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A Responsabilidade Civil do Estado na Prestação de Serviços Públicos de Saúde

Agenda 03/03/2021 às 11:24

A pesquisa aborda um pouco sobre o SUS e sua descentralização e, em seguida, trata acerca da responsabilidade do Estado nos casos de omissão e de falha na prestação dos serviços de saúde, abarcando o erro médico. Boa leitura!

1. INTRODUÇÃO

A responsabilidade civil do Estado configura-se quando há um dano causado a terceiro devido a um comportamento omissivo ou comissivo de um agente do Estado. Ela pode decorrer tanto de atos jurídicos, de atos ilícitos, de comportamentos materiais ou de omissão do Poder Público.

Diferentemente da responsabilidade civil do direito privado, que exige sempre um ato ilícito, que não está de acordo com a lei, no âmbito do Direito Administrativo, a responsabilidade pode decorrer de atos ou comportamentos lícitos, que causem a terceiro ônus maior do que o imposto aos demais. Na seara da prestação de serviços públicos de saúde, os danos comumente são causados devido a uma omissão ou uma má prestação do serviço público.

Não obstante o tratamento sobre este instituto ser constitucional, ainda existe muitas dúvidas doutrinárias quanto à forma ideal de aplicação da responsabilidade civil. Discute-se, em alguns casos, se a responsabilidade será pautada na teoria objetiva ou subjetiva.

Para tanto, para uma melhor compreensão do tema, o presente artigo realizará uma breve análise acerca do instituto do direito à saúde, bem como sobre o Sistema Único de Saúde – SUS, analisando suas características principais e sua forma de instituição.

Ao final, analisar-se-á a responsabilidade do Estado decorrente de omissão e de falha na prestação de serviços, delineando-se, acerca desta última, a prestação ineficiente do serviço e o erro médico.

2. DO DIREITO À SAÚDE

O direito à saúde encontra-se elevado à categoria de direito fundamental. Ele está inteiramente ligado ao direito à vida e à existência digna. Portanto, é considerada uma obrigação do Estado oferecer a cada cidadão um direito ao acesso a um tratamento digno de saúde.

Historicamente, a saúde foi reconhecida como um dos direitos fundamentais somente com a reorganização política internacional em meados do século XX e com a criação da Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1946 (ROCHA, 1999). No entanto, no Brasil, a Constituição Federal de 1988 foi a primeira Constituição brasileira a consagrar o direito à saúde, elevando-o à categoria dos direitos sociais, configurados como os direitos de segunda geração. As constituições anteriores possuíam apenas disposições esparsas sobre o instituto (MENDES; BRANCO, 2018).

A Constituição da República prevê o direito à saúde em seu art. 196, o qual estabelece que se trata de um direito de todos, assegurado a todos. Desta forma, pode-se afirmar, como uma das características principais do direito à saúde, a natureza jurídica de direito difuso (ROCHA, 1999). Sobre o assunto, Julio César de Sá da Rocha ensina que:

O direito à saúde possui a natureza jurídica de direito difuso, na medida em que a Constituição Federal de 1988 trata-o como um direito de todos (art. 196, caput), enquadrando-se completamente no conceito normativo do CDC (art. 81, I), como sendo aquele “transindividual de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato. Os interesses ou direitos difusos – o CDC trata interesse e direito como expressões sinônimas – caracterizam-se por uma pluralidade de titulares indeterminados, bem como pela indivisibilidade do objeto de interesse, que necessariamente aproveita em conjunto, v. g., em virtude da poliomielite (paralisia), o Poder Púbico realiza campanha de vacinação em defesa do direito à saúde infantil (1999, p. 46).

Ademais, o dispositivo da Carta Magna que trata do direito à saúde pode ser dividido em seis elementos, conforme ensina Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco (2018, p. 717):

O direito à saúde está previsto no art. 196 da Constituição Federal como (1) “direito de todos” e (2) “dever do Estado”, (3) garantido mediante “políticas sociais e econômicas (4) que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos”, (5) regido pelo princípio do “acesso universal e igualitário” (6) “às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação”.

Portanto, destaca-se, da leitura dos elementos constantes do art. 196 da Constituição Federal, que o direito à saúde é um dever do Estado. Resta claro que, além do direito fundamental a um acesso digno à saúde, há também o dever fundamental de prestação de saúde, exposto de maneira expressa na Lei Maior. E cabe ao Estado, em todos os seus âmbitos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), a prestação deste serviço à população. Trata-se de uma atribuição comum a todos os entes federativos (MENDES; BRANCO, 2018), não deixando nenhuma esfera federativa isenta da prestação e defesa da saúde (ROCHA, 1999).

Acerca do tema, Julio César de Sá da Rocha afirma que “a Constituição de 1988 mudou profundamente o sistema de competência da área de saúde. A parte global das matérias pode ser legislada nos três planos – federal, estadual e municipal (1999, p.39). Ademais, Da Rocha (1999) acrescenta que podemos encontrar, de forma genérica, competência material exclusiva da União no art. 21, competência legislativa privativa da União no art. 22, competência comum da União, Estado, Distrito Federal e Municípios no art. 23, competência concorrente da União, Distrito Federal e Estados no art. 24, competência suplementar dos Estados e Municípios nos arts. 24, § 2º e 30, II, e competência indicativa dos Municípios no art. 30, todos da Constituição da República.

Outro elemento importante que consta no dispositivo e que também deve ser destacado são as políticas que visam o acesso universal e igualitário aos serviços de saúde. A Lei n. 8.080/90, responsável por regular em todo território nacional as ações e serviços de saúde, em seu artigo 7º, inciso IV, dispõe que deve ser garantido “igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie”. 

Um exemplo já executado que pode ser incluído no rol de políticas públicas para um acesso universal ao sistema de saúde é a quebra de patente de medicamentos (MENDES; BRANCO, 2018). Sem dúvidas, a quebra de patente resultou em um melhor e mais efetivo acesso aos tratamentos e serviços de saúde.

Contudo, embora exista no ordenamento jurídico brasileiro a previsão que visa assegurar este acesso digno, há um grande problema na execução:

O estudo do direito à saúde no Brasil leva a concluir que os problemas de eficácia social desse direito fundamental devem-se muito mais a questões ligadas à implementação e manutenção das políticas públicas de saúde já existentes – o que implica também a composição dos orçamentos dos entes da Federação – do que à falta de legislação específica. Em outros termos, o problema não é de inexistência, mas de execução (administrativa) das políticas públicas pelos entes Federados. (MENDES; BRANCO, 2018, p. 718).

Assim, no pensamento de Mendes e Branco, o problema da execução do direito à saúde está ligado à forma que as políticas públicas são implementadas e não à falta de legislação específica. Isso inclui a composição dos orçamentos públicos. Segundo eles, para que o direito à saúde se torne efetivo, deve ser executado “mediante ações específicas (dimensão individual) e mediante amplas políticas públicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos (dimensão coletiva)” (2018, p. 719). Assim, de acordo com essas perspectivas, as pretensões formuladas devem dizer respeitos a atos concretos e a ações administrativas, que visam uma contribuição para melhorar o sistema de saúde no Brasil, incluindo as normas de organização e procedimento.

3. DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

A responsabilidade em relação à saúde no ordenamento jurídico brasileiro é do Poder Público, através do Sistema Único de Saúde. O Sistema Único de Saúde, conhecido como SUS, consiste no modelo básico de organização e procedimento, estabelecido pela Constituição Federal, para a realização do direito básico à saúde (MENDES; BRANCO, 2018). Mendes e Branco salientam que:

Nos termos do texto Constitucional, as ações e serviços públicos integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de forma descentralizada, com direção em cada esfera de governo, voltado ao atendimento integral, com prioridade para atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços essenciais, assegurando-se a participação da comunidade (art. 198). (2018, p. 719).

Neste trecho, Mendes e Branco discorrem sobre a descentralização do SUS. O princípio da descentralização é uma das diretrizes do Sistema Único de Saúde e consiste na forma de sua estrutura, haja vista que o SUS se organiza em cada esfera do governo para melhor atender à população.

André Ramos Tavares (2016), reforça o mesmo conceito de SUS, salientando que se trata de um sistema:

[...] único, regionalizado e hierarquizado, organizado de maneira descentralizada, com direção única em cada uma das esferas de governo (art. 198, caput e inciso I, da CF), vale dizer, na esfera federal, estadual, distrital e municipal. Assim, a expressão "as ações e serviços públicos" de saúde têm como responsável o Poder Público, considerado em sentido amplo, englobando todas as entidades federativas.

Desta forma, temos que o SUS é constituído por uma rede regionalizada e hierarquizada, direcionada a cada esfera de governo, em razão de sua descentralização, voltando-se ao atendimento integral, tendo como prioridade as atividades preventivas.

A Constituição Federal de 1988 dispõe sobre as competências do Sistema Único de Saúde em seu art. 200, o qual prevê:

Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:

I - controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos;

II - executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador;

III - ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde;

IV - participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico;

V – (revogado);

V - incrementar, em sua área de atuação, o desenvolvimento científico e tecnológico e a inovação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015)

VI - fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano;

VII - participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos;

VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho (BRASIL, 1988).

Assim, observa-se que, além de determinar a instituição de um sistema unificado de saúde, a Carta Magna também definiu, de uma maneira ampla, as suas atribuições (MENDES; BRANCO, 2018). Analisando as atribuições do SUS, vemos que este sistema não assegura apenas o acesso aos serviços de saúde, mas também tem o dever de garantir à população saneamento básico, vigilância sanitária, saúde do trabalhador, dentre outras atribuições. No plano infraconstitucional, o SUS encontra-se disciplinado pelas Leis Federais n. 8.142/90 e 8.080/90, com alterações posteriores dadas pelas Leis n. 12.466/2011 e n. 12.864/2013.

Antes de ser instituído o Sistema Único de Saúde, existiam no sistema de saúde brasileiro o Sistema Nacional de Saúde (Lei n. 6.229/75) e o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde. O SUS consiste em uma evolução destes sistemas anteriormente instituídos, mas tendo como característica a quebra pelo constituinte originário da tradição até então existente, pois adotou-se uma rede regionalizada e hierarquizada, com base no critério da subsidiariedade, tendo como finalidade a melhor concretização desse direito social (MENDES; BRANCO, 2018).

Pelo SUS ter esse caráter regionalizado, “a competência para cuidar da saúde foi definida como comum dos entes da Federação”. O art. 23, II, da Constituição Federal prevê que os entes da Federação (União, Estados Membros, Distrito Federal e Municípios) são responsáveis solidariamente pela prestação dos serviços de saúde junto ao indivíduo e à coletividade.

Para que a prestação deste serviço seja efetiva, como bem pontuado por Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco, “a forma de seu financiamento passa a ser questão vital, especialmente aos Municípios (2018, p. 720). Portanto, é vital para a efetiva prestação destes serviços a forma de seu financiamento.

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3. A RESPONSABILIDADE DO ESTADO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE SAÚDE

3.1. Responsabilidade por omissão

Assim como a ação, a omissão também pode gerar prejuízos na vida dos indivíduos. Cabe ao direito, portanto, apontar em quais casos o Poder Público deve assumir os riscos que essa omissão pode causar. Por outro lado, também incumbe delinear quando os particulares serão obrigados a suportar os prejuízos.

A norma constitucional que prevê a responsabilidade civil do Estado e de seus agentes pelos danos causados a terceiros adota de maneira simultânea a teoria objetiva e subjetiva. A teoria subjetiva, no entanto, encontra-se ligada ao direito de regresso que a Administração possui contra o agente público causador do dano.

Não existe, portanto, tratamento diverso entre as condutas omissivas e comissivas pela Constituição. O art. 37, § 6º, da Constituição Federal traz uma previsão sobre todos os casos que geram danos, não há um duplo tratamento para as condutas, que as trate de forma apartada. A responsabilidade objetiva, em regra, prevalece, de forma que impõe ao Estado a obrigação de indenizar os danos que causar sem que seja necessário a comprovação de dolo ou culpa.  

Há quem defenda, entretanto, que o constituinte, ao se utilizar do verbo “causar”, que denota uma ação, implica apenas a uma conduta comissiva (ZOCKUN, 2006). Contudo, não parece ser a melhor ideia. Diariamente as pessoas acabam se deparando com eventos danosos ocasionados devido a uma não ação do Estado, um “não fazer”, que dá ensejo a uma responsabilidade estatal por omissão. De acordo com o entendimento de Odete Medauar, “reina certa nebulosidade na doutrina e jurisprudência pátrias quanto à responsabilidade por omissão” (2018, p. 367).

Sem dúvidas, a aplicação da teoria objeta é mais benéfica aos administrados. Entretanto, uma parcela da doutrina, capitaneada por Celso Antônio Bandeira de Mello, defende a aplicação da teoria subjetiva aos casos em que se discute a omissão do Poder Público, com base na culpa anônima ou falta do serviço. Na mesma linha de raciocínio de Celso Antônio Bandeira de Mello, configura-se o pensamento de José dos Santos Carvalho Filho:

[...] a responsabilidade civil do Estado, no caso de conduta omissiva, só se desenhará quando presentes estiverem os elementos que caracterizem a culpa. A culpa origina-se, na espécie, do descumprimento do dever legal, atribuído ao Poder Público, de impedir a consumação do dano. Resulta, por conseguinte, que, nas omissões estatais, a teoria da responsabilidade objetiva não tem perfeita aplicabilidade, como ocorre nas condutas comissivas. (apud CARVALHO FILHO, 2018, p. 611).

Para Celso Antônio Bandeira de Mello (2019), o entendimento é claro no sentido de que deve ser aplicada a teoria subjetiva. Ele afirma que: “quando o dano for possível em decorrência de uma omissão do Estado [...] é de se aplicar a teoria da responsabilidade subjetiva”. Assim, só faz sentido responsabilizar o Estado “se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar ao evento lesivo” (MELLO, 2019, p. 1072).

Para sustentar sua ideia, Celso Antônio Bandeira de Mello ainda acrescenta:

[...] a responsabilidade estatal por ato omissivo é sempre responsabilidade por comportamento ilícito. E, sendo responsabilidade por ilícito, é necessariamente responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado (embora do particular possa haver) que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia (culpa), ou, então, deliberado propósito de violar a norma que o constituía em dada obrigação (dolo). Culpa e dolo são justamente as modalidades de responsabilidade subjetiva. (2019, p. 1072).

Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2019), também filiada a essa teoria, os danos causados pelo Estado em razão de sua omissão não são aqueles causados por agentes públicos. Segundo a autora, os danos decorrentes de omissão são causados por fatos da natureza ou fatos de terceiros. Mas que poderiam ser evitados ou diminuídos se o Estado, compelido a agir, não tivesse permanecido inerte.

Esse modelo de imputação da responsabilidade subjetiva ao Estado, segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, ainda deve ser apurado com base na estrutura disponível no meio social. Segundo o autor, “a normalidade da eficiência há de ser apurada em função do meio social, do estádio de desenvolvimento tecnológico, cultural, econômico e da conjuntura da época” (MELLO, 2019, p. 1073), ou seja, que deve ser observado quais seriam as “possibilidades reais médias dentro do ambiente em que se produziu o fato danoso” (MELLO, 2019, p. 1073).

Diante isso, significa dizer que para que fosse possível caracterizar uma falha da Administração, seria necessário um cotejo entre o dispositivo que ordenou a intervenção do Poder Público e a situação fática encontrada na sociedade, para que fosse possível definir qual seria a conduta disponível que o Estado deveria ter tomado e, a partir do resultado, definir se houve por parte da Administração uma conduta censurável ou não.

Assemelha-se a esse pensamento a ideia da reserva do possível. O princípio da reserva do possível encontra-se pautado no princípio da razoabilidade. Ou seja, apenas pode se exigir do Estado o que seria razoável para impedir o dano. Não se pode exigir da Administração uma conduta que não seja possível ser realizada, ou seja, que o Estado não dispunha de meios para realizar. Essa possibilidade de indenização, todavia, além de ter que ser verificado o dever legal de agir do Estado, também deve ser observada a possibilidade material para tanto, o que só pode ser determinado caso a caso (DI PIETRO, 2019). 

Ademais, impende transcrever o exemplo trazido por Celso Antônio Bandeira de Mello a respeito dessa possibilidade do Estado de agir para evitar o dano:

[...] se o Poder Público licencia edificações de determinada altura, não poderá deixar de ter, no serviço de combate a incêndio e resgate de sinistrados, meios de acesso compatíveis para enfrentar eventual sinistro. Se o Poder Público despoja os internos em certo presídio de quaisquer recursos que lhes permitam atentar contra a própria vida, não pode eximir-se de responsabilidade em relação ao suicídio de algum ou alguns detentos a respeito dos quais omitiu-se na adoção de igual cautela. (2019, p. 1073).

Segundo o entendimento apresentado, parece razoável que o Estado seja obrigado a indenizar objetivamente pelos danos que causou. Para os danos que o Estado não causou, ou oriundos de sua omissão, a obrigação só pode ser imposta se o Estado estava de direito obrigado a impedi-los (MELLO, 2019). Assim afirma Celso Antônio Bandeira de Mello (2019, p. 1075) quanto a aplicação da responsabilidade subjetiva ao Estado nos casos de omissão:

A responsabilidade estatal repontará apenas, consoante reiteradamente vimos afirmando, se o Estado não agiu para impedir o dano, embora estivesse juridicamente obrigado a obstá-lo, ou se, tendo agido, atuou insuficientemente, portanto, abaixo dos padrões a que estava, de direito, compelido.

Celso Antônio Bandeira de Mello ainda traz o pensamento de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, que serviu de norte para o desenvolvimento de seu raciocínio, segundo o qual defende que: “a responsabilidade do Estado é objetiva no caso de comportamento danoso comissivo e subjetiva no caso de comportamento comissivo” (apud MELLO, 2019, p. 1076).

Nesta tenda, tem-se, outrossim, o pensamento de José dos Santos Carvalho Filho, que reconhece que a responsabilidade do Estado está pautada, em regra, na teoria objetiva, justificando que nas hipóteses em que o Estado responde por omissão, “não se está dizendo que incide a responsabilidade subjetiva, mas apenas que se trata da responsabilização comum, ou seja, aquela fundada na culpa, não se admitindo então a responsabilização sem culpa” (2018, p. 611). Para este autor, “a responsabilidade objetiva é um plus em relação à responsabilidade subjetiva e não deixa de subsistir em razão desta” (CARVALHO FILHO, 2018, p. 611). Para Carvalho Filho (2018), todos no ordenamento jurídico se sujeitam à responsabilidade subjetiva. 

José dos Santos Carvalho Filho explica que sempre deve estar presente o fato administrativo, o dano e o nexo causal. A única distinção é que, “nas condutas omissivas, se exigirá, além do fato administrativo em si, que seja ele calcado na culpa” (2018, p. 612).

Há, ainda, uma segunda corrente, defendia por Sergio Cavalieri Filho, que entende que a responsabilidade por omissão nem sempre será subjetiva. Cavalieri Filho traz, ainda, o pensamento do jurista Guilherme Couto de Castro, que merece ser destacado:

[...] não ser correto dizer, sempre, que toda hipótese de dano proveniente de omissão estatal será encarada, inevitavelmente, pelo ângulo subjetivo. Assim o será quando se tratar de omissão genérica. Não quando houver omissão específica, pois aí há dever individualizado de agir (apud CAVALIERI FILHO, 2009, p. 261).

Se faz necessário distinguir a responsabilidade por omissão genérica e específica. Cavalieri Filho traz essa distinção:

Haverá omissão específica quando o Estado, por omissão sua, crie a situação propícia para a ocorrência do evento em situação em que tinha o dever de agir para impedi-lo. Assim, por exemplo, se o motorista embriagado atropela e mata pedestre que estava na beira da estrada, a Administração (entidade de trânsito) não poderá ser responsabilizada pelo fato de estar esse motorista ao volante sem condições. Isso seria responsabilizar a Administração por omissão genérica. Mas se esse motorista, momentos antes, passou por uma patrulha rodoviária, teve o veículo parado, mas os policiais, por alguma razão, deixaram-no prosseguir viagem, aí já haverá omissão específica que se erige em causa adequada do não-impedimento do resultado. Nesse segundo caso haverá responsabilidade objetiva do Estado. (2009, p. 261).

Sob esse prisma, conclui-se que nas situações em que o Estado se encontrar na condição de garante, tendo o dever de agir ou impedir a ocorrência do evento danoso mas permanecer inerte, gerando, consequentemente, uma lesão a outrem, configura-se omissão específica e a responsabilidade aplicada será baseada na teoria objetiva. Por outro lado, se o dano for ocasionado por uma situação que a Administração não poderia ter evitado, em que sua ociosidade não represente uma causa direta para a ocorrência do dano, trata-se de uma omissão genérica e a responsabilidade será subjetiva, devendo a vítima comprovar que houve uma falta do serviço (culpa anônima) que concorreu para a ocorrência do dano (MARCHESI, 2017).

Como clássico exemplo de responsabilidade do Estado por uma omissão específica voltada para a área de prestação de serviços de saúde, temos os casos de pacientes que, ao internarem em hospitais públicos, não são realizados os exames ou tratamentos determinados pelo médico, vindo o paciente a piorar ou falecer devido a este “não fazer”, ou seja, essa falta do serviço (MARCHESI, 2017).

Em análise dos julgados do Supremo Tribunal Federal, verifica-se que a Suprema Corte adotou a segunda corrente apresentada, aplicando a responsabilidade objetiva nos casos em que a Administração tem a obrigação específica de agir e a sua omissão cria uma situação favorável para que ocorra um evento danoso. Neste caso, trata-se de omissão específica.

Nesse sentido, cumpre ressaltar trecho do voto condutor do RE 841.526/RS (BRASIL, 2016):

Diante de tal indefinição, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal vem se orientando no sentido de que a responsabilidade civil do Estado por omissão também está fundamentada no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, ou seja, configurado o nexo de causalidade entre o dano sofrido pelo particular e a omissão do Poder Público em impedir a sua ocorrência - quando tinha a obrigação legal e específica de fazê-lo - surge a obrigação de indenizar, independentemente de prova da culpa na conduta administrativa. [...] Deveras, é fundamental ressaltar que, não obstante o Estado responda de forma objetiva também pelas suas omissões, o nexo de causalidade entre essas omissões e os danos sofridos pelos particulares só restará caracterizado quando o Poder Público ostentar o dever legal específico de agir para impedir o evento danoso, não se desincumbindo dessa obrigação legal. Entendimento em sentido contrário significaria a adoção da teoria do risco integral, repudiada pela Constituição Federal, como já mencionado acima.

Não significa afirmar, entretanto, que o STF aplique a responsabilidade objetiva a qualquer dano advindo da omissão do Poder Público. Pelo contrário. Nos casos em que a omissão é baseada em um dever genérico do Estado de agir e o serviço não funciona, funciona mal ou funciona tardiamente, a Suprema Corte entende pela aplicação da teoria subjetiva, tratando-se da chamada omissão genérica (MARCHESI, 2017).

O que sucede, todavia, é que nem sempre, nas ementas dos julgados, consta a distinção entre o tipo de omissão, se ela é genérica ou específica, o que leva a entender uma oscilação jurisprudencial pelo Supremo Tribunal Federal, ou, ademais, uma aplicação integral da responsabilidade baseada na teoria objetiva aos casos de omissão estatal (MARCHESI, 2017).

Diante do exposto, verifica-se que pela Suprema Corte admite-se a aplicação da teoria subjetiva ao Estado nos casos de danos decorrentes de uma omissão estatal genérica, onde o Estado mesmo tendo o dever de agir, não poderia prever o resultado específico ou sua ociosidade não tenha sido uma causa direta para o evento danoso, de forma que se faz necessário a comprovação de culpa. Portanto, seja pela omissão específica ou pela omissão genérica, o fato é que o Poder Público será instado a responder pelos danos provenientes de sua inação.

Daniel Wunder Hachem e Emerson Gabardo (2010) apresentam uma outra perspectiva para a problemática doutrinária apresentada. Para ambos, a aversão de boa parte da doutrina em defender que a responsabilidade objetiva seja aplicada nos casos de omissão, mesmo nos casos de omissão específica, decorre, provavelmente, da adoção da teoria do risco. Hachem e Gabardo defendem a uniformização do instituto da responsabilidade do Estado para que seja aplicada a teoria objetiva.

Hachem e Gabardo (2010) entendem que a eliminação da distinção é uma medida que deve ser imposta para que se possa recepcionar um entendimento baseado no princípio da eficiência administrativa. No entanto, importante frisar que a ineficiência de uma conduta estatal pode ser encontrada tanto dentro de uma conduta omissiva quanto comissiva.

Necessário se faz, portanto, uma análise mais acentuada acerca do princípio da eficiência administrativa.

3.2. Princípio da eficiência e a responsabilidade do Estado

O princípio da eficiência administrativa encontra-se elencado expressamente no art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988. O texto constitucional anteriormente possuía apenas quatro princípios expressos da Administração Pública: legalidade, impessoalidade, publicidade e moralidade. O princípio da eficiência foi inserido por meio da Emenda Constitucional n. 19 de 1998. No entanto, antes mesmo de sua inserção no dispositivo constitucional, o princípio da eficiência já era admitido como um princípio intrínseco no sistema constitucional (GABARDO, 2017). 

A inovação trazida ao dispositivo constitucional tinha como ideia revestir a Administração Pública de uma maior agilidade. Parte da doutrina administrativa brasileira recebeu com desconfiança a inclusão do princípio da eficiência, pautada em uma posição crítica quanto ao pensamento neoliberal presente na reforma administrativa. Entretanto, "a ideologia que possa tê-lo colocado na pauta política do Congresso Nacional não é relevante para sua compreensão jurídica dogmática" (GABARDO, 2017). O princípio da eficiência deve ser entendido com base em um "contexto sistemático de constitucionalismo de Estado social, que recusa a hierarquia entre princípios e que não aceita dispositivos constitucionais sem força normativa direta".

Paulatinamente, a eficiência passou a ser aplicada pelo Poder Judiciário e tratada pelos doutrinadores. Apesar de tratar-se de um princípio com menos maturidade científica que os demais, e diante de suas dificuldades de aplicação na prática, hoje ele vem sendo compreendido juridicamente de forma igualitária com os demais princípios da Administração Pública (GABARDO, 2017).

Embora não seja de fácil compreensão a concepção do princípio da eficiência no ordenamento jurídico, a imputação atual mais recorrente se atenta em impor ao Estado a adotar a melhor opção diante dos meios disponíveis para obtenção do fim almejado (MELLO, 2019).

Os reflexos gerados pela interpretação e adoção deste princípio refletem de forma significativa na gestão pública. Pelos ditames traçados pelo princípio da eficiência, extraem-se comandos que servem para classificar como eficiente ou ineficiente uma atuação do Estado. Primeiro, é imposto um dever de agir ao Estado, empregando-se dos meios impostos à sua disposição, para que se atinja, ao final, o interesse público da forma mais adequada possível. Dessa forma, se o Estado permanecer inerte frente a uma norma que estabelecia sua atuação, configura-se desde já, uma contrariedade ao dispositivo constitucional (GABARDO; HACHEM, 2010).

Gabardo e Hachem (2010) entendem, ainda, que para que a conduta estatal seja considerada eficiente, devem ser cumpridos alguns requisitos:

Contudo, o exercício eficiente da função administrativa exige mais do que a simples ação do Estado: é necessário que a Administração aja de forma célere, ágil, econômica e produtiva. De nada adianta os agentes e órgãos públicos cumprirem as suas funções se o exercício de tais competências der-se de forma morosa, insatisfatória, perdulária e malsucedida. A atividade administrativa deve cumprir os seguintes deveres: (i) celeridade – cumprimento das atribuições dentro de prazo razoável, ainda que não assinalado pela lei, sem dilações indevidas, sob pena de se perder o objeto do ato ou procedimento administrativo em questão, ou mesmo de acarretar prejuízos aos destinatários da atividade por conta da demora; (ii) presteza – atuação ágil, de forma simples e objetiva, desprendida de formalidades exacerbadas e conducentes ao entrave da atividade administrativa, sem significar, é claro, desrespeito ao trâmite burocrático legalmente previsto como garantia de previsibilidade ao cidadão; (iii) economicidade – utilização otimizada dos meios e recursos que estiverem à disposição da Administração para o atingimento de seus misteres, sem desperdícios com gastos voluptuosos e despiciendos. Não significa necessariamente minimização do gasto, mas sim a sua otimização, com o objetivo de alcançar os maiores benefícios e utilidades com o menor dispêndio possível; (iv) produtividade: atuação voltada à produção de resultados efetivos, correspondentes com as finalidades predispostas na lei. Se o ordenamento estabelece um dever de agir voltado ao alcance de determinado objetivo, o cumprimento da obrigação deve produzir o resultado pretendido pela norma.

Portanto, para Gabardo e Hachem, é indispensável que o Poder Público atue de forma célere, ágil, econômica e produtiva para que se realize uma prestação eficiente de seus serviços.

Gabardo e Hachem (2010) ainda trazem uma definição do que se deduz que seja um serviço ineficiente:

[...] deduz-se que será ineficiente o comportamento administrativo: (i) omisso, por descumprir um dever de agir estatuído para a Administração Pública; (ii) moroso, por desrespeitar o dever de celeridade; (iii) exacerbadamente formalista, por obstaculizar uma atuação agil e fluída, marcada pela simplicidade e objetividade; (iv) perdulário, por ignorar o dever de otimização dos recursos para o alcance dos melhores resultados; (v) improdutivo, por violar o dever de realização dos objetivos previstos pela lei para o atingimento efetivo do interesse público.

O descumprimento de qualquer um dos deveres elencados ou a configuração de qualquer uma das hipóteses de não eficiência do serviço, faz com que nasça a obrigação do Estado de indenizar os danos causados aos particulares, desde que presentes, obviamente, os demais requisitos que configuram a responsabilidade, quais sejam, dano e nexo de causalidade (GABARDO; HACHEM, 2010).

Destarte, o Estado deve ser instado a responder pelos prejuízos causados aos seus administrados diante de sua omissão ou, mesmo quando tenha agido, agiu de forma demorada, excessivamente formalista, desperdiçadora ou improdutiva. Repisa-se, portanto, que o princípio da eficiência está imposto a uma atuação do Estado seja na forma de uma conduta comissiva, seja na forma de uma conduta omissiva, quando este se mantém inativo.

Os danos provenientes das condutas do Estado geralmente são fruto de uma conduta ineficiente. Observa-se que muitas vezes os danos são causados devido a uma inatividade e ineficiência do Poder Público, seja quando este não possui os recursos ou verbas satisfatórias para a prestação do serviço, seja quando contrata profissional não qualificado que não desempenha as suas funções, implicando na ocorrência de um resultado impróprio.

3.3. Responsabilidade pela falha na prestação de serviços

É um direito do cidadão que lhe seja prestado um serviço público de qualidade, em qualquer área. O direito do cidadão à prestação de serviços pelo Estado encontra-se pautado na Constituição Federal de 1988. Em contrapartida, constitui um dever do Poder Público prestar determinados serviços (GROTTI, 2000). O direito à saúde encontra-se previsto no art. 196 da Carta Magna que determina que se trata de um direito de todos e um dever do Estado. Dessa forma, o acesso aos cidadãos aos serviços públicos de saúde é uma obrigação constitucional imposta ao governo em suas todas suas esferas: municipal, estadual ou federal.

Diante desse dever imposto, a Administração não possui liberdade para suavizar as obrigações impostas pela Constituição aos entes federativas em relação aos serviços que devem ser prestados à população (ZANCANER, 2006).

Para que o Estado preste tais serviços, devem ser seguidos os parâmetros impostos pelos princípios que norteiam a Administração Pública. Assim, para que se atinja uma prestação digna, ágil e adequada dos serviços públicos de saúde, devem ser observados os princípios da Administração Pública, mormente o princípio da eficiência administrativa.

A saúde é um caso de grande repercussão. A sociedade está sempre em contato com notícias transmitidas pelos meios de comunicação acerca da ausência de médicos, hospitais e recursos necessários que atendam à população, o que resulta em uma impressão de má prestação e falta de qualidade dos serviços. Mesmo o direito à saúde sendo garantido constitucionalmente, as pessoas se deparam com uma ineficiência em sua prestação.

Não são incomuns as falhas nas prestações de serviços, associadas a ausência de recursos adequados ou à atuação de profissionais sem a devida competência. Os danos que decorrem dessa má prestação merecem um cuidado do ordenamento jurídico para que os particulares prejudicados possam ser adequadamente indenizados.

A mera abstenção do Estado, como cediço, já denota em sua responsabilização. O Estado, ao possuir o dever de prestar tal serviço, atraindo para si a responsabilidade pela prestação, encarrega-se de retorná-la aos seus administrados da melhor forma possível (ZANCANER, 2006). Não retornando da melhor forma, causando prejuízo ao particular, a este nasce o direito de pleitear a indenização pelo dano que foi obrigado a suportar (MELLO, 2019). Desta forma, conclui-se que, comprovando a ineficiência do serviço, ou seja, uma falha em sua prestação, o particular detém o direito de postular uma indenização, se presentes os demais requisitos que ensejam a responsabilidade extracontratual do Estado.

Um exemplo que pode ser trazido de falha na prestação do serviço de saúde consiste no caso de uma jovem de 27 (vinte e sete) anos que foi atropelada e obteve cuidados médicos somente quinze dias após ocorrido o acidente, o que acabou resultando em seu falecimento (JOVEM..., 2015).

Assim, como demonstrado nos casos de omissão, nos casos de ineficiência e falha na prestação do serviço, o Estado também deverá ser compelido a indenizar os particulares.

Além dos danos ocasionados por uma falha do serviço como um todo, os quais devem ser analisados de acordo com as hipóteses associadas ao princípio da eficiência, outro dano que surge dentro da má prestação do serviço público é o caso do erro médico, que será mais bem analisado a seguir. No erro médico, o prejuízo causado é resultado de um erro procedimental ocasionado pelo médico, o qual o paciente teve que suportar.

3.4. Erro médico

A medicina é uma das profissões mais antigas que existem, portanto, a incidência de erro em sua atuação também é antiga. Na Antiguidade e Idade Média os médicos que cometiam erros na execução de suas atividades já recebiam algumas punições. Na Roma antiga, uma das penalidades que era aplicada aos médicos consistia no abandono de pacientes. O médico era obrigado a reparar o erro que cometia, formando-se, assim, uma ideia de responsabilidade civil decorrente de erro médico (MENDONÇA; CUSTÓDIO, 2015).

No entanto, mesmo que já existisse, historicamente, imputação de penalidades que visavam responsabilizar o médico pelas falhas cometidas, para a população, por muito tempo, a medicina foi vista como uma profissão hierarquicamente superior às demais. Todavia, essa situação vem sendo modificada e o médico vem sendo equiparado a um prestador de serviços como qualquer outro, considerando uma perspectiva voltada ao direito de consumo (AGUIAR JÚNIOR, 1995), que será analisado logo a seguir.

O conceito de erro médico para Gomes, Drumon e França (2002, p. 27), pode ser compreendido como "a conduta profissional inadequada que supõe uma inobservância técnica, capaz de produzir dano à vida ou agravo à saúde de outrem, mediante imperícia, imprudência ou negligência”. Giostri, por sua vez, conceitua erro médico como "uma falha no exercício da profissão, do que advém um mau resultado ou um resultado adverso, efetivando-se através da ação ou da omissão do profissional" (2004, p. 136).

Na lição de Regina Beatriz Tavares da Silva, a palavra "erro" não é a melhor expressão que pode ser utilizada. Segundo a autora, “erro, na órbita jurídica, é vício existente na manifestação de vontade, que anula um negócio jurídico, nos termos dos arts. 138 a 144 do Código Civil” (2009). Silva esclarece que o significado da expressão erro médico é a "atuação negligente, imperita ou imprudente" do profissional, portanto, trata-se de uma culpa em sentido estrito (2009).

No âmbito do direito do consumidor, a responsabilidade aplicada entre o prestador de serviços e o cliente é baseada na teoria objetiva. Assim, de acordo com o CDC/90, a responsabilidade atribuída ao médico deveria ser aquela baseada na teoria objetiva, sem necessidade da comprovação de dolo ou culpa.

Entretanto, quando se fala na relação de médico e paciente, não se trata apenas de uma relação que objetiva um fim, como é a característica da relação de consumo. A relação entre médico e paciente é uma relação de meio. Dessa forma, não parece correto atribuir ao médico uma responsabilidade objetiva.

Diante da colocação de que a obrigação do médico é uma obrigação de meio e não uma obrigação de resultado, não lhe pode ser atribuída responsabilidade objetiva se este empregou todo o cuidado e diligência necessários no atendimento ao paciente, embora não tenha alcançado o resultado satisfatório final.

Para que se configure o erro médico, se faz necessário que fique demonstrado que o médico não utilizou os melhores procedimentos e técnicas conhecidas, dos quais deveria ter se utilizado no desempenho do seu serviço, resultando na má prestação do serviço público de saúde.

A obrigação do médico, o que muitas vezes pode não ser compreendido pela sociedade, não é apenas obter a cura do paciente, mas sim prestar o serviço mais adequado e possível perante a enfermidade enfrentada. Muitas vezes, infelizmente, por mais que o médico utilize os melhores meios de tratamento e técnicas disponíveis, o paciente venha a falecer ou tenha piora em seu quadro clínico.

Destarte, para que ocorra a responsabilização por erro médico, se faz necessário que fique demonstrada a má e ineficiente prestação do serviço, cumulada com a comprovação de dolo ou culpa na conduta do profissional e o nexo de causalidade.

4. CONCLUSÃO

Extrai-se, portanto, quando à responsabilidade do Estado nos casos em que ocorreu uma omissão do Poder Público, não obstante por meio do disposto no art. 37 da Constituição Federal a responasbilidade ser objetiva, existem fortes correntes doutrinárias que defendem a aplicação da teoria subjetiva a esta hipótese. Alguns autores entendem que a responsabilidade objetiva deve ser aplicada apenas quando houver uma conduta comissiva do agente estatal.

Contudo, a Constituição Federal, em seu art. 37, § 6º, não faz essa distinção quanto as teorias da responsabilidade civil. Em análise dos julgados do Supremo Tribunal Federal, verifica-se que a Suprema Corte aplica a responsabilidade objetiva nos casos em que a Administração tem a obrigação específica de agir e a sua omissão cria uma situação propícia para que corra um evento lesivo.  

Ademais, depreende-se que a responsabilidade pela falha na prestação dos serviços públicos de saúde possui forte ligação com o princípio da eficiência administrativa. O Poder Público, ao oferecer os serviços de saúde, deve seguir os parâmetros impostos pelos princípios que norteiam a Administração Pública, principalmente o princípio da eficiência. Assim, para que se alcance uma prestação digna, ágil e adequada dos serviços de saúde, deve se observar os requisitos impostos ao cumprimento do princípio da eficiência.

A saúde é um caso de grande repercussão na sociedade. A população diariamente está em contato com reportagens transmitidas através dos meios de comunicação que noticiam os problemas enfrentados pelos hospitais públicos, o que denota uma falha na prestação dos serviços de saúde em geral. Todavia, o presente estudo verifica que, da mesma forma apontada para os casos de omissão, o Poder Público também será compelido a indenizar os particulares nos casos de falha na prestação do serviço, como é o caso de erro médico, isso se comprovado que o médico não empregou todo o cuidado e diligência necessários no tratamento do paciente, resultando na má e ineficiente prestação do serviço, somado com a comprovação dos requisitos ensejadores da responsabilidade subjetiva (dano, nexo de causalidade e dolo ou culpa).

Não obstante, frisa-se que a obrigação do médico não é apenas obter a cura do paciente, mas sim prestar o serviço mais adequado ao quadro clínico apresentado. Se ficar comprovado que embora o médico tenha empregado no tratamento do paciente os melhores procedimentos e técnicas conhecidas, o paciente venha a falecer ou tenha piora em seu quadro clínico, não pode ser atribuído ao Estado responsabilidade de indenizar o indivíduo.

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Sobre a autora
Mariana Freitas dos Santos

Bacharel em Direito pela Instituição Toledo de Ensino - ITE (2016 - 2020).

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