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Aliado de Bolsonaro, Trump cita dificuldades do Brasil no combate ao coronavírus

Presidente dos EUA diz que Brasil vive se referindo à estratégia da Suécia e afirma: 'Se tivéssemos feito isso, teríamos perdido até 2 milhões ou mais de vidas'
Donald Trump e Bolsonaro, durante visita do presidente brasileiro em março deste ano: preocupado com o aumento no número de casos do novo coronavírus no Brasil, proibiu que viajantes oriundos do país entrem nos EUA Foto: JIM WATSON / AFP
Donald Trump e Bolsonaro, durante visita do presidente brasileiro em março deste ano: preocupado com o aumento no número de casos do novo coronavírus no Brasil, proibiu que viajantes oriundos do país entrem nos EUA Foto: JIM WATSON / AFP

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump , citou nesta sexta-feira o Brasil como exemplo de país com dificuldades para lidar com a pandemia do novo coronavírus. Aliado do presidente Jair Bolsonaro, Trump alfinetou o Brasil, alegando que  o país “vive se referindo” à Suécia , que não impôs quarentenas e decidiu se basear principalmente em medidas voluntárias de distanciamento social e higiene pessoal, mantendo aberta a maioria das escolas, restaurantes e empresas. No Brasil, o governo federal não adotou medidas de isolamento social, mas governos estaduais e municipais implantaram quarentenas em diversos níveis.

—  Se você olhar para o Brasil, eles estão passando por grandes dificuldades. A propósito, eles vivem citando o exemplo da Suécia. A Suécia está passando por um momento terrível. Se tivéssemos feito isso, teríamos perdido 1 milhão, 1 milhão e meio, talvez até 2 milhões ou mais de vidas —  disse Trump na Casa Branca, acrescentando que agora é hora de acelerar a reabertura.

Modelo: Citada como exemplo por Bolsonaro, Suécia nega que vida siga normal e prevê forte queda do PIB

A Suécia tem um número muito maior de casos de Covid-19 do que seus vizinhos nórdicos.  O número de mortes no país, que tem cerca de 10 milhões de habitantes, já passa de 4.600, enquanto Noruega, Dinamarca e Finlândia, com uma população somada de 16,6 milhões, registraram ao todo até agora cerca de 1.100 mortes.  Esta semana, o governo sueco admitiu que deveria ter adotado medidas mais contundentes de isolamento social para conter a pandemia.

Em nota, o Itamaraty afirmou que não vê críticas ao Brasil nos comentários do presidente americano: “Trump se referiu a diversos países, entre eles o Brasil, de forma genérica”.

Não é a primeira vez que Trump faz menção ao Brasil em um contexto negativo no combate à pandemia. No final de abril, o presidente americano lembrou que o Brasil enfrentava um “grande surto” e sugeriu que poderia proibir voos de países latino-americanos aos Estados Unidos, o que acabou fazendo um mês depois.

Cautela: Estados Unidos antecipam proibição da entrada de viajantes do Brasil

Analistas ouvidos pelo GLOBO acreditam que as declarações são mais uma evidência clara de que não há reciprocidade nas relações entre os dois países.

— A aposta do governo Bolsonaro em Trump não é de jeito nenhum recíproca. Trump não ressalta que o Brasil é um aliado e o usa para fazer críticas. As declarações indicam que Bolsonaro não está sequer no radar de Trump, talvez esteja no de (Steve) Bannon e outros ideólogos de extrema direita — diz Kai Kenkel, professor do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio. — O que temos é uma mudança fundamental de 100 anos da diplomacia brasileira que não nos trouxe absolutamente nada em troca.

Pressão por reabertura

Carlos Gustavo Poggio, professor de Relações Internacionais da FAAP, por sua vez, acredita que a declaração de Trump é mais uma tentativa de Trump de enaltecer suas políticas de combate à pandemia do que de criticar o Brasil.

— A pequena gafe mostra que Trump não pensa tanto no Brasil quanto Bolsonaro pensa nos EUA. Mas Trump já falou sobre isso outras vezes. Agora vejo mais como críticas à Suécia e à teoria da imunidade de rebanho [situação na qual um parcela suficiente da população desenvolve imunidade a uma infecção para impedir efetivamente o avanço da doença] do que ao Brasil — afirma ao GLOBO. —  De toda maneira é mais uma mostra de que Trump, diferentemente de Bolsonaro, avançou no combate à doença, pelo menos no campo da retórica.

No Brasil, deputados da oposição e independentes comentaram as declarações. Presidente do Cidadania, Roberto Freire ressaltou que Trump é “ídolo de Bolsonaro” , mas não deixou de fazer a crítica. Já o líder do Podemos, Léo Moraes, endossou a crítica do presidente americano e disse que o governo errou ao não definir uma estratégia rigorosa para enfrentar o novo coronavírus. Para o deputado, as questões políticas que dominam as decisões prejudicam o combate à doença.

—  Aqui, nós ficamos num debate político em detrimento da ciência e hoje nós temos vidas que são empilhadas em todos os lugares e uma subnotificação que é tremenda. O presidente Trump foi duro na fala, mas realista. Agora, nós temos seríssimas dificuldades.

Em entrevista nos jardins da Casa Branca, nesta quinta-feira, o presidente americano também defendeu a estratégia adotada por seu governo contra a pandemia e disse que agora os EUA devem mudar o foco para se concentrar em proteger grupos de risco e permitir uma maior reabertura da economia . Os Estados Unidos são o país do mundo com o maior número de casos do novo coronavírus, com 1,9 milhão de infecções e mais de 108 mil mortos.

— Tomamos todas as decisões corretas — afirmou o presidente americano, pedindo aos governadores dos estados que ainda têm medidas parciais de confinamento que suspendam as restrições. — Tínhamos a maior economia da História. E essa força nos permitiu superar esta horrível pandemia, que já superamos, em grande medida. Acho que estamos indo bem.

Criticado por subestimar inicialmente a ameaça do vírus, Trump disse ainda que as autoridades devem se concentrar em proteger os idosos, com maior probabilidade de morrerem, e permitir que os jovens voltem ao trabalho e à escola.

Contexto: Além da saúde, negacionismo do governo Bolsonaro põe em risco economia

O Brasil é o segundo do mundo em número de casos , atrás dos EUA, com quase 615 mil infecções confirmadas pelo Ministério da Saúde e 34.021 mortes, mas tem neste momento a maior taxa de aceleração da doença no mundo, uma vez que quase diariamente registra mais casos e mortes do que os EUA. No fim de maio, a Casa Branca anunciou  a proibição da entrada de viajantes vindos do Brasil no país, medida precedida por diversas advertências.

Apesar disso, diversos governos municipais e estaduais têm anunciado planos para afrouxar as medidas de distanciamento social no Brasil diante da pressão econômica provocada pela paralisação das atividades, o que levou especialistas a alertarem para o risco de um agravamento da situação.

(Colaboraram Bruno Góes e Washington Luiz)