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16/07/1998 19/07/2012 - 09h36

Blanchard Girão

Uma entrevista com o jornalista e escritor Blanchard Girão, que lança o livro Sessão das Quatro - Cenas e Atores de um Tempo mais Feliz. Ele relembra uma época em que Fortaleza era "ingênua e doce"
Acervo O POVO
Foto de Blanchard Girão publicada no Jornal O POVO em 16/07/1998
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Jornal O POVO 16/07/1998

 

Autor: Ana Mary Cavalcante

 

Uma entrevista com o jornalista e escritor Blanchard Girão, que lança hoje à noite o livro Sessão das Quatro - Cenas e Atores de um Tempo mais Feliz. Ele relembra uma época em que Fortaleza era "ingênua e doce"  
"Estamos em meados dos anos 40. O cinema, ainda jovem, conseguira, contudo, notáveis avanços, além da sonoridade e da cor." Blanchard Girão arremeça a memória de 68 anos a um par de décadas atrás. No livro Sessão das Quatro - Cenas e Atores de um Tempo mais Feliz (a ser lançado hoje, às 19 horas, no Ideal Clube), dá continuidade ao - saudável - saudosismo que começou em O Liceu e o Bonde.
O cinema é um pretexto para Blanchard falar de outros personagens que fizeram cena entre 1945 e 1964. Gente da política (o ditador Vargas, o visionário Juscelino) e da imprensa (Demócrito Rocha aqui, Assis Chateubriand acolá) passeavam pela história, enquanto as moças de toalete francês andavam de braço com os jovens "empaletosados". Rumo à sessão das quatro, domingo, no Cine Diogo. Os mancebos "quebrados" - lisos, para se valer do adjetivo atual - podiam alugar o traje, na esquina seguinte, lanchonete Cabana.
Esse era o programa "inocente", segundo Girão. Quando a noite pendia, uma madrugada boêmia nos cabarés do centro da - nem tanto - ingênua Fortaleza, enquanto os jornais matutinos rodopiavam no prelo. Blanchard Girão, como contador de histórias que diz ser, conversou com o Vida & Arte sobre esses velhos e bons tempos. Rememora a mocidade - dele e de Fortaleza - e e recebe a velhice, afinal, "A mocidade é ardor e emoção. A velhice é racionalidade e experiência."

    V&A - O senhor retrata uma época em que Fortaleza era "ingênua e doce" e o divertimento da moçada era um banho nas praias de Formosa e do Mucuripe, ou assistir a uma sessão das quatro no Diogo. O senhor é um saudosista?

 

    Blanchard - Saudosista sem sentido pejorativo. Eu acho que ninguém pode menosprezar o passado. Não que ele retorne, mas, tirando dele todos os ensinamentos que podem proporcionar o quê de positivo para a vida atual. Nós tínhamos, no passado, uma maneira de viver - que as circunstâncias permitiam - muito mais humana de que hoje. A vida era mais mansa, tranqüila e, conseqüentemente, mais feliz.

    V&A - De qual pedaço da cidade o senhor sente mais falta?

 

    Blanchard - A cidade se restringia muito à Praça do Ferreira e suas adjacências, nas quais se inclui o Diogo. O Cine Diogo era um referencial de uma época. Naquele momento, início dos anos 40, começava a transformação de uma cidade bem provinciana numa que tentava se metropolizar. O Diogo foi o primeiro arranha-céu, um edifício que era a arrancada para essa arquitetura verticalizada. Em torno se formou um centro urbano a que se deu nome "quarteirão sucesso". E essa sessão das quatro era um ponto de convergência da sociedade de Fortaleza. Era uma sessão dos jovens, chamada "sessão dos brotos". As moças mais bonitas procuravam esnobar com seus toaletes mais distintos. Os rapazes iam "empaletosados". Até o Orson Wells foi barrado na porta do Diogo porque estava sem paletó e gravata.

    V&A - Com a transformação do Diogo em centro comercial se acabou o referencial de uma época?

 

    Blanchard - Sim, não há mais sentido. A cidade ganhou tamanhas dimensões e proporções que os bairros ganharam sua autonomia. Hoje se fala muito em Iguatemi. Nós não tínhamos shoppings, sabia nem o que era isso. Os bairros da zona oeste têm lá o North Shopping. A Praia de Iracema tem a sua autonomia... Agora, como referencial de passado, eu acho ainda hoje um quarteirão de muita atividade comercial, um tanto ofendido pela presença massiva de camelôs. Eu creio que o cidadão que adquiriu o Diogo poderia ter feito uma grande jogada de marketing se tivesse mantido o cinema e estabelecido que quem comprasse até uma determinada quantia nas lojas do shopping ganharia um ingresso. Era um chamariz e teria mantido uma tradição da cidade, afinal de contas, o Diogo foi inaugurado no dia 7 de setembro de 1940, é uma coisa que marcou uma época.

    V&A - Fortaleza é uma cidade que não gosta muito de preservar o passado...

 

    Blanchard - É um sentimento de limitação do modernoso - eu não chamo nem de moderno. Se você se deparar com um prédio que tem na confluência das ruas Senador Alencar com Floriano Peixoto ou Major Facundo, preste atenção que coisa linda. Aí, o camarada tem vergonha disso e bota um tapume, com anúncios luminosos. O fato de ser bonito porque é velho, como se beleza tivesse idade. Beleza não tem idade.

    V&A - O senhor freqüentava a boemia do centro da cidade, adentrando as pensões noturnas das madames, ou o seu programa era mesmo a sessão das quatro, domingo, no Diogo?

 

    Blanchard - Ah, sim! A sessão das quatro era programa inocente... Durante muitos anos, na minha plena adolescência, trabalhei em jornal matutino. Então, apesar de muito jovem, 1948, por aí, eu trabalhava na Gazeta até de manhã, no Unitário e, de madrugada, a gente saía pra tomar cerveja, fazer nossas brincadeiras. A imprensa era quase sinônimo de boemia, quase todos os repórteres eram boêmios. Isso até pesava contra a gente na seleção das nossas eleitas futuramente!

    V&A - Por falar em jornalista, o que caracterizava a imprensa daquele tempo? No Ceará, havia muitos veículos impressos de informação, inclusive, com edições matutinas e vespertinas. Outra coisa, as redações eram dominadas pelos homens...

 

    Blanchard - A primeira mulher que eu me lembro, em jornal, foi a Adísia. Acho que é precursora. As redações eram quase todas no quarteirão da rua Senador Pompeu, entre as ruas São Paulo e Guilherme Rocha, e a Adísia morava ali; ela vivia em contato conosco. O jornal, na fase inicial, já tinha um caráter informativo. Mesmo porque, nos anos 40, havia uma fome muito grande de informações sobre a Guerra. As informações nacionais estavam restritas em razão da censura do Estado Novo, do DIP getuliano, que era terrível. Houve uma certa fase que alguns jornais brotaram com preocupação, meramente, partidária. Inclusive, eu trabalhei num, Jornal da Manhã, posteriormente vendido para o Sancho e se transformou na, hoje, Tribuna do Ceará. Muitas vezes, os jornais descambavam para um jornalismo panfletário, violento, de agressões recíprocas e até perigosas.

    V&A - O jornalismo era feito, inclusive, sem um respaldo acadêmico...

 

    Blanchard - Não havia a faculdade e não havia um caráter profissional. Jornalismo não era encarado, pelo menos pela grande parte dos que faziam jornal, como uma profissão. Eu participei do primeiro movimento, no Ceará, pra profissionalizar o jornalismo. Em 1945, ainda no Estado Novo, reuniram-se diversos jornalistas para fazer a Associação Cearense de Jornalistas Profissionais. O governo controlava os jornais porque fornecia um papel chamado linha d'água. O jornal que se metesse a besta a fazer campanha contra ele, não tinha papel e tava liquidado. O jornalismo profissional brotou nessa época e brotou graças também à implantação da empresa Associadas do Chateaubriand. Ele sempre fez jornal com a intenção empresa, de ganhar dinheiro. Montou dois jornais no Ceará, comprou uma empresa de rádio e foi contratando gente. Nasceu a idéia da criação da Escola de Comunicação da UFC, muito importante. Deu outro rumo a coisa, principalmente porque a imprensa foi evoluindo. Pra você ter uma idéia, quando eu cheguei na Gazeta de Notícias, tinha um sótão velho, com três ou quatro birôs e uma máquina de escrever, muito velha, que só quem batia nela era o Geraldo Nobre; os outros dois escreviam à mão. Hoje, você entra aqui e tem uma infinidade de terminais de computadores. Sabia nem que diabo era computador...

    V&A - "O rádio de outrora era coisa muito séria", o senhor conta no livro. E, hoje, não é mais?

 

    Blanchard - Generalizar é perigoso. Quase todas as emissoras fazem rádio como deboche. Eu ouço muito pouco rádio, mas, às vezes, venho no carro do trabalho e o motorista abre o rádio num determinado programa de pretenso humor policialesco. Olha, me perdoe, não sou favorável à censura não, mas aquele tipo de programa não devia ser permitido. Agora não se pode tirar o valor do rádio hoje como um instrumento de orientação pública. O rádio que nós fazíamos era um rádio montado. A Ceará Rádio Clube tinha uma orquestra grande, conjunto de música regional, os programas eram com cast de comediantes. Eram programas que se fazem na televisão, hoje. O rádio era um rádio bom, essa é que é a verdade. A imprensa evoluiu, o rádio caiu.

    V&A - Falando um pouco de política. Que fatos da política nacional afetaram a Fortaleza dos anos 50/60? Por exemplo: o que nos trouxeram os "doirados anos JK"?

 

    Blanchard - Os anos doirados de JK trouxeram tudo de bom para o Brasil. Juscelino trouxe a indústria pro Brasil. Em termos de Ceará, construiu o Orós, que estava parada desde o governo de Epitácio Pessoa. Era uma figura, o Juscelino. Na minha opinião, foi o maior estadista brasileiro. Nós vivemos a euforia, que morreu quando a classe média brasileira acreditou numa vassoura. Entregaram o País a um homem irresponsável, muito inteligente mas irresponsável, que tomou um porre fora de hora e deixou o governo abandonado. Jânio Quadros foi uma tragédia nacional. E, por conta do Jânio Quadros, veio o governo de João Goulart, que era um homem bom, sério. João Goulart foi sempre muito perseguido porque teve posições muito avançadas em termos de economia, de mais aproximação com o trabalhador. Essas coisas marcaram muito o período dos anos 50, que eu vivi, realmente, intensamente. Aí, veio 64, eles derrubaram Goulart, mudou o Brasil, mudou tudo.

    V&A - Os deuses das telas de 50 envelheceram e, como o senhor escreve, "agora são simpáticos velhinhos a cuidar de jardins ou de orientar os netos". E como Blanchard Girão recebe a velhice?

 

    Blanchard - Ah, como uma fatalidade! Esses versos dizem tudo o que você pode pensar sobre a velhice - o cantador Odilon Nunes de Sá, paraibano, morreu com 96 anos e foi provocado por um jovem sobre a velhice dele: "Admiro a mocidade não querer envelhecer/Velho ninguém quer ficar/Novo ninguém quer morrer/Sem ser velho não se vive/Bom é ser velho e viver". Essa é a filosofia que eu procuro adotar. Tô velho, quer dizer, a idade cronológica tá um tanto avançada, mas a idade mental tá boa, as pernas estão acudindo... Peguei o carro nesse instante, saí na carreira pra lhe atender aqui, vou sair daqui pra uma televisão, então, tô vivendo. Tô vivendo plenamente enquanto as forças permitirem. 

Maria Teresa Ayres mariateresa@opovo.com.br
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