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Análise: vitória de 'Fleabag' no Emmy consagra comédia sob a perspectiva feminina

Phoebe Waller-Bridge prova que humor feito por mulheres também pode ser corrosivo
Phoebe Waller-Bridge recebe o Emmy de melhor atriz em série de comédia por 'Fleabag' Foto: FREDERIC J. BROWN / AFP
Phoebe Waller-Bridge recebe o Emmy de melhor atriz em série de comédia por 'Fleabag' Foto: FREDERIC J. BROWN / AFP

RIO - “Bem, isso está começando a ficar ridículo”, brincou Phoebe Waller-Bridge ao subir pela segunda vez ao palco para receber mais um Emmy. Atriz e roteirista, a britânica de 34 anos foi a grande vitoriosa da 71ª edição da cerimônia que celebra o melhor da televisão americana, realizada no domingo no Microsoft Theater, em Los Angeles. Pela segunda temporada de “Fleabag” , uma coprodução da Amazon com a BBC que acompanha, de forma confessional, a vida peculiar de uma jovem londrina, Waller-Bridge conquistou os prêmios de melhor roteiro e melhor atriz de comédia, e ainda viu seu diretor, Harry Bradbeer, levar outra estatueta para casa.

Como se não bastasse, em uma surpresa no final da noite, outra série criada por Waller-Bridge, “Killing Eve” (exibida no Brasil pelo Globoplay) ganhou o prêmio de melhor atriz em série dramática — Jodie Colmer, britânica de 26 anos, superou sua própria colega na série, Sandra Oh, e pesos-pesados como Viola Davis e Robin Wright. Embora seja um thriller de espionagem, a série baseada nos romances de Luke Jennings carrega o mesmo humor corrosivo sobre a perspectiva feminina de “Fleabag”, que parece ter agradado tanto aos jurados do Emmy.

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De forma geral, a comédia feita por mulheres dominou a noite — “A maravilhosa sra. Maisel”, que vencera o prêmio de melhor comédia em sua primeira temporada, também foi lembrada com as vitórias dos coadjuvantes Alex Borstein e Tony Shalhoub. E embora Waller-Bridge tenha desbancado um prêmio que parecia certo para Julia Louis-Dreyfus , vencedora seis vezes consecutivas na categoria por “Veep” , sua personagem, a egóica presidente americana Selina Meyer, foi lembrada com uma brincadeira no palco.

Na vitória de seu segundo Emmy como a agente de talentos Susie Myerson, Borstein lembrou da mãe e da avó, ambas sobreviventes do Holocausto.

“Minha avó estava na fila para ser morta. Ela perguntou a um guarda o que aconteceria se ela saísse da linha e ele respondeu que não teria coragem de matá-la, mas alguém teria. Ninguém teve e é por isso que eu e meus filhos estamos aqui. Então saiam da linha, moças! Saiam da linha”, convocou a atriz.

Alex Borstein posa com seu Emmy de melhor atriz coadjuvante em série dramática Foto: Monica Almeida / REUTERS
Alex Borstein posa com seu Emmy de melhor atriz coadjuvante em série dramática Foto: Monica Almeida / REUTERS

O discurso de Borstein encontrou eco com o de Michelle Williams, consagrada por seu desempenho na minissérie “Fosse/Verdon” , da FX. Após contar a história da atriz e dançarina da Broadway Gwen Verdon, ofuscada pelo trabalho do marido, o coreógrafo Bob Fosse, a atriz discursou pela equidade salarial para mulheres negras. Já Patricia Arquette, premiada por “The act” (minissérie da Hulu inédita no Brasil), aproveitou o espaço para pedir que empregadores contratem pessoas trans.

Embora em tons mais conciliatórios do que em outras premiações recentes, a política e as lutas das minorias continuaram a pautar a festa hollywoodiana. Um dos astros de “Pose” , série da FX que retrata a contracultura dos bailes de drag queen na Nova York dos anos 80, Billy Porter fez história ao ser o primeiro homem assumidamente gay a vencer o Emmy de melhor ator em série dramática.

“Eu estou tão emocionado e feliz de ter vivido o suficiente para ver este dia”, comemorou o ator de 50 anos, que citou o escritor americano James Baldwin em seu discurso.

Outro momento de comoção foi a vitória de Jharrel Jerome, por sua atuação na minissérie da Netflix “Olhos que condenam” . Aos 21 anos, Jerome superou nomes consagrados, como Mahershala Ali e Sam Rockwell, por sua interpretação de Korey Wise, um dos cinco adolescentes negros e latinos condenados injustamente por um estupro em 1989 — e que, na época, motivaram uma campanha do hoje presidente americano Donald Trump pela pena de morte. Convidados pela diretora da série, Ava DuVerney, Wise, Antron McCray, Raymond Santana, Kevin Richardson, e Yusef Salaam, hoje homens na faixa dos quarenta, puderam aplaudir Jerome direto do Microsoft Theater.

Raymond Santana, Antron McCray, Kevin Richardson, Ava DuVerney, Korey Wise e Yusef Salaam chegam juntos para a 71ª edição do Emmy Awards Foto: VALERIE MACON / AFP
Raymond Santana, Antron McCray, Kevin Richardson, Ava DuVerney, Korey Wise e Yusef Salaam chegam juntos para a 71ª edição do Emmy Awards Foto: VALERIE MACON / AFP

No momento final da noite, “Game of thrones” comprovou o favoritismo e levou o prêmio de melhor série dramática. Com um número recorde de indicações — 32 no total — a série levou apenas dois prêmios, com Peter Dinklage recebendo seu quarto Emmy por sua atuação como Tyrion Lannister.

Após uma temporada duramente criticada por críticos e fãs, a vitória de “Game of thrones” foi considerada por muitos uma homenagem pelo “conjunto da obra” na despedida da série da HBO, que se tornou um dos maiores fenômenos recentes da televisão. Porém, a prática não é tão comum assim na história da premiação: enquanto “The Sopranos” e “Breaking bad” foram consagradas em suas temporadas finais (ambas encerradas com ampla aclamação da crítica), outros fenômenos recentes, como “Mad men”, “The americans”, “Downton abbey” e “Lost” deixaram seus últimos Emmys sem o grande prêmio da noite. Agora, resta saber quem irá substituir o espaço deixado após os dragões de Daenerys Targaryen levantarem voo.