinhos<br />

não podia passar de três linhas<br />

num balão. Até hoje passo essas valiosas<br />

lições para o pessoal aqui do estúdio.<br />

Além disso, economizei um salário,<br />

já que era roteirista e desenhista.<br />

O jornal pagava apenas um dólar por<br />

tira e era importante acumular as duas<br />

funções para enfrentar a concorrência<br />

e não encarecer o trabalho. O jornal não<br />

ia pagar mais por isso. Então, o jornalismo,<br />

acidentalmente, me ajudou a<br />

desenvolver a indústria de quadrinhos<br />

que fizemos aqui e, ao mesmo tempo,<br />

enfrentar a concorrência. O jornalismo<br />

me ensinou muitas coisas, além <strong>da</strong><br />

concisão. Me ensinou a objetivi<strong>da</strong>de do<br />

lide. Minhas histórias têm começo,<br />

meio e fim; sem tramas paralelas, situações<br />

anteriores, como flashbacks. Os<br />

textos são curtos, rápi<strong>dos</strong>. Vencemos<br />

a concorrência e hoje temos 86% do<br />

mercado. Sinto muito, mas o pessoal<br />

que faça a mesma coisa.<br />

Um bolo caprichado para comemorar as mil tiras publica<strong>da</strong>s do Cebolinha.<br />

Mauricio com as filhas Maria Angela, Mônica e Magali em<br />

1964. Acima, Mônica recebe o carinho do pai-coruja.<br />

JORNAL DA <strong>ABI</strong> – ESSA BAGAGEM TODA<br />

VOCÊ ADQUIRIU NO TEMPO DE JORNAL?<br />

Mauricio de Sousa – Diversas circunstâncias<br />

nos levaram à posição em que<br />

estamos. Lógico, eu também estudei<br />

bastante. Mesmo trabalhando na reportagem,<br />

ain<strong>da</strong> mantinha o objetivo de fazer<br />

história em quadrinhos. Assim, cantava<br />

os chefes de Re<strong>da</strong>ção para me <strong>da</strong>rem<br />

todo o material que chegava <strong>dos</strong><br />

syndicates norte-americanos, os folders,<br />

prospectos. Daí eu via como é que chegavam,<br />

como é que eram traduzi<strong>dos</strong>,<br />

como faziam os balões, tudo. Eu estava<br />

estu<strong>da</strong>ndo, porque não havia no Brasil<br />

uma redistribuição como os syndicates;<br />

eu tinha que inventar isso, tinha que<br />

criar uma distribuição no Brasil. Ou<br />

fazia isso ou continuaria ganhando um<br />

dólar por tira de jornal. Eu ia ganhar<br />

menos do que um salário-mínimo para<br />

fazer uma história em quadrinhos diária.<br />

Não <strong>da</strong>va, <strong>da</strong>í eu via que lá o pessoal<br />

fazia uma tira e redistribuía para diversos<br />

jornais. Decidi fazer o mesmo.<br />

Aprendi como enviar o material e, depois<br />

de cinco anos trabalhando na reportagem,<br />

deixei o jornalismo para fazer as<br />

primeiras tirinhas do Bidu.<br />

JORNAL DA <strong>ABI</strong> – SEUS QUADRINHOS<br />

NASCERAM NOS JORNAIS?<br />

Mauricio de Sousa – Umbilicalmente<br />

liga<strong>dos</strong> a eles. Em 1959, montei meu primeiro<br />

estúdio, em Mogi <strong>da</strong>s Cruzes. Fácil<br />

de chegar, a apenas 50 quilômetros<br />

<strong>da</strong> Re<strong>da</strong>ção. Mas eu ain<strong>da</strong> precisava<br />

vender o peixe e não tinha dinheiro para<br />

montar a distribuidora. Meus recursos<br />

só <strong>da</strong>vam para chegar aos jornais próximos<br />

e oferecer meu material. Tanto<br />

que pedia para o pessoal <strong>da</strong> Re<strong>da</strong>ção<br />

devolver os clichês e os originais. Originais<br />

que tenho guar<strong>da</strong><strong>dos</strong> até hoje. Já<br />

que não tinha dinheiro, peguei o compasso,<br />

botei a ponta seca em Mogi e<br />

rodei 100 quilômetros em volta. Era<br />

para onde eu conseguiria pagar ônibus<br />

para chegar. Não <strong>da</strong>va para ir a Belo<br />

Horizonte, Rio de Janeiro, Curitiba,<br />

Ribeirão Preto; mas chegava em Campinas,<br />

Santos, Sorocaba. Eu pegava o<br />

ônibus com os clichês devolvi<strong>dos</strong> e ia<br />

visitar os jornais de padre, e alguns outros<br />

jornais de artes que havia na região.<br />

E comecei a vender, a distribuir. Aos<br />

poucos, fui aumentando o círculo e<br />

<strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011<br />

21


FOTOS: ARQUIVO PESSOAL<br />

cheguei em Curitiba e Rio de Janeiro.<br />

Em dez anos, publicava as tiras em 300<br />

jornais: estava pronto para lançar uma<br />

revista. Nesses 300 jornais e na prévia<br />

do lançamento <strong>da</strong> revista, no fim <strong>dos</strong><br />

anos 60, eu me reencontrei com alguns<br />

jornalistas <strong>dos</strong> velhos tempos. Eles estavam<br />

montando uma editora para fazer<br />

revistas e me convi<strong>da</strong>ram para fazer<br />

gibi – o gibi <strong>da</strong> Mônica.<br />

JORNAL DA <strong>ABI</strong> – ELES ESTAVAM PENSAN-<br />

DO NA MÔNICA MESMO? NÃO NO BIDU OU<br />

CEBOLINHA?<br />

Mauricio de Sousa – O Bidu e o Cebolinha<br />

eram fortes. Mas já estava trabalhando<br />

na Mônica. Começamos a produzir<br />

o material.<br />

JORNAL DA <strong>ABI</strong> – QUEM ERAM OS JORNA-<br />

LISTAS?<br />

Mauricio de Sousa - Era uma equipe de<br />

jornalistas chefia<strong>da</strong> pelo Sinval de Itacarambi,<br />

que hoje é o Diretor <strong>da</strong> revista<br />

Imprensa. Só que, quando combinamos<br />

tudo e eu me preparei para lançar, todo<br />

mundo foi preso pelos militares e eu não<br />

sabia! Todo mundo sumiu! “Cadê o pessoal<br />

que ia fazer a revista comigo?” Custei<br />

para descobrir a resposta dessa pergunta.<br />

Fiquei sem saber, não achava ninguém,<br />

não atendiam telefone... só depois<br />

de muito tempo, quando começaram a<br />

libertá-los, é que descobri. Era 1969.<br />

Então, a ditadura desmontou a minha<br />

célula de resistência <strong>da</strong>s histórias em quadrinhos<br />

brasileiras. O projeto foi abortado<br />

até que veio a proposta <strong>da</strong> Editora<br />

Abril para fazer a revista Mônica e Sua<br />

Turma. O gibi começou em 1970, <strong>da</strong>ndo<br />

grande visibili<strong>da</strong>de à Mônica e garantindo<br />

recursos para que pudéssemos terminar<br />

nosso projeto de chegar a outros importantes<br />

jornais brasileiros.<br />

Mauricio<br />

tem um<br />

carinho<br />

especial por<br />

Horácio.<br />

Mauricio ao lado de<br />

Jayme Cortez em<br />

Lucca, durante sua<br />

primeira viagem<br />

internacional,<br />

em 1966.<br />

JORNAL DA <strong>ABI</strong> – VOLTANDO AO INÍCIO DOS<br />

ANOS 60, VOCÊ AJUDOU A FUNDAR A ASSOCI-<br />

AÇÃO DE DESENHISTAS DE SÃO PAULO-ADESP.<br />

POR QUE ACONTECEU ESSE MOVIMENTO?<br />

Mauricio de Sousa – Na início <strong>da</strong> déca<strong>da</strong><br />

de 60, quando assumiu a Presidência,<br />

o Jânio Quadros iniciou uma campanha<br />

pela valorização do material brasileiro<br />

e pediu para nós desenhistas criarmos<br />

condições para isso. Naquela<br />

época surgiram muitas revistas. Falavam<br />

sobre artistas de televisão, cinema,<br />

como Mazzaropi, Oscarito, os palhaços<br />

Arrelia e Pimentinha, o Vigilante Rodoviário<br />

e uma porção de outras publicações.<br />

Foi aí que criei a Associação <strong>dos</strong><br />

Desenhistas do Estado de São Paulo.<br />

Provoquei o surgimento de outras associações<br />

no resto do País, mas também<br />

tive um problemão com a Folha. A Associação<br />

não tinha inclinação política.<br />

Mas naquela época ou você era de direita<br />

ou era de esquer<strong>da</strong>. Não havia meiotermo.<br />

Eu não era na<strong>da</strong>! Eu só queria<br />

fazer histórias em quadrinhos. Alguém<br />

disse: “Vamos fazer uma lei de proteção.”<br />

E eu perguntei: “Mas pra que lei<br />

de proteção?” Começamos a lutar por<br />

uma lei de proteção e a Adesp começou<br />

a ter uma conotação política. A Folha me<br />

chamou e mandou parar com aquilo. O<br />

Estado de S. Paulo publicou editorial chamando<br />

todo mundo de comunista. E eu<br />

falava que não podia parar, que não era<br />

comunista, que não poderia abandonar<br />

o barco, pois a luta era justa. Acabei despedido,<br />

mas fiquei com os clichês e passei<br />

a me dedicar somente às tirinhas.<br />

JORNAL DA <strong>ABI</strong> – POR ESSE TEMPO, SUAS<br />

TIRINHAS TAMBÉM COMEÇARAM A FAZER SU-<br />

CESSO NO RIO DE JANEIRO. COMO CHEGOU LÁ?<br />

Mauricio de Sousa – Naquele tempo,<br />

a imagem nacionalista estava sendo<br />

muito ataca<strong>da</strong> e eu entrei em contato<br />

com a Tribuna <strong>da</strong> Imprensa para oferecer<br />

uma história brasileira. Mas devido<br />

ao contato de um editor amigo meu<br />

quem acabou me procurando para<br />

comprar quadrinhos foi o Alberto<br />

Dines, que coman<strong>da</strong>va o concorrente<br />

<strong>Jornal</strong> do Brasil. O jornal<br />

tinha uma proposta nacionalista e<br />

promoveu uma campanha muito<br />

grande no Rio de Janeiro para o<br />

lançamento <strong>da</strong> história em<br />

quadrinhos do Piteco. Promoveram<br />

uma ver<strong>da</strong>deira campanha de marketing,<br />

anunciando a chega<strong>da</strong> de celebri<strong>da</strong>des:<br />

o homem pré-histórico e os dinossauros.<br />

E foi um sucesso. Quando a<br />

Folha viu que eu tinha entrado no JB<br />

e depois na Tribuna de Imprensa, teve<br />

as garantias de que precisava de que<br />

eu não era comunista. Fui chamado<br />

novamente pelo Frias e pelo<br />

Caldeira, comecei a desenhar o<br />

Horácio, participei <strong>da</strong> criação<br />

<strong>da</strong> Folhinha e atraímos muitos<br />

novos leitores para o jornal.<br />

Em contraparti<strong>da</strong> tive<br />

auxílio para deslanchar:<br />

eles me alugaram<br />

meio an<strong>da</strong>r do prédio<br />

ao lado do jornal por<br />

um preço simbólico,<br />

sem cobrar luz ou telefone. Era uma bela<br />

troca. O Frias e o Caldeira me aju<strong>da</strong>ram<br />

bastante e eu <strong>da</strong>va um sucesso <strong>da</strong>nado<br />

para o jornal também. (Octávio Frias,<br />

dono <strong>da</strong> Folha; Carlos Caldeira, seu sócio.)<br />

JORNAL DA <strong>ABI</strong> – A FOLHINHA TAMBÉM<br />

FOI CRIADA PARA ATRAIR NOVOS LEITORES?<br />

Mauricio de Sousa – Sim, era a proposta.<br />

Uma proposta minha e <strong>da</strong> Lenita<br />

Miran<strong>da</strong> de Figueiredo, que era jornalista.<br />

Queríamos que as crianças pegassem<br />

no jornal. Para mim não foi exatamente<br />

uma novi<strong>da</strong>de, pois já estava publicando<br />

um suplemento em vários jornais<br />

com quadrinhos. Chamava-se <strong>Jornal</strong>zinho<br />

<strong>da</strong> Mônica.<br />

JORNAL DA <strong>ABI</strong> – VOCÊ JÁ TINHA UMA<br />

EQUIPE OU FAZIA SOZINHO?<br />

Mauricio de Sousa – Eu tinha uma<br />

pequena equipe. Foi muito louco na época,<br />

porque eu trabalhava na Folha e também<br />

vendia para a cadeia <strong>dos</strong> Diários<br />

Associa<strong>dos</strong>. Eu tinha duas linhas de produtos:<br />

Chico Bento, Astronauta, Piteco<br />

iam para os Diários; e Mônica, Cebolinha,<br />

Jotalhão e Horácio iam para a<br />

Folha. Então, os meus próprios materiais<br />

competiam. Por isso, digo que meu<br />

trabalho nasceu tão ligado ao jornal.<br />

Hoje o perfil <strong>dos</strong> jornais mudou bastante,<br />

inclusive no que diz respeito às histórias<br />

em quadrinhos. Mas estou brigando,<br />

pois acho que os quadrinhos<br />

podem voltar e com força. Tenho até um<br />

projeto diferenciado nesse sentido, mas<br />

não posso falar ain<strong>da</strong> sobre ele.<br />

JORNAL DA <strong>ABI</strong> – ESSA É UMA DAS LUTAS<br />

DA <strong>ABI</strong>: VALORIZAR O DESENHISTA NACIONAL.<br />

NÃO SÓ DE QUADRINHOS, MAS ILUSTRADORES<br />

TAMBÉM.<br />

Mauricio de Sousa – Outra coisa: a<br />

história em quadrinhos fideliza o jornal<br />

para a criança. Se não tiver esse tipo de<br />

material, o jornal morre. O pessoal não<br />

percebe isso. Eu brigo tanto com os jornais<br />

porque se a criança não pegar no<br />

jornal, ele vai acabar morrendo.<br />

JORNAL DA <strong>ABI</strong> – FALE SOBRE SUA RELA-<br />

ÇÃO COM ADOLFO AIZEN E COM JAYME COR-<br />

TEZ, DOIS GRANDES NOMES DOS QUADRINHOS<br />

NO BRASIL.<br />

Mauricio de Sousa – O Aizen deu o<br />

pontapé inicial para as histórias em<br />

quadrinhos no Brasil. Era uma pessoa<br />

maravilhosa, respeitava os artistas,<br />

criou a Ebal quando ele lançou O Herói.<br />

Foi um marco porque ele se preocupava<br />

com a quali<strong>da</strong>de de impressão,<br />

do papel. Eu levei um susto quando vi<br />

aquelas revistas... era outra coisa. A<br />

gente não estava acostumado com<br />

aquele jeito de as histórias em quadrinhos<br />

serem publica<strong>da</strong>s, com melhor<br />

quali<strong>da</strong>de gráfica inclusive. Ele era uma<br />

simpatia e a equipe dele também! Visitei<br />

a Ebal, o museu <strong>dos</strong> quadrinhos,<br />

a locomotiva que tinha lá... era um sonho.<br />

Depois ele e a esposa visitaram o<br />

meu estúdio. Vieram com o Monteiro<br />

Filho, que fazia várias capas <strong>da</strong> Ebal. Foi<br />

uma visita histórica para mim. (Ebal:<br />

Editora Brasil-América Lt<strong>da</strong>.)<br />

JORNAL DA <strong>ABI</strong> – QUANDO FOI ISSO?<br />

Mauricio de Sousa – Nossa... isso tem<br />

tempo! Foi no começo <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 70.<br />

Maurício durante o 1° Congresso de História em <strong>Quadrinhos</strong> de 1974, em Avaré.<br />

22 <strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011


FOTOS: ARQUIVO PESSOAL<br />

Os Superamigos<br />

Amizades e negócios quase sempre an<strong>da</strong>m<br />

juntos: com Osamu Tezuka (no alto),<br />

conversas para reunir num crossover a Turma<br />

<strong>da</strong> Mônica e Astro Boy; com Pelé, a criação do<br />

Pelezinho; com Kim Basinger, um projeto de<br />

um parque de diversões e de personagens<br />

infantis que acabou não se concretizando.<br />

Abaixo, o abraço fraterno a Will Eisner.<br />

JORNAL DA <strong>ABI</strong> – FOI O JAYME CORTEZ<br />

QUE PUBLICOU SUA PRIMEIRA REVISTA EM<br />

QUADRINHOS, NÃO?<br />

Mauricio de Sousa – O dia em que eu<br />

conheci o Cortez... ele me encheu de<br />

palavrões! (risos) Eu fui lá na Editora<br />

para vender uma história de terror para<br />

eles e eu já estava publicando as tirinhas<br />

do Bidu na Folha de S. Paulo. Mas a on<strong>da</strong><br />

era história de terror. O pessoal<br />

ganhava dinheiro com<br />

histórias de terror e as tiras<br />

de jornal <strong>da</strong>vam uma merrequinha.<br />

Aí eu pensei:<br />

“Puxa, preciso ganhar dinheiro!”.<br />

Então, fiz umas<br />

páginas de terror... uma<br />

porcaria porque eu não tinha<br />

jeito para aquilo! E levei<br />

pra ele... Aí ele olhou o<br />

material e falou:<br />

“Tu não és aquele gajo que<br />

faz aquelas historinhas do<br />

cachorrinho lá no jornal?”<br />

“Sou...”<br />

“Então porque me trazes<br />

essa mer<strong>da</strong>? (risos) Trazes<br />

aquilo que tu estás acostumado<br />

a desenhar!<br />

“Mas...”<br />

“Mas na<strong>da</strong>!”<br />

Ai ele falou mais um<br />

monte de palavrões e eu<br />

voltei e fiz umas páginas<br />

com histórias em quadrinhos<br />

do Bidu e do Franjinha,<br />

levei e publicamos as primeiras<br />

revistas em quadrinhos<br />

do Bidu. Como eu não<br />

tinha equipe, não tinha<br />

na<strong>da</strong>, era repórter e tinha<br />

que trabalhar de madruga<strong>da</strong><br />

para fazer as histórias,<br />

agüentei fazer uns cinco números<br />

só... tive que parar. Trabalhava,<br />

ganhava pouco, a Editora pagava um<br />

salário-mínimo para fazer uma revista<br />

inteirinha! Então não agüentei mais...<br />

mas foram as minhas primeiras revistas.<br />

Uma boa experiência graças ao Cortez.<br />

Só dez anos depois que tive condições<br />

de manter uma revista e foi quando<br />

lancei a Mônica. Quando Cortez ficou<br />

disponível no mercado, eu o chamei<br />

para ser Diretor de Arte do nosso estúdio.<br />

Ele trabalhou lá durante muitos<br />

anos. Acompanhou, por exemplo, o planejamento<br />

e a produção do primeiro desenho<br />

animado nosso, <strong>da</strong> Turma <strong>da</strong> Mônica,<br />

produzido pelo Daniel Messias, que<br />

passou na Globo e que tinha aquela<br />

música de Natal que todo mundo canta<br />

até hoje... ele é que, praticamente, coproduziu.<br />

E agora nós vamos refazer<br />

esse desenho e lançar de novo na Globo,<br />

depois de 40 anos. Então, o Cortez<br />

faz parte <strong>da</strong> história de nosso estúdio;<br />

orientou muita gente, orientou o pessoal<br />

do desenho animado que está comigo até<br />

agora. Ele foi fun<strong>da</strong>mental na construção,<br />

na elaboração de nosso estúdio.<br />

JORNAL DA <strong>ABI</strong> – VOCÊ LANÇOU A REVIS-<br />

TA MÔNICA E SUA TURMA EM 1970 E UM<br />

ANO DEPOIS GANHOU O TROFÉU YELLOW KID,<br />

EM LUCCA, NA ITÁLIA. COMO VOCÊ RECEBEU<br />

Em 1963, Mauricio participou ativamente<br />

<strong>da</strong> criação do suplemento infantil Folhinha<br />

de S.Paulo, e dois anos depois lançou pela<br />

FTD alguns livros infantis com personagens<br />

como Astronauta e Piteco (acima).<br />

A NOTÍCIA DE SUA PREMIAÇÃO? AFINAL O YE-<br />

LLOW KID É CONSIDERADO O OSCAR DOS<br />

QUADRINHOS.<br />

Mauricio de Sousa - Eu já estava lá. Era<br />

a terceira ou quarta vez que eu ia a Lucca<br />

apresentar os trabalhos, estava mostrando,<br />

fazendo a minha festa lá. Aí falaram<br />

pra mim: “Você precisa ir lá” e ninguém<br />

falava por quê. “Vai bem vestido,<br />

vai de gravata”. Na festa me chamaram<br />

e aí fui receber o prêmio... Custei a entender<br />

o significado e o peso <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de...<br />

Eles tinham, então, um motivo:<br />

uma revista numa grande editora,<br />

a coroação de um trabalho de dez anos<br />

de histórias em quadrinhos, uma publicação<br />

nova que representava uma saí<strong>da</strong><br />

para os quadrinhos brasileiros.<br />

JORNAL DA <strong>ABI</strong> – VOCÊ PARTICIPOU TAM-<br />

BÉM DA ELABORAÇÃO DO ESTADINHO?<br />

Mauricio de Sousa – Sim. Na déca<strong>da</strong><br />

de 80, o Octávio Frias Filho remodelou<br />

o jornal e decidiu apostar em histórias<br />

mais volta<strong>da</strong>s para adultos. Nisso, o Estadão<br />

me chamou e criamos o Estadinho,<br />

que no começo era praticamente igual<br />

à Folhinha. Aos poucos, o caderno foi<br />

mu<strong>da</strong>ndo seu perfil. Mas você falou<br />

sobre a valorização <strong>dos</strong> desenhistas<br />

nacionais. Em comemoração aos 50<br />

anos de quadrinhos, lançamos dois<br />

livros em que 100 artistas brasileiros<br />

foram convi<strong>da</strong><strong>dos</strong> para desenhar<br />

a turma <strong>da</strong> Mônica, com<br />

seu traço, seu estilo e sua história.<br />

Ca<strong>da</strong> um fez à sua maneira.<br />

Esse pessoal não está sendo usado<br />

pelos jornais, mas por multinacionais<br />

como a Marvel, a DC ou fazem<br />

sucesso no Japão. A imprensa brasileira<br />

está virando as costas para esse<br />

pessoal aqui... renegando grandes talentos<br />

brasileiros.<br />

JORNAL DA <strong>ABI</strong> – QUANDO VOCÊ LANÇOU<br />

SUAS HISTÓRIAS, ELAS FIZERAM SUCESSO NÃO<br />

APENAS PORQUE ERAM BRASILEIRAS, MAS<br />

TAMBÉM POR CAUSA DO SEU TRAÇO SINGULAR<br />

E DOS ROTEIROS BEM CRIATIVOS. IMAGINAVA<br />

FAZER TANTO SUCESSO?<br />

Mauricio de Sousa – O sucesso foi uma<br />

soma de muitas coisas. Você até pode<br />

errar na <strong>dos</strong>e, mas teve o negócio do texto,<br />

do ritmo, de a história ser linear, de<br />

falarmos a mesma língua – quer dizer,<br />

a língua <strong>da</strong> criança<strong>da</strong>, a língua <strong>da</strong> casa.<br />

Mas acredito que sucesso não se planeja.<br />

Você prepara uma carreira, monta uma<br />

estrutura, mas não sabe se vai ou não<br />

<strong>da</strong>r certo. O que fazemos aqui é procurar<br />

o melhor. O artista sempre está insatisfeito,<br />

quer o melhor, procura coisas<br />

que ain<strong>da</strong> não fez. Estamos sempre<br />

inventando novos personagens, criando<br />

novas revistas. Mas tudo o que temos<br />

hoje já começou a ser planejado<br />

quando comecei a desenhar. Já pensava<br />

em fazer histórias para os jornais,<br />

desenhar as tirinhas, depois em formato<br />

tablóide, revistas, desenhos anima<strong>dos</strong>,<br />

parques temáticos. Mas eu não inventei<br />

isso. Era uma tendência. Olhei e<br />

percebi que os norte-americanos já começavam<br />

a fazer isso. Adequamos para<br />

fazer no Brasil. Nossos quadrinhos não<br />

foram influencia<strong>dos</strong> pela Disney. Nos<br />

anos 40 e 50, eles tinham bons desenhistas,<br />

mas eu achava suas histórias fracas.<br />

Havia outros bons modelos. Histórias<br />

clássicas do Li’l Abner, o Ferdinando do<br />

Al Capp; o Spirit, do Will Eisner; Brucutu,<br />

de Vincent Hamlin, e outras me<br />

mostraram que não precisávamos ficar<br />

no básico. Podíamos fazer quadrinhos<br />

mais elabora<strong>dos</strong>, sofistica<strong>dos</strong>. Não acho<br />

que inventei na<strong>da</strong>. Apenas recriamos em<br />

um contexto diferente. Outro personagem<br />

de que gosto muito é o Asterix. Ele<br />

tem a quali<strong>da</strong>de de ser o detonador para<br />

o processo de leituras mais sofistica<strong>da</strong>s.<br />

A criança pode ler outras histórias, mas<br />

quando encontra as do Asterix começa<br />

a buscar algo mais cabeça.<br />

Zé Vampir e Penadinho<br />

eram desenha<strong>dos</strong><br />

assim em 1965.<br />

<strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011<br />

23


JORNAL DA <strong>ABI</strong> – VOCÊ AINDA LÊ HISTÓ-<br />

RIAS EM QUADRINHOS?<br />

Mauricio de Sousa – Quando tenho<br />

tempo, procuro ler tudo que dá de histórias<br />

em quadrinhos. Mas não gosto de<br />

coisas muito dramáticas, sofri<strong>da</strong>s. Prefiro<br />

as mais leves, cômicas, de ficção científica<br />

e de aventuras.<br />

JORNAL DA <strong>ABI</strong> – E OS QUADRINHOS JA-<br />

PONESES, VOCÊ GOSTA?<br />

Mauricio de Sousa – O problema é que<br />

a maioria <strong>dos</strong> mangás japoneses apela<br />

muito para a violência. Um personagem<br />

que eu e meu filho de onze anos gostamos<br />

muito é o Naruto. É uma trama<br />

bem produzi<strong>da</strong> e alicerça<strong>da</strong>, apesar de<br />

acharmos que, às vezes, exagera na violência.<br />

Já outros desenhos são insuportáveis.<br />

Penso que devemos <strong>da</strong>r às crianças<br />

algo mais leve, que as estimule a<br />

pensar e não transformar as revistas em<br />

divãs de psicanalistas.<br />

JORNAL DA <strong>ABI</strong> – VOCÊ TAMBÉM JÁ FALOU<br />

SOBRE A INSPIRAÇÃO DO BOLINHA E DA LU-<br />

LUZINHA SOBRE SEU TRABALHO. EM QUE ES-<br />

Popular, Mauricio de Sousa já apareceu diversas<br />

vezes em aventuras junto com a Turma <strong>da</strong> Mônica.<br />

SES PERSONAGENS TE INSPIRARAM?<br />

Mauricio de Sousa – Foi a última inspiração<br />

que eu tive. Como disse, tive<br />

outras. Meu estilo de desenho sempre<br />

foi meio parecido com a Marta, de Luluzinha,<br />

simples. Só que eu via os outros<br />

desenhistas norte-americanos,<br />

muito sofistica<strong>dos</strong> em termos de arte,<br />

grafismo. Eu tinha um pouquinho de<br />

receio, de medo, pois me achava muito<br />

simples, pe<strong>da</strong>gógico. Quando vi o sucesso<br />

<strong>da</strong> Luluzinha, isso me encorajou. A<br />

Luluzinha me deu coragem para apostar<br />

no desenho que eu já fazia. Meu traço<br />

é ágil, rápido. Parece com aquele cineminha<br />

que eu fiz com 13 ou 14 anos,<br />

de brincadeirinha. A minha avó contava<br />

histórias e eu ilustrava, desenhava<br />

aqui, colava com cola de farinha de trigo,<br />

fazia uma manivela, botava num caixote,<br />

cortava, fazia uma telinha, colocava<br />

a vela atrás, passava e contava a história.<br />

Aquilo foi uma excelente forma,<br />

que me permitiu criar estilo próprio.<br />

Outra coisa que me ajudou a criar um<br />

estilo simplificado de desenho foi ter<br />

começado a fazer ilustrações para a Folha<br />

<strong>da</strong> Tarde, do mesmo Grupo Folha, no<br />

começo <strong>da</strong> minha carreira. Eu chegava<br />

<strong>da</strong> Polícia e tinha meia hora para ler o<br />

noticiário do jornal. Precisava escolher<br />

duas matérias e ilustrar com desenho<br />

simples para colocar como chama<strong>da</strong> de<br />

capa no jornal. Não tinha tempo nem<br />

de fazer rascunho; tinha que olhar aquilo<br />

e sair quase que psicografando o negócio.<br />

Foi uma escola também para eu<br />

dominar o traço simples e rápido.<br />

JORNAL DA <strong>ABI</strong> – O RITMO ALUCINANTE<br />

DA REDAÇÃO, ENTÃO, MOLDOU SEU ESTILO?<br />

Mauricio de Sousa – Realmente,<br />

aprendi na loucura. Hoje podemos sofisticar<br />

um pouco mais graficamente. Mas<br />

sempre me perguntam por que a Mônica<br />

não tem sapatos. Assim como o Cascão<br />

e a Magali, a Mônica não tinha sapatos<br />

porque eu não tinha tempo de desenhar<br />

sapatos. E por que o Cebolinha<br />

tem sapatos? Porque quando criei o Cebolinha<br />

fazia uma tira só; então, tinha<br />

tempo de desenhar sapatos. Quando<br />

comecei a desenhar várias tiras, fiquei<br />

sem tempo. Quem nasceu com sapatos<br />

não podia perdê-los; quem nasceu sem<br />

sapatos não podia mais ganhá-los.<br />

JORNAL DA <strong>ABI</strong> – O CEBOLINHA VEIO PRI-<br />

MEIRO QUE A MÔNICA?<br />

Mauricio de Sousa – É. O Cebolinha<br />

surgiu com sapatos e o Cascão sem sapatos,<br />

mas ambos nasceram juntos.<br />

Mas durante muitos meses eu tive<br />

medo de lançar o Cascão por causa do<br />

hábito dele de não tomar banho. Tinha<br />

receio do pessoal pegar no meu pé, criticar<br />

muito. Então, o Cebolinha foi na<br />

frente. Depois eu falei para a minha mulher,<br />

a mãe <strong>da</strong> Mônica, <strong>da</strong> minha dúvi<strong>da</strong>.<br />

E ela me convenceu de que era besteira.<br />

Arrisquei, mas já não <strong>da</strong>va tempo<br />

de desenhar sapatos.<br />

JORNAL DA <strong>ABI</strong> – ALIÁS, QUAL A INSPIRA-<br />

ÇÃO PARA SEUS PERSONAGENS?<br />

Mauricio de Sousa – A maioria de<br />

meus personagens é inspira<strong>da</strong> em pessoas<br />

reais, gente que conheço, familiares<br />

e amigos. A Mônica, a Magali, o Do<br />

Contra, o Nimbus são filhos. A Mônica<br />

tinha mesmo um coelho, mas não<br />

batia em ninguém com ele, pois era<br />

maior que ela. Mas acho que pensei na<br />

idéia em algum momento meu de mais<br />

“agressivi<strong>da</strong>de”. (risos) Nem na Turma<br />

<strong>da</strong> Mônica Jovem eu inventei. Minha<br />

filha Mônica, quando tinha seus 15<br />

anos, era <strong>da</strong>quele jeito: vai<strong>dos</strong>a, gostava<br />

sempre de estar elegante e bem arruma<strong>da</strong>.<br />

Optei por desenhar a Turma <strong>da</strong><br />

Mônica Jovem em estilo mangá, porque<br />

esse estilo japonês ganhou o mundo e<br />

atrai muitos jovens. Foi uma estratégia<br />

acerta<strong>da</strong>: a revista é a publicação de<br />

quadrinhos brasileira mais li<strong>da</strong> no<br />

mundo, com mais de 400 mil<br />

exemplares por edição. Ain<strong>da</strong><br />

devemos fazer o Chico Bento<br />

Jovem, no mesmo estilo.<br />

JORNAL DA <strong>ABI</strong> – ALÉM DO TRAÇO<br />

E DA CONSISTÊNCIA NAS HISTÓRIAS, O<br />

QUE MAIS JUSTIFICA QUE, CINCO DÉCA-<br />

Os personagens Pelezinho e Ronaldinho<br />

Gaúcho tiveram carreira internacional.<br />

Abaixo, capa <strong>da</strong> revista na França. Ao lado,<br />

a Turma <strong>da</strong> Mônica Jovem em estilo mangá<br />

é um enorme sucesso em ven<strong>da</strong>s.<br />

DAS DE DESENHOS DEPOIS, SEUS PERSONA-<br />

GENS CONTINUEM TÃO APRECIADOS?<br />

Mauricio de Sousa – O que aju<strong>da</strong> um<br />

personagem a durar – com sucesso – tanto<br />

tempo é o cui<strong>da</strong>do que o autor tem<br />

com esse personagem. E o autor durar<br />

também. (risos) Nunca disse estar farto<br />

<strong>da</strong> Mônica e espero que ela nunca<br />

diga isso de mim também. Sei que montei<br />

uma ver<strong>da</strong>deira “indústria” de histórias<br />

em quadrinhos. Por isso, preocupo-me<br />

com a continuação dessa “empresa”.<br />

Nesse sentido, trabalhamos a fidelização<br />

do nosso público e a sucessão,<br />

quem virá depois de mim. Dos meus dez<br />

filhos, seis já trabalham comigo. Dá para<br />

escolher. Três chegaram agora, são mais<br />

novos, o que dá um gás renovado e atual<br />

às histórias. A Marina, de 24 anos, por<br />

exemplo, faz roteiros. Eu examino os<br />

roteiros de tudo o que sai. Tem também<br />

o Mauro, mais ligado ao teatro, e o<br />

Mauricio, que cui<strong>da</strong> de uma área de<br />

tecnologia, mais liga<strong>da</strong> à internet. Enquanto<br />

isso, a Mônica está cui<strong>da</strong>ndo <strong>da</strong><br />

parte comercial, a Van<strong>da</strong>, de projetos<br />

especiais, inclusive liga<strong>dos</strong> a nosso instituto<br />

cultural; a Valéria aju<strong>da</strong> na área<br />

internacional. É uma empresa familiar,<br />

mas não apenas <strong>da</strong> minha família. Vários<br />

funcionários também trazem seus<br />

parentes para trabalhar aqui. Isso me dá<br />

a certeza de fideli<strong>da</strong>de e durabili<strong>da</strong>de.<br />

Tenho gente que trabalha há mais de 40<br />

anos comigo, sem problema nenhum.<br />

JORNAL DA <strong>ABI</strong> – ESSA “INDÚSTRIA” VIROU<br />

UMA AUTÊNTICA MULTINACIONAL DA CULTURA...<br />

Mauricio de Sousa – Somos multinacionais.<br />

Os personagens de Ronaldinho<br />

Gaúcho já estão em 32 idiomas. Em 2010,<br />

quero chegar a 60 ou 70 países do mundo<br />

com desenhos anima<strong>dos</strong>. Trabalhamos<br />

em co-produção não apenas no Brasil, mas<br />

26 <strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011


FOTOS: FRANCISCO UCHA<br />

O irmão de Mauricio de<br />

Sousa, Márcio Araujo (de<br />

pé, à esquer<strong>da</strong>) cui<strong>da</strong> <strong>da</strong><br />

finalização <strong>dos</strong> desenhos<br />

anima<strong>dos</strong> e <strong>da</strong>s trilhas<br />

sonoras. O desenhista<br />

Zazo Aguiar faz as capas<br />

<strong>da</strong> Turma <strong>da</strong> Mônica<br />

Jovem (direita). Embaixo,<br />

diversas etapas <strong>da</strong><br />

produção <strong>da</strong>s revistas<br />

em quadrinhos: o<br />

letreiramento de uma<br />

história do Ronaldinho<br />

Gaúcho; os roteiros de<br />

histórias <strong>da</strong> Dorinha e do<br />

Chico Bento esboça<strong>dos</strong><br />

pelo roteirista Robson B.<br />

Lacer<strong>da</strong>, e a colorização<br />

de uma história <strong>da</strong> Tina.<br />

na Itália, na China e em outros países. Isso<br />

permite produzirmos mais rapi<strong>da</strong>mente<br />

e com mais quali<strong>da</strong>de os desenhos, de<br />

forma a entrar com força na televisão<br />

aberta no mundo inteiro. Depois disso,<br />

acredito que o licenciamento e o merchandising<br />

nos <strong>da</strong>rão condições financeiras<br />

para entrar em outros espaços. Isso nos<br />

permitirá novos investimentos em parques<br />

temáticos e na área educacional.<br />

JORNAL DA <strong>ABI</strong> – E VOCÊ CONTINUA DE-<br />

SENHANDO?<br />

Mauricio de Sousa – Infelizmente já<br />

não desenho mais, a não ser as histórias<br />

do Horácio, mas reviso to<strong>dos</strong> os roteiros.<br />

To<strong>da</strong>s as histórias passam por<br />

mim. Idéias nunca faltam. Quanto mais<br />

você tem, mais vêm. É um poço sem fundo.<br />

Junto com os roteiristas e desenhistas,<br />

produzimos uma nova revista a<br />

ca<strong>da</strong> dois dias. Temos uma equipe de<br />

150 pessoas trabalhando conosco diretamente,<br />

sem contar os indiretos. Eles<br />

produzem histórias com uns 300 personagens.<br />

Alguns personagens ficaram<br />

para trás. Mas não digo que fracassaram.<br />

Isto seria como negar a um filho.<br />

Não me arrependo de na<strong>da</strong>, apenas tento<br />

consertar o que não deu certo.<br />

JORNAL DA <strong>ABI</strong> – É VOCÊ MESMO QUE FAZ<br />

O SEU ORKUT, O SEU TWITTER?<br />

Mauricio de Sousa - Sim. Sou eu mesmo.<br />

Falo apenas <strong>da</strong> superfície do que eu<br />

faço. E coloco muitas fotos...<br />

JORNAL DA <strong>ABI</strong> – VOCÊ TEM COMPARTI-<br />

LHADO COM SEUS SEGUIDORES DO TWITTER<br />

MUITAS FOTOS HISTÓRICAS. POR QUÊ? SAU-<br />

DOSISMO?<br />

Mauricio de Sousa – É... realmente<br />

quero ficar mais assíduo na história <strong>dos</strong><br />

quadrinhos e na minha história nos quadrinhos,<br />

inclusive no meu contato com<br />

outros autores. Depois pretendo fazer<br />

um álbum ou uma revista com o material<br />

que estou publicando no Twitter<br />

para documentar essa história, para não<br />

ficar solto. Na internet fica solto, não<br />

há uma continui<strong>da</strong>de cultural. Talvez<br />

até crie um endereço na internet dedicado<br />

só para falar dessa história <strong>dos</strong><br />

quadrinhos. Mas já conversei com a<br />

Panini e eles estão estu<strong>da</strong>ndo uma pu-<br />

FOTOS: DIVULGAÇÃO<br />

blicação em cima do que eu coloco no<br />

Twitter. Não só com o material histórico,<br />

mas também com as coisas que<br />

estão acontecendo no dia-a-dia.<br />

JORNAL DA <strong>ABI</strong> – VOCÊ CONHECEU AS<br />

PRIMEIRAS PALAVRAS ATRAVÉS DAS HISTÓRI-<br />

AS EM QUADRINHOS. AGORA, PRETENDE ATU-<br />

AR NA EDUCAÇÃO NA PRÓXIMA DÉCADA. FALE<br />

UM POUCO SOBRE ISSO.<br />

Mauricio de Sousa – Queremos trabalhar<br />

em alfabetização e no ensino de valores<br />

para as crianças não somente com<br />

quadrinhos, mas também com desenhos<br />

anima<strong>dos</strong> e livros. Projetos em<br />

parceria com os governos, mas não necessariamente<br />

dependendo deles. Já<br />

temos condições de embarcar nessas<br />

ações. A nossa próxima déca<strong>da</strong> será a <strong>da</strong><br />

educação. Na China, por exemplo, firmamos<br />

um contrato para que 180 milhões<br />

de crianças sejam alfabetiza<strong>da</strong>s<br />

com a Turma <strong>da</strong> Mônica. Uma empresa<br />

de Xangai nos contratou, juntamente<br />

com a Discovery e BBC. Gostaram <strong>da</strong><br />

nossa proposta filosófica. Estamos<br />

abrindo caminho aí para 200 milhões de<br />

chineses chegarem à i<strong>da</strong>de adulta com<br />

a Turma <strong>da</strong> Mônica na cabeça. Eu não<br />

sei o que vai acontecer com isso, mas vai<br />

acontecer. Serão os futuros dirigentes<br />

na China. Também estamos entrando<br />

com propostas pareci<strong>da</strong>s na Coréia,<br />

Vietnã e Indonésia. Espero que um dia<br />

faça no Brasil também.<br />

No HQMix 2010, Mauricio recebeu <strong>da</strong>s mãos de Sonia Luyten um presente especial do escultor Olintho Tahara, responsável pelos troféus do<br />

prêmio: um Astronauta personalizado. Durante as Olimpía<strong>da</strong>s de Pequim, Mauricio teve a oportuni<strong>da</strong>de de mostrar ao Presidente Lula o<br />

trabalho educativo de grande impacto que ele desenvolve com o apoio do Governo chinês para alfabetizar milhões de crianças naquele país.<br />

JORNAL DA <strong>ABI</strong> – POR QUE A RESISTÊNCIA?<br />

Mauricio de Sousa – Estou propondo<br />

esse tipo de trabalho há uns quatro ministros<br />

<strong>da</strong> Educação. Às vezes, a resistência<br />

não é do Governo. O Lula já me<br />

<strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011<br />

27


No último dia 4 de<br />

janeiro Mauricio<br />

postou esta foto no<br />

Twitter com a<br />

seguinte legen<strong>da</strong>:<br />

Cebolinha 50 Anos:<br />

acabei de receber.<br />

Está sensacional!<br />

Durante as<br />

comemorações <strong>dos</strong><br />

30 anos de criação<br />

<strong>da</strong> Mônica, em<br />

1993, vários<br />

desenhistas de<br />

renome enviaram<br />

ao Mauricio<br />

desenhos com<br />

interpretações<br />

pessoais <strong>da</strong><br />

personagem. Milo<br />

Manara fez a bela<br />

ilustração ao lado.<br />

Embaixo, a revista<br />

<strong>da</strong> Mônica na<br />

Indonésia.<br />

disse que quer. Mas aí precisa<br />

passar por Ministérios,<br />

por comissões e aparece<br />

gente falando que o<br />

Mauricio não precisa disso,<br />

sugerindo que faça por<br />

conta própria. Ou acusando<br />

de que a minha<br />

motivação é ganhar dinheiro<br />

e vender mais produtos.<br />

Também existem<br />

aqueles que acusam a<br />

Mônica de ser agressiva, o<br />

Cascão de não tomar banho<br />

e buscam problemas<br />

em outros personagens. Sempre há alguma<br />

coisa atrapalhando, e com isso a gente<br />

vai perdendo tempo precioso de poder<br />

passar para a criança<strong>da</strong> um processo tipo<br />

Vila Sésamo de pré-alfabetização. Nos<br />

Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong>, houve o mesmo problema<br />

para alfabetizar os filhos <strong>dos</strong> imigrantes<br />

que não falavam o inglês. Aqui nós<br />

não temos mais o problema com o imigrante,<br />

temos o problema do brasileiro.<br />

Ele precisa ler mais cedo, precisa se alfabetizar<br />

até antes de entrar na escola. Principalmente<br />

agora, que chega e não sabe<br />

nem pegar no lápis. Se nós ensinarmos<br />

pela televisão essa criança<strong>da</strong> que não tem<br />

acesso ao ensino infantil,<br />

eles começam a treinar em<br />

casa, começam a brincar<br />

de aulinha. Se nós criamos<br />

produtos que de alguma<br />

maneira apontam para<br />

esse tipo de preocupação,<br />

eu penso que realmente<br />

estaremos no caminho<br />

para furar a barreira <strong>dos</strong>...<br />

pe<strong>da</strong>gogos “analistas” cujos<br />

critérios eu não entendo<br />

bem, mas... devem ter<br />

lá os seus critérios. Temos<br />

que respeitá-los, logicamente,<br />

e torcer para que a gente esteja<br />

acertando... Enquanto não estou acertando<br />

deste lado, vou acertando do outro,<br />

alfabetizando milhões de crianças<br />

nesses anos to<strong>dos</strong> naqueles países, com<br />

gibis, com livros, com desenhos anima<strong>dos</strong>...<br />

Eu faço o que eu posso.<br />

JORNAL DA <strong>ABI</strong> – PRODUZIR EM ESCALA<br />

GLOBAL DEVE SER BASTANTE CUSTOSO E COM-<br />

PLEXO.<br />

Mauricio de Sousa – É caro, especialmente<br />

desenhos anima<strong>dos</strong>. Nosso plano<br />

era entrar com tudo nesse mercado<br />

já no ano 2000. Montamos todo o esque-<br />

Mauricio de Sousa deve investir ain<strong>da</strong> mais em desenhos anima<strong>dos</strong> a partir deste ano. A turma do<br />

Penadinho estreou no dia 31 de outubro dentro do <strong>Especial</strong> do Dia <strong>da</strong>s Bruxas do Cartoon Network.<br />

ma com a TV Globo, mas depois o contrato<br />

não foi adiante e nos atrasamos. Estamos<br />

agora retomando a produção em<br />

desenho animado. Quero ver se no ano<br />

que vem chegamos a 40 ou 50 países. Daí<br />

a gente vai ratear os custos e o preço baixa<br />

para entrar em mais países. As revistas<br />

já estão na Holan<strong>da</strong>, Grécia, França. Esse<br />

material <strong>da</strong> China, por exemplo, na zona<br />

de Xangai é em papel; no resto do país<br />

será disponibilizado pela internet. Pelo<br />

menos não podem nos acusar de destruir<br />

os recursos do planeta.<br />

JORNAL DA <strong>ABI</strong> – COMO SURGIU A PARCE-<br />

RIA DO MAURICIO DE SOUSA COM O RUBEM<br />

ALVES?<br />

Mauricio de Sousa – Estamos planejando<br />

com a Editora Record/Verus várias<br />

coisas de que ain<strong>da</strong> não posso falar,<br />

mas queríamos lançar algum produto<br />

que estivesse pronto para a Bienal do<br />

Livro deste ano e não <strong>da</strong>va tempo de eu<br />

escrever uma história. Então sugeriram<br />

o material do Rubem, que tem uma penetração<br />

muito grande com educadores.<br />

Eu vi a profundi<strong>da</strong>de <strong>dos</strong> textos e falei:<br />

“Opa! Isso eu quero ilustrar”. Não é um<br />

texto tão infantil, principalmente o Pinóquio<br />

às Avessas, que é um livro mais<br />

para os pais <strong>dos</strong> alunos. Fizemos uma<br />

ilustração diferencia<strong>da</strong> <strong>da</strong> infantil, com<br />

outro tratamento. Agora, A Menina e<br />

Pássaro Encantado é uma história bonita,<br />

gostosa, na linha de O Pequeno Príncipe,<br />

e fizemos com o desenho tradicional.<br />

Chamei a minha turma, orientei e deu<br />

tempo de fazer para a Bienal deste ano.<br />

O Rubem Alves é uma sumi<strong>da</strong>de... dá<br />

vontade de ficar ouvindo-o falar o tempo<br />

todo pela forma como ele explica de<br />

onde vem a idéia, a inspiração, as emoções<br />

que ele passa e transforma num<br />

texto. Estou aprendendo com ele.<br />

JORNAL DA <strong>ABI</strong> – E SOBRE OS NOVOS<br />

PROJETOS?<br />

Mauricio de Sousa – Muitos desenhos<br />

anima<strong>dos</strong> e muitos livros, principalmente<br />

na área paradidática. Nós temos acor<strong>dos</strong><br />

de publicação com 12 editoras, porque<br />

ca<strong>da</strong> uma tem uma especiali<strong>da</strong>de; vai<br />

para um nicho de mercado. E nós trabalhamos<br />

para um público supervariado.<br />

Então, tenho que trabalhar com editoras<br />

diferentes. As editoras não são concorrentes:<br />

uma publica livros paradidáticos;<br />

a outra, entretenimento; a outra,<br />

cultura, e assim nós vamos espalhar mais<br />

livros porque o pessoal precisa ler. Se nós<br />

pudermos usar imagem, figuras, desenhos,<br />

grafismos para puxar mais o leitor,<br />

vamos puxar mais leitores! Vamos criar<br />

os habituês pela leitura porque a pessoa<br />

quando começa a ler não pára mais e é<br />

isso de que se precisa neste País. O leitor<br />

precisa sentir que há uma cumplici<strong>da</strong>de<br />

dele com o autor ou com o grupo editorial.<br />

Não é papel pintado. Isso aqui tem<br />

espírito, tem mensagem, tem conteúdo.<br />

Por isso temos que fazer com que a turma<br />

leia, leia, leia ca<strong>da</strong> vez mais, porque<br />

aí não pára mais! Assim o povo não é<br />

mais enganado e assim nós vamos mu<strong>da</strong>r<br />

este País. Estamos numa democracia<br />

mas está faltando o acabamento.<br />

Colaborou Marcos Stefano. Entrevista feita em<br />

novembro de 2009 e agosto de 2010.<br />

28 <strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011


DIVULGAÇÃO<br />

No traço <strong>dos</strong> melhores<br />

Homenagem aos 50 anos de carreira de Mauricio de Sousa<br />

resulta em livros que formam uma antologia com a participação<br />

<strong>dos</strong> mais conheci<strong>dos</strong> nomes <strong>dos</strong> quadrinhos brasileiros.<br />

Jean (ao lado), que<br />

criou uma história<br />

com o Louco e o<br />

Cebolinha, disse que<br />

Mauricio de Sousa é<br />

uma referência<br />

também como<br />

empresário: “Ele foi<br />

capaz de levar seus<br />

personagens para<br />

diversos países e<br />

culturas e se manteve<br />

sempre atualizado.”<br />

POR MARCOS STEFANO<br />

O mercado de histórias em quadrinhos<br />

passa por um momento de efervescência<br />

no Brasil. É bem ver<strong>da</strong>de que,<br />

se ain<strong>da</strong> está longe do ideal, termos<br />

como instabili<strong>da</strong>de e crise parecem<br />

ca<strong>da</strong> vez mais distante de seu, para usar<br />

um jargão próprio do meio, “universo”.<br />

Chegar até este ponto não foi na<strong>da</strong><br />

fácil, mas se existe uma figura emblemática<br />

desse processo ela é a do desenhista<br />

Mauricio de Sousa. Apontado<br />

como exemplo e fonte de inspiração, ele<br />

é considerado pelos nossos grandes desenhistas<br />

como o “Walt Disney brasileiro”.<br />

E, após mais de 50 anos de carreira,<br />

na<strong>da</strong> melhor do que o devido reconhecimento,<br />

que veio com o lançamento<br />

no final de 2009 do livro MSP 50 -<br />

Mauricio de Sousa Por 50 Artistas, publicado<br />

pela Panini Comics.<br />

Ain<strong>da</strong> mais do que uma homenagem<br />

ao criador <strong>da</strong> Turma <strong>da</strong> Mônica, a obra<br />

é um libelo do atual momento pelo qual<br />

os quadrinhos nacionais passam. Cinqüenta<br />

<strong>dos</strong> melhores ilustradores, desenhistas,<br />

cartunistas, chargistas e quadrinistas<br />

brasileiros foram convi<strong>da</strong><strong>dos</strong><br />

para emprestar seus traços e produzir<br />

histórias com Magali, Cebolinha, Chico<br />

Bento, Cascão e companhia. Ca<strong>da</strong><br />

qual poderia escolher seu personagem,<br />

mas sem copiar o estilo de Mauricio de<br />

Sousa. O traço deveria ser original.<br />

A coletânea reuniu os mais varia<strong>dos</strong><br />

estilos e temas com expoentes do gênero,<br />

como Vitor Cafaggi, Jean Galvão,<br />

Walmir Orlandeli,<br />

Ziraldo, Laerte, Julia<br />

Bax, Angeli, Wander<br />

Antunes, Marcelo Campos,<br />

Fernando Gonsales e Ivan<br />

Reis. Sidney Gusman, editor<br />

do site Universo HQ e idealizador<br />

do projeto,<br />

acertou em cheio a<br />

mão. Mais do que<br />

um belo álbum,<br />

faz uma antologia<br />

<strong>dos</strong> quadrinhos<br />

nacionais que<br />

mistura talento<br />

e ótimo<br />

argumento.<br />

Na obra, as<br />

histórias assemelham-se<br />

a contos. As mais<br />

fracas são muito<br />

boas. Muitas são<br />

ótimas. E várias<br />

são excelentes.<br />

“Fui alfabetizado<br />

lendo quadrinhos.<br />

Quando recebi o convite para participar<br />

dessa homenagem, quase não consegui<br />

me conter. Ter a liber<strong>da</strong>de de mexer num<br />

universo que faz parte <strong>da</strong> nossa cultura<br />

é maravilhoso, mas também uma<br />

grande responsabili<strong>da</strong>de. Afinal, Mauricio<br />

de Sousa é o nosso Disney. Meu<br />

traço é meio sujo, rabiscado, com um pé<br />

no underground. Por isso, lembrei do<br />

Capitão Feio, um vilão com sua hor<strong>da</strong>,<br />

saindo <strong>dos</strong> esgotos. Parecia um prato<br />

cheio para desenvolver uma boa história<br />

e apostei minhas fichas nele”, conta<br />

Orlandeli, conhecido pelos quadrinhos<br />

e charges que publica em jornais<br />

e por personagens como Grump.<br />

Autor de charges na Folha de S. Paulo<br />

e tiras de quadrinhos nas revistas Recreio<br />

e Runners, Jean Galvão diz que Mauricio<br />

de Sousa não é apenas uma referência<br />

como artista, também é como empresário.<br />

Alguém que foi capaz de levar seus<br />

personagens para diversos países e culturas<br />

e com criativi<strong>da</strong>de para se reinventar<br />

e se manter sempre atualizado:<br />

“Aprendi a desenhar copiando desenhos<br />

<strong>da</strong> tv e <strong>dos</strong> gibis, como os <strong>da</strong> Mônica.<br />

Quando comecei a fazer minha história<br />

para o livro, não pensei em um roteiro<br />

do início ao fim. Um quadrinho foi<br />

puxando outro. Daí, quase não consegui<br />

parar mais. Desenhos e ilustrações estão<br />

hoje em alta. Mas não dá para dizer o<br />

mesmo <strong>da</strong>s charges, já que muitos jornais<br />

não têm espaço para elas”, conta ele, que<br />

em MSP 50 escolheu as personagens Louco<br />

e Cebolinha para trabalhar.<br />

A aposta tornou-se um sucesso. E<br />

como o número de artistas era maior<br />

do que o livro poderia comportar, um<br />

segundo volume foi lançado em agosto<br />

de 2010: MSP + 50 – Mauricio de<br />

Sousa Por Mais 50 Artistas. Já está em<br />

produção um terceiro volume <strong>da</strong> série,<br />

com outros talentos que não entraram<br />

nessas duas edições e que breve deve<br />

chegar às livrarias:<br />

“O trabalho está sendo colorizado e<br />

ain<strong>da</strong> é cedo para <strong>da</strong>r mais detalhes. Mas<br />

é um desafio se distanciar do traço do<br />

Mauricio. Acho fantástico o design que<br />

ele criou. Eu me esforcei ao máximo para<br />

imprimir meu estilo, mas achei legal<br />

manter algumas características do traço<br />

oficial. Acredito que quem gostou<br />

<strong>dos</strong> outros dois gostará também do terceiro.<br />

A coleção é realmente um compêndio<br />

<strong>dos</strong> quadrinhos nacionais”, afirma<br />

Eduardo Francisco de Jesus, um <strong>dos</strong><br />

mais conheci<strong>dos</strong> ilustradores brasileiros<br />

no mercado norte-americano e que participará<br />

do novo volume em parceria<br />

com o roteirista Marcelo Cassaro.<br />

DIVULGAÇÃO<br />

Orlandeli e seu Capitão Feio (à esquer<strong>da</strong>):<br />

“Ter a liber<strong>da</strong>de de mexer num universo que<br />

faz parte <strong>da</strong> nossa cultura é maravilhoso,<br />

mas também uma grande responsabili<strong>da</strong>de”.<br />

<strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011<br />

29


Os quadrinhos<br />

chegam à Academia<br />

Com a eleição de Mauricio de Sousa para imortal, a Academia<br />

Paulista de Letras quer aumentar o diálogo com a socie<strong>da</strong>de.<br />

POR MARCOS STEFANO<br />

Histórias em quadrinhos finalmente<br />

estão ganhando status de literatura.<br />

E a confirmação disso se deu em dezembro,<br />

quando o cartunista, ilustrador e escritor<br />

Mauricio de Sousa foi eleito o<br />

mais novo imortal <strong>da</strong> Academia Paulista<br />

de Letras-APL. O criador <strong>da</strong> Turma <strong>da</strong><br />

Mônica ocupará a cadeira de número 24<br />

<strong>da</strong> instituição, que pertencia ao poeta<br />

e jurista Geraldo de Camargo Vidigal,<br />

morto em agosto.<br />

Mas degustar o tradicional chá <strong>da</strong>s<br />

reuniões <strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de, nas tardes <strong>da</strong>s<br />

quintas-feiras, na companhia de personali<strong>da</strong>des<br />

como Walcyr Carrasco, Ignácio<br />

de Loyola Brandão, Ruth Rocha, Lygia<br />

Fagundes Telles, Antônio Ermírio<br />

de Moraes, Miguel Reale Júnior, Gabriel<br />

Chalita e Jorge Caldeira, entre outras,<br />

deverá ser apenas uma <strong>da</strong>s tarefas<br />

do novo acadêmico. A centenária<br />

APL planeja uma revolução em sua<br />

atuação junto à socie<strong>da</strong>de paulista. E<br />

Mauricio pode ser uma <strong>da</strong>s peças que<br />

faltavam para esse<br />

novo momento.<br />

Primeiro quadrinista<br />

a conquistar a<br />

honraria, Mauricio<br />

de Sousa disputou a<br />

condição de imortal,<br />

nome como se<br />

torna conhecido o<br />

membro <strong>da</strong> Academia,<br />

com o advogado<br />

Joaquim Cavalcanti<br />

de Oliveira<br />

Lima Neto. Em outros tempos, nos<br />

quais histórias em quadrinhos não passavam<br />

de entretenimento sem maior<br />

propósito, certamente teria perdido e<br />

por grande diferença de votos. Nesse<br />

novo momento, no entanto, com resistências<br />

venci<strong>da</strong>s, conquistou a preferência<br />

de 30 <strong>dos</strong> 36 presentes à sessão.<br />

Autor de textos, mas textos dentro<br />

de balões, como ele mesmo costuma<br />

dizer, Mauricio recebeu a notícia do<br />

próprio Presidente <strong>da</strong> APL, o jornalista<br />

e desembargador José Renato Nalini,<br />

durante um coquetel realizado em sua<br />

homenagem, na sede <strong>da</strong> Editora Globo,<br />

em São Paulo, pouco depois.<br />

Sintonizado com os propósitos <strong>da</strong><br />

Academia, Mauricio, que ain<strong>da</strong> não foi<br />

empossado, falou sobre a emoção que<br />

sentiu ao receber a nova distinção e<br />

sobre seus planos na instituição:<br />

“Além <strong>da</strong> honra de me sentar ao lado<br />

de luminares <strong>da</strong> literatura e <strong>da</strong> intelectuali<strong>da</strong>de,<br />

beber de suas luzes e inteli-<br />

“Os quadrinhos são a<br />

porta de entra<strong>da</strong> de boa<br />

parte <strong>da</strong> juventude para<br />

as demais mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des<br />

literárias. E esperamos<br />

que o Mauricio nos ajude<br />

nesse processo de formar<br />

novos leitores.”<br />

gências, gostaria de atrair crianças e<br />

jovens para conhecerem a APL e seus<br />

representantes. E, com estes, discutir<br />

eventos que possam rejuvenescer a Casa<br />

com a presença dessas crianças; afinal,<br />

são leitores ou futuros leitores <strong>da</strong>s nossas<br />

letras. Sem esquecer meu lado de<br />

quadrinhos, que me trouxe até aqui e<br />

abriu caminho para minhas incursões<br />

também em livros.”<br />

Para quem pensa ser esta uma proposta<br />

au<strong>da</strong>ciosa, não é mais do que a<br />

própria Academia espera do quadrinista.<br />

Assim como a Academia Brasileira<br />

de Letras, a APL foi cria<strong>da</strong> segundo o<br />

modelo <strong>da</strong> Academia Francesa, instituí<strong>da</strong><br />

em 1634 pelo Cardeal Richelieu.<br />

Fun<strong>da</strong><strong>da</strong> em 27 de novembro de 1909,<br />

por iniciativa do médico carioca Joaquim<br />

José de Carvalho, a enti<strong>da</strong>de paulista<br />

enfrentou segui<strong>dos</strong> perío<strong>dos</strong> de<br />

inativi<strong>da</strong>de e ressurgimento. O mais<br />

novo desses momentos de ressurreição<br />

é aquele pelo qual ela passa agora, a<br />

começar pela reforma de sua sede, um<br />

prédio histórico localizado no Largo do<br />

Arouche, no Centro<br />

de São Paulo. Levanta<strong>da</strong><br />

entre 1948<br />

e 1953, a construção<br />

nunca havia<br />

passado por reforma.<br />

Molduras de<br />

obras de arte tinham<br />

cupins, tapetes<br />

e carpetes estavam<br />

rasga<strong>dos</strong> e o<br />

teto do auditório tinha<br />

desabado por<br />

causa <strong>da</strong>s infiltrações. Graças a uma parceria<br />

com o Governo do Estado, o auditório<br />

e o primeiro an<strong>da</strong>r já foram restaura<strong>dos</strong>.<br />

Restam ain<strong>da</strong> outros dois an<strong>da</strong>res.<br />

Quando tudo estiver pronto, a Academia<br />

pretende realizar ali eventos<br />

como palestras e cursos sobre temas<br />

atuais, cinema, teatro e artes plásticas,<br />

coquetéis e lançamentos de livros.<br />

Portas abertas<br />

Outra proposta é facilitar o acesso<br />

às mais de 100 mil obras de sua biblioteca.<br />

Por enquanto, os livros só podem<br />

ser empresta<strong>dos</strong> pelos acadêmicos. Demais<br />

interessa<strong>dos</strong> precisam agen<strong>da</strong>r<br />

visita com antecedência e podem apenas<br />

consultar as obras. A idéia é firmar<br />

uma parceria com alguma grande universi<strong>da</strong>de<br />

ou instituição para transformar<br />

o lugar em um espaço de convívio,<br />

além de digitalizar os livros – inúmeros<br />

deles raros – e disponibilizar o acervo<br />

pela internet.<br />

“Queremos abrir as portas <strong>da</strong> Academia<br />

ao povo paulista, contribuir não apenas<br />

nos debates sobre questões como<br />

educação e democracia, transformando<br />

a enti<strong>da</strong>de num “grilo-falante” <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de,<br />

numa pedra no sapato <strong>da</strong>s autori<strong>da</strong>des,<br />

uma voz <strong>da</strong> consciência. Mas<br />

também construindo diretamente o futuro<br />

pela promoção desses eventos.<br />

Quem não gostaria de participar de um<br />

encontro com a escritora Lygia Fagundes<br />

Telles, uma <strong>da</strong>s autoras mais importantes<br />

<strong>da</strong> literatura nacional, imortal tanto<br />

<strong>da</strong> APL quanto <strong>da</strong> ABL, ou com Paulo<br />

Bomfim, o “príncipe <strong>dos</strong> poetas” e nosso<br />

membro mais antigo?”, questiona o<br />

acadêmico José Renato Nalini.<br />

A proposta de revolucionar a vi<strong>da</strong> <strong>da</strong><br />

Academia é coloca<strong>da</strong> em prática desde<br />

a gestão do jurista e professor Ives Gandra<br />

Martins, quando a APL resgatou<br />

uma preocupação já presente em sua<br />

fun<strong>da</strong>ção: ser a mais representativa<br />

possível <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. Entre seus imortais<br />

há real preocupação de se ter a participação<br />

não somente de escritores<br />

profissionais, mas também de juristas,<br />

médicos, engenheiros, jornalistas e<br />

médicos. Nos últimos tempos, as eleições,<br />

decidi<strong>da</strong>s tantas vezes na base <strong>da</strong><br />

amizade, passaram a <strong>da</strong>r mais importância<br />

às obras e ao renome <strong>dos</strong> escolhi<strong>dos</strong>.<br />

Na teoria, qualquer autor de texto<br />

publicado pode concorrer à vaga,<br />

enviando uma carta ao Presidente <strong>da</strong><br />

instituição e anexando currículo e<br />

exemplar <strong>da</strong> obra. Nem precisa ser nascido<br />

em São Paulo. Basta residir na ci<strong>da</strong>de.<br />

Mas, na prática, os eleitos são<br />

muito bem seleciona<strong>dos</strong>.<br />

Outra mu<strong>da</strong>nça é a ampliação do leque<br />

de ocupação <strong>dos</strong> acadêmicos. Júlio<br />

Me<strong>da</strong>glia, por exemplo, é maestro; já<br />

Benedito Lima de Toledo, arquiteto.<br />

Gabriel Chalita é um educador; por sua<br />

vez, Raul Cutait é o médico-cirurgião do<br />

ex-Vice-Presidente José de Alencar. Walcyr<br />

Carrasco e Tatiana Belinky são figuras<br />

importantes <strong>da</strong> televisão. O primeiro<br />

é um consagrado novelista. Ela, uma<br />

<strong>da</strong>s mais profícuas escritoras infantojuvenis<br />

<strong>da</strong> atuali<strong>da</strong>de, é aponta<strong>da</strong> como<br />

a grande responsável por trazer crianças<br />

e adolescentes para a tv, ain<strong>da</strong> em suas<br />

primeiras déca<strong>da</strong>s no País, com exuberantes<br />

a<strong>da</strong>ptações. A religião católica<br />

também mostra sua força na enti<strong>da</strong>de.<br />

No quadro <strong>dos</strong> imortais está um sacerdote,<br />

Dom Fernando Antônio Figueiredo,<br />

especializado em Patrística e mentor<br />

do carismático padre Marcelo Rossi.<br />

Mesmo assim, nenhuma ousadia se<br />

compara à eleição de Mauricio de Sousa.<br />

O quadrinista deverá ser empossado<br />

no fim de fevereiro, em cerimônia<br />

que também marcará a posse <strong>da</strong> nova<br />

gestão <strong>da</strong> APL. À frente <strong>da</strong> Academia<br />

estará, a partir de então, o advogado,<br />

jornalista e cronista Antônio Penteado<br />

Mendonça. Mas a proposta de continuar<br />

a abertura permanece, especialmente<br />

aproveitando a populari<strong>da</strong>de do criador<br />

<strong>da</strong> Mônica, um <strong>dos</strong> dez escritores<br />

mais admira<strong>dos</strong> no Brasil em to<strong>dos</strong> os<br />

tempos, segundo pesquisa do Ibope para<br />

o Instituto Pró-Livro, realiza<strong>da</strong> em 2008.<br />

“O diálogo com a socie<strong>da</strong>de deve ser<br />

ampliado. Os quadrinhos são a porta<br />

de entra<strong>da</strong> de boa parte <strong>da</strong> juventude<br />

para as demais mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des literárias.<br />

E esperamos que o Mauricio nos ajude<br />

nesse processo de formar novos leitores.<br />

Quando conscientiza usando<br />

seus personagens sobre temas como o<br />

cui<strong>da</strong>do com o planeta, ele mostra que<br />

sua obra ultrapassa a arte. Esse é o alvo<br />

<strong>da</strong> Academia. Ano passado, Monteiro<br />

Lobato, que foi imortal <strong>da</strong> APL, quase<br />

foi censurado numa absur<strong>da</strong> acusação<br />

de racismo. Ignácio de Loyola Brandão<br />

chegou a ter um de seus contos tachado<br />

de obsceno. Obscena é a reali<strong>da</strong>de do<br />

Brasil, uma <strong>da</strong>s maiores economias do<br />

mundo, mas com péssima educação e<br />

elevadíssimas taxas de analfabetismo<br />

funcional”, conclui Nalini que, a partir<br />

do fim de fevereiro, será o Secretário-<br />

Geral <strong>da</strong> Academia.<br />

30 <strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011


O BEIJO ARDENTE<br />

DE BATMAN EM<br />

TALIA, A FILHA DE<br />

UM INIMIGO<br />

MAQUIAVÉLICO:<br />

RA'S AL GHUL. À<br />

DIREITA, A FACE<br />

MARCADA DO<br />

PISTOLEIRO<br />

JONAH HEX<br />

ASSUSTOU MUITAS<br />

PESSOAS NO<br />

OESTE SELVAGEM.<br />

Mauricio de Sousa ganha o<br />

prêmio Yellow Kid do Salão de<br />

Lucca, na Itália, considerado o<br />

“Oscar” <strong>dos</strong> quadrinhos (veja<br />

crônica na página 48).<br />

Em 1969, o escritor Dennis<br />

O’Neil e o desenhista Neal<br />

A<strong>da</strong>ms passaram a trabalhar na<br />

reformulação total de Batman,<br />

afastando-o <strong>da</strong> aparência<br />

caricata que a série de tv impôs<br />

ao personagem. Na reali<strong>da</strong>de,<br />

como disse O’Neil na época, sua<br />

idéia “era simplesmente levá-lo<br />

de volta à sua origem”. Com um<br />

trabalho magistral de Neal<br />

A<strong>da</strong>ms, o cruzado ganhou<br />

contornos mais soturnos e<br />

histórias mais densas, além <strong>da</strong><br />

inclusão de novos personagens,<br />

como Man-Bat (Morcegomen),<br />

criado pela dupla A<strong>da</strong>ms e Frank<br />

Robbins em 1970. E o ponto alto<br />

dessas mu<strong>da</strong>nças acontece em<br />

junho de 1971 com a entra<strong>da</strong><br />

de um grande vilão em cena:<br />

Ra's al Ghul. Ele e sua filha Talia<br />

infernizam a vi<strong>da</strong> de Batman. O<br />

personagem estrearia no cinema<br />

em 2005 no filme Batman<br />

Begins, de Christopher Nolan,<br />

interpretado por Liam Neeson.<br />

de Outubro”. O livro<br />

causou interesse no<br />

Ocidente, mas, na<br />

ver<strong>da</strong>de, tudo não<br />

passou de uma farsa.<br />

Sadecky era um picareta,<br />

que convenceu dois<br />

artistas tchecos,<br />

Bohumil Koneèný e<br />

Zdenek Burian, a<br />

produzirem a história<br />

alegando já ter um<br />

editor em vista. A personagem<br />

se chamaria então Amazona.<br />

Sadecky fugiu para o Ocidente<br />

com os originais na mala, onde<br />

conseguiu interessar editores,<br />

forjando a história de que ela<br />

seria um produto clandestino <strong>da</strong><br />

União Soviética. Mais tarde,<br />

Koneèný e Burian chegaram a<br />

processar Sadecky num tribunal<br />

<strong>da</strong> Alemanha Ocidental.<br />

Ganharam, mas não levaram,<br />

pois não conseguiram recuperar<br />

os direitos nem os originais.<br />

Como a personagem não tinha<br />

copyright, sendo, portanto, de<br />

domínio público, diversos artistas,<br />

entre eles Brian Talbot, usaram<br />

Octobriana em outras histórias.<br />

Manuel Victor Filho recebe o<br />

Prêmio Jabuti pelas ilustrações<br />

<strong>da</strong>s obras de Monteiro Lobato.<br />

1972<br />

Oito anos depois de sua<br />

revista ser cancela<strong>da</strong>, as histórias<br />

do Pererê, de Ziraldo, são<br />

reuni<strong>da</strong>s na série de livros A<br />

Turma do Pererê, publica<strong>dos</strong><br />

pela Gráfica Editora Primor.<br />

Iniciativa de alguns alunos <strong>da</strong><br />

Usp e seus parceiros, surge um<br />

marco na imprensa alternativa:<br />

Balão<br />

alão, que revela jovens<br />

talentos como os irmãos Chico e<br />

Paulo Caruso, Laerte e Angeli,<br />

to<strong>dos</strong> ain<strong>da</strong> em formação.<br />

Henfil passa a trabalhar no<br />

<strong>Jornal</strong> do Brasil, onde cria<br />

Zeferino, Graúna e o bode<br />

Francisco Orellana com os<br />

quais mostra a reali<strong>da</strong>de do<br />

agreste brasileiro.<br />

Com roteiro de John Albano e<br />

desenhos de Tony de Zuniga,<br />

surge, na revista All-Star Western<br />

n°10, o caçador de recompensas<br />

Jonah Hex, um ex-sol<strong>da</strong>do<br />

confederado que teve seu rosto<br />

marcado para sempre.<br />

Fun<strong>da</strong><strong>da</strong> pelos conceitua<strong>dos</strong><br />

roteiristas e desenhistas de<br />

quadrinhos Marcel Gotlib, Claire<br />

Bretécher e Nikita Mandrykam,<br />

surge, em maio, a revista<br />

francesa L’Écho des Savanes,<br />

que se manterá com a mesma<br />

fórmula até 1982. A revista<br />

encerra sua carreira em 2006.<br />

Os editores Joe Orlando e<br />

Carmine Infantino, em busca de<br />

mão-de-obra para ilustrar suas<br />

histórias em quadrinhos, vão às<br />

Filipinas e recrutam os melhores<br />

artistas locais, entre eles Alfredo<br />

Alcala, Nestor Redondo e Alex<br />

Niño. A “invasão filipina” havia<br />

começado um pouco antes,<br />

quando Tony de Zuniga, criador<br />

de Jonah Hex, começou a<br />

vender seus trabalhos para a<br />

editora americana, e revelou ao<br />

mundo a existência <strong>dos</strong><br />

talentosos artistas, que há<br />

déca<strong>da</strong>s abasteciam as revistas<br />

<strong>da</strong>quele país.<br />

torna tão popular que vira filme<br />

de animação destinado ao<br />

público adulto. Dirigi<strong>da</strong> por Ralph<br />

Bashki, a produção se torna um<br />

grande sucesso, mas os<br />

desentendimentos entre o autor<br />

e o diretor levam Crumb a tomar<br />

uma decisão drástica: matar seu<br />

personagem. Nesse mesmo<br />

ano, ele publica uma hq em que<br />

o gato Fritz é assassinado por<br />

uma ex-namora<strong>da</strong>.<br />

Com um ótimo cardápio de<br />

tiras que inclui Hagar, Kid Farofa,<br />

Zé do Boné, Peanuts, Mafal<strong>da</strong>,<br />

Mago de Id, B.C. entre outras,<br />

começa a circular a revista<br />

Patota<br />

atota, lança<strong>da</strong> pela Artenova. A<br />

editora também passa a publicar<br />

uma série de livros de bolso<br />

com as tiras <strong>dos</strong> Peanuts<br />

eanuts, de<br />

Charles Schulz. O primeiro título<br />

é Puxa Vi<strong>da</strong>, Charlie Brown!, e<br />

os livrinhos se tornam um<br />

sucesso de ven<strong>da</strong>s, abrindo<br />

espaço para o lançamento de<br />

Aparece o livro Octobriana<br />

and the Russian Underground,<br />

escrito pelo tcheco Petr Sadecky,<br />

que revela ao mundo a<br />

existência de uma heroína<br />

underground russa, Octobriana,<br />

que teria sido cria<strong>da</strong> em 1960<br />

por um grupo de dissidentes<br />

soviéticos, auto-intitulado PPP<br />

(Pornografia Política Progressiva).<br />

O nome seria uma alusão ao<br />

“ver<strong>da</strong>deiro espírito <strong>da</strong> Revolução<br />

Comemorando meio século<br />

<strong>da</strong> travessia aérea do Atlântico,<br />

realiza<strong>da</strong> por Sacadura Cabral e<br />

Gago Coutinho em 1922, a Ebal<br />

lança o álbum A Fantástica<br />

Aventura<br />

(ao lado), com<br />

desenhos de Eugênio<br />

Colonnese, roteiro de Pedro<br />

Anísio e capa de Monteiro Filho.<br />

Publicado desde 1965, Fritz<br />

the Cat, de Robert Crumb, se<br />

<strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011<br />

31


BURNE HOGART EXPLOROU O MOVIMENTO E AS<br />

CORES E CRIOU UMA SELVA DE BELEZA BARROCA<br />

QUANDO SE DESPEDIU DE TARZAN, DEIXANDO UMA<br />

OBRA DEFINITIVA SOBRE A ORIGEM DO HOMEM-MACACO.<br />

Depois de passar vinte anos<br />

afastado do mundo <strong>dos</strong><br />

quadrinhos, Burne Hogarth<br />

volta a ser o centro <strong>da</strong>s atenções<br />

quando é publica<strong>da</strong> uma<br />

graphic-novel de luxo com a<br />

origem de Tarzan<br />

reconta<strong>da</strong>.<br />

SON-O’-GOD: JESUS VIRA SUPER-HERÓI NESTA SÉRIE SATÍRICA QUE CAUSOU MUITA POLÊMICA.<br />

títulos de outros personagens,<br />

como Kid Farofa<br />

e BC.<br />

Lança<strong>da</strong> em abril de 1970, a<br />

revista de humor National<br />

Lampoon<br />

começa a publicar a<br />

partir de janeiro a controverti<strong>da</strong><br />

série Son-O’-<br />

O’-God Comics,<br />

cria<strong>da</strong> por Michael Choquette e<br />

Sean Kelly e desenha<strong>da</strong> pelo<br />

premiado artista Neal A<strong>da</strong>ms,<br />

que reformulou Batman,<br />

Lanterna Verde e Arqueiro Verde<br />

para a DC Comics. A história<br />

mostra Jesus como um superherói<br />

<strong>dos</strong> tempos modernos<br />

lutando contra o Anticristo e<br />

seus asseclas. Muito mais que<br />

uma paródia aos super-heróis,<br />

os autores fazem uma crítica<br />

contundente ao fanatismo<br />

religioso. Ofensivo para muitos e<br />

hilariante para outros, Son-O’-God<br />

Comics saiu de cena em 1976.<br />

É também neste ano que a<br />

DC Comics assume a revista<br />

Tarzan<br />

e Carmine Infantino,<br />

então Diretor-Editorial, chama Joe<br />

Kuber<br />

ubert para recontar a história<br />

do Rei <strong>da</strong>s Selvas a partir <strong>dos</strong><br />

livros de Edgar Rice Burroughs.<br />

A Editora Perspectiva lança,<br />

em sua coleção Debates, o livro<br />

Shazam! – organizado por<br />

Álvaro de Moya. Entre os textos<br />

publica<strong>dos</strong> estão artigos de Jô<br />

Soares, Reinaldo de Oliveira,<br />

Naumim Aizen, Henrique Lipszyc,<br />

O DESENHO<br />

DE JOE KUBERT<br />

RESSALTOU O<br />

ASPECTO<br />

SELVAGEM<br />

DE TARZAN.<br />

O TRAÇO MARCANTE DE GENE COLAN CONTRIBUIU PARA O SUCESSO DE THE TOMB OF DRACULA.<br />

<strong>dos</strong> jornalistas Sérgio Augusto e<br />

Luís Gasca, além do próprio<br />

Moya, entre outros nomes.<br />

A dupla belga Greg e<br />

Hermann inicia a publicação de<br />

um <strong>dos</strong> grandes clássicos do<br />

faroeste europeu: Comanche.<br />

pela revista Patota a partir de<br />

1973. Marly é uma solteirona<br />

eternamente fofocando ao<br />

telefone e seu bordão “Ralooou,<br />

Creuzodete?” agra<strong>da</strong> aos leitores.<br />

A Marvel lança The Tomb of<br />

Dracula, revista com histórias de<br />

terror do Príncipe <strong>da</strong>s Trevas,<br />

magistralmente desenha<strong>da</strong>s por<br />

Gene Colan.<br />

O capixaba Milson Henriques<br />

cria Marly, publica<strong>da</strong> em tiras<br />

diárias no Espírito Santo. A<br />

personagem se torna<br />

nacionalmente conheci<strong>da</strong><br />

quando passa a ser publica<strong>da</strong><br />

32 <strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011


À ESQUERDA, BUDA, DE OSAMU TEZUKA.<br />

À DIREITA, UMA SEQÜÊNCIA MAGISTRAL DE<br />

PAUL GULACY: A LUTA ENTRE SHANG-CHI E<br />

O GATO EM O MESTRE DO KUNG FU.<br />

que é publica<strong>da</strong> até hoje. Seu<br />

filho Tom, que já trabalhava com<br />

ele desde 1997, assumiu a tira<br />

depois de sua morte em 2006.<br />

A Abril passa a publicar a<br />

linha de personagens de<br />

Hanna-Barbera. A primeira<br />

revista lança<strong>da</strong> é Os Flintstones,<br />

em dezembro.<br />

Osamu Tezuka, o criador de<br />

Astro Boy, A Princesa e o<br />

Cavaleiro, Kimba, o Leão<br />

Branco e tantos outros<br />

personagens de sucesso, inicia<br />

no Japão aquela que seria uma<br />

de suas obras mais aclama<strong>da</strong>s:<br />

Bu<strong>da</strong>, que retrata através de<br />

seu genial olhar a vi<strong>da</strong> do<br />

fun<strong>da</strong>dor do Budismo. Esta<br />

história ficaria inédita no Brasil<br />

por mais de 30 anos.<br />

A Ebal lança o álbum Uma<br />

Estória na Independência, com<br />

a hq escrita e desenha<strong>da</strong> por<br />

Luiz Antônio Novelli vencedora<br />

do I Grande Concurso de<br />

Histórias em <strong>Quadrinhos</strong><br />

promovido pela editora para<br />

comemorar o Sesquicentenário<br />

<strong>da</strong> Independência do Brasil.<br />

Bob Thaves inicia a publicação<br />

<strong>da</strong> tira cômica Frank & Ernest,<br />

1973<br />

Depois de três anos reinando<br />

sozinha, Mônica passa a ter<br />

companhia nas bancas a partir<br />

de janeiro: Mauricio de Sousa e<br />

a Editora Abril lançam a revista<br />

do Cebolinha, que se torna<br />

outro grande sucesso de ven<strong>da</strong>s.<br />

Apesar de aparecer na capa, o<br />

Capitão Feio não participa de<br />

nenhuma aventura nesta<br />

primeira edição.<br />

Morando em Nova York, onde<br />

fora tentar novos tratamentos para<br />

a hemofilia, Henfil consegue<br />

vender seus personagens para<br />

um distribuidor norte-americano,<br />

o Universal Press Syndicate. Os<br />

Fradinhos se transformam em<br />

The he Mad Monks. Mas o humor<br />

corrosivo de Henfil não agra<strong>da</strong> ao<br />

público americano; chovem<br />

cartas de protesto e to<strong>dos</strong> os<br />

jornais cancelam a série.<br />

Dik Browne, parceiro de Mort<br />

Walker em Hi and Lois, cria<br />

Hagar, , o Horrível (Hagar the<br />

Horrible) ambientando as<br />

aventuras na I<strong>da</strong>de Média. As<br />

historinhas mesclam as<br />

conquistas do bárbaro viking<br />

com situações familiares<br />

comuns e superam o sucesso<br />

<strong>da</strong> tira precedente.<br />

Shang-Chi, O Mestre do<br />

Kung Fu, personagem criado<br />

pelo roteirista Steve Englehart e<br />

pelo desenhista Jim Starlin,<br />

passa a ser publicado pela<br />

Marvel em dezembro e se torna<br />

um sucesso instantâneo. Porém<br />

a série ganha um novo status e<br />

passa a ser aclama<strong>da</strong> pela crítica<br />

especializa<strong>da</strong> quando o escritor<br />

Doug Moench e o desenhista<br />

Paul Gulacy assumem as<br />

histórias do herói.<br />

O paraibano Emir Ribeiro cria<br />

Welta<br />

elta, super-heroína brasileira<br />

similar às hqs americanas em<br />

mo<strong>da</strong> na época. Welta ain<strong>da</strong><br />

circula em publicações à<br />

margem do sistema, como<br />

fanzines e edições artesanais<br />

banca<strong>da</strong>s pelo próprio autor,<br />

mas seu nome ganhou um “V”<br />

no lugar do “W” original.<br />

A ditadura militar man<strong>da</strong> para<br />

o pelotão de fuzilamento um<br />

monte de revistas em quadrinhos:<br />

edita a Portaria 209/73, que<br />

proíbe o conteúdo erótico nesse<br />

tipo de publicação, ain<strong>da</strong> que de<br />

forma sutil. É o fim para a maioria<br />

de editoras paulistas como a<br />

Edrel, que exploravam esse<br />

mercado. Do listão de quadrinhos<br />

bani<strong>dos</strong> não escapa nem o<br />

inocente Chico de Ogum, de<br />

Nico Rosso. Esse personagem<br />

era inspirado no famoso médium<br />

Chico Xavier e não escapou <strong>da</strong><br />

po<strong>da</strong> porque, quando fazia suas<br />

projeções astrais, o espírito de<br />

Chico de Ogum aparecia pelado.<br />

Entretanto, depois os editores<br />

conseguiram reverter a proibição.<br />

FRANK & ERNEST,<br />

DE BOB THAVES.<br />

EMBAIXO,<br />

HAGAR, O<br />

HORRÍVEL, DE<br />

DIK BROWNE.<br />

UMA ESTÓRIA NA INDEPENDÊNCIA, DE LUIZ ANTÔNIO NOVELLI.<br />

<strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011<br />

33


À ESQUERDA, O<br />

HORROR DA BOMBA<br />

ATÔMICA NA OBRA<br />

MÁXIMA DE KEIJI<br />

NAKAZAWA: GEN<br />

PÉS DESCALÇOS.<br />

À DIREITA, É O<br />

PRÓPRIO DISNEY<br />

QUE APRESENTA AS<br />

HISTÓRIAS DE SEUS<br />

PERSONAGENS NO<br />

LIVRO EM SUA<br />

HOMENAGEM.<br />

E quem diria: depois de<br />

tanta confusão o antigo Capitão<br />

Marvel/Shazam volta, agora<br />

publicado pela própria editora<br />

que o processou déca<strong>da</strong>s atrás.<br />

Já que a DC Comics tinha<br />

comprado o acervo <strong>da</strong> rival<br />

Fawcett, quando esta encerrou<br />

a sua linha de quadrinhos, e<br />

estava com o personagem<br />

<strong>da</strong>ndo sopa. Para a empreita<strong>da</strong>,<br />

até o desenhista original <strong>da</strong><br />

série, C.C. Beck, foi chamado e<br />

Super-Homem aparece na capa<br />

<strong>da</strong> primeira edição apresentando<br />

o retorno do herói. Para justificar<br />

o sumiço do personagem por<br />

tantos anos, inventaram a<br />

desculpa de que a Família<br />

Marvel e seus inimigos <strong>da</strong><br />

Família Silvana tinham ficado<br />

em animação suspensa esse<br />

tempo todo. No Brasil, o<br />

relançamento do personagem<br />

foi comemorado na Ebal com<br />

um "Cacharolete Shazânico (de<br />

pouco poder explosivo)" no dia<br />

17 de agosto. No evento foram<br />

distribuí<strong>dos</strong> os 300 exemplares de<br />

uma edição de pré-lançamento<br />

<strong>da</strong> revista Shazam! n°1 "sujeita<br />

a correções e imperfeições,<br />

especialmente impressa e<br />

encaderna<strong>da</strong> para os<br />

convi<strong>da</strong><strong>dos</strong>", como informava a<br />

sobrecapa <strong>da</strong> publicação.<br />

Sérgio Macedo lança em uma<br />

edição independente pela<br />

Massao Ohno Editora seu<br />

primeiro livro, O Karma de<br />

Gaargot. As páginas vêm com<br />

uma espécie de papel de se<strong>da</strong><br />

entre elas, que teria sido<br />

colocado para evitar que a tinta<br />

borrasse as páginas contíguas, o<br />

que os leitores adoram porque<br />

podem fazer outros usos dele.<br />

Depois Macedo emigra para a<br />

França, onde aju<strong>da</strong>rá a fun<strong>da</strong>r os<br />

Humanóides Associa<strong>dos</strong>.<br />

A revista japonesa Weekly<br />

Shonen Jump inicia a publicação<br />

de Gen Pés Descalços<br />

escalços, de Keiji<br />

Nakazawa, dramático e pungente<br />

relato sobre os horrores <strong>da</strong><br />

guerra e do holocausto nuclear<br />

de Hiroshima.<br />

A Ebal lança em outubro Os<br />

Lusía<strong>da</strong>s - Quadrinização do<br />

Poema de Luís de Camões,<br />

a<strong>da</strong>ptado por Pedro Anísio e<br />

desenhado por Nico Rosso. A<br />

edição comemora os 400 anos<br />

<strong>da</strong> obra-prima do grande<br />

escritor português.<br />

Com chama<strong>da</strong> de capa em<br />

letras garrafais “<strong>Jornal</strong> de texto,<br />

história em quadrinhos, fotos e<br />

cometas”, é lançado em São<br />

Paulo, ex-, publicação tablóide<br />

que dedica a sessão “Comicus”<br />

às hqs cult e undergrounds,<br />

como Crumb, Feiffer, Don<br />

Martin, Son-O’-God, BC e outros.<br />

A Editora Abril publica o livro<br />

Cinquentenário Disney, que<br />

comemora os 50 anos de<br />

ativi<strong>da</strong>de de Walt Disney. No<br />

livrão, no formato <strong>da</strong> revista Veja,<br />

o próprio Disney se encarrega de<br />

apresentar as principais histórias de<br />

seus mais famosos personagens<br />

e de contar como eles surgiram.<br />

Tudo isso, em quadrinhos.<br />

Surgido na Itália em 1965,<br />

Peninha ganha um alter-ego<br />

criado no Brasil: o atrapalhado<br />

Morcego Vermelho<br />

ermelho.<br />

Em dezembro, é finaliza<strong>da</strong> a<br />

impressão do álbum de luxo<br />

gigante Flash Gordon no<br />

Planeta Mongo, lançado pela<br />

Editora Brasil-América para<br />

comemorar os 40 anos de<br />

publicação do álbum original,<br />

lançado em 1934. O livro reúne<br />

as primeiras 60 pranchas<br />

dominicais <strong>da</strong> obra-prima de<br />

Alex Raymond, originalmente<br />

publica<strong>da</strong> no Suplemento Juvenil.<br />

O cavaleiro<br />

do Zodiako<br />

Jayme Cortez criou dois de<br />

seus mais importantes trabalhos<br />

quando foi convi<strong>da</strong>do a<br />

participar <strong>da</strong> revista Crás!, <strong>da</strong><br />

Editora Abril. Na primeira<br />

edição foi publica<strong>da</strong> uma pequena<br />

obra-prima: O Retrato<br />

do Mal. Na segun<strong>da</strong> edição, o<br />

mestre deu início à saga do<br />

Zodiako. Mas a partir <strong>da</strong> terceira<br />

edição a revista mudou<br />

de formato e linha editorial e<br />

a história não teve continuação<br />

na revista. Finalmente em<br />

1975 o Zodiako seria publicado<br />

num álbum e no ano seguinte<br />

estrearia nas páginas<br />

<strong>da</strong> prestigia<strong>da</strong> revista italiana<br />

Sgt. Kirk. (Leia matéria sobre<br />

Cortez na página 42)<br />

1974<br />

Na tentativa de buscar novos<br />

personagens que atraíssem o<br />

público, a Editora Abril publica a<br />

revista Crás! somente com<br />

histórias cria<strong>da</strong>s por grandes<br />

nomes do quadrinho nacional,<br />

O KARMA DE GAARGOT,<br />

DE SÉRGIO MACEDO E,<br />

À DIREITA, OS LUSÍADAS,<br />

DE NICO ROSSO.<br />

34 <strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011


KEN PARKER, DE<br />

GIANCARLO BERARDI<br />

E IVO MILAZZO<br />

LAMPIÃO FALOU EM<br />

ITALIANO PRIMEIRO: A<br />

OBRA DE JÔ OLIVEIRA<br />

FOI PUBLICADA ANTES<br />

NA REVISTA ALTERLINUS.<br />

NO BRASIL, SÓ EM 1976.<br />

como Jayme Cortez, Canini,<br />

Perotti, Lanzellotti, Nico Rosso,<br />

Herrero, Zélio, Ciça, Sian,<br />

Michele, Walmir, Primaggio,<br />

Igayara, entre outros. Mas,<br />

mesmo com um time tão bom<br />

de colaboradores, a revista não<br />

decola e é cancela<strong>da</strong> no sexto<br />

número. A publicação de<br />

histórias com estilos e gêneros<br />

tão diversos não agradou ao<br />

leitor. Kactus Kid, de Canini, e<br />

Satanésio, de Ruy Perotti, foram<br />

os personagens mais publica<strong>dos</strong>.<br />

Farkas, Dionnet, Druilett e<br />

Moebius fun<strong>da</strong>m os<br />

Humanóides Associa<strong>dos</strong> (Les<br />

Humanoïdes Associés) e lançam<br />

a revista Metal Hurlant, que<br />

contava com a colaboração do<br />

brasileiro Sérgio Macedo.<br />

Em janeiro, nasce na Itália a<br />

revista AlterLinus, que volta sua<br />

atenção para histórias mais<br />

densas e de aventura, deixando<br />

sua irmã editorial, a Linus,<br />

publica<strong>da</strong> desde 1965,<br />

com as tiras de humor.<br />

Passam pelas páginas<br />

<strong>da</strong> nova revista nomes<br />

como Hugo Pratt e seu Corto<br />

Maltese; Pichard e Wolinski, com<br />

Paulette; Crepax e sua Valentina,<br />

além de Moebius, Sergio Toppi e<br />

o brasileiro Jô Oliveira, com A<br />

Guerra do Reino Divino, que foi<br />

capa <strong>da</strong> quinta edição <strong>da</strong> revista.<br />

O primeiro número trouxe a<br />

clássica a<strong>da</strong>ptação de Ulisses, de<br />

Homero, por Lob e Pichard.<br />

Também na Itália, Giancarlo<br />

Berardi e Ivo Milazzo criam Ken<br />

en<br />

Parker<br />

arker, baseado no personagem<br />

vivido por Robert Redford no<br />

filme Mais Forte Que a Vingança<br />

(Jeremiah Johnson). Inicialmente<br />

programa<strong>da</strong> para uma única<br />

história, Ken en Parker<br />

torna-se<br />

uma <strong>da</strong>s mais importantes e<br />

cultua<strong>da</strong>s séries de faroeste já<br />

produzi<strong>da</strong>s nos quadrinhos.<br />

A série I protagonisti, do<br />

roteirista e desenhista Rino<br />

Albertarelli<br />

tarelli, é lança<strong>da</strong> em<br />

setembro na Itália. A obra,<br />

basea<strong>da</strong> numa profun<strong>da</strong><br />

pesquisa do autor, desmistifica<br />

vários personagens lendários do<br />

Oeste americano, a começar<br />

pelo General Custer, tema do<br />

primeiro volume. Albertarelli<br />

trabalhava no projeto há mais de<br />

um ano e morreu poucos dias<br />

depois de seu lançamento,<br />

quando já estava terminando os<br />

desenhos do décimo volume,<br />

que foi finalizado por outro<br />

grande mestre: Sergio Toppi.<br />

Numa iniciativa de esforço<br />

pessoal, Mort Walker, criador do<br />

Recruta Zero, fun<strong>da</strong> o Museum<br />

of Cartoon Art com seu acervo<br />

pessoal de originais e revistas<br />

raras que ele começou a<br />

colecionar quando descobriu<br />

que originais de Krazy Kat<br />

estavam sendo<br />

destruí<strong>dos</strong>. O museu<br />

mudou de lugar e de<br />

nome diversas vezes até<br />

fechar com dívi<strong>da</strong>s em<br />

2002. Walker acabou<br />

doando seu incrível<br />

acervo de mais de 200<br />

mil desenhos originais,<br />

além de milhares de revistas e<br />

filmes de valor inestimável, para<br />

a Ohio State University.<br />

Em julho, a Abril lança a<br />

revista <strong>da</strong> Luluzinha que será<br />

publica<strong>da</strong> até o final de 1992.<br />

Com o lançamento do livro<br />

Rango 1, do desenhista e<br />

cartunista Edgar Vasques, surge<br />

a L&PM M Editores, fun<strong>da</strong><strong>da</strong> por<br />

Paulo de Almei<strong>da</strong> Lima e Ivan<br />

Pinheiro Machado em agosto.<br />

Vasques criou Rango em 1970<br />

e foi <strong>da</strong>s tiras diárias que mais<br />

combateram a ditadura militar<br />

nesse período, sendo censura<strong>da</strong><br />

em diversas ocasiões. A<br />

publicação de uma tira citando<br />

as cores <strong>da</strong> bandeira brasileira<br />

chegou a acarretar a apreensão<br />

de to<strong>da</strong> uma edição do Pasquim.<br />

A Editora Vecchi lança a versão<br />

brasileira <strong>da</strong> revista norteamericana<br />

Mad. Ninguém<br />

acredita que uma revista “tão<br />

americana” vá pegar no Brasil,<br />

razão pela qual nenhuma editora<br />

tinha tido coragem de publicá-la<br />

antes. Mas, surpreendentemente,<br />

torna-se um sucesso instantâneo<br />

e, alguns anos depois, já tem<br />

metade de seu conteúdo com<br />

material nacional, estimulando o<br />

aparecimento de várias<br />

concorrentes como Klik,<br />

Panca<strong>da</strong> e Crazy. A revista<br />

sobrevive à Vecchi (que faliu na<br />

déca<strong>da</strong> seguinte) e passa por<br />

várias outras editoras (Record,<br />

Mythos e Panini), sempre<br />

coman<strong>da</strong><strong>da</strong> pelo cartunista Ota<br />

até o ano de 2008.<br />

Em agosto, a Ebal lança o<br />

primeiro volume de Príncipe<br />

Valente nos Tempos do Rei<br />

Arthur, num grande livro de<br />

luxo, com capa dura e papel<br />

couchê, que resgata as pranchas<br />

dominicais <strong>da</strong> clássica história de<br />

Harold Foster. Em dezembro é a<br />

vez de Jim <strong>da</strong>s Selvas, que ganha<br />

uma edição de luxo com as<br />

primeiras 89 pranchas desenha<strong>da</strong>s<br />

por Alex Raymond entre janeiro<br />

de 1934 e outubro de 1935.<br />

O livro Mandrake, com as<br />

histórias No País <strong>dos</strong> Faquires e<br />

No País <strong>dos</strong> Homens Pequeninos,<br />

é outra obra de luxo lança<strong>da</strong> pela<br />

Ebal, esta totalmente colori<strong>da</strong> e<br />

com texto de apresentação do<br />

jornalista Sérgio Augusto.<br />

KACTUS KID, DE CANINI, E O<br />

DESENHO DE MOEBIUS NA<br />

CAPA DA METAL HURLANT.<br />

É realizado o 1° Salão de<br />

Humor de Piracicaba, que passa<br />

a fazer parte do calendário <strong>da</strong><br />

ci<strong>da</strong>de e é considerado o salão de<br />

humor mais importante do País.<br />

<strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011<br />

35


AS COBRAS E A CRÍTICA SOCIAL DE LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO.<br />

ARZACH E A FANTASIA DELIRANTE DE MOEBIUS.<br />

the Tropical Forest, de W.H.<br />

Hudson. Em 1975, a<br />

personagem também ganharia<br />

revista própria no Brasil, pela<br />

Ebal, com o nome de Rima, a<br />

Princesa <strong>da</strong>s Selvas.<br />

A Vecchi lança as revistas<br />

Gasparzinho e Brasinha.<br />

A Editora Abril passa a<br />

publicar a revista Luluzinha.<br />

A Rio Gráfica e Editora traz de<br />

volta seu título mais emblemático:<br />

é lançado o Gibi Semanal em<br />

formato tablóide (acima). A<br />

publicação chega ao número 40,<br />

permanecendo pouco menos<br />

de um ano nas bancas. Um<br />

mês antes de terminar, a RGE<br />

lança o Almanaque do Gibi,<br />

com 132 páginas.<br />

A Editora Vecchi lança a versão<br />

brasileira <strong>da</strong> revista Eureka, com<br />

tiras de Feiffer, Pafúncio, Pinduca,<br />

Brumil<strong>da</strong> (Russel Myers), Manhê<br />

(de Mel Lazarus) e alguns outros<br />

personagens pouco conheci<strong>dos</strong>,<br />

além de histórias completas de<br />

Jeff Hawke, Cisco Kid, Steve<br />

Canyon, entre outros. Nas duas<br />

últimas edições a revista<br />

melhorou muito seu cardápio<br />

de personagens, incluindo Spirit,<br />

Hagar, Krazy Kat, Little Nemo, O<br />

Mago de Id, além de O<br />

Amotinamento do Potemkin, de<br />

Toppi, e do excelente material<br />

nacional com Vizunga, de Flavio<br />

Colin, A Morte do Samurai, uma<br />

história inédita de Shimamoto, e<br />

Zodiako, de Jayme Cortez. Mas<br />

isso não impediu seu fim após<br />

12 edições.<br />

1975<br />

Luís Fernando Veríssimo<br />

começa a publicar As Cobras,<br />

no jornal Zero Hora e no <strong>Jornal</strong><br />

do Brasil.<br />

A Editora Codecri, que publica<br />

o Pasquim, lança a revista O<br />

Bicho, idealiza<strong>da</strong> e edita<strong>da</strong> por<br />

Fortuna, que passa a publicar<br />

Ma<strong>da</strong>me e seu Bicho Muito<br />

Louco. A revista reúne também<br />

trabalhos de jovens talentos<br />

como Nani, Gui<strong>da</strong>cci, Coentro e<br />

outros, além de republicar<br />

ícones <strong>da</strong> contracultura norteamericana<br />

como Robert Crumb.<br />

Seis números são publica<strong>dos</strong><br />

nessa fase, mas a revista é<br />

suspensa por baixas ven<strong>da</strong>s.<br />

Dois anos depois saem mais<br />

duas edições por outra editora.<br />

Henrique Magalhães<br />

cria, na Paraíba, Maria,<br />

personagem que começa como<br />

uma “caça-mari<strong>dos</strong>” mas depois<br />

evolui para a crítica política e<br />

defende o feminismo.<br />

Bill Rechin, Don Wilder e<br />

Brant Parker (criador de O Mago<br />

de Id) criam a tira de humor<br />

Crock (Os Legionários).<br />

Sergio Bonelli emplaca outro<br />

sucesso: com o pseudônimo de<br />

MADAME E SEU<br />

BICHO MUITO<br />

LOUCO, DE<br />

FORTUNA.<br />

ABAIXO,<br />

CROCK, OS<br />

LEGIONÁRIOS.<br />

Guido Nolitta ele cria Mister No,<br />

um ex-sol<strong>da</strong>do <strong>dos</strong> Esta<strong>dos</strong><br />

Uni<strong>dos</strong> que vive aventuras na<br />

Amazônia durante a déca<strong>da</strong> de<br />

1950. Este é o primeiro<br />

personagem <strong>da</strong> Sergio Bonelli<br />

Editore cujas aventuras não são<br />

ambienta<strong>da</strong>s no velho Oeste.<br />

As aventuras silenciosas do<br />

guerreiro Arzach começam a ser<br />

publica<strong>da</strong>s na revista francesa<br />

Metal Hurlant e causam grande<br />

impacto pela beleza <strong>dos</strong><br />

desenhos e criativi<strong>da</strong>de. O<br />

personagem se torna uma <strong>da</strong>s<br />

criações mais famosas de<br />

Moebius e é republicado em<br />

álbuns. Mas o artista<br />

continua inovando<br />

com histórias<br />

criativas como as<br />

belíssimas Ballade<br />

e The Long<br />

Tomorrow<br />

omorrow, de Dan O’Bannon,<br />

para a mesma revista. Mais tarde<br />

esta inspiraria o conceito visual<br />

do cultuado filme Blade Runner,<br />

de Ridley Scott.<br />

Devido à crise do papel e<br />

para obter mais competitivi<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong>s bancas, praticamente to<strong>da</strong>s<br />

as revistas de histórias em<br />

quadrinhos passam a ser<br />

publica<strong>da</strong>s em tamanho menor,<br />

o mesmo formato já adotado<br />

Com arte do brilhante<br />

desenhista Nestor Redondo, a<br />

DC Comics lança a revista Rima,<br />

The Jungle Girl (ao lado),<br />

basea<strong>da</strong> na heroína do romance<br />

Green Mansions: A Romance of<br />

36 <strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011


À ESQUERDA,<br />

O CRUZEIRO DOS<br />

ESQUECIDOS, DE<br />

PIERRE CHRISTIN<br />

E ENKI BILAL.<br />

ABAIXO, O<br />

AMALUCADO<br />

CAPITÃO KLOTZ,<br />

DE DON MARTIN.<br />

pela Editora Abril com Pato<br />

Donald e as revistas <strong>da</strong> turma<br />

<strong>da</strong> Mônica. A Rio Gráfica reduz<br />

to<strong>dos</strong> os seus gibis, adotando o<br />

nome “tamanho gostoso”. As<br />

novas editoras que entram no<br />

mercado, Vecchi e Bloch, lançam<br />

suas revistas no mesmo<br />

formato. A Ebal é a única que<br />

resiste, mantendo o padrão<br />

tradicional, mas é força<strong>da</strong> a<br />

ceder às tendências do mercado<br />

e a partir do ano seguinte<br />

também reduz as suas, criando<br />

a expressão “formatinho<br />

formatinho”, que<br />

passa a ser o termo usado por<br />

to<strong>dos</strong> para definir esse formato.<br />

A decadência <strong>da</strong> Ebal<br />

começa neste ano, com a per<strong>da</strong><br />

de um de seus títulos mais<br />

rentáveis, O Homem-Aranha,<br />

para a Bloch, que negociou com<br />

a americana Marvel Comics um<br />

pacote com to<strong>dos</strong> os seus<br />

personagens, e vários deles<br />

foram lança<strong>dos</strong> ao mesmo<br />

tempo em revistas individuais.<br />

Mas nunca os personagens<br />

Marvel foram tão maltrata<strong>dos</strong>,<br />

com edições sofríveis e<br />

traduções malfeitas, razão pela<br />

qual os contratos foram sendo<br />

cancela<strong>dos</strong> até 1975, quando a<br />

Bloch ain<strong>da</strong> mantinha a linha de<br />

terror <strong>da</strong> Marvel.<br />

SATANÉSIO E<br />

SEU ANJO DA<br />

GUARDA:<br />

ANJOCA.<br />

Em parceria com o roteirista<br />

Pierre Christin, Enki Bilal começa<br />

a desenhar histórias que<br />

reúnem o realismo fantástico e a<br />

ficção científica em aventuras<br />

sombrias. O Cruzeiro <strong>dos</strong><br />

Esqueci<strong>dos</strong> (La Croisière des<br />

Oubliés) é a primeira a ser<br />

lança<strong>da</strong>. Viriam depois Le<br />

Vaisseau de Pierre (A Nave de<br />

Pedra, 1976), La Ville Qui<br />

n’Existait Pas (A Ci<strong>da</strong>de que Não<br />

Existia, 1977), Les Phalanges de<br />

l’Ordre Noir (As Falanges <strong>da</strong><br />

Ordem Negra, 1979), Partie de<br />

Chasse (Parti<strong>da</strong> de Caça, 1983).<br />

A Turma do Pererê, de<br />

Ziraldo, volta com força total e<br />

passa a ser publica<strong>da</strong> numa<br />

revista mensal pela Abril. Neste<br />

ano a editora lançaria também<br />

Pernalonga e Heróis <strong>da</strong> Tevê<br />

evê,<br />

esta com os personagens <strong>da</strong><br />

Hanna-Barbera.<br />

A RGE lança Gibi <strong>Especial</strong>,<br />

com personagens clássicos <strong>dos</strong><br />

quadrinhos. A primeira edição é<br />

dedica<strong>da</strong> a The Spirit.<br />

A revista Crás!, <strong>da</strong> Abril, ganha<br />

uma cria: Satanésio, de Ruy<br />

Perotti, que anos antes havia<br />

criado o popular Sujismundo,<br />

ganha um título próprio,<br />

publicado a ca<strong>da</strong><br />

quatro meses. A<br />

revista pára no<br />

quarto número,<br />

sendo substituí<strong>da</strong><br />

por outra criação<br />

de Perotti: o<br />

macaco Gabola, que<br />

possui um maracá mágico<br />

com o qual ele e sua<br />

turma de amigos vivem<br />

aventuras no tempo.<br />

Pela primeira vez uma tira<br />

de quadrinhos ganha o Prêmio<br />

Pulitzer, na categoria “cartum<br />

editorial”: Doonesbury, de Gay<br />

Trudeau (abaixo), que é<br />

publica<strong>da</strong> desde 1970.<br />

Em comemoração ao<br />

centenário de nascimento de<br />

Edgar Rice Burroughs, a Ebal<br />

lança o álbum A Primeira<br />

Aventura de Tarzan em<br />

<strong>Quadrinhos</strong>, de Harold Foster, e<br />

inicia a publicação de uma série<br />

de álbuns de Tarzan<br />

arzan, de Russ<br />

Manning. Ao todo são<br />

produzi<strong>da</strong>s cinco edições com<br />

as pranchas dominicais do<br />

refinado desenhista que foram<br />

publica<strong>da</strong>s nos jornais <strong>dos</strong><br />

Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong> entre janeiro de<br />

1968 e abril de 1972.<br />

A Vecchi começa a publicar<br />

os Livros de Bolso Mad. O<br />

primeiro traz As Aventuras do<br />

Capitão Klutz, de Don Martin.<br />

Para comemorar os 25 anos<br />

de sua fun<strong>da</strong>ção, a Editora Abril<br />

lança o álbum Pato ato Donald<br />

<strong>Especial</strong>, um livro em formato<br />

maior e capa dura com nove<br />

aventuras do divertido<br />

personagem que foi o ponto de<br />

parti<strong>da</strong> editorial de Victor Civita.<br />

Em dezembro a Abril lança a<br />

revista Man<strong>da</strong> Chuva.<br />

1976<br />

É publicado o primeiro<br />

número de American Splendor,<br />

hq autobiográfica escrita por<br />

Harvey Pekar e ilustra<strong>da</strong> por<br />

inúmeros desenhistas, entre eles<br />

Robert Crumb.<br />

A Editora Codecri lança uma<br />

<strong>da</strong>s primeiras graphic-novels<br />

brasileiras, quando esse termo<br />

ain<strong>da</strong> não existia, A Guerra do<br />

Reino Divino, do pernambucano<br />

Jô Oliveira, com o grafismo <strong>dos</strong><br />

livros de cordel. Essa história já<br />

havia sido publica<strong>da</strong> na revista<br />

italiana AlterLinus.<br />

<strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011<br />

37


A GARAGEM HERMÉTICA,<br />

DE MOEBIUS E, AO LADO,<br />

O HOMEM DO NILO,<br />

DE SERGIO TOPPI, NA<br />

SÉRIE ITALIANA UN UOMO<br />

UN’AVVENTURA.<br />

A L&PM lança Caulos - Só<br />

Dói Quando Eu Respiro, uma<br />

coletânea <strong>da</strong> obra do desenhista<br />

publica<strong>da</strong> no Pasquim e no<br />

<strong>Jornal</strong> do Brasil, com texto de<br />

apresentação de Sérgio Augusto.<br />

<strong>Quadrinhos</strong> de Bolso<br />

olso, uma<br />

série de livros com um<br />

personagem por volume. Hagar<br />

abre a coleção. Depois viriam<br />

Recruta Zero, Frank & Ernest,<br />

Touro Sentado, entre outros.<br />

Moebius dá início à elogia<strong>da</strong><br />

série de ficção científica<br />

A Garagem Hermética<br />

(Le Garage Hermétique)<br />

na revista Metal Hurlant.<br />

O material <strong>da</strong>s cultua<strong>da</strong>s<br />

revistas Creepy e Eerie, <strong>dos</strong><br />

Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong>, é lançado no<br />

Brasil pela revista Kripta, <strong>da</strong> RGE.<br />

A Ebal lança o álbum Agente<br />

Secreto X-9 em O Caso<br />

Powers, de Dashiell Hammett e<br />

Alex Raymond, com capa de<br />

Monteiro Filho. Na reali<strong>da</strong>de uma<br />

republicação de melhor quali<strong>da</strong>de<br />

de uma edição especial do<br />

Suplemento Juvenil de 1937.<br />

A RGE também passa a<br />

publicar a coleção<br />

É publica<strong>da</strong> a edição especial<br />

Versus <strong>Quadrinhos</strong> – América<br />

Latina<br />

atina, com as histórias<br />

Fantomas contra os Vampiros<br />

Multinacionais, escrita por Julio<br />

Cortazar, e Os Quatro Cavaleiros<br />

do Apocalipse, de Jô Oliveira.<br />

Ain<strong>da</strong> na edição Luiz Gê; Rango,<br />

de Edgar Vasques; Enrique<br />

Breccia e Chico Caruso, além de<br />

uma entrevista com Henfil.<br />

Zé Colméia ganha uma<br />

revista mensal pela Editora Abril.<br />

Criado em 1973 por Steve<br />

Gerber e Val Mayerik, a Marvel<br />

Comics lança a revista Howard<br />

The Duck (ao<br />

lado). Além<br />

de Steve, são<br />

chama<strong>dos</strong> para produzir as<br />

aventuras satíricas desse<br />

estranho personagem nomes<br />

consagra<strong>dos</strong> como Frank<br />

Brunner, Gene Colan, Mark<br />

Evanier, Marv Wolfman, Bill<br />

Mantlo, All Milgrom, Carmine<br />

Infantino e Frank Giacoia.<br />

Na Argentina, a dupla Juan<br />

Gimenez e Ricardo Barreiro<br />

inicia, na revista Scórpio, a<br />

publicação de um <strong>dos</strong> maiores<br />

clássicos de guerra <strong>dos</strong><br />

quadrinhos, Ás de Espa<strong>da</strong>s.<br />

Em novembro, a italiana<br />

Sergio Bonelli Editore lança Un<br />

Uomo Un’Avventura<br />

vventura, uma<br />

extraordinária coleção de álbuns<br />

em formato especial, bem maior<br />

do que as outras revistas <strong>da</strong> casa<br />

editorial. Sob a curadoria de<br />

Decio Canzio, a série publicou os<br />

trabalhos de alguns <strong>dos</strong> maiores<br />

desenhistas <strong>dos</strong> quadrinhos<br />

mundiais, como Sergio Toppi,<br />

Hugo Pratt, Enric Sio, Guido<br />

Crepax, Milo Manara, Gallep, Ivo<br />

Millazzo, entre muitos outros<br />

nomes de destaque. Até um<br />

brasileiro participou <strong>da</strong> epopéia:<br />

o grande artista Jô Oliveira, com<br />

O Homem de Canu<strong>dos</strong>.<br />

A exemplo do Pato Donald<br />

no final do ano anterior, outro<br />

personagem Disney também<br />

ganha um livro com capa dura:<br />

Tio Patinhas <strong>Especial</strong> é<br />

lançado pela Abril.<br />

1977<br />

A Rio Gráfica e Editora lança a<br />

revista Sítio do Picapau Amarelo,<br />

para aproveitar o sucesso que a<br />

série <strong>da</strong> Rede Globo fazia. Mas os<br />

desenhos <strong>dos</strong> personagens não<br />

são tão bem resolvi<strong>dos</strong> e a série é<br />

totalmente reformula<strong>da</strong> dois anos<br />

depois, ganhando traços mais<br />

adequa<strong>dos</strong> ao público infantil.<br />

A RGE também lança A Vaca<br />

Voadora<br />

oadora, basea<strong>da</strong> nos livros <strong>da</strong><br />

escritora Edy Lima.<br />

Depois de muitas<br />

conversas com Pelé,<br />

Mauricio de Sousa<br />

finaliza o projeto de<br />

um personagem<br />

infantil baseado<br />

na figura do Rei<br />

do Futebol e,<br />

em agosto,<br />

lança pela<br />

Editora Abril a<br />

revista Pelezinho, com to<strong>da</strong> uma<br />

nova galeria de personagens.<br />

O escalador de paredes mais<br />

famoso <strong>dos</strong> quadrinhos chega<br />

aos jornais: o Homem-Aranha<br />

passa a ser publicado também<br />

em tiras diárias.<br />

A Codecri lança o livro O Novo<br />

Humor do Pasquim<br />

asquim, reunindo<br />

um time de grandes desenhistas,<br />

como Reinaldo, Nani, Gui<strong>da</strong>cci,<br />

38 <strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011


O BRASILEIRO SERGIO<br />

MACEDO ESTEVE<br />

PRESENTE NA PRIMEIRA<br />

EDIÇÃO DA HEAVY METAL<br />

COM A HISTÓRIA SELENIA<br />

(À ESQUERDA).<br />

NA PRIMEIRA EDIÇÃO,<br />

DR. SPEKTRO SÓ TEVE<br />

HISTÓRIAS DESSE<br />

PERSONAGEM, QUE NÃO<br />

VOLTARIA MAIS A SER<br />

PUBLICADO NA REVISTA.<br />

O SEGUNDO NÚMERO DA<br />

SPEKTRO, JÁ COM NOVO<br />

NOME, TRAZ NA CAPA A<br />

ARTE DE VILMAR. ABAIXO,<br />

UMA PÁGINA ILUSTRADA<br />

POR SHIMAMOTO PARA O<br />

TERCEIRO NÚMERO DA<br />

PUBLICAÇÃO.<br />

Duayer, Luscar, Mariza, Mollica,<br />

Angeli, Canini, Calicut, Geandré,<br />

Mino, Nicolielo, Ral, Nilson,<br />

Santiago e muitos outros.<br />

A mesma editora <strong>da</strong> satírica<br />

National Lampoon, então no<br />

auge do sucesso, lança a revista<br />

Heavy Metal, com material<br />

importado <strong>da</strong> francesa Metal<br />

Hurlant. A nova publicação dá<br />

espaço também para a nata do<br />

quadrinho americano. A primeira<br />

edição já mostra a que vem<br />

publicando os trabalhos de<br />

Richard Corben, Drulllet,<br />

Moebius, Alexis, Jean-Claude<br />

Gal, Jean-Pierre Dionnet e o<br />

nosso Sergio Macedo.<br />

Edgar de Souza, que ilustrou Os<br />

Irmãos Dagobe, de Guimarães<br />

Rosa. Participam também Angeli,<br />

Rubens Matuk e Luiz Gê. Nas<br />

últimas seis páginas, Rui Veiga e<br />

Mário Augusto Jacobskind<br />

apresentam os fragmentos de<br />

um texto inédito de Paulo Pontes.<br />

Franco Maria Ricci Editore<br />

lança o álbum Casanova, com<br />

as histórias do famoso<br />

aventureiro veneziano<br />

interpreta<strong>da</strong>s por nomes de<br />

destaque <strong>dos</strong> quadrinhos<br />

mundiais como Dino Battaglia,<br />

Guido Crepax e o brasileiro<br />

Miguel Paiva. A L&PM lançaria o<br />

álbum no Brasil 11 anos depois.<br />

A Vecchi lança a Coleção<br />

Eureka Terror e seu primeiro<br />

número apresenta As Histórias<br />

Sobrenaturais do Dr. Spektro,<br />

mas já na segun<strong>da</strong> edição o<br />

conceito <strong>da</strong> publicação mu<strong>da</strong><br />

completamente, a começar pelo<br />

nome, resumido apenas para<br />

Spektro. A revista, que mais<br />

parecia um livro, com mais de<br />

190 páginas, capa plastifica<strong>da</strong> e<br />

lomba<strong>da</strong> quadra<strong>da</strong>, passa a<br />

publicar, além do material<br />

importado, com várias histórias<br />

clássicas de Steve Ditko,<br />

reportagens, contos e quadrinhos<br />

nacionais, trazendo de volta <strong>da</strong><br />

antiga Editora Outubro grandes<br />

autores, como Jayme Cortez,<br />

Flávio Colin, Nico Rosso e Júlio<br />

Shimamoto. Suas capas passam<br />

a ser desenha<strong>da</strong>s por ilustradores<br />

como Vilmar, Carlos Chagas e o<br />

próprio Shimamoto. Inicialmente<br />

com poucas histórias produzi<strong>da</strong>s<br />

no Brasil, aos poucos a publicação<br />

vai se nacionalizando e passa a<br />

revelar novos talentos, como<br />

Watson Portela, Elmano Silva,<br />

Zenival Ferraz e o roteirista Patati.<br />

E dá espaço para artistas <strong>da</strong> nova<br />

geração – como Ofeliano, César<br />

Lobo, Antonino Homobono –,<br />

expandirem seus horizontes. E<br />

até cartunistas como Mariza e<br />

Luscar tiveram espaço na seção<br />

Humor Negro. Em pouco tempo<br />

Spektro passa a publicar apenas<br />

trabalhos produzi<strong>dos</strong> no Brasil e,<br />

com isso, deixa sua marca na<br />

história editorial do País: uma<br />

única revista publicava quase<br />

200 páginas de quadrinhos<br />

nacionais por mês.<br />

Tracy Ullman Show. Em vez<br />

disso, ele cria uma família<br />

inteira de novos personagens:<br />

Os Simpsons.<br />

Surge Thorgal<br />

horgal, criado pelo<br />

escritor belga Jean Van Hamme<br />

e o desenhista polonês Grzegorz<br />

Rosinski.<br />

A editora L&PM publica o<br />

álbum As Cobras e outros<br />

Bichos, compilação <strong>da</strong>s tiras As<br />

Cobras, de Luís Fernando<br />

Veríssimo, publica<strong>da</strong>s desde os<br />

anos 1970 em diversos jornais<br />

brasileiros. Em 1997, aos 60<br />

anos, Veríssimo decidiu<br />

aposentar as cobrinhas.<br />

A Editora Versus lança Livrão<br />

<strong>dos</strong> <strong>Quadrinhos</strong>, uma revista<br />

especial de 84 páginas com<br />

histórias escritas e desenha<strong>da</strong>s<br />

por autores como Jô Oliveira, que<br />

apresentou a história de Zumbi<br />

com o seu grafismo inspirado na<br />

literatura de cordel; Edgar Vasques,<br />

que trouxe a história de outro<br />

revolucionário, Artur Arão, e<br />

O canadense Dave Sim<br />

começa a publicar o quadrinho<br />

independente Cerebus the<br />

Aardwark, prometendo que seria<br />

uma “máxi-série de 300 edições”.<br />

Comemorando os 50 anos <strong>da</strong><br />

criação do camundongo mais<br />

famoso <strong>dos</strong> quadrinhos, a Editora<br />

Abril lança Mickey <strong>Especial</strong>, um<br />

livro de 160 páginas, capa dura e<br />

uma seleção de histórias desde<br />

os primórdios <strong>da</strong> Disney.<br />

OS SIMPSONS, DE MATT GROENING.<br />

Matt Groening publica a<br />

primeira revista em quadrinhos<br />

independente de Life in Hell,<br />

que começa a sair em veículos<br />

alternativos e aos poucos vai<br />

ganhando a mídia. Anos mais<br />

tarde, o produtor James L.<br />

Brooks chama-o para produzir<br />

sketches com essa série para o<br />

Continua!<br />

A história <strong>dos</strong> próximos 34 anos continua<br />

no terceiro volume do <strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> •<br />

<strong>Cronologia</strong> <strong>dos</strong> <strong>Quadrinhos</strong>, que trará também mais entrevistas e<br />

perfis de alguns <strong>dos</strong> mais destaca<strong>dos</strong> desenhistas brasileiros.<br />

<strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011<br />

39


MONTAGEM SOBRE DOIS DESENHOS DE EUGÊNIO COLONNESE PUBLICADOS NA REVISTA CHAMADA GERAL<br />

A grande<br />

aventura de<br />

um russo<br />

no Brasil<br />

A trajetória de Adolfo Aizen, responsável pela introdução<br />

no Brasil <strong>da</strong>s principais histórias em quadrinhos<br />

norte-americanas e coman<strong>da</strong>nte <strong>da</strong> histórica Ebal,<br />

sinônimo de quali<strong>da</strong>de na publicação de hqs.<br />

POR PAULO CHICO<br />

Ele é visto como o ‘pai’ <strong>dos</strong> quadrinhos.<br />

Foi o responsável pela introdução<br />

no Brasil <strong>da</strong>s principais histórias em<br />

quadrinhos norte-americanas, como<br />

Mandrake, Tarzan, Dick Tracy, Príncipe<br />

Valente e Flash Gordon. Estamos falando<br />

de Adolfo Aizen, para muitos um<br />

<strong>dos</strong> maiores editores brasileiros de to<strong>dos</strong><br />

os tempos. Há um porém nesta história.<br />

Aizen não era baiano, como afirmava,<br />

e sim russo. Como somente um<br />

legítimo brasileiro poderia ser dono de<br />

um veículo de comunicação no País.<br />

Para iniciar suas ativi<strong>da</strong>des empresariais<br />

Aizen forjou uma certidão de nascimento<br />

e conseguiu esconder seu segredo<br />

até à morte. Sua ver<strong>da</strong>deira nacionali<strong>da</strong>de<br />

só seria revela<strong>da</strong> muitos<br />

anos mais tarde pelo jornalista e escritor<br />

Gonçalo Júnior em seu livro A Guerra<br />

<strong>dos</strong> Gibis: A Formação do Mercado<br />

Editorial Brasileiro e a Censura aos <strong>Quadrinhos</strong>,<br />

lançado pela Companhia <strong>da</strong>s<br />

Letras, em 2004.<br />

“Sem dúvi<strong>da</strong>, ele foi o responsável<br />

pelo nascimento <strong>da</strong> indústria <strong>dos</strong> quadrinhos<br />

no Brasil, ao criar, em 1934, o<br />

Grande Consórcio de Suplementos, e<br />

depois trazer para o País os modernos<br />

quadrinhos de aventura que descobriu<br />

nos Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong>. Ao lado de Roberto<br />

Marinho, seu concorrente entre as<br />

déca<strong>da</strong>s de 1930 e 1950, foi fun<strong>da</strong>mental<br />

para combater o preconceito e as<br />

tentativas de se criar leis de censura aos<br />

gibis, que brotaram entre 1938 e 1964<br />

– foram mais de 20 iniciativas. Para atrair<br />

a simpatia de professores e padres, que<br />

costumavam acusar os quadrinhos de<br />

‘deseducarem’ crianças e jovens, Aizen<br />

criou revistas educativas e religiosas,<br />

como Edição Maravilhosa, Ciência em<br />

<strong>Quadrinhos</strong> e Série Sagra<strong>da</strong>”, conta Gonçalo,<br />

um apaixonado por hqs e organizador<br />

de coleções de livros, como <strong>Quadrinhos</strong><br />

Sujos.<br />

Embora tenha realmente morado na<br />

Bahia, foi no Rio de Janeiro, para onde<br />

se mudou na adolescência, que Aizen<br />

deu seus primeiros passos profissionais.<br />

Em 1933, começou a trabalhar na editora<br />

O Malho, responsável pela revista<br />

O Tico-Tico. Já em 1934, lançou<br />

o histórico Suplemento Juvenil, com<br />

histórias de personagens <strong>dos</strong> quadrinhos<br />

americanos. Inicialmente, ele vinha<br />

encartado no jornal A Nação. Devido<br />

à sua grande repercussão, logo o suplemento<br />

passou a circular como publicação<br />

independente. O sucesso mexeu<br />

com um poderoso concorrente, lembra<br />

Gonçalo Júnior.<br />

“Quando Aizen viajou para os Esta<strong>dos</strong><br />

Uni<strong>dos</strong>, em agosto de 1933, como<br />

assessor do Touring Clube do Brasil, ele<br />

era repórter de O Globo. Ao voltar, propôs<br />

a Roberto Marinho lançar suplementos<br />

diários no jornal, gratuitamente<br />

para os leitores. Entre eles, o de quadrinhos.<br />

Marinho considerou a proposta<br />

de custo elevado e inviável. Em março<br />

de 1934, Aizen lançou os suplementos<br />

diários no jornal A Nação. O de quadrinhos<br />

foi o de maior sucesso e aumentou<br />

a tiragem do jornal de 20 mil para 80 mil<br />

exemplares. Logo se tornaria independente,<br />

como Suplemento Juvenil. Em<br />

maio de 1937, Marinho chama Aizen<br />

para conversar e lhe propõe socie<strong>da</strong>de.<br />

Aizen recusa; em junho, Marinho lança<br />

O Globo Juvenil, o que deixa Aizen irado.<br />

Ele acusa o antigo<br />

patrão de ‘roubar’<br />

o termo ‘juvenil’ de<br />

seu tablóide e de pegar<br />

carona em seu sucesso”,<br />

diz o escritor.<br />

40 <strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011


REPRODUÇÃO<br />

REPRODUÇÃO<br />

Um <strong>dos</strong> troféus de que Adolfo<br />

Aizen tinha mais orgulho era<br />

a estátua de bronze de<br />

Gutemberg que representava<br />

o Prêmio Paula Brito<br />

conferido à Editora Brasil-<br />

América em 1958 “em<br />

reconhecimento à obra de<br />

nacionalização e melhoria<br />

constante que esta empresa<br />

jornalística vem realizando<br />

no setor <strong>da</strong>s histórias em<br />

quadrinhos”, como informava<br />

a nota publica<strong>da</strong> na revista<br />

Epopéia. Ao lado de Aizen,<br />

aparece o Prefeito Sá Freire<br />

Alvim, que lhe entregou a<br />

estatueta. O prêmio foi<br />

instituído pela Secretaria<br />

Geral de Educação e Cultura<br />

do antigo Distrito Federal.<br />

Uma vista noturna do prédio <strong>da</strong> Ebal numa foto publica<strong>da</strong> na revista comemorativa Chama<strong>da</strong> Geral.<br />

A disputa ain<strong>da</strong> teria capítulos mais<br />

radicais. Em 1939, Roberto Marinho<br />

convence Aroxelas Galvão, representante<br />

do King Features, a transferir to<strong>dos</strong><br />

os personagens que Aizen publicava<br />

no Suplemento Juvenil para O Globo<br />

Juvenil. Aizen, cordialmente, avisa a<br />

seus leitores que continuassem a ler suas<br />

histórias no concorrente. Como resposta,<br />

man<strong>da</strong> registrar o nome e lança o<br />

Lobinho, que, na ver<strong>da</strong>de, era o Globinho<br />

sem a letra “G”, para impedir Marinho<br />

de apoderar-se do título.<br />

“Passa<strong>da</strong> essa fase de disputa de mercado,<br />

já na déca<strong>da</strong> de 1950 os dois se<br />

reaproximaram para combater o preconceito<br />

contra os quadrinhos. No enterro<br />

de Aizen, em 1991, Marinho se<br />

aproximou do caixão, pegou-lhe nas<br />

mãos e disse: ‘Meu amigo, meu grande<br />

amigo’...”, revela Gonçalo.<br />

mente o Adolfo, que em 1934 lançou o<br />

Suplemento Juvenil, com os heróis <strong>da</strong>quele<br />

tempo, que eram novi<strong>da</strong>de por aqui.<br />

Além do caso de O Globo Juvenil, Roberto<br />

Marinho pegou carona em outro lançamento<br />

de Aizen. Ele havia lançado o<br />

Mirim, que já era um tamanho metade<br />

de tablóide. Marinho lançou, então, o<br />

Gibi imitando o concorrente – e o termo<br />

‘gibi’ passou a ser um sinônimo de<br />

revista em quadrinhos”, recor<strong>da</strong> ele,<br />

lembrando ain<strong>da</strong> a experiência de Civita<br />

no setor. “Na déca<strong>da</strong> de 1950, Victor Civita<br />

veio para o Brasil com os direitos do<br />

Disney e lançou o Pato Donald, que foi<br />

a pedra fun<strong>da</strong>mental nesse gigante em<br />

que se transformou a Editora Abril.”<br />

Outro ponto destacado por Álvaro na<br />

trajetória de Adolfo Aizen é, claro, a<br />

Ebal. “Pela Editora Brasil-América Limita<strong>da</strong>,<br />

cria<strong>da</strong> por ele em 1945, lançou as<br />

revistas Super-Homem, Quarteto Fantástico,<br />

Homem-Aranha, Popeye, Fantasma,<br />

Mulher Maravilha, Pernalonga e outros.<br />

Tinha to<strong>dos</strong> os títulos <strong>da</strong> Marvel e <strong>da</strong><br />

DC Comics.”<br />

Em 1975, Aizen recebeu na Bienal<br />

Internacional de <strong>Quadrinhos</strong> de Lucca,<br />

na Itália, o Prêmio Yellow Kid, como<br />

reconhecimento de sua contribuição ao<br />

desenvolvimento <strong>da</strong> ‘Nona arte’, com<br />

a menção de que tinha ‘uma vi<strong>da</strong> dedica<strong>da</strong><br />

aos quadrinhos’. Outra distinção<br />

ao editor ocorreu no Brasil, por iniciativa<br />

<strong>da</strong> União Brasileira de Escritores-<br />

UBE, que instituiu o Prêmio Adolfo<br />

Aizen de Literatura Infantil, que desde<br />

os anos 1990 destaca as melhores publicações<br />

no gênero.<br />

Nas déca<strong>da</strong>s de 1950 e 1960, a Ebal era<br />

líder nas bancas, vendendo anualmente<br />

milhões de revistas e chegando a ter<br />

mais de 40 títulos mensais com tiragens<br />

superiores a 150 mil exemplares. Suas<br />

diversas publicações formaram gerações<br />

de leitores – nobre papel desempenhado<br />

pelos quadrinhos e que sempre fora destacado<br />

por Aizen. E influenciaram diretamente<br />

editores e artistas que surgiam<br />

naquela época. Em seu apogeu, a editora<br />

era dirigi<strong>da</strong>, também, por Paulo Adolfo<br />

Aizen e Naumin Aizen, filhos de Adolfo,<br />

bem como pelo jornalista Fernando<br />

Albagli. O período de crise <strong>da</strong> Ebal teve<br />

início em mea<strong>dos</strong> <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1970.<br />

Após a morte de seu criador, em 1991, a<br />

editora durou apenas quatro anos, publicando<br />

ain<strong>da</strong> um último álbum de luxo<br />

do Príncipe Valente, de Hal Foster.<br />

No prédio que pertencia à Ebal, na Rua<br />

Almério de Moura, em São Cristóvão,<br />

funciona atualmente uma escola particular.<br />

Suas revistas estão na memória de<br />

diversos brasileiros ou entre colecionadores.<br />

E o acervo do Museu <strong>dos</strong> <strong>Quadrinhos</strong>,<br />

que incluía publicações importantes de<br />

outras editoras, foi doado pela família<br />

Aizen à Fun<strong>da</strong>ção Biblioteca Nacional,<br />

que já os colocou em exposição, em 2002<br />

e 2003, na mostra HQ, O Mundo Encan-<br />

Os mais destaca<strong>dos</strong>: Aizen,<br />

Roberto Marinho e Civita<br />

Esse período também é lembrado por<br />

Álvaro de Moya, escritor, ilustrador e<br />

especialista em histórias em quadrinhos.<br />

“Os três nomes mais importantes,<br />

quando falamos de grupos editoriais de<br />

quadrinhos, são Adolfo Aizen, Roberto<br />

Marinho e Victor Civita. Principaltado<br />

<strong>dos</strong> <strong>Quadrinhos</strong>. O fato é que o legado<br />

de Aizen permanece vivo, sendo destacado<br />

por artistas <strong>dos</strong> quadrinhos.<br />

Um grande sonho de<br />

consumo: conhecer a Ebal<br />

“Os leitores como eu sabiam que o<br />

selo <strong>da</strong> Ebal era garantia de quali<strong>da</strong>de.<br />

Para quem teve a infância e adolescência<br />

nos anos 1960, uma visita à Ebal era<br />

o maior sonho de consumo. Aizen abria<br />

as portas para caravanas de visitas escolares<br />

e mostrava a gráfica que imprimia<br />

os gibis – termo que, em seu íntimo,<br />

ele abominava, pois o título pertencia<br />

ao rival Roberto Marinho. Ele <strong>da</strong>va<br />

aos visitantes um pacote de cortesia<br />

com revistas <strong>da</strong> editora. Essa política de<br />

relações públicas lhe rendia bons frutos<br />

e consoli<strong>da</strong>va a marca. Sou muito grato<br />

a Aizen porque, depois do meu pai,<br />

ele foi o primeiro que enxergou a minha<br />

vocação e me deu uma chance de trabalhar<br />

com o que eu mais gostava. Ele via<br />

potencial em mim e disse mais de uma<br />

vez que um dia eu seria ‘o futuro diretor’<br />

<strong>da</strong> editora”, relata o cartunista Ota,<br />

que segue num depoimento emocionado<br />

sobre o mestre e sua maior criação.<br />

“Para um moleque de 15 anos, como<br />

eu, era um sonho trabalhar na Ebal. O<br />

salário era baixo. Começava-se com salário-mínimo<br />

e os aumentos eram comedi<strong>dos</strong>.<br />

Mas isso era compensado<br />

pelas inúmeras vantagens. Além de fazer<br />

aquilo que eu gostava, lia as histórias<br />

antes de todo mundo, fuçava nas<br />

gavetas e encontrava centenas de coisas<br />

interessantes. Tinha acesso às coleções<br />

de tudo que eles publicavam, inclusive<br />

as encadernações do Suplemento<br />

Juvenil e Lobinho. Eu era pago<br />

para ler gibis! Aprendi como funcionava<br />

uma gráfica por dentro, a<br />

mexer com edição e fazia amizade<br />

com os visitantes ilustres que apareciam<br />

de vez em quando – ídolos<br />

de infância como Malba Tahan, Ziraldo,<br />

caravanas de editores estrangeiros<br />

e representantes <strong>dos</strong> personagens<br />

que eram publica<strong>dos</strong>... Vi coisas<br />

acontecendo, negócios sendo fecha<strong>dos</strong>...<br />

Era como um estranho que<br />

caiu nas boas graças <strong>da</strong> família real<br />

de um reino distante. De fato, a Ebal<br />

era um reino. E Aizen a chamava de<br />

O Reino Encantado <strong>da</strong>s Histórias em<br />

<strong>Quadrinhos</strong>”, relembra Ota.<br />

<strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011<br />

41


As lições do versátil<br />

Nascido em Lisboa, foi no Brasil que Jayme Cortez Martins se<br />

tornou mestre e referência para diversas gerações de<br />

desenhistas. Ele deu provas de seu talento também<br />

na televisão, na publici<strong>da</strong>de e no cinema.<br />

POR PAULO CHICO<br />

Alguns <strong>dos</strong> mais belos traços <strong>da</strong> história<br />

do desenho brasileiro aqui chegaram<br />

embala<strong>dos</strong> pelas on<strong>da</strong>s do mar.<br />

Foram forja<strong>dos</strong> nas mãos de um português<br />

nascido em Lisboa em 1926 que<br />

desembarcou no porto de Santos, em<br />

São Paulo, em 1947. Nesse episódio particular<br />

<strong>da</strong> História, era o Brasil que estava<br />

prestes a descobrir o talento <strong>da</strong>quele<br />

que, em pouco tempo, se firmaria<br />

como um <strong>dos</strong> seus maiores autores de<br />

quadrinhos. Ao chegar aqui, Jayme Cortez<br />

Martins já havia publicado, em<br />

1944, sua primeira hq no semanário O<br />

Mosquito – publicação na qual atuou por<br />

dois anos. Na época, seu trabalho tinha<br />

ênfase na exploração <strong>dos</strong> tipos populares<br />

lusitanos.<br />

No Brasil, radicando-se em São Paulo,<br />

casou-se com a brasileira Maria Edna.<br />

Começou a trabalhar na Gazeta Juvenil<br />

e na Gazeta Esportiva, ain<strong>da</strong> nos tempos<br />

<strong>da</strong> Aveni<strong>da</strong> Cásper Líbero. Iniciou sua<br />

carreira como desenhista de quadrinhos<br />

fazendo tiras para o Diário <strong>da</strong> Noite –<br />

como Caça aos Tubarões e O Guarany.<br />

Atuou também nas editoras La Selva e<br />

Outubro, onde foi capista e diretor<br />

de arte.<br />

Cortez exerceu o papel de grande<br />

mestre de gerações de artistas. E teve<br />

passagens curiosas em sua trajetória,<br />

como as experiências de ator de cinema,<br />

em três filmes dirigi<strong>dos</strong> por José Mojica<br />

Marins, o Zé do Caixão: Delírios de<br />

um Anormal lançado em 1978; Mundo -<br />

Mercado do Sexo, de 1979, e Perversão -<br />

Estupro, de 1979.<br />

“Esse português chegou ao Brasil com<br />

18 anos de i<strong>da</strong>de e se tornou fun<strong>da</strong>mental<br />

para a profissionalização <strong>dos</strong> quadrinhos<br />

no Brasil. Principalmente graças à<br />

sua amizade com o gráfico e desenhista<br />

amador Miguel Penteado – com quem<br />

criaria, em 1959, a Editora Continental,<br />

depois rebatiza<strong>da</strong> de Outubro. Os dois<br />

agregaram uma geração de jovens quadrinistas<br />

e estabeleceram uma nova<br />

forma de fazer quadrinhos, a partir <strong>da</strong><br />

utilização de modelos vivos – não só<br />

pessoas, mas também animais. Essa<br />

turma acabaria suprindo to<strong>da</strong> a produção<br />

nacional necessária para as revistas<br />

<strong>da</strong> La Selva na déca<strong>da</strong> de 1950. Para essa<br />

editora, aliás, Cortez<br />

fez capas antológicas<br />

nas revistas de terror,<br />

como Terror Negro e Sobrenatural,<br />

até hoje cultua<strong>da</strong>s por fãs do<br />

gênero”, lembra Gonçalo Júnior,<br />

jornalista e autor de diversos livros<br />

sobre hqs.<br />

Outro apaixonado por quadrinhos<br />

que situa a importância de Cortez é o<br />

cartunista Márcio Baraldi:<br />

“Ele foi um presente que Portugal deu<br />

ao Brasil. Quando Cortez veio pra cá,<br />

ain<strong>da</strong> muito jovem, já era um desenhista<br />

virtuoso e tinha uma carreira respeitável<br />

em Portugal. Aqui no Brasil ele rapi<strong>da</strong>mente<br />

se enturmou com os melhores<br />

desenhistas <strong>da</strong> época, como Eugenio Collonese,<br />

Rodolfo Zalla, Benicio, Getulio<br />

Delphim... Logo formaram uma ver<strong>da</strong>deira<br />

‘geração inesquecível’ <strong>da</strong> hq brasileira!<br />

Ele era o melhor de to<strong>dos</strong>, o ‘mestre<br />

<strong>dos</strong> mestres’ como o chamavam, pois<br />

dominava to<strong>da</strong>s as técnicas e estilos de<br />

ilustração que se possa imaginar. Ia do<br />

grafismo cubista à pintura hiper-realista<br />

em segun<strong>dos</strong>. Por conta disso, as editoras<br />

de hqs <strong>da</strong> época o colocavam sempre<br />

para fazer as capas <strong>dos</strong> gibis, que ficavam<br />

sempre deslumbrantes, graças às<br />

suas pinturas primorosas.”<br />

Baraldi ressalta facetas do namoro<br />

profissional de Cortez com o cinema:<br />

“Ele foi o desenhista oficial de outros<br />

grandes artistas de sua época, como os<br />

comediantes Mazzaropi e a dupla Oscarito<br />

e Grande Otelo. Graças também<br />

à sua versatili<strong>da</strong>de, foi um artista muito<br />

produtivo, que deixou centenas e<br />

centenas de obras de altíssima quali<strong>da</strong>de<br />

gráfica, to<strong>da</strong>s feitas no pincel e tinta,<br />

que continuam atuais e surpreendem<br />

até hoje, quando temos devaneios mil<br />

com os recursos <strong>dos</strong> computadores.<br />

Pouca gente sabe, mas Cortez também<br />

foi ator e protagonizou até algumas<br />

propagan<strong>da</strong>s de tv”, revela.<br />

Amigo de Cortez, Álvaro de Moya<br />

também exalta a sua importância para<br />

os quadrinhos.<br />

“Os desenhistas brasileiros, salvo raras<br />

e honrosas exceções, copiavam Alex<br />

Raymond e Harold Foster. Cortez influenciou<br />

to<strong>da</strong> uma geração brasileira a trabalhar<br />

com modelos vivos e a criar um<br />

estilo próprio. Em 1951, no dia 18 de<br />

junho, ele e um grupo de desenhistas,<br />

inclusive eu, prepararam a primeira Exposição<br />

Internacional de Histórias em<br />

<strong>Quadrinhos</strong> do mundo, realiza<strong>da</strong> no<br />

Centro Cultura e Progresso, em São Paulo.<br />

Nunca antes havia sido feita uma<br />

exposição didática provando que os quadrinhos<br />

eram uma arte. Pareci<strong>da</strong> com<br />

cinema e literatura, mas com uma expressão<br />

própria. O quadrinho começava<br />

a ganhar status. Tanto que, nas déca<strong>da</strong>s<br />

42 <strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011


Zodiako (à esquer<strong>da</strong>) foi uma de suas<br />

obras primas nos quadrinhos. Mas<br />

Jayme Cortez também criou capas de<br />

revistas e cartazes de cinema e foi um<br />

ilustrador de primeira: até seus esboços<br />

merecem destaque, como o deste cavalo.<br />

O gênero de<br />

Terror era a<br />

especiali<strong>da</strong>de de<br />

Jayme Cortez.<br />

seguintes, artistas do porte do cineasta<br />

Federico Fellini revelaram ao público a<br />

importância <strong>dos</strong> quadrinhos em sua formação<br />

artística e intelectual.”<br />

Hoje, o reconhecimento a esse feito<br />

permanece nas enciclopédias sobre comics<br />

nos Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong>, França, Itália<br />

e Espanha, onde sempre há um verbete<br />

registrando que o Brasil foi um país pioneiro,<br />

ao fazer uma exposição nesses<br />

moldes. Álvaro de Moya lembra que<br />

Cortez militou na publici<strong>da</strong>de na televisão,<br />

pela primeira vez, fazendo o desenho-assinatura<br />

de uma telenovela <strong>da</strong> TV<br />

Excelsior. E emprestou seu talento aos<br />

estúdios de um de seus discípulos mais<br />

famosos, Mauricio de Sousa, onde foi<br />

Diretor de Merchandising e Animação.<br />

Cortez escreveu três livros: A Técnica<br />

do Desenho, Mestres <strong>da</strong> Ilustração e<br />

Manual Prático do Ilustrador. Também<br />

essa contribuição é reconheci<strong>da</strong> por<br />

colegas, como Toninho Mendes.<br />

“Seus livros sobre como desenhar,<br />

publica<strong>dos</strong> nas déca<strong>da</strong>s de 1950 e 1960,<br />

influenciaram to<strong>da</strong> uma geração. Antes<br />

deles, até havia publicações técnicas<br />

sobre desenho... Mas era tudo muito<br />

desorganizado, pulverizado, publicado<br />

em fascículos. Ele foi o primeiro mestre<br />

que juntou, em livros completos, as<br />

dicas de como desenhar pés, mãos e<br />

outras partes do corpo, com to<strong>da</strong>s as<br />

instruções e as técnicas de acabamento<br />

a lápis, nanquim e bico de pena.”<br />

Fun<strong>da</strong>dor <strong>da</strong> Circo Editorial e atualmente<br />

à frente <strong>da</strong> Editora Peixe Grande,<br />

ele confirma a tese de que Cortez foi<br />

referência para os jovens que estavam<br />

se formando em desenho na época.<br />

“O que havia de mais marcante em<br />

sua arte é que ela é solta, livre, e precisa<br />

ao mesmo tempo. Ele não tinha um<br />

traço ‘duro’. Escrevo e tenho livros publica<strong>dos</strong>.<br />

Minha praia é mais a edição e<br />

a diagramação de Arte. Mas o que aprendi<br />

sobre desenho, na infância e na adolescência,<br />

teve muito <strong>da</strong> contribuição de<br />

Cortez”, diz Toninho Mendes.<br />

Em novembro de 1986, Jayme Cortez<br />

foi homenageado em Lucca, na Itália,<br />

com o prêmio Caran D’Ache, no XX<br />

Festival Internacional de HQ e Ilustração,<br />

pelos seus 50 anos de ativi<strong>da</strong>des. Foi<br />

professor <strong>da</strong> Escola Pan-Americana de<br />

Arte e trabalhou na área publicitária<br />

como diretor de criação <strong>da</strong> McCann<br />

Erickson. Ao longo de sua carreira, no<br />

Brasil, participou ativamente <strong>da</strong> luta<br />

pelo reconhecimento e valorização <strong>dos</strong><br />

quadrinhos – visto com menosprezo e<br />

preconceito por setores conservadores<br />

<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de e até mesmo por alguns<br />

segmentos editoriais. Foi um <strong>dos</strong> idealizadores<br />

do projeto de reserva de<br />

mercado para a produção nacional de<br />

hq, reservando dois terços do espaço<br />

para artistas locais, que chegou a ser<br />

entregue às autori<strong>da</strong>des, mas<br />

nunca foi implantado.<br />

Jayme Cortez morreu em<br />

1987, de ataque cardíaco, após<br />

dois dias internado em conseqüência de<br />

uma hemorragia no abdômen. Deixou<br />

organizado o álbum Saga de Terror, reunindo<br />

diversos de seus quadrinhos. A<br />

obra foi lança<strong>da</strong> postumamente pela<br />

editora Martins Fontes, e segue disponível<br />

em catálogo.<br />

<strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011<br />

43


FRANCISCO UCHA<br />

Com apenas cinco edições de O Judoka,<br />

publicado pela Ebal nos anos 70,<br />

Floriano Hermeto escreveu seu nome no<br />

hall <strong>dos</strong> grandes desenhistas brasileiros.<br />

POR PAULO CHICO<br />

O golpe certeiro de<br />

um mestre do desenho<br />

“O maior problema do quadrinho é<br />

saber a hora de parar, identificar o momento<br />

em que o desenho está pronto. Ter<br />

a sabedoria de não fazer demais, e nem<br />

de menos.”<br />

A lição é de Floriano Hermeto, autor<br />

de cinco festeja<strong>da</strong>s edições de O Judoka,<br />

publica<strong>da</strong>s pela Editora Brasil-América,<br />

mais conheci<strong>da</strong> como Ebal. Engenheiro<br />

civil de formação, no início <strong>dos</strong> anos<br />

70 mergulhado nas obras do metrô do<br />

Rio de Janeiro na Aveni<strong>da</strong> Presidente<br />

Vargas, Floriano Hermeto chegou a ser<br />

apontado como o melhor autor e melhor<br />

desenhista por Moacy Cirne, especialista<br />

em hqs, em sua coluna no <strong>Jornal</strong> de<br />

Letras. Com produção tão curta e farta<br />

de elogios, não teria Floriano traído a<br />

própria receita, e parado de desenhar<br />

antes do tempo?<br />

“Essa coisa de fazer histórias em quadrinhos<br />

surgiu como uma distração, diversão.<br />

Nunca vi essa experiência como<br />

carreira, um meio de vi<strong>da</strong>, até pelo fato<br />

de pagarem muito mal. Se fosse uma<br />

opção profissional, acho que teria encarado<br />

tudo de outra maneira. Depois <strong>da</strong>s<br />

edições de O Judoka, iniciei a produção<br />

de Zorro, mas o Adolfo Aizen, dono <strong>da</strong><br />

Ebal, achou que meu desenho ficara sofisticado<br />

para o personagem. Eu trabalhava<br />

o dia inteiro como engenheiro do<br />

metrô, tinha uma mão-de-obra <strong>da</strong>na<strong>da</strong><br />

durante o dia e chegava em casa e ain<strong>da</strong><br />

tinha que desenhar... Estava ficando cansado.<br />

Daí, abandonei tudo e nunca mais<br />

desenhei, a não ser em casa. Fiz os retratos<br />

<strong>da</strong>s minhas filhas e <strong>da</strong> minha esposa”,<br />

conta ele, mostrando suas detalha-<br />

Esta é uma <strong>da</strong>s cenas mais reproduzi<strong>da</strong>s em livros de estu<strong>dos</strong> sobre quadrinhos no Brasil e<br />

aparece na primeira história do Judoka desenha<strong>da</strong> por Floriano Hermeto: A Caça<strong>da</strong>.<br />

<strong>da</strong>s reproduções, feitas de ponto em<br />

ponto, pendura<strong>da</strong>s na parede.<br />

Paixão precoce<br />

A paixão pelos quadrinhos veio ain<strong>da</strong><br />

<strong>da</strong> infância. Já a inspiração para passar<br />

de simples leitor para autor de histórias<br />

em quadrinhos surgiu por volta<br />

<strong>dos</strong> 30 anos de i<strong>da</strong>de.<br />

“Desde garoto fui criado sem televisão.<br />

Era só rádio, gostava muito <strong>da</strong>s revistas<br />

e gibis. Gostava de desenho, mas<br />

nunca estudei. Aliás, acho que desenho<br />

é prática. To<strong>dos</strong> os desenhistas começam<br />

jovens desenhando muito mal, e depois<br />

de dez, quinze anos, estão fazendo maravilhas.<br />

Ninguém começa a carreira<br />

como um grande desenhista. Fazia de<br />

brincadeira no colégio, e em casa ficava<br />

desenhando. E fui crescendo assim. Até<br />

que pensei em desenhar algo, mas para<br />

ser publicado, e não ficar guar<strong>da</strong>do no<br />

fundo de uma gaveta.”<br />

No Rio de Janeiro, na época, a Ebal<br />

dominava o mercado. Dentre as suas<br />

publicações, o único personagem nacional<br />

era O Judoka.<br />

“Eu o achava meio ridículo... Não gosto<br />

de super-herói. Mas, por falta de opção,<br />

parti pra fazer uma aventura com<br />

ele mesmo. Fiz umas dez pranchas. Uma<br />

secretária do trabalho conhecia o Fernando<br />

Albagli, <strong>da</strong> Ebal. Peguei as pranchas<br />

e fui pra lá. Veio o Fernando, veio o Naumin<br />

Aizen, pediram para ver o material<br />

e foram to<strong>dos</strong> lá pra dentro. Aí, depois,<br />

veio o seu Adolfo, que me disse que iriam<br />

publicar a minha história”, recor<strong>da</strong><br />

Floriano. “Sabia que eles iam gostar. Pelo<br />

nível <strong>da</strong>s outras edições, a minha arte<br />

não estava abaixo. Estava no mesmo<br />

nível, ou até melhor.”<br />

Mas a alegria pela aprovação <strong>dos</strong> desenhos<br />

cedeu espaço para uma preocupação<br />

prática. “Pensei: e agora? Como<br />

é que eu vou terminar isso? Nem sei<br />

como essa história vai acabar, só fiz<br />

essas dez pranchas sem pensar no final.<br />

Tanto que, você vê, dá pra notar bem<br />

que, numa parte, a história pára e começa<br />

outra coisa. Há um corte, que até<br />

funcionou bem.”<br />

A repercussão rendeu mais quatro<br />

edições. Das cinco que assinou como<br />

desenhista, apenas uma teve um parceiro,<br />

Pedro Anísio, um <strong>dos</strong> criadores de O<br />

Judoka e autor do roteiro de Gigantes de<br />

44 <strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011


Apuarema. Um momento difícil, no qual<br />

a diversão quase se tornou um martírio.<br />

“Essa história foi horrível, e muito mal<br />

desenha<strong>da</strong> por mim. Não me enquadrava<br />

no estilo dele. Suava frio, madruga<strong>da</strong><br />

adentro, desenhando. Queria fazer a<br />

minha história, entende? Se eu via uma<br />

motocicleta que me chamava atenção,<br />

ela entrava na história; colocava o Judoka<br />

an<strong>da</strong>ndo de motocicleta. Ou seja, eu<br />

fazia a história à medi<strong>da</strong> que desenhava,<br />

não a fazia antes. Nem tinha tempo<br />

pra isso... E assim seguia até o final. Eram<br />

29 páginas, acho. Fazia uma página, fazia<br />

outra... Seguia criando e <strong>dos</strong>ando<br />

tudo até chegar ao final.”<br />

Como explicar que, com apenas cinco<br />

edições de O Judoka – que também<br />

ganhou formas e cores pelas mãos de<br />

Eduardo Baron, Mário Lima, Cláudio de<br />

Almei<strong>da</strong> – FHAF (como assina Floriano<br />

Hermeto de Almei<strong>da</strong> Filho) tenha garantido<br />

o seu nome entre os grandes desenhistas<br />

brasileiros? “Sinceramente?<br />

Não sei”, responde Floriano, ciente de<br />

que há alguns palpites no ar.<br />

O processo peculiar de sua<br />

criação, no qual desenho e<br />

história nasciam juntos, pode<br />

ser uma explicação. “Para<br />

mim, a história era um meio<br />

de desenhar. Certa vez, fiz<br />

uma história com águas-vivas,<br />

que eu havia visto em<br />

fotos. Achei que ficariam bonitas<br />

no desenho. Pronto, fui<br />

lá e coloquei o herói na<strong>da</strong>ndo<br />

perto delas.”<br />

Nas mãos de Floriano Hermeto<br />

O Judoka teve ganhos<br />

reais em termos de ação e<br />

aventura. Na prática foram<br />

derruba<strong>da</strong>s algumas fronteiras<br />

que limitavam a ação do<br />

personagem, que passou a viver<br />

aventuras mesclando perigos<br />

internacionais, espionagem<br />

e mistério. “Era uma<br />

proposta que não deve ser<br />

confundi<strong>da</strong> com a pasteurização<br />

que hoje é o principal<br />

algoz <strong>da</strong> manifestação artística”,<br />

diz Floriano.<br />

Sem estilo, decadência<br />

“A história em quadrinhos americana<br />

está numa decadência terrível. Aliás, as<br />

hqs estão em decadência no mundo todo.<br />

Elas são bem desenha<strong>da</strong>s, mas são pasteuriza<strong>da</strong>s.<br />

Você não identifica mais o estilo<br />

do desenhista. Antigamente, você<br />

via a história e, ain<strong>da</strong> sem ler, identificava<br />

personagem e autor.”<br />

E o que teria causado esse mal? Floriano<br />

tem lá suas suspeitas.<br />

“Quando tudo descambou pra superheróis<br />

e monstros, porra<strong>da</strong> pra lá, panca<strong>da</strong><br />

pra cá, começaram a faltar enredo<br />

e boas histórias. A Europa experimentou<br />

um boom, mas as revistas foram acabando.<br />

A Linus acabou, Correo del Piccolo, Pilote...<br />

Pego isso agora na internet, mas<br />

tudo do final <strong>dos</strong> anos 70, ou 80. As de<br />

hoje não têm graça. Se você lê uma história,<br />

leu to<strong>da</strong>s... Os brasileiros, coita<strong>dos</strong>,<br />

estão desenhando bem, mas você não<br />

sabe quem é brasileiro, quem é<br />

americano. Esse é outro problema:<br />

um cara faz uma cor, outra<br />

pessoa faz o desenho, um terceiro<br />

faz o lápis, outro a letra...<br />

Falta espaço para a produção<br />

mais autoral. Na minha<br />

época, eu fazia capa, lápis,<br />

tinta, legen<strong>da</strong>, título, história...<br />

Fazia tudo”, recor<strong>da</strong>.<br />

Do mesmo mal, acredita,<br />

padece outra de suas paixões:<br />

o cinema.<br />

“Antigamente, quando você<br />

ia atrás de um filme de determinado<br />

diretor, sabia o que<br />

estava indo assistir. Hoje, ca<strong>da</strong><br />

filme é de um diretor diferente,<br />

e eles são to<strong>dos</strong> iguais.<br />

É sempre aquela correria, com<br />

explosões e brigas, closes em<br />

cima de closes, empobrecimento<br />

<strong>da</strong> linguagem. Acho<br />

que há um guia básico de<br />

como filmar. É tudo massificado,<br />

e os caras são obriga<strong>dos</strong><br />

a fazer <strong>da</strong>quele jeito. Muitos<br />

<strong>dos</strong> filmes eu não consigo<br />

acompanhar”, critica.<br />

O próprio O Judoka, embalado<br />

pelo sucesso nas bancas,<br />

foi tema de filme, tendo<br />

como estrelas o modelo Pedro Aguinaga,<br />

então considerado o homem mais bonito<br />

do Brasil, no papel título, e Elisângela.<br />

Lançado em 1973, foi um fracasso<br />

nas bilheterias, pois sua produção mostrou-se<br />

muito amadora.<br />

Por falar em estilo próprio, Floriano<br />

é crítico de sua obra.<br />

“Eu não acredito que tenha desenvolvido<br />

um estilo próprio. Não tive tempo<br />

pra isso”, diz ele, que reconhece algumas<br />

To<strong>da</strong>s as capas de<br />

O Judoka desenha<strong>da</strong>s<br />

por Floriano Hermeto<br />

e Irma La Douce<br />

(direita), sua vilã<br />

preferi<strong>da</strong>. À<br />

esquer<strong>da</strong>, um<br />

desenho <strong>da</strong> esposa<br />

feito em 1976.<br />

influências. “Gostava<br />

muito do<br />

Steranko, copiei<br />

um personagem<br />

dele. E havia os<br />

espanhóis, né?<br />

Maravilhosos,<br />

como o Victor de<br />

la Fuente.”<br />

Apesar <strong>da</strong> magia<br />

<strong>dos</strong> quadrinhos, acredita ele, essa é<br />

uma arte fa<strong>da</strong><strong>da</strong> à extinção.<br />

“As histórias para adultos já acabaram.<br />

Os quadrinhos para crianças podem<br />

durar um pouco. Mas à medi<strong>da</strong> que<br />

forem se difundindo coisas mais interativas,<br />

anima<strong>da</strong>s, vai sobrar pouco espaço<br />

para os impressos”, acredita.<br />

“Um choque de felici<strong>da</strong>de”<br />

Edições que promovem experiências<br />

únicas, como a do garoto Floriano Hermeto,<br />

que na déca<strong>da</strong> de 40 corria às bancas<br />

atrás <strong>da</strong>s principais publicações do<br />

gênero, no bairro de São Cristóvão. Emoção<br />

que teria uma releitura anos mais<br />

tarde, no bairro de Ipanema, onde mora<br />

até hoje, aos 74 anos.<br />

“Minha maior sensação como desenhista<br />

foi ver a primeira revista que fiz<br />

nas mãos de um garoto. Me avisaram lá<br />

<strong>da</strong> Ebal: O Judoka vai sair tal dia. E lá fui<br />

eu pra banca <strong>da</strong> General Osório. Quando<br />

eu estava atravessando a rua em direção<br />

ao jornaleiro, veio um garoto com<br />

a revista aberta, lendo-a na rua. Isso foi<br />

um choque de felici<strong>da</strong>de, um impacto!<br />

Depois, até desenhei essa passagem<br />

numa história de O Judoka, com direito<br />

à Praça General Osório, jornaleiro e<br />

tudo mais....”<br />

Colaborou Francisco Ucha.<br />

<strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011<br />

45


FOTOS E IMAGENS: DIVULGAÇÃO<br />

em movimento<br />

A chega<strong>da</strong> ao mercado do dvd Profissão Cartunista – Will Eisner, filme produzido por<br />

Marisa Furtado há mais de dez anos, apresenta a antigas e novas gerações o talento e<br />

a personali<strong>da</strong>de encantadora de um <strong>dos</strong> maiores artistas do universo <strong>da</strong>s hqs.<br />

POR PAULO CHICO<br />

William Erwin Eisner nasceu em<br />

Nova York, em 1917, e faleceu na Flóri<strong>da</strong>,<br />

no dia 3 de janeiro de 2005. Em 87<br />

anos de vi<strong>da</strong>, esteve por diversas vezes<br />

no Brasil, país com o qual desenvolveu<br />

uma relação muito especial e no qual fez<br />

grandes amizades. Pois é justamente por<br />

meio de uma dessas amigas especiais que<br />

Eisner, considerado um <strong>dos</strong> mais importantes<br />

artistas <strong>da</strong> História <strong>da</strong>s histórias<br />

em quadrinhos, volta à vi<strong>da</strong>. Sua arte, seu<br />

senso de humor e seu talento estão novamente<br />

ao alcance do público, graças ao<br />

lançamento, em dvd, do documentário<br />

Profissão Cartunista – Will Eisner, lançado<br />

pela gravadora Rob Digital.<br />

Originalmente o vídeo é uma produção<br />

de 1999, fruto de uma parceria entre<br />

a produtora Scriptorium, de Marisa<br />

Furtado, e a TV Senac. O filme chegou<br />

a ser exibido em diversos canais,<br />

como a TV Cultura, além <strong>da</strong> própria tv<br />

que participou <strong>da</strong> produção. Foi lançado<br />

no mercado pela Devir, mas de forma<br />

incompleta, com apenas dois de seus<br />

três episódios. Fez brilhante carreira<br />

internacional, sendo exibido em mais de<br />

40 países, e ganhou o Troféu HQ Mix<br />

em 2000, na categoria melhor a<strong>da</strong>ptação<br />

<strong>dos</strong> quadrinhos para outro veículo.<br />

“Agora ele chega ao mercado, no formato<br />

dvd, em versão completa, inclusive com<br />

o terceiro episódio, que nunca fora lançado,<br />

e mais quatro extras. Esse episódio, o<br />

Will Eisner em 1941;<br />

embaixo, The Spirit.<br />

Master Class, considero,<br />

hoje, o mais<br />

interessante. É o<br />

que mais encanta<br />

as pessoas, pois fala<br />

em detalhes <strong>da</strong> técnica<br />

do desenho, de<br />

como Eisner trabalhava<br />

as questões<br />

<strong>da</strong> sombra, <strong>da</strong> luz...<br />

Nele o artista demonstra<br />

sua técnica<br />

desenhando na prancheta e comentando<br />

seus livros, como o <strong>Quadrinhos</strong> e Arte<br />

Seqüencial”, conta Marisa Furtado, que<br />

dividiu a direção e produção do vídeo<br />

com Paulo Serran, que se dedicou sobretudo<br />

ao roteiro <strong>da</strong> obra.<br />

Os dois primeiros episódios do dvd<br />

são Spirit – Tudo sobre The Spirit, retratando<br />

o personagem mais famoso de<br />

Eisner, que estreou em 1940 e vem sendo<br />

continuamente publicado em todo<br />

o mundo, e O Sonho – O Sonho de Eisner,<br />

no qual é explorado o fato de Eisner ser<br />

mundialmente reconhecido como um<br />

artista através de seu meio original de<br />

expressão, que são os quadrinhos. Fala<br />

ain<strong>da</strong> de seu encontro com artistas underground<br />

em 1978 e de como isso o<br />

levou a produzir a primeira novela gráfica<br />

para adultos que revolucionou o<br />

mercado e as hqs. Nos extras, o próprio<br />

Will Eisner fala de sua vi<strong>da</strong> pessoal, profissional,<br />

faz pia<strong>da</strong>s e revela sua intensa<br />

relação com o Brasil, país que visitou<br />

sete vezes e onde fez amigos como Álvaro<br />

de Moya e Jaime Cortez.<br />

Marisa Furtado faz questão de ressaltar<br />

a produção extremamente cui<strong>da</strong><strong>dos</strong>a<br />

para o lançamento do dvd brasileiro<br />

– o filme chegou ao mercado norte-americano<br />

em 2008.<br />

“Nossa versão, na ver<strong>da</strong>de, tem um<br />

cui<strong>da</strong>do de acabamento maior. Deu muito<br />

trabalho reunir todo esse material,<br />

fechar os extras, gravar narrações, produzir<br />

um menu animado bacana...”,<br />

enumera ela, lembrando que o dvd tem<br />

várias seqüências anima<strong>da</strong>s feitas a partir<br />

<strong>dos</strong> originais de Eisner e traz entrevistas<br />

com Ann Eisner, esposa do artista, Art<br />

Spiegelman, Bill Sienkiewicz, Denis<br />

Kitchen, Jerry Robinson, Angeli, Mauricio<br />

de Sousa e Ziraldo, entre outros.<br />

A produtora fala ain<strong>da</strong> <strong>da</strong>s dificul<strong>da</strong>des<br />

encontra<strong>da</strong>s para lançar o filme no<br />

mercado brasileiro.<br />

“O mais complicado foi justamente<br />

conseguir um distribuidor. Acontecia<br />

assim: todo mundo achava o filme ótimo,<br />

genial, dizia que deveria mesmo<br />

estar em catálogo. Desenhistas sempre<br />

o procuraram, professores universitários<br />

também... O pessoal <strong>da</strong> Warner chegou<br />

a se mostrar interessado. Tentei viabilizar<br />

o projeto via Riofilme, mas não<br />

andou... Até que o Roberto Carvalho, <strong>da</strong><br />

Rob Digital, que na ver<strong>da</strong>de é mais volta<strong>da</strong><br />

para a área de música, se encantou<br />

com o trabalho e demonstrou interesse<br />

em lançá-lo em dvd”, conta Marisa.<br />

Nesta primeira forma<strong>da</strong>, saíram 5 mil<br />

cópias. O dvd está à ven<strong>da</strong> no site <strong>da</strong> Rob<br />

Digital (www.robdigital.com.br) e também<br />

pode ser encontrado nas Livrarias<br />

46 <strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011


A diretora Marisa Furtado (acima filmando<br />

nos arquivos <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de de Ohio) e Will<br />

Eisner (ao lado, em 1997) se tornaram<br />

grandes amigos e ele deu total liber<strong>da</strong>de de<br />

criação para desenvolver o documentário<br />

que agora é lançado completo em dvd.<br />

Travessa e Saraiva e em algumas livrarias<br />

especializa<strong>da</strong>s em hqs, como a Comix,<br />

em São Paulo. Com a obra disponível<br />

no mercado, Marisa diz que pretende<br />

negociar em breve, diretamente<br />

com a gravadora, melhores preços de<br />

ven<strong>da</strong> do produto, para tentar torná-lo<br />

mais acessível ao público. E adianta que<br />

há previsão de lançamento de outros<br />

três filmes produzi<strong>dos</strong> por ela na série<br />

Profissão Cartunista – estes retratando<br />

Jerry Robinson, Ziraldo e Henfil.<br />

Vinha de longa <strong>da</strong>ta a admiração de<br />

Marisa por Eisner. Mas a relação estreita<br />

entre os dois começou meio que por<br />

acaso.<br />

“Quando ele veio para a primeira<br />

Bienal de <strong>Quadrinhos</strong>, no Rio, em 1991,<br />

eu fiquei encarrega<strong>da</strong> de assessorá-lo,<br />

inclusive em eventos e entrevistas. Fui<br />

esperá-lo no aeroporto e logo no contato<br />

inicial me surpreendi. Eu não podia imaginar<br />

que ele seria a pessoa que era. Um<br />

sedutor! Tivemos uma identificação à<br />

primeira vista. Nos tornamos os melhores<br />

amigos. Inclusive, mantenho contato<br />

com Ann Eisner até hoje.”<br />

Amizade já estabeleci<strong>da</strong>, foi numa<br />

viagem aos Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong>, onde ficou<br />

hospe<strong>da</strong><strong>da</strong> na casa do casal Eisner, que<br />

Marisa teve acesso a um vasto material<br />

sobre Will. Por pura coincidência, na<br />

época Paulo Serran, que atuava no ain<strong>da</strong><br />

incipiente segmento de tv a cabo no<br />

Brasil, necessitava de material inédito<br />

e de quali<strong>da</strong>de para compor a programação<br />

de novos canais. Pronto! Estava lança<strong>da</strong><br />

a semente para a produção de Profissão<br />

Cartunista – Will Eisner. O próprio<br />

artista assistiu ao filme. E se encantou<br />

com o que viu.<br />

“Ele amou, adorou o filme! Aliás, tive<br />

total liber<strong>da</strong>de de criação, sem qualquer<br />

controle <strong>da</strong> parte dele. Ao fazer o vídeo<br />

eu havia manipulado sua arte, interpretado<br />

suas visões, tomado liber<strong>da</strong>des<br />

com o trabalho de sua vi<strong>da</strong>... Interferências<br />

que poucos artistas consentiriam<br />

com facili<strong>da</strong>de. Então, imagine a minha<br />

alegria quando recebi o seguinte fax <strong>dos</strong><br />

Eisners: ‘Queri<strong>dos</strong> Marisa e Paulo, eu e<br />

Ann recebemos o seu filme na noite<br />

passa<strong>da</strong>... Bravo! Ele é excelente. Seu<br />

design <strong>da</strong>s seqüências anima<strong>da</strong>s foi<br />

brilhante e criativo! Obrigado por esse<br />

grande filme!’, escreveram eles, que<br />

compareceram às duas pré-estréias do<br />

filme, em novembro de 1999, no Rio e<br />

em São Paulo”, lembra Marisa Furtado.<br />

<strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong><br />

Número 362 - Janeiro de 2011<br />

Editores: Maurício Azêdo e Francisco Ucha<br />

Projeto gráfico e diagramação: Francisco Ucha<br />

Edição de textos: Maurício Azêdo<br />

Pesquisa e re<strong>da</strong>ção: Francisco Ucha, Otacílio<br />

d'Assunção e César Silva<br />

Apoio à produção editorial: Alice Barbosa Diniz, André<br />

Gil, Conceição Ferreira, Elizabeth Ziliotto, Guilherme<br />

Povill Vianna, Maria Ilka Azêdo, Ivan Vinhieri, Mário Luiz<br />

de Freitas Borges, Rita Braga.<br />

Publici<strong>da</strong>de e Marketing: Francisco Paula Freitas<br />

(Coordenador), Queli Cristina Delgado <strong>da</strong> Silva, Paulo<br />

Roberto de Paula Freitas.<br />

Diretor Responsável: Maurício Azêdo<br />

Associação Brasileira de Imprensa<br />

Rua Araújo Porto Alegre, 71<br />

Rio de Janeiro, RJ - Cep 20.030-012<br />

Telefone (21) 2240-8669/2282-1292<br />

e-mail: presidencia@abi.org.br<br />

Representação de São Paulo<br />

Diretor: Rodolfo Konder<br />

Rua Dr. Franco <strong>da</strong> Rocha, 137, conjunto 51<br />

Perdizes - Cep 05015-040<br />

Telefones (11) 3869.2324 e 3675.0960<br />

e-mail: abi.sp@abi.org.br<br />

Impressão: Taiga Gráfica Editora Lt<strong>da</strong>.<br />

Aveni<strong>da</strong> Dr. Alberto Jackson Byington, 1.808<br />

Osasco, SP<br />

DIRETORIA – MANDATO 2010-2013<br />

Presidente: Maurício Azêdo<br />

Vice-Presidente: Tarcísio Holan<strong>da</strong><br />

Diretor Administrativo: Orpheu Santos Salles<br />

Diretor Econômico-Financeiro: Domingos Meirelles<br />

Diretor de Cultura e Lazer: Jesus Chediak<br />

Diretora de Assistência Social: Ilma Martins <strong>da</strong> Silva<br />

Diretora de <strong>Jornal</strong>ismo: Sylvia Moretzsohn<br />

CONSELHO CONSULTIVO 2010-2013<br />

Ancelmo Goes, Aziz Ahmed, Chico Caruso, Ferreira Gullar, Miro Teixeira, Nilson Lage e<br />

Teixeira Heizer.<br />

CONSELHO FISCAL 2010-2011<br />

Jarbas Domingos Vaz, Presidente; A<strong>da</strong>il José de Paula, Geraldo Pereira <strong>dos</strong> Santos,<br />

Jorge Sal<strong>da</strong>nha de Araújo, Lóris Baena Cunha, Luiz Carlos de Oliveira Chesther e<br />

Manolo Epelbaum.<br />

MESA DO CONSELHO DELIBERATIVO 2010-2011<br />

Presidente: Pery Cotta<br />

Primeiro Secretário: Sérgio Caldieri<br />

Segundo Secretário: Arcírio Gouvêa Neto<br />

Conselheiros efetivos 2010-2013<br />

André Moreau Louzeiro, Benício Medeiros, Bernardo Cabral, Carlos Alberto Marques<br />

Rodrigues, Fernando Foch, Flávio Tavares, Fritz Utzeri, Jesus Chediak, José Gomes<br />

Talarico (in memoriam) , Marcelo Tiognozzi, Maria Ignez Duque Estra<strong>da</strong> Bastos, Mário Augusto<br />

Jakobskind, Orpheu Santos Salles, Paulo Jerônimo de Sousa e Sérgio Cabral.<br />

Conselheiros efetivos 2009-2012<br />

Adolfo Martins, Afonso Faria, Aziz Ahmed, Cecília Costa, Domingos Meirelles, Fernando<br />

Segismundo, Glória Suely Álvarez Campos, Jorge Miran<strong>da</strong> Jordão, José Ângelo <strong>da</strong> Silva<br />

Fernandes, Lênin Novaes de Araújo, Luís Erlanger, Márcia Guimarães, Nacif Elias Hidd<br />

Sobrinho, Pery de Araújo Cotta e Wilson Fadul Filho.<br />

Conselheiros efetivos 2008-2011<br />

Alberto Dines, Antônio Carlos Austregesylo de Athayde, Arthur José Poerner, Carlos Arthur<br />

Pitombeira, Dácio Malta, Ely Moreira, Fernando Barbosa Lima (in memoriam) , Le<strong>da</strong> Acquarone,<br />

Maurício Azêdo, Mílton Coelho <strong>da</strong> Graça, Pinheiro Júnior, Ricardo Kotscho, Rodolfo<br />

Konder, Tarcísio Holan<strong>da</strong> e Villas-Bôas Corrêa.<br />

Conselheiros suplentes 2010-2013<br />

A<strong>da</strong>lberto Diniz, Alfredo Ênio Duarte, Aluízio Maranhão, Arcírio Gouvêa Neto, Daniel<br />

Mazola Froes de Castro, Germando de Oliveira Gonçalves, Ilma Martins <strong>da</strong> Silva, José<br />

Silvestre Gorgulho, Luarlindo Ernesto, Marceu Vieira, Maurílio Cândido Ferreira, Sérgio<br />

Caldieri, Wilson de Carvalho, Yacy Nunes e Zilmar Borges Basílio.<br />

Conselheiros suplentes 2009-2012<br />

Antônio Calegari, Antônio Henrique Lago, Argemiro Lopes do Nascimento (Miro Lopes),<br />

Arnaldo César Ricci Jacob, Ernesto Vianna, Hildeberto Lopes Aleluia, Jor<strong>da</strong>n Amora,<br />

Jorge Nunes de Freitas, Luiz Carlos Bittencourt, Marcus Antônio Mendes de Miran<strong>da</strong>,<br />

Mário Jorge Guimarães, Múcio Aguiar Neto, Raimundo Coelho Neto (in memoriam) e Rogério<br />

Marques Gomes.<br />

Conselheiros suplentes 2008-2011<br />

Alcyr Cavalcânti, Edgar Catoira, Francisco Paula Freitas, Francisco Pedro do Coutto,<br />

Itamar Guerreiro, Jarbas Domingos Vaz, José Pereira <strong>da</strong> Silva (Pereirinha), Maria do<br />

Perpétuo Socorro Vitarelli, Ponce de Leon, Ruy Bello (in memoriam) , Salete Lisboa, Sidney<br />

Rezende, Sylvia Moretzsohn, Sílvio Paixão e Wilson S. J. de Magalhães.<br />

COMISSÃO DE SINDICÂNCIA<br />

José Pereira <strong>da</strong> Silva (Pereirinha), Presidente; Carlos Di Paola, Marcus Antônio Mendes de<br />

Miran<strong>da</strong>, Maria Ignez Duque Estra<strong>da</strong> Bastos e Toni Marins (in memoriam) .<br />

COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO<br />

Alberto Dines, Arthur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti.<br />

COMISSÃO DE DEFESA DA LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOS<br />

Lênin Novaes de Araújo, Presidente; Wilson de Carvalho, Secretário; Alcyr Cavalcanti, Arcírio<br />

Gouvêa Neto, Daniel de Castro, Geraldo Pereira <strong>dos</strong> Santos, Germando de Oliveira Gonçalves,<br />

Gilberto Magalhães, José Ângelo <strong>da</strong> Silva Fernandes, Lucy Mary Carneiro, Maria Cecília<br />

Ribas Carneiro, Mário Augusto Jakobskind, Martha Arru<strong>da</strong> de Paiva e Yacy Nunes.<br />

COMISSÃO DIRETORA DA DIRETORIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL<br />

Ilma Martins <strong>da</strong> Silva, Presidente, Jorge Nunes de Freitas, Manoel Pacheco <strong>dos</strong> Santos,<br />

Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Mirson Murad e Moacyr Lacer<strong>da</strong>.<br />

REPRESENTAÇÃO DE SÃO PAULO<br />

Conselho Consultivo: Rodolfo Konder (Diretor), Douglas Tavolaro, Fausto Camunha,<br />

George Benigno Jatahy Duque Estra<strong>da</strong>, James Akel, Luthero Maynard e Reginaldo Dutra.<br />

O JORNAL DA <strong>ABI</strong> NÃO ADOTA AS REGRAS DO ACORDO ORTOGRÁFICO DOS PAÍSES DE<br />

LÍNGUA PORTUGUESA, COMO ADMITE O DECRETO Nº 6.586, DE 29 DE SETEMBRO DE 2008.<br />

CAPA: OS PERSONAGENS QUE INTERFEREM NO LOGOTIPO DO JORNAL DA <strong>ABI</strong> SÃO MAFALDA, THE MAD MONKS (DO HENFIL NOS EUA), SNOOPY, MÔNICA, HOMEM-ARANHA E PERERÊ. EMBAIXO, NO SENTIDO HORÁRIO, COMEÇANDO PELO SAMURAI LOBO<br />

SOLITÁRIO, OS QUADRINHOS QUE ILUSTRAM A CAPA SÃO BALLADE, DE MOEBIUS; KEN PARKER; ZUMBI, DE JÔ OLIVEIRA; JUVÊNCIO, O JUSTICEIRO, POR SÉRGIO LIMA; PELE DE COBRA; VALENTINA (EM CIMA) E BARBARELLA; E O JUDOKA, POR MARIO LIMA.<br />

<strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011<br />

47


Sem dinheiro...<br />

no hotel mais<br />

caro do mundo<br />

POR MAURICIO DE SOUSA<br />

Era tempo de festival<br />

de História em<br />

<strong>Quadrinhos</strong> em Lucca, na<br />

Itália. O mais importante do mundo e que reunia,<br />

a ca<strong>da</strong> ano, os mais importantes desenhistas<br />

de ca<strong>da</strong> país. O ano: 1971.<br />

Para mim um festival memorável:<br />

voltei para o Brasil com dois<br />

prêmios: o Gran Guinigi e o Yellow<br />

Kid (este último considerado<br />

o Oscar <strong>da</strong>s HQ).<br />

E lá estávamos nós, os desenhistas,<br />

reuni<strong>dos</strong> para palestras,<br />

convenções, premiações e principalmente<br />

(naquela região <strong>da</strong> Toscana)<br />

para almoços e jantares<br />

monumentais, rega<strong>dos</strong> a vinho<br />

generoso. Mas a coisa não terminava<br />

aí. A Europa nos convi<strong>da</strong>va para estica<strong>da</strong>s<br />

aos países mais próximos após a mostra. E eu aceitei<br />

a sugestão do meu colega Hugo Pratt (Corto<br />

Maltese) para visitá-lo em Veneza, onde ele tinha<br />

uma de suas casas.<br />

Antes, como o clima do Festival estava uma<br />

beleza, antevia a premiação e tinha um tempinho<br />

para essa fugidinha para Veneza, liguei para o Brasil<br />

e convidei minha então esposa Vera Lúcia, para<br />

“voar” para Lucca, a fim de ain<strong>da</strong> pegar o Festival<br />

pelo meio e depois irmos, juntos, para Veneza<br />

numa lua-de-mel tardia. Vera conseguiu chegar rapidinho,<br />

participou <strong>da</strong>s festivi<strong>da</strong>des de premiação<br />

e arrumamos as malas para a estica<strong>da</strong> veneziana.<br />

Só havia um problema naquele tempo: eu tinha<br />

o dinheiro contado para os poucos dias que<br />

Este texto foi publicado<br />

originalmente no Portal <strong>da</strong><br />

Mônica (www.monica.com.br)<br />

em 1996. No site, Mauricio<br />

de Sousa tem uma área onde<br />

publica periodicamente suas<br />

crônicas. Nesta, ele conta,<br />

25 anos depois, um fato<br />

marcante que aconteceu logo<br />

depois de ter sido agraciado<br />

com o Oscar <strong>dos</strong> <strong>Quadrinhos</strong>,<br />

o Prêmio Yellow Kid.<br />

vinham pela frente. Não podíamos<br />

nem pensar em errar na escolha<br />

de um mero restaurante. Tínhamos<br />

que economizar, mesmo!<br />

Mas o outono era uma festa, o<br />

clima de lua-de-mel também.<br />

Dinheiro era o menos importante... desde que<br />

tomássemos cui<strong>da</strong>do.<br />

Chegamos a Veneza, por trem.<br />

Hugo nos esperava, com aquele<br />

seu corpanzil, sorriso simpático<br />

e jeitão todo diferente de falar.<br />

Misturando italiano com português<br />

e espanhol para que Vera<br />

o compreendesse. Chamou uma<br />

lancha-táxi e disse que tinha reservado<br />

para nós um hotelzinho<br />

simpático e barato. Eu já havia lhe<br />

contado, em Lucca, do nosso problema<br />

de caixa. Ele nos acalmou,<br />

enquanto singrávamos pelos canais, aboba<strong>dos</strong> pelo<br />

espetáculo. Hugo dizia, enquanto admirávamos<br />

a ci<strong>da</strong>de, que Veneza fôra feita para lua-de-mel. E<br />

a lancha embicou numa viela-canal ao lado de<br />

velhos prédios, próximo <strong>da</strong> Piazza San Marco.<br />

Uma portinha quase despercebi<strong>da</strong> surgiu rente<br />

à água, num paredão lateral de uma velhíssima<br />

construção. Hugo disse que era ali. Fez-nos descer<br />

<strong>da</strong> lancha num pequeno embarcadouro e nos<br />

encaminhou à entra<strong>da</strong>. Antes que pudéssemos<br />

falar mais coisas subiu na lancha e sumiu.<br />

Tomamos o corredorzinho meio escuro e fomos<br />

em busca <strong>da</strong> recepção. A julgar pelo corredor<br />

velho e escuro, já estava até imaginando que<br />

o Hugo Pratt nos indicara um hotel inferior ao<br />

que eu pedira.<br />

Mas a dúvi<strong>da</strong> se desvaneceu quando deparamos<br />

com um enorme salão renascentista, coalhado<br />

de quadros e tapetes maravilhosos. A decoração<br />

era, no gênero, o que eu vira de mais sofisticado<br />

e magnificente. Era de cair o queixo. Vera<br />

e eu achamos que o Hugo se enganara ou estávamos<br />

no meio de um museu no caminho do tal<br />

hotelzinho. Mas tudo era muito estranho. Até encontrarmos,<br />

atrás de uma coluna, a recepção.<br />

Onde nos informaram <strong>da</strong> reserva feita em meu<br />

nome. Preenchemos as fichas e subimos para uma<br />

suite de cobertura que <strong>da</strong>va para o grande canal.<br />

Uma beleza de vista. Lin<strong>da</strong>. E provavelmente<br />

muito cara. Vera estava encanta<strong>da</strong>. E preocupa<strong>da</strong>,<br />

como eu.<br />

Como é que íamos pagar tudo aquilo?<br />

Telefonei para o Hugo. E ele, às gargalha<strong>da</strong>s,<br />

disse que tinha planejado tudo aquilo, sim, porque<br />

achava que uma lua-de-mel merecia o melhor<br />

e mais caro hotel do mundo: o Danieli Excelsior.<br />

E que eu economizasse no resto <strong>da</strong> viagem.<br />

Mas não nos três dias de Veneza.<br />

Aceitei o argumento. Já que estávamos ali, o<br />

melhor era aproveitarmos.<br />

O que fizemos.<br />

Nos dias restantes, na volta via Paris tivemos<br />

que experimentar almoços e jantares de sanduíches<br />

e vinhos mais baratos. Mas sabe que também<br />

foi delicioso? Pudera: pão e salame franceses<br />

e mais vinho Beaujolais, que era mais barato<br />

que água. O que mais queríamos para terminar<br />

a lua-de-mel temporã?<br />

Mas to<strong>da</strong>s essas aventuras tiveram um significado<br />

especial dentre as minhas lembranças de<br />

vi<strong>da</strong>: uma semana depois de nossa chega<strong>da</strong> ao<br />

Brasil, Vera morreu num acidente de carro.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!