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Cultura Artur Xexéo

'Parasita', o queridinho da temporada

É impossível não perguntar: ué, mas não foi a Coreia que apostou na educação, chegando assim ao desenvolvimento?

“Parasita” é um filme de esquerda. Este pode ser um alerta conveniente nestes tempos em que as pessoas enchem a boca para dizer que são “de direita”. Não que a posição ideológica modifique a avaliação da plateia sobre o filme. Afinal, o que significa ser de direita ou de esquerda hoje em dia? Certamente não tem nada a ver com a época em que esses termos foram criados. Esquerdistas de agora pouco têm a ver com os jacobinos — ou progressistas — que ocupavam o lado esquerdo da Assembleia Nacional Constituinte da França durante o processo de revolução na virada do século XVIII para o XIX. Assim como a direita de hoje pouco se identifica com os girondinos — ou conservadores — que ocupavam o lado direito. Mas não custa nada avisar: “Parasita” é um filme de esquerda.

Talvez o público de direita não se dê conta disso (pensando bem, talvez o público de esquerda também não) e apenas se envolva com a maestria do diretor Bong Joon-Ho, o cineasta coreano que, com este filme, conquistou a primeira Palma de Ouro do Festival de Cannes para seu país. É bem capaz de o público encarar o filme apenas como uma comédia de costumes, o que ele realmente é, e das mais divertidas. Bem, é uma comédia até se transformar num filme de suspense, e daqueles que deixam a gente na ponta da poltrona. E fica assim até virar um filme-catástrofe. E, depois, um filme de terror. “Parasita”, como muitos filmes contemporâneos, não se fixa num só gênero. O moderno é ser multigênero, e não vai aí nenhuma referência à ideologia de gênero, o que poderia afastar o público de direita.

Simplificando, “Parasita” é um filme sobre luta de classes, assim como o era outro grande trabalho de Bong Joon-Ho, “Expresso do amanhã”. E não é difícil perceber para que classe o cineasta está torcendo. Para mim, o que mais chamou a atenção no filme foi o fato de a Coreia do Sul ser mostrada muito distante da sociedade perfeita vendida pela propaganda. Ao ver gente morando em favelas de Seul tão esquecidas pelas autoridades quanto as daqui, ao ver a população sofrendo com uma enchente do mesmo jeito que acontece aqui, ao ver o desemprego como uma condição aparentemente agregada à sociedade, ao ver ricos muito ricos explorando pobres muito pobres, é impossível não perguntar: ué, mas não foi a Coreia que apostou na educação, chegando assim ao desenvolvimento? Bong Joo-Ho acha que não. E insinua que o problema não é deste ou daquele país, mas do capitalismo. Não disse que era um filme de esquerda?

Espero que este resumo artificial não afaste plateias de direita (nem de esquerda). “Parasita” é um bom filme. Não é a obra-prima que andam anunciando. E isso só pode estar acontecendo porque, na comparação com o que tem sido filmado ultimamente, ele realmente se destaca. Não ganhou por acaso a Palma de Ouro com o voto de todos os jurados. Nem está chegando aos cinemas americanos como favorito absoluto para ganhar o Oscar de melhor filme estrangeiro, na categoria que agora é chamada de melhor filme internacional. Está cotado até mesmo para receber indicações de melhor filme e melhor diretor. “Parasita” é o queridinho da temporada.