Ana Fagundes, Christopher Faria e Júlia Diniz

 
“Foi então que eu investi na pintura e notei que eu poderia compor melhor com amarelo, verde, laranja… do que com dó, ré, mi, fá.”

Guido Boletti concedeu uma entrevista para a VAN em meio aos seus quadros da mostra “Um som azul”, exposta no Museu Regional de São João del-Rei. Guido nasceu em Milão. Mas, há 16 anos se mudou para Belo Horizonte, onde viveu por seis anos. Por mais que tenha gostado da vida na capital, encantou-se com o interior e resolveu se mudar para São João del-Rei, onde vive desde 2013, no Campo das Vertentes.

 O artista plástico trabalha com vitrais, cerâmicas, serigrafia, joias e ilustrações e já participou de várias exposições individuais e coletivas, tanto em cidades da Itália, quanto do Brasil. Os quadros apresentados são uma experiência envolvendo os sentidos. Guido brinca com a percepção do público, propondo uma nova maneira de absorver as cores ao explorar o ritmo e a harmonia em suas composições.

A exposição em cartaz é uma continuação da primeira parte do projeto que foi apresentado em Lodi (Itália), em 2022, com o título “Un suono blu” (“Um som azul”, em italiano), que comemora os 30 anos de carreira do artista. Ambas as exposições são ligadas a uma composição musical do próprio Guido Boletti, funcionando como trilha sonora de sua arte.

Guido, qual e como foi o seu primeiro contato com a arte? Tanto com a que você se encantou quanto com aquela que você quis reproduzir.

Um dos momentos importantes, que me lembro, foi com minha mãe, que pintava em casa. No começo, ela não pintava quadros. Em 1947, antes dos 20 anos, ela pintava bonecas, quadrinhos… só depois de seu divorcio com meu pai que passou a pintar quadros. Acho que não tem uma conexão direta com minha arte. Mas, creio que possa ter certa conexão, sim. Quanto a mim, antes de pensar em ser pintor, teve uma temporada em que eu fazia camisetas pintadas à mão. Mas, (era) mais por necessidade de fazer uma graninha. Mas, logo eu me interessei muito pela música – piano e saxofone. Eu até chegava a compor. Mas, fui percebendo que aquilo não estava dando certo, que talvez eu não tivesse o talento necessário. Foi então que eu investi na pintura. E notei que eu poderia compor melhor com amarelo, verde, laranja… do que com dó, ré, mi, fá…

Você diria que foi nesse momento que você decidiu o que queria produzir?

Eu acredito que foi um processo me encontrar na minha arte.  Não sei dizer se teve um momento exato; foi um caminho. Aos 29 anos sofri um acidente e fiquei totalmente cego do olho esquerdo. Naquele momento, por exemplo, a pintura foi uma terapia. Nesse processo todo eu pude pensar “O que eu gosto de fazer? O que eu gosto de pintar?”. É como se fosse um processo de lapidação. Tem que lapidar para tirar toda a beleza da pedra, né? Hoje eu sinto minha pintura muito mais leve. Sinto que cheguei ao meu melhor momento. Mas, ainda quero conseguir deixa-la mais leve ainda!

Bem, “Um som azul” comemora 30 anos desse processo. O que o senhor fala sobre essa exposição?

Nas três palavras já se nota a música e a pintura. Mas, por que azul? Não posso negar que é a minha cor predileta. Durante o meu caminho o azul se demostrou uma cor predominante; eu sempre senti mais intimidade com essa cor. Críticos de arte e colegas já me falaram que eu trabalho com essa cor de uma forma peculiar. “O Som Azul” começa daí – eu não quis escolher um título banal para comemorar meus 30 anos de carreira. Na comemoração de 20 anos, eu comemorei da forma clássica: peguei todos os meus trabalhos e mostrei o que tinha feito durante esse tempo. Aqui, nos 30 anos, eu decidi que queria fazer a comemoração com um pouco mais de maturidade, ao invés de apenas mostrar o que eu fiz no passado, mostrar onde estou; mostrar que estou mudando e não estou morto como artista.

Pode nos contar sobre alguma das suas produções mais recentes?

Todos os quadros que não tem peixes são recentes. Elas são uma coleção específica, de antes da pandemia, que juntei para expor, com os últimos que pintei.

Essa foi feita logo que voltei da Itália; nasceu nesse espírito: representa o fim de uma exposição em direção à outra. Pode parecer completamente abstrata, mas vou mostrar que não é. A obra surgiu pelo meu amor pela física quântica, porque, além da música, também tem o teatro, a escrita, a física que também posso usar para me expressar. Não posso vir e fazer uma palestra sobre física sendo que eu não sou físico. Seria arrogante. Mas, eu posso fazer a minha retratação. O que eu pensei foi: mesmo se considerarmos que o tempo e o espaço são matéria, eu sou uma formiga, não causaria nenhuma vibração no tempo. Mas quando dois buracos negros se colidem…  a colisão deles é capaz de parar o tempo. Por isso “O sono de Cronos”.

Olhando para trás, para seus 30 anos de trabalho, quais as dificuldades você diria que superou, quais ainda existem e quais surgiram?

A principal do início é encontrar lugares onde expor sua arte. Claro que você pode começar a expor, por exemplo, no corredor do shopping. Eu mesmo já fiz isso. Não é esnobando. Mas, um músico que toca em um bar, ele sonha em chegar a um palco para as pessoas ouvirem.  Não continuar em um bar, em que às vezes as pessoas não estão nem ouvindo ele. A outra dificuldade, claro, é sustentar sua arte – pagar as despesas das tintas, das telas, do tempo que você gasta, espaço onde pintar… Devo dizer que, como autodidata, passei por dificuldades diferentes de artistas que começam pelo mundo acadêmico. Tem sempre a questão de ser conhecido, ter contatos e começar a vender sua arte, além de ser necessário ser mais autocrítico. Mas a maior dificuldade mesmo é sempre acreditar no que faz. Ser honesto com a sua arte e acreditar que você tem alguma coisa a dizer com ela. Eu sempre busquei não deixar a pintura na mão, até porque ela nunca me deixou também.

Guido, tem alguma história específica em alguma exposição que te marcou de maneira especial?

Sempre é especial, ouvir um elogio, ver as pessoas felizes com minha arte… Uma coisa de que me recordo é de uma menina de 15 anos, que me contou que só gostava de preto e branco. Mas depois de vir até minha exposição, disse que ia reavaliar isso e deixar com que as cores entrassem pra vida dela novamente. Isso é um retorno imenso, grandioso. Essa fase costuma ser complicada… o que essa reinserção de cores pode significar, é muito emocionante. Eu consegui despertar algo bom nesse período que costuma ter um turbilhão de sentimentos conflitantes. Fico muito alegre por ter proporcionado isso com minha arte.

Qual conselho ou dica você daria para novos artistas?

Dedique-se. Se coloque a disposição da sua arte sem pudor e sem vergonha, no sentido de que, o que ela te pedir, você tenta dar. A arte não é uma coisa; a arte está no dia a dia. Não quer dizer que você tenha que pintar todos os dias, mas todos os dias estar pensando no que poderia fazer. Além de sempre absorver outras fontes – como foi o quadro sobre física quântica –, mas também outros artistas, outras exposições. Vá a exposições dos grandes, dos pequenos, grandes museus, mas também nas galerias menores. Outra coisa é sempre ter um olhar virgem, sabe? Livre de julgamentos. Um senso-crítico é importante. Mas, não julgue. Abaixe as suas barreiras. Esteja aberto pra aprender. Estude sempre.

Ainda entre seus quadros, que depois de suas respostas proporcionavam novas interpretações, perguntamos a Guido quais são suas ambições depois de 30 anos de carreira.

Mais 30 anos.

A exposição ficará disponível para visitação até o dia 28/05. O Museu Regional de São João del-Rei fica localizado na Rua Marechal Deodoro, 12, no Centro (Largo Tamandaré). A entrada é gratuita e os horários de funcionamento são: de segunda à sexta, de 10h às 17h, aos sábados de 13h às 17h e aos domingos de 9h às 13h. O Museu também conta com um acervo histórico muito rico, igualmente aberto para visitação. Para mais informações, acesse: https://linktr.ee/MuseuRegionaldeSJDR.

Para conhecer um pouco mais sobre Guido Boletti: https://www.guidoboletti.net/.