Emo? E-girl? A contracultura tem várias folha e vários capítulo

Kira Yagami
6 min readMar 16, 2020

A única coisa que nunca acaba é o fato de que as coisas continuam mudando e mudando.

O conceito de juventude é muito mais recente do que parece, já que só passa a acontecer após a Segunda Guerra Mundial e esse conceito é recheado de rebeldia, essa rebeldia é refletida de diversas formas ao longo dos 70 anos que vivemos desde os Baby Boomers até hoje. Apesar de me identificar com o punk, uma das primeiras formas de rebeldia que eu vim a experimentar, como um qualquer nascido perto dos anos 2000 foi a cultura emo e tudo aquilo parecia incrivelmente único, sem precedentes, quando eu cresci e me apaixonei por estudar sociedade e cultura, principalmente relacionado a juventude e música, eu entendi que o emo nunca foi nada demais nem nada de menos, assim como a “cultura” e-girl/e-boy.

Não escrevo cultura entre aspas no intuito de diminuir, mas como se trata de algo recente, ainda é reativo utilizar esse termo, assim como não existia cultura punk nos anos 70 e isso só veio a ser registrado depois, uma das coisas necessárias para entender a história é o distanciamento do objeto histórico, no caso, o distanciamento das “contraculturas”.

Definir cultura e-girl é um pouco complicado pelo dito acima, mas as coisas podem começar com a estética; a maquiagem, o cabelo e as roupas são definitivas nesse ponto, geralmente são cabelos tingidos de cores fortes, por vezes mais de uma cor, as roupas envolvem tons fortes contrastando com tons pretos, a presença das fishnets, muito explicado por Fluorescent Adolescent do Arctic Monkeys e alguma presença de correntes e/ou coleiras. A maquiagem pode parecer a mistura do peso dos delineadores fortes com a leveza do blush rosado. Tudo isso se define como estética, mas a ideia cultural disso corre além da maneira de se vestir, que apesar de tudo é a parte mais presente quando o termo “e-girl” aparece, mesmo gostando muito de moda, esse texto e esse autor não se dedica a isso e sim a cultura por trás disso.

Uma das coisas mais famosas ligadas ao emo dos anos 2000 era o fato de que este movimento não tinha tanto do “original”, se é que algo dentro desse assunto pode ser dito como original, todo mundo ouvia a história do emotional hardcore, mas a verdade é que o emo dos anos 2000 tinha muito mais de pop-punk do que de hardcore já que era bem mais melódico do que o emo do fim dos anos 80 e era a primeira vez que se estabelecia com força, tanto que gera seus próprios sub-generos como scene kids e até o próprio generalismo do termo “emo”, que hoje é utilizado de uma forma muito parecida com o termo “e-girl”, se baseando muito mais na estética, o termo emo por exemplo chega se tornar categoria pornô para meninas de cabelos pintados, piercings e tatuagens ou meninos de franjinha, geralmente de pele pálida.

Ao mesmo tempo que víamos o fenômeno emo dos anos 2000, as culturas otaku apareceram no fim da década de 2000, trazendo consigo o visual kei, o decora e o lolita, todos sendo núcleos de moda que se entremeiam, mas culturalmente analisados, caem sob o mesmo tipo de conceito, animes e mangás em primeiro lugar. O Japão sempre foi uma potência do Soft Power e desde os anos 80 soube usar seu potencial cultural muito bem, sendo assim, exportando essa cultura através dos animes não foi difícil de fazer o mundo gostar de cabelos pintados e diferentes, os jogos também se somam ao animes num caldo cultural que vai fazer acontecer o fenômeno e-girl poucos anos depois do fim dos anos 2000.

Cabe aqui uma resolução: esse texto analisa o fenômeno e-girl e propositalmente deixa de lado o que seria entendido como e-boy não porque este seja menos importante, mas porque, na concepção do autor, o fenômeno envolve conceitos como machismo e incel que afetam diretamente a maneira com que se lida com o mundo, que é algo a se debruçar também.

É literalmente, de 2010 em diante que esses conceitos todos se misturam para trazer a tona a dita e-girl, em todas as formas que a rebeldia juvenil se mostrou é dentro do cinema que o conceito se expande, porque dessa forma se atinge com áudio, vídeo e sensações. Foi em Juventude Transviada que se condicionou a jaqueta de couro, foi em Clockwork Orange que foi fácil explicar a Ultraviolence para uma sociedade onde o Punk-Rock aparecia ou até o moicano de Taxi Driver. Sendo assim era questão de tempo até o cinema unir todos os elementos que pairavam sobre a sociedade dos anos 2000, Ramona Flowers é de alguma forma a precursora do que seria uma “e-girl”.

Até aqui foi falado sobre estética, sobre formato musical, sobre cinema e bem rapidinho sobre machismo, mas nada disso é exatamente palpável como um conceito firme. É misturado com a autodestruição, pós-modernidade e muitos problemas psicológicos de cunho capitalista que se faz um bom fenômeno jovem.

Eu tive vontade de escrever sobre isso quando ouvi “Scott Pilgrim vs The World Ruined a Whole Generation of Woman” e em termos bem práticos, é uma letra sobre como o filme teria transformado as mulheres em:

She’s a teenage dream if you hate yourself (Ela é um sonho adolescente se você se odeia)

Bright dyed hair and obnoxious clothes (Cabelo tingido e claro com roupas desagradáveis)

Thinks communism is the way to go (Acha que comunismo é o caminho certo)

She’s a whore, a hole, a dime-a-dozen Jezebel (Ela é uma puta, um buraco, algo que não tem valor)

A letra tem coisas bem piores que essa e eu não vou traduzir tudo, mas no fundo é sobre como Ramona Flowers seria o supra-sumo da inutilidade como mulher e serviria só como “um buraco” e isso passa a ser direcionado a toda e qualquer pessoa que se pareça com ela, isto é, o machismo tentando destruir a própria identificação que as meninas teriam com a Ramona e acima de tudo, sabendo que por mais ódio que sintam desse tipo de pessoa, ainda assim tentariam algo, como a própria letra diz. E aqui entra a questão sobre incels e machismo, essa letra se trata sobre algo intangível na concepção masculina porque quebra diversos padrões que se esperava das mulheres e por mais lacração que esse texto esteja parecendo, a questão é sobre o julgamento e o ódio que já precede qualquer garota desse tipo.

É curioso entender como mesmo a letra criticando esse tipo de menina com todos os argumentos possíveis e impossíveis, ainda assim eles iriam atrás dela, ou seja, não é uma culpa atribuída a elas, são eles quem as enxergam dessa forma e principalmente enxergam a Ramona dessa forma, surge daí o conceito do “incel gado” e daqui em diante se torna complicadíssimo “tomar um lado”

É diante dessa agressão que muitas meninas já se fazem antipáticas com muitos garotos e isso gera uma eterna retro-alimentação de ódio, as redes sociais são palco dessa dinâmica e se torna complicado fazer um lado enxergar o outro. Conforme as meninas se adaptam a jogos eletrônicos, já que egirl vem desse termo, os garotos acabam por se sentir mais afetados ainda já que antes os jogos eram como um mundinho só deles e agora tem essas tais de “meninas” neste meio.

Apesar desse texto não se propor a defender o fenômeno egirl, mas entender ele como mais uma forma de contracultura, é muito complicado também a analise disso estando dentro dos acontecimentos, como eu já falei sobre o distanciamento histórico, provavelmente eu escreva um texto daqui a 5 anos corrigindo tudo que esse aqui diz, mas a contracultura não deixa de acontecer, ela só muda sua forma e se adapta cada vez mais, com o fortalecimento do feminismo é possível entender a dinâmica de uma mulher jogando vídeo-games e como os demais homens lidam com isso e a contracultura se adapta a isso também.

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Kira Yagami

ENFJ, Professor de história, baterista sem foco, Sage nas horas vagas.