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Anistia Internacional acusa forças venezuelanas de 8.200 execuções extrajudiciais em três anos

Relatório afirma que planos de combate à violência violam direitos humanos de setores mais pobres
Maduro: Anistia Internacional acusa governo de usar a força intencionalmente contra a população mais vulnerável e excluída Foto: Reuters/20-10-2016
Maduro: Anistia Internacional acusa governo de usar a força intencionalmente contra a população mais vulnerável e excluída Foto: Reuters/20-10-2016

BUENOS AIRES - Entre 2015 e 2017, estima-se que 8.200 pessoas foram executadas extrajudicialmente na Venezuela em ações de grupos policiais e militares que participam da implementação de sucessivos planos de combate à violência. Em nome deste combate, o governo do presidente Nicolás Maduro "contribuiu para o agravamento da crise com o uso desproporcional da força, incluída a letal, como resposta e suposta justificação de sua política de segurança", alertou nesta quinta-feira a ONG Anistia Internacional (AI).

Em relatório intitulado “Isso não é vida. Segurança cidadã e direito à vida na Venezuela”, a ONG acusa o Estado venezuelano de “usar a força intencionalmente contra a população mais vulnerável e excluída socialmente”.

A AI denunciou Maduro e suas forças de segurança policiais e militares por violar os direitos humanos de jovens dos setores mais humildes que, de acordo com a ONG, são “criminalizados por viver nessa situação”. O governo, apontou a AI, deveria, pelo contrário, “aplicar políticas preventivas de controle da delinquência ajustadas a normas internacionais em matéria de direitos humanos”.

Foram dois anos de investigação em um dos países mais violentos do mundo. Atualmente, lembrou a ONG, a taxa de homicídios na Venezuela é de 89 casos para cada 100 mil habitantes, quase triplicando o indicador do Brasil (30 para cada 100 mil), que já é mais de quatro vezes maior do que a média mundial, de 7,5 mortes por 100 mil.

— Se considerarmos que a população venezuelana é de 30 milhões de pessoas, as taxas que vemos são dramáticas. Nossa intenção com este relatório foi dar visibilidade a um pesadelo que é diário para os venezuelanos e, sobretudo, para os mais marginalizados — disse ao GLOBO Carolina Jimenez, diretora de Investigações da AI para as Américas.

DIARIAMENTE, 17 EXECUÇÕES

Para ela, “o governo Maduro é responsável pelo descontrole da violência institucional, que afeta, acima de tudo, aos jovens dos bairros mais pobres”

— Para um presidente que diz ter como prioridade a redução da pobreza e a proteção dos mais humildes, é uma verdadeira contradição constatar a violência que exercem as forças policiais nos bairros pobres das cidades venezuelanas — afirmou Carolina.

Diante de um problema real (a violência), a resposta do governo, apontaram a diretora da AI e especialistas de ONGs locais, é “matar e aplicar a pena de morte, num país no qual essa condenação está proibida”.

— Nossos cálculos são mais assustadores do que os publicados pela AI. Estimamos que em 2016 e 2017 foram executadas 10.800 pessoas por forças de segurança — assegurou Roberto Briceño León, diretor do Observatório Venezuelano para a Violência (OVV) e professor da Universidade Central da Venezuela (UCV).

Este ano, enfatizou, “calculamos 17 execuções extrajudiciais por dia”.

— Os assassinados são supostos delinquentes que, como fica registrado em cada expediente, cometeram resistência à autoridade (o chamado auto de resistência no Brasil). Mas todos sabemos que, em muitos casos, são inocentes executados em suas casas, na frente de suas famílias — comentou o diretor do OVV.

Atualmente, disseram os especialistas, um dos grupos mais atuantes nas regiões pobres das cidades venezuelanas é a Força de Ações Especializadas (Faes), considerada por Briceño León uma espécie de “grupo de limpeza social”.

— Utilizam métodos similares aos implementados pelas antigas ditaduras, torturam e justificam suas atrocidades com um discurso centrado na necessidade de reduzir a insegurança — explicou o diretor do OVV.

Nos últimos 17 anos, destacou o relatório da AI, foram lançados 17 planos de combate à violência. A implementação de todos estes planos, ampliou Carlos Correa, da ONG Espaço Público, esteve e está em mãos de militares que foram centrais neste processo de criminalização dos jovens e de qualquer pessoa que participe de protestos ou manifestações em repúdio à crise econômica e política que assola o país.

— O que vemos há vários anos é a militarização da política de segurança cidadã. Na Venezuela, onde não existe Justiça, receber um tratamento adequado às normas internacionais por parte das forças de segurança é raro. A resposta do governo ao aumento da violência é matar — frisou Correa.

JOVENS COMO ALVO

O documento da AI menciona casos específicos como o de Darwilson Sequera, executado em 11 de abril de 2013, quando tinha 20 anos. Segundo a ONG, o jovem morreu numa operação que contou com a participação de 30 policiais que invadiram sua casa e o atacaram. Este tipo de execução foi denunciada pela ex-procuradora geral da República Luisa Ortega Díaz, atualmente no exílio. Em 2016, a então procuradora informou que naquele ano 4.667 pessoas tinham sido “exterminadas” por funcionários de forças de segurança.

“No ano passado, pelo menos 95% das vítimas de homicídios totais foram jovens entre 12 e 44 anos, que viviam nos bairros mais pobres do país”, indiciou a AI. A impunidade nos casos em que são violados os direitos humanos das vítimas alcança 92%.

— Os métodos usados pelo governo têm uma lógica militar, e para reduzir a criminalidade atacam os supostos inimigos, em muitos casos, pessoas inocentes. Calculamos que 25% dos homicídios que ocorrem no país são cometidos por forças de segurança como a Faes. Nenhuma dessas pessoas é acusada ou tem um processo aberto pelos crimes cometidos — concluiu Carolina.