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Futebol feminino: para além da igualdade, um negócio rentável

Modalidade cruzou os limites dos EUA e se tornou, de fato, um negócio no mundo, com destaque para a Europa? Este é o caminho
A atacante Cristiane, em cobrança de pênalti para o Brasil Foto: lari Arantes
A atacante Cristiane, em cobrança de pênalti para o Brasil Foto: lari Arantes

Recorde de público num jogo entre times na Liga Espanhola feminina, aumento nos valores dos prêmios da Copa do Mundo da França, camisas com patrocinadores próprios, contratos milionários com grandes marcas atreladas aos homens, crescimento do número de jogadoras profissionais, direitos de transmissão vendidos para plataformas digitais e TV aberta e audiência crescente... Enfim, o futebol feminino cruzou os limites dos EUA e se tornou, de fato, um negócio no mundo, com destaque para a Europa?

Os números indicam que está no caminho. Este mês, a Barclays, parceira da Premier League há 20 anos, anunciou patrocínio master de mais de 10 milhões de libras (R$ 51,4 milhões) à Superliga Feminina da Inglaterra e ao desenvolvimento da categoria. Valor praticamente igual ao que será pago aos homens, por ano, como banco oficial da competição.

No Dia Internacional da Mulher, dia 8 deste mês, a Adidas, patrocinadora da Copa do Mundo, também veio a público informar que corrigiria um dos principais casos de desigualdade de gênero no esporte: na França, a empresa alemã vai pagar de bônus às campeãs mundiais valor igual ao dado aos franceses, na Rússia.

— Pensando como é o futebol mundial, é ilusão não pensar em futebol feminino e não vislumbrar negócios. Toda essa cadeia que envolve Fifa, Uefa, marcas patrocinadoras e clubes passaram a perceber que existia uma demanda pouco explorada. Afinal, se dá certo nos Estados Unidos e gera lucro, por que não nos outros lugares? Mais do que uma vitória para igualdade de gênero, é uma grande jogada de marketing — diz Daniela Pacheco, mestre em marketing online, especialista em comunicação em organizações esportivas e sócia- diretora da B1B, na Espanha.

A profissionalização do futebol feminino em alguns mercados, segundo Daniela, anda de mãos dadas com o aumento de interesse de grandes empresas. Na Espanha, por exemplo, o boom se deu de cima para baixo. A classificação para o Mundial de 2015, o título da sub-17 e o vice-campeonato da sub-20 abriram os olhos do mercado.

OUTRO COMPORTAMENTO

No ano seguinte, a empresa de energia Iberdrola se uniu à La Liga para financiar o campeonato. Cada uma colocou 2 milhões de euros (quase R$ 8,8 milhões). O Barcelona, por exemplo, passou a ter patrocínio próprio no uniforme feminino, que paga 3 milhões de euros (R$ 13,2 milhões) por temporada.

Como ápice, os mais de 60 mil torcedores no clássico entre Atlético de Madrid e Barcelona, no Metropolitano, há uma semana. Entre os grandes clubes, só o Real Madrid não tem equipe feminina.

“A criação e consolidação da Associação de Clubes marcou um antes e um depois no futebol feminino espanhol. Antes havia muitos esforços de muita gente de forma individual. Os clubes estão confirmando que ter futebol feminino aporta um valor intangível ao seu produto, a sua marca e a sua filosofia de clube”, explica, em nota, a La Liga.

As anfitriãs da Copa do Mundo em junho também vivem momento de ascensão. Desde a vitória do Lyon na Liga dos Campeões, em 2011, o futebol feminino passou a figurar em capas de importantes jornais e os jogos foram vendidos para a TV. Como meta da sede do Mundial, além do pódio, está o aumento no número de jogadoras associadas. Hoje já passou das 100 mil.

Carolina Aragão, ex-jogadora de vôlei de praia e especialista em marketing consciente, afirma que o futuro do modelo de negócios está atrelado a questões de sustentabilidade e sociais. E pesquisas recentes no Brasil mostram que 87% dos millenials valorizam mais essas empresas.

— Essa geração tem a cabeça mais aberta. As pesquisas também mostram que quando há um incremento de 10% em políticas de impacto positivo, a marca cresce pelo menos 12%. A luta do futebol feminino vem de muitos anos, mas isso só se traduz em investimento quando o consumidor muda — defende Carolina.

No Brasil, o movimento é incipiente; a CBF, por exemplo, espera chegar a 600 atletas profissionais este ano. Empresas multinacionais estão mais afinadas com o atual momento. A Nike lançou uniforme exclusivo para a seleção brasileira feminina e organizará um torneio feminino de base, mês que vem, em São Paulo.

—A Nike quer discutir o papel e a contribuição das mulheres no esporte, e começamos pelo futebol. Nosso objetivo é mudar essa realidade criando mais acesso ao esporte, representatividade e ampliando a visibilidade ao jogo delas — afirma Martina Valle, diretora de marca para mulheres da Nike do Brasil.

Apesar dos investimentos, o futebol feminino ainda tem uma longa batalha pela frente. A dificuldade das jogadoras brasileiras para se firmarem como profissionais e serem valorizadas como tais é um exemplo; a recente ação da seleção feminina americana, que processou a federação de futebol do país por discriminação de gênero, outro.