SOROCABA - Em um cenário de presídios superlotados, dominados por facções, em que episódios como as chacinas de Manaus e Boa Vista são cada vez mais frequentes, um sistema prisional alternativo sem agentes armados, onde não há fugas e motins e o custo por preso é 50% menor, deveria ser altamente incentivado. Mas não é o que acontece com a Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac), um modelo de prisão brasileiro, desenvolvido para ajudar o preso que quer pagar pelo seu erro e voltar a ser útil à sociedade.
Embora tenha sido criado há mais de 40 anos, o sistema alternativo tem apenas 50 unidades funcionando em cinco Estados brasileiros - Minas Gerais, Maranhão, Paraná, Rondônia e Rio Grande do Norte - atendendo 5 mil de um universo de 622 mil presos no País. Em Minas, 20 unidades estão com terreno destinado e projetos prontos que não saem do papel por falta de verba.
A primeira Apac do Rio Grande do Sul, em Canoas, está com as obras atrasadas. Projetos da Bahia, do Ceará e de Mato Grosso ainda não decolaram por falta de recursos.
O presidente da Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados (Fbac), que congrega as Apacs, Valdeci Antonio Ferreira, disse que o sistema tem feito mais sucesso no exterior. "Já são 23 países com unidades instaladas ou em estágio experimental. Nosso método recebeu prêmios aqui, mas os importantes foram dados lá fora."
O modelo foi reconhecido pelo Prison Fellowship International (PFI), órgão consultivo da Organização das Nações Unidas (ONU), como alternativa eficiente para humanizar o tratamento penitenciário. Ferreira diz que as facções nunca se infiltraram nas Apacs.
"As facções ocupam o vazio deixado pelo Estado e no método Apac não há esse espaço, pois a disciplina é rígida e a ocupação do tempo, integral."
A primeira unidade foi criada na década de 1970, em São José dos Campos, no interior paulista, pelo advogado e professor Mário Ottoboni. Com um grupo de voluntários cristãos da Pastoral Carcerária, ele dava assistência e apoio moral aos presos do presídio Humaitá e desenvolveu um método para humanizar o cumprimento da pena. Em 1974, foi constituída juridicamente a Apac.
São Paulo chegou a ter várias unidades, mas no fim da década de 1990, ao adotar o modelo das grandes penitenciárias, o governo paulista não seguiu adiante com as Apacs.
Na época, Ottoboni já havia levado o método para outros Estados, e Minas Gerais decidiu apostar no modelo. O Programa Novos Rumos, do Tribunal de Justiça mineiro, administra 38 unidades masculinas e femininas. São 3.238 vagas - 2.910 estão ocupadas e cerca de 300 aguardam presos. Em cinco unidades, o índice de ocupação é inferior a 80%. No total, são 2.700 homens e 210 mulheres.
"O número atendido é bastante superior, pois a Apac acompanha também os presos que estão cumprindo pena em casa, em livramento condicional ou regime aberto, o que dá em torno de 6 mil pessoas atendidas", afirma o juiz auxiliar da presidência do TJ-MG, Thiago Colnago Cabral.
Como comparação, ele cita que no regime prisional comum do Estado são em média 60 mil homens e 10 mil mulheres - 35 mil são presos provisórios. Em Minas, o custo mensal de um reeducando na Apac é de R$ 1 mil, enquanto no regime comum o custo é de R$ 2 mil. A abertura de uma vaga no regime alternativo custa R$ 27 mil, e no convencional, R$ 37 mil. O magistrado chama a atenção para outra vantagem do método Apac.
"Como o preso trabalha, estuda e frequenta biblioteca, a cada 100 dias cumpridos da pena, ele ganha outros 56, ou seja, é como se tivesse cumprido 146. No sistema convencional, isso é praticamente impossível, ou seja, o preso da Apac fica menos tempo na prisão, o que também reflete no custo."
Segundo ele, a diferença entre os sistemas pode ser observada no índice de reincidência, que gira em torno de 20% na Apac e de 80% no regime comum. "As Apacs existem desde 1972 e nunca houve registro de motim ou rebelião. O porcentual de fuga é de 1% da população carcerária."
O Judiciário mineiro investe na expansão da rede. Seis unidades estão em construção para mais 700 vagas e existem outras 20 com o terreno definido. Com elas prontas, serão mais 2,2 mil vagas.
"O problema atual é a falta de recursos, já que o Estado é o principal provedor das Apacs. Ainda assim, temos a vantagem da mão de obra, que é voluntária ou contratada pela associação e não impacta a folha de pagamento do Estado, como acontece no sistema convencional."
Outros Estados também projetam a ampliação do sistema. A subsecretária de Administração Penitenciária do Maranhão, Ana Luisa Silva Falcão, autora de um estudo sobre as Apacs de Minas Gerais, publicado em 2015, defende a expansão do método, mas em conjunto com outros sistemas alternativos de cumprimento da pena.
"As Apacs cumprem a Constituição e o Lei de Execuções Penais no que diz respeito à ressocialização do preso, mas não serve para toda a clientela. O método é baseado na adesão da pessoa e na sua confiabilidade, por isso é solução para parte da população carcerária."
Ela trabalha para ampliar a rede de Apacs do Pará, com seis unidades e 250 internos. "Temos potencial para ampliar a capacidade das já existentes e criar outras, mas dependemos de uma sociedade civil organizada, pois um dos pilares é o voluntariado. Não é possível fazer sem parcerias com instituições de ensino e outros órgãos."
Nas unidades da Apac os presos usam crachás, trabalham e produzem a própria comida. Em Minas, o método foi adotado por lei estadual. Em 2016, o TJ mineiro baixou portaria estabelecendo novas regras para a entrada de detentos, entre elas a exigência de que mantenham vínculos familiares na região.
"A proximidade com a família aumenta as chances de reinserção e ajuda na recuperação do preso", diz Cabral. Ele lembrou que a medida foi uma resposta ao maior interesse pelas unidades, depois que os presídios do Estado passaram a abrigar presos condenados na Ação Penal 470, conhecida como "mensalão".
Em dezembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou a transferência do publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza, operador do "mensalão" condenado a mais de 37 anos, da penitenciária da mineira de Contagem para a Apac de Lagoa da Prata, no mesmo Estado.
A defesa pediu a transferência alegando que a mãe e a companheira de Valério passaram a residir nessa cidade. O ex-goleiro Bruno Fernandes das Dores de Souza, condenado a 22 anos pela morte de Eliza Samúdio em 2010, passou por duas penitenciárias e conseguiu vaga na Apac de Santa Luzia, na região metropolitana de Belo Horizonte, após cinco anos de bom comportamento.
Ressocialização. A Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) do Estado de São Paulo informou que o governo paulista também investe na recuperação dos detentos, através dos Centros de Ressocialização (CR).
Segundo a SAP, embora sejam integralmente administrados pelo Estado, os 22 CRs têm população compatível com a capacidade de 210 detentos por unidade e oferecem ao preso serviços de saúde, odontológico, psicológico, jurídico, social, educativo e religioso, além de trabalho. Também possibilita participação na comunidade.
Correções
Ao contrário do informado anteriormente, Ana Luisa Silva Falcão é subsecretária de Administração Penitenciária do Maranhão, não do Pará.
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