Rio Bairros

Quase 35 anos depois, artistas da mostra ‘Como vai você, Geração 80?’ se reúnem em Copacabana

Mostra traz obras de 14 participantes da exposição histórica do Parque Lage
Artistas da Geração 80 em galeria Zagut, em Copacabana Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo
Artistas da Geração 80 em galeria Zagut, em Copacabana Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo

RIO — No dia 14 de julho de 1984 era inaugurada na Escola de Artes Visuais do Parque Lage uma exposição que entraria para a História do país. “Como vai você, Geração 80?” reuniu 123 jovens artistas que cresceram durante a ditadura militar e festejavam, ali, a volta da democracia. No casarão, no Jardim Botânico, obras calorosas, pinturas (muitas pinturas), cores quentes, materiais inesperados, grandes formatos, performances e instalações bem-humoradas encantavam e aguçavam a curiosidade de milhares de pessoas, ao mesmo tempo em que se distanciavam da arte conceitual e de resistência da década de 1970.

Quase 35 anos depois, alguns dos artistas da “Geração 80” voltam a se encontrar em uma exposição organizada por Augusto Herkenhoff — ele fez parte do grupo que despontou na década de 1980, mas não expôs no Parque Lage — e Isabela Simões. Os dois inauguraram a galeria Zagut, no Shopping Cassino Atlântico, em Copacabana, durante a ArtRio, em setembro do ano passado, e no dia da abertura receberam alguns amigos da época. Estava plantada, ali, a ideia da próxima exposição: queriam (re)apresentar a Geração 80. Como ela estaria hoje?

 Gaivotas de Carlos Mascarenhas no Parque Lage Foto: Guilherme Pinto 15/07/1984
Gaivotas de Carlos Mascarenhas no Parque Lage Foto: Guilherme Pinto 15/07/1984

Participam com trabalhos Alexandre Dacosta, Clara Cavendish, Daniel Senise, Delson Uchôa, Hilton Berredo, Jorge Duarte, Lucia Vilaseca, Marcus André, Ricardo Basbaum, Roberto Tavares, Sérgio Romagnolo, Wagner Barja, Xico Chaves e o próprio Augusto Herkenhoff. “Somos da Geração 80 — Alguns anos depois” ficará em cartaz até 13 de abril.

— Aquele dia em 1984 representou uma virada na pintura brasileira. Saíram dali muitos artistas, alguns com uma trajetória grande. Queríamos relembrar a época e ver o que esse pessoal está fazendo. Até porque já se passaram mais de três décadas da exposição. Fomos encontrando os artistas, na galeria ou na rua, e pesquisando para saber quem continuava neste caminho, faça chuva ou faça sol — conta Isabel.

Augusto Herkenhoff complementa:

— Não fizemos uma curadoria propriamente dita. A palavra certa é organização. Os artistas escolheram o que eles queriam expor, foi tudo muito flexível. As obras estão à venda.

Ele, por exemplo, optou por apresentar uma tela do ano 2000, da série “Doutores”. A obra é carregada de peculiaridades da Geração 80: tem cores quentes, muita tinta e ressalta a “sujeira da pintura”, como caracteriza o próprio Herkenhoff.

— Não participei da “Geração 80”, mas sou daquele momento. Concordo com tudo, com o retorno à pintura, as cores quentes, as camadas, a pintura borrada... Surgi ali naquele lugar — resume Herkenhoff.

Clara Cavendish participa da mostra com “Devaneios da uva”, duas telas que pintou no ano passado. Embora recentes, as obras têm afinidade com toda a carreira da artista, marcada pela “Geração 80”.

— Escolhi porque trazem esse clima de êxtase, da pintura bem gestual, expressionista, onde o corpo humano se mescla com toda a atmosfera do entorno. Fazem alusão à uva, ao vinho, a essa embriaguez que a pintura pode proporcionar. E têm uma coerência com o que fiz naquela época — diz.

Clara conta que em 1984 não sabia que participava de um movimento histórico. Segundo ela, era o momento de festejar o retorno da liberdade, e a exposição tinha um caráter de renovação. A artista relembra que depois, nos anos 1990, a geração foi criticada, principalmente pelo excesso de cor e a falta de sentido político. Clara, entretanto, não abandonou o caminho.

— Muita gente passou a ter vergonha de se admitir da Geração 80. As pessoas comentavam que ficamos marcados pela festa, pelo hedonismo. E era também. Quem não quer gozar? O que não quer dizer que o gozo seja vazio de sentido.

Pintura é ponto de encontro

Lucia Vilaseca se diz honrada em participar da exposição na galeria Zagut. Ela relembra com carinho da época no Parque Lage e afirma que aquele foi um grande momento para impulsionar a carreira de nomes que estavam começando. Lucia também faz um paralelo entre as duas exposições. Tanto na “Geração 80” quanto agora, a convite de Augusto Herkenhoff e Isabela Simões, os artistas ficaram à vontade para escolher as obras que iriam apresentar ao público.

— Lembro que ganhei uma parede enorme e que pintei com andaime. A partir dali teve muita coisa que aconteceu, como a pintura no muro do Parque Lage, uma exposição no Ingá, várias curadorias. Foi um momento muito bom para todo mundo, vários artistas deslancharam. Achei bacana essa ideia do Augusto porque, assim como na época, não existiu uma preocupação de fazer uma coisa homogênea. Na “Geração 80” foi tudo muito livre, como eu acho que acontece também nesta exposição — afirma Lucia, que apresenta obra sem título de uma série que tem um olhar sobre a questão construtiva.

“Como vai você, Geração 80?”, no Parque Lage, teve pinturas em grandes telas Foto: Guilherme Pinto 15/07/1984
“Como vai você, Geração 80?”, no Parque Lage, teve pinturas em grandes telas Foto: Guilherme Pinto 15/07/1984

Havia um ponto que permeava a maioria dos artistas nos anos de 1980 e que ainda é lugar de convergência entre eles nesta exposição: a pintura. Marcus André lembra, entretanto, que na década anterior essa vertente foi muito associada à arte burguesa.

— Na década de 1970, houve uma ruptura da pintura para o que seria uma arte mais cerebral. Naquela época, você tinha uma desvalorização, na qual a pintura estava associada a um objeto a ser vendido, a uma arte burguesa. No anos 1980, há uma retomada da atividade e a gente pega o bonde andando, entra em um lugar sem saber muito bem o que era — conta André, que expõe quatro quadros que formam a série “Thitana”.

Embora ainda esteja ligado à pintura, Alexandre Dacosta optou por apresentar seu poema-objeto “Basculante”, aplicado sobre as cinco partes de uma janela de vidro. A obra também representa uma tendência mais construtiva do artista, que concilia as artes plásticas com o trabalho de ator e músico — ele lançou o álbum “Antimatéria” em 2017.

— Foi um trabalho mais construído, no sentido de uma geometria sensível. No início de 1980, era mais gestual, com Basbaum (o artista plástico Ricardo Basbaum, com quem criou o Grupo Seis Mãos). A partir de 85/86, passei a fazer telas construtivas, meio minimalistas. E acho que esses trabalhos de poemas-objetos têm a ver com esse lado construtivo, que herdei dos meus pais. Mas continuo pintando paralelamente — diz Dacosta.

Obra inédita

Quem também participa da exposição “Somos da Geração 80 — Alguns anos depois” é Roberto Tavares. Ele apresenta o quadro “Minha casa minha vida”, que reúne algumas das principais características de seu trabalho: a sobreposição de cor e de matéria. Tavares diz que sua arte mudou muito depois que apresentou a montagem com tecidos coloridos no Parque Lage em 1984.

— É uma obra que nem tenho mais, se perdeu. Não vejo paralelo entre ela e “Minha casa minha vida”. Com dedicação e trabalho, minhas obras foram ganhando outras formas. Há um tempo eu desenvolvo um trabalho figurativo, com várias experiências no campo gráfico. Essa obra mais recente é baseada em uma série que fiz em cima de plantas baixas de rascunhos de construções civis — explica ele, que atua como professor de pintura e de gravura no Centro de Artes Calouste Gulbenkian, no Centro. — Sempre trabalhei em paralelo com a gravura e acho que ela e a pintura se complementam. Uma ajuda no processo da outra.

Outro nome que marcou a época foi Hilton Berredo, com suas borrachas pintadas — ele também pintou as colunas do Parque Lage. Apesar de não ter apresentado nenhuma tela na ocasião, Berredo criou uma especialmente para a exposição na Zagut, cujo título é “Figura orgânica com halo amarelo”, repleta de referências da “Geração 80”.

— Criei pensando um pouco no tipo de figura que se fazia na Geração 80, e que eu faço até hoje. Procurei mesclar um certo humor tão característico daquele período — explica o artista, que tem ainda trabalhos com colagens, videoarte e instalações e dá aulas na PUC e na Universidade Santa Úrsula.

A exposição fica em cartaz de segunda a sexta-feira, das 10h às 18h; e aos sábados, das 10h às 13h. Além de galeria, a Zagut é um centro médico, com especialidades como geriatria, psicologia e neurologia.

A proposta de Isabela Simões e Augusto Herkenhoff é promover a interdisciplinaridade entre arte e saúde. Futuramente, também haverá aulas de pintura para crianças, arteterapia e encontros temáticos no espaço das exposições.

SIGA O GLOBO-BAIRROS NO TWITTER ( OGlobo_Bairros )