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Folha de S.Paulo

Barroso quer restringir alcance do foro privilegiado


O ministro Luís Roberto Barroso enviou nesta quarta (15) ao plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) um processo para discutir a redução do alcance da prerrogativa de foro de deputados, senadores e ministros.

Para Barroso, os demais ministros devem se manifestar sobre a possibilidade de restringir o foro a casos relacionados a acusações por crimes cometidos durante e em razão do exercício do cargo.

"Se o fato imputado, por exemplo, foi praticado anteriormente à investidura no mandato de parlamentar federal, não se justificaria a atribuição de competência ao STF", diz trecho do despacho assinado por Barroso.

Diante deste cenário, inquéritos e ações penais abertas em primeira instância não seriam remetidos ao Supremo quando o personagem for eleito para o Congresso ou virar ministro, ao contrário do que ocorre hoje.

Acusações sobre atos ocorridos antes de essa pessoa assumir o cargo, mesmo que reveladas durante o mandato, seriam julgadas em instâncias inferiores.

O documento de Barroso não faz relação com a recente nomeação de Moreira Franco a ministro do governo de Michel Temer.

No entanto, indiretamente, se a tese for levada adiante pelo Supremo, pode ter efeito na hipótese de abertura de investigações sobre fatos referentes a um período em que ele não tinha foro no Supremo.

A nomeação de Moreira, citado em delações da Lava Jato, foi contestada por partidos de oposição, mas uma liminar do ministro Celso de Mello na terça (14) confirmou a decisão de Temer de nomeá-lo ministro.

Na interpretação de Barroso, seria mantido o entendimento do STF de que um caso deve ser transferido a instâncias inferiores se o seu alvo perder o cargo que lhe dá o foro –é o caso das ações contra Eduardo Cunha (PMDB-RJ) na Lava Jato.

Ou seja, os processos só "desceriam" de instância, jamais "subiriam" para o Supremo Tribunal Federal.

Para levar o tema aos colegas, o ministro utilizou uma ação penal sobre compra de votos contra o ex-deputado Marquinho Mendes (PMDB-RJ) nas eleições municipais de 2008.

O caso foi transferido ao Supremo em abril de 2015, após ele assumir, como suplente, mandato de deputado na Câmara. Mendes deixou o cargo em abril de 2016 e retornou em setembro, em substituição a Eduardo Cunha, que foi cassado.

Em outubro, Mendes foi eleito prefeito de Cabo Frio e, em tese, os autos voltariam a instâncias inferiores. Como o processo está pronto para ser julgado no Supremo, o ministro decidiu levá-lo da 1ª Turma ao plenário para provocar decisão que aborde o contexto das regras de foro.

Para Barroso, esse processo não deveria ter tramitado no STF porque o crime ocorreu quando Mendes não era deputado.

Esse vaivém entre instâncias, ressalta, contribui também para a prescrição de penas e mostra a "disfuncionalidade prática do regime de foro privilegiado". "O sistema é feito para não funcionar", diz.

O ministro destaca que uma mudança profunda na regra dependeria de uma emenda constitucional no Congresso, mas diz que o Supremo pode fazer uma "interpretação restritiva do seu sentido e alcance".

Caberá agora à ministra Cármen Lúcia, presidente do STF, definir quando o processo enviado por Barroso será julgado pelo plenário.

O ministro cita no despacho um quadro de 357 inquéritos e 103 ações penais que tramitam hoje no STF.

Levantamento divulgado pela Folha em novembro em cima de 84 processos mostrou que eles estavam, em média, havia sete anos e oito meses sem desfecho.

Para estabelecer o tempo de duração dos casos dos réus no Supremo, a reportagem também considerou a data do início das investigações sobre o político, inclusive antes de chegar à corte.