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Áudios mostram comando de Del Nero na CBF após banimento da Fifa e "ok" para renovação de Tite; Caboclo tentou trocar comissão da seleção

Áudios obtidos com exclusividade pelo ESPN.com.br evidenciam que o ex-presidente da CBF Marco Polo Del Nero exerce influência no comando da entidade mesmo após ser banido pela Fifa do futebol. O cartola – que não deveria ter mais qualquer contato com o mundo da bola após condenação da federação internacional – ainda é responsável pela última palavra em muitas das decisões no cenário futebolístico brasileiro.

Da indicação de funcionários para cargos menores a discussões sobre contratos milionários, passando por conversas do dia a dia da confederação, praticamente tudo foi debatido e alinhado com Del Nero nos últimos três anos.

Informado da existência dos áudios, Rogério Caboclo recebeu a reportagem do ESPN.com.br nesta sexta (21) na sede da entidade. Ele se mostrou surpreso com as conversas gravadas e assegurou que jamais autorizou captações no prédio.

“Nunca, jamais, em tempo algum, fosse aqui na CBF ou fora, eu gravei algum tipo de conversa. E não sabia que estavam gravando”, disse o atual presidente da entidade.

Sobre o conteúdo das conversas obtidas, Caboclo não quis se pronunciar.

Em duas das muitas gravações obtidas pela reportagem nos últimos dias e com veracidade checada, o poder de Marco Polo fica escancarado: em 19 de julho de 2018, durante conversas para a renovação de contrato do técnico Tite após a Copa do Mundo na Rússia, o então diretor de seleções, Edu Gaspar, e o presidente eleito à época, Rogério Caboclo, deixam claro a subserviência ao banido cartola.

“Falei para você e para o Marco Polo de darmos esse passo para trás para poder manter a nossa estrutura de trabalho”, argumentou Edu Gaspar, enquanto tentava demover Caboclo da ideia de dispensar grande parte da comissão técnica após a eliminação no Mundial.

“Eu não tomo decisões sozinho. Tem o (Coronel) Nunes aqui (então presidente em exercício), tem o Marco Polo”, frisou Rogério, ressaltando ainda que precisava “bater o martelo” das situações com Del Nero.

Auxiliares e preparador fora para dar nova cara à CBF

Eleito em abril de 2018 para um mandato de 2019 a 2023, Caboclo já viajara à Copa como chefe da CBF e liderava, nos meses seguintes, as decisões no prédio que abriga a sede da confederação, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro.

Em seus primeiros meses de comando, não escondia a vontade de dar sua cara à confederação. E uma das ações para configurar tal mudança seria uma troca na comissão técnica. “É dar uma sinalização que existe uma mudança de chefia”, disse Rogério.

Mantendo apenas Tite, uma ordem de Marco Polo, o presidente eleito sinalizou claramente que defendia as saídas dos auxiliares Cleber Xavier e do preparador físico Fábio Mahseredjian, pilares da comissão técnica. Sobre Matheus Bachi, filho de Tite, gravações mostram Caboclo evitando tocar em seu nome ao sinalizar pessoas que não eram de sua preferência.

Edu Gaspar tentava defender o grupo. Caboclo ouvia sem esboçar qualquer resposta.

“Ia sugerir: a gente mantém a nossa equipe de trabalho até a Copa América – com uma responsabilidade, minha e do Tite, de sentar em janeiro (2019) ou dezembro (2018) para ver se as coisas continuam funcionando da forma que a gente espera para que façamos uma nova reflexão sobre isso. Se caso a gente faça uma mudança na estrutura de trabalho, eu acho, e o Tite também, que é um passinho para trás. Mas temos que respeitar a opção de vocês. Segundo ponto: caso haja uma mudança nesse cenário agora, vai ficar direcionado: ‘perderam, foram eliminados, saiu um, saiu dois’. Não vejo isso positivo, institucionalmente falando. Está funcionando. As coisas funcionaram bem. As pessoas estão elogiando a formatação do novo trabalho. Na maioria das seleções mundiais, há essa estrutura. Uns para mais, outros para menos. Mas é uma estrutura que a gente acha ideal para a nossa realidade. Conversei isso com o Tite e gostaria de trazer para que você faça uma reflexão se existe essa possibilidade. Por que eu falei dezembro? Vamos supor que você continue com a ideia de tirar algum membro, a gente trocar a equipe de trabalho. Em dezembro, os clubes estão começando a reestruturar as equipes para o início da temporada. Agora, eles estão jogando o Brasileiro. Se tirarmos alguém, ele não se recoloca. E, para nossa estrutura geral, não seria positivo”, defende Edu Gaspar.

“A gente está falando basicamente do Fábio, eventualmente do Cleber... e o Sylvinho?”, questiona Caboclo.

“O Sylvio é uma questão um pouco mais específica. E eu quero dividir contigo. O Tite está definido. Ele [Sylvinho] é o número 1. Tite quer o Sylvio do lado. Pronto. É dinâmico, moderno. As coisas que ele acha. Concordo nisso. O Sylvio está começando a ter um mercado interessante para ele. Athletico-PR fez consulta, Santos está fazendo consulta. Esses clubes importantes, mas não com a pujança de Flamengo, Corinthians etc, já estão buscando, vendo a possibilidade do trabalho dele. Sylvio falou para mim. ‘Edu, estou há dois anos e meio com vocês. Aceitei o projeto de Copa do Mundo. Sensacional. Só que eu sempre fui (parte inaudível). Daqui para frente, gostaria que você pudesse ver com o Rogério algo que me desse uma garantia mínima. Para eu poder dizer não para os clubes e continuar fazendo prestação de serviços para vocês’. O Sylvio passaria a fazer parte do nosso dia a dia. Com uma grande possibilidade de o Cleber no fim do ano dar lugar ao Sylvio. É uma forma de segurar (o Sylvio) a médio, longo prazo. Se for tentar fazer algo com ele (Cleber) agora (dispensá-lo), ele fica exposto (no mercado). Ele (Sylvinho) hoje não tem vínculo. Presta serviço a nós na Europa”, explica o ex-diretor de seleções.

“Quanto custa isso?”, pergunta Caboclo.

“Vejo pelos nossos auxiliares. Como seria algo em torno de 75, 80 mil. 75 a 100 mil no mês. Foi o que conversamos lá. Não sairia disso. Critérios que adotamos quando chegamos”, explica Edu. “Eu vejo o Cleber, futuramente... Vou falar que é super essencial? Não. Isso eu sou sincero. Eu vejo o Cleber numa estrutura sub-23, sub-20, acompanhando treinador, como fez na olímpica. Feedback nosso. Fala com os caras. Ser esse cara que vai estar circulando entre todas as seleções. Dá para fazer o Matheus, em determinado momento, eu consigo”, finaliza, antes de voltar a falar da renovação de Tite, onde o presidente eleito da CBF pedia agilidade.

“Creio que não estou te pedindo nada fora de um contexto aceitável. A do Tite, o mesmo contrato. Quatro anos. O Tite, para esse aspecto, estamos bem. Não creio que vai voltar algo diferente. Eu estou pedindo para o Gilmar (Veloz, empresário do técnico) agir rápido. Que ele volte para que a gente finalize rápido isso. Velocidade que eu gostaria de agilizar é em prol da gente. Já adiantei com o Gilmar, ele já está conversando com o Tite. Se for positivo, é só ‘ele vir aqui, sentar, apertar a mão e ‘vambora’, conta o diretor.

“Nem precisa vir até aqui. Mas ok. É bem-vindo”, diz Caboclo.

“O Tite gostaria de saber qual a sua visão sobre a nossa ideia de voltar a conversar em janeiro”, insiste Edu.

Marco Polo é quem “bate o martelo”

“Eu não tomo decisões sozinho. Tem o Nunes aqui, tem o Marco Polo. Marco está até com uma expectativa boa do julgamento que ele vai ter no tribunal (à época, o cartola banido recorria no CAS de sua condenação – mantida pela Fifa depois). Se a gente entender que essa forma funciona, trazendo o Sylvio para um patamar do Cleber, e com a ideia de no fim do ano rever as situações de Cleber, Sylvio, Fábio... Se isso for uma fórmula que funcione, eu vou conversar com o Marco agora à tarde para a gente bater o martelo. E explicar... ‘se for isso, funciona’”.

“Se você conseguir ver com Tite e Gilmar, um ok dentro disso que as coisas funcionem, gostaria de resolver hoje. Vamos andar, trabalhar, evoluir. Não tem trauma pós-Copa, não deixar alguém no mercado... E dar uma sinalização que existe uma mudança de chefia. Acho que funciona. Importante é ter um ‘ok’ lá (em relação a Marco Polo)... Enfim. Dentro de um conceito onde todo mundo deveria manter. Uma coisa muito particular. Que fique guardado. É uma coisa nossa”, frisa Caboclo.

“Eu não divido isso. Eu só falo isso para você e para o Marco Polo. Pensei muito nisso. Algo aceitável, razoável. Deixo aí”, se defende Edu Gaspar.

Após breves minutos de um papo descontraído sobre um evento que rolaria em um hotel, o presidente eleito finalizou.

“Edu, está na tua mão. Se você me der um positivo, eu vou atrás do positivo do lado de cá”, encerrou Rogério Caboclo, novamente deixa claro que necessita do “ok” de quem realmente dava a palavra final.

O ESPN.com.br já vinha mostrando nos últimos dias o poder de Del Nero até os dias atuais nos bastidores. Sempre reunido com diretores, vice-presidentes e membros do alto escalão em rodas semanais de carteado, o cartola dita parte dos rumos da CBF.

Gravações irritam Caboclo, diretores e funcionários

A conversa gravada ainda em 2018 é uma das muitas no prédio da CBF nos últimos anos. Tal situação gera enorme desconfiança e desgaste em todos que precisam se reunir a portas fechadas no local.

Dezenas de funcionários, fossem do alto ou do baixo escalão, desconfiavam da existência de tais áudios vazados, mas nunca tinham se deparado com a materialização do conteúdo.

Reunião emergencial, exaltação e veto a celulares

Vazamentos de informações têm irritado Rogério. Desde a revelação do caso da funcionária afastada após desgaste na relação com o presidente, é comum ver Caboclo reclamando em alto e bom som para pessoas mais próximas.

Na última quarta-feira (19), ele se reuniu, novamente a portas fechadas, com integrantes da diretoria de seleções reclamando de notícias que davam conta de uma conversa antes da última convocação onde o tema da funcionária afastada foi abordado.

Na quinta (20), ao ser informado da apuração da reportagem sobre a conversa com Edu e a interferência de Marco Polo Del Nero, convocou uma reunião de emergência. Assim como fez na véspera, proibiu a entrada de telefones celulares e se exaltou com novas informações vazadas. Presentes ao encontro ouvidos pela reportagem citaram um “destempero” de Caboclo durante o encontro.

Fifa monitora participação de Del Nero. Investigação não está descartada

Procurada pelo ESPN.com.br para comentar a evidência de interferência de Del Nero e se pretendia tomar alguma atitude diante do descumprimento da condenação, a Fifa informou que está “monitorando a situação” e que não faria mais comentários por ora.

A entidade máxima do futebol já vinha acompanhando as notícias dos últimos dias que apontam a participação de Marco Polo e não descartava abrir uma investigação em caso de provas sobre tal interferência. A reportagem apurou que a revelação dos áudios – informados por e-mail à entidade ao longo da semana - já ligou novo sinal de alerta em Zurique, na Suíça. Um novo posicionamento deve ser divulgado nos próximos dias.

Procurado por telefone, WhatsApp e mensagens privadas em suas redes sociais, Edu Gaspar não respondeu até a publicação do caso.