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Cultura TV

'Chernobyl': criador da série, Craig Mazin explica por que quis contar a história do desastre

Drama das testemunhas, mentiras oficiais e questões éticas norteiam a produção
SC - Imagens da minissérie Chernobyl, da HBO
SC - Imagens da minissérie Chernobyl, da HBO

RIO - Cinco anos atrás, Craig Mazin foi à Ucrânia conhecer, in loco, a usina nuclear de Chernobyl. Pripyat, onde ela fica, é hoje uma cidade fantasma, evacuada desde o acidente ocorrido em 1986, que matou dezenas de pessoas, debilitou fisicamente outras tantas e contaminou o solo e o ar da antiga União Soviética e de parte da Europa. Em suas andanças pelos cenários da catástrofe, o roteirista e produtor americano chegou a conversar com moradores que testemunharam o acidente e conviveram com o pânico e as tentativas de abafar suas extensão e consequências.

Tais impressões forneceram embasamento humano às pesquisas que nortearam o roteiro de “Chernobyl”, minissérie em cinco episódios que a HBO começou a exibir sexta-feira, às 21h.

— Andar por aquelas ruas abandonadas, congeladas no tempo, foi uma experiência muito emotiva — conta o showrunner de 48 anos, por telefone. — As pessoas costumam lembrar dos momentos mais espetaculares de um desastre, mas são as pequenas coisas que mais me impressionam. Nosso guia, por exemplo, nos levou a um mercado, e apontava as prateleiras onde a mãe comprava pão e leite. Passamos pelos alojamentos dos funcionários enviados para limpar a área da usina; as botas deles ainda estavam lá. A gente percebe o quanto aquilo afetou as pessoas, o quanto foi real. Queríamos que a série fosse uma espécie de memorial para todas elas.

Dirigido pelo sueco Johan Renck (de “Breaking bad”, “Vikings” e “Motel Bates”), “Chernobyl” repassa os bastidores do acidente nuclear — o maior do século XX. Imediatamente após a explosão, o governo soviético criou uma comissão para controlar a crise, Pripyat foi evacuada, e cientistas, soldados, bombeiros e trabalhadores de toda a União Soviética foram enviados para lá em missões suicidas.

Armas contra a verdade

O Kremlin, no entanto, não poupou esforços para minimizar o alcance dos estragos. Mazin diz que relembrar Chernobyl ganha relevância hoje porque funciona como uma alerta, pois “é uma história sobre o custo, não só em termos de vidas, mas também sob os aspectos moral e ético, de ignorarmos a verdade”:

— Tendemos a pensar no caso Chernobyl como uma coisa distante, que aconteceu na União Soviética, um país fechado ao mundo. É verdade que se tratava de um regime político terrível. Também era verdade que a origem da tragédia foi um reator defeituoso. Mas as razões que os levaram fazer o que fizeram não são estranhas a nós. Somos suscetíveis à mentira e à distorção. Existe hoje uma guerra global pela verdade. E as pessoas que têm levado vantagem nela são as que estão no poder, que transformam narrativas em armas contra nós.

“Já contribuí para filmes sérios, sem levar crédito, para me aprimorar. Mas este é o primeiro projeto de drama que partiu de uma ideia minha. Confesso que é muito mais fácil do que escrever comédias. ”

Craig Mazin
Produtor de 'Chernobyl'

“Chernobyl” é contada por mais de cem personagens com falas, que gravitam em torno de três figuras centrais: Valery Legasov (Jared Harris), o físico nuclear encarregado de investigar as causas e as consequências imediatas da explosão do reator; Boris Shcherbina (Stellan Skarsgård), o vice primeiro-ministro que responde pelas fontes de energia do país mas parece desconhecer tudo ligado à nuclear; e Ulana Khomyuk (Emily Watson), cientista da Bielorússia e primeira a desconfiar de uma leitura radioativa suspeita na região de Minsk e ir investigá-la. Mazin diz que desenvolveu os três personagens com os atores em mente.

—Para fazer o Valery eu precisava de alguém brilhante, mas também desajeitado, em guerra interna entre o que deveria fazer e como agir. Jared é assim, capaz de convencer como cientista que vive um questionamento moral. O Stellan consegue exprimir a autoridade e a humanidade que eu queria para o personagem; ele entra em um lugar e é como se estivéssemos diante de um presidente. Para a Ulana eu precisava de alguém disciplinada e brilhante, Emily combina esses dois aspectos sem cair na caricatura — descreve ele, que construiu a carreira como roteirista de comédias como “Todo mundo em pânico 3 e 4”, e “Se beber não case 2 e 3”. —Já contribuí para filmes sérios, sem levar crédito, para me aprimorar. Mas este é o primeiro projeto de drama que partiu de uma ideia minha. Confesso que é muito mais fácil do que escrever comédias.