Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'Virar jacaré? Tá de brincadeira? Me dá superpoder, então?', diz MC Fioti, autor de hino da Coronavac

Funkeiro diz que funk (e vacinas) salvam vidas e grava clipe no Butantan; veja o vídeo

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São 18h de quarta (20) e o funkeiro Leandro Aparecido Ferreira, 26, ainda não almoçou. Ele passou a tarde dando entrevistas em seu estúdio musical no Tatuapé, em São Paulo. “Hoje foi só isso. Falei com a BBC de Londres, com a agência France-Presse, com um jornal da Espanha”, diz o jovem conhecido como MC Fioti.

A agenda cheia se deve à segunda onda de sua música “Bum Bum Tam Tam”. A canção, que virou fenômeno internacional após ser lançada em 2017 e se tornou o primeiro vídeo brasileiro no YouTube a registrar um bilhão de visualizações, em 2021 virou o hino não oficial da vacina Coronavac, produzida pelo Instituto Butantan.

Algum internauta percebeu que o nome da entidade tem sonoridade semelhante ao título da música e compartilhou a coincidência nas redes sociais. “Não sei quem viralizou isso”, diz Fioti sobre o meme que tomou força no começo deste mês. Aproveitando a repercussão, o cantor compôs uma variação do hit com referência ao imunizante.

Na nova versão, os versos “é a flauta envolvente / que mexe com a mente / de quem tá presente / a novinha saliente / fica loucona e se joga pra gente / Aí falei assim pra ela: / Vai com bum bum tam tam” viraram “é a vacina envolvente / que mexe com a mente / de quem tá presente / é a vacina saliente / vai curar ‘nóis’ do vírus e salvar muita gente / aí eu falei assim pra ela: ‘Vai, vai no Butantan”.

O fenômeno fez o governador João Doria ligar sorridente ao funkeiro para elogiar o “sucesso butantante” da música. “Ele [Doria] me agradeceu pelo apoio que a gente tá dando para a vacina”, diz Fioti. “Foi um papo legal. E eu cantei pra ele a música na versão da vacina.”

O cantor também gravou um clipe da nova canção na sede do Instituto Butantan —o vídeo foi lançado neste sábado (23) [assista abaixo]. “Na hora que a gente mostrou o projeto, eles super abraçaram”, conta Fioti. O vídeo tem a participação de funcionários da entidade. “As pessoas estavam tão felizes com tudo o que estava acontecendo que voluntariamente falaram ‘eu quero estar lá.”

O funkeiro afirma que não recebeu patrocínio do Butantan nem do governo de SP e que o investimento para a gravação partiu dele. “É uma homenagem a algo que aconteceu naturalmente.” Ele diz que tem sido chamado de “o menino da vacina”.

Fioti não conhece o seu pai, que abandonou a família quando ele nasceu. Natural de Embu das Artes (SP), o jovem é o caçula de seis irmãos [cinco de outro pai] e foi criado pela mãe, Lúcia, no Capão Redondo, na zona sul paulistana. “Minha mãe foi uma guerreira. Nós sofremos bastante dificuldade, mas ela sempre deu o melhor pra gente com o suor dela”, conta o funkeiro.

Ele cursou até o primeiro colegial em escola pública. Abandonou os estudos para ajudar a sustentar a casa. Fez bicos de servente de pedreiro e depois trabalhou com carteira assinada no Burger King. “Eu era um super funcionário, ia até subir de cargo, mas pedi demissão porque queria viver da música”, lembra.

“Sabia que a música ia me trazer algo, e aí sim eu ia conseguir mudar a vida da minha mãe. Então apostei tudo no funk, e graças a Deus deu certo.” Hoje, Lúcia, que foi caixa de supermercado e diarista, não precisa mais trabalhar.

O jovem conheceu o funk por meio do MC Zóio de Gato, que morreu em 2009, aos 16 anos, em um acidente de carro. “Ele cantava sobre a realidade das ruas. Aquilo me inspirou. Eu já era bom em fazer poemas na escola, tinha facilidade de escrever bastante coisa que envolvesse rima e sentimento. Decidi despertar esse talento em mim.”

O seu primeiro hit foi “Vai, Toma”, com MC Pikachu, lançado em 2016. A partir dali ele começou a viver exclusivamente da música. Segundo o jovem, antes da pandemia de Covid-19 o seu cachê chegava a R$ 30 mil por show. No auge da música “Bum Bum Tam Tam”, ele fazia cerca de oito apresentações por dia, de quinta a domingo.

“O funk tem o poder de mudar vidas. Mudou a minha”, afirma o cantor. “E a de muitos amigos funkeiros também”, segue ele, citando o exemplo de MC Kevinho, 22, autor da música ‘Olha a Explosão’. “Esses dias ele comprou uma casa nova!”, diz o funkeiro, referindo-se à mansão com três andares, piscina e sala de cinema que o colega adquiriu em Alphaville. “Sabe quem deu essa casa pra ele? O funk. Vai ver o vídeo da mãe dele chorando emocionada com a conquista. O funk é importante.”

Só que o estilo ainda sofre preconceito, segundo ele. “Mas conforme vamos fazendo, a gente mostra, para todos os que não gostam ou que não aceitam, que o funk é cultura —nossa, brasileira. E nada mais digno do que o povo viver da sua própria cultura.”

Ele ressalta que o funk não é um gênero engessado. “Ele evolui”, afirma, citando que o estilo já passou por diversas ondas com temáticas diferentes ao longo dos anos, como facções criminosas, ostentação e romance. “O funk faz de tudo.”

Um exemplo é o fato de “Bum Bum Tam Tam” ter como base uma composição do alemão Johann Sebastian Bach (1658-1750) para flauta. Fioti se deparou com a partitura da obra durante uma pesquisa musical para usar em seu trabalho. “O que Bach tem a ver com o funk? É música clássica! Mas isso acaba mostrando para muitas pessoas que não sabiam quem era Bach que ele existiu e foi muito importante na música”, segue ele.

O sucesso levou Fioti a fazer shows “em mais de 30 países”. A Dubai, cidade nos Emirados Árabes Unidos, ele já foi duas vezes. “Considero lá até a minha casa, porque a recepção que eu tive parecia que eu estava no meu próprio país”, brinca o jovem, que caiu nas graças do empresário Mohammed Khalaf Al Habtoor. “É um patente alta de lá”, afirma o cantor referindo-se ao dono do hotel que contratou o funkeiro para uma apresentação.

“A gente tinha organizado de gravar um clipe lá [na cidade]. Ele [Mohammed] me chamou no camarim, me elogiou e me liberou para gravar tanto no palácio dele quanto na cidade. Detalhe: ele emprestou dois [carros] Bugatti para a gente usar no clipe”, lembra.

Ao falar sobre as influências musicais que sofreu, Fioti mostra orgulhoso cada um dos álbuns da sua coleção de vinis. “[O rapper americano] Eminem, o grande Bob [Marley], N.W.A. [grupo de RAP dos Estados Unidos], nosso mestre Tim Maia, nosso outro mestre, Sabotage [MC brasileiro assassinado em 2003], e o nosso rei Tupac [Shakur, rapper americano também morto a tiros, em 1996]. Entre outros, né, mano?”

Enquanto ele mexe nos discos é possível ver tatuagens nos seus antebraços. No direito, consta o nome da sua mulher, Isabella, a MC Bella. No esquerdo, o da filha de um ano e sete meses do casal, Linda. No mesmo braço há uma figura de Jesus Cristo. “Vou fazer mais uma com o nome da minha mãe”, afirma ele, que conversou com a coluna por vídeo do estúdio —que fica a cinco minutos de seu apartamento.

Fioti diz não ter muito a comentar sobre a guerra de vacinas travada entre Doria e o presidente Jair Bolsonaro. “Não sei o que o nosso país tá pensando, falando dos que governam. Porra, cara, é uma coisa só: as pessoas precisam parar de morrer.”

Ele acha que a evidência que a sua música ganhou devido à ligação com a vacina vai trazer mais destaque ao funk e irá sensibilizar as pessoas a se imunizarem. “O funk se comunica muito com as comunidades. E agora olha onde a gente tá. ‘Nóis’ se envolveu com a ciência, com a medicina, com a vacina, que é a cura da humanidade.”

“Vamos nos conscientizar e tomar a vacina, valeu, rapaziadinha? Vamos voltar à nossa vida normal. Essa é a parada”, diz. Questionado se tem medo de “virar jacaré”, em referência a uma fala de Bolsonaro que citou essa possibilidade para quem tomasse vacina, Fioti diz: “Isso é mito, é brincadeira.”

“O pessoal tem que tomar vergonha na cara. Se uma vacina vai me transformar em jacaré, eu diria para os cientistas criarem uma para eu ter superpoder. Me dá superpoder, já que é assim”, ironiza. “Virar jacaré? Tá de brincadeira? Isso não é real, tá ligado?”

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