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Departamento de Justiça vai rescindir política que permite legalização da maconha nos EUA

Procurador-geral vai liberar promotores a usarem lei federal mesmo em estados onde o comércio da droga é legal
Usuário de maconha: promotores federais poderão decidir como utilizar a lei federal sobre a droga nos EUA Foto: Reprodução
Usuário de maconha: promotores federais poderão decidir como utilizar a lei federal sobre a droga nos EUA Foto: Reprodução

WASHINGTON — O procurador-geral dos Estados Unidos, Jeff Sessions, revogou ontem uma política do governo do ex-presidente Barack Obama que abriu caminho para a onda de legalização da maconha em vários estados do país. A medida pode causar um impacto ainda não calculado sobre a atual cadeia de produtores, comerciantes e consumidores nos estados que já regulamentaram o uso recreativo da droga — o último deles foi a Califórnia — , elevando a incerteza dos usuários e afastando investimentos no setor.

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Obama desencorajava os promotores federais a mover processos contra a venda de maconha em estados que legalizaram a substância, embora seu uso e comercialização continuem ilegais na instância federal. Sessions quer o oposto — para ele, estes promotores devem ter mais liberdade para julgamento e seguir a lei federal.

Em um memorando de uma página enviado a procuradores, Sessions afirmou que “é missão do Departamento de Justiça fazer cumprir a lei”, fato prejudicado pelas orientações que vigoraram durante o governo de Obama. “Portanto, o memorando de hoje (ontem) sobre a aplicação federal da maconha simplesmente direciona todos os procuradores dos EUA a usar princípios de promotoria previamente estabelecidos que lhes forneçam as ferramentas necessárias para prejudicar organizações criminosas, enfrentar a crescente crise das drogas e coibir crimes violentos no país”.

Para analistas, a iniciativa do procurador-geral confundirá os usuários de maconha nos estados em que a droga é legalizada, porque eles não saberão mais se estarão livres para consumir sem punição. Hoje, um em cada quatro americanos vive em locais onde o uso recreativo da cannabis já é permitido por lei.

A incerteza será ainda maior na Califórnia, onde as lojas ainda organizam a venda de maconha, autorizada desde segunda-feira. Estima-se que o estado se converterá no maior mercado de cannabis do mundo, com expectativa de movimentar mais de US$ 5 bilhões a partir de 2019. Como a venda é proibida por lei federal, os bancos não estão realizando negócios com a maconha e, por isso, os usuários devem pagar a droga com dinheiro.

De acordo com uma pesquisa realizada em outubro do ano passado pelo instituto Gallup, 64% dos adultos americanos apoiam a legalização da maconha — em 2005, apenas 36% concordavam com a medida. Em 2017, pela primeira vez, a maioria dos republicanos (51%) avalizam a liberação da cannabis.


A legalização do uso recreativo da maconha na Califórnia cria um mercado bilionário
Foto: Mathew Sumner / AP
A legalização do uso recreativo da maconha na Califórnia cria um mercado bilionário Foto: Mathew Sumner / AP

PESQUISA MOSTRA APOIO À LEGALIZAÇÃO

Nas diretrizes anunciadas pelo vice-procurador-geral James Cole em 2013, durante o governo Obama, os estados teriam autonomia para legalizar a droga, desde que as autoridades atuassem para evitar seu acesso por jovens e criminosos, além de sua migração para localidades em que a erva permanece proibida.

Sessions é conhecido por comparar o consumo de maconha ao de substâncias como a heroína e acredita em sua ligação com episódios de violência. Já os defensores da cannabis argumentam que a legalização da droga eliminaria a necessidade de um mercado negro e provavelmente reduziria a criminalidade, já que traficantes perderiam o controle sobre o comércio da erva.

Em 2016, perguntado por uma emissora de TV do Colorado sobre a possibilidade de usar autoridade federal para acabar com a venda de maconha para uso recreativo, Donald Trump, então candidato à presidência, afirmou: “Eu não faria isso, não”, mas não afirmou se impediria seu procurador-geral de tomar esta medida.

Maria McFarland Sanchez-Moreno, diretora executiva da Drug Policy Alliance, destacou que o memorando divulgado ontem por Sessions marca o retorno a desacreditadas políticas de guerra antidrogas, que afetam indevidamente as minorias.

— Este é um sistema que leva a uma enorme injustiça e que desperdiçou recursos federais em grande escala — advertiu. — Se Sessions pensa que este tema é prioritário ao sistema judiciário, ele está em um estado ideológico muito estranho ou profundamente problemático.


O procurador-geral da Justiça, Jeff Sessions, em conferência de imprensa em dezembro de 2017
Foto: Carolyn Kaster / AP
O procurador-geral da Justiça, Jeff Sessions, em conferência de imprensa em dezembro de 2017 Foto: Carolyn Kaster / AP

Professor de Relações Internacionais da UnB, Argemiro Procópio concorda:

— Vivemos um retrocesso. Muitos estados estavam adotando programas para a descriminalização da cannabis, e esta medida provavelmente se estenderia a praticamente todo o país. Agora, Sessions satisfaz apenas o eleitorado de Trump, que é extremamente conservador. A cannabis virou um bode expiatório no mundo das drogas. Nos países em que foi legalizada, tirou dos criminosos um instrumento de poder, corrupção e dinheiro. Foram reduzidos os casos de violência e, com a regulação da venda, aumentou a arrecadação de impostos.

As ameaças de uma repressão federal uniram os liberais que se opõem aos custos humanos de uma guerra contra a maconha com os conservadores que a veem como uma questão de direitos dos estados. O senador republicano Cory Gardner, do Colorado, um dos oito estados que legalizaram o uso recreativo da maconha, afirmou, em sua conta no Twitter, que o Departamento de Justiça “pisoteou a vontade dos eleitores”. Embora não tenha poder para desfazer uma decisão política interna do Departamento de Justiça, o Congresso pode promover uma legislação que proteja o comércio de cannabis.

O procurador-geral do estado de Washington, Bob Ferguson, disse em um comunicado que estava “desapontado e incomodado” pela decisão divulgada ontem pelo procurador-geral dos EUA: “Durante o ano passado, Sessions demonstrou uma incalculável falta de conhecimento sobre as leis da maconha de nosso estado. Prometo defender vigorosamente a vontade de nossos eleitores”.

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Já a organização Smart Approaches to Marijuana (SAM), que combate a legalização da maconha, comemorou a nova diretriz:

— Esta é uma vitória, porque deve secar grande parte do investimento institucional que foi para a maconha nos últimos cinco anos — explicou o presidente da SAM, Kevin Sabet.

Também não está claro qual será o efeito de possíveis novas restrições à cannabis nos estados em que seu uso é legalizado para fins médicos. Uma lei federal impede que o Departamento de Justiça intervenha em programas de maconha medicinal nos estados em que o consumo da substância é permitida. Sessions, porém, não descarta mover processos judiciais para interromper esta forma de terapia.

Um funcionário da cúpula do Departamento de Justiça revelou ao jornal “The Washington Post” que não estava claro se a nova diretriz “vai ou não” levar a mais ações judiciais, porque isso dependerá da atuação de juristas no país. No entanto, segundo ele, a orientação que vigorou no governo de Obama “criou um porto seguro para a indústria da maconha para operar nestes estados (em que é comercializada)”, o que seria inconsistente com a lei federal.