Evergrande: Fantasma do Lehman Brothers assusta mercado após sinais de colapso em gigante chinesa

Apesar de semelhanças entre os casos, analistas garantem que são meras coincidências, pois não existe algo “grande demais para falir” na China, como ocorreu nos Estados Unidos em 2008

Por Olívia Bulla, Valor — São Paulo


FINANÇAS, Lehman Brothers Daniel Acker/Bloomberg

Os fantasmas da crise de hipotecas subprime voltaram a assustar o mercado financeiro. Treze anos após a quebra do Lehman Brothers, em 14 de setembro de 2008, a gigante imobiliária chinesa Evergrande deu a indicação mais clara de que está à beira de um colapso, podendo derrubar toda uma cadeia, desde credores a compradores. Mas, segundo analistas, qualquer semelhança com o que aconteceu nos Estados Unidos é mera coincidência, pois não existe algo “grande demais para falir” (too big to fail) na China.

Para o analista da Enodo Economics, Dinny McMahon, os esforços do governo chinês relacionados à reestruturação da enorme dívida da Evergrande devem se concentrar no resgate de certos credores, em particular empreiteiros e fornecedores não pagos, além de compradores que pagaram antecipadamente por apartamentos inacabados. “Quanto ao impacto do sistema financeiro, é provável que seja mínimo, com os detentores de títulos tendo um desconto [haircut] acentuado, mas os bancos saindo relativamente ilesos”, diz, em relatório.

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Os sinais nessa direção são fortes. Um dia depois da Evergrande informar que ainda busca uma reestruturação da dívida, autoridades chinesas do setor imobiliário alertaram os bancos que a empresa não conseguirá pagar os juros dos empréstimos que vencem na semana que vem. No total, a incorporadora chinesa tem dívida superior a US$ 300 bilhões, sendo uma das empresas mais endividadas do mundo.

Desse total, a maioria dos passivos é detida por bancos e outras instituições financeiras. Além do empréstimo direto e da exposição a títulos, os bancos também possuem produtos de gestão de patrimônio fora do balanço, por meio de empréstimos fiduciários, bem como exposição indireta via os fornecedores da Evergrande. A empresa também possui dívidas comerciais.

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Com isso, os investidores acenderam a luz amarela, temendo um contágio mais amplo no sistema financeiro, desencadeando uma crise no mercado imobiliário, seguida de uma crise sistêmica. Porém, o estrategista global do Rabobank, Michael Every, descarta essa possibilidade em meio à onda de regulação na China, que começou com as gigantes do setor de tecnologia e agora já caminha em direção a Macau, onde os cassinos devem virar alvo.

“Portanto, quanto tempo até que a empresa seja redirecionada para construir habitações sociais com margens baixas?”, indaga Every, em relatório diário, lembrando que o governo chinês está contratando seus próprios especialistas em contabilidade para equiparar-se aos contratados pela gigante imobiliária em dificuldades.

Nos últimos anos, o governo chinês se concentrou na questão da dívida, mas resta saber se isso deixará empresas como a Evergrande entrar em colapso ou se será considerado “grande demais para quebrar”. São dois motivos para crise na Evergrande: novas políticas do governo chinês para combater o endividamento excessivo de incorporadoras e o desaquecimento do mercado imobiliário chinês.

“A raiz dos problemas da Evergrande - e de outras incorporadoras altamente alavancadas - é que a demanda por propriedades residenciais na China está entrando em uma era de declínio sustentado”, afirma, em relatório, o economista-chefe para Ásia da Capital Economics, Mark Williams. Para ele, as reivindicações dos compradores de imóveis tendem a ser priorizadas, em detrimento a outros credores.

“Esta visão está implícita na escala de vendas contratadas (90% das novas propriedades são vendidas antes de serem concluídas), que dá às autoridades chinesas um forte incentivo para garantir que os projetos em andamento continuem à medida que as incorporadoras falidas são reestruturadas”, observa o economista da Capital Economics.

Vale lembrar que o setor imobiliário é de grande importância para a estabilidade social na China, em especial o segmento residencial, que afeta profundamente os chineses que vivem nas cidades devido à alta taxa de poupança, com a riqueza de grande parte da população ligada a imóveis residenciais.

Daí então porque muitos investidores pessoa física reuniram-se para protestar na sede da empresa, em Shenzhen, no último dia 13. “Protestos relacionados ao mercado de ações são uma fonte comum de manifestação nas cidades urbanas”, ressalta a analista do Neican, Yun Jiang, em resumo diário.

Para a casa de análise, deixar a Evergrande entrar em colapso enviaria um recado ao mercado para não confiar em resgates financeiros vindos do governo chinês, tal qual ocorreu na crise de 2008. Ao mesmo tempo, Jiang avalia que é improvável que Pequim deixe a Evergrande entrar em colapso repentinamente sem qualquer forma de apoio.

“Uma empresa imobiliária residencial com tantos interessados - desde compradores a investidores - pode afetar a estabilidade social”, lembra a analista do Neican. E a China terá de lidar para evitar isso.

A ação da Evergrande caiu 6,4% hoje, estendendo as fortes quedas das últimas sessões. A ação tomou um tombo especialmente acentuado na terça-feira, recuando 11,87%, e acumula perdas de mais de 27% na semana.

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