| Foto: Divulgação
CARREGANDO :)
Carlos Marighella foi chamado pela ditadura, em 1962, de

A vizinha passou gritando e alertou Maria Rita sobre o fato de ela prender com uma cordinha o pé do filho Marighella à mesa: "Não faça isso, porque menino que a gente prende assim um dia acaba sendo preso de verdade". Marighella foi preso diversas vezes (só no governo de Vargas foram três) e em nenhuma delas a mãe dele se perdoou. "A cada prisão ou violência sofrida por ele, Maria Rita nunca acreditou que fosse por causa de policiais inescrupulosos, de tirania ou de governos autoritários. Sempre achou que a culpa era dela", diz o jornalista Mário Magalhães.

Publicidade

É abordando a questão do sentimento de culpa que Magalhães escreve sobre um dos episódios marcantes da infância do militante do PCB, no seu livro recém-lançado Marighella: o guerrilheiro que incendiou o mundo. Essa passagem do pé preso à mesa é apenas um detalhe num livro de 784 páginas. A verdade é que Magalhães, em nove anos de pesquisa, conseguiu tantos documentos – muitos inéditos –, que eles serão doados ao Memorial Marighella, a ser construído na Bahia.

Para o leitor do livro, ele deixou apenas o filé mignon. "Embora esclareça como Marighella foi morto, é importante deixar claro que não escrevi uma obra sobre a morte dele, mas uma biografia sobre a história fascinante de uma pessoa que, nos anos 1960, era um dos brasileiros mais conhecidos mundo afora, chamado com ares mitológicos pelo Le Monde de ‘mulato hercúleo’ e pela Time de ‘mulato de olhos verdes’. Veja, os olhos deles eram castanhos", comenta.

Confira parte da entrevista concedida à Gazeta do Povo, por telefone, na última quarta-feira, quando Magalhães lançou seu livro no Rio Grande do Sul.

Que mãe era esta que sofreu tanto por ter amarrado o filho para evitar que ele se perdesse pelas ruas da Bahia?

Era filha de escravos africanos e católica fervorosa. Nasceu em maio de 1888, mês da abolição. Teve oito filhos, o mais velho era Marighella. Ela costumava dizer: "Escapei da escravidão, mas não escapei de vocês". Imagine, oito filhos.

Publicidade

Como ela e o pai de Marighella reagiram aos ímpetos revolucionários do filho?

A mãe se opunha frontalmente à militância dele porque considerava perigoso. O pai nunca lhe faltou. O ajudou a se esconder e enrolou a polícia. O livro conta isso em detalhes. Aliás, para quem gosta de curiosidades, descobri que o pai de Marighella desembarcou no Brasil em 4 de novembro de 1907, mesmo dia e mês em que Marighella foi morto, em 4 de novembro de 1969.

É justa a comparação de que ele é o Che Guevara brasileiro?

Chamá-lo de Che brasileiro é uma profunda injustiça e uma ignorância com a história mundial dos anos 1960. Ele não teve apenas projeção local, mas mundial. Foi apoiado com dinheiro e propaganda por pessoas como o filósofo Jean Paul Sartre, o pintor Joan Miró, o cineasta Luchino Visconti, o dramaturgo Augusto Boal e o cineasta Glauber Rocha. Quando escreve o Minimanual do Guerrilheiro Urbano, este manual é traduzido no planeta inteiro. Ele foi chamado pela ditadura, em 1962, de "o inimigo público número um". Quando toma as transmissões da rádio nacional de São Paulo, em 15 de agosto de 1969 (mesmo dia em que começava o festival de Woodstock), o New York Times cobre esse episódio com uma matéria de mais ou menos 250 linhas.

Como ele era visto pela CIA?

Publicidade

Com a morte do Che, a CIA diz que Marighella se torna o grande ideólogo dos revolucionários e dos movimentos contestatórios da América Latina. A ideia de que ele é sucessor do Che é da CIA.

O que é desvendado no livro sobre a morte dele?

A questão central e que nunca se soube é que os 29 policiais que estavam naquela noite na Alameda Casa Branca mataram um homem desarmado. E muito se pergunta como a polícia chegou ao Marighella por meio dos frades dominicanos. A pergunta correta é por que demorou tanto? Descubro documentalmente que, em 1968, o Dops de São Paulo já fazia campana no convento dos dominicanos esperando o Marighella. Como sabia? Graças a um infiltrado na ALN. Aliás, documento a ação de um outro infiltrado que prestava serviços de espionagem aos Estados Unidos e que teve o Marighella nas mãos por mais ou menos seis meses. Marighella visitou locais onde no futuro seria instalada a guerrilha rural e o motorista, que viajou com ele, era esse informante da espionagem americana.

Então ele não foi traído por nenhum companheiro?

De modo algum. Eu digo no livro, é uma opinião minha, que informação obtida mediante tortura é responsabilidade do Estado. Quem matou Marighella foi a ditadura.

Publicidade

Você tem enfatizado em entrevistas que seu livro não é somente sobre o Marighella adulto. O que há de tão interessante na vida dele antes da militância?

Ele se torna uma personalidade na Bahia aos 17 anos, e não por participar de política ou algum tipo de militância. O fato é que ele responde em versos a uma prova de Física no ginásio. Essa prova é conhecida e, no livro, ela é publicada na íntegra. A prova versava sobre o estudo dos espelhos e os pró-marighelistas dizem que o professor lhe deu 10. Ninguém havia encontrado a correção e eu achei. O professor respondeu também em versos rimados. Saudou a criatividade do aluno, mas lamentou que o conteúdo estava fraco. Outra passagem interessante é que com 24 anos ele foi preso no Rio junto com Graciliano Ramos e, depois, se tornou amigo dele. As pessoas que passam pela vida do Marighella marcaram muito o Brasil e o mundo.