Governo reavalia 5G com Biden e cogita recuo em posição pró-EUA

Estudos incluem também a cota com tarifa zero para o etanol importado dos Estados Unidos

Por Cristiano Zaia e Daniel Rittner, Valor — Brasília


O governo Jair Bolsonaro já admite, reservadamente, um recuo na tendência de banimento à Huawei na construção da infraestrutura de telefonia 5G no país. A guinada na sinalização brasileira, por ora ainda tratada como possibilidade no entorno presidencial, é uma consequência da vitória do democrata Joe Biden nas eleições americanas.

Para interlocutores de Bolsonaro, tudo dependerá da postura de Biden em seus primeiros meses na Casa Branca, que vão coincidir com o leilão das frequências de 5G no Brasil.

Ninguém espera, no Palácio do Planalto ou no Itamaraty, um discurso de confrontação aberta partindo do futuro governo democrata. Mas, se não houver gestos concretos de interesse americano numa aproximação, comenta-se nos bastidores que compromissos com a gestão Donald Trump terminam junto com o mandato do republicano.

Isso envolve questões como o 5G, em que cresciam as sinalizações dadas pelo governo brasileiro de veto à Huawei, e a cota com tarifa zero para o etanol importado dos Estados Unidos. Semanas antes das eleições, o Brasil contrariou produtores do setor sucroalcooleiro e estendeu até dezembro a aplicação de uma cota isenta da alíquota de 20%. O ato foi interpretado como uma ajuda a Trump, que disputava palmo a palmo em Iowa, um dos maiores produtores de etanol de milho no país. Ele acabou vencendo Biden, no Estado, por oito pontos percentuais.

Uma das grandes incógnitas em Brasília é sobre a postura de Biden no relacionamento com a China e como ele lidará com as pressões exercidas sobre outros países em torno do 5G. Na semana passada, o governo Bolsonaro manifestou apoio à "Clean Network" (Rede Limpa), que se apresenta como uma iniciativa do Departamento de Estado contra o risco de "intromissões agressivas por atores malignos, como o Partido Comunista Chinês".

O apoio foi declarado durante visita a Brasília do subsecretário americano de Crescimento Econômico, Keith Krach, e visto como uma das principais sinalizações dadas até agora de eventual banimento à Huawei nas futuras redes de 5G. Sabe-se, porém, que ele faz parte do círculo mais restrito de assessores de Mike Pompeo no Departamento de Estado e tem chances próximas de zero de continuar no governo Biden.

Para fontes ligadas ao Itamaraty, a retórica anti-China e o alinhamento quase automático à Casa Branca têm como pano de fundo um forte cálculo político interno. Ao mostrar proximidade de Trump e firmeza contra os chineses, Bolsonaro pode vender-se à sua base mais radical como aliado preferencial de um inimigo do globalismo e ainda dizer que o Brasil obtém vantagens econômicas por isso. Com Biden, o discurso não fica mais em pé — ainda mais sem gestos palpáveis de interesse dos democratas numa aproximação comercial com o Brasil.

No cenário de maior distanciamento dos Estados Unidos, já admitido pelo Planalto com cautela, o governo Bolsonaro entende que um eventual veto à Huawei envolve riscos de retaliação comercial pela China (o que apavora o agronegócio) e insatisfação nas teles (que veem a chinesa como uma fornecedora mais barata de equipamentos).

Rever a posição do governo brasileiro proporcionaria inclusive um ambiente mais favorável à ala pragmática do governo, incluindo os ministros Paulo Guedes (Economia) e Tereza Cristina (Agricultura). A própria ministra, em mais de uma oportunidade, já alertou seus colegas sobre os efeitos danosos de uma represália da China.

Lembrando o escândalo de espionagem eletrônica que teve a NSA (sigla em inglês da Agência Nacional de Segurança) como protagonista, na gestão Barack Obama, militares com presença no Planalto consideram que os riscos em torno da tecnologia de 5G não são uma exclusividade da Huawei e também deve-se ter cautela com os Estados Unidos.

"A administração Biden tornará nossa política externa mais pragmática. Acredito que o fluxo de capitais sustentáveis poderá ser uma realidade e precisaremos ceder em certos pontos", avalia uma fonte da equipe econômica que participa das discussões.

Para outra fonte, apesar de toda a retórica adotada por Bolsonaro contra a China até agora, ele tem habilidade política suficiente para dar uma guinada no discurso e emplacar o ajuste na narrativa para seus eleitores mais radicais.

— Foto: Jason Alden/Bloomberg
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