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Cultura

'Rocketman' leva para as telas de cinema um Elton John do tamanho de Elton John

Com pegada de ópera-rock, filme passa por cima da exatidão factual na missão de retratar com franqueza a ascensão, queda e redenção do astro
O ator Taron Egerton como Elton John no filme "Rocketman" Foto: David Appleby / Divulgação
O ator Taron Egerton como Elton John no filme "Rocketman" Foto: David Appleby / Divulgação

RIO - A dica, quem deu foi o próprio Elton John , em texto para o jornal inglês "Guardian": "Obviamente, nem tudo é verdadeiro, mas é a verdade." O que significa, basicamente, que preocupar-se com as discrepâncias factuais de "Rocketman" , que estreia esta quinta no Brasil, é trabalho desprovido de sentido, desnecessário mesmo.

Sim, no filme o cantor (que se tornaria um dos maiores vendedores de discos de todos os tempos) hipnotiza o público de seu primeiro show americano, em 1970, com "Crocodile rock", canção que ele só comporia dois anos depois. E noutra cena, localizada em sua infância, nos anos 1950, é apresentada "I want love" — uma música do ano de 2001. Mas tudo isso — e até mais — se justifica porque se trata de um filme completamente diferente de "Bohemian Rhapsody".

Apesar de dirigido pelo mesmo Dexter Fletcher (que terminou "Bohemian" depois da demissão do titular Bryan Singer) e de se ocupar da história de um outro astro de rock maior-que-a-vida — e gay — surgido das classes populares da Inglaterra, "Rocketman" assume desde o começo ares de fantasia e de ópera-rock.

Não se trata aqui da tentativa de "Bohemian Rhapsody" em contar, de forma linear, biográfica e externa, a vida de um Freddie Mercury há muito morto e até hoje envolto em mistérios. Estrelado por Taron Egerton (que também canta as canções em cena), "Rocketman" é bem mais um filme em que o personagem Elton John apresenta, à maneira Elton John (delirante por vezes, e sempre com humor autodepreciativo) a sua própria e muito bem conhecida trajetória de ascensão, quedas e redenção.

Os personagens interrompem a trama para sair por aí cantando, na tradição dos musicais. Na recriação do mítico show inaugural no clube Troubadour, em Los Angeles, Elton e seu público levitam ao som de "Crocodile rock". Mais à frente, à medida em que o sucesso se multiplica em velocidade vertiginosa, o artista levantará voo como um foguete. Literalmente.

"Alguns estúdios queriam amenizar o sexo e as drogas para que o filme ganhasse uma classificação PG-13 ( liberado para maiores de 13 anos )", confidenciou o astro (e produtor do filme, junto com o marido David Furnish) no texto para o "Guardian". "Mas eu simplesmente não levei uma vida PG-13!" (no Brasil, o filme poderá ser visto por maiores de 16 anos).

Elton John e o marido, David Furnish, produtores de "Rocketman", na pré-estreia do filme em Londres Foto: Simon Dawson / REUTERS
Elton John e o marido, David Furnish, produtores de "Rocketman", na pré-estreia do filme em Londres Foto: Simon Dawson / REUTERS

Sendo assim, está tudo lá, escancarado na tela — e sem qualquer negação da sua homossexualidade —, mas não de forma a chocar o espectador e sim como medida da franqueza do relato de Elton John de como foi possível sobreviver ao estrelato nos anos 1970 sendo um mago da canção. O filme expõe muitas das baixarias e demonstrações de arrogância do autor de "Sorry seems to be the hardest word" no auge do sucesso, e promove uma sessão de autoanálise só possível por meio da imaginação e da dramaturgia.

"Não acredito que nenhum ser humano tenha estrutura psicológica para lidar com tudo que acontece com tanta rapidez, ainda mais eu, com todas as minhas neuroses desde a infância", escreveu Elton, justificando-se diante de "Rocketman". "Para começo de conversa, eu nem queria me tornar um astro de rock, só queria ser um compositor de sucesso — mas a coisa só fez crescer nos anos seguintes."

Longa que estreia dia 30 de maio aborda o início da carreira de Elton, o declínio e a volta por cima do cantor inglês de 72 anos.
Longa que estreia dia 30 de maio aborda o início da carreira de Elton, o declínio e a volta por cima do cantor inglês de 72 anos.

Não por acaso, até mais do que o próprio Elton as canções são as grandes estrelas de "Rocketman". Quase todas elas compostas com o letrista Bernie Taupin, seu parceiro e grande amigo há 50 anos e personagem fundamental para o eixo dramático do filme, na interpretação de Jamie Bell (ator que viveu quando garoto o protagonista de "Billy Elliott"). A busca pela afeição, seja em forma de amor ou amizade, dão o norte para "Rocketman".

É o que cabe na canção

Um dos momentos mágicos do filme é quando, no café da manhã, Taupin entrega ao amigo a letra de "Your song" e este compõe a melodia ao piano no espaço de tempo que o outro levaria para se barbear — uma cena particularmente tocante porque é o primeiro grande sucesso da dupla e, ao mesmo tempo, uma canção sobre alguém que tenta exprimir o seu amor por outro em forma de canção.

Descoladas ou não de sua cronologia, as músicas de Elton John e Bernie Taupin funcionam à perfeição na tarefa de narrar a história de vida proposta por "Rocketman": a do tímido menino Reginald Dwight e sua escolha de tornar-se Elton John para enfim ser tudo aquilo que sempre sonhara. "A mudança vai me fazer bem", cantava ele em "Honky cat". Nem sempre fez bem para Reginald — mas não há outra opção para um deus do rock como Elton que não a de viver em permanente mudança.