Roberta Sudbrack cria um menu de fôlego para agradar a equipe olímpica

Ao todo, serão servidas 191 receitas aos integrantes do time nacional
Roberta Sudbrack e equipe Foto: Fernando Lemos / Agência O Globo

RIO - Nos últimos quatro meses, a chef gaúcha mudou radicalmente de cardápio. No lugar de sair por aí pesquisando ingredientes inusitados, mania que alimenta há tempos, e que acabam virando estrelas da cozinha de seu restaurante no Jardim Botânico, Roberta passou a devorar livros e mais livros de medicina esportiva e estudos sobre alimentação para atletas, chegando até a mergulhar fundo nos barulhentos casos de doping na Olimpíada.

Tudo para usar como base na elaboração da dieta alimentar que está sendo feita e servida nas quatro cozinhas olímpicas que cuidam (bem) do apetite dos 465 atletas brasileiros. No guardanapo? Coisa de mil refeições por dia, almoço e jantar, servidas nas mesas dos refeitórios da Escola de Educação Física do Exército, na Urca; do Hotel Sesc de Copacabana, de Mangaratiba e de Saquarema. Nas “internas”, comandando os enormes panelões, uma equipe afiada e afinada com Sudbrack desde os tempos dos jogos olímpicos de Londres, quando Roberta fez a sua estreia como chef do time brasileiro.

— Lá, tínhamos uma única cozinha e todos os atletas faziam as refeições juntos. Era mais fácil. Aqui, as equipes se espalharam e as cozinhas correram atrás. Mas tudo está bem estruturado e o cardápio é praticamente o mesmo. Só que mais brasileiro— conta

Picadinho: Farofa, banana e ovo pochê: do Palácio da Alvorada para o refeitório olímpico Foto: Mônica Imbuzeiro / Agência O Globo

E o interesse da chef pelos mais recentes casos de doping ?

— Vi que na China foi um escândalo, a carne de porco estava cheia de antibiótico e de hormônios. Resolvi então ficar atenta aos componentes dos ingredientes que estamos usando na cozinha. Afinal, lá na “ponta”, quem pode pagar o pato é o atleta...

Por falar em pato, que teve aos montes durantes os jogos de Pequim, ele está fora do cardápio brasileiro. Roberta programou 28 variações de pratos com carnes que se revezarão pelos 19 dias de competição. Mas, nenhum pato e nada de carne de porco também. Os frangos foram liberados, mas a orientação da chef é de que sejam usados apenas os caipiras.

É um menu de fôlego, um total de 191 receitas variadas disponíveis no bufê, dez pratos dispostos na bancada para cada dia da semana, entre principais, acompanhamentos, saladas, sopas, massas, grãos (arroz e feijão) e sobremesas. Essas últimas são liberadas aos atletas uma vez por semana.

Mas não pense em banquetes (só se for nas proporções), em nada muito elaborado. É cozinha simples, pratos brasileiros, mas feitos com apuro. Não pense também que foi moleza montar um cardápio para alimentar atletas de 19 modalidades esportivas diferentes.

— Imagina que os bufês devem trazer pratos que se adequam às necessidades calóricas de um lutador de boxe e de uma ginasta de saltos ornamentais; de um judoca e de um ciclista, todos juntos. E ainda pensar que o atleta que competiu naquele dia, se alimenta de um jeito; o que ainda vai competir, precisa de um outro tipo de refeição....

Por essas e outras, Roberta passou 40 dias ouvindo técnicos e preparadores físicos até dar a bandeirada final. Juntos, contabilizaram calorias e nutrientes para montar o que ela chama de “quebra-cabeça”

E no tal “quebra-cabeça”, tem galetinho marinado e assado com limão e salsa; fusilli com ricota, tomate seco e rúcula; sopa de beterraba com queijo cottage e até um calórico quindão.

Aliás, esses são os pratos que estão sendo preparados hoje em todas as cozinhas que servem aos atletas brasileiros. E amanhã é dia de Camarão Campeão.

BRIGADEIRO DE COLHER É CAMPEÃO DA RODADA

Na escalação diária do time à mesa, entram dois tipos de carnes (incluindo peixes), duas massas, duas saladas (como a de quinoa, quiabo grelhado e tomatinhos, a de cuscuz com damasco e passas ou ainda a de lentilhas com tomates assados e espinafre), três acompanhamentos (coisas como meia lua de batatas assadas com limão e orégano, a canjiquinha cremosa, o salpicão de frango defumado..) e, de sobremesa, frutas frescas e doces brasileiros.

O campeão da rodada, disparado, é o brigadeiro puxa-puxa de colher. Ganhou o nome de brigadeiro Olímpico e vai assim, inteirinho (na panela e tudo) para os atletas que voltarem para “casa” com a medalha de ouro em punho. É o segundo troféu de campeão, prática que começou em Londres e que se repetirá (torcer para que muitas vezes) nessa edição carioca.

— No dia em que o brigadeiro de colher estava na bancada do almoço, o ginasta Arthur Zanetti ganhou medalha de ouro. Pensei logo em premiar o feito. E resolvi mandar a panela inteira para ele. Acabou virando uma prática. Ganhou, levou. Foram 17 panelas...— conta Roberta, que programou doces como pudim de laranja, doce de abóbora, pudim de leite, maçã assada com toffee, torta de banana...

Nesse domingo vai ter pé de moleque e ambrosia caseira, doces que costumam frequentar as mesas do RS, o restaurante uma estrela Michelin da chef.

— Mas cada atleta tem o seu técnico. Eles é que se entendam...

O picadinho, aqui em diminutas proporções, também tem berço nobre. A receita vem do Palácio da Alvorada, onde a chef esteve à frente da cozinha. É conhecido como o picadinho do Alvorada e foi servido para vários chefs de Estado. Nas cozinhas olímpicas, o figurino “Alvorada” é seguido à risca: a alcatra é cortada em cubos, na ponta da faca, e refogada com cebola cortada fininha, azeite extra virgem, manteiga sem sal.. Para completar, ovo pochê, a banana à milanesa sequinha, arroz branco e uma farofa (espetacular) de cenoura. Segunda-feira está no bandejão, dia também do frango caipira ensopado com açafrão da terra e milho verde. É comida em grandes proporções, mas artesanal, bem cuidada e, mais do que tudo, caseira.

— É emocionante testemunhar a ansiedade, o nervosismo desses atletas antes das provas. E a alegria ou a tristeza depois que elas acontecem. Estou certa de que uma comida bem tratada, uma receita mais familiar, pode de alguma forma complementar esse momento — diz. — Eles estão em casa, porque estão na sua pátria, mas estão também fora de casa, longe da família. O que eu procuro e me empenho muito, é tentar preencher esse vazio à mesa.

Ex-goleira de handebol da seleção brasileira, Roberta Sudbrack foi convidada por Marcos Vinicius, que já jogou na seleção brasileira de vôlei e é o atual superintendente de esportes do Comitê Olímpico Brasileiro, para cuidar da alimentação dos atletas brasileiros às vésperas dos jogos de Londres. Convite que foi renovado nos jogos Panamericanos, no Canadá. Sua convocação para a Olimpíada do Rio era dada como certa. Em time que está ganhando...

Com cardápio já pronto, testado, ampliado e aprovado, foi na “casa” do Brasil nestes jogos, a principal base dos atletas brasileiros fora da Vila Olímpica, instalados nas dependências do Forte São João, na Urca, que a chef se deixou fotografar na cozinha e com o seu staff. É ali que ficam as equipes do vôlei de praia, de vela, boxe, luta olímpica, taekwondo, handebol feminino e tiro com arco:

— Passei a bola para cada um dos profissionais da cozinha. Agora é com eles. Só torço para que façam tudo como eu ensinei — arremata a chef, que reforça o time dos 90 mil voluntários que trabalham na Olimpíada do Rio sem qualquer remuneração.

Ou melhor, Roberta Sudbrack costuma ser presenteada pelo Comitê Olímpico Brasileiro com todos os modelos dos uniformes oficiais. E, dessa vez, ainda carregou a tocha olímpica.

“Placar favorável”, avalia a chef.