Empreenda

Por Naiara Bertão, Valor Investe — São Paulo


Trinta porcento. É difícil encontrar uma empresa do mercado financeiro que tenha um percentual acima de 30% de mulheres em relação ao quadro total de funcionários. Quando avaliados cargos de diretoria e conselho de administração, então, os números são ainda menores. Uma das maneiras de garantir maior representatividade feminina nas empresas é por meio da atração de novos talentos. E um processo seletivo em especial mostra o forte e crescente interesse de jovens mulheres para conhecer esse mercado.

Idealizado e organizado pelos quatro bancos internacionais no Brasil - Goldman Sachs, Deutsche Bank, UBS e BNP Paribas - o programa Dn'A Women fez em 2020 sua segunda edição. Mesmo com as limitações que a pandemia trouxe, o programa atraiu 3.997 candidatas para as 60 vagas, três vezes mais do que sua primeira edição, em 2019, quando 1.318 universitárias se candidataram para o programa de mentoria e formação.

A média de 66,6 candidatas por vaga (ante 22 no ano anterior) abre os olhos do setor financeiro para uma realidade: as meninas estão querendo sim ocupar mais espaços no mercado financeiro, mas falta ainda aproximação com as empresas do setor, conhecimento sobre as áreas em que podem atuar e oportunidades de emprego.

“O que mais me chamou a atenção do programa foi a aproximação com as lideranças das empresas e o networking que fiz com as meninas que participaram e os mentores que me acompanharam. Quando passei no processo seletivo do programa, um mundo novo de oportunidades e pessoas se abriu para mim”, comenta Milena La Rubia, universitária que participou da primeira turma.

Estudante de economia da Universidade de São Paulo, Milena nunca tinha tido contato com o mercado financeiro antes e gostou de conhecer as diferentes áreas de um banco, entender o que cada uma faz, os produtos que oferecem e como é a dinâmica do dia a dia de trabalho de uma instituição financeira.

Milena não apenas conseguiu, este ano, uma vaga na área de corporate banking no Deutsche Bank, como também está propagando o que aprendeu nas redes sociais: criou um canal do Youtube com seu nome onde publica vídeos sobre carreira no mercado financeiro para outros(as) estudantes.

“Com o canal no Youtube eu quero traduzir o que é o mercado financeiro para estudantes do ensino médio e que estão na universidade. É um mundo muito diferente e a ideia do projeto é tentar simplificar o que é a carreira no mercado financeiro”, conta. Ela também criou um grupo no aplicativo de mensagens instantâneas Telegram que conta com cerca de 1 mil pessoas onde divulga vagas no setor financeiro.

A vontade de desmistificar o mundo das finanças para outras jovens mulheres também levou a estudante de engenharia da Poli-USP Mariane Frigerio a criar o "Elas no Mercado Financeiro" com outras duas amigas que conheceu na Liga do Mercado Financeiro da sua faculdade, no segundo semestre de 2019. “Até então eu não tinha tido contato com o mercado financeiro, não conhecia as oportunidades, mas sabia que não queria construir a carreira na área de engenharia”, conta ao Valor Investe.

Quando o fundo de investimento Advent pediu à Liga contatos de mais estudantes mulheres para aumentar o número de candidatas em seu processo seletivo de estágio, Mariane percebeu como era difícil encontrar pessoas para indicar.

“A Liga tem pouco mais de 20 pessoas e éramos apenas três meninas. Quando uma empresa ligou pedindo currículo de mulheres que estavam interessadas no mercado financeiro, ficamos em choque. Não estávamos inseridas nesse setor e começamos a pensar em como tentar mudar isso, fazer com que outras mulheres se interessassem pela área”, diz.

O Elas no Mercado Financeiro, que tem também o objetivo de divulgar informações sobre carreira no mercado financeiro para mulheres via redes sociais e eventos junto a faculdades, começou a ser desenhado no primeiro semestre de 2020, mesma época em que Mariane ficou sabendo do Dn’A Women e se inscreveu.

“Achei que estava alinhado com o que estávamos pensando para o grupo e diretamente relacionado com os assuntos que discutíamos no momento. Tive certeza que queria participar. As aulas não ofereciam apenas a parte técnica, mas também soft skills e achei interessante. O programa de mentoria também me chamou muito a atenção”, diz a estudante.

O programa

Maria Cristina Sampaulo, líder de diversidade e inclusão para a América Latina do Goldman Sachs conta que a ideia surgiu a partir de uma apresentação que ela fez sobre outro programa do banco, o LIFT, de inclusão de jovens negros(as) de baixa renda, às quatro presidentes dos bancos internacionais em meados de 2018.

Na época, Maite Leite já estava à frente do banco alemão Deutsche Bank no Brasil, Sylvia Coutinho também já liderava o suíço UBS no país, o francês BNP Paribas local era comandado por Sandrine Ferdane e Maria Silvia Bastos Marques estava presidindo a unidade brasileira do americano Goldman Sachs.

“Desde que colocamos metas de diversidade no Goldman eu comecei a pesquisar sobre porque poucas mulheres se interessam pelas áreas de finanças, porque temos dificuldade de atração desses talentos. As presidentes se solidarizaram com o tema e me pediram para apresentar um esboço de projeto, baseado na experiência com o LIFT, em outubro [2018]. Chamei, então, estagiárias de diversas áreas de negócio do banco para conversar e entender os obstáculos para esboçar o programa”, conta Maria Cristina.

Todas aprovaram a ideia e as respectivas áreas de recursos humanos dos bancos coordenaram sua implantação. Assim nasceu o Dn’A Women, com o objetivo de incentivar a diversidade, equidade de gênero no mercado financeiro e liderança das mulheres nas empresas do setor.

“Nosso objetivo é desmistificar a ideia de que o mercado financeiro não é um lugar de potencial desenvolvimento de carreira para jovens mulheres. Queremos não apenas diminuir essa percepção, como também aumentar a representatividade feminina”, afirma Maite Leite, presidente e diretora do banco alemão Deutsche Bank no Brasil e a primeira mulher na diretoria da Câmara Brasil-Alemanha.

Primeira turma do DN'A Women, em 2019 — Foto: Divulgação
Primeira turma do DN'A Women, em 2019 — Foto: Divulgação

O programa

Para serem chamadas, as meninas precisam passar por um teste de inglês (a exigência é nível intermediário), teste de perfil e preenchimento de outros detalhes pessoais. Na segunda etapa, cerca de 200 meninas são selecionadas para participar de um dia de seleção com organizadores. Na primeira edição, esse encontro foi presencial e, na de 2020, on-line. Neste momento elas são divididas em grupos de 15 pessoas, participam de dinâmicas e precisam fazer uma rápida apresentação pessoal e individual em inglês. Por fim, quem se destaca é chamada no particular para conversar. O processo de seleção é feito pela Cia de Talentos.

“O mercado financeiro não é só para homens. O mercado financeiro está mudando, ainda mais no banco de atacado, de investimento. Com produtos cada vez mais sofisticados, precisamos de talentos e diversidade”, comenta Renato Rovina, diretor de RH do Banco BNP Paribas Brasil.

Há uma clara correlação entre diversidade étnica e de gênero com a lucratividade das empresas, mas, mesmo assim, as minorias e mulheres continuam sub-representatadas. Um estudo conhecido e muito citado é o da McKinsey que, em 2018, apresentou dados convincentes sobre essa relação: quanto maior a diversidade, maior o resultada da empresa.

Em todo o mundo, empresas com maior diversidade de gênero nas equipes executivas tinham uma probabilidade 21% maior de ter margem Ebit (lucro operacional) superior à de seus pares que tinham menor diversidade. Além disso, tinham uma probabilidade 27% maior de criar valor no longo prazo, considerando a margem de lucro econômico.

Com duração de cinco meses, o programa Dn’A Women é dividido em duas frentes: aulas durante 3 horas todos os sábados e um processo de mentoria que dura, ao total, quatro meses. No caso das aulas, que podem ser palestras ou workshops, há temas mais técnicos, como Indústria bancária, Introdução ao mercado financeiro e Finanças Pessoais, mas também mais teóricos e ligado às chamadas soft skills, como Comunicação, Liderança e Autoconhecimento. Para ministrar e facilitar as aulas, o projeto contrata consultorias especializadas como Impulso Beta, The School of Life e Denise Damiani Consultoria. Apoiam ainda o projeto o escritório jurídico Cescon Barrieu, Grupo Cia de Talentos e WILL – Women in Leadership in Latin America.

Mentoria

A outra parte do curso são as mentorias individuais. E a mentoria no Dn’A foi pensada para que cada mentoranda seja assistida por uma dupla de mentores (um homem e uma mulher que trabalham em instituições financeiras diferentes) e o formato é livre. Ou seja, são 120 mentores por edição, 60 homens e 60 mulheres.

Uma das mentoras de Mariane foi Cristiana Ferraz, responsável pela área de Crédito do Deutsche Bank. Assim como todos os 120 mentores, metade homens e metade mulheres, ela se voluntariou para ajudar porque sentia que tinha o que contribuir, além de entender que a troca com pessoas mais jovens poderia ser inspiradora e revigorante.

“Apoiar as mulheres universitárias em seu momento decisivo de carreira é gratificante e faz toda a diferença. Se eu tivesse tido essa oportunidade lá atrás, meu ritmo de evolução dentro do mercado teria sido outro”, comenta Cristiana, que foi participar como mentoranda em um programa de liderança já com anos de carreira no setor.

“O programa não tem amarras. Pelo contrário, a frequência e o formato dos encontros, o conteúdo e a forma de contato é livre e depende muito da mentoranda; é ela quem vai ditar o ritmo do programa e trazer as questões para discussão que são mais sensíveis para ela”, explica Cristiana.

Com Mariane, a mentora falou desde questões operacionais, como funciona um banco de investimento, a diferença entre boutique financeira, banco comercial, banco de investimentos e consultoria na área financeira, até sobre suas experiências pessoas como uma mulher no mercado financeiro.

“Contei experiências que tive em reuniões e fóruns de discussão, quando muitas mulheres se sentem tímidas para fazer perguntas por acharem que serão julgadas de um jeito diferente do que os homens. Dei dicas sobre como consegui passar por isso e quais ferramentas utilizei para superar esses momentos de timidez, insegurança”, conta Cristiana.

Nathalia Ramos, que está no Deutsche há 10 anos e é atualmente co-diretora de corporate bank coverage, foi mentora nas duas edições. Ela não apenas se deparou com pergunta sobre como é ser mulher no mercado financeira e atuar em um mercado tão masculino, como precisou explicar como é ser mãe trabalhando em um ambiente assim - ela é mãe de dois meninos, um de 3 anos e outro de 6 anos.

“Eu tenho 37 anos. E eu e a maioria das minhas amigas passamos pelos mesmos dilemas de querer ser mãe e continuar trabalhando. Querer ter liberdade de levar o filho no pediatra. Essas são questões que mulheres 10 a 20 anos mais velhas que eu não viveram, porque, naquele momento, para vencer no mercado financeiro precisavam se igualar mais ao homem. Hoje, os homens são mais participativos também do que eram há uma década."

Ela explica que as meninas do programa, hoje com 22 a 24 anos, não perguntam por que pretendem ter filhos agora, mas querem ter o direito de ser mães quando quiserem. Mas, por levar uma fama de machista e pouco tolerante com mulheres com filhos, o emprego mercado financeiro acaba preocupando as jovens. “É uma geração que quer direito a exercer todos os papéis. Por muito tempo tivemos exemplo de mulheres que priorizavam um papel ao outro. Agora temos mais mulheres-exemplo que abraçam todos os papéis, tentam equilibrar a vontade de estar presentes na vida do filho e trabalhar”, comenta Nathalia, que tem a estudante Milena agora em sua equipe no Deutsche.

Resultados

O Dn’A é um programa bem desenhado que está trazendo frutos para estudantes, empresas e funcionários dos bancos parceiros. Cerca de 75% das 120 meninas que já passaram pelas aulas e mentorias está estagiando ou trabalhando em empresas do mercado financeiro.

Só o BNP contratou 10 jovens do programa de 2019. O Goldman chamou para trabalhar duas participantes e quatro finalistas do processo seletivo de 2019, sendo que três já estão sendo convertidas para analistas e as outras continuam no estágio por conta de ano de graduação. Em 2020, foram contratadas pelo Goldman quatro participantes da turma nova, de 2020 mesmo, e outras três que fizeram o programa em 2019. O Deutsche, contratou a Milena la Rubia.

Mas não é só a possibilidade de estágio que as meninas enxergam no final. Apesar de não terem participado juntas, Milena e Mariane ressaltam os aprendizados sobre finanças pessoais e autoconhecimento; a proximidade com as lideranças das organizações, a forte conexão que o programa gerou entre as meninas, os mentores e os coordenadores; e o networking, cultivado todos os dias no grupo de WhatsApp que cada turma participa.

“Quando uma menina precisa de um estágio a gente indica, explica como funciona o processo seletivo naquele banco, ajuda com questões técnicas e outros assuntos. O networking é imprescindível. Conversamos muito nesse grupo e o que acho mais incrível é que as organizadoras ainda se preocupam com a gente, promovem integração entre as turmas”, conta Milena.

Mariane lembra ainda que já assistiu lives e participou de eventos que divulgaram no grupo, e que muitas vagas de estágio que são passadas por lá dificilmente chegariam a ela por outros meios. “O ponto em comum entre todos os participantes é que queremos aumentar a participação feminina no setor”, finaliza Mariane.

Do ponto de vista das instituições, mais do que avaliar possíveis estagiárias e avançar na política de diversidade, elas estão colhendo frutos no clima e ambiente interno. “A repercussão que tem com mentores e o orgulho de funcionários com o programa, é muito benéfico. As pessoas estão mais abertas e com um olhar mais inclusivo; começam a entender os dilemas e as ambições das jovens e a relação está mais fluida e integrada”, diz Maite, do Deutsche.

Para o programa de 2020, teve até fila de espera para ser mentor.

“O que temos em comum é a preocupação e a vontade de fazer a diferença. O BNP tem pegada de voluntariado forte e este ano, por conta da pandemia, vários projetos deixaram de ser realizados. O engajamento já existe, mas nos surpreendeu o interesse para ser mentor voluntário e de diversas áreas. Tivemos mais mentores do que a capacidade de absorvê-los no projeto”, comenta Rovina, do BNP.

As discussões dessas iniciativas são também orientadoras de políticas para os bancos.

“Temos a oportunidade de ouvir de alguém de fora da Goldman sobre qual a percepção sobre trabalhar no mercado financeiro, as dificuldades para entrar e o que podem enfrentar. As próprias mulheres têm vieses inconscientes de que algumas carreiras não são para elas. Desmistificar isso faz parte da nossa obrigação como empregador, mas também como mães e pais que deveriam educar os filhos e filhas com as mesmas escolhas, oportunidades e ambições”, diz Paula Moreira, diretora da área comercial da mesa de renda fixa do Goldman Sachs Brasil, que também foi mentora do projeto.

A executiva acredita muito no poder da referência. “É importante ter modelos que mostram que é possível ter carreira de sucesso no mercado financeiro e vida pessoal em paralelo”, diz. De fato, as mentorandas ouvidas pelo Valor Investe se empolgam ao contar que tiveram encontros com as CEOs e diretoras das instituições.

O desafio do grupo é, agora, aumentar a diversidade dentro do próprio programa, que conta com 52% brancas, 42% negras, 6% asiáticas (1% com deficiência). Em 2019, a participação de negras, por exemplo, foi ainda menor (33%), o que mostra um avanço, mas ainda pequeno.

“Teve um esforço no processo de seleção desse ano para ser o mais inclusivo possível, trazendo mulheres PCDs, negras, e de uma variedade de faculdades”, diz Rovina, do BNP.

Os bancos avaliam agora se abrem o programa para outras instituições e aumentam as vagas. Nada certo ainda, mas, em apenas dois anos, já deu para perceber que demanda não falta.

 — Foto: Gettyimages
— Foto: Gettyimages
Mais recente Próxima Mercado de tecnologia tem aumento de 310% de vagas em 2020
Mais do Valor Investe

Ambas as redes são operadas no Brasil pelo grupo SouthRock; dívidas das companhias serão tratadas como uma só

Starbucks e Subway: recuperação judicial vão tramitar em um mesmo processo

Segmento premium avançou 18% e gerou receita de R$ 365,3 milhões, aumento de 13,5%, na comparação com mesmo período do ano passado

Lucro da Yduqs(YDUQ3) soma R$ 150,5 milhões no 1º trimestre; base de alunos cresce 5%

Companhia reportou lucro de R$ 70,8 milhões no primeiro trimestre desse ano, frente ao prejuízo R$ 126,3 milhões no mesmo período do ano anterior

Nem a coleção nova nem os resultados salvam as ações da C&A (CEAB3) do tombo

No intervalo de apenas uma semana, investidores foram conduzidos a crer em apenas um corte em 2024

Sob alerta do BC dos EUA, esfria a aposta em menos juros. Podem subir!

No período, o índice Dow subiu 2,16%, S&P 500 aumentou 1,85% e o Nasdaq valorizou 1,14%

Bolsas de NY avançam até 2% na semana apoiadas por dados fracos de emprego

Com o agravamento da tragédia - 437 municípios gaúchos foram afetados até agora -, um dos fatores que entrou na conta dos investidores foi uma eventual desaceleração econômica na região

Chuvas no Rio Grande do Sul trazem perdas de 11% ao Banrisul (BRSR6) na semana

Saldo do Dia: Em menos de sete dias, as expectativas de e juros se tornaram outras no Brasil e nos Estados Unidos. Taxas mais altas por mais tempo entraram na conta. Nesse ambiente, fechamos a semana com a inflação acelerando mais que o esperado no retrovisor

Quem cortou as asinhas do Ibovespa esta semana?

Vale lembrar que em 1º de maio, os preços do gás natural já haviam sido ajustados, com redução de, em média, 1,5% em reais por metro cúbico (R$/m³) da molécula vendida às distribuidoras

Novas regras da Petrobras (PETR3; PETR4) permitirão reduzir em até 10% o preço do gás: bom ou ruim?

Expectativas sobre a inflação nos EUA aumentaram, e falas cautelosas de dirigentes do banco central americano esfriaram expectativas do mercado sobre o ciclo de corte dos juros

Dólar avança 1,73% na semana e encerra sessão em R$ 5,16

Os agentes financeiros analisam os dados da inflação brasileira do mês de abril, que vieram acima das expectativas, mas dentro das projeções. Além disso, os investidores devem se manter atentos ao ambiente externo, em dia de declarações de integrantes do BC americano

Pisando em ovos, Ibovespa cai com IPCA e EUA na cesta