Dívidas ameaçam comida de presidiários no Rio

Empresas fornecedoras estão sem receber regularmente há sete meses
Cardápio sob risco. Entrega de comida em presídio: débitos fazem com que possibilidade de desabastecimento no sistema carcerário preocupe autoridades Foto: Paulo Nicolella - 26/-01/2015 / Agência O Globo

RIO - A crise no estado ameaça até o fornecimento da comida servida aos cerca de 51 mil presos do Rio, já que as empresas de alimentação não vêm sendo pagas regularmente pelo governo há sete meses. Os atrasos consecutivos na liberação de recursos preocupam as autoridades, a ponto de a subsecretária estadual de Fazenda, Lígia Ourives, ter pedido esta semana a palavra numa audiência no Supremo Tribunal Federal (STF), para dizer que o Executivo não tem como arcar com as refeições dos presidiários.

O governador Luiz Fernando Pezão reconheceu que a situação é crítica.

— Lamento muito, porque nunca atrasamos o pagamento das empresas que fornecem alimento aos presos. Pedi que aguardassem a audiência no STF e no Tribunal de Justiça, mas os empresários disseram que não aguentam esperar — disse Pezão.

PROTEÍNAS SUBSTITUÍDAS

O estado tem 50 unidades prisionais. Fornecedor de quentinhas para quatro presídios do complexo de Gericinó, o empresário Fábio Augusto Leite, dono da Première Comércio de Alimentos, afirmou que, se a situação não melhorar, o fornecimento poderá ser prejudicado. A dívida da Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) com sua empresa já chega a cerca de R$ 9 milhões. Ele tem remediado a situação tomando empréstimos seguidos na rede bancária.

— Estamos diante de um problema muito sério. Se não for sanado, ficaremos na iminência de um desabastecimento de comida para os presidiários. Estou fazendo o que posso para segurar. Ainda não recebemos o mês de dezembro de 2015. Este ano, a Seap honrou os empréstimos junto ao Bradesco até junho. Temos a receber os meses de julho, agosto, setembro e outubro. E já já vai vencer o prazo do pagamento de novembro. A situação é dramática — lamentou Fábio Augusto.

Segundo ele, para continuar a fornecer quentinhas a quase quatro mil presos, foi preciso baixar a qualidade das refeições. Hoje, carne, peixe e frango já não estão sempre presentes no cardápio. Essas proteínas têm sido substituídas com maior frequência por embutidos.

— Falo por mim. O problema é que o prazo de pagamento aos fornecedores de carne, frango e peixe é de 20, no máximo 22 dias. Isso torna inviável fornecer com frequência, por exemplo, carne moída. Estou com contas atrasadas no segmento de hortifrúti e de cereais — comentou o empresário, que fornece alimento para as penitenciárias Serrano Neves, Gabriel Castilhos e Bandeira Stampa, além da Cadeia Pública Paulo Roberto Rocha.

Um levantamento do deputado estadual Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB) revela que as contas da Seap já começaram este ano no vermelho. Somadas, todas as dívidas com fornecedores de alimentos em janeiro chegavam a R$ 133,9 milhões. Como a saúde financeira do estado só piorou ao longo de 2016, a situação se agravou.

— O que eu verifico, analisando os números dos últimos anos, é que a segurança pública vai chegar a 2017 se desmilinguindo. Se não houver uma ação conjunta reunindo o governo federal e o estado, não sei como será — afirmou Luiz Paulo.

SECRETARIA RECONHECE DÉBITOS

Em nota, a Seap reconheceu débitos com fornecedores e informou que vem se esforçando para pagá-los. “Ao mesmo tempo, esta pasta vem dialogando com os mesmos para que a prestação de serviços de alimentação de internos seja mantida, sem prejuízos ao sistema”, diz o texto.

O promotor André Guilherme de Freitas, do setor de Execuções Penais do Ministério Público estadual, acompanha a situação. Ele disse que, apesar do atrasos nos pagamentos, ainda não falta comida nos presídios:

— O que já vi acontecer este ano, em situações extremas, foi uma redução na quantidade de proteína, substituída por hambúrguer, ovo e salsicha.

A situação é tão grave que o Tribunal de Contas do Estado (TCE) aprovou um socorro ao estado, transferindo R$ 160 milhões para pagamento de alimentação para presos, menores infratores e servidores da Seap e do Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase). Esses recursos são provenientes do Fundo Especial de Modernização do TCE.